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Cap19 A Psicologia Na Saúde Do Trabalhador Da Saúde Evolução e Desafios
Cap19 A Psicologia Na Saúde Do Trabalhador Da Saúde Evolução e Desafios
Nesta época, ocorreram grandes mudanças no cenário político, econômico e social de todo o
planeta, que determinaram uma verdadeira crise de paradigmas no mundo do trabalho. Diversos
movimentos contra as monarquias contaram com a participação do operariado de diferentes
países. Por meio da derrubada desses regimes absolutistas, a figura do trabalhador representou as
contradições e os anseios de um grupo social subordinado ao interesse daqueles que concentra-
vam extenso poder econômico nas mãos. Foi nesse período que doutrinas socialistas ofereceram
uma nova perspectiva sobre o trabalho. Marx e Engels (1999), lançando a obra "Manifesto Co-
munista", elaboraram um conjunto de ideias filosóficas, econômicas, políticas e sociais, o Mar-
xismo, que interpretou e influenciou a vida social conforme a dinâmica da base produtiva das
sociedades e das lutas de classes e de trabalhadores, tornando-se uma corrente político-teórica
ao longo do século XX e modificando, de maneira decisiva, a representação da concepção de
trabalho (Hobsbawm, 2003).
Do final do século XX até os dias de hoje, a concentração de pessoas pelo processo de ur-
banização crescente e os progressos da Medicina - com a melhoria das condições de vida que
estabeleceram o prolongamento da expectativa de vida humana - fizeram com que o número de
pessoas presentes em determinados lugares do planeta se avolumasse e, consequentemente, origi-
naram uma nova configuração na produção de bens de consumo, na divulgação de informações,
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no ritmo de vida de cada indivíduo e na própria noção do trabalho.
A palavra trabalho deriva do latim "tripalíu", instrumento de tortura, que originou a ideia de
sofrer ou esforçar-se e, finalmente, de trabalhar ou agir. Pela definição do dicionário, trabalho
é a aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim; é a atividade
coordenada, de caráter físico e/ ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, servi-
ço ou empreendimento (Ferreira, 2009). No Dicionário do Pensamento Social do Século XX
(Outhwaite, Bottomore, 1996), trabalho é o esforço humano dotado de um propósito e envolve
a transformação da natureza através do dispêndio de capacidades físicas e mentais.
É um termo que se refere a uma atividade própria do homem. Também outros seres atuam
dirigindo suas energias coordenadamente e com uma finalidade determinada. Entretanto, o
trabalho propriamente dito, entendido como um processo entre a natureza e o ser, é exclusiva-
mente humano. O que caracteriza o trabalho humano é a adaptação a situações imprevistas e a
fabricação de instrumentos, bem como o fato de ele ser consciente e proposital, na medida em
que o resultado do processo existe previamente na imaginação do trabalhador (Krawulski, 1998).
Ao final do processo do trabalho humano surge um produto que, antes do seu início, já existia
na mente do homem.
Trabalho, em sentido amplo, é toda a atividade humana que transforma a natureza a partir de
certa matéria dada; é a medida do esforço feito pelos seres humanos na realização desta atividade.
Em sentido econômico, é toda a atividade desenvolvida pelo homem sobre uma matéria prima,
...
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geralmente com a ajuda de instrumentos, com a finalidade de produzir bens e serviços. É a ener-
gia usada em uma atividade realizada em troca de uma contraprestação econômica.
Estas concepções do que seja o trabalho têm por característica a sua naturalização, ou seja, elas
o definem genericamente como gasto de energia ou como ação de transformação da natureza.
Uma conceituação mais complexa do trabalho é dada por aqueles que acreditam ser ele um ele-
mento definidor do próprio homem em sua dimensão ontológica. O trabalho se apresenta como
condição básica para a emancipação humana e como atividade fundamental e responsável pelo
processo de hominização (Marx, Engels, 1999). Ele é definidor do ser, na medida em que gera
as condições reais de sua possibilidade de existência, uma vez que é o mediador entre o sujeito
e o objeto de satisfação de suas necessidades. Esta definição tem por mérito justamente não se
esgotar dentro da época ou da cultura, ainda que mudem, ao longo da história, tanto os objetos
da necessidade humana quanto os modos destas serem satisfeitas (Albornoz, 2004).
Essa colocação traz a ideia do trabalho como elemento fundante do ser, como central na
construção e na descrição de nossa identidade. Ela se refere a uma visão sobre o humano que
inclui, de uma forma ou de outra, uma menção ou associação ao trabalho e à sua importância
essencial. De acordo com ela, o trabalho é mais do que um instrumento criador de riqueza.Além
do valor intrínseco, serve também para expressar muito da essência do ser humano. Ele é um es-
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paço de atuação das capacidades humanas mais nobres e valorizadas vinculadas à experiência do
"homo faber", o homem construtor do mundo, que realiza seu trabalho, compreendendo a relação
entre causa e efeito, graças à sua capacidade de abstração e utilização de capacidades intelectuais
e manuais. Produz um reconhecimento do sujeito no mundo externo a ele e a mobilização da
vida psíquica de cada um para a vida em sociedade (Borges, 2007).
Codo e Almeida (1995) destacam que não apenas a atividade realizada como trabalho, mas
também o produto que resulta deste trabalho são importantes na construção da identidade hu-
mana e ambos os fatores dizem respeito à questão do seu significado e da satisfação obtida por
seu intermédio. Segundo eles, "nossa construção como indivíduos e como elementos sociais, através do
trabalho, mostra-se particularmente clara (. . .)faz parte indissolúvel de nossa identidade social" (p. 31 7).
O que o sujeito faz expressa o que ele é. O trabalho, segundo Chasin (1999), está na gênese e
no desenvolvimento da individualidade humano-societária; ele é a categoria central e constitui-
dora do ser social ou, nos termos de Marx e Engels (1999), o homem é o que faz e como o faz.
A importância do trabalho como elemento criador do ser social, como um dos grandes
alicerces da constituição psíquica do sujeito se confirma, sobretudo, na sua ausência. É especial-
mente na situação de desemprego que a centralidade da atividade laboral se evidencia de forma
contundente. Mesmo desempregadas, as pessoas vivem em um mundo que é regido em termos
de tempo de trabalho. A inexistência do tempo alocado, de um ritmo, de horários e obrigações
estabelecidos, deixa um vazio. O caráter organizador da rotina se perde, gerando desordem.
i A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade t
status que o trabalho desfrutava no pensamento antigo. Quer a ele seja agregado prazer ou des-
prazer,jamais é desconsiderado. Ou é uma carga a ser angustiadamente carregada, ou um meio
de se atingir uma meta maior, parte de um objetivo de vida.
De qualquer forma, sempre haverá mais de um debate em torno do conceito, do valor e do
significado do trabalho, na medida em que este se tornou objeto de reflexão da Economia, da
Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, da Administração, entre outras disciplinas acadêmicas.
A forma como os homens se organizam e se organizaram ao longo dos tempos para produzir
difere de época para época e tanto o modo geral como eles se articularam, como os conteúdos
específicos, dos diferentes trabalhos, se modificaram e continuarão mudando e exigindo novas
nomeações, mas o trabalho sempre existiu e sempre existirá.
Ao longo dos tempos, a centralidade do trabalho foi construída impregnada de crenças, con-
vicções, modos de viver e conceber a realidade, dentro de conjunturas sociais, políticas, econô-
micas, culturais e históricas (Cavallet et al., 1998).Assim, a noção de trabalho pode ser abordada
a partir de diversos enfoques e o significado e o valor a ele atribuídos são sempre questões cul-
turais, dentro de uma caracterização histórica. Mas, em qualquer tempo, em todos os lugares e
de todas as formas, ele é considerado essencial para a constituição da identidade do sujeito e para
o funcionamento das sociedades, sendo, primariamente, o garantidor das possibilidades de exis-
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tência humana, como o responsável pela produção de alimentos e outros produtos de consumo.
Atualmente, graças à tecnologia, principalmente a tecnologia da informática e da telecomu-
nicação, o homem se depara com um fluxo de acontecimentos muito mais intenso do que em
qualquer outro momento da História. Mudanças vêm ocorrendo e modificando as relações de
trabalho entre empresas, trabalhadores, governos, países, línguas, culturas e sociedades. O avanço
dos meios de comunicação dinamiza a circulação das informações e a divulgação dos fatos que
ocorrem. As fronteiras de tempo e espaço se tornam mais fluidas, o ritmo se acelera em uma
rapidez vertiginosa e vemos a ascensão dos valores de um mundo de trabalho contínuo e em
progresso ininterrupto.
Os recentes avanços tecnológicos têm colocado o homem numa situação paradoxal. Se, por
um lado, hoje é possível para alguns trabalhar em condições mais amenas fisicamente, e até mes-
mo, por vezes, bastante agradáveis, a História novamente nos mostra um período de inovações
que exigem do trabalhador, adaptações quanto a conhecimentos, atitudes e habilidades, rápidas,
veementes, todas sem precedentes.
O modelo presente de trabalho demanda do trabalhador a polivalência, a flexibilidade e altos
níveis de desempenho. A ameaça à territorialidade profissional está presente, a competência é
infinita e constantemente testada e os mais fortes impulsos competitivos são estimulados. Além
disto, fatores relacionados a tempo, ritmo, turnos, sobrecarga de trabalho, pressão por resulta-
dos, excesso de horas extras, horários irregulares e práticas de assédio moral são aspectos da
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~
organização do trabalho que podem gerar efeitos deletérios sobre a saúde dos trabalhadores e
repercutir na qualidade da sua vida familiar e social.
Segundo Borges et al. (2006), mudanças no processo produtivo organizacional em diferen-
tes setores têm determinado novas exigências de qualidade do serviço e o desenvolvimento de
novas habilidades pelo trabalhador. Tais transformações incidem particularmente nos serviços
de atenção à saúde, em que o lidar com o sofrimento, quer seja orgânico, emocional ou social,
demanda uma carga suplementar de competências interpessoais, requerendo uma adaptação de
todos os trabalhadores envolvidos no cuidado e exigindo o desenvolvimento de atitudes, habi-
lidades e competências compatíveis com as novas práticas de atenção (Santos, Cardoso, 2010).
Dentro deste contexto, o desafio é garantir que o trabalhador mantenha a sua saúde. Isto só
será possível se ele encontrar sentido naquilo que faz e mantiver o contato consigo mesmo - co-
mo faziam o agricultor ou o artesão - através da sintonia com o seu trabalho e com o produto
do mesmo.
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A saúde do trabalhador
Foi por volta de 1.700, na Europa, que o estado de saúde das populações passou a ser re-
lacionado às suas condições de vida. Com o êxodo rural, a crescente urbanização trazendo o
crescimento desordenado das cidades e o consequente surgimento de epidemias, começou a se
manifestar a preocupação com saneamento e alimentação. Também o advento da Revolução In-
dustrial, que tornou a produção mais eficiente, trouxe, em contrapartida, consequências nocivas
para a sociedade e para os indivíduos, como o aumento da poluição ambiental e sonora, acar-
retando reflexos negativos para a saúde da população. A isto se somaram as péssimas condições
dos ambientes de trabalho, resultando no adoecimento dos trabalhadores expostos à agressão de
diversos agentes.
A Medicina começou a se tornar coletiva, urbana e social. Médicos foram para o interior das
fábricas e surgiram as primeiras leis de saúde pública, voltadas para a saúde dos trabalhadores,
até que, no final do século XIX, a Medicina Social ganha reconhecimento e fatores como habi-
tação, saneamento e condições de trabalho são considerados no processo de adoecimento. Este
modelo de cuidado médico dentro das fábricas se propagou, resultando no aumento da força
de trabalho, na produtividade e na diminuição do absenteísmo (Mendes, Dias, 1991; Mendes,
2007; Foucault, 2008).
Em 1.919, após a Primeira Guerra Mundial, foi criada a Organização Internacional do Tra-
balho (OIT), uma das instituições especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU),
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baseada não apenas em questões políticas, mas em questões humanitárias, como as condições
precárias de muitos trabalhadores, e questões econômicas, pois os países que não adotassem con-
dições dignas de trabalho seriam um obstáculo ao crescimento. Entre seus propósitos destacam-
-se: contribuir para o estabelecimento de uma paz duradoura mediante a implantação da justiça
social e melhorar, através de ação internacional, as condições de trabalho e os padrões de vida,
promovendo a estabilidade econômica e social (OIT, 2012).
A ideia de uma legislação trabalhista internacional surgiu como resultado das reflexões éticas
e econômicas sobre o custo humano da Revolução Industrial. A OIT reconhecia, desde seu
início, a existência de doenças decorrentes do trabalho e recomendava i criação de Serviços Es-
pecializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT). Surge a Medi-
cina do Trabalho, numa abordagem que analisava o ambiente de trabalho e a ação patogênica de
alguns agentes, com foco no corpo individual e biológico, mas ignorando as demandas psíquicas
e sociais (Mendes, Dias, 199l;Tambellini, Câmara, 1998;Mendes,2007).
Desde então, as ciências evoluíram, configurando novos campos do saber e a Medicina do
Trabalho se estendeu, principalmente nas grandes empresas, para abarcar esta visão mais ampla,
contemplando outras disciplinas no modelo de interdisciplinaridade e na multiprofissionalidade
(Mendes, 2007).
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Nasce, assim, a Saúde Ocupacional como uma nova abordagem multiprofissional de pro-
teção ao trabalhador. Ela surge tomando por alvo as características dos locais de trabalho que
contribuem para o desenvolvimento de problemas de saúde dos trabalhadores. Visa a favorecer
a qualidade de vida no trabalho e proteger e promover a segurança, a saúde e o bem estar dos
trabalhadores, através da prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. Este
campo também se ocupa das maneiras de efetuar mudanças no local de trabalho que beneficiem
a saúde do trabalhador, sem afetar, adversamente, a produtividade. Em função deste enfoque, ela
é considerada primordialmente a "saúde da produção" e não a saúde dos trabalhadores (Nardi,
1997; Sauter et al., 1999) .
Mas estes modelos vigentes de Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional se mostraram
insuficientes frente à verdadeira integração dos saberes em prol do trabalhador e nova área te-
mática se delineia: a Saúde do Trabalhador, dentro de um modelo mais atual, que também con-
sidera a participação ativa do operário na gestão dos serviços de saúde. Surgem programas com
o objetivo de integrar ações de assistência, promoção e prevenção, mediante atuação de equipes
multiprofissionais.
No nosso país, as atividades laborais evoluíram a partir da exploração da população indígena,
para os modelos agrário-feudal dos senhores de engenho e do extrativismo mineral. O trabalho
braçal era destituído de valor, assim como quaisquer processos que envolvessem acidentes de tra-
balho ou adoecimento. O avanço industrial no Brasil ocorreu entre a abolição da escravidão, no
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~
final do século XIX, e a vinda dos imigrantes europeus no início do século XX, mas as condi-
ções de higiene nas fábricas eram consideradas primitivas, empregava-se mão de obra barata, e os
trabalhadores eram submetidos à condições de trabalho indignas (Frias Jr., 1999; Mendes, 2007).
A grande expansão industrial ocorreu na década de 50, após a Consolidação das Leis do Tra-
balho (CLT) 2 , em 1º de Maio de 1.943, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, unificando
toda legislação trabalhista existente no Brasil, com o objetivo principal de regulamentar as rela-
ções individuais e coletivas do trabalho (Brasil, 2012a).
Os movimentos sociais e de trabalhadores, sob influência principalmente europeia, sobretudo
nas décadas de 60 e 70, apreensivos com o modelo de sociedade e de trabalho, continuaram a
se expressar, exigindo maior participação na discussão das questões ligadas ao trabalho, saúde
e segurança. O papel do trabalhador foi nítido como autor de sua própria história. Sofrendo
e reagindo às pressões do capital, desenvolveu recursos pessoais e coletivos para transformar a
realidade de seu campo laboral. Os movimentos de organização dos operários, em especial o
Movimento Sanitário, que resultou na Reforma Sanitária Brasileira, culminaram na consolida-
ção dos sindicatos (Lacaz, 1994) .
Isto provocou mudanças na legislação e as entidades sindicais, que aí se originaram, passaram
a participar da fiscalização dos ambientes de trabalho, dando origem às reformas sanitárias que
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resultaram em significativas melhorias nas condições e relações ocupacionais.
Nesta época, o Brasil era o campeão mundial em acidentes e doenças relacionadas ao traba-
lho, sofrendo pressão da Organização Internacional do Trabalho. Estes eventos eram uma preo-
cupação governamental porque repercutiam mal econômica e moralmente para o país no ex-
terior (Tambellini, Câmara, 1998; Mendes, 2007) . Foi, então, instituído o Serviço Especializado
em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), estabelecido no artigo 162º da
CLT e regulamentado pela Norma Regulamentadora 043 de 1.978 (Brasil, 2012b) .
O amplo movimento que deu origem ao projeto de Reforma Sanitária Brasileira antecedeu
em quase uma década o processo de elaboração e promulgação, em 1. 988, da Constituição da
República Federativa do Brasil (Brasil, 1988) . Mas é ele que propõe que a saúde seja um direito
do cidadão, um dever do Estado e que seja universal o acesso a todos os bens e serviços que a
promovam ·e recuperem. Deste pensamento resultaram duas das principàis diretrizes do Sistema
Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição, que são a universalidade do acesso e a in-
tegralidade das ações.
A Constituição Federal foi, sem dúvida, um marco na história da democracia brasileira, em
particular no que diz respeito aos direitos sociais. A partir daí, no caso da saúde, conta-se com
uma medida legal que desenha o organograma institucional do sistema de saúde brasileiro, o
SUS, com seus princípios e diretrizes, construído desde então (Cohn, 2009).
Ela estabelece, em seu art. 200º, que compete ao SUS, além de outras atribuições, executar as
ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador e colaborar
na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
A Lei Orgânica de Saúde4, promulgada em 1.990, que definiu princípios e objetivos do SUS,
toma como princípio básico em seu art. 3º, que a "saúde tem como fatores determinantes e condicio-
nantes, entre outros... o trabalho... " e foi contundente na operacionalização de ações de Saúde do
Trabalhador (Brasil, 1990; Lacaz, 1994;Tambellini, Câmara, 1998; Mendes, 2007).
A Sa6de do Trabalhador constitui, assim, uma área da Saúde Pública que tem como objeto
de estudo e intervenção as relações entre o trabalho e a saúde. Ela se insere na concepção mais
ampla de Saúde Pública de aplicação de conhecimentos da área da saúde, com o objetivo de
organizar sistemas e serviços; proteger a saúde em nível populacional; melhorar as condições de
saúde das comunidades; atuar em fatores condicionantes e determinantes do processo saúde-
-doença e controlar a incidência de enfermidades nas populações, por meio de ações de vigi-
lância e intervenções governamentais, promoção de estilos de vida saudáveis, de campanhas de
sensibilização, da educação e da investigação.
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Desta forma, ela tem como objetivo a promoção e a proteção da saúde do trabalhador, por
meio do desenvolvimento de ações de vigilância dos riscos presentes nos ambientes e condições
de trabalho, dos agravos à saúde do trabalhador e a organização e prestação da assistência aos tra-
balhadores, compreendendo procedimentos de diagnóstico, tratamento e reabilitação de forma
integrada, no SUS .
.Desde então muito se avançou. As mudanças que se processam no mundo do trabalho, com
a superposição dos padrões antigos e das novas formas de adoecimento dos trabalhadores, de-
correntes da incorporação de tecnologias e estratégias gerenciais, exigem dos serviços de saúde
ações que contemplem políticas de saúde e segurança no trabalho, cada vez mais eficazes.Vários
Seminários, Congressos, Conferências Nacionais têm sido organizados para discutir a temática,
o que tem resultado em novas Leis, novas Políticas e novos Programas implantados no país todo
e na modificação, alteração e atualização de várias das normas regulamentadoras já existentes.
Assim é que, em 2.001, o Ministério da Saúde publica o Manual de Doenças Relacionadas ao
Trabalho (Brasil, 2001), como parte dos esforços voltados à consolidação do SUS, visando pos-
sibilitar a caracterização das relações entre as doenças e as ocupações, o que é indispensável para
promover a qualidade, a capacidade resolutiva e a integralidade das ações e dos serviços dirigidos
à população trabalhadora.
Além disso, a amplitude do seu campo teórico e prático exige a inter-relação de diversos
conhecimentos e a apreensão de múltiplos conceitos, oriundos de diversas disciplinas, que incor-
poram elementos para análise dos fenômenos coletivos e sociais (N ardi, 1997).
Dentro desta visão, a Saúde do Trabalhador trata da relação entre o trabalho e o processo de
saúde-doença de forma a superar aquela do ambiente e seus agentes. Neste sentido, adota uma
posição crítica à concepção e à prática da Saúde Ocupacional e da Medicina do Trabalho tradi-
cional, que têm, como instrumentos de gestão da força de trabalho, a busca da eficiência, da pro-
dutividade e do lucro. Com esse foco, as posturas anteriores tendiam a restringir seus objetos de
atuação às condições de natureza fisica, química, biológica e mecânica do ambiente de trabalho,
às doenças ocupacionais e aos acidentes de trabalho, sem considerar o papel determinante que as
relações sociais de produção têm no processo saúde-doença (CFP, 2008).
Na colocação da Saúde do Trabalhador, o biológico e o psíquico interagem mediados pelas
relações sociais, constituindo um nexo biopsicossocial indissociável, cujo desequilíbrio pode
expressar-se numa ampla e variada gama de transtornos que se somam às doenças ocupacionais
clássicas, aos acidentes do trabalho e às doenças relacionadas ao trabalho. A interação entre o bio-
lógico e o psíquico torna-se singular na compreensão de patologias laborais consideradas nessa
abordagem, mais complexas do que as chamadas doenças ocupacionais (Laurell, N oriega, 1989;
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Frias Jr., 1999; Lacaz, 2000; Sato et al, 2006).
Buscando, sobretudo, compreender a ocorrência dos problemas de saúde do trabalhador den-
tro das condições e dos contextos de trabalho, e tendo em vista que medidas de promoção, pre-
venção e vigilância deverão ser orientadas para mudar o trabalho, a Saúde do Trabalhador consi-
dera o trabalho em suas diferentes formas de organização, divisão e valorização, compreendendo
as relações entre trabalho e processo saúde-doença em suas implicações. É uma abordagem atual,
que propõe uma nova forma de compreensão das relações entre trabalho e saúde e novas práticas
de atenção à saúde dos trabalhadores e de intervenção nos ambientes de trabalho (CFP, 2008).
Para o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a Saúde do Trabalhador tem como objetivo o
estudo, a análise e a intervenção nas relações entre trabalho e saúde-doença, tendo se configura-
do como um campo de conhecimentos e de práticas. Nele são incluídos os principais aspectos
que configuram a área de Saúde do Trabalhador e que fornecem uma base para se considerar a
inserção do psicólogo nesse campo. Parte-se do pressuposto de que as especificidades da relação
trabalho e saúde remetem a um pensar e fazer diferenciados, pois envolvem questões da orga-
nização, processo e condições de trabalho, a compreensão da vivência subjetiva no trabalho e as
repercussões para a saúde fisica e mental dos trabalhadores.
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~
Trabalhar sob grande pressão, lidando com a doença, a dor o sofrimento e a morte, faz parte
do cotidiano das equipes de saúde, o que torna o trabalho nesta área uma das atividades pro-
fissionais mais estressantes. Existem hoje dados suficientes apontando para a necessidade de se
dedicar maior atenção ao tema referente à saúde destes trabalhadores, em especial à saúde mental,
uma vez que eles apresentam níveis muito elevados de distúrbios emocionais, em comparação
à população trabalhadora em geral, por receberem uma pressão psicológica superior a outros
profissionais e estarem mais sujeitos ao conflito entre a mística profissional e a responsabilidade
frente ao ser humano, objetos de sua atividade laboral (Rodrigues, 1998;Jáuregui, 2000; Noguei-
ra-Martins, 2003; Castro, 2004; Soares, Cunha, 2007).
As ocupações de caráter assistencial demandam dos profissionais altos níveis de compro-
metimento e envolvimento emocional. São atividades que têm, como principal função, ajudar,
curar, recuperar do trauma, aliviar a dor, o sofrimento. Sentimentos muito fortes e contraditórios
acometem estes trabalhadores que, por oficio, estão ligados ao atendimento a pessoas doentes,
muitas vezes entre a vida e a morte. Piedade, compaixão, amor, culpa, ansiedade, raiva, ódio, sen-
344 timentos de impotência diante de alguns casos e ressentimentos contra os pacientes e colegas de
trabalho elevam o nível de tensão, ansiedade e angústia e acabam por acarretar não só doenças e
problemas gerais de saúde, como manifestações afetivo-comportamentais, entre elas, mudanças
frequentes de emprego, insatisfação no trabalho, abandono das tarefas, que levam ao aumento nos
níveis de absenteísmo e afastamentos (McCue, 1982, 1991).
Diversos estudos Gáuregui, 2000; Lui et al., 2003; Santos, Cardoso, 2010) apresentaram índi-
ces significativos acerca da mortalidade e do surgimento de doenças em trabalhadores da saúde
cada vez mais jovens, o que aponta para a urgência de medidas de ordem preventiva. Hábitos
nocivos à saúde, como o vício de fumar, o sedentarismo, o uso de substâncias psicoativas, assim
como depressão e suicídio têm uma alta prevalência nesses trabalhadores. Muitos deles, em
especial os chamados profissionais da saúde, praticam o autotratamento, o que pode impedir o
diagnóstico e até um tratamento efetivo.A "síndrome da invulnerabilidade", que se caracteriza
pela convicção de que problemas pessoais e familiares, complicações e doenças que afetam outras
pessoas não podem afetar o profissional da saúde, colabora para o agravamento desta situação
(Benevides-Pereira, 2002).
A incidência de estresse e o risco de desenvolvimento do esgotamento emocional em tra-
balhadores de equipes de saúde foram também analisados por outros estudos que detectaram
um alto nível de estresse e mecanismos mal adaptativos em resposta a ele, levando a distúrbios
emocionais significativos nos membros destas equipes (Matrai, 2001;Vila, Rossi, 2002; Pereira et
al., 2003).
i A psicologia na saúde do trabalhador da saúde ~
Castro e Abel (2005) e Santos e Cardoso (2010) também apontam que os trabalhadores da
saúde mental, em particular, são bastante afetados pelo estresse e pela frustração, por trabalharem
com os aspectos de cuidado emocional de alguns pacientes com transtornos psiquiátricos bas-
tante graves.
Originariamente, o estresse não é maléfico sendo, inclusive, necessário para nos motivar à
ação. Ele é a consequência de uma demanda ambiental de adaptação do corpo a uma nova
situação. É um mecanismo herdado de nossos ancestrais. Nosso aparelho fisiológico provoca
mudanças no organismo em situações de perigo, preparando o corpo para reagir frente a um
agente estressar. No passado, tais agentes eram predadores reais. Hojé, eles são representados pelos
problemas contemporâneos e o estresse se tornou o coadjuvante da maioria dos males que nos
afligem, principalmente os relacionados ao estilo de vida urbano atual, que inclui os aspectos
ligados às atividades laborais.
Neste último caso, falamos em estresse ocupacional por estar relacionado a agentes estressores
no exercício de uma profissão. Estes estressares estão frequentemente ligados à organização das
atividades; às inovações dos métodos de trabalho em virtude das rápidas mudanças tecnológicas;
à pressão para produtividade na busca incessante do alcance de metas e resultados; aos mercados
extremamente competitivos; às vicissitudes da atividade econômica; às condições desfavoráveis
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à segurança no trabalho; à indisponibilidade de treinamento e orientação; à retaliação; à relação
abusiva entre supervisores e subordinados; à falta de controle sobre a tarefa; ao ciclo trabalho-
-descanso incoerente com limites biológicos e, em particular, ao desemprego, que é uma das
maiores ameaças ao equilíbrio adaptativo dos trabalhadores (Manassem et al., 1995; Carlotto,
Gobbi, 2000; Cooper, 2001; Cooper, Dewe, 2004; Murta, Trócoli, 2004).
Estes são os agentes responsáveis pelo estado de estresse que leva os trabalhadores a tornarem-
-se irritáveis, ansiosos e/ ou deprimidos, não respondendo adequadamente às demandas do traba-
lho. Com isto, o inevitável acúmulo da carga de trabalho, a expectativa dos resultados, os prazos
curtos e o temor de fracassar tendem a gerar um estado de tensão permanente e contínuo. Tais
circunstâncias impõem ao trabalhador uma alta demanda a ser enfrentada. O estressar em si, no
entanto, não determina toda a reação de estresse. A percepção e a interpretação do indivíduo
diante de uma dada situação, como excedendo seus recursos pessoais ou sobrecarregando-o,
atuam para o desencadeamento do processo. É, portanto, a partir da avaliação que o indivíduo
faz de seu ambiente e de seus recursos pessoais que se acionam estratégias direcionadas a lidar
com demandas internas e/ou externas desencadeadas por estressares (Santos, Cardoso, 2010).
Assim, a frequência da exposição aos fatores estressores, bem como a maneira pela qual são
interpretados pelo indivíduo, é que vão determinar se o estresse vai motivar a ação produtiva
ou causar sintomas que revelam que o trabalhador não conseguiu lidar adequadamente com os
fatores estressares (Andrews, 2003; Cooper, Dewe, 2004). Aqui se trata do estresse produzido
i A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade t
pelo trabalho de um modo geral, tenha ele ligação ou não com o exercício profissional dos tra-
balhadores da saúde.
A atuação profissional na saúde, úm ambiente com elevada demanda emocional, que tem,
como objeto de trabalho, os seres humanos e que lida o tempo todo com contatos pessoais, na
prestação de serviços de ajuda, consiste em um fator significativo na manifestação de um es-
tresse ocupacional específico: a Síndrome de Burnout. Este termo se tornou uma das categorias
diagnósticas para o Ministério da Previdência e da Assistência Social, relacionado a problemas
do emprego e desemprego, ritmo de trabalho penoso e circunstâncias relativas às condições de
trabalho 8 •
Burnout é um termo da língua inglesa, cujo sentido literal é "destruído completamente pelo
fogo, queimado até o fim, de tal forma a permanecer apenas uma carcaça externa" (Crowther,
1995).
O conceito da Síndrome de Burnout foi desenvolvido por Bradley (1969), difundido por
Freudenberger (1974), seguido por Maslach (1982a, 1982b).A Síndrome de Burnout é o processo
oculto de erosão psicológica, produzida por uma prolongada exposição a um tipo específico de
estresse ocupacional, quando seus efeitos cumulativos são demasiado severos e não permitem
a adaptação do sujeito. Diferentemente do estresse ocupacional, que pode ocorrer em qual-
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quer trabalhador, ela ocorre em profissionais denominados "profissionais de ajuda" e se refere
a uma forma particular de trabalho, que implica um envolvimento pessoal e emocional e uma
exposição diária à relação com clientes, pacientes, pessoas com distintas problemáticas de dor,
sofrimento ou dificuldades (Manassero et al., 1995; Lee,Ashforth, 1996; Ballone, 2005; Kovaleski,
Bressan, 2012).
Rodríguez (1995) acrescenta que esta Síndrome não aparece repentinamente como resposta
a um estressar determinado. É necessária a presença de uma "interação" trabalhador-paciente
intensa e/ ou prolongada para que ela se produza. Deve ser entendida como uma resposta a fontes
de estresse ocupacional crônico, que surgem das relações interpessoais entre os trabalhadores e
os usuários dos serviços de saúde.
É definida, então, como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir da exposição
prolongada, direta, ~ntensa, contínua e excessiva a um tipo específico de estresse ocupacional: o
contato com outras pessoas em situação de ajuda, presente nos serviços de saúde que lidam o
tempo todo com a prestação de ajuda através de inter-relações pessoais.
Apresenta três dimensões características: o desgaste emocional, que se refere ao esgotamento
ou exaustão emocional e se traduz em sensações de sobre-esforço e fastio emocional e que se
produz como consequência das contínuas interações que os trabalhadores devem manter com os
Decreto nº 6.957 de 09 de setembro de 2009, que altera o Regulamento da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048 de 06 de maio
de 1999.
1A psicologia na saúde do trabalhador da saúde (
pacientes e entre si; a despersonalização, que é o desenvolvimento de atitudes cínicas, com exces-
sivo distanciamento frente às pessoas a quem os trabalhadores prestam serviços, associando-se ao
silêncio, atitudes de inércia e tentativa de culpar os usuários dos serviços de saúde pela própria
frustração; e reduzida realização pessoal, que é a diminuição das conquistas pessoais, a perda de
confiança nos ideais pessoais, acompanhada de autoconceito negativo. Esta dimensão representa
a autoavaliação que o indivíduo realiza do próprio desempenho ocupacional e pessoal.
A Síndrome de Burnout se apresenta como uma Síndrome psicológica complexa, de sinto-
matologia ampla e que acarreta consequências muito variáveis, já que estão presentes prejuízos
fisicos, psíquic?s e comportamentais (Benevides-Pereira, 2002). É acompanhada de sintomas que
denotam um estado particular de estar" exausto" e faz com que o trabalhador perca a maior par-
te do interesse em sua relação com o trabalho, de forma que as coisas deixam de ter importância
e qualquer esforço pessoal passa a parecer inútil. Além disso, ele vivencia a compaixão associada
ao distanciamento emocional, evitando o envolvimento com a enfermidade ou patologia que o
paciente apresenta. Utilizando a" desumanização em defesa própria", para protegerem-se diante
das situações estressaras, os trabalhadores da saúde tendem a responder aos pacientes de forma
impessoal, afetando a prestação de serviço e a qualidade do cuidado oferecido (Maslach et al.,
2001; Maslach, 2005; Kovaleski, Bressan, 2012).
347
A Síndrome de Burnout também se faz acompanhar de sintomas similares aos registrados
na Depressão, sendo frequentemente confundida com ela. No entanto, apesar de manifestarem
semelhanças na forma de apresentação, a Síndrome de Burnout apresenta condições distintas,
de características essenciais diferentes em termos de critérios diagnósticos, prevalência, padrão
familial, curso e prognóstico, que apenas compartilham sinais e sintomas que se reúnem e se ex-
pressam de forma diversa, o que possibilita um diagnóstico diferencial.As pessoas com Síndrome
de Burnout, apesar da exaustão e dos sentimentos de desapontamento e tristeza, podem, numa
formação de reação, trabalhar cada vez mais e com maior intensidade podendo, inclusive, viven-
ciar momentos ou situações prazerosas, uma vez que nem todas as áreas estão comprometidas
como na Depressão.Além do mais, identificam claramente o trabalho como desencadeante desse
processo (Guimarães, Ferreira Jr., 2000; Benevides-Pereira, 2002).
Com base nos estudos referidos, afirma-se que o esgotamento profissional está se conver-
tendo em uma insidiosa epidemia, impondo exigências que superam a capacidade de adaptação,
alterando a saúde, a criatividade, a capacidade de estudo, o desejo de atender os pacientes, o
rendimento, constituindo-se em uma fonte propícia para padecimento do trabalhador da saúde.
Existe consenso de que a Síndrome de Burnout é uma questão complexa, multidimensio-
nal. Entre os fatores associados ao seu desenvolvimento estão incluídos tanto aspectos pessoais
como aqueles ocupacionais, ligados à natureza e organiz,ação do trabalho. Os fatores pessoais
relacionam-se às variáveis sociodemográficas, possibilidade de adequação do indivíduo à estru-
tura da organização em que trabalha e inter-relação entre as demandas que lhe são direcionadas
i A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade r
e às possibilidades que esse indivíduo tem de lidar com elas. Os fatores ocupacionais englobam
o tipo de organização do trabalho, a quantidade de autonomia cedida para o desempenho pro-
fissional, problemas de relacionamento com as chefias, colegas e pacientes, desafios propostos nas
atividades, conflito entre trabalho e família, tipo de pessoa receptora do trabalho, sentimento de
desqualificação e falta de cooperação da equipe, entre outros (Maslach, Leiter, 1999; Benevides-
-Pereira, 2002).
Diversos estudos, alguns deles de revisão de literatura, apontam as fontes de estresse no traba-
lho na área da saúde, relacionadas ao diagnóstico da Síndrome de Burnout.
McCornnell (1982) apontou seis principais fatores de estresse: (1) pressão generalizada, (2)
morte e sofrimento dos pacientes, (3) formação insuficiente, (4) falta de apoio social, (5) incer-
teza quanto ao tratamento médico e (6) conflitos entre os trabalhadores.
Souza (1998) ressalta que os quatro fatores principais que contribuem para o excesso de
agentes estressares no trabalho são: (1) urgência de tempo, (2) responsabilidade excessiva, (3)
falta de apoio e (4) expectativas excessivas tanto dos próprios profissionais quanto daqueles que
os cercam.
Segundo Jáuregui (2000), as sete principais causas para a ocorrência da Síndrome de Burnout
nos trabalhadores da saúde seriam: (1) contato contínuo com o sofrimento, a dor e a morte, (2)
348
diminuição do valor social do profissional pelos seus familiares, (3) sobrecarga laboral devido ao
número excessivo de pacientes portadores de patologias cada vez menos reversíveis, (4) carência
de recursos para desempenhar o papel adequadamente, (5) diminuição nos diversos tipos de
recompensas e estímulos na atividade laboral, (6) inquietação crescente por ameaça de sofrer
criticas por mau desempenho da prática laboral e (7) resolução de problemas éticos resultantes
do avanço tecnológico.
Para Maslach (2005), são seis os fatores que levam à Síndrome: (1) sobrecarga de trabalho, (2)
falta de controle sobre as atividades, (3) recompensas insuficientes, (4) ruptura no senso de co-
munidade por falta de apoio e confiança, (5) falta de justiça e igualdade e (6) conflitos de valor,
ideais e objetivos.
Para Castro e Abel (2005), são apontados sete fatores importantes a serem considerados nos
processos de -Síndrome de Burnout: (1 ) aumento da necessidade de aperfeiçoamento e qualifica-
ção profissional, (2) número excessivo de pacientes, (3) sofrimento psíquico/social que o pacien-
te apresenta, (4) condições de atendimento, (5) baixos salários, (6) pequeno tempo disponível
para uma consulta e (7) ausência de suporte recebido de chefias e colegas.
Macedo (2008), ao investigar as dificuldades encontradas pelo trabalhador da saúde, detectou
os seguintes fatores: (1) sobrecarga de trabalho, (2) pressão em forma de cobrança excessiva, (3)
pouca valorização do trabalho, (4) reduzido tempo para atendimentos, (4) condições de trabalho
inadequadas tanto materiais quanto técnicas, (5) falta de treinamento e de capacitação de pessoal,
i A psicologia na saúde do trabalhador da saúde ~
(6) lalta de reconhecimento, (7) desempenho de mais de uma função, (8) baixa remuneração,
(9) falta de incentivo, (10) falta de diálogo com as chefias, (11) chefes imediatos sem capacitação
técnica para a função e (12) pouca preocupação com a qualidade dos serviços prestados.
Swoboda et al. (2006) encontraram quatro aspectos do trabalho vivenciados como estressan-
tes: (1) ambiguidade de função, (2) conflitos na equipe, (3) tipo de doença do usuário e (4) falta
de tempo.
Matubaro et al. (2012) referem como fatores estressores: (1) falta de reconhecimento do
trabalho, (2) problemas na rotina, (3) falhas na coordenação do grupo de trabalho, (4) falta de
recurso de auxílio ao profissional, (5) fraca estrutura administrativa no serviço de saúde, (6) falta
de apoio social, (7) discrepância entre a remuneração e o esforço empregado, (8) falta de oportu-
nidades de desenvolvimento pessoal, (9) sobrecarga de trabalho, (10) necessidade de atualização
de conhecimentos para assegurar a competência profissional, (11) conflitos com superiores, (12)
responsabilidade nos resultados de atendimento aos pacientes e (13) avaliação desfavorável por
parte da população assistida.
Seja qual for a origem, o sofrimento do indivíduo traz consequências sobre seu desempenho.
Os custos econômicos, organizacionais e individuais do estresse ocupacional e suas derivações,
como a Síndrome do Burnout, geralmente são altos, uma vez que estes problemas afetam direta-
349
mente o sujeito em seu bem estar fisico e psicológico, com consequentes reflexos na produtivi-
dade e na qualidade dos serviços por ele prestados.
Mas não apenas por isto é fundamental considerar a saúde e o bem- estar dos trabalhadores da
saúde. É importante também porque o estresse ocupacional, quando extrapola os recursos pes-
soais do trabalhador para lidar com a sobrecarga, pode conduzir a transtornos mentais (Burrows,
McGrath, 2000; Hespanhol, 2005). No Brasil, os transtornos mentais ocupam a terceira posição
entre as causas de concessão de beneficios previdenciários e o trabalho aparece ou como causa
necessária, ou como fator contributivo, ou como provocador de um distúrbio latente, ou como
agravador de doença já estabelecida (Brasil, 2001; Jacques, 2007).
Assim, os vínculos entre o trabalho e a saúde mental vêm ganhando cada vez mais visibili-
dade, não só em função da Síndrome de Burnout, mas também em função do número elevado
de casos de ansiedade, depressão e suicídio, abuso de álcool e drogas e do número crescente de
trabalhadores acometidos por transtornos mentais, o que, por sua vez, provoca alterações e/ ou
disfunções organizacionais, com repercussões econômicas e sociais.
Na esfera institucional, os efeitos dos agravos mentais se fazem sentir tanto na diminuição
da produção como na qualidade do trabalho executado, acarretando custos à organização no
tocante ao aumento do absenteísmo, licenças médicas por tempo indeterminado, demissões, alta
rotatividade e no incremento de acidentes ocupacionais, que levam à diminuição da eficiência,
erros nas prescrições, nas administrações de medicamentos e/ ou nos procedimentos realizados.
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade r
Se a Saúde do Trabalhador surge como uma alternativa à Saúde Ocupacional - cujo foco
está mais nos aspectos do ambiente de trabalho do que no trabalhador - pode-se dizer que o
exercício da Psicologia neste âmbito também assume características que diferem das práticas
tradicionais dos psicólogos nas empresas, organizações, instituições, por ter ela a especificidade
350 de fazer a interlocução entre trabalho e saúde/ doença mental.
Na história da Psicologia como ciência e profissão, o trabalho ocupou, de modo geral, uma
posição secundária, constituindo-se tão somente como um campo de aplicação dos conheci-
mentos psicológicos ou como um dos indicativos de uma vida adaptada e produtiva. O estado
atual de desenvolvimento da área, entretanto, demanda do psicólogo uma ressignificação da
função do trabalho no processo de saúde/ doença mental, valorizando a centralidade da atividade
produtiva na compreensão da constituição do sujeito. Para tanto, o Conselho Federal de Psi-
cologia (CFP), através de seu Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
(CREPOP), lançou, em 2.008, as diretrizes de ação para o profissional, no documento Saúde do
Trabalhador no âmbito da Saúde Pública: referências para a atuação do psicólogo.
As doenças relacionadas ao trabalho vão além das consequências diretas e específicas do am-
biente laboral sobre a saúde. Ações de agentes de natureza física, biológica e química aparecem
em primeiro plano, porém estão intimamente ligados às relações entre trabalho e subjetividade,
dando à Psicologia a oportunidade e a responsabilidade do estudo das ligações trabalho/saúde/
doença dentro do contexto laboral, que inclui as relações sociais e interpessoais.
Assim, a inserção do psicólogo nos vários espaços institucionais que lidam com Saúde do
Trabalhador enfrenta novos desafios e requer o desenvolvimento e a consolidação de um instru-
mental teórico, técnico e metodológico, que lhe permita estabelecer a ligação causal entre o tra-
balho e o adoecimento mental em acordo com as regras da legislação brasileira Oacques, 2007).
i A psicologia na saúde do trabalhador da saúde (
iniciativas são significativas para evitar o isolamento e melhorar as condições de saúde, além de
potencializar a capacidade de e,n frentamento dos problemas e a participação dos usuários na
instituição (CFP, 2008).
De todas as formas e dentro de qualquer intervenção, ao psicólogo que atua na Saúde do
Trabalhador cabe a tarefa de propiciar o desenvolvimento da capacidade do indivíduo de tole-
rar, de enfrentar, manejar e de superar as agressões do ambiente laboral. Não se trata apenas de
obter um mero equilíbrio ou desenvolver a capacidade adaptativa para viver em conformidade
com o contexto de trabalho. É propiciar aos indivíduos a possibilidade de identificar, perceber,
detectar, reconhecer, avaliar e reagir diante dos fatores estressares ou estressantes, para sentirem
que possuem algum controle e domínio da situação, e utilizem os seus recursos individuais e
experiências anteriores para desenvolver estratégias de enfrentamento. É desenvolver a capaci-
dade dos indivíduos de interpretar os agentes estressares como passíveis de controle ou como
um desafio a ser vencido, para que permaneçam abertos para experiências que possibilitem o
crescimento pessoal/profissional e menos vulneráveis ao estresse inerente à situação de trabalho
na área da saúde. É favorecer, nos trabalhadores, um envolvimento e comprometimento com o
que fazem, para que encarem as condições adversas como oportunidades de abertura de novas
perspectivas, estando disponíveis para o desafio da mudança. É levar os indivíduos a refletir sobre
354
o seu posicionamento diante da vida, o significado que dão às suas atividades, sua maneira de
enfrentar as vicissitudes dos acontecimentos. É mostrar que faz diferença o fato do trabalhador
adotar uma postura ativa de enfrentamento e apropriação das suas características e poder atribuir
os acontecimentos de sua vida, seus sucessos e fracassos, às suas próprias habilidades, aos seus re-
cursos e esforços pessoais. Aqueles que, ao contrário, de forma passiva, entregarem os eventos de
sua vida a um controle externo (sorte, destino ... ), acabarão por perder o apreço por si mesmos, a
autoestima, a autoconfiança e a motivação para a ação e estarão mais sujeitos aos efeitos nocivos
do contexto laboral. É investir naquelas características individuais que podem potencializar a
saúde ou amenizar a ocorrência de doenças decorrentes do trabalho na saúde. É pôr em prática
atitudes que façam a diferença, na medida em que funcionem como moderadoras efetivas no
processo de adoecimento.
Enfim; é instituir novas normas de conduta pessoal e adotar novas atitudes em condições
diversas e adversas, administrando por si mesmo a margem de risco, de tensão, de dificuldade,
de mal-estar com que inevitavelmente se convive e conseguir superar barreiras e efetivar uma
autossuperação constante. É a possibilidade de adoecer e recuperar-se, crescendo neste processo
(Canguilhem, 1995; Ribeiro, 2012).
Com base nos estudos até aqui referidos são relacionadas abaixo algumas indicações que po-
dem auxiliar os trabalhadores da saúde a lidar com as condições adversas inerentes ao contexto
de trabalho, em ambientes institucionais nesta área, e continuar saudáveis:
~ A psicologia na saúde do trabalhador da saúde ~
A instituição, por seu lado, pode ser orientada pelo psicólogo que pratique a Saúde do Traba-
lhador a oferecer condições que minimizem a incidência de distúrbios decorrentes das atividades
laborais:
> Desenvolver programas de qualidade de vida
> Criar programas de humanização da assistência
> Aperfeiçoar o processo seletivo para admissão de pessoal, de tal forma a contemplar can-
didatos que tenham o perfil profissional adequado ao trabalho na área da saúde
> Estimular o funcionamento de equipes multiprofissionais/interdisciplinares, que tenham
identidade de valores, ideias e objetivos, para não haver ruptura no senso de comunidade
e que dividam as responsabilidades com apoio e confiança
> Criar grupos de reflexão sobre o papel profissional e a tarefa assistencial
> Propiciar treinamento e suporte técnico erh forma de discussão de casos e/ ou supervisão
> Implantar um sistema de recompensa e estímulos para maior valorização profissional
~ A psicologia na saúde: da atenção primária à alta complexidade ~
O conceito, o valor e o significado do trabalho, assim como sua organização e processo, evo-
luíram - de Hesíodo a Dejours - ao longo de 28 séculos. Mas permaneceu a noção essencial do
trabalho como fundante do ser, como o elemento que produz o sujeito, ao ser produzido. O ser
356 humano vem, em prol de sua sobrevivência, "lutando'', empregando sua energia psíquica e sua
força fisica na conquista e na transformação da natureza, acompanhando e reproduzindo seu rit-
mo com regularidade de dias, noites, vidas, mortes, ao mesmo tempo em que se constitui, se cria,
se recria, se produz, se fortalece, se dignifica e se enobrece. Como "homem da raça do ferro", for-
ja sua identidade nesta luta, com sofrimento, angústia, mas com realização e prazer. Campo para
a Psicologia, que tem o desafio perene de se estruturar, se renovar, se atualizar para acompanhar
o trabalhador nesta "luta", nunca definitivamente ganha, mas que recomeça cotidianamente.
Referências bibliográficas
ANDREWS, S. Stress a seu favor: como gerenciar sua vida em tempos de crise. São Paulo: Ágora, 2003.