Você está na página 1de 15

Eixo: História, Trabalho e Educação

A COISIFICAÇÃO DO HOMEM NAS RELAÇÕES DE EDUCAÇÃO


E TRABALHO

Maria Isabel Moura Nascimento (UEPG)1


Rosiane Machado da Silva (UEPG)2
Eliza Ribas Gracino (UEPG))3

4
Eu, Etiqueta

Onde terei jogado fora


meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa,
coisamente.

Carlos Drummond de Andrade

1Maria Isabel Moura Nascimento, Universidade Estadual de Ponta Grossa. Paraná, Brasil. E-mail:
misabel@lexa.com.br
2Rosiane Machado da Silva, Universidade Estadual de Ponta Grossa. Paraná, Brasil. E-
mail:profmsrosiane@hotmail.com
3Eliza Ribas Gracino, Universidade Estadual de Ponta Grossa. Paraná, Brasil. E-mail: ergracino@hotmail.com

4ANDRADE, C. D. Obra poética, Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.

1
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar as contradições existentes na relação
do trabalho e coisifação do homem. A desvalorização da mão de obra e do seu trabalho,
e a exploração pelo sistema capitalista. No desenvolvimento apresentamos como o
trabalho vem sendo apresentado na história, retomando de modo sucinto o escravagismo
no sentido de se compreender como ele tem sido visto ao longo dos séculos de modo
especial no Brasil no final do século XIX. Apontamos ainda o sentido ontológico do
trabalho na perspectiva marxista. Onde o mesmo sinaliza a importância do homem em
sua totalidade e modo da exploração do trabalho pelo capitalismo e a influência deste
sistema na educação. A estratégia utilizada nesse processo por meio do convencimento
ideológico do trabalhador. Levando-o ao convencimento de que a vida que lhe é
oferecida e a remuneração recebida é o melhor que pode obter. Nas considerações finais
sinalizamos as contradições existentes entre o discurso instaurado sobre a educação e o
trabalhador, e as reais necessidades de uma mudança do status quo vigente. As reformas
nas políticas educacionais, a valorização expressa na remuneração do professor, e as
suas condições de trabalho são consideradas como o inicio deste processo. Apontamos
algumas reflexões sobre a necessidade de um ensino voltado para as classes populares,
como uma das ferramentas para a sua emancipação social e desideologização.
Palavras- chave: Trabalho; Educação; Ideologia; Emancipação.

Introdução

Neste artigo tecemos algumas considerações sobre o homem e sua relação de


trabalho, analisando como isso se deu desde o processo de escravização no Brasil,
estabelecendo relações com os dias de hoje. Nesse movimento buscamos encontrar as
aproximações e as diferenças do sistema econômico proposto na atualidade. Com base
na teoria marxista buscamos compreender o sentido ontológico do homem e sua relação
com o trabalho. A desvalorização do mesmo e a coisificação deste sujeito, comparado
no sistema capitalista como uma mercadoria. Apontamos a educação como uma das
principais ferramentas para a desideologização das massas populares, e emancipação
humana. Acredita-se que as mudanças só ocorrerão quando a vontade política for maior,
do que a ganância da elite detentora do poder, com o enriquecimento ilícito a custa do
trabalho mal remunerado.

Desenvolvimento

Não é sem motivo que Drummond com muita propriedade fala sobre a
coisificação do homem, o que fazemos, pensamos ou vestimos tem um valor “de”

2
mercado”, que nem sempre apresenta coerência com o que se pensa ou se quer. A
ideologização tem sido uma arma utilizada pelo capital para convencimento do
trabalhador, sua permanência e conformismo com relação a sua condição social e de
trabalho.

[...] a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma


das formas da luta de classes. A ideologia é um dos meios usado pelos
dominantes pra exercer a dominação, fazendo com que esta não seja
percebida como tal pelos dominados (CHAUÍ, 1980, p. 33).

A história sobre o homem nos relata que as relações sociais e de trabalho vem
sofrendo transformações durante os tempos históricos e políticos, modificando o
sentido ontológico do ser enquanto ser. Para Nascimento; Silva (2015, p.23) a
ontologia significa,

Compreender as questões relativas à ontologia do ser social demanda


o entendimento do sentido do homem em sua totalidade
(individualidade e a subjetividade). Na sua individualidade singular o
ser social carrega consigo as dimensões da subjetividade e da
objetividade, que por sua vez devem estar em constante relação
consigo mesmo, com a natureza e com os outros homens. O ser social
constitui uma totalidade onde estão as dimensões da objetividade e da
subjetividade de maneira integrada.

O homem é um “ser natural”, e como parte integrante da natureza relaciona-se


com ela, mas não da mesma maneira que os demais animais. Como ser ativo, em seu
“processo vital” o homem extrai da “Natureza” o que necessita para sua subsistência,
colocando em “movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e
mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida
humana” (MARX, 1985, p. 202).
Nessa interação, com a natureza é que a humanização acontece. Para Marx,” a
principal distinção feita entre os homens e os demais animais está na humanização,
permitida pelo trabalho, como atividade primordial para a subsistência humana, logo,
manifestação de sua existencia” (MARX, 2004, p. 127).
Como toda atividade humana, o trabalho resulta das atividades anteriores,
devendo ser observado em conexão com as relações sociais. Das condições materiais de

3
produção e do conjunto das relações sociais e de força produtiva originou-se um
determinado tipo de sujeito, que apreende o objeto a partir da realidade material.
(MARX; ENGELS, 2007)
Esse sujeito histórico, determinado por suas relações com os meios de produção
de sua vida material está também condicionado as relações sociais e econômicas, que
determinam sua consciência, condicionando-o.

O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende,


antes de tudo, da própria constituição dos meios de vida já
encontrados e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção não
deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da
existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma
determinada de sua atividade, uma forma determinada de exteriorizar
sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos. Tal como
os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são
coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como
também como o modo como produzem. O que os indivíduos são,
portanto, depende das condições materiais de sua produção (MARX;
ENGELS, 2007, p. 87).

Na luta pelo domínio político e pelo poder, a classe burguesa avançou e


apropriou-se do capital, que, posteriormente, tornou-se o elemento primordial e
diferenciador da divisão de classes. O trabalho transformou-se em mercadoria, com
valor econômico determinado e regulado pelas leis de mercado. “As transformações
sócio-econômico-políticas ocasionaram o êxodo do trabalhador para as grandes cidades,
obrigando-se a vender sua força produtiva para poder sobreviver” (MARX, 1996, p. 34 -
59).

A partir da mercantilização do trabalho houve uma inversão, que modificou a


essência do homem, sua “essência subjetiva” tornou-se objeto, e o que era conhecido
como objeto (ou a propriedade) tornou-se sujeito. Ao escrever sobre “Propriedade
Privada e Trabalho, Marx aponta que o desenvolvimento da propriedade privada se deu
em três momentos: "A essência subjetiva da propriedade privada, a propriedade privada,
enquanto atividade sendo para si, enquanto sujeito, enquanto pessoa” (MARX, 2004,
p.99).

4
A realização do trabalho surge de tal modo como desrealização que o
trabalhador se invalida até a morte pela fome. A objetivação revela‐se
de tal maneira como perda do objeto que o trabalhador fica privado
dos objetos mais necessários, naõ só à vida, mas também ao trabalho.
Sim, o trabalho transforma‐se em objeto, que ele só consegue adquirir
com o máximo esforço e com interrupções imprevisı́veis. A
apropriação do objeto manifesta‐se a tal ponto como alienação que
quanto mais objetos o trabalhador produzir, tanto menos ele pode
possuir e mais se submete ao domı́nio do seu produto, o capital
(MARX, 2005, p. 112).

A maneira como o fruto do trabalho é produzido, a impossibilidade imposta de o


trabalhador possuir os bens que produz, tornou o trabalho desumanizado, executado
somente para a sobrevivência, e muitas vezes insuficiente à ela.
Portanto, quando o homem vende sua força de trabalho, este torna-se força
estranha que não mais pertencente ao trabalhador, mas a outro homem deixa de ser
manifestação da existência, ou manutenção desta. A apropriação do trabalho humano
gerada pelo advento do capitalismo fez com que algo que em sua essência era
interiorizado, se tornasse exteriorizado, cavando um abismo entre o homem e o fruto de
seu trabalho, tornando-o “alienado”, mutilando o trabalho e o homem (MARX, 1987, p.
412- 413).

A ontologia, ou seja, a essência deriva do “processo histórico”, não


havendo “dualidade entre essência e historicidade” (SAVIANI;
DUARTE, 2012, p. 40). Sem a perspectiva da historicidade, torna-se
ínviavel compreender a educação e o modo pelo qual ela tem sido
usada pela classe dominante para manter sua hegemonia e status quo,
em detrimento da classe trabalhadora.

Entretanto, é mister compreender que no processo de dominação, a classe que


detém o poder e os meios de produção o faz a partir da necessidade que emerge da
realidade material, distinta em cada tempo histórico. Assim sendo, a educação, no início
do processo de humanização do homem pelo trabalho, ocorria no simples convívio,
como “apropriação coletiva dos meios da produção material e da apropriação coletiva
dos meios de existência humana” (SAVIANI, DUARTE, 2012, p. 41).
Portanto, educação e trabalho deveriam ser processos indistintos e
indissociáveis, mas houve o escravagismo imposto na Antiguidade, separou educação e

5
trabalho, impondo ao primeiro a dualidade: sendo aos homens livres legada a atividade
intelectual, e aos escravos e servos, a educação pelo trabalho, necessária aos serviços
braçais (SAVIANI, 2007).
A relação do homem, trabalho e escravidão é algo que o acompanha pelos
tempos, a escravidão é tão antiga quanto à humanidade. A escravidão dos povos esteve
atrelada ao ganhar ou perder as guerras, como na Grécia e Roma, quem perdia era feito
escravo. Também entre os incas e astecas no México essa prática era comum. O
guerreiro vencido se tornava escravo, propriedade do vencedor. Outra prática
escravagista era o pagamento de dívidas por meio da venda de pessoas, filhos, e
familiares aos credores. Com essa prática o homem se comparava a uma mercadoria ou
um produto, assim como o seu trabalho.

O modo de produção capitalista se caracteriza pela exploração; isto é,


pela apropriação da força de trabalho. O capital se apropria da força
de trabalho e a objetiva, a realiza a fim de gerar mais-valia. Ora, por
ele mesmo o capital somente se apropria daquela força de trabalho que
pode gerar mais valia, procurando que toda a força de trabalho esteja
em condições de gerá-la (MARX e ENGELS, 2004, p.14 e 15).

É enganoso pensar que a escravidão se deu somente entre brancos e negros, ou


brancos e índios, a escravidão tem relação com todas as raças. Os europeus
escravizaram outros europeus, com o esgotamento dos escravos brancos os mercadores
tiveram que recorrer ao tráfico de negros africanos, para suprir o mercado do
Hemisfério Ocidental. A escravidão não escolhia credo, raças ou cores. Na Ásia como
exemplo, asiáticos fizeram asiáticos de escravos, nas Américas índios aprisionaram
outros índios, e na África negros também se tornaram escravos de outros negros. No
Brasil o trafego escravagista não foi diferente,

Diversos grupos étnicos ou "nações", com culturas também distintas,


foram trazidos para o Brasil. A Guiné e o Sudão, ao norte da linha do
Equador, o Congo e Angola, no centro e sudoeste da África, e a região
de Moçambique, na costa oriental, foram as principais áreas
fornecedoras. Das duas primeiras vieram, entre outros, os afantis,
axantis, jejes, peuls, hauçás (muçulmanos, chamados malês na Bahia)
e os nagôs ou iorubás. Estes últimos tinham uma grande influência

6
política, cultural e religiosa em ampla área sudanesa. Eram de cultura
banto os negros provenientes do Congo e de Angola — os cabindas,
caçanjes, muxicongos, monjolos, rebolos—, assim como os de
Moçambique (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, p.11).

Em maior parte da população mundial essa prática era comum, pois o sistema
social do trabalho forçado era praticado por todos os povos, coisificando o homem, e o
que por ele era produzido sob a égide do capitalismo.

O capitalista, mediante a compra da força de trabalho, incorporou o


próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos mortos
constitutivos do produto, que lhe pertencem igualmente. Do seu ponto
de vista, o processo de trabalho é apenas o consumo da mercadoria,
força de trabalho por ele comprada, que só pode, no entanto, consumir
ao acrescentar-lhe meios de produção. O processo de trabalho é um
processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe
pertencem. O produto desse processo lhe pertence de modo
inteiramente igual ao produto do processo de fermentação em sua
adega (MARX, 1996, p. 304).

O trabalho do negro escravo no Brasil surge como alternativa para o


aproveitamento das novas terras americanas. Na Europa esse modelo tinha deixado de
existir no século XIV. Num primeiro momento o Brasil utilizou da mão de obra
indígena.

De acordo com Rezende Filho (1995), a substituição da mão de obra indígena


pela escrava se justifica pelo lucro que isso gerava ao mercador metropolitano. Com a
venda do escravo ele obtia lucro, e posteriormente com a venda do produto do trabalho
escravo, ganhava novamente, o lucro era duplicado. Com o índio isso não era possível,
pois este era capturado na própria colônia, e não oferecia as vantagens do tráfico do
negro africano. Por isso era necessário para o sucesso da indústria colonial e de
exploração, que o escravo fosse uma mercadoria há mais, a ser comercializada no
Brasil. A força, o medo e a violência eram estratégias utilizadas para manter o negro no
trabalho escravo, a fim de manter a sociedade escravista.

7
[...] como a sociedade escravista precisa ser defendida [...] no pólo
senhorial criaram-se vários mecanismos de defesa contra esses
levantes e fugas, mecanismos que vão de uma estruturação de uma
legislação repressiva violenta à criação de milícias, capitães do mato e
ao estabelecimento de todo um arsenal de instrumentos de tortura
(MOURA, 1986, p. 11).

Outro argumento considerado pelos mercadores para manter o escravismo do


negro, foi o da Igreja que considerava o negro um apóstata passível de escravidão, e o
índio um gentio passível de catequização. Os índios como escravos trabalhadores iriam
gerar uma concentração de renda na colônia, impedindo o desenvolvimento do mercado
metropolitano português com o tráfico do homem negro trazido da África. Por estes
motivos que o escravismo indígena não prosperou.

As vantagens obtidas com o escravismo negro eram maiores para os mercadores


metropolitanos, que os tratavam como mercadorias, tendo como critério de escolha a
aptidão para o trabalho. Porém, na relação de “coisificação” dos seres humanos
impostos pela escravidão:

Não podemos enxergá-lo [o escravo] apenas como "coisa" (como


fazem tantosestudiosos da escravidão) e nem apenas como “pessoa".
Não basta simplesmente negar ou substituir a afirmação categórica da
"retificação" do escravo pela sua "humanidade". Ao contrário.
Queremos deixar marcado que,assim como esteve presente no
discurso oficial metropolitano, a contradição entre ˜coisa˜ e ˜pessoa˜
se manifesta na prática das relações entre senhores eseus cativos. Mais
ainda: tais atributos e os limites desta contradição, deste ser coisa não
o sendo, estavam determinados pelas relações (pelos embates,
resistência e acomodamentos) entre senhores e escravos
cotidianamente (LARA, 1988, p. 163).

Para Rezende Filho (1995) a libertação dos escravos na Europa se deu por
motivos econômicos e não por considerar que o trabalho do negro “mais valia” do que
lhe era ofertado, mas sim, pois o custo financeiro de um escravo era maior do que um
trabalhador assalariado. Com isso se vê que o argumento de humanização e valorização
do trabalho negro escravo, estava longe de ser uma realidade. Como exemplo disso, a
Inglaterra se apresenta como a principal representante.

8
Os motivos da Inglaterra, que nos séculos XVII e XVIII fora uma das
nações mais atuantes neste tipo de comércio, eram essencialmente
econômicos. Em suas possessões, no final do século XVIII, havia
aproximadamente 800 mil escravos para 150 mil homens livres. Com
a revolução industrial, porém, a acumulação de capital passou a ser
feita predominantemente na esfera da produção, nas indústrias e nas
propriedades rurais modernizadas, o que conferiu maior importância à
produtividade e à ampliação de mercados. O trabalho escravo e as
práticas monopolistas tornaram-se anacrônicas (BIBLIOTECA
NACIONAL, 1988, p.29).

Na sociedade brasileira, não foi diferente, embora a economia tenha se


desenvolvido em torno da exploração do trabalho escravo, “este se transformou em um
empecilho ao projeto de expansão capitalista” (SINGER, 1987, p. 67).

Os interesses em modificar os modos de produção, implantando a modernização


por meio de mudanças tecnológicas, modificariam as relações de trabalho, tornando a
escravidão inviável, pois os escravos eram tidos por ignorantes e na ótica capitalista,
para que o País se desenvolvesse, seria necessário que houvesse mão de obra
qualificada. A escravidão foi extinta, mas não as desigualdades, que se intensificaram,
na medida em que a exploração aumentava e o lucro do capital se tornava elevado
(NASCIMENTO, 2005, p. 83; COSTA, 1999, p. 340).

No período colonial, o motor da economia brasileira foi a mão-de-obra escrava,


que no processo de abolição não recebeu nenhum beneficio [...] nem escolas, nem
terras, nem empregos” (CARVALHO, 2012, p. 52). Fadados muitas vezes a retornar as
fazendas de origem, uma vez que a mão de obra escrava foi substituída pela assalariada.

As forças produtivas e as relações de trabalho são dinamizadas pela lógica do


capital. Diante desse processo, o trabalho passa a ser preocupação nos processos
educativos e dessa relação "surgem novas demandas para os processos educativos dos
trabalhadores, que são atendidas pelo Estado e pelo mercado” (NASCIMENTO, 2005,
p. 6). No processo de industrialização, mãos capazes de operar os maquinários
implantados precisariam ser preparadas e a educação era a única “capaz de promover
segura e positivamente essa transformação” (CARVALHO 2012, p.264).

9
O início do século XX, especialmente as primeiras décadas foram marcadas por
crises no sistema capitalista, a Primeira Guerra Mundial, e a quebra da Bolsa de Nova
York em 1929. Dentre os principais efeitos dessas crises, estão os altos índices de
desemprego, ocasionados pela diminuição do consumo (HOBSBAWN, 1995, p. 106-
107).

Para sanar as dificuldades impostas pelas crises capitalistas, o Estado assume o


papel de interventor nas relações de educação e trabalho, assegurando assim o
desenvolvimento. No período de 1930 a industrialização e a sofisticação das máquinas
fazem com que a educação se torne necessidade emergente. Era preciso qualificar o
trabalhador para manipular o novo instrumento de trabalho (NASCIMENTO, 2005).

Da necessidade do sistema capitalista, gerido pela classe dominante, surge o


dilema: Como oportunizar a educação escolar para os trabalhadores sem perder o
dominio? Para assegurar o domínio, a classe burguesa continua a “[...] dominar a
natureza através do conhecimento metódico, e converte a ciência, que é um
conhecimento intelectual, uma potência espiritual, em potência material por meio da
indústria” (SAVIANI, 2003, p. 96).

Para resolver a questão do domínio, é ofertada ao trabalhador e a sua prole uma


educação que não extrapole o conhecimento técnico e a aquisição somente das
habilidades suficientes ao sistema de produção, assim sendo, os conhecimentos
acumulados historicamente, e a oportunidade de compreensão dos processos são
negados.

[...] Tal tese está apoiada na análise de uma contradição que marca a
história da educação escolar na sociedade capitalista. Trata-se da
contradição entre a especificidade do trabalho educativo na escola –
que consiste na socialização do conhecimento em suas formas mais
desenvolvidas – e o fato de que o conhecimento é parte constitutiva
dos meios de produção que, nesta sociedade, são propriedade do
capital e, portanto, não podem ser socializados (SAVIANI; DUARTE,
2012, p. 2).

10
As crises no sistema de produção capitalista são constantes, bem como os
esforços do Estado em reestruturaro sistema produtivo, educativo e as e políticas
neoliberais, para assegurar sua manutenção e hegemonia. Por esse motivo, é
imprescindível que os educadores percebam o engodo capitalista de transformar a
educação não só em capital, mas também em instrumento de inculcaçao dos valores da
classe dominante, para a perpetuação do status quo. Para que a educação cumpra sua
função de transformação da sociedade, é necessário que as nuances de negação de uma
educação de qualidade a classe trabalhadora seja desvelada e denunciada, e que a
minoria dominada tenha acesso ao conteúdo historicamente acumulado pela
humanidade.

Conclusões

Como vimos às relações de trabalho no Brasil desde 1530 até 1888 com a abolição dos
escravos foi sustentada pela mão de obra escrava, primeiro com índio, depois o negro e na
seqüência os imigrantes. Desde o início o Brasil vinha estabelecendo as relações de produções
com base na exploração da mão de obra do escravo/trabalhador. As preocupações dos
empregadores com este trabalhador em relação a sua remuneração, condições de trabalho e ou
seus direitos eram inexistentes. O que dizer então com relação à preocupação com a sua
escolaridade? Ou a consideração do trabalho e esforço empreendido por este homem, no
enriquecimento de seu patrão? Nada disso era visto como importante ou necessário. O homem
e seu trabalho era visto apenas como um meio de enriquecimento. A única preocupação estava
relacionada com uma maior produtividade de trabalho para o enriquecimento do capital. Com
isso a população negra e os colonos que residiam no Brasil, ficaram a margem dos lucros dos
senhores de terras e donos das escravarias. O ensino a princípio era ministrado por professores
particulares para os filhos dos ricos, consolidando cada vez mais, a hegemonia da classe
dominante. Com isso os que detinham o poder permaneceriam nele. Os pobres e trabalhadores
seriam treinados para obedecer cegamente o que lhes era proposto.

A ideologização do trabalhador tem sido uma das ferramentas utilizadas para o


convencimento das massas, lhes fazendo acreditar que o que lhes é oferecido é o melhor que
podem obter. A proposta de melhoria na sua qualidade na vida, muito presente nos discursos
políticos, não passam de simples palavras soltas ao vento, ou quando muito não saem do papel.

11
Por outro lado as políticas voltadas para educação pública não se sustentam, seja por
falta de recursos ou por troca de governo e planos de gestão, o que temos hoje é um ensino
voltado para as elites. Os que podem pagar uma escola particular que preferencialmente seja
“bilíngüe” levam vantagem, na disputa pela empregabilidade e conseqüentemente estes, os
filhos dos burgueses serão os empregadores do futuro.

Burguesia e proletariado se definem, assim, conjuntamente. Constituem a


burguesia todos aqueles que “dão trabalho” ao proletariado, definindo-lhe as
tarefas e criando condições tais que não resta outra alternativa ao
proletariado a não ser cumprir estas tarefas de modo a atingir os objetivos do
capital ( SINGER, 1981, p. 21).

Mediante isso cabe a indagação “o que mudou de 1530” do sistema escravagista até os
dias de hoje, em relação ao trabalho, trabalhador, remuneração de sua mão de obra e educação?

É sabido que a legislação trabalhista realizou muitos avanços, principalmente atribuindo


um salário ao trabalhador. Mas apesar disso, é sabido também que não temos uma remuneração
justa, o seu trabalho na maioria das vezes vale muito mais daquilo que lhe é pago.

O salário do trabalhador tem que render e pagar todas as despesas, e ainda garantir um
futuro promissor aos seus filhos. A educação é o meio que muitos trabalhadores acreditam que
seus filhos poderão acender socialmente, como dizem “melhorar de vida”. Infelizmente o que
temos visto é que o sistema público está cada vez mais com dificuldades, para realizar a tão
sublime tarefa. A falta de recursos financeiros e humanos tem sido pauta dos noticiários e da
realidade da educação brasileira.

Desde a educação jesuítica vemos o desrespeito pela cultura e valores das classes menos
favorecidas. No caso dos índios a intenção era catequizá-los, ou seja, imprimir nos nativos os
costumes e cultura que não lhes trazia nenhum significado. Esse modelo jesuítico, ainda se faz
presente na educação brasileira. O que temos na escola em muitos casos e realidades distintas da
população brasileira, é que a mesma apresenta uma linguagem que não lhes representa. Os
conteúdos são repassados de modo dissociado de sua realidade, um perfeito descompasso e
descompromisso com uma educação emancipatória.

Será o conhecimento o elemento necessário para transformar em realidade o


ideal da emancipação humana, em conjunto com uma firme determinação e
dedicação dos indivíduos para alcançar, de maneira bem-sucedida, a

12
autoemancipação da humanidade, apesar de todas as adversidades, ou será
pelo contrário, a adoção pelos indivíduos, em particular, de modos de
comportamento que apenas favorecem a concretização dos objetivos
reificados do capital? (MÈSZÁROS, 1930, p. 47-48).

Ou será que estamos vivendo num “faz de conta”, onde todos devem acreditar que
somos ou que temos oportunidades iguais. Como a exemplo disso, temos aquela criança que
cata o jornal para vender, pois seus pais trabalham com reciclagem e o utilizam como meio de
sua sobrevivência. Diferente daquela que seus pais o utilizam para a leitura e ou fonte de
informação . Quais as aproximações e diferenças na aprendizagem dessas crianças, que estão na
mesma escola e na mesma classe? Elas terão a mesma compreensão e leitura de mundo? A
utilização do jornal tem o mesmo significado para ambas? Por certo que não e as diferenças
existem, o sistema meritocrático é cruel e impiedoso. Nessa lógica o capitalismo baseado no
mérito, vem nos dizer que essas crianças tem oportunidades iguais, se uma avança e a outra
fica, é porque ela não estudou ou não se esforçou como devia, pois ambas estão recebendo os
mesmos ensinamentos.

Como vemos somente o trabalho remunerado não é suficiente ou garantia para


melhoria de vida deste trabalhador. Necessitamos por isso repensar sobre a escola que
temos, e a educação que queremos. Não basta apenas apontarmos nesse texto as
dificuldades sociais e educacionais sinalizadas como num discurso vazio, é preciso
muito mais que isso. Como educadores sabemos que há muito por fazer. A começar
pelas políticas públicas com um projeto educativo inclusivo, que realmente contemple a
realidade do povo brasileiro. Os modelos copiados das escolas européias ou americanas
podem ser muito atrativos, mas não expressam nossa cultura e tão menos as nossas
necessidades. As melhorias devem vislumbrar também os professores, propiciar as
condições mínimas para desenvolverem seu trabalho, e isso também inclui uma
remuneração justa deste trabalhador.
Nestas considerações apontamos essas mudanças, mas sabemos que esse assunto
não se esgota nessa breve reflexão, e por certo diferentes dificuldades seriam apontadas
por outros que abordassem esse tema. A inquietação que nos impulsionou para estes
apontamentos é que se não houver alguma mudança, a coisificação do homem e do seu
trabalho continuará a fazer parte da história, como nos filmes de “horror” ou como nos

13
contos de “assombração” reproduzidos pelas nossas avós. Se isto persistir talvez
tenhamos que concordar com os versos de Drummond na epígrafe desse texto: “Já não
me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente”.

Referências

BIBLIOTECA NACIONAL. Para uma história do negro no Brasil. Rio de Janeiro, 1988.

CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 15a. ed.- Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012

COMPARATO, F. K. A afirmaçao ̃ histórica dos direitos humanos. 2. ed. rev. e ampl., Saõ
Paulo: Saraiva, 2001. p. 175 e 206; MARUN, J. A. O. Ministério Público e direitos humanos.
Campinas: Bookseller, 2005. p. 164.

CHUAÍ. M. O que é ideologia. 1980. Digitalização 2004. Disponível em:


<http://www.mrherondomingues.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/27/1470/14/arquivos/File/Do
cumentacao/Oqueideologia.pdf.> acesso em: 14/03/2016.

COSTA, E. V. da. Da monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Grijalbo, 1999.
p. 164-166

LARA, S. H. Campos da violencia: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-


1808. Rio de Janeiro, 1988.

MARX, K; ENGELS, F. O capital: crítica da economia política. Nova Cultural Ltda, São Paulo.
1996.

________. Textos sobre a Educação e Ensino. 4. Ed. São Paulo: Centauro, 2004.

MARX, K; ENGELS, F. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo. A miséria da


filosofia. São Paulo: Global, 1985.

________. Contribuição da economia política. São Paulo: Martins Fontes 2003.

________. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 1998

________Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo,


2004

14
________ O capital: crítica da economia política. 19ª Edição, Livro I, volume 1. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.

_________O capital: crítica da economia política. Coordenação e revisão de Paul Singer.


Tradução de Regis Barbosa e Flávio R.Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

________. Para a questão judaica. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

_________ A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes
Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846) /
Karl Marx, Friedrich Engels; supervisão editorial, Leandro Konder ; tradução, Rubens Enderle,
Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. - São Paulo : Boitempo, 2007

________. Contribuição a critica da economia política. São Paulo, Martins Fontes, 1977.

________. O Capital. Editora Nova Cultura Ltda, São Paulo, 1996.

________ A ideologia alemã (I‐Feuerbach). Traduçaõ de José Carlos Bruni e Marco Aurélio
Nogueira. 6. ed. Saõ Paulo: HUCITEC, 1987, p. 26‐39.

________ Manuscritos Econômico‐Filosóficos. Tradução de Alex Martins. São Paulo: Martin


Claret, 2005.

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital.

MOURA, C. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo. Editora Brasiliense, 1986.

NASCIMENTO, M. I. M.; SILVA, R. M. da. Teoria e educação pela ótica marxista. REVISTA
ANALECTA. Guarapuava, Paraná. v.14 n. 1 p. 21 - 35 Jan./Jun. 2013/2015.

NASCIMENTO, C. G. A Educação Camponesa como espaço de resistência e recriação da


cultura: um estudo sobre as concepções e práticas educativas daEscola Família Agrícola de
Goiás – EFAGO. Dissertação de Mestrado (Educação). Campinas: FE/Unicamp, 2005

SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crıt́ ica: primeiras aproximações. Campinas: Autores


Associados, 2003.

SINGER, C. G. John Calvin: his roots and fruits. Philadelphia: The Presbyterian and Reformed
Publishing, 1974.

SINGER, P. Dominação e desigualdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

______, P. O capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. 10. ed. São Paulo: Moderna,
1987.

REZENDE FILHO, C. História econômica geral. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1995.

15

Você também pode gostar