Ao postular o conceito de inconsciente, descrevendo as leis que
determinam o seu funcionamento e a existência do desejo inconsciente, Freud demonstrou que o ser humano, ser falante, é dividido por estrutura. Freud formula a subjetividade humana como um conflito: o sujeito é dividido entre o que ele quer, o que pensa, o que sabe: o seu eu, que se constitui a partir de sua imagem corporal e de seus ideais. Mas também, pelo que ele não admite como fazendo parte de si mesmo, o que o angustia, e que ele não reconhece com o seu. Isso é o inconsciente, fonte de angústia e mal estar, mas não é, como se pensa comumente, algo que está nas profundezas do ser, inacessível e escondido. O inconsciente se manifesta em nossa vida cotidiana a todo momento, nos sintomas (medo, inibições, compulsões), nos sonhos, nos lapsos, nos grandes e pequenos erros do dia a dia. Ele se apresenta também como um destino inexorável que está sempre a nos levar aonde não queremos ir. Portanto podemos afirmar, com Lacan, que não existe nada mais disparatado do que a realidade humana. Para além do conjunto das identificações do sujeito, que chamamos de identidade, existe o sujeito do desejo, sujeito do inconsciente. É a partir dessa noção de identidade que se dividem os seres humanos em supostas e falsas categorias identitárias, que além de contradizerem a singularidade do desejo servem de instrumento às segregações e à criação de guetos, além de alimentara a psicologia das massas pela via dessas identificações. O desejo pelo outro ao ser recusado pode se transformar em ódio. Daí para frente, da homofobia ao homoterrorismo é um passo. Desde o século XVII diversas práticas sexuais passaram a ser objeto de estudo e classificadas como inadequadas, condenáveis, patológicas pelo saber científico que foi se constituindo desde então. Mas inicialmente, coordenavam se as práticas, mas não as pessoas. A ideia de que a doença não está localizada nenhum órgão ou funcionamento isolado, mas no funcionamento total da personalidade só foi desenvolvida pela psiquiatria no século XIX. Assim a psiquiatria passa determinar o que é o normal e o que é o patológico nesse campo, a partir da criação do conceito de instinto sexual. A partir disso as práticas que se destinam a reprodução são definidas como normais e todas as demais práticas são escritas no campo das perversões. Esse pensamento psiquiátrico está na base das propostas higienistas pseudamente científicas e a sexualidade passa a ser interrogada, classificada e reprimida em suas chamadas aberrações. É nesse quadro que Freud começa pensar as questões da sexualidade. Em 1905 ele publica Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade, onde vai questionar esses conceitos partindo de um ponto muito fundamental, que é questionar o conceito de instinto sexual, postulando, no seu lugar, o conceito de pulsão. Isso vai determinar uma ruptura radical com o pensamento psiquiátricos sua época. Freud diferencia o instinto do animal que é inato, em montável e que tem seu objeto de satisfação, da pulsão mana, afirmando que a pulsão não tem objeto ele corresponda e que portanto não tem um objeto definido desativação O conceito de pulsão representa essa ruptura radical com o pensamento científico de seu tempo. Com isso, Freud produz uma ampliação muito significativa do conceito de sexualidade, incluindo aí todos os comportamentos que eram considerados perversos pela ciência. A ampliação do conceito de sexualidade introduzida por Freud, a partir de sua definição da sexualidade como infantil e perversa polimorfa vai significar uma grande abertura do termo sexualidade para todo o corpo, não se limitando mais a genitalidade. Toda a superfície do corpo e todos os seus orifícios, tudo passa a fazer parte da sexualidade normal e esta passa a incluir não apenas a chamada “inversão do objeto”, mas todas as outras práticas sexuais, todas passam a fazer parte da sexualidade das pessoas em geral. A ideia de sexualidade que alicerça toda a construção da doutrina psicanalítica foi abordada por Freud de maneira cuidadosa e inovadora. Fazendo dela uma disposição psíquica universal inerente à atividade humana, Freud encarregou-se de romper com o discurso biologizante sustentado pela sexologia que, a partir da noção de instinto, reduziu sujeito um padrão fixo de comportamento e classificava de perversa toda e qualquer conduta sensual que não conduzisse a preservação da espécie. Em 1920 ele acrescenta uma nota na nova edição dos Três ensaios onde afirma que todo indivíduo é capaz uma escolha homossexual e que efetivamente faz esse tipo de escolha no seu inconsciente. Aliás, ele afirma inclusive que também as tendências exclusivamente heterosexuais deveriam ser interrogadas. Afinal o que faz com que uma pessoa tem um interesse exclusivamente heterossexual? O sujeito humano se estrutura na medida em que os automatismos genético-neurológicos vão se submetendo à ordem significante, ou seja a medida em que as inscrições significantes, as palavras que vem do outro, vão mudando o sistema nervoso para que ele venha a responder na ordem simbólica e imaginária de modo a permitir a inscrição, a entrada do sujeito na cultura, na civilização. As operações lógicas previamente contidas na linguagem, ditas, sussurradas, cantarolada pelo outro primitivo, enquanto este manipula seu corpo, moldam, entalham, cortam e costuram o corpo do pequeno filhote humano, na relação com o seu semelhante. Ordenam assim, não somente a sua vida erótica, transformando-a em vida de desejo, mas ordenam também todo tipo de trocas materiais e simbólicas entre seu corpo e o corpo dos outros. Mais tarde já no início dos anos 20 Freud escreve o texto sobre a organização genital infantil e o que ele vai destacar é que a organização genital infantil se constitui em torno da primazia do falo. Ele destaca a importância da premissa universal do falo, no que ele vai chamar de fase fálica, ressaltando que o falo não corresponde a anatomia, não se trata de um elemento biológico, mas da significação, é um elemento lógico, simbólico, organizador fundamental da sexualidade. Portanto a diferença entre os sexos não corresponde à anatomia, mas é de ordem lógica. O falo é um elemento simbólico que se articula com o complexo de castração. Freud defende que essa lógica funciona para todos, independentemente de seu sexo biológico. Portanto, para Freud a sexualidade é uma construção em torno da significação fálica e se articula ao longo da experiência do complexo de Èdipo, com o complexo de castração. Lacan vai desenvolver esses conceitos no texto sobre A significação do falo. Esse texto vai promover a noção de significante, oposta a noção de significado, vai definir o falo como significante, e que a relação do sujeito com o significante depende da forma como o significante morde o corpo, como se escreve os significantes que vem do outro no corpo do pequeno sujeito. O falo é o significante que determina os efeitos do significado e os condiciona por sua presença de significante.
Bibliografia
QUINET, A. A descoberta do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.