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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

E TECNOLOGIAS APLICADAS
AO DIREITO - IV

PROFESSSORES
JOSÉ EDUARDO CHAVES JÚNIOR
ANA CAROLINA REIS PAES LEME
LEONARDO VIEIRA WANDELLI
SKEMA BUSINESS SCHOOL
Belo Horizonte Cape Town-Stellenbosch Lille Paris Raleigh Sophia Antipolis Suzhou

Lille, France
Campus
Montreal, Canada
Sophia Antipolis, France
Global Lab in Al
Campus Suzhou, China
Raleigh, USA Campus
Campus

Paris, France
Campus

Belo Horizonte, Brazil Stellenbosch, South Africa


Campus Campus

SKEMA Business School, Marketing & Communications department, non-contractual document – May 2020
SKEMA CAMPUSES

Belo Horizonte Campus Sophia Antipolis Campus Global Lab in AI


R. Bernardo Guimarães, 3071 60 rue Dostoïevski CS 30085 4200 Boulevard Saint-Laurent
Santo Agostinho, Belo Horizonte 06902 Sophia Antipolis Cédex, France Porte 685, Montréal, H2W 2R2 (QC),
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Stellenbosch Campus
Lille Campus Ryneveld Street,
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Jiangsu Province, China
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920 Main Campus Drive
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SKEMA BUSINESS SCHOOL


WWW.SKEMA.EDU
I61
Inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao direito IV [Recurso eletrônico on-line]
organização Congresso Internacional de Direito e Inteligência Artificial: Skema Business
School – Belo Horizonte;

Coordenadores: Leonardo Vieira Wandelli, Ana Carolina Reis Paes Leme e José Eduardo
Chaves Júnior – Belo Horizonte: Skema Business School, 2020.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-5648-103-6
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desafios da adoção da inteligência artificial no campo jurídico.
1. Direito. 2. Inteligência Artificial. 3. Tecnologia. I. Congresso Internacional de Direito
e Inteligência Artificial (1:2020 : Belo Horizonte, MG).

CDU: 34
_____________________________________________________________________________
CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E TECNOLOGIAS APLICADAS AO
DIREITO IV

Apresentação

É com enorme alegria que a SKEMA Business School e o CONPEDI – Conselho Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Direito apresentam à comunidade científica os 14 livros
produzidos a partir dos Grupos de Trabalho do I Congresso Internacional de Direito e
Inteligência Artificial. As discussões ocorreram em ambiente virtual ao longo dos dias 02 e
03 de julho de 2020, dentro da programação que contou com grandes nomes nacionais e
internacionais da área, além de 480 pesquisadoras e pesquisadores inscritos no total. Estes
livros compõem o produto final deste que já nasce como o maior evento científico de Direito
e da Tecnologia do Brasil.

Trata-se de coletânea composta pelos 236 trabalhos aprovados e que atingiram nota mínima
de aprovação, sendo que também foram submetidos ao processo denominado double blind
peer review (dupla avaliação cega por pares) dentro da plataforma PublicaDireito, que é
mantida pelo CONPEDI. Os quatro Grupos de Trabalho originais, diante da grande demanda,
se transformaram em 14 e contaram com a participação de pesquisadores de 17 Estados da
federação brasileira. São cerca de 1.500 páginas de produção científica relacionadas ao que
há de mais novo e relevante em termos de discussão acadêmica sobre os temas Direitos
Humanos na era tecnológica, inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao Direito,
governança sustentável e formas tecnológicas de solução de conflitos.

Os referidos Grupos de Trabalho contaram, ainda, com a contribuição de 41 proeminentes


professoras e professores ligados a renomadas instituições de ensino superior do país, os
quais indicaram os caminhos para o aperfeiçoamento dos trabalhos dos autores. Cada livro
desta coletânea foi organizado, preparado e assinado pelos professores que coordenaram cada
grupo. Sem dúvida, houve uma troca intensa de saberes e a produção de conhecimento de
alto nível foi, certamente, o grande legado do evento.

Neste norte, a coletânea que ora torna-se pública é de inegável valor científico. Pretende-se,
com esta publicação, contribuir com a ciência jurídica e fomentar o aprofundamento da
relação entre a graduação e a pós-graduação, seguindo as diretrizes oficiais. Fomentou-se,
ainda, a formação de novos pesquisadores na seara interdisciplinar entre o Direito e os vários
campos da tecnologia, notadamente o da ciência da informação, haja vista o expressivo
número de graduandos que participaram efetivamente, com o devido protagonismo, das
atividades.

A SKEMA Business School é entidade francesa sem fins lucrativos, com estrutura
multicampi em cinco países de continentes diferentes (França, EUA, China, Brasil e África
do Sul) e com três importantes acreditações internacionais (AMBA, EQUIS e AACSB), que
demonstram sua vocação para ensino e pesquisa de excelência no universo da economia do
conhecimento. A SKEMA, cujo nome é um acrônimo significa School of Knowledge
Economy and Management, acredita, mais do que nunca, que um mundo digital necessita de
uma abordagem transdisciplinar.

Agradecemos a participação de todos neste grandioso evento e convidamos a comunidade


científica a conhecer nossos projetos no campo do Direito e da tecnologia. Já está em
funcionamento o projeto Nanodegrees, um conjunto de cursos práticos e avançados, de curta
duração, acessíveis aos estudantes tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Até 2021,
será lançada a pioneira pós-graduação lato sensu de Direito e Inteligência Artificial, com
destacados professores da área.

Agradecemos ainda a todas as pesquisadoras e pesquisadores pela inestimável contribuição e


desejamos a todos uma ótima e proveitosa leitura!

Belo Horizonte-MG, 07 de agosto de 2020.

Profª. Drª. Geneviève Daniele Lucienne Dutrait Poulingue

Reitora – SKEMA Business School - Campus Belo Horizonte

Prof. Dr. Edgar Gastón Jacobs

Coordenador Acadêmico da Pós-graudação de Direito e Inteligência Artificial da SKEMA


Business School
O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
SUAS APLICAÇÕES NO DIREITO CONTEMPORÂNEO
THE PROCESS OF DEVELOPING ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND ITS
APPLICATIONS IN CONTEMPORARY LAW

Wilson de Freitas Monteiro

Resumo
O tema da pesquisa é o estudo da Inteligência Artificial e seus reflexos na seara jurídica. O
problema da pesquisa é: em que medida a Inteligência Artificial pode auxiliar a ação
humana, na esfera jurídica? O objetivo do trabalho é: Analisar os processos de percepção da
Inteligência Artificial no campo do Direito. A pesquisa pertence à vertente metodológica
jurídico-sociológica. Compreende-se que o histórico de afeição à inovação tecnológica, do
Direito, demonstra um espaço para a implementação de técnicas de Inteligência Artificial. É
necessário o acompanhamento da evolução da Inteligência Artificial no campo do Direito.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Processo de desenvolvimento, Direito contemporâneo

Abstract/Resumen/Résumé
The theme of the proposed research is the study of Artificial Intelligence and its reflexes in
the legal field. The research problem is: to what extent can Artificial Intelligence assist
human action in the legal sphere? The objective of the work is: To analyze the processes of
perception of Artificial Intelligence in the field of Law. The research belongs to the juridical-
sociological methodological aspect. It is understood that the history of affection for
technological innovation, of Law, demonstrates a space for the implementation of Artificial
Intelligence techniques. The follow-up of the Artificial Intelligence evolution in the Law
field is necessary.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Development process,


Contemporary law

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tema da pesquisa que se pretende desenvolver é o estudo da Inteligência Artificial,


suas inferências e os seus desdobramentos na seara jurídica, razão pela qual optou-se pela
análise econômica do Direito, como ponto de partida, haja vista que o emprego de instrumentais
teóricos, empírico-econômicos e ciências congêneres, capazes de expandir a compreensão e o
acesso do direito, promovem o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das normas jurídicas e de
suas consequências em sociedade.
O problema fundamental do trabalho de investigação proposto é: em que medida a
Inteligência Artificial pode auxiliar a ação humana, quando o cenário, para tanto, é a esfera
jurídica? O objetivo geral do trabalho de investigação proposto é: Analisar os processos de
percepção das técnicas de Inteligência Artificial no campo do Direito. São objetivos específicos
do trabalho: constatar o processo de inovação tecnológica no âmbito jurídico; estabelecer a
correlação entre Economia e Direito no que concerne a Inteligência Artificial; verificar as ações
das técnicas de Inteligência Artificial na seara jurídica.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985), Gustin e Dias
(2015), o tipo jurídico-projetivo. A técnica metodológica selecionada para a investigação
proposta é a pesquisa teórica.

2. A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O ordenamento jurídico brasileiro passa por constantes mudanças e a inserção de novas


tecnologias, de maneira cada vez mais forte, é uma delas. No entanto, esta realidade traduz
questões pertinentes, como a necessidade de respeito e adequação dessas tecnologias aos
princípios basilares dos sistemas de justiça.
Tendo em vista que o acesso à jurisdição configura a possibilidade de o cidadão
ingressar em juízo, em busca do provimento jurisdicional, bem como a garantia do
processamento do devido processo legal – o que contempla a todos o direito de ampla defesa e
atuação durante o curso do processo –, o PJe se apresenta como um sistema que deve enfrentar
o desafio de garantir a verificação aos autos eletrônicos à quem se interesse em consulta-los, tal
qual ocorre com os processos físicos (ESTANISLAU; GOMES, 2019).
O PJe - sigla para Processo Judicial Eletrônico – se trata de um sistema eletrônico,
lançado em 2011, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com os
tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, com características específicas

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de Inteligência Artificial, em determinados aspectos, que visa otimizar o trabalho dos
profissionais do Direito (PJE, 2011). Nesse sentido, este é um sistema com o poder de
demonstrar que o Direito é uma área do conhecimento afeta à inovação tecnológica.
Posto isso, é importante destacar que esta percepção remonta às ondas renovatórias de
acesso à justiça1, mais precisamente, à terceira. Denominada o enfoque do acesso à justiça, esta
onda evidenciou, dentre outras questões, uma ampliação de mudanças nos sistemas judiciais,
concernentes à pessoas, mecanismos e noções procedimentais, que vão desde uma digitalização
de processos, à implementação de sistemas de gestão para os tribunais, com vistas a combater
a morosidade sistêmica e a promover a celeridade processual (CAPPELLETTI; GARTH,
1988), revelando o PJe como uma consequência do desdobramento desta onda no Brasil.
Por consequência, a abertura para a inovação tecnológica é um elemento, há muitos
anos, presente na realidade do ordenamento jurídico. Como consequência desta interpretação,
tem-se que o agir da Inteligência Artificial na seara jurídica é um fenômeno que prescinde da
devida análise.

3. A CORRELAÇÃO ENTRE DIREITO E ECONOMIA TANGENTE À


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Pode-se afirmar com fidúcia que o uso da Inteligência Artificial se tornou precípuo em
muitos ramos da sociedade, tal como a imprescindibilidade de regulamentação a respeito, via
ordenamento jurídico, o que, por si só, tem o condão de gerar discussões pertinentes, tanto na
Economia, quanto no Direito. Nesse sentido, o haste da discussão que aqui se provoca deve ser
pautado por uma análise interdisciplinar, entre os dois campos – e estes com a as novas
tecnologias –, uma vez que a confluência da Inteligência Artificial no ramo jurídico,
imperativamente, abrange o setor econômico, quando o que se busca é a promoção do
desenvolvimento e o aperfeiçoamento de normas jurídicas a serem aplicadas em sociedade.
A análise econômica do Direito se revela um meio adequado de estudo em torno da
influência da Inteligência Artificial no âmbito jurídico, em virtude das consequências que os
processos de normatização das leis engendram na economia de um país. Tais processos, de
acordo com Sztajin (2005), partindo do prisma de associação entre Direito e Economia, ocorre
no plano normativo-positivo ou no normativo-normativo (SZTAJIN, 2005).

1
Na classificação de Cappelletti e Garth (1988), levantada ao longo da realização do Projeto Florença, trabalho
científico executado na década de 1970 que envolveu um estudo comparado acerca do acesso à justiça em diversos
países, foram delimitados três contornos da problemática do acesso à justiça: as denominadas ondas renovatórias.

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A relação normativo-normativo - plano que aqui se preconiza por um critério de maior
adequação - resulta na análise das consequências de alternativas na formulação de normas de
direito positivo, que, por sua vez, amplia as análises das regras jurídicas e estas, quando
aplicadas ao direito à propriedade, levada ao questionamento se, entre a tutela do direito sobre
a coisa, a responsabilidade civil ou o direito em face de uma pessoa, qual das aplicações seria
a mais eficiente (SZTAJIN, 2005).
Ante o exposto, as intersecções entre Inteligência Artificial e Direito, tendem a passar
pela Economia, o que leva à consideração do que esta área tem a oferecer, e não somente àquela.
Os meios organizacionais do Direito denotam um sistema aberto, com a capacidade de influir
e de ser influenciado pelas instituições sociais existentes, apontando que o conjunto de regras
aplicadas à sociedade serve à organização das relações intersubjetivas, trilhando o caminho até
ser consagrado como direito posto, o que é suficiente para afirmar que fatores econômicos
contribuem com o processo de criação de normas (SZTAJIN, 2005).

4. O AGIR DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA SEARA JURÍDICA

O Direito, enquanto uma ciência social aplicada, passou a ser percebido como uma seara
que não é autossustentável sozinha. Deste modo, a inserção de novas tecnologias, elementares
de áreas como a Ciência da Computação, tangenciadas pelo prisma da Economia, no meio
jurídico, elucidam esta afirmativa.
De acordo com Lara (2019), a

Inteligência Artificial (IA) é um ramo da ciência da computação que se propõe a


elaborar dispositivos eletrônicos que simulem a capacidade humana de raciocinar,
tomar decisões e resolver problemas. A rigor, é incorreto afirmar que tais dispositivos
sejam inteligentes, uma vez que a inteligência é um atributo psíquico humano. Na
verdade, os dispositivos que operam com a chamada Inteligência Artificial nada mais
manifestam que as respostas previstas em suas linhas de programação. Apenas o
fazem em nível mais elevado pela complexidade de seus algoritmos (LARA, 2019).

Dentre as temáticas tangentes à Inteligência Artificial, uma que pode ser fortemente
associada ao dia-a-dia dos profissionais do Direito é a aprendizagem de máquina. Esta é a área
do discutido ramo da Ciência da Computação que busca ensinar os computadores a atuarem de
maneira natural, sem demonstrar que estão executando algo que foram previamente
programados, por intermédio de uma combinação de tecnologias permissivas à tomada de
decisões via algoritmos (SHINOHARA, 2018), o que contribui para uma das facetas do
componente “inteligência” atribuído à Inteligência Artificial.

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Esta técnica corrobora a percepção de que aplicativos, plataformas e sistemas digitais
possuem Inteligência Artificial e são capazes de aprender e aplicar dados tal qual os humanos,
influenciando diretamente na vida para além das barreiras do mundo virtual, e seu uso, a partir
de programas de computadores, serve como instrumento de contribuição para a produção de
pesquisas jurídicas, de petições e de promoção do próprio acesso à justiça pela via dos direitos,
efetivado por seu viés tecnológico. Um exemplo que corrobora esta afirmação é a adoção de
um sistema de algoritmos que tem sido utilizado no Brasil para prestar assessoria aos ministros
do Supremo Tribunal Federal, denominado VICTOR.
Em maio de 2018, o Supremo Tribunal Federal apresentou sua nova ferramenta de
Inteligência Artificial. Nomeado como uma homenagem ao ex-ministro Victor Nunes Leal, o
VICTOR é o mais complexo projeto do eixo tecnológico de todo o Poder Judiciário. O
mecanismo foi projetado com o intuito de fazer uma leitura de todos os recursos extraordinários
que chegam à suprema corte brasileira, sendo possível que evolua para uma ferramenta capaz
de realizar a triagem de instrumentos constitucionais vinculados a temas de repercussão geral
(BRASIL, 2018)
Para Lara (2019, p. 113), “a adoção do algoritmo VICTOR representa uma abordagem
interessante na busca da celeridade processual” (LARA, 2019, p. 113), ao argumento de que
logo poderá se tornar “um importante vetor para a prestação jurisdicional no país” (LARA,
2019, p. 113). Destarte, tem-se que a Inteligência Artificial passa a ser uma presença cada vez
mais constante dentre os locais de exercício dos profissionais que atuam diretamente com o
desempenho das funções essenciais à justiça, o que contempla o pensamento de Hafner (2001),
ao alegar que o Direito é um domínio excelente para se perceber o uso da Inteligência Artificial
(HAFNER, 2001). Esta certeza colabora com a percepção de que a instrumentalização
tecnológica dos sistemas judiciais, mapeada como próprias da terceira onda de acesso à justiça,
conforme exposto alhures, exemplifica as intersecções entre Direito e tecnologias como a
Inteligência Artificial.
Programas como o VICTOR e o próprio PJe demonstram como a Inteligência Artificial
vem ocupando espaço, dia após dia, no cenário jurídico, como um campo tecnológico com o
poder de auxiliar o trabalho intelectual dos profissionais do Direito, a partir de mecanismos que
podem potencializar os serviços de assessoria destes. Esta percepção, no entanto, apresenta-se
controversa, em certa medida, como Dworkin (1999, p. 490) afirma:

Nenhuma mágica eletrônica poderia elaborar, a partir de meus argumentos, um


programa de computador que fornecesse um veredito aceito por todos, uma vez que
os fatos do caso e o texto de todas as leis e decisões judiciais passadas fossem
colocados à disposição do computador (DWORKIN, 1999, p. 490).

8
À vista disso, não há que se falar em atividade jurídica como se não fosse uma atividade
intelectual, que demanda a atenção do indivíduo para analisar o direito posto em contendo.
Porém, é inegável que dentre as benesses da Inteligência Artificial, está o auxílio nas tarefas de
cunho automatizado, necessárias para se alcançar a efetivação de direitos esperada pela
litigância no Judiciário, o que contribui com a celeridade processual.
Por conseguinte, o questionamento está ancorado na investigação ao redor da medida
em que a atuação de computadores pode substituir a ação humana, quando o cenário em questão
é o âmbito jurídico. Embora encantadora aos olhos dos profissionais do Direito, que terão seus
trabalhos cada vez mais otimizados pelo que a Inteligência Artificial tem de novo a ofertar, a
cada dia, há que se considerar os erros cometidos pelas máquinas.
Dentre muitos erros apresentados por computadores, Lara (2019) menciona um absurdo
episódio de etiquetagem humana pelo algoritmo2 do Google Photos. A inteligência artificial do
multifacetado serviço de internet mapeou pessoas negras como se fossem gorilas, porque o
algoritmo foi incapaz distinguir a pele retinta de um ser humano à de primatas, denotando um
viés racista na programação da máquina, que forçou a Google Inc. a se desculpar e a prometer
encontrar uma solução para o erro3. O ocorrido trouxe à luz um problema estrutural, por vezes
ignorado, tangente à Inteligência Artificial, qual seja, os mistérios ao redor da programação de
algoritmos complexos (LARA, 2019).
No crescente do perpassado, Shinohara (2018, p.42), sobre as falhas que a Inteligência
Artificial ainda apresenta, agrega que a “deficiência da tecnologia demonstra que as máquinas,
embora possam ser treinadas para categorizar uma imensa quantidade de imagens em alto nível
de precisão e rapidez, não conseguem ir além desse treinamento (SHINOHARA, 2018, p.42)”.
Logo, os computadores são desprovidos de senso crítico para interpretar o mundo, como os
seres humanos fazem (SHINOHARA, 2018).
Posto isso, o uso da Inteligência Artificial no campo do Direito, sobretudo, na
Advocacia, age como instrumento de complementação do trabalho do advogado. De acordo
com o exemplo de Minichiello e Carmo (2019, p. 52), “O uso da inteligência artificial quando
coadjuvante à atuação do advogado só pode soar de modo positivo, pois, é instrumento apto a
tornar mais eficaz a advocacia” (MINICHIELLO; CARMO, 2019, p. 53).

2
De acordo com Lara (2019), em ciência da computação, um algoritmo é uma sequência finita de ações executáveis
que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema.
3
Conforme Lara (2019, p. 89) expõe: “A solução encontrada para o problema, descrito por um usuário pela
primeira vez em junho de 2015, foi simplória: o Google removeu os termos gorilas, chipanzés e macacos do
buscador na gestão de fotos pessoais” (LARA, 2019, p. 89).

9
Nesse diapasão, Minichiello e Carmo (2019, p. 53), sobre as inflexões entre a ação da
Inteligência Artificial e o exercício da advocacia preventiva, afirmam que

O que deve ser levado em consideração para a verificação de possíveis interferências


negativas é o modo como possa vir a ser utilizada a inteligência artificial, pois, se
utilizada de modo não regulamentado, poderá afetar a advocacia no sentido de tirar
do advogado funções que são próprias do ofício, como orientações e aconselhamentos,
elaboração de pareceres entre outras tarefas (MINICHIELLO; CARMO, 2019, p. 53).

Desta forma, resta inegável afirmar que a Inteligência Artificial, quando associada ao
Direito, pode trazer, para a seara jurídica, facetas tanto positivas, quanto negativas. Contudo, o
diferencial para saber qual carácter será atribuído à interação destas áreas, dependerá de uma
minuciosa análise, e não de uma interpretação genérica, perpassando por sequenciados setores,
desde a análise econômica até o caso específico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando-se em conta que o exercício das máquinas não substitui a ação humana, mas,
categoricamente, pode ajudar os indivíduos, tem-se que a Inteligência Artificial tem poder
suficiente para figurar como instrumento auxiliar no exercício da atividade jurisdicional, e nos
demais setores vinculados ao Poder Judiciário. Desta maneira, é uma tecnologia bem-vinda,
pois otimiza o tempo empreendido com certas atividades automatizadas praticadas pelos
advogados, procuradores e magistrados, que podem ser feitas, sem problemas maiores, pela
máquina.
Face ao longo histórico de afeição à inovação tecnológica, o Direito é um campo fértil
para a implementação de técnicas de Inteligência Artificial, porém, esta também prescinde da
devida análise pelo prisma da Economia, uma vez que os fatores econômicos agem de maneira
direta no processo de criação de normas, com vistas a garantir que direitos não sejam violados,
mas também visando que as técnicas de efetivação da tutela jurídica não se tornem obsoletas.
Por fim, reconhecendo que a Inteligência Artificial já está presente, de maneira
substancial, na prática jurídica, ela deve ser abraçada, devidamente regulamentada e
amplamente difundida pelos profissionais do Direito. Embora alguns advogados, magistrados
e outros operadores ainda relutem à temática, não há como negar que essas técnicas podem
facilitar enormemente os respectivos trabalhos, e o acompanhamento desses movimentos é
deveras imperioso.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Projeto VICTOR do STF é apresentado em congresso


internacional sobre tecnologia. Portal Notícias STF - 26 set. 2018 (f). Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=390818. Acesso em: 20
jun. 2020.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução por Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. Rev. Dr. Gildo Rios.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ESTANISLAU, Fernanda Netto; GOMES, Magno Federici. Acesso à Justiça, Processo


Judicial Eletrônico, Direito ao Desenvolvimento e a Boa Governança: O Caminho para a
Sustentabilidade. In: Acesso à Justiça II. Coordenadores: Luiz Fernando Bellinetti; Renata
Almeida da Costa; Magno Federici Gomes. – Florianópolis: CONPEDI, 2018. Disponível em:
http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/34q12098/5sa435wy/9nttLr14x0dCMnLm.pdf.
Acesso em: 13 jun. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

HAFNER, Carole. Legal reasoning models. International Encyclopedia of the Social and
Behavioral Scienses, 2001. Disponível em: www.ccs.neu.edu/home/hafner/hafnerlegal.doc.
Acesso em: 12 jun. 2020.

LARA, Caio Augusto Souza. O acesso tecnológico à justiça: por um uso contra-hegemônico
do big data e dos algoritmos. Tese (doutorado) – Orientação: Adriana Goulart de Sena Orsini.
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito, 2019.

MINICHIELLO, André Luiz Ortiz; CARMO, Valter Moura do. Inteligência Artificial e
Advocacia: Desafios Regulatórios. In: Direito, governança e novas tecnologias I.
Coordenadores: Têmis Limberger; Valter Moura do Carmo; Aires Jose Rover. – Florianópolis:
CONPEDI, 2018. Disponível em: http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/34q12098/
9l053031/d3PnUfvWE46mWzTL.pdf. Acesso em: 14 jun. 2020.

PJE. Página Principal. PJe – Processo Judicial Eletrônico. Disponível em:


http://www.pje.jus.br /wiki/index.php/P%C3%A1gina_principal. Acesso em: 13 jun. 2020.

SHINOHARA, Luciane. Inteligência Artificial, Machine Learning e Deep Learning. In:


PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital aplicado 3.0. São Paulo: Thompson Reuters Brasil,
2018. pág. 40.

SZTAJN, Rachel. Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações.
6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

11
PERMISSIBILIDADE DO JUIZ-ROBÔ NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
PERMISSIBILITY OF THE ROBOT JUDGE IN THE BRAZILIAN JURIDICAL
SYSTEM

Salus Henrique Silveira Ferro 1

Resumo
A evolução tecnológica propiciada pela Inteligência Artificial, traz-nos um personagem
novo, que visa resolver a atual crise do judiciário, o juiz-robô. Esse novo paradigma é real e
particularmente atrativo no contexto jurídico brasileiro, o que nos faz pensar
interpretativamente sobre a sua aplicação. O objetivo do trabalho é evidenciar a
permissibilidade do juiz-robô, dotado de inteligência artificial para decidir problemas
jurídicos no judiciário brasileiro, de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Conclui-se
que embora não tenha a capacidade de ser juiz, a legislação vigente não o impede de ser um
conciliador judicial, embora não seja viável por suas limitações.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Juiz-robô, Ordenamento jurídico

Abstract/Resumen/Résumé
The technological evolution brought about by Artificial Intelligence, brings us a new
character, which aims to solve the current crisis of the judiciary, the robot judge. This new
paradigm is real and particularly attractive in the Brazilian legal context. The objective of the
work is to highlight the permissibility of the robot judge, endowed with artificial intelligence
to decide legal problems in the Brazilian judiciary, according to the current juridical system.
It is concluded that although he does not have the capacity to be a judge, the current
legislation does not prevent him from being a judicial conciliator.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Robot judge, Legal order

1Mestrando em Direito e Ciência Jurídica pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), é
membro do Centro de Estudos e Pesquisas em Direito & Internet (CEPEDI).

12
1. A problemática jurídica brasileira e a solução através do desenvolvimento
tecnológico

O assunto, antes de tudo, é polêmico. A criação de sistemas artificiais autónomos,


dotados de inteligência artificial, geram situações novas e que apresentam, por vezes,
dificuldade em prever o comportamento da máquina, havendo um grande dilema acerca
da sua operacionalização.

Certo é que evidenciamos um caminho sem fim, onde ou a sociedade deixa de


usar máquinas altamente desenvolvidas, ou é confrontada com consequências possíveis,
que trazem obscuridade no sistema jurídico. No entanto, os recursos tecnológicos já estão
em vigor, e em tal desenvolvimento que a fase automatizada desses recursos é perpassada
por um comportamento essencialmente autônomo, tornando-se o novo paradigma do
futuro de nossas atividades e tarefas do dia-a-dia.

Dentro de todos os aspectos que permeiam a possibilidade da inteligência


artificial, tem-se grande relevância no comportamento desse novo recurso no mundo
jurídico, ao proporcionar uma maximização da produção em massa, após o recolhimento
de dados, ou mesmo distribuindo o grande número de demandas de acordo com a sua
destinação.

Especificamente no Brasil, a tecnologia já é adaptada em alguns aspectos e em


alguns tribunais, com o fito de direcionar e catalogar processos específicos. Apesar de
não ser o objetivo do trabalho analisar onde a inteligência artificial está alocada no
judiciário, percebe-se que nada seria tão necessário como uma maneira de solucionar a
crise atual do judiciário e o seu alto número de demandas.

O paradigma que se impõe é o de lidar com o número demasiado de processos e


proporcionar aos mesmos o julgamento mais justo possível, ou seja, deve-se atentar ao
ato de julgar, que para um juiz brasileiro possui média significativa de 7 julgamentos por
dia (CNJ, 2019).

Existem maneiras de aliviar a alta demanda litigiosa, como é o caso do


desenvolvimento e aplicação de novos sistemas destinados às resoluções de conflito, com
a possibilidade de um caráter conciliatório para dirimir os problemas antes do acesso ao
judiciário, como prevê o Código de Processo Civil em vigor desde 2015. Contudo, pela
tradicional forma litigiosa do sistema jurídico brasileiro, ainda perdura o excesso de

13
demandas judiciais e a demora na efetividade de uma prestação jurisdicional, aos quais
são fatores fundamentais para uma morosidade exacerbada.

É nesse cenário que se buscou uma maior informatização, ao adaptar-se aos


padrões internacionais de justiça, de modo que, com a evolução dos recursos
tecnológicos, possibilita-se um sem-número de ferramentas capazes de obter dados e
proporcionar uma agilidade no andamento dos processos.

Foi através do desenvolvimento tecnológico, que a inteligência artificial permitiu


chegar num cenário que a interação humana fosse cada vez menos necessária, realizando
os resultados de acordo com os algoritmos pré-existentes. Essa dinâmica, viabiliza um
número sem-fim de utilizações da máquina dotada desta capacidade, por compreender
que o resultado alcançado pela máquina é mais eficiente e rápido do que o de um ser
humano1.

Tratando-se de uma economia mundial que prioriza a produção em massa de bens


de consumo e sua agilidade em todos os processos de produção, a inteligência artificial
proporciona uma nova dinâmica nessa relação (ROCHA; PEREIRA). Como percebe-se,
nada melhor seria no cenário jurídico brasileiro, do que uma forma de resolver
rapidamente o julgamento de processos judiciais, ao que permite-nos pensar sobre a
possibilidade da utilização dessa máquina para o julgamento destas decisões.

Em que pese ser extremamente necessário uma análise jurídico-filosófica sobre a


inclusão dessa máquina-robô no âmbito da justiça, ou mesmo, a investigação de dilemas
sobre o assunto, como a responsabilidade da máquina ou dos algoritmos que a auxiliam
em sua decisão com vieses cognitivos. A pesquisa destina-se essencialmente na
possibilidade de identificar, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, se é possível
estabelecer uma máquina dotada de inteligência artificial para fundamentar e estabelecer
decisões que seriam válidas de acordo com nosso sistema jurídico, o juiz-robô.

Assim, o objetivo específico do trabalho é analisar a permissibilidade da figura do


juiz-robô no sistema jurídico brasileiro, de acordo com uma metodologia hipotético-
dedutiva, utilizando-se do nosso atual ordenamento jurídico para formular
questionamentos e vislumbrar tal possibilidade.

1
Tal afirmação advém do diagnóstico dos resultados obtidos pelos carros autônomos, que nos
demonstram uma confiabilidade e uma segurança estatisticamente maior do que o condutor humano.

14
2. A figura do juiz-robô e o ordenamento jurídico brasileiro

A quem acha que a aplicação de sistemas com esse propósito é algo futurista e
inviável, não percebe a interconectividade mundial dessa tecnologia em seus mais
diversos campos, como é o caso da justiça, propiciando uma plena revolução jurídica.

O juiz-robô é real, é dotado de algoritmos e de análises de informações em larga


escala para proporcionar decisões de acordo com os resultados obtidos. Embora em sua
fase inicial, a Estônia aparece como sendo o país precursor dessa metodologia de justiça,
com a missão de decidir disputas legais simples e de baixa complexidade jurídica ou de
pequeno valor econômico, em processos com valor abaixo de € 7 mil euros.

A aplicação do juiz-robô tem como objetivo o desenvolvimento da área


tecnológica do país, num país que se tornou uma verdadeira sociedade digital, além de
um menor custo aos cofres públicos pela manutenção de um agente do Estado na mesma
função. Já no Brasil percebe-se uma importância diferente, apresenta-se
fundamentalmente como uma possível solução para desafogar o grande número de
processos no judiciário.

No entanto, juiz é apenas um ser humano? Caso fosse, não haveria sequer
discussão. Porém, interpretativamente o juiz-robô era sequer imaginado, assim como
todas as circunstâncias que viabilizariam, pela alta demanda e evolução tecnológica, a
possibilidade de sua aplicação, de modo que é necessário uma análise interpretativa do
ordenamento jurídico vigente.

Em um primeiro momento, deve-se ter em conta que já existe decisão acerca de


direitos da própria máquina (GUADAMUZ, 2019), sendo que a denominação utilizada
como juiz-robô de pouco importa, sendo necessário a visão acerca da inserção da máquina
com todo o seu sistema artificial na decisão jurídica que acarreta em efeitos às partes.

Cabe-se lançar agora a investigação para o nosso ordenamento jurídico vigente,


com o objetivo de verificar as condições e requisitos necessários para ser juridicamente
possível, um agente do Estado possuir a função de tomar decisões no âmbito jurídico, um
juiz.

Ao que percebe, de acordo com as legislações vigentes sobre o assunto, temos a


Lei complementar nº 35, de 14 de março de 1979, que dispõe sobre a Lei Orgânica da

15
Magistratura Nacional. Para nossa pesquisa, é interessante demonstrar o que diz a lei
acerca das condições para o ingresso do magistrado no judiciário brasileiro:

Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante nomeação,


após concurso público de provas e títulos, organizado e realizado com a
participação do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 1º - A lei pode exigir dos candidatos, para a inscrição no concurso, título de


habilitação em curso oficial de preparação para a Magistratura.
§ 2º - Os candidatos serão submetidos a investigação relativa aos aspectos
moral e social, e a exame de sanidade física e mental, conforme dispuser a lei.
§ 3º - Serão indicados para nomeação, pela ordem de classificação, candidatos
em número correspondente às vagas, mais dois, para cada vaga, sempre que
possível (BRASIL, 1979, Art. 78).

A caracterização de um magistrado, leva em conta o requisito de uma série de


fatores que não podem ser realizados pela máquina, sendo essencialmente um caráter
humano, como é o exemplo dos concursos públicos, que embora tenhamos uma máquina
suficientemente inteligente a ponto de passar dos entraves probatórios, necessita de uma
figura humana para fazê-la.

A Constituição Federal de 1988 por sua vez, mesmo sendo posterior à lei, coaduna
e constitucionaliza o entendimento necessário das provas e incluí novos requisitos para o
cargo, estabelecendo uma rigidez e tempo necessário para o ingresso na carreira:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá


sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no
mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à
ordem de classificação (BRASIL, 1988, Art. 93).

Desse modo, o juiz é àquele que, além de necessária comprovação dos


conhecimentos exigidos, deverá ser um bacharel em direito com no mínimo 03 anos de
atividade jurídica, o que impossibilita de forma crucial o estabelecimento de máquinas
substituírem o magistrado, haja vista que máquinas de inteligência artificial não podem
ser bacharéis, e tampouco estar efetivamente na atividade jurídica que necessita o cadastro
pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Além disso, em uma análise inicial, pode-se citar a violação de princípios


constitucionais, como a Dignidade da Pessoa Humana presente no Art. 1º, inciso III, ao
não haver uma empatia ou sentimento humano para julgar seus atos que farão efeitos à

16
pessoa lesada, e do Juiz Natural, cujo reconhecimento é visível no Art. 5º, inciso XXXVII
da Constituição Federal, estabelecendo que ‘’não haverá juízo ou tribunal de exceção’’
(BRASIL, 1988), ao garantir um julgamento justo aos cidadãos por órgãos independentes
e parciais. Tal fundamento, com características evidentes de uma redemocratização,
determina que os juízes designados para julgar os processos devem ter a competência para
fazê-lo (COUTINHO, 2008), não sendo possível estabelecer a competência e investidura
do cargo à máquina, exigidos no ordenamento jurídico brasileiro vigente.

Desse modo, é visível que os requisitos para o julgamento das decisões jurídicas,
pressupõem condições essencialmente humanas e que a máquina, dada a legislação atual,
não é capaz de ter essa funcionalidade. No entanto, o juiz-robô como conhecemos não é
capaz de estar no âmbito jurisdicional? Para isso, deveremos realizar um esforço
interpretativo, ao analisar a inclusão dessa máquina de personalidade jurídica própria, em
regramentos que a permitem exercer algum tipo de funcionalidade para o exercício de
uma função autônoma.

2.1. Haverá alguma possibilidade de inclusão?

Nesse contexto, torna-se indispensável vislumbrar a Lei nº 9.099 de 26 de


setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da
justiça que possuem competência para causas de menor complexidade, visando uma
economia processual e a conciliação, propiciando um campo mais fértil para o
estabelecimento de um juiz-robô.

Nesse contexto, evidenciam-se mais duas figuras judiciárias, além do juiz como
conhecemos, cujas funções são distintas, os juízes leigos e os conciliadores, sendo que o
Art. 7º da Lei estabelece a seguinte condições para ambos:

Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados,


os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos,
entre advogados com mais de cinco anos de experiência (BRASIL 1995, Art.
7º, grifo nosso).

Retira-se daí, embora seja autoexplicativo, que ambos apesar de não serem juízes,
são auxiliares da justiça, sendo os conciliadores preferencialmente bacharéis em Direito,
e os juízes leigos advogados com mais de cinco anos de experiência, e por exercerem tais
funções, tem-se por requisito estar no quadro da OAB, não sendo possível até o presente
momento a inscrição da máquina. Em todo caso e recorrendo à interpretação, os

17
conciliadores da justiça, cujo papel é auxiliar a justiça, não tem por requisito ser bacharel
em Direito, mas a preferência de que o seja.

Nesse contexto, o cenário que se coloca é o de permissibilidade dessa máquina


dotada de inteligência artificial, de modo que, ao invés de decidir uma ação judicial, possa
ser dotada de personalidade jurídica para prover a conciliação, ainda que passará ao crivo
do juiz togado para conferir-lhe a homologação do que foi decidido, conforme o Art. 22,
§ 1º, da Lei (BRASIL, 1995).

Tal função destina-se legalmente para o auxílio dessas matérias, com supervisão
do juiz togado ou leigo, ou seja, há uma inspeção essencialmente humana, longe de um
julgamento autônomo da máquina, por ser a natureza da conciliação o acordo de ambas
as partes, não sendo prejudicada diretamente pela máquina.

Contudo, à conciliação exige-se um caráter humano, não bastaria somente uma


máquina de inteligência artificial antroporfomizada, a máquina deve ter o senso humano,
empatia, vivência, qualidades humanas como compaixão e sabedoria para o
estabelecimento destes acordos, pois são acordos com humanos, dos quais a máquina
apenas nos dá um simulacro e uma racionalidade baseada em cálculo nos seus
procedimentos (WEIZENBAUM, 1976), sendo também uma das características da crítica
ao ato de julgar do juiz-robô.

3. Considerações Finais

Como podemos identificar, o estabelecimento de um juiz no ordenamento jurídico


brasileiro, pressupõe uma pessoa com características essencialmente humanas, e está
longe de ser identificado como uma máquina. Dada a análise das leis acerca do juiz no
Brasil, identifica-se que os entraves e requisitos para a carreira, estabelecem condições
de tempo e provas específicas para a investidura do cargo, tendo um caráter
constitucional.

Desse modo, ao vislumbrar acerca da Lei de Juizados Especiais Cíveis e


Criminais, percebe-se uma figura no âmbito da justiça que possibilita, de modo
interpretativo da norma, a existência da máquina para o auxílio da justiça, qual seja o
conciliador. De todo modo, o conciliador não aplica decisões e tem por objetivo favorecer
o estabelecimento de acordo de ambas as partes, sendo auxiliado por um juiz togado ou
leigo, ou seja, um humano.

18
Ainda que isso fosse possível, a máquina não detém as condições necessárias para
a natureza da conciliação, dos quais a essência humana torna-se indispensável para o ser
levado a sério, ser ouvido, ou mesmo sentir o caso concreto, para da melhor forma
possível harmonizar as relações.

Embora seja um cenário de subjetividade e interpretações que poderão fazer


sentido com o desenvolvimento do tempo e da tecnologia, percebe-se que dado o atual
ordenamento jurídico brasileiro, não há a possibilidade de um juiz-robô, sendo necessária
uma reforma constitucional e que possibilite uma interpretação capaz de proporcionar à
máquina às condições necessárias para a investidura do cargo.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, 5 de out. 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15
mai. 2020.
BRASIL. Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979. Dispõe sobre a Lei Orgânica
da Magistratura Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
15 jun. 1979. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp35.htm>. Acesso em: 13 mai. 2020.
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Brasília, 30 nov. 1995. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 10 mai. 2020.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça em números 2019. Brasília,
2019, Anual. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso
em: 25 abr. 2020.
COUTINHO, J. N. M. O princípio do juiz natural na CF/88: Ordem e desordem. Revista
de Informação Legislativa, Brasília, v. 45, n. 179, p. 1-14, jul./set. 2008. Disponível
em:<https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/45/179/ril_v45_n179_p165.pdf>.
Acesso em: 10 mai. 2020.
GUADAMUZ, A. Artificial intelligence and copyright. Wipo Magazine, Genebra, 5º
edition, p. 14-20, October. Disponível em:
<https://www.wipo.int/export/sites/www/wipo_magazine/en/pdf/2017/wipo_pub_121_2
017_05.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2020.
ROCHA, M. L.; PEREIRA, R. S. Inteligência Artificial & Direito: coord. Manual
Lopes Rocha, Rui Soares Pereira. Lisboa: Editora Almedina, 2020. 266 p.
WEIZENBAUM, J. Computer power and human reason: From judgment to
calculation.1ª ed. New York: W. H. Freeman & Co, 1976, 300 p.

19
POLÍTICAS PÚBLICAS GLOBAIS PARA O COMBATE À PANDEMIA DA COVID-
19
GLOBAL PUBLIC POLITICS TO COMBAT THE COVID-19 PANDEMIC

Geórgia Santos Reis 1

Resumo
O exposto estudo tem como objetivo a análise das políticas jurídicas de países para o
confronto a COVID-19. Através de dados estatísticos e medidas de contenção, infere-se que
as realidades econômicas influenciam diretamente nas providências governamentais.
Entretanto, a crise atual é classificada com sanitária, assim, a saúde da população precisa ser
posta como prioridade. A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-
sociológica. No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker
(1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético.

Palavras-chave: Palavras-chave: políticas jurídicas, Coronavíru, Direito administrativo

Abstract/Resumen/Résumé
The presented study aims to analyze the legal policies of countries to confront the COVID-
19. Through statistical data and containment measures, it appears that economic realities
directly influence governmental measures. However, the current crisis is classified as health
one, so the health of the population needs to be made a priority. The proposed research
belongs to the juridical-sociological methodological aspect. Regarding the type of
investigation, the legal-projective type was chosen in the classification of Witker (1985) and
Gustin (2010). The reasoning developed in the research will be predominantly dialectical.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Keywords: legal policies, Coronavirus,


Administrative law

1 Graduanda em Direito pela Escola de direito Dom Helder Câmara

20
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente estudo nasceu através da necessidade de compreensão das políticas
jurídicas tomadas pelos países ao redor do mundo, com o objetivo de combater a
pandemia causada pela COVID-19. Tamanhas análises esclarecem quais são as
prioridades governamentais de alguns países que se destacaram, tanto negativa, quanto
positivamente. Dessa forma, é possível a realização de uma maior crítica às regências que
lidam de maneira inadequada, ou de maneira correta, com a crise pandêmica. Dessa
maneira, as informações relatadas na pesquisa vigente buscam a disseminação de
conhecimentos fundamentados em dados estatísticos, artigos e ideais prestigiados,
substanciais para o entendimento da realidade contemporânea.
É indispensável apontar que por se tratar de uma crise sanitária, os meios de
saúde se tornam os responsáveis por guiar as gestões governamentais, através de
caminhos científicos, que solucionarão a problemática enfrentada. Dessa forma, devido à
realidade da pandemia atual, ou seja, uma enfermidade infecciosa que atinge várias
pessoas ao redor do mundo, simultaneamente, a agência encarregada por dar as corretas
instruções para o combate ao coronavírus é a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Dessarte, desconsiderar as orientações desta é uma irresponsabilidade com a vida social.
Certamente, existem divergências relevantes quanto a gestão governamental
entre os países. Tais administrações são diretamente ligadas ao desenvolvimento socio-
econômico de cada Estado. Dessa maneira, no decorrer da leitura do presente projeto,
ficará evidente a forma como algumas nações foram afetadas, não somente na área
sanitária, mas similarmente em esferas econômicas. Á vista disso, faz-se necessária a
análise das diferentes formas achadas para o enfrentamento das crises vistas.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica.
No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e
Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Em vista disso, o principal objetivo deste estudo, é a
discussão de atitudes governamentais relacionadas ao enfrentamento de crises
inesperadas, assim, a conclusão de quais gestões são mais eficazes será concretizada.

2. ANÁLISES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E POSSÍVEL SOLUÇÃO PARA


A PROBLEMA DO CORONAVÍRUS

21
A principal barreira encontrada pelos países do mundo atual, visando a temática
do combate à COVID-19, seria a falta de colaboração internacional e na confiança entre
governos, para a resolução da problemática.
Segundo Yuval Noah Harari
a história indica que a proteção real vem da troca de
informação científica confiável e da solidariedade global. Quando um
país é atacado por uma determinada epidemia, deve estar disposto a
compartilhar honestamente as informações sobre o surto, sem medo de
uma catástrofe econômica, ao passo que os outros países devem ser
capazes de confiar naquela informação, dispondo-se a entender uma
mão amiga em vez de deixar a vítima no ostracismo. Hoje, a China pode
ensinar uma porção de lições importante sobre o Coronavírus para o
mundo inteiro, mas isso demanda um alto nível de confiança e
cooperação internacionais (NOAH HARARI, 2020)
Conforme observado no ano de 2019, o vírus causador da COVID-19, conhecida
popularmente pelo nome Coronavírus, SARS-COV-2, infectou um mercado de frutos do
mar na província de Wuhan, na China. Após casos de pneumonia surgirem abruptamente
entre a população, a Organização Mundial da Saúde (OMS), através de análises
científicas, declarou no dia 31 de dezembro estado de alerta. Depois de três meses, a
agência sanitária mundial confirmou a epidemia do Coronavírs, o mais alto nível de alerta
da Organização, no dia 11 de março de 2020.
A OMS, é uma agência especializada nas questões da saúde mundial. Portanto,
tendo em vista que os países iriam enfrentar uma crise sanitária em breve, essa
organização estabeleceu quais seriam as medidas mais responsáveis, com base científica,
adequadas para lidar com a problemática que infectaria milhões de pessoas. Identifica-se
como previdência primordial o temido isolamento social, responsável por abalar as
estruturas administrativas dos governos.
O pioneiro na questão de contágio do Coronavírus foi a China. A cidade Wuhan,
foi isolada antes que os níveis de propagação da doença chegassem no seu nível máximo.
Outra medida tomada foi o controle do transporte em vias públicas. O número de
motoristas decresceu e aqueles que optaram por continuar a trabalhar, aumentaram o nível
de materiais de higiene pessoal para os passageiros. Quando se tratava da entrada de
cidadãos chineses no território, era realizado um cadastro com seus dados para que a
entrada e a saída de pessoas estivessem sob controle do Estado. Tais informações foram
retiradas da revista brasileira Época. No momento atual, conforme o site mundial “World
Meter”, a China possui 83.043 casos totais e 4.634 de mortes.
Através do seguimento das precauções, orientadas pela OMS, diferentemente da
realidade de outros países, o Estado Chinês conseguiu estabilizar a curva que determinava

22
o crescimento de contagiados e óbitos no país. Nota-se que o controle entre as cidades
está muito acentuado. De acordo com o site G1, um exemplo disso é a utilização de um
código da cor verde pelas pessoas que não estão infectadas, para que possam andar nas
ruas. Outro exemplo claro de contenção foi a utilização de um plástico entre o motorista
e o passageiro, para evitar possíveis contatos físicos.
Entretanto, a China não obteve somente índices positivos em suas medidas
pautadas nas orientações da OMS. Uma notícia da BBC News, publicada no dia 22 de
março, trouxe a informação, comunicada pelo Escritório Nacional de Estatística da China,
do decrescimento recorde dos níveis de produção industrial, varejo e investimentos em
ativos fixos, fatores que aceleram o colapso econômico. Houve um declínio de 13,5% da
produção industrial, no comparativo anual. Outrossim, os negócios envolvendo varejos,
caíram 20,5% em relação a 2019, sendo considerado a maior redução histórica.
Similarmente prejudicado, o setor de investimentos em ativos fixos caiu 24,5%. É
indiscutível os impactos negativos obtidos no Estado Chinês, causados pelas políticas de
combate ao Coronavírus.
Além da crise sanitária e econômica que a China enfrenta, houve o acirramento
entre as tensões políticas com os Estados Unidos da América. Uma reportagem, da BBC
News, afirma que os chineses sofreram ataques em redes sociais, praticados pelo
presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, que nomeia a COVID-19
como “vírus chinês”. De acordo com Elizabeth Economy, diretora de estudos asiáticos
do Centro dos EUA para o Conselho de Relações Internacionais "as pessoas não culpam
o governo chinês pelo fato de o Coronavírus ter aparecido na China, eles culpam o
governo por encobrir a epidemia e agora estar tentando disfarçar a responsabilidade pela
forma como lidou com ela desde o início". Tamanhos sigilos feitos pelo governo chinês
sobre a inicial conjuntura pandêmica, causou o desenvolvimento de várias teorias sobre
o surgimento da SARS-CoV-2, algo que deixa em xeque as relações entre o governo
americano e o chinês.
A França foi o primeiro país da Europa que apresentou vítimas da COVID-19.
De acordo com a página do Jornal Nacional, G1, no dia 24 de janeiro de 2020 foi relatado
o primeiro caso de Coronavírus em território francês. Entretanto, foi descoberto
recentemente a circunstância do homem, chamado Argelino, infectado pela COVID-19
no dia 27 de dezembro de 2019, ou seja, um mês antes da conjuntura que era de
conhecimento público. Através de uma declaração do presidente do país, Emmanuel
Macron, medidas mais restritivas foram expostas; como a permanência da população em

23
suas casas por 15 dias após o dia 17 de março. Caso ocorra o descumprimento dessa nova
regra os envolvidos estarão sujeitos a punições.
Faz-se necessário a citação da realidade econômica francesa. Conforme a revista
Valor Econômico, a França invocou, no dia 24 de março de 2020, auxílio através do
“patriotismo econômico”, fornecido por centros comerciais. Tamanha ajuda incluiria a
compra de produtos nacionais, como forma de apoio a produção francesa para o alívio
dos efeitos econômicos causados pelo Coronavírus. O ministro de Economia e Finanças,
Bruno Le Maire, alega que a atividade econômica atual passa por uma crise sem
precedentes desde a grande depressão no ano de 1929. Através de declarações do ministro
mencionado, o Estado apoiará algumas indústrias ligadas aos setores aeronáutico e
automotivo, áreas mais fragilizadas.
Além disso, existe uma apreensão quanto as barreiras comerciais globais.
Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), solicitou
que os 164 países integrantes compartilhassem informações sobre previdências
comerciais que serviriam de soluções para a crise pandêmica. Exemplos disso seriam
restrições de exportação e programas de auxílio econômico.
O projeto Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciou o apoio ao sistema de saúde
francês, tendo em vista que tal sistema possui fraquezas relevantes que dificultam o
combate ao Coronavírus. Em concordância com tão intensa afirmativa, Emilie Fourrey,
coordenadora da resposta médica da região, afirmou “O surto de COVID-19 evidenciou
as fraquezas do sistema de saúde francês e o seu nível de capacidade para responder a
emergências sanitárias de grande escala... É por isso que decidimos focar nossas
atividades médicas em migrantes, pessoas em situação de rua e menores
desacompanhados que tiveram seus apelos judiciais para serem reconhecido como
menores de idade interrompidos.” Dessa forma, os atuantes médicos estão realizando
maior número de testes em território francês para o auxílio na descoberta de possíveis
infectados. Atualmente, conforme o site mundial World Meter, a França possui um total
de 154.188 casos confirmados, 29.209 óbitos e 1.384.633 de testes feitos.
Um país europeu de grande destaque na realidade pandêmica foi a Itália.
Segundo o médico Danilo Cereda, o vírus SARS-CoV-2 se propagou em diversos estados
italianos desde o dia 1 de janeiro, ao contrário do que é de crença pública, tendo em vista
que a população acredita que a doença apenas chegou no país no dia 20 de janeiro.
A Itália foi um dos países que mais se sobressaiu devido ao número de mortes
obtidas. Em conformidade com o afirmado, no dia 27 de março de 2020, a BBC News

24
trouxe dados afirmando que o país teve recorde de mortes, com 969 óbitos diários. No
total, até o dia 28 do mesmo mês, mais de 10 mil pessoas faleceram devido ao contágio
da COVID-19. A região mais abalada foi o norte da Lombardia, fato que causou um
pronunciamento de Vincenzo de Luca, presidente da área da Campânia. Disse ele "Nesse
momento, existe a perspectiva real de que a tragédia da Lombardia esteja prestes a se
tornar a tragédia do sul"
No dia 9 de março, o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte estabeleceu a
restrição do deslocamento no país. Em concordância com tal previdência, as
universidades e escolas permanecerão fechadas até o dia 3 de abril. Conte diz que as
pessoas devem permanecer em suas residências e apenas sair em casos extremos. Em
conformidade com tal afirmativa ele declara “Nossos hábitos precisam mudar, precisam
mudar agora, todos nós precisamos desistir de alguma coisa pelo bem da Itália”.
Por fim, é necessário salientar as políticas públicas instauradas no Brasil.
Primeiramente, fica claro o descaso do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, com relação
a emissão de alerta sobre a conjuntura, pronunciado pela OMS. O chefe de estado foi
muito criticado em seus discursos, devido a falta de compromisso com a população, tendo
em vista que menosprezou a real situação brasileira. Em um de seus pronunciamentos ele
afirma que devido a práticas de esportes não precisaria se preocupar pois, "Nada sentiria
ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”. Bolsonaro tomou
atitudes irresponsáveis, como a demissão do ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta,
e seguidamente a demissão de Nelson Teich, outro ministro nomeado para tal cargo,
durante uma crise sanitária, pois estes não concordavam com as medidas propostas pelo
presidente. Entretanto, previdências tardias foram tomadas pelo governo federal.
O isolamento social foi formalmente adotado no dia 17 de março pelos estados
do Brasil, depois de os casos de infectados passarem de 200, de acordo com a BBC News.
Os funcionários foram obrigados a trabalhar em casa e o comércio e outras atividades
foram fechados. Atualmente, de acordo com o site WorldoMeter, o Brasil possui um total
de 747.561 casos confirmados e 38.701 de total de óbitos.
Conforme o Instituto Fiscal Independente, do Senado, afirmou no dia 13 de abril
que o congelamento da atividade econômica no Brasil terá consequências drásticas nos
próximos dez anos. Segundo a organização, após 22 semanas de paralização, o PIB
(Produto Interno Bruto) pode decrescer 7%. Apesar dos números apresentados serem
preocupantes, o cenário tende a piorar nos próximos anos. É calculado que o déficit do
governo central terá o valor de R$ 514,6 bilhões, para o setor público consolidado.

25
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das análises, fica clara a necessidade de compartilhamento de
informações, defendida pelo autor citado inicialmente, Yuval Noah Harari entre os países
que sofreram com a realidade pandêmica. Dessa forma, a distribuição de conhecimentos
entre Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos será de extrema importância para a
passagem dos processos necessários de combate ao Coronavírus.
Assim como o mundo já obteve antigas experiências com doenças contagiosas,
a COVID-19 também chegara no seu fim, porém, é necessária uma colaboração entre
territórios para que seja de conhecimento público quais são as medidas classificadas como
as mais coerentes, tendo em vista a realidade dos casos atuais. Dessa forma, também é
importante que por se tratar de uma crise sanitária, as medidas de saúde sejam priorizadas.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORONAVIRUS CASES. Portal WordoMeter. 08 de junho de 2020. Disponível em:


:https://www.worldometers.info/coronavirus/ Acesso em: 08 jun.2020
CORONAVÍRUS: o impacto da economia chinesa, e por que isso é uma grande ameaça
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https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51938759 Acesso em: 08 jun.2020
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26
27
POSTULADOS INICIAIS PARA A PROBLEMATIZAÇÃO SOBRE A
CAPACIDADE DOS ALGORITMOS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL DE
ATINGIR OS OBJETIVOS REGULATÓRIOS DA CATEGORIA DOS FATOS
JURÍDICOS
INITIAL POSTULATES FOR THE PROBLEMATIZATION OF ARTIFICIAL
INTELLIGENCE ALGORITHMS' CAPACITY TO ACHIEVE THE REGULATORY
OBJECTIVES OF THE CATEGORY OF LEGAL FACTS

Alexandre Walmott Borges 1


José Luiz de Moura Faleiros Júnior 2

Resumo
O presente resumo faz a exploração da categoria tradicional da dogmática jurídica, a teoria
do fato jurídico, mostrando a valia desta categoria para a exploração de contribuições da
Inteligência Artificial ao mundo do direito. Também para mostrar problemas dependentes de
uma IA forte para o mundo do direito. A teoria do fato jurídico é usada como postulado de
partida e, a posteriori, há várias construções de hipóteses sobre a utilização do conceito para
a construção de uma IA abrangente e forte no mundo jurídico.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Teoria do fato jurídico, Regulação

Abstract/Resumen/Résumé
The present draft explores the traditional category of legal dogmatics, the theory of legal fact,
showcasing the value of this category for the exploitation of Artificial Intelligence
contributions to the rule of law. Also to show problems dependent on strong AI for the rule
of law. The legal fact theory is used as a starting postulate and, a posteriori, there are several
hypothesis constructions about the use of the concept toward a comprehensive and strong AI
build in the legal system.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Legal fact theory, Regulation

1 Doutor em Direito. Doutor em História. Pesquisador líder do LAECC. Professor Classe D, UFU. Professor dos
seguintes programas de pós-graduação em Direito: Direito, UFU; Biocombustíveis, UFU; Direito, UNESP
(visitante). walmott@gmail.com.
2Mestre em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Especialista em Direito Processual Civil,
Direito Civil e Empresarial, Direito Digital e Compliance. Advogado. juniorfaleiros@outlook.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0192-2336.

28
1 Introdução: fatos jurídicos e algoritmos de Inteligência Artificial
O presente resumo faz a exploração da categoria tradicional da dogmática jurídica, a
teoria do fato jurídico, mostrando a valia desta categoria para a exploração de contribuições da
Inteligência Artificial ao mundo do direito. Também para mostrar problemas dependentes de
uma IA forte para o mundo do direito. A teoria do fato jurídico é usada como postulado de
partida e, a posteriori, há várias construções de hipóteses sobre a utilização do conceito para a
construção de uma IA abrangente e forte no mundo jurídico.

2 As categorias analíticas: o fato jurídico e as subclassificações construídas pela


dogmática do direito
A teoria dos fatos jurídicos é categoria, ou conceito, da dogmática analítica. O objetivo
nuclear da categoria, ou conceito, é o classificar as diversas condutas ou ações humanas, ou
mesmo fatos que tenham impacto nas relações humanas. De maneira ampla, a teoria dos fatos
jurídicos procura classificar, de acordo com padrões estabelecidos pelo conjunto de normas
jurídicas, diversos acontecimentos, realizações, ações ou condutas humanas. Portanto, todas as
situações reguladas pelo direito são situações classificadas como fatos jurídicos.
2.1 Como há a pluralidade e diversidade de situações, acontecimentos, condutas ou
ações humanas. A teoria do fato jurídico foi estabelecendo divisões classificatórias de maneira
a tratar de forma diferente as várias possibilidades dos acontecimentos, situações, condutas ou
ações. A categorização envolve uma clivagem básica entre aqueles acontecimentos nos quais
há participação humana, ou não. Assim, há os denominados fatos jurídicos propriamente ditos,
ou em sentido estrito, ou sem participação humana. Há acontecimentos naturais que não
dependem de participação humana e têm consequências reguladas pelo direito (neste caso não
se pode falar de condutas, ações ou comportamentos humanos propriamente ditos).
2.2 Na continuidade classificatória, há os atos jurídicos. Os acontecimentos, situações,
condutas, ações humanas têm repercussão regulatória no direito (diferente do acima visto, aqui
há condutas, comportamento e ações humanas). Nos atos jurídicos há a bipartição analítica em
dois momentos: 1º a conduta ou comportamento; 2º os efeitos de tal conduta ou comportamento.
Pois a partir desta bipartição os atos jurídicos recebem outras subclassificações e distinções.
Para a categorização faz-se a divisão dos atos jurídicos em sentido amplo (visto neste parágrafo)
dos atos jurídicos em sentido estrito (será visto abaixo).

29
2.3 Há os atos jurídicos propriamente ditos, ou atos em sentido estrito. Nesse
quadrante, como sói acontecer nos atos jurídicos, há a conduta ou comportamento (o 1º
momento da bipartição vista no parágrafo acima). Os efeitos regulatórios de tal conduta, ou
comportamento, não serão aqueles tencionados pelo sujeito da conduta, ou mesmo
independente do que intencionou, serão os efeitos da conduta ou comportamento aqueles
atribuídos pelo próprio sistema de normas.
2.4 O problema da vontade nos atos jurídicos em sentido estrito comporta outra
dicotomia: a avaliação que se faça da vontade: nos atos jurídicos propriamente ditos há a
exteriorização volitiva, e a avaliação da qualidade desta manifestação é fundamental para os
efeitos regulatórios e, depois os efeitos regulatórios propriamente ditos serão apreciados em
função dessa manifestação volitiva: há de ser vontade consciente. Por isso há a outra categoria
de atos-fatos, distintos dos atos em sentido estrito. Nos atos-fatos o 1° momento, o de
manifestação da vontade, não é o momento de manifestação de vontade consciente. Então há
participação humana, mas o elemento volitivo é neutro. Os efeitos, tal qual no ato jurídico em
sentido estrito, serão, nos atos-fatos, os efeitos regulatórios definidos pelo sistema de normas.
2.5 Há dentro dos atos jurídicos em sentido amplo os negócios jurídicos. À diferença
dos atos jurídicos em sentido estrito, nos quais os elementos da bipartição (1º e 2° momentos)
têm tratamento distinto com relação à vontade do agente, nos negócios jurídicos a vontade tem
efeitos definidores da regulação nos dois momentos. Nos atos jurídicos em sentido estrito a
conduta do agente é determinante da conformação nesta categoria, manifestação volitiva do 1º
momento, mas não nos efeitos regulatórios. Já nos negócios jurídicos o 1° momento,
manifestação da vontade, e o 2º momento, efeitos regulatórios dependem da manifestação
volitiva.
2.6 Toda a categoria dos atos jurídicos depende, à partida, de outra avaliação que
conduz à dicotomia: é ato ilícito ou é ato lícito? Nos ilícitos há a participação humana com os
efeitos regulatórios do direito definidos pelas normas, e não por esta participação humana
inicial. O ponto de partida dos ilícitos é a contrariedade à norma jurídica. Aqui há espaço para
várias subclassificações como, por exemplo, entre o antijurídico e o ilícito propriamente dito.

3 O problema de partida para a IA nos fatos jurídicos: definição dos elementos de


entrada para o processamento de informações e a saída
Tome-se como elemento de partida que o direito é um sistema encarregado de
encaminhamento de soluções para conflitos sociais. Tais conflitos podem ser potenciais ou

30
efetivos. Em suma, relações sociais alimentam e são essencialmente caracterizadas por alguns
conflitos.
3.1 No caso de conflitos potenciais tem-se a imaginar que os conflitos a receber o
tratamento jurídico são aqueles possíveis, latentes ou iminentes. Assim, a forma de
processamento do direito, nesses casos, é o de definição normativa e institucional de processos
e padrões de comportamentos, condutas, ou de efeitos de acontecimentos, antes da instalação
de disputa. O objetivo do direito é o de oferecer padrões prévios, de regulação. O direito como
estímulo e direção.
3.2 Imaginando-se dessa maneira, dispositivos ou máquinas de IA, de qualquer
natureza, devem ter a capacidade de processar as situações do mundo social como se
inteligência humana fossem. Deve a IA ter a capacidade de subsumir as situações ao regramento
de acordo, o regramento esperado para a situação padrão e lhe enformar num certo padrão
normativo (pode-se dizer decisório de opções regulatórias).
3.3 No caso de conflitos efetivos, não há o quadrante de opções regulatórias, antes do
conflito instalado, pois já se supõe que este não foi satisfatório. Há aqui o conflito já instalado.
Supõe-se, nesses casos, que o direito atua repressivamente. O direito atua como disciplina e
coerção.
3.4 Deve, nesse caso, a IA ter a capacidade de subsumir as situações ao regramento
solucionador de conflitos. Deve enformar o conflito no regramento punitivo-sancionatório
esperado para a situação padrão e lhe enformar num certo padrão normativo (pode-se dizer
decisório coercitivo e sancionatório).

4 Desafios da IA na execução das funções de regulação do fato jurídico


Numa síntese da problematização do presente estudo, as possibilidades e o alcance das
máquinas e os dispositivos de IA é do potencial e executoriedade parar realizar as tarefas típicas
do raciocínio jurídico, tomando por base o agrupamento e a classificação dos fatos jurídicos.
4.1 Tomando-se a categoria fato jurídico a problematização proposta envolve os
seguintes aspectos: a capacidade realizadora da IA de raciocínios jurídicos a partir da categoria
fato jurídico, nas variantes lógicas do direito; em continuidade, supõe problematizar a
capacidade realizadora da IA de utilizar os dados disponíveis para chegar às soluções jurídicas;
num terceiro ponto, a problematização sobre a capacidade de uso eficaz do direito a partir da

31
IA cumprindo a esta desenvolver fórmulas aprimoradas de aplicação do direito;1o quarto item,
a capacidade da IA de leitura juridicamente adequada de quais os padrões de acontecimentos,
condutas e comportamentos podem ser enquadrados nesta, ou naquela categoria; quinto
apontamento, realizar a correta inferência uma vez informada dos dados necessários e realizar
a aplicação dos fatos jurídicos.
4.2 Há que se considerar que a categoria fato jurídico é elemento de utilidade para a
definição de como se dá – ou dará – a interação dos sistemas de IA com o ambiente. Como é
categoria classificatória que encerra várias tomadas que podem ser entradas de informações, as
classificações, subclassificações dos fatos jurídicos permitem o estabelecimento de melhor
relacionamento da IA com os humanos: captando as disputas potenciais ou efetivas (o problema
típico do direito); de como se dará o relacionamento entre os humanos (é uma forma
catalogadora das relações jurídicas); favorece o sistema de comunicação no campo específico
do direito (já que estabelece uma taxonomia aceita e assertiva); permite o estabelecimento de
relações de causa e efeito (compreensão de acontecimentos, ou condutas, e efeitos jurídicos).

5 Considerações finais: problemas a serem enfrentados em sistemas de IA e a valia da


categoria fato jurídico
Tomando-se a consideração postular de que os algoritmos de IA teriam a hipotética
tarefa de solução de conflitos, potenciais ou instalados, podem ser elencados os seguintes
problemas na aplicação da IA à categoria matriz dos fatos jurídicos:
5.1 Como imaginar que a entrada de informações nos sistemas de IA seja constituída
por noções abstratas, ou que dependam de avaliações qualitativas e com gradiente de
otimizações? O que se tem são sistema de IA que supõem a avaliação de conduta ou ação de
acordo com a conduta padrão, delimitada, enformada por algumas informações, não se podendo
fazer a análise casuística de acordo com a submissão, ou não, ao sistema do direito.
5.1.1 Imagina-se um sistema de IA que possa fazer a escolha de qual será a premissa
de partida, sem que já esteja enformada esta premissa de partida? O problema que a IA tem a
enfrentar é o da própria consideração de fatos ao universo de fatos jurídicos. No mundo de
acontecimentos, condutas, comportamentos e ações, quais seriam as possíveis de
enquadramento como fatos jurídicos? Quais seriam irrelevantes para o mundo jurídico?

1
O que envolve um duplo problema: aplicação ótima das normas e aplicação efetiva das normas aos fatos jurídicos.

32
5.1.2 Além da variação de entrada acima mencionada, fato jurídico ou não, há a
variação de entrada das informações, entre as diversas condutas, ações e acontecimentos.
Novamente a limitação decorre da dependência da escolha de partida, qual seja, qual será o
elemento de partida para o encapsulamento naquelas variedades do fato jurídico: é ato-fato? É
ato? É negócio?
5.2 O que as indicações acima sugerem ainda é a forte dependência do fator humano
para a escolha do ponto de partida. Para além desse ponto inicial, e tirante os acontecimentos
sem participação humana que parecem ser mais facilmente enquadrados numa programação
padrão de soluções jurídicas pela IA, podem ser visualizadas outras considerações capitais
sobre a participação da IA nas soluções jurídicas:
5.2.1 Os sistemas de IA conseguem captar a natureza volitiva da conduta humana
(capacidade sensorial)? Isso é fundamental para, por exemplo, construir raciocínios e soluções
sobre lícito x ilícito; sobre vontade consciente ou não (ato-fato ou fato em sentido estrito), e daí
derivarem as soluções casuísticas.
5.2.2 Os sistemas de IA tem o desafio de captar a natureza do sujeito envolvido? Há
aqui o problema de capacidade, ou não, do sujeito envolvido. Há alguma margem razoável de
enquadramento e padronização a partir de dados do sujeito (nascimento, histórico sanitário,
entre tantos), mas, sem os dados pré-determinados, é possível sensorialmente aferir a vontade
consciente?
5.2.3 A partir disso, há outro desafio de sistemas de IA: há a possibilidade de
enquadramento dos acontecimentos, das informações recebidas do meio que contemplem a
participação do próprio sistema como emissor de vontade? De maneira geral os sistemas que
envolvem manifestação volitiva dos sistemas de IA têm trabalhado com os padrões do ato
jurídico em sentido estrito, por exemplo para alguns atos administrativos.2 Na seara dos
negócios jurídicos isso mostra-se mais abrangente já que importaria que o sistema tivesse
aprendizagem e informações suficientes para dinâmicas patrimoniais e consequenciais
variadas. 3
5.3 Os elementos descritivos e analíticos do conceito de fato jurídico podem ser
suportes de entrada para as informações de sistemas de IA no direito. Como visto em 0, a
categoria é atrativa na solução de problemas de IA no mundo do direito. Oferece roteiros

2
Exemplos como a sinalização de trânsito e emissão de sanções administrativas decorrentes disso; formulários
administrativos e tributários.
3
Nos negócios jurídicos ainda há a padronização limitada servindo os sistemas como homologadores de transações
padronizadas, ou de adesão, sem interação profunda.

33
padronizados de informações para a formulação e criação de sistemas de IA de enquadramento
normativo e solução conflitual.

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35
PRÓXIMA CORRIDA: OS DESAFIOS DA UBERIZAÇÃO E AS SUAS
IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E SOCIAIS
PROXIMA VIAJE: LOS DESAFÍOS DE LA UBERIZACIÓN Y SUS
IMPLICACIONES LEGALES Y SOCIALES

Vitoria Petrone de Souza

Resumo
Este projeto de pesquisa pretende analisar as novas formas de negócios estabelecidas pelo
avanço tecnológico, pautadas na flexibilidade e demanda, como a uberização. A esfera
jurídica apresenta um despreparo para lidar com essas novas relações, pois se observa uma
ausência de uniformidade nas decisões dos tribunais, quanto ao reconhecimento do vínculo
empregatício entre a empresa Uber e os motoristas. A pesquisa proposta pertence à vertente
metodológica jurídico-sociológica. Quanto à investigação, pertence à classificação de Witker
(1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. Predominará o raciocínio dialético.

Palavras-chave: Uberização, Motorista, Vínculo empregatício, Decisão dos tribunais

Abstract/Resumen/Résumé
Este proyecto de investigación busca analizar las nuevas formas de negocio estabelecidas por
los avances tecnológicos, basados em la flexibilidad y la demanda, como la uberización. La
esfera legal no está preparada para hacer frente a estas nuevas relaciones laborales, ya que se
observa la ausencia de uniformidad en las decisiones de los tribunales, en relación al
reconocimiento o no del vínculo laboral entre a empresa Uber y los conductores. La pesquisa
tiene aspectos metodológicos jurídicos y sociológicos. Con respecto a la investigación,
pertenece a la clasificación Witker (1985) y Gustin (2010), és legal e interpretativa.
Predomina el razonamiento dialéctico.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Uberización, Conductores, Vínculo laboral, Decision


de la corte

36
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa objetiva pretende analisar a vulnerabilidade que os motoristas do


aplicativo “Uber”, fundado em 2009, estão submetidos devido à precarização da relação de
trabalho e a ausência de uniformidade quanto ao entendimento sobre a natureza jurídica dessa
relação nos tribunais Brasileiros.
O alto índice de desemprego favoreceu a adesão das pessoas às novas relações de
trabalhos, pautadas na informalidade, uma vez que, em um cenário negativo para os empregos
formais, os indivíduos buscam alternativas para garantir uma fonte de renda e de
sobrevivência. Por exemplo, segundo o Portal de Notícia G1, no Brasil, em 2019, a taxa de
desemprego recuou para 11,8% e foi acompanhada pelo avanço do trabalho informal, que
atingiu nível recorde de 41,3% no trimestre encerrado em Julho (SILVEIRA e
ALVARENGA, 2019). Apesar de haver vantagens no trabalho informal, como uma fonte de
renda em período de crise e a flexibilidade de jornada de trabalho, os motoristas sofrem com o
baixo respaldo jurídico, por se tratar de um tema recente.
Sabe-se que há uma discordância nas decisões dos tribunais Brasileiros, quanto a
definição dos motoristas desse aplicativo como trabalhador autônomo – que é aquele que
exerce a sua atividade laboral de forma eventual e não habitual, por conta própria, sem se
submeter à ordens de um empregador, assumindo os possíveis riscos dessa atividade e sem
vínculo algum – ou como empregado, aquele que presta serviço de natureza não eventual,
remunerada e subordinada ao empregador.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Pretende-se então, analisar as decisões dos tribunais Brasileiros
quanto à definição da natureza jurídica da relação existente entre os motoristas e a plataforma
Uber e os pontos negativos e positivos de cada um desses entendimentos, para que se
estabeleça qual é a verdadeira situação desses prestadores de serviço, no âmbito jurídico e
social.

37
2. A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO

A Uber é uma empresa Estadunidense, fundada em 2009, como consequência de


uma situação vivenciada por dois amigos, que estavam em busca de um táxi em um horário
de alta demanda. Assim, eles pensaram em um aplicativo que consiste no compartilhamento
de transporte, por meio de plataforma digitais presentes em aparelhos móveis (UBER, 2019).
A empresa se tornou uma potência mundial devido a ascensão da Indústria 4.0 no espaço
ciber-físico, possibilitando rapidez e contato direto entre cliente e ofertante (RIFKIN, 2016).
O Uber nasceu de um momento decisivo na tecnologia. A ascensão dos
smartphones, o advento das lojas de aplicativos e o desejo de trabalhar sob
demanda sobrecarregaram o crescimento da Uber e criaram um padrão
inteiramente novo de conveniência para o consumidor. O que começou como
“Toque em um botão pegue uma carona”, se tornou algo muito mais profundo,
compartilhamento de carona; entrega de refeições e frete; bicicletas e scooters
elétricas; carros autônomos e aviação urbana. (UBER, 2019)

Ou seja, o desenvolvimento intenso das tecnologias móveis, a disseminação da Internet


(INTERNET WORLD STATS, 2020) e o desemprego provocado pela crise econômica
mundial de 2008, foram importantes para o êxito e a difusão desses novos modelos de
negócios, que utilizam os aplicativos digitais como aliados.
Essas novas formas de negócios são pertencentes à chamada economia colaborativa,
que é um modelo econômico que compreende o acesso aos bens e serviços através do
compartilhamento, sendo extremamente vantajoso para os usuários e pouco burocrático.
Entretanto, emerge um questionamento acerca da legalidade dessas relações, uma vez que o
aplicativo, mediador da operação, não oferece um vínculo empregatício que permita ao
motorista receber direitos trabalhistas. Assim, define-se o fenômeno da Uberização:
é um conceito usado para designar esse tipo de economia, no qual você tem
pares oferecendo um serviço ou um produto, uma relação de troca, mas, no
meio, você tem um intermediário extraindo valor dessas partes e não
estabelecendo uma relação de trabalho formal com eles. (ZANATTA, 2017)

Ou seja, essa relação de trabalho é pautada na flexibilidade, informalidade e demanda,


pressupondo uma dinâmica que não mantém os direitos e a proteção conquistados pelos
trabalhadores expressos nas legislações trabalhistas.
O pesquisador Steven Hill, especialista em crescimento econômico na New America
Foundation e responsável pela popularização do termo Uber Economia, afirma que o grande
risco dessa nova relação de trabalho é a precarização do trabalho, uma vez que, esses
prestadores de serviços não têm nenhum tipo de proteção, como plano de saúde e seguro
social. Além disso, as consequências dessa precarização em países emergentes, como o Brasil
e a Índia, são mais acentuadas, já que estes possuem uma desigualdade social elevada,
forçando as pessoas a aceitarem salários baixos e a trabalhar uma quantidade de horas acima
38
da média. Isso criaria uma tendência salarial negativa, destruindo as forças de trabalho a
longo prazo. (BORGES, Pedro; ROSSETTO, Ricardo)
O pesquisador afirma, também, que outro fator agravante é que por essas plataformas
proporcionarem a chance de ganhar algum dinheiro de imediato, atraem recém-
desempregados. Entretanto, a problemática existe, uma vez que muitos possuem competência
e experiência para conseguir empregos melhores, mas preferem ir para a Uber, ao invés de
esperar oportunidades e portas se abrirem, assim podendo não ter sucesso nas plataformas
digitais. (BORGES, Pedro; ROSSETTO, Ricardo)
Por fim, a propaganda e a mensagem vendida, pelas plataformas de libertação do
trabalhador, apresenta apenas uma falsa sensação de ser patrão de si mesmo. A realidade dura
é que com a Uberização do trabalho ocorre uma verdadeira ampliação da jornada de trabalho
sem a cobertura legal trabalhista, submetendo muitos ao subemprego, precarizando o trabalho
e ganhando cada vez menos. (BORGES, Pedro; ROSSETTO, Ricardo)

3. REGULAMENTAÇÃO DE MOTORISTAS DE APLICATIVO

O Direito do Trabalho estabelece que o vínculo empregatício ocorre com o


preenchimento do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que “considera-se
empregador a empresa, individual, ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço” (BRASIL, 1943). Além
disso, faz-se necessário, também, o preenchimento do artigo 3º da CLT, que mostra os
elementos necessários para a configuração do empregado, “tais elementos são, portanto:
trabalho não eventual, prestando intuite personae, por pessoa física, em situação de
subordinação, com onerosidade.” (DELGADO, 2016, p.300).
Constata-se que há discordância nos Tribunais Brasileiros quanto a definição do
motorista do aplicativo Uber como trabalhador com vínculo empregatício ou como
trabalhador autônomo, que é

O que exerce habitualmente, e por conta própria, atividade profissional


remunerada; o que presta serviços a diversas empresas, agrupado ou não em
sindicato, inclusive os estivadores, conferentes e assemelhados; o que presta,
sem relação de emprego, serviço de caráter eventual a uma ou mais empresa; o
que presta serviço remunerado mediante recibo, em caráter eventual, seja qual
for a duração da tarefa. (BRASIL, 1960)

Visto que, alguns juízes afirmam que não há o preenchimento efetivo de todos os requisitos
necessários, como anteriormente citado acima, contidos no art. 3º da CLT.
De acordo com o endereço eletrônico de notícias, Conjur, o Superior Tribunal de Justiça
39
afirma não haver relação hierárquica na relação jurídica estabelecida entre o aplicativo e os
motoristas e que os serviços prestados eventualmente, sem um salário fixo ou horários
preestabelecidos. Ademais, segundo o site de notícias G1, a 5ª Turma do Tribunal Superior do
Trabalho possui o entendimento de que os aplicativos de transporte de passageiros presta um
serviço de intermediação, ou seja, o aplicativo é responsável apenas por aproximar os
motoristas parceiros dos clientes. Portanto, não há o reconhecimento de relação trabalhista
(D’AGOSTINO, 2020).
Por outro lado, conforme o Conjur, existem aqueles, como o Juiz Bruno da Costa
Rodrigues, da 2ª Vara do Trabalho de Campinas, do Tribunal Regional do Trabalho, da 15ª
Região, que acreditam se tratar de uma relação de trabalho, pois a plataforma fixa um preço
pelo serviço prestado pelo trabalhador, não permitindo negociação entre o motorista e o
cliente, também controla a jornada de trabalho por algoritmos e impõe avaliações aos
motoristas, que estão submetidos a exclusão e punições por supostas falhas, como o
cancelamento de corridas, acelerações ou freadas bruscas detectadas pelo monitoramento por
satélite. (SANTOS, 2019)
O juiz Átila da Rold Roesler, da 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, também, compartilha
dessa opinião, determinando que a empresa assine a carteira do trabalhador. Ele afirma que
a relação de trabalho evoluiu nas últimas décadas, se fazendo necessário uma
releitura dos requisitos para configuração de vínculo de emprego para que não
haja a exploração desenfreada da mão de obra sem qualquer proteção legal
(SANTOS, 20)

Portanto, a forma de analisar essas novas formas de trabalho humano devem ser reconstruidas
a partir de princípios próprios do direito laboral.
Por fim, é válido ressaltar algumas decisões internacionais – de países de Common Law
e Civil Law – sobre esse tema. Por exemplo, o Tribunal Superior da França reconheceu o
direito de um motorista do Uber de ser considerado como funcionário da empresa, já que esse
não possui sua própria clientela, tampouco define os seus próprios preços, sendo um
subordinado da empresa (REUTERS, 2020). Além disso, a Justiça do Reino Unido, também,
decidiu que os motoristas são empregados da empresa, que deve arcar, por exemplo, com
pagamento mínimo e folga remunerada. (JUSTIÇA..., 2016)

40
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante o exposto, conclui-se que, é necessário uniformizar as decisões a respeito


das novas relações de trabalho, que envolvem o uso da tecnologia e representam uma maior
tendência do mundo moderno, como a Uber e outras empresas.
É evidente que a jurisprudência trará uma maior segurança jurídica, transmitindo
confiança aos motoristas da plataforma em relação aos seus Direitos e um maior
conhecimento sobre a interpretação das normas. Consequentemente, provavelmente haverá a
diminuição da provocação do Poder Judiciário, uma vez que já se conheceram a possibilidade
de obtenção da tutela jurisdicional pretendida.
Por fim, a ausência dessa uniformidade nas decisões judiciais, aumenta a
vulnerabilidade dos indivíduos em situação de informalidade. É certo que, nessa condição, há
consequências graves para o prestador de serviço (motorista), como a exploração constante e
a precarização do trabalho, na qual a identidade individual se torna irrelevante, frente a um
sistema poderoso e explorador. Portanto, é evidente que, tais consequências continuarão
afetando os trabalhadores, enquanto não houver uma uniformização do entendimento dos
tribunais quanto a existência ou não de um vínculo de emprego e um amparo jurídico que
acompanhe essas novas relações, pautadas no uso da tecnologia

5. REFERÊNCIAS

BORGES, Pedro; ROSSETTO, Ricardo. TENDÊNCIA AMEAÇA força de trabalho, diz


pesquisador da Uber Economia. Estadão. Disponível em: https://infograficos.estadao.com.br/
focas-ubereconomia/nova-economia-2.php. Acesso em: 6 de jun. 2020
D’ AGOSTINO, Rosanne. TST REJEITA vínculo de emprego de motorista com a Uber. G1,
2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/05/tst-rejeita-vinculo-
de-emprego-de-motorista-com-a-uber.ghtml . Acesso em: 6 de jun. 2020
DELGADO, Godinho Maurício. Curso de Direito do Trabalho. 15Ed. São Paulo: Ltr. 2016
Internet World Stats Usage and Population Statistics. Internet World Stats. Disponível em:
https://www.internetworldstats.com/stats.htm . Acesso em: 6 de jun. 2020
JEREMY, Rifkin. The 2016 World Economic Forum Misfires With Its Fourth Industrial
Revolution Theme. HUFFPOST. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/the-2016-
world-economic-f_b_8975326 . Acesso em: 6 de jun. 2020
JUSTIÇA DO Reino Unido decide que motoristas são empregados do Uber. G1, 2016.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/10/justica-do-reino-unido-decide-
que-motoristas-sao-empregados-do-uber.html. Acesso em: 6 de jun. 2020
KHOSROWSHAHI, Dara. UMA CARTA de Dara Khosrowshahi, CEO. UBER, 2020.
Disponível em: https://investor.uber.com/a-letter-from-our-ceo/?
_ga=2.59861613.1585487557.1591660338-1954295750.1589815198 . Acesso em: 6 de jun,
2020 41
MILENA, Lilian. OS APLICATIVOS e o aumento da precarização do trabalho. JORNAL
GGN. Disponível em: https://jornalggn.com.br/trabalho/por-que-aplicativos-podem-
aumentar-a-precarizacao-no-trabalho/ . Acesso em: 6 de jun. 2020
NASCIMENTO, A.M. Curso de Direito do Trabalho. 29ed. São Paulo: Saraiva, 2014
PLANALTO, L3807. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/
L3807.htm#art4 . Acesso em: 6 de jun de 2020.
REUTERS. JUSTIÇA DA França reconhece vínculo trabalhista de motorista com uber. G1,
2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/03/09/franca-
reconhece-status-de-funcionario-a-motorista-do-uber.ghtml . Acesso em: 6 de jun. 2020
SANTOS, Rafa. JUIZ DO TRT-15 reconhece vínculo entre Uber e motorista e condena
empresa. CONJUR, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-21/juiz-
reconhece-vinculo-entre-uber-motorista-condena-empresa . Acesso em: 6 de jun. 2020
SANTOS, Rafa. JUIZ NO RS reconhece vínculo e determina que Uber assine carteira de
trabalho. CONJUR, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-05/juiz-
reconhece-vinculo-determina-uber-assine-carteira#:~:text=Juiz%20no%20RS%20reconhece
%20v%C3%Adnculo%20e%20determina%20que%20Uber%20assine%20carteira%20de
%20trabalho&text=O%20juiz%20%C3%81tila%20da%20Rold,assine%20a%20carteira
%20do%20trabalhador . Acesso em: 6 de jun. 2020
SILVERA, Daniel; ALVARENGA, Darlan. TRABALHO INFORMAL avança para 41,3% da
população ocupada e atinge nível recorde, diz IBGE. G1, 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/30/trabalho-informal-avanca-para-
413percent-da-populacao-ocupada-e-atinge-nivel-recorde-diz-ibge.ghtml. Acesso em: 6 de
jun. 2020

42
REALIDADE AUMENTADA COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO
DIREITO DO CONSUMIDOR À INFORMAÇÃO
AUGMENTED REALITY AS AN INSTRUMENT FOR IMPLEMENTING THE
CONSUMER'S RIGHT TO INFORMATION

Fabrício Germano Alves 1


Pedro Henrique da Mata Rodrigues Sousa 2

Resumo
A realidade aumentada pode constituir um importante instrumento para o cumprimento da
obrigação do fornecedor relativa ao direito à informação do consumidor. Essa inovação
tecnológica pode facilitar a transmissão de informações sobre preços, tributos incidentes ou
até mesmo os processos de fabricação dos produtos. Demonstrar-se-á como o
desenvolvimento dessa prática, por parte dos fornecedores, pode contribuir para a garantia
desse direito. Conclui-se que a realidade aumentada deveria ser fomentada no mercado
mediante inserção da tecnologia com o fito de informar o consumidor de maneira eficaz, nos
termos do artigo 6°, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

Palavras-chave: Realidade aumentada, Tecnologia, Consumidor, Direito à informação

Abstract/Resumen/Résumé
Augmented reality can be an important tool for fulfilling the supplier's obligation regarding
the consumer's right to information. This technological innovation can facilitate the
transmission of information about prices, taxes levied or even the manufacturing processes of
the products. It will be demonstrated how the development of this practice by the suppliers
can contribute to the guarantee of this right. It is concluded that augmented reality should be
promoted in the market through the insertion of technology with the aim of effectively
informing the consumer, under the terms of article 6, item III, of the Consumer Protection
Code.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Augmented reality, Technology, Consumer, Right to


information

1 Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte


2 Discente do Curso de Graduação em Direito do CCSA da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

43
1 INTRODUÇÃO

A tecnologia tem se apresentado como um fator basilar de progresso e de


desenvolvimento. No paradigma econômico vigente no século XXI, é considerada como um
bem de cunho social, indispensável para a evolução científica e para a facilitação das relações
entre indivíduos e entre sociedades.
A partir dessa evolução tecnológica, o mecanismo da realidade aumentada (augmented
reality) tem sido implementado em alguns âmbitos sociais – v.g. cartográfico, do
entretenimento e das redes de comunicação em massa. No aspecto consumerista, no entanto,
não houve, ainda, um amplo investimento que pudesse popularizar o usa da ferramenta que
funde o ambiente real com elementos virtuais, o qual poderia facilitar o cumprimento de direitos
nas relações de consumo.
A realidade aumentada, ao possibilitar que características de cunho analógico sejam
exibidas de maneira virtual representadas por mecanismos 3D (três dimensões) interativos,
pode disponibilizar ao consumidor uma vasta gama de elementos de caráter informacional.
O preço (com os tributos incidentes), a composição e o processo de fabricação dos
produtos tornaram-se informações essenciais aos consumidores, haja vista que fundamentam o
processo decisório. A referida tecnologia permite a disponibilização, de maneira interativa,
dessas informações por meio de aplicativos desenvolvidos para esses fins. Essa técnica torna-
se importante devido à necessidade de informar o consumidor instituída pelo artigo 6°, inciso
III, do Código de Defesa do Consumo, cuja disposição é relativa à obrigação de o fornecedor
informar adequada e claramente as principais particularidades do produto/serviço, desde o seu
preço de venda, até os riscos que apresentam.
Assim, por fundamentar com eficácia o processo decisório, a disponibilização da
informação é algo basilar. Mas o empecimento da questão é analisar quais seriam os efeitos
positivos da popularização dessa tecnologia no mercado de consumo e, notadamente, para o
próprio consumidor na busca por informações que fundamentem seu processo de decisão final.

2 OBJETIVOS

Identificar como a tecnologia da realidade aumentada pode contribuir para a


concretização da obrigação do fornecedor no que se refere ao direito à informação do
consumidor. Além disso, ponderar acerca da necessidade de investimento nessa tecnologia por

44
parte dos fornecedores que atuam diretamente no mercado de consumo com o fito de auxiliar
no processo decisório do consumidor.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para essa identificação, utiliza-se de pesquisa de natureza objetiva descritiva, haja vista
que as características da problemática relativa à necessidade de investimento na tecnologia da
realidade aumentada são descritas juntamente com suas possibilidades de efetivação. Adequa-
se às técnicas de coleta padrão de pesquisas doutrinárias e de leituras documentais, por meio da
pesquisa informativa por seleção e da interpretativa. Por fim, apresenta abordagem hipotético-
dedutiva no sentido de confirmar a verdadeira contribuição da popularização da realidade
aumentada com o fito de concretizar o direito à informação.

4 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Antes de tratar da consagração do direito à informação pelo Código de Defesa do


Consumidor, é necessário que o caráter constitucional da defesa do consumidor seja
mencionado, haja vista que vem a basear a relação de consumo. Assim, o espectro consumerista
adquiriu a devida importância a partir da promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, em cuja elevação a caráter constitucional da “defesa do consumidor” foi
efetivada como direito fundamental e como princípio regente da ordem econômica nos seus
artigos 5°, inciso XXXII e artigo 170, inciso V (BRASIL, 1988), respectivamente.
A configuração da relação jurídica de consumo é estabelecida à medida que ocorre a
identificação dos seus elementos constitutivos: subjetivos, objetivos e causal (MIRAGEM,
2019). Os elementos subjetivos são relativos ao consumidor e ao fornecedor, já os objetivos
referem-se ao produto e ao serviço (GARCIA, 2020). O elemento causal diz respeito destinação
final do bem, cujo norte dá-se por meio de três teorias: a maximalista (NETTO, 2020), a finalista
(PAIVA, 2015) e a finalista atenuada (BRASIL, 2005).
A partir do momento que um direito do consumidor é estabelecido e respaldado pelo
Código de Defesa do Consumidor como o direito à informação, cria-se uma obrigação para o
fornecedor no sentido de promover a satisfação desse direito. O artigo 6°, inciso III, do referido
Código, alterado pela Lei n° 12.741, de 08 de dezembro de 2012, detém uma grande
representatividade fática, haja vista que institui ao fornecedor a obrigação de informar, de
maneira clara e adequada, as especificações corretas acerca da quantidade, composição, tributos

45
incidentes, características, qualidade, preços e os riscos apresentados acerca dos
produtos/serviços (BRASIL, 2012).
A tecnologia da realidade aumentada combina o ambiente real com elementos virtuais,
possibilitando que informações de cunho analógico sejam exibidas de maneira virtual
representadas por mecanismos 3D (três dimensões) interativos (SOUZA et al., 2016). Assim,
no âmbito consumerista, essa tecnologia funcionaria como uma ferramenta facilitadora para o
fornecedor veicular todas as informações necessárias ao consumidor de maneira mais célere,
completa e prática – v.g. preço/tributos, composição, processo de fabricação, entre outras
características pertinentes –, tornando o cumprimento da obrigação mais eficiente.
Em primeiro lugar, definir o preço de venda e informá-lo com exatidão ao consumidor
é uma tarefa necessária à sociedade empresarial (WERNKE, 2018). O aumento da
competividade influenciou os fornecedores a buscar alternativas distintas para sobressaírem
perante os demais (FERREIRA, 2016), mas baixar o preço de determinado produto nem sempre
é a melhor alternativa, por isso a tecnologia da realidade aumentada pode auxiliar o fornecedor
a se destacar no mercado de consumo. O aplicativo da loja/marca pode ser desenvolvido e
disponibilizado em qualquer smartphone ou tablet e, o consumidor poderá ver os preços dos
produtos desejados de uma maneira mais interativa e interessante, a depender das
potencialidades do software desenvolvido e da criatividade de seus criadores.
Em segundo, os consumidores estão, paulatinamente, mais preocupados com a
composição dos seus produtos consumidos, sejam eles duráveis ou não duráveis (GIUNTINI;
LAJOLO; MENEZES, 2006). Devido às falhas de informação sobre os componentes de
determinados bens por parte dos fornecedores, o consumidor pode ter ficado com receio de
adquirir produtos que não informam, com exatidão, algumas de características consideradas
essenciais. Entretanto, por meio da tecnologia da realidade aumentada, o fornecedor pode
conquistar credibilidade ao transmitir de maneira adequada e clara informações sobre a
composição dos produtos disponibilizados nas suas lojas físicas.
Por último, as sociedades empresariais do século XXI tem adotado causas específicas
para alavancar seus produtos, como a preservação ambiental. Por isso, o conhecimento acerca
de fatores ligados ao processo de fabricação por parte do consumidor desempenha um papel
determinante seu processo decisório. Assim, a tecnologia da realidade aumentada pode
disponibilizar ao consumidor as etapas do processo de fabricação (v.g. por meio de imagens),
desde o recolhimento da matéria prima até a distribuição para os revendedores.
Nesse aspecto, é de primordial importância que, paulatinamente, todos fornecedores
utilizem essa tecnologia inovadora, haja vista que concretizaria, de maneira eficaz, o direito à

46
informação do consumidor, auxiliando no seu processo de decisão acerca do produto ou serviço
de determinada marca.

5 CONCLUSÕES

A tecnologia da realidade aumentada pode se tornar uma ferramenta facilitadora no


que se refere ao cumprimento, por parte do fornecedor, do direito à informação previsto no
artigo 6°, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, se for desenvolvida de maneira
correta e eficaz.
Esse mecanismo simula a fusão da realidade com o meio virtual, proporcionando uma
experiência interativa ao usuário, aqui considerado como consumidor. A tecnologia pode
funcionar como um instrumento que auxilia na observação dos preços, das características e dos
processos de fabricação dos produtos ofertados por determinada sociedade empresarial. O
consumidor, por sua vez, teria a informação ao seu alcance com muito mais rapidez e
praticidade.
Ao levar em consideração, inclusive, que a informação constitui elemento
determinante no processo decisório do consumidor, a realidade aumentada pode funcionar
como uma nova estratégia de oferta de bens e serviços no mercado de consumo, sendo um
diferencial no que se refere aos concorrentes. Entretanto, o mecanismo inovador torna-se tão
importante que sua implementação é recomendada a todos os fornecedores para que possam
consolidar a prática de disponibilizar as informações de maneira clara e adequada.
Assim, conclui-se que a informação acerca dos preços, das características e do
processo de fabricação dos produtos deve ser, de todo modo, transpassada ao consumidor de
maneira eficaz. A realidade aumentada, então, auxiliará a disponibilização dessas informações,
ao considerar que a figura do consumidor deve ter à sua disposição todos os informes
necessários para atuar com plena convicção e discernimento no que tange ao seu processo
decisório.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Senado Federal, 05 out. 1998.

47
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. 1990.
Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 9 jun. 2020.

BRASIL. Lei n° 12.741, de 8 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as medidas de


esclarecimento ao consumidor, de que trata o § 5º do artigo 150 da Constituição Federal;
altera o inciso III do art. 6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990 - Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/
legislacao/?id=247932. Acesso em: 11 jun. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº 493.181/SP. Rel. Min. Denise Arruda. DJ
15/12/2005. DP 01/02/2006. Acesso em: 1 abr. 2020.

FERREIRA, Ricardo Jose. Contabilidade de custos. 10. ed. Rio de Janeiro: Ferreira 2016.

GARCIA, Leonardo Medeiros de. Direito do consumidor: Lei nº 8.078/1990. 14. ed.
Salvador: Juspodivm, 2020.

GIUNTINI, Eliana bistriche; LAJOLO, Franco M; MENEZES, Elizabete Wenzel de.


Composição de alimentos: um pouco de história. ALAN – Archivos Latinoamericanos de
Nutrición. Caracas, v. 56, n. 3, p. 295-303, set. 2006.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2019.

NETTO, Felipe Braga. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do


STJ. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.

PAIVA, Clarissa Teixeira. O que caracteriza uma relação de consumo. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4401, 20 jul. 2015. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/34128. Acesso em: 10 jun. 2020.

48
SOUZA, Wendson de Oliveira et al. A realidade aumentada na apresentação de produtos
cartográficos. Boletim de Ciências Geodésicas – BCG. Curitiba, v. 22, n. 4, p.790 - 806, out
- dez, 2016.

WERNKE, Rodney. Análise de custos e preços de venda: ênfase em aplicações e casos


nacionais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

49
REDES NEURAIS ARTIFICIAIS NA PREVISÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
REORGANIZATION PREDICTION USING ARTIFICIAL NEURAL NETWORKS

Filipe Casellato Scabora 1


Marcelo Botelho da Costa Moraes 2

Resumo
Os efeitos da insolvência das organizações levaram, desde os anos 1960, inúmeros
pesquisadores a investigarem as causas da falência, desenvolvendo modelos que buscassem
prever (e prevenir) a ocorrência desses eventos. Contudo, apesar das evidências de que
modelos mais modernos possuem melhor performance, a utilização de ferramentas de
inteligência artificial, que conjuguem outros indicadores que não meramente índices
financeiros, permanece subutilizada, mormente para dados brasileiros e mesmo as pesquisas
existem não se preocupam em distinguir as figuras da recuperação judicial, falência e
insolvência, apesar das significativas diferenças entre esses institutos.

Palavras-chave: Recuperação judicial, Previsão, Redes neurais

Abstract/Resumen/Résumé
From the 1960s onwards, the effects of insolvency led researchers to investigate the causes of
bankruptcy and developing forecasting models to predict (and prevent) its occurrence.
Notwithstanding, although evidences shows that modern models perform better, using
artificial intelligence tools, which combine other indicators that are not merely financial
indexes, remains under represented, especially for Brazilian data and even the existing
researches are not concerned with distinguishing reorganization, bankruptcy and insolvency,
despite significant differences among such figures.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Reorganization, Predicting, Neural networks

1Doutorando e mestre em Controladoria e Contabilidade pela FEARP-USP, bacharel em ciências contábeis


pela FEARP-USP e em direito pela UNESP. Professor nos programas de pós-graduação da FGV, Fundace e
EPD
2Pós-Doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Doutor e Mestre pela EESC/USP e bacharel
em Ciências Contábeis (FEARP/USP). Professor Doutor da FEARP/USP, nos cursos de graduação, mestrado e
doutorado.

50
51

1. Introdução

De acordo com o indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações, o número


de pedidos de recuperação judicial (RJ) tem crescido sistematicamente desde a edição da Lei
nº. 11.101/05 (SERASA, 2018), tendência que se acentuou com a crise mundial de 2008 e tem
se reproduzido mundo afora (EVANS; BORDERS, 2014). Apesar dos eventos contemporâneos
(i.e., crise mundial e investigações criminais) que podem ter contribuído para a sua proliferação,
RJ e falência não são problemas recentes (BAIRD, 1991). Os efeitos deletérios da insolvência
para investidores e credores instigou a proliferação de modelos preditivos, principalmente a
partir da década de 1960 (ALTMAN, 1968).
Aziz e Dar (2006) apresentam uma classificação tripartite para esses modelos de
previsão, divididos de acordo com a sua natureza teórica, estatística e de inteligência artificial
(IA). Pereira e Martins (2016) apesar de evidenciarem o avanço na utilização de modelos de
IA a partir dos anos 1990, demonstram tratar-se de uma abordagem ainda bastante
embrionária, mormente no Brasil, mesmo diante de inúmeras evidências de que a adoção de
indicadores não financeiros e métodos alternativos de pesquisa (como a IA) têm potencial de
apresentar resultados mais eficazes e promissores (JONES et al., 2017; JONES et al., 2015).
As pesquisas em previsão de insolvência no Brasil também têm se limitado em razão
do evento preditivo que pretendem ver analisado. Em sua grande maioria, os estudos sobre o
tema no País (ELIZABETSKY, 1976; KANITZ, 1978; MATIAS, 1978) estão circunscritos, a
observar a capacidade preditiva de modelos até o ponto da insolvência técnica ou da falência,
não demonstrando grandes preocupações em segregar a RJ como evento digno de nota.
Diante disso é que se apresentam as questões de pesquisa deste trabalho: quais os
fatores determinantes da RJ considerando os fluxos de caixa evidenciados na Demonstração
de Fluxo de Caixa (DFC)? E, adicionalmente: o método de Redes Neurais Artificiais (RNA)
apresenta melhores resultados do que técnicas tradicionais, como a regressão linear e
logística?

2. Referencial Teórico

Os dados do indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações (Gráfico 1)


reforçam a concepção de que há certa correlação entre os pedidos de RJ e crises, como
evidenciam os índices acentuados dos anos de 2009 e 2016, por exemplo, que se sucederam à
crise financeira mundial e à crise política no Brasil.
52

Gráfico 1- Falências, recuperações judiciais e concordatas

Fonte: elaborado pelo autor a partir dos dados do Serasa (2018)

Os eventos de crise podem ser de origem econômica, financeira ou patrimonial. Crise


econômica ocorre quando as vendas dos produtos ou serviços não são suficientes à manutenção
do negócio. A crise financeira acontece quando o empresário tem falta de recursos disponíveis
para pagar suas prestações obrigacionais. Já a crise patrimonial se faz sentir quando o ativo é
menor do que o passivo, logo, os débitos superam os bens e direitos (TEIXEIRA, 2012).
A classificação proposta não é diferente dos conceitos de insolvência técnica e baseada
em fluxos apresentados por Wruck (1990)1, evidenciando, portanto, que os eventos de crise que
levam as empresas à RJ tem em comum um aspecto relevante no que diz respeito a capacidade
da organização em gerar receitas e a administrar a sua alocação, refletida nos seus fluxos de
caixa.
O lento processo de evolução dos modelos de previsão é criticado por JONES et al.
(2017). Para os autores, mesmo no campo da estatística esses modelos têm deixado de explorar
inovações que poderiam trazer resultados interessantes, havendo evidências de que os modelos
mais modernos podem suplantar significativamente a performance das abordagens mais
tradicionais (JONES et al., 2015; JONES et al., 2017). Tinoco e Wilson (2013) avaliam modelos
de previsão com variáveis contábeis, macroeconômicas e de mercado, concluindo que a eficácia
dos resultados obtidos é mais acurada quando essas são tratadas de forma não excludente
Pereira e Martins (2016) apontam baixa aplicação de métodos de IA para dados
brasileiros e mesmo as pesquisas existentes enfatizam a adoção de indicadores financeiros
tradicionais mensurados ao longo de um intervalo de tempo para criação de um modelo

1
Insolvência técnica refere-se à falta de caixa para adimplemento de obrigações, que pode ou não ter natureza
temporária, enquanto insolvência baseada em fluxos diz respeito à situação na qual o valor presente dos fluxos de
caixa futuros da empresa não é suficiente para fazer frente ao total de obrigações (WRUCK, 1990).
53

estatístico (JONES et al., 2017), ao invés de variáveis de mercado, macroeconômicas e de


fluxos de caixa.
Além da seleção dos modelos e variáveis, outra questão relevante é a definição do
evento de interesse que se pretende prever e/ou estimar. Isso porque, embora a grande maioria
das pesquisas na área estabeleça o momento em que a falência é decretada ou o momento em
que a empresa entra em insolvência técnica (WRUCK, 1990), é com o pedido de RJ que a
organização sinaliza mais fortemente aos stakeholders a sua situação econômico-financeira e a
necessidade de buscar uma reorganização para manutenção dos contratos e obrigações2.

3. Metodologia

A conjugação de informações contábeis, de mercado e dados macroeconômicos melhor


explica a (in)solvência das organizações dentro de seus ciclos de negócios (DROBETZ et al.,
2017). A seleção das variáveis priorizou a utilização dos indicadores de fluxo de caixa, em
detrimento daquelas mais comumente utilizadas nos modelos clássicos, além de outras
variáveis contábeis, macroeconômicas e de mercado seccionadas na Tabela 1:

Tabela 1 - Variáveis selecionadas


Natureza Variável Sigla
Tempo T
Dependente (output)
RJ RJ
Fluxo sobre LL FCO sobre LL
Crescimento anual FCO ΔFCO
Contábeis Crescimento anual LL ΔLL
Crescimento anual RT ΔRT
Giro do Ativo Giro Ativo
Margem Líquida Margem Líquida
Idade LNIdade
Macroeconômicas e de Setor Setor
mercado Tamanho LNTam
Taxa Selic Selic
IPCA IPCA
Fluxo de Caixa Líquido de Investimento FCI
Fluxo de Caixa
Fluxo de Caixa Líquido de Financiamento FCF
Fonte: elaborado pelo autor

2
São diversos os motivos que justificam a prevalência da RJ como evento de interesse, dentre os quais a
possibilidade de renegociação forçada dos créditos da organização, até mesmo à revelia de parte dos credores
(cram down), a suspensão dos processos de cobrança durante o stay period, o efeito negativo da RJ na precificação
dos créditos (non performing loans), a possibilidade de dedução imediata como perda para fins tributários (Lei nº.
9.430/96) e a própria interferência do Poder Judiciário nos negócios (GILSON, 1991), entre outros.
54

A determinação da amostra e coleta de dados representou um desafio3, adotando-se as


seguintes etapas: (i) levantamento de 50 companhias em RJ, por meio de consulta de dados
primários (Poder Judiciário, Juntas Comerciais e B3), no período entre 31/12/2008 e 31 de
dezembro do ano-calendário anterior ao pedido de RJ; (ii) a estrutura da amostra do item (i) foi
reproduzida para formar um grupo de controle, com o mesmo número de componentes, no
período entre 31/12/2008 e 31/12/2017; e, (iii) os dados foram analisados e tratados, chegando-
se a uma amostra final composta de 94 empresas, sendo metade delas em RJ e a outra metade
solvente, para seleção das variáveis indicadas na Tabela 1, que resultou em 669 observações.
As RNA são ferramentas de IA capazes de se auto adaptar e ajustar para realizar uma
atividade ou comportamento determinado. Seu modelo de processamento é baseado nos
neurônios; de forma computacional, as informações interligam-se por uma rede na qual cada
unidade recebe e combina uma série de entradas (inputs) numa única saída, que dá entrada a
uma nova unidade até a saída final da rede (output) ou a resposta do problema
(BIALOSKORSKI; NAGANO; MORAES, 2006).

Figura 1 - Representação de uma RNA feed forward

Fonte: elaborado pelo autor

A escolha das RNA se justifica vez que a técnica é menos sensível a problemas quanto
à distribuição e ao tamanho da amostra, que não têm reflexo tão significante nos resultados
quanto nos modelos estatísticos tradicionais (TRIPPI; LEE, 1996), além de serem uma
ferramenta de IA que funciona bem com variáveis que se alteram no tempo, como é o caso dos

3
Em razão de restrições específicas para dados brasileiros, tais como: (i) o número reduzido de companhias abertas
em RJ; (ii) a instituição tardia da DFC, apenas a partir da edição da Lei nº. 11.638/07; e, (iii) as limitações legais
em torno da obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras (art. 176, § 6º da Lei nº. 6.404/76 e art.
3º da Lei nº. 11.638/07) e da exigência de auditoria independente (art. 177, §3º da Lei nº. 6.404/76).
55

fluxos de caixa. Para implementação das RNA foram observadas as etapas de definição,
treinamento, utilização e manutenção da RNA. Optou-se por uma RNA feed forward, em que
os neurons são ordenados em fase ou camadas, com cada camada se conectando a próxima fase
da rede, sem conexões de retorno, isto é, sem referências circulares no raciocínio da rede. O
algoritmo de back propagation foi usado para treinamento da RNA; calculando o erro esperado,
o algoritmo corrige os pesos atribuídos em cada uma das camadas, partindo da camada de saída
até a camada de entrada, de forma a assegurar que o output seja o resultado dos inputs.
A utilização das redes baseou-se na função de classificação Multilayer Perceptron,
através do software Weka 3.8.3, obedecendo os seguintes parâmetros para treinamento: (i)
learning rate – variando entre 0,2 e 0,4, com alterações de 0,05; e, (ii) trainning test –
variando entre 500 e 50000, com alterações escalonadas de 500, 1000 e 5000. O tempo de
processamento e construção do modelo das RNA também variou entre 0.55 e 356,44 segundos
e, ao final, foram testadas 96 RNA diferentes para identificação do modelo mais eficaz.

4. Resultados, discussões e conclusões

Ao confrontar os resultados obtidos identificou-se que o modelo proposto possui


capacidade classificatória (88,1913%) significativamente superior do que as modelagens mais
tradicionais testadas, como a regressão logística (64,13% de acertos na classificação da RJ).
Contudo, a comparação dos resultados com metodologias tradicionais é um desafio, na
medida em que não pode limitar-se à confrontação da eficácia da capacidade preditiva, vez que
a RNA apenas ocasionalmente apresenta grande capacidade explicativa (Trippi & Lee, 1996),
o que é muito mais comum nos modelos de análise discriminante e regressão. Assim, foram
analisadas ainda a raiz do erro médio quadrático (RMSE) e a matriz de confusão: os resultados
obtidos também demonstram a superioridade do modelo em relação à acurácia (0,323 x
0,47935), sensitividade (87,40% x 21,79%) e eficiência (88,01% x 51,60%) – este último
atributo (eficiência) também é superior àquela apresentada pela maioria dos modelos de análise
multivariada no levantamento bibliográfico de Pereira e Martins (2016) entre 1930 e 2015.
A partir dos mesmos parâmetros, foi possível identificar também a RNA com melhor
coeficiente de relação entre as variáveis selecionadas e o tempo estimado (T) até a organização
requerer RJ e a melhor correlação foi de 87,85%. A acurácia do modelo também se mostrou
superior em relação ao tempo (T) até a RJ: 1,3329 (RNA) e 2,6936 (regressão linear).
Foram realizados testes também para identificação da correlação entre os atributos
(HALL, 1998) – ou variáveis – e o resultado da saída da RNA (output). Os resultados obtidos
56

demonstram que dentre os atributos mais correlacionados encontram-se elementos de fluxo de


caixa (FCF e FCI) e outros de natureza macroeconômica (IPCA e SELIC) e de mercado (Idade
e Tamanho) em detrimento de indicadores exclusivamente financeiros.
Foi possível concluir que o modelo proposto é superior aos modelos mais tradicionais,
corroborando as hipóteses aventadas nesta pesquisa de que: (i) os fluxos de caixa em geral são
fatores determinantes da RJ; e, (ii) modelos construídos por meio da conjugação de informações
contábeis, de mercado e de dados macroeconômicos apresentam performance superior às
abordagens tradicionais, o que inclui não apenas ferramentas de IA mais sofisticadas – como
as RNA –, como também indicadores menos ortodoxos, como os fluxos de caixa.
Nada obstante, em se tratando de uma amostra viesada, cujas observações foram obtidas
a partir dos dados disponíveis, os resultados não são abrangentes. Além disso, outra dificuldade
própria das RNA é a compreensão de como as diversas variáveis se comportam dentro da rede,
que raramente tem grande capacidade explicativa, reduzindo sua capacidade de contribuição
teórica, muito embora haja significativa contribuição metodológica (Trippi & Lee, 1996), pois
teve-se grande preocupação na definição do evento de interesse que se busca prever (RJ).
Nada obstante essas limitações, os resultados obtidos contam com inúmeras aplicações
para o mercado e a academia, inclusive fomentando pesquisas futuras, na medida em que a RJ
tem crescido não apenas no Brasil; novos trabalhos para continuar aprimorando técnicas de
previsão, superando as lacunas apontadas, certamente encontrarão o seu lugar.

5. Referências

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57

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REVOLUÇÃO DA INTERNET E A TECNOLOGIA COMO UM FACILITADOR DO
ESPAÇO DE DISCURSIVIDADE PROCESSUAL
REVOLUTION OF THE INTERNET AND TECHNOLOGY AS A FACILITATOR
OF THE SPACE OF PROCESSUAL DISCURSIVITY

Fabrício Veiga Costa 1


Naony Sousa Costa 2

Resumo
A presente pesquisa tem por escopo propor uma discussão acerca da utilização dos
algoritmos e da inteligência artificial como um facilitador da ampliação do espaço de
construção participada das decisões no direito processual. Por meio das pesquisas
bibliográficas e documentais foi discutido criticamente como a adoção de referidos
mecanismos podem contribuir e facilitar na construção deste espaço de debate processual e
oportunizar a criação de um provimento jurisdicional legítimo e efetivo sob a ótica
democrática e que externe a participação e fiscalização de todos os seus destinatários.

Palavras-chave: Revolução da internet, Inteligência artificial, Processo participado

Abstract/Resumen/Résumé
The present research aims to propose a discussion about the use of algorithms and artificial
intelligence as a facilitator of the expansion of the space of participatory construction of
decisions in procedural law. Through bibliographic and documentary research, it was
critically discussed how the adoption of these mechanisms can contribute and facilitate in the
construction of this procedural debate space and create the opportunity for the creation of a
legitimate and effective jurisdictional provision from a democratic perspective and that
externalize the participation and inspection of all its recipients.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Internet revolution, Artificial intelligence,


Participated process

1PROFESSOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM PROTEÇÃO DOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIVERSIDADE DE ITAÚNA. DOUTOR E MESTRE EM DIREITO
PROCESSUAL - PUCMINAS. PÓS-DOUTOR EM EDUCAÇÃO - UFMG.
2DOUTORANDA E MESTRE EM PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELA
UNIVERSIDADE DE ITAÚNA. PROFESSORA UNIVERSITÁRIA DE CURSOS DE GRADUAÇÃO E PÓS-
GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO. PESQUISADORA.

58
INTRODUÇÃO

O presente resumo tem por objetivo propor uma análise científica acerca da
utilização dos algoritmos e da inteligência artificial, como um facilitador da ampliação do
espaço de construção participada das decisões no direito processual.
Para tanto, mostra-se relevante compreender que a utilização da inteligência artificial
e dos algoritmos não constituem por si um entrave a observância do devido processo legal.
Por outro lado, a sumarização da cognição e adoção de algoritmos não supervisionados a fim
de se atribuir efetividade processual o seriam. Assim, será demonstrado que a adoção da
inteligência artificial deve ser acompanhada da criação de um espaço de construção dialógica
das decisões pelas partes, pautada na utilização de algoritmos supervisionados.
Para se chegar ao escopo desta pesquisa será utilizada a técnica teórico conceitual,
tendo em vista a utilização de análise de conteúdo, por meio de levantamento bibliográfico, de
dados jurisprudenciais e documentais acerca do tema. De acordo com as técnicas de análise de
conteúdo, afirma-se que se trata de uma pesquisa teórica, de modo que o procedimento
adotado servirá para que se demonstre que a utilização da inteligência artificial e dos
algoritmos supervisionados pode contribuir e facilitar a construção do espaço de debate
processual e oportunizar a criação de um provimento jurisdicional legítimo e efetivo sob a
ótica democrática.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

A informatização provocada pela chamada Revolução da Internet impactou diversos


setores, dentre eles o Direito. Diante disso, “começamos a discutir os impactos de um
movimento que se iniciou no final da década de 1990, início dos anos 2000, mas que
transcendeu sua mera aplicação instrumental, qual seja, a virada tecnológica no Direito e seus
impactos no campo processual”.1
No âmbito do judiciário brasileiro,
São inúmeros os exemplos de uso de ferramentas de IA, (...), dentre as quais
destacam: a) o projeto Victor, no Supremo Tribunal Federal, que se destina, em uma
primeira fase, a automatizar a análise da admissibilidade dos Recursos
Extraordinários; b) O sistema Sócrates do Superior Tribunal de Justiça, o qual tem
por objetivo viabilizar a identificação de demandas repetitivas; a ferramenta

1
NUNES, Dierle. Virada tecnológica no direito processual (da automação à transformação): seria possível
adaptar o procedimento pela tecnologia. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART,
Erik Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA
VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 17.

59
RADAR do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a qual viabilizou o julgamento de
280 processos em menos de um segundo; d) a ferramenta “ELIS” do Tribunal de
Justiça do Estado de Pernambuco, cuja engrenagem operacional agilizou a análise de
milhares de execuções fiscais e e) O projeto Hércules do Tribunal de Justiça do
Estado de Alagoas, cujo escopo é promover o agrupamento de processos similares e,
assim, proporcionar a produção automatizada de atos processuais. 2

É importante mencionar que a literatura aponta alguns entraves no que tange a


utilização da inteligência artificial3 e dos algoritmos4 no processo, em especial na fase
decisória, tais como “(i) o emprego de data sets viciados; (ii) discriminação que pode ser
gerada por algoritmos de machine learning (iii) e a necessária a opacidade dos algoritmos não
programados”. 5
Ademais, vale destacar que a “inteligência artificial está conectada ao que se
denomina de machine learning (aprendizado da máquina), (...)”.6 As técnicas de machine
learning utilizam dois tipos de algoritmos os supervisionados e os não supervisionados. 7 De
acordo com Luís Manoel Borges do Vale,
Os algoritmos supervisionados são aqueles nos quais o programador escolhe quais
os dados serão utilizados e processados pela máquina e qual o resultado que o
sistema deve apresentar, (...).
Vê-se, portanto, que o trabalho com algoritmos supervisionados possibilita maior
transparência e controle das ações executadas pela máquina, de tal sorte que a
ferramenta de inteligência artificial é passível, em maior medida, de ser auditada, a

2
VALE, Luís Manoel Borges do. A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no direito, de utilização de
algoritmos não supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik
Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA VIRADA
TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 633.
3
De acordo com José Luis Bolzan de Morais “inteligência artificial (IA) significa dotar computadores e
softwares de capacidade para processar imensos volumes de dados e – principalmente – para encontrar padrões e
fazer previsões sem ter sido programados para tanto, produzindo dados a partir de dados, ou metadados, aptos a
produzir conhecimentos específicos baseados em padrões e comportamentos, bem como realizar controles”.
(MORAIS, José Luis Bolzan. O ESTADO DE DIREITO “CONFRONTADO” PELA “REVOLUÇÃO DA
INTERNET”!. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM. v. 13, n. 3. 2018. p.884).
4
De acordo com Luís Manoel Borges Vale, o algoritmo “nada mais é do que uma sequência ordenada de
instruções que direciona comando para o computador desempenhar certas tarefas. Desse modo, o programador,
quando arquiteta o algoritmo, estabelece um “input” (dados iniciais que alimentam o sistema) e um “output”
(objetivo desejado com o processamento dos dados que alimentam o sistema) ”. (VALE, Luís Manoel Borges do.
A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no direito, de utilização de algoritmos não
supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik Navarro. (org.)
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA VIRADA
TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 631.
5
FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel. Direito à explicação e decisões automatizadas: reflexões sobre o
princípio do contraditório. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik Navarro.
(org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA VIRADA
TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 206.
6
VALE, Luís Manoel Borges do. A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no direito, de utilização
de algoritmos não supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik
Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA
VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 631.
7
VALE, Luís Manoel Borges do. A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no direito, de utilização
de algoritmos não supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik
Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA
VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 633.

60
fim de que se verifiquem eventuais equívocos cometidos, quando do processamento
das informações.
Por sua vez, os algoritmos não supervisionados são aqueles que não dependem de
uma categorização prévia de dados. Assim, a partir de dados não rotulados o próprio
sistema identifica padrões, aproximando situações correlatas, sem que exista uma
classe predefinida.8

Para a presente discussão é de suma importância que os algoritmos sejam do tipo


supervisionados, ou seja, previamente definidos pelo programador a fim de garantir as partes
interessadas no processo o conhecimento do caminho cognitivo que foi estabelecido no
procedimento e, via de consequência assegurar o amplo exercício de todas as garantias
processuais (ampla defesa, contraditório, isonomia, por exemplo), já que “os algoritmos
supervisionados são auditáveis e permitem um mínimo de transparência”.9
Verifica-se, portanto, que a utilização da inteligência artificial e dos algoritmos não
constituem por si um entrave a observância do devido processo legal. A sumarização da
cognição e adoção de algoritmos não supervisionados a fim de se atribuir efetividade
processual o seriam. Assim, a adoção da inteligência artificial deve ser acompanhada da
criação de um espaço de construção dialógica das decisões pelas partes, pautada na utilização
de algoritmos supervisionados, conforme acima exposto.
Deve-se garantir a todos os interessados a oportunidade de participar, em
contraditório, da construção do mérito da demanda. Quanto maior a abertura para os
interessados influenciarem na construção do mérito da ação, maior a legitimidade da decisão
que, retratará as necessidades reais dos interessados, na medida em que refletirá seus
interesses e vontades. Além disso, a participação constitui importante instrumento de
fiscalidade na produção das decisões no âmbito do Estado Democrático.
Desta forma, a produção de uma decisão legítima demanda necessariamente a
construção participada do seu mérito, cabendo a cada interessado manifestar sua vontade face
o bem tutelado, bem como trazer para demanda seus questionamentos. Assim, o provimento
jurisdicional alcançará não só legitimidade formal, mais sim, material, constituindo uma
sentença substancialmente legitima, haja vista sua construção participada por aqueles que
suportarão os seus efeitos.

8
VALE, Luís Manoel Borges do. A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no direito, de utilização
de algoritmos não supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik
Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA
VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 633.
9
VALE, Luís Manoel Borges do. A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no direito, de utilização
de algoritmos não supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik
Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA
VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 639.

61
Frise-se que o “princípio básico da democracia é o direito de simétrica participação
10
dos interessados nos processos de formação da vontade. ” Desta forma, o elemento
intrínseco de validade e legitimidade da decisão, é a garantia de participação simétrica de
todos os interessados difusos e coletivos na construção da decisão.
Por fim, vale destacar que a “incorporação da tecnologia ao procedimento como meio
de adequação procedimental para além das tradicionais abordagens pode representar um dos
capítulos virtuosos da virada tecnológica no direito processual”.11 Somado a isto, deve-se
destacar que
a tecnologia permite a superação de entendimentos solipsistas por meio da análise da
inteligência coletiva obtida por meio do exame da grande massa de dados
jurisprudenciais, permitindo a realização de uma autocrítica e constante
aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.12

Desta forma, torna-se de suma importância para a adequada aplicação no direito


processual brasileiro o estudo da inteligência artificial e dos algoritmos supervisionados e, via
de consequência de mecanismos que garantam a irrestrita participação dos interessados na
construção do mérito do provimento jurisdicional final.

CONCLUSÕES

Nesta pesquisa, procurou-se demonstrar que a utilização da inteligência artificial e


dos algoritmos no direito processual não constituem, de forma isolado, um entrave à
implementação das garantias do devido processo legal. A adoção de algoritmos não
supervisionados e a impossibilidade de efetiva participação dos interessados na construção da
decisão, por outro lado, o seriam.
Em se tratando de democracias o procedimento participado constitui fator
legitimador e de fiscalização da decisão final. Sob esta perspectiva quanto mais ampla e
irrestrita a participação dos interessados na construção desta decisão maior a sua efetividade e
legitimidade. Assim, a adoção da inteligência artificial e dos algoritmos no direito processual
brasileiro deve ser permeada por um procedimento que oportunize o amplo conhecimento das

10
COSTA, Fabrício Veiga. Mérito Processual: a formação participada nas ações coletivas. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2012, p. 214.
11
NUNES, Dierle. Virada tecnológica no direito processual (da automação à transformação): seria possível
adaptar o procedimento pela tecnologia. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART,
Erik Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA
VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 35.
12
VALENTINI, Romulo Soares. Julgamento por computadores? As novas possibilidades da juscibernética
no século XXI e suas implicações para o futuro do direito e do trabalho dos juristas. Tese (Doutorado em
Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2018, p. 112.

62
partes interessadas dos elementos informadores dos algoritmos supervisionados. A presente
pesquisa pretendeu demonstrar que o uso da tecnologia é responsável pela ressignificação dos
conceitos de tempo e de espaço, ampliando-se o espectro de participação popular dos
destinatários na construção do provimento final de mérito. Embora seja uma técnica de
natureza procedimental, é importante esclarecer que se o acesso aos pontos controversos da
demanda for ampliado mediante a utilização da tecnologia, consequentemente teremos o
aumento da democraticidade do conteúdo decisório.
É importante ainda ressaltar que esse espaço digital de ampla discursividade das
questões que permeiam as peculiaridades da pretensão deduzida somente será democrático se
os critérios do debate forem baseados na racionalidade crítica decorrente das proposições
trazidas pelo texto da Constituição brasileira de 1988.

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COSTA, Fabrício Veiga. Mérito Processual: a formação participada nas ações coletivas.
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VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm,
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brasileiros. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik
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IMPACTOS DA VIRADA TECNOLÓGICA NO DIREITO PROCESSUAL. Salvador:
Editora JusPodivm, 2020, p. 65-80.

VALE, Luís Manoel Borges do. A tomada de decisão por máquinas: a proibição, no
direito, de utilização de algoritmos não supervisionados. In: NUNES, Dierle; LUCON,
Paulo Henrique Santos; WOLKART, Erik Navarro. (org.) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

63
E DIREITO PROCESSUAL: OS IMPACTOS DA VIRADA TECNOLÓGICA NO
DIREITO PROCESSUAL. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 629-640.

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juscibernética no século XXI e suas implicações para o futuro do direito e do trabalho
dos juristas. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 2018.

64
SANDBOX COMO MEIO DE REGULAMENTAÇÃO PARA STARTUPS DE
SERVIÇOS FINANCEIROS
SANDBOX AS A REGULATORY FORM FOR FINANCIAL SERVICES STARTUPS

Daniella Silva De Souza


Rafaella Silva De Souza

Resumo
A evolução tecnológica trouxe inúmeras inovações, dentre as tantas, a inovação atingiu as
startups que atuam no segmento do mercado financeiro, denominadas de fintechs. Ocorre
que, é latente a dificuldade de da legislação alcançar a celeridade da inovação social e do
próprio mercado financeiro. Neste sentido, como meio de dirimir esta controvérsia o sandbox
tem se demonstrado como meio hábil para tanto, visto consistir em ambiente temporário de
teste regulado com o fim de acompanhar os riscos atrelados a nova tecnologia e, deste modo,
posteriormente dispor de legislação competente.

Palavras-chave: Tecnologia, Regulação, Sandbox, Startup, Fintech

Abstract/Resumen/Résumé
Technological evolution has brought innumerable innovations, among so many, innovation
has reached startups that operate in the financial market segment, called fintechs. It happens
that the difficulty of legislation to achieve the speed of social innovation and the financial
market itself is latent. In this sense, as a means of settling this controversy, the sandbox has
been shown to be a capable means of doing so, since it consists of a temporary regulated test
environment in order to monitor the risks linked to the new technology and, thus,
subsequently have competent legislation.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Technology, Regulation, Sandbox, Startup, Fintech

65
INTRODUÇÃO

A evolução tecnológica acarretou no avanço de todos os setores da


economia e proporcionou modelos de negócios inovadores, incluindo a ruptura dos
tradicionais financeiros com soluções mais assertivas.

Entretanto, o desafio é acompanhar a velocidade de criação que as


empresas de inovação ofertam e regulá-las, de modo a respeitar os princípios basilares do
ordenamento jurídico da segurança jurídica e da livre iniciativa empresarial e não obstar
o progresso tecnológico vislumbrado.

Foi com esse intuito que foi criada o sandbox, que na tradução literal
consiste em “caixas de areia” regulatórias e possibilita o teste do serviço ou produto
ofertado pela empresa de inovação sob a supervisão do órgão de regulação por período
determinado.

OBJETIVOS

Demonstrar que viabilizar a aplicação, de modo temporário e


monitorado, do serviço ou do produto inovador consiste em excelente forma de
acompanhar o desenvolvimento de novas soluções, visto que é impossível evitar a
celeridade na qual as empresas focadas em inovação tem crescido.

Neste sentido, se utilizar deste meio permite ambiente seguro e perfeito


para que sejam adequadas as necessidades da sociedade às novas soluções ofertadas,
tornando o desenvolvimento equilibrado e saudável no atual cenário.

METODOLOGIAS

A presente pesquisa utilizou o método dedutivo a partir de análise da


legislação e doutrina com o fim de proferir análise a respeito dos limites da regulação de
modo a proporcionar a segurança jurídica e acompanhar a inovação no mercado.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

66
O desenvolvimento econômico e tecnológico tem refletido no
crescimento das empresas de modo célere. Foi assim que surgiram as fintechs, startups
voltadas a propor soluções por meio de serviços e produtos financeiros aos consumidores.

Entretanto, deve-se atentar que essas novas tecnologias acarretam em


novas dinâmicas no mercado que, por até então não terem sido exploradas, não são
regulamentadas no ordenamento jurídico.

Com o fim de sanar esta lacuna, em 2015, o Reino Unido inovou ao


criar Banco de Teste Regulatório, denominado sandbox, que ao ser traduzida ao português
na sua literalidade consiste em “caixa de areia” regulatória.

Em suma, consiste em ambiente no qual é possibilitado,


temporariamente, ofertar produtos e serviços inovadores desenvolvidos com pouco
esforço e no menor espaço de tempo possível aos consumidores de modo monitorado
pelos órgãos competentes de supervisão do Estado. A partir de então, a empresa poderá
adequar conforme as necessidades do mercado e o órgão regulador acompanhar os
impactos e riscos que acarretará aos consumidores.

Noutro giro, ao tratar do ordenamento jurídico brasileiro deve-se atentar


que existem princípios que norteiam as atividades empresariais, vejamos. O primeiro
deles é o princípio da segurança jurídica, que segundo o grande doutrinador José Afonso
da Silva:

“a segurança jurídica consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às


pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus
atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma importante condição da
segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações
realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma
seja substituída”1

Além do já tratado, ainda é importante dispor sobre o princípio da livre


iniciativa empresarial estabelece a desnecessidade de autorização do Estado para que o
cidadão participe do mercado e possui previsão expressa no artigo 170 da Constituição
Federal de 1988 nos seguintes termos:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios”

1
SILVA, J., 2006, p. 133

67
Após a consideração realizada a respeito dos princípios acima,
demonstra-se como grande desafio para o mundo jurídico vislumbrar implementação de
sandbox, por ser este ramo extremamente atrelado a normatização prévia. Neste diapasão,
se deparar com a necessidade de aplicar teste ao consumidor de serviço ou produto não
regulado com o fim de chegar na melhor forma é quebrar paradigmas históricos.

Entretanto, deve ser o foco que a sandbox consiste em ferramenta


menos onerosa que permite a aplicabilidade da inovação preponderar para regulação da
forma correta e equilibrada e que em nada contraria ao já disposto no ordenamento
jurídico. Pelo contrário, ao ser reconhecida pelas autoridades brasileiras, passaria a ser
um grande marco de progresso para este meio e incentivo à inovação e tecnologia no
mercado.

Ao tratar do Brasil, a partir de junho de 2019 foi anunciada a intenção


de criar um sandbox. Entretanto muitos desafios são vislumbrados como: regulamentação
lenta, longa e burocrática, o que inviabiliza acompanhar o avanço da tecnologia e a
distribuição da competência de monitoramento ser realizada por vários órgãos
regulatórios. Todavia, nenhuma das situações expostas são obstáculos intransponíveis.

Pelo contrário, a Comissão de Valores Mobiliários já se manifestou que


será implantado sandbox, o que proporcionará ao mercado local maior interesse pelos
investidores, economia e possibilidade de integrar a evolução tecnológica a legislação
brasileira.

CONCLUSÕES

Neste diapasão, as transformações propiciadas pelas novas tecnologias,


diante do frenético desenvolvimento econômico e tecnológico, ocasionam em avanço
significativo para empresas de diversos seguimentos. As fintechs nasceram neste
contexto, para propor soluções através de serviços e produtos financeiros aos seus
consumidores.

Contudo, o ambiente criado pelas fintechs propiciam profundas


reflexões em todas as áreas do Direito. Isto porque as novas tecnologias ocasionam
dinâmicas novas no mercado que não são regulamentadas em virtude de não terem sido,
até então, exploradas.

68
Portanto, o tradicional modelo financeiro esta em transformação em
decorrência das novas tecnologias que as empresas fintechs estão implementando em
diversos países. No entanto, ratifica-se, a legislação não consegue acompanhar a
velocidade do desenvolvimento de novas tecnologias, sendo atualmente um desafio para
os legisladores.

As sandbox surgiram neste cenário, como espécie de Banco de Teste


Regulatório, sendo neste ambiente possível ofertar produtos e serviços temporariamente
de modo monitorado pelos competentes órgãos. Ou seja, objetiva-se acompanhar o célere
desenvolvimento tecnológico sem embargar com regras e sem comprometer a segurança
do cliente.

Assim, as inovações tecnológicas devem ser impulsionadas, pois geram


benefícios econômicos ao reduzir custos de intermediação, majorar a eficiência dos
processos, reduzir falhas no mercado, dentre tantos outros benefícios para o mercado e
para a sociedade.

REFERENCIAIS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 19ª ed. Brasília: Senado Federal,
1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição
compilado.htm>. Acesso em: 07/03/2017. Comentado [fs1]:

BRASIL TERÁ EM BREVE SANDBOX REGULATÓRIO. Disponível em: <


https://startupi.com.br/2019/10/brasil-tera-em-breve-sandbox-regulatorio/>. Acesso em:
29/05/2020.

FINTECHS E SANDBOX NO BRASIL. Secretaria de Política Econômica, Secretaria


Especial de Fazenda, Ministério da Economia. Economia.gov. 13 junho 2019. Disponível
em: http://www.economia.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/relatorios-e-
boletins/2019/publicacaospe-fintech.pdf/view. Acesso em: 28/05/2020.

SANDBOX: O FUTURO DA REGULAÇÃO. Disponível em: <


https://www.ab2l.org.br/sandbox-o-futuro-da-regulacao/>. Acesso em: 29/05/2020.

69
SANDBOX’ REGULATÓRIO E O DIREITO A FAVOR DAS FINTECHS. Disponível
em: <https://www.ab2l.org.br/sandbox-regulatorio-e-o-direito-a-favor-das-fintechs/>.
Acesso em: 29/05/2020.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo:


Malheiros, 2006.

TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO SETOR FINANCEIRO. Cvm.gov. 14 dezembro


2017. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171214-2.html.
Acesso em: 28/05/2020.

70
SOFTWARE TRADE DRESS: SOLUÇÕES PARA UM MERCADO EMERGENTE
SOFTWARE TRADE DRESS: SOLUTIONS POUR UN MARCHÉ EMERGENT

Lucas Tabanez Murta de Souza

Resumo
Esta pesquisa pretende desenvolver a proteção do trade dress como instrumento de tutela às
interfaces de softwares no Brasil e nos Estados Unidos. Considerando artigos científicos, o
ordenamento brasileiro e americano, nota-se que a disposição visual do software como
elemento inerente a identidade da marca, devendo ser protegida contra cópias atentatórios ao
princípio da livre concorrência, isto é, livre e leal. Portanto, pesquisa que se propõe pertence
à vertente metodológica jurídico-sociológica. No tocante ao tipo de investigação, foi
escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico comparativo. O
raciocínio desenvolvido na pesquisa será predominantemente dialético.

Palavras-chave: Chave: software, Trade dress, Propriedade industrial

Abstract/Resumen/Résumé
Ce recherche souhaite pour développer la protection du trade dress comme moyens de
sauvegarder les interfaces de softwares au Brésil et aux Etas-Unis. D’abord, avec des articles
cientifique, le droit brésilien et le droit américain, se remarque la disposition visuelle de
software comme element inhérent à l’identité de la marque se doit proteger contre copies
ofensive au príncipe de concurrence libre concurrence, c’est à dire, libre et fidéle. Sur la
investigation, il appartenant à la classification de Witker (1985) et Gustin (2010), le type
juridique comparatif. Il predominera le raisonnement dialectique.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Software, Trade dress, Propriété industrielle

71
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa pretende desenvolver os aspectos positivos e negativos da proteção


desempenhada pelo trade dress na tutela do user interface nos Estados Unidos e,
posteriormente, projetar seus impactos no Brasil. Nesse sentido, é necessária uma análise
profunda do instituto da propriedade industrial tanto nas leis, quanto nos casos concretos, bem
como desenvolver os conceitos de trade dress e user interface, a fim de alcançar um
entendimento profundo das consequências dos litígios envolvendo o novo instituto, que ainda
não é regulamentado por lei.
Primeiro, partindo de reflexões iniciais pode-se afirmar que o trade dress reputa-se
como meio para eliminar eventuais lesões a propriedade industrial, ao passo que protege a
identidade do conjunto imagem associado a uma marca. Assim sendo, considerando a
disposição visual do software como elemento inerente a identidade da marca e, logo, deve ser
protegida contra plágios atentatórios ao princípio da livre concorrência, isto é, livre e leal.
Entretanto, no desenvolvimento desses dispositivos, o padrão de estética e disposição da
interface dos programas é fator fundamental para sua usabilidade. Portanto, a proteção
assegurada pelo trade dress não pode suprimir ou desencorajar o desenvolvimento de novos
softwares.
Dessa forma, o objetivo geral do trabalho é analisar a tutela de trademark law,
especificamente na proteção do trade dress, ao conjunto imagem dos softwares, comparando a
atuação do instituto nos Estados Unidos e no Brasil, conhecendo sua legítima esfera de
proteção. Para tal fim, será adotado, como marco teórico as ideias de Ronald Dworkin em seu
livro “Levando Direitos a Sério”, visando garantir uma construção comparativa coesa com a
legislação, doutrina e moral brasileira. E, com base nesses fatores, delimitar a atuação dos juízes
em caso de ausência de norma positiva regulamentadora do conflito (DWORKIN, 2002).
Por fim, pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica.
No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico comparativo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético.

2. ORIGENS DO TRADE DRESS


Desenhos, linhas, símbolos e traços que dão ao conjunto imagem de um produto o
destaque e a originalidade aos artigos de consumo dispostos nas prateleiras dos varejos,

72
preenchem a concepção geral adquirida pelo instituto do trade dress. Apesar disso, para
entender o conceito deve-se entender as origens do instituto (MARTINS; IBAÑEZ, 2018).
Evidentemente, como o próprio nome já pode sugerir, o instituto foi criado nos Estados Unidos
da América. Assim, com o sancionamento do Lanham Act em 1946, o congresso americano em
concomitância com os anseios progressistas da elite nacional, promoveu a proteção expressa
para a proteção de marcas não registradas, bem como o trade dress (MONTENEGRO, 2008).
Não obstante a sua presença desde 1946, o instituto somente seria efetivamente
apreciado pelas cortes americanas em 1992, no caso Taco Cabana Int'l, Inc. v. Two Pesos, Inc.
No caso, é narrado que Taco Cabana abrira o primeiro restaurante em setembro de 1978 em San
Antonio. Enquanto isso, em dezembro de 1985, Two Pesos abriu um restaurante de fachada
semelhante em Houston, mas nunca abrira nenhuma franquia em San Antonio. Sendo assim,
Taco Cabana decidiu processar seu concorrente na Section 43(a) do Lanham Act, a norma
reguladora do trade dress. Por fim, a Court of Appeals for the Fifth Circuit acabou por condenar
o réu pelas provas substanciais de violação do trade dress (UNITED STATES, 1991).
No Brasil, a primeira citação de Propriedade Industrial data da constituição de imperial
(BRASIL, 1824), ainda como propriedade intelectual da marca, sendo o registro mais antigo do
Supremo Tribunal Federal, em setembro de 1950 (BRASIL, 1950). Nesse sentido, pode-se
presumir que as bases de proteção ao trade dress, da mesma maneira que a origem americana,
começou com a ideia de proteção às marcas, embora, diferente do Laham Act dos Estados
Unidos, o ordenamento brasileiro atual, com a Constituição da República de 1988 (BRASIL,
1988), especificamente em seu artigo 5°, inciso XXIX, garantiu a proteção ao que pode ser
sintetizado como propriedade industrial, mas àquelas registradas, sendo mais limitada que a lei
americana. Mais tarde, em 1996, foi editada a Lei de Propriedade Industrial. Assim, pode-se
conceituar o direito como a proteção de todos os bens de atividade criadora e intelectual do
homem de interesse dos agentes econômicos (MARTINS; IBAÑEZ, 2018).
Quanto ao instituto do trade dress, até o momento, não há qualquer menção na legislação
brasileira. Entretanto, a presença do direito já foi invocada em 2006, em Medida Cautelar n°
11.364/SP do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2006). Mais tarde, em 2012, isso seria
tema de discussão no Superior Tribunal Federal (BRASIL, 2012). No passado recente, os
Tribunais de Justiça dos estados da União constantemente resolvem méritos de discussão sobre
trade dress. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a última decisão foi de um Agravo
Regimental em fevereiro de 2020 (MINAS GERAIS, 2020). Enquanto no Tribunal de Justiça
de São Paulo, a última decisão é de uma apelação cível, em maio de 2020 (SÃO PAULO, 2020).

73
Com isso, percebe-se uma alteração inegável nos conflitos e decisões judiciais do país
nos últimos anos, a qual não pode ser explicada pelo mero ato volitivo dos juízes. Nota-se,
como destaca Dworkin, uma alteração no peso do princípio da livre concorrência, dando origem
aos inúmeros conflitos supracitados na forma da discussão sobre o trade dress. Nesse sentido,
as alterações na moral concorrente, demonstram que a proteção da atividade intelectual de
interesse econômico não mais é justificável apenas pelo registro, mas deve ser abrangida para
aquelas notoriamente ligadas a uma marca. Portanto, o juízo normativo que considera mais
importante o princípio da concorrência livre e leal é respaldado pela reiteração de atuação dos
juízes brasileiros (DWORKIN, p. 91, 2002).

3. O TRADE DRESS EM TUTELA DA USER INTERFACE NOS ESTADOS UNIDOS

As inovações das tecnologias digitais são amostra das grandes inovações propiciadas
pelos séculos XX e XXI. Assim sendo, os Estados Unidos, como precursores das tecnologias
digitais do século XX, logo se depararam com conflitos sobre a proteção da nova propriedade
intelectual diversas àquelas naturalmente percebidas pelas cortes americanas, como é o
exemplo de Taco Cabana v. Two Pesos, nas discussão sobre o conjunto imagem da fachada de
um restaurante (UNITED STATES, 1992).
Antes de tratar dos aspectos jurídicos do assunto, é necessário entender a complexidade
dos elementos que se deseja proteger. Primeiro, a interação entre os consumidores e os
programas de computador estão principalmente em dois aspectos: a user experience e a user
interface. A primeira regula a efetividade da plataforma, isto é, abrange elementos não visuais,
enquanto a segunda é a organização da informação para o consumidor, abrangendo os
elementos visuais do sistema (HUSSAIN et al., 2014).
Nesse contexto, Kellner (1994) salienta que houve uma reflexão entre a proteção dada
pelo Copyright Act e o Lanham Act. Dessa forma, ele diferencia que a proteção assegurada pelo
sistema de Copyright seria voltada para uma tangibilidade média de expressão, isto é, protegeria
o código, ao sistema e ao design da tela do software.
Não obstante, a proteção do copyright somente seria alcançada se provasse a
originalidade da roupagem do display daquele software, isto é, daquilo que o usuário vê quando
abre o programa, além de provar que é o autor daquele trabalho. Nesse contexto, há alguns
problemas para os programas de computadores. Primeiro, os programas são construídos a partir
de processos e estruturas anteriores, sendo difícil satisfazer os requisitos de originalidade do
copyright. Além disso, o sistema operacional e o programa da aplicação interagem para criar o

74
user interface, portanto, nem o autor do sistema operacional, nem o autor do programa do
aplicativo podem reivindicar a autoria. Por fim, a transitoriedade dos menus pode impedir que
o programa alcance uma expressão tangível média, requisito básico para o copyright
(KELLNER, 1994).
A confusão discutida já foi feita em alguns casos americanos, por exemplo, Apple
Computer, Inc. v. Microsoft Corp. Na lide, Apple argumentou que a interface gráfica do
Windows, produzido pela Microsoft, feria o “look and feel” de sua linha de computadores
pessoais. Contudo, embora utilizasse as expressões do trade dress previsto no Lanham Act,
optou pela proteção do Copyright Act. O resultado foi que a proteção dada pelo copyright era
individual, logo, ao avaliar separadamente os elementos do sistema, a corte concluiu que,
individualmente, eles não seriam tuteláveis pelo instituto. Enquanto isso, no caso Lotus
Development Corp. v. Paper Software Int’l, o juiz protegeu a user interface, mas com a
linguagem dos institutos do Trademark. Consequentemente, conclui-se que, se utilizado o trade
dress, o resultado poderia ser diferente para a Apple (KELLNER, 1994).
Além disso, grande problema para a proteção da user interface é o aprendizado do
usuário, ou seja, se a proteção for demasiada, pode sufocar a criação de novos dispositivos, vez
que todas as interfaces seriam diferentes, tornando quase impossível para o consumidor se
adaptar àquela variedade. Apesar disso, os requisitos do trade dress podem trazer o equilíbrio
necessário para a tutela apropriada dos programas (HUSSAIN et al., 2014).
Considerados tais obstáculos, concebe-se, no ordenamento americano, três requisitos
para o trade dress: conjunto inerentemente distinto, não-funcional e passível de confusão entre
os consumidores. No primeiro caso, não basta simplesmente provar a disparidade do conjunto
imagem, mas que aquela roupagem criou um significado junto a marca para os consumidores.
No segundo caso, é analisado a não funcionalidade de um conjunto imagem nos seguintes
critérios: a essencialidade do elemento ao produto, o efeito na qualidade e custo do produto, se
há alternativas para o elemento protegido, se a concessão de exclusividade do elemento
protegido poderá impedir qualquer forma de competição. Por fim, no último caso, é considerado
a principal elemento abordado no Brasil: a confusão dos clientes. Nesse caso, percebe-se o uso
da má-fé de competidores para ferir a lealdade da livre concorrência em detrimento dos
consumidores (KELLNER, 1994).
Dessa forma, percebe-se a importância de dois requisitos para o balanceamento do trade
dress. Primeiro, quando se fala de conjunto inerentemente distintivo, não se pode fazer
reivindicação quando o mercado já padronizou o formato. Nesse sentido, um exemplo seria o
sinal “X” em vermelho para fechar um menu, já há uma expectativa entre os consumidores que

75
seja feito dessa forma na maioria dos softwares. Para mais, o elemento da não-funcionalidade
serve de igual maneira para a preservação da livre concorrência, pois impede a exclusividade
de conjuntos que poderia impossibilitar a competição. Por tais razões, a proteção de softwares
aparenta ser extremamente saudável nos Estados Unidos da América (KELLNER, 1994).

4. LEGADOS PARA A INDÚSTRIA E ORDENAMENTO NACIONAL

Em estudos de direito comparado, é comum concluir que a mera importação do instituto


de forma fiel pela parte considerada problemática poderia solucionar os infortúnios
apresentados pela ausência de tutela. Entretanto, como foi adotado a concepção dworkiana para
a resolução dos problemas é necessária uma análise conjunta da realidade nacional, tanto nos
conhecimentos jurídicos produzidos, quanto no juízo normativo da sociedade brasileira.
Nesse sentido, o Dr. Long explica em “A Economia de Aplicativos no Brasil” que entre
2015 e 2016 houve um aumento de 25% dos ganhos em lojas de aplicativos do Google Play e
IOS App Store. Nos Estados Unidos, a economia cresce 30% ao ano, em seguida, o autor
apresenta que o Brasil semelhante crescimento. A partir de 2011, o valor investido é de 1,3
bilhões ao ano e, em 2017 o setor cresceria mais 5,7% em meio a crise econômica, bem como
a reflexão no número de empregos (LONG, 2017). Para mais, o estudo User Interface Design,
destaca o custo de produção e a importância de uma boa interface para o sucesso de um software
(UNICAMP, 2015).
A outro giro, partido de uma análise dos litígios criados pelo instituto do trade dress,
considera-se alguns problemas. Com isso, Almeida e Reis (2016) ressaltam o risco de
subjetividade nas decisões sobre o instituto que não são regulamentadas. Assim, os autores
acrescentam aos requisitos americanos a anterioridade e risco abstrato, contudo, considera-se o
primeiro já abrangido no requisito de conjunto distintivo, pois é tautológico a anterioridade da
propriedade industrial em relação à anterior para ser protegida. Demais, no segundo caso, o
risco abstrato é um conceito melhor que a confusão do consumidor, embora sejam muito
semelhantes. Além disso, o conflito de decisões do instituto já ostenta algum padrão, como a
prova técnica, já assegurado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Recurso Especial n°
1.778.910/SP (BRASIL, 2018).
Por fim, fazendo uma reflexão sobre as possíveis sanções aplicadas. Diferentemente
daquelas aplicadas pela LPI nos crimes contra a propriedade industrial (BRASIL, 1996), não
seria possível, pela regra constitucional da legalidade, do artigo 5°, inciso XXXIX (BRASIL,
1988), tampouco efetivo, pois o objetivo do requerente seria a reparação dos danos. Portanto,

76
com base na reparação pelo ilícito civil, do artigo 927 do Código Civil, e com atenção ao abuso
de direito, 187 do código civil, propõe-se uma mudança nas sanções. Primeiro, nas decisões o
comum é a condenação a abster-se do uso da marca e pagamento de danos morais. Apesar disso,
caberia, da mesma forma, o pagamento por danos emergentes e lucros cessantes, certificados
pela violação de trade dress, pois, além de ferir os direitos da personalidade, há também uma
repercussão patrimonial da ilicitude, pela confusão dos consumidores (SÃO PAULO, 2020).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após reflexão sobre os aspectos jurídicos e sociais da importação do instituto do trade


dress para a proteção dos softwares, entende-se como coerente a consolidação da jurisprudência
brasileira em defender o conjunto imagem, ampliando a proteção assegurada pela Propriedade
Industrial para bens ainda não registrados formalmente. Demais, é necessário o reconhecimento
que os softwares brasileiros podem e devem ser protegidos.
Dessa forma, em observância dos cenários brasileiros e americanos, nota-se que seguem
um caminho parecido de proteção da propriedade intelectual para incentivar o
desenvolvimento. Embora os Estados Unidos tenham discussões mais antigas, devido a
industrialização mais antiga do país, percebe-se a similitude ao passo que o Brasil desenvolve
sua indústria de softwares, mas de maneira muito mais abrupta, pelo desenvolvimento tardio,
sendo coerente a adoção do instituto para sofwares mediante às ressalvas supraditas.
Por último, o princípio da livre concorrência, extraído da concretude do juízo normativo
brasileiro, foi bem observado pelos juízes que perceberam o aumento de importância
demonstrado pelos novos conflitos de conjunto imagem. Assim sendo, reitera-se que a
propriedade industrial, no caso do trade dress, tem uma natureza de reparação civil, a pena deve
permanecer como ultima ratio, o Direito deve ser levado a sério.

6. REFERÊNCIAS

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da República, 1988. Disponível em:
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2020.

77
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propriedade industrial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm.
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2015. Disponível em: https://bit.ly/3dfgEWU. Acesso em: maio 29 maio 2020.
WITKER, Jorge. Como elaborar uma tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

78
TELETRABALHO: A SOLUÇÃO EM MEIO À PANDEMIA.
TELETRAVEL: THE PANDEMIC SOLUTION

Bárbara Andressa Ferreira Prado

Resumo
O presente artigo busca demonstrar que com o avanço da tecnologia surgiram inúmeras
formas de obter renda usando tecnologias de informação e comunicação e, não havia até a
edição da Lei 13.647/17, nenhuma norma que tratasse sobre os trabalhadores desse meio.
Apesar de regulamentar a situação do teletrabalhador, a Lei é omissa quanto os aspectos
relacionados à forma de emprego em questão. Considera-se então necessário ressaltar a
relevância do instituto do teletrabalho como forma de proteção das relações de emprego no
atual momento em que o mundo se encontra em decorrência do COVID-19.

Palavras-chave: Teletrabalho, Teletrabalhador, Tecnologia, Corona vírus

Abstract/Resumen/Résumé
This article seeks to demonstrate that with the advancement of technology, numerous ways of
obtaining income using information and communication technologies have emerged and,
until the enactment of Law 13.647 / 17, there was no norm that dealt with workers in this
environment. Despite regulating the situation of teleworkers, the Law is silent on aspects
related to the form of employment in question. It is then considered necessary to emphasize
the relevance of the teleworking institute as a way of protecting employment relations at the
present moment in which the world is experiencing as a result of COVID-19.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Teleworking, Teleworker, Technology, Corona virus

79
INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da internet esta foi utilizada pelo ser humano de diversas formas e
visando variadas finalidades e, aos poucos, percebeu-se que além de veicular informação em um
curto período de tempo, conhecer pessoas que moravam em lugares distantes e entretenimento e
lazer, a internet também podia ser usada como recurso importante para a obtenção de renda sem a
necessidade de sair de casa.

O presente artigo tratará de tema abordado de forma breve na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), sendo assim tal tema merece atenção considerando o momento atual vivido
não só pelo país, mas por todo o mundo. Assim, procurará demonstrar que com a orientação de
isolamento social como medida de contenção do COVID-19 dada pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), se faz necessário o estudo do que viria a ser o instituto do teletrabalho como forma
de proteção das relações de emprego no atual cenário.

PROBLEMA DE PESQUISA

Considerando o cenário atual no qual o país se encontra e a orientação de isolamento social


dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o problema desta pesquisa é perquirir: de que
maneira o instituto do teletrabalho é capaz de proteger as relações de emprego em meio à
pandemia? Para tanto abordará os seguintes aspectos: teletrabalho como trabalho a distância,
jornada de trabalho do teletrabalhador, regime de trabalho, responsabilidade do empregador:
atividade e empreendimento e saúde e segurança do teletrabalhador.

OBJETIVOS

Quanto ao objetivo a ser alcançado, refere-se à tentativa de esclarecer em primeiro plano,


no que consiste tal modalidade de trabalho e o que a diferencia das demais, bem como propiciar
que os próprios trabalhadores que se encontram nessa situação devido à pandemia compreendam
quais são os seus direitos e os que desejam alterar a modalidade de trabalho presencial para o
teletrabalho possam entender se sua função pode ser desempenhada de tal forma.

MÉTODO

Para a obtenção dos resultados almejados no presente artigo, será utilizado o método
dedutivo que parte das teorias e leis consideradas gerais e universais buscando explicar a

80
ocorrência de fenômenos particulares, de forma a alcançar os objetivos propostos na problemática
em tela e posteriormente, uma conclusão do que se consignou na pesquisa.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

É de conhecimento geral que devido à evolução da tecnologia a sociedade adotou novos


meios para retirar por meio deste seu sustento, logo se fez necessário adotar novas formas de
proteção aos trabalhadores dessa área, com isso foi incluído pela Lei 12.551/11 o artigo 6º da CLT:
Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o
executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam
caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e
supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos
de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

O primeiro passo tomado foi o expresso reconhecimento legislativo do teletrabalho como


modalidade de trabalho a distância, aceitando ainda os meios telemáticos para fim de controle e
supervisão do trabalho. Deve se ressaltar ainda que o empregado em domicílio não se confunde
com o teletrabalhador à medida que o trabalho deste se baseia em atividades que exigem
conhecimentos especializados e o trabalho daquele se baseia em atividades manuais (GARCIA,
2018, p.208).
Atenção merece ser dada a Medida Provisória 297/20 editada com o intuito de estabelecer
medidas para enfrentar os impactos econômicos provenientes da pandemia e isolamento social,
referido dispositivo abarcou o instituto do teletrabalho em seu art.3º, inc.I, como um dos meios
possíveis por iniciativa do empregador, independentemente de existir acordos individuais ou
coletivos e sendo dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, com
o fim de evitar/minimizar o impacto, devendo o empregado ser notificado da alteração com
antecedência de 48h, pelo menos, por meio escrito ou eletrônico.
A duração de trabalho encontra respaldo legal no art.7º da Constituição Federal de 1988,
sendo dito que a duração do trabalho será de 08 horas por dia e 44 horas semanais partindo, desse
ponto, a primeira discussão em torno do tema ao passo que no art.62, III, da CLT com redação dada
pela Lei 13.467/17, é coibido ao teletrabalhador se submeter ao controle da jornada de trabalho:
De fato, no passado era difícil a mensuração do trabalho de um empregado em domicílio.
Mas diante das novas tecnologias que permitem, em tempo real, o contato entre o
empregado e o patrão, este meio de trabalho tem sido mais controlado e fiscalizado.
Absurdo, por isso, o comando legal que exclui os teletrabalhadores de tantos benefícios
pela mera presunção de que não são controlados. Estes também deveriam ter os mesmos
direitos de todos os demais trabalhadores externos. (CASSAR, 2018, p. 121)

81
Ainda se torna relevante mencionar que somente o fato de o empregado exercer a atividade
fora das dependências do empregador não configura a exclusão do mesmo do controle de jornada
de trabalho, para tanto se faz necessário que a atividade seja completamente incompatível com a
fixação de horários (devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência
Social) e ainda que não haja qualquer outra forma de controle de tal jornada, se não presentes esses
requisitos não se aplicará o disposto no artigo 62, III da CLT.
A crítica principal se faz pelo fato de que ao se excluir esses trabalhadores do capítulo que
trata sobre a jornada de trabalho, a Lei os torna inaptos a receber os direitos referentes à duração de
trabalho, quais sejam: jornada máxima de trabalho, horas extras, intervalos intra e interjornadas,
descanso semanal remunerado, hora noturna reduzida, adicional noturno, entre outros.
Sob tal perspectiva cria-se, portanto o questionamento se tal norma seria
inconstitucional:
Por isso, é possível questionar a constitucionalidade da referida exclusão, uma vez que
a Constituição Federal de 1988 assegura não só o direito à duração do trabalho limitada
a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (art.7º, incisso XIII), mas também à
remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (art.7º, inciso IX) e à
remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à
do normal (art.7º, inciso XVI), sem estabelecer quaisquer exceções. (GARCIA, 2018,
p.797)

De forma comparativa, o Código de Trabalho de Portugal de 2019 em seu artigo 169, 1º


trata do assunto com certa grandiosidade:

Artigo 169º 1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres


dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere à formação e promoção ou
carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de
trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de
trabalho ou doença profissional.

Tal dispositivo ainda se contraria com o próprio artigo 6º, §único da CLT por impedir que
o empregado desfrute dos direitos referentes à duração de trabalho com a justificativa de que não
há o efetivo controle das horas trabalhadas pelo empregado, quando na verdade os meios
telemáticos se assemelham aos meios pessoais e diretos para controle e fiscalização do trabalho
e subordinação, e sobre tal assunto a MP 297/20 traz ressalva ao fato de que o tempo fora da
jornada normal de trabalho do empregado não constitui tempo à disposição do empregador,
regime de prontidão ou sobreaviso, a menos que haja previsão em acordo individual ou coletivo.

82
De acordo com a Reforma Trabalhista o empregado tem duas possibilidades: o
trabalhador presencial (exerce atividade na própria empresa) pode passar a ser teletrabalhador e
o teletrabalhador poderá se tornar trabalhador presencial, porém as regras não se aplicam de
forma semelhante nos dois casos. Para o trabalhador presencial que queira alterar seu regime de
trabalho para home office, será aplicado o disposto no artigo 75-C, §1º da CLT sendo permitida
tal alteração desde que haja previsão contratual escrita e mútuo consentimento.
É perceptível, no entanto, que tal dispositivo poderá se tornar letra morta pelo fato de
muito provavelmente, em virtude das vantagens relacionadas ao não pagamento dos direitos
referentes à duração de trabalho, o empregador poderá coagir o empregado a concordar com a
alteração, caso contrário será dispensado.
Na alteração contratual do teletrabalho para trabalho presencial, o §2º do artigo 75-C da
CLT preceitua que deverá haver não somente a vontade do empregado, mas também a
determinação do empregador, ou seja: “A norma legal, como se pode notar, não autoriza que a
modificação para o regime presencial ocorra em razão apenas da vontade do empregado, mas por
determinação do empregador, no exercício do seu poder de direção e de organização”.
(GARCIA, 2018, p. 211)

No que se refere à responsabilidade pela aquisição manutenção ou fornecimento dos


equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para atividade exercida no teletrabalho, o
artigo 75-D da CLT preceitua o seguinte:

Art. 75-D: As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou


fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à
prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo
empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a
remuneração do empregado.

Nota-se, portanto obscuridade na norma, pelo fato de a lei não dispor com clareza a quem
essa responsabilidade será aferida, uma vez que diz que esta será prevista em contrato escrito. No
entanto o entendimento que defende é o de que tal responsabilidade cairá sobre o empregador, pois
a “empresa corre os riscos do empreendimento e da atividade desenvolvida” (GARCIA, 2018,
p.211).
No entanto, a MP 297/20 trouxe a previsão em seu art.3º esclarece que no que se refere ao
art.75-D da CLT, tal contrato escrito deve ser firmado previamente ou no prazo de 30 dias, a contar

83
da data de alteração no regime do trabalho e, ainda, no art.4º, §4º e incisos, esclarece que caso o
empregado não possua os meios para executar o serviço de casa o empregador poderá fornecer os
equipamentos por meio de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, desvinculados da verba
salarial ou ainda, caso o comodato não seja possível, o período da jornada normal de trabalho será
computado como tempo a disposição do empregador.
Porém, a MP em questão leva em consideração a calamidade pública atual, após esse
período vale questionar até que ponto a responsabilidade seria do empregador e se esta se daria de
forma limitada ou não, visto que por permitir o exercício da atividade na própria residência do
empregado; o gasto referente ao consumo de energia, internet e equipamento para o trabalho
(computador/notebook, por exemplo), muito provavelmente já existia antes mesmo do início do
teletrabalho.
Ipso facto, muita atenção deve ser dada na confecção do contrato para que os direitos do
trabalhador não sejam “atropelados” por a lei permitir dupla interpretação:
Um empreendimento, para ter sucesso, depende de muitos fatores além de sorte, e quem
corre o risco do negócio é sempre o empregador. Este é um critério diferenciador, já que
todos os outros requisitos podem estar presentes, muitas vezes em maior ou menor
intensidade, mas se o trabalhador correr o risco do empreendimento, empregado não será.
O caput do art. 2º da CLT é claro nesse sentido. [...]
b) o teletrabalhador, dependendo do ajuste, pode arcar com os custos da aquisição,
manutenção dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura do trabalho (art. 75-D da
CLT). (CASSAR, 2018, p.34)

É de extrema importância que tal norma seja aplicada (inclusive na confecção do contrato)
sempre observando o in dubio pro operario, para resguardar o empregado de exercer atividade que
não corresponda à sua função, ficando ele incumbido de arcar com os riscos referentes à sua
própria saúde e com o material utilizado no trabalho, trazendo prejuízos para o mesmo. Ainda é
relevante mencionar que tais equipamentos serão unicamente usados para o exercício do trabalho,
conforme disposto na parte final do §único do art.75-D; não sendo utilizados como
contraprestação/remuneração do trabalho feito pelo empregado.
A Reforma agiu de modo demasiadamente perfunctório em relação às medidas de saúde e
segurança do teletrabalhador, ao ponto em que no art.75 – E da CLT é preceituado, de forma
sucinta, que o empregador só terá como ônus orientar sobre medidas preventivas das doenças e
acidentes do trabalho e que o trabalhador deve assinar um termo de responsabilidade, se
comprometendo em seguir as orientações dadas pelo empregador.

84
Ocorre que alguns doutrinadores se opõem a essa norma por entender que mesmo que o
risco seja pouco, o empregador deveria ser responsabilizado pelos riscos da atividade exercida
em razão da previsão contida no art.7º, XXII, CF/88 que garante o direito social do trabalhador a
efetiva redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança, sob o tema em questão “se o empregado adquirir uma doença profissional
(tenossinovite, por exemplo), o empregador estará isento de qualquer responsabilidade subjetiva
pelo acidente de trabalho” (CASSAR, 2018, p.121).
Em consequência disso, se faz necessário questionar a possibilidade de mesmo se
respeitadas às orientações dadas pelo empregador, o empregado vier a ter sua saúde debilitada em
virtude do uso excessivo do computador, por exemplo, como se dará a proteção a este trabalhador
no caso concreto. Dado o exposto, a interpretação de tal norma no caso concreto não deverá se
limitar somente à mera orientação do empregador como também providenciar meios que
possibilitem a real proteção à saúde do empregador, novamente, devendo se observar o in dubio
pro operario.

CONCLUSÃO

Como restou demonstrado, o momento em que a CLT entrou em vigor era diferente do
momento atual vivido pelo país, não havia isolamento social e o serviço poderia ser realizado em
qualquer lugar que fosse necessário. Neste cenário atual, é necessário dar mais atenção aos
trabalhadores do que antes, pois agora se trata de uma questão mundial e que caso não seja tratada
com a devida atenção causará mais impacto econômico no país do que se é o esperado por conta do
COVID-19, sendo esta a preocupação demonstrada pelo Poder Executivo ao editar a MP 297/20.
Em síntese, tal instituto se encontra em perfeita consonância para proteger as relações de
trabalho cujo serviço possa se realizar fora das dependências da empresa e com uso das tecnologias,
tais como serviço de escritório e serviço da área judicial em grande escala com o uso do sistema do
Processo Judicial Eletrônico, por exemplo, garantindo a mantença de parcela da população que se
encontra nessas funções, bem como respeitando o isolamento social necessário para o bem da
sociedade como um todo.
Desta forma, o teletrabalho se utiliza de meios tecnológicos para que o serviço possa ser
realizado pelo empregado do conforto e segurança de sua casa, contribuindo para que haja o

85
respeito ao isolamento social e ainda que o empregado/empregador não seja prejudicado em
virtude da necessidade de ter de interromper o serviço prestado e suspender o contrato de trabalho
para evitar aglomerações e disseminação do COVID-19, sendo a forma mais adequada para a
proteção das relações de trabalho no momento.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Acesso em: 14 jun.20.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis Trabalhistas. Diário
Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 1º maio. 1943.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm.
Acesso em: 14 jun.20.

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Consolidação das Leis Trabalhistas.


Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 2017.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm#art1.
Acesso em: 14 jun.20.

BRASIL. Medida provisória nº 927, de 22 de março de 2020. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 22 mar.2020. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm#:~:text=MPV%209
27&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20medidas%20trabalhistas,)%2C%20e%20d%C3%A
1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em: 14 jun.20.

CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de Direito do Trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2018.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 11. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018.

86
STARTUP E SUA PROPRIEDADE INTELECTUAL: DEFINIÇÃO E ASPECTOS
JURÍDICOS
STARTUP AND ITS INTELLECTUAL PROPERTY: DEFINITION AND LEGAL
ASPECTS

Larissa Lauane Rodrigues Vieira

Resumo
A pesquisa exposta pretende analisar o conceito e fundamentações das startups, buscando
compreender o seu funcionamento e desdobramentos no campo do direito. O estudo também
considera uma interpretação comparativa entre as startups e os aspectos legais, assim como
possui como um dos principais objetivos o fomento de uma discussão sobre a propriedade
intelectual referente aos empreendimentos realizados por meio das startups. A necessidade da
produção científica acerca do tema, pode ser considerada devido a sua relevância no plano
jurídico, dada a atualidade das discussões envolvendo o assunto.

Palavras-chave: Startup, Propriedade intelectual, Proteção jurídica

Abstract/Resumen/Résumé
The exposed research intends to analyze the concept and foundations of startups, seeking to
understand their functioning and developments in the field of law. The study also considers a
comparative interpretation between the startups and the legal aspects, as well as having as
one of the main objectives the promotion of a discussion about the intellectual property
regarding the ventures carried out through the startups. The need for scientific production on
the topic can be considered due to its relevance from the legal plane, given the currentness of
discussions involving the subject.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Startup, Intellectual property, Legal protection

87
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As startups, principalmente nas últimas décadas, vêm se tornando cada vez mais
comuns no mercado nacional e internacional, tornando necessária uma intervenção
jurídica com o objetivo de regulamentar e definir, em aspectos legais, o seu
funcionamento. Dessa forma, a pesquisa exposta possui como cerne o desempenho dessas
empresas no que diz respeito a sua atuação e efeitos no plano jurídico, assim como se
propõe a discutir acerca da definição de startup. Por conseguinte, de maneira mais
específica, o trabalho busca a produção de um estudo sobre a contribuição do direito para
com a proteção da propriedade intelectual destas empresas.
O objetivo principal da presente pesquisa é promover um debate sobre estes
empreendimentos, principalmente no que diz respeito à propriedade intelectual e à sua
regulamentação no campo jurídico. Para tanto, o estudo baseia-se nas perspectivas social,
histórica e científica com o intento de ampliar o conhecimento e divulgação da temática.
A presente pesquisa pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica.
Relativamente ao tipo de investigação, foi escolhido, conforme a classificação de Witker
(1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo e a técnica escolhida foi a pesquisa
teórica. No que se refere ao tipo de raciocínio, utilizou-se principalmente o dialético. Em
frente a amplitude e complexidade do tema, o trabalho se propõe a refletir sobre a atuação
das startups e acerca dos aspectos jurídicos referentes a estes empreendimentos,
precipuamente no tocante à propriedade intelectual.

2. STARTUP: CONCEITOS E FUNDAMENTOS


A expressão startup é proveniente da língua inglesa, possuindo como significado
“uma empresa que está no início, isto é, que acabou de ser criada” (BARBOSA, 2017).
Com o surgimento do termo sendo datado, de forma geral, da década de 70, somente na
década de 90 e no início do século 21 é que a palavra passou a ser comumente utilizada
já que, neste período, houve a criação de diferentes tipos de empreendimentos que se
enquadravam no conceito (FEIGELSON; FONSECA; NYBO, 2018).
Isto posto, o termo é de difícil conceituação, mesmo que de muita importância na
atualidade, seja para o mercado financeiro, ou mesmo para que o direito, que deve atuar
na sua regulamentação e proteção. Assim sendo, antes das definições jurídicas que dizem
respeito às startups, se faz necessária uma análise de seus fundamentos para uma melhor
compreensão tanto do seu funcionamento, quanto do seu significado na sociedade atual.

88
Na obra “Direito das Startups”, com a finalidade de apresentar um estudo mais
didático e a formação de um conceito mais nítido, são elencadas várias características
relacionadas com a identificação de uma startup. Uma das particularidades se trata do fato
de que as startups são empresas que estão em estágio inicial, isto é, tendo como principal
propósito o desenvolvimento de um pensamento transformador, não possui uma
organização interna, nem mesmo a definição de um tipo de negócio em específico, “sendo
notadamente carente de processos internos e organização” (FEIGELSON; FONSECA;
NYBO, 2018).
Outra qualidade desse modelo de empresa, abordada na mesma obra já
mencionada, é o controle de gastos e de custos realizado pelos idealizadores destas ideias
inovadoras. Dessa forma, são utilizadas, de maneira preponderante, as capacidades
particulares destes idealizadores, com o principal objetivo de destinar o dinheiro que seria
gasto, por exemplo, com a contratação de mais funcionários, em investimento no próprio
serviço ou produto que deu início à formação da startup. A prática apresentada é
conhecida como “bootstrapping” e é explicada por Yuri Gitahy, especialista em startup,
em uma matéria da Revista Exame:
O termo é difícil de traduzir, mas é fácil de entender e muito importante para
empreendedores de startups. Bootstrap significa criar sua startup usando
somente recursos próprios, apertando os cintos do time e não recorrendo a
investidores externos. Se há alguma entrada de capital, ela vem dos primeiros
clientes. A tradução literal de “bootstrap” é alça de bota – aquele pedaço de
couro ou tecido que fica atrás da bota e acima do calcanhar, facilitando puxá-
la com as mãos na hora de calçar. O termo “levantar a si próprio pelas alças da
bota” era usado desde o século XIX para ilustrar tarefas impossíveis, como
pular uma cerca alta puxando suas próprias botas com as mãos. A metáfora de
fazer o boostrapping da sua startup indica justamente esse processo auto-
sustentável de alavancar a si próprio (GITAHY, 2011).

Assim sendo, a característica apresentada acima é uma das mais importantes para
que haja o estabelecimento de uma startup, já que, diferentemente da maioria dos
negócios, já comuns no mercado, que dependem intimamente de alguma forma de
investimento externo, a startup tenta atuar de forma mais independente, valorizando
recursos internos e serviços prestados pelos seus próprios fundadores e,
consequentemente, controlando muito mais os gastos relacionados aos seus produtos.
Também relacionada com o “bootstrapping”, outra técnica utilizada é a elaboração do
produto ou serviço da empresa da maneira mais simples possível, com o propósito de
“verificar se realmente existe demanda e para manter os custos iniciais da startup baixos”,
sendo este produto chamado de Produto Mínimo Viável (FEIGELSON; FONSECA;
NYBO, 2018).

89
Por fim, dentre outras essenciais particularidades, uma que basicamente define o
conceito de startup é a inovação, ou seja, o desenvolvimento da empresa está, na maior
parte das vezes, senão em todas, acompanhado por algum tipo de tecnologia, sem contar,
ainda, com o quesito incerteza que permeia essa inovação oferecida pelas startups. Essa
característica é bem explicada por Eric Ries, em seu livro “A Startup Enxuta”:
Também é importante que a palavra inovação seja compreendida amplamente.
As startups utilizam muitos tipos de inovação: descobertas científicas
originais, um novo uso para uma tecnologia existente, criação de um novo
modelo de negócios que libera um valor que estava oculto, ou a simples
disponibilização do produto ou serviço num novo local ou para um conjunto
de clientes anteriormente mal atendidos. Em todos esses casos, a inovação é o
cerne do sucesso da empresa. Há mais uma parte importante dessa definição:
o contexto no qual a inovação acontece. A maiorias das empresas – grandes e
pequenas – estão excluídas desses contextos. As startups são projetadas para
enfrentar situações de extrema incerteza. Abrir uma nova empresa, que seja
um clone exato de um negócio existente, copiando modelo de negócios,
precificação, cliente-alvo e produto, pode até ser um investimento econômico
atraente, mas não é uma startup, pois seu sucesso depende somente da
execução – tanto que esse sucesso pode ser modelado com grande exatidão
(RIES, 2012).

Portanto, as startups são caracterizadas por uma série de atributos específicos que
definem o exercício da sua atividade e o seu funcionamento. Devido a isso, há a
necessidade de que o direito atue no que se refere a este tipo de empreendimento, não
somente devido a sua atualidade e fixação no mercado, mas também por causa das
especificidades que definem estas empresas no mercado de consumo.

3. PROTEÇÃO JURÍDICA DAS STARTUPS E DE SUA PROPRIEDADE


INTELECTUAL
As Startups são criadas com base na inovação, isto é, na produção, de maneira
rápida, de produtos necessários no mercado em determinado momento, que, na maioria
das vezes, estão relacionados com alguma tecnologia. Dessa forma, com a criação de uma
Startup, há a necessidade de uma proteção jurídica da ideia inovadora, que é conhecida,
no âmbito jurídico, como propriedade intelectual. Como já abordado na pesquisa, as
Startups são criadas com a utilização de recursos internos, sendo que a ideia
transformadora de seu produto ou serviço representa quase que a totalidade do
empreendimento, o que demonstra a importância da proteção desse invento.
Em consonância com essa proteção, um dos principais pontos refere-se à marca,
que, de acordo com o livro “Direito e Cultura: Aspectos Jurídicos da Gestão e Produção
Cultural”, possui diferentes classificações, dentre elas: marca nominal, “formada por
palavras ou pelo conjunto de palavras que as diferencia das demais”; marca figurativa,

90
“composta exclusivamente por figuras ou desenhos de forma gráfica”; marca mista,
“composta pela junção de elementos nominativos linguísticos”; e marca tridimensional,
“constituída de forma plástica em três dimensões” (DRUMOND; NEUMAYR, 2011). A
marca é regulamentada pela Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) e, de acordo
com o art. 122 da lei, “são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (BRASIL, 1996).
Isto é, a marca distingue determinado produto ou serviço de outros, sendo extremamente
necessária para identificar determinado negócio, e, ainda, seu registro também é essencial
para que outras pessoas não possam se utilizar da marca no mercado de consumo, como
afirmado por Amanda Novaes Godinho, na obra “Legal Talks: Startups à Luz do Direito
Brasileiro”:
Podemos afirmar que será a marca, em muitos casos, o que determinará o
sucesso da sua empresa num primeiro momento. Ou seja, é ela quem irá, em
primeiro lugar, te diferenciar dos demais dentro desse imenso mercado
competitivo. É por essa razão, que os empreendedores devem estar atentos
na hora de escolher sua marca e, após defini-la, de registrá-la a fim de
minimizar os riscos em perdê-la para algum concorrente (GODINHO, 2017).
A proteção da marca é adquirida por meio do INPI (Instituto Nacional de
Propriedade Industrial), em que, pela internet, realiza-se uma busca sobre a
disponibilidade da marca escolhida. O processo de registro da marca pode ser iniciado de
forma eletrônica ou de maneira física, podendo ocorrer, durante esse processo, oposições,
manifestações acerca dessas oposições e outros recursos administrativos, o que torna
primordial a presença de um profissional da área jurídica (GODINHO, 2017). Quando
efetuado o registro da marca, há uma proteção jurídica de 10 anos, sendo depois desse
prazo necessária a renovação, ou então haverá a perda da utilização da marca de forma
exclusiva.
Quanto a compra de domínio, o artigo 129 da Lei 9.279 deixa bem claro que “a
propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as
disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território
nacional” (BRASIL, 1996). Assim sendo, comprar o domínio não é garantia de proteção
da sua marca, sendo que, de acordo com o artigo mencionado, a proteção legal está
intimamente relacionada com o registro da marca da empresa no INPI, que é o Instituto
competente em realizar o registro e proporcionar a proteção da marca.
Outro aspecto que deve ser considerado em relação à proteção jurídica das startups
se trata do “software”, ou seja, o sistema operacional que está relacionado com a criação

91
do empreendimento ou com o produto ou serviço oferecido pela empresa. No tocante a
isso, a Lei 9.609, que “dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de
computador, sua comercialização no País, e dá outras providências”, estabelece em um
dos seus dispositivos:
Art. 3º Os programas de computador poderão, a critério do titular, ser
registrados em órgão ou entidade a ser designado por ato do Poder Executivo,
por iniciativa do Ministério responsável pela política de ciência e tecnologia.
(Regulamento) § 1º O pedido de registro estabelecido neste artigo deverá
conter, pelo menos, as seguintes informações: I - os dados referentes ao autor
do programa de computador e ao titular, se distinto do autor, sejam pessoas
físicas ou jurídicas; II - a identificação e descrição funcional do programa de
computador; e III - os trechos do programa e outros dados que se considerar
suficientes para identificá-lo e caracterizar sua originalidade, ressalvando-se
os direitos de terceiros e a responsabilidade do Governo. § 2º As informações
referidas no inciso III do parágrafo anterior são de caráter sigiloso, não
podendo ser reveladas, salvo por ordem judicial ou a requerimento do próprio
titular (BRASIL, 1998).
Á vista disso, existem protocolos legislativos para garantir a proteção jurídica das
startups criadas e desenvolvidas no Brasil, sendo que, no artigo apresentado acima, há a
proteção dos direitos do autor da propriedade intelectual desenvolvida em determinada
empresa. Com isso afirmado, é explícita a relevância do registro e do acompanhamento
de profissionais do direito para garantir que a propriedade intelectual destas empresas
que, muitas vezes, são iniciadas por seus próprios fundadores de forma exclusiva, seja
devidamente assegurada no âmbito legal.
Ademais, a Lei do Marco Civil e suas respectivas definições também são aplicadas
às startups, já que estão diretamente relacionadas com a internet. Portanto, os
administradores das startups devem garantir a proteção dos seus usuários, isso é, a
empresa deve atuar para com a garantia de que os dados e informações dos seus clientes
não serão compartilhados de maneira indevida, assegurando a privacidade e o contrato
firmado entre a startup e seu cliente. Por fim, de acordo com Rayssa de Castro Alves, é
importante ressaltar que “A startup deve ficar atenta também se está enquadrada na
categoria de provedor de conexão ou de aplicação, pois pode haver obrigação de
armazenar dados de seus usuários por algum tempo”, assim como é primordial a
existência de “Contratos, Termos de Uso ou Política de Privacidade” (ALVES, 2017).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

92
Conclui-se, portanto, que o estudo referente às startups é extremamente atual e
necessário no âmbito do direito, não somente devido ao que foi apresentado durante o
desenvolvimento da pesquisa, mas também devido ao fato de que regulamentações mais
atuais, como a Lei Complementar 167 de 2019, que criou um regime especial simplificado
de tributação para startups, devem ser discutidas. Dessa maneira, é importante que seja
feita uma análise comparativa entre as leis que atualmente são aplicadas em relação às
startups para uma atuação mais completa por parte dos pesquisadores e operadores do
direito.
Para mais, com a atualidade da temática e as especificidades que as startups
possuem, é necessária uma análise acerca da consideração ou não de se criar uma
regulamentação que atue de uma forma mais integral quanto a formação e funcionamento
de startups no Brasil. Outro ponto que deve ser considerado é que, para uma atuação
eficiente por parte dos profissionais do direito em relação às startups, definições mais
específicas são fundamentais para que estes profissionais trabalhem de maneira mais
apropriada, a depender do caso concreto.
Por consequência, o presente trabalho afirma a importância acerca da temática
abordada, tendo em vista, ainda, que as startups são cada vez mais comuns no mercado
de consumo. Com isso, declara-se a necessidade de que o direito atue de maneira eficaz
para com a proteção e garantia tanto das startups, quanto de seus clientes e de sua própria
propriedade intelectual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Leopoldino da. (Orgs.). Legal Talks: Startups à luz do direito brasileiro. Porto Alegre:
Editora Fi, 2017.

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de Dinheiro), a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e a Lei Complementar nº 123,
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93
BRASIL. Lei de software (1998). Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Lei de
software. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9609.htm>.
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FEIGELSON, Bruno; FONSECA, Victor Cabral; NYBO, Erik Fontenele. Direito das
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contínua para criar empresas extremamente bem-sucedidas. São Paulo: Lua de Papel,
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WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y
técnicas para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

94
UMA REFLEXÃO HISTÓRICA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO
A HISTORICAL REFLECTION OF THE INDUSTRIAL REVOLUTION AND
ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN THE JUDICIARY

Stephany de Freitas Faria


Carlos Alberto da Costa

Resumo
A Revolução Industrial impactou e ainda impacta a sociedade em várias esferas. Setores que
num primeiro momento não se pensava ser alvo de tais impactos, talvez por sua natureza e
forma que é prestada à sociedade. O Judiciário se vê cada vez mais impactados pelos efeitos
do processo tecnológico impulsionado pelas transformações desde o século XVIII. A
presente reflexão se dá justamente sobre a perspectiva histórica dessas transformações que
acabaram se dando no judiciário, especialmente com o advento da denominada Inteligência
Artificial, que pode ser um importante aliado inclusive para a celeridade da prestação
jurisdicional.

Palavras-chave: Inteligência artificial, Judiciário, Revolução industrial

Abstract/Resumen/Résumé
The Industrial Revolution impacted and still impacts society in several spheres. Sectors that
at first were not thought to be the target of such impacts, perhaps due to their nature and the
way they are rendered to society. The Judiciary is increasingly impacted by the effects of the
technological process driven by changes since the 18th century. The present reflection takes
place precisely on the historical perspective of these transformations that ended up taking
place in the judiciary, especially with the advent of the so-called Artificial Intelligence,
which can be important ally even for the speed of the judicial provision.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Artificial intelligence, Judiciary, Industrial revolution

95
UMA REFLEXÃO HISTÓRICA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO

RESUMO: A Revolução Industrial impactou e ainda impacta a sociedade em várias


esferas. Setores que num primeiro momento não se pensava ser alvo de tais impactos,
talvez por sua natureza e forma que é prestada à sociedade. O Judiciário se vê cada vez
mais impactados pelos efeitos do processo tecnológico impulsionado pelas
transformações desde o século XVIII. A presente reflexão se dá justamente sobre a
perspectiva histórica dessas transformações que acabaram se dando no judiciário,
especialmente com o advento da denominada Inteligência Artificial, que pode ser um
importante aliado inclusive para a celeridade da prestação jurisdicional.

PALAVRAS-CHAVE: Inteligência Artificial, Judiciário, Revolução Industrial.

INTRODUÇÃO

A busca pelo desenvolvimento sempre foi um interesse dos seres humanos,


sobretudo para melhorar o modo como se viver, seja inventando ou aperfeiçoando
aquilo que já foi feito. Sem essa insistência incessante, nos humanos, a estagnação seria
um caminho certo. De acordo com (BEZERRA, 2019), em 1700, algumas sociedades já
haviam adquirido técnicas bastante evoluídas em produções, principalmente no
armazenamento de alimentos.
A partir do ano de 1500, com exploração de novas terras por meio de expansão
marítima, a Inglaterra deu uma passo ainda maior no aumento de suas riquezas, pois as
colônias exploradas possuíam alto número de matéria prima necessária para a produção
de diversos produtos. Através da exploração das colônias os ingleses acabaram que por
se tornar o maior polo de comércio e navegação da época (HISTÓRIA CONTADA,
2019, on line).
Sendo considerada a maior força naval e com grande acumulo de capital, a
considerada burguesia da época, ficou ainda mais rica, fazendo com que ocorresse o
chamado êxodo rural. Sendo uma potência, o governo e a burguesia queriam enriquecer
mais e mais e estes tinham capital suficiente para criações de projetos mais
revolucionários, logo esses fatores deram início a Revolução Industrial.
A partir desse contexto, o mundo passou a ser impacto por seus efeitos. A
presente reflexão se dá justamente sobre a perspectiva histórica das transformações que
foram provocadas, especialmente no poder judiciário, notadamente com o advento da

96
denominada Inteligência Artificial, que pode ser um importante aliado inclusive para a
celeridade da prestação jurisdicional.

1 UMA REFLEXÃO HISTÓRICA DA REVOLUÇÃO INDSTRIAL E DA


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO JUDICIÁRIO

A primeira grande revolução teve o nome de a Primeira Revolução Industrial,


tendo como principais matérias-primas algodão, lã e carvão, e iniciada na Inglaterra no
século XVIII pelo fato de ter sido a primeira potência mundial a desenvolver a máquina
a vapor, que teve como as principais fontes de energia eram o carvão e o próprio vapor,
Hobsbawm (1962) afirma que os criadores da primeira máquina a vapor foram Thomas
Newcomen e James Watt de maneira não linear sendo feita de fato em 1698 e
aperfeiçoada em 1765, tornando oficial a Primeira Revolução Industrial em 1780, com
a produção de tecido, o item de maior produção.
Assim Substituindo a mão de obra humana, por máquinas movidas por algum
tipo de energia. Então na primeira revolução industrial podemos ver o ser humano
sendo de maneira sútil substituído por maquinas. E foi então que o mundo começou a
passar por um período de grande desenvolvimento tecnológico e nesta mesma época
ocorria a revolução francesa que colapsou com a monarquia absolutista, impactando
ainda mais a vida da população, de acordo com (NEVES, 2013) a Revolução Industrial
garantiu não somente o surgimento da indústria, mas também consolidou o processo de
formação e uso do capitalismo através da grande eficácia das maquinas.
Na metade do século XIX houve uma nova Revolução Industrial, em meados
dos anos de 1950 dá-se o advento da Segunda Revolução Industrial, que de acordo
com (XAVIER, 2018) se deu não somente na Inglaterra, mas também na França,
Alemanha, Itália, Estados Unidos e Japão. O que diferencia em grande parte esta
revolução da primeira é o fato de ela ter se expandido de maneira geográfica, não
ficando somente na Inglaterra como foi o caso da primeira.

Tem então nesta determinada Revolução a ideia de inclusão da velocidade


produtiva, surgindo o Fordismo e Taylorismo ambos nos Estados Unidos buscando
otimizar a produção e o tempo, treinando os funcionários para trabalhos repetitivos,
cronometrados e sincronizados, para não desperdiçar o tempo, e ao fim do dia ter uma
produtividade melhor. De acordo com Franco (2011), a base técnica do Taylorismo

97
que é a racionalização e a mecanização, deu margem para que o Fordismo se
apropriasse dessa ideia, criando linhas de produção móvel e equipamentos que
realizavam a produção em massa a ritmos excessivo, como motores elétricos que
poderiam ser acoplados a qualquer aparelho e manuseado por algum operário. De
maneira geral, no Fordismo o trabalhador é colocado em seu posto de trabalho e o
objeto de trabalho é conduzido até ele com objetivo de minguar o tempo gasto na
produção.
Havendo assim como consequência negativa da Segunda Revolução
Industrial a: substituição completa do homem pela máquina, desemprego, acidente de
trabalhos nos ambientes fabris por excesso de movimentos repetitivo e exaustivos que
tiravam a atenção do funcionário que levava ao acidente, crescimento urbano em
capitais com bairros operários em forma de cortiços, a queda de pequenas empresas, e
degradação do meio ambiente.
Neste contexto de Revolução que surgiram as atuais teorias de esquerda,
como movimentos operários, sindicalismo, comunismo, socialismo, anarquismo.
Criando conflito de classes entre burguesia e proletariado e deste modo espalhou-se
pelo mundo. Por outro lado segundo (XAVIER, 2018) temos as criações positivas,
como as invenções de ferrovias e trens velozes, do avião, lâmpadas incandescente,
telegrafo, telefone, o advento da química saindo da sala de aula e indo para o campo
da indústria, surgimento do o plástico, no campo da medicina criação de antibióticos e
criação de vacinas em massa.
A terceira revolução industrial também conhecida como Revolução
Informacional, e é marcada pelo avanço tecnológico em todas as áreas, como genética,
robótica, biotecnologia, informática, entre outros. Tendo seu início no século XX, ano
de 1960, e de acordo com (SOUZA, 2013) ela permanece até o momento atual,
informação essa que causa conflito entre os pensadores e estudiosos da área, sobre o
fato de estarmos ou não vivendo a terceira ou a quarta revolução industrial. Esta
terceira fase da revolução Industrial é marcada pela ligação do avanço tecnológico.
Desse modo vivemos de uma maneira tecnológica incluindo o Direito que
precisou se adaptar a nova forma em que a sociedade se habituou, a tecnologia na área
jurídica passou a ser adotada tanto por advogados, como pelos Tribunais, o que trouxe
inovação e redução de tempo. Uma dessas inovações tecnológicas que trazem
agilidade na rotina dos advogados e no Judiciário de acordo com (KURIER, 2019) é o
processo judicial eletrônico (PJe) .Tal sistema foi desenvolvido ainda no ano de 2011

98
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o
departamento de informática dos Tribunais, onde atos processuais e andamentos
podem ser praticados e acompanhados desde que estejam tramitando na Justiça
Federal, Justiça dos Estados, e Justiça Militar dos Estados ou na Justiça do Trabalho.
Cardoso (2001, p. 135) afirma que:

o “Juiz Eletrônico” possui um banco de dados com informações


jurídicas e combinações de sentenças em inúmeros casos. Após
digitar o nome das partes envolvidas, ó problema apresentado e a
defesa de cada um, o computador expede a decisão. Depois da
formulação da sentença, o juiz pode complementá-la, corrigi-la ou
mesmo substituí-la antes de assiná-la. A adoção do “software”
também diminuiu em pelo menos 85 por cento o tempo da rotina
judicial.

Nesse sentido, a Inteligência artificial, uma das facetas desse


desenvolvimento tecnológico tem sido uma importante aliada do judiciário, sobretudo
contribuindo com a celeridade processual. Segundo Barr (1981), inteligência artificial
é a parte da ciência da computação que compreende entre outros o projeto de sistemas
computacionais que exibem características associadas a comportamentos humanos,
como por exemplo a inteligência. Enquanto que para Charniak (1985, p. 157)
“inteligência artificial é o estudo das faculdades mentais do uso de modelos
computacionais”.
A inteligência artificial, assim, contribuiria de forma decisiva para esse
avanço em especial das decisões judiciais, diminuindo inclusive os custos do processo.
Sobre isso, Cardoso (2001), afirma que a substituição do trabalho braçal pelo
automatizado, contribuindo com a eficiência na qualidade do serviço final, além da
redução de prazos nos processos, favorecendo o cliente final, que será beneficiado.

CONCLUSÃO
É notório que a Revolução Industrial proporcionou inúmeras mudanças na
humanidade. No Brasil, em especial o Judiciário, passados tantos séculos ainda
percebe essas influências, sobretudo como uma de suas facetas, no caso com o
advento da Inteligência Artificial, que atua no sentido de contribuir para reduzir entre
outros, a certa morosidade que pode contribuir para a demora na entrega da prestação
jurisdicional.

99
REFERÊNCIAS
BARR, A; FEIGENBAUM. E.A. (Ed.) The Handbook of Artificial Intelligence.
California: William Kaufmann, 1981. volume l-ll.

BEZERRA, Juliana. O que foi a Revolução Industrial. Significados, 2019.


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tecnologias no processo de julgamento. Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis -
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100
STARTUPS: A IMPORTÂNCIA DO ASSESSORAMENTO JURÍDICO
STARTUPS: THE IMPORTANCE OF LEGAL ADVICE

João Vítor Ferraz Mendes 1

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo constatar a importância do assessoramento jurídico
dentro das startups, bem como, analisar como um profissional do Direito pode atuar dentro
desse ecossistema para mitigar seus problemas. Tal projeto buscou trazer evidências de
características cruciais dessas pequenas empresas e, sendo assim, possibilitando uma análise
crítica e construtiva de como esses profissionais devem agir nesse ambiente de extrema
incerteza. A pesquisa proposta pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. Quanto
à investigação, pertence à classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-
projetivo. Predominará o raciocínio dialético.

Palavras-chave: Startups, Assessoramento jurídico, Direito das startups,


Empreendedorismo, Inovação, Profissional do direito

Abstract/Resumen/Résumé
The present paper aims to verify the importance of legal advice within startups, as well as to
analyze how a Law professional can act within this ecosystem to mitigate their problems.
This project tried to bring evidence of the crucial characteristics of these small companies,
enabling critical and constructive analysis of how these professionals should act in this
environment of extreme uncertainty. The proposed research belongs to the socio-legal
methodological aspect. As for the investigation, it belongs to the classification of Witker
(1985) and Gustin (2010), the juridic-projective type. Dialectical reasoning will predominate.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Startups, Legal advice, Startups law,


Entrepreneurship, Innovation, Law professional

1 Graduando em Direito, modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

101
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa expõe os riscos que as startups correm no dia-a-dia. Por ser uma
empresa jovem com um modelo de negócios repetível e escalável, ela vive em um cenário de
incertezas e soluções a serem desenvolvidas, e necessita de inovação, principalmente no setor
jurídico. Dessa maneira, o presente artigo apresenta a forma que o profissional do direito pode
agir para reduzir os riscos inerentes das startups, como também, mostrar a maneira que esse
profissional pode auxiliar na segurança do serviço ou produto que ela dispõe.
Uma empresa que visa o crescimento necessita de uma boa gestão, e para tanto, é
necessário um auxílio jurídico. É importante salientar que o profissional do Direito é um
diferencial dentro da empresa, em virtude de seu conhecimento na área. Ele pode, por
exemplo, atuar em demandas extrajudiciais para otimizar os riscos inerentes destas empresas e
evitar demandas judiciais. O assessoramento jurídico é importante não só para evitar possíveis
problemas, mas também para dar ao empreendimento a atenção necessária, pois enquanto o
profissional evita falhas em quaisquer formalidades, o empreendedor foca em sua ideia e em
seu negócio.
Erros comuns como a não proteção da marca e um contrato mal feito, costumam
causar a “morte” de uma startup. Equívocos como esses, mostram que um profissional nesse
ecossistema é de primordial importância. Além do mais, as startups trabalham com uma
insegurança muito maior, visto que visam solucionar um problema de forma diferente do que
já é feito, além de trazer novidades para os consumidores, aumentando a competitividade nos
mercados, e por isso, muitas vezes, passam a ser foco de grandes empresas.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Dessarte, a pesquisa se propõe a constatar a importância do
assessoramento jurídico dentro das startups, evidenciando assim, a maneira que um
profissional do Direito pode agir para evitar possíveis problemas.

102
2. O AUXÍLIO JURÍDICO DENTRO DAS STARTUPS

A partir da constatação do fato de os empreendedores deixarem “para depois” o


âmbito jurídico de suas empresas, o modelo de negócio das startups costuma falecer. Antes de
tudo, é importante definir o que é uma startup e quais são suas características principais, para
que assim, tenha-se uma noção prévia para iniciar a discussão do assunto. Por definição da lei
complementar de Nº 167/2019, em seu artigo 65 alínea A:

§1º Considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar


sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos,
os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou,
quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de
natureza disruptiva.

§2º As startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de


incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante
comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização
plena e à obtenção de receita.

Em outras palavras, segundo o conceito extraído do livro “A Startup Enxuta” de Eric


Reis (2012), é possível definir Startup como uma organização humana desenhada para criar
um novo produto ou serviço em um ambiente de extrema incerteza. Partindo do princípio que
uma startup busca um modelo de negócios inovador de alto crescimento (escalável), ela atua,
principalmente, no ramo da tecnologia, que auxilia para que o modelo de negócios seja
rentável, sem aumentar os custos na mesma proporção. Enquanto uma pequena empresa
normalmente comercializa um produto ou serviço mais conhecidos pela população, a startup
busca apresentar para o mercado algo inovador, que solucione um problema que esteja em
vigência, agregando, assim, um maior valor para seus consumidores.
O crescimento é um dos principais pontos dentro de uma startup, e seus gestores
buscam uma “tração” para alavancar o negócio:
Uma Startup é uma empresa projetada para crescer rapidamente. Ser recém- fundada
por si só não faz da empresa uma Startup. Nem é necessário para uma Startup
trabalhar em tecnologia, obter financiamento de risco ou ter algum tipo de ‘Saída’.
A única coisa essencial é o crescimento. Tudo o mais com o qual nós associamos
Startups segue do crescimento. (WEINBERG; MARES, 2014) (tradução nossa)1.

Assim sendo, a tração é um ponto de “decolagem” desse modelo de negócio


específico, fazendo com que, os empreendedores mantenham-se interessados, visando, por
meio desse mecanismo, crescer de maneira escalável.

1
No original: “A startup is a company designed to grow fast. Being newly founded does not in itself make a
company a startup. Nor is it necessary for a startup to work on technology, or take venture funding, ir have some
sort of ‘exit’. The only essential thing is growth. Everything else we associate with startup follows from growth”.

103
Destarte, é interessante salientar que a consultoria e assessoria jurídica empresarial
podem contribuir, por exemplo, em uma atuação de demandas extrajudiciais para otimizar os
riscos inerentes destas empresas e evitar demandas judiciais. Além disso, existem várias
outras coisas que o profissional da área do Direito pode e deve fazer, como analisar o setor
comercial, os contratos empresariais, o tipo societário da empresa, a propriedade intelectual,
como também, fornecer orientações sobre questões cotidianas da atividade empresarial da
startup. Dentre elas pode-se destacar: Revisão e elaboração dos termos de uso da startup,
revisão e elaboração de contratos e distratos empresariais, reestruturação societária, analise
jurídica de operações empresariais, entrada de investimento, operações de desinvestimento,
políticas de privacidade de registro e proteção da marca, pareces técnicos, esclarecimentos
legislativos, consultas de jurisprudência, elaboração de notificações e auxilio jurídico em
negociações complexas.
Startups como o Secret, Theranos, Color, Grooveshark, pereceram devido o não
cuidado dos termos legais necessários. Ou seja, sem o assessoramento jurídico, a empresa
pode falecer antes mesmo de sair do Early Stage:

Estudo realizado pela aceleradora Startup Farm aponta que 74% das startups
brasileiras fecham após cinco anos de existência e 18% delas antes mesmo de
completar dois anos. E o motivo não é majoritariamente falta de aporte ou de
investimento. ‘As principais causas são os conflitos entre os sócios e o
desalinhamento entre a proposta de valor e o interesse do mercado’, diz Igor
Mascarenhas, diretor de investimentos da Farm. VC, área da Startup Farm
responsável pelo acompanhamento da evolução das startups. (BIGARELLI, 2014).

Dessa forma vale destacar o memorando de entendimento e observar que ele é


negligenciado muitas vezes. Isso ocorre porque o novo empreendedor, por falta de
conhecimento na área, acaba por desconsiderar sua utilidade. Entretanto, esse é um detalhe
estratégico de muita importância dentro desse ecossitema, pois, se formulado de maneira
adequada, ele pode instruir as partes envolvidas no negócio, dando um entendimento dos
direitos e das obrigações de cada parte envolvida. Nele, podem-se destacar informações como
a divisão da participação de cada sócio, a forma de remuneração de cada um, a eventual saída
de um sócio, os valores que serão investidos no empreendimento por cada associado, o
alinhamento sobre propriedade intelectual e vários outros.

A elaboração de um memorando de entendimento reveste tal documento de caráter


contratual preliminar em relação a um Contrato Social definitivo, sem, no entanto,
obrigar a sociedade a perpassar pelas burocracias e custos de formalização definitiva
logo no estágio embrionário de suas atividades. (FEIGELSON; NYBO; FONSECA,
2018).

104
Por isso, é de suma importância que haja um auxílio jurídico, seja ele no período das
incubadoras ou no estágio de aceleração, pois, o memorando não substitui o Contrato Social,
ele apenas cria uma garantia quanto aos direitos e obrigações estabelecidas. Em outras
palavras, o “contrato preliminar pressupõe a posterior elaboração de um Contrato Social
definitivo” (FEIGELSON; NYBO; FONSECA, 2018).

3. A INOVAÇÃO NO CAMPO JURÍDICO E EMPRESARIAL

Com a chegada da Quarta Revolução Industrial, muitas empresas têm aderido novas
formas de trabalho, uma delas é o Home Office. Segundo (BRITO, 2017), os trabalhadores
são afetados com os novos modelos da “indústria 4.0”. No momento, as principais áreas de
atuação com o regime do teletrabalho estão no setor de vendas, tecnologia da informação,
marketing e recursos humanos. Diante disso, observa-se que o Brasil vem passando por uma
série de avanços, inclusive no terceiro setor, especificadamente, no teletrabalho.

O grande problema é que essa forma de trabalho não condiz com o que
atualmente está previsto em nosso ordenamento jurídico trabalhista, sendo
necessária uma ampla análise do caso concreto para adequar a Startup aos caminhos
já previstos e, o mais importante, para uma possível modificação de paradigmas.
(CASTRO; LAGE, 2019).

Desse modo, para que essa modalidade evolua com segurança, é necessário que haja
também uma inovação no ordenamento jurídico, exigindo, assim, que o profissional da área
do direito esteja ciente das novas modalidades de trabalho e a maneira na qual elas se
modificam.
A exploração da mão de obra era um dos elementos essenciais do funcionamento da
economia durante a era industrial. A era da informação, no entanto, quebra essa
lógica, destruindo o conceito marxista da mais-valia. O trabalho braçal cada vez
mais será feito por máquinas, sendo reduzido ao custo de equipamento, manutenção
e energia. Dessa maneira, o ser humano passa a ser cada vez mais valorizado por sua
capacidade cognitiva, o que impossibilita uma exploração econômica nos moldes
dos padrões estabelecidos desde a Revolução Industrial. Portanto, um código que
consolida as leis do trabalho dotado de 1943 não parece ser adequado à nova ordem
econômica mundial. Apesar de a lei n. 13.467/2017 trazer conceitos importantes de
inovação a este conjunto de regras como é o caso regime de teletrabalho, bastante
comum no caso das Startups, a alteração pontual de artigos referido Código não é
suficiente para lidar com a dinâmica atual do mercado de trabalho e, tampouco,
revela-se preparada a lidar com as mudanças no porvir. (FEIGELSON; NYBO;
FONSECA, 2018).

105
Ou seja, a modernidade vive grandes transformações, e, com isso, o Direito também
deve acompanhar. Por esse motivo, cabe ao advogado responsável por uma startup, se
atualizar sempre, para que seus clientes não fiquem expostos a eventuais problemas jurídicos.
Hodiernamente, devido a Quarta Revolução Industrial, os negócios estão cada vez
mais evoluindo, e assim, desenvolvendo novas formas de vender um produto ou um serviço.
“A internet é o grande palco do marketing na atualidade, e a audiência nesse mundo digital é
como o sangue que corre em nossas veias, ou seja, indispensável para o sucesso de qualquer
produto na internet – seja um infoproduto, um e-commerce ou mesmo um blog” (PAKES; et
al, 2015). Por isso, é necessário que o dirigente jurídico de uma empresa se atenha aos
detalhes, principalmente quando se trata do meio digital.

Finalmente, a sociedade digital exige que os profissionais do Direito deixem de lado


algumas rivalidades acadêmicas para discutirem conjuntamente paradigmas como
ordenamento, legitimidade e segurança no âmbito de uma sociedade globalizada,
convergente, digital e em constante mudança. É essa postura que o mercado vai
cobrar. É esta a nova postura que os profissionais devem adotar para poder atuas no
âmbito de uma sociedade digital. (CASTRO; LAGE, 2019 apud PINHEIRO, 2016).

Por conseguinte, observa-se a importância de um assessoramento de qualidade e que


vise à inovação desse mercado, para que desse modo, haja uma melhor desenvoltura dos
resultados empresariais, evitando perdas, para que assim, o negócio sobreviva.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos fatos supracitados, verifica-se que, para um bom desempenho de uma
startup, é necessário que haja um assessoramento jurídico eficiente tanto no período das
incubadoras quanto no estágio de aceleração. Sem esse assessoramento, a morte precoce do
negócio é uma das inúmeras consequências. Esse auxílio jurídico pode ser feito por meio da
contratação de profissionais formados em Direito, os quais devem ser um canal facilitador
entre a administração do projeto e os termos legais.
Dessa maneira, é possível observar que o impacto do assessoramento jurídico
aumenta as chances de sucesso para os empreendedores que aderiram esse modelo de
negócios. Sendo assim, o projeto terá um bom desenvolvimento, pois, cada um estará
encarregado de um setor, direcionando assim, o profissional incumbido a tomar as devidas
atitudes relacionadas ao âmbito jurídico, e os outros profissionais para o desenvolvendo de
suas ideias.

106
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIGARELLI, Barbara. 74% das startups brasileiras fecham após cinco anos, diz estudo.
ÉPOCA NEGÓCIOS, 07 julho 2014. Disponível em:
https://epocanegocios.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2016/07/74-das-startups-
brasileiras-fecham-apos-cinco-anos-diz-
estudo.html#:~:text=Estudo%20realizado%20pela%20aceleradora%20Startup,mesmo%20de
%20completar%20dois%20anos.&text=O%20estudo%20abrange%20cerca%20de,aceleradas
%20no%20Brasil%20desde%202011. Acesso em 09 jun 2020.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp167.htm . Acesso em: 09 maio 2020.

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm . Acesso em: 10
maio 2020.

BRITO, Alexandra Antonia Freitas de Brito. A Quarta Revolução Industrial e as


Perspectivas para o Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento.
Edição 07. Ano 02, Vol. 02. pp 91-96, Outubro de 2017.

CASTRO, Emerson Luiz de; LAGE, Lorena Muniz e Castro. A INFLUÊNCIA DAS
STARTUPS NO DIREITO: importância de repensar a atuação dos profissionais do Direito.
Revista Novo Milênio, Belo Horizonte, Vol. 1, Nº 1, 2019.

FEIGELSON, Bruno; NYBø, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das
Startups. São Paulo: Saraiva, 2018.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

PAKES, Alan; et al.Negócios Digitais. São Paulo: Gente, 2015.

PATI, Camila. As áreas que mais contratam em esquema de home office. EXAME -
Negócios, Economia, Tecnologia e Carreira. 23 novembro 2012. Disponível em:
https://exame.abril.com.br/carreira/as-areas-que-mais-contratam-em-esquema-de-home-
office/2/ . Acesso em: 10 maio 2020.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

RIES, Eric. A startup enxuta: como os empreendedores atuais utilizam a inovação contínua
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WEINBERG, Gabriel; MARES, Justin. Traction.United States of America: S-curve, 2014.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

107
TECNOLOGIAS E RELAÇÕES DE CONSUMO: ALGORITMIZAÇÃO E
VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR 4.0
TECHNOLOGIES AND CONSUMER RELATIONS: ALGORITHMIZATION AND
CONSUMER VULNERABILITY 4.0

Rossana Marina De Seta Fisciletti 1


João Batista Soares da Costa Junior 2

Resumo
As mudanças mundiais afetam diretamente as relações sociais e comerciais. Novos tipos de
produtos e serviços surgem no mercado para atender as expectativas de consumidores cada
vez mais exigentes no mercado de consumo. Esta pesquisa visa analisar a vulnerabilidade
digital em razão da algoritmização do consumidor, a proteção da confiança nas relações de
consumo, bem como a proteção dos dados dos consumidores na era digital.

Palavras-chave: Algoritmização do consumidor, Vulnerabilidade digital, Consumidor 4.0

Abstract/Resumen/Résumé
Global changes directly affect social and commercial relations. New types of products and
services appear on the market to meet the expectations of increasingly demanding consumers
in the consumer market. This research aims to analyze the digital vulnerability due to the
algorithmization of the consumer, the protection of trust in consumer relations, as well as the
protection of consumer data in the digital age.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Consumer algorithmization, Digital vulnerability,


Consumer 4.0

1Doutora em Direito (UVA - bolsista PROSUP/CAPES). Mestre em Direito. Professora da Unesa.


Pesquisadora do GGINNS, linha “Digital Consumer Regulation”. Pesquisadora Produtividade (Unesa).
Coordenadora do Observatório de Direito Digital (PIBIC-UNESA).
2Graduando do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do
CBMA. Pesquisador discente integrante do Observatório de Direito Digital (CNPq Pibic UNESA).

108
INTRODUÇÃO:

Na Indústria 4.0 os fornecedores passaram a reinventar seus modelos de


publicidade, abordando o consumidor de forma personalizada, principalmente pelas
mídias sociais. Essa abordagem se dá, muitas vezes, através dos dados coletados pelos
algoritmos sobre navegação, pesquisas e escolhas dos usuários, direcionando publicações,
eventos, produtos, serviços e diversas outras oportunidades aos possíveis clientes,
apresentando-se tal publicidade de forma direcional nas mídias sociais, nos sites de
pesquisa e em demais plataformas utilizadas pelo usuário. O que, por um lado, parece
uma possibilidade interessante para fornecedores e consumidores, por outro, acaba por
trazer uma tendência exagerada nas publicidades, podendo causar até mesmo
constrangimentos quando há exagero.
O estudo tem por objetivo analisar a vulnerabilidade digital em razão da
algoritmização do consumidor. Como objetivos específicos estão os de: (i) identificar
como os algoritmos podem interferir no processo de escolha dos consumidores e (ii)
analisar a proteção da confiança do consumidor no ambiente virtual. A metodologia de
pesquisa empregada é a revisão bibliográfica dos autores que abordam o tema, a análise
de casos concretos e o estado da arte.

DESENVOLVIMENTO:

O ponto central das demandas e preocupações do consumidor 4.0 deve ser a


vulnerabilidade digital gerada pela violação à privacidade. Por exemplo, se um usuário
pesquisa um produto de uso íntimo, diversas propagandas do produto pesquisado e
semelhantes serão exibidas em todas as próximas pesquisas e acessos às mídias sociais.
Dependendo do local onde ele necessite acessar as redes, a publicidade pode parecer
imprópria ou, no mínimo, vexatória.
Devido a falhas e exageros como os descritos, conforme noticiado pela Aberj
(2019) é que professores do Instituto Federal de Tecnologia, em Lausanne (Suíça),
criaram um algoritmo que impede a polarização extrema do conteúdo apresentado ao
consumidor. Dessa forma, gera-se a noção de que as inovações influenciadoras também
necessitam de regramento para que não atinjam de forma negativa os consumidores,
criando repúdio em vez de fidelização.

109
Para o filósofo coreano Byung-Chul Han, na era do ‘dataísmo’ (da big data), “o
homem não é mais soberano de si mesmo, mas resultado de uma operação algorítmica
que o domina sem que ele perceba” (EL PAÍS, 2018).
As grandes corporações vêm adotando um equilíbrio, disponibilizando opções
de publicidade “não indexada” ou ainda permitindo aos seus usuários escolher qual tipo
de publicidade deverá ser exibida, uma tendência a ser amplamente adotada nos próximos
anos.
O consumidor médio percebe que compras a distância podem oferecer riscos.
Ponderar entre os riscos e benefícios existentes na relação contratual obriga o consumidor
4.0 a pesquisar sobre a reputação do fornecedor previamente.
A confiança, do ponto de vista jurídico, corresponde a um estado em que
determinada pessoa adere a certas representações que crê serem efetivas (MIRANDA,
2002, p. 147). Confiança é o elemento que se integra ao contrato, corolário do princípio
da boa-fé.
Schwab, assinala que, no mundo digital, “a confiança é tudo”, observando os
aspectos da regulação desse ambiente: “Em cada canto deste mundo, precisamos de um
ambiente regulatório revitalizado que promova o uso confiável e inovador da tecnologia.
O maior problema reside na legislação antiquada, a qual se mostra inadequada para lidar
com os problemas contemporâneos” (2018, p. 19).
Segundo a OECD, é fundamental que a confiança do consumidor seja protegida
e adequada à era digital. Os consumidores digitais enfrentam desafios relacionados à
divulgação de informações enganosas e práticas comerciais injustas, confirmação e
pagamento, roubo de identidade e fraude, segurança do produto, e resolução/reparação de
conflitos. Relegar a confiança significa que a empresas e governos passarão a não utilizar
tecnologias digitais, refreando o potencial crescimento e progresso social.
Por exemplo, a violação de dados em larga escala tornou-se comum, tanto
causando danos financeiros e à reputação das organizações, como deixando os indivíduos
vulneráveis ao uso indevido dos dados pessoais e roubo de identidade, o que criou a
sensação de que o espaço privado está diminuindo e estabeleceu a incerteza do
consumidor em relação à integridade dos dados e informações fornecidas.
Para a OECD, a confiança é um conceito multifacetado que envolve segurança
digital, privacidade, proteção do consumidor, infraestruturas críticas, serviços essenciais,
seguros e pequenas e médias empresas (OECD, 2019).

110
No Brasil, o Decreto n. 9.573, de 22 de novembro de 2018 define como
infraestruturas críticas as instalações, serviços, bens e sistemas cuja interrupção ou
destruição, total ou parcial, provoque sério impacto social, ambiental, econômico,
político, internacional ou à segurança do Estado e da sociedade (Anexo, artigo 1º,
Parágrafo Único, I).
Segundo Fisciletti (2020), nesse grande laboratório de questões jurídicas do
futuro, um cenário que arrola a técnica da adesão, os princípios da confiança e da
transparência e a vulnerabilidade digital do consumidor é a utilização de assistente virtual
na tecnologia IoT (Internet das Coisas). “O consumidor 4.0, notadamente marcado pelas
características do imediatismo, da cultura do nanossegundo e da aceitação incondicional
de novas tecnologias, pode estar exposto à violação da sua privacidade, o que pode
interferir nos seus processos de escolha”.
Como noticiado em abril de 2019, a Amazon, responsável desde 2014 pela
fabricação e pelo suporte à assistente virtual Alexa (dispositivo que conecta e gerencia
lares inteligentes por comando de voz), ganhou o noticiário internacional por manter
funcionários ouvindo parte das conversas registradas pela assistente virtual, o que
consiste em monitoramento. Segundo matéria publicada pela Bloomberg, os funcionários
da Amazon trabalham em período integral e estão localizados em todo o mundo, de
Boston à Índia, com a tarefa de anotar informações dos usuários e alimentar o software
da Amazon, para melhorar a compreensão da fala humana na Alexa.
Há vulnerabilidade digital porque os consumidores estão expostos,
especialmente quando não há transparência das empresas de tecnologia sobre como os
dados pessoais serão usados. A denúncia publicada relata que a Amazon não informa aos
consumidores que seus funcionários estão ouvindo suas conversas com Alexa. A empresa
explicou que, nos termos de uso (aceito contratualmente pelos consumidores, pela via da
adesão), utiliza as solicitações dos usuários à Alexa para treinar os sistemas de
reconhecimento de fala e compreensão de linguagem natural e, em defesa, informou que
possui “rígidas salvaguardas técnicas e operacionais e uma política de tolerância zero para
o abuso de nosso sistema”, além de que “os funcionários não têm acesso direto às
informações que possam identificar a pessoa ou a conta como parte desse fluxo de
trabalho” (BLOOMBERG, 2019). O problema está em saber até que ponto o usuário deve
confiar seus dados, sua intimidade a terceiros.
Do ponto de vista do consumidor, a assistente virtual é capaz de reconhecer as
preferências dos moradores, como hobbies, lazer, comidas, bebidas, mas também dados

111
mais sensíveis, como situação econômica, posições políticas e religiosas e questões de
gênero. Esses dados coletados possibilitam a oferta de produtos e serviços aos usuários,
influenciando ainda mais suas escolhas.
O ordenamento jurídico brasileiro conta com marcos legislativos que protegem os
dados dos consumidores, como a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), o
Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, que regulamenta o comércio eletrônico (e-
commerce); o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) que busca regular o acesso à
informação e o uso da internet no Brasil, assim como alguns aspectos importantes
relativos à proteção de dados e informações pessoais, buscando um nível de segurança
elevado para o usuário e estipulando a inviolabilidade das comunicações (DAHLMANN,
2015).
Apesar das citadas leis informarem a importância da proteção dos dados dos
consumidores, para uma aplicação mais assertiva e condizente com os ditames da
Indústria 4.0, verificou-se a necessidade de diretrizes mais específicas para regulamentar
a proteção e a privacidade dos dados pessoais. Para estabelecer as garantias e deveres no
uso da internet no Brasil, assim como o tratamento dos dados pessoais, foi publicada a
Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/18 - LGPD) com o objetivo de proteger
os direitos fundamentais de liberdade e privacidade. Através dela, a forma como os dados
são coletados, utilizados, repassados e comercializados será drasticamente modificada,
transformando a maneira como empresas e órgãos públicos tratam a privacidade e a
segurança das informações de usuários e clientes.
A LGPD protege os dados sensíveis e os define como aqueles que revelam
origem racial ou étnica, convicções religiosas ou filosóficas, opiniões políticas, filiação
sindical, questões genéticas, biométricas e sobre a saúde ou a vida sexual de uma pessoa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A confiança é fator essencial para a dinâmica dos contratos de consumo, sendo


ela gerada a partir dos elementos de credibilidade, transparência e ética. Quando o
fornecedor presta um serviço de qualidade, provavelmente o consumidor retorna e/ou o
indica para terceiros.
Na era digital a proteção do Consumidor 4.0 precisa de um olhar atento, uma vez
que se lança nos mais diversos tipos de contratações em ambiente virtual.

112
A vulnerabilidade digital está na forma como os dados podem ser coletados:
através da violação da privacidade e da intimidade dos consumidores e, neste sentido, a
utilização dos algoritmos pode influenciar significativamente no processo de escolha dos
consumidores.
Neste cenário, a Lei Geral de Proteção de Dados entra no ordenamento jurídico
com a missão de prevenir que os consumidores tenham suas informações divulgadas,
comercializadas e sejam alvo de práticas comerciais abusivas.

REFERÊNCIAS:

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL – Aberje.


Futurologia. Kantar Media destaca 10 tendências para mídias sociais em 2019.
Disponível em: http://www.aberje.com.br/blogs/post/kantar-media-destaca-10-
tendencias-para-midias-sociais-em-2019/. Acessado em: 20 mai. 2020.

BLOOMBERG. Technology. Amazon Workers Are Listening to What You Tell


Alexa. A global team reviews audio clips in an effort to help the voice-activated
assistant respond to commands. Disponível em:
https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-04-10/is-anyone-listening-to-you-on-
alexa-a-global-team-reviews-audio. Acessado em: 11 jun. 2020.

BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 9.573, de 22 de novembro de 2018.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2018/decreto/D9573.htm. Acessado em: 14 jun. 2020.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 30 abr. 2020.

BRASIL. Presidência da República. Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso
em: 30 abr. 2020.

113
BRASIL. Presidência da República. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código
Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.
Acesso em: 30 abr. 2020.

BRASIL. Presidência da República. Lei no 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral


de Proteção de Dados Pessoais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em:
30 abr. 2020.

DAHLMANN, Anja et al. Privacidade e Vigilância na Era Digital: um estudo


comparativo dos marcos regulatórios brasileiro e alemão. 2015. FGV DIREITO RIO
- CTS: Artigos acadêmicos Relatório Técnico. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10438/16672. Acesso em: 31 mai. 2020.

EL PAÍS. Byung-Chul Han: “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é


realização”. Disponível em:
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FISCILETTI, Rossana Marina De Seta. A Quarta Revolução Industrial e os novos


paradigmas do Direito do Consumidor. 2020. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de
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MIRANDA, José Gustavo Souza. A Proteção da Confiança nas Relações Obrigacionais.


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ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT -


OECD (2019). Shaping the Digital Transformation in Latin America: Strengthening
Productivity, Improving Lives, OECD Publishing, Paris, p. 33. Disponível em:
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SCHWAB, Klaus; DAVIS, Nicholas. Aplicando a quarta revolução industrial. São


Paulo: Edipro, 2018, p. 19.

114
PRÁTICA DE WEBSCRAPING EM BASES DE DADOS PÚBLICAS
PRACTICE OF WEBSCRAPING IN PUBLIC DATABASES

Mariana Ribeiro França Guerra Magalhães


Robert Emmanuel de Oliveira

Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar tecnologias como o Big Data e a utilização de Web
Scraping para tratamento de dados em bases de dados públicas, utilizando uma pesquisa
empírica e com métodos qualitativos indutivos. Serão abordados a evolução da sociedade até
a Quarta Revolução Industrial, a economia do conhecimento e a sociedade da informação.
Ademais, o presente trabalho abordará as tendências de dados abertos mundiais que
influenciaram o Brasil em matéria de disponibilização de dados de bases públicas visando a
transparência da gestão pública e a prática da raspagem de dados pessoais nessas bases de
dados.

Palavras-chave: Sociedade da informação, Dados abertos, Privacidade, Proteção de dados,


Web scraping

Abstract/Resumen/Résumé
This work aims to analyze technologies such as Big Data and the use of Web Scraping to
collect and process data in public databases, using empirical research and with inductive
qualitative methods. The evolution of society until the Fourth Industrial Revolution will be
addressed, when we will enter into the concepts of knowledge economy and information
society. In addition, this paper will address trends in open world data that have also
influenced Brazil in terms of making public data available with a view to transparency in
public management and the practice of scraping personal data in these databases.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Information society, Open data, Privacy, Data


protection, Web scraping

115
116

1. INTRODUÇÃO
Até chegarmos a uma sociedade pautada em dados e informações, diversas foram as
mudanças nas formas de organização e estruturação social e econômica. Há mais de 10.000 anos,
viveu-se a primeira revolução, conhecida por revolução agrícola, em que a atividade e o produto
agrícola eram os elementos centrais que movimentavam a economia; em seguida, ocorreram a
Primeira e Segunda Revoluções Industriais, em que, a partir da invenção de máquinas e da
descoberta e utilização de fontes de energia, como a elétrica, o ponto central da economia migrou-se
para a indústria e para a produção fabril; posteriormente, passamos por outra Revolução Industrial,
que incluiu a Computação, Automação e outras fontes de energia à indústria; e, por fim, antes
mesmo de ter início a Quarta Revolução Industrial, na sociedade pós-industrial, a prestação de
serviços assumiu o protagonismo enquanto atividade de impulso à economia (SCHWAB, 2016).
Na era pós-industrial, a informação se tornou o principal elemento de desenvolvimento da
economia, de modo que recursos que outrora foram protagonistas nas sociedades agrícola e
industrial migraram para um segundo plano (BIONI, 2018). Como consequência, a informação se
tornou o capital, de modo que deixamos de ter o capital direcionado para ativos tangíveis e
migramos para ativos intangíveis, o que tornou possível exponenciar retornos em escala, criando
riquezas com muito menos força de trabalho, estrutura industrial e custos do que anteriormente.
Para efeito de comparação, consideremos a cidade de Detroit, na década de 90, polo
industrial dos EUA. As três maiores empresas instaladas na região possuíam uma capitalização de
US$36 bilhões, faturamento de US$250 milhões, e 1.2 milhão de empregados. Em 2014, as três
maiores empresas instaladas no Vale do Silício tinham capitalização de mercado de cerca de US$1
trilhão, obtinham receitas na mesma casa daquelas em Detroit, mas contavam com 10 vezes menos
empregados que a região industrial da década de 90. (SCHWAB, 2016)
Há muito tempo informação e poder são conhecidos por andar juntos. Trazendo essa
perspectiva para a realidade atual, podemos dizer que a ampla disseminação da informação reflete
um poder desconcentrado, que resulta em elevados níveis de transparência. São óbvias, portanto, as
razões pelas quais a ​transparência ​tem se mostrado tão presente na atualidade. O poder
(informação) não está mais nas mãos de alguns; ele está disponível para acesso de todos. A
informação é atualmente o elemento que estrutura toda a nossa sociedade, logo, não pode ser
117

surpresa que a transparência tenha tomado uma posição de destaque neste cenário, inclusive em
relação às bases de dados públicas, que serão tratadas em sequência.
O objetivo do presente texto é demonstrar como as políticas de dados abertos têm sido
implementadas no Brasil; analisar o que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro no que diz
respeito ao tratamento de dados disponibilizados em bases de dados públicas; e, por fim, examinar
os impactos e a possibilidade de conciliação das novas tecnologias com as atividades de tratamento
de dados, ou, mais do que isso, a possibilidade de haver raspagem de dados em bases de dados
públicas.

2. ACESSO À INFORMAÇÃO E BASES DE DADOS PÚBLICAS


Na gestão das organizações públicas, temos uma geração imensa de dados de todos os tipos,
inclusive dados pessoais. E, para alcançar a transparência almejada pelas políticas de dados abertos,
não há outro caminho que não seja a disponibilização desses dados de forma acessível a tecnologias
de análise de dados.
Países como EUA e Inglaterra já caminham nesse sentido desde 2009, assim como o Brasil,
que também tem buscado aplicar a transparência nos dados públicos. Em 2011, após um período de
discussões, constituiu-se a LAI (Lei de acesso a informação, n°12.527/2011). A partir daí, tivemos
iniciativas de todos os órgãos e empresas públicas em prol da disponibilização de dados. Políticas
de dados abertos e disponibilização de dados de organizações públicas são tendências mundiais que
visam aumentar a participação do cidadão e trazer transparência para a gestão pública, iniciando
uma batalha contra a corrupção e fraudes. (SANTAREM SEGUNDO, 2013)
Antes disso, um movimento de busca por dados abertos segue propósitos e objetivos
voltados para a economia digital e descentralização do poder que os dados representam na
sociedade da era pós-industrial. Organizações como a Open Knowledge Foundation fomentam um
movimento que tem como pauta central a dificuldade estrutural enfrentada para conter
desigualdades na economia digital. (ABRAMOVAY; ZANATTA, 2019)
É certo que dados abertos significam transparência; mas isso não significa que a agenda de
busca por um mundo de dados abertos e disponíveis não reconheça, também, a importância de se
proteger dados pessoais, apesar de a principal preocupação deste movimento ser a não permissão às
empresas baseadas em tecnologias pautadas em dados consolidarem posições extremamente
118

monopolistas em setores estratégicos. Por mais que, na sociedade moderna, o conceito de


privacidade tenha evoluído, não podemos ignorar os riscos e preocupações que surgiram em
decorrência do crescimento exponencial de empresas que têm dados pessoais como principal ativo e
moeda de troca por produtos e serviços, e da utilização de tecnologias como ​Big Data e ​Data
Scraping​.
O Brasil foi pioneiro em tratar sobre os dados abertos, mas nunca teve uma cultura voltada
para preocupação com a proteção de dados, e isso fica claro com o nascimento da LAI, que foi uma
das primeiras legislações do mundo a incorporar políticas de dados abertos. Seguindo as tendências
internacionais, a LAI adota os princípios de divulgação máxima e limitação das exceções, ou seja, o
acesso total é a regra, enquanto o sigilo é a exceção. (POSSAMAI; GONZATTI DE SOUZA, 2020)
Vale destacar que, em matéria de dados pessoais cujo acesso é público, é perceptível, por
parte daqueles que realizam o tratamento dos dados, pouca ou nenhuma preocupação quanto à
coleta e utilização dos mesmos. Essa falta de cuidado é ocasionada pela falsa ideia que muitos
possuem de que, se o dado é público, não há qualquer restrição quanto ao seu uso, podendo ele ser
usado livremente.
Contudo, esta é uma visão completamente equivocada das políticas de acesso a dados e das
bases de dados públicas, já que, além de outras legislações como o Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078/1990) e o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), a LAI também
aborda restrições ao acesso a dados de natureza pessoal, ou seja, dados que identificam pessoas
naturais. Em linhas gerais, a limitação está diretamente atrelada àqueles dados que se referem à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do titular (Art.31), não sendo permitido, nestes
casos, o acesso de terceiros sem o consentimento do titular.
O consentimento do titular dos dados foi a máxima utilizada em todas as legislações que
tratam sobre dados pessoais no Brasil. E, mesmo com o nascimento de legislações por todo o
mundo, específicas para o tratamento de dados pessoais, o titular dos dados pessoais continua sendo
o ponto focal. (BIONI, 2018)
Com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), publicada em 2018, o acesso
ou tratamento de dados pessoais disponibilizados em bases de dados públicas passa a ter uma
definição mais objetiva, sendo possível traçar um caminho mais claro sobre quais são os tipos de
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dados restritos e como eles podem ser utilizados, inclusive sem a necessidade do consentimento do
titular.
Com a evolução e o desenvolvimento de tecnologias como o ​Big Data e​ o Data Scraping,
surgem questionamento como: quais são os limites da utilização de tecnologias como o ​Big Data
neste cenário? Será legalmente possível a raspagem de dados em bases de dados públicas?

3. WEB SCRAPING EM BASES DE DADOS PÚBLICAS


De uma simples leitura e interpretação dos conceitos de ​Big Data e​ ​Data Scraping, ou
raspagem de dados, é possível perceber que a evolução das novas tecnologias tem percorrido um
caminho que exige a realização de modificações legislativas para que possua aplicabilidade prática.
Do contrário, torna-se inviável, já que a abordagem normativa que imperou até aqui é
extremamente rígida, restritiva e pouco ou nada flexível.
Big Data não é exatamente uma tecnologia, ou um sistema, o termo se refere, ao mesmo
tempo, à quantidade de dados disponíveis no ambiente digital e à possibilidade, por meio de
métodos, técnicas e diversos sistemas e algoritmos disponíveis, do tratamento e transformação de
dados estruturados e desestruturados em conhecimento. “O termo ​Big Data surgiu para definir
arquiteturas de sistemas capazes de lidar com as novas dimensões dos dados: velocidade, variedade
e volume” (AZEVEDO; NEVES; NOVO, 2014).
Data Scraping o​ u ​Web Scraping também não é uma tecnologia em si, mas a atividade de se
extrair, de forma automatizada, dados em páginas da internet. É como um programa capaz de
consultar um servidor Web, solicitar dados (como se fosse uma página WEB) e extrair informações
ao analisá-lo. O termo, portanto, refere-se à técnica de coletar dados de páginas web por meio de
uma Application Program Interface (API). (MITCHELL, 2016)
A produção em massa de dados no ambiente digital e a popularização do ​Data Scraping têm
feito com que o controle relacionado a dados acessíveis em bases de dados públicas seja muito
dificultado. Por outro lado, a utilização desse tipo de atividade, por si só, não significa a ocorrência
de violação à privacidade ou a dados de pessoas naturais.
Bases de dados públicas são criadas e alimentadas com finalidades definidas e também são
disponibilizadas, conforme política de dados abertos, com finalidades definidas. Além disso, não há
como nos relacionar em sociedade sem entregar dados, seja para empresas privadas, seja para
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organizações e empresas públicas. Em praticamente todas as atividades cotidianas que realizamos


em sociedade, a disponibilização de dados mostra-se elemento crucial para a identificação,
segurança, fornecimento de benefícios e serviços, e compra de produtos, e tudo isso, como já
pontuado, não só entre indivíduo e Estado, mas também em relação a empresas privadas e demais
indivíduos.
Apesar da necessidade de garantia da privacidade e da segurança de dados pessoais, é
praticamente impossível que todos os dados que identificam uma pessoa estejam completamente
fora do acesso de terceiros. As proteções que circundam dados pessoais e privacidade são
fundamentais não para que os dados não sejam acessados, mas para que a utilização de dados
pessoais aconteça de forma comedida; que o titular possua o máximo controle possível de seus
dados; que seus direitos fundamentais sejam preservados; e que o acesso a dados não possa
representar discriminação desse indivíduo.
Nesse mesmo sentido, Danilo Doneda (2006) diz que:
A utilização de dados pessoais em diversas atividades não é, em si, um problema. Na
verdade ela torna possíveis certas empreitadas com um alto grau de eficiência, em áreas que
vão do planejamento administrativo à pesquisa de mercado. Ocorre que esta atividade
requer instrumentos que possibilitem aos interessados um efetivo controle em relação aos
seus dados pessoais, garantindo acesso, a veracidade, a segurança, o conhecimento da
finalidade para o qual serão utilizados (entre outros). (DONEDA, 2006, p. 2)

Nesse sentido, a problemática envolvendo a coleta e tratamento de dados por ​Data Scraping
não circunda a própria atividade, mas os motivos e justificativas para que determinadas tecnologias
serão utilizadas possibilitando a coleta de dados pessoais.
Até aqui, por inúmeras vezes foi abordado o fato de que o consentimento sempre foi tido
como o elemento central para o tratamento de dados pessoais. No entanto, esta tradição normativa
tornou-se incompatível com a sociedade contemporânea, que apresenta-se dinâmica em todos os
seus aspectos, inclusive no que se refere ao elevado fluxo de dados pessoais. A produção de dados
no mundo digital sofreu um aumento exponencial, como já evidenciado inúmeras vezes até aqui, e
exigir dos controladores e operadores de dados que obtenham o consentimento dos titulares a todo
momento poderá os levar a um estado de exaustão, inviabilizando as atividades de tratamento de
dados e o desenvolvimento de novas tecnologias (BIONI, 2020).
Conforme dispõe o artigo 7º, §3º, para que seja lícito o tratamento de dados públicos ou
tornados públicos pelo titular, deve-se considerar a finalidade, a boa fé e o interesse público que
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justificaram a disponibilização daquele dado, sendo ainda possível o tratamento para novas
finalidades, nos termos do §7º, desde que "observados os propósitos legítimos e específicos para o
novo tratamento e a preservação dos direitos do titular" (LGPD, 2018).
Não há, na LGPD, uma definição expressa do que seriam propósitos legítimos. Entretanto,
pela experiência que têm sido vivenciada em outros países, especialmente da Europa, onde vigora o
Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), este propósito legítimo é identificado a partir de
uma análise contextual em cada caso concreto.
Existem interpretações contemporâneas de que, por trás dos propósitos legítimos, haverá
uma flexibilidade maior ao tratamento de dados. Estas interpretações residem nas razões da emenda
parlamentar que levou à criação do referido §7º, por meio das quais o relator reconheceu que,
quando publicamente acessíveis, os dados pessoais passam a ser, também, um importante elemento
para a realização de análises e estudos, "promovendo competitividade, inovação, empregabilidade e
prosperidade". (BASTOS; et.al, 2019)
Além das definições trazidas com a LGPD no que tange ao tratamento de dados de bases
públicas para finalidades diversas daquelas às quais os dados foram disponibilizados, é importante
ressaltar que a legislação traz, ainda, outras nove bases legais, além do consentimento do titular,
para o tratamento de dados pessoais. O cumprimento de uma relação contratual, por exemplo,
poderia tornar legal o acesso a dados pessoais; o exercício regular de direitos; ou a proteção ao
crédito.
Sob essa perspectiva, portanto, o tratamento de dados de bases públicas, por exemplo, por
pessoas jurídicas, que tenha por finalidade a proteção ao crédito deve ser admitido, mesmo que por
meio da utilização de ​Web Scraping já que encontra-se em consonância com uma das bases legais
da nova Lei.

4. CONCLUSÃO
A evolução e o desenvolvimento das novas tecnologias que possibilitam o tratamento de
dados de forma automatizada, como o ​Big Data e​ o ​Data Scraping, t​ êm ocupado cada vez mais
espaço na sociedade contemporânea. Neste contexto, surge uma preocupação atinente à privacidade
dos titulares dos dados, direito fundamental garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro, e aos
reflexos desta nas atividades de tratamento de dados.
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É certo que o tratamento de dados deve sempre ser feito com muita cautela, mas o direito à
privacidade dos titulares, por si só, não o proíbe. Com a vigência da LGPD, o esperado é que seja
aceita a possibilidade de tratamento de dados, inclusive por meio da utilização deste tipo de
técnicas​, ​desde que os controladores e operadores de dados estejam sob o amparo de uma das bases
legais que a nova Lei nos traz, e que já foram mencionadas nesta pesquisa; ou desde que realizem o
tratamento dos dados para finalidade compatível àquela que ensejou a disponibilização dos
mesmos.

BIBLIOGRAFIA
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dos Novos Mercados Digitais?​. RDU: Porto Alegre, Volume 16, n. 90, 2019, 155-178, nov-dez
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implicações éticas do seu uso na análise das redes sociais.​ In: WORKSHOP DE
PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DO CENTRO PAULA SOUZA, 9., Estratégias Globais e
Sistemas Produtivos Brasileiros, 2014

BASTOS, Rodrigo Albero Caldeira; SCHVARTZMAN, Felipe; PIERI, José Eduardo de V. ​Dados
pessoais ‘públicos’ são, de fato, públicos?​. [2019] Disponível em:
<https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/dados-pessoais-publicos-sao-de-fato-publicos-300
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BIONI, BRUNO RICARDO. ​Proteção de Dados Pessoais - A Função e os Limites do


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DONEDA, Danilo. ​Da privacidade à proteção de dados pessoais.​ Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

MITCHELL, R. ​Web Scraping com Python​. São Paulo: Novatec, 2016.

POSSAMAI, Ana Júlia; GONZATTI DE SOUZA, Vitoria. Transparência e Dados Abertos


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SCHWAB, Klaus. ​A Quarta Revolução Industrial.​ São Paulo: Edipro, 2018.

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