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Nelson Baltrusis

TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR NAS

DOSSIÊ
METRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS - novos discursos,
velhos problemas

Nelson Baltrusis*

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa sobre o mercado imobiliário informal em
Salvador e se propõe a compreender as transformações nas formas de moradia, particularmen-
te dos mais pobres, ocorridas nas grandes cidades brasileiras. Abordaremos a questão da
estruturação do espaço de morar de ricos e pobres, causada pela implementação do modo de
produção pós-fordista. Em seguida, será abordado o tema da mercantilização do espaço de
morar dos pobres, as favelas e assentamentos irregulares, que se tornam mercadorias num
submercado informal. Veremos como esse tipo de transação se estabeleceu nas cidades latino-
americanas e brasileiras, destacando a ocorrência desse fenômeno nas grandes cidades brasi-
leiras, entre elas São Paulo e Salvador. E, por último, trataremos da retomada dos programas de
provisão habitacional em Salvador. Para tanto, realizaremos algumas considerações sobre a
política habitacional nas últimas décadas e o significado dos novos programas para a constru-
ção de uma cidade mais justa e democrática.
PALAVRAS-CHAVE: transformações socioespaciais, cidades contemporâneas, segregação, Salvador
– Bahia.

INTRODUÇÃO conectada aos serviços urbanos básicos (...)


(Kowarick, 2009, p. 87-88).

A crise habitacional, para a população de Esse processo foi responsável tanto por
baixa renda nas metrópoles dos países não de- transformações ocorridas no tecido urbano como
senvolvidos, está associada ao modelo de cresci- também no modo de morar da população. Elas se
mento dessas cidades no processo de industria- estabeleceram como suporte socioespacial ao mo-
lização do pós-guerra. No Brasil, como assinala delo de desenvolvimento pactuado pelas elites
(Kowarick, 2009), entre 1930 e 1980, houve um políticas e econômicas hegemônicas, e serviram à

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deslocamento significativo da população rural e consolidação de um planejamento funcional que
dos pequenos aglomerados para as grandes cida- organiza as cidades por códigos e regras, dividin-
des. De acordo com esse autor, tal tipo de mobili- do-as por zonas e setores com atividades distin-
dade territorial significou, e ainda significa, para tas. Mas as favelas, os loteamentos irregulares, con-
essa população siderados como a negação da cidade planejada,
... escapar da miserabilidade e da violência per-
foram e continuam sendo vistos por arquitetos,
petrada pelos potentados agrários. Por outro lado, urbanistas, engenheiros, administradores e sani-
via de regra, ocorria no ponto de chegada, à Me-
trópole, inserção nas engrenagens produtivas que taristas, “como um erro ou deformação da cidade,
podia não ser regular e frequentemente era mal ou simplesmente como a própria não-cidade, como
remunerado, porém contínuo, o que abria uma
integração na cidade através da autoconstrução, um resumo vivo de tudo que deve ser evitado quan-
resultando em moradia própria, lentamente do se fala em desenvolvimento urbano” (Campos,
* Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade 2010). No entanto, essa tipologia de habitação,
de São Paulo. Professor do Mestrado em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade autoconstruída de forma progressiva e, muitas ve-
Católica do Salvador. Pesquisador da Pontifícia Universi- zes, precária, foi fundamental para o desenvolvi-
dade Católica de São Paulo e do núcleo do INCT/Obser-
vatório das Metrópoles de Salvador. mento econômico dos países do capitalismo peri-
Av. Cardeal da Silva, 205. Cep: 40231-305. Federação -
Salvador - Bahia - Brasil. nelsonb@ucsal.br férico. Caracterizada por Kowarick (1980) como

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espoliação urbana, ela contribuiu sobremaneira para ... todos esses que começam por “RE” são a priori
positivos para as cidades, mas excluem comple-
consolidar um processo de industrialização de tamente a questão social [...] quando um bairro se
baixo custo.1 torna descolado e entra na moda, isso implica que
parte dos moradores será descartada. A Região
Como se sabe, a década de 1980 foi marcada melhora, mas não para as mesmas pessoas (p.10).
por uma crise do modelo de produção fordista, as-
sociada à crise dos combustíveis fósseis da década A cidade, agora na sua forma mercadoria e
anterior. Nas grandes cidades, observou-se, então, com o rótulo de mundial, adapta-se às necessida-
uma disputa por uma localização privilegiada na des emergentes do capital mediante projetos estra-
hierarquia do espaço urbano, afetando a distribui- tégicos, cuja finalidade é a de atender às novas
ção das oportunidades territoriais. Grandes plantas demandas por espaço, e a elaboração de projetos
industriais foram abandonadas, criando vazios ur- urbanos que redesenham as cidades. Partes esque-
banos que se somaram a outras áreas desocupadas cidas das cidades, habitadas por uma população
que aguardavam uma valorização. Esses vazios fo- de baixa renda, tal como a área central de Salva-
ram ocupados, em parte, pelos novos pobres, de- dor, o Pelourinho, vivenciam um processo de
sempregados e sem local para morar, organizados reestruturação socioespacial cujo objetivo é criar
em movimentos de luta pela terra, que promove- uma competição via mercado, quase nunca favorá-
ram, a partir de meados de 1980 e inicio da década vel aos mais pobres. Como consequência, eles são
de 90, grandes ocupações de terra urbana. Outras empurrados para áreas precárias, distantes do cen-
áreas desocupadas, não utilizadas ou subutilizadas, tro tradicional, agravando o problema da moradia
tiveram sua utilização reconvertida por investimen- nas periferias urbanas.
tos orientados para os negócios e o turismo. Levando em conta essas questões, o pre-
Com isso, tem início uma disputa pelo es- sente artigo se propõe a compreender as transfor-
paço. Áreas outrora abandonadas pelo capital e mações em curso nas formas de moradia da popu-
que serviam para a moradia de populações de bai- lação de baixa renda nas metrópoles brasileiras.
xa renda passaram a ser objeto de desejo pelos Para isso, ele aborda, inicialmente, a questão da
empreendimentos de nova economia urbana.2 estruturação do espaço para a habitação dos ricos
Vivencia-se, então, a era urbana dos “rês” – reno- e pobres na etapa pós-fordista. Analisa, em segui-
vação, revitalização, reurbanização –, entre outros, da, a mercantilização do espaço de moradia dos
objetivando reestruturar o espaço das cidades, pobres, as favelas e assentamentos irregulares, com
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valorizar áreas degradadas, tornar visíveis e a constituição de um submercado informal, enten-


aprazíveis os centros urbanos, enfim, preparar a dido no sentido que Gordilho-Souza (2008, p.17)
cidade para a competição mundial. Para Garnier dá ao termo: áreas que se conformam “fora dos
(2010), essa terminologia “visa, sobretudo, dissi- padrões formais previstos para parcelamentos
mular uma lógica de classe”, reservando os espa- habitacionais e, portanto, à revelia dos códigos e
ços requalificados a uma determinada categoria de normas urbanísticas estabelecidas”. Assinala como
pessoas, uma vez que esse tipo de transformação vem ocorrendo nas gran-
des cidades latino-americanas e brasileiras, a exem-
plo de São Paulo e Salvador e, finalmente, consi-
1
Autores como Maricato e Singer, entre outros, destacam
como os trabalhadores de baixa renda, ao suprirem suas dera a retomada dos programas de provisão
necessidades de morar, ainda de que forma precária e habitacional e o seu significado para a construção
muitas vezes não-legal, nas proximidades da indústria,
reduziam os custos de implantação de polos de desen- de uma cidade mais justa e democrática.
volvimento industriais.
2
Para efeito deste trabalho, consideramos Nova Economia
Urbana o modelo pós-fordista responsável pela mudan-
ça de modos e processos produtivos, com um
rebatimento significativo no espaço urbano e rural, que
tiveram de se adaptar e se reestruturar para dar repostas
às novas demandas de produção e consumo.

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O ESPAÇO DE MORAR DOS RICOS E DOS a felicidade naquilo que ele classifica como
POBRES NAS CIDADES CONTEMPORÂNEAS hiperconsumo. Baltrusis e Otaviano (2009) obser-
vam um comportamento similar nos novos em-
Desde a década de 1980, o modelo de preendimentos do mercado imobiliário em São
estruturação do espaço urbano para atender às Paulo, mas poderíamos ampliar essa observação
demandas da reprodução do capital transnacional para outras grandes cidades, como Salvador.
vem contribuindo sobremaneira para aprofundar De acordo com Fernandes, essa necessida-
as desigualdades socioespaciais. Nas últimas três de de reproduzir novos empreendimentos para o
décadas do século XX, os condomínios fechados consumo de espaço se apoia no fato de que, para
e os apartamentos de luxo, tipo loft e duplex, não esses hiperconsumidores,
apenas se expandiram como passaram a incorpo-
rar uma série de serviços diferenciados, como aca- ... a cidade é uma máquina do crescimento, a
partir da qual se pode promover o uso mais in-
demias, espaços gourmet, salas de vídeo, etc., tenso da terra, coletar rendas mais elevadas ou
transformando a necessidade básica de morar em capturar riquezas ali produzidas por aqueles na
posição adequada para tanto. Sem crescimento
um conceito comportamental. Nos apartamentos, da cidade, desvalorizam-se os ativos nela imobi-
lizados – propriedades, comércio, serviço às
um dos cômodos se transforma em ambiente de empresas e às pessoas, anúncios no jornal, rádio
trabalho, ou em uma sala multiuso de lazer. Esses e TV, salários – enfim, a cidade perde valor como
qualquer outra mercadoria quando não encon-
padrões são renovados a cada dia, de acordo com tra demanda no mercado e não consegue passar
a necessidade do consumidor de espaço para ha- adiante os efeitos da crise de sobre-acumulação
(2001, p. 36).
bitar, e essas demandas ampliam sobremaneira o
conceito racional-funcionalista.
Para Kowarick, uma boa parte dos empre-
A casa não é mais a máquina de morar endimentos voltados para a moradia das classes
corbusiana, pelo menos para a classe média alta,
de rendimentos mais elevados se reproduziu, via
pois ela se associa ao lócus de lazer ou do traba-
de regra, como fortificações urbanas, cujo objetivo
lho. Já não existe mais a separação entre o local de era evitar o outro,
trabalho e o local da residência, o que orientou
boa parte da produção dos edifícios e espaços ur- ... pois a mistura social é vivenciada como confu-
banos na cidade modernista. A cidade se transfor- são, desarmonia ou desordem [...] trata-se de uma
sociabilidade enclausurada e defensiva,
ma, de acordo com Logan e Molotch (1996), em alicerçada no retraimento da vida privada – a

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uma máquina do crescimento. Utilizando o con- casa –, que rejeita as esferas públicas – a rua –,
tida como espaço da adversidade [...] espaço so-
ceito desses autores, Fernandes destaca que ela cial do anonimato, onde tudo pode acontecer, e,
portanto, o local de perigo e da violência (2009,
pode ser caracterizada “... pelos interesses vela- p. 90, grifos do autor).
dos não publicamente defensáveis, dos promoto-
res e outras frações das elites urbanas do governo Podemos dizer que esse comportamento foi
da cidade.” (2001, p. 36). responsável pela fragmentação do tecido urbano.
Objetos de fetiche, os artefatos que se re- Condomínios de luxo e favelas, enclaves e guetos
produzem na cidade pós-moderna contemporânea (Marcuse, 2007) se apresentam como uma nova
expressam um estilo de vida pautado numa classe configuração das cidades. Para Caldeira (2008, p.9),
social, e refletem a forma como essa cidade é isso acontece porque os indivíduos que compõem
reproduzida. Não se trata mais da lógica racional- os segmentos mais ricos das classes sociais “... se
funcionalista, mas da exacerbação das escolhas sentem ameaçados com a ordem social que toma
individuais de artigos imobiliários para satisfazer corpo (nas cidades) e constroem enclaves fortifica-
gostos e necessidades mais diversas. Esse com- dos para sua residência, lazer e consumo”.
portamento é caracterizado por Lipovetsky (2007) Ao mesmo tempo em que o espaço de mo-
como uma necessidade paradoxal de se encontrar rar das classes mais abastadas se transformava,

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observou-se um crescimento do número de fave- ravam em espaços semelhantes até 1990. Pasternak
las e da população favelada. Estima-se que um ter- (1982) também destaca como no município de São
ço da população residente em áreas urbanas das Paulo houve uma melhoria nas condições de mo-
grandes metrópoles brasileiras resida em assenta- radia dessa população, no que se refere ao acesso
mentos precários. As favelas e a produção de mo- aos referidos bens, a serviços urbanos básicos e
radias em loteamentos irregulares nas periferias, aos materiais de construção utilizados para erguer
as ocupações em edifícios abandonados, sob via- sua moradia.
dutos, em áreas ambientalmente frágeis e áreas de Podemos observar que essa mudança tam-
risco foi o que sobrou aos mais pobres na disputa bém atingiu domicílios na Região Metropolitana
pelo espaço urbano. Os processos de terceirização de Salvador, com uma melhora significativa entre
e até de quarteirização do setor produtivo indus- 1991 e 2001, conforme os dados da Tabela 2.
trial tornaram precárias as condições de trabalho,
pois muitas tarefas, outrora executadas nas gran- Tabela 2 - RMS, evolução de serviços públicos (% )
des plantas industriais, passaram a ser exercidas Água
Indicador 1991 2000
en c a n a d a
em pequenos galpões e até nas vielas de favelas, 81,9 89,1 Coleta de lixo 74,9
como observamos nas favelas da Região Metropo- 91,4 Energia elétrica 98,6 99,3
litana de São Paulo, particularmente em Diadema, Fonte: Atlas RMS, 2000
São Bernardo do Campo e Santo André.
Nessa sociedade do espetáculo e do hiper- Em uma pesquisa sobre o mercado imobili-
consumo, as favelas e os assentamentos irregula- ário na Região Metropolitana de Salvador, Gordilho-
res se transformam também em mercadoria a ser Souza e Monteiro constataram como essa melhoria
consumida, Em um texto sugestivamente denomi- se estendeu às áreas faveladas, assinalando que,
nado de Favela.com, Valladares descreve as diver-
sas atividades da nova economia urbana existen- ... ao longo da década de 1990, os domicílios
baianos experimentaram uma melhoria na co-
tes na favela da Rocinha, como sistema de TV a bertura do abastecimento de água à custa, basi-
cabo, Internet rápida e outras orientadas para o camente, da extensão dos serviços em rede: em
2000, cerca de 69,5% das moradias estavam li-
turismo e o lazer, destacando que gadas à rede geral, contra 52,2% delas, em 1991
(Gordilho-Souza; Monteiro, 2009, p.109).
... em algumas favelas do Rio de Janeiro, ocorrem
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transformações sociais e econômicas ligadas à No entanto, não se pode interpretar essas


globalização de uma forma diferente, e também
que a mesma globalização atua sobre esses mes- melhorias vivenciadas por parte da população mais
mos pobres como fator de integração de tais popu- pobre como um sinal de que a situação da pobreza
lações (Valladares, 2004, p. 121, grifo da autora). se reverteu, e que as favelas e os assentamentos ir-
regulares se transformaram, como querem alguns,
Podemos dizer que, atualmente, a popula- na solução espontânea para o problema habitacional.
ção de baixa renda das favelas ou de assentamen- Autores como o ambientalista Brand (2010), em
tos irregulares tem mais condição de acesso aos um artigo publicado pela revista Prospect, deno-
bens de consumo duráveis que integram a vida minado “How slums can save the planet”, chega a
cotidiana da sociedade pós-industrial do que mo- comparar a solução habitacional encontrada pelos

Tabela 1 - Favelas do município de São Paulo: evolução da infraestrutura em percentuais


Indicador 1973 1980 1987 1991 2000
Água encanada Ñ- 33 93,4 89,6 98,1
Rede pública esgoto 0,7 0,6 19,3 26 51
Rede elétrica Ñ- 65,4 98 99,6 99,8
Coleta regular de lixo 15,1 42,8 72,3 63,8 80,2
Fonte: Censos Demográficos de 1980 a 2000; Cadastro de Favelas, 1973; Pasternak,1982; Veras e Pasternak, 1990; FIPE/SEHAB

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países não-desenvolvidos com os ditames do novo mobilidade, criando ou melhorando o sistema vi-
urbanismo, considerando que esse tipo de assen- ário da localidade. Nesse sentido, destacamos as
tamento poderia contribuir para a preservação do experiências de Recife, Belo Horizonte, Salvador e
meio ambiente. Segundo ele, o adensamento veri- Diadema.
ficado nas favelas e em outras formas de assenta- O recuo das políticas de provisão habitacional
mentos populares espontâneos contribuiria para a para baixa renda também pode ser associado à cri-
preservação do meio ambiente, pois a reutilização se econômica que o Brasil vivenciava na época e à
de material de construção, ou a utilização de mate- falência do Banco Nacional de Habitação em 1986.
riais alternativos, serviria para diminuir os resídu- Nesse contexto, o espaço das (e nas) favelas
os, a proximidade entre as moradias viabilizaria uma se mercantilizou, pois o acesso a um assentamen-
distribuição mais racional de água, gás e energia, e a to irregular e precário nas grandes cidades brasi-
vida comunitária, reflexo da dinâmica social na fa- leiras já não se dá pela simples ocupação do solo e
vela, poderia ser considerada como um capital so- a edificação de um barraco, mas via produção,
cial que agregaria vantagens a seus moradores. comercialização e locação de imóveis. A carência
O discurso que valoriza as soluções encon- de políticas públicas para prover a necessidade
tradas pela população de baixa renda para o seu habitacional de baixa renda e o desinteresse do
problema de moradia não deve ser totalmente des- mercado imobiliário formal em produzir e
cartado, principalmente quando se compara com a comercializar unidades para atender a essa deman-
alternativa dos conjuntos habitacionais produzidos da criaram um mercado paralelo, informal, capaz
ao longo do tempo para atender a esse segmento. de produzir, comercializar ou alugar moradias em
No entanto, não devemos nos enganar. Esse discur- assentamentos não regularizados, com pouco ou
so não é recente e, apesar das suas boas intenções, nenhum tipo de infraestrutura ou acesso à cidade.
algumas delas remontam à década de 1970, tendo O crescimento da informalidade agora passa, ne-
sido propostas por Turner (1976) no seu clássico cessariamente, pela mercantilização do espaço pro-
Freedon to Bult, que reforça a ideia da autoconstrução duzido irregularmente pelos ou para os pobres,
como a solução para o problema habitacional dos muitas vezes com a conivência ou omissão do po-
pobres, e cujas premissas serviam de inspiração para der público constituído, diminuindo, dessa for-
o discurso de desmonte do Estado. ma, a possibilidade de se reduzir a desigualdade
Como destaca Baltrusis (2005), os organis- socioespacial de nossas cidades e contribuindo,

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mos internacionais utilizam o referido argumento de modo significativo, para a consolidação de me-
para desmobilizar as políticas e programas de pro- trópoles insustentáveis (Baltrusis, 2005).
visão habitacional para a população de baixa ren-
da. Partindo da premissa de que essa população
tinha capacidade de autoconstruir suas moradias INFORMAL: o mercado imobiliário para os
de forma mais eficiente do que os programas go- pobres urbanos
vernamentais, por que o Estado deveria aportar
recursos para manter esses programas? As referências sobre a comercialização de
Por conta disso, na década de 1980, come- imóveis em assentamentos favelados são recentes.
çam a ser difundidos os programas-piloto de urba- No Brasil, podemos destacar o trabalho de Lícia
nização e legalização da posse, desenvolvidos de Valladares (“Passa-se uma casa”) sobre o processo
forma pontual e no âmbito local, sem envolver gran- de comercialização de barracos em uma favela cari-
des recursos e procurando dar suporte técnico para oca que seria atendida com o programa de remo-
a construção e melhoria do imóvel, prover os as- ção e reacomodação dos moradores no conjunto
sentamentos de serviços básicos como água, luz e habitacional, e o de Maria Ruth de Amaral Sampaio
esgotamento sanitário, assim como promover a sobre o processo de comercialização surgido du-

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rante a urbanização da favela na década de 1980. sas nelas instaladas passassem a integrar a rede do
Destacam-se, ainda, os trabalhos de Pedro Abramo chamado mundo “globalizado”. Agindo dessa for-
(2001 e 2003) sobre comercialização e locação de ma, acabam comprometendo os investimentos ne-
unidades em favelas cariocas, e em várias metró- cessários ao equilíbrio socioterritorial. Além dis-
poles brasileiras e latino-americanas, bem como os so, outras intentaram superar a crise da falta de
trabalhos de Baltrusis (2000 e 2004) sobre recursos com a utilização de instrumentos de
comercialização e locação de favelas em seis cida- flexibilização da legislação urbanística e acabaram
des da região metropolitana de São Paulo. contribuindo para o agravamento das desigualda-
Nos últimos 40 anos, a população residen- des socioespaciais.
te nas grandes metrópoles latino-americanas au- A crise de financiamento da cidade pós-
mentou em mais de 60 milhões de habitantes. De fordista, nos países do terceiro mundo, e a incapa-
acordo com Baltrusis (2005), desde os anos 1950, cidade de os governos nacionais e locais atende-
as principais cidades latino-americanas crescem de rem às demandas básicas da população de baixa
maneira dramática. Se juntarmos a população de renda têm levado, como destaca Baltrusis (2004), a
quatro dessas mega-cidades (Cidade do México, uma mudança de paradigmas. Até a década de
São Paulo, Buenos Aires e Rio de Janeiro), a popu- 1970, os financiamentos das agências internacio-
lação total, que era de 13 milhões em 1950, passou nais aos grandes projetos habitacionais ou de ur-
a somar 60 milhões em 1990. Esse crescimento banização eram repassados aos estados nacionais,
populacional trouxe significativas consequências pois as soluções faziam parte de uma estratégia
para essas cidades no que se refere à questão da nacional e priorizava-se a construção de grandes
provisão habitacional. Os assentamentos precári- conjuntos habitacionais próximos a polos produ-
os do tipo favela se consolidaram como uma alter- tivos. A partir de meados dos anos 1980, porém,
nativa, diante da falta de alternativas de moradia as agências de fomento começam a financiar dire-
para a população de baixa renda nos países do tamente as municipalidades e elas passam a dis-
mundo não-desenvolvido. putar recursos entre si e com outras esferas de go-
Durante os anos 1980 – que, no Brasil, fica- verno, provocando uma verdadeira guerra.
ram conhecidos como a década perdida –, as con- Nessa nova lógica, não se trata mais de ado-
dições econômicas e de moradia da maior parte da tar políticas universalistas e redistributivas, e sim
população de baixa renda se deterioraram. Isso de elencar as demandas, priorizá-las e eleger aque-
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aconteceu, de acordo com Davis (2006), porque las que podem se transformar em exitosas. Essa é
essas cidades vivenciaram um processo de exten- a nova ordem da intervenção urbana em assenta-
sa urbanização sem industrialização, ou seja, um mentos precários. Não se cuida mais de construir
crescimento populacional sem um adequado cres- grandes conjuntos habitacionais, e sim de trans-
cimento econômico. formar as ações de requalificação do espaço
Mais recentemente, as soluções adotadas construído em algo que contribua para a melhoria
para atender às necessidades de moradia da po- da imagem da cidade. Os programas de constru-
pulação de baixa renda não foram pautadas pela ção de novas unidades ou de requalificação das
demanda efetiva, mas sim por uma agenda mundi- unidades construídas para pobres, em favelas e
al gerada pela competição entre as cidades. (Baltrusis, assentamentos irregulares, ganham nome e sobre-
2004). Diante disso, as municipalidades, muitas nome: Cingapura, em São Paulo, e Favela-Bairro,
vezes, abriram mão de arrecadar recursos e adota- no Rio de Janeiro na década de 1990. Na Bahia, o
ram uma política de isenção fiscal, investindo parte governo do Estado implantou o Programa Viver
do orçamento para prover as cidades com Melhor (2008) e, mais recentemente, o governo fe-
infraestrutura de ponta, como redes informacionais, deral está realizando, em diversas comunidades,
e estrutura de apoio logístico, para que as empre- o programa Minha Casa, Minha Vida. Nesse perí-

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odo, podemos destacar outras marcas, como Papel leração do Crescimento (PAC) para a habitação,
Passado, sobre a regularização fundiária, ou Habi- apresenta algumas perspectivas para a questão
tar-Brasil, entre outros. habitacional no país.
Apesar dessa retomada de investimentos,
porém, não se pode dizer que a questão esteja pres-
Habitação para baixa renda tes a ser resolvida. O processo de reprodução das
desigualdades socioespaciais ainda continua a pro-
Atualmente os investimentos em programas mover assentamentos irregulares e precários, e os
de provisão habitacional no país se destacam, pois, novos programas continuam contribuindo para a
desde os anos 1970, no auge do Banco Nacional persistência da segregação socioespacial. Muitos
de Habitação (BNH), não se via um volume de re- deles são localizados nas periferias e produzidos
cursos com a diversidade de programas dessa na- com material de péssima qualidade, dando sequência
tureza. Os efeitos desses investimentos, com a ofer- a uma expansão urbana desordenada. Afinal, os
ta de novas unidades ou a recuperação de assenta- problemas estruturais responsáveis pela “espolia-
mentos precários, refletem-se diretamente nas con- ção urbana” (Kowarick, 1979) e pela configuração
dições de moradia dos mais pobres, bem como na das grandes metrópoles ainda estão presentes em
própria estruturação das cidades. Pasternak (2005) nossa sociedade. Bolafi (1979), em um texto clássi-
demonstra que, entre 1991 e 2000, à medida que co, já demonstrava, na década de 1970, que os ver-
os investimentos em programas criam oportuni- dadeiros problemas para a solução da questão
dades de moradia para essa população, as habitacional estavam diretamente relacionados à
melhorias físicas ocorridas nas favelas metropoli- concentração fundiária e à distribuição de renda.
tanas de São Paulo contribuem para melhorar o Os novos padrões de reprodução do capi-
acesso a bens e serviços públicos da população tal, agora em sua forma mundializada, também
nelas residentes. podem ser apontados como elementos responsá-
Os programas locais de urbanização de as- veis pela precarização das condições de morar dos
sentamentos precários e de regularização fundiária pobres em várias cidades do mundo globalizado.
da posse eram embrionários na década de 1980, Davis (2000) demonstra que as soluções informais
como demonstram as experiências realizadas em e irregulares têm se reproduzido em várias cida-
Recife, Belo Horizonte, Diadema e Salvador, entre des, inclusive nos chamados países desenvolvi-

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outras cidades. Os programas-piloto de provisão dos. Conforme matéria publicada pelo jornal O
habitacional por meio de mutirões autogestionários, Estado de São Paulo (17/02/2008), “... os subúrbi-
como os ocorridos em São Paulo no governo de os americanos símbolos do american way of life, a
Luiza Erundina, a criação e o fortalecimento de cada dia atraem mais pobres e imigrantes e pas-
Conselhos e Fundos Municipais de Habitação, sam a se parecer mais com centros degradados das
possibilitando o financiamento de moradias para metrópoles, do que com os paraísos da classe mé-
a baixa renda, o fortalecimento de assessorias téc- dia dos anos 1960”. Na França, de acordo com o
nicas para as autoconstruções e intervenções em jornal El Pais (09/02/2008), o governo Sarkosi de-
cortiços e pautando a discussão da habitação em verá investir 500 milhões de euros para recuperar
áreas centrais, podem ser apontados como respon- bairros degradados.
sáveis por diversas melhorias, pois contribuíram As novas formas de apropriação do espaço
sobremaneira para a reestruturação da política na- na sociedade pós-industrial, aliadas ao discurso
cional. A proposta de um Plano Nacional de Habi- neoliberal de intervenção mínima do Estado no
tação que articule planejamento, participação e fi- campo social, têm contribuído para o aumento do
nanciamento direto à demanda, bem como os in- número de assentamentos irregulares e soluções
vestimentos e obras previstas no Programa de Ace- informais em todo o mundo. No Brasil, observa-

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TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR ...

mos o abandono de áreas centrais e industriais, a um ativo de “capital morto”. A partir da pura e
ampliação de fronteiras urbanas com a criação de simples regularização, esse “capital” passaria a in-
enclaves em zonas rurais e a instalação de resorts tegrar o “circuito do capital”, gerando riquezas para
em áreas ocupadas por comunidades tradicionais os moradores e, consequentemente, para a cidade.
em localidades de interesse turístico, como é o caso Nas palavras do autor,
de muitas localidades da Bahia, particularmente
na região metropolitana de Salvador. ... os habitantes pobres destas nações – a grande
maioria – possuem bens, mas falta-lhes o proces-
so de representar suas propriedades e geral capi-
tal. Possuem casas, mas não escrituras; colheitas,
mas não os documentos de posse da terra; em-
O discurso do mercado e a reprodução das presas, mas não os estatutos da incorporação. É a
indisponibilidade dessas representações essen-
desigualdades sócio-espaciais ciais que explica por que esses povos que adap-
taram todas as outras invenções ocidentais, do
clipe de papel ao reator nuclear, não foram capa-
O discurso do mercado reforça a tese das zes de produzir o capital suficiente para fazer
políticas pontuais. Trabalhos como os de Mayo, funcionar o seu capitalismo doméstico. (Soto,
2000, p. 21-22).
Malpezzi e Gross (1986) e Soto (2000) apontam
para soluções via mercado e flexibilização da legis- Esse seria, segundo de Soto, o mistério do
lação urbana. Esses autores fundamentam seu dis-
capital. Seguindo esse receituário, o governo pe-
curso nos trabalhos de Turner, que também prega-
ruano emitiu, na década de 1990, durante o gover-
va algum tipo de desregulamentação, já que o Es- no de Fujumori, cerca de um milhão de títulos de
tado não teria condições de suprir de forma
propriedade, beneficiando um grande número de
satisfatória as necessidades de moradias da popu-
famílias que viviam em habitações irregulares e
lação de baixa renda. Como foi visto, esse autor improvisadas nos arredores de Lima. No entanto,
entende que as favelas não devem ser vistas como
o “milagre do capital” propagado por esse econo-
um problema urbano pelos países não-desenvol-
mista não aconteceu. Cockburn (2003), apoiado em
vidos, mas como uma solução criativa da popula- analise estatística realizada pelo Instituto Nacional
ção pobre para resolver sua necessidade básica de
de Estadística e Informática del Peru (INEI) em
morar. De acordo com Davis, para Turner, a cons-
2000, com informações obtidas na Encuestas
trução por conta própria e “a legalização da urba- Nacionales de Hogares (ENAHO) de 1998 e 1999,
nização espontânea era exatamente o tipo de abor-
CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010

demonstra que essas políticas não funcionavam


dagem pragmática e de baixo custo.” (Davis, 2006,
conforme o previsto, concluindo, dessa forma, que
p. 80). No entanto, Turner é enfático, ainda que a
seu modo, no valor de uso da mercadoria mora- … las familias con titulo de propiedad otorgado
dia, enquanto os trabalhos de Soto e de Mayo et por la Comisión de Formalización de la Propiedad
Informal (COPROFI) prácticamente no han
all. enfatizam o seu valor de troca da moradia. obtenido préstamos de la banca privada. En la
Na lógica “desotiana’, a regularização da ciudad de Lima en 1999 de un total de 129 mil
viviendas beneficiadas por COPROFI sólo un
moradia irregular serviria de aval para possíveis 18% accedieron a financiamiento para
aplicaciones o modificaciones de la vivienda. A
empréstimos. Em conformidade com o discurso su vez, sólo un 9% de estos mismos hogares
neoliberal, a solução proposta por Soto seria obtuvieron un préstamo para realizar otros gas-
tos para el hogar. En las otras ciudades del país
flexibilizar a legislação urbanística e dar títulos de de un total de 48 mil viviendas formalizadas en
propriedade formal aos moradores que já ocupam 1999 sólo un 23% obtuvo préstamos para
ampliaciones de la vivienda y 13% para otros
áreas informais, uma vez que esse título de propri- gastos del hogar. De manera que la mayoría de
edade daria a seus detentores meios de levantar las ampliaciones y mejoras de la vivienda eran
realizadas, como antes, a través de recursos
recursos financeiros tanto para melhorar a sua propios. En el caso de Lima, por ejemplo, un 62%
habitação como para dar início a algum negócio. de familias recurrían a esta modalidad. El res-
tante 38%, que sí obtuvo préstamos (unas 9.000
Sua tese é de que as ocupações irregulares formam viviendas – hogares) obtuvo los préstamos de dos

242
Nelson Baltrusis

entidades públicas: el Banco de Materiales (84%) gualdades, pelo menos mantendo-as no mesmo
y la Empresa Nacional de Edificaciones (16%).
Ambas instituciones públicas ofrecían préstamos patamar e, portanto, permitindo o crescimento do
altamente subsidiados (tasa de 7% de interés rendimento dos setores mais pobres.” (Cardoso,
anual).
En cambio la situación de las familias que no 2003, p. 3). Infelizmente, porém, para a maioria da
contaban con título de propiedad resultaba dife-
rente. En Lima en 1999 de un total de 462.587 população pobre residente nesses assentamentos,
viviendas no formalizadas sólo un 14% realizaron o tão propagado milagre do desenvolvimento e a
ampliaciones, para vivienda. Sin embargo, aquí
el recurso de los préstamos públicos que en otro ampliação das oportunidades de negócios não acon-
caso había dominado el panorama, era teceram. Os mistérios do capital, digamos que são
minoritario pues atendía sólo 31%, mientras la
mayoría recurría al crédito privado a través de la segredos de polichinelo. A questão da informalidade
banca (28%) y de prestamistas o usureros (42%) na produção de moradias no espaço urbano esbar-
(Cockburn, 2003, p. 173-174).
ra em problemas estruturais presentes em quase
Fica claro, portanto, que não basta que os todas as sociedades do mundo não-desenvolvido:
países implementem políticas de titulação da pos- a má distribuição de renda, que inviabiliza a
se da terra se não existir uma política integrada de implementação de programas habitacionais susten-
urbanização, titulação e prevenção de novos as- táveis (para usar uma palavra da moda) e os pro-
sentamentos irregulares. Em outras palavras, polí- blemas oriundos da propriedade privada da terra.
ticas que gerem trabalho e renda e promovam uma Acrescente-se a falta de fiscalização, aliada a uma
justa distribuição de benefícios entre os cidadãos. burocracia estatal ineficiente, alimentada pela
Smolka (2003) destaca que, mesmo em países que corrupção, e encontraremos alguns elementos para
promoveram políticas de urbanização seguidas de entender a persistência dos territórios ilegais.
regularização fundiária, como foi feito em muitas
cidades brasileiras, a situação da irregularidade não
diminuiu. Pelo contrário, aumentou. O funcionamento dos mercados de solo e a
As teses produzidas por Mayo et al. são irregularidade
mais sofisticadas que as de Soto e estão centradas
nos problemas do mercado de moradias, buscan- O preço da terra é apontado como o meca-
do identificar os limites que se colocam a esse nismo responsável pela constituição do solo urba-
mercado do ponto de vista da oferta e da deman- no e pela segregação espacial. Ao refletir sobre os
da. Para que tal mercado funcione, os autores con- efeitos que a concorrência provoca nas cidades,

CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010


sideram que, do ponto de vista da oferta, é neces- percebemos que o preço da terra, no processo de
sária a existência de três fatores: a ação do setor urbanização, realizada por agentes capitalistas, nada
público na provisão de infraestrutura; a ação do mais é do que a transformação socioeconômica do
setor público no estabelecimento do marco sobrelucro da localização. A renda da terra é o re-
regulatório; e o desempenho da indústria de cons- sultado de uma série de relações especiais que se
trução. Do ponto de vista da demanda, o gasto com estabelecem entre capitalistas e proprietários de
moradia cresce juntamente com o desenvolvimen- terra, numa sociedade capitalista. Para se compre-
to econômico, ou seja, existiria uma forte elastici- ender a questão da renda fundiária na sociedade
dade do lado da demanda, tendo como limite a capitalista, precisamos pensar que as mercadorias
disponibilidade de renda, considerando-se os gas- são sempre vendidas pelo seu preço de produção.
tos básicos (prioritários) com alimentação, vestuá- A renda vem da diferença entre os preços de pro-
rio, transportes, etc. dução e os preços de custo.3
Para Cardoso (2003), os autores que traba-
lham com essa premissa devem pressupor que o
3
Neste trabalho, não pretendemos aprofundar a questão
desenvolvimento econômico, por si só, implicaria da renda da terra. Isso pode ser feito em autores como
distribuição de renda, “senão reduzindo as desi- Abramo, Villaça, Jaramillo, ou Topalov, entre outros.

243
TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR ...

A terra urbana só adquire um preço porque No Brasil, existem cerca de 42 milhões de


seu uso permite aos agentes econômicos obterem pessoas que vivem abaixo do nível da linha de po-
ganhos extraordinários. Para Marx, o valor do uso breza. De acordo com Maricato (1996), 1% da po-
da terra, conforme citado por Lojkine, poderia ser pulação mais rica detém 14,4% do total da renda
reduzido a duas funções: a primeira como um ins- do país, enquanto os 50% mais pobres possuem
trumento de produção – minas, quedas d’água, 13,3%. Essa desigualdade se expressa na violência
terra agrícola, e a segunda como simples suporte que se reproduz nos grandes centros urbanos, na
passivo dos meios de produção (fábricas) de cir- desigualdade territorial e na exclusão social.
culação (armazéns, bancos) e de consumo (resi- Em relação à política habitacional, notamos
dências) (1981, p. 163). Diante dessa constatação, que, depois da falência do BNH, as iniciativas estão
Lojkine propõe um terceiro valor, que adquire cres- voltadas para atender àqueles que possuem pelo
cente importância: menos o lote regularizado. Mas, infelizmente, “a
grande parte das moradias foi e continua sendo pro-
... [com a] socialização das condições gerais de
produção, i.e. aquilo que chamamos capacidade duzida à margem da legislação e do que se costuma
aglomerativa de combinar socialmente meios de chamar de mercado imobiliário informal” (Silva;
produção e meios de reprodução de uma forma-
ção social. Este valor de uso reside na proprieda- Castro, 1997, p. 1), o qual se desenvolve sem a in-
de que o próprio espaço tem de fazer com que os tervenção do Estado. O Estado e os agentes do mer-
diferentes elementos da cidade se relacionem
entre si (Lojkine, 1981, p.164). cado só se preocuparão com a informalidade, “a
partir do momento em que os imóveis adquirem
Devemos destacar que essa capacidade ou valor de mercado (hegemônico) por sua localização,
propriedade de que nos fala Lojkine é produto do as relações passam a ser regidas pela legislação e
trabalho humano, da força de trabalho coletiva, pelo direito oficial” (Maricato, 1996, p. 26).
social. Trivelli denomina essa propriedade como
capacidade aglomerativa, que poderia provocar um
SALVADOR – BREVE CARACTERIZAÇÃO DA
... [padrão de] crescimento no preço da terra, bem
como o crescimento espacial que provocara um QUESTÃO HABITACIONAL
impacto diferencial no bem estar humano e no
sistema urbano, fazendo com que um grande
número de pessoas sejam excluídas do mercado Salvador é o terceiro município mais populo-
formal de terras (1986, p. 5) so do Brasil, com 2.443.107 habitantes, segundo o
CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010

último Censo (IBGE, 2000), e um déficit habitacional


Via de regra, o processo de produção da
quantitativo4 estimado em 85.000 unidades, o que
cidade se relaciona com a distribuição desigual de
significa que 17,5% da população soteropolitana
renda. Essa desigualdade produz uma dualidade
necessitam de uma moradia. A população residente
nos aspectos da vida urbana. O processo de valo-
nos seus 172 aglomerados subnormais perfazia um
rização do preço da terra é bem conhecido nos gran-
total de 40.000 pessoas e, se considerarmos o déficit
des centros urbanos. Esse processo afasta os tra-
qualitativo, observaremos que 6,92% dos domicílios
balhadores das proximidades do local de traba-
possuem algum tipo de irregularidade fundiária; 8,5%
lho. Sem opção de escolher a melhor localização,
são extremamente densos e 19,47% possuem carên-
eles vão morar nos terrenos da periferia da cidade,
cia de infraestrutura. O déficit no município é con-
o que, de acordo com Rolnik se deve ao fato de
centrado na população mais pobre, atingindo 83%
... o próprio espaço urbano ser uma mercadoria do total.
cujo preço é estabelecido em função de seus atri-
butos físicos (tais como declividade de um terre- 4
A Fundação João Pinheiro define como Déficit Quantita-
no ou qualidade de construção) e locacionais tivo a carência de novas unidades habitacionais; já o Dé-
(acessibilidade a centros de serviços ou negócios ficit Qualitativo seria a carência de uma ou mais necessi-
e/ou proximidade a áreas valorizadas da cidade) dades, tais como irregularidade jurídica, adensamento da
(1994, p. 63). unidade, ou falta de infraestrutura, entre outras.

244
Nelson Baltrusis

Villagra e Oliveira (2006) destacam que essa também contribuíram como fator de atração. Car-
população só consegue acesso a uma moradia atra- valho e Pereira destacam que a cidade de Salvador
vés da se modificava,

... autoconstrução, normalmente edificada em ... em função de vários fatores, como a


loteamentos clandestinos ou irregulares, em áreas reestruturação do centro da cidade, que ia tendo
sujeitas a fortes restrições quanto ao uso e à ocu- suas funções, até então predominantemente
pação do solo, portanto, ilegais, do ponto de vista residenciais, substituídas. A população de alta
jurídico. Sabe-se, hoje, que mais de 50% dos as- renda, que, até os anos quarenta, ali se concen-
sentamentos em Salvador estão classificados trava, passou a ocupar outros espaços; já a popu-
dentro dos parâmetros da irregularidade (Villagra; lação de baixa renda ocupou as velhas edificações
Oliveira, 2006, p. 30). e fez crescer a demanda por novas áreas
residenciais, forçando a expansão da periferia
urbana, então representada pelos fundos de vale
Com isso, um processo de urbanização não drenados e por outras áreas não urbanizadas,
desordenado consolidou um padrão de desigual- particularmente nas encostas (2006, p. 85-86).

dade socioespacial semelhante ao de outras gran-


Entre 1960 e 1970, a população cresceu de
des cidades brasileiras. A ineficácia das políticas
400.000 para mais de um milhão de habitantes, e
de provisão em atender às demanda populares e a
a maior parte desse acréscimo se deu nos extratos
incapacidade de o mercado produzir unidades
de baixa renda, agravando os problemas de mora-
voltadas para a baixa renda, bem como a não-apli-
dia para essa população. Além disso, como vimos
cação plena dos mecanismos de controle e uso do
anteriormente, na contemporaneidade, os progra-
solo, podem ser apontados como responsáveis por
mas de provisão habitacional deixaram de ser uma
esse quadro. Via de regra, os investimentos e a
política de Estado Nacional, sendo substituídos
legislação de uso, controle e gestão do solo urbano
por ações pontuais, que demonstraram incapaci-
elegeram e privilegiaram investimentos em deter-
dade de resolver os problemas históricos e estru-
minadas áreas que são apropriadas pelo mercado
turais no que tange à habitação.
imobiliário, tanto o residencial de classe média
como o de comércio e serviços, particularmente
aqueles ligados ao setor hoteleiro, em detrimento
das localizações dos mais pobres. A construção histórica da informalidade em
Podemos definir a área metropolitana de Salvador
Salvador pela polarização existente entre a cidade

CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010


legal e a cidade ilegal, entre o formal e o informal Podemos dizer que a irregularidade urbana
implantados, muitas vezes, em espaços contíguos. em Salvador é uma construção histórica. A partir
A percepção dessa polarização dá-se a olhos nus, dos anos 40, mais precisamente entre 1940 e 1950,
pelos diferentes padrões urbanísticos, como tam- cerca de 14.000 casas foram construídas em Salva-
bém a partir dos indicadores socioeconômicos dor sem nenhum tipo de licença, contribuindo para
dessas duas cidades distintas e distantes do pon- o processo de expansão irregular da cidade, parti-
to de vista socioeconômico, embora fisicamente cularmente em áreas precárias, com pouco ou ne-
próximas. nhum valor para o mercado fundiário.
O processo de ocupação da cidade do Sal- Tonhá (2006) destaca que, a partir da década
vador se destaca na década de 1940, quando pas- de 1950, houve um crescimento urbano espontâ-
sou a receber um fluxo de migrantes, “formados neo e desordenado, e que, por conta disso, “a cida-
por trabalhadores rurais dispensados pela deca- de entrou em processo de deterioração, com utiliza-
dente cultura açucareira do Recôncavo e a estabili- ção de sua infraestrutura além dos limites da capa-
zação da cultura do cacau no sul da Bahia.” cidade instalada e surgimento de diversos aglome-
(Villagra; Oliveira, 2006, p. 32). As mudanças na rados habitacionais subnormais”, ou seja, as ocu-
estrutura socioespacial ocorridas na capital baiana pações de terra também denominadas de invasões.

245
TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR ...

Entre 1960 e 1970, a cidade vivenciou um Com isso, Salvador chegou ao século XXI com cer-
processo de urbanização excludente. Conforme ca de 32% de áreas invadidas,5 ou casas construídas
Carvalho e Pereira, a realização de grandes obras em terrenos de ocupação irregular.
no período “acompanharam e anteciparam os As exigências das novas demandas do capi-
vetores de expansão urbana e uma ocupação in- talismo, agora em sua versão mundializada, que se
formal de famílias de baixa renda na periferia.” apoia no discurso da competição entre as cidades e
(2006, p. 86). Nessa fase, tal processo era compro- o estabelecimento de um Estado mínimo, acabou
metido com os interesses do capital imobiliário: por transferir ao mercado muitas das funções tradi-
cionais do Estado. A adoção desse modelo fez com
... a Prefeitura de Salvador, que detinha a maioria
das terras do município, transferiu sua proprieda- que a produção de moradias, sobretudo a popular e
de para (algumas poucas) mãos privadas, através de interesse social, sentisse os reflexos negativos.
da Lei da Reforma Urbana, em 1968. A abertura
das avenidas de vale extirpou do tecido urbano Observa-se, nas grandes cidades, a proliferação de
mais valorizado um conjunto significativo de as-
sentamentos de população pobre, que ocupavam uma população identificada como moradores de rua,
tradicionalmente os fundos até então inacessíveis de favelas e ou em áreas ambientalmente frágeis e
dos numerosos vales de Salvador. Além disso, o
governo municipal erradicou invasões populares de risco que vive em moradias subnormais. Assim,
localizadas na orla marítima (p.86). Salvador chega ao século XXI com cerca de 32% de
área invadida, ou casas construídas em terrenos de
Na década de 1990 a expansão urbana de ocupação irregular.
Salvador foi influenciada por novos eixos de ex- Do ponto de vista socioeconômico, o aspec-
pansão, implantados para interligar o aeroporto, o to marcante dessas comunidades é que constitu-
novo Centro Administrativo da Bahia e a Estação em um exemplo contundente do processo de
Rodoviária. A instalação do Shopping Iguatemi, marginalização dos setores mais pobres da popu-
além da “abertura de novas avenidas que se torna- lação, visto que as condições em que vivem são de
ram fatores decisivos para o surgimento de con- extrema pobreza. Aqui, pobreza é compreendida
juntos habitacionais e a ocupação de espaços, até de forma ampla e abrangente, não só como ausên-
então eminentemente rurais”, distantes do centro cia de bens necessários à sobrevivência, como tam-
da cidade, marca a nova estruturação do espaço bém de elementos que compõem a existência hu-
nos anos 80. (Villagra; Oliveira, 2006, p. 32). mana, com relação a bens materiais, subjetivos e
O esgotamento do modelo de gestão basea- de valor simbólico, tão presentes no nosso mode-
CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010

do no Estado centralizador entra em crise a partir lo capitalista e que determinam a forma de conví-
dos anos 80. Se, do ponto de vista político, as vio em sociedade.
lutas pela redemocratização do país pautam uma Assim, para efeito do desenvolvimento de
gestão mais descentralizada, transparente do pon- políticas públicas, a pobreza pode ser entendida
to de vista da economia, as novas demandas do como um processo em que um conjunto de fatores
capitalismo, agora em sua versão mundializada, materiais, os modos de vida, os sistemas de valo-
se apoiaram no discurso da competição entre as res, acessos e oportunidades, somados, favorecem
cidades e do estabelecimento de um Estado míni- a formação de um grupo populacional caracteriza-
mo, o que acabou por transferir ao mercado mui- do pela sua precariedade no que diz respeito à
tas das suas funções. Essa mudança teve reflexos habitação, renda, nível educacional, acesso a bens
negativos sobre a produção de moradias popula- culturais e autoestima, entre outros aspectos. As
res e de interesse social, observando-se, nas gran-
des cidades, a proliferação dos denominados “mo-
radores de rua”, assim como da população que 5
Ao contrário do que acontece em outras partes do país,
vive em habitações subnormais, em favelas, inva- em Salvador utiliza-se o termo “invasão” e suas varian-
tes para definir as ocupações de terras urbanas realizadas
sões ou áreas ambientalmente frágeis e de risco. pelos movimentos de luta pela moradia.

246
Nelson Baltrusis

favelas necessariamente não podem ser vistas como de moradia. (Carvalho; Pereira, 2006).
sinônimos de pobreza, mesmo porque, como nos No entanto, longe de representar a solução
ensinam Valadares e Pasternak, elas devem ser para seus problemas, isso constitui apenas o inicio
apreendidas em toda a sua diversidade e de uma batalha travada muitas vezes com o poder
heterogeneidade. Apesar dessa consideração, no público, com possíveis proprietários da terra e com
imaginário social elas expressam espacialmente o entorno social já estabelecido, sem o respaldo le-
onde e como essa pobreza se distribui nas cida- gal de uma política que defina, para esse contingen-
des. Ademais, observa-se que, nas cidades maio- te, caminhos possíveis e que apontem para uma
res, a pobreza é mais impactante, não só em fun- alternativa legal e estruturada de solução.
ção da visibilidade que ela adquire como pelo ape- Apesar da retomada dos investimentos no
lo do consumo e pela clara expressão, nos seus setor, neste inicio de século, observa-se que eles
espaços, de uma desigualdade acintosa e cruel. se dirigem para a produção de altos padrões cons-
Além da per-
cepção facilmente vi-
sível no cotidiano da
cidade de Salvador,
a questão habita-
cional esteve e conti-
nua presente nos
meios de comunica-
ção como um grave
problema de difícil
solução. A habitação
foi e continua sendo
um tema recorrente
como retrato da au-
sência de políticas
públicas para o setor.
Nesse quadro, a po-

CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010


pulação mais pobre
continua a se aglome-
rar nos espaços dos
antigos bairros po-
pulosos do centro,
do chamado Miolo
da cidade e do Su-
búrbio Ferroviário.
Muitas famílias divi-
dem sub-habitações,
enquanto outras, ain-
da mais carentes,
buscam na forma his-
tórica e sedimentada
das invasões soluci-
onar o seu problema

247
TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR ...

Mapa 72 - Famílias
Salvador,com renda perdas
localização capita
ZEISmensal até meio salário mínimo - Salvador - 2000
CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010

trutivos, direcionados para segmentos de classes ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A


de renda com maior poder aquisitivo. O governo POLÍTICA HABITACIONAL EM SALVADOR
de Estado, apoiado em programas federais, reto-
mou, desde o governo de Paulo Souto, os investi- Nesse panorama, Salvador adentra o século
mentos em habitação para baixa renda, promoven- XXI aproximando-se de 100% de taxa de urbani-
do conjuntos habitacionais, ou requalificando e zação, e, antes da primeira década do século, per-
urbanizando assentamentos irregulares em áreas faz uma população de quase 3.000 mil habitantes,
degradadas ambientalmente frágeis ou de risco. com um déficit habitacional superior a 100 mil
casas, das quais pelo menos 83% voltadas para

248
Nelson Baltrusis

famílias de baixa renda, além de 350 mil imóveis no estado da Bahia, ainda hoje, são imensas. Os
(50%, do total cadastrado em toda cidade) consi- programas de governo chegam com um atraso de
derados precários, necessitando de requalificação. pelo menos 50 anos, quando, segundo as pesqui-
Apesar de não se repetir, a história encontra pon- sas, se intensificou a expansão da cidade na dire-
tos em comum, pois 30% da sua população conti- ção imposta não só pelas primeiras invasões cole-
nua pobre, com uma taxa de desemprego em torno tivas como pela infraestrutura viária. Observa-se
de 15%, ainda elevada, apesar da tendência de ainda que, apesar da relevância dos referidos pro-
retomada do crescimento verificada nos últimos gramas, que abrangem outros subprogramas, eles
anos (Secretaria Municipal de Habitação, 2008). ainda estão bem longe de atacar toda a problemáti-
Com cerca de 60% da população instalada ca habitacional, ou melhor, de habitabilidade e
em ocupações irregulares, a paisagem urbana de configuração da cidade.
Salvador é caracterizada pelas casas amontoadas Essa visão panorâmica sobre a questão
nas encostas de maior declividade da cidade, abri- habitacional no Brasil e, em especial, na cidade de
gando uma população que tem como marca co- Salvador nos permite constatar que o país saiu do
mum a ausência de urbanização e outras necessi- século XX ainda sem uma política pública efetiva
dades que possam ser traduzidas em dignidade para a questão da moradia, apesar da variedade de
da moradia. O ambiente construído espelha e re- programas, planos ou projetos pontuais com a
flete esse quadro. A cidade, mais que o lugar onde marca de cada gestão, na maioria dos casos sem
se estabelece a relação de cidadania, se concretiza continuidade. Já no século XXI, apenas se começa
como espaço de reprodução de relações desiguais. a construir uma proposta de política habitacional
A questão habitacional reflete o padrão de urbani- que dê uma formatação e sistematização para o
zação da cidade, que está atrelado a questões como enfrentamento da referida questão, sobretudo para
a estrutura fundiária, o patrimonialismo e a má a população de baixa renda. A criação do Ministé-
distribuição de renda. Tais elementos têm efeitos rio das Cidades, no ano de 2003, aponta para a
diretos na composição socioespacial do tecido ur- perspectiva de um planejamento urbano em âmbito
bano, evidenciando as desigualdades sociais e as nacional, colocando a questão da habitação em um
suas diferenças na produção e consumo do espa- novo patamar como política pública de Estado.
ço entre as classes de maior poder aquisitivo e as Foi neste contexto que o Governo da Bahia
classes populares. sancionou, em 07 de maio de 2008, a Lei nº 17007,

CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 235-253, Maio/Ago. 2010


O quadro até aqui apresentado evidencia que que instituiu a Política Estadual de Habitação de
as necessidades habitacionais, tanto no país como Interesse Social (PEHIS), voltada para a população
no estado ou no município, demandam soluções com renda de até três salários mínimos e construída
diferenciadas, mas complementares. A partir de em um processo de discussão com a sociedade
1995, o Governo do Estado implementou alguns civil e os movimentos populares. Para a constru-
subprogramas, derivados do Programa Viver Melhor, ção dessa política, foram realizadas 16 audiências
que introduziu, no modelo utilizado até então, al- públicas, nas quais foram reunidos participantes
gumas inovações. Elas vão desde a concepção e o originários de instituições públicas, privadas e do
planejamento, até a execução, com a perspectiva de terceiro setor, dos mais diversos municípios do
se estabelecer um processo participativo nas pro- interior do Estado e da capital.
postas e a implementação de intervenções que tra- A Política Estadual de Habitação de Interes-
duzissem abordagens mais adequadas ao problema se Social tem o objetivo de direcionar ações e re-
habitacional dos diversos municípios e (ou) áreas, cursos para intervenções habitacionais de forma
buscando entender e respeitar as demandas e ne- mais abrangente, considerando ações integradas de
cessidade reais da população. acesso a serviços de uso coletivo, geração de traba-
É evidente que as necessidades habitacionais lho e renda e moradia digna, que se concretizem

249
TRANSFORMAÇÕES DO MODO DE MORAR ...

em um desenvolvimento individual e coletivo, um processo ainda em construção. No entanto, é


caracterizado pela inserção dessas populações na possível registrar que o modelo previsto na PEHIS
cidade formal. Um elemento inovador nessa Polí- remete para transformação da atuação do Poder
tica é a participação popular, por meio dos movi- Público na questão habitacional, por inserir ino-
mentos organizados e dos conselhos estaduais e vações na forma e no conteúdo de encaminhamento
municipais, nas discussões e nos processos do problema. No entanto, apesar dos avanços, pro-
decisórios das intervenções. blemas estruturais, como a concentração de pro-
A proposta dessa nova política habitacional priedade fundiária e a má distribuição de renda,
insere, nos seus pressupostos, a noção de “mora- continuam presentes em nossa sociedade. Os avan-
dia digna”, com a proposta de ultrapassar o tradi- ços obtidos no governo Lula ainda não se revela-
cional modelo dos conjuntos habitacionais, no qual ram efetivos para reverter essa situação, pois mui-
a casa, e somente ela, tem importância. Na propos- tos dos instrumentos previstos no Estatuto da Ci-
ta do PEHIS, o entorno, os equipamentos sociais e dade e que serviriam para democratizar o acesso
a posse legal, entre outros aspectos, são conside- ao solo urbanizado ainda não se mostram eficazes.
rados como prioritários, apontando para uma pers- Estão entres, encontra-se a demarcação de imóveis
pectiva de transformação dos modelos urbanísti- vazios ou subutulizados, as Zonas Especiais de
cos vigentes. As intervenções que visem à melhoria Interesse Social (ZEIS), a simples e eficaz defini-
da qualidade urbana devem ser vinculadas e inte- ção de Função Social da Propriedade, a penalização
gradas a políticas sociais mais amplas, inserindo a por meio do Imposto de Propriedade Territorial
população em seu espaço de forma integrada à ci- Urbano Progressivo no Tempo, ou mecanismos de
dade formal. financiamento da cidade, como aqueles relaciona-
Assim, a política habitacional não deve ser dos à recuperação das mais-valias urbanas resul-
uma intervenção encerrada em si mesma, mas uma tantes de investimentos públicos coletivos. Quan-
construção contínua, com regulamentos adequados do os municípios os incorporaram, muitos ape-
às realidades diversas, considerando os seus prin- nas copiam o Estatuto, sem associá-los à sua pró-
cípios e objetivos, tendo como protagonistas os agen- pria realidade e, por conta disso, sua efetiva apli-
tes sociais alvos desse processo, cuja atribuição é cação necessita de uma definição precisa. Mesmo
de socializar a discussão das intervenções na cida- quando essa definição já existia, o instrumento
de, ampliando a participação nos processos precisa ser regulamentado.
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decisórios para a construção da cidade. Nesse sen- Na metrópole soteropolitana, essa situação
tido, a concepção de PEHIS estabeleceu como é ainda mais grave, pois os recursos territoriais
norteadores os princípios da Redistributividade, que poderiam suprir parte da demanda por habi-
Articulação, Descentralização, Controle Social, Di- tação são disputados pelo setor imobiliário-turísti-
versidade, Institucionalidade, Sustentabilidade e co para a produção de enclaves de alta renda em
Efetividade (SEDUR, 2007, p.9). Esses princípi- áreas de proteção ambiental.
os, configurados em um órgão estadual, estabele- Não poderia terminar este artigo sem comen-
cem como prioridade o envolvimento da socieda- tar os dados do relatório do Ministério das Cida-
de civil integrada com a gestão municipal em que des, apresentado às vésperas da realização do
serão desenvolvidas as ações. Aspectos como o Fórum Urbano Mundial, realizado no final de
respeito às diferenças, a formação de rede entre março de 2010 no Rio de Janeiro. Segundo esse
todos os agentes sociais e a promoção da partici- relatório, elaborado pela Fundação João Pinheiro
pação e descentralização norteiam o modelo dessa com os dados do IBGE de 2007, para 2008 o défi-
nova política, que culminaria na geração de traba- cit habitacional no Brasil foi reduzido de 6,3 mi-
lho, renda e bem estar coletivo. lhões para 5,8 milhões de domicílios, represen-
Reconhecemos que é imprudente analisar tando uma queda de 8%. O déficit qualitativo, (do-

250
Nelson Baltrusis

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Nelson Baltrusis

CHANGES IN THE WAY OF LIVE ON THE CHANGEMENTS CONCERNANT LES MODES


CONTEMPORARY METROPOLIS - NEW SPEECHES, D’HABITATION DANS LES MÉTROPOLES
OLD PROBLEMS CONTEMPORAINES –DISCOURS NOUVEAUX,
VIEUX PROBLÈMES

Nelson Baltrusis Nelson Baltrusis

This paper was developed within the scope of Ce travail a été élaboré dans le cadre d’une
research on the informal housing market in Salvador recherche sur le marché immobilier informel à Salva-
and aims to understand the changes in the forms of dor et essaie de comprendre les changements des modes
housing, particularly the poorest ones, that have d’habitation, en particulier pour les plus pauvres, au
occurred in large Brazilian cities. We will address the sein des grandes villes brésiliennes. Nous aborderons la
issue of structuring the living space for rich and poor, question de la structuration de l’espace réservé à
caused by the implementation of post-Fordist l’habitation des riches et des pauvres, due à la mise en
production method. Then we will address the issue of place du mode de production post-fordiste. Puis nous
commercialization of living space for the poor, the slums aborderons la question de la mercantilisation de l’espace
and squatter settlements that have become destiné à l’habitation des pauvres, les favelas et les
commodities in an informal submarket. We will see occupations illégales de territoires qui se transforment
how this type of transaction settled in cities in Latin en biens dans un sous-marché informel. Nous verrons
America and Brazil, highlighting the occurrence of comment ce type de transaction s’est implanté dans les
this phenomenon in major Brazilian cities, including villes en Amérique Latine et au Brésil, en soulignant
São Paulo and Salvador. And finally, we will tackle the l’apparition de ce phénomène dans des grandes villes
resumption of housing provision programs in Salva- brésiliennes telles que Sao Paulo et Salvador. Enfin nous
dor. We will made a few remarks about housing policy aborderons la reprise des programmes de fourniture
in recent decades and the meaning of new programs to de logements à Salvador. À cette fin, nous présenterons
build a more just and democratic city. quelques arguments concernant la politique du
logement des dernières décennies et la signification
des nouveaux programmes pour la construction d’une
ville plus juste et démocratique.

KEYWORDS: Socio-spatial transformations, contemporary MOTS-CLÉS: transformations socio-spatiales, villes


cities, segregation, Salvador - Bahia. contemporaines, ségrégation, Salvador-Bahia.

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Nelson Baltrusis - Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Professor do
Mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade Católica do Salvador.
Pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do núcleo do Observatório das Metrópo-
les de Salvador. Foi membro do Instituto Polis e atuou como consultor no processo de elaboração dos
planos diretores participativos dos municípios de Jandirá, Guarulhos, Vitória e Mogi das Cruzes. Tem
experiência na área de Planejamento Urbano, atuando principalmente em temas como favelas, instru-
mentos urbanísticos, economia urbana e mercado imobiliário. Entre as suas publicações mais recentes
estão os seguintes artigos e capítulos de livro: Ricos e Pobres, cada qual no seu lugar? (Caderno CRH,
2009), em colaboração com Maria Camila Otaviano, Favelas, a comercialização de imóveis informais e
irregulares para a baixa renda (Cadernos IPPUR, 2008), Plano Diretor de Diadema: uma breve avaliação
(São Paulo: Anablume, 2007) e Um Olhar sobre a Habitação em São Paulo (Porto Alegre, ANTAC, 2007),
este último em colaboração com Suzana Pasternak.

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