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2. O homem vive numa busca contínua do seu eu, mas na maioria das vezes essa
busca acontece de forma inconsciente, difícil e até contraditória. Nessa busca
inconsciente o homem mais se perde do que se acha, é como querer comprar parafuso
no açogue.
8. Aquilo que cada homem é, é formado pela soma de uma série de fatores:
hereditariedade, educação, história de vida, fisiologia, qualidades naturais, ambiente,
etc. No autoconhecimento tudo isso entra em jogo para que o homem possa distinguir
em si o que vem de cada um destes fatores. Mas o mais importante é que tudo no
homem pode ser aperfeiçoado, para que ele cresça e amadureça em seu chamado
como filho de Deus. Nenhuma situação do homem é irreversível. Pela graça de Deus e
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Luciane Bidóia – Comunidade Católica El Shaddai
PUR – GPP-Campinas
Curso: _________________________________ AUTOCONHECIMENTO E MATURIDADE
pelo empenho pessoal tudo pode ser curado e transformado. O autoconhecimento nos
ajuda a encontrar este caminho de cura e transformação do nosso ser para chegarmos
à maturidade da estatura de filhos de Deus.
11. Desta forma no cerne do autoconhecimento está o encontro com Deus. Ele é o
caminho para chegarmos a uma união profunda com Deus. “Parece, pois que o mais
importante de todos os conhecimentos é o conhecimento de si próprio, pois quando
alguém conhece a si próprio, ele há de chegar ao conhecimento de Deus”. Clemente de
Alexandria. Conhecer Deus significa amá-lo profundamente com todo o nosso ser, amá-
lo de tal modo a nos unirmos intima e profundamente com Ele. Conhecer no sentido
bíblico não é apenas saber, mas significa o conhecimento adquirido pela vivência, pela
experiência profunda. Assim o autoconhecimento nos leva a conhecer mais
profundamente a Deus por que nos faz experimentá-lo em nossa intimidade.
Os Desafios Do Autoconhecimento
12. “Conhecer-se a si mesmo é uma arte e uma graça. A graça de conhecer-se é uma
graça que se obtém pela vida de oração e pelo empenho, análise, observação e
exercícios essenciais à aquisição de qualquer arte” (Tim Haley – Temperamento
controlado pelo Espírito).
13. Para enfrentar este caminho é preciso coragem e determinação para enfrentar as
dificuldades que irão aparecer durante a caminhada.
15. Hoje as pessoas na sociedade são impulsionadas a ser o que os outros esperam
delas. Para as pessoas poderem ser aceitas, alcançarem o sucesso é preciso que se
atenda as expectativas da sociedade. Isso muitas vezes impõe um fardo pesado sobre
cada um. O fardo de ser aquilo que não é e assumir uma máscara ou um personagem
para apresentar para os outros. Por isso se torna muito difícil assumir a própria
verdade, as pessoas não querem se encarar como são, porque têm medo que os
outros percebam que ela não é o que aparenta ser. Devido a isso as pessoas no
mundo são cada vez mais alienadas sobre si mesmas, sobre sua verdade e sua
essência como homem e filho de Deus e vivem uma grande ilusão.
16. Outra luta que precisamos travar é contra o nosso comodismo. De certa forma esse
comodismo é a vivência de um mornismo, onde achamos que já somos convertidos
porque já buscamos a Deus, temos uma vida piedosa e está bom assim. Porém vamos
ignorando as sujeiras e escondendo-as debaixo do tapete, fazendo de conta que a
casa está limpa. Isso nos impede de assumirmos uma conversão profunda que atinge
não só a superficialidade do nosso ser, mas penetra na nossa alma, nas raízes daquilo
que somos. Para enfrentar o processo de autoconhecimento é preciso encarar com
coragem e disposição as sujeiras que aparecem para poder limpá-las de verdade e
nunca deixar de perscrutar o próprio coração para ver o que precisa ser mudado.
17. Por fim há que se travar o verdadeiro combate da oração. Vencer as tentações que
nos desanimam e nos abatem na vida de oração e voltar o nosso coração totalmente
para Deus. É preciso orar com empenho e não se distrair fugindo de si mesmo. Mas é
preciso deixar-se questionar na presença de Deus sobre si próprio, sobre seus
pensamentos, sentimentos e motivações.
18. Conhecer-se não é apenas nos ver assim como os outros nos vêem, aceitando os
defeitos e as qualidades que os outros apontam que temos. Mas, conhecer-se é
imprescindivelmente nos ver assim como Deus nos vê, pois só Ele nos conhece
verdadeiramente e sabe o que existe em nosso coração.
19. “Eu sou o que Deus pensa de mim” (Sta Teresinha do Menino Jesus).
20. Deus é nosso Pai, nosso Criador. Ele é o Santo, o Poderoso, o Onipotente, o
Onipresente e o Onisciente, aquele que conhece perfeitamente todas as coisas. Só Ele
nos conhece profundamente, conhece o que há de mais íntimo em nós: nossas
motivações, intenções, desejos, medos, etc. Por isso só Nele e através Dele,
poderemos chegar ao conhecimento verdadeiro de nós mesmos.
21. Vamos nos conhecer à medida que nos colocarmos na presença de Deus e
conseguirmos olhar nos seus olhos, para ali ver refletida a nossa imagem. “Olha para
quem te olha” (Sta Teresa de Jesus). É olhando nos olhos de Deus que nos veremos
assim como ele nos vê. Para isso é preciso uma vida de oração profunda e sincera.
Uma oração conduzida pelo Espírito Santo, onde permitimos que Ele nos leve para
onde deseja nos levar. “Só o Espírito Santo nos dá o verdadeiro autoconhecimento.
Sem ele, nem o mais sábio dos homens é capaz de conhecer-se como deve, ou de
perceber o estado íntimo de sua alma”. (Philokalia em Anselm Grün – Oração e
autoconhecimento)
22. “A capacidade que a oração possui para nos levar ao autoconhecimento mais
profundo, fundamenta-se no fato de ela confrontar-nos com Deus. No momento em que
me confronto com Deus, me torno consciente do que em mim está errado. A oração
manifesta o que a mera auto-observação jamais haveria de perceber” (Anselm Grün –
Oração e autoconhecimento).
23. O encontro com Deus na oração deve nos levar mergulhar no nosso interior, isso
nos permite entrarmos em contato com os diversos níveis das nossas realidades mais
íntimas e tudo o que perfaz o nosso ser: pensamentos, sentimentos, angústias,
paixões, etc. Assim a oração se torna autoconhecimento e ao mesmo tempo
possibilidade de conhecer verdadeiramente a Deus. Pois a medida em que a pessoa
encontra a si mesma ao ver desvelada sua própria natureza diante de Deus, também
pode repentinamente ver desvelar-se a natureza de Deus como aquele que a ama e
sustenta, conforme nos testemunham as Sagradas Escrituras. “Na oração o encontro
nos coloca diante de um tu (Deus) completamente distinto de nós mesmos. Diante de
um tu podemos vislumbrar, de modo direto e imediato, o que somos e o ser de nossa
identidade. No encontro com o outro, que é diverso, encontro a minha verdadeira
realidade” (Anselm Grün. – A oração como encontro).
25. Olhando para Deus, podemos contemplar a sua beleza, santidade, bondade, amor,
a mansidão, a paciência, a misericórdia, fidelidade, etc. Ao contemplarmos Jesus
vemos sua beleza e, ao mesmo tempo, nos vendo em seus olhos, veremos o nosso
nada, nossa miséria, nosso pecado, nossas infidelidades, nossa incapacidade, etc.
Vemos assim a grandeza de Deus e diante dela a nossa profunda pobreza e pequenez.
Constatamos o quanto estamos longe de ser o que Ele deseja que sejamos.
26. Contudo o olhar de Deus por nós não é acusador e nem nos julga em nossos
pecados, mas ao contrário é um olhar de profundo amor. É tão amoroso que nos
constrange. Ao contemplar o olhar de Deus por nós, vemos que apesar de enxergar
tudo aquilo que somos de verdade (todo nosso pecado e miséria), esse olhar penetra
muito além, e encontra a nossa essência mais profunda. Deus quando nos olha, não vê
apenas aquilo que somos, mas tudo o que podemos ser pela sua graça na raiz da
nossa essência. Ele nos vê como filhos amados onde pode ser refletida a imagem de
Jesus, o Filho, que é nosso modelo. Assim Deus contempla em nós aquilo que
seremos na eternidade, contempla toda a santidade que podemos alcançar, porque Ele
mesmo nos capacitou para isso com o seu Espírito Santo. Por isso apesar de toda
nossa pequenez e fraqueza ele nos ama profundamente e não nos condena, mas nos
acolhe na sua misericórdia para que permanecendo com Ele alcancemos a sua glória.
Nós somos um grão de areia que Deus olha e vê que é um grão de areia, mas vê neste
grão a pérola que pode se tornar. Assim Ele ama e deseja este grão, não apenas como
um grão de areia, mas como uma verdadeira pérola preciosa.
28. Nos colocando diante de Deus como verdadeiramente somos pela oração, podemos
nos aproximar do lado sombrio e obscuro da nossa alma, com nossos projetos, nossas
dores, nossas pulsões e todas espécies de agitações internas que estão em nós, de
forma que tudo isso possa ser iluminado por Deus. Conhecer as realidades interiores e
exteriores que compõem o nosso ser, apresentá-las a Deus e, ao mesmo tempo
assumirmos essas realidades em nós, abre espaço para ação de Deus em nossa vida,
que pode então ser transformada. À luz de Deus podemos compreender melhor a
nossa própria realidade, e então nos reapropriamos da nossa vida de uma forma
diferente, nova, que nos leva a assumir o projeto de vida que Deus tem para nós.
29. Segundo os monges o autoconhecimento deve ser vivido em dois aspectos distintos.
Por um lado o homem se conhece a partir da grandeza de Deus que nele se reflete. O
homem é imagem e semelhança de Deus. Por outro o homem deve se reconhecer
como imagem desfigurada de Deus. Como imagem de Deus o homem deve
reconhecer a sua dignidade, sua beleza, todo bem que Deus colocou nele e sua
capacidade de tornar-se morada de Deus. Mas ao mesmo tempo ele deve descobrir o
quanto esconde e deforma esta imagem, deve patentear as trevas, o mal, o erro e a
deformação que carrega em si. Então Deus o há de curar, reconstruir a imagem
original, há de fazer com que o homem venha a ser aquilo que Ele quis que viesse a
ser. (cf. Anselm Grün – Oração e autoconhecimento).
30. Nos desígnios de Deus tudo o que acontece em nossa vida têm uma finalidade
construtora, que vai muito além da nossa compreensão. Quando passamos a nos
conhecer em Deus vamos descobrindo o significado daquilo que vivemos e
redescobrindo a nossa história como história da nossa salvação, na qual Deus sempre
esteve presente nos conduzindo para chegarmos até Ele. Então compreenderemos
que “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus”.
32. A maturidade espiritual é a maturidade daquele que tem fé, refere-se aos
componentes espirituais do homem interior: o coração e os afetos, a mente e a
vontade. A dimensão espiritual não pode se sustentar sem a dimensão humana, aliás,
realiza-a em plenitude no grau máximo da sua humanidade. Não pode existir, portanto
nenhuma dimensão de amadurecimento espiritual sem o indispensável suporte
humano e sem que dele advenha um total desabrochar humano.
34. “Se alguém está em Cristo é uma nova criatura” (2 Cor 5, 17); Ser uma nova criatura
é viver a liberdade do próprio ser em Cristo, não estando mais condicionada a
circunstâncias, a antecedentes, a impulsos incontroláveis, etc, mas liberta pela ação
purificadora e santificadora do Espírito Santo. “Onde está o Espírito. de Deus aí está a
liberdade” (2 Cor 3, 17).
35. “O homem novo, do qual fala Paulo, está totalmente iluminado pela sabedoria do
Espírito. Mas a luz é refletida e resplandece em sua humanidade”. (A. Cencini – Os
sentimentos do Filho)
38. É preciso saber que ninguém consegue se conhecer perfeitamente, pois por maior
que seja o conhecimento do homem ele sempre será imperfeito, por ser apenas uma
centelha do conhecimento de Deus, o único perfeito. Nosso conhecimento de nós se
aperfeiçoa à medida que nos aproximamos e aprofundamos a nossa vida em Deus,
para que na eternidade possamos vê-lo tal qual Ele é e então conheceremos tudo o
que Ele conhece a nosso respeito: “Agora meu conhecimento é limitado, mas, depois,
conhecerei como sou conhecido” (I Cor 13, 13).
39. Isso significa que esse processo de autoconhecimento e busca de maturidade é algo
que deve durar toda a nossa vida e só se esgotará quando estivermos realmente face a
face com Deus na eternidade. Portanto o autoconhecimento é algo progressivo em
nossa vida e também é progressiva a transformação decorrente dele. Isso faz parte do
nosso processo de amadurecimento. Há um mínimo de amadurecimento que cada
pessoa deve ter em cada fase de sua vida, pois cada fase da vida exige uma
maturidade própria e devemos buscá-la em cada fase que estivermos vivemos. Por
isso a busca de maturidade dura a vida toda, assim como a conversão, pois são duas
coisas que caminham juntas.