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Informá

Técnicas da Informação
e Comunicação
aplicadas à Educação

Ricardo Jorge de Lucena Lucas


Felipe Lima Rodrigues

Fortaleza
2013

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Informática Física Matemática Pedagogia

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Sumário
Apresentação......................................................................................................5
Introdução............................................................................................................7
Capítulo 1 – A Informação...............................................................................15
1. A informação: breve introdução........................................................................17
2. A informação como um conceito técnico........................................................18
3. Cibernética: um dos pontos de partida
da comunicação e da informação...................................................................20
4. A informação como um conceito dentro do
campo da comunicação de massa.................................................................22

Capítulo 2 – A Comunicação..........................................................................27
1. A Comunicação como troca simbólica............................................................29
2. A comunicação como processo interacional..................................................31
3. A comunicação de massa como simulação de troca simbólica....................40
4. A comunicação como simulação de dialogia..................................................42

Capítulo 3 – Tecnologia e Linguagem...........................................................49


1. As tecnologias da informação..........................................................................51
2. Os produtos mediáticos....................................................................................53
3. Matrizes da linguagem: som, imagem e texto.................................................56
4. O sincretismo das linguagens..........................................................................62

Capítulo 4 – As linguagens em sala de aula................................................69


1. Os textos mediáticos na sala de aula..............................................................71
2. O Som................................................................................................................74
2.1. O começo: um estúdio...............................................................................75
2.2. Os recursos sonoros: do corpo humano ao computador........................75
3. Som + texto.......................................................................................................78
3.1. A voz...........................................................................................................79
3.2. O texto escrito para ser lido: o roteiro.......................................................79
3.3. O texto para ser lido: a locução.................................................................84
3.4. Os formatos radiofônicos..........................................................................86
4. A imagem...........................................................................................................88
4.1. A imagem fotográfica.................................................................................89
4.2. A informação na fotografia........................................................................90
4.3. A fotografia em sala de aula......................................................................94
4.4. Os conceitos da linguagem fotográfica....................................................96

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4.5. Os objetos da fotografia............................................................................99
5. Imagem, som e texto .....................................................................................100
5.1. A produção audiovisual: formatos, gêneros e aspectos gerais.............101
5.2. Planejamento da produção audiovisual: etapas e processos...............102
6. Texto e imagem ..............................................................................................107
6.1. O jornal impresso.....................................................................................107
6.2. As histórias em quadrinhos..................................................................... 117
7. A hipertextualidade..........................................................................................125
7.1. O link como ferramenta de linguagem...................................................126
7.2. Os formatos da internet em sala de aula...............................................128
8. Exercícios práticos.........................................................................................131

Considerações finais.....................................................................................138
Sobre os autores............................................................................................140

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Apresentação

Este livro discute sobre as relações entre os campos da Comunicação


e da Educação, procurando criar uma base teórica inicial para os professores
e leitores, que possa auxiliá-los em suas práticas profissionais em sala de
aula. Assim, inicia o capitulo um, apresentando aspectos relacionados à in-
formação como um conceito técnico e a cibernética como um dos pontos de
partida da comunicação e da informação, bem como a informação como um
conceito dentro do campo da comunicação de massa.
No capítulo dois são discutidos os processos de comunicação, envol-
vendo a troca simbólica, o processo interacional e a comunicação de massa
como simulação de troca simbólica e dialógica.
O capitulo três é dedicado a tecnologia e linguagem. Nos capítulos an-
teriores procurou-se trabalhar a diferença entre informação e comunicação,
por ser está fundamental para se entender o atual estágio da sociedade. Isso
porque o computador, em particular quando conectado à internet, se trans-
forma potencialmente numa técnica e numa tecnologia de informação e de
comunicação simultaneamente.
O capitulo quatro apresenta as linguagens em sala de aula, iniciando
com os textos mediáticos na sala de aula, o som, o som acrescido do texto, a
imagem, a imagem, som e texto, o texto e imagem e finalmente a hipertextua-
lidade. O nosso interesse é relativo à compreensão e ao uso das técnicas de
comunicação e de informação nas diferentes práticas pedagógicas em sala
de aula, visando auxiliar a produção de conhecimento. Para isso, damos prio-
ridade à compreensão das linguagens mobilizadas nesses processos, a fim
de que os alunos possam tanto desenvolver uma visão crítica dos meios de
comunicação quanto compreender o potencial lúdico, informativo e dialógico
das tecnologias da comunicação e da informação a partir do uso das diferen-
tes matrizes da linguagem (som, imagem e palavra).
Esperamos que com este livro possibilitar aos alunos, em sala de aula,
o aprendizado e o domínio de certas técnicas de comunicação e informação
ajuda a garantir que tenhamos futuras gerações que saibam exercer o seu di-
reito de expressão. O uso das tecnologias digitais, nesse aspecto, acelera pro-
cessos de aprendizagem e, ao mesmo tempo, permite a troca de experiências
com alunos que estão geograficamente distantes, mas virtualmente próximos.
Os autores

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Introdução
A capacidade de intervenção na natureza é um dos traços mais significativos
que distinguem os seres humanos dos demais animais
No filme 2001 – uma odisseia no espaço (1969), dirigido por Stanley
Kubrick, vemos uma sequência inicial que mostra um conjunto de antepas-
sados do ser humano vivendo em tempos pré-históricos. Em dado momento,
um deles descobre que um osso de animal pode ter uma utilidade até então
impensada: ser uma arma, que serve para abater outros animais, seja para
comê-los, seja para lutar contra eles.
Na sequência, esse ser pré-histórico joga o osso para cima e, numa
das mais famosas elipses do cinema, experimentamos um salto no tempo
da narrativa e chegamos ao futuro representado no filme (o ano de 2001, no
caso), onde vemos uma nave no espaço. Uma das coisas que Kubrick quer
nos mostrar é que essa nave é fruto da intervenção humana na natureza. Em
outros termos: ela é fruto da tecnologia.
A língua também é uma forma
de tecnologia. Como tal, necessita ser
aprendida, seja uma língua nativa, seja Saiba mais
uma segunda língua. E, por ser uma
tecnologia, uma vez aprendida esquece- Técnica x Tecnologia
mos que a aprendemos. Tal processo, do É importante fazer a distinção (fundamental) entre tecnologia e técni-
ponto de vista neurológico e cognitivo, é ca. Cronologicamente, a palavra “técnica” é mais antiga: deriva do gre-
go, tekhnè, que significava em sua origem “arte” ou “ofício” (a Retórica,
similar a aprender a tocar um instrumen-
por exemplo, era considerada uma arte e também uma tekhnè entre
to ou a dirigir um carro; no início, pensa- gregos e romanos antigos). Dentro de uma visão científica moderna,
mos nas ações a serem executadas, de- “técnica” significa um tipo de construção ou de método particular, que
pois apenas as executamos. Pensamos ajuda a promover a modificação do real. Já o termo “tecnologia” sur-
ge bem depois, por volta do século XVII, para designar um “estudo
nas palavras que vamos usar apenas em
sistemático das artes ou a terminologia de uma arte em particular”
situações específicas e que considera- (WILLIAMS, 2000, p. 312), e provém do grego clássico, tekhnologia, e
mos importantes pelo fato de não serem do latim moderno, technologia, que designam formas de tratamento
rotineiras (uma entrevista de emprego, sistemático de algo, ou ainda um sistema desses meios e métodos.
Assim, técnicas de informação e comunicação dizem respeito a tipos
por exemplo); não tendemos a ficar es-
e métodos particulares de sistematização de informações e de pro-
colhendo palavras se vamos apenas dar cessos comunicativos; tecnologias de informação e de comunicação
um “bom dia” a alguém conhecido. designam o sistema que faz uso dos meios e métodos técnicos.

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Por trás dessas situações, está um estranho enigma: todos os seres


humanos dispõem (a princípio) de sistemas fisiológico, respiratório, digestivo e
fonológico com as mesmas características e funções; porém, quando se trata
do sistema linguístico, é quase que improvável pensarmos no uso de uma
mesma e única língua para todos os seres.
A não existência de um repertório linguístico comum (uma mesma lín-
gua, com as mesmas semântica e sintaxe) a todos os habitantes do planeta
implica em vários problemas, como as dificuldades de tradução ou a neces-
sidade de conhecimento de uma língua eventualmente morta diante de um
documento cuja escrita não é mais possível decifrar. Há estimativas de que
o planeta Terra já tenha abrigado algo entre cinco e dez mil línguas diferen-
tes; locais como a Índia e a Papua Nova-Guiné abrigam dezenas e centenas
de dialetos e línguas diferentes; na Itália, certos habitantes locais costumam
usar dialetos específicos para conversar entre si caso se sintam incomodados
diante de estranhos e/ou estrangeiros; e mesmo dentro de uma mesma língua
podemos ter comunidades específicas (profissionais, músicos, cientistas) que
façam uso de jargões e gírias que podem parecer “intraduzíveis” aos ouvidos
de um outro falante que esteja fora daquele universo cultural. Poderíamos
dizer: a linguagem não é algo natural.
Aparentemente, se todos falassem um único idioma, uma única língua,
grande parte dos nossos problemas estaria resolvida. Não existiriam mais difi-
culdades com traduções de obras, inclusive com aquelas que fazem um uso
literário incomum da linguagem (pensemos aqui em autores como Lewis Car-
roll, James Joyce, Raymond Queneau, Groucho Marx ou Guimarães Rosa,
cujos textos verbais são marcados por palavras inventadas e/ou trocadilhos
muitas vezes sem sentido fora da sua língua nativa ou mesmo sem possibili-
dades de tradução adequada).
As poesias não perderiam parte de seu sentido original; também não seria
necessário fazer legendagens e dublagens nos filmes e animações; documentos
com destinação internacional não precisariam de traduções oficiais; e mesmo
textos muitos antigos (estivessem eles escritos em papiros, pergaminhos, pedras
ou cavernas) potencialmente teriam grandes chances de serem ao menos lidos.
Mas o virtual fato de falarmos uma única língua não eliminaria outros
problemas. Isso ocorre porque a linguagem é, em parte, condicionada pela
cultura, ou seja: ela é um sistema que se desenvolve socialmente.
A língua não é apenas um conjunto de palavras de diferentes finalidades
(substantivas, adjetivas, verbais etc.), mas é também a possibilidade de uso de
palavras para se referirem a realidades extralingüísticas, realidades essas cuja
percepção varia interculturalmente. Um exemplo simples: consta que os esqui-
mós conseguem perceber várias dezenas de “diferentes” tons de branco.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Do ponto de vista da informação, isso equivale ao biólogo que consegue


distinguir diferentes tipos de plantas apenas das folhas (aparentemente iguais
aos olhos de um leigo) ou ao músico que consegue distinguir entre diferentes
gêneros musicais (heavy metal, trash, punk, gótico, hard rock).
Dissemos que a linguagem é uma tecnologia e, como tal, deve ser
aprendida. Pensemos num exemplo banal: levar um carro a uma oficina me-
cânica por não saber identificar um dado defeito. O mecânico diz algo como:
“o problema é num disjuntor de média tensão a vácuo”. Se você não entende
o que ele diz, está diante de dois problemas: o defeito do carro e o desco-
nhecimento do significado das palavras do mecânico. Diante de tal situação,
há duas possibilidades: ou o carro fica par ao o conserto ou se busca uma
segunda opinião...
Um outro exemplo vai ilustrar melhor essa ideia da linguagem como tec-
nologia. No filme Central do Brasil, de Walter Salles (1998), a atriz Fernanda
Montenegro interpreta o papel de uma mulher que ganha a vida escrevendo
cartas para analfabetos. Mas a sua própria condição de analfabetos impede
essas pessoas de verificarem se o que a personagem de Fernanda Montene-
gro escreveu foi o que eles ditaram. Em suma: quando uma pessoa não do-
mina uma dada tecnologia, ela potencialmente fica “refém” de quem domina
essa mesma tecnologia.
Percebe-se, assim, que a linguagem pode ser também uma forma de
exclusão social. E essa noção deve ser estendida a outras formas de lingua-
gem, como os quadrinhos, o cinema ou o teatro. Ou seja: existem várias for-
mas de linguagem que fazem uso de códigos específicos (palavras, imagens
e sons isolados ou combinados entre si), os quais pedem uma dada compe-
tência do seu receptor.
Por exemplo: para ler quadrinhos, é necessário anteriormente saber
ler (pois a disposição dos quadros tende a seguir a orientação do sentido de
leitura); para ler o cinema, é preciso conhecer certas convenções (como o
flashback); e mesmo para o teatro, é preciso minimamente saber que se está
diante de uma encenação (o que pode confundir certos espectadores diante
de peças experimentais nas quais o ator desce do palco e se mistura à platéia:
até onde vai a encenação?). Ou seja: o desconhecimento desses códigos
pode dificultar a compreensão de um dado texto.
Como superar essas diferenças de domínio das linguagens? Como
buscar evitar essa “desigualdade” entre pessoas, mesmo que elas dominem
um mesmo idioma, uma mesma língua? Essa “desigualdade” pode ser elimi-
nada, se considerarmos que todas as pessoas detêm pontos de vista dife-
rentes sobre a realidade e sobre si próprias? Um dos modos de diminuir esse
virtual abismo é através de um movimento que considera o fato de que:

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1. Todas as pessoas sabem algo sobre alguma coisa;


2. Ninguém conhece tudo;
3. Todo mundo busca se expressar;
4. Todo mundo busca saber algo sobre o outro; e
5. O ser humano é um ser, acima de tudo, social.
Os enunciados acima apontam para um duplo campo: de um lado, o
campo da Educação, que visa a produção de conhecimento através da difu-
são e do compartilhamento de informações; de outro, o campo da Comunica-
ção, que visa a produção e/ou manutenção da sociabilidade. É a partir dessa
dupla articulação que vamos desenvolver os principais aspectos dessa obra.
Obviamente, estamos longe de esgotar o assunto. Há obras que fazem
uma discussão sobre a relação Educação e Comunicação em suas várias
possibilidades (BRAGA & CALAZANS, 2001; CITELLI, 2000). O filósofo da
educação Mário Kaplun (1923 - 1998), argentino radicado no Uruguai e amigo
do pedagogo brasileiro Paulo Freire, propôs o termo “Educomunicação” nos
anos 1980, para designar a mediação da Comunicação com e para a Edu-
cação como forma de ação política diante dos fenômenos contemporâneos
(pós-modernidade, globalização, transnacionalização do poder econômico-
-financeiro etc.) (SCHAUN, 2002, p. 81).
Há várias maneiras de encararmos a relação entre a educação e a comu-
nicação, entre os modos de aprendizagem pedagógica e o uso dos meios de
comunicação (sejam eles massivos e baseados na lógica de distribuição e difu-
são, como os jornais, as revistas, os quadrinhos e o cinema, sejam eles digitais,
como os sites, portais e mídias sociais, baseados na lógica de acesso on-line
a servidores). O viés que nos interessa aqui (e que não esgota o assunto, natu-
ralmente) diz respeito à compreensão e ao uso das técnicas da comunicação e
da informação nas práticas pedagógicas, percebidas também como formas de
sociabilidade, na medida em que esses fazeres devem se dar coletivamente.
É natural a existência de riscos nesse tipo de discussão: muitos incor-
rem na análise apenas dos meios em si, deixando de lado as suas potencia-
lidades e limites e, ao mesmo tempo, deixando de lado também a análise do
seu potencial comunicativo. Talvez um dos exemplos mais clássicos desse
tipo de equívoco seria a crença numa modalidade de “teleaula” na qual o alu-
no apenas assiste aos conteúdos transmitidos pela TV, sem apoio de outros
materiais e, principalmente, de sem apoio de professores em sala de aula (ain-
da hoje é comum professores colocarem alunos para “assistir algo” quando
não podem dar aula...).
Afinal, a popularidade da televisão como meio informativo massivo (notí-
cias, novelas, filmes etc.), para muitos, era suficiente para que as aulas basea-

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

das apenas nessa lógica transmissiva fossem também eficientes; mas variáveis
como as maneiras como as pessoas consumiam a TV, os gêneros televisivos
favoritos da audiência e as situações de recepção foram deixados de lado. O
relativo fracasso dessa tentativa aponta para o fato de que a análise da TV como
ferramenta se centrou apenas na tecnologia em si, não nos modos como as
pessoas interagem diante da tecnologia e entre si, simultaneamente.
A TV foi percebida em sua eficácia potencial como transmissora de
conteúdos, mas não se questionou, à época, sua eficácia como geradora de
conhecimentos, sendo que estes se baseiam, muitas vezes, em práticas so-
ciointerativas (ou seja, em situações sociais, presenciais ou à distância).
No início de seu livro intitulado La Educación desde la Comunicación, o
pesquisador colombiano (nascido na Espanha) Jesús Martín-Barbero adverte
sobre um duplo fato: o que estamos acostumados a confundir a comunicação
com os meios e a educação com seus métodos e técnicas. Ou seja: é pre-
ciso evitar o reducionismo de ambos os conceitos e processos a uma visão
meramente técnico-instrumental. Além disso, há outro aspecto importante no
que se refere ao modo de se lidar com a dualidade Comunicação-Educação,
do ponto de vista teórico-metodológico: é mais importante ensinar o aluno a
utilizar os meios, dominando suas técnicas, ou ensinar o aluno a fazer uma
leitura crítica desses meios?
De um lado, em uma sociedade cada vez mais mediatizada1, faz-se 1
Apesar de os termos
necessário que os alunos dominem as diversas técnicas de produção de in- “mídia” e “midiático”
estarem popularizados, a
formação e de comunicação (compreensão da lógica produtiva); ao mesmo grafia mais adequada, do
tempo, é preciso que eles saibam interpretar os conteúdos veiculados nos ponto de vista etimológico,
meios de comunicação massivos e digitais (interpretação dos produtos medi- seria “media” e “mediático”
áticos). A nosso ver, essa é uma escolha fundamental, mas perceba-se que, (como escrevem os
portugueses). Afinal, a
apesar de serem duas questões interrelacionadas, elas colocam em xeque palavra vem do latim,
aspectos diferentes sobre a percepção dos meios: a produção de textos por medium, que significa
parte dos alunos e a análise dos produtos mediáticos produzidos no âmbito “meio” (seu plural é media).
dos meios de comunicação massivos e digitais. Aqui, todos os vocábulos
de língua portuguesa
Assim, é preciso ter sempre em mente as diferenças simbólicas entre o referentes aos meios
campo escolar como esfera de produção de conhecimentos e o sistema mediáti- de comunicação serão
co como espaço difusor de informações. Nossa escolha, aqui, é auxiliar o profes- grafados em conformidade
com a origem do termo
sor na produção dos textos por parte dos alunos a partir das diferentes técnicas de em latim: assim, usaremos
comunicação e informação; acreditamos que o conhecimento e a prática sobre “mediático” e não
os modos de produzir esses textos ajudam posteriormente numa análise crítica “midiático”; “mediatizado”, e
sobre os meios de comunicação de massa nos quais circulam outros textos. Ou não “midiatizado”.

seja: existe uma diferença fundamental entre saber como se faz e saber fazer.
Cumpre lembrar que todas as técnicas aqui relacionadas podem ser
trabalhadas com o auxílio do computador. Uma vez que as tecnologias digi-

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tais permitem o manuseio dos textos verbais, das imagens e dos sons, bem
como de suas combinações, nada impede que as atividades sejam realizadas
tanto através de encontros presenciais quanto através de atividades coletivas
e colaborativas mediadas pelo computador. Cabe aos professores, dentro de
suas visões de processo pedagógico, avaliarem quais os melhores caminhos
a serem seguidos.
Aqui, tentaremos evitar alguns equívocos: talvez o principal deles seja
deixar de lado a centralidade no suporte para dar ênfase aos aspectos das
diversas formas de linguagem (escrita, sonora, audiovisual, imagética etc.),
cujos princípios tendem a se manter, independentemente do suporte analisa-
do. Um exemplo simples: a princípio, não existem diferenças entre um filme
visto na TV, no cinema, num aparelho de DVD ou de Blu-ray ou no compu-
tador, no que se refere ao filme em si; as diferenças ocorrem em função do
suporte e daquilo que ele possibilita.
No cinema, não podemos pausar a exibição do filme; na TV, dependen-
do do tipo de aparelho, isso já é possível; no aparelho de DVD ou Blu-ray e
no computador, podemos pausar quantas vezes quiser. Mas essas diferenças
não alteram o estatuto do filme como mensagem audiovisual: assim, o tempo
de exibição ou a ordem das sequências são mantidos. Ou seja: os modos
de construção de um produto audiovisual (em termos de captação de ima-
gens, edição, pós-produção etc.) serão sempre os mesmos, independente
do suporte no qual o filme será exibido (obviamente, há exceções em alguns
aspectos, como os filmes em 3D).
Há outras variantes a serem consideradas: um filme na TV, no DVD
ou no Blu-ray, visto em família ou entre amigos, é quase sempre um ritual
acompanhado de comentários (ligados ao filme ou não); no cinema, o ritual
(ao menos em algumas culturas) pede que o filme seja assistido em silêncio;
no computador, a exibição tende a ser individual e solitária (uma vez que, seja
num desktop, notebook, netbook, tablet ou mesmo num smartphone, esses
objetos tendem a ser percebidos como objetos pessoais). Ou seja, as formas
de recepção são bastante distintas. Observar as formas de recepção também
na sala de aula é algo importante para o pedagogo.
Além disso, é preciso ter em mente que os modos como as futuras
tecnologias são concebidas podem implicar em mudanças nas formas de
produção mediática. Por exemplo: se um dia pudermos “escolher” a próxima
sequência de um filme, numa lógica similar à do RPG (role playing game), é
inevitável que a produção do filme se modificará, deixando de ser roteirizada
e concebida como um continuum temporal para se tornar um conjunto de
possibilidades narrativas à escolha do espectador (mais próxima da lógica do
videogame). Uma discussão sobre essas potencialidades pode ser encontra-
da, por exemplo, em Gosciola (2003).

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Essa obra se divide nos seguintes capítulos:


1) Revisão conceitual dos conceitos de informação e de comunicação;
2) Discussão sobre as tecnologias da informação e da comunicação e seus
produtos;
3) Discussão sobre as matrizes da linguagem humana (usadas nas diferentes
técnicas de comunicação e informação), a saber: o sonoro, o visual e o
verbal, suas características e possibilidades de mistura;
4) Diversas técnicas da informação (jornais, revistas, livros, fotografias, histó-
rias em quadrinhos etc.), suas formas de produção e seus possíveis usos
na sala de aula.
Ao final de cada uma dessas partes, o leitor encontrará referências bi-
bliográficas para aprofundar os temas abordados. Como já dissemos, não te-
mos a pretensão, nem a possibilidade de esgotar todas as possibilidades que
envolvem os campos da Comunicação e da Educação. Mas, se conseguir-
mos ao menos criar uma base teórica inicial para os professores e leitores, a
qual possa auxiliá-los em suas práticas profissionais em sala de aula, já estará
de bom tamanho.

Referências
BRAGA, José Luiz & CALAZANS, Regina. Comunicação e educação –
questões delicadas na interface. São Paulo: Hacker Editores, 2001.
CITELLI, Adilson. Comunicação e educação – a linguagem em movimento.
São Paulo: Editora SENAC, 2000.
COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.
GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias – do game à TV intera-
tiva. São Paulo: SENAC, 2003.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Bogotá:
Grupo Editorial Norma, 2003.
OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar – pedagogia dos meios,
participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, 2005.
SCHAUN, Angela. Educomunicação – reflexões e princípios. Rio de Janeiro:
Mauad, 2002.
SETTON, Maria da Graça. Mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2010.
STEINER, George. Depois de Babel – aspectos da linguagem e tradução.
Lisboa: Relógio D’Água, 2002.
WILLIAMS, Raymond. Palabras clave – un vocabulário de la cultura y la so-
ciedad. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000.

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Capítulo 1
A informação

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

1. A informação: breve introdução


Termo apresenta vários sentidos em nossa sociedade; porém, a informação
pode ser percebida como um conceito técnico.
O termo “informação” tem sua origem etimológica no latim, informare (in
+ formare), expressão que signifca “dar forma”, “modelar”. A partir daí, veio o
termo informatio, ou seja, “ação de dar forma a algo” (o sufixo latino -tio signi-
fica “ação” ou “atividade”).
Porém, ao longo dos séculos, vários outros significados foram ligados
ao termo “informação”, como “informe”, “notícia”, “instrução”, “conhecimen-
to”, “representação” etc. Ou seja: percebe-se que sua ideia original, “formatar
algo”, se perdeu ao longo dos tempos.
Além disso, essa “confusão” conceitual entre comunicação e informa-
ção ocorre porque, nas sociedades tradicionais (que podemos chamar de
pré-modernas), comunicação e informação tendencialmente “caminhavam”
juntas. Ou seja: como não havia ainda a mediação tecnológica (meios de co-
municação) entre os homens, esses se comunicavam diretamente uns com
os outros, através de gestos e falas; os processos de transmissão da informa-
ção e do ato da comunicação, presencial, eram superpostos.
Mesmo assim, até os dias de hoje, uma das correlações mais comuns
em nossos dias é fazer a equivalência entre os termos “informação” e “comu-
nicação”. Na verdade, esses dois termos são bastante distintos, ainda que
ambos tenham muitos pontos de contato, como veremos.
Parte dessa confusão tem uma origem mais específica: a Teoria Mate-
mática da Informação, formulada inicialmente em artigo científico em 1948 por
Claude Shannon e publicada em forma de livro em 1949 junto com Warren We-
2
Apesar de, em geral e na
aver, foi chamada pelos próprios autores de Teoria Matemática da Comunica-
língua portuguesa (bem
ção; outros autores, porém, se referem apenas a “Teoria da Informação” (ou TI). como nas línguas derivadas
Para tentar colocar um pouco de ordem nas coisas, é comum encon- do latim), o prefixo in indicar
negatividade (imortal,
trarmos a sigla CIC (Ciências da Informação e da Comunicação), entre alguns
infalível etc.), no caso do
teóricos e em algumas instituições de pesquisa e de ensino superior, para se termo “informação”, ele tem
referir ao campo teórico que abarca as duas áreas. A acepção do termo “infor- o sentido de “acentuar a
mação2” que particularmente nos interessa aqui, neste momento, é a técnica. ação” (CAPURRO, 2008,
p. 6).

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18 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Figura 1 – Composição da palavra informação

2. A informação como um conceito técnico


Proposta de Shannon para enfrentar problemas técnicos de transmissão de
mensagens se torna primeira teoria da informação.
A primeira teoria da informação ocorreu quase que por acaso. A compa-
nhia de telecomunicação Bell Telephone Laboratory queria aperfeiçoar o funcio-
namento do telégrafo; buscava, por exemplo, aumentar a velocidade de transmis-
são das mensagens telegráficas e diminuir as perdas da mensagem transmitida.
Em outros termos: otimizar a eficácia dos canais de comunicação exis-
tentes naquela época, ou seja, o cabo de telefone e a onda de rádio. Claude
Elwood Shannon (1916 - 2001), engenheiro e matemático norte-americano,
buscava auxiliar nessa empreitada, que já fora tentada antes pelos engenhei-
ros Harry Nyquist (1889 - 1976) e Ralph Hartley (1888 - 1970).
Em 1947, Shannon esboçou um esquema que se tornou clássico no
campo da Comunicação; em 1948, publicou um artigo sobre o assunto e,
finalmente, em 1949, publica com Warren Weaver (1894 - 1978), também ma-
temático, o livro Mathematical Theory of Communication.

Figura 2 – Esquema da teoria da comunicação segundo Shannon e Weaver


Vamos explicar rapidamente o esquema de Shannon e Weaver: existe
uma fonte de informação, que constrói uma mensagem através de um dado
código (elemento esse não explicitado pelos autores, e que pode ser um idioma,
como o inglês ou o francês, por exemplo). Essa mensagem é transmitida atra-
vés de um suporte transmissor que emite sinais. Esses mesmos sinais devem

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19
Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

ser recebidos em igualdade de condições por um aparelho receptor que deve


reconstituir a mensagem, fazendo-a chegar a sua destinação final.
Neste processo, pode ocorrer a interferência de ruídos na transmissão da men-
sagem, ou seja: elementos não desejáveis e que interferem na reconstituição da men-
sagem (falhas de transmissão). Para evitar a perda de alguma informação, sugere-
-se que a mensagem tenha certo grau de redundância, ou seja, que ela “repita” de
diferentes formas (paráfrases, repetições diferenciadas) uma mesma informação.
O que propuseram Shannon e Weaver, no final das contas? A partir de
suas formações profissionais (Engenharia, Matemática), um viés matemático-
-informacional: nesse viés, o que se percebe são as partes componentes do
sistema informativo (e não o processo comunicacional em si) apenas do ponto
de vista técnico, com particular preocupação de que os sinais da mensagem
transmitida cheguem ao destinatário do mesmo modo que “saíram” da fonte.
Ou seja: a meta aqui é a transmissão otimizada da mensagem, sem nenhum
tipo de preocupação com o seu conteúdo.
Em outros termos: a preocupação se dava apenas com o funcionamen-
to técnico do sistema comunicativo. A transmissão eficiente tende a garantir
uma decodificação eficiente para o receptor, levando-se em conta apenas os
sinais transmitidos. O termo “sinal”, aqui, deve ser entendido dentro do âmbito
da informação. O código Morse, por exemplo, para quem não o domina, é
3
Signos: os elementos
físicos constitutivos de
apenas um conjunto de sinais; porém, quem domina o código não percebe uma mensagem (letras,
apenas sinais, mas sim signos3 (palavras, frases etc.). No caso do telefone, o imagens, sons, gestos
que o aparelho recebe são sinais elétricos. etc.). Os signos devem
ser, a princípio, sinais
Aqui, são deixadas de lado outras variáveis, como as intenções do emis- que serão interpretados
sor, o trabalho de interpretação do receptor etc. Esses aspectos, em particular, posteriormente. Ou seja: só
estão diretamente ligados ao campo da comunicação. De qualquer modo, há signo se existir um sinal
o paradigma matemático-informacional de Shannon & Weaver, aplicado ini- que lhe seja anterior.
cialmente apenas às telecomunicações e à engenharia de comunicações, foi
posteriormente adaptado pelo pesquisador norte-americano Wilbur Schramm
à comunicação humana, levando-se em conta os seguintes aspectos:
1) Que a fonte de informação e o transmissor equivalem ao comunicador
2) Que o receptor e a destinação equivalem ao receptor
3) Que o comunicador e o receptor devem partilhar “campos de experiências 4
Repertório: o vocabulário
em comum” (em outros termos: devem possuir um repertório4 em comum, de um dado código. Pode
ou seja: devem dividir códigos, domínios de linguagens, textos etc.). ser entendido também
como o universo de
A partir dessa perspectiva, Schramm concluiu, nos anos 1970, que
informações adquiridas por
o estudo da Comunicação era dependente de uma série de outros fatores, um ser humano (domínio
como as contribuições de outros campos científicos (Sociologia, Psicologia). de línguas, conhecimentos
Além disso, Schramm admite a Comunicação como uma “relação interativa” etc.).

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20 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

(e não como apenas algo que se transmite a alguém) e que estudá-la significa
estudar as pessoas que interatuam nos processos comunicacionais.
Em suma, Shannon e Weaver se preocupavam principalmente com a
eficácia técnica do sistema informativo, ou seja, que a mensagem constituída
no polo da emissão fosse reconstituída no polo da recepção na sua íntegra
em relação aos sinais. O aspecto semântico (o conteúdo da mensagem) não
era de interesse deles.
Em outros termos: não interessa o teor da conversa de duas pessoas
ao telefone, mas apenas que uma pessoa possa ouvir à outra e vice-versa,
compreendendo o que ela fala, palavra por palavra, fonema por fonema. Po-
rém, veremos que, mesmo com a proposta feita por Schramm, o modelo de
Shannon e Weaver se tornou paradigmático no campo da Comunicação, a
ponto de muitas vezes apenas se pensar os fenômenos da área dentro dessa
visão chamada por Winkin (1984), em termos facilitadores, de “telegráfica”. A
justificativa dessa visão será retomada adiante.

Saiba mais
5
A teoria matemática da
Emissor: seja na teoria da informação ou na maioria das teorias da comunicação tradicionais,
comunicação não surgiu
emissor é o criador ou a fonte da informação, de uma mensagem, que é emitida a um receptor.
nos anos 1940, conforme
Receptor: é o recebedor ou destinatário da mesma mensagem enviada pelo emissor. Em
destaca Weaver (1987:
algumas ocasiões, emissor e receptor tanto podem ser a mesma pessoa quanto podem
26-7). O físico austríaco
trocar de lugar, em situações de interação presencial ou mediada pelo computador.
Ludwig Boltzmann (1844-
Mensagem: é o conjunto ordenado de uma série de sinais que, sendo interpretáveis,
1906) sugeriu prováveis
se tornam signos, visando a transmissão de uma dada informação. Geralmente a infor-
pontos de contato entre a
mação está situada dentro do contexto de uma mensagem.
mecânica estatística e o
Código: linguagem ou sistema de signos convencionais e regrados nos quais a mensagem
conceito de informação.
é transmitida (linguagem escrita ou falada, cinematográfica, quadrinística, teatral etc.).
O matemático norte-
Sinais: fenômenos físicos que, uma vez interpretados, se transformam em signos de
americano Norbert Wiener
uma mensagem.
(1894-1964), que foi
Ruído: sinal que atrapalha a transmissão e/ou decodificação da mensagem.
uma influência central
Redundância: repetição de signos, iguais ou equivalentes entre si (como as paráfra-
no trabalho de Shannon,
ses), para reforçar a compreensão de uma dada mensagem.
desenvolveu o conceito de
cibernética (que é abordado
no próximo tópico). Maser
(1975: 168) cita outros 3. Cibernética: um dos pontos de partida da comunica-
pesquisadores que também ção e da informação
se dedicaram ao estudo
da teoria da informação, Ciência proposta por Norbert Wiener nos anos 1940 diz respeito ao estudo do
como Karl Küpfmüller “controle e comunicação no animal e na máquina”.
(1897-1977), Dennis Gabor,
inventor da holografia Em 1948, o matemático norte-americano Norbert Wiener (1894-1964)
(1900-1979) e Leo Szilard publicou um livro intitulado Cybernetics: Or the Control and Communication
(1898-1964). in the Animal and the Machine, com o qual criou o termo “cibernética5”; dois

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21
Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

anos depois, trouxe à luz a obra The Human Use of Human Beings, na qual
retoma os conceitos-chave do livro anterior para fins de divulgação junto a
público mais leigo.
A origem do termo “cibernética” vem da palavra grega kubernetes (“pi-
loto”), da qual também se origina a expressão “governador” (através do Latim,
gubernare); porém, o próprio Wiener adverte que a palavra já havia sido usada
antes, por exemplo, por André-Marie Ampère em estudos sobre ciência política. 6
Outro autor que trabalhou
com a ideia de sistema
O que Wiener chama de Cibernética? Antes, é preciso entender que a
foi o biólogo austro-
Natureza, do ponto de vista estatístico, é “caótica”, ou seja: é “imprevisível”, “in- canadense Ludwig von
controlável”. A Cibernética, por outro lado, é colocada (ao menos inicialmente) Bertalanffy (1901-1972),
como a ciência do controle (ou seja, “regulação”) das relações existentes (ou criador da Teoria Geral
dos Sistemas nos anos
seja, “comunicação”) entre máquinas e organismos vivos (ou seja, “homens”).
1930. Sua principal obra
Para que tal relação possa existir, é importante a existência da “retroali- é justamente intitulada
mentação” (feedback) para que o sistema continue em ação. Nesta visão, se Teoria Geral dos Sistemas
e é bastante estudada em
aceita que o mundo seja composto de sistemas6 vivos ou não, que interagem
áreas como Administração,
uns com os outros (empresas, pessoas, animais, computadores, cérebros Biologia e Sociologia. O
etc.). Ao mesmo tempo, um sistema é visto como um conjunto de elementos princípio lógico-matemático
em interação constante. Assim, um sistema deve ter dados de entrada (inputs) da Teoria Geral dos
Sistemas é que muitas
inseridos nele e, posteriormente, esse mesmo sistema deve produzir respos-
disciplinas refletem mais
tas (outputs) que permitam a criação de um feedback. em termos de sistemas de
Para Wiener, existem dois tipos de feedback: um positivo, no qual as re- elementos do que como
elementos isolados; assim,
ações de B reforçam as ações de A, podendo até mesmo mudar o método e o
ela pode ser aplicada às
padrão geral de desempenho do sistema; e outro negativo, no qual as reações mais diversas ciências
de B levam as ações de A a serem apenas reguladas. Aqui, Wiener fala, respec- empíricas.
tivamente, em “aprendizagem” e “rigidez”. Assim, homens e máquinas se comu-
nicam através de situações em que uma informação “retorna7” à fonte emissora. 7
Retorno (ou feedback): a
volta da mensagem à sua
origem (emissor).

Figura 3 – Visão de feedback proposta por Norbert Wiener


Mais do que uma teoria, o pensamento de Wiener é uma reflexão. Isso
porque o que vigorava nas ciências (e no paradigma de Shannon e Weaver)
era a ideia de linearidade, de causa e efeito; a partir da visão de Wiener, o que

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se propõe é uma espécie de “circularidade” entre os agentes participantes de


um processo de interação. A linearidade das relações entre causa e efeito é
substituída pela noção circular de retroação.

Figura 4 – Esquema simplificado e bidirecional de retroação entre A e B


Assim, para Winkin (1984, p. 15), a publicação dos livros Mathemati-
cal Theory of Communication (Shannon e Weaver) e Cybernetics (Wiener)
desempenhou um papel central: fazer com que a palavra “comunicação” en-
trasse no vocabulário científico, dentro de uma nova acepção. Além disso,
uma noção de comunicação vai se desenhar na primeira metade do século
XX (consolidando-se nos anos 40 - 50), a partir do momento em que os meios
de comunicação de massa (rádio, cinema, televisão) vão se tornando ele-
mentos cotidianos na vida das pessoas. Esses meios garantem a transmissão
massiva da informação (uma mesma informação é disseminada para várias
pessoas em diferentes locais).

4. A informação como um conceito dentro do campo da


comunicação de massa
A informação é a “redução da incerteza”, mas também pode ser aquilo que é
“desconhecido” por parte do receptor.
Vimos que o termo informatio vem do latim (significando, de modo ge-
ral, “ação de modelar ou de dar forma”). Ou seja, a informação formata um
aspecto da realidade, por nós desconhecido, de um modo específico. Po-
rém, com o passar do tempo, o termo “informação” foi passando a designar
também o conjunto dos acontecimentos que desconhecemos.
Na verdade, essa acepção não se diferencia muito de seu sentido origi-
nal: se desconhecemos um dado fenômeno da realidade, qualquer coisa que

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

nos seja dita a respeito dele terá grande potencial informativo e, ao mesmo
tempo, nos dá um modo de perceber esse fenômeno. Digamos, por exemplo,
que uma pessoa nunca tenha visto uma determinada cor (o azul), tampouco
saiba o seu nome (já que nunca a viu).
Se alguém disse a essa pessoa que o nome dessa cor é “azul”, daí por
diante, sempre que a pessoa estiver diante dessa cor, irá pensar na palavra
“azul”. Ou seja: a partir daquele momento, a palavra “azul” formata aquela
informação cromática para aquele indivíduo e aquela cor deixa de ser “impre-
cisa”, torna-se por ele “conhecida”. Ao mesmo tempo, elimina-se a incerteza
(“qual o nome dessa cor?”) e formata-se um aspecto da realidade (a existên-
cia do nome “azul” para essa cor, em língua portuguesa).
Essa lógica se estende a outros fenômenos da realidade (incidentes di-
plomáticos, conflitos bélicos e acontecimentos em geral) através dos meios de
comunicação de massa. Percebe-se, porém, que esse processo não é tão sim-
ples e estável: dependendo de uma série de percepções ideológicas e culturais,
a imprensa pode falar em “guerra do Afeganistão” ou “invasão norte-americana
ao Afeganistão” para se referir a acontecimentos que envolvam o exército norte-
-americano no território afegão, como os ocorridos a partir de 2001.
Isso ocorre na sociedade a todos os momentos: uma pessoa pode perce-
ber uma garrafa de Coca-Cola como uma opção refrescante para um dia quen-
te e outra pessoa pode associar a bebida à noção conceitual de “imperialismo
norte-americano”.
Assim, a informação é uma mensagem referente a um acontecimento des-
conhecido ou novo, do ponto de vista de quem não o conhece. Mas esse acon-
tecimento pode depender também das probabilidades de ele acontecer ou não.
Assim, um dado fenômeno pode ser raro ou altamente improvável, o que implica
em um alto grau informativo. Nos meios jornalísticos, há uma frase humorística e
talvez exagerada, mas que não deixa de explicitar a lógica desse raciocínio:

se um cão morde um homem, isso não é notícia; mas se um homem


morde um cão, isso é notícia.

Com isso, percebe-se que a informação é matéria-prima da comunica-


ção e da cultura massivas (novelas, noticiários, eventos esportivos etc.), uma
vez que ambas trabalham com diversos textos que fazem uso de um suben-
tendido tradicional, do tipo “receptor, saiba que...”.
Assim, a novela é informativa na medida em que o espectador não sabe
o que vai acontecer com as personagens; e, mesmo que saiba do destino
dessas personagens (através dos cadernos de TV, com resumos de novelas),
ele assiste à TV para confirmar se o que ele sabe vai se confirmar ou não. O
noticiário parte do pressuposto de que o telespectador desconhece aquelas
informações que estão sendo transmitidas, no todo ou em parte.

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Os eventos esportivos, por sua própria natureza, não podem ter seu
desfecho antecipado, ainda que os torcedores possam especular sobre o
resultado final (loteria esportiva, bolões, apostas etc.). Por tudo isso, vale
a pena transcrever a seguinte citação do pesquisador português Adriano
Duarte Rodrigues (1994)

a esfera da informação é uma realidade relativa que compreende o con-


junto dos acontecimentos que ocorrem no mundo e formam o nosso
meio ambiente. Os acontecimentos são tanto mais informativos quanto
menos previsíveis e portanto mais inesperados (...). A informação é, por
conseguinte, uma realidade que pode ser teoricamente medida pelo cál-
culo de probabilidades, sendo o valor informativo de um acontecimento
inversamente proporcional à sua probabilidade de ocorrência (...). A in-
formação está por isso intimamente associada à natureza relativamente
inexplicável de fenômenos, ao fato de a razão humana não os conseguir
dominar e de ocorrerem no mundo à nossa volta sem aviso prévio, fora
do controle e do domínio da liberdade humana, de intervirem de maneira
brutal e inesperada (p. 20-1).

Em suma: a informação é algo que, de certa forma, nos tranqüiliza, por-


que diz respeito às coisas do mundo e nos diz algo sobre elas. Nesse aspecto,
ela é bem distinta da comunicação, processo que analisaremos a seguir.

Atividades de avaliação
1. Por que a teoria de Shannon e Weaver é tomada como uma teoria da co-
municação? Pense sobre o assunto.
2. Pense em algumas formas de feedback dentro de um processo de troca de
informações.
3. Pense nas várias formas de informação que nos cercam no dia-a-dia.
4. Quais as informações jornalísticas que interessam a você? Por quê? Pen-
se sobre o assunto.

Referências
CAPURRO, Rafael. “Pasado, presente y futuro de la noción de información”.
In: I Encuentro Internacional de Expertos en Teorías de la Información –
un enfoque interdisciplinar. León, 2008. Disponível em http://www.capurro.de/
leon.pdf. Acessado em 1o. de fevereiro de 2012.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

COELHO NETTO, J. Teixeira. Semiótica, informação, comunicação. 3ª.


ed., São Paulo: Perspectiva, 1990.
EPSTEIN, Isaac. Teoria da informação. São Paulo: Ática, 1986.
MASER, Siegfried. Fundamentos de teoria geral da comunicação. São
Paulo: EPU/EDUSP, 1975.
PEREIRA, José Haroldo. Curso básico de teoria da comunicação. Rio de
Janeiro: Quartet / UniverCidade, 2001.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura - a experiência cultu-
ral na era da informação. Lisboa: Editorial Presença, 1994.
SHANNON, Claude & WEAVER, Warren. Teoria matemática da comunica-
ção. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1975.
WEAVER, Warren. “A teoria matemática da comunicação”. In: COHN, Gabriel (org.).
Comunicação e indústria cultural. 5a. edição, São Paulo: T. A. Queiroz, 1987.
WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade – o uso humano de seres huma-
nos. São Paulo: Cultrix, 1968.
WIENER, Norbert. Cibernética - ou controle e comunicação no animal e na
máquina. São Paulo: Polígono, 1970.
WINKIN, Yves (org.). La nouvelle communication. Paris: Seuil, 1984 (Tradução
parcial: WINKIN, Yves (org.). A nova comunicação. Campinas: Papirus, 1996.

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Capítulo 2
A Comunicação

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

1. A Comunicação como troca simbólica


A comunicação é um processo de mão dupla, mas não necessariamente
igualitário.
Vimos que, nas sociedades tradicionais (pré-modernas), comunicação
e informação tendencialmente “caminhavam” juntas. Vimos também que uma
noção específica de comunicação vai se desenhar na primeira metade do
século XX (consolidando-se nos anos 40 - 50), a partir do momento em que os
meios de comunicação de massa (rádio, cinema, televisão) vão se tornando
elementos cotidianos na vida das pessoas.
É bastante comum que encontremos diferentes definições de Comuni-
cação nos dicionários, como os exemplos a seguir:
 Ato de estabelecer relação (coisas, células, animais, seres humanos)
 Ato de transmitir sinais através de códigos (animais, seres humanos)
 Ato de trocar pensamentos ou sentimentos (seres humanos)
 Usar meios tecnológicos (comunicação telefônica, via Internet)
 Mensagem ou informação
 Vias que ligam espaços distintos, ou circulação
 Disciplina, saber, ciência ou grupo de ciências.
Talvez seja interessante voltarmos também à etimologia da palavra “co-
municação”. O termo também vem do latim (communicatio), onde:

Figura 5 – Composição da Palavra Comunicação.


Ou seja, a ideia de comunicação implica em uma atividade ou ação na
qual se pressupõe um compartilhar de algo. A partir desses radicais, surgiram
palavras afins, como “comungar”. Assim, podemos dizer, a princípio, que a
comunicação é um processo de troca entre dois agentes (animais, seres hu-
manos etc.), uma vez que há algo a ser compartilhado entre eles.

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30 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Aqui, percebe-se que o processo comunicacional é diferente do proces-


so informacional (ligado à transmissão de alguém que sabe visando alguém
que não sabe); no processo comunicativo, ao contrário, pressupõe-se que
ambos os agentes tenham algo a compartilhar. Retomemos aqui o pesquisa-
dor português Adriano Duarte Rodrigues (1994), agora em sua definição de
comunicação:

[a comunicação é um] processo que ocorre entre pessoas dotadas de


razão e de liberdade, entre si relacionadas pelo fato de fazerem parte,
não do mundo natural, com as suas regras brutais e os seus mecanis-
mos automáticos, mas pelo fato de pertencerem a um mesmo mundo
cultural. (...) [A comunicação é um] processo dotado de relativa previsibi-
lidade. Da previsibilidade do processo comunicacional depende um dos
seus princípios fundamentais, o da intercompreensão. (...) Os processos
comunicacionais são dotados de valores que põem em jogo as prefe-
rências, as opções, os desejos, os amores e os ódios, os projetos, as
estratégias dos intervenientes na intercompreensão e na interação. (...).
A comunicação não é um produto, mas um processo de troca simbólica
generalizada, processo de que se alimenta a sociabilidade, que gera os
laços sociais que estabelecemos com os outros, sobrepondo-se às rela-
ções naturais que mantemos com o meio ambiente” (p. 21-2).

A ideia de “troca simbólica” concebida por Rodrigues é similar à propos-


ta por Marcel Mauss em seu famoso Ensaio sobre a Dádiva. Para Mauss, a
troca é um fato social total (em conformidade com o conceito do tio, o sociólo-
go Émile Durkheim), ou seja, ela ocorre como fato social total quando a totali-
dade do social está presente nela, ou ainda, quando o fato é puramente social,
não podendo se dar na instância do estritamente individual. Sob essa ótica, a
comunicação também é um fato social total, pois tende a ocorrer na esfera do
social (ainda que possamos falar de comunicação intrapessoal, obviamente).
Para Mauss, a dádiva é um fato social baseado numa tríade: dar, rece-
ber e retribuir (objetos materiais ou simbólicos), criando laços sociais entre os
agentes envolvidos. Desse ponto de vista a dádiva é um processo de mão
dupla “desigual”, pois quem dá, pode receber, mas quem recebe o objeto da
dádiva, deve retribuir sempre. Está em vantagem, portanto, quem dá, criando
uma obrigação exclusivamente para quem deve retribuir. Mesmo que o rece-
bedor não queira “entrar no sistema da dádiva”, ele já está nele ao receber,
e mesmo que se recuse a receber ou a retribuir. Ou seja: o que está em jogo
aqui são a honra e o prestígio (de dar ou de retribuir).
Tal fato é facilmente verificável no nosso dia a dia: basta que pensemos
em alguém que estica a mão para cumprimentar uma segunda pessoa; esta, por
sua vez, está virtualmente “impossibilitada” de participar de tal interação, pois foi

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31
Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

“obrigada” pela primeira pessoa a retribuir o cumprimento, sob pena de passar


por “mal-educada” ou “grosseira”. O peso social de tais situações é verificado em
outras situações grupais, como brincadeiras de amigo secreto, por exemplo, nas
quais muitos buscam estabelecer previamente valores mínimos e/ou máximos
para os presentes a serem trocados. Qualquer “fuga” para fora desses limites fi-
nanceiros estabelecidos (ou seja, presentes muito baratos ou muito caros) pode
criar momentos embaraçosos aos agentes envolvidos na situação em questão.
Percebe-se que a comunicação, sob esse aspecto, pode ser encarada
como uma espécie de “estratégia social”. Um partido político que se oferece
para fazer uma coligação partidária, em prol da “governabilidade”, por exem-
plo, tenderá a ser mais bem-visto do que o partido que rejeita tal proposta
e poderá ser visto como “radical” (obviamente, há outras variantes em jogo
aqui). Uma pessoa que se oferece para desempenhar uma dada atividade
considerada “de risco” se coloca numa situação socialmente “favorável” em
relação àqueles que se omitiram. Em suma: o processo de comunicação é um
processo interacional.

2. A comunicação como processo interacional


O processo comunicacional é muito mais do que apenas o processo de trans-
missão de uma informação de um emissor para um receptor.
Acabamos de dizer que a comunicação é um processo interacional.
Ao mesmo tempo, afirmamos na unidade anterior que o processo de comu-
nicação é muitas vezes visto como um processo “telegráfico”, no qual o que
importa é a transmissão de uma dada mensagem que sai de um ponto A (um
emissor) e deve chegar a um ponto B (um receptor).
Uma das consequências mais fortes dessa visão (e não pensada origi-
nariamente por Shannon e Weaver) é a imutabilidade das posições do emis-
sor e do receptor. Em outros termos: o emissor não troca de posição com o
receptor e vice-versa. Essa percepção ganhou força com o desenvolvimento
da comunicação de massa, na qual ficam claras tanto a oposição entre os
emissores (veículos, jornalistas, artistas etc.) e a recepção (leitores, ouvintes,
telespectadores etc.) quanto a impossibilidade de troca de lugares. Isso será
aprofundado no próximo tópico.
Mas há outra consequência dessa visão comunicacional: a ideia de
que o emissor da mensagem seja o único e exclusivo detentor da informa-
ção a ser transmitida. Assim, o emissor, ao se pretender como “detentor da
informação”, parte do pressuposto de que ele é detentor de algo que o outro
não possui (por isso a necessidade de “transmissão”: o emissor detém algo
que o receptor não possui).

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32 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Isso implica uma desigualdade sob uma dupla ótica: o emissor detém tanto
a informação quanto os meios de transmissão dessa informação; o receptor, por
sua vez, nem possui a informação, nem os meios de retransmissão dessa infor-
mação, apenas os meios de recepção (veículos impressos, TV, rádio, equivoca-
damente chamados por alguns mais “distraídos” de “meios de comunicação”).
Ao mesmo tempo, a aceitação dessa noção do processo de comunica-
ção como transmissão da informação não fez mais do que, em determinadas
condições, reforçar determinadas práticas pedagógicas – com a diferença de
que, nessa área, a “informação” é substituída pelo “conhecimento”. O pedago-
go brasileiro Paulo Freire, ainda em fins dos anos 1960, já havia denominado
(e denunciado) essa prática da “concepção bancária”, ou seja: por um lado,
ela é uma prática voltada exclusivamente para a transferência de conheci-
mentos, cuja responsabilidade fica nas mãos do “educador”; por outro lado, é
uma prática que ignora os saberes do “educando” em sala de aula: “na visão
‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam nada saber (...). A rigidez destas posições nega a educação e o
conhecimento como processos de busca” (FREIRE, 2012, p. 81).
Voltemos à noção de interação. O que isso quer dizer, na prática? Vimos
que a comunicação é um processo de troca e que, conforme a visão de Mauss,
ela pode implicar na obrigação ou não de retribuição. Mas esse processo pode
não se encerrar nesse triplo movimento (dar, receber e retribuir); na verdade,
poderíamos dizer que o mais comum é que o processo comunicativo seja con-
tinuado, até que se cesse a interação entre os dois agentes sociais. Além disso,
podem existir mais pessoas envolvidas num processo comunicativo; nem sem-
pre essa é uma relação que envolve apenas duas pessoas.
Essa visão de comunicação foi
© Mark Stivers

chamada de “orquestral” por Winkin


(1984), a partir das visões de processos
culturais de autores tão distintos quanto o
linguista suíço Ferdinand de Saussure, o
antropólogo francês Claude Levi-Strauss
ou o antropólogo inglês Edmund Leach.
Em termos gerais, o que Winkin conside-
ra é o fato de que a comunicação é um
processo do qual as pessoas participam,
direta ou indiretamente, e não que elas
sejam apenas pontos de partida ou de
chegada de uma mensagem. É nesse
sentido que Winkin diferencia entre a vi-
são telegráfica e a visão orquestral dos
Figura 6 – Charge aludindo ao processo de comunicação modos de se conceber a comunicação.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

O que significa, de fato, falar na comunicação como um processo orques-


tral? Para Winkin, de certo modo, significa retomar o sentido de comunhão, de
participação. Ou seja: colocar os indivíduos numa situação em comum a todos
eles. Ao mesmo tempo, implica a ideia de que os indivíduos sempre participam
do processo de interação, mesmo que não pareça. O desenho ao lado, de au-
toria de Mark Stivers, e que circula na Internet, ilustra bem essa ideia.
Os autores que se interessaram pela comunicação como um processo
interacional e que acabaram compartilhando uma série de ideias e premissas
em comum foram alguns pesquisadores que desenvolveram suas atividades
em Palo Alto, Califórnia, e na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, a par-
tir de fins dos anos 1940. Apesar dessa dupla localização geográfica, muitas
vezes eles são denominados “Escola de Palo Alto”.
Winkin prefere denominar seu conjunto de visões e teorias como “A
Nova Comunicação” (La Nouvelle Communication, 1984). Entre os nomes
centrais e mais conhecidos dessa “Nova Comunicação”, estão o antropólogo
britânico Gregory Bateson, o filósofo austríaco Paul Watzlawick, os antropólo-
gos norte-americanos Ray Birdwhistell e Edward Hall, e o sociólogo canaden-
se Erving Goffman, ainda que existam outros nomes importantes.
Bateson pode ser considerado uma espécie de “fundador” dessa visão
orquestral da comunicação, em particular ao ponderar sobre os conceitos de
“metacomunicação” e de “duplo vínculo”. Esses conceitos serão trabalhados
por Watzlawick e por Birdwhistell, que também se interessou pelos diferentes
modos culturais de gestualidade como forma de comunicação (ciência à qual
deu o nome de cinésica).
Hall, por sua vez, analisa as diferentes formas de relações das culturas
com o tempo e o espaço e os modos como eles condicionam certas visões
(ao estudo do espaço, Hall denominou proxêmica; ao do tempo, cronêmica).
Finalmente, Goffman dedica atenção especial às diferentes formas de intera-
ção humana, baseado na premissa de que a sociedade vive “encerrada” den-
tro de uma dramaturgia cotidiana na qual o indivíduo sempre se vê obrigado
a desempenhar um “papel” a fim de manter sua “face” ou “fachada” (veremos
todos esses conceitos mais adiante).
A partir das ideias desses autores, podemos perceber que eles:
 Atacam a linearidade e a simplicidade do paradigma de Shannon & Weaver
(que não daria conta da complexidade do processo comunicacional)
 Preferem pensar a comunicação não como um processo linear, mas como
um processo circular (acatam a ideia, herdada da Cibernética de Norbert
Wiener, da retroalimentação ou feedback, conforme vimos anteriormente)
 Adotam a idéia de que a comunicação está interligada ao comportamento
humano.

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8
A palavra “pragmática” Existem alguns axiomas centrais nos pensamentos desses autores, no
etimologicamente vem do que se referem à comunicação, decorrentes dessas visões acima enumera-
grego, práxis, que se refere
às relações entre sujeitos.
das. O aspecto mais importante aqui é a noção de que a comunicação e o
O conceito é estudado em comportamento humanos estão interligados. Para compreender isso melhor,
outras áreas, como Teoria é preciso antes lembrar que, para Charles Morris (1938), há três domínios na
Literária e Filosofia da apreensão de uma língua:
Linguagem.
 Sintático (relativo ao uso dos códigos e signos em relação com outros có-
digos e signos);
 Semântico (relativo ao significado dos signos, ou seja, da relação deles
9
Os filósofos da linguagem
com a realidade);
tendem a falar em “atos
 Pragmático (relativo à relação e à alteração do comportamento humano a
8
de linguagem”, como o
britânico John Langshaw partir dos usos e “interpretações” desses signos).
Austin, ao analisar certas
ações que são praticadas Ou seja: num primeiro momento, é preciso saber usar os códigos e signos
através do ato de falar, usados num certo tipo de linguagem9 (a língua, por exemplo); num segundo mo-
como promessas e mento, é preciso conhecer os significados desses signos (decodificar palavras,
batismos. Essas ações
imagens, sons etc.); e, finalmente, num terceiro momento, é preciso considerar
só podem ocorrer quando
“dizemos” que estamos que somos afetados por esses signos.
prometendo algo ou Assim, uma ordem que nos é dada nos solicita que obedeçamos; um fa-
que estamos batizando
vor que nos é pedido nos solicita uma ação; cenas de um filme de terror podem
alguém ou algo, desde que
dentro de determinadas nos assustar. Mas também pode ocorrer que nem obedeçamos a ordem, nem
circunstâncias (a promessa façamos o favor, nem nos assustemos com o filme; mesmo assim, há um efeito
deve ser realizável, o dito pragmático sobre nós: nos comportamos de algum modo, seja conforme o
batismo deve ser realizado
esperado, seja de modo inesperado.
por quem tem a devida
competência para tal ação). Em outros termos: nossos comportamentos e ações podem ser movidos
Para mais detalhes, ver por meio da interpretação desses sinais. Isso ocorre também porque, para es-
Quando Dizer é Fazer, ses autores, a comunicação é um todo integrado, ou seja: ela não restringe ape-
de Austin, e também Os
Atos de Fala, de John nas à comunicação verbal, mas abrange também a comunicação não-verbal.
Searle. Num sentido um Esse aspecto é importante de ser considerado, na medida em que grande parte
pouco diferente e mais de nossas ações comportamentais tendem a ser não-verbais (gestos, posturas,
amplo, Paulo Freire vai tons de voz, distância em relação a outras pessoas etc.). É certo que, para al-
propor a inter-relação
entre Palavra (ação/ guns autores, a fala é uma forma de ação; porém, ela não é a única.
reflexão) = práxis como Isso implica na noção de que nosso comportamento (isto é, nossas falas
instância indissociável e ações) tanto pode influenciar pragmaticamente outras pessoas quanto, in-
do processo pedagógico
dito problematizador versamente, ser também influenciado. Acontece que, lembram alguns autores,
(que procura modificar como Watzlawick, nós nos comportamos o tempo todo. Dito de outro modo: não
a realidade e superar a existe não-comportamento.
dicotomia “opressor x
oprimido”). Para mais A ausência de ação é, por mais estranho que isso possa parecer, uma for-
detalhes, ver, por exemplo, ma de ação: se um prédio está em chamas e uma pessoa fica parada no meio
Pedagogia do Oprimido e do fogo, enquanto as demais saem correndo para se salvarem, fica claro que
Pedagogia da Autonomia. a não ação daquela pessoa é uma forma de comportamento, e não uma forma

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

de “não comportamento”. Assim, se nosso comportamento pode ser percebi-


do como uma forma de nos comunicarmos com os outros, através de nossas
ações, isso implica que a não-comunicação também não existe. Ou, para dizer
como os autores propõem: “não se pode não comunicar”. Birdwhistell, por sua
vez, fala que “nunca não ocorre nada”.
Essa visão sobre a comunicação como algo impossível de não ocorrer
nos permite olhar certos fatos sob uma ótica diferente: se uma pessoa pede
uma informação a outra, e esta não responde, na verdade ela já está respon-
dendo, algo como: “não quero falar com você”, “não entendi o que você falou”,
“ignoro sua presença” etc. Ou seja: a ausência de resposta é uma forma de
resposta. Não responder se torna, simultaneamente, uma forma de comporta-
mento e uma forma de comunicação interacional.
Watzlawick encontrava esse problema em alguns esquizofrênicos, que
tentavam não se comunicar, ficando parados ou se encolhendo (ou seja, “não
se comportando”), mas fracassavam em sua tentativa, pois as pessoas tendem
a se aproximar e a buscar se comunicarem (pois elas interpretavam que o es-
quizofrênico, daquele modo, “comunicava” algo: que ele precisava de ajuda).
Por conta desse “duplo” modo de se pronunciar (através da comuni-
cação e do comportamento), pode-se falar que há uma dupla comunicação
em jogo: uma ligada ao conteúdo verbal e outra ligada ao comportamento
do indivíduo. Dissemos que a pragmática se interessa pelos modos como os
sujeitos são “afetados” pelos sinais que constituem as mensagens; na prática,
porém, o fato é que os sujeitos são “afetados” tanto pela mensagem quanto
pela forma como esses sinais são transmitidos.
Por exemplo: um pedido de copo de água, a alguém, pode ser uma
simples solicitação, se o tom de voz for calmo e o corpo expressar tranquili-
dade, ou uma ordem, se o tom de voz for áspero e se os gestos forem rudes.
Autores como Bateson, Birdwhistell e Watzlawick ponderam que, na verdade,
qualquer mensagem traz duas mensagens embutidas: uma que é referente ao
próprio conteúdo textual (verbal) e outra que é referente à maneira (comporta-
mental) como o agente social se expressa.
Assim, toda mensagem teria um conteúdo (verbal) e expressaria uma rela-
ção (entre os sujeitos). Se a maneira como a mensagem deve ser entendida é em
parte determinada pela relação, Bateson, Birdwhistell e Watzlawick afirmam que
esta é, na verdade, uma comunicação sobre a comunicação. Em outros termos:
ela é uma metacomunicação.
A partir desse olhar, e se consideramos a comunicação como um pro-
cesso que integra as mensagens verbais (escritas, orais) e as mensagens
não-verbais, que são percebidas através do comportamento (gestos, tons de
voz, postura corporal etc.), devemos considerar também que essas mensa-
gens podem não significar a mesma coisa.

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Dizendo de outro modo: uma mensagem verbal pode ser contradita por
uma mensagem não-verbal e vice-versa. Os exemplos desse tipo de situação
são ilimitados em nosso cotidiano: um pai que, sorrindo, tenta dar uma bronca
no filho pequeno; uma pessoa que diz “eu te amo” para outra sem demonstrar
a menor passionalidade; o funcionário mal-humorado de uma empresa em
cujo uniforme podemos ler a frase “estamos contentes em atender você”.
Em todos esses casos, tendemos a estar diante de um paradoxo co-
municacional, no qual as mensagens comunicacionais (relação e conteúdo)
apontam para significações geralmente opostas.
Daniel Bougnoux (1994) aponta para o fato de que esses paradoxos são
mais comuns do que imaginamos. O exemplo do autor é um anúncio publicitário
contra a AIDS, divulgado na França nos anos 1990, que solicitava verbalmente
aos seus destinatários que evitassem a prática sexual, mas, ao mesmo tempo,
mostrava imagens de um casal transando.
Poderíamos dizer que o texto verbal apontava para uma negatividade e
o texto visual para uma positividade. Isso nos remete à célebre discussão de
Sigmund Freud (data) sobre a falta de negação nos sonhos, que deve ser in-
terpretada nos seguintes termos: se dizemos “João não está mais na cadeira”,
fica claro o caráter “negativo” da expressão; porém, se trocarmos o enunciado
verbal por uma imagem (fotografada ou desenhada) de uma cadeira vazia, o
enunciado visual que teremos é “uma cadeira vazia” ou “uma cadeira” ou “uma
cadeira de estilo campestre” ou outras possibilidades descritivas, mas dificil-
mente olharemos para a imagem e pensaremos “João não está mais na cadei-
ra” (afinal, João não está presente na imagem).
Mesmo que coloquemos João ao lado da cadeira, tenderemos a pensar
“João está ao lado da cadeira” ou “João está em pé ao lado da cadeira” ou (nova-
mente) outras possibilidades descritivas, mas dificilmente uma delas será “João
não está mais na cadeira” (pois a imagem não pode nos mostrar se ele estava
antes na cadeira). Ainda no mesmo exemplo: imaginemos agora que alguém filma
João saindo da cadeira. A tendência, ainda assim, é de criar um enunciado posi-
tivo: “João se levanta da cadeira”, “João está saindo da cadeira” ou algo similar.
Esse é um problema clássico da Psicanálise, conforme lembra Boug-
noux: como negar algo sem que esse “algo” esteja presente no enunciado?
Se dissermos “é proibido fumar”, o termo “fumar” está presente na expressão.
Existe até uma velha brincadeira em que alguém manda as pessoas fecharem
os olhos e, de repente, ela diz: “não pensem na cor azul!”. O resultado, obvia-
mente, é a cor azul vindo à nossa mente.
Um outro exemplo, comum em certas emissoras de TV: vez por outra
(infelizmente) ocorrem brigas entre torcidas de times de futebol ditos “rivais”
(nos estádios ou nas imediações). É comum vermos na TV os comentaristas,

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

jogadores, jornalistas, apresentadores e outros se posicionarem contra a briga


de torcidas; porém, é também comum que as emissoras exibam (e, muitas
vezes, mais de uma vez) as imagens das brigas de torcida. Ou seja: do ponto
de vista verbal, se está no âmbito da negação; do ponto de vista visual, se está
no âmbito da afirmação.
Em certos casos, porém, o paradoxo comunicacional pode levar à falta de
ação ou à dificuldade de uma tomada de atitude ou decisão, principalmente se a
situação puder ser reduzida ao enunciado “seja espontâneo”, ou seja, quando se
ordena que o indivíduo obtenha algo que só pode ser obtido espontaneamente,
sem pressão. Assim, situações nas quais se solicita ao indivíduo que “respire nor-
malmente” ou que, durante uma relação sexual, um dos parceiros peça ao outro
para gozar naquele momento, tendem a “fracassar”, na medida em que essas
ações (respirar normalmente, obter prazer sexual) ocorrem espontaneamente.
O mesmo ocorre se pedirmos a uma pessoa que ela haja naturalmen-
te sendo “apenas” ela mesma: ou ela passará a tentar “interpretar” a si pró-
pria (e fracassará na sua naturalidade) ou ela nem tentará (e fracassará na
sua tentativa previamente frustrada). A esse tipo de situação aparentemente
insolúvel, Bateson e Watzlawick denominam duplo vínculo (alguns chamam
de duplo constrangimento).

Figura 7 – Exemplo de paradoxo comunicacional (tradução: "é proibido ler essa


inscrição"). "Le Chat", de Philippe Geluck

Casos de duplo vínculo podem surgir em qualquer idade, mesmo em


situações nas quais o indivíduo ainda não domina a linguagem verbal. Um dos
mais famosos estudos de Birdwhistell é o de uma troca de fraldas que gera
duplo vínculo entre uma mãe (que tem um filho mais velho esquizofrênico) e
seu terceiro filho, ainda de colo (o segundo, em tese, era normal).

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Birdwhistell percebeu o duplo vínculo no qual a mãe encerrava a crian-


ça, “pedindo-lhe” que se aproximasse (para melhor trocar a fralda nos braços
dela, mãe) e, ao mesmo tempo, “pedindo-lhe” que se afastasse (para que a
criança não se furasse no alfinete). Ao final da interação, a criança, demons-
trando raiva, segura uma cortina logo atrás dela, firme, como se cobrasse que
a mãe tomasse uma única e só decisão (afastar ou aproximar).
Mas os problemas de comunicação podem ser de outra natureza: di-
ferentes visões de uma mesma realidade, as quais podem estar condiciona-
das pela percepção do indivíduo (Watzlawick) ou pela cultura (Birdwhistell) de
modo tal que uma interação entre duas pessoas possa parecer sem sentido a
quem está fora dessa relação. Um dos primeiros estudos de Birdwhistell foi so-
bre os “rituais nada amorosos” entre marinheiros norte-americanos e garotas
inglesas, situação na qual se construíam as seguintes imagens dos indivíduos:
soldados → viam garotas como atrevidas e fáceis
garotas → viam soldados como cafajestes
Qual o problema localizado por Birdwhistell? O fato de que a significa-
ção cultural dada ao ato “beijo na boca” é diferente entre norte-americanos e
ingleses. Ou seja:
EUA – o beijo é um dos primeiros gestos, muito anterior ao sexo.
Inglaterra – o beijo é um dos últimos gestos, preliminar ao sexo.
Assim, quando os marinheiros beijavam as garotas (sem intenção sexu-
al), essas interpretavam que eles tinham intenção sexual; quando se prepara-
vam para o sexo, estes “recuavam”, achando as garotas oferecidas. Mesmo
que o estudo de Birdwhistell tenha ocorrido nos anos 1960 (bem antes de qual-
quer pretensa “globalização” através dos meios digitais), chama a atenção um
texto publicado numa revista recente voltada para intercâmbio de estudantes.

Não cumprimente as pessoas [na Inglaterra] com muitos beijos e um


abraço apertado. Mesmo que seja inofensivo, elas podem achar que
você está apaixonado.

Mas o que (também) nos interessa é o fato de apenas (ao menos) uma
terceira pessoa, estando fora da situação de interação, possa interpretar o
que está ocorrendo, tendo condições de “desfazer” o mal-entendido. Fatos
similares podem ocorrer, em âmbito pessoal, dentro de uma mesma cultura.
Pensemos num exemplo típico de Watzlawick: um marido que nunca deu flo-
res à esposa, mas as compra num determinado dia (digamos que alguém está
vendendo-as no trabalho dele a um preço bastante em conta).
Ao achar em casa com as flores (inesperadas), a reação da esposa
poderá ser de surpresa, espanto ou felicidade, mas é bastante provável que

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

ela imagine que o marido “aprontou alguma fora de casa” e o motivo de alegria
pode tornar-se uma “dor de cabeça” para ambos. Novamente, aqui, apenas
um observador externo poderia ajudar a desfazer o mal-entendido, desde que
compreenda bem as duas partes envolvidas (marido e mulher).
Diferenças de percepção cultural entre tempo e espaço também podem
produzir conflitos interculturais. Hall demonstrou o fato de que tempo e espaço
são, em termos perceptivos, construções culturais. Em relação ao tempo, ele
afirma que existem dois modos culturais de se percebê-lo e de administrá-lo:
 Monocrônico: quando os indivíduos realizam apenas uma coisa de cada vez e
dão ênfase à execução de uma tarefa (como nas culturas anglo-saxã e alemã);
 Policrônico: quando os indivíduos realizam várias coisas ao mesmo tem-
po e dão ênfase à relação com o indivíduo (como nas culturas latinas).
Imaginemos uma situação em que um indivíduo monocrônico (um britâ-
nico, por exemplo) solicite a atenção de um sujeito policrônico (um brasileiro,
por exemplo), ao que este responde: “um minuto”. É bastante provável que o
britânico conte os exatos 60 segundos, caso não tenha sido atentido, e peça
a atenção de novo, ao passo que o brasileiro, e isso também é bastante pro-
vável, repita: “já não falei pra esperar um segundinho?”. Nas culturas mono-
crônicas, o tempo é algo formal demais, nas culturas policrônicas, o tempo é
bastante informal; desse modo e nesse caso, uma simples expressão como
“um minuto” permitirá, no mínimo, duas interpretações bastante distintas.
O mesmo ocorre com o espaço. Hall lembra que todos os animais (in-
cluindo aí naturalmente o ser humano) admitem zonas espaciais de conforto
ou de ameaça. Nas culturas humanas, existem quatro tipos de distância: ín-
tima (sexo, briga), pessoal (parentes, amigos), social (uma festa ou reunião
entre amigos) e pública (conferências, palestras).
A questão é que a medida dessas distâncias varia de cultura para cultu-
ra. Por exemplo: todo indivíduo tem aquilo que podemos chamar de “espaço
aéreo” ou “bolha de ar”, que é o espaço que o envolve e que ele administra em
termos de proximidade das pessoas em sua volta. Assim, familiares e paren-
tes tendem a se aproximar espacialmente mais dele do que os amigos; estes,
por sua vez, podem se aproximar mais do que os conhecidos, que por sua vez
se aproximam mais do que os estranhos.
Porém, uma das constatações de Hall é que essas distâncias variam
de cultura para cultura. Ou seja: uma mesma distância, num dado contexto
cultural, pode ser íntima, e noutro contexto cultural pode ser social.

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Figura 8 – Zonas de distância interpessoal, segundo Edward Hall


Em suma, a comunicação é um processo que mobiliza, simultanea-
mente, tudo aquilo que falamos e fazemos.

3. A comunicação de massa como simulação de troca


simbólica
As noções de “comunicação” e de “comunicação de massa” não podem ser
tomadas como equivalentes.
A comunicação da massa começa a se efetivar ainda em fins do sé-
culo XIX, através de novas possibilidades derivadas do advento do cinema e
das histórias em quadrinhos. A invenção da máquina de imprensa por Johann
Gutenberg, nos anos 1440, seria fundamental em dois aspectos: um deles é
o processo de mecanização da produção de livros e demais impressos, tor-
nada mais acelerada do que seus antecessores (como a xilografia); o outro é
a maior possibilidade de difusão das informações e sistemas de pensamento
ao longo do espaço.
Ou seja: a comunicação de massa começa a vencer, ao mesmo, o tem-
po (os processos de produção se aceleram) e o espaço (os produtos dela

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

derivados podem circular na medida em que os meios de transporte permitam


a sua mobilidade geográfica e, portanto, cultural).
Uma vez que o tempo e o espaço foram se “expandindo”, os modos de
o ser humano buscar interagir com o outro foram se modificando. Assim, as
instâncias da comunicação e da informação foram se separando gradativa-
mente. Cada vez mais a informação circulava para além dos limites temporais
e espaciais nas quais os agentes interagiam.
Mas, se havia um distanciamento espaço-temporal cada vez maior
entre os agentes sociais, ainda havia espaço para a comunicação? Autores
como o pesquisador brasileiro Muniz Sodré já denunciava, em fins dos anos
1970, que a equivalência entre os meios de comunicação de massa e o ato
comunicacional entre sujeitos era falsa.

a regra do jogo é fingir que o medium (o intermediário técnico entre falan-


te e ouvinte) equivale à completa realidade comunicacional dos sujeitos.
E o primeiro grande falseamento operado por essa ficção é confundir
informação com comunicação (SODRÉ, 1977, p. 24. Grifos no original).

Outro autor, o britânico John B. Thompson, vai um pouco mais além


e dá uma definição da expressão “comunicação de massa” que segue na
direção oposta ao que entendemos aqui como processos comunicacionais.

[A comunicação de massa é uma] série de fenômenos que emergiram


historicamente através do desenvolvimento de instituições que procu-
ravam explorar novas oportunidades para reunir e registrar informa-
ções, para produzir e reproduzir formas simbólicas, e para transmitir
informação e conteúdo simbólico para uma pluralidade de destinatários
em troca de algum tipo de remuneração financeira. Sejamos mais pre-
cisos: eu usarei a expressão ‘comunicação de massa’ para me referir à
produção institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos
através da fixação e transmissão de informações ou conteúdo simbóli-
co (THOMPSON, 1998, p. 32. Grifos no original).

Em outros termos: para Thompson, a comunicação de massa seria um


espaço institucional (geralmente, mas não exclusivamente, privado) cuja finali-
dade não é promover a comunicação entre diferentes agentes sociais, mas sim
a difusão de informações ou conteúdo simbólico (filmes, novelas, programas
de entretenimento etc.) em proveito próprio, a fim de obter capital financeiro (no
mínimo, diríamos nós). Ou seja: a comunicação de massa, assim como afirma-
va Sodré, é, na verdade, uma instância produtora e distribuidora de informação.
Paulo Freire, em outro contexto (o pedagógico, analisando o conceito
equivocado de “extensão”), propunha uma visão similar, já em fins dos anos
1960. O autor analisa criticamente a extensão praticada como uma forma de

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“ação extensiva” do conhecimento de um sujeito a outro (no caso, engenhei-


ros e agrônomos “estendem“ seu saber técnico-científico junto a populações
rurais); ao proceder assim, o extensionista desconsidera o saber da população
rural e tenta impor sua própria visão de mundo, em vez de dialogar, ou seja, de
trocar saberes e experiências sobre um mesmo universo. E, segundo Freire,
um dos meios de imposição unilateral dessa visão seria o que ele chama de,
“em última análise, meios de comunicados às massas” (FREIRE, 2011, p. 97).
Percebe-se que a dita “comunicação de massa”, como instância produ-
tora de informações e de conteúdos simbólicos, não tem como possibilitar a
troca simbólica nos termos propostos por Rodrigues, por exemplo. É vedado
a um leitor intervir diretamente na própria produção material do jornal que ele
vai ler; é vedada a possibilidade de um telespectador alterar o conteúdo de um
produto simbólico.
E, ainda que existam produções televisivas e radiofônicas que simulem
a “participação” do espectador ou do ouvinte, em geral a opção é escolher em
um conjunto de opções pré-determinadas, pré-estabelecidas a priori; assim, ca-
beria ao consumidor massivo apenas a escolha de uma opção dentre outras.
Ressalte-se que, mesmo em tempos de mídias e suportes digitais, al-
guns produtos continuam seguindo essa lógica de centralização de produção
e distribuição e, principalmente, de transmissão de conteúdos informativos e
simbólicos (como alguns portais jornalísticos na Internet e certos blogs). Ape-
sar da diversidade de produtos existentes na Internet (páginas colaborativas,
projetos Wiki, fóruns de discussão etc.), é certo que, em alguns casos, o que
temos é apenas uma espécie de versão eletrônico-digital de uma publicação
impressa, radiofônica e/ou televisiva.

4. A comunicação como simulação de dialogia


Às vezes, nem todo processo de comunicação entre duas ou mais pessoas é
um processo dialógico, de troca.
Vimos que a comunicação pode ser percebida como um processo de
interação entre dois ou mais agentes, num dado tempo-espaço. Vimos tam-
bém que, mesmo que não haja troca verbal de informações, ainda assim es-
ses agentes estarão comunicando algo uns aos outros. Porém, do ponto de
vista que nos interessa, ou seja, a troca de informações simbólicas, os textos
verbais (orais ou escritos) são algo fundamental.
Essa troca está na base da constituição daquilo que podemos chamar
de dialogia, ou seja, o potencial resultado do processo do diálogo. Em qual-
quer que seja o quadro teórico em questão (Teoria Literária, Comunicação,
Narratologia etc.), sempre há a pressuposição de que, no diálogo, estão pre-

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

sentes as figuras do “eu” e do “tu”, bem como das ideias e visões de mundo
que cada um “oferta” no processo comunicativo. Além disso, esses “eu” e “tu”
são dotados de reversibilidade, ou seja, podem trocar de lugar. A dialogia se
distingue da monologia, ou seja, o resultado do processo do monólogo, onde
“eu” e “tu” ocupam a mesma posição.
Mas é preciso ter em mente que nem sempre a presença de um diálogo
implica a presença de uma dialogia. Há diversas situações nas quais, apesar de
termos dois ou mais agentes sociais no processo interativo, de fato há um ver-
dadeiro monólogo. Retornemos rapidamente a Bateson, agora para falar sobre
a cismogênese, ou seja, sobre a gênese de um cisma (divisão) no interior de um
sistema social; esse conceito nos ajudará a entender aonde queremos chegar.
Segundo Bateson, essas formas de divisão social podem ser de duas
ordens. A primeira delas é a diferenciação simétrica: “podem se inscrever nes-
sa categoria todos os casos nos quais os indivíduos de dois grupos A e B têm
as mesmas aspirações e os mesmos modelos de comportamento, mas se di-
ferenciam pela orientação desses modelos” (BATESON, 1977, p. 98). Existem
vários exemplos clássicos de relações simétricas: dois times que disputam
uma partida esportiva ou dois exércitos que disputam um território.
Ou seja: todos os indivíduos têm as mesmas aspirações (vencer ou con-
quistar) e os mesmos modelos de comportamento, mas diferenciados, dentro de
cada universo social (atacantes e defensores ou capitães, sargentos, soldados).
A outra forma de diferenciação proposta por Bateson é a diferencia-
ção complementar: “nessa categoria estarão inscritos todos os casos onde o
comportamento e a aspirações dos membros dos dois grupos são fundamen-
talmente diferentes” (BATESON, 1977, p. 99). Aqui também existem vários
exemplos de relações sociais complementares: pais e filhos, patrões e em-
pregados, professores e alunos, exibicionistas e voyeuristas, sádicos e ma-
soquistas. Ou seja: tanto o comportamento quanto as aspirações dos agentes
sociais envolvidos no processo interacional são completamente distintos. Em
suma, se A e B são sujeitos, então:
relação simétrica: A = B
relação complementar: A > B ou A < B
Assim, é por isso que um atleta pode deixar uma equipe para defender
outra, por exemplo; por outro lado, na relação complementar, os agentes não
podem trocar seus “papéis sociais”. Mas, em ambos os casos, ressalta Bate-
son, tanto uma quanto outra forma de diferenciação podem progredir rumo a
uma escalada de descontrole e violência se não houver regras limitantes às
práticas de cada sujeito.
Assim, de um lado, o esporte tem regras a serem seguidas e existe
(em tese) um controle contra a corrida armamentista; de outro, as relações

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complementares também necessitam de regras pelo fato de que existe uma


desigualdade entre os sujeitos envolvidos nessa interação. É importante aten-
tar para o fato de que não existe comportamento simétrico ou complementar
em si mesmo; são as relações do indivíduo perante os outros indivíduos que
constroem esse “aspecto”.
Ou seja: o indivíduo não é simétrico ou complementar, o indivíduo “está”
numa relação simétrica ou complementar; ou o seu comportamento e modelo
de conduta são similares ao do outro ou o seu comportamento e modelo de
conduta complementar dependem da presença do outro (por isso ele é “com-
plementar”: só se é pai ou mãe quando se tem filhos, só se é patrão se tiver
empregado e vice-versa etc.).
Outro aspecto importante é o fato de que, numa interação simétrica, A
realiza uma dada ação x direcionada a B, e B, por sua vez, pode “responder” a
A com a mesma ação x. Já na relação complementar, A realiza uma dada ação
x direcionada a B, mas B só pode responder a A com uma ação y diferente de x.
O pesquisador argentino Eliseo Verón (1999, p. 104) lembra que um
dado campo pode estar previamente colocado como simétrico, mas que um
dos participantes pode tentar desenvolver uma estratégia complementar, des-
qualificando o seu “oponente”. Um exemplo é o do debate político na TV, que
propõe as mesmas regras para os candidatos; porém, na prática, pode ocor-
rer de um candidato buscar desqualificar o outro (ignorando a vez do outro
falar, falando por cima dele, interrompendo-o etc.).
A exposição até aqui feita parece dar a entender que o diálogo só tende a
existir potencialmente quando os agentes sociais envolvidos no processo inte-
racional podem intercambiar simetricamente seus lugares ou os papéis sociais
que desempenham. Na verdade, no nosso cotidiano, dado o universo de papéis
sociais que cada indivíduo tem de desenvolver (familiar, profissional etc.), fica
claro que podemos estar constantemente entrando e saindo nessas duas mo-
dalidades de diferenciação.
Assim, por exemplo, adultos tendem a estar em relações complementa-
res diante dos filhos, em relações simétricas com colegas de trabalho e/ou vizi-
nhos, e novamente em relações complementares quando diante de um superior
ou inferior no trabalho. Além disso, como vimos há pouco, uma diferenciação
simétrica pode se tornar complementar.
A partir dessas considerações, faria sentido falar em diálogo numa rela-
ção dita complementar? Em outros termos: toda relação complementar estaria
condenada a ser sempre complementar ou ela pode apresentar momentos de
simetria? Verón, em pesquisa sobre os livros escolares argentinos, conclui que
existem dois tipos diferentes de publicação no que se refere aos “papéis sociais”
que o aluno deve desempenhar; vejamos rapidamente o que Verón percebe.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Num tipo de livro escolar, o aluno é coparticipante do processo de apren-


dizagem, na medida em que ele é “incluído” no texto verbal (em primeira pessoa
do singular ou do plural) e que pode realizar suas tarefas coletivamente – e aqui
o advérbio “coletivamente” ganha um duplo valor: tanto a tarefa é realizada em
grupo quanto com o livro.
Nesse caso, Verón percebeu que os alunos tendiam a dizer que o livro
era “deles”, muito em função (também) do fato de que, nesse tipo de livro, é
o aluno quem dá instruções a si próprio. Isso ocorre porque, nesses livros, o
uso do recurso da história ficcional que “espelha” o que o aluno deve fazer é
importante; assim, a personagem da história aprende aquilo que o aluno deve
aprender, uma vez que ambos compartilham situações similares e ambos de-
têm alguma forma de conhecimento (ou seja, o aluno aqui não é visto como
uma caixa vazia, cujos conhecimentos serão depositados).
Acompanhar o relato ficcional, nesse caso, faz parte do processo de
aprendizagem. Por conta disso tudo, Verón diz que esse tipo de livro instaura, no
âmbito da enunciação10, uma relação simétrica, pois o personagem da história 10
Em Linguística, o
estuda o mesmo assunto que o aluno, também tem uma família etc. Além disso, termo “enunciação” se
complementa com o termo
o professor que utiliza esse tipo de material (além de filmes, jornais, revistas etc.)
“enunciado”. Em linhas
é uma espécie de coordenador das atividades pedagógicas. gerais, a enunciação se
O outro tipo de livro escolar, por sua vez, institui uma relação distinta com refere ao ato ou processo
de construção de um
o aluno. O papel social proposto ao aluno é o do ser que desconhece os conteú-
enunciado, que seria o
dos que tem diante de si e que é solicitado a agir o tempo todo através de ordens conteúdo materializado de
(“leia e responda”, “leia em voz alta” etc.). Nesse caso, como é o livro quem dá uma informação ou texto.
instruções aos alunos, estes tendiam a dizer que o livro era “para eles”. Para Émile Benveniste,
a enunciação é um ato
A ordem estabelece, assim, uma relação complementar entre aluno e individual de utilização
livro, mas também entre aluno e professor, o qual detém a autoridade de quem da língua e o enunciado
sabe e de quem está diante de quem não sabe. Em outros termos: o professor seria o produto desse ato
individual.
é quem detém o “capital simbólico” necessário a ser transmitido aos alunos,
quase sempre com o auxílio de um único livro.
Verón adverte que essa classificação dual é “voluntariamente esquemá-
tica”, uma vez que os professores não necessariamente se inscrevem apenas
numa ou noutra categoria; tudo isso depende também da linha pedagógica da
escola, do perfil do profissional e de outros fatores.
Mas, para além dessas duas tendências, o que importa é perceber que,
em sala de aula, é possível instaurar o diálogo através de práticas simétricas.
Em outros termos: sob certos aspectos, a relação do aluno com a escola e
com os professores pode não ser totalmente complementar (até porque o pa-
pel social do aluno em sala de aula continuará sendo hierarquicamente dife-
rente do papel social do professor, por exemplo).

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Além disso, Verón percebe (na Argentina) que a oposição entre essas
duas posturas ideológico-pedagógicas era maior nos primeiros ciclos do que
nos demais, posteriores. Ou seja: à medida que os graus escolares avançam,
há uma tendência maior ao uso de livros que favorecem a uma relação com-
plementar, na medida em que eles são menos lúdicos e narrativos e mais
técnicos, didáticos e imperativos (no sentido que “ordenam”).
As ideias de Verón se aproximam bastante das considerações de Paulo
Freire; este, ao discorrer sobre a dialogicidade, lembra que “a educação autênti-
ca (...) não se faz de A para B ou de A sobre B [como na concepção ‘bancária’ de
educação], mas de A com B, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2012, p. 116.
Grifo no original). Assim, a concepção dialógica e simétrica de educação se dife-
rencia da (podemos dizer: se confronta com a) concepção pedagógica “bancária”,
que seria monológica (“antidialógica”, diria Freire) e complementar.
Um adendo: em Extensão ou Comunicação?, Paulo Freire se refere aos
objetos cognoscíveis como mediadores entre os homens, enquanto em Peda-
gogia do Oprimido essa mediatização seria própria do mundo (aí inclusos os
objetos cognoscíveis). De todo o modo, o mais importante aqui é a noção de
mediatização: para Freire, são os objetos ou o mundo que os sujeitos cognos-
centes buscam conhecer.
Uma vez que não é possível esgotar o objeto ou o mundo, tampouco dar
conta deles com um só olhar ou um só ponto de vista, monologicamente, é pre-
ciso criar as condições de conhecimento sobre esse objeto ou sobre o mundo.
E as condições de criação desse conhecimento somente podem decorrer de
uma situação dialógica.
Assim, podemos estabelecer as diferenças centrais entre comunicação
e informação a partir das seguintes definições: a comunicação deve ser vista
como um processo, de troca simbólica, enquanto a informação deve ser vista
como um produto, a mensagem a ser transmitida a alguém. Ao mesmo tem-
po, a comunicação tende a ser um processo dialógico, bilateral, enquanto a
informação é um produto cuja transmissão se pretende (por parte do emissor)
monológica e unilateral. Mas há dois detalhes importantes:
1. É possível que um processo comunicacional seja monológico, quando
desconsidera a possibilidade de permutação dos papéis sociais dos agen-
tes participantes da interação, ainda que pareça dialógico apenas pelo fato
de contar com dois ou mais indivíduos; e
2. Sempre há a possibilidade de reversibilidade da informação num processo
comunicacional; a essa reversibilidade da informação, de volta ao emis-
sor, chamamos feedback. Essa reversibilidade faz parte dos processos
comunicacionais.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Em suma: a comunicação é um processo simbólico potencialmente hori-


zontalizado, enquanto a informação é um produto tendencialmente verticalizado.
Sob esse aspecto, a relação dialógica somente pode ocorrer através
das trocas comunicacionais; isso implica tanto o domínio das técnicas da in-
formação que permitem a constituição e a construção de enunciados e textos
a serem lidos e interpretados quanto o domínio das técnicas da comunicação
que permitem a realização dos processos interacionais. Antes de estudarmos
essas técnicas, é preciso compreender como se dá a relação da comunica-
ção e da informação com o campo das linguagens. É o que iremos discutir no
próximo capítulo.

Atividades de avaliação
1. Pense nas diferentes formas de trocas simbólicas que existem em nossa
sociedade. Cite ao menos duas.
2. Preste atenção a como as pessoas assistem à televisão nos diferentes es-
paços sociais (em casa, em salas de espera, em restaurantes etc.). Veja se
elas assistem à TV de modo passivo ou se fazem comentários.
3. Preste atenção a uma sala de aula em um ambiente qualquer. Como é o
comportamento de professores e alunos ao longo da aula? Se possível,
preste atenção mais aos gestos e atos do que as palavras ditas.
4. Pense em situações nas quais a pessoa diz uma pessoa e faz outra com-
pletamente diferente. Justifique, se possível, porque isso ocorre.
5. Procure, em jornais ou revistas, exemplos de paradoxos comunicacionais
(onde o texto verbal indica uma coisa e as imagens indicam outra contrária).
6. Preste atenção às maneiras como os apresentadores de rádio e de TV se
dirigem aos seus ouvintes e espectadores. Faça uma comparação entre
essas maneiras.
7. Tente obter livros pedagógicos que adotem as duas posturas analisadas
por Eliseo Verón. Faça uma comparação entre eles.

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48 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

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Capítulo 3
Tecnologia e Linguagem

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

1. As tecnologias da informação
Um dos aspectos mais importantes das técnicas da informação contemporâ-
neas é a possibilidade de convergir diferentes processos.
Vimos, nos capítulos anteriores, a diferença entre informação e comu-
nicação. Essa diferença é fundamental para se entender o atual estágio da
sociedade. Isso porque o computador, em particular quando conectado à In-
ternet, se transforma potencialmente numa técnica e numa tecnologia de in-
formação e de comunicação simultaneamente.
Do ponto de vista técnico, tecnológico e cultural, esse é um fato completa-
mente novo na história da Humanidade: um mesmo suporte permite (potencial-
mente) tanto o acesso a informações das mais diversas (enciclopédias, jornais,
livros digitais, vídeos, músicas etc.) quanto permite uma forma de comunicação
entre pessoas que não necessitam estar mais no mesmo tempo-espaço para
interagirem entre si em tempo real (ainda que tecnologias anteriores, como o
telégrafo e o telefone, já permitissem essa comunicação dita “em tempo real”).
Em outros termos: presenciamos uma tecnologia que permite a conver-
gência entre o acesso à informação (em suas formas verbais, visuais, sono-
ras etc.) e a uma nova forma de experiência comunicacional (verbal, sonora,
audiovisual etc.).
As consequências do potencial desse tipo de equipamento ainda são, a
nosso ver, bastante preliminares e provisórias. Isso ocorre porque é impossível
determinar a priori quais serão as futuras utilidades de uma tecnologia recém-
-descoberta. O teórico norte-americano Neil Postman (1994), por exemplo,
pondera a existência de “consequências imprevistas (...) no caminho daque-
les que pensam que veem, com clareza, a direção para a qual uma nova
tecnologia nos levará” (p. 24). Ele cita, como exemplo, o relógio, cuja origem
está ligada aos mosteiros beneditinos dos séculos XII e XIII e cuja finalidade
era regular os horários de devoção dos monges ao longo do dia.
O teórico francês Bernard Miège (2009) segue uma linha parecida, ao
falar da pouca confiabilidade da antecipação dos usos sociais e, consequen-
temente, das mudanças a serem previstas nas práticas sociais (p. 28). Em
suma: sempre pode ocorrer uma diferença entre os usos inicialmente ima-
ginados e previstos para uma dada tecnologia e os seus usos efetivamente
concretizados pelos agentes sociais.

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Porém, é preciso ter outra coisa em mente: o fato de que o surgimento


de uma dada tecnologia num ambiente social tende a modificá-lo. Isso porque
ocorrem dois fatos: um deles é a inserção dessa tecnologia na realidade das
pessoas. O outro fato é a mudança de conceitos que, de algum modo, estão
ligados direta ou indiretamente a essa tecnologia.
Pensemos no surgimento e popularização da Internet, no Brasil, na me-
tade dos anos 1990: naquela época, o acesso a ela se dava através de um
aparelho de modem e de uma linha telefônica (o famoso “acesso discado”);
com isso, uma página Web poderia levar cerca de um minuto (ou mais) para
ser carregada (alguns usuários chegavam a ativar a função “não carregar ima-
gens” nos navegadores, para acelerar o download das páginas).
Atualmente, em tempos de banda larga e de Internet 2.0, o usuário dificil-
mente terá paciência de esperar mais de 10 segundos pelo carregamento de uma
página Web e provavelmente ficará teclando “F5” até terminar o processo. O que
mudou aqui? Simples: por exemplo, mudaram as noções de velocidade, espera e
agilidade, além de outras noções a essas agregadas (como modernidade).
O surgimento dos meios digitais cria uma nova modalidade de interação
entre as pessoas, denominada interação mediada pelo computador. É preciso
ter em mente que esse tipo de interação faz potencialmente uma espécie de
“mistura” de diferentes processos: ou seja, tanto permite a transmissão e o
recebimento (o feedback) de informações quanto possibilita a reversibilidade
dos agentes sociais num processo comunicacional.
Esse processo comunicacional mediado pelo computador ocorre por
dois motivos: um é a constante possibilidade de atualização do texto verbal
em ambientes de interação (fóruns, chats, mídias sociais) por parte dos vários
agentes sociais (como numa conversação presencial). O outro motivo é o uso
de novas modalidades de linguagem, como os smileys ou emoticons, usados
para expressarem sentimentos e que atuam como indicadores de relação en-
tre os indivíduos, ou o uso de softwares de comunicação à distância (telefonia
digital via Internet, conversas on-line etc.). Em suma: a mediação pelo compu-
tador faz surgir novas modalidades de troca simbólica.
Vimos ainda no capítulo anterior que a comunicação de massa carac-
teriza-se muito mais pela transmissão de informações (ou de “comunicados”,
como dizia Paulo Freire) do que pela possibilidade de se transformar num
espaço de trocas simbólicas; isso, porém, não impede um espaço como o
televisivo de ser palco de interações simbólicas, mas ele o é apenas entre as
pessoas que estão dentro do próprio espaço televisivo.
Assim, um programa de entrevista, um debate ao vivo ou uma mesa-
-redonda se caracterizam, de um lado, como espaços nos quais ocorrem
processos interacionais (envolvendo apresentadores, jornalistas, artistas, en-

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

trevistadores, entrevistados etc.) e, ao mesmo tempo, como produtos informa-


tivos em relação a quem está assistindo-os (os telespectadores).
Finalmente, um dos aspectos mais relevantes dessas tecnologias é o
fato de que elas, mais do que um banco de dados, permitem tanto o acesso
quanto a produção de produtos mediáticos (verbais, sonoros, visuais etc.),
uma vez que elas permitem a manipulação de signos sonoros, visuais e ver-
bais. Consequentemente, elas se tornam também um espaço de memória da
produção da Humanidade, seja ela individual ou coletiva.
Sob esse aspecto, a Internet, em particular, se aproxima do ideal dese- 11
O matemático Vannevar
jado por Vannevar Bush nos anos 1940, ao criar o Memex11, um equipamento Bush escreveu, em 1945,
um texto intitulado As We
que visava articular, através de teclado, botões e alavancas, microfilmes com
May Think, no qual ele
informações verbais, sonoras e visuais sobre determinados temas, funcionan- discorre sobre o Memex.
do com um sistema de pesquisa. A diferença entre o Memex de Bush e a In- Uma versão desse texto
ternet é seu alcance de conexão entre diferentes computadores e servidores. está disponível na Internet.
A ideia central desse texto
é analisar as formas de
indexação e estruturação
das informações. Até
então, historicamente,
o modo como isso se
dava era através de uma
distribuição hierárquica das
informações mas, segundo
Bush, a mente humana não
funciona dessa maneira, e
sim de maneira associativa.

Figura 9 – Esboço do Memex idealizado por Vannevar Bush, publicado originalmente


na revista "Life", volume 19 (11), novembro de 1945, página 123
Em suma, as tecnologias de informação e de comunicação permitem a tro-
ca de informações e os processos de comunicação à distância e ainda auxiliam,
através de técnicas clássicas, na geração de produtos mediáticos (jornais e revis-
tas impressos, produtos audiovisuais etc.). Mas como devemos conceber uma
tecnologia mediática? Antes de discutirmos as possibilidades de seu uso peda-
gógico, é preciso compreender a dimensão da expressão “tecnologia mediática”.

2. Os produtos mediáticos
O surgimento de uma tecnologia mediática possibilita novas formas cognitivas
e de uso da linguagem

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Como já vimos, não devemos denominar as tecnologias como sendo ex-


clusivamente produtos eletroeletrônicos, mas dentro de um concepção maior
(como o osso do filme 2001 de Stanley Kubrick ou a escrita do filme Central do
Brasil, de Walter Salles). Uma tecnologia é uma intervenção na natureza que
implica também, e consequentemente, um redesenho social (desde que ela
seja incorporada ao conjunto das práticas cotidianas de um dado grupo social).
Isso fica mais claro quando abordamos as tecnologias mediáticas.
No começo, nossos ancestrais milenares não faziam uso das técnicas de co-
municação que utilizamos hoje, o que não significa que eles não se comunicavam.
O mais provável é que eles fizessem uso de sons estritamente vocais (grunhidos,
gritos, urros e similares) usando, ao mesmo tempo, gestos indicativos para apontar
para determinados seres e objetos, com valor informativo similar ao das setas.
Posteriormente, com a possibilidade de criarem imagens e sinais em ca-
vernas, criaram-se as condições de armazenamento das informações, surgindo
assim uma espécie de “memória”. Ainda que muitos ponderem que os primeiros
grafismos tenham a ver com alguma forma de representação do real, André
Leroi-Gourhan (1985) sustenta que esses grafismos, de caráter mais “rítmico”,
buscam fazer representações do abstrato, como (talvez) a contabilidade da
caça, configurando formas de arte pré-histórica.
“As figuras mais antigas que se conhecem não representam cenas de
caça, animais a morrer ou cenas de família. São símbolos gráficos sem ligação
descritiva, suporte de um contexto oral irremediavelmente perdido” (LEROI-GOU-
RHAN, 1985, p. 191). Ou seja: de algum modo, as imagens possibilitavam uma
outra forma de comunicação (ainda que não possamos recuperar seus registros).
O desenvolvimento da escrita e sua inscrição em determinados supor-
tes (areia e lousa – materiais que podiam ser apagados e reutilizados –, tábuas
de argila, papiros, pergaminhos etc.), até a Idade Média, significavam apenas
que esses artefatos eram auxiliares da memória, como se fossem pequenos
lembretes, conforme afirmam, dentre outros, Walter Ong, Eric Havelock e Da-
vid Olson (HAVELOCK, 1996; ONG, 1998; OLSON, 1997).
Sob essa ótica, esses suportes podem ser considerados os antecesso-
res das fichas de anotação (usadas por professores e apresentadores de TV),
dos recursos audiovisuais (ou seja, de softwares como Power Point, Keynote
e similares) e dos equipamentos elétricos e eletrônicos (projetores de ima-
gens, tablets), uma vez que eles servem como auxiliares da memória e da
fala, e não como substitutos de ambas.
Por outro lado, o pesquisador e jesuíta francês Marcel Jousse (2008)
ressalta a importância de outros elementos como auxiliares dos processos de
memorização de textos orais entre algumas culturas, como o ritmo, os gestos,
a respiração e a simetria bilateral do corpo humano.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

É a partir da Idade Média que a escrita vai deixando de ser um recur-


so mnemônico para se tornar um recurso representacional. Ou seja: a partir
dessa mudança, os textos escritos passaram a ser vistos como substitutos
da fala. Assim, por exemplo, uma promessa oral passa a ser substituída por
um documento registrado. Uma nova cultura, centrada no papel, começa a
vigorar, e essas mudanças alteram a relação do ser humano com o mundo.
Por exemplo: passa-se do estudo da e na natureza para o estudo sobre a na-
tureza, através dos escritos sobre ela; com isso, estudar a natureza passa a
ser equivalente a ler sobre a natureza.
Em suma, passa-se da relação com o objeto para a interpretação de um
documento (livro, enciclopédia etc.) sobre o objeto; passa-se do explorador
andante para o pesquisador-leitor. Nesse caso, e como afirma Olson (1997),
“as tentativas de representar o mundo no papel alteraram a própria estrutura
do conhecimento” (p. 14).
Esse conjunto de considerações nos interessa particularmente: afinal,
em tese, tudo seria texto verbal. Na prática, porém, o que percebemos é que
uma dada tecnologia (que também é uma técnica: a escrita) pode ser utilizada
em diferentes meios e/ou suportes (da areia ao tablet, passando por livros, 12
O pensamento de
revistas e jornais) permitindo assim diferentes usos sociais (mnemônicos, pe- Lucia Santaella se apoia
dagógicos, informativos, de entretenimento etc.). diretamente na semiótica
Compreender uma tecnologia mediática passa pela compreensão de de Charles Sanders Peirce,
lógico norte-americano
que ela permite diferentes possibilidades e usos cotidianos. E, como dissemos (1839-1914). Na semiótica
há pouco, sob esse ponto de vista específico, há poucas diferenças entre o peirceana, o elemento
professor da Grécia Antiga que fazia uso de uma tabuinha com pequenas central é o signo, ou seja,
anotações e do professor de hoje que usa um tablet com anotações. aquilo que pode estar no
lugar de algo, que remete
A afirmação que acabamos de fazer pode parecer um tanto quanto a um objeto e gera um
radical; na prática, porém, se considerarmos as formas de linguagem que interpretante, que se torna
utilizamos, vamos notar que todas elas derivam de uma matriz ternária que um novo signo, que remete
a um outro objeto e assim
permite algumas combinações distintas. Essa é a proposta da pesquisadora sucessivamente; isso é
brasileira Lucia Santaella, que faz a seguinte afirmação: “postulo (...) que há o que Peirce denomina
apenas três matrizes de linguagem e pensamento a partir das quais se origi- semiose infinita. Para mais
nam todos os tipos de linguagens (...). A grande variedade e a multiplicidade detalhes, ver Semiótica,
de Peirce (1995), mas é
crescente de todas as formas de linguagem (...) estão alicerçadas em não bom também ler a obra
mais do que três matrizes. de Lucia Santaella, como
Não obstante a variedade de suportes, meios, canais (...) em que as Semiótica Aplicada (2007)
para uma visão introdutória,
linguagens se materializam e são veiculadas, não obstante as diferenças es- e o próprio Matrizes da
pecíficas que elas adquirem em cada um dos diferentes meios, subjacentes Linguagem e Pensamento
a essa variedade e a essas diferenças estão tão-só e apenas três matrizes” (2005), para uma reflexão
(SANTAELLA12, 2005, p. 20). Essas três matrizes da linguagem e do pensa- mais aprofundada sobre
a fenomenologia e a
mento, segundo a autora, são: semiótica peirceana.

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56 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

a) Verbal (escrita)
b) Visual (corporal, gestual, gráfica e/ou imagética, fixa ou em movimento)
c) Sonora (oral, musical)
Consideramos apenas essas três formas de expressão porque (ao me-
nos até o momento) ainda não dispomos de técnicas de comunicação ou de
informação que simulem ou representem os outros sentidos (gustativo, táctil
e olfativo, no caso). Assim, podemos considerar todas as tecnologias mediáti-
cas como meios e/ou suportes que fazem uso articulado e combinado dessas
três formas de expressão.
Pensemos numa enciclopédia multimedia: nela, teremos uma descrição
verbal de algum referente (um leão, por exemplo), suas imagens (fotográficas,
filmadas e/ou desenhadas, animadas ou não) e os sons que ele produz (rugidos).
Ter essa noção em mente nos permite começar a perceber os meios de
forma diferente. Por exemplo: o senso comum tende a falar no jornal impresso
como um meio “verbal”; porém, em suas páginas, temos recursos visuais,
como imagens (fotografias, desenhos, infografias) e a própria disposição es-
pacial dos elementos (manchetes, textos, fotos, anúncios publicitários etc.)
em uma página. Assim, mesmo um texto verbal é também visual; basta pen-
sar que diferenciamos uma manchete jornalística de uma pequena notícia no
fim da página em termos de localização (cima x baixo) e de tamanho (letras
grandes x letras pequenas).
Outro exemplo: o senso comum tende a falar no cinema, na TV e nas
animações como exemplos de linguagem visual. Na verdade, porém, essas
produções são audiovisuais, ou seja, contam com som também (vozes, mú-
sicas incidentais, ruídos e sons ambiente). Para quem tem alguma dúvida,
basta eliminar o volume durante uma novela, filme ou desenho sonoros (sem
usar a função closed caption) e ficar assistindo apenas às imagens para tentar
compreender a narrativa ou a transmissão. Além disso, elas fazem uso de
textos verbais escritos (nome da produção, créditos etc.).
Assim, trabalhar com técnicas de informação e de comunicação pres-
supõe a compreensão de quando, como e por que fazer uso dessas formas
técnicas de expressão (verbal, visual e sonora). A partir de agora, vamos ana-
lisar as características e particularidades de cada uma dessas formas de lin-
guagem, a fim de melhor compreender as suas finalidades e potencialidades
dentro das diferentes formas de expressão humana.

3. Matrizes da linguagem: som, imagem e texto


Nesse tópico, iremos discutir algumas das características centrais de cada
uma dessas matrizes da linguagem.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Costuma-se dizer que, no início, “era o Verbo”. Do ponto de vista antropo-


lógico, porém, o mais provável seria dizer que, no início, “era o som” (o próprio
nome “big bang” não deixa de remeter a uma onomatopeia). Mesmo se pensar-
mos num recém-nascido, entre as primeiras impressões que ele percebe à sua
volta está o som (a voz dos pais, músicas etc.), ao mesmo tempo em que ele faz
tendencial uso de sua voz para chorar, logo ao nascer; num segundo momento
é que ele vai começar a enxergar; e apenas posteriormente é que ele vai desen-
volver a capacidade linguística que o permitirá verbalizar.
Há uma tendência, herdada da área do cinema, a se subdividir o som
em palavras (voz), sons vocais (espirros, bocejos, tosses, urros), ruídos (que
são naturais, como o som do trovão, a batida de uma porta ou o barulho das
pegadas), efeitos sonoros (produzidos artificialmente, através de objetos ou
de softwares de produção e edição de sons) e música. Porém, na classifica-
ção matricial proposta por Santaella, a sonoridade em seu estado puro está
ligada exclusivamente ao som como ruído; uma vez ordenado dentro de uma
dada sintaxe, o som se torna música.
Quando o som é combinado com a voz, ou seja, com o verbal oral, ele se
torna sonoro-verbal; e quando o som é difundido através de caixas sonoras, dis-
postas dentro de uma dimensão espacial, temos a instância sonora-visual. Ainda
que Santaella não fale disso, podemos incluir aqui os sistemas de home theater,
que envolvem “sonoramente” a pessoa através de várias saídas sonoras distintas.
O que caracteriza o som? Em estado bruto, geralmente isolado, indica a
sonoridade de algo ocorrido (uma pancada, uma batida, uma queda etc.). Já
um conjunto de sons ordenados tem por função fazer uma marcação rítmica,
que se dá através de maneira percussiva (bateria, tambor), melódica (saxo-
fone, gaita) ou harmônica (piano, violão). Culturalmente, cada uma dessas
sonoridades isoladas indica uma espécie de “plano sonoro”; articuladas entre
si, produzem distintos gêneros musicais, que também são percebidos como
característicos de uma cultura ou de um tempo.
Seria correto dizer que os sons musicais não indicam ou apontam para
nada em particular? Como vimos, certos ritmos e/ou gêneros trazem consigo
uma sonoridade específica (como a atonalidade da música japonesa ou a
percussividade de algumas culturas africanas). Além disso, por seu caráter
fortemente icônico-simbólico, podem vir a tornarem-se descritivos (o canto
gregoriano remete à religiosidade, a marcha militar remete à guerra).
Na esfera mediática, os sons têm outras funções: em produtos estrita-
mente sonoros (radionovelas, dramatizações) e audiovisuais (filmes, teleno-
velas, desenhos animados), uma dessas funções é criar um clima (suspense,
aventura, romance); a outra é servir de “cartão de visita” a uma dada persona-
gem (impossível não lembrar do Super-Homem interpretado por Christopher

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Reeve no cinema ao ouvir a trilha sonora do filme homônimo, composta por


John Williams) ou mesmo a um filme todo (como a trilha de Bernard Herrmann
para Psicose, de Alfred Hitchcock).
No primeiro caso, temos o que se chama de trilha incidental; no segundo,
trilha sonora ou trilha musical. Assim, podemos dizer que uma dada passagem
musical (uma música, uma vinheta, os primeiros acordes de uma canção, um
refrão etc.) tem por função a identificação de uma personagem, na medida em
que ele funciona como uma espécie de “logomarca sonora”.
É importante também considerar que, no caso da animação, existem os
casos de mickeymousing, ou seja, uma sequência musical que “acompanha”
a ação (andar, correr, lutar) das personagens (muito comum nos antigos de-
senhos animados da Disney e da Hanna-Barbera, por exemplo). Neste caso,
a música empresta uma outra dinâmica à ação mostrada visualmente.
Passemos à imagem, termo bastante polissêmico, uma vez que seu
uso se dirige a vários significados distintos (desenhos, fotografias, imagens
científicas, cinema, produtos televisivos, HQs, pinturas etc.) e também a vá-
rias manifestações materiais e temporais distintas (as imagens podem ser
feitas à mão, capturadas por máquinas fotográficas, filmadas, produzidas di-
gitalmente, do ponto de vista material, e podem ser fixas ou em movimento,
do ponto de vista temporal). Inicialmente, iremos considerar como imagens
apenas aquelas destituídas de complementos verbais (como as HQs ou os
livros ilustrados) ou sonoros (como os produtos audiovisuais).
Para facilitar nossa discussão, vamos considerar aqui também o estatuto
do verbal. Para isso, vamos rememorar algumas considerações feitas pelo pes-
quisador espanhol Román Gubern e pelo pesquisador francês Guy Gauthier.
Gubern (1987, p. 49 - 56) afirma que as palavras têm forte caráter de denomina-
ção e designação, ou seja, elas permitem a nomeação dos objetos no mundo,
ao passo que as imagens permitem melhor descrição, além da mostração, dos
objetos físicos no mundo ou, pelo menos, de suas características visíveis.
Em suma: as palavras têm forte caráter indutivo (no sentido de desen-
cadear uma conceitualização ou representação, de objetos concretos ou abs-
tratos), ao passo que as imagens têm forte caráter ostensivo (no sentido de
representar certas características óticas de algo ou alguém). Ao mesmo tem-
po, a palavra não tem como ser precisa em relação a certos elementos visuais
(gradação de cores ou de tons, por exemplo). Isso introduz uma primeira e
importante distinção entre o visual e o verbal:
 A imagem se presta a representar objetos concretos;
 A palavra se presta a representar objetos concretos e abstratos.
Essa distinção fica mais clara se tomarmos dois exemplos diferentes:
gato x inflação

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

O primeiro exemplo diz respeito a um ser felino, de quatro patas, bigodes


e (em tese) conhecido em praticamente todo o planeta. O segundo exemplo diz
respeito a uma convenção social, adotada em países de sistema capitalista, e
que diz respeito a um contínuo aumento de preços numa dada sociedade, com
conseqüente perda do valor da moeda em uso nesse referido país.
O gato pode ser representado facilmente tanto através de palavras (pois
é um ser denominado) quanto de imagens (pois é um ser concreto). Já a infla-
ção só pode ser representada através de símbolos (textos) ou de articulações
entre texto e imagem (infografias, gráficos, tabelas) que tentem visualizar o
conceito; é ainda possível representá-la através de um deslocamento retórico
(uma metáfora visual, como a do “dragão da inflação”, na verdade uma con-
venção social, uma vez que a figura de um dragão deveria representar, em
tese, a idéia de dragão, e não da inflação).
Assim, percebe-se que um objeto concreto (fisicamente falando) pode ser
representado por uma imagem ou por palavras (sejam elas escritas ou orais). Um
objeto abstrato só pode ser representado por palavras (a não ser que haja uma
convenção social que possibilite tal fato). Ou seja: podemos estabelecer que:
Palavra = tem poder de denominar algo (que pode existir ou não)
Imagem = tem poder de representar algo (que pode existir ou não)
Perceba-se ainda que, se perguntarmos a alguém o que é um dado ob-
jeto até então completamente desconhecido, a palavra terá uma outra função:
se o nome dado a esse objeto for, digamos, “estrompofólio”, essa palavra irá
desencadear uma conceitualização (a palavra “estrompofólio” tenderá a con-
ceitualizar, dali por diante, para o sujeito, vários tipos de estrompofólios).
Pensemos agora na situação inversa, na qual alguém chega a nós e
nos diz que encontrou um “estrompofólio”. Nossa reação natural é de procurar
saber o que é isso, ao passo que esse alguém tem duas opções: ou descreve
verbalmente o objeto ou nos mostra um desenho, uma fotografia ou um filme
com o tal objeto (consideremos a impossibilidade de essa pessoa nos mostrar
o tal “estrompofólio” diretamente). Com isso, podemos dizer que:
Palavra: tem função indutiva, denominativa (ela desencadeia uma conceitu-
alização)
Imagem: tem função ostensiva (ela exibe e/ou mostra um objeto)
Assim, uma das potencialidades da palavra é sua capacidade de ex-
pressão do mundo abstrato e de designação e expressão do mundo concreto.
Já uma das potencialidades da imagem é sua designação, sua representação
visual do mundo concreto. Escreveu uma vez Gubern (1987) que é tão impos-
sível descrever o conteúdo da Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant, com
imagens icônicas, quanto descrever com palavras as qualidades icônicas de
um rosto de Greta Garbo em primeiro plano no cinema (p. 52).

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Gauthier (1996, p. 231-48), por sua vez, irá buscar compreender a ca-
pacidade enunciativa das imagens fixas (ou seja, não sequenciais), como de-
senhos e fotografias, a partir das ideias do lingüista francês Émile Benveniste
e dos estudos de Sigmund Freud sobre os sonhos. Essa capacidade da ima-
gem já fora analisada por Freud (A Interpretação dos Sonhos, 1900) em seus
estudos sobre os sonhos (imagens mentais) e as possíveis relações lógicas
entre os elementos que neles aparecem. Freud vai constatar a existência de
apenas uma relação lógica “bem-sucedida” no sonho: a relação de semelhan-
ça, o “assim como” (na verdade, um aspecto descritivo em relação a algo).
Freud vai dizer que a negação aparece nos sonhos; alguns autores vão
concordar com a idéia, outros vão discordar, comentando que a negação não
faz parte do âmbito das imagens. Aqui, há uma diferença fundamental entre a
imagem fixa (foto, desenho) e a imagem sequencial (cinema, TV etc.).
Imagem fixa = congelamento de um momento (não há antes ou após).
Imagem seqüencial = narração visual de um espaço temporal (um momento
específico tem antes e depois).
Imagem fixa = não pode mostrar um “não-ato”
Imagem seqüencial = pode mostrar alguém não fazendo algo
Texto = pode dizer “alguém não faz algo”
Gauthier demonstra que as características enunciativas (“relações lógi-
cas”, para Freud) mais importantes de uma imagem fixa são:
 A justaposição (cuja equivalência verbal se daria com o uso da preposição
“e”, para dar noção de co-presença), e;
 A descrição (cuja equivalência verbal se daria com a palavra “como” em
seu sentido adverbial: “de que modo”).
Ou seja: a imagem pode mostrar pessoas e/ou objetos em um mesmo
espaço-tempo e, ao mesmo tempo, pode descrever suas características físi-
cas e suas ações (desde que percebidas sempre sob a ótica da ação, e não
da não-ação).
Esse aspecto é importante sob um outro viés: o do potencial narrativo.
Percebe-se que o texto verbal permite dar conta da narração tanto de ações
executadas quanto de ações que não foram executadas. Por outro lado, as
imagens em movimento podem mostrar ações executadas e ações que deixam
de ser executadas, mas para serem substituídas por outras ações.
Digamos que, num texto verbal, encontramos o enunciado “João não
quis sentar na cadeira” e ele será plausível para nós; mas, se numa sequência
de imagens vemos uma personagem que não se senta na cadeira, poderemos
pensar que ela “fica em pé”, “permanece em pé”, ou seja, a personagem exe-
cuta outras ações. No âmbito das imagens em movimento, a personagem pode

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

não sentar, mas também pode potencialmente não fazer uma série de outras
coisas (não deitar, não plantar bananeira, não correr).
Em suma: o que queremos dizer é que é impossível mostrar uma negação
através de imagens; é nesse sentido que se diz que a imagem é sempre positiva.
Aliás, como vimos anteriormente, esse é um dos grandes problemas psicanalíti-
cos: como negar sem trazer embutido na negação aquilo que se pretende negar?
Dentro dessa lógica, devemos considerar também que o som é sempre positivo,
pois ele sempre aponta para uma presença, nunca para uma ausência, tampouco
para uma negação – tanto que um dos paradoxos sonoros clássicos do cinema
é usar os sons de grilos para denotar a “presença do silêncio” em um ambiente...
Além disso, Gauthier leva essa discussão para o âmbito da Filosofia da
Linguagem, particularmente para as análises de J. L. Austin sobre os atos de
fala e diz que as fotografias podem ser consideradas como formas de enuncia-
dos constatativos. Austin reconhece a existência de dois tipos de enunciados:
performativos e constatativos.
Os enunciados performativos são promessas, apostas e declarações ti-
das pelo autor como atos de fala (o que se fala é a própria ação, como em “eu
prometo...” ou “aposto que...”), os quais podem ser explícitos (“eu o autorizo a
sair”) ou primários (“saia!”). Os enunciados constatativos são aqueles que des-
crevem o estado das coisas. O argumento de Gauthier mostra, assim, que as
imagens não são imperativas ou performativas; isso desmonta a idéia de que
as imagens publicitárias por si só seriam imperativas, da esfera do “fazer consu-
mir”. O contexto no qual a imagem aparece, o veículo e o texto (escrito ou oral)
ajudam a contribuir para essa finalidade.
Devemos lembrar também que os textos verbais permitem a constru-
ção, em termos lógicos, de proposições categóricas tanto singulares (“Fulano
caiu”) quanto gerais (“eles correm”), tanto afirmativas quanto negativas (“Fula-
no não caiu”). O mesmo, porém, já não ocorre com as imagens: uma fotogra-
fia, paradoxalmente, tende a ser singular (em relação àquilo que ela mostra:
aquele gato, e não qualquer gato, como ocorre no desenho) mas, como não
tem poder indutivo, nem denominativo, ela pode se tornar uma proposição
geral (“um gato”). Vejamos as duas imagens abaixo:

Figura 10 – Imagens de gatos

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A primeira imagem é o desenho de um gato, não necessariamente de


um gato específico (talvez de uma raça); já a segunda imagem é a fotografia
de um gato específico, não de um gato qualquer. Ambas mostram um gato,
mas esses gatos mostrados têm estatutos diferentes. O primeiro, podemos di-
zer, é “genérico”, enquanto o segundo tem uma raça específica e (caso a foto
não tenha sido gerada por computador, mas sim através de uma máquina fo-
tográfica) provavelmente existiu, pertencia a alguém, talvez tivesse um nome
etc. Em suma: a imagem (em particular, a fotográfica) remete a um objeto em
particular (“este gato”, e não um outro, de outra raça); a imagem desenhada
pode remeter a uma categoria (abstração), ao passo que a palavra remete ao
universal como um todo (“gato”).
13
Em Lógica, se diz Uma exceção ocorre quando reconhecemos quem ou o quê está na foto-
que uma proposição grafia, e aí ela passa a ter um valor de proposição categórica13 singular (“o ex-pre-
é categórica quando
sidente Lula está naquela cadeira”, em vez de “um homem barbudo está naquela
ela afirma ou nega que
um objeto tenha uma cadeira”); por outro lado, um texto escrito (um nome) desconhecido, e sem a os-
determinada propriedade tentação e a visibilidade do objeto denominado tem pouca força semântica; quan-
ou que algo pertença do, porém, conhecemos o que é denominado por aquele nome, então quase que
a certo conjunto. Uma
instantaneamente a imagem correspondente àquele nome se forma em nossa
proposição categórica é
singular quando o sujeito da mente. Daí a força da combinação entre texto verbal (escrito ou oral) e imagem,
proposição (frase) é nome que aponta simultaneamente para o denominado quanto para a denominação.
de um indivíduo; geral, Finalmente, é preciso lembrar que os textos verbais permitem o desem-
quando o sujeito é nome
de uma propriedade ou penho de outras funções, dentre elas a narrativa (para mostrar a mudança
classe; particular, quando de estado de personagens) e a argumentativa (para fazer a exposição de ar-
se refere a apenas alguns gumentos). Autores como Martine Joly ponderam também sobre o estatuto
dos objetos; e universal, argumentativo das imagens fotográficas...
quando diz respeito a todos
os elementos da classe Essa constatação nos leva a perceber que, na prática (e concordando
associada àquele sujeito. com Santaella), todos os tipos de textos mediáticos que existem à nossa volta
resultam das várias combinações possíveis entre texto, imagem e som, ou
melhor: entre a verbalidade, a visualidade e a sonoridade. Daqui por diante,
iremos inserir um novo conceito, que diz respeito ao uso articulado dessas
matrizes da linguagem: o sincretismo.

4. O sincretismo das linguagens


Por mais que pensemos nas linguagens isoladamente, na verdade elas sem-
pre estão combinadas umas com as outras
Daqui por diante, iremos fazer considerações a respeito das combina-
ções das linguagens nas mais diversas técnicas e tecnologias de comunica-
ção e informação. Em alguns casos, pode até parecer haver o predomínio
de uma linguagem em detrimento de outras; na prática, porém, o que iremos

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

perceber é uma espécie de indissociabilidade entre as linguagens, na maior


parte dos casos. Isso porque essas linguagens se tornam sincréticas, na me-
dida em que não faz sentido pensar na “eliminação” de uma linguagem sem
alteração da mensagem final. Porém, antes de definirmos o conceito de sin-
cretismo, faremos algumas considerações preliminares sobre essa indisso-
ciabilidade das linguagens.
Vejamos algumas palavras de Leroi-Gourhan (1985, 1987) sobre a re-
lação entre gesto, palavra e desenvolvimento do ser humano. Ele afirma que
as pinturas do período paleolítico obedeciam sempre a um mesmo padrão
topográfico visual, muitas vezes repetindo-se numa mesma caverna ou em
várias, com pequenas variações: bisontes e cavalos ao centro, enquadrados
por cabritos-monteses e cervídeos, e leões e rinocerontes na periferia. Leroi-
-Gourhan diz que isso implica uma representação intencional de animais de
caça e não uma “escrita” ou “quadros”.
Como vimos anteriormente, ele defende que esse “conjunto simbólico
das imagens” existia dentro de um “contexto oral com o qual o conjunto sim-
bólico era coordenado” (LEROI-GOURHAN, 1985, p. 197). Ou seja: essas
pinturas rupestres não tinham necessariamente (ou melhor dizendo: especi-
ficamente) apenas função narrativa, tampouco se propunham a ser apenas
uma representação visual e descritiva da realidade.
Considerações similares são propostas por Frutiger (2007), que lembra
que todas as espécies animais enviam e recebem informações que são ex-
pressas por todos os sentidos. Assim, segundo ele,

é válido admitir que uma linguagem ‘primitiva’ não consistia apenas


em sons, mas também em vários tipos de gestos, contatos, sensações
olfativas etc. A partir dessa consideração, podemos nos perguntar até
que ponto essa linguagem corporal não é parte da origem dos testemu-
nhos escritos (FRUTIGER, 2007, p. 84. (Grifos no original).

Isso leva Frutiger a considerar que as imagens pré-históricas devem ter


tido uma proximidade grande com a linguagem gestual e sonora, “que servia
para acompanhar, esclarecer, registrar os ritos ou narrar” (FRUTIGER, 2007,
p. 84). Os exemplos aqui citados implicam outro modo de se perceber as
primeiras manifestações visuais da história da Humanidade: elas não seriam
manifestações “apenas” visuais, mas integradas num contexto comunicacio-
nal maior, que se perdeu. Ou seja: o sentido dessas imagens só existiria em
conjunto com outros sistemas de linguagem, como a voz e os gestos. Assim,
podemos dizer que já havia certo grau de sincretismo nessas práticas.
O francês Roland Barthes foi talvez um dos primeiros a teorizar sobre o
que ele chamava não de sincretismo, mas sim de “solidariedade de sentido”

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existente entre os elementos que compunham estruturalmente a mensagem


de um anúncio de macarrão por ele analisado. Ele lembrava que a mensagem
linguística mantém dois tipos de relação com a mensagem icônica (imagem): a
relação de fixação (denotativa e “repressiva”, pois poda a liberdade polissêmica
da imagem, tirando sua ambiguidade) e a função de relais (onde palavra e ima-
gem têm relação de complementaridade) (BARTHES: 1990, p. 31-4).
Finalmente, em uma nota de rodapé, Barthes fala sobre o “princípio de so-
lidariedade” entre os termos de uma estrutura na qual, se um elemento muda, os
demais também mudam (BARTHES: 1990, p. 42). Em outros termos: na fixação,
o texto (como as legendas explicativas) dá sentido à imagem; no relais, texto e
imagem têm ambos a mesma importância (como nas charges e histórias em qua-
drinhos). Ou seja: no primeiro caso, T (texto) > I (imagem); no segundo caso, T = I.
Porém, percebe-se que Barthes não propõe uma terceira categoria
para os termos T e I, na qual a imagem com função de desambigualizar o
texto, de ser mais importante do que o texto (portanto, I > T). O francês Paul
León (2008) retoma a proposta barthiana numa análise de anúncios publicitá-
rios e sugere essa terceira relação: o escoramento, no qual o texto, ambíguo,
depende da imagem para se tornar inteligível (p. 232-3).
A partir dessa relação de escoramento, Léon localiza seis funções pos-
síveis da imagem publicitária em relação ao texto (que aparece incompleto,
ambíguo, sem referência aparente etc.). Um exemplo nosso: um enunciado
verbal num anúncio publicitário no qual não conseguimos determinar quem
fala (“vamos lá, Brasil!”) necessita de uma imagem para “sugerir” o “responsá-
vel” pelo enunciado (uma foto com um grupo de pessoas vestidas como tor-
cedores da seleção Brasileira de futebol, uma foto com um grupo de pessoas
vestidas de trabalhadores etc.); aqui, a imagem tira a ambiguidade do texto
verbal e “diz” quem está “falando” dentro do anúncio.
Assim, o que seria o sincretismo, no âmbito das linguagens? Seria a
característica comum a vários tipos de linguagem (como o cinema, as novelas
de TV, a ópera e as histórias em quadrinhos) onde existe a necessidade de
mobilizar vários códigos ao mesmo tempo. O cinema, como linguagem, faz
uso de vários códigos e linguagens (som, textos verbais, imagens fixas e/ou
em movimento, luzes, edição) que têm todos a mesma importância. Nessa
visão sincrética, a questão não é apenas a obrigatoriedade do somatório de
códigos e linguagens, mas antes a impossibilidade de sua apartação.
Peguemos como exemplo uma história em quadrinhos. A princípio, se
costuma dizer que ela é o somatório do texto verbal (diálogos, pensamentos)
e das imagens (os conteúdos dos quadros). Porém, existem outros elementos
importantes na constituição de uma HQ, como a cor, a tipografia, o papel usa-
do para a impressão, a distribuição dos quadros na página etc.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Vamos nos deter mais na cor e na tipografia. Sobre a cor, devemos


lembrar que há vários modos de “colorir” uma HQ: 100% preto e branco, com
uso de variações de cinza (chamadas na área gráfica de grises), através de
bicromia (duas cores), tricromia (três) ou policromia (quatro, as quais geram
todas as demais cores). Essa colorização, por sua vez, pode se basear em
várias outras influências visuais (pop art, cinema noir etc.).
A alteração desses modos de colorização altera em parte o estatuto da
história: as novas gerações tendem a perceber todo e qualquer filme em preto
e branco como algo “antigo” – vide O Artista, de Michel Hazanavicius; por
outro lado, as antigas gerações percebem como um “pecado” a colorização
de filmes em preto e branco, como as comédias O Gordo e o Magro ou os
clássicos cinematográficos dos anos 1940.
A tipografia é outro elemento importante nas HQs. Ela não é simples-
mente a transcrição verbal da fala ou pensamento de uma personagem, mas
também das emoções ou até mesmo da origem ou identidade da personagem.
Assim, é comum termos diálogos fazendo uso de variações dentro de
uma mesma família tipográfica (espessura, tamanho, inclinação) ou usando
diferentes famílias tipográficas; no primeiro caso, podemos dar como exem-
plo o Cebolinha (Maurício de Souza Produções); no segundo caso, o pode-
roso Thor e todos os demais asgardianos (Marvel Comics) e as persona- 14
O campo que busca
gens de Sandman (Neil Gaiman). Além disso, devemos considerar a própria estudar o universo da
forma do balão de fala, que também pode denotar sentimentos ou identidade integração das linguagens
é chamado de semiótica
das personagens. sincrética. O conceito de
O que tudo isso implica? Que a feitura de um texto que mobiliza diversos sincretismo tem como
códigos e linguagens deve ser pensado em função de todos esses elementos ponto de partida as ideias
do linguista dinamarquês
articulados, uma vez que qualquer alteração num deles modifica em parte, ou Louis Hjelmslev na
mesmo no todo, o texto em questão. Parafraseando livremente Barthes: os gramática tradicional,
códigos e linguagens são solidários entre si nos textos sincréticos14. além da discussão
sobre os fenômenos de
No próximo capítulo, vamos nos dedicar às matrizes da linguagem e neutralização na fonologia
a algumas das combinações delas resultantes, a fim de melhor perceber o moderna; posteriormente,
potencial dos diferentes suportes e meios em sala de aula. o linguista lituano Algirdas
Julien Greimas vai
estabelecer o sincretismo
na semiótica em dois
níveis. Para mais detalhes,
Atividades de avaliação ver a coletânea Linguagens
na Comunicação –
desenvolvimentos de
1. Pesquise sobre inventos cujos usos se tornaram bem diferentes de suas
semiótica sincrética, de Ana
finalidades pensadas originariamente. Claudia de Oliveira e Lucia
2. Preste atenção aos suportes de apoio à memória em uma sala de aula. Teixeira (organizadoras), de
2009.
Quais são os mais usados? Como são usados? Avalie seus usos.

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3. Tente assistir à televisão sem som e, noutro momento, sem imagem? É


possível compreender algo? Se sim, por quê? Justifique sua resposta.
4. Pegue páginas de jornal com fotografias; elimine as legendas e peça para
pessoas próximas tentarem interpretar o que está nas fotografias. As res-
postas delas se parecem com o texto omitido da legenda? Justifique.
5. Procure conceitos abstratos, nomes de filmes ou expressões e palavras
similares e peça para as pessoas gesticularem sobre eles, no estilo da brin-
cadeira de mímica, para que outras pessoas adivinhem o que elas estão
dizendo com as mãos.
6. Grave um trecho de qualquer produto audiovisual em cores e deixe-o em
tons de cinza (ou seja, em preto e branco). Qual tipo de informação se per-
de nesse processo? Explique.

Referências
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gre: Artes Médicas, 1990.
BARTHES, Roland. “A Retórica da Imagem”. In: BARTHES, Roland. O óbvio e
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BUSH, Vannevar. “As we may think”. Disponível em: www.ps.uni-saarland.
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CHION, Michel. L’audiovision – son et image au cinéma. Paris: Nathan, 1990.
GAUTHIER, Guy. Veinte lecciones sobre la imagen y el sentido. 3ª. ed.,
Madri: Cátedra, 1996.
GUBERN, Román. La mirada opulenta - exploración de la iconosfera con-
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HAVELOCK, Eric A. A revolução da escrita na grécia e suas consequên-
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JOUSSE, Marcel. L’anthropologie du geste. Paris: Gallimard, 2008.
LEÓN, Paul. “Textos icónicos, o jogo das imagens e das palavras: imprensa e
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LEROI-GOURHAN, André. O gesto e a palavra. 1 – técnica e linguagem. Lis-
boa: Ed. 70, 1985.

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67
Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

OLSON, David. O mundo no papel - as implicações conceituais e cognitivas


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Campinas: Papirus, 1998.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1995.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e do pensamento – sonora vi-
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SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson
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Capítulo 4
As linguagens em
sala de aula

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

1. Os textos mediáticos na sala de aula


Falar em textos mediáticos implica falar, necessariamente, nas linguagens
que permitem sua produção
Como dissemos na introdução desse trabalho, nosso interesse aqui é
relativo à compreensão e ao uso das técnicas de comunicação e de informa-
ção nas diferentes práticas pedagógicas em sala de aula, visando auxiliar a
produção de conhecimento.
Nesse caso, damos prioridade à compreensão das linguagens mobiliza-
das nesses processos, a fim de que os alunos possam tanto desenvolver uma
visão crítica dos meios de comunicação quanto compreender o potencial lúdi-
co, informativo e dialógico das tecnologias da comunicação e da informação a
partir do uso das diferentes matrizes da linguagem (som, imagem e palavra).
Dentro dessa visão, a pesquisadora brasileira Maria Isabel Orofino faz
uso da expressão “tecnologias de comunicação e produção de linguagens”
(2005, p. 68). De nossa parte, e para sermos coerentes, passaremos a con-
siderar que estamos falando de tecnologias de informação, comunicação e
produção de linguagens.
Aliás, nada mais pertinente nos dias de hoje. Como ponderam Squarisi
e Salvador (2012), “escrever está na moda. As novas tecnologias de comu-
nicação, quem diria, ressuscitaram o valor da escrita (..). Nunca se precisou
tanto da escrita quanto agora” (p. 9). Porém, dentro de nossa perspectiva, o
termo “escrever” adquire um sentido maior: ele diz respeito a todas as ativida-
des de produção de conhecimento, informação e socialização através das lin-
guagens. Em outros termos: fotografar, desenhar, filmar, são diferentes formas
de escrita do ser humano contemporâneo.
Além disso, ao longo de nossa exposição, vai ficar claro que todas essas
práticas são necessariamente coletivas; isso implica num fazer socializado. Ao
mesmo tempo, elas solicitem diferentes graus de envolvimento e, principalmen-
te, de organização. Porém, é interessante o professor adotar alguns procedi-
mentos preliminares antes de escolher alguma das atividades aqui sugeridas
(além de outras não aqui contempladas). Para isso, é interessante ele respon-
der (para si próprio ou para os colegas professores) as seguintes perguntas:

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1. De qual material de apoio disponho para realizar uma dada atividade?


Infelizmente, os aspectos materiais são fundamentais na maior parte dos ca-
sos, e a realidade das escolas brasileiras ainda é bastante diferenciada (para
não dizermos “desigual”) em termos de equipamentos e suportes tecnoló-
gicos. E, mesmo que uma escola tenha “um computador”, isso pode não
ser suficiente (conforme veremos ao longo deste capítulo, várias atividades
podem requerer outros periféricos, equipamentos e placas específicas).
2. Que tipo de material mediático usar? A resposta a essa questão depende,
em parte, da resposta da pergunta anterior: fazer uma realização audiovisu-
al vai depender das condições materiais existentes na escola, por exemplo.
Por outro lado, nada impede o uso de produtos mediáticos em sala de aula
para outras atividades. Assim, um professor pode utilizar música para falar
sobre diferentes disciplinas (ver, por exemplo, FERREIRA, 2010) ainda que
não disponha de recursos sonoros para realizar gravações com os alunos,
como podemos perceber nessa discussão em outros autores (por exem-
plo, MARCONDES, MENEZES & TOSHIMITSU, 2000; SETTON, 2010).
Ou poderá usar recursos audiovisuais (programas de TV, filmes etc.) sem
necessariamente ter as condições de produzi-los com os alunos (ver, por
exemplo, BRANDÃO, 2011, e NAPOLITANO, 2008, 2010). A escola, em
consonância com seu projeto pedagógico, é quem deverá decidir pelo me-
lhor uso dos suportes e produtos mediáticos em sala de aula.
3. Qual a meta com a atividade? Cada uma das atividades aqui propostas
potencializa diferentes aspectos dos alunos (capacidade de expressão ver-
bal, corporal, oral, escrita, artística etc.). É importante (a nosso ver) que
os alunos busquem experimentar todas essas capacidades de expres-
são. Defendemos que, a princípio, todos nós, quando crianças, falávamos
com certa espontaneidade (mesmo sem conhecimento da gramática, da
sintaxe, das concordâncias etc.), fazíamos desenhos (mesmo sem saber
desenhar), tentávamos escrever (mesmo sem saber escrever direito) etc.
Infelizmente, à medida que crescemos, a maior parte dessas atividades
vai ficando de lado; muitos passam a ficar tímidos ao terem de falar diante
de um grupo de pessoas, “desaprendem” a desenhar ou mesmo temem
escrever. A prática dessas atividades pode tanto auxiliar na manutenção
e aprofundamento dessas competências quanto possibilitar a descober-
ta, por parte dos próprios alunos, de outras competências, que talvez eles
mesmos nunca tenham buscado desenvolver, por se acharem desprepa-
rados para tal ou mesmo desconhecedores de tal habilidade.
4. É importante ter acesso ao conteúdo de um produto mediático antes
de usá-lo em sala de aula? Sim, sempre. Uma música, um filme, uma
história em quadrinhos ou um jornal se dirigem, muitas vezes, a públicos

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

específicos ou são mais bem compreendidos a partir de diferentes faixas


etárias. Por exemplo: nem toda história em quadrinhos é infantil, pois algu-
mas abordam temáticas adultas (política, violência, sexo) e chegam a vir
com recomendações de faixa etária. E, mesmo que haja uma indicação
classificativa em termos de faixa etária, pode ser que aquele produto seja
inadequado ou mesmo sem sentido para uma turma de alunos naquela
mesma faixa indicada – uma trama ficcional muito urbana pode não ser
totalmente compreensível para um grupo de alunos da zona rural. Temos
de ter em mente que o Brasil é um país de dimensões continentais e que
nele existem realidades sociais e econômicas muito diferentes. Mas, no
final das contas, sempre vai ser o professor quem toma a decisão a respei-
to do material a usar, em conformidade com o projeto pedagógico de sua
instituição de ensino. Isso nos leva a um outro aspecto:
5. O professor deve conhecer a linguagem e as potencialidades informati-
vas e comunicativas de cada linguagem e cada suporte? É interessante
que o professor conheça ao menos a linguagem e as potencialidades dos
suportes que irá utilizar em sala de aula. Como escreve Santos Neto (2011,
p. 130) em relação às HQs: é preciso que o docente tenha uma experiência
com aquele suporte. Um professor não pode usar quadrinhos em sala de
aula se ele mesmo não tem experiência com esse tipo de linguagem; de
repente um aluno pode ter dúvidas em relação a um aspecto de uma HQ e
o professor, sem experiência com aquele tipo de linguagem, pode ter algu-
ma dificuldade. A falta de familiaridade com essas linguagens e meios pode
levar a um outro risco, anunciado a seguir.
6. Se não domino uma dada linguagem, posso mesmo assim fazer uso
dela para fins estritamente didáticos? É comum vermos provas que fa-
zem uso de trechos de produtos mediáticos para fins meramente didáticos,
sem considerar outros aspectos daqueles produtos. Um exemplo: pode
ocorrer de ser solicitada uma análise sintática de uma manchete de jornal
reproduzida em uma prova (digamos, “Dilma Rousseff é eleita a primeira
presidente do Brasil”). A princípio, nada há de errado nesse tipo de ativida-
de; mas se a finalidade é apenas a análise sintática da frase, não faz sen-
tido a reprodução da página do jornal, mas apenas a reprodução da frase
em si. A página do jornal permite outros olhares sobre ela própria (o texto,
a foto, as imagens etc.); mais interessante seria discutir com os alunos, por
exemplo, a partir da manchete do jornal, sobre a condição das mulheres
na política, ou fazer uma análise comparada das diferentes manchetes dos
jornais brasileiros para o mesmo fato. Em suma: tanto esforço (por vezes
inútil) para eleger um trecho de um produto mediático apenas para solicitar
uma análise sintática não faz muito sentido acaba por empobrecer tanto o
conteúdo analisado quanto o trabalho docente.

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7. O aluno pode utilizar o material mediático à vontade em sala de aula?


Sim, se a finalidade for estritamente pedagógica e não-comercial, e em
sala de aula. É interessante que os alunos aprendam e discutam os con-
ceitos de direito autoral e de copyright, ainda que o cenário desse início de
século XXI esteja problematizando radicalmente essa noção, em particular
a partir dos conceitos de creative commons e de copyleft. Além disso, o
aluno pode usar um trecho de uma determinada obra para uma atividade
em sala de aula, mas deve ter cuidado se quiser disponibilizar o resultado
dessa mesma atividade na Internet. De qualquer modo, a discussão nos
parece atual e relevante, devendo ser feita em sala de aula.
8. Devo conhecer o que os alunos consomem? É interessante ter esse
conhecimento, para que o professor possa ter noção daquilo que é con-
sumido majoritariamente pela turma (novelas, desenhos animados, livros,
quadrinhos etc.) mas também (talvez: principalmente) daquilo que não é
consumido pelos alunos. Em outros termos: essas informações auxiliam o
professor em suas tomadas de decisões.
9. É necessário usar material mediático em sala de aula, se o que preten-
do é fazer com que os alunos desenvolvam seus próprios produtos?
De fato, em tese, não seria necessário; na prática, porém, devemos con-
siderar um fato altamente relevante: grande parte de nosso conhecimento
do mundo nos é dado pela esfera mediática, através de noticiários, jornais,
filmes, revistas, novelas, livros, quadrinhos, fotografias, músicas, videoclipes,
sites e muitas outras formas de expressão mediática. Poucos de nós co-
nhecem pessoalmente um presidente da República, um artista pop, a Ásia
ou a Lua, mas acreditamos fortemente que eles existam. Ou seja: de algum
modo, o sistema mediático nos dá um modo de conhecer a realidade para
além daquilo que vivenciamos diretamente. São formas de conhecimento
distintas da experiência direta, imediata, mas continuam sendo formas de
conhecimento. Compreender um pouco de como esses processos ocorrem
é algo fundamental no mundo contemporâneo, a nosso ver. A nosso ver, uma
leitura crítica e racional dos meios de comunicação de massa depende, em
certa medida, do conhecimento relativo aos modos de produção dos textos,
fazendo uso das diversas formas de linguagem. Assim, por exemplo, com-
preender um jornal depende, em parte, de compreensão de como um jornal
é feito. Em suma: é compreender e lembrar que, por trás de todos esses
produtos mediáticos, há outros agentes sociais fazendo uso das linguagens.

2. O Som
Antes de fazer uso dos sons em produtos sonoros ou audiovisuais, é impor-
tante primeiro conhecer algo sobre eles

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

2.1. O começo: um estúdio


Se há um interesse da escola em aproveitar os recursos sonoros (vozes, mú-
sica, ruídos), pode ser interessante a ideia de constituir uma rádio escolar. O
seu custo de implantação é atualmente relativamente baixo e o grau de envol-
vimento costuma ser grande, tanto por quem produz quanto por quem ouve.
Dá para começar algumas atividades de rádio-escola com os seguintes
recursos:
15
O uso prolongado do
 Computador (pelo menos dois) com um bom processador e dotado de
15
computador pode causar
softwares de edição de áudio, aliado a uma boa placa de som; alguns problemas de
 Microsystems, para execução de CDs; postura corporal e de
vista, principalmente se as
 Mesa de som de, pelo menos, quatro canais, que permita a entrada dos cadeiras e a iluminação
sinais do microsystem, do computador e dos microfones (pode ser neces- do ambiente não forem
sária a avaliação de um técnico da área); adequadas, e de lesão por
esforço repetitivo (LER)
 Microfones de qualidade (para captação de sons externos dentro do estúdio); se a posição dos teclados
 Gravadores digitais (com porta USB, também para captação de sons exter- e mouses nos móveis
nos fora do estúdio); e bancadas de trabalho
não for a correta. Um dos
 Acesso on-line (Internet) ou off-line (CDs) a bancos de sons e efeitos sonoros; modos mais simples de
 Fones de ouvidos de qualidade; evitar problemas é fazer
intervalo de cinco minutos
 Caixas de som estereofônicas, distribuídas em locais estratégicos da escola, a cada 50 minutos diante
para que alunos, professores e funcionários possam ouvir o que foi produzido; do computador; o ideal
 Ambiente com isolamento acústico (aqui, também pode ser necessária a é levantar-se da cadeira,
para alongar o corpo e para
avaliação de um especialista da área, para analisar o espaço do estúdio e
dar dinamismo ao olhar
os custos e condições do isolamento acústico). (que passa tempo demais
focado apenas no monitor).
Sugere-se também que o
2.2. Os recursos sonoros: do corpo humano ao computador
usuário do computador,
quando trabalhando, desvie
Além dos recursos técnicos, é preciso avaliar o interesse e as potencialidades
de vez em quando o olhar
do uso dos sons na escola. A princípio, o som é a linguagem mais simples de do monitor e olhe para
ser usada em sala de aula: basta o uso da voz, do próprio corpo e/ou de obje- longe, a fim de relaxar a
tos que produzam sons. musculatura do olho. Para
mais detalhes e sugestões
Com esses recursos, é possível os alunos pensarem, mais adiante, na de como proceder, ver
feitura de um pequeno jornal em formato radiofônico ou, como ocorre atualmen- Brandimiller (1999).
te com o advento da Internet, gravarem podcasts. A princípio, realizar tais pro-
dutos pode vir a depender de uma série de condições, como a educação vocal,
a aprendizagem musical, o manuseio de instrumentos musicais e de softwares
de edição de áudio ou a existência de um estúdio de som para gravações. Tudo
isso deve ser considerado previamente.
Se há o interesse da escola nesses recursos, a aprendizagem musical,
o uso de instrumentos musicais e um estúdio irão expandir as possibilidades

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criativas dos alunos. Mas o que podemos fazer com os sons? Há uma série
de possibilidades; antes, porém, é preciso ter noção da importância dos sons
16
Uma vez que os sons para, num segundo momento, pensarmos neles em produtos mediáticos.
estejam misturados num Aqui, vamos elencar algumas possibilidades, começando pela música.
único arquivo, ou seja,
mixados, não é mais Como dissemos há pouco, a música nada mais é do que uma orga-
possível separá-los. Alguns nização sintática de sons16. Um bom exemplo disso são os sons produzidos
usuários usam programas pelo grupo brasileiro Uakti ou pelo músico alagoano Hermeto Paschoal, to-
que alteram a frequência do
arquivo sonoro, o que torna
dos eles feitos de materiais ditos “insólitos” (tubos de PVC, panelas, latas de
alguns sons mais audíveis lixo, apitos bacias d’água etc.).
(ou em “primeiro plano”, por Atualmente, porém, com a tecnologia digital, não é necessário “tocar”
assim dizer) e outros mais
“escondidos”.
esses “instrumentos insólitos”; com algum conhecimento básico de softwares
de edição de áudio, é possível e fácil produzir música a partir do manuseio
de som. Apesar da existência de uma série de formatos digitais (MIDI, MP3,
OGG, WAVE, AIFF), o mais popular é o MP3, pela sua grande capacidade de
compressão, pois ele elimina as frequências que o ouvido humano não per-
cebe, por isso ele se torna um arquivo menor, “mais leve” (para mais detalhes
técnicos, ver SERRA, 2002).
É preciso ter em mente também que um software de edição de áudio
funciona em parte como uma mesa de som. Ou seja: é possível trabalhar com
vários sons separados, fazendo aqui que nos estúdios é chamado de matriz
ou master. Esse nome é dado ao arquivo que contém a gravação com todos
os seus elementos sonoros separados, cada um em uma faixa sonora. De
posse dessa matriz, é possível tanto eliminar certos sons quanto acrescentar
outros. A junção desses sons num único arquivo é chamada de mixagem.
Para começar a trabalhar, é interessante que o aluno tenha ao seu dis-
por alguns sons gravados, um computador (de preferência, com bons fones
de ouvido ou ligado a caixas de som de boa qualidade sonora) e um software
de edição. Se o aspecto sonoro a ser trabalhado for uma música, é bom ter
algumas noções básicas, como a noção de compasso, ou seja, de que a mú-
sica tende a seguir um determinado andamento, geralmente com uma batida
constante e constituída de um mesmo som repetido em intervalos de tempo
iguais; podemos chamar vulgarmente essa batida de base, a qual tem uma
função idêntica à do bumbo da bateria: marcar o tempo da música.
É possível usar mais de um elemento para criar essa base; ao inserir
outros sons que se repitam constantemente, mas de modo diferente do pri-
meiro, se estará criando uma base polirrítmica (o melhor exemplo de polirrit-
mia é a bateria de uma escola de samba).

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Figura 11 – Imagem de uma batida sonora simples em software de áudio

Figura 12 – Imagem de uma batida polirritmica em software de áudio


Para auxiliar na criação dessa batida17, é interessante utilizar uma ferra- 17
Existem softwares de
menta disponível nos softwares chamada metrônomo. Com ela, se insere no áudio especializados em
criar batidas eletrônicas,
arquivo sonoro que será manipulado a quantidade de batidas que se deseja através de loops (ou seja,
por minutos (ou BPMs, sigla para beats per minute). de pequenos trechos de
Para melhor visualizar a noção de BPM, basta pedir a uma pessoa para uma batida que podem ser
repetidos pelo tempo que
marcar um minuto no relógio, enquanto outra pessoa bate palmas durante
se quiser, formando uma
esse intervalo; se a pessoa bater 75 palmas em um minuto, então essa “mú- base para os instrumentos
sica” terá 75 BPMs. Cada uma dessas palmas equivale a uma batida. Alguns melódicos e harmônicos e
softwares criam uma faixa que visualiza uma base sonora com essa infor- para a voz) ou da própria
programação do usuário
mação; ela é útil para a construção de uma base musical mais complexa e
(que indica o uso de
mesmo de uma música completa. bumbo, tarol, timbau etc.).
Esse tipo de recurso é
muito comum em gêneros
como o rap e o hip hop.

Figura 13 – Imagem de uma base sonora de 120 BPMs em software de áudio

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18
Caso seja de interesse Para começar a trabalhar, o aluno deve abrir o software e inserir uma
trabalhar com criação de faixa de áudio (caso queira gravar algo) ou abrir um arquivo sonoro já existente.
músicas, é importante
que os alunos tenham
A partir daí, é possível ir “brincando” com o arquivo, seja copiando e colando
algumas noções básicas partes dele, seja alterando seus timbres, alturas e/ou sua velocidade e/ou ainda
sobre o som (altura, acrescentando efeitos sonoros18 (ecos, reverberações, delays etc.). Isso vale
duração, intensidade, tanto para um som, um conjunto de sons, pequenos acordes de violão etc.
timbre) e sobre música
(andamento, tipos de
compasso etc.) bem como
conhecer fundamentos
da escrita musical (notas,
claves, partituras) e
conhecer alguns dos
diferentes gêneros musicais
existentes.
19
Mesmo que o software
de áudio a ser utilizado
seja em língua portuguesa,
sempre haverá termos
em inglês que não são
traduzidos. É interessante
que o aluno possa
manusear um arquivo
aplicando a ele diferentes
efeitos para ter uma melhor
noção de como cada efeito
funciona – infelizmente,
é muito difícil explicar
e compreender efeitos Figura 14 – Imagem do software19 Audacity: cada faixa corresponde a uma pista sono-
sonoros através apenas de
ra, ou seja, a um som diferente
palavras...
Além de efeitos sonoros pré-gravados e de sons produzidos por instru-
20
Na área de comunicação
de massa, usa-se o termo mentos musicais, é possível também criar outros sons, seja através de va-
“vinheta” para denominar riadas matérias-primas (baldes, panelas, pedaços de madeira, brinquedos),
um conjunto de sons como fazem os já citados Hermeto Pascoal e Uakti; basta gravá-los e colocá-
(melódicos ou não) que -los em sequências distintas, para perceber como a organização de um som
identifica um determinado
programa de rádio ou de TV pode gerar uma base rítmica e, a partir daí, servir de base para uma canção,
(um exemplo é o famoso um efeito sonoro, uma vinheta20 ou um jingle.
“plim-plim” da Rede Globo).
“Jingle” é o nome dado
à canção gravada com 3. Som + texto
finalidade comercial, sendo
inserida posteriormente Falar sobre som e texto varia do canto à feitura de produtos sonoros radiofônicos
num anúncio publicitário Neste tópico, vamos falar sobre dois assuntos que têm estreita relação,
radiofônico ou televisivo
(como o famoso coral e que podem ser trabalhados em diferentes processos pedagógicos: o som
cantando “So-da Li-mo-na- dentro de uma perspectiva textual e suas múltiplas manifestações (ruído, voz,
da An-tar-cti-ca”, de 1982). canto) e a mídia sonora (majoritariamente, mas não exclusivamente, o rádio).

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

3.1. A voz
Antes de tudo, porém, é preciso lembrar dos cuidados necessários à voz, como
a projeção adequada da mesma, alimentação e hidratação corretas, o repouso
vocal e evitar hábitos que comprometam os aparelhos fonador e respiratórios no
todo ou em parte (cigarros, bebidas alcoólicas, mudanças bruscas de tempera-
tura, gritos exagerados, roupas apertadas e até mesmo alguns medicamentos).
É preciso ter em mente também que nem todo uso da voz é necessa-
riamente verbal, ou seja, usando palavras. Há uma série de sons vocais não-
-verbais, como solfejos, gritos ou imitações de animais e pássaros; há também
usos de fonemas vocais usados a esmo, sem sentido algum (é o caso de
um grupo britânico, dos anos 1980, chamado Cocteau Twins, que “inventava”
palavras para serem cantadas). Ou artistas que buscam inspiração na poesia
concreta para compor e cantar, como Arnaldo Antunes.
Além disso, uma das formas mais comuns de reunirmos som e texto é
cantando. Como diz Martins Ferreira, “a voz, riqueza natural de nosso corpo, é
como um ‘instrumento musical’ que carregamos conosco e que a maioria das
pessoas não sabe usar (ou tocar e manter) bem” (FERREIRA, 2010, p. 29).
O mais comum é o uso de textos para serem cantados, as famosas
“letras de música”. É prudente, porém, lembrar que nem sempre o fato de uma
letra estar em primeira pessoa (“eu”) implica que o personagem da letra seja
o intérprete da mesma. No cancioneiro brasileiro há exemplos disso, como as
várias canções de Chico Buarque nas quais existe um “eu feminino” (a letra
expressa o ponto de vista de uma mulher) ou a versão de Marina Lima para
“Mesmo Que Seja Eu”, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos (“você precisa de
um homem pra chamar de seu / mesmo que esse homem seja eu”).
Por outro lado, nem sempre essa diferenciação é fácil: quando o grupo
de rock Ultraje a Rigor canta “a gente somos inútil” (na música “Inútil”), quem
é “a gente”? O vocalista está incluído nesse sujeito ou não? Em suma: nem
sempre uma letra biográfica (que fala sobre alguém) deve ser necessariamen-
te tomada como autobiográfica em relação a quem canta (um exemplo disso
é a música “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, de Raul Seixas e Paulo Coelho,
que obviamente não nasceram há tanto tempo assim).

3.2. O texto escrito para ser lido: o roteiro


Mas a junção entre som e texto não se dá apenas através da música e do
canto; a fala é um dos processos mais naturais para isso. O teatro, o telejorna-
lismo, o radiojornalismo, por exemplo, são áreas nas quais o casamento ade-
quado entre a fala e o texto é fundamental. Nesses casos, é importante que a
voz consiga denotar o clima daquilo que está no texto verbal que vai ser lido.

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80 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Como já dissemos anteriormente, não pode haver paradoxo comunicacional


entre o que é dito (conteúdo) e o modo como é dito (relação).
Assim, um texto noticioso sobre um acidente tenderá a pedir uma voz
mais grave e pausada, enquanto uma piada poderá solicitar uma variação de
vozes e imitações (no estilo do humorista Tom Cavalcante, por exemplo). Isso
implica que podemos utilizar nossa voz de diferentes modos e para diferentes
finalidades comunicativas (informar, entreter, conversar etc.).
Caso haja interesse em usar som, voz e texto, o melhor início é através
das mídias sonoras. Uma curiosidade: boa parte dos profissionais que traba-
lha em TV (jornalistas, atores, apresentadores etc.) muitas vezes começou
trabalhando em rádio. Muitos dos que fizeram esse percurso costumam dizer
que o rádio é uma “escola” para quem pretende trabalhar na TV.
Para um melhor uso da voz na produção de textos mediáticos (radio-
fônicos, audiovisuais etc.), é importante conhecer alguns de seus aspectos
importantes. Por exemplo, e algo que por vezes é um detalhe desconhecido:
grande parte das falas na esfera sonora (rádio) e audiovisual (TV, cinema etc.)
é lida, não apenas falada de modo espontâneo.
Ou seja: há um roteiro para ser lido, mas que deve ser interpretado como se
fosse apenas “falado espontaneamente”, e não lido ou, como diz o pesquisador
espanhol Emilio Prado, “os textos não são lidos, devem ser ditos” (PRADO, 1989,
p. 20). Essa regra vale tanto para os textos informativos que devem ser lidos quan-
to para os textos ficcionais (dramáticos, cômicos etc.) que devem ser lidos (no
rádio) ou memorizados e dramatizados (no cinema e TV). Ou seja: ambos devem
ser lidos a partir de roteiros prévios, com indicações de quem lê o quê, para faci-
litar o trabalho de leitura de cada pessoa na realização de um projeto radiofônico.
No caso dos textos informativos, a ideia é que o apresentador pareça
estar conversando informalmente com o ouvinte ou telespectador; na prática,
porém, ele estará lendo um texto através de um teleprompter ou de um cartaz
com as letras desenhadas em tamanho bem grande (no caso particular da
TV) ou através de um conjunto de folhas (no caso do rádio).

Figura 15 – Ilustração de uso de um teleprompter

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

No caso da ficção radiofônica, há uma diferença: o texto deve ser, de


fato, interpretado, dramatizado, pelas pessoas. É interessante que os alunos
possam criar seus próprios textos, referentes a questões ligadas ao seu co-
tidiano, ou adaptar textos já conhecidos. Para tal, podem criar personagens
com nomes fictícios e a figura de um narrador que ajudará a conduzir a trama;
com o auxílio de efeitos sonoros (obtidos diretamente através do manuseio de
objetos ou através de arquivos sonoros no computador), é possível criar todo
um universo que ajudará a despertar a imaginação do ouvinte.
Esses recursos são fundamentais no rádio e na TV; isso ocorre porque
os textos escrito e oral apresentam características bem diferentes entre si;
nesse caso, é importante conhecer as diferenças entre ambos. A pesquisa-
dora e filósofa espanhola Maria Victoria Reyzábal (1999, p. 57-8) enumera as
principais diferenças entre a linguagem oral e a linguagem escrita; ressalte-se
que, como o original da autora é de 1993, ainda não havia lugar para as me-
diações por computador. A seguir, o quadro 1 com as diferenças entre lingua-
gem oral e linguagem escrita.
Quadro 1
ORAL ESCRITA
Constituição pelos sons Constituição por grafias
Realização presencial e imediata (exceto quando Realização mediada, sem presença do leitor e sem
mediada por tecnologias como telefone ou rádio) estímulo-resposta imediato
Ocorrência de fatos supostamente graças à situação Necessidade de inclusão do contexto da situação
ou contexto (apontado através do uso de marcadores
dêiticos: “eu”, “aqui”, “agora” etc.)
Uso de elementos verbais próprios (pausas, Uso de elementos verbais, iconográficos (imagens) e
entonações, ritmo, intensidade, duração), gestuais e gráficos (pontuação, margens, sublinhados etc.)
corporais
Ocorrência de uso de repetições, interjeições, Tendência a evitar repetições, interjeições, ex-
exclamações, onomatopeias etc. clamações ou onomatopeias
Possibilidade de rompimento da sintaxe (omissões, Cuidados com o léxico, com uma sintaxe mais
desvios, anacolutos) e de uso de diferentes registros explícita e coerente e o uso de um mesmo registro
da língua (coloquial, gírias, jargões etc.) linguístico ao longo do texto
Uso universal e aprendizagem “espontânea” Uso não universal, aprendizagem “na escola”
Caráter temporal Caráter espacial
Menor precisão ou rigor no uso da fala, do ponto Maior precisão ou rigor no uso da fala, do ponto de
de vista linguístico, por conta do pouco tempo de vista linguístico, por conta do grande tempo de estru-
estruturação do discurso turação do discurso; é passível ainda de correções,
ampliações, acréscimo de esquemas etc.
Fonte: Reyzábal (1999: p. 57-8)

O quadro proposto por Reyzábal deixa mais explícitas as diferenças


entre uma fala coloquial, cotidiana, e uma fala profissional (repórter de TV ou
rádio, apresentador etc.): ainda que ambas as situações sejam orais, a fala

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profissional requer um texto escrito mais estruturado e solicita também uma


interpretação corporal e gestual de quem fala (na verdade, de quem lê). As-
sim, o texto, para ser falado na TV ou no rádio, deve ser também previamente
bem redigido; sua redação deve obedecer tanto a certas características da
oralidade quanto a certas características da escrita.
Desse modo, como redigir um texto para ser lido, seja pela própria pes-
soa ou por outra pessoa? Por ora, iremos nos referir apenas ao âmbito sonoro
(radiofônico), ainda que a maior parte das considerações feitas aqui seja váli-
da para a realização de produtos audiovisuais no que diz respeito à redação e
locução de textos. O importante é ter em mente que há alguém que redige o
texto (um redator) e alguém que irá ler o texto (um locutor), sendo que em al-
guns casos ambas as tarefas podem ser desempenhadas pelo mesmo aluno.
A partir de alguns manuais de redação para jornais radiofônicos (POR-
CHAT, 1986; PRADO, 1989) e televisivos (PATERNOSTRO, 1987; CUNHA,
1990; SQUIRRA, 1990), sintetizamos as principais particularidades desse
tipo de texto, que na verdade é um roteiro. Ainda que as recomendações
sejam direcionadas para a redação de um texto informativo, nada impede
que grande parte delas seja usada em textos ficcionais (em particular, as
recomendações técnicas).

SPOT
TEMPO DIÁLOGO EFEITOS SONOROS
0" Filho - Pai, quando você era criança você tinha ipod? Música Instrumental
Pai - Risadas! Não Filho!
Filho - E computador pai, você tinha!
5"
Pai - Não, meu pai tinha uma máquina de escrever.
Filho - E o que você fazia de bom?
10" Pai - Hoje o mundo mudou muito filho. Eu gostava de
brincar de bola na rua, de pegar manga na árvore,
de jogar futebol de botão (pausa) e de comer o pão
15"
de queijo que minha mãe fazia todo dia no lanche da
tarde.
20" Filho - Que coincidência não é pai?
Pai - Mas que coincidência?
Filho - Eu jogo videogame, brinco no computador, tenho
25" ipod (pausa) mas todo dia no lanche da tarde minha mãe
também faz pão de queijo para eu comer.
30" Pai/Filho - Risadas. Vinheta
Locutor: Pão de queijo Forno de Minas. A gerações
mudam, mas a tradição permanece. Forno de Minas

Figura 16 – Exemplo de roteiro de rádio

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

1) Usar fontes tipográficas com alta legibilidade e grandes. Nunca usar tipos
difíceis de serem lidos ou muito pequenos;
2) Usar frases curtas (períodos longos cansam a quem lê e a quem ouve, e
dificultam a compreensão do que está sendo dito) e palavras também cur-
tas ou mais cotidianas, se possível (mas se deve evitar tanto gírias e termos
formais demais quanto expressões estrangeiras e jargões técnicos);
3) Preferir a redação da frase em ordem direta (sujeito + predicado + comple-
mento). Isso ajuda, por exemplo, a evitar o início de um texto com gerúndio;
4) Escrever o texto em voz alta, durante a sua feitura. Ou seja: escreva à medi-
da que for falando, o que fará o texto soar mais “natural” e permitindo notar
se o texto está longo; se existem expressões difíceis de serem pronuncia-
das (“ele tem algumas exigências”, por exemplo), cacofonias (“o jogador
não marca gol há três jogos”; “o boom da música paraense”) ou aliterações
desagradáveis (“a seleção do Japão jogou um bolão contra o Gabão...”). E
ler de novo em voz alta após concluí-lo para ver se passou alguma sonori-
dade indesejável;
5) Usar espaços (margens) nas laterais e de espaçamentos duplos entre pe-
ríodos completos, para melhor visualizar o texto;
6) Nunca cortar palavras ao fim da linha, nem cortar frases de uma página
para outra (virar a folha interrompe a leitura do período);
7) Numerar as páginas e usar, no fim das mesmas, os termos “continua” (se o
assunto continuar na folha seguinte) ou “fim” (se o tema se encerrar ali);
8) Usar sinais gráficos (vírgulas, pontos, reticências, travessões) para melhor
pontuar a locução e garantir pausas para o locutor;
9) Usar sinal de interrogação no começo do período interrogativo (como na
língua espanhola) para que o locutor saiba previamente que está diante de
uma frase interrogativa: Será que nosso colégio vai ter bom desempenho
nas olimpíadas escolares esse ano?
10) Marcar as palavras e os nomes estrangeiros com um sinal específico (um
asterisco, *, por exemplo) e indicar, na parte de cima da folha, a sua pro-
núncia correta.
Locutor: “Barack” se pronuncia “Baráque”
O presidente norte-americano Barack* Obama...
Locutor: “Renoir”: pronuncia-se “Renuá”
Um quadro do pintor francês Renoir* ...
11) Sublinhar as palavras a serem enfatizadas pelo locutor;
12) Marcar as citações (frases de outras pessoas) com aspas;

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13) Redigir frações, percentuais, algarismos romanos e tempos técnicos, fra-


cionados, por extenso;
“Um terço dos brasileiros...”
“54 por cento da população da Ásia...”
“Machado de Assis escreveu, no século dezenove...”
“O piloto venceu por um minuto, dois segundos e 9 décimos de vantagem...”
14) Evitar ordinais acima do décimo. Substitua por números, alterando a estru-
tura da frase;
15) Dar preferência ao uso de verbos no presente do indicativo ou no futuro
composto, evitando o futuro do indicativo. Ou seja: prefira dizer “o profes-
sor viaja amanhã” ou “o professor vai viajar amanhã”, em vez de “o profes-
sor viajará amanhã”;
16) Evitar, quando possível, o uso de adjetivos valorativos (por outro lado,
quando possível, usar os adjetivos descritivos, já que no rádio não há
imagens) e de advérbios terminados em “mente”;
17) Ter cuidado com palavras e/ou expressões homófonas (com o mesmo
som mas expressando coisas diferentes: “se deu” x “cedeu”, “em comum”
x “incomum”) e que causem dubiedade de sentido;
18) Treinar a locução com um objeto na boca, seguro entre os dentes (lápis ou
caneta na horizontal, o mais profundo possível, com as pontas para fora
da boca) para melhorar a produção dos sons vocais;

Figura 17 – Exercício de dicção com caneta na boca

19) Fazer uma leitura dramatizada de um mesmo texto com diferentes tipos
de interpretação (um discurso oral, uma leitura escolar, uma conversa
familiar etc.).

3.3. O texto para ser lido: a locução


A redação do texto é uma parte do processo; é preciso considerar também
as características de quem vai fazer a locução do texto. Ou seja: há outros

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

aspectos importantes, agora em relação à voz21 do locutor. Segundo Feijó (in 21


Nossa voz nunca é igual
KYRILLOS, COTES & FEIJÓ, 2003, p. 48-56), as principais características à voz que “ouvimos” em
nossa cabeça. Isso ocorre
vocais a serem consideradas são: porque ela “reverbera”
 A frequência, o tom usado para falar, que pode ser: grave (grosso), médio dentro do nosso crânio
ou agudo (fino). Ler uma mesma frase engrossando e afinando a voz pode através dos ossos,
cartilagens e músculos de
ajudar a perceber qual é o melhor tom para cada pessoa. nossa cabeça. As demais
 A intensidade, o volume da voz. O ideal é nunca tentar falar alto, pois cabe pessoas ouvem nossa
ao microfone amplificar a voz humana. voz propagada pelo ar. O
melhor modo de conhecer
 A ressonância, a capacidade de o som vocal estar distribuído harmonica- a própria voz é gravando-a
mente nas estruturas da laringe, boca e nariz, de modo a nem ficar muito num estúdio de som
gutural (“preso na garganta”), nem muito anasalado (“saindo pelo nariz”). profissional, de preferência
com um bom microfone.
 A articulação, de modo a que possamos ouvir os sons de modo claro e
preciso (sem trocar o /b/ pelo /p/ ou o /r/ pelo /l/, como ocorre com o perso-
nagem Cebolinha).
 Finalmente, o ritmo ou velocidade da fala, cuja média oscila entre 130 e
180 palavras por minuto. Uma fala acelerada pode “engolir” sons, enquanto
uma fala pausada demais pode fazer com que o ouvinte ou telespectador
se canse ou fique entediado.
Além disso, os alunos também podem “colorir” a própria voz, ou seja, criar
variações conforme cada situação prevista pelo texto (seja ele escrito ou impro-
visado, caso ocorra). Feijó (in KYRILLOS, COTES & FEIJÓ, 2003, p. 56-61)
também enumera alguns recursos que podem ser utilizados nesse processo:
 A ênfase, obtida através de um reforço da intensidade, de uma articulação
mais precisa e de uma velocidade mais lenta. Ela equivale a uma espécie
de grifo do texto oral. Deslocar a ênfase em uma frase cria percepções
distintas da mesma. Tomemos a seguinte frase, sem nenhuma ênfase:
Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar
Adicionemos agora diferentes ênfases:
Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar
Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar
Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar
Ele é o melhor ator que eu já vi interpretar
Perceba-se que cada uma das frases acima enfatiza um aspecto dife-
rente: a pessoa, a sua qualidade, quem o viu ou ação executada.
 A inflexão, ou seja, a melodia da fala, que pode ser ascendente (como nas
perguntas) ou descendente (na fase final dos períodos). A ascendência vocal
estaria ligada a um sentimento de positividade e alegria, enquanto a descen-
dência pode indicar tanto conclusão de pensamento quanto parece se referir a

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fatos tristes ou sérios. Para evitar a descendência vocal em particular, é preciso


redigir períodos curtos; uma frase muito longa fará o apresentador perder o
fôlego, uma vez que ele não poderá pegar ar para continuar a falar. Ao mesmo
tempo, é preciso evitar que a fala seja sempre ascendente ou sempre des-
cendente; ambos os casos provocam monotonia no ouvinte ou telespectador.
É interessante redigir frases de diferentes tamanhos (caracteres); o ideal é
encontrar um padrão de tamanho de textos (períodos, frases) adequado para
se ler com uma certa naturalidade e sem fazer o locutor perder o fôlego.
 As pausas, silêncios entre as palavras e que são necessários para uma
melhor compreensão do que está sendo dito. Em geral, as pausas vocais
devem obedecer as pausas de sinais de pontuação das frases escritas
(vírgulas, ponto e vírgula, dois pontos). Em outros momentos, uma pausa
maior pode indicar o relevo a ser dado a uma determinada informação.
Vejamos a seguinte frase:
O melhor ator que eu já vi interpretar: ele
Perceba-se que, na frase acima, “ele” tanto recebe uma ênfase quanto
é antecedido de uma pausa (os dois pontos) para dar maior relevo à palavra.
 E, enfim, o ritmo ou velocidade da fala. Se o assunto for algo dinâmico
(matérias sobre esportes, por exemplo), o locutor pode falar um pouco mais
acelerado e com um tom mais agudo; mas se o tema em questão for uma
morte ou uma tragédia, o mais prudente é usar uma velocidade mais lenta
e um tom mais grave.
É importante que os alunos percebam que o casamento entre voz e som
deve ser balanceado. Se a meta é fazer um programa de música para um pú-
blico jovem (portanto, um tipo de música mais acelerado), há a tendência em
fazer uso de uma voz mais acelerada e aguda. Se, por outro lado, há interesse
em fazer uma espécie de noticiário radiofônico, o uso de vozes mais graves e
sons mais “sérios” pode ser o mais adequado. Tudo depende de uma harmonia
entre os ritmos dos sons e músicas, os estilos de voz e os assuntos abordados.

3.4. Os formatos radiofônicos


Assim, também é importante discutir sobre os formatos radiofônicos. A audi-
ção cotidiana de rádio permite aos alunos perceberem diferentes formas de
manifestação do som, da voz e da informação nesse meio. Para iniciar, o mais
prudente é trabalhar com notícias e entrevistas. Vejamos aspectos de cada
um. A notícia é (como vimos anteriormente) uma espécie de informação que,
supõe-se, alguém (no caso, o ouvinte) não conheça.
Para redigir uma notícia, é importante que se responda no texto a um
conjunto de seis perguntas básicas: quem, o quê, onde, quando, como e por

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

quê? A resposta a essas perguntas é chamada, no ambiente jornalístico, de


lide (vindo do inglês, lead), e tende a ser o primeiro parágrafo do texto jornalís-
tico maior, chamado notícia. Imaginemos o seguinte texto noticioso, para fins
de ilustração:
“O ministro da Educação, José da Silva, afirmou ontem, em Brasília, durante
entrevista coletiva, que as verbas para a educação aumentaram 2,3% em 2011.
Segundo ele, isso foi possível por conta de alterações no Orçamento da União”

Nesse texto, temos todas as respostas às perguntas importantes:


PERGUNTA RESPOSTA
quem O ministro da Educação, José da Silva
o quê afirmou que as verbas para a educação aumentaram 2,3% em 2011
quando ontem
onde em Brasília
como durante entrevista coletiva
por quê por conta de alterações no Orçamento da União 22
Programas informativos
de rádio e de TV costumam
ter três etapas de
Duas coisas tornam esse texto noticioso: uma delas é o fato de ele ser uma
realização: a produção
resposta a todas às perguntas que permitem a redação do lide jornalístico; a outra (que envolve a coleta
é o fato de essa informação (pressupõe-se) ser desconhecida por alguém. de informações sobre
entrevistados, assuntos
Outro gênero fundamental no rádio é a entrevista. Ela consiste num diá-
etc.), a captação das
logo entre pelo menos duas pessoas: uma (a entrevistadora), que procura ob- informações (gravação de
ter mais informações sobre um dado assunto, e a outra (a entrevistada), que entrevistas e depoimentos)
pode falar a respeito desse mesmo assunto. Como a entrevista pressupõe e a edição (a montagem
do material obtido,
conversar com um especialista sobre um determinado assunto, é importante
ordenando as partes: fala
que o entrevistador se prepare bem antes, lendo sobre o assunto. Nesse caso, do repórter, fala do primeiro
pode ser útil constituir uma equipe de produção22, que ficará responsável pela entrevistado, fala do
coleta e organização de informações sobre aquele assunto. segundo entrevistado etc.).

A entrevista permite pensarmos em outros gêneros que são dela resultan-


tes, como a mesa-redonda (que reúne várias pessoas para debater um mesmo
assunto) e o debate (onde se reúne pelo menos duas pessoas com opiniões
diferentes ou opostas sobre um mesmo tema para discuti-lo). Além disso, esses
formatos se tornam mais interessantes se o entrevistador fizer perguntas de
23
Spot (termo em inglês,
pronuncia-se “ispóti”) é o
outras pessoas ou se outras pessoas puderem fazer perguntas diretamente aos
nome que se dá à peça
entrevistados, tornando a interação social da entrevista mais dinâmica. publicitária produzida para
É possível ainda buscar trabalhar com os alunos usando outros for- rádio, feita com locução de
uma ou mais pessoas, com
matos radiofônicos, como spots23 educativos (informações educativas sobre
ou sem efeitos sonoros.
saúde, meio ambiente etc.), programas de variedades (que podem misturar Pode se referir a produtos,
textos noticiosos, entrevistas, música etc.), anúncios publicitários educativos informações ou serviços.

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(com uso de jingles e slogans), gincanas (com jogos de perguntas e respos-


tas, adivinhas), pequenos documentários (um trabalho de pesquisa realizado
por alunos para ser transformado num documentário radiofônico) ou progra-
mas de retrospectivas (o que de melhor ocorreu na escola, na cidade ou no
país naquele ano).
É importante adotar algumas práticas. Uma delas é a identificação de
todo e qualquer material gravado. Ao salvar os arquivos sonoros, é útil dar no-
mes que permitam reconhecer facilmente seu conteúdo. Uma entrevista com
um professor da escola sobre os problemas do álcool pode ser nomeada assim:
“entrevista 2 de agosto professora Fulana álcool programa X”
Outra sugestão é criar uma pasta específica para cada programa (se
for o caso), com data diferente, e guardar todos os arquivos referentes àquele
programa nessa mesma pasta. Aqui, organização é fundamental, para não
haver riscos de não encontrar o material desejado.
Outra escolha fundamental: fazer tudo ao vivo ou gravado? Se a escola
for dotada de condições que permitam a realização de um programa ao vivo,
é preciso ainda considerar se os alunos estão “preparados” para tal atividade.
O mais aconselhável é iniciar essas atividades gravando, pois sempre há,
nesse caso, a possibilidade de edição e/ou correção do material, assim como
é possível gravar novamente, se houver tempo disponível. Muitos outros as-
pectos sobre o uso do rádio na escola podem ser muito bem aprofundados
em Consani (2010).
Em suma: a possibilidade de trabalhar sonoramente com os alunos per-
mite uma rica interação entre eles, um forte espírito colaborativo e o trabalho
mais adequado a cada personalidade ou tipo de aluno. Assim, um aluno mais
desinibido pode ficar responsável pela locução; outro, que apresente maior faci-
lidade em Língua Portuguesa, pode revisar os textos dos roteiros; outro, que te-
nha noções de música, pode compor músicas, jingles ou vinhetas, e assim por
diante. Por outro lado, o professor também pode estimular os alunos a “trocarem
os seus papéis”. Finalmente, é sempre interessante uma avaliação crítica coleti-
va, posterior, dos processos executados e dos trabalhos desenvolvidos.

4. A imagem
Aqui, vamos abordar a imagem fotográfica e mostrar seus princípios óticos, os
quais podem ser aprendidos ludicamente pelos alunos.
O uso do termo “imagem” é complexo na contemporaneidade. Isso ocor-
re porque ele aponta para significados ora distintos (“imagem de uma empresa”,
“imagem de uma pessoa”), ora paralelos (“um quadro é uma imagem”, “quadrinhos
são imagens”), ora pertencentes a campos distintos (“um raio X é uma imagem”,

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

“o ultrassom produz imagens em movimento”, “o microscópio mostra a imagem


de uma cadeia de DNA”). Em suma: por significar muitas vezes diferentes objetos
e práticas sociais, o termo “imagem” acaba não tendo um contorno preciso.
Dentro da proposta que estamos trabalhando aqui, não vamos trabalhar
com todas as acepções possíveis do termo “imagem”. Aqui, iremos restringir
a imagem a seus potenciais usos técnicos na esfera mediática: a fotografia
e o vídeo. Neste tópico em particular, iremos nos deter apenas na fotografia;
quanto ao vídeo, este será abordado na relação entre imagem, texto e som.

4.1. A imagem fotográfica


A relação do ser humano com a fotografia mudou definitivamente com o ad-
vento da digitalização das imagens fotográficas. Antes, havia todo um mistério
que cercava o manuseio da máquina fotográfica, a revelação do filme foto-
gráfico e a ânsia de saber se a fotografia havia ficado boa ou não; agora, seja
em máquinas fotográficas digitais, celulares, smartphones ou tablets, realizar
fotografias se tornou algo até verdadeiramente cotidiano. Não seria exagero
dizer que nunca foram feitas tantas fotografias quanto nos dias de hoje, e sua
proeminência nas mídias digitais sociais é um bom exemplo disso.
Além disso, a imagem fotográfica perdeu grande parte de seu caráter “mí-
tico”, tecnicamente falando. Em outros termos: a fotografia analógica, revelada a
partir do seu negativo, tinha uma aura testemunhal, uma vez que ela era resul-
tado exclusivo de um processo físico (a luz que ilumina os objetos fotografados
era captada pelo filme fotográfico). Com isso, o que víamos na fotografia verda-
deiramente “havia ocorrido” diante do fotógrafo e do seu equipamento; porém,
isso não significa que não existissem trucagens nesse tempo.
A fotografia digital ainda tem seu caráter documental, uma vez que toda
máquina fotográfica digital salva as imagens no formato “raw” (“raw”, em por-
tuguês, significa “cru”) em sua memória; assim, o formato “raw” seria o equiva-
lente eletrônico do antigo negativo. Quando a imagem fotográfica é transferida
para um computador, a tendência é ela ser manuseada, seja em seus aspec-
tos visuais (brilho, contraste) ou em seus conteúdos (distorções, eliminações
ou inserções de objetos na imagem etc.).
Ou seja: nem o advento da tecnologia digital seria suficiente para modifi-
car o sentido original da palavra “fotografia”: “foto” vem do grego, fós, e significa
“luz”; “grafia” também vem do grego, graphis, e significa, dentre outras coisas,
“escrita” ou “estilo”. Assim, “fotografia” significa “escrita com a luz”. Com isso,
percebe-se que a existência de uma fonte de luz (natural, como o Sol, ou ar-
tificial, como lâmpadas ou o flash) é fundamental para que a fotografia exista.

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A imagem fotográfica, obviamente, também é algo comum entre crianças


e adolescentes. Por isso o trabalho com fotografias na escola é algo que pode
ser extremamente prazeroso mas, nem por isso, devem ser deixados de lado
os aspectos éticos e pedagógicos dessa prática. Além disso, e por mais para-
doxal que possa parecer, alguns jovens têm demonstrado interesse em uma
prática fotográfica que obedece ao antigo princípio ótico da máquina fotográfi-
24
Camera obscura é ca analógica e do filme fotográfico, chamado de camera escura24: é o pinhole
o nome dado a um (pronuncia-se “pim rôu” e sua tradução significa “buraco de agulha”). Assim, é
experimento realizado
possível começar a trabalhar com imagens fotográficas na escola por duas vias:
por Leonardo da Vinci
no século XV, em suas o pinhole, artesanal, e a imagem digital. Como material, será necessário:
pesquisas para facilitar Pinhole
a prática do desenho e
 Papel fotográfico P & B (preto e branco);
da pintura. Ele percebeu
que a luz, ao passar  Latas ou caixas vazias (de vários tamanhos, se possível);
através de um pequeno
 Papel cartão preto ou tinta preta fosca;
orifício para dentro de um
quarto totalmente escuro,  Papel alumínio ou pedaço de lata de refrigerante (no caso do uso de uma
projetava a imagem do lata). Neste caso, acrescente fita adesiva;
que estava em frente
ao orifício, só que de  Material para cortar a caixa ou lata (tesoura, estilete etc.);
maneira invertida. Esses  Agulha.
princípios óticos já eram
discutidos pelo filósofo Imagem digital
grego Aristóteles e pelo  Máquinas fotográficas digitais, com saída USB ou cartão de memória;
matemático árabe Alhazen
no século XI na obra Kitäb  Computador, com entrada USB ou de cartão de memória e software de
al-manäzir. edição de imagens (Photoshop, Illustrator, GIMP);
 Tripés fotográficos, monopés ou mini-tripés (opcional, mas bastante útil se
alguma atividade pedagógica envolver a feitura de autorretratos fotográ-
ficos ou for necessário estabilidade total da máquina fotográfica. Aqui, a
consulta a um especialista será extremamente útil). Caso haja essa opção,
recomenda-se incluir um cabo disparador;
 Impressora (opcional, caso queiram imprimir as fotografias);
 Papel fotográfico para impressão (opcional, caso queiram imprimir as foto-
grafias em papel de qualidade e durabilidade).

4.2. A informação na fotografia


Antes de qualquer coisa, vale ressaltar: a imagem fotográfica (assim como
qualquer imagem) não cria sentido por si só. Em geral, as fotografias apa-
recem acompanhadas de legendas (jornais, revistas, sites), títulos (galerias,
museus) e, no limite, até de sons (em 1962, o cineasta francês Chris Marker
fez um “filme” chamado La Jetée, apenas com imagens fotográficas em preto
e branco e sonorização, através de vozes, música e efeitos sonoros).

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

O que queremos dizer com isso? Que existe uma relação entre imagem
e verbo; como já dissemos anteriormente, se temos diante de nós a imagem
de algo que não conhecemos, “buscamos” um nome para aquilo; por outro
lado, se nos apresentam uma palavra cujo significado concreto nos é desco-
nhecido, uma imagem nos ajudará a saber do que se trata. Em suma: palavras
e imagens tendem a trabalhar juntas.
Tomemos como exemplo o livro do fotógrafo brasileiro Sebastião Salga-
do intitulado Trabalhadores (1997): por mais que as fotografias ali presentes
possam nos remeter a outras noções, elas estarão “etiquetadas” como “fotos
de trabalhadores”. Se o nome do livro hipoteticamente fosse Pessoas, nossa
percepção seria parcialmente modificada, e deixaríamos de ver “trabalhado-
res” nas imagens para pensarmos em “pessoas”. Isso não significa que os
nomes delimitam nossa leitura das imagens; apenas significa que quem as
produziu queria que as interpretássemos a partir do nome que ele sugeriu. Ou
seja: não podemos confundir a sugestão do autor com a interpretação do leitor.
Outro aspecto importante da fotografia (e das imagens em geral) diz
respeito não apenas àquilo que vemos nela, mas também àquilo que não ve-
mos, ou melhor: àquilo que não está presente na fotografia. Essa operação
bastante simples, chamada de “enquadramento”, estabelece um duplo movi-
mento: seleciona tanto aquilo que quer mostrar quanto seleciona aquilo que
não quer mostrar. Essa prática é bastante comum também nas redações de
jornais e revistas, quando o espaço dedicado a uma imagem é menor do que
a fotografia original; a esse processo, nas redações, se costuma chamar de
edição fotográfica (ilustrar/exemplificar).
Ao realizar esse processo seletivo, vamos construindo também uma
memória; só que essa memória tende a se constituir apenas daquilo que foi
“materializado” em imagens. Quando montamos um álbum fotográfico de nos-
sa família, tendemos a fazer isso: selecionamos as melhores fotos (conforme
critérios individuais) e deixamos outras de lado por uma série de motivos (qua-
lidade fotográfica, mau enquadramento, foto tremida etc.). E, muitas vezes, no
limite e no melhor estilo “novelesco”, sempre há alguém que rasga ao meio
uma foto de um casal que já não está mais junto...
Essa memória se estende para além de nossas próprias vidas. Muitos
de nós sabemos, por exemplo, que a guerra do Vietnã existiu, entre 1959 e
1975; porém, a maior parte de nós tende a se lembrar apenas da fotografia in-
titulada The Execution, feita pelo fotógrafo Eddie Adams (da Associated Press)
em 1968, e que mostra um homem apontando um revólver para a cabeça
de outro homem (além da imagem da garotinha nua correndo pelas ruas na
direção do fotógrafo). Ou seja: a memória da guerra do Vietnã se resume, para
muitos, apenas àquela fotografia.

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92 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Mas fiquemos ainda nessa fotografia. Como dissemos anteriormente, a


imagem fotográfica (fixa) tem um poder reduzido: ela nos mostra apenas o quê
acontece (uma execução) e como acontece (um homem atira na cabeça de
outro). Porém, ela não nos mostra o porquê isso acontece. Em depoimento, o
fotógrafo Eddie Adams explica posteriormente que, na verdade, o “assassino”
era um chefe de polícia de Saigon, general Nguyen Ngoc Loan, enquanto a
vítima era comandante de um grupo de extermínio vietcongue, que havia aca-
bado de matar, com os seus comandados, mais de 30 pessoas, entre oficiais
e civis, mulheres e crianças. Entre as vítimas, estava um dos comandantes de
Loan e toda a sua família (esposa e seis filhos). Em entrevista para a revista
norte-americana Time em 1998, o próprio Adams disse:

O general matou o vietcongue; eu matei o general com a minha câme-


ra. As fotografias, silenciosas e profundas, são a arma mais poderosa
do mundo. As pessoas acreditam nelas; mas fotografias mentem, mes-
mo sem manipulação. Elas são meias-verdades. O que a fotografia não
diz é: “o que você faria se você estivesse no lugar do general, naquele
tempo e lugar de um dia quente, e pegasse um ‘bad guy’ depois que ele
exterminou um, dois ou três soldados americanos?.

Ou seja: de algum modo, a fotografia “nos enganou”. Por isso, muitas ve-
zes, uma imagem necessita de um texto: para tirar a sua ambiguidade (como
já havia sugerido Barthes).
Por outro lado, a fotografia traz consigo um forte potencial representa-
tivo, sendo que o verbo “representar” aqui deve ser entendido no sentido de
“tornar presente de novo”. É graças à fotografia que podemos, por exemplo,
saber como são visualmente o quadro da Mona Lisa (ainda que seja diferente
ver a foto e ter o quadro diante de si), as pirâmides do Egito, o rosto de Mahat-
ma Gandhi e muitas outras pessoas, lugares e objetos aos quais dificilmente
teremos acesso direto e presencial.
Finalmente, cumpre lembrar as diversas finalidades que a fotografia
apresenta em nossa sociedade. O pesquisador brasileiro Isaac Antonio Ca-
margo (1999, p. 17-29) enumera algumas funções da imagem; vamos aqui
citar apenas aquelas diretamente ligadas à fotografia:
 Representativa. Sua finalidade é reproduzir algo que exista ou, se for um
desenho, que tenha possibilidade de existir. No caso da fotografia, sua prin-
cipal virtude é de ser figurativa, ou seja, de conseguir reproduzir boa parte
dos traços visuais de algo concreto. A imagem figurativa se opõe à imagem
abstrata, que busca não representar nada concreto.
 Informativa. Uma imagem é informativa quando ela consegue reproduzir
ou projetar vários dados e informações sobre aquilo que ela mostra. Uma
fotografia colorida, por exemplo, pode visualizar melhor a gama de cores de

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

um ambiente do que um desenho feito à mão. Além disso, a fotografia pode 25


Com o advento da
mostrar informações sobre si própria e suas condições de produção: se é imagem digital, o credo
da autenticidade e da
colorida ou em preto e branco, se foi feita em alta ou baixa resolução etc. verdade fotográficas fica
 Simbólica. Segundo Camargo (1999, p. 23), uma imagem25 é simbólica relativamente alterado, uma
“quando representa os anseios, crenças e intuições de um grupo social e, vez que é possível criar
em computadores imagens
desta forma, dá-lhe sentido”. Ou seja: quando, além de aspectos materiais de coisas e pessoas que
e visuais, a imagem também carrega potenciais referências ideológicas e/ nunca existiram com um
ou culturais. Assim, uma cruz pode ter sentidos simbólicos distintos para alto grau de “realismo
os cristãos e para não cristãos; o rosto de Che Guevara pode simbolizar fotográfico”.
juventude, luta, militância, esperança, inconformismo e uma série de outras
possibilidades, conforme o olhar que se tem. Já dizia Umberto Eco que
uma foto que mostra um negro e uma branca nus e se beijando poderia ser
interpretada por um hippie californiano como “a promessa de uma nova co-
munidade”; ou interpretada, por um integrante da Ku Klux Klan, como uma
ameaça de violência carnal (ECO, 1993, p. 171).
 Documental. São imagens26 consideradas socialmente com alto grau de ve- 26
As imagens (sejam
ridicção, ou seja, que aquilo que elas mostram de fato ocorreu, foi verdadeiro, elas fotográficas ou
desenhadas) podem
ocorreu (mesmo porque as imagens fotográficas sempre remetem ao passa-
ser usadas também de
do, nunca ao presente). Além disso, elas devem possibilitar o resgate de mais modo sequenciado, para
informações e dados a respeito do que está na fotografia. Aqui se inserem fotos construir narrativas (como
de acidentes, guerras, casamentos, aniversários, animais, pessoas; ninguém nas fotonovelas e nas
histórias em quadrinhos)
duvida de sua existência, se a foto for considerada autêntica e verdadeira.
ou visualizar processos
 Expressiva. Quando a fotografia tem uma finalidade majoritariamente es- (como as imagens usadas
tética, para não dizer poética. Ela não tem necessariamente função infor- em manuais de instruções
e em livros que ensinam
mativa ou documental. Imagens da natureza (por do sol, chuva, pássaros)
a realizar coisas no estilo
e imagens em preto e branco tendem a ser percebidas como fortemente passo a passo).
expressivas por terem um caráter estético e/ou poético, ainda que esse
aspecto seja muitas vezes cultural.
 Pedagógica. Sua principal característica é auxiliar na instrução e orienta-
ção a respeito de algo ou de alguma ação. Se, ao final do contato com a
imagem fotográfica, o indivíduo aprendeu algo, então ela terá cumprido sua
finalidade pedagógica.
A pesquisadora brasileira Cristina Costa (2005, p. 82-84) lembra outras
finalidades da imagem fotográfica, do ponto de vista pedagógico:
 Apresentação de um tema. Por exemplo, quando se apresenta a foto de algo
que a maioria dos colegas nunca viu e se solicita algum tipo de questionamen-
to a respeito dela, após um tempo necessário para ler e refletir sobre a mesma;
 Ilustração de um tema. Quando as ideias introdutórias de um assunto já
foram apresentadas e as imagens auxiliam na visualização de aspectos
particulares daquilo que é apresentado e retratado;

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 Exercício de fixação. Após a apresentação de um conteúdo por completo,


o uso de fotografias pode auxiliar na fixação de detalhes e aspectos parti-
culares do assunto em questão;
 Pesquisa. Pode se dar de duas formas: a) com os alunos procurando ima-
gens fotográficas sobre um dado assunto já prontas, em álbuns de família,
jornais, revistas ou sites, ou b) com os alunos realizando eles próprios suas
fotografias. O segundo caso, em particular, nos permite dar conta dos mo-
dos como cada aluno percebe a sua realidade à sua volta.

4.3. A fotografia em sala de aula


Como já dissemos, é cada vez mais comum a prática fotográfica em nosso
cotidiano. Apenas esse fato já seria suficiente para pensar em introduzir a
fotografia como objeto de produção de conhecimento em sala de aula. Mas
vamos nos deter aqui nos seus aspectos lúdico-pedagógicos.
Antes de tudo, é importante decidir qual a melhor técnica para trabalhar
com os alunos: pinhole ou máquina digital. Se a proposta for pelo uso da téc-
nica pinhole, estimular os alunos a obterem o material para “fabricarem suas
próprias máquinas” posteriormente pode se tornar uma tarefa muito interes-
sante (mas será preciso um laboratório para revelar as fotos); se a proposta for
realizar fotografias com equipamento digital, haverá uma razoável economia
de tempo na obtenção das imagens.
De nossa parte, cremos ser interessante que os alunos possam realizar
ambas as experiências, para melhor compreender tanto o processo fotográ-
fico tradicional quanto as diferenças imbricadas nos processos analógico e
digital da realização fotográfica.
Além disso, é interessante ensinar aos alunos o processo ótico da pro-
dução da imagem fotográfica. Uma técnica bastante eficaz e colaborativa é
incentivá-los a construírem eles mesmos uma câmera escura. Para tal, serão
necessários os seguintes equipamentos:
 Uma caixa de papelão (de preferência, maior do que uma cabeça humana);
 Tesoura;
 Cola;
 Fita adesiva;
 Papel vegetal (suficiente para cobrir um dos lados da caixa);
 Papel cartão preto (quantidade suficiente para cobrir os demais lados da
caixa, com exceção daquele onde ficará o papel vegetal);
 Lona plástica preta grossa.
Para construir a câmera escura, os alunos deverão

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

a) Pegar a caixa;
b) Colar o papel cartão preto por dentro da caixa, em todos os lados, e depois
vedá-la completamente por fora, de modo a que não fique nenhuma possí-
vel entrada de luz;
c) Cortar um dos lados da caixa (o que vai ser coberto pelo papel vegetal) fa-
zendo uma espécie de buraco retangular (de tamanho menor do que o do
papel vegetal). Depois, cole o papel vegetal bem esticado nesse lado aberto;
d) Recortar um pedaço da lona que permita cobrir boa parte da caixa;
e) Fazer um pequeno orifício, com uma caneta, lápis ou outro objeto pontiagu-
do, no lado da caixa que seja oposto ao lado com o papel vegetal; e
f) Finalmente, colocar a cabeça embaixo da lona e visualizar as imagens pro-
jetadas através do orifício no papel vegetal.

Figura 18 – Esquema ilustrativo de construção de uma câmera escura


Assim, os alunos poderão visualizar melhor o processo ótico da forma-
ção da imagem, a sua relação com a luz e com a ótica. Uma vez executada tal
atividade, os alunos podem passar à técnica do pinhole; ela é bastante similar
à câmera escura, com algumas poucas diferenças:
 No lugar de uma caixa de papelão, pode se usar uma lata (como dissemos
no início);
 É preciso papel fotográfico, para fixar as imagens obtidas;
27
Existem artistas
que fazem pequenos
 É preciso uma agulha, ou algo perfurante, para abrir um orifício. equipamentos de pinhole
Fazer uma “máquina fotográfica” com a técnica do pinhole27 exige ape- para fazerem fotos
experimentais. O fotógrafo
nas um pouco mais de cuidado. Eis os passos:
britânico Justin Quinnel, por
a) Pegar uma lata ou caixa (papelão, madeira) e pintar o seu interior e o lado exemplo, faz fotos coloridas
de dentro da tampa com tinta preta fosca. de pinhole com pequenas
câmeras dentro da boca.
b) Fazer um furo bem pequeno na lateral da lata ou caixa Assim, ele fotografa os seus
c) Colocar em volta do furo uma marcação com papel e, na frente do furo, próprios dentes e também o
que estiver à frentee de sua
um pedaço de papel cartão preto, colado na lateral com uma porta, e que
boca aberta. Seu trabalho
possa ser “aberto” para deixar a luz entrar pelo orifício; está disponível no site http://
d) Colocar dentro um pedaço de papel fotográfico, sensível à luz, do lado www.pinholephotography.
org
oposto ao buraco;

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28
Para revelar a fotografia e) Colocar a lata em frente ao objeto que se deseja fotografar, abrir por alguns
feita através da técnica segundos o orifício para deixar a luz passar por ele, e depois fechar. A lata
de pinhole, é preciso um
laboratório de verdade,
e o modelo a ser fotografado devem ficar parados;
sem entrada de luz (apenas f) Revelar28 o papel fotográfico dentro de um laboratório.
luz vermelha) e com
químicos para revelação.
Alguns fotógrafos fazem
a revelação com outros
produtos (vitamina C, café
etc.).

29
Para ter certeza de
que sua pinhole está
funcionando direito, ou
seja, que não está entrando
luz por nenhum orifício, Figura 19 – Esquema ilustrativo da máquina com pinhole
faça um teste simples.
É importante advertir aos alunos que a imagem gerada através da técnica
Coloque uma folha de
papel fotográfico dentro do pinhole29 não permite o controle de uma série de elementos (iluminação, entra-
da pinhole, leve-a para da da luz, enquadramento do objeto etc.), além de gerar uma imagem em preto e
um lugar com bastante branco (pois o papel é P & B). Ao mesmo tempo, há a tendência a um “encanta-
sol, deixe-a por uns três
mento”, por parte dos alunos, ao vislumbrarem a imagem aparecendo no papel fo-
minutos e revele logo
depois o papel fotográfico. tográfico. A partir do domínio dessa técnica, é possível fazer novos experimentos.
Se ele estiver diferente, Finalmente, se a escolha recai sobre o uso de máquinas fotográficas
com alguma mancha, é
digitais, é preciso instrumentalizar o aluno a fim de que ele possa saber como
porque a luz está passando
por alguma fresta; se não usá-la (caso nunca tenha manejado uma). Além disso, é importante ensiná-los
tiver nada, a pinhole está a utilizarem os diversos recursos que a máquina apresenta (fotografar em co-
pronta para uso. res, em preto e branco, com tons de sépia ou com filtros, usar ou não o flash e
quando, usar o zoom, saber escolher entre as pré-configurações da máquina
etc.) e explicar como evitar eventuais enganos (apagar uma foto sem querer,
estourar o flash, esquecer de fazer o foco correto etc.). Além disso, sempre
é possível fazer correções e ajustes da fotografia num software de edição de
30
Caso se opte pelo uso
imagens; a esse processo, chama-se tratamento de imagem.
de máquinas fotográficas
digitais, a sugestão é Aliás, a possibilidade de tratamento da imagem fotográfica30 possibilita uma
que todas elas sejam de outra discussão em sala de aula: é ético alterar imagens? Até que ponto? Corrigir
propriedade da escola, de
contraste e brilhos são corretos? E eliminar pessoas ou objetos de uma imagem?
um mesmo fabricante e
de uma mesma série, se A discussão ética sobre a informação na imagem fotográfica pode render uma
possível, para facilitar o excelente discussão em sala de aula, e pode ser aprofundada se a escola tiver
aprendizado dos recursos interesse em realizar um jornal com e para os alunos (como veremos adiante).
da mesma. Nem todas
as máquinas apresentam
os mesmos recursos 4.4. Os conceitos da linguagem fotográfica
e, quando apresentam,
eles podem variar de um Antes de começar, é fundamental que os alunos conheçam alguns conceitos
fabricante para outro. importantes da linguagem fotográfica. Um dos mais importantes diz respeito

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à iluminação: afinal, é a partir dela que teremos objetos e sombras na imagem


fotográfica. Um bom exercício para fazer com uma máquina digital é solicitar
aos alunos para fotografarem um mesmo local ou objeto em diferentes mo-
mentos do dia (amanhecer, meio da manhã, meio-dia, meio da tarde e entar-
decer) para que eles mesmos possam perceber os diferentes efeitos gerados
pelas diferentes intensidades luminosas que ocorrem ao longo do dia e os
diferentes sombreamentos daí decorrentes.
Para o exercício ter mais efeito, é importante que os alunos façam as
fotografias usando sempre a mesma configuração da máquina (e, se os alu-
nos puderem evitar a função “automático”, melhor ainda). Outra boa dica se
os alunos quiserem testar as diferentes configurações da máquina fotográfica:
carregar consigo uma caderneta para eles anotarem as diferentes configura-
ções usadas na máquina, a fim de compará-las com as fotografias obtidas.
O segundo momento importante é relativo à sua composição visual, ou
seja, aos modos de distribuição dos elementos dentro do espaço programado
na fotografia. Existem dois tipos básicos de composição: a simétrica, na qual o
espaço é dividido em duas partes iguais em seu eixo vertical, e a assimétrica,
na qual o espaço é dividido em no mínimo duas partes desiguais.
A composição simétrica é mais fácil de ser obtida pelos fotógrafos ini-
ciantes e, às vezes por isso mesmo, tende a ter menos dinamismo visual, por
ser mais previsível; já a composição assimétrica é mais difícil de ser obtida pe-
los iniciantes mas, ao mesmo tempo, uma vez conseguida, tende a emprestar
maior dinamismo visual às fotografias (ilustrar).
Para se obter a composição assimétrica, existem algumas regras sim-
ples, as quais são na verdade uma herança das Artes Plásticas. Uma dessas
regras é o formato que obedece ao princípio de Vitrúvio: o retângulo áureo, ho-
rizontal ou vertical, na proporção de 2 para 3, ou seja, 2 : 3; tanto que a medida
tradicional de fotografias é 10 x 15 cm. Perceba-se que o retângulo áureo tem
início num quadrado.

Figura 20 – Retângulo áureo

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A partir do retângulo áureo, alguns fazem uma composição baseada na


sua constante subdivisão, tendo em vista a manutenção da proporção entre
as partes. É comum que vários ilustradores, desenhistas, pintores e fotógrafos
façam a distribuição dos elementos da fotografia se orientando por essa dis-
posição espacial.
Outra herança é a regra dos terços, na qual o espaço áureo retangular
é dividido ou em 9 partes iguais (3 x 3 partes). Há também uma variante des-
sa regra, na qual as divisões são desiguais. Em ambos os casos, porém, o
fundamento se mantém: as linhas servem de referência visual para “dividir” o
espaço a ser fotografado, facilitando a disposição dos elementos. O seu uso é
tão natural nas fotografias que alguns modelos de máquina fotográfica digital
trazem essas linhas que servem como guias visuais para o fotógrafo iniciante.

Figura 21 – Dois exemplos de regras dos terços

A composição assimétrica ajuda a evitar uma outra tendência visual-


mente equivocada: o enquadramento tendo como parâmetro o centro óptico
do retângulo. Vamos explicar melhor: quando se quer fotografar apenas um
elemento ou se quer que haja a predominância visual de um elemento, há
uma tendência natural a que esse elemento seja colocado exatamente no
meio da composição, ou seja, no ponto de encontro dos eixos centrais do
retângulo. Ou seja, tendendo a uma composição simétrica.
O problema é que o resultado dessa composição “central” demais provo-
ca uma espécie de “peso visual”, fazendo com que o elemento nessa posição
pareça mais “pesado”, como se estivesse sendo puxado (visualmente) para bai-
xo. Para resolver isso, basta colocar esse elemento um pouco acima do centro
geométrico; esse local é denominado centro óptico. Assim, é possível obter uma
composição simétrica que não pareça tão previsível e que fique agradável.
Uma dica para não esquecer: basta pensar no rosto humano (que é
simétrico em seu eixo vertical) e ter em mente que o nariz é o centro geomé-
trico, enquanto os olhos são o centro óptico.

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Figura 22 – Centro óptico (5) e centro geométrico (6)

4.5. Os objetos da fotografia


O que fotografar? Essa talvez não seja a pergunta mais adequada, e sim:
como fotografar? É óbvio que a escolha de quem ou do quê vai ser fotogra-
fado é importante, mas não é suficiente. Tomemos como exemplo as fotos
3 x 4 das carteiras de identidade: como todas se assemelham (pois devem
obedecer a um padrão visual), a questão se restringe apenas a quem vai ser
fotografado e não como. Na prática, porém, dificilmente iremos querer fotogra-
far uma pessoa querida do mesmo modo de uma foto 3 x 4. Essa diferença
tem a ver com a maneira como selecionamos, enquadramos, iluminamos e
compomos a fotografia.
Uma tendência natural é querermos fotografar pessoas. Neste caso,
dê atenção particular aos olhos, se sua intenção for fotografar rostos: é nos
olhos que a nossa atenção recai inicialmente. Assim, se precisar fazer o foco
ao fotografar alguém, faça-o tendo como referência os olhos da pessoa. Se a
intenção, porém, é fotografar alguém de corpo inteiro, o foco deve recair sobre
o rosto; e se a intenção for fotografar um ambiente no qual haja pessoas (e
você queira destacar elas), o foco deve recair sobre elas.
Mas há outros aspectos importantes na hora de fotografar pessoas: afinal,
nem sempre elas estarão olhando para a câmera. Uma sugestão é fotografá-
-las quando elas estiverem olhando para algum lado. Sempre é bom atentar
também, além dos olhares, para os gestos de uma pessoa; eles podem ser en-
fáticos ou simbolizar alguma emoção ou particularidade da pessoa fotografada.
A presença de uma pessoa numa fotografia sempre chama a atenção;
assim, é interessante evitar, quando possível, imagens sem ninguém. A pre-
sença de alguém na foto ajuda a dar ao leitor uma referência de tamanho e

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espaço do ambiente. Por outro lado, se a ideia é justamente reforçar a noção


de vazio de um dado ambiente, dê preferência a fotografar locais e objetos
onde naturalmente deveria ter alguém (cadeiras, sofás, bancos de praça, por-
tas abertas etc.).
Como já dissemos, a imagem não tem poder denominativo; por isso, é
comum que a imprensa faça uso das legendas. Sua função é denominar os
seres e objetos presentes numa fotografia. Por ora, é importante lembrar aos
alunos que, ao revelarem ou imprimirem uma fotografia ou salvá-la no compu-
tador, sempre é preciso colocar as informações que a imagem não consegue
transmitir, por serem estritamente verbais:
 O nome das pessoas, objetos e lugares fotografados;
 A data completa e local em que as fotos foram feitas;
 O nome de quem fez as fotografias (também chamado nas redações de
jornal de crédito fotográfico).
Se as fotos forem reveladas, esses dados devem ser colocados no ver-
so delas; se forem impressas, devem acompanhar a imagem à margem dela;
e se forem salvas no computador, é interessante que seja numa pasta espe-
cífica, se possível nomeada com alguma informação que auxilie numa busca
posterior (data, lugar, pessoas etc.).
Isso deve ser feito por vários motivos: um deles é que ninguém é obri-
gado a conhecer as pessoas que estão numa foto, tampouco a data e o local
onde foram feitas, bem como quem fez a foto (que apenas raríssimas vezes
aparece na foto, por mais óbvio que pareça tal afirmação). Outro motivo: a
tendência a esquecermos essas informações se nós formos confiar apenas
e exclusivamente na nossa memória. Finalmente, essas informações são
úteis para guardar as fotos e depois recuperá-las se for preciso usá-las em
um outro momento.

5. Imagem, som e texto


A linguagem audiovisual pode fazer a síntese da imagem, dos sons e do
texto verbal.
A linguagem audiovisual sofre de um paradoxo em nossa sociedade:
por um lado, é idolatrada (TV, cinema, Internet); por outro, muitas vezes é ta-
chada de “superficialidade”, uma vez que ela não teria a profundidade do texto
verbal. Muitas vezes, confunde-se a linguagem audiovisual com seus supor-
tes, o que faz com que o cinema seja visto como “sétima arte” e a televisão
como “algo menor”. Uma boa discussão sobre esse “modo” de perceber a TV
é desenvolvida em Machado (2003. p. 9-66).

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Nosso interesse, aqui, é na linguagem audiovisual, ou seja, no encontro 31


Caso o professor queira
entre texto verbal (escrito e/ou oral), imagem (fixa ou em movimento) e som fazer uso de histórias
ficcionais encenadas pelos
(fala, música, ruídos). O material de que a escola necessitará é: alunos, uma boa opção
 Equipamento de filmagem (filmadoras digitais); é fazer uso de materiais
usados e/ou quebrados
 Equipamento de captação de som (microfones de lapela, multidirecionais etc.); como objetos cênicos.
 Computadores com: placa de vídeo; softwares de edição audiovisual; entra- Assim, computadores,
das e saídas USB; HD com bastante capacidade; e bastante memória RAM; telefones, aparelhos de TV
e outros objetos quebrados
 Estúdio para filmagens (opcional, mas interessante, pois o mesmo pode ou sem uso podem ser
ser dotado de objetos cênicos31 sem uso no cotidiano escolar); utilizados como “recursos
cênicos” sem gasto
 Sala de exibição com equipamento para amplificação do som (opcional,
nenhum. Esses objetos
mas importante, caso se queira projetar material audiovisual para os alu- tanto podem ser dos alunos
nos, a fim de suscitar debates e/ou análises). quanto da própria escola.

5.1. A produção audiovisual: formatos, gêneros e aspectos gerais


De início, é preciso definir o que é que os alunos querem produzir audiovisu-
almente. Há vários tipos de formatos e gêneros audiovisuais que podem servir
de parâmetro: pode ser um programa informativo, um pequeno telenoticiário,
um videoclipe, a encenação de um conto ou um minidocumentário. É impor-
tante que os alunos tenham assistido a alguns produtos audiovisuais para te-
rem uma melhor noção daquilo que pretendem e o porquê da escolha daquele
formato e/ou gênero.
Uma boa introdução a essa discussão (gêneros e formatos televisivos, por
exemplo) está presente em Machado (2003, p. 67-123; 173-96) e em Aronchi de
Souza (2004). Mas, no final das contas, as finalidades básicas do material audio-
visual tendem a ser duas: informar e entreter. Ressalte-se que essas característi-
cas podem caminhar juntas, não precisam ser incompatíveis entre si.
É também interessante fazer os alunos perceberem como são construí-
das as diferentes relações entre texto verbal e imagem nos produtos audiovisu-
ais. Quando a ênfase é a informação, a imagem tende a cumprir função des-
critiva (de pessoas, ambientes, acontecimentos), enquanto o texto verbal (oral
e/ou escrito) cumpre funções denominativas (identifica pessoas, locais, datas,
motivos etc.). Já no caso de um produto audiovisual ficcional, a ênfase verbal
é nos diálogos, enquanto as imagens mostram ações. A leitura comparativa de
pequenos fragmentos audiovisuais (noticíarios, novelas, filmes, game shows,
desenhos animados etc.) em sala de aula auxilia nesse tipo de percepção.
Além disso, é importante que os alunos percebam a importância crucial
de outros elementos da linguagem audiovisual, como o uso (ou não) de cores,
o papel da iluminação e das sombras etc. Neste caso, uma boa sugestão para
o educador é a leitura de Block (2010). Finalmente, é importante fazer com

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102 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

que os alunos prestem igual atenção ao uso do som (em particular, músicas,
vinhetas, efeitos sonoros). O pesquisador francês Michel Chion (1990), por
exemplo, chegar a falar (acertadamente) em “audiovisão”, ou seja: que, diante
de um filme, não apenas vemos, mas “audiovemos” (consumimos imagens e
sons simultaneamente).

5.2. Planejamento da produção audiovisual: etapas e processos


Uma vez tendo consumido de modo técnico o material audiovisual e tendo
definido os formatos e/ou gêneros a serem trabalhados em sala de aula, é pre-
ciso tomar outras decisões: quem estará diante das câmeras? Será para re-
32
Se os alunos forem fazer presentar, para entrevistar32 ou para mediar um debate? Quem filmará? Quem
entrevistas, é sempre poderá ser entrevistado? Qual o assunto a ser abordado? Onde serão feitas
importante, em relação aos
entrevistados:
as gravações e/ou entrevistas: na escola ou fora dela? Quanto tempo será
 procurar saber, antes de gasto com cada entrevistado? Há material visual de apoio (outras imagens
ligar a câmera, se a pessoa audiovisuais ou fotografias)? Quem irá fazer a edição do material, colocando-
quer ser filmada ou não; -o em ordem? Percebe-se aqui, uma vez mais, a necessidade de um trabalho
 indicar a finalidade

daquele material
coletivo, com decisões a serem tomadas em grupo.
(informativo, documentário, O segredo de uma boa produção audiovisual (em termos de obtenção das
pesquisa audiovisual etc.); metas pretendidas, e não necessariamente em qualidade visual e sonora) está,
 deixar claro qual o tipo

de informação que eles


em boa parte, concentrado no desenvolvimento de um roteiro bem planejado:
querem saber daquela como já vimos anteriormente, programas radiofônicos e televisivos, por mais colo-
pessoa; quiais que possam parecer, na verdade são resultado de um roteiro prévio.
 procurar saber se eles

poderão gravar de novo


É importante definir, já no roteiro, se o material será sequenciado ou
com a pessoa, caso o compilado. Uma sequência prevê uma ordenação no conjunto das imagens
material não tenha ficado e informações verbais; uma compilação, por sua vez, indica que haverá a
bom, naquele momento ou reunião de informações audiovisuais sem necessidade de ordem cronológica.
posteriormente;
 solicitar que os
Esse aspecto é fundamental, tanto para a captação das imagens quanto (prin-
entrevistados tentem ser cipalmente) para o momento da edição (como veremos adiante).
sintéticos e objetivos, Outro aspecto fundamental é que o roteiro ajuda a visualizar aquilo que
detendo-se exclusivamente
nas perguntas feitas (que,
ainda não existe e justamente por isso ele é tão importante: se um produto audio-
por sua vez, também visual contém cinco partes distintas (digamos, abertura do material, entrevista
devem ser sintéticas). com X, passagem do repórter, entrevista com Y e finalização do material), de
Deve-se ter em mente posse de um roteiro podemos enfatizar as partes mais urgentes e/ou difíceis de
ainda que a câmera de
filmagem tanto pode inibir
serem filmadas primeiro, deixando para depois as partes mais simples.
quanto fazer uma pessoa Em outros termos: as partes de um produto audiovisual não são filmadas
falar demais. Um bom na mesma ordem em que elas são exibidas. A própria noção desse processo
exercício é treinar fazer
é importante para a formação crítica dos alunos diante dos produtos audiovi-
entrevistas com os próprios
colegas. suais. É importante que conste também, do roteiro, passagens relacionadas
às falas e aos usos de músicas e sons no produto audiovisual.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Mas há uma outra etapa embutida na feitura do roteiro: é a pesquisa,


que serve de auxílio para o desenvolvimento do conteúdo audiovisual. Seja
um material noticioso, um documentário ou um docudrama (uma encenação
dramática audiovisual), sempre é preciso o suporte de um material de pesqui-
sa. Nos dois primeiros exemplos, as informações servirão de matéria-prima
para a busca de outras informações, visando à produção de conhecimentos;
quanto ao docudrama, a pesquisa pode, por exemplo, levantar informações
históricas (século XIX, década de 1960 etc.), geográficas (modos de falar,
gírias, sotaques) e/ou culturais (modos de se vestir).
Em suma: o roteiro auxilia a pensar a forma do produto audiovisual; a pes-
quisa, a pensar o seu conteúdo. Numa produção audiovisual, elas tendem a se
fundir, uma vez que o roteiro necessita das informações que foram pesquisadas.
Essas duas etapas (roteiro e pesquisa) envolvem apenas parte do pla-
nejamento. Na prática, é preciso considerar outros momentos, conforme se
percebe no quadro abaixo.

Figura 23 – Esquema contendo etapas do planejamento


O argumento diz respeito à ideia inicial: deve ser o mais sucinto possível,
resumido em poucas palavras. Se for um texto informativo, tende a vir em forma
de uma pergunta (por exemplo, “como é gasto o orçamento da escola em um
mês?” ou “como um professor prepara uma aula?”); se for um texto ficcional, de
entretenimento, tende a vir em forma de sinopse (por exemplo, “a história narra
a aventura de um garoto do interior que se perde do pai numa cidade grande e
que fará de tudo para reencontrá-lo. Durante sua aventura, faz novas amizades
e aprende novas experiências”). A partir dessa ideia inicial, as sugestões, críticas
e opiniões vão surgindo naturalmente, e esses argumentos vão se expandindo.
A partir do roteiro, deve existir a pré-produção, etapa que consiste em pre-
parar o material audiovisual antes de ele ser filmado. De um lado, é uma etapa
na qual as pessoas deverão ensaiar seus textos e falas, diante ou não das câ-
meras, percebendo a extensão deles, se há cacofonias ou duplos sentidos etc.

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104 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

33
A claquete é uma espécie De outro lado, é quando são definidos os locais e os horários das gra-
de placa ou quadro que vações, o que é importante tanto para a equipe de produção quanto para en-
tem duas funções. Uma
delas é ser o lugar onde
trevistados, convidados etc. É também quando se faz o levantamento do ma-
são colocadas informações terial sonoro a ser utilizado no produto audiovisual (músicas, efeitos sonoros,
sobre a cena que está vinhetas, jingles etc.).
sendo filmada para
posterior identificação.
Uma vez definidas todas as informações obtidas na pré-produção, é hora
A outra função é auxiliar de gravar o material. É sempre importante ter foco no material a ser filmado, para
na sincronização das não perder nem tempo, nem espaço (na memória do computador). É sempre
sequências de imagens e importante identificar cada trecho de gravação, de preferência com o nome ou
de sons, quando a captura
de vídeo e de áudio é feita
expressão adotado no roteiro (“entrevista com X, data, local”, “cena do encontro
separadamente (ou seja, dos namorados” etc.); essa identificação deve vir tanto ao início da gravação
em dois equipamentos (oralmente, ainda que a claquete33 mantenha seu charme e utilidade) quanto
diferentes. servir para nomear o arquivo que será transferido para o computador.
A finalidade é identificar rapidamente a quê se refere aquela gravação,
a fim de acelerar o processo de montagem do produto audiovisual; isso é
importante porque nem sempre as filmagens se dão em ordem cronológica.
A pós-produção é uma etapa posterior à produção: é nela que podem
ser feitas alterações (de imagens e sons), acréscimos (de créditos, músicas,
Exemplo de fachada de uma efeitos sonoros, efeitos visuais, vinhetas etc.).
claquete
De posse de todo o material necessário, é chegada a hora da edição.
A definição de Cunha para edição é clara e simples: “é a tarefa de selecionar,
cortar e emendar eletronicamente os trechos gravados” (1990, p. 125). Ela
deve seguir, em parte, aquilo que foi previsto no roteiro, ou seja, a ordem do
material gravado e selecionado.
Mas, por outro lado, é preciso também verificar a qualidade do material
em termos de imagem e de som. Em geral, imagens tecnicamente ruins ou
pouco informativas acabam sendo eliminadas no processo de edição. Se as
imagens forem ruins, mas informativas, em certos casos podem ser usadas.
E se o som for ruim mas as imagens forem boas, pode-se usá-las, fazendo
uso de um recurso comum na esfera audiovisual: a gravação da voz em off
(que nada mais é do que a gravação posterior da voz do locutor para acom-
panhar as imagens). Aqui, as experiências com rádio são bastante válidas.
Além disso, na edição devem ser também eliminados os seguintes tipos
de cenas:
 Cenas repetidas ou bastante parecidas;
 Gravações de pessoas errando durante a entrevista ou fala para a câmera
(nem todo mundo tem costume de falar para uma câmera);
 Imagens de pessoas em situações constrangedoras, censuráveis ou ina-
dequadas;

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Por outro lado, é possível também inserir imagens não captadas (fotogra- 34
No caso do uso de
fias, cenas de outro produto audiovisual, imagens antigas etc.), desde que elas fotografias alheias e
de imagens antigas, é
sejam creditadas34. Além disso, é possível também colocar outros tipos de ima- importante indicar nos
gem, como mapas, diagramas, gráficos e animações35 feitas por computador. créditos a sua procedência
O trabalho de edição deve ser bastante cuidadoso. Inicialmente, deve- (arquivo pessoal de alguém,
de um museu ou jornal
-se trabalhar com dois tipos de material: o gravado (chamado tecnicamente etc.). Cenas de filmes ou
de material bruto) e o que será montado. É sempre importante manter cópias novelas devem trazer nos
do material bruto, facilmente identificável no computador; é a partir dele que seus créditos os nomes da
a pessoa responsável pela edição deve criar outro arquivo, “montando” o ma- obra e do titular da mesma
(emissora de TV, empresa
terial final. De posse do roteiro, deve-se antes ver todo o material gravado, cinematográfica).
anotando o que está de acordo com o previsto, verificando o que vai ser apro-
veitado e como e sugerindo material a ser inserido. 35
Do ponto de vista
informativo, as animações
É importante anotar o tempo de cada gravação para ter uma noção feitas por computador
preliminar do total gravado e as principais partes de cada trecho. Digamos que devem ser utilizadas
alguém grava uma entrevista com um professor e, de quatro perguntas feitas apenas para fazerem
a ele, apenas uma das respostas seja de fato interessante. É preciso anotar o reconstituições de fatos não
registrados, desde que os
tempo em que começa e termina essa fala e o que ele fala nesse trecho. fatos a serem mostrados
A partir disso, pode-se fazer uma espécie de “nova versão” do roteiro, tenham verdadeiramente
agora com o material já selecionado e indicando o tempo de duração de cada ocorrido.
trecho. Por exemplo: no caso de uma entrevista para um telejornal, com apre-
sentadores em estúdio e reportagem externa (fora do estúdio) a ser apresen-
tada, teríamos o seguinte esboço:
a) Apresentação do locutor no estúdio: 30 segundos;
b) Primeiras imagens do local: 6 segundos;
c) Passagem do repórter: 15 segundos;
d) Fala do entrevistado: 37 segundos;
e) Desfecho da matéria com o repórter: 26 segundos.
Total aproximado da matéria: 1 minuto e 54 segundos.
Num produto audiovisual informativo, é importante que não haja repe-
tição entre falas. Ou seja: o apresentador de estúdio não deve dizer o que o
repórter irá falar, e sim indicar o assunto que a matéria irá abordar.
Pensemos agora noutra situação: a realização de um produto audiovi-
sual ficcional (uma pequena novela ou a dramatização de um conto ou peça
de teatro). A lógica continua sendo a mesma: a partir do roteiro (que deverá
indicar as sequências da história) e das imagens gravadas (que devem estar
identificadas e cronometradas), se faz uma previsão do produto final:
a) Vinheta do programa: 20 segundos
b) Cena de identificação do local da trama: 15 segundos
c) Cena do primeiro diálogo entre personagens A e B: 40 segundos...

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E assim, sucessivamente. No caso da realização de um produto au-


diovisual ficcional, caso haja um narrador, é importante que suas falas não
repitam as falas dos personagens.

Figura 24 – Exemplo de plano geral seguido de contraplano

FIgura 25 – Exemplo de plano e contraplano


O roteiro é fundamental também para outros formatos, como documen-
tários ou docudramas, e a edição também funciona nos mesmos moldes do
material informativo. Percebe-se que é importante um planejamento adequa-
do do roteiro e a devida identificação das cenas gravadas para que, na hora
da edição, tudo seja mais fácil.
Finalmente, é preciso fazer a exibição do material produzido. Muitos
tendem a disponibilizar seu material através da Internet (em sites como o You-
tube) e, a partir daí, compartilhar o arquivo nas mídias sociais. Por outro lado,
pode ser interessante a experiência de assistir coletivamente ao material pro-
duzido, num ambiente que permita boa exibição e boa audição. Ao final da exi-
bição, debates sobre o material produzido (conteúdo, qualidade, informação,
capacidade de entretenimento etc.) são bem-vindos.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Saiba mais
Na esfera audiovisual, é comum fazer uso do recurso do plano e do contraplano. Essa
prática é comum quando envolve ao menos duas pessoas num mesmo ambiente e se
tem apenas uma câmera de filmagem.
Ela consiste em gravar as imagens e falas de uma das pessoas de frente, com
a outra de costas e, depois, repassar ou reinterpretar o mesmo texto invertendo a
posição da câmera, passando a filmar de frente quem estava de costas e vice-versa
(imagens ao lado). Em geral essas cenas se misturam a uma tomada geral (com os dois
personagens).
Essa técnica permite dar maior dinamismo às cenas audiovisuais (como se o es-
pectador pudesse se “movimentar” junto com a câmera no espaço em que as pessoas
dialogam), ainda que seja mais trabalhosa na hora da edição. Cenas de filmes e de
novelas e entrevistas com apenas duas pessoas (entrevistador e entrevistado) tendem
a fazer uso constante dessa técnica. E, mesmo quando a equipe de gravação tem duas
ou mais câmeras de filmagem, ainda assim é comum o uso desse recurso.

6. Texto e imagem
Aqui, vamos abordar dois diferentes modos gráficos de realizar produtos im-
pressos usando texto e imagem: o jornal e as histórias em quadrinhos.
Como já dissemos, o advento da imprensa mudou boa parte dos rumos
36
Na impossibilidade de
acesso a jornais escolares,
da Humanidade: foi graças a esse invento que o saber passou a ser “estoca- por qualquer motivo, uma
do” em folhas de papel (livros, revistas, jornais, enciclopédias etc.) e que o alternativa pode ser a
mundo passou a ser representado no papel (OLSON, 1997). Vamos nos deter leitura de jornais feitos
particularmente em dois produtos impressos bastante populares, e que estão por alunos dos cursos
superiores de Comunicação
sofrendo mutações por conta do advento das tecnologias digitais: o jornal36 e ou de Jornalismo. Esses
as histórias em quadrinhos. jornais são chamados de
jornais-laboratório. Alguns
jornais-laboratório optam
6.1. O jornal impresso por abordar o próprio
mundo universitário;
O jornal impresso entra o século XXI em uma espécie de crise: com a po- outros preferem retratar
pularização da internet, dos portais de notícias e das mídias sociais, alguns a vida de um bairro ou
especialistas prevêem o fim desse produto e dos demais tipos de publicação comunidade; e outros
adotam uma temática
impressa. Outros acreditam que suas tiragens diminuirão, mas que o jornal
aberta, sem restrições.
impresso não desaparecerá. Mas, ao menos em uma coisa, muitos parecem A consulta e leitura de
concordar: o produto impresso tende a sobreviver ao tempo de maneira me- exemplares desses jornais
lhor do que a informação eletrônica na Internet. podem ser bastante úteis
para uma tomada de
A grande questão não é exatamente o meio em si (impresso x eletrôni- decisão na escola. Sobre
co), mas o resultado de uma atividade (no caso, o jornalismo). A matéria-prima o assunto (ainda que um
do jornalismo é a informação, no sentido daquilo que ainda não é sabido por pouco desatualizado em
alguns aspectos técnicos),
outras pessoas. Porém, um jornal não se faz apenas de textos noticiosos, mas
consultar Lopes (1989).
também de opiniões, cartas, imagens, entrevistas etc.

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108 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Perceba-se que essas possibilidades textuais são pertinentes tanto


num meio impresso quanto num meio eletrônico; além disso, tais atividades
permitem aos alunos exercitarem em sala de aula uma série de tipos e gêne-
ros textuais diferentes; sobre esses exercícios, recomendamos em particular
a leitura de Faria (2011).
Além disso, pelo fato de ser um objeto dotado de relativa complexidade,
o jornal interpela ao menos quatro níveis de análise: o seu conteúdo, as suas
formas materiais de expressão, a leitura e a relação entre a leitura do jornal e a
aprendizagem, processo esse ligado ao domínio de certos processos mentais
e cognitivos (Vilches, 1997, p. 169-73). No momento, e para fins de nosso
objetivo, iremos nos restringir apenas ao veículo impresso e suas particulari-
dades em termos de conteúdo e formas materiais de expressão.
Para que uma escola venha a trabalhar com jornais, é interessante que
haja o seguinte suporte:
 computadores com softwares de edição de texto, de imagem e de editora-
ção eletrônica, além de acesso à Internet;
 máquinas fotográficas (caso queiram trabalhar com fotografias);
 material de desenho (caso queiram incluir desenhos no jornal);
 scanner de mesa (caso seja necessário digitalizar material impresso);
 xerocopiadoras (para jornais de tiragem e tamanho pequenos) ou gráfica
(para jornais de tiragem e tamanho médio para grande).
A realização de um jornal impresso não é uma tarefa fácil; exige espírito
de coletividade (para a feitura do mesmo), senso de organização (para não
perder prazos) e responsabilidade (para não deixar de realizar tarefas fun-
damentais para a produção do jornal). Além disso, é importante garantir que
os alunos que ficarão responsáveis pelo jornal tenham contato com outras
publicações jornalísticas; portanto, é interessante que a escola possa garantir
a eles o acesso a portais e versões on-line de jornais impressos através da
Internet ou faça uma assinatura de pelo menos um jornal impresso da cida-
de. Esse contato cotidiano com o noticiário jornalístico auxiliará os alunos no
acompanhamento dos assuntos de conhecimentos gerais e os ajudará a te-
rem uma noção melhor do jornal como produto.
Finalmente, é importante que, antes de tomar qualquer decisão final,
todos possam ter em mãos exemplares de jornais de outros estabelecimentos
de ensino, para ver as diferenças e semelhanças entre eles, bem como apon-
tar pontos interessantes que podem ser trabalhados na escola. Em suma: a
decisão de se implantar um jornal em uma escola requer uma discussão que
envolva estudantes, professores e diretores. Além disso, ela envolve custos
maiores do que os custos das demais atividades aqui listadas, o que pode

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

levar a escola a fazer orçamentos preliminares de gastos; por tudo isso, deve
ser uma decisão bem pensada.

A linha editorial

Uma vez que a escola tenha definido que terá um jornal, a primeira coisa a
se fazer é: qual a linha editorial a ser adotada? Por linha editorial entende-se,
de certo modo, a “cara” do jornal. Quais os gêneros de textos que estarão
presentes no jornal? Quais serão os assuntos que entrarão no jornal? Quem
poderá escrever no jornal, além dos alunos? Qual será o seu público-alvo?
Qual a sua periodicidade? Quantas páginas ele terá? Qual o nome do jornal?
Qual o projeto gráfico? Será colorido ou em preto e branco? Qual o tamanho?
Quais as seções? Haverá espaços para anúncios publicitários? O jornal será
distribuído onde e como? Ele poderá circular fora da escola?
Decisões dessa natureza não costumam ser tomadas em apenas uma
reunião; assim, pode ser útil ter presente um jornalista ou um assessor de im-
prensa para auxiliar em algumas decisões de caráter técnico.
A decisão mais importante é: quem terá voz no jornal? Tendo em vista que
a atividade é voltada para os alunos, nada mais natural do que a maior parte do
espaço editorial contemplar as suas próprias produções. Isso não impede que o
jornal dedique algum espaço a professores, diretores, funcionários da escola e/
ou pais de alunos ou especialistas de algum assunto. Neste caso, é importante
que fiquem bem delimitados os espaços dedicados a eles, através de nomes
de seções ou no alto da página (“Espaço do Professor”, “Palavra da Diretora”
etc.); além disso, esses espaços não devem ocupar mais do que 10% aproxi-
madamente do jornal (se, afinal, ele for um jornal dos alunos e para os alunos).
Uma vez definido quem vai escrever, a próxima meta é: ao longo das
edições, escrever o quê e por quê? Já dizia o escritor irlandês Oscar Wilde
que “só existem duas regras para escrever: ter algo a dizer e dizê-lo”. Desse
modo, é importante que as pessoas envolvidas no projeto editorial do jornal
saibam exatamente sobre o quê escrever e o porquê dessa escolha. Uma vez
mais, essa é uma decisão a ser tomada coletivamente: podem ser os proble-
mas da escola, assuntos pedagógicos etc.
O próximo passo é definir o nome do jornal. Parece algo sem importân-
cia mas não é: na verdade, o nome deve fazer parte da identidade do jornal e,
ao mesmo tempo, dar uma noção de qual o tipo de produto que o leitor terá
diante de si. O nome do jornal pode incluir o tipo de publicação (“jornal”, “gaze-
ta”, “informativo”) ou o nome da escola (em poucas palavras, se possível), ou
ainda ser uma palavra ou expressão que denote algum aspecto informativo ou
particular daquela escola.

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110 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

37
As medidas dos jornais Uma vez que os gastos precisam ser orçados, é importante definir o jornal
descritas correspondem em termos materiais. Qual o seu tamanho e a quantidade de páginas que terá?
ao tamanho do papel, não
ao tamanho do espaço
Os tamanhos mais comuns de jornal na grande imprensa37 brasileira são:
destinado à impressão.  Tablóide (cerca de 32 cm de altura x 28,5 cm de largura);
A esse espaço no qual
 Berliner (cerca de 47 cm de altura x 31,5 cm de largura);
são impressos textos e
 Standard (cerca de 57 cm de altura x 32 cm de largura).
imagens, dá-se o nome 38

de mancha gráfica,
Entre as medidas alternativas, a mais comum é a utilização do formato
enquanto os espaços em
branco à sua volta são A4 29 cm de altura x 21 cm de largura. Outros tamanhos podem ser analisa-
chamados de margens. dos em contato com profissionais da área gráfica. Quanto às revistas sema-
Durante o planejamento nais, elas têm, em média, 26,5 cm de altura x 20 cm de largura.
de um jornal, é preciso
considerar apenas o uso Os formatos influenciam decisivamente no processo de feitura do jornal
da mancha gráfica e deixar (processo esse chamado nas redações de fechamento). O formato standard
os espaços em brancos tem forte impacto visual pelo seu tamanho, mas é mais demorado para ser
correspondentes às
finalizado; por outro lado, o formato tablóide tem menor impacto visual, mas é
margens.
mais fácil de ser finalizado. O berliner é uma espécie de intermediário dos dois
38
Na imprensa brasileira, os gêneros, nos seus prós e contras. A nosso ver, para um jornal escolar39, usar
tamanhos mais comuns são um tamanho entre o tablóide e o A4 é o mais indicado.
o standard e o tablóide. O
formato berlinense é mais A quantidade de páginas de um jornal depende diretamente do seu ta-
comum na Europa, apesar manho. Jornais grandes podem fazer uso de poucas páginas, ao passo que
de o formato tablóide ser o jornais pequenos necessitam de mais páginas. Uma vez mais, sugerimos o
mais popular na Inglaterra.
tamanho tablóide ou similar, uma vez que é mais fácil inserir uma folha com
Não há nenhuma relação
direta entre o formato de duas ou 4 páginas num jornal pequeno do que num jornal grande.
um jornal e seu conteúdo, Outro elemento fundamental, e que envolve gastos, é o uso de cores
ainda que o termo “tablóide”
ou não. Em geral, jornais em preto e branco são bem mais baratos do que os
sirva para se referir aos
jornais sensacionalistas. coloridos: um jornal em preto e branco usa apenas uma cor de tinta (preta), ao
passo que o colorido geralmente é impresso em processo de policromia, ou
seja, com quatro cores de tinta (vermelho, amarelo, azul e preto) para criar as
demais cores. Além disso, a impressão em preto e branco é mais barata do
39
Atualmente existem que a impressão colorida.
alguns jornais que são Há ainda a questão do tipo de papel40: o papel jornal é mais barato, mas
feitos no tamanho A4, em
também é um dos mais frágeis. Alguns jornais são feitos também com papel
formato PDF, para poderem
ser impressos pelo leitor em reciclado, além dos papéis offset (mais branco) e LWC (mais caro e brilhoso).
casa ou lidos diretamente Certas publicações de maior qualidade podem ser impressas em papel cou-
no computador ou tablet. chê. O papel reciclado é ecologicamente correto, mas por vezes interfere na
É uma opção econômica
qualidade da leitura; o papel jornal é o mais usado em função de seu baixo
e prática, pois elimina o
trabalho com a distribuição custo. O melhor é analisar com a gráfica os custos de cada tipo de papel em
física dos jornais. relação à sua tiragem, bem como os tipos de papel com os quais ela trabalha.
Finalmente, há a questão da tiragem, ou seja, de quantos exemplares
serão impressos. É preciso ter em mente que, numa gráfica, quanto maior a

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

tiragem, menor o custo do exemplar unitário. Ou seja: o gasto unitário para 40


Os papéis apresentam
imprimir 50 exemplares é muito maior do que para imprimir 1.000 exemplares. diferentes gramaturas, ou
seja, diferentes tipos de
Isso ocorre por conta do gasto para fazer uma máquina de impressão funcio- espessura e de densidade.
nar, além do uso do papel e tinta; como esse custo é alto, quanto mais exem- Sua medida é expressa em
plares forem rodados, mais barato se torna cada exemplar individualmente. gramas por metro quadrado
Todas essas previsões de gastos podem ser solicitadas num orçamento junto (g/m2). Quanto maior o
valor da gramatura, mais
a uma gráfica, muitas vezes sem compromisso. grosso é o tipo de papel.
Outro elemento importante é o projeto gráfico do jornal, ou seja, a identi- Para jornais impressos, a
dade visual dele. Geralmente ela é constituída do nome do jornal dentro de uma gramatura pode variar de
50 g/m2 a 90 g/m2.
forma estética específica (chamada de logo), das definições de famílias tipográ-
ficas (também chamadas popularmente de “fontes”: Times New Roman, Arial,
Verdana, Helvetica etc.) para textos, créditos (nome do responsável pelo texto
escrito, fotografia ou desenho), legendas (os textos que acompanham as foto-
grafias), largura das colunas de textos etc. Em suma: tudo aquilo que é forma
visual; aqui, também pode ser interessante o auxílio de um profissional da área.
A periodicidade do jornal é outra definição fundamental. É provável que os
primeiros textos produzidos pelos alunos para o jornal necessitem ser revistos
e avaliados antes de serem publicados, e essa é uma etapa pedagogicamente
necessária. Como há uma série de atividades envolvidas na produção de um
jornal (definição de assunto, pesquisa, coleta de informações, redação, revisão,
preparação de imagens, diagramação etc.), a periodicidade sugerida é a mensal
ou bimestral. Abaixo desses prazos, dificilmente o jornal ficará pronto, e o que
deveria ser motivo de comemoração pode se tornar momento de frustração.
Junto com a periodicidade e com a tiragem, é preciso avaliar o proces-
so de distribuição do jornal. Nesse caso, é preciso considerar os locais onde
as pessoas pegarão (ou receberão) a publicação.
Outra possibilidade é perceber quanto tempo os alunos levam para re-
alizar e avaliar todas as atividades; se for até dois meses, o jornal poderá ter
periodicidade entre 45 e 60 dias; mas se o tempo for muito maior do que dois
meses, talvez seja necessário fazer uma avaliação mais cuidadosa (se houve
excesso de material a ser produzido, se faltou o tempo adequado etc.).
Por falar em avaliação, essa é a etapa final. Uma vez o jornal tendo sido
redigido, impresso e distribuído, é chegada a hora de fazer uma avaliação do
produto, verificando seus pontos fortes e fracos, se as atividades previstas
foram feitas adequadamente ou não, e ouvindo os comentários dos leitores
a respeito dele. Como um jornal é um produto sempre sujeitos a erros (de
qualquer natureza: informação errada ou incompleta, troca de fotos etc.), é
bom pensar numa seção de erratas, na qual constem as correções relativas
ao número anterior. E, enfim, deve-se aproveitar o momento de avaliação do
jornal pronto para começar a pensar nos assuntos da próxima edição.

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112 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

41
Em alguns jornais Definição de tarefas
(poucos, no caso do
Brasil), existe uma figura Como já dissemos, fazer um jornal41 tende a envolver muitas pessoas:
de nome complicado
 Quem decide os assuntos que serão cobertos;
(de origem sueca, para
sermos mais precisos),  Quem coleta as informações e depois redige os textos (podem ser pessoas
chamado ombudsman. Ele diferentes);
pode ser uma espécie de
“ouvidor do leitor” (recebe  Quem faz qual tipo de texto;
as reclamações do leitor  Quem lê os textos, revisando-os ou lendo para saber se estão adequados
do jornal, sobre erros de
à linha editorial do jornal;
informação, grafia etc.) ou
uma espécie de avaliador  Quem fotografa;
do jornal (ele mesmo faz
 Quem faz ilustrações;
as ponderações sobre os
lados positivos e negativos  Quem distribui os textos, imagens e eventuais anúncios nas páginas (pro-
do jornal anterior). Um cesso esse chamado de diagramação);
jornal escolar pode adotar
 Quem decide o que vai na capa (ou primeira página) do jornal.
essa figura para que ela
faça uma análise crítica Todos esses processos são coletivos; não se faz um jornal sozinho, e
do jornal da escola. Para
talvez, reafirmamos, esse seja um elemento crucial na tomada de decisão
mais detalhes sobre o
ombudsman, ver Mendes de se fazer um jornal: a necessidade de trabalho em equipe. Fica a critério
(2002). da escola definir se os alunos se mantêm nas mesmas tarefas ou se fazem
uma espécie de rodízio entre eles (ainda que essa última opção seja pedago-
gicamente mais rica). Perceba-se que essas diferentes atividades mobilizam
também diferentes competências por parte dos alunos:
 Quem decide os assuntos que serão cobertos e quem coleta as informa-
ções necessita ter alguma noção de História e de conhecimentos gerais
(por exemplo: uma decisão do Governo Federal na área de educação pode
remeter a discussão do assunto em uma matéria: qual a opinião dos alu-
nos, professores e diretores sobre a decisão? Essa decisão muda o quê
na rotina das escolas? Quando a decisão entra em vigor? É a primeira
vez que isso ocorre?). Assim, os alunos aprendem a articular, aos poucos,
a realidade escolar com o mundo à sua volta, ao mesmo tempo em que
desenvolvem a capacidade de pesquisar sobre um determinado assunto.
Em tempo: quando a pesquisa termina, é importante entregar a quem vai
fazer a matéria os resultados e informações úteis dessa pesquisa. Eles são
necessários para as entrevistas;
 Quem redige os textos e quem os revisa posteriormente deve ter bons co-
nhecimentos de Língua Portuguesa e de conhecimentos gerais;
 Quem faz qual tipo de texto deve ter algumas noções importantes de tipos
textuais e de gêneros textuais. Isso é importante, uma vez que tal atividade
ajuda os alunos a perceberem as diferenças entre um texto informativo
(que se refere à descrição de algum fato da realidade) e um texto opinati-

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

vo (que se refere à opinião de alguém sobre algum fato da realidade), as


suas formas de estruturação textual, suas diferenças argumentativas etc.
Uma boa sugestão para os professores que precisem conhecer um pouco
mais da lógica da estrutura do texto jornalístico é a consulta às obras de
Assumpção e Bocchini (2006) e de Squarisi e Salvador (2012). Percebe-
-se aqui, uma vez mais, bons conhecimentos de Língua Portuguesa e de
conhecimentos gerais são importantes;
 Quem fotografa e quem faz as ilustrações deve ter bons conhecimentos ar-
tísticos, estéticos e técnicos (assunto em parte já visto na discussão sobre
fotografia) e de Informática (edição de imagens, se possível);
 Quem distribui o material nas páginas pode ter boas noções de Geometria
e Matemática (para calcular e visualizar se os textos e imagens caberão
nos espaços indicados) e também de Informática (programas de edição de
textos e de editoração eletrônica, se possível);
 Quem decide o que vai na primeira página do jornal precisa ter conheci-
mentos gerais e históricos e bom domínio da Língua Portuguesa.
Muitas vezes, numa redação de jornal, se faz uma divisão por setores,
chamados de editorias. Na grande imprensa, essas editorias tratam temas
amplos (Política, Economia, Cultura, Esportes, Ciência, Saúde etc.) ou gêne-
ros específicos (Opinião, Carta do Leitor, charge etc.).
Um jornal escolar pode ser também dividido em editoria e abordar gê-
neros específicos. Na seção de Opinião, por exemplo, podemos ter textos
argumentativos de alunos dando opiniões sobre assuntos que julguem perti-
nentes; a charge pode ser um espaço para alguém que saiba desenhar bem
e que tenha também espírito crítico. Uma vez mais, reiteramos, são decisões
a serem tomadas coletivamente.

A lógica de um jornal impresso

Existe todo um vocabulário específico dentro do jornalismo impresso. É inte-


resse que o aluno conheça alguns desses jargões para facilitar o trabalho de
feitura do jornal. Comecemos pelos textos verbais.
Existe um tipo de produção textual que não chega a ser publicado no
jornal, mas que é fundamental para a existência do próprio jornalismo (seja
ele impresso, radiofônico, televisivo ou digital): é a pauta. A pauta designa
tanto a abordagem do assunto a ser tratado na matéria quanto traz as infor-
mações úteis para quem vai fazer a matéria.
Se o assunto é, por exemplo, a inclusão de uma nova disciplina no
ensino médio, deve-se pesquisar, antes de coletar os dados e escrever, so-
bre essa mudança (quem a determinou? Foi o MEC ou outra instituição?

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114 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

42
Mais sobre o estilo Foi resultado do projeto de alguém? Essa nova disciplina já foi ofertada an-
jornalístico de escrever teriormente, em outros tempos? Alguma escola já a oferecia antes dessa
pode ser encontrado nos
decisão? Quais os conteúdos dela?).
vários manuais de redação
lançados no mercado Em geral se faz um texto com as principais informações coletadas, o qual
editorial (Folha de S. Paulo, será repassado a quem fará a matéria. Além disso, a pauta pode sugerir nomes
O Estado de São Paulo,
de entrevistados, as formas de contatos com eles e uma pequena bibliografia
O Globo, Zero Hora, O
Povo etc.); porém, esses sobre o porquê de aquele entrevistado estar na pauta (um ex-ministro ou ex-
manuais trazem muitas -secretário da Educação? Um pedagogo? Um especialista da disciplina?).
informações relacionadas
Perceba-se que uma pauta bem feita auxilia até mesmo a feitura da
ao modus operandi de cada
jornal. Duas sugestões matéria: ela tanto dá subsídios a quem vai atrás das informações quanto
interessantes sobre como fornece dados que podem ser usados na própria matéria.
escrever bem são as obras
Todo texto jornalístico42 é apresentado graficamente através de um
de Assumpção e Bocchini
(2006, mais voltada para título. Em geral ele é redigido no tempo verbal do presente do indicativo,
a questão dos textos) e de mesmo que o fato já tenha ocorrido (“Brasil vence China por 8 a 0”), para
Squarisi e Salvador (2012, reforçar a noção de novidade para o leitor. O título deve ser a síntese do fato
que discute também os
mais importante e novo narrado no texto.
gêneros jornalísticos).
Visualmente, ele tem mais destaque do que o texto noticioso, justamente
para chamar a atenção do leitor; e, mesmo que não haja a leitura do texto, o
título já terá cumprido seu papel, que é o de informar sobre o quê aquele texto
fala. Além disso, é comum que, logo abaixo do título, venha um outro texto, seja
para complementá-lo, seja para colocar informações que não couberam nele:
é o subtítulo. Ao contrário do que se imagina, o título e o subtítulo, em geral, de-
vem ser redigidos depois do texto noticioso; como ele são uma síntese do texto
informativo, só podem ser escritos após o texto pronto.
Como vimos anteriormente, o texto jornalístico busca responder um
conjunto de questões-chave (quem? O quê? Onde...) sobre um determinado
assunto, cujo texto final é chamado de lide. Nos textos noticiosos em geral,
o primeiro parágrafo é destinado ao lide; às vezes, quando o assunto é um
pouco mais complexo, essas respostas podem ser continuadas no parágrafo
seguinte, que muitos denominam sublide. O restante do texto traz as demais
informações e opiniões de entrevistados sobre o assunto em questão.
Além do texto em si e da manchete, é possível (e mesmo interessante)
que a matéria venha assinada, ou seja, com o nome do autor do texto. Ob-
viamente, pode-se decidir por publicar o material noticioso sem assinaturas,
mas o ato de assinar um texto aumenta a responsabilidade de seu autor. Em
alguns casos, além da assinatura, vem próxima a ela a fotografia de quem
fez o texto e, mais recentemente, alguns jornais estão optando por colocar os
dados da internet sobre o autor (e-mail, Twitter etc.). Reafirmamos: tudo isso é
opcional e deve ser decidido coletivamente.

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Como vimos anteriormente, um texto verbal não consegue dar conta 43


Hoje é cada vez mais
de todas as propriedades visuais de um ser, objeto ou ambiente, assim como comum que os jornais
e revistas façam uso de
uma imagem dificilmente consegue visualizar conceitos muitos abstratos. No um tipo de ilustração
jornalismo, a fotografia43 é tem finalidade informativa, é usada para mostrar os que serve para mostrar
entrevistados, os ambientes de um fato ou as coisas das quais se fala. detalhes de algo ou de
algum acontecimento. A
Isso ajuda a explicar porque os textos informativos tendem a vir com esse tipo de ilustração
fotos, e os textos opinativos não: os textos informativos falam sobre alguém, informativa, os jornalistas
algo ou algum lugar (concretos), enquanto os textos opinativos trazem a opi- costumam chamar de
nião (abstrata) de alguém sobre alguém, algo ou algum lugar (concretos). No infografia. Ela tem várias
matrizes visuais, como os
texto informativo, o foco é o referente. No texto opinativo, o foco é a impressão gráficos estatísticos, os
opinativa sobre o referente. Por outro lado, é comum que textos opinativos mapas, as histórias em
venham acompanhados de imagens mais abstratas ou, como vimos na dis- quadrinhos, os diagramas
cussão sobre fotografia, expressivas. e esquemas científicos,
os organogramas e as
Justamente porque a foto informativa não denomina, é importante que linhas de tempo, dentre
ela venha acompanhada de uma legenda textual, indicando quem é quem na outros. A infografia permite
imagem, o local etc. As legendas tendem a ser descritivas; alguns acham que visualizar informações não
concretas (dados, números,
tal prática é redundante, pois a legenda “repete” o que está na imagem. Tal regiões geográficas
redundância, que encontramos também nas imagens de enciclopédias, por com detalhes, protótipos
exemplo, é necessária. de equipamentos,
acontecimentos passados
Um exemplo: as imagens dos presidentes Barack Obama ou Dilma ou futuros). Para mais
Rousseff são conhecidas por qualquer brasileiro razoavelmente bem-informa- detalhes, ver Teixeira
do do início do século XXI. Porém, daqui a uns 50, 100 anos, provavelmente (2011).
as futuras gerações só saberão a quem pertencem os rostos deles através
de legendas explicativas. Ou então, basta que façamos o movimento inverso:
mostremos aos alunos imagens fotográficas de pessoas já falecidas (ex-presi-
dentes, músicos, jogadores de futebol etc.) para notarmos que, sem os nomes
de identificação, eles percebem apenas “pessoas”.
Um texto importante em qualquer jornal é o editorial. Ele se caracteriza
por ser uma espécie de “voz” do jornal. Na grande imprensa, ele aparece na
seção Opinião dos jornais. É importante definir, assim, qual dos alunos seria
o editorialista, ou seja, o responsável por esse tipo de texto. No caso do jornal
escolar, o editorial pode servir também para fazer uma apresentação geral dos
textos presentes naquela edição.
O jornal também pode ser um espaço de lazer e criatividade. É interessante
dedicar uma ou mais páginas para tirinhas e quadrinhos (produzidos pelos pró-
prios alunos, de preferência), para poemas, contos, desenhos, adivinhas e outros
gêneros de textos pertinentes ao produto e ao projeto pedagógico da escola.
Uma vez tendo os textos e imagens sido produzidos, é preciso distribuí-
-los dentro do espaço de cada página para montar o jornal, ou seja, é preciso
fazer a diagramação do produto. Nas redações, em geral, o mais comum é que

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os textos sejam feitos em tamanhos distintos e, na hora de serem colocados na


página, podem precisar de ajustes (ou seja, aumentar ou diminuir o tamanho
deles). Esse processo não é tão simples de ser executado, e pode tomar um
tempo bastante precioso dos alunos envolvidos nessa etapa de feitura do jornal.
Qual a solução? (ilustrar) A mais prática e rápida é trabalhar com o que
se chama pré-diagramação. Ela consiste em ter um conjunto de páginas do
jornal pré-desenhadas (que alguns chamam de templates), ou seja, com as
marcações do espaço de cada texto e imagem previamente definidas. Essa
é uma decisão que pode ser tomada quando se define o projeto gráfico do
jornal, e que otimiza o tempo de sua feitura.
Assim, em vez de ficar ajustando o texto num espaço a ser ainda visu-
alizado, é mais simples que o aluno escreva dentro da caixa (ou fôrma) des-
tinada ao texto verbal. Na página pré-diagramada, é possível também deixar
já determinado o tamanho e a posição de fotos e ilustrações. O ideal é que
haja vários tipos de páginas pré-desenhadas e que, se possível, se evite duas
iguais uma ao lado da outra, na hora da montagem. Softwares de editoração
eletrônica (como o InDesign, da Adobe) permitem rapidamente a montagem
de várias páginas pré-diagramadas.
Por falar em montagem, outra prática comum é a montagem do bone-
co (em alguns lugares do Brasil, usam o termo boneca) do jornal. O boneco
consiste num pequeno conjunto de folhas em branco que simulam a dispo-
sição das matérias do jornal. Assim, por exemplo, se o jornal escolar tiver 12
páginas, deve ser feito um boneco com 3 folhas de papel dobradas ao meio
(uma folha dobrada ao meio cria 4 páginas), e ir marcando nessas “páginas”
o conteúdo de cada uma delas (a primeira página é a capa do jornal, e assim
sucessivamente). Essa etapa de pré-visualização do jornal (ainda que pareça
algo rudimentar) é importante para ter uma série de noções preliminares: ha-
verá espaço para todo o material que se quer produzir? Há pouco material ou
muito? O que colocar na última página?
Uma vez definido o boneco do jornal, a etapa seguinte é a produção
dos textos e imagens: aqui, uma vez mais, é importante uma pesquisa prévia
sobre o assunto a ser abordado. Além disso, é necessária a produção para as
entrevistas com as pessoas.
Nas redações, existe uma figura chamada pauteiro, que tende a reunir
todas essas funções: fazer a pesquisa prévia sobre um assunto e agendar as
entrevistas para quem vai coletar as informações. A pessoa que coleta essas in-
formações, através de entrevistas, leituras e coletas de dados, para redigir o texto
final, é o repórter. E, uma vez finalizados os textos, eles são lidos e colocados na
página pelo editor, figura que seleciona os melhores textos, ajeita-os (se necessá-
rio), ordena-os na página; enfim, é responsável pela preparação da página.

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A colocação dos textos e imagens na página é responsabilidade do edi-


tor, sozinho ou com auxílio do diagramador (a pessoa que faz a editoração
eletrônica da página). Aqui, de repente, poderá ser útil o auxílio de um profis-
sional da área gráfica, tanto para fazer os vínculos de imagens no arquivo do
jornal quanto para proceder o fechamento do mesmo (ou seja, a preparação
do arquivo para envio à gráfica).
Em geral, é comum ainda haver a figura do editor-chefe, que assume
uma espécie de “responsabilidade geral” pelo produto (o jornal). Deve ficar
claro que essas funções são típicas de qualquer redação jornalística (com pe-
quenas variações no rádio, TV e mídias digitais). No caso de um jornal escolar,
é possível que uma mesma pessoa possa executar mais de uma função, se
não causar sobrecarga de trabalho e se não ficar desproporcional em relação
ao trabalho de outros colegas.

Opções alternativas de produtos impressos

Além do jornal impresso, existem outras formas de trabalhar com material im-
presso na escola. Até um passado não tão distante, era comum que escolas,
repartições públicas e outras instituições fizessem uso do jornal mural, um con-
junto de poucas folhas (com informações, notícias, seções de humor, artigos
opinativos etc.) que era afixado num local de alta movimentação de pessoas.
A vantagem disso é seu baixo custo (pois poucos exemplares são im-
pressos); a desvantagem é que ele não pode ser manuseado pelas pessoas
(que devem lê-lo afixado na parede), além de nem sempre ficar na altura ideal
para pessoas de vários tamanhos...
Outra variante é o informativo, na verdade uma espécie de jornal reduzi-
do (uma folha frente e verso, uma folha maior dividida ao meio, gerando quatro
páginas), cuja periodicidade é mais intensa (quinzenal, semanal e, por vezes,
diária). O que vai determinar sua periodicidade é a capacidade de impressão
e de distribuição dentro da escola (e fora, se for o caso).
Finalmente, há também a possibilidade de fazer esse informativo sem
ser em formato impresso, e sim em formato eletrônico digital, através de sites,
blogs ou uso de mídias digitais.

6.2. As histórias em quadrinhos


O uso de histórias em quadrinhos (daqui por diante, HQs) em sala de aula é
um recurso barato. Seus custos para produção são relativamente baixos e,
dependendo do tamanho e formato adotado, pode se tornar mais barato ain-
da. A feitura de HQs em sala de aula envolve os seguintes materiais:

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 Resmas de folhas de papel A4 (obrigatório);


 Lápis (com grafites HB e 2B) (obrigatório);
 Canetas (de preferência, Unipin 0.1, 0.2, 0.5, 0.8 e 1.0; obrigatório para a
arte-final do desenho)
 Borrachas (brancas) (obrigatório);
 Réguas, esquadros, compassos, gabaritos, transferidores (opcionais);
 Máquina xerocopiadora (opcional, caso haja interesse em fazer cópias das
HQs produzidas pelos alunos para divulgação interna. Geralmente a escola
já possui esse equipamento);
 Computador com scanner e acesso à Internet (opcional, caso queiram fa-
zer divulgação externa);
 Mesa digitalizadora (opcional, caso haja o interesse de se fazer os dese-
nhos diretamente no computador).
Pode ocorrer ainda o interesse em fazer uma produção em quadrinhos
em larga escala, para distribuição visando mais pessoas. Se isso acontecer,
é interesse fazer ao menos orçamentos com três gráficas distintas e que te-
nham experiência em impressão desse tipo de material.
Se seu custo é pequeno, o tempo necessário para sua execução pode
ser relativamente grande. A produção de uma HQ envolve, inicialmente, a
existência de um roteiro (a história a ser contada) e o esboço visual desse
roteiro (o modo como os quadros serão preenchidos, por exemplo, por per-
sonagens e balões de fala e como serão distribuídos na página ou espaço
para eles destinado).
Sobre o roteiro, ele tende a ser bastante parecido em alguns aspectos
com o roteiro para rádio ou TV; a diferença é que, além dos diálogos, falas
e pensamentos dos personagens, o roteirista pode descrever verbalmente
para o desenhista aquilo que ele gostaria que fosse desenhado ou pode co-
locar, ao lado do roteiro, um esboço visual da página como ele a concebeu.
Por um lado, esse trabalho facilita para o ilustrador, que não precisa pensar
na concepção e na composição de cada quadro (ou seja, onde fica cada
personagem, objeto, como é o cenário etc.); por outro lado, esse esboço
pode limitar a criatividade do desenhista. Ou seja: ambos os procedimentos
apresentam prós e contras.

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Figura 26 – Exemplo de roteiro de HQ


Além disso, é preciso considerar que os desenhos podem ser feitos de
três modos, pelo menos:
1) O desenho ou esboço é feito à mão, com lápis, e depois será arte-finalizado com
caneta. A partir daí, ele poderá ficar em preto e branco ou ser colorido à mão;
2) O desenho ou esboço é feito à mão, com lápis, mas depois será escanea-
do para posteriormente ser arte-finalizado e colorizado no computador, em
software de edição de imagens.
3) O desenho é feito diretamente em uma mesa digitalizadora.
Quanto ao texto verbal (falas e pensamentos de personagens, falas do
narrador nos recordatórios etc.), também existe duas opções: o letreiramento
(ou seja, a técnica de escrever esses textos) manual (feito com auxílio de
linhas guia) ou digital (com auxílio de fontes tipográficas específicas para qua-
drinhos, de preferência, uma vez que o uso de fontes digitais não adequadas
tende a deixar o balão meio “artificial”, “inumano” demais).

Figura 27 – Exemplo de linha guia - letreiramento manual


As etapas de feitura de uma HQ tanto podem ser realizadas individu-
almente (o autor é responsável por todo o processo produtivo) quanto em
equipes de duas a seis pessoas (geralmente, roteirista, desenhista, revisor,
arte-finalista, colorista e letreirista, dependendo da distribuição das tarefas).
Percebe-se, assim, o potencial coletivo da produção de HQs, uma vez que a

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concentração de todas as atividades em uma só pessoa tende a transformar


a sua feitura em um processo ainda mais demorado.
Antes de tudo: as HQs não são uma linguagem voltada apenas para as
crianças e os adolescentes. Muitas vezes confunde-se a linguagem quadri-
nística (com gramática e sintaxe próprias) com o mercado de quadrinhos (um
recorte, voltado majoritariamente, mas não exclusivamente, para o universo
infanto-juvenil), o que é um equívoco grave (e do qual sofrem também os de-
senhos animados e as animações feitas por computador).
As HQs são excelentes ferramentas pedagógicas, não apenas para
o letramento linguístico, mas também para o letramento visual. Isso ocorre
porque elas articulam três códigos distintos: o visual, através dos quadros; o
verbal – não obrigatório, vale lembrar –, através dos textos das personagens e/
ou dos narradores; e o esquemático, através da articulação entre os quadros.
As HQs permitem, por um lado, uma série de possibilidades combi-
natórias e variações a partir dos arranjos entre esses três códigos (visual,
verbal e esquemático). Em tese, é esse aspecto que irá diferenciar radical-
mente uma HQ de um livro ilustrado, por exemplo; enquanto neste não há
uma preocupação aparente com a disposição dos quadros, mas apenas das
ilustrações e dos textos numa página, nas HQs, essa disposição é funda-
mental para ditar o ritmo da narrativa.
Outro equívoco bastante comum é acreditar que as HQs são uma lin-
guagem para qualquer pessoa, inclusive analfabetos e semi-alfabetizados.
44
Damos o nome de Isso implica desconsiderar três aspectos importantes, que é o fato de que,
intertextualidade ao fato para se poder ler HQs, é preciso saber:
de um texto (seja ele
1) Ler textos verbais. A maioria das HQs faz uso de textos verbais, nem que
verbal, visual ou sonoro)
remeter o seu leitor para seja nos títulos e créditos da história (nomes do desenhista, roteirista, data
um texto anterior que, de de publicação etc.);
algum modo, ele cita. A
2) Entender as imagens. É preciso tanto conhecer o que ou quem está re-
intertextualidade se dá
de três formas: citação tratado nas imagens desenhadas. Além disso, uma determinada imagem
(literal), alusão (através desenhada pode estar fazendo uma referência intertextual44 a uma outra
de paráfrases) e plágio imagem (pensemos na Mônica, do Mauricio de Souza, com a mesma rou-
(falsidade de autoria).
pa e pose da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, por exemplo);
A intertextualidade é
estudada por autores como 3) A direção dos quadrinhos. A disposição dos quadros numa página está di-
Gérard Genette (1982) e retamente relacionada ao sentido de leitura verbal. As HQs japonesas (os
Koch, Bentes e Cavalcante
mangás) são lidos da direita para a esquerda, por exemplo.
(2007). As charges
jornalísticas são formas A princípio, as HQs são um tipo de linguagem mais simples pelo fato de
de quadrinhos altamente poderem ser redundantes (ou seja, a palavra e a imagem desenhada); por outro
intertextuais, pois muitas
lado, é preciso considerar o fato de que, articuladamente, palavra e imagem
vezes são baseadas em
fotografias publicadas no podem descrever e denominar melhor do que palavras ou imagens isoladas.
jornal do dia anterior. Essa característica permite, assim, a narração de fatos, sejam eles reais ou não.

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Mas é preciso considerar ainda que a redundância entre o que está


narrado verbalmente e o que está mostrado visualmente nem sempre é ne-
cessária e desejada. Se o que queremos mostrar é o funcionamento didático
de um equipamento, por exemplo, faz sentido que haja uma complementa-
ridade e até mesmo certo grau de redundância entre o que se mostra e o
que se fala daquilo que é mostrado. Por outro lado, numa determinada cena
de ação (digamos, um personagem A persegue um personagem B), se torna
desnecessário dizer verbalmente, num recordatório e na voz do narrador, que
“A persegue B”, se isso já está mostrado visualmente no desenho.

Os formatos quadrinísticos

Apesar da quantidade de possibilidades de narração em quadrinhos, existe


uma tendência de se agrupá-los conforme o espaço que ocupam e a quan-
tidade de quadros que usam, ou seja, conforme seus formatos. Se conside-
rarmos a quantidade de quadros necessários, podemos classificar os quadri-
nhos conforme a seguinte tipologia:
 Charge. Geralmente ela ocupa apenas um quadro e tende a apresentar
forte carga política. É muito comum em jornais e revistas e apresenta um
grande componente intertextual, ou seja: os seus conteúdos tendem a se
referir aos acontecimentos que foram notícia no dia anterior, o que a torna
temporalmente “perecível” ou dificulta sua leitura se houver um grande dis-
tanciamento de tempo entre sua leitura e a época em que ela foi produzida.
 Tirinha. Uma linha horizontal que compreende, em média, entre 2 a 4 qua-
dros. Há casos em que a tirinha ocupa apenas um único e largo quadro.
Bastante popular nos jornais, tende a ter como conteúdo uma pequena pia-
da, o que garante muitas vezes a sua “perenidade” temporal. Obviamente,
podem existir tirinhas com apelo intertextual similar ao das charges, forte-
mente ancoradas nos fatos jornalísticos do momento (é o caso das tirinhas
Mafalda, do argentino Quino, e Rango, do gaúcho Edgar Vasquez).
 Histórias em quadrinhos propriamente ditas. Tendem a ocupar um es-
paço maior do que o que uma tirinha. Pode-se dizer que, a partir de duas
tirinhas de quadros (ou de uma meia página) temos uma HQ. Aqui, porém,
não existe um consenso. Para alguns autores, o termo “história em quadri-
nhos” designa toda e qualquer produção feita com o uso de quadros, balões,
recordatórios etc.; para outros autores, é preciso diferenciar entre as HQs
comuns (voltadas a um público infanto-juvenil) e as HQs voltadas a um públi-
co adulto, as quais foram denominadas pelo quadrinista norte-americano Will
Eisner de graphic novels (ou “novelas gráficas”). Ressalte-se que a diferença
aqui é meramente “conteudística”, uma vez que a linguagem e os recursos
gráficos, visuais e verbais adotados são exatamente os mesmos.

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122 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Partes de uma HQ

Compreender uma HQ exige a compreensão de seus termos-chave, uma vez


que há alguns jargões na área; atualmente, há obras dedicadas à alfabetiza-
ção dos quadrinhos (por exemplo, RAMOS, 2009, e CHINEN, 2011). Eis as
principais partes constitutivas de uma HQ:
 Quadro. O espaço delimitado geralmente por quatro linhas e no qual será
desenhada uma ou mais ações e inserido textos verbais (diálogos, recor-
datórios etc.). Geralmente oscila entre o retangular e o quadrado, mas pode
fazer uso de outras formas.

Figura 28 – Páginas para HQs com diferentes tipos de quadros


 Balão. O espaço no qual o texto verbal das personagens (fala ou pensa-
mento) é inserida. O balão apresenta também um arremate, rabicho ou
rabinho, que é a ponta que indica quem está falando naquele momento.

Figura 29 – Tipos de balão para HQs


 Recordatório. Caixa de texto que tende a trazer inserido o texto verbal de
uma personagem que não está na ação, ou seja, que desempenha o papel
de narrador daquela história.
 Sarjeta. Nome dado ao espaço existente entre um quadro e outro. Para
autores como o quadrinista norte-americano Scott McCloud (2005), é o
elemento quadrinístico por natureza, uma vez que ela leva o leitor a “com-
pletar” aquilo que não é mostrado entre um quadro e outro.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Figura 30 – Exemplo de sarjeta (intervalo entre um quadro e outro)


 Onomatopeia. Recurso gráfico de verbalização de um som que, para ser
“percebido” dentro de uma HQ, deve ser desenhado. Outro elemento por
excelência quadrinístico.

As HQs em sala de aula

Há uma série de possibilidades para o professor desenvolver em sala de aula.


No âmbito textual, articulado com os aspectos visuais, pode-se: 1) estimular a
imaginação do aluno que tem capacidade de criar relatos ficcionais ou estimular
a capacidade de relatar quadrinisticamente fatos reais ou relatos propositivos;
2) solicitar ao aluno a adaptação de um texto em outra linguagem (um desenho
animado, um curta-metragem, um conto, uma piada ou uma redação feita pelo
próprio aluno) para a linguagem quadrinística; 3) propor ao aluno a quadrini-
zação explicativa de determinados conteúdos das disciplinas (Física, Biologia,
Geografia) que se tornem facilitados pela articulação entre texto, imagem e qua-
dros seqüenciados (um maior aprofundamento no assunto pode ser obtido, por
exemplo, em EISNER, 1999; RAMA & VERGUEIRO, 2004; CALAZANS, 2005;
VERGUEIRO & RAMOS, 2009; e SANTOS NETO & SILVA, 2011)
Vale lembrar que essas atividades devem ser estimuladas entre todos os
alunos, independentemente de sua capacidade para o desenho. O importante,
aqui, é que o aluno consiga criar um esboço visual de sua HQ; posteriormente,
outro colega poderá fazer o desenho, estimulando a atividade em dupla (um
aluno pode opinar sobre o trabalho do outro e vice-versa). Esses exercícios
ajudam a familiarizar o aluno com a técnica e a lógica quadrinística, bem como
permitem que o próprio aluno tenda a perceber o que ele errou e acertou.
Antes, porém, é preciso conhecer o nível de conhecimento do aluno
com as HQs. Ele Já leu alguma? Se sim, quais? De quais gosta mais? Se
não leu, por quê? Proibição dos pais? Falta de alfabetização? Desinteresse?
É preciso considerar que há uma série de preconceitos em relação aos qua-
drinhos, desde argumentos como "isso é coisa para crianças" até "isso não
acrescenta nada à sua formação".
Tais argumentos devem ser deixados de lado, pois as HQs podem ser
uma forma primeira de alfabetização para a criança e o adolescente, bem como

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uma forma de aprofundamento desse processo, desde que com títulos adequa-
dos à sua faixa etária, à sua realidade social e à sua capacidade cognitiva.
Os professores podem desenvolver também uma série de atividades
com os alunos, antes de eles mesmos produzirem suas próprias HQs (se for
do interesse da escola). Eis algumas dessas atividades:
 Interpretação textual e visual da história. O mais comum dos exercícios:
é solicitada ao aluno a compreensão e/ou discussão dos elementos nar-
rativos básicos (quem são as personagens? Onde se passa? Há alguma
moral na história?);
 Ordenação dos quadros. Esse tipo de exercício é interessante quando se
tem tirinhas de 3 a 5 quadros, com ou sem texto verbal. A ideia é pegar uma
tirinha, recortar os quadros, colocá-los fora de ordem, e solicitar ao aluno a
ordenação mais adequada para eles, de modo a constituir uma sequência nar-
rativa lógica. Em certos casos, pode haver mais de uma alternativa adequada.
 Reescrita dos textos e paratextos. Quando em fase de alfabetização, é
comum que as crianças “inventem” histórias e diálogos para os quadrinhos
que ainda não sabem ler. O professor pode pegar tirinhas ou pequenas histó-
rias (1 a 2 páginas), eliminar todos os textos verbais (falas das personagens,
recordatórios) e paratextos (título da historinha, nomes da(s) personagem(ns)
e do autor) e oferecer ao aluno uma cópia somente com as imagens para o
aluno “criar” sua história, preenchendo os balões com outros diálogos.
 Desenvolvimento do traço e do desenho. Mesmo o “pior dos desenhis-
tas” sabe fazer uma forma qualquer: se alguém coloca, dentro de um cír-
culo, dois pontos simulando olhos, fatalmente terá desenhado algo que re-
mete a um rosto. Pode-se estimular o aluno a tentar fazer um rosto usando
números em diferentes posições, desenhos de frutas ou legumes, formas
simples às quais, quando acrescentado um par de pontos e um traço cur-
vo, transformem aquela imagem em um “rosto”. O mesmo método pode
ser usado para que o aluno desenvolva desenhos de corpos, objetos e
outros elementos visuais.
 Uso de outras matérias-primas. Uma história em quadrinhos não precisa
ser desenvolvida apenas com desenhos: fotonovelas são uma forma de HQ
que usa fotografias no lugar dos desenhos. A imaginação pode permitir que
as imagens sejam capas de revistas, imagens de filmes de cinema, reprodu-
ções de quadros ou fotografias famosas, xerocadas, recortadas de revistas
ou manuseadas no computador através de softwares de edição de imagem
(essa prática pressupõe um aluno de mais idade e/ou com desenvoltura nes-
ses softwares). Apesar de ser uma experiência pedagógica, é também um
bom momento para desenvolver com os alunos uma discussão sobre os di-
reitos autorais e o uso de imagens alheias, como já sugerimos anteriormente.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

 Produção de textos. É uma espécie de culminância (dependendo do tipo de


projeto desenvolvido, obviamente), porque é quando o aluno se torna “autor”.
Se há interesse em que o aluno desenvolva quadrinisticamente suas histórias,
é preciso ter em mente se elas terão um cunho lúdico-ficcional (estímulo da
imaginação e da fantasia), realista-documental (capacidade de expressão, em
linguagem quadrinística, de informações sobre fatos reais, sentimentos, ideo-
logias, propostas políticas) ou artístico-experimental (estímulo da criatividade).
Uma vez desenvolvidas essas atividades, pode-se procurar saber se os
alunos têm interesse em produzir quadrinhos e tirinhas. Caso a escola tenha
um jornal, ele pode ser um excelente espaço de publicação e socialização
desse material.

7. A hipertextualidade
Com o advento e popularização da computação gráfica, é possível trabalhar
texto, imagem e som interligados entre si por links (vínculos).
Quando falamos em hipertextualidade ou em meios e tecnologias digi-
tais, muitas vezes há uma espécie de esquecimento: nesses suportes, o que
trabalhamos, uma vez mais, são textos verbais, imagens (fixas e em movi-
mento) e sons. A grande diferença não é a possibilidade de usá-los simultane-
amente (o audiovisual já faz isso, no cinema e na TV), mas sim a possibilidade
de interligá-los através de links (outros autores denominam os links também
de conexões, ligações ou vínculos computadorizados).
Essa é a novidade dos ambientes hipertextuais: criar hiperdocumentos
que tenham ligações com outros hiperdocumentos, sejam eles textos verbais,
fotografias, filmes, músicas ou espaços da Internet (sites, blogs, páginas de
busca, mídias sociais etc.). A digitalização dos suportes atingiu grande dimen-
são nos dias atuais, e está presente em diferentes possibilidades, como a
Internet, os CD-Roms, DVDs e Blu-Rays, por exemplo, nos quais se “navega”
buscando sites, blogs, informações técnicas, espetáculos, filmes, shows etc.
Aqui, as noções de “texto” e de “navegação” ganham novos contornos.
Como afirma Martin, (1992) “diferente do texto em um livro, o leitor pode atra-
vessar ligações computadorizadas para chegar, quase instantaneamente, a
outras partes do texto. Esse é alinhavado com ligações projetadas para que
o leitor possa, de forma útil, pular de um ponto para outro do texto” (p. 4).
Além disso, como lembra o pesquisador norte-americano George Landow, o
hipertexto permite novas modalidades de leitura não linear (multilinear, multi-
sequencial) (LANDOW, 1995. p. 16).
Se a ideia de hipertextualidade surge com o Memex de Vannevar Bush, a
palavra “hipertexto” surge com Theodore Nelson em 1965. Para ele, o conceito

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de hipertexto está ligado a um tipo de escritura não sequencial, a um tipo de


texto que se bifurca e que permite que o leitor faça escolhas diante da tela (LAN-
DOW, 1995, p. 15). Já o pesquisador brasileiro André Parente (1999, p. 80) am-
plia o conceito de hipertexto, com as seguintes caracterizações e/ou aplicações:
1) É um método intuitivo de estruturação e acesso a bancos de dados multimedia;
2) É um esquema dinâmico de representação de conhecimentos;
3) É um sistema de auxílio à argumentação;
4) É uma ferramenta de trabalho em grupo.
É preciso ter em mente que, para fazer vínculos entre documentos,
deve-se saber o porquê da necessidade desses vínculos. Os pesquisadores
Roger Laufer e Domenico Scavetta (1997, p. 103) sugerem quatro regras
fundamentais:
1) Existir uma grande quantidade de informação repartida em pequenos elementos;
2) Os elementos reenviarem-se uns para os outros;
3) Num certo momento, o leitor necessitar apenas de uma pequena parte da
informação;
4) Só usar o hipertexto se o leitor tiver acesso cômodo a um computador.
Caso se queira fazer uso da hipermedia na escola, é interessante que a
escola possa disponibilizar aos alunos:
 Computadores com: acesso à Internet; softwares de edição de documen-
45
45
É sempre prudente
que os laboratórios de tos HTML ou similar, de som, de textos e de imagens; gravadores e leitores
informática disponham de, de mídias digitais (CDs, CD-ROMs, DVDs etc.); e portas USB;
no mínimo, estabilizadores
e nobreaks, além de  Scanners (podem ser de mesa ou de mão);
funcionários especializados  Gravadores digitais;
para a instalação de
softwares, a manutenção  Estúdio de som (opcional, caso se queira realizar gravações com melhor
dos computadores etc. qualidade sonora).

7.1. O link como ferramenta de linguagem


O elemento que irá permitir todas essas atividades e possibilidades é o link
(vínculo). Desde fins dos anos 1990 que ele vem sendo estudado do ponto de
vista da linguagem. Mais do que uma simples ligação, o link é, antes de tudo,
o resultado de uma tomada de decisão. Se para alguns, um link se constitui
numa forma de opção, para outros, ele pode ser uma instância “repressora”,
uma vez que é o responsável pelo design do site quem determina para onde
se pode ir ou não na navegação.
Segundo o pesquisador alemão Uwe Wirth, “os links não são pegadas
de animais inofensivos (..), mas ‘índices prescritos’ intencionalmente por um

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

autor ou editor” (WIRTH, 1998, p. 103). Basta pensarmos que um site na Inter-
net sem nenhum outro vínculo indica que seu autor deseja que toda a leitura
se concentre exclusivamente naquela página.
É também a partir dos modos como as partes de um hiperdocumento
se relacionam através dos links que percebemos o seu design, a sua estrutura
arquitetônica. Assim, por exemplo, um site cuja home-page só tenha um link,
e essa nova página, por sua vez, só tenha um link, e assim sucessivamente,
apresenta uma estrutura fortemente verticalizada.

Figura 31 – Estrutura de site verticalizado


O link, do ponto de vista textual, também é uma espécie de título ou re-
sumo do hiperdocumento ao qual ele irá conduzir. Vimos anteriormente que o
título é uma espécie de síntese do texto informativo, por exemplo. No caso da
Internet, o link é uma espécie de indicador: ele leva o usuário a outro ambiente
ou a outra página com outros tipos de textos (textos escritos, imagens, vídeos,
sons etc.). Mas, para saber o que encontrar nesse ambiente, é preciso que o
link seja claro, sem margens a dúvidas.
Nos primórdios da Internet, aliás, era comum vermos, em alguns sites,
parágrafos inteiros ativados como links, o que costumava gerar uma dúvida
no leitor: o que vou encontrar ao clicar nesse link? Aonde esse link me levará?
No extremo oposto, também se tornou comum a prática do “clique aqui” como
expressão textual, ao final de um texto. Isso indicava certa pobreza vocabular
e lexical do documento, uma vez que o autor do link, sem saber o que marcar

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46
O pesquisador francês do texto como relevante para o hiperdocumento46 a ser vinculado, optava sim-
Dominique Maingueneau, plesmente pela redação de algo como “para saber mais, clique aqui”.
ao se referir aos suportes
da Internet, prefere falar Outra coisa importante é tentar deixar claro para o leitor se aquele link o
em hipergêneros, em levará para outro ponto do próprio hiperdocumento que ele está lendo (interno)
oposição aos gêneros. Os ou se o levará para fora (externo). Alguns gostam de colocar links internos
gêneros se caracterizam
por apresentam uma
num hiperdocumento para notas de rodapé, por exemplo, em vez de fazer as
série de regularidades mesmas considerações no meio do texto. Isso garante a unidade da leitura
estruturais, sintáticas e e do hiperdocumento como um todo, mas deve ser uma prática cuidadosa,
temáticas dentro de um sem exageros: deve-se inserir links apenas quando eles forem realmente ne-
dado contexto histórico;
já os hipergêneros,
cessários. Uma quantidade exagerada de links em um único parágrafo, por
segundo Maingueneau, exemplo, dará ao leitor a ideia de confusão.
se caracterizam por Outros preferem fazer uso de links externos, que levam o leitor para
apresentarem fracas
restrições de gênero, no
outros textos. Isso é válido quando se quer permitir um maior grau de profun-
máximo “enquadrando” didade e leitura naquele assunto. Mas isso implica num potencial erro; colocar
certos textos. Entre as um link externo logo no início de um texto: isso funciona como uma espécie
formas tradicionais de de convite, dirigido ao leitor, para que ele abandone a leitura e siga o vínculo
hipergênero propostas
por Maingueneau, estão a
oferecido a ele.
carta, o diário e o diálogo, O pesquisador brasileiro Bruno Rodrigues, especialista em webwriting
formas antigas e que (redação para mídias digitais), aconselha, quando o assunto são sites da Inter-
permitem a transmissão de
conteúdos completamente
net: “evite links nas primeiras linhas, nas quais – espera-se – esteja o conteúdo
diferentes (filosóficos, principal da informação que você deseja passar. Primeiramente, capture a
literários, jornalísticos, atenção do visitante, e só depois ofereça-lhe opções” (RODRIGUES, 2000,
publicitários etc.). Assim, p. 28). Ainda em relação ao link externo, outro equívoco é sua colocação ao
por exemplo, sites e blogs
não caracterizam gêneros, e
longo do corpo do texto. O ideal é que haja um conjunto de links ao final do
sim hipergêneros. Para mais texto, como opção para o leitor continuar lendo sobre o assunto em outros
detalhes, ver Maingueneau documentos, mas sem fazer com que ele deixe de ler o texto principal: o que
(2010, p. 129-38). está sendo lido naquele momento.

7.2. Os formatos da internet em sala de aula


A internet é um espaço muito dinâmico. De tempos em tempos surgem novos
formatos: no início eram, por exemplo, os sites, chats e fóruns; depois vie-
ram os portais jornalísticos, weblogs (popularmente chamados de blogs), os
videologs (ou vlogs) e, mais recentemente, as publicações da Web 2.0 e as
chamadas mídias sociais (Orkut, Twitter, Facebook, Linkedin etc.).
O fato de a internet permitir o surgimento desses novos formatos faz
com que os gêneros tradicionais (jornalístico, publicitário, literário etc.) “mi-
grem” (ou se expandam) de suporte em suporte, caracterizando uma grande
“flexibilidade” de gêneros na rede. Isso solicita um outro modo de análise dos
produtos da internet em termos de gênero.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

Está claro que as facilidades cada vez mais crescentes de publicação 47


É importante que os
na internet47 podem ser utilizadas sem maiores problemas em sala de aula. computadores com acesso
à internet disponham de
Antes de tudo, porém, é interessante permitir que os alunos conheçam o po- bons sistemas antivírus
tencial da rede em termos de obtenção de informação e posterior produção para identificar páginas
de conhecimento. suspeitas e/ou perigosas
durante a pesquisa e para
Uma das coisas mais importantes é saber pesquisar na rede. É bas- notificar o leitor dos riscos
tante comum que muitas pessoas coloquem palavras a esmo num site de de abertura de certos sites.
busca, sem ter a menor noção do que seja o refinamento de uma pesquisa. O
resultado, em geral, é uma grande quantidade de resultados; muitos desses
resultados, por vezes, nada têm a ver com a pesquisa desejada. O domínio
das técnicas do refinamento de pesquisa permite economia de tempo e, prin-
cipalmente, a localização mais facilitada da informação buscada.
Apesar da atual (e crescente) popularidade do Google, é importante
lembrar aos alunos sobre a existência de outros sites de buscas (Yahoo!, Alta-
vista, DuckDuckGo). Além disso, eles devem conhecer as diferenças existen-
tes entre pesquisadores automáticos (motores de pesquisa) e pesquisadores
temáticos (que listam por diretórios).
Outra possibilidade interessante é a aproximação com a Matemática.
Por exemplo: mostrar aos alunos a importância do conhecimento da lógica bo-
oleana para refinar as suas pesquisas. Com esses conhecimentos, fica mais
fácil o uso correto de palavras-chave adequadas. Uma exposição simples so-
bre o assunto está disponível em Denega (2000, p. 21-30).
Uma outra atividade é fazer uma ponte com a Língua Portuguesa, no
tocante à atenção com a ortografia das palavras a serem pesquisadas. Nesse
caso, pode haver um duplo movimento: de um lado, verificar a grafia correta
das palavras; de outro, fazer uma análise crítica de páginas que apresentam
erros desse gênero. O mesmo vale para o uso das frases exatas, que restrin-
gem o número de resultados de uma pesquisa.
O uso da pesquisa na internet auxilia os alunos na produção de novos
textos e produtos para a Internet. Mas também é importante mostrar ao aluno
que continuam existindo outras formas de acesso à informação (ainda que es-
sas formas mais tradicionais, como jornais, revistas e enciclopédias, estejam
quase todas disponíveis no – ou migrando para – o ciberespaço).
Por outro lado, também pode (ou melhor: deve) ocorrer o inverso, ou seja,
os alunos se tornarem também produtores de conteúdo, e não mais apenas
“buscadores” de conteúdo. Eles podem criar um blog sobre os conteúdos das
matérias e disciplinas estudadas; criar uma comunidade on-line sobre um de-
terminado assunto; ou mesmo criar um site sobre suas experiências escolares.
Mas também podem, por exemplo, “traduzir” textos impressos, ima-
gens, músicas e outras formas textuais para a linguagem hipermediática.

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Exercícios de transposição de conteúdos de naturezas diversas (impressos,


sonoros, visuais, audiovisuais etc.) para uma publicação hipertextual podem
ser excelentes atividades. Vejamos algumas modalidades: a partir de Landow
(1995: 32-41), podemos assinalar quatro maneiras diferentes e gradativas de
se fazer essas adaptações hipertextuais:
1) Transposição pura e simples do original (texto verbal, por exemplo) para um
leitor, mantendo-se a estrutura gráfico-visual original da obra (numeração,
margens etc.);
2) Substituição do suporte, transpondo o texto para um suporte informático,
substituindo, por exemplo, notas de rodapé por links (as quais podem vir ao
final do documento, em documentos independentes entre si ou num único
documento com todas as notas);
3) Transformação mais ampla do texto em hipertexto, inserindo links para ou-
tros documentos (entrevistas com especialistas, críticas, resenhas, maté-
rias de jornal etc.); e
4) Ampliação da atividade do leitor no hipertexto, permitindo o acréscimo de
notas explicativas, comentários, links etc.
Uma atividade pertinente seria solicitar aos alunos a adaptação de um
pequeno texto verbal (um conto literário ou uma matéria jornalística) para um
formato hipertextual. No caso de um conto, os alunos podem procurar infor-
mações biográficas sobre o autor ou sobre o conto, pesquisar a existência
de adaptações de outra natureza (musical, audiovisual etc.) ou informações
contextuais sobre a época em que o conto foi escrito ou sobre a época em
que se passa a narrativa.
No caso da matéria jornalística, os alunos podem pesquisar outros tex-
tos jornalísticos que ampliem ou complementem o texto original, opiniões de
especialistas sobre o fato noticiado, a existência de reportagens audiovisuais
ou sonoras na Internet etc.
Mas existem outras possibilidades pedagógicas. A partir de uma deter-
minada música, pode-se solicitar aos alunos a criação de um material hiper-
textual no qual coexistam:
 A letra da música (se for o caso);
 Imagens fotográficas do cantor e/ou do compositor;
 Entrevistas do cantor e/ou do compositor;
 Criação de um videoclipe com inserção de imagens fotográficas, dese-
nhos, animações e/ou imagens em movimento.
Perceba-se que, nos exemplos acima mostrados, há uma tendência
em reunir as lógicas produtivas de linguagem discutidas ao longo deste ca-

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

pítulo. Por exemplo: um videoclipe pode tanto reunir imagens que se tornam
representativas e informativas por “redundarem” as ideias contidas no texto
verbal quanto pode reunir imagens simbólicas e expressivas para criarem no-
vos sentidos ao final. Um documento hipertextual pode fazer uso das regras
de redação para roteiros de rádio e TV, uma vez que é comum o uso de uma
certa coloquialidade nos textos para a Internet.
A partir desses exercícios, e dependendo da faixa etária dos alunos, é
possível pensar em projetos mais complexos, envolvendo suportes interativos
(TV, jogos, filmes etc.). A princípio, as únicas limitações são de criatividade e
de recursos técnicos disponíveis. Uma boa discussão sobre as novas possibi-
lidades geradas pelos suportes multimediáticos pode ser encontrada em Gos-
ciola (2003), que discute as aproximações entre as artes (Literatura, Cinema,
Quadrinhos) e os novos suportes interativos (TV interativa, videogames etc.),
bem como pensar em roteiros para essas novas possibilidades.

8. Exercícios práticos
Aqui, damos algumas sugestões de exercícios que podem ser realizados pe-
los alunos.
Os exercícios que enumeramos aqui são apenas uma pequena amos-
tra do que pode ser realizado em sala de aula; a maioria deles pode ser re-
alizada com o auxílio do computador e dos devidos softwares, periféricos e
equipamentos já citados. Muitas das atividades podem ser compartilhadas
em sites, blogs e mídias sociais (desde que não venham a ferir a política de
direitos autorais, de direitos de imagem etc.). Porém, nem todos os exercícios
servem para todas as faixas etárias; alguns dependem de competências na-
tas ou adquiridas no convívio escolar.
É importante que todos os colegas possam ter acesso à produção uns
dos outros na própria sala de aula, antes mesmo de compartilhar na Internet:
isso permite uma melhor compreensão das possibilidades que as diferentes
linguagens oferecem para se referirem a uma mesma realidade e dá a opor-
tunidade de uma avaliação crítica antes desse material ser tornado público.
Além disso, esse método permite criar, como diria Jesús Martín-Barbe-
ro, mediações, ou seja: os alunos não apenas recebem o material mediático
produzido por eles, mas dialogam entre si e constroem conhecimento a partir
desse material, de sua experiência de vida e de sua experiência coletiva. Aqui,
temos o cerne do tripé Informação + Comunicação + Educação: os dados
sobre a realidade, a coletividade social e a produção de conhecimentos.
1. A partir de um projeto de arquivo de áudio (musical, sonoro etc.), fazer
acréscimos, substituições, omissões de sons em um software de edição de

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áudio. Se for possível ter um arquivo de áudio master (ou seja, com todos
os instrumentos em pistas separadas e independentes), isso proporcionará
aos alunos uma noção prática de como se faz a remixagem de uma música
ou como se trabalha a edição sonora. A presença de um professor da área
de Música ajudará bastante.
2. A partir de uma melodia ao violão, criar um jingle. É outra atividade na qual
a presença de um professor de Música será útil. Se for possível a presença
de alguém que trabalhe na área de Publicidade ou de jingles, certamente a
atividade renderá mais.
3. A partir de uma batida, criar uma música de estilo rap. Com um software de
áudio e algum conhecimento musical, é possível criar uma batida de rap. A
partir dessa batida, a ideia de compor um rap pode se tornar interessante.
Além do professor da área de Música, um professor da área de Literatura
ou de Língua Portuguesa pode acompanhar a atividade. Se houver caixas
de som espalhadas pela escola, a música pode ser compartilhada com os
demais colegas.
4. A partir de uma música conhecida, criar uma paródia. Às vezes, é possível
encontrar versões instrumentais de músicas conhecidas ou mesmo gravá-
-la com os instrumentos que estiverem à disposição. Ao contrário do que
se imagina, fazer uma boa paródia não é algo tão fácil. O assunto pode ser
discutido com o professor de Literatura ou de Língua Portuguesa.
5. A partir de trechos de produtos audiovisuais, criar redublagens. A dublagem
é uma técnica de sincronização da voz do dublador numa outra língua com
o movimento do personagem numa animação ou filme que usa uma língua
original. Na Internet, é comum encontrarmos redublagens de cenas de no-
velas, filmes e anúncios publicitários. O acompanhamento de um professor
de Educação Artística ou de Língua Portuguesa pode ser interessante.
6. Fazer leituras orais de diferentes textos verbais usando diferentes estilos ou mo-
dos de fala. Esse tipo de exercício propicia aos alunos perceberem as diferentes
nuances da própria voz, a partir de mudanças de velocidade, timbre, intensidade
etc. O exercício terá melhores resultados se puder ser realizado num estúdio
de som; como já dissemos, ouvir a própria voz gravada, bem como suas
variações, pode soar como uma descoberta para boa parte dos alunos. Se a
escola tiver profissionais de Fonoaudiologia em seus quadros, para acompa-
nhar os exercícios com a voz, os resultados serão ainda melhores.
7. Fazer leituras orais de pequenas frases (manchetes de jornais ou revis-
tas), deslocando as suas ênfases. Exercício típico de quem pretende ser
locutor, mas que serve também para melhorar a dicção e possibilitar maior
dinamismo vocal.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

8. Experimentar fazer diferentes narrações ou tipos de voz mixando-as com


diferentes sons e efeitos sonoros ou falando ao mesmo tempo em que ouve
os sons. Nossa voz isolada soa de um jeito; quando ela está acompanha-
da de música ou de efeitos sonoros, tendemos a percebê-la de um modo
distinto. Fazer esse exercício com músicas de diferentes BPMs, de modo
que nossa voz tente acompanhar o ritmo das diferentes batidas, permite
perceber se ela soa melhor mais acelerada ou mais desacelerada.
9. Fazer com que os alunos montem um produto audiovisual e que possam
mexer no arquivo do projeto do mesmo, eliminando, trocando ou acrescen-
tando músicas, falas e ruídos para perceberem as mudanças que ocorrem
quando se troca o som. Esse exercício permite a percepção de como, num
produto audiovisual, a mudança ou eliminação de um desses elementos
(fala, sons, música) modifica o sentido do todo da peça.
10. Solicitar aos alunos para fazerem o inverso: inserir diferentes imagens para
um mesmo som, diálogo ou música. Esse exercício poderá parecer à fei-
tura de um videoclipe se o arquivo a ser trabalhado for uma música. Exce-
lente ocasião para permitir aos alunos que sua imaginação possa fluir.
11. Pedir aos alunos para selecionarem vários tipos de imagens fotográficas
publicadas em jornais, revistas e sites e fazerem divisões a fim de analisa-
rem seus tipos de composição. Exercício que permite aos alunos percebe-
rem que, por trás de grande parte das imagens de nossa civilização, existe
a tendência de seguir um estilo de composição visual. O acompanhamen-
to de um professor de Educação Artística pode ser interessante.
12. Pedir aos alunos para tentarem completar, desenhando, aquilo que não
está enquadrado numa fotografia. Ótimo exercício para os alunos pensa-
rem que a fotografia, por excelência, tanto é uma arte do enquadramento
quanto uma arte da seleção daquilo que não será enquadrado.
13. Pedir aos alunos para criarem outras manchetes para um mesmo texto de
jornal. Ótimo exercício para compreender o gênero jornalístico “manchete”
e suas recorrências e peculiaridades em relação a outros textos.
14. Pedir aos alunos para criarem pequenas notícias a partir de informações bá-
sicas de um lide jornalístico (quem, o quê, onde, quando, como etc.). Se os
personagens e informações forem próximos da realidade dos alunos, melhor
ainda. O exercício auxilia na compreensão do gênero jornalístico “notícia”.
15. Pedir aos alunos para criarem outros diálogos para uma mesma página
de HQ. Para tal exercício, basta xerocar uma página de HQ eliminando os
diálogos dos balões. Os alunos deverão observar apenas as cenas e com-
pletar com falas que pareçam as mais pertinentes. Estimula a imaginação
e a capacidade perceptiva em relação às imagens.

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16. Pedir aos alunos para adicionarem outros quadros a uma pequena HQ ou
tirinha de jornal, criando um outro início e um outro fim para aquela história.
Dois ótimos exercícios de estímulo à imaginação: o primeiro é solicitar aos
alunos para imaginarem o que poderia ter acontecido antes do primeiro
quadrinho e o que poderia ocorrer após o último quadrinho; o segundo é
fazer a quadrinização dessas cenas.
17. Pedir para redesenhar, reduzindo, uma história de 4 páginas para 2 pági-
nas. É o contrário do exercício anterior, de certo modo: permite observar a
capacidade de síntese dos alunos.
18. Pedir para os alunos transformarem piadas em tirinhas. Permite a observação
da capacidade de quadrinização dos alunos com um roteiro bastante simples.
19. Pedir para os alunos adaptarem um pequeno texto ou conto (uma fábula de
Esopo, por exemplo) em uma historinha de 1 ou 2 páginas. A sugestão aqui é
pedir para que os alunos refaçam parte do texto original, condensando algu-
mas partes e eliminando outras (como as descrições, que deverão aparecer
nos desenhos dos quadrinhos). É uma espécie de exercício mais avançado.
20. Solicitar aos alunos para fazerem pesquisas fazendo uso dos operadores
lógicos, frases exatas e outras modalidades que refinem a busca na Internet.
Exercício obrigatório para quem pretende que os alunos façam pesquisas
na Internet. Além de otimizar o tempo da pesquisa, solicita a capacidade
lógica do aluno de pensar em como reduzir suas opções de busca.
21. Pedir aos alunos para adaptarem pequenos textos impressos para o for-
mato hipertextual (com uso de outros textos, imagens, sons etc.). O exer-
cício pode ser feito com um pequeno texto de jornal, um conto ou uma
poesia. O importante é estimular o aluno a pensar em outras linguagens e
textos que podem ser mobilizadas para dialogarem com o texto verbal.
22. Pedir aos alunos um projeto escolar de hipertexto com duas versões: uma
para a Internet e outra para suportes digitais (CD, DVD etc.). Os alunos
devem apresentar a estrutura do projeto, os links, os textos, as imagens
e os sons que devem constar no trabalho. É interessante que os alunos
apresentem esse projeto em forma de esboço inicial, desenhado à mão
mesmo, e que detalhem e justifiquem os elementos inseridos. O exercício
estimula a capacidade de visualização de dados e informações por parte
dos alunos.

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

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138 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Considerações finais
Como pudemos perceber, historicamente o homem nunca esteve dis-
sociado da tecnologia, em suas diversas nuances. E o tempo das tecnologias
digitais assinala mais uma etapa nesse processo. Dentre as tecnologias que
acompanham o ser humano, a linguagem talvez seja uma das mais intrigan-
tes: é através dela que nos comunicamos, que construímos bancos de dados
e informações, que escrevemos nossa história e construímos nossa memória.
Sem a linguagem, pouco seríamos.
Conhecer as potencialidades das linguagens é um desafio desde sempre.
Saber como fazer uso das técnicas de comunicação e de informação garante
a manutenção da nossa memória (seja ela coletiva ou individual), a escritura da
história (também coletiva ou individual) e nossa própria sobrevivência diante de
outros seres humanos. Diante de tais afirmativas, a frase “todo mundo é uma
ilha” pode ser logicamente contradita: “ninguém é uma ilha”.
Assim, possibilitar aos alunos, em sala de aula, o aprendizado e o do-
mínio de certas técnicas de comunicação e informação ajuda a garantir que
tenhamos futuras gerações que saibam exercer o seu direito de expressão.
O uso das tecnologias digitais, nesse aspecto, acelera processos de aprendi-
zagem e, ao mesmo tempo, permite a troca de experiências com alunos que
estão geograficamente distantes, mas virtualmente próximos.
As palavras de Paulo Freire, extraídas de seu livro Pedagogia da Auto-
nomia, cabem aqui como uma luva:
“Educar é substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecno-
logia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar
errado” (1999; p. 37).
A questão central aqui não é tanto a tecnologia, mas o uso que dela é
feito. E, tendo em vista que a linguagem, em suas diversas matizes, é uma
forma de tecnologia, nada mais natural do que a escola ter uma atitude pro-
ativa nesse aspecto. Para transformar os alunos em cidadãos, é preciso an-
teriormente auxiliar na criação das condições de expressão própria de cada
um. Ou, como escreveu o professor italiano Gianni Rodari, em seu fantástico
livro Gramática da Fantasia, a respeito da criatividade e da imaginação no
processo educacional (e que também se encaixa com perfeição em nossa
discussão): "todos os usos da palavra a todos" (1982, p.11).

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Técnicas da Informação e Comunicação aplicadas à Educação

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140 Ricardo Jorge de Lucena Lucas e Felipe Lima Rodrigues

Sobre os autores
Ricardo Jorge de Lucena Lucas: jornalista, professor dos cursos de Jor-
nalismo e Publicidade do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal
do Ceará (ICA-UFC). Doutor em Comunicação pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPe), mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em Teorias da Comunicação
e da Imagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade
Federal do Ceará e graduado em Comunicação Social pela Universidade Fe-
deral do Ceará. É coordenador do projeto de extensão “Oficina de Quadri-
nhos – UFC”. Ministrou as disciplinas “Teoria da Comunicação” no curso de
especialização em Teorias da Comunicação e da Imagem (UFC) e “Textos e
Narrativas Audiovisuais” no curso de especialização em Audiovisual em Meios
Eletrônicos. É também professor do Programa de Pós-Graduação em Comu-
nicação da Universidade Federal do Ceará (PPGC-UFC)

Felipe Lima Rodrigues: jornalista, ilustrador, designer gráfico e quadrinista.


Especialista em Comunicação e Imagem pela Universidade Federal do Ceará
(UFC), MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Graduado
em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará.

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