Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Articulações e alianças 40
MAR
POCAE
6 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 7
Só a luta garante
nossos direitos
A história da O Movimento dos Atingidos por Bar-
Foi uma época de “ação dire- frente à empresa, e chegaram a Pela primeira vez, na compra de terras e na adminis-
ta”, e a radicalização do movimen- viajar até Brasília para reivindica- uma empresa tração do reassentamento.
to criou importantes obstáculos rem seus direitos, conquistando Chegando ao final da década,
políticos para a execução dos reassentamentos e indenizações.
reconheceu uma com a ajuda de setores da Igre-
projetos. Isso acabou obrigando Na região Nordeste, a popu- organização de ja Católica e do movimento sindi-
a Eletrosul a firmar um acordo lação do Vale do São Francisco
atingidos como cal, a CRAB tomou a iniciativa de
em 1987 em relação às barragens sofreu com os graves impactos organizar, em abril de 1989, em
de Itá e Machadinho. Foi um fa- da construção da barragem de interlocutor válido, Goiânia, o I Encontro Nacional de
to histórico, já que foi a primeira Sobradinho, inaugurada em 1982. barrando assim Trabalhadores Atingidos por Bar-
vez que os atingidos conseguiram Invocando a trágica situação dos
as negociações ragens. A ditadura militar já tinha
que uma empresa reconhecesse atingidos pela barragem, uma ar- acabado, uma nova constituição
a organização como interlocutor ticulação intersindical começou a individuais e estava em vigor, mas o modelo
válido, barrando assim as nego- se organizar com reivindicações conquistando energético implantado pela dita-
ciações individuais e conquistan- sobre: terra por terra na margem dura militar permanecia.
reassentamentos
do reassentamentos coletivos. do lago, abastecimento de água Após o evento, foi realizado
Na Região Norte, as comuni- nas casas e nos lotes, indeniza- coletivos. um intenso trabalho em várias re-
dades atingidas pela hidrelétrica ções justas das benfeitorias fren- giões do país para incentivar a or-
de Tucuruí, construída no Rio To- te à negativa da empresa. Cer- ganização de comissões regionais
cantins e que deslocou mais de ca de 6 mil pessoas ocuparam o de atingidos. Assim, surgiram: no
25 mil pessoas, se organizaram canteiro de obras em 1985, e no- Pará, a Comissão Regional dos
no Movimento dos Expropriados vamente em dezembro de 1986, o Atingidos pelo Complexo Hidrelé-
pela Barragem de Tucuruí, fun- que gerou impacto nacional. As trico do Xingu (CRACOHX) e a Co-
dado em 1981, que lutou para exi- obras foram paralisadas até as- ordenação dos Atingidos por Bar-
gir da Eletronorte indenizações sinatura de um acordo que ga- ragem do Trombetas (CABT); em
justas, terra e reassentamento. E rantiu terra por terra, 2,5 salários Rondônia, o Movimento dos Atin-
conseguiu. As famílias organiza- mínimos até o início da produção gidos por Barragens de Rondônia
ram massivos acampamentos em e participação dos trabalhadores (MABRO); em São Paulo, o Movi-
18 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 19
A luta da época tinha como Na década de 90, atuação até os dias de hoje. Em Em 1997, foi realizado em Curiti-
grande objetivo, então, forçar as além do primeiro dezembro de 1996, foi realiza- ba o I Encontro Internacional de
empresas a cumprirem o acorda- do em São Paulo o III Congresso Povos Atingidos por Barragens,
do; ocupações, marchas e acam-
em Brasília, Nacional, que reforçou o posicio- que contou com a participa-
pamentos foram necessários. ocorreram outros namento do MAB frente ao setor ção de delegações de 20 países,
O país vivia um forte avanço do
três congressos elétrico e o Estado brasileiro, exi- que aprovaram a “Declaração de
processo neoliberal privatista, gindo a participação da popula- Curitiba”, plataforma internacio-
ao qual o setor elétrico não es- nacionais de ção no planejamento, decisão e nal de lutas dos atingidos, e que
capava. Aquele foi um momen- atingidos. execução da política energética. definiu o 14 de Março, agora, co-
to muito duro, faltava dinheiro e mo o Dia Internacional de Luta
a organização nacional impunha Foto: Douglas Mansur contra as Barragens.
enormes desafios ao movimento. O IV Congresso, realizado em
Mas, ao mesmo tempo, a legitimi- novembro de 1999 em Belo Ho-
dade do MAB crescia e a organi- rizonte, confirmou as diretrizes
zação se fortalecia. anteriores e definiu uma linha
Na década de 90 ocorre- de combate contra as políticas
ram, além do primeiro em Brasí- neoliberais e o processo de pri-
lia, mais três congressos nacio- vatização do setor elétrico. No
nais de atingidos. Em dezembro encontro, o movimento avançou
de 1993, realizou-se o II Congres- na elaboração das linhas gerais
so Nacional, que teve como uma sobre o que poderia vir a ser um
das suas principais deliberações Novo Projeto Energético Popular
a necessidade de organizar um para o Brasil, que atualmente é
Encontro Internacional de Atin- uma das principais bandeiras de
gidos. Essa opção internaciona- luta do MAB. •
lista marcou para sempre a his-
tória da organização e guia sua
22 M A B 30 anos de lutas
rias!
de exploração neoliberal. Em ju-
nho de 2003, a capital federal
sediou o V Encontro Nacional
Fortalecer a luta e do MAB, cuja carta final reafir-
ampliar o debate mou a importância do MAB e a Leandro Silva
são bens essenciais para a vida Hoje, o MAB de maneira recorrente, graves
e, portanto, devemos ter acesso entende que violações de direitos humanos,
a eles com qualidade e a preço cujas consequências acabam
justo. Essa noção contradiz a vi-
toda a sociedade por acentuar as já graves desi-
são dominante até os dias de ho- é atingida pelo gualdades sociais, traduzindo-
je no setor elétrico brasileiro, on-
modelo energético -se em situações de miséria e
de nossos recursos são bens do- desestruturação social, familiar
minados por multinacionais que lação internacional dos atingidos e refém do e individual”. O fato significou
visam unicamente o lucro. por barragens foi dado no Méxi- pagamento dos um grande incentivo para nos-
Nesse período, nasceu e se co: o III Encontro Internacional
altos preços sa luta, pois confirmava o que
fortaleceu a campanha “O pre- dos Atingidos por Barragens. O o MAB vivenciou e denunciou
ço da luz é um roubo”, que o MAB encontro reuniu mais de 300 de- das tarifas e desde sempre. O relatório tam-
mantém até os dias de hoje. Em legados de 60 países. Ali come- da privatização bém fortaleceu um conceito
2009, um fato importante: pela çaram as primeiras articulações mais amplo do ser “atingido”,
dos serviços.
primeira vez, fomos reconheci- latinoamericanas rumo à cons- em sintonia com as formula-
dos enquanto atingidos por um trução de um movimento conti- ções do MAB, que já entendia
presidente da República. Lula re- nental de atingidos e atingidas. que são atingidos todos aque-
conheceu que o Estado brasileiro Pouco tempo depois, no dia de barragens no Brasil. Divulga- les que sofrem modificações
tem uma dívida histórica com os 22 de novembro de 2010, a legiti- do após denúncias realizadas pe- nas condições de vida como
atingidos por barragens, e afir- midade da nossa luta atingiu um lo MAB, o documento foi fruto de consequência da implantação
mou que não terminaria seu man- novo patamar. O Conselho de De- quatro anos de estudo da comis- de usinas, sejam direta ou indi-
dato sem resolver o problema. O fesa dos Direitos da Pessoa Hu- são, e listou 16 direitos humanos retamente. Hoje, o MAB enten-
mandato acabou e nossos proble- mana (CDDPH), órgão do governo sistematicamente violados na im- de que toda a sociedade é atin-
mas permanecem, por isso, se- federal brasileiro, aprovou um re- plementação de barragens. gida pelo modelo energético e
guimos lutando. latório que identificou um padrão Segundo o CDDPH, “o pa- refém do pagamento dos altos
Em outubro de 2010, um novo de violações de direitos huma- drão vigente de implantação preços das tarifas e da privati-
passo importante rumo à articu- nos no processo de implantação de barragens tem propiciado, zação dos serviços. •
26 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 27
Distribuição cepção, importantes desafios ras do MAB, mulheres que fo- outra barragem da Vale rompeu
da Riqueza
de articulação. ram assassinadas por estarem de forma criminosa, novamente,
Em 2010, essas articulações na linha de frente da defesa dos dessa vez em Brumadinho, tiran-
e Controle se consolidaram na Plataforma atingidos e atingidas no territó- do a vida de 272 pessoas e des-
Popular!
Operária e Camponesa da Água rio amazônico: Nicinha, em Ron- truindo a bacia do Rio Paraope-
e da Energia (POCAE), que reúne dônia, atingida pela hidrelétrica ba. Em meio à dor e a revolta, o
movimentos populares e estu- de Jirau, e Dilma Ferreira, atingi- MAB esteve desde o minuto ze-
Os crimes das dantis, de trabalhadores eletrici- da por Tucuruí. ro fortalecendo sua atuação em
mineradoras tários, petroleiros, engenheiros, “A vida acima do lucro” se ambas as bacias, prestando so-
e a luta em defesa atingidos por barragens e agri- consolidou como uma palavra de lidariedade irrestrita às vítimas e
da Amazônia cultores para dialogar e articular ordem vital para entender o pa- organizando a luta das comuni-
lutas rumo à construção de um pel do MAB, após os terríveis cri- dades por direitos.
Projeto Energético Popular para mes cometidos em Minas Gerais Ao mesmo tempo, o movi-
o Brasil. pela mineradora Vale: os casos mento liderou a denúncia nacio-
Em 2013, o 7° Encontro Na- de Mariana e Brumadinho. Em nal e internacional sobre o papel
cional do MAB, realizado em novembro de 2015, a ruptura da da empresa criminosa, e conti-
São Paulo, teve como resolução barragem de Fundão, em Maria- nua lutando pela reparação justa,
priorizar a luta dos atingidos e na, matou 19 pessoas, soterran- reassentamentos e a reparação
atingidas contra a construção do comunidades e histórias, e das condições de vida dos atingi-
28 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 29
defesa da vida!
rentes das construções ou ruptu- ção da vida da organização em
ras de barragens. No relatório do todas as regiões do Brasil. Lide-
CDDPH (2010), é possível ler: “as rando lutas, organizando as co-
mulheres são atingidas de forma munidades ou garantindo a orga-
32 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 33
Ciranda
do MAB
A energia do
movimento Foto: Arquivo MAB Foto: Marcelo Aguilar
A ciranda infantil é um dos es- te preocupação com as crianças possibilitar a participação ativa
paços educativos do Movimen- atingidas, evidenciada desde os das mulheres na organização.
to dos Atingidos por Barragens. anos 2000 nos documentos his- No decorrer do tempo, foi se
Surgiu para acolher as crianças tóricos, que revelam o esforço e constituindo um grupo de educa-
atingidas por barragens enquan- reflexão sobre como inseri-las dores e educadoras dedicados a
to seus pais e mães participa- nas atividades da organização. formar novos educadores e de-
vam dos afazeres políticos e or- Desde 2006, o MAB promove senvolver um trabalho pedagó-
ganizativos que fazem parte da sua ciranda nos Encontros Nacio- gico. Um processo de formação
vida do movimento. A Ciranda nais, que reúnem atingidos e atin- iniciado em 2016 resultou na for-
é viva e pulsa em cada ativida- gidas de todo o Brasil. Inicialmen- mação de 52 educadores com a
de, seja em reuniões, encontros, te, as primeiras cirandas infantis participação ativa de 100 crian-
atos, marchas ou seminários. Ao eram entendidas como um espa- ças de diferentes estados.
olhar a história das populações ço prioritariamente de cuidado, e Com isso, a Ciranda se con-
atingidas organizadas no MAB, é com essa função inicial tiveram solidou como um importan-
possível visualizar a permanen- um papel muito importante para te espaço educativo dentro do
36 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 37
uma nova
ta político-pedagógica elabo- as expressões de diversidades,
rada, organizada e executada crenças e liberdades, assim como
por diversos educadores infan-
tis populares. Mas, é importan-
sociedade a diversidade sexual. A luta con-
tra todas as formas de explora-
te dizer que não se trata ape- ção (econômica, ideológica e so-
nas de um espaço preenchido cial) e opressões (de gênero, de
por conteúdo. É também um es- raça e étnicas/regionais) encar-
paço onde as crianças são pro- nam essa transformação social.
tagonistas. Um espaço gosto- O Brasil é o país que mais dis-
so, lúdico, alegre e descontraí- crimina e mata pessoas LGBT no
do, no qual as crianças brincam, mundo. Acreditamos que a luta
aprendem, propõem, conver- pelos direitos da população LGBT
sam, se organizam, participam pela extinção dos preconceitos e
e interpretam suas realidades. as discriminações deve estar liga-
A Ciranda do MAB é a energia do da à luta da classe trabalhadora
movimento! • contra os capitalistas, que são
sustentados por uma estrutura
patriarcal e racista. O debate e a
luta são urgentes.
No MAB, as primeiras con-
Foto: Marcelo Aguilar versas que abriram a discussão
38 M A B 30 anos de lutas A força dos atingidos e atingidas 39
el pueblo
planejada de apropriação e con-
trole dos recursos naturais es-
latinoame-
tratégicos, como forma de acu-
mulação e concentração das ri-
O objetivo é construir um Capitalismo Contemporâneo”, A Plataforma integra a Fren- dade, como distribuição e venda
campo político de alianças que o curso já formou mais de 200 te Brasil Popular (FBP), e como tal, a preço justo de gás de cozinha e
pense estrategicamente a ques- especialistas, pertencentes a desde o início da pandemia, apre- distribuição de alimentos. A Plata-
tão da energia no Brasil, de for- organizações sociais brasilei- sentou uma série de propostas forma continua na luta por um no-
ma articulada com os temas da ras e internacionais parceiras. na área da energia, petróleo e ali- vo modelo energético, construído
educação, saúde e os direitos do Com esse conhecimento da re- mentos que poderiam amenizar a pelo povo e a serviço do povo. •
povo brasileiro. Estudando e co- alidade concreta, por meio da situação do povo ao longo da gra-
nhecendo a realidade energéti- experiência histórica dos dife- ve crise social e econômica. Suas
ca, a plataforma constrói de for- rentes atores do setor e os sé- organizações também articularam
ma conjunta e coletiva lutas com rios e aprofundados estudos, a diversas iniciativas de solidarie-
pontos de unidade que permi- articulação constrói as bases
tam melhorar a política energé- do Projeto Energético Popular. Foto: Viviana Rojas