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Artigo Sobre A Feminilidade em Psicanálise
Artigo Sobre A Feminilidade em Psicanálise
Freud elabora sobre a diferença sexual nos Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade
(1905/1996). O objeto de sua teoria é a sexualidade infantil que se constituiria a partir do
auto-erotismo e do caráter perverso e polimorfo das zonas erógenas. A diferença entre os
sexos ainda não estaria definida. A sexualidade da menina teria um caráter masculino, ativo,
pois a libido seria, regularmente, de natureza masculina.
Estas afirmações não concorrem em favor de um conceito claro sobre o tema. Há uma
alternância entre a feminilidade como experiência favorável, equiparada à resolução do
complexo de castração mesmo nos homens, como sugere o texto de 1937, o que traria uma
positivação do registro de feminilidade na vida psíquica e, de outro lado, a idéia de
feminilidade associada à mulher, entidade limitada quanto aos processos de elaboração da
sexualidade infantil e quanto à capacidade de simbolização. As perturbações no
desenvolvimento da feminilidade se deveriam “aos fenômenos residuais do período masculino
inicial” (Freud, ibid., p. 130). Neste sentido, a questão freudiana sobre a diferença sexual é
como uma menina se tornará mulher.
No caso dos meninos, sairiam do Édipo pela angústia de castração, livres do ônus de
abandonarem o valor narcísico do pênis, muito ao contrário, o mantendo como motor da
“dissolução” do desejo edipiano. Em razão do realce dado na teoria às conseqüências psíquicas
da crença infantil sobre a existência do pênis em ambos os sexos, diz-se da primazia do falo,
sendo este o operador psíquico de todas as formações do inconsciente.
Haveria, até aqui, apenas um registro da sexualidade, não existindo propriamente uma
diferença, mas pares de opostos em torno do falo. O repúdio da feminilidade estaria apoiado
em uma única referência, o falo, nos dois sexos.
O que perturba esta ordem é a teoria do recalque de 1915, quando Freud retoma a
metapsicologia dos afetos e das representações e, mais tarde, o aspecto econômico da nova
teoria das pulsões. Da Interpretação dos Sonhos até então, a ênfase se deu nas representações
para, mais tarde, dar lugar a questão das intensidades e da força das pulsões. Segundo Green
(1988), ainda que Freud tenha considerado a representação inconsciente investida de afeto
(afeto bloqueado na raiz da histeria), o método da cura pela fala sugeria que as
representações, mais íntimas à linguagem, solucionassem as vicissitudes dos afetos. O autor
fala de um tipo de afeto integrado que introduz-se nas formações inconscientes e um outro
tipo que, em razão de sua intensidade e significado, transborda da cadeia inconsciente, “como
um rio que deixa seu leito e desorganiza as comunicações, destruindo as estruturas
constituintes de sentido ou compreensão” (Green. 1988, p.209). Diz que se a representação
tem posição privilegiada no começo, talvez fosse pela possibilidade de ilustração e
demonstração que oferecia.
Em um modelo que não seja fundado sobre um único refernte, o que estaria em jogo
no repúdio da feminilidade não seria apenas a negação da castração. Mais abaixo, seria
negação a um conjunto de referências que submeteriam o indivíduo à orfandade de um centro
significante estruturante; o deixaria submetido à oposição de dois referentes fundamentais,
onde a passividade originária remeteria ao desamparo, ao descentramento, à feminilidade e
esta seria a sua realidade última, por ser a primeira, originária. A falicidade seria uma defsa
necessária, mas não poderia presumir a sua natureza psíquica. A recusa da castração seria uma
saída, uma espécie de falso dilema para a angústia do desamparo. Melhor ser ameaçado pela
lei do pai, lei que se pode recusar, que por uma lei que está acima do pai que também o
submete, a lei da vulnerabilidade frente o mundo interno das pulsões e externo, o sexual
infantil do outro, vulnerabilidade inscrita como feminilidade primitiva no inconsciente.
Mas, penso que toda esta luta do Eu por ser masculino não poderia ser imputada à
presença no inconsciente de uma tendência dos primeiros impulsos libidinais ao complexo de
masculinidade, como afirmara Freud em 1931. Pois, se assim fosse, não se justificaria a
barreira de oposição entre o Eu e o núcleo do inconsciente e nem tamanho esforço. Deveria,
então, haver no núcleo do inconsciente um fator de pressão intensa e oposição radical àquele
esforço. Pela lógica do recalque, se o Eu se ancora no desejo de masculinidade, rechaçando
energicamente a atitude passiva através do recalcamento secundário, o conteúdo do
recalcado originário que lhe faria pressão e que poderia acolher por afinidade a atitude passiva
indesejável ao Eu teria ligações diretas com a passividade. Por isso, o Eu destinaria ao
recalcado originário a atitude passiva. Esse recalcado, por ser opositivo e requisitar do Eu um
mecanismo de defesa tão radical como o da recusa, certamente seria destituído das
representações com as quais o Eu mantém sintonia. Poderíamos supor, então, que o recalcado
originário fosse marcado pela passividade, associada posteriormente à feminilidade via
recalcamento secundário. A passividade-feminilidade seria um referente primário. Para
Ribeiro (1997), a idéia de repúdio da feminilidade e sua implicação enquanto mecanismo
defensivo do recalcamento, bastaria para situar a feminilidade do lado recalcado. Freud se
recusaria a ver o repúdio da feminilidade como uma força recalcante, acabando por tomá-lo
como um dado biológico associado ao grande enigma do sexo.
Laplanche(1993) afirma, em outro texto, que a clivagem interna que diz respeito ao
outro em si mesmo, que representa a alteridade interna, é o que está na raiz da angústia face
à alteridade externa. Para ele, esta angústia é que se deve procurar reduzir a qualquer preço
em análise.
Penso que a expressão mais visível desta angústia é a recusa da feminilidade, posto
que o outro clivado, segundo a presente argumentação, é a passividade-feminilidade. Para que
a análise se ancore na associação livre, a fala do analisando não poderia encontrar no analista
os limites de uma concepção de Eu coeso e identificado às representações fálico-sexuadas,
pois a recusa da feminilidade se confirmaria como finitude do processo analítico. Mesmo a
atenção flutuante, condição psíquica necessária ao analista, seria inviabilizada na ausência de
uma passividade-feminilidade ao que vem do outro. Por esse caminho, o maior obstáculo à
análise seria o repúdio da feminilidade no analista, fechando portas para o acontecimento da
alteridade.
Bibliografia
Freud, S. (1905). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. In ESB, vol. VII, Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
______ (1933 [1932]). Novas Conferências introdutórias sobre a psicanálise. In ESB, vol. XXII,
_______ (1937). Análise Terminável e Interminável. In ESB, vol. XXIII, Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
Laplanche, J. (1992). Novos fundamentos para a psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.