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FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
ISBN 978-972-31-1374-7
ÍNDICE
NOTA PRÉVIA 15
INTRODUÇÃO 17
DA A~TE . EDIFICATÓ~IA
SAUDAÇÃO DE ÂNGELO POLIZIANO 135
PRÓLOGO 137
ANEXOS
ABREVIATURAS 695
A urgência antiga que sentimos há séculos, por não termos uma versão
do De re aedificatoria de Leon Battista Alberti em língua portuguesa,
acompanha-nos desde que D. João III encomendou a André de Resende a
feitura de um livro de Architectura que, pelo que sabemos, não viu a luz
do sol.
Estes propósitos perdidos, que não acharam ouvidos de gente, nem edi-
ções impressas em vernáculo, fizeram com que a recepção e as leituras do
tratado ocorressem, principalmente, em . línguas estrangeiras, do mesmo
modo que as frases e os dias de Alberti, entre nós, se transformaram em
obras raras ou antiquíssimas.
Este destino do olhar as teorias in absentia , de as ver passar ao longe
até ao mar maior da arte edificatória, tem sido um gesto que afaga os suces-
sivos adiamentos destas viagens não realizadas ou desaparecidas.
A gradual emergência da necessidade de o tratado de Alberti ser apre-
sentado em língua portuguesa consolidou-se, por isso, como um imperativo
sucessivamente aprazado, sem que tivéssemos, entretanto, uma edição para
consulta dos que frequentavam as disciplinas de ·arquitectura de que éramos
responsáveis.
Se estávamos certos da excelência das recentes edições do tratado de
Alberti, transcritas para algumas línguas europeias, ficávamos cada vez
menos seguros da sua relevância para o estudo da teoria da arquitectura em
países de língua portuguesa, principalmente ao tomarmos consciência desta
herança.
Este legado confronta-nos com a singularidade do texto de arquitectura,
na medida em que o discurso disciplinar, inaugurado por Alberti no séc. XV,
sem se apresentar com as características de um texto científico ou mesmo
literário, requer uma subtileza de argumentos que não se reduzem a uma
mera manipulação de recursos e figuras de retórica, para delinear a função
primeira desse discurso - a descrição disciplinada do objecto de estudo:
a res aedificatoria, que terá de se articular com uma função segunda, que
15
Nota Prévia
1
Oração de Petição do Grau. ln Doutoramento Honoris Causa de Álvaro Siza e Brian
Scarllet, 1997, p. II. Coimbra: Universidade de Coimbra.
16
INTRODUÇÃO
2
A índole tratadística do De re aedificatoria não esgota as dimensões literárias e antropo-
lógicas que o texto sugere e desenvolve.
3 Chamado pelos seus contemporâneos de Battista Alberti, dado que o nome de Leon é
uma designação do próprio autor do De re aedificatoria. Vasari (1550) relata que no epi-
táfio de Alberti constava: "[ ... ] a cidade de Florença o chamou com todo o direito de
Leon, porque foi o príncipe de todos os sábios". Cf. trad. esp. de L. Bellosi - A. Rossi ,
2002, p. 317, n. 23.
4
Somente por jus sanguinis e não por jus solis é que se pode atribuir origem florentina a
Leon Battista Alberti (1404-1472). Este nasceu em Génova e a sua família , de Florença,
esteve exilada naquela cidade após a expulsão decretada pelo governo oligárquico da
família dos Albizzi que dominava, então, a política do estado florentino .
17
Introdução
suprema eloquência, mostram até que ponto estes saberes nele floresceram ~
Escreveu o De pictura, escreveu o De sculptura, intitulado Statua. Não
somente escreveu sobre estas artes mas as praticava, com as suas próprias
mãos, e das quais possuo obras exemplares produzidas pelo pincel, pelo cin-
zel, pelo buril e pelo molde".
De modo semelhante, Giorgio Vasari (1550), nas Le Vite de' piú eccel-
lenti architetti, pittori, et scultori italiani [ ... ], afirma que se pode clara-
mente apreciar em Leon Battista Alberti que, "graças aos seus estudos da
língua latina e à criação de obras de arquitectura, perspectiva e pintura, dei-
xou livros escritos de forma tal [ ... ] que [ .. . ] é uma convicção geral (tanta
força têm os seus escritos na boca dos doutos) que superou todos aqueles
que o haviam excedido na prática" 5 •
A introdução laudatória de Poliziano sugere que o autor deu um con-
tributo notável com ingenii elegantis, acerrimi iudici e exquisitissimaeque
doctrinae num texto, inserido numa obra mais vasta, que tem por objecto o
discurso em arquitectura; a referência de Landino, que descreve o tratado
como tendo sido divinissimamente scritti com somma eloquenzia, lembra-nos
que a feitura do mesmo foi acompanhado de uma prática artística exemplar
e, ainda, os comentários de Vasari confirmam que aquele foi, ao seu tempo,
insuperável nos textos que escreveu sobre arquitectura, perspectiva e pintura,
pela forza hanno gli scritti suai nelle lingue de' dotti.
Mas será que o teor destas apreciações encomiásticas, face a outras
obras de teoria da arquitectura, se manteve ao longo da sua recepção? Por
outras palavras, como podemos interpretar este texto, simultaneamente clás-
sico e disciplinar, na medida em que o mesmo poderá ter sido acolhido, por
várias gerações, de forma diferenciada?
Se bem que a diversidade de pontos de vista e de leituras sejam endé-
micas em relação à obra escrita de Alberti, tomemos este facto como ponto
de partida para a sua interpretação e exploremos as suas implicações disci-
plinares. É por meio de uma prática eminentemente reflexiva e comparativa,
a partir tanto do tratado como daquelas divergências, que poderemos alargar
e aprofundar o seu entendimento, no contexto desta edição que agora se
apresenta.
Não existe qualquer motivo para pensar que se verificará, em decorrên-
cia, um consenso alargado sobre esta leitura do tratado de Alberti. Contudo,
a experiência tem mostrado que a discussão sobre a obra deste autor modi-
fica o quadro no qual é possível estabelecer uma crítica interpretativa possi-
5
Cf. trad. esp. de L. Bellosi - A. Rossi, 2002, p. 315 .
18
As Leituras Da Arte Edificatória
6 Este tenno refere-se à produção cultural do séc. XV originada nos estados italianos.
7 De humanitas, termo utilizado por Cícero (Arch., 1, 1-2) para significar todos os conheci-
mentos que afectam a condição do homem, que concorrem para o seu aperfeiçoamento
espiritual e estão de acordo com as musas.
19
Introdução
8
A cidade de Roma, em meados do séc. XV, tinha cerca de quarenta mil habitantes, isto
é, uma pequena fracção quando comparada com a população da Roma antiga, onde
aquele valor, no séc. I a. C., chegou a atingir um milhão de residentes. Cf. Pardo, 1984,
pp. 516-548; Morley, 1996, pp. 33-54.
9
O papa Pio II (1458-1464), Enea Sílvio Piccolomini, refere-se a Alberti, não como arqui-
tecto, mas como antiquitatum solertissimus indagator, isto é, como o "mais sagaz dos
descobridores de antiguidades " (in Commentarii, XI, 22; cf. trad. ingl. de F. A. Gregg,
1959, XI, p. 316) .
10
Entre as quais se contam, no Trecento, as de Francesco Petrarca (c. 1345), que elaborou
uma evocação da Roma antiga na concatenação das suas cartas Familiares (VI, 2), bem
como, no Quattrocento, Poggio Bracciolini (1447- 48), um dos mais reputados latinistas
da cúria Papal, no De varietate fortun e e, ainda, Giovanni Tortelli (1448-51 ), autor da
fixação da unidade ortográfica de palavras derivadas do grego, na obra De orthographia.
Cf. Alberti, 1450, Descriptio urbis Roma e, ed. de M. Furno - M. Carpo, 2000,
pp. 130-172.
11
Na obra Italia 1/lustrata, Biondo (1531 , pp. 325-326) mostra que tinha um conhecimento
directo do tratado de Alberti ao referir-se ao envolvimento deste na recuperação de uma
nave romana no lago Némi: "o meu amigo Leon Battista Alberti, o grande geómetra do
nosso tempo e autor de um trabalho elegantíssimo sobre a arte edificatória, foi indigitado
para ajudar nesta tarefa" (cf. trad. ingl. de J. A. White, 2005).
12
Para uma recensão sobre a pertinência e a legitimidade do conceito de Renascimento
veja-se Paoli (20 1O, pp. 29-54 ).
13
O texto encontra-se reproduzido na obra de D'Onofrio (1989).
20
As Leituras Da Arte Edificatória
14
Resultante da autotradução do seu tratado de Pintura , escrito c. 1435, em toscano, dedi-
cado a Filippo Brunelleschi.
15
Também se tem conhecimento, anteriormente à publicação do De re aedificatoria, que
Alberti é o autor de uma monografia sobre navios, De navis, considerada perdida, mas
mencionada por Leonardo da Vinci nos seus livros de anotações (códice Hammer,
f. 13v), onde reporta: Vedi de na vi di messer Battista e Frontino de acquedotti (cf.
Marani , 1994, p. 36 1).
21
Introdução
16
A data da suposta fundação de Roma (urbe condita) teve lugar, de acordo com Varrão,
cerca de 753 a. C. (cf. Sol. , I, 18).
17
Lívio (I, 46, 5; II, 40, 13 ; VI, 30, 6; VII , 34, 6) refere-se frequentemente a f ortuna
populi romani ao relatar os primórdios da cidade de Roma e coteja fortuna com virtus
(V, 34, 2), tema este recorrente em Alberti no Proémio da obra I libri de/la famiglia .
tH Cf. trad . de P. F. Alberto, 1999.
19
[ ••• ] quae ad vitam bene beateque agendam fac iant [...], Prólogo, De re aedificatoria
22
As Leituras Da Arte Edificatória
21
Isto é, das vias de acesso, dos sepulcros, das capelas, das colunas, dos mausoléus, das
torres, dos pórticos, das basílicas, dos monumentos, dos portos, das praças, do fórum, das
pontes, dos arcos de triunfo, dos teatros, dos circos e anfiteatros, dos espaços para as
corridas, das cúrias, das salas de reunião, dos parques, bem como das termas e de outras
obras do mesmo género.
22
"Entre os homens são poucos aqueles que se evidenciam e salientam em todos estes dons
simultaneamente. Deste critério surge a primeira divisão, que consiste em seleccionarmos
de entre a multidão uns poucos, dos quais uns se elevem por serem notáveis em sabedo-
ria, conselho e inteligência, outros experimentados na vivência e na prática das coisas,
outros famosos pela abundância de bens e opulência das suas fortunas" (Livro IV, cap. 1.).
23 Estes princípios são implicitamente invocados ao longo do tratado, nomeadamente ao
descrever a sistematização da coluna no Livro VII, cap. I.
23
Introdução
24
O estabelecimento da correspondência entre os Livros II a IX Da Arte Edificatória e as
dimensões vitruvianas de firmitas, utilitas e venustas deve-se ao trabalho pioneiro de
Krautheimer (1995), inicialmente publicado nas Acts of the Twentiet~ lnternational Con-
gress of History of Art, II, Princeton, 1963, pp. 42-52. O entendimento desta reciproci-
dade, em função da necessitas, da commoditas e da voluptas albertianas, deve-se à leitura
renovadora de Choay, 1996, pp. 90-170.
24
As Leituras Da Arte Edificatória
25
O ritual de purificação das águas também é referido por Alberti (Livro X, cap. 8), o que
indica que a arquitectura após satisfazer as necessidades e responder aos desejos, subor-
dinados à beleza, também se purifica. Neste sentido, o Livro X, que coroa o tratado e
aborda questões de hidráulica e de reparação de obras, pode ser entendido como uma
descrição dos rituais de purificação da edificatória.
26
"A edificação consta de seis partes, a saber: a região, a área, a compartimentação, a
parede, a cobertura, a abertura" (Livro I, cap. 2) que correspondem, na situação contem-
porânea: ao território onde se insere uma obra de arquitectura; a um espaço deste terri-
tório, perfeitamente delineado, destinado à construção do edificio; à organização da com-
partimentação do edificado, bem como à composição das paredes, das coberturas e dos
vãos ou aberturas.
25
Introdução
27
Não são as ordens arquitectónicas que são desenvolvidas por Alberti (Livro VII, cap. 6),
mas o conceito de columnatio, i.e. de sistematização da coluna ordenada pelas suas par-
tes (pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, traves ou friso e comija) e não pelos seus
géneros (dórico, jónico, coríntio, compósito ou itálico).
26
As Leituras Da Arte Edificatória
27
Introdução
Assinala Eco (op.· cit., p. 26) que esta mentalidade povoa os mitos de
origem, como atesta o acto de fundação da cidade de Roma, a partir da con-
tenda entre Rómulo e Remo, devido à fixação do seu limite territorial ou,
ainda, a passagem do Rubicão por Júlio César, como um acto irreversível
(alea jacta est). Além disso, toda a Pax Romana baseava-se na necessidade
de delimitar a fronteira - o limes - para a defesa do Império.
Esta compreensão constitui-se num modus cogitans da cultura latina,
isto é, numa "maneira de organizar a realidade para a tomar compreensível
ao pensamento" (Eco, op. cit. , p. 25), que se manifesta nos mais variados
domínios, nomeadamente nas artes e na linguagem.
Seppilli ( 1990) ao estudar a sacralidade da água e o sacrilégio das pon-
tes chama a atenção para o facto de Varrão (L., V, 83) sugerir que a etimo-
logia de pontifex, originada por aglutinação de pons e facere, poderia ser
sacrílega porque sugere a transposição do sulcus, a fronteira que é dese-
nhada pela água entre as margens do rio, o que justifica que a sua constru-
ção se faça sob um rigoroso ritual: "eu creio que este termo deriva de pons;
com efeito, são os . pontífices que construíram pela primeira vez, assim como
depois foi muitas vezes restaurada, a ponte Sublício onde, das duas margens
do Tibre, se celebravam sacrifícios solenes" 30 •
Aquela noção de fines, presente em Horácio (op. cit., I, 1, 106), bem
como a de sulcus, sugerida por Varrão (op. cit., V, 39) indica que a cultura
latina está impregnada daquele modo de pensar e insinua que Alberti trans-
pôs, a partir da mesma, a noção de finitio para a definição do termo conci-
nidade em arquitectura, o que permite estabelecer a venerável concepção do
todo, por oposição ao que não faz parte dos contornos definidos ou sulcados
por aquele limite.
Esta noção de delimitação para organizar o todo não se restringe, em
Alberti, à obra de arquitectura mas constitui-se num modus cogitans para as
outras artes. De igual modo, na versão em latim do seu tratado de pintura,
Alberti (De pictura, II, ·31) afirma o sentido de limite na composição da
obra pictórica ao referir-se à noção de circumscriptio (delimitação) como
sendo a notação dos contornos.
De forma semelhante, Alberti (Statua , 5 e 8) sugere também uma dis-
tinção entre dimensio et finitio, entre dimensão e limite, quando se refere à
estatuária, onde entende pelo primeiro termo a proporção usual das formas
humanas e, quanto ao segundo, as proporções e formas específicas de dife-
rentes pessoas e estátuas, por assim dizer, o~ seus limites.
° Cf.
3
trad. esp. de L. A. H. Miguel, 1998.
28
As Leituras Da Arte Edificatória
31
O levantamento das fontes bibliográficas citadas na obra literária de Alberti, nomeada-
mente no que se refere às de origem medieval e religiosa, foi elaborado por Cardini et
a/ii (2005, pp. 389-51 0), mas o mesmo não é exaustivo dado que se trata de uma sele-
zione. Neste levantamento a obra de Santo Agostinho, De civitate Dei, é assinalada no
Livro X, cap. 7, mas é omisso quanto à de Santo Tomás de Aquino. Para um descrição
comentada destas fontes cristãs e medievais vejam-se os trabalhos de Ponte (1991 ),
Rinaldi (2002) e Cardini - Regoliosi (2007b).
32
Esta composição temária, que permeia a concepção medieval do mundo, quer se expresse
em obras, quer em ideias, está presente na obra de Santo Agostinho (De Trinitate, XI, 11 ,
18) ao assumir as pal avras do Livro da Sabedoria ( 11 , 21 ): tua sed omnia in mensura, et
numero, et pondere disposuisti (tu, porém, regulaste tudo com medida, número e peso).
Trad. de A. M. do Espírito Santo et alii, 2007.
33
Cf. trad. de C.-J. P. de Oliveira, 200 I.
34
Cf. trad. de P. B. Falcão, 2004.
35
A transposição, para vernáculo, das citações de Vitrúvio apresentadas nesta edição foram
baseadas em J. M. Maciel (2006).
29
Introdução
36
Francisco de Melo (1490-1536) foi professor de matemática dos infantes D. Luís e
D. Fernando e fez parte do círculo de humanistas portugueses da primeira metade de
Quinhentos. Foi elogiado por André de Resende no Erasmi encomium, além de ter sido
orador oficial do reino em diversas ocasiões (cf. Silva Dias, 1969, pp. 74-76; Moreira,
1991 , pp. 236-237).
37
Cf. Moreira de Sá, 1956, pp. 154- 157.
30
As Leituras Da Arte Edificatória
dade dos ornamentos, concinnidades, e excellencias, que deve ter uma Lín-
gua, para que rectamente lhe possamos chamar perfeita".
No mais antigo dicionário de língua portuguesa "dos termos technicos
das artes, que se chamam filhas do desenho" (Rodrigues, 1876, p. 5) não
encontramos o verbete concinidade, o que indica que, no séc. XIX, o mesmo
já tinha caído em desuso, conforme já sugerido por Morais Silva (op. cit.).
No domínio da arquitectura, concinnitas é traduzido para italiano como
conferto ou leggiadria - significando compostura ou elegância (Bartoli,
1550) ou, ainda, como concinnitas (Orlandi, 1966; Giontella, 20 I O) e armo-
nia (Orlandi, -1966), para castelhano como cõpoftura- em grafia actual com-
postura - (Lozano, 1582), bem como armonia (Núií.ez, 1991), para francês
como accord (Choay, 1996) e, para inglês, é adoptado o termo congruity ou
harmony (Leoni, 1726 e 1755) ou, ainda, harmony ou concinnitas (Rykwert
et alii, 1988), o que mostra a sua variabilidade lexical e, decorrentemente, a
aparente dificuldade em se arranjar um termo equivalente para as modernas
línguas europeias.
É de assinalar que o termo concinnatio, com a mesma raiz de concinni-
tas, é traduzido em latim clássico como preparação (Cat., Agr., 106),
enquanto no Renascimento também surge com o significado de encaderna-
ção (Rhenanus, 136, 22; Crocus, Coll. f. C 6 V 0 , 21 ), o que sugere a acção
de coser as folhas de um livro ou de um manuscrito num todo, bem como
de lhes sobrepor uma capa para as cobrir e ornamentar.
Perante a multiplicidade de sentidos, dada pela frequência com que a
palavra concinnitas aparece no texto de Alberti , em diversos contextos, tanto
no Livro II cap. I como, principalmente, no Livro VI cap. 2 e no Livro IX
cap. 5, pela dificuldade em arranjar um termo equivalente em diversas lín-
guas europeias, pela polissemia que apresenta na língua portuguesa e, ainda,
por ser considerado um dos termos mais expressivos utilizados por Alberti
(vide Burckhardt, 1987, pp. 30 et seq.), adoptamos predominantemente, nesta
edição, a palavra concinidade com a finalidade de ampliar o léxico discipli-
nar contemporâneo pela restauração do termo antigo e por se referir fonética
e etimologicamente, ainda, ao termo original utilizado por Alberti.
Mesmo um autor como Robert Venturi ( 1966), no discurso sobre a
Complexity and Contradiction in Architecture, dedica o capítulo X à "dura
tarefa do todo", que comparece associado ao conceito de concinidade de
Alberti , na medida em que sugere que as partes do edifício se harmonizem
entre si para constituírem uma totalidade (corpo) sem arranjar, no entanto,
um termo em inglês equivalente que exprima o todo dessa difícil tarefa.
De igual modo, a obra construída de Alberti, pode ser entendida como
um reflexo e instância da concinidade. Com efeito, se repararmos, a título
31
Introdução
38
Esta igreja florentina do séc. Xlll desempenhou um protagonismo inaugural na paisagem
cultural do Renascimento italiano. Com efeito, Boccaccio (2006, p. 29), no início da pri-
meira jornada do Decameron , indica o motivo pelo qual sete jovens damas se reuniram
"na venerável igreja de Santa Maria Novella" onde decidiram, conjuntamente com três
mancebos, retirar-se de forma itinerante para o campo e deixar a cidade de Florença,
onde lavrava, desde 1348, uma epidemia de peste negra. Naquela itinerância são apre-
sentadas pelos protagonistas cem novelas que prenunciam o horizonte literário do Renas-
cimento. Assinale-se, comparativamente, que a intervenção de Alberti, na fachada daquela
igreja, também é antecipadora da forma que viria a assumir a arquitectura religiosa no
ocidente.
39
Suet., Cal. , 54.
4
° Cf. trad. esp. de M.-A. M. Casquero, 1990, p. 181 .
32
As Leituras Da Arte Edificatória
forme assinala Moreda (2000, pp. 74-76) na análise que fez sobre o signifi-
cado de concinnitas, aqueles vocábulos, excepto no que se refere ao prefixo,
não apresentam nada em comum 4 1•
Apesar de etimologicamente concinne e concinnitas não derivarem de
concinere, mas de concinnus (bem proporcionado, harmonioso, apropriado),
a transposição das harmonias musicais para a arte edificatória está presente
no tratado de Alberti (Livro IX, cap. 5) ao desenvolver sistemas proporcio-
nais que se baseiam em analogias musicais e cuja problemática pode ser
resumida a estabelecer relações harmónicas entre duas dimensões ou, dadas
duas medidas, estimar uma terceira, consonante e harmónica com as ante-
riores 42 •
Deste modo, o trabalho do arquitecto não deixa de ser, em certo sentido
e para Alberti, comparável à de um músico pois compõe, com concinidade e
a diversas vozes, i.e. com varietas (variedade), a obra (vide Livro I, cap. 9;
Livro II, cap. 1 e Livro IX, caps. 5-6).
Registe-se, no entanto, que as relações entre música e arquitectura
durante o primeiro Renascimento italiano não são assimétricas mas biunívo-
cas, na medida em que aquela também acabou por ser influenciada pela arte
edificatória.
Com efeito, as proporções rítmicas do motete de Guillaume Dufay inti-
tulado Nuper rosarum flores - Terribilis est locus iste (As rosas chegaram
há pouco - Este lugar é terrível) , escrito para a consagração da Catedral de
Santa Maria dei Fiare, em Florença, em 1436, correspondem aproximada-
mente às proporções do Duomo, com a cúpula projectada por Filippo Bru-
nelleschi.
Na verdade, de acordo com Warren (1973, p. 96), o motete tem quatro
andamentos com compassos de 168: 112: 56: 84, a que equivalem as pro-
porções de 6: 4: 2: 3, comparáveis, respectivamente, às dimensões da nave,
dos braços do transepto, do cruzeiro e da cúpula da catedral 43 .
41
Moreda (op. cit., p. 74) esclarece que, subjacente a este erro, "sobre la base cano, modi-
ficada por con-, se desarroll aría e! abstracto concinnitas mediante la sufijación - tas
(.. .]".
42
Esta estratégia não deixa de se fundamentar num argumentum a contrario dado que
Alberti baseia a centralidade da sua teoria artística em consonâncias musicais, quando o
termo concinnitas, em latim clássico, não apresenta uma filiação etimológica ao verbo
concinere.
43
O estudo mais recente de Wríght (1994, pp. 40 1-403) sugere que as relações entre as
proporções da catedral e os ritmos do motete de Dufay não se verificaram conforme pro-
põe Warren (op. cit.), mas antes de acordo com um passo bíblico que dá as dimensões
do templo de Salomão (I Rs 6: 1-20) como sendo idênticas a 60:40:20:30 côvados
33
Introdução
(I côvado = 44,32 cm). O trabalho mais actual de Trachtenberg (2001 , pp. 743-746) pro-
põe uma nova leitura do motete de Dufay sugerindo que, embora a leitura de Warren
(op. cit.) possa não ser inteiramente fidedigna, a mesma estabelece uma base para enun-
ciar as relações entre a forma edificada da Catedral e a música composta para a sua con-
sagração.
44
De acordo com Alberti (Livro II, cap. I) de "toda a obra e cada uma das dimensões de
todas as partes".
34
As Leituras Da Arte Edificatória
45
A forma de expressão utilizada por Vitrúvio não é, para Alberti, cuidada (Livro VI,
cap. I), principalmente se atendermos a que este, como reporta Mancini ( 1882, pp. 44-
-46), tinha um vasto conhecimento de autores Gregos. Além disso, os diferentes suportes
de apresentação destes textos variavam consideravelmente, o que também contribuiu para
que o texto de Vitrúvio fosse "danificado e mutilado pelo tempo".
35
Introdução
46
O debate ocorrido em 1914, durante a exposição da Deutscher Werkbund em Colónia,
entre Herman Muthesius, que propusera uma arquitectura padronizada de tipos, não
baseada em estilos, e Henry Van de Velde, que rejeitara esta proposta, por induzir à
adopção de cânones artísticos, ainda apresenta vestígios das relações entre as teorias
arquitectónicas de Yitrúvio e de Alberti.
47
Esta reminiscência de uma idade mítica é recorrente na cultura latina e encontra-se, tam-
bém, em Séneca (Ep., 90, 8-9), para quem os antigos teriam formas naturais de habita-
ção e levariam uma vida mais virtuosa quando comparada com a dos modernos: "podes
crer, época feliz foi essa que precedeu o aparecimento dos arquitectos e dos estucado-
res! " (trad. de J. A. S. Campos, 1991).
36
As Leituras Da Arte Edificatória
4
H Le Corbusier e Saugnier são pseudónimos de, respectivamente, Charles-Édouard Jeanne-
ret e Amédée Ozenfant.
49
No tratado de Vitrúvio, tanto o vocábulo aedificator, como o particípio presente aedifi-
cans, ambos com o significado de construtor, comparecem no De architectura (1, I, 18;
II , I O, 3; IV, 2, 2; Vl, pref. , 6; VI , 6, 7), mas não o termo aedificatoria que somente
viria a ser assumido, no âmbito disciplinar, com o tratado de Alberti.
37
Introdução
50
Gnomónica é sinónimo de construção de quadrantes solares.
38
As Leituras Da Arte Edificatória
51
Definitionum autem duo genera prima: unum earum rerum quae sunt, alterum earum
quae intelleguntur (Existem dois tipos principais de definição: uma das coisas que exis-
tem, a outra das que são mentalmente apreendidas) (Cic., Top., VI, 26). Cf. trad. ingl. de
T. Reinhardt, 2003.
52
No domínio jurídico do direito romano di stingue-se a res da causa (o facto da causa),
sobre os quais se pronunciará, ou não, a culpabilidade do acusado e, no domínio da retó-
rica latina, designa-se o tema de um discurso por res, de maneira que cabe ao orador
expor adequadamente os factos (cf. Courtine, 2004, p. I 077).
39
Introdução
empenho, os quais contribuem para que a vida seja vivida de uma forma
agradável e feliz)?
Esta entrada é evocativa da Ética a Nicómaco de Aristóteles onde se
argumenta que o único objectivo que o homem persegue é o bem supremo,
isto é, a felicidade. Por outras palavras, a realização de satisfações espiri-
tuais e eudemonistas que dependem de uma ética colectiva e, consequente-
mente, da virtude humana.
De acordo com Aristóteles existem dois tipos de virtudes: as éticas que
nascem do hábito, e as dianoéticas que decorrem da inteligência e podem ser
desenvolvidas por meio do ensino. É no Livro VI que Aristóteles (op. cit.,
1139b-1142a) discorre sobre estas virtudes e, em particular, sobre a tekhnê e
a epistéme, traduzidas, a partir do grego para latim, como ars e scientia, isto
é, como um saber realizável, um fazer do saber, e como uma forma de
conhecimento, um saber teórico.
Não nos devemos esquecer que Alberti opera num ambiente predomi-
nantemente pós-medieval, onde a arquitectura era, ainda, considerada, uma
mestria essencialmente prática, uma ars mechanica, uma habilidade mecâ-
nica, equivalente ao grego tekhnê que, somente no séc. XVI, viria a ser clas-
sificada como uma das arti dei disegno (vide Kristeller, 1990, pp. 163-227).
Assim, artes configura-se mais com o que entendemos actualmente por
saberes no sentido de conhecimentos, experiências e técnicas acumuladas e
transmitidas, ao longo das gerações, pelos antepassados.
Isto leva-nos a supor que Alberti quis intencionalmente, ao apresentar
De re no título, salvaguardar a arquitectura daquela dimensão exclusiva-
mente mecânica e técnica para sugerir, de forma mais lata, um outro estatuto
que, aproximadamente, pode ser entendido, na contemporaneidade, como
arte: por outras palavras, como o resultado da aplicação ou geração de
conhecimentos e de práticas para a realização de qualquer obra, seja por
assimilação, por acomodação e/ou por transformação de significados.
Por outro lado, Alberti também não se refere no tratado a scientia, ape-
sar de Vitrúvio fazer uma citação explícita sobre os ramos de conhecimento
em que o arquitecto deveria ser instruído 53 • Note-se que, para Aristóteles (de
An., III, 7, 431 a 1), não só "a ciência em acto é idêntica ao seu objecto" 54
como o sentido de scientia se refere a conceitos eternos e incorruptíveis
53
Architecti est scie~tia pluribus disciplin is et variis eruditionibus ornata, cuius iudicio
probantur omnia quae ab ceteris artibus perfeciuntur (A ciência do arquitecto é ornada
de muitas disciplinas e de vários saberes, estando a sua dinâmica presente em todas as
obras oriundas das restantes artes, Vitrúvio, I, I, I).
54
Cf. trad. de C. H. Gomes, 2001.
40
As Leituras Da Arte Edificatória
(cf. Eth. Nic., VI, 1139b) o que sugere, se forem adoptados estes enuncia-
dos, que os conteúdos do De architectura são, aparentemente, imutáveis.
No entanto, Alberti (Prólogo) específica, "que um edificio é um corpo 55
que consta, como qualquer outro, de delineamento e matéria [ ... ] Mas enten-
demos que nenhum desses dois elementos, de per si, é suficiente, se não se
lhes juntar a mão de um artífice experiente que dê à matéria a forma do
delineamento", o que significa, por um lado, uma clara distinção entre quem
concebe a obra e quem a executa, onde o acto de construir não é idêntico ao
seu objecto e, por outro, como o corpo se deteriora necessita, consequente-
mente, de reparação, como é desenvolvido no Livro X do tratado.
Mas, como justificar, ainda neste contexto, que Alberti utilize aedifica-
toria tanto como substantivo, como uma forma declinada do adjectivo aedi-
ficatorius?
Prevalece um purismo linguístico na redacção do tratado que leva o seu
autor a traduzir termos gregos que não têm equivalente em latim, trans-
pondo, para o efeito, nomes similares e inventando novos termos na língua
de destino 56 : "Prometi que queria, quanto de mim depende, expressar-me em
latim e de maneira tal que fosse entendido 57 • Por isso, toma-se necessário
forjar palavras quando as de uso comum não são suficientes; e convém
tomar as semelhanças dos vocábulos de coisas não dissemelhantes" (Livro
VI, cap. 13)5 8 •
55
Foucault (1981) mostrou que o raciocínio analógico com o corpo humano desempenhou,
até ao final do séc. XVI, um papel construtor do saber na cultura ocidental, por sobrepo-
sição de diversas similitudes. Alberti participou activamente neste amplo movimento de
estruturação dos saberes, não só pelo estabelecimento de semelhanças entre diversos
objectos e formas do conhecimento, como pela sistematização de um linguajar próprio
das artes, designadamente da arte edificatória, em grande parte baseada na relação edifi-
cio-corpo, como pela constante referência à vizinhança e ao encontro dos lugares e, ainda,
pela eloquência e clareza com que promoveu e desenvolveu o legado da cultura clássica.
56
Ao contrário dos copistas medievais quando encontravam uma frase em grego, pois em
vez de a traduzir ou mesmo de a copiar escreviam: Graecum est non legitur (isto é
grego, isso não se lê).
57
Ainda no inicio do séc. XX, a importância do latim para a organização do pensamento é
reafirmada por Adolf Loos (2006 , p. 254-255), um dos pioneiros do classicismo van-
guardista: "a nossa educação baseia-se na cultura clássica. Um arquitecto é um pedreiro
que aprendeu latim [... ] o ornamento clássico tem a mesma importância no ensino do
desenho que a gramática no ensino de línguas [... ] podemos agradecer a educação espiri-
tual e a educação do pensamento à gramática latina" . Cf. trad. de L. Marques, 2006.
5M Trata-se de um propósito que, somente de forma parcial, é compartilhado por Bruni
( 1995, p. 2 10), que sugere que o tradutor deve evitar as palavras e as frases demasiado
novas, bem como os barbarismos e os estrangeirismos, de forma a manter a pureza do
latim clássico.
41
Introdução
59
Comunicação do Prof. A. M. do Espírito Santo, Abril de 2004.
60
Idem .
42
As Leituras Da Arte Edificatória
61
Note-se que, no De re aedificatoria , a forma declinada do adjectivo aedificatorius, a, um,
comparece 22 vezes, associada com os substantivos res, ars ou ratio, e aedificatoria, ae,
como substantivo feminino, ocorre apenas 3 vezes (cf. Lücke, 1975, I, p. 25).
62
Ou simplesmente, "A edificatória [... ]".
63
Na cultura latina a pietas pode-se definir como "o sentimento do dever", que Cícero
(N. D. , I, 116) expressa, em relação aos deuses, da seguinte forma : Est enim pie tas jus-
titia adversos deos (a piedade é a justiça para com os deuses). Cf. trad. de P. B. Falcão,
2004.
64
Ao interrogar-se sobre a utilização por Alberti de um termo não atestado em latim clás-
sico, o adjectivo aedificatorius, derivado do substantivo aedificator, Choay (2006, p. 17)
também sustenta que: "Si l'on sait que Cicéron se sert d'aedificator pour designer l' ar-
chitecte du monde, et que les auteurs médiévaux appliquent aedificatorius aux créations
divines, ii devient clair qu' Alberti a vou lu par ce terme pointer et soubligner 1'impor-
tance, la valeur et la non banalité de l'acte de l'homme qui édifie".
43
Introdução
65
A musicologia greco-medieval, na qual Alberti se baseia para estabelecer as relações
entre as consonâncias musicais e as proporções arquitectónicas, contempla um sistema
abstracto de relações que explicitam as regras que governam o mundo da música a par-
tir das distâncias entre os sons, o que permite transformar uma relação harmónica numa
aritmética, como o seu inverso.
66
Repare-se que Alberti (Livro IX, cap. 5) implicitamente reproduz o sentido dado por
Boécio (Mus ., I, 3), quando este se refere às consonâncias das modulações musicais: Ete-
nim consonantia est dissimilium inter se vocum in unum redacta concordia (Assim, a
consonância é a harmonia de vozes diferentes que se conformam na unidade). Cf. trad.
esp. de S. V. Gillén, 2005 .
44 .
As Leituras Da Arte Edificatória
alegoria edificada, que contribui para a sua tranquilidade (cf. Smith, 1992,
pp. 3-18) 67•
Para vocábulos em português que apresentem, desde o período medie-
val, como raiz o termo edificar, os mesmos tanto podem ser conotados com
a arte edificatória, como com o sentido de edificar espiritualmente.
Com efeito, nas Chronicas breves e memorias avulsas de S. Cruz de
Coimbra, provavelmente datadas do séc. XIV, verificam-se as seguintes abo-
nações: "edificar o castello" (25, A, 32) e "edificaram ho moesteiro" (25, A,
22). Também, na Chronica da fundação do moesteiro de São Vicente de Lix-
boa pello Jnuictissimo e Christiannissimo Dom Afonso Henriquez, r rei de
Portugal: E como tomou a dita çidade aos mouros, possivelmente datada do
séc. XIV, encontramos as citações que se seguem: "eu edifiquei e esta
cidade dous moesteiros" (412, A, 55), "hedificou o asentameto do moes-
teiro" (409, A, 25), "que edificara" (412, A, 43), "que fundedes e hedifique-
des as casas" (408, B, 65) e "funda e hedifica os ditos mosteiros" (409, A,
14). Ainda, na Chronica da conquista do Algarve, talvez datada do séc. XV,
notámos que "foy aly edificada hua jgreja" (419, A, 11) 68 •
Também podemos encontrar nas Vidas de Santos de um Manuscrito
Alcobacense (Vida de Santa Maria Egípcia, fol. 52 r 0 ), dos sécs. XIII/XIV:
"eu venho aqui por rrazom de seer edeficado ca eu ouvi g(ra)andes signaaes
e maravilhas e de g(ra)nde louvor p( er) que podem as almas seer chegadas
a Deos", com o sentido de alguém que edifica alguém (cf. Castro, 1985).
Lembremo-nos que Camões rima edificaram e sublimaram nos dois
últimos versos, da primeira estância, do Canto I d' Os Lusíadas: "E entre
gente remota edificaram I Novo reino que tanto sublimaram", sugerindo uma
tensão voluntária entre o semelhante e o dissemelhante, que concorre para
uma relação de identidade, no plano do conteúdo, entre as duas palavras.
Tema recorrente e explorado, compreensivamente, na obra I libri della fami-
glia, na qual Alberti se interroga, no prólogo, sobre a formação do Império
Romano: "Statuiremo noi in la temerità della fortuna l'imperio, quale e'
maggiori nostri piú con virtú che con ventura edificorono?". Nota-se, assim,
idêntico topos na primeira estância do Canto I de Os Lusíadas.
Olhemos, neste contexto, para Varrão, um dos autores latinos mais
citado por Alberti, nomeadamente em relação à obra De Língua Latina, onde
aquele propõe uma distinção entre a derivatio voluntaria e a derivatio natu-
67
Ao contrário de outros tratadistas do Quattrocento e do Cinquecento, como Filarete e
Palladio, que desconsideravam o gótico, Alberti (op. cit.) apresenta uma descrição favo-
rável da catedral gótica de Florença.
68
Cf. Fonseca (200 I, p. I 00).
45
Introdução
69
As sínteses mais recentes, como são o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de
J. M. Casteleiro et a/ii (2009), e o seu congénere, elaborado pela Academia Brasileira de
Letras (2009), continuam a omitir o vocábulo edificatória.
70
Emplekton é um termo de origem grega, citado tanto por Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI,
51), como por Vitrúvio (II, 8, 7), relativo à construção de paredes de alvenaria com fia-
das regulares em ambos os paramentos e com um enchimento irregular entre os mesmos.
Vitrúvio refere que "deste modo se erguêm três estratos, <;lois de acabamento, e outro,
intermédio, de enchimento" o que indica que emplectrum se reporta, também, aos para-
mentos exteriores do edificado.
71
A palavra oecodomica sugere que é composta por oecus, a forma latinizada de casa
(oikos) em grego, usada por Vitrúvio (VI, 3, 8) como sinónimo de grande sala na casa
romana, utilizada ocasionalmente como triclínio nos banquetes, e domus, a casa urbana
com estatuto (Vitrúvio, I, 2, 9) ou, também, (qualquer] edificio ( Verg. , A., VI, 27).
46
As Leituras Da Arte Edificatória
72
Collart (1963 , p. 131) esclarece que "a controvérsia da analogia e da anomalia desapa-
rece, depois de Varrão, dos tratados em língua latina, porque [ ... ] era gramaticalmente
sem objecto".
73
Sai fora do âmbito desta Introdução entender como, na cultura jurídica portuguesa do
séc. XX, o termo edificatória foi reintroduzido em vernáculo, principalmente pela não
obrigatoriedade da sua aceitação, por o mesmo não fazer parte da norma lexical contem-
porânea mais recente.
47
Introdução
48
As Leituras Da Arte Edificatória
74
Entende-se por artesania o resultado de uma actividade que relaciona o fazer com o
saber.
75
No ambiente romântico e nacionalista de meados do séc. XIX em Itália, Bonucci (op.
cit., p. 190) chega a sugerir, sem qualquer fundamentação, à semelhança do que se veri-
ficou com os tratados de Pittura e da Statua , que o tratado de arquitectura poderia ter
sido escrito por Alberti em vulgar.
76 O recente estudo feito por Casini (2003) esclarece algumas relações entre o tipógrafo
C. Cioni e frei G. P. Vieusseux sobre a Edizioni Bonucci, mas é omisso quanto à autoria
da tradução dos três Livros do tratado de Alberti nesta colectânea de Opere Volgari.
49
Introdução
77
Girolamo Mancini (op . cit. ) é o autor de uma extensa biografia de Alberti publicada no
séc. XIX, sujeita à análise crítica elaborada por Grayson ( 1998b) e, mais recentemente,
revista por Benign i et a/ii (2008).
50
As Leituras Da Arte Edificatória
78
Poliziano (op. cit.) e Landino (op. cit.), contemporâneos de Alberti, também se referem
de forma explícita aos livros de "architectura" de Alberti.
79
A tradução de Cosimo Bartoli (1503-1572) do De re aedijicatoria para vulgar, impressa
e com gravuras, é a que apresenta, desde 1550, maior número de reedições quando com-
parada com a anterior, a de Pietro Lauro de 1546, pois "venne risguardata como migliore
di lunga mano" (Ticozzi, 1833, p. VII).
80
A primeira referência de que se tem conhecimento para designar o De re aedificatoria
como um livro de Architetura in latino reporta-se ao inventário, elaborado em 1495, dos
livros do Oratório do Duque de Ercole em Ferrara (cf. Benvenuti, 2007, p. 273). Se
exceptuarmos Biondo (II, 47), na obra ltalia Jllustrata, durante o final do séc. XV, bem
como no séc. XVI, o De re aedijicatoria será também referido, na península Itálica, por
De Architectura ou por Architettura.
51
Introdução
81
Ou seja, em late middle english, c. 1300-1450.
82
Cf. Wycliffe (1388), New Testament.
83
Ver Webster, 1996, p. 620.
52
As Leituras Da Arte Edificatória
naquela última edição em língua francesa, dois índices remissivos que suge-
rem uma dualidade estrutural na leitura do tratado: um relativo às noções
conceptuais e outro aos produtos e elementos da arquitectura.
Aquela dualidade não está, contudo, somente presente no acto de edifi-
car, na medida em que Alberti estabelece que a edificatória é, simultanea-
mente, um processo e um produto que se realiza no tempo, de um tempo
ordenador que se concretiza em arquitecturas tangíveis, mediadas ·por uma
concepção mental que conduz à realização do edificado que edifica, isto é,
que dignifica.
Também a edição de Giontella (20 1O) em italiano, que propõe como
título o de L' Arte di Costruire, comparável ao da ediçãode Caye-Choay
(2004) pela utilização de um verbo no infinitivo impessoal, não apresenta o
significado de· aedificatoria dado por Alberti.
É neste sentido que, para a "última flor do Lácio" 84 , o título que pro-
pomos para o tratado de Alberti seja Da Arte Edificatória e, portanto, com
afinidades ao título dado na edição de Bonucci (op. cit. ), que pode ser con-
siderada, no nosso entendimento, ainda a mais fiel em relação ao espírito
daquele autor.
Tota res aedificatoria lineamentis et structura constituta est (A arte edi-
ficatória, no seu todo, compõe-se de delineamento e construção), corres-
ponde a um dictum albertiano (Livro I, cap. 1) que merece, neste contexto
comparativo, uma leitura atenta.
Se por um lado, aedificatoria pode ser traduzida, como vimos, por edi-
ficatória ou arquitectura, por . outro, structura, comparece como construção,
como já se verifica em Vitrúvio (VI, 8, 7; VIII, 6, 13).
Se bem que structura também possa ser entendida, na literatura clássica,
como organização ou de como as partes estão dispostas entre si e na sua
relação com o todo, como sucede em Cícero (Brut., 33): verborum quasi
structura (por assim dizer a construção da frase), para se referir ao arranjo
das palavras na frase, não é geralmente nesta acepção que Alberti a utiliza,
mas no sentido de concretização material do edificado.
Finalmente, lineamenta é o termo utilizado por Alberti e traduzido para
italiano como disegno (Bartoli, 1550 e Orlandi, 1966) e lineamenti (Gion-
tella, 201 0), para castelhano para castelhano como los lineamentos (Lozano,
1582) e trazado (Núfi.ez, 1991) e, para inglês, é adoptado o termo design
84
Expressão de O lavo Bilac ( 1865-1918), poeta pamasiano brasileiro, para designar a lín-
gua portuguesa, considerada uma das últimas filhas do latim, o que é expressivo do facto
de aquela língua se ter originado na região ocidental mais distante da Roma Imperial, a
Hispania Ulterior, e os mais antigos textos lavrados em português serem datados do
séc. XIII.
53
Introdução
(Leoni, 1726 e 1755) ou the ·lineamentis (Rykwert et alii, op. cit.), o que
mostra a dificuldade em se arranjar um termo equivalente.
Além disso, se bem que estes termos sejam predominantes nas edições
acima referidas, lineamenta também comparece com uma pluralidade de
designações em algumas destas traduções. Assim, de acordo com o levan-
tamento elaborado por Mitrovic (2005, pp. 29-47), Bartoli (op. cit.) além
de disegno utiliza linee, lineamenti, forma, sendo o termo também sim-
plesmente omitido com o significado implícito de forma. Por outro lado,
Rykwert et alii (op. cit.) além de lineamentis utilizam o termo design, por
questões de clareza textual (Livro VIII, cap. 1).
Também Theuer (1912) transpõe lineamenta para o alemão como Risse,
significando desenhos ou esboços, ou linien, designando linhas, e Zubov
(1935), para o russo, como cherta, com o significado de linha ou ndcherta-
nie para expressar a relação entre linha e lineamenta.
Com um estatuto variável importa clarificar com que sentido traduzi-
mos, nesta edição, o conceito de lineamenta de Alberti que não comparece
no tratado de Vitrúvio 85 .
Algumas das proposições sobre os lineamenta, presentes no tratado de
Alberti, podem ser entendidas, em termos Aristotélicos, principalmente em
relação às questões relacionadas com a imaginação da alma (de An., 432 a
7-11 ), isto é, como a essência que concebe a razão, tanto como substância,
potência e acto e, ainda, como noção e forma, por oposição à matéria e
substrato, assim como a res aedificatoria é constituída por lineamenta e
structura (delineamento e construção).
O conhecimento para Aristóteles (Metaph., I, 983b-984b; 986a-987a)
incide sobre a essência do seu objecto determinada por quatro causas: a
material, a formal, a eficiente e a final. A primeira refere-se à matéria de
que é feito, ou seja, ao substrato das mudanças e das várias determinações;
a segunda à forma que assume, isto é, ao modelo de algo imanente às reali-
dades sensíveis; a terceira ao propulsor que opera essa transformação, ou
seja, ao que imprime movimento a algo, que produz alguma coisa e está na
origem do seu desenvolvimento; a quarta e última ao fim alcançado, isto é,
à finalidade inerente à existência das coisas.
Se, em relação à causa material, Alberti (Livro I, cap. 1) faz correspon-
der a structura, das restantes causas, a eficiente e a final, revêem-se na defi-
nição dos lineamenta. Assim, a causa eficiente está subjacente dado que o
Ms Apesar de, em Vitrúvio (1, I, I), se encontrar Ea [architecti scientia] nascitur ex fabrica
et ratiocinatione, o sentido de scientia não se identifica com o de aedificatoria de
Alberti.
54
As Leituras Da Arte Edificatória
86
Cf. trad. esp. de T Calvo, 1994.
87
Cf. trad. de C.-1 . P. de Oliveira, 2001.
55
Introdução
88
Cf. trad. de E. R. Gomes, 1993.
89
Cf. trad. esp. de A. Medina, 2005 .
90
Cf. trad. esp. de E. S. Salor, 2001.
56
As Leituras Da Arte Edificatória
91
Para Silva Dias ( 1985, p. 311) o saber enciclopédico acumulado pelos professores de
Coimbra, no Cânone filosófico conimbricense, constituiu-se num "obstáculo epistemoló-
gico", que não permitiu, aos portugueses de então, o acesso aos "novos horizontes cien-
tíficos e culturais além-Pirinéus".
92
Em diversas passagens da sua obra literária, Alberti também manifesta uma concepção
panteísta e antropomórfica da natureza, como sucede na obra I libri de/la famiglia , II:
"Fece la natura, cioé lddio, l' uomo composto parte celesto e divino, parte sopra ogni
mortale cosa formosissimo e nobilissimo [ ... ]".
93
Certissimum est naturam in omnibus sui esse persimilem (Orlandi, 1966, p. 821 ),
Pseudo-Pitágoras, in Aurea verba, 52.
57
Introdução
94
A tendência medieval, que opunha os conhecimentos de Platão e de Aristóteles, foi sendo
progressivamente substituída, durante o primeiro Renascimento, por uma mais concilia-
dora, fomentada pelos letrados de Constantinopla, que chegaram à península Itálica, a
partir de finais do séc. XIV, eloquentemente retratada, no séc. XVI, no fresco Causarum
Cognitio, conhecido por Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, situado na Stanza della
Segnatura no Vaticano.
95
Plotino de Licopólis (c. 205-270 d. C.), no Egipto, foi a figura maior do neoplatonismo,
cujas obras foram publicadas pelo seu discípulo Pórfiro sob o título Enéadas.
96
Cf. trad . ingl. de S. MacKenna, 1991.
58
As Leituras Da Arte Edificatória
97
Cf. trad. fr. de P. Laurens, 2002.
9
~ Cf. trad. ingl. de S. MacKenna, 1991.
59
Introdução
60
As Leituras Da Arte Edificatória
99
Cf. trad. esp. de E. S. Salor, 200 I.
100
A atribuição da autoria deste tratado a António Rodrigues não tem sido consensual. De
acordo com Conceição (2008, pp. 427-428), não só a sua lavra é de mão anónima, como
os seus conteúdos não se configuram como um . tratado de arquitectura. Reconhece-se
que, tanto o manuscrito 95 da BPMP, bem como o códice 3675 da BNP, nos quais se
baseou Moreira (op. cit.) para fazer aquela atribuição, não se apresentam ao leitor com
uma organização global tão estruturada, nem os seus conteúdos são expostos ao auditó-
rio de forma sempre negociada, ao contrário do que sucede com o tratado de Alberti.
Talvez aqueles textos se possam, mais apropriadamente, incluir naquilo que na cultura
latina se designava de litterae, isto é, de produção escrita, o que não lhes retira a sua
importância, tanto no âmbito da cultura arquitectónica da época em que foram redigidos,
como no contexto da sua recepção.
10 1
João de Barros (1496-1570) publicou as três primeiras Décadas da Asia em 1522, 1553
e 1563 e a quarta década só veio a ser impressa em 1615.
61
Introdução
102
De acordo com Moreira ( 1991 , p. 291 ), o neologismo arquitector, também usado por
Camões (Lusíadas, IV, 104, 3) para se referir a Dédalo, o autor do labirinto de Creta,
não se origina no termo latino architectus, mas a partir da linguagem oral então corrente
na península Itálica.
103
O uso da metáfora entre a forma edificada e o uso literário da linguagem já era culti-
vada, de fonna desenvolvida, na Antiguidade Clássica. Cf. Varrão, L., VIII, 29.
62
As Leituras Da Arte Edijicatória
104
Esta oposição entre "espírito" e "letra", onde se passa da letra que mata, para o Espírito
que dá vida, já se encontra referida na Bíblia Sagrada: Littera enim occidit, spiritus
autem vivifica! (2 Cor, 3, 4).
105
Encontram-se nos tratados de arte de Alberti as definições essenciais dos aspectos ope-
rativos (lineamenta , color e effigies) que o sistema de Beau.x-Arts veio, posteriormente,
a adoptar: "Les lignes sont à l'architecte ce que les couleurs sont au peintre et les ima-
ges au sculpteur" (Brusatin, 2002, p. 173), se bem que não existam motivos para assu-
mir, na medida em que o primado da cor ou da imagem em relevo se pode sobrepor ao
do delineamento, que a posição daquele tratadista tivesse idênticos objectivos.
106
Para as casas privadas, Alberti (Livro IX, cap. 8) recomenda alguns desvios destas rela-
ções, o que indica que as formas perfeitas são associadas ao simbolismo dos edifícios,
sagrados ou públicos, a que se destinam.
107
Apesar de lineam enta se referir a delineamentos, dado que corresponde ao plural do
substantivo neutro lineamentum , optou-se pelo tenno no singular na medida em que este
se reporta a uma representação mental da concepção e do traçado dos edifícios (praescri-
bere animo et mente), enquanto no plural alude mais, em vernáculo , a casos concretos.
63
Introdução
de ajustar e unir entre si linhas e ângulos, afim de que, por meio daquelas e
destes, se possa delimitar e definir a forma do edificio. Ora é função e
objectivo do delineamento prescrever aos edificios e às suas partes uma
localização adequada e proporção exacta, uma escala adequada e uma distri-
buição conveniente, de tal modo que a conformação de todo o edificio
assente unicamente no próprio delineamento. O delineamento não depende
intrinsecamente da matéria; mas é de índole tal que nos damos conta que em
vários edificios existem as mesmas linhas, quando neles se verifica uma só
e mesma forma, isto é, quando as suas partes, e a disposição e ordenamento
de cada uma delas correspondem entre si em todos os seus ângulos e linhas.
E será legítimo projectar mentalmente todas as formas, independentemente
de qualquer matéria; conseguí-lo-emos desenhando e pré-definindo ângulos e
linhas com uma orientação e uma conexão exactas. Assim sendo, segue-se
que o delineamento será um traçado 108 exacto e uniforme, mentalmente con-
cebido, constituído por linhas e ângulos, levado a cabo por uma imaginação
e intelecto cultos".
O termo delineamento evoca, assim e apesar da polissemia que apre-
senta, a representação por meio de linhas ou traços do objecto que se cons-
trói, conforme sugerem Rodrigues (op. cit.) e Barreiros (op. cit.) bem como,
ainda de acordo com Barros (op. cit.) e Alberti (Livro I, cap. 1), os meca-
nismos da imaginação ou da concepção que lhes estão associados para
"encontrar um processo [ ... para ... ] projectar mentalmente todas as for-
mas".
Neste sentido, delineamento engloba tanto uma coisa mental (in animo
et mente) elaborada por uma imaginação e um intelecto cultos (ingenio eru-
dito), independentemente de qualquer matéria (sec/usa omnia materia), como
a sua representação gráfica, realizada por meio de um traçado exacto e uni-
forme e, ainda, um desígnio (propositum) para prescrever aos edificios e às
suas partes uma localização adequada e proporção exacta, uma escala apro-
priada e uma distribuição conveniente.
Da mesma maneira que o arquitecto para Alberti desenvolve simulta-
neamente actividades de síntese e análise consecutivas, em progressão suces-
108
Preferiu-se p erscriptio (traçado exacto), adoptado por Orlandi (1966, cap. 1, p. 20), a
praescriptio (projecto) da editio princeps, bem como do codex Laurenziano Plut. 89 sup.
113, que corresponde ao verbo praescribere (projectar ou indicar antecipadamente). Esta
diversidade, que sugere matizes interpretativas na elaboração das versões impressas do
De re aedificatoria, não afecta o entendimento dos lineamenta de Alberti dada a proxi-
midade, no mesmo campo semântico, dos significados daqueles termos.
64
As Leituras Da Arte Edificatória
siva, onde a difícil tarefa do todo está sempre presente, assim também se
estabelecem, num processo criativo, as relações entre as dimensões locais e
globais, tanto relativas à concepção como à execução da obra, até à sua
efectiva conclusão.
A noção de composição na arte edificatória 109 para Alberti fica clarifi-
cada quando especifica o sentido de ordenamento das partes do edificado
- componendis partibus aedificiorum - num todo organizado (Livro IX,
cap. 5).
Assim, à semelhança do que sucede na pintura, na organização dos pla-
nos ou superfícies dos quadros em membros, e destes em corpos e istoria
(De/la pittura, II, 33), bem como na oratória, na construção de períodos a
partir de palavras e de cláusulas (cf. Arist. , Rh.-, III, 8-9; Quint., Inst. orat.,
IX, 4) ou, ainda, na composição de textos a partir de mosaicos ou fragmen-
tos literários dispersos e quase escondidos de diversos escritores (cf. I libri
de/la famiglia, II), também podemos falar de composição na arte edificató-
ria, no sentido do ordenamento das sua diversas partes alcançado, de- forma
unitária, a partir do delineamento, isto é, do ajustamento e união, entre si, de
linhas e ângulos - coaptandi iungendique lineas et angulos (Livro I, cap. 1).
Este entendimento, à medida que a elaboração da obra prossegue no
tempo, percorre o De re aedificatoria, graças ao poder generativo que se
estabelece nas relações entre a necessitas, a commoditas e a voluptas.
Alberti dá uma pista, ao referir-se à disposição e composição dos orna-
mentos em obra, para se compreender, de modo explícito, este processo
onde a dimensão criativa participa, de forma interactiva, até à completa frui-
ção da obra (Livro IX, cap. 9):
"Todos serão dimensionados, ligados e ajustados pelas linhas, pelos
ângulos, pelo traçado, pela coesão, pelo enlaçamento, não ao acaso, mas
segundo um critério exacto e definido 110 e apresentar-se-ão de tal forma que
o olhar, como que deslizando livre e suavemente, percorra as cornijas, as
reentrâncias e toda a face interior e exterior da obra, aumentando o seu pra-
zer com o prazer da semelhança e dissemelhança dos ornamentos; e de tal
forma que, quem observar a obra, não pense que a contemplou demasiado
109
Vitrúvio (III, 1, 1; VII, 1, 4) já se refere a compositio no sentido de ordenação dos tem-
plos num todo, a partir da sua comensurabilidade, ou como reunião de mosaicos com
geometria previamente definida.
11 0 Ao definir o que entende por disposição dos ornamentos em arquitectura, Alberti (De/la
pittura, II, 35) propõe uma afiliação à noção de composição em pintura: "Composição é
aquele método de pintar pela qual as partes das coisas vistas se resolvem em conjunto
na pintura".
65
Introdução
tempo por a ter observado e admirado uma e outra vez, se não a olhar de
novo, voltando-se para trás, à medida que se afasta 111 ; e, por mais que pro-
cure, em parte nenhuma de toda a obra encontre alguma: coisa que não seja
igual, correspondente e que não contribua com todas as proporções para o
seu esplendor e beleza" 112 •
Neste passo, Alberti sintetiza, de forma magistral, como se organiza o
processo criativo em arquitectura, onde se estabelece uma correspondência
entre uma fenomenologia do desejo com uma ontologia do tempo 113 , onde
todos os elementos deverão ser dimensionados, ligados e ajustados pelos
lineamenta.
Como se a proposta albertiana expusesse a efemeridade de um saber
fundado sobre a evanescência de uma experiência sensível, segundo uma
"imagem móvel da eternidade" 11\ onde prevalece a resolução da dificil
tarefa do todo, subordinada ao primado da summa voluptas.
Em suma, por delineamento Alberti entende tanto a concepção como o
traçado dos edificios e ainda o que, no vocabulário português de finais do
séc. XVII, ficou a ser conhecido, de forma aproximada, por projecto, por via
italiana, de projicere, bem como francesa, de projet, ambas originadas, por
via culta, a partir do latim projectus, com o significado de "cousa lançada
longe" (Pereira, 1697) ou de "arremeçado, lançado com força" (Bluteau, op.
cit.) 11 5• Assim, o projecto sugere uma antecipação daquilo que é possível de
111
Esta forma de olhar repetidas vezes encontra plena aceitação na contemporaneidade na
medida em que, como lembra Carriere (2007, p. 59), "[ ...] todo o olhar deforma. Nada
é mais suspeito do que um olhar. O nosso olho, ou seja, o nosso cérebro, porque um
não passa sem o outro, limita-nos terrivelmente o mundo, enganando-nos com obstina-
ção. Apenas vê. Mantêm-nos afastados da realidade, fo ra do mundo. É por isso que
temos de ir mais além", para que a obra não deixe de contribuir "com todas as propor-
ções para o seu esplendor e beleza", como sugere Alberti (Livro IX, cap. 9).
112
Van Eck (2000, pp. 80-81) chama a atenção para este passo do De re aedificatoria,
única nas descrições de arquitectura do Quattrocento, na medida em que o espectador
fica inteiramente receptivo à beleza em termos exclusivamente arquitectónicos.
113
Para Lücke (2007 , pp. 652 e 658-659) a inter-relação entre o edificado e o observador
é, como sugere Alberti, de natureza retórica, como num diálogo. Quando o olhar for
tocado pela beleza experiencia-se a congruência entre uma capacidade inata (ratio inata)
da mente e a concinidade (concinnitas), a que Lücke designa de "fascinação estética".
Neste sentido, o processo criativo em arquitectura tem por finalidade alcançar aquela
fascinação pelo prazer gerado pelos contrastes e semelhanças, face à totalidade da obra.
11 4
Platão, Ti., 37d. Cf. trad. esp. de M. Á . Durán-F. Lisi, 1992.
115
De acordo com Bluteau (op. cit. , Vol. VI, p. 769) este vocábulo "já se acha em hum
Panegyrico ao governo da Duqueza de Saboia, impresso em Lisboa, na Officina de João
Galrão, anno 1680 [ ... ]".
66
As Leituras Da Arte Edificatória
116
O desejo de evitar uma única forma de pensar o projecto é igualmente explícita em
Álvaro Siza (2000, p. I 03) ao referir-se ao conjunto habitacional da Malagueira: "Em
Évora, o tempo da compreensão e do estudo, prolongado e infindável, deu-me a possi-
bilidade de evitar a aplicação de um único princípio pré-constituído".
67
Introdução
117
Ou "directores de obra" .
11 8
Cf. trad. esp. de P. Azcárate, 2007.
119
Para o período medieval são conhecidas mais de três dezenas de designaçõe~ para o
termo arquitecto, tais como caementarius, lapicida, mason, magister op eris, magister
fabricae, maitre des ouvres, mestre etc., sendo os termos architectus e architector pouco
usuais em obra (cf. Pevsner, l942, p. 555).
68
As Leituras Da Arte Edificatória
120
Este entendimento está presente na tradução da obra De Ofjiciis, de Cícero (I, 151), feita
pelo infante D. Pedro entre 1433 e 1438, onde o termo architectura é transposto para
vernáculo como carpentaria: "E daquellas artes en que ha grande sabedoria, e de que se
nom gaanha pequeno proveito, assi como da tisica e da carpentaria e da enssinança das
cousas onestas". Cf. ed. crítica de J. Piei, 1948, pp. 88-89.
12 1
Também conhecido como Ben Sirac.
122
Bíblia Sacra iuxta Vulgatam Clementinam. Nova Editio, logicis partitionibus aliisque
subsidiis ornata a Alberto Colunga et Laurentio Turrado, BAC, Matriti, 1982.
123
Após a publicação da editio princeps do tratado de Alberti começa a generalizar-se, em
diversas línguas europeias, a designação de "arquitecto" (veja-se Burke, 2000, p·. 103, e
Kostof, 1977, pp. 96-123).
124
A enunciação discursiva na primeira pessoa é considerada por Choay ( 1996, p. 30) como
um dos traços essenciais para caracterizar um tratado de arquitectura.
69
Introdução
125
Antonio Averlino (c. 1400 - c. 1470), mais conhecido por II Filarete ("amigo da vir-
tude"), no Trattato di architettura (IV) expressa: "Tu m' hai detto de' maestri e lavoranti
che fanno di bisogno, ma qui bisogna un ' altra cosa, la quale ai fatto nostro e molto
necessaria e quella che importa ii tutto; e questa si e che a un tempo tutti lavorino, cosi
quello di dietro come ii primo, a similitudine come quando si baila, che cosi baila
quello di dietro come quello dinanzi, pure che sia bene guidato e abbi buon suono".
126
Além destas obras, também são de autoria de Alberti a Loggia (1460) e a Cappela
Rucellai (c. 1460), bem como a tribuna da Santíssima Annunziata (1469), todas situadas
em Florença. Outras obras também têm sido atribuídas a Alberti, como é o caso da Vil/a
Medieis de Fiesole (cf. Mazzini - Martini, 2004), a Loggia dei Torricini, um balneário
no Palácio Ducal de Urbino ( cf. Tavemor, 1998, pp. 194-200) e, ainda, o pátio e o ves-
tíbulo do palácio Venezia em Roma (cf. Borsi, 1989, p. 165; Tavemor, 1998, p. 48), mas
a sua aceitação, por parte da crítica, não tem sido universal. Para um levantamento das
complexas relações entre autoria, encomenda e datação das obras de Alberti veja-se Cal-
zona (2008), bem como Calzona et a/ii (2009).
70
As Leituras Da Arte Edificatória
127
A documentação que mostra a autenticidade das obras atribuídas a Alberti é fidedigna e
diversificada: para o templo Malatestiano a carta que escreveu a Matteo de'Pasti , o
arquitecto residente em obra, datada de 18 de ovembro de 1454; também, numa carta
dirigida a Ludovico Gonzaga, com data de 27 de Fevereiro de 1460, Alberti refere que
"E modoni de Santo Sebastiano, Sancto Laurentio, la loggia et Vergilio sono fatti"; além
disso, a loggia Rucellai é atribuída, em 1550, a Alberti por Vasari nas suas Vite e, em
1470, quando estava a trabalhar na igreja de Santo André em Mântua, numa carta pro-
vavelmente datada de 20-22 de Outubro de 1470, transmite a Ludovico Gonzaga o pro-
jecto do templo etrusco - Questa forma de tempio se nomina apud veteres Etruscum
sacrum . Cf. Bertolini , 2006, pp. 269 e 27 1; Grayson, 1998b, pp. 173-192; Arfanotti,
2007 b, p. 273 e 2007 c, p. 351 ; Vasari , 1550, p. 316 .
m Carta a Ludovico Gonzaga, Mântua, 20-22 de Outubro de 1470. Cf. Arfanotti , 2007 c,
p. 351.
71
Introdução
129
Como também sugere Francesco di Giorgio Martini (c. 1485) no Trattato di architettura.
13
° Como se verifica nas cartas enviadas por Alberti a Matteo de'Pasti e a Ludovico Gon-
zaga, sobre o anda~p.ento e o controle das obras. Cf. Grayson, 1998b, pp. 173-192;
Rykwert - Engel, 1994, pp. 456-7 e 462.
131
Os codices consultados foram o Vaticano Urbinate latino 264, o de Eton College, ms.
128, o Vaticano Ottoboniano latino 1424 e o Laurenziano, Plut. 89 sup. 113. Cf.
Orlandi, 1966, p. LIV.
72
As Leituras Da Arte Edificatória
132
Ver Anderson, 2006, p. 123 .
73
A RECEPÇÃO DA ARTE EDIFICATÓRIA
133
Como atestam os Trattatos di architettura de Filarete e de Francesco di Giorgio Martini,
o primeiro redatado cerca de 1464, com dedicatória a Francesco Sforza, duque de Milão,
e o segundo, redigido na corte de Urbino e completado após a morte de Federigo di
Montefeltro, em 1482, que são profusamente ilustrados e onde os desenhos cotejam o
texto manuscrito.
75
Introdução
tónicas, o façam por extenso e não com simbologia numérica, "para que não
sejam deturpados pelos erros" - quominus vitientur erroribus (Livro VII,
cap. 9) 134_
Não só os erros de transcrição, de transposição, de substituição, de
inserção e de omissão, de cópia para cópia, fomentavam a adulteração da
escrita, corno a fantasia dos copistas do Renascimento, que adensavam a
letra e tornavam a escrita quase indecifrável, a écriture folie como lhe cha-
mou Druet (1976), induzia à alteração do traçado das ilustrações 135 •
Acrescente-se, ainda, a insuficiente transparência dos palirnpsestos e
pergaminhos, o que impedia urna fiel reprodução dos originais desenh~dos, o
que tornava as iluminuras obras de arte únicas e, consequentemente, impos-
síveis de serem escrupulosamente reproduzidas. Assim, a fidelidade de urna
ilustração copiada, na medida em que podia ser facilmente adulterada, sem
conhecimento prévio do seu autor, estaria na proporção da sua simplicidade
e de poder ser descrita, consequentemente, somente por palavras 136 (Cf.
Carpo, 2001a, pp. 119-124).
Além disso, o crescente poder da palavra escrita, face à oralidade do
período medieval, para veicular preceitos, conceitos e regras disciplinares,
consonantes com a coisa mental (in animo et mente) que a arquitectura
passa a assumir desde então, é um factor que promove o aparecimento e a
difusão no ocidente, a partir do Quattrocento, dos tratados de arquitectura.
No entanto, ao deixar de ser urna das artes mechanicae para passar a
ser, na acepção de Vasari (1550), urna das arti de! disegno a arquitectura
passa a solicitar a participação de um meio gráfico de representação, expres-
134
A numeração árabe foi introduzida no ocidente a partir do séc. XI mas, apesar da notá-
vel simplificação das operações aritméticas que possibilito , foi objecto de resistência,
até ao séc. XV, por parte de alguns calculadores que preferiram usar a nomenclatura
grega, desde a= I a o= 9, ou a romana de I a IX. Somente com a influência estabili-
zadora da imprensa é que os algarismos começaram a ser aceites de forma generalizada
a partir do séc. XVI (cf. Ifrah, 1994, p. 360).
135
Beaulieux (1927, p. 123) relata que, em França, os copistas a partir do séc. XII eram
remunerados à linha e, por isso, alongavam as palavras transcritas: "[Le personnel] crée
une graphie faite pour la lecture des yeux, ou les homonymes sont différenciés par toute
sort des moyens; ii ajoute san vergogne des letters afin d'étoffer les mots, remplir les
pages et augmenter son salaire".
136
Guillaume Philander estabeleceu, na edição de 1544 .do tratado de Vitrúvio, uma lista de
nove gravuras a que este autor faz referência explícita no texto, mas que nunca foram
encontradas nem, supostamente, representariam qualquer artefacto de arquitectura, mas
formas geométricas elementares passíveis de serem entendidas somente por palavras e
apensas no final do tratado- in extremi libri (cf. Carpo, i001a, p. 17).
76
A Recepção da Arte Edificatória
137
Existiam dois codices do De re aedificatoria na biblioteca do rei Matias Corvino da
Hungria, sendo o referido por Orlandi - Portoghesi (op. cit.) o copiado, a partir de outro
manuscrito, pelo florentino Fransciscus Ugolinis, provavelmente entre 1485 e 1490
(Mikó, 2004, p. 7 1). Moreira (1991, pp. 59-60) compara a influência dos ideais mece-
náticos dos Medieis sobre D. João II ao que sucedia, de forma mais clara, " [.. .] no outro
extremo da fronteira da Europa com o rei humanista Matias Corvino da Hungria".
77
Introdução
Com efeito, Alberti (Livro VII, cap. 5) não se refere a uma tipologia de
colunas (dórica, jónica, coríntia e compósita ou itálica), cada uma delas divi-
didas em três partes (base, fuste e capitel), mas a um 'sistema', composto
por sete elementos: 'pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, traves ou
friso e comija', que se organizam de forma a reproduzir as ordens arquitec-
tónicas. Trata-se de um sistema generativo onde, a partir de uma caracteri-
zação genotípica, se definem as variações específicas para cada caso.
Além disso, Alberti no Livro VII, cap. 7, sugere que o desenho dos per-
fis das molduras possa ser elaborado pela composição das letras maiúsculas
"C", "L" e "S" combinadas de diferentes maneiras, como se fosse possível
o recurso a uma representação simplificada de formas desenhadas - das fai-
xas, dos ressaltos, das rudenturas, dos cordões, dos cavetos, das golas e das
ondas.
78
A Recepção da Arte Edificatória
Fig. 3 - Frontispício desenhado por Giorgio Vasari para L 'Archiletlura (De re aedificato-
ria) di Leon Ballista Alberli tradotta in lingua florentina ... con l'aggiunla de disegni,
editada em Florença por Lorenzo Torrentino e traduzida por Cosimo Bartoli , 1550 m
m Se bem que Choay (2006, p. 39) defenda o valor do desenho como um instrumento que,
"par l'entremise du corps, dans le jeu de la main et du crayon sur !e papier, nous ouvre
I'acces au monde du concret", na edição de Caye - Choay (2004, p. 338, n. 71 ), a com-
posição das molduras a partir do desenho das letras do alfabeto é interpretada como um
sinal de "refus absolu du dessin dans !e traité".
139 Fonte: ilustração inserida em Patetta (2004, p. 9), existente em Florença no Gabinetto
79
Introdução
140
Apesar de Cennino Cennini, cerca de 1400, relatar várias técnicas de impressão de ima-
gens em roupas e têxteis bem como de reprodução de imagens em livros, foi somente
com os Livros lll e IV do tratado de Sérlio, publicados, respectivamente, em 1540 e
153 7, que apareceram as primeiras ilustrações em tratados de arquitectura impressos
(cf. Carpo, 2001 b, pp. 226-227).
141
As ilustrações que acompanham esta edição do tratado de Alberti,_ consideradas como
sendo as mais precisas, são as que comparecem na tradução para italiano de Cosimo
Bartoli, publicada em Florença por Lorenzo Torrentino em 1550, bem como em Veneza
por Francesco Francheschi em 1565.
142
Clérigo florentino que traduziu diversas obras de Alberti para o vulgar. O seu nome
comparece no frontispício da edição traduzida do De re aedificatoria (L 'Architettura) de
1550 como Gentilhuomo & Academico Fiorentina.
80
A Recepção da Arte Edificatória
143
A alteração do processo de escrita medieval para o de imprensa modifica radicalmente,
ao longo dos sécs. XV e XVI , o acesso ao texto escrito, ao promover uma maior divul-
gação e facilidade de consulta. André de Resende ( 1996, p. 75) na obra "As Antiguida-
des da Lusitânia" dá-nos uma ideia das dificuldades em consultar manuscritos antigos,
anteriormente à di vulgação da imprensa, quando frequentava a Universidade de Sala-
manca, onde aquela consulta era realizada de forma estritamente disciplinada: "costu-
mava abri-los diariamente, a hora certa, sob a vigilância de dois guardas" . Mesmo para
a classe dirigente, como aconteceu com Ludovi co Gonzaga, Marquês de Mântua, o
acesso a obras latinas era restrito, confonne atesta a carta endereçada a Alberti , datada
de 13 de Dezembro de 1459, a pedir emprestado o manuscrito do tratado de Vitrúvio.
Cf. Arfanotti, 2007b, p. 266.
144
Ver Orlandi , 1966, p. 98 e 99.
81
Introdução
82
A Recepção da Arte Edificatória
145
Schlosser (1996, p. 157), baseando-se na Bibliotheca Lusitana (1741, I, s. V.) de Diogo
Barbosa Machado, sugere a existência de uma versão manuscrita em vernáculo, quando
refere que "la traduction portugaise par André de Resende pour Jean III de Portugal est
encore du XV.< Siecle", para concluir que "cette traduction n' existe qu 'en manuscrit;
l'édition supposée de 1493 est une méprise". Também Mancini (1882, p. 393) relata,
equivocadamente, que "fra !e moi te opere dell 'Alberti à la piu conosciuta, fu tradotta in
portoghese da Andrea Resendes (1493)". Não é possível que André de Resende, nascido
cerca de 1500 (cf. Ferreira, 1732, pp. 6, 24 e 94, n. 3), tenha feito uma tradução do tra-
tado de Alberti ainda no séc. XV, pelo que estas referências, para além de terem contri-
buído para o desenvolvimento da mitografia que acompanha a obra de Alberti em Por-
tugal, não podem ser acolhidas.
146
Na grafia original escreve-se Architettura.
83
Introdução
autor, esclarece que este "escrevia uns livros de Architectura, por mandado
del Rey Dom Joaõ o III, de que no seu testamento fez mençaõ, como dos
da Vida de Saõ Frei Gil: os ditos livros de Architectura, eraõ hua traducçaõ
em Portuguez de Leaõ Baptista".
Em data posterior ao testamento de Resende o cónego Gaspar Estaço
(1625), da Colegiada de Guimarães, desde muito novo protegido pelo car-
deal-infante D. Henrique, no Tratado da linhagem dos Estaços, discorrendo
sobre Simão Estaço informa que o cardeal lhe escrevera uma carta em que
"lhe mandava, e encomendava, q como falecesse ~estre Resende natural
d'Evora, lhe tirasse da sua livraria certos .livros, que desejava haver, como
Leo Baptista de Architectura, que ele traduzio en Portuguez por mandado
d'el Rei 147, e outros" (Estaço 1625, p. 42).
Sabendo-se que um dos volumes que D. Henrique .desejava que fosse
publicado era o manuscrito das Antiguidades da Lusitânia, efectivamente
entregue ao cardeal e por este remetido .a Diogo Mendes de Vasconcelos
( 1523-1599) 148 para revisão e impressão 149 e que este veio efectivamente a
editar em 1593, sob o título Libri Quator de Antiquitatibus Lusitaniae, é de
supor que o De architectura, i.e. o manuscrito original da tradução do De re
aedificatoria, também tivesse sido "resgatado" da biblioteca de Resende.
Esta suposição transforma-se em quase certeza se pensarmos que o cardeal-
infante D. Henrique, ao tempo, alternava a regência com a raínha-víuva e
desempenhava, simultaneamente, as funções de inquisidor-geral.
Não existem, assim, motivos para duvidar das pretensões, relatadas por
Estaço (op. cit.), da apropriação da tradução do tratado de Alberti pelo car-
deal D. Henrique que, segundo o cronista Damião de Góis (1567, IV, 27),
"no edificar tem grande juízo", nem das aptidões de André de Resende para
traduzir o De re aedificatoria, considerado não só um excelente latinista
(cf. Pereira, 2002, pp. 290-292) como "um perito na teórica da arquitectura"
(cf. Ferreira, 1732, pp. 111 e 116; Tavares, 1963, pp. XI-XXXVII; Bury,
2000, p. 87).
147
Resende (1956, p. 31 ), na Oratio pro rostris, elogia O. João III como sendo o "maior
protector das letras e dos seus cultores", o que reforça a ideia de que a real encomenda
para a tradução do tratado de Alberti se tenha verificado.
148
Sacerdote e fidalgo da Casa Real, nomeado pelo cardeal O. Henrique inquisidor e
cónego da Sé de Évora.
149
Cf. carta de Diogo Mendes de Vasconcelos (in Resende, 1996, pp. 59-63) ao cardeal
O. Henrique, datada de 15 de Janeiro de 1580.
84
A Recepção da Arte Edificatória
150
De acordo com Moreira (1987, p. 72) as traduções, para a língua portuguesa, dos trata-
dos de Vitrúvio e de Alberti faziam parte do acervo da Escola do Paço da Ribeira, mas
foram levadas para Espanha por Juan de Herrera quando, após a sua estadia em Portu-
gal, de finais de 1580 a Março de 1583, fundou , em Madrid, a Academia de Matemáti-
cas e Arquitectura, o que "representou o instrumento prático de importação da cultura
técnica portuguesa" de então para o país vizinho.
151
Estima-se que, anterionnente à publicação da editio princeps, existiam, no total, dez ver-
sões manuscritas em latim e que a versão que serviu para a impressão do tratado foi a
resultante de livros "copiados dos originais e reunidos num só volume" (Poliziano, op.
cit.) pertencente a Lourenço de Medieis.
85
Introdução
1485 1501 1551 1601 1651 1701 1751 1801 1851 1901 1951 2001 Total de
1500 1550 1600 1650 1700 1750 1800 1850 1900 1950 2000 2010 Edições
Latim 2 2 5
Italiano 2 2 2 3 11
Francês 2
Espanhol
Inglês
Alemão
ofD 1 3
3
Russo
Checo
Polaco
Japonês
152
O texto latino e a tradução para italiano por Orlandi ( 1966) contam, para efeitos de aná-
lise cronológico-linguística, como duas edições.
153
De acordo com Borsi (1989, p. 250) quando, a idade do barroco, ficou saturada com
"génios" e a reputação de Alberti atingiu o seu nadir, Bemini fez estudos que mostram
as relações entre as proporções do corpo humano e as formas arquitectónicas não sendo,
contudo, possível encontrar qualquer influência directa nas obras de Borromini e de
Guarino Guarini, excepto quanto à importância genericamente atribuída a uma "solid
construction, geometry or opus architeconicum , and functionallity".
86
A Recepção da Arte Edificatória
sejam mais instruídos nas letras, para lerem o referido autor. Filarete (op.
cit.) no Livro XXII, dedicado à geometria e ao desenho, limita-se a seguir
em grande parte, as recomendações dadas por Alberti no De pictura.
N. 0 de Ordem
das Edições
30
•••
••
•Alemão
••
••
Inglês
o
1450 1550 1650 1750 1850 1950 2050
Datas
87
Introdução
154
Mancini (1 882, p. 38 1) reconhece -que Palladio, no Livro IV, cap. 5, "copio dali ' Alberti
senza citarlo diverse frasi nel ragionare dei compartimento dei tempif' .
155
Para um levantamento das teori as musica is do Renasc imento veja-se a obra de Judd
(2000), onde se encontra exposta a teoria musica l de Zarlino.
88
A Recepção da Arte Edificatória
156
Daniele Barbara (1514-1570) também publicou em Veneza La pratica dei/a p erspettiva
( 1569) e deixou um manuscrito, não terminado, sobre a construção de relógios de sol
(De Horologiis describendis libellus , Biblioteca Marciana, Veneza, Cod. Lat. VIII , 42 ,
3097). Nos Dieci libri del/ 'architettura, Daniele Barbaro intercala, sistematicamente,. os
seus comentários ao texto de Vitrúvio, que se apresenta profusamente ilustrado, com
imagens, algumas delas em perspectiva, e com desenhos sobre a construção daqueles
relógios (Livro X).
89
Introdução
Com efeito, tanto Baldi (1859, p. 477) 157 assevera que este "Lascio dieci
libri d'architettura, ne' quali pare che non solo emulasse, ma superasse
Vitruvio", como Mancini (1882, p. 387) refere que "L'esposizione e sem-
plice, e nessuno puo negare che nella distribuzione, nell'ordine, nello svol-
gimento dato alla matéria il trattato di Battista superi 1' altro di Vitruvio".
Para uma leitura destas leituras estes entendimentos não se justificam, dado
que a crítica de arquitectura reconhece, pelo menos desde os comentários
sobre Vitrúvio de Daniele Barbaro ( 1567), que ambos autores deram contri-
butos originais e distintos em tempos diversos, o que não significa que não
possam ocorrer contaminações recíprocas nas interpretações destes tratados.
Assim, Barbaro (1567, p. 165), ao discorrer sobre as proporções entre a
altura e o diâmetro do fuste das colunas nas ordens clássicas, conclui que as
mesmas não decorreram directamente das proporções do corpo humano,
como sugere Vitrúvio (III, 1, 2), o que induziu os arquitectos a usarem
médias aritméticas para o estabelecimento das respectivas medidas, como
propõe Alberti (Livro IX, cap. 7) 158 •
No seguimento desta argumentação Barbaro (op. cit., p. 165) ao comen-
tar os ornamentos das colunas sugere que grande parte do julgamento
humano é inato ("percioche quella e gran parte del giudicio dell 'huomo
insito da natura"), à semelhança de Alberti (Livro IX, cap. 5) que considera
a apreciação da beleza também uma certa faculdade inerente da mente, o
que justifica a utilização daquelas médias a partir do engenho do arquitecto.
Barbaro (1567, p. 82) nos comentários a Vitrúvio esclarece que "11 dis-
corso e proprio dell' huomo, & la uirtu, che discorre, e quella che considera
quanto si pu o fare con tutte le ragioni all' opere pertinenti; & pero erra il
discorso, quando lo intelletto non concorda le proprietà delle cose atte a
fare, con quelle che sono atte a riceuere", o que sugere alguma forma de
negociação entre o autor e o seu auditório e mostra um entendimento con-
temporâneo do papel da critica de arquitectura, mas ausente tanto no texto
de Baldi (op. cit.), como no de Mancini (op. cit.). Barbaro (1556, p. 82)
ainda afirma na 1. edição desta obra, em modo conclusivo: "lo ho in ódio
3
non meno la soperstizione, che la heresia" 159 , o que indica que o discurso
sobre arquitectura deve adoptar uma fundamentada argumentação, como
aliás propõe Alberti no seu tratado.
157
Bernardino Baldi (1533-1617), escreveu a Croníca de' matematici c. 1600, inicialmente
publicada em Urbino em 1707.
158
Cf. Mitrovic, 1998, pp. 681-682.
159
Morres i ( 1997, p_' XLII), interpreta esta frase como sendo dirigida àqueles arquitectos
que são incapazes de compreender a variedade da arquitectura antiga.
90
A Recepção da Arte Edificatória
160
Também erroneamente conhecido por Pellegrino Tibaldi .
161
Só por generalização se pode utilizar, de forma condicional, o termo pós-kantiano de
estética e não de teoria artística.
162
A influência de Sérlio na cultura arquitectónica do séc. XVI em Portugal, que não está
ainda estudada no que se refere à gramática da fonna sugerida pelo seu tratado, mani-
91
Introdução
em 1551 em Veneza, limita-se a fazer uma única citação de Alberti, não sem
revelar algum despeito por este ter tido patronos influentes.
Com efeito, na dedicatória do Livro IV a Ercole II, quarto Duque de
Ferrara, Sérlio refere que: "também há igualmente Battista já famoso como
construtor, mas agora imensamente apreciado como arquitecto, como perito
tanto em teoria como na prática: para não mencionar os muitos outros arqui-
tectos imensamente talentosos e inteligentes em diversas partes da Itália, que
não são tão famosos como poderiam sê-lo se trabalhassem para poderosos
príncipes ou empresas notáveis, onde pudessem obter na vida grande honra
e sucesso" (Sérlio, 1996, p. 252).
A excepção à recepção ao texto de Alberti, em relação ao primeiro
agrupamento de edições, é dada pelo tratado de Vincenzo Scamozzi, intitu-
lado Dell'idea dell'architettura universale, publicado em Veneza em 1615.
Este autor desenvolve, à semelhança de Alberti, a metáfora do edifício-
-corpo para fundamentar a "buona progettazione": "[ .. .] dissemos algures
que o edifício era constituído por matéria e de obra feita pela mão do artí-
fice, mas agora acrescentaremos mais, que é um corpo material unido de
forma conjunta: que é fundamentalmente constituído por partes e membros,
ossos e nervos e aberturas; [... ] E num primeiro momento o ediíicio pode-se
razoavelmente designar como um corpo, quando estiver todo completado
e aperfeiçoado ou em bom estado de poder ser terminado de forma a con-
cluir-se para se poder adaptá-lo à finalidade para o qual foi em princípio
designado. Entendemos que as partes do edifício sejam os pisos [... ] Por
membros entendem-se as Portas e as Janelas [... ] Os ossos a sustentação do
edifício, como os cunhais exteriores e os cantos internos das paredes, e desta
maneira [... ] as Pilastras e semelhantes os quais, tanto uns como outros,
como conjuntamente governam e sustêm esse edifício. Aos nervos podemos
chamar as Arquitraves, as Cornijas [... ] e depois o Travejamento e os Telha-
dos que unem · parede a parede, os tirantes de ferro que ligam as abóbadas e
outros de madeira que produzem diferentes efeitos" (Scamozzi, op. cit.,
p. 272).
Além disso, Scamozzi também adopta um modelo de correspondência
entre a estrutura global Dell'idea e a trindade da construção, comodidade e
festa-se tanto na obra construída, como na produção teórica. No primeiro caso, cabe
assinalar o Convento de Cristo em Tomar, cujo claustro principal é de autoria de Diogo
de Torralva, considerado por Reynaldo dos Santos (1968-70) "o melhor leitor de Sérlio
em Portugal" (cf. Moreira, 1995, p. 350) e, no segundo, o Tratado de Arquitectura, atri-
buído a António Rodrigues (c. 1520-1590) por Moreira (1982, p. 3 72), parcialmente
decalcado do tratado de Sérlio.
92
A Recepção da Arte Edificatória
beleza, se bem que não na mesma sequência, mas sempre mediada pela
complementaridade entre forma e matéria, à semelhança da relação entre
delineamento e matéria, anterionnente desenvolvida por Alberti e recusando,
ainda, numa base de comparação ilustrativa de estudos de caso relativos a
edificios, a noção de tipologia arquitectónica presente em Vitrúvio 163 •
TKACTAl>O
ARCH ITECTURA
~1i la o/4léJ7rr.~
Ar:thit~ _M~ltth~us do Coutoovdho ~
.v~ .-AmLJ dtf6~i
163
Collavo (2007, pp. 729-732), ao fazer a recensão de Albert i (Prólogo; 11, 6; 11 , 8), esta-
belece uma análise comparativa com o tratado de Scamozzi em relação à definição de
arquitecto, às qualidades da madeira de cipreste empregue na construção e, ainda, às
qualidades dos materiais pétreos utilizados na edificação.
93
Introdução
164
Mateus do Couto-o-Velho desempenhou, a partir de 1616, di versos cargos oficiais,
nomeadamente como arquitecto das ordens militares em 1629, de Mestre das Obras dos
paços de Almeirim e Salvaterra, mosteiro da Batalha e província do Alentejo em 1631,
de arquitecto do tribunal do Santo Oficio em 1634 e, ainda, de Assistente das Obras das
fortalezas da barra de Lisboa em 1643 (cf. Bonifácio, 1989, pp. 142-143).
165
A igreja de São Vicente de Fora, além de se apresentar com uma nave abobadada em
forma de berço e com caixotões, exibe três tramos com vãos intermédios precedidos de
um nartex porticado, combinados com pares de pilastras duplas, o que, no seu conjunto,
é evocativo da solução apresentada por Alberti para o interior da igreja de Santo André
em Mântua.
166
Também são citados, comparativamente, Balthazar de Sciena, Bramante, Sangalo,
Urbino, Vinho/a, Sérlio, Paladio e Philibert.
167
Ruão (2006, vol. I, p. 281) considera o Tractado De Architectura de Mateus do Couto-
-o-Velho como sendo o "primeiro tratado de arquitectura português".
94
A Recepção da Arte Edificatória
95
Introdução
rial, como qualquer dos rtossos corpos humanos [... ]; E este corpo de q tra-
tamos, ou edificio hé composto de membros, e os que forem dos mais bem
proporcionados, e galantes, melhores serão". Retoma-se, assim, à semelhança
de Alberti, uma diferenciação complementar entre as partes "dos nossos cor-
pos" e reafirma-se, numa releitura tridentina, a relação edificio-corpo da
arquitectura religiosa: "Hum Templo he semelhante ao corpo humano, esten-
dido com braços abertos, de modo q o Corpo humano dos peytos para
baixo, responde ao Corpo do Templo, e os braços delle aos do Cruzeiro, e a
cabeça a Capella mayor" (Livro II, cap. 11, fol. 39).
No seguimento desta afirmação podemos verificar uma identificação
com um dos conceitos centrais na teoria artística de Alberti. Com efeito,
Mateus do Couto-o-Velho (op. cit., fol. 43) refere-se à concinnitas alber-
tiana, designando-a qe "galhardia", no sentido de elegância, ao citar a diver-
sidade dos ornatos e molduras que ocorrem num edificio: "pêro neste des-
concerto de se não parecerem os membros uns com os outros (feitos todos
conforme temos tratado) se acha um concerto que alegra o entendimento e
olhos. A este concerto chama Leo Bapt. Alberto Galhardia, L0 9. Cap. 5. a
qual comprehende dentro em sy todas as proporções".
Ainda no âmbito da lexiografia do séc. XVII e do séc. XVIII podemos
encontrar uma série de significados que se cruzam com os de galhardia e
que ampliam o campo semântico à volta da concinidade albertiana. Bento
Pereira ( 1697) na Prosodia, considera como sinónimos de decor os termos
formosura, gentilesa, bellesa e galhardia e, no Thesouro, publicado na
mesma data, faz equivaler galhardia a elegantia, sugerindo que se consulte,
também, o termo bizarria. Rafael Bluteau (1712-28) no Vocabulario, faz
corresponder a bizarria os termos graça, garbo e gala e, a concinnitudo, os
de bizarria, brio e primor.
No séc. XVIII o termo galhardia é frequentemente usado como sinó-
nimo de elegância. Na verdade, o Juiz de Fora, Bernardo António Soares, ao
dirigir-se a D. Gaspar, Arcebispo de Braga, sobre o plano de obras de 1769,
promovido pela Câmara Municipal de Braga, chama a atenção para a neces-
sidade de se cumprir o que a regulamentação urbana determina para que a
cidade possa apresentar "galhardia e Formuzura" (cf. Capela, 1991, p. 390).
Se bem que o termo galhardia fosse assinalado na poesia galaico-portu-
guesa a partir do séc. XIII, no Cancioneiro de Pêro da Ponte com o signifi-
cado de feito ou gesta de valor 168 , no séc. XVII o mesmo apresenta-se com
16
M "Non vus and'eu per outras galhardias, I mays sempr'aquesto rogarey a Deus" (Ponte,
1992, pp. 93-94).
96
A Recepção da Arte Edificatória
169
Ao discorrer sobre Como se ha de vivir con los hombres, na obra Introducción a la
sabiduría (Introductio ad Sapientiam), publicada em Lovaina em 1524, o humanista
Juan Luis Vives (1492-1540) sugeriu que cada atitude humana se pautasse por um rigo-
roso código de conduta para garantir a convivência social. Esse código manifestava-
-se tanto nos cuidados corporais, nomeadamente dos olhos e do rosto, como nas formas
de comer, de beber e de relacionamento social. O seu objectivo era o cultivo da tempe-
rança, da moderação e da compostura, evitando-se todo o excesso de modo a incentivar
uma conduta onde não transparecesse qualquer traço de arrogância. Essa compostura
cedo se difundiu a outros domínios das actividades humanas e transformou-se num ideal
do Renascimento.
170
No âmbito da lexicografia do séc. XVII Bento Pereira (1697), na sua Prosodia , faz cor-
responder concinnitas a compostura, à semelhança do que ocorre na edição em Caste-
lhano, assistida por Francisco Lozano (1582), do tratado de Alberti.
97
Introdução
98
A Recepção da Arte Edificatória
crepe aos olhos, logo os offende, com a Muzica q não he certa aos ouui-
dos". Com efeito, trata-se de uma integral adesão aos princípios pelos quais
Alberti (Livro IX, cap. 5) justifica a relação entre música e arquitectura
como fundamento da concinidade: "Os números, pelos quais se faz com que
a concinidade das vozes se tome agradabilíssima aos ouvidos, são os mes-
mos que fazem com que os olhos e o espírito se encham de um prazer
maravilhoso".
Este princípío de harmonia universal é também inteiramente assumido
por Mateus do Couto-o-Velho (Livro II, cap. 13, fl. 42) ao definir "De que
couzas hade constar o Edificio sagrado, e o não sagrado para ser bom [... ]":
"Três são as couzas principaes, q fazerri os Templos, e mais edificios authori-
zados, e bellos. A 1a o numero dos membros; a 2a a forma delles; a 3a o sitio
em q se fabrica", e que correspondem à definição tripartida da concinidade
albertiana (Livro IX, cap. 5), constituída por numerus, finitio e collocatio.
O que é certo é que a partir dos finais do séc. XVI, já no âmbito da
Contra-reforma e da perda de autonomia por parte da Itália, o sentido
daquele termo altera-se profundamente, conforme sugere Mariani-Zini (2004,
p. 704): "la /eggiadria prend plutôt la signification d'une beauté ou l'artifi-
ciel I' em porte sur Ie nature I et devient ainsi I 'une des qualités majeures de
l'homme de cour dans les traités de comportement". Assim, leggiadria passa
a designar a capacidade de construir uma sociabilidade afastada dos confli-
tos políticos, apresentando-se como uma desenvoltura afectada, como se
manifesta no Cortegiano de Baldassare Castiglione (1528), que . circulou nas
principais cortes europeias de então. Neste novo sentido, leggiadria pode ser
entendida como galhardia, com o significado de habilidade, garbo, desen-
voltura.
O Cortigiano de Baltassare Castiglione (III, 59), que e dedicado a
D. Miguel da Silva, bispo de Viseu e embaixador de Portugal junto à Santa
Sé, sugere essa transformação, onde ó social começa a prevalecer sobre o
natural: "Encontrando-se depois alguns oYtros, que não se dignam a amar as
mulheres senão no aspecto, no falar e em todos os movimentos sem levar
em conta ) oda a galhardia, todos os gentis costumes, todo o saber e toda a
graça acumulada como um todo, como um sol composto de todas as exce-
lênCÍas do mundo".
Note-se que a tradução de Juan Boscán em 1534 do Cortegiano de Bal-
dassare Castiglione para Castelhano é considerada como decisiva para a evo-
lução cultural do Renascimento no pais vizinho, sob o domínio dos Áustrias,
acabando por ter ressonâncias na literatura e nas práticas cortesãs dos Siglas
de Oro. Portugal também esteve, a partir de 1580, submetido a esse domínio
e certamente que os ensinamentos do Cortegiano , ao sugerir um novo
99
Introdução
171
Assinale-se que "A independência política de Portugal não foi juridicamente afectada
com a união dinástica. Mas no séc. XVI ainda não se distinguia com clareza o que era
Estado e o soberano desse mesmo Estado. Daí decorreu uma alteração profunda em Por-
tugal, na ordem internacional. Portugal deixou de contar" (Magalhães, 1993, p. 568).
172
A ascendência do Cortegiano de Baldassare Castiglione na literatura peninsular é signi-
ficativa, nomeadamente na Corte na Aldeia ( 1619) de Francisco Rodrigues Lobo, que
diz ter nascido, ao dar voz contra a absorção castelhana, "em idade em que já a de Por-
tugal era acabada".
173
Para uma resenha dos tratados de arquitectura portugueses deste período veja-se Moreira
( 1989, p. 492-494) e Ruão (2006, vo!. I, pp. 131-31 0).
100
A Recepção da Arte Edificatória
174
A obra Paralléle de l'architecture [ ... ] de Fréart de Chambray (1606-1676), que compara
a arquitectura antiga com a modema, é considerada como uma das primeiras manifesta-
ções do classicismo francês na literatura artística do séc. XVII, onde predomina a siste-
matização de regras sobre a criatividade individual.
101
Introdução
grosseiros, tão secos e tão Góticos e que tenha proporcionado tão mal algu-
mas das suas ordens de arquitectura".
Estas apreciações sobre a sistematização das ordens· em Alberti abrem
espaço para uma interpretação menos apologética da sua obra. Assim, poste-
riormente à publicação do Pa,ralléle de l 'architecture antique et de la
moderne de Fréart de Chambray, surge um segundo agrupamento de edições
do tratado, desde a edição em inglês, de 1729 até à italiana de 1847 corres-
pondendo, aproximadamente, a um período que vai do neopaladianismo, em
Inglaterra, até ao final do neoclassicismo no continente Europeu, onde os
comentários passam a ser, se bem que de forma oscilante, gradualmente
mais críticos.
Com efeito, é neste período que é publicada a obra póstuma de Guarino
Guarini (1737, I, 3), Architettura Civile, escrita após 1678, onde se adopta a
distinção albertiana entre concepção do projecto e execução da obra. Apesar
de Guarini admitir que a .arquitectura se baseia nas matemáticas, trata-se de
"[ ...] uma arte da sedução, cuja finalidade não é defraudar o espírito por
motivos ligados meramente à razão: assim, mesmo que muitas das suas
regras sigam os caminhos da razão, quando os seus resultados não agradam
à visão, aquelas devem ser alteradas, ignoradas ou mesmo contraditadas
[ .. .]" .
Isto significa que o arquitecto tem por obrigação rectificar as normas
oriundas das harmonias musicais, a fim de poder preservar a aparência das
proporções, como sucede com as correcções ópticas das ordens arquitectóni-
cas, situadas em planos oblíquos, que tiram partido dos meios de circulação
vertical para a composição espacial do edificado, contrariamente à imple-
mentação moderada destes recursos, anterioqnente sugerida por Alberti
(Livro IX, cap. 2). Assim, advoga-se tanto a liberdade de concepção, como
se sugere a criação de novos efeitos visuais, que subordinam os sistemas
proporcionais às leis da perspectiva cenográfica. .
Ainda neste período, em 1756, Francesco Algarotti publica o Saggio
sopra L 'Architettura que, do mesmo modo que Cario Lodoli 175 , como nos
lembra o seu discípulo Andrea Memmo, pretendia também fazer "entrare la
logica nell'architettura". Com essa finalidade Algarotti propunha que a arqui-
175
O Saggio sopra l 'A rchittettura devia ser a exposição fiel das ideias do monge francis-
cano Carl o Lodo li ( 1690-1761 ), que reafirma a correspondência entre representação e
função, bem como sobre a verdadeira natureza dos materiais, compilada nos Gli Ele-
menti di architettura lodoliana pelo seu comentador Andrea Memmo e publicada, em
Roma, em 1786.
102
A Recepção da Arte Edificatória
tectura estivesse sujeita "ai piu rigoroso esame della ragione" e, consequen-
temente, exprimisse a função para que tinha sido concebida.
O Saggio de Algarotti (op. cit., p. 9) começa com a seguinte abertura:
"Molti e vari sono gli abusi che per una o per altra via entrarono d'ogni
.· tempo in qualunque sia generazione di arti e di scienze", evocativa do Pró-
logo do De re aedificatoria, mas com uma substancial diferença. Enquanto
para Alberti o legado dos antepassados proporcio~ava uma "vida agradável e
feliz", para Algarotti o que sucedia no seu tempo, era a manifestação dos
abusos em qualquer arte ou ciência.
As referências implícitas à autoridade dos antigos, a Vitrúvio e a
Alberti, a estes gravissimi autori, percorrem o Saggio, 'chegando mesmo
Algarotti a fazer uma citação explícita a Alberti sobre as propriedades da
resistência da madeira: "Nel legno la forza ch'essa ha di resistenza e
appresso a poco proporzionale ai suo peso, como asseri Alberti" (Algarotti,
op. cit., p. 16) 176 ; bem como dos materiais pétreos: "e medisimamente la
pietra vogliono, che quanto e piu grave tanto sia ancora piu salda" (idem,
op. cit., pp. 16-17) 177 •
É também no séc. XVIII que Francesco Milizia, um dos precursores do
racionalismo contemporâneo e crítico do seco/o della oizzaria barroca, faz
uma recensão do tratado Da Arte Edificatória nas Memoire degli Architetti,
publicado em 1781, comp sendo uma "obra notável mas sobrecarregada com
uma desnecessária erudição" (Milizia, op. cit., p. 200), complementada pela
franca oposição às teorias proporcionais de Alberti, desenvolvidas na obra
Principi di Architettura Civil, também publicada no mesmo ano: "seria de
facto muito conveniente se toda a beleza [ .. .] pudesse ser reduzida a pro-
porções harmónicas. Neste caso, cada arquitecto teria de saber não só
música, mas ser capaz de a aplicar aos seus edificios, e todo o artista dese-
joso de fazer algo agradável teria de atender às aulas dos músicos de capela
que seriam os nossos mestres universais" (idem , op. cit., p. 264), para acres-
centar, na Le vite de 'piu celebri architetti d 'ogni nazioni e d 'ogni tempo,
publicada em 1768, que o "gosto de Alberti na decoração das ordens não é
o mais refinado, e mostra os tempos obscuros em que emergiu. O seu capi-
tel Dórico é quase Gótico, do mesmo modo que o Coríntio, que apresenta
somente nove diâmetros em altura. Mas ' o mais estranho é que nesta ordem
não comparece o lacrimal" (Milizia, 1768a, p. 196).
176
"E de facto a madeira pesada é toda ela mais espessa e mais dura do que a leve; e tanto
mais frágil quanto mais leve; e tanto mais sólida quanto mais nodosa" (Livro II, cap. 7).
177
"Uma pedra ordinária será tanto mais dura quanto mais porosa; e a que, aspergida com
água na parte superior, demorar mais tempo a secar, será mais bruta" (Livro II, cap. 8).
103
Introdução
178
"Ordine [ ... ] una serie di parti contigue di un medesimo tutto, ciascuna legata alie
vecine" (Milizia, 1781 b, I, p. 317).
179
Cirilo Wolkmar Machado (1748-1823) provavelmente escreveu o Tratado de Arquitec-
tura & Pintura entre 1796 e 1808.
104
A Recepção da Arte Edificatória
[... ] que [... ] poderia ser útil aos principiantes, e servir também como pron-
tuário aos mais avançados".
Cirilo (op. cit., fi. 1) apesar de ser considerado "o primeiro historiador
da Arte português" (Gomes, 1992, p. 15), de ter uma formação como pintor,
de ser o autor de um imenso número de pinturas decorativas e de ter ela-
borado os projectos, não construídos, para o palácio da Relação e Cadeia
(c. 1795), bem como para o remate oriental do Palácio da Ajuda, hierarquiza
desfavoravelmente o De re aedificatoria: "Leão Baptista Alberti Florentino
vivia em o 14. 0 século, escreveu 3 livros sobre pintura e scultura e 10 sobre
Architectura que se estimao abaixo de Vitruvio, hera pintor".
De forma algo paradoxal, Cirilo Wolkmar Machado (1793), nas refle-
xões sobre as inconveniências da Architectura, aparenta ter plena compreen-
são da actividade mental do arquitecto, chegando mesmo a lamentar como
este tem sido desprezado em favor do mestre construtor: "os melhores pen-
samentos de hum architecto são mentaes, expressos se fazem visíveis pelo
dezenho. A obra que executa um mestre he palpável - e a ignorância que he
cega reputa naturalmente por nada o que não vê e por tudo o que palpa e
troca; daqui nasce que se gasta muito e com gosto no material quando ape-
nas e com hum desgosto se dá alguma coisa a quem faz o dezenho, que se
preza muito o mestre e que se despreza assaz o architecto" 180 •
Contudo, Cirilo (op. cit., fi. 43) no seu Tratado de Arquitectura & de
Pintura, ao -descrever as ordens arquitectónicas, censura as propostas de
Alberti quando comparadas com as de Vitrúvio e de Palladio: "Os profiz em
italiano sacoma são os contornos ou talhos das molduras, Vitruvio as fez
secas e sem graça: Alberti e Sérlio seus imitadores forão mesquinhos.
Vinhola ao contrario e sobretudo Paladio tem tido uma maneira mais grave
mais grande e mais elegante porque seguirão antes o antigo Vitruvio".
Além disso, o conhecimento de Cirilo (op. cit., fi. 7) sobre Alberti é
introduzido, em algumas partes do Tratado, em 2.a mão, via Palladio: "Nas
Praças, a altura dos edificios não sejão mais de 1/3 nem menos do 6. o da
largura da Praça. Leão Baptista Alberti citado por Paladio [... ]", o que não
abona em favor de uma crítica mais autónoma.
O que o Tratado de Cirilo e aquelas reflexões sugerem, para além do
seu pensamento oscilante entre o favorecimento da actividade mental do
arquitecto e a explícita censura a Alberti, é a dificil penetração que as ideias
deste tiveram nesse período e no país na medida em que "[ ...] se preza
muito o mestre e que se despreza assaz o architecto" (Cirilo Wolkmar
Machado, op. cit., fi. 7).
105
Introdução
181
De acordo com Choay (2006, p. 13) a influência de Alberti em Viollet-le-Duc deve-se à
mediação de Quatremere de Quincy, pois aquele autor não é citado em qualquer obra de
Viollet, nem nenhuma obra sua está presente no espólio literário deste último.
106
A Recepção da Arte Edificatória
edificado em sítios construídos afirma que "é, sem dúvida, vergonhoso não
poupar as obras dos antigos, nem respeitar as vantagens de que os cidadãos
usufruem, acostumados aos lares dos seus antepàssados; pelo que, destruir,
demolir e arrasar completamente o que quer que seja, em qualquer parte,
deve ser uma opção a pôr de lado, sempre. Por conseguinte, eu gostaria que
se conservassem intactas as construções antigas, sempre que não seja impos-
sível levantar uma nova sem as destruir". Em resumo, tanto Ruskin como
Alberti defendem, de forma simultânea, tanto o respeito pelas obras do pas-
sado, face às inovações introduzidas no edificado, como uma clara distinção
entre comodidade e beleza (commoditas e pulchritudo ), que são definidas
pelas características que um edificio deve possuir e que Ruskin (1851, p. 35)
designou de virtudes arquitectónicas: a) "que tenha um desempenho correcto
e que seja útil da melhor forma possível"; b) "que se exprima correctamente
e que expresse tudo aquilo para que foi construído com as melhores pala-
vras"; c) "que tenha bom aspecto, que a sua presença agrade, qualquer que
seja o que tenha a exprimir".
A primdra virtude refere-se à utilidade que o edificado deve apresentar,
que se associa à commoditas albertiana; a segunda, àquilo a que Ruskin
designou de retórica arquitectónica, o que mostra, à semelhança de Alberti,
o entendimento da participação de figuras de eloquência no acto da concep-
ção arquitectónica e, por último, a terceira virtude que se reporta à noção de
beleza, a pulchritudo que a obra edificada deve sempre mostrar, indepen-
dentemente do seu destino.
Não deixa de ser paradoxal que Ruskin (2000, p. 25) chame a atenção .
para estas três dimensões, profundamente enraizadas na cultura arquitectó-
nica do Renascimento, mas a que faz alusão depreciativa face aos revivalis-
mos regionais, como sendo decrépita: "É em Veneza, por conseguinte, e
somente em Veneza, onde puderam chegar os golpes efectivos desta arte
pestilenta do Renascimento".
Também Viollet-le-Duc no Dictionaire d'architecture (1995, p. 307)
refere-se à questão da unidade em arquitectura, de forma semelhante à con-
cinidade albertiana: "em toda a concepção da arte, a unidade é certamente a
lei principal, a partir da qual todas as outras derivam. Em arquitectura, esta
lei é ainda talvez mais imperiosa do que nas outras artes do desenho, pois
que a arquitectura agrupa todas essas artes para compor um conjunto [ ... ]"
o que mostra, uma vez mais, que aquele conceito está profundamente enrai-
zado na cultura arquitectónica ocidental desde o Quattrocento.
Ainda no séc. XIX, surge outro entendimt(nto do tratado de Alberti no
ambiente nacionalista que caracterizou a primeira metade desse século, prin-
cipalmente no âmbito do classicismo romântico, que oscilou entre a reminis-
107
Introdução
108
A Recepção da Arte Edificatória
109
Introdução
Paris, bem como aos "Les 5 Points d'une Architecture Nouvelle" , assinado
por Le Corbusier e Pierre Jeanneret e divulgados a partir de 1927.
Estes cinco pontos para uma nova arquitectura de Le Corbusier e Pierre
Jeanneret (Le Corbusier, 1929, pp. 128-9) afiliam-se a alguns dos descritores
definidos por Alberti (Livro I, cap. 2), isto é, a termos que servem para
identificar, descrever e sistematizar conceitos globalmente estruturadores da
edificatória. Com efeito, dos seis descritores sugeridos por este autor para
ordenar o discurso disciplinar: a regia , a area, a partitio, a paries,' o tectum
e a apertio (a região, a área, a compartimentação, a parede, a cobertura e a
abertura), os cinco últimos revêem-se, em oposição, às desenvolvidos por Le
Corbusier: les pilotis, le plan libre, la jàçade libre, les toits·-jardins e la
fenêtre en longueur.
Dissemos em oposição na .medida em que, como observa Oechslin
(1987, p. 85), o texto original sobre "Les 5 Points d'une Architecture Nou-
velle", assinado por Le Corbusier e Pierre Jeanneret, foi enviado a Alfred
Roth, que o traduziu e publicou em 1927 em Stuttgard 182, onde se pode ler
que "II ne reste plus ~ien de l'architecture ancienne" (cf. Oechslin, 1987,
p. 88), o que é omitido no texto incluído na Oeuvre Complete publicado em
1929. AC+Pela interpretação inicial dos 5 Points em estilo de "manifesto",
suavizada nesta última edição, sugere um confronto irredutível entre a arqui-
tectura antiga e a Architecture Nouvelle defendida por Le Corbusier e Pierre
Jeanneret.
O único dos -seis descritores citados por Alberti e que Le Corbusier e
Pierre Jeanneret não reportam aos 5 Points é a região, que também se apre-
senta de forma distinta na confrontação entre a arquitectura antiga e a nova.
Com efeito, Alberti define a região como sendo a extensão circundante e o
aspecto do terreno onde se vai construir, a que corresponde uma deslocação
de concejtos logo no ponto 1 de La Charte d'Athenes, cuja redacção é atri-
buída a Le Corbusier - Villeneuve .(1943 , p. 75) 183 : "La ville n'est qu'une
partie d'un ensemble économique, sóciat et politique constituant la région",
o que sugere uma mudança decisiva de escala para o termo equivalente,
confirmada pela racionalidade cartesiana na implantação dos seus edificios e
182
Publicado com o título "Zwei Wohnhãuset von Le Corbusier und Pierre Jeanneret", em
1927, por Wedekind & Co., Stuttgard, e reproduzido em Oechslin ( 1987, pp. 86-89).
183
Le Corbusier em 1941 - 42 realizou diversas maquetes para o frontispício de La Charte
d 'Athenes e as explicações que acompanham os artigos foram redigidas pelo primeiro
delegado da França aos CIAtv1 (i.e. o próprio Le Corbusier), bem como por Jeannne Vil-
leneuve, baronesa de Aubigni (La Charte d 'Athenes, 1943, p. 239) . A ausência, neste
manifesto, do nome de Le Corbusier deve-se à sua proscrição durante a ocupação da
França (cf. Smet, 2007, pp. 72-74; 188-189).
110
A Recepção da Arte Edificatória
111
Introdução
fenêtres peuvent courir d' un bord à l' autre de la façade" (Le Corbusier,
1929, p. 128).
Ainda em 1927 Le Corbusier publica na revista L 'Architecture Vivante,
com algumas alterações, estes 5 Points no artigo " Ou en est l'architecture?",
onde afirma a "recherche de l'invariant" para inter-relacionar as questões
colocadas pelo projecto em arquitectura com as dimensões teóricas codifica-
das nestes pontos, o que sugere que os mesmos possam ser entendidos como
predicados dos mesmos universais.
Se para Le Corbusier e Pierre Jeanneret "11 ne reste plus rien de l'archi-
tecture ancienne" isso deve-se, em' grande parte, à contraposição que fazem,
de forma sistemática e radical, às dimensões conceptuais estabelecidos por
Alberti no séc. XV, o que significa que esta transformação não deixou de
caracterizar, no âmbito da teoria da arquitectura no ocidente, uma "imagem
móvel da eternidade" 184 , na medida em que a estrutura profunda de ambas as
concepções apresentam as mesmas coordenadas de referenciação. Por outras
palavras, se bem que nesta metamorfose, sabiamente introduzida por Le Cor-
busier e Pierre Jeanneret, tudo tenha aparentemente mudado, nada realmente
se perdeu 185 em relação às invariantes inicialmente delineadas por Alberti 186 •
Estas transformações invariantes não se resumem, no entanto, somente
às distinções entre os 5 Points face aos descritores da edificatória sugeridos
por Alberti.
Com efeito, Le Corbusier-Saugnier (1923) referem que "L' architecture a
un outre sens et d'autres fins que d'accuser des constructions et de répondre
à des besoins (besoins pris dans le sens, sous-entendu ici, d'utilité, de con-
fort, d' agencement pratique). L' ARCHITECTURE, c'est l'art par excellence,
qui attaient à l'état de grandeur platonicienne, ordre mathématique, spécula-
tion, perception de 1'harmonie par des rapports émouvants" (p. 86), obtida
pela ordonnance, isto é, pela "hiérarchie des buts, la classification des inten-
tions" (p. 143); "Mais attention, l'architecture n' est pas que d' ordonnance"
(p. 126).
Estas considerações não deixam de ser evocativas da noção de concini-
dade, bem como da intransitividade entre beleza, comodidade e construção
184
Platão, Ti., 37d.
185
Omnia mutantur; nihil interit (Tudo muda, mas nada realmente se perde, Ov., Met., XV,
165). Cf. trad. de D. L. Dias, 2008.
186
Tournikiotis (1999, p. 241) argumenta que os descritores da edificatória indicados por
Alberti "[ ... ] foram repropostos nas históri as da arquitectura modema, constituindo o
fundamento de uma arquitectura que se liberta de todas as amarras com o passado e
imediatamente renasce uma vez mais, intacta, nos seus princípios fundamentai s".
112
A Recepção da Arte Edificatória
187
A sucessão Fn de n números de Fibonacci é dada pelas seguintes relações: Fn =O para
n= I , Fn= I para n= 2, Fn=F(n-I )+ F(n- 2) para os restantes casos.
188 Já assumido em 1867 na Teoria general de la urbanizacion ... de ldelfonso Cerdà,
Madrid, Imprenta espaiiola.
113
Introdução
114
A Recepção da Arte Edificatória
modo que nós próprios o deslocamos" (Livro VI, cap. 9). Uma concepção
individualizada da habitação e metafórica da máquina para Alberti, outra
colectiva e analógica da habitação e em conformidade para a máquina (les
paquebots, les avions, les autos) para Le Corbusier-Saugnier.
Numa das definições de arquitectura mais divulgadas sobre o Purismo,
Le Corbusier-Saugnier (op. cit., pp. 16 e 163) afirmam que "L'architecture
est le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la
lumiere" para, posteriormente, precisarem a importância da modenatura nos
seus jogos de luz e sombra, dados pelas saliências e reentrâncias daqueles
volumes: "La Modenature est une pure création de l'esprit; elle appele le
plasticien", enquanto para Alberti o próprio "[ ... ] ornamento será realmente
uma espécie de luz subsidiária da beleza e como que o seu complemento"
(Livro VI, cap. 2), e se apresentará "de tal forma que o olhar, como que
deslizando livre e suavemente, percorra as comijas, as reentrâncias e toda a
face interior e exterior da obra, aumentando o seu prazer com o prazer da
semelhança e dissemelhança" (Livro IX, cap. 9). Novamente, uma concep-
ção metafórica para a associação luz-ornamento em Alberti, outra conforme
para luz-volumes em Le Corbusier-Saugnier.
Não temos conhecimento de que Le Corbusier-Saugnier tenham citado,
nos seus textos, Alberti, apesar destas transformações, confrontações e inva-
riâncias serem detectáveis nas relações que anteriormente assinalámos, o que
aponta para um pacto com o passado, quase que autobiográfico, no sentido
de que para Le Corbusier-Saugnier (op. cit. , p. 33) "Sans plan, il ya désorde,
arbitraire" 189 • Por outras palavras, um plano que os ligam inelutavelmente a
Alberti, apesar de o seu programa assinalar, já em 1923, uma decisiva rup-
tura com esse passado: "II y a un esprit nouveau [... ]. Une Grande Époque
Vient de Commencer" (Le Corbusier-Saugnier, op. cit., p. 69).
Posteriormente, na transição do Movimento Moderno para a condição
pós-modema, Robert Venturi publica, em 1966 em Nova Iorque, Complexity
and Contradiction in Architecture, sobre os diversos tipos de ambiguidade
da forma em arquitectura onde este autor desenvolve o conceito da "dura
tarefa do todo", que comparece associado também à noção de concinidade
de Alberti, na medida em que sugere que as partes do edifício se harmoni-
zem entre si para constituírem um só todo (corpo).
189
Nem mesmo no Modular é feita qualquer citação de Alberti, limitando-se Le Corbusier
a afirmar que a partir de Pitágoras foi criada a primeira escrita musical, capaz de regis-
tar as composições sonoras e de as transmitir através do espaço e do tempo, para
concluir que "A part une tentative sans grand succés à la Renaissance, cette pratique fut
perpétuée jusqu 'au XVII siécle" (Le Corbusier, 2005 , p. 16).
115
Introdução
116
A Recepção da Arte Edificatória
190
De acordo com Tavemor (1998, p. 176) a igreja de Santo André em Mântua foi dese-
nhada por Alberti como uma interpretação do templo etrusco, desenvolvido no Livro
VII, cap. 4, do tratado, apresentando semelhanças proporcionais, em planta, com a Basí-
lica de Maxêncio, designada incorrectamente por Alberti como "Temp1um Latona", bem
como com as proporções do templo de Salomão (I Rs 6: 1-20).
191
Eisenman (1989, p. 71) designa estas mestiçagens em arquitectura como segunda lin-
guagem, no sentido de se verificar uma mediação (betweenness), mas não um desloca-
mento de significados, pela recombinação de significantes, dado que uma das funções
simbólicas, a religiosa, mantém-se dominante.
192
Disponível na www no endereço : http ://www.bml.firenze.sbn .it/Alberti/mosaico/index_
eng.asp. Consultado em 6-04-2007. Para uma análise destes mosaicos na obra literária
de Alberti veja-se Cardini - Rego li os i (2007b ).
117
Introdução
193
Disponível na www no endereço : http://www.bml.firenze.sbn.it/Alberti/testi_ita!colore_
_ del_tempo.html. Consultado em 6-04-2007.
194
Dado que o conhecimento está disseminado numa imensidão de textos e autores diversi-
ficados, para Alberti (Profugiorum ab aerumna libri 111, III, pp. 82-83) é necessário o
seu reordenamento e adaptação, em forma de mosaico: "E veggonsi queste cose littera-
rie usurpate da tanti , e in tanti !oro scritti adoperate e disseminate, che oggi a chi voglia
ragioname resta altro nulla che solo e! raccogliere e assortirle e poi accoppiarle insieme
con qualche varietà dagli altri e adattezza dell'opera sua, quasi come suo instituto sia
imitare in questo chi altrove fece e! pavimento".
118
A Recepção da Arte Edificatória
195
Ter. , Eun., 41.
196
Cf. trad. esp. de P. M. Reinón, 2002
197
Autor do De compositione (1420), um manual de retórica baseado em Cícero e Quinti-
liano que divulgou a eloquência romana no Quattrocento.
19
M Trad. de J. A. S. Campos, 1991.
119
Introdução
120
A Recepção da Arte Edificatória
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199
As fontes de dados, utilizadas para se construir o diagrama de dispersão apresentado na
Fig. 6, basearam-se na Macmillan Encyclopaedia of Architects, AA.VV. (1983), onde
são referidos, por mais de 600 autores, 2620 arquitectos activos no mundo ocidental,
bem como na base histórica e demográfica apresentada para a população mundial por
McEvedy-Jones ( 1985). Para uma descrição crítica desta informação veja-se Placzek
(1982), Chemov (1982) e O'Gorman (1984) e, para a sua metodologia de utilização,
nomeadamente para a sua periodização e delimitação geográfica, consulte-se Stevens
( 1998, pp. 122-167).
121
Introdução
200
Note-se que a tese de Zubov foi inicialmente apresentada em 1946 na Academia de
Arquitectura de Moscovo e a obra de Grayson foi publicada entre 1952 e 1994.
122
A Recepção da Arte Edificatória
123
Introdução
20 1
Para uma reavaliação da obra de Alberti como homem do Renascimento, do encómio de
Jacob Burckhardt à crítica de Julius von Schlosser, veja-se Andersen (2004).
202
As referências bibliográficas colocadas nos anexos sugerem pistas para aprofundamento
desta sumaríssima listagem de textos sobre a obra de Alberti.
124
A Recepção da Arte Edificatória
125
Introdução
Vasari (1550, pp. 97, 103, 196-197, 201) como renascita, entra no vocabu-
lário dos iluministas no séc. XVIII e, a partir da segunda metade do séc.
XIX, é que passa a referir-se a um conceito de periodização geral, princi-
palmente devido aos trabalhos de Burckhardt (op. cit.) e de Michelet (1895).
É com Ferguson (1948, p. 397) que o Renascimento passa a ser consi-
derado um período de transição, onde persistem tanto características medie-
vais, como modernas, e as generalizações de Burckhardt, como de Michelet,
ao definirem e delimitarem este período de forma precisa e fechada, deixam
de fazer sentido na medida em que uma das mais dificeis sínteses "[ ... ] is
that posed by continuous historical development within each age as well as
from one age to another. Any general description of conditions must be sub-
ject to constant chronological qualification. Otherwise, the resultant synthesis
presents no more than a static cross section of history and is therefore essen-
tially unhistorical".
Assim, face a estes condicionalismos, é pertinente adoptar, para efeitos
comparativos, a periodização estabelecida, a partir da arquitectura, por
Pereira (1992, p. 23), para explorarmos, se bem que de forma colateral, as
relações entre o tratado de Alberti e aquela classificação, que se refere aos
seguintes ciclos: Manuelino (1490-1530); Renascimento/Maneirismo (1520-
-1600 ... ); Estilo Chão (1580-1680); Barroco/Rococó (1680-1780 ... ); Pom-
balino (1755-1780) e Neoclassicismo (1760-1840) 203 .
Apesar de apresentarem temporalidades distintas, admitimos que se legi-
tima a coexistência de assincronismos para se aferir a recepção ao tratado de
Alberti, o que permite balizar tanto as transformações ocorridas em tempo
longo, não só como sucede nas classificações de Pereira ( 1992) e de Stevens
(1998, pp. 122-167; cf. Fig. 6), como também na demarcação de eventos
assinalados naquela recepção.
À semelhança do que sugere Koselleck (2004, pp. 105-1 07), ao discor-
rer sobre a confrontação entre a imensidade de situações experimentadas
pelos protagonistas de factos passados, para se constituírem numa unidade
narrativa coerente, e aquelas necessitarem de um quadro conceptual, onde
prevalece o tempo longo, admite-se a presença simultânea de diversos
"estratos temporais" (Zeitschichten) para se estabelecer uma descrição expli-
cativa consequente.
203
A periodização foi adoptada no pressuposto de que "embora nem todos os sectores artís-
ticos sejam cobertos por estas balizas cronológicas [ ... ] as datas indicadas são normal-
mente aceites pela historiografia e foram essencialmente estabelecidas a partir da arqui-
tectura" (Pereira, op. cit., p. 23).
126
A Recepção da Arte Edijicatória
204
Anninger ( 1988, p. 266) relata que penetraram no país, no séc. XVI, as edições do De
re aedificatoria em latim de Florença, 1485, de Paris, 1512 e de Veneza, 1541, bem
como as traduções venezianas de 1546 e de 1565. Na Biblioteca Nacional estão, actual-
mente, registadas as edições de 1485 de Florença e de 1541 de Estrasburgo, bem como
as de 1546 e de 1565 de Veneza. Na Biblioteca Municipal do Porto conservam-se duas
edições do De re aedificatoria, anotadas com os nomes dos seus proprietários, sendo
uma delas editada em Florença em 1485 e a outra em Paris em 1512. A primeira per-
tenceu, eventualmente, a Francisco Miranda de Vasconcelos e a Cristóvão Alão de
Morais, jurisconsulto e regedor do Porto, e a segunda, entre outros, a Gonçalo Baião,
provável corregedor do Porto e cavaleiro da casa do infante D. Henrique, com data
manuscrita de 1534, que esteve em Itália e fez, em 1547, a pedido do rei D. João III
uma pormenorizada maquete do Coliseu de Roma com dois metros de diâmetro (cf.
Viterbo, 1988, I, p. 522 ; Ruão, 2006, I, pp. 196-197).
205
A correspondência epistolar trocada entre Ângelo Poliziano e D. João II, datada de 23
de Outubro de 1491, indica uma especial ligação entre a Casa dos Medieis e a Casa de
Avis. D. João II fecha a resposta a esta carta com uma recomendação sobre os três
filhos do Chanceler-mor do reino, João Teixeira, que tiveram a "feliz sorte de poder
beber no manancial das tuas letras alguma doutrina" (cf. Figueiredo, 1932, p. 50), o que
sugere que os moços-fidalgos, que estavam sob a sua orientação tutelar, teriam, prova-
velmente, conhecimento da editio princeps do De re aedificatoria, publicada em 29 de
Dezembro de 1485, com uma saudação de Poliziano a Lourenço de Medieis.
127
Introdução
206
A ausência de ilustrações nas primeiras edições impressas do De re aedificatoria
reporta-se a uma problemática susceptível de ser investigada, em termos de inovações e
permanências, face ao desfasamento entre as práticas artísticas em território nacional e
as do Quattrocento e do Cinquecento nos estados italianos, nomeadamente no que se
refere aos diferentes sistemas proporcionais utilizados, que podem ser descritos, como
mostrou Alberti, verbis solis. Assim, ao se preservarem os diversos estratos temporais,
no âmbito do quadro conceptual anteriormente referido, caberá à narrativa daquelas prá-
ticas passadas dar uma explicação consequente para o esclarecimento desta questão que
sai, muito naturalmente, fora do âmbito desta Introdução .
128
A Recepção da Arte Edificatória
207
Livro II, cap. 13.
129
AGRADECIMENTOS
20
M O fa c-símile da editio princeps do De re aedijicatoria bem como o Vol. I do Index Ver-
borum (A-E) foram publicados em 1975, o Vol. 2 (F-0) em 1976 e o Vol. 3 (P-Z) em
1979.
131
Introdução
autora, conjuntamente com Pierre Caye, por traduzir, como vtmos, o título
do tratado de Alberti por L 'art d 'édifier.
Ao Prof. Michel Paoli que enviou um preprint do artigo "Une biblio-
graphie inédite de L. B. Alberti due à Giovanni Cinelli et trois notes sur la
fortune albertienne au XVIIe siecle" 209 que, na nota 3 sobre Une hypothéti-
que traduction du De re aedificatoria en portugais signalée en 1625, permi-
tiu, para se entender a possível feitura daquela tradução por André de
Resende, verificar a identidade de algumas das fontes bibliográficas utiliza-
das. Apesar de apresentarmos uma diferente interpretação, quanto ao destino
daquela presumível tradução, este trabalho possibilitou, no estado actual de
conhecimentos, concluir sobre a adequação das fontes citadas.
Ao Prof. Domingos Campelo Tavares pela doação do livro Leon Bap-
tista Alberti, de sua autoria e publicado em 2004, que sistematiza, em língua
portuguesa, tanto a obra edificada como a escrita, relacionada com a teoria
da arquitectura daquele autor e que, na ausência de traduções da sua obra
literária, se constituiu como um guia terminológico actual que procurámos
confrontar e aferir nesta edição para língua portuguesa.
À Dra. Graça Simões, bibliotecária do Departamento de Arquitectura
da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pelo
seu auxílio na pesquisa e recolha de documentação para a realização desta
edição.
Muito certamente que, apesar das contribuições essenciais dadas pelos
autores anteriormente mencionados, para a edição que agora se apresenta,
quaisquer erros ou omissões são da nossa exclusiva e inteira responsabili-
dade.
Hoc opus, hic labor est 210 •
209
Publicado em P.R.I.S .M.I., La Renaissance italienne, images et relectures, Université de
Nancy 2, N.0 3-2000, pp. 291-305 .
2 10
"Esta é a obra, este é o trabalho", Verg., A., VI , 129. Cf. trad. it. R. Tosi, 1991.
132
DA A~TE EDIFICATÓ~IA
ÂNGELO POLIZIANO SAÚDA LOURENÇO
DE MEDICIS, SEU PATRONO.
211
Conjectura-se que Alberti queria dedicar a obra a Federigo di Montefeltro, duque de
Urbino, e que Poliziano convenceu o executor do seu testamento, Bernardo Alberti, a
permitir que a dedicatória fosse oferecida a Lourenço de Medieis (cf. Mancini, 1882,
p. 393; Baldi, 1824, III, pp. 55-56).
212 Bernardo Alberti (1436-95), que era primo em segundo grau, por via paterna, de Leon
Battista, foi citado no seu Testamento (2v, 14) como "herdeiro universal".
213
A carta, datada de 11 de Setembro de 1485, na qual Niccoló Michelozzi descreve o
empenho de Lourenço de Medieis na edição do tratado, que era lido pelo seu secretário
à medida que ia sendo impresso, não oblitera as críticas que Alberti fez à governação de
Florença sob os Medieis, apresentada nas obras Profugiorum ab aenumera libri lll e De
iciarchia (cf. Martelli, 1965, p. 191, n. 53).
135
e com a indigência total do meu estilo. Não houve conhecimentos literários,
por mais remotos, nem disciplinas do saber, por mais recônditas, que lhe
escapassem. É dificil dizer se o seu estilo era mais inclinado para a oratória
ou para a poesia, se mais majestoso ou mais aprazível. De tal maneira pers-
crutou os vestígios da Antiguidade, que não só assimilou toda a teoria arqui-
tectónica dos antigos, mas também a tomou como modelo. De igual modo,
concebeu não só uma enorme quantidade de maquinaria, andaimes e engre-
nagens, mas também edifícios de admirável beleza. Além disso, foi conside-
rado excelente pintor e escultor, dominando assim, na peffeição, todas as
artes, como poucos dominam cada uma em particular. Por isso eu, como
Salústio 214 em relação a Cartago, julgo preferível calar-me do que dizer de
menos.
A este livro, Lourenço, ouso pedir que atribuas um lugar importante na
tua biblioteca, e que tu mesmo o leias aplicadamente, e t?mes a teu cuidado
que seja lido em público e divulgado. Na verdade, ele é digno de andar na
boca dos homens cultos 215 e já quase só em ti encontra guarida o patrocínio
das letras abandonado pelos outros. Votos de boa saúde.
214
Gaio Salústio Crispo (c. 86-35 a. C.), historiador romano autor de Bellum Jugurthinum,
que relata a guerra contra Jugurta, rei da Númida, que se prolongou entre 112 e 105
a. C..
215
Sentido retirado do epitáfio do poeta latino Énio: Nemo mihi funera faxit I Cur vivus
volito docta per ora virum (Ninguém me faça as exéquias I Porque, ainda vivo, voo nas
bocas dos homens doutos), no qual se proíbe o luto por ainda se viver na boca dos
homens, citado por Alberti, Livro VIII, cap. 4. Cf. Cic., Tusc., I, 17.
136
COMEÇA A OBRA DA ARTE EDIFICATÓRIA
DE LEON BATTISTA ALBERT/
SÊ FELIZ NA LEITURA
216
Ars com o significado da tekhnê grega, no sentido de um saber ou de uma artesania.
211
Propósito que já se encontra em Aristóteles (Eth . Nic., I 097a 15-20).
218 Referência às dimensões da necessidade, da comodidade e do prazer.
219 Choay (1996) propõe que um dos fundamentos do De re aedificatoria, como texto inau-
gural , é a enunciação do Eu tratadístico por Alberti.
137
Prólogo
carpinteiro 220 , para o compararmos aos mais elevados especialistas das outras
disciplinas. A mão do artífice, na verdade, não passa de um instrumento para
o arquitecto. Quanto a mim, proclamarei que é arquitecto aquele que, com
um método seguro e perfeito, saiba não apenas projectar em teoria, mas
também realizar na prática todas as obras que, mediante a deslocação dos
pesos e a reunião e conjunção dos corpos, se adaptam da forma mais bela às
mais importantes necessidades do homem. Para o conseguir, precisa de
dominar e conhecer as melhores e mais importantes disciplinas. Assim, pois,
deve ser o arquitecto. Volto ao assunto.
Houve quem dissesse que a água ou o fogo proporcionaram os princí-
pios que fizeram com que se formassem as comunidades humanas. Nós,
todavia, se considerarmos a utilidade e a necessidade de uma cobertura e de
uma parede para reunir e manter em grupo os seres humanos, ficaremos
convencidos de que foram certamente estes os factores mais importantes.
Mas não foi apenas por esse motivo que devemos ao arquitecto que nos
tenha proporcionado os refúgios seguros que procurávamos contra o ardor
do sol, o mau tempo e a neve, embora esse seja um beneficio, de modo
nenhum o mais pequeno, mas sobretudo porque, a nível privado e público,
encontrou coisas, sem dúvida alguma, mais úteis e de maior aplicação, em
muitas ocasiões, ao bem-estar da existência.
Quantas famílias nobilíssimas a nossa cidade e outras cidades do mundo
teriam perdido, completamente destruídas pelas injúrias dos tempos, se os
pátrios lares não as tivessem agasalhado, recebendo-as como que no regaço
dos seus antepassados 22 1• Dédalo foi louvado no seu tempo, acima de tudo
porque construiu uma gruta em Selinunte 222 , para que dela emanasse um
vapor morno e suave e fosse captado de tal maneira que provocasse inten-
síssimos suores e curasse o corpo com enorme prazer 223 . Não vale a pena
referir outros que imaginaram muitas coisas deste género - alamedas, pisci-
nas, termas, e outras da mesma espécie - que contribuem para uma boa
220
Patetta (2005, p. 107) argumenta que o termo carpinteiro (jaber tignarius) também pode
ser entendido como marceneiro, isto é, como o executor de maquetes de madeira de pro-
jectos concebidos por outros, como ocorria no Quattrocento em Florença.
22 1
Alberti refere-se ao facto de a sua família ter sido intimada a ir para o exílio, para fora
de Florença, entre 1401 e 1428, somente readquirindo os direitos civis em 1434.
222
Selinunte, cidade situada na costa sudeste da Sicília para onde Dédalo, artista, artesão e
inventor lendário escapou, com o seu filho Ícaro, do labirin o de Cnossos, em Creta, que
tinha sido construído por aquele.
223
Cf. Diod. Sic., IV, 78, 3.
138
Prólogo
224
Esta linha de pensamento é reafirmada em mais dois passos do tratado (cf. Livro IV,
cap. 3; Livro VII , cap. 1).
225
Em tempo de guerra, competia aos comandantes do exército romano tomar os auspícios
observando o voo das aves: ductu imperio ausp icio (a autoridade, o comando, o auspí-
cio). Cf. Plaut., Mil., l, v. 196.
226
Xen., Oec., XXI, 8.
139
Prólogo
vitória com um pequeno exército e sem perder vidas 227 . Quanto à utilidade é
suficiente o que até aqui foi dito.
Quanto são agradáveis e quão profundamente estão arraigadas no nosso
espírito a tendência e a capacidade para edificar, salta à vista de vários
modos, porque não há ninguém, desde que tenha possibilidades, que não
sinta pendor para construir qualquer coisa; e que, se alguma ideia lhe ocor-
rer sobre a edificação, não a manifeste publicamente com gosto e prazer e,
como que impelido pela sua própria natureza, não a propague para ser utili-
zada por todos. E quantas vezes acontece que, mesmo envolvidos em outras
ocupações, não conseguimos evitar que a nossa mente e o nosso espírito
concebam uma edificação qualquer. E, contemplando um edificio que outros
construíram, de imediato nos pomos a percorrer e analisar uma a uma as
suas dimensões; e, quanto nos permitem as capacidades do nosso engenho,
averiguamos o que nesse edificio podia ser suprimido, acrescentado ou alte-
rado 228, para que a obra pudesse tomar-se mais elegante, e chamamos espon-
taneamente a atenção para isso. Se, porém, está bem concebido e bem exe-
cutado, quem é que o não observa com o maior prazer e alegria? Será ainda
necessário dizer quanto, na pátria ou fora dela, a arquitectura contribui não
só para o bem-estar e o prazer dos cidadãos, mas ainda para os nobilitar?
Quem não considera ser para si motivo de louvor o facto de ter edificado?
Ou quem não considera uma honra que habitemos em residências privadas
construídas com um pouco mais de esmero? Os melhores cidadãos aplaudem
a tua e a sua sorte, e congratulam-se porque lhes construíste uma parede ou
um pórtico magnífico, porque lhes juntaste os ornamentos das ombreiras, das
colunas e do tecto; ou, sobretudo, porque compreenderam que tu, com este
uso da riqueza, acrescentaste muita honra e dignidade a ti próprio, à tua
família, aos teus descendentes e à cidade 229 •
Foi, principalmente, o túmulo de Júpiter que celebrizou a ilha de Creta.
Delos era venerada não tanto por causa do oráculo de Apolo, como pela
beleza da cidade e majestade do templo . Quanto a construção contribuiu
227
Cícero, em Brutus (73 , 256-257) e no Orator (1 , 2, 7) faz uma apologia das qualidades
do orador por cotejo com os poderes do general , sugerindo a supremacia da oratória
relativamente à arte da guerra.
228
A definição albertiana de beleza (vide Livro 6, cap. 2) é entendida como aquela organi-
zação harmoniosa e proporcionada da qual nada pode ser retirado ou acrescentado
excepto para o pior (cf. Livro I, cap. 9; Livro Ill, cap. 12; Livro VII, cap. 5).
229
A ideia de que um cidadão promova a construção de um edificio notável é, no Quattro-
cento, demonstrativo da sua riqueza, bem como do exercício de um dever cívico para
com a cidade. Cf. Rykwert et a/ii, 1988, p. 367, n. 12.
140
Prólogo
para a autoridade do império e do povo latino, sobre isso nada mais direi
senão que nós, pelo testemunho dos túmulos e do que resta da passada mag-
nificência, e que vemos por todo o lado, temos aprendido a acreditar nos
historiadores em relação a muitos aspectos que, de outro modo, pareceriam,
talvez, menos dignos de crédito 230 • Por isso, em Tucídides 231 , de uma forma
notável, se reconhece a sabedoria dos antigos por terem equipado a cidade
com todo o tipo de edificios, de modo a parecerem muito mais poderosos do
que eram 232 • E de entre os príncipes mais ilustres e mais sábios houve algum
que não colocasse a arte edificatória entre os meios mais importantes para
propagar o seu nome e a sua fama 233 no futuro? Mas, quanto a este aspecto,
baste o que fica dito.
Finalmente, vem ao nosso intento dizer que a estabilidade, a dignidade
e o esplendor do estado muito devem ao arquitecto, pois é ele que faz com
que vivamos os tempos de lazer de modo agradável, alegre e sadio; e os de
trabalho, de modo proveitoso e com incremento das nossas riquezas; e
ambos fora de perigo e dignamente. É, pois, inegável que o arquitecto, pelo
que há de agradável e extraordinariamente belo nas suas obras, pela sua
necessidade, pelo auxílio e protecção das suas invenções, pela sua utilidade
para os vindouros, deve ser honrado e venerado, e considerado entre os
cidadãos mais importantes que mereceram honras e prémios da humanidade.
230
Para a geração anterior à de Alberti as ruínas eram compreendidas somente como um
testemunho do passado e não como um meio de aprendizagem em arquitectura.
231
A História da Guerra do Peloponeso, que se reporta ao conflito entre Esparta e Atenas
(431-404 a. C.), foi objecto, até ao ano de 411 , dos oito livros que Tucídides lhe dedi-
cou. Esta obra somente ficou disponível para consulta no Verão de 1442, quando Lou-
renço Valia publicou uma versão latina e a depositou no Vaticano ( Vat. Lat. 1801 ),
pouco antes do tratado de Alberti ter sido apresentado ao Papa Nicolau V. As novas fon-
tes gregas a que Alberti se refere, como é o caso das obras de Diodoro Sículo, de Eusé-
bio de Pânfilo, de Platão (Lg. ), de Heródoto e de Teofrasto, somente ficaram disponí-
veis, em latim, a partir de meados do Quattrocento, o que sugere que, neste período,
Alberti fez uma leitura sistemática das obras destes autores para registar as práticas
construtivas antigas. Cf. Grafton, 1997, p. 71.
232
O passo de Tucídides (I, I O, 2-3), a que Alberti se refere, apresenta outra leitura, na
medida em que seria dificil de fazer uma comparação entre Esparta e Atenas somente
pelos seus registos arqueológicos. Consequentemente, de acordo com Tucídides, não
devemos olhar somente para a aparência destas cidades, mas para a força de todo o seu
esplendor, o que significa que a fonte na qual Alberti se inspirou foi subvertida. Cf.
Grafton , 2000, p. 73 .
233
Para a recorrência do tema da fama ou da glória na obra literária de Alberti veja-se a
peça Fama, ín lntercenales, IV.
141
Prólogo
E nós, cientes de que é assim, com todo o gosto iniciámos a nossa pes-
quisa, com a maior diligência, sobre a sua arte e seus elementos: de que
princípios derivavam, por que partes eram constituídos e definidos. Tendo
verificado que essas partes são coisas de género variado, de número quase
infinito, admiráveis em si mesmas, e de uma utilidade invulgar - embora às
vezes não fosse claro que condição humana, ou que parte do estado, ou que
situação social mais deve ao arquitecto, ou melhor dizendo, ao criador de
todo o bem-estar, se a parte pública ou privada, se a sagrada ou a profana,
se o lazer ou o trabalho, se o indivíduo em particular ou a humanidade no
seu todo - tomámos a decisão, por vários motivos que seria longo expor
aqui, de compilar todos esses aspectos que confiámos à escrita nestes dez
livros.
Será esta a ordem pela qual os trataremos. Com efeito, já sublinhámos
que um edificio é um corpo que consta, como qualquer outro, de delinea-
mento 234 e matéria 235 , sendo aquele o produto do pensamento, e esta obtida
da natureza. Aquele necessita de inteligência e raciocínio, esta de ser traba-
lhada e seleccionada. Mas entendemos que nenhum desses dois elementos,
de per si, é suficiente, se não se lhes juntar a mão de um artífice experiente
que dê à matéria a forma do delineamento. E, sendo várias as utilizações
dos edificios, foi necessário investigar se o mesmo tipo de delineamento é
adequado a qualquer obra. Por tal motivo dividimos os edificios em vários
géneros. E como notámos a importância que neles tem a coerência e a pro-
porção das linhas entre si, como principal fonte e factor de beleza, começá-
mos, por isso, a discorrer acerca da beleza, em que consiste, e qual é a que
é apropriada a cada género. E, como em todos os géneros se encontravam,
ocasionalmente, defeitos, procurámos saber de que forma se poderiam corri-
gir e reparar.
Por conseguinte, tendo em conta diversidade dos temas, a cada livro
se dá o seu título, da forma que se segue.
Título do livro primeiro: o delineamento. Livro segundo: os materiais.
Livro terceiro: a construção. Livro quarto: edificios para fins universais.
234
Na editio princeps verifica-se a expressão linea mentis, o que sugere a sua transposição
para linha da mente. Se bem que a expressão latina forma me'} tiS, com o significado de
modo usual de pensar, seja frequentemente citada desde a Antiguidade (cf. Tac., Ag., I,
46: forma mentis aeterna), aquela enunciação no tratado de Alberti resulta de um erro
de transcrição tipográfica devendo-se ler lineamentis, conforme vem expresso na edição
de Orlandi (1966, p. 15).
235
Cf. Livro I, cap. I.
142
Prólogo
236
No original aeraria. Se bem que Alberti (V, 13) e Vitrúvio (V, 2, I) usem aerarium no
sentido de tesouro público, na medida em que Alberti se reporta aos instrumentos que o
arquitecto utiliza no seu trabalho, admite-se que aeraria corresponde, aproximadamente,
ao significado contemporâneo de medições e orçamentos.
237
Estes últimos quatro livros, caso tenham chegado a existir, perderam-se apesar de terem
sido feitas referências ao primeiro e ao terceiro livros (Livro V, cap. 12; Livro III,
cap. 2). Alberti assume, consequentemente, que o arquitecto deve possuir conhecimentos
de arquitectura naval, bem como de matemática para aplicações com finalidades práticas.
143
LEON BATTISTA ALBERT/
DA ARTE EDIFICATÓRIA
COMEÇA O LIVRO PRIMEIRO: 0 DELINEAMENTO
CAPÍTULO I
S
endo o nosso propósito escrever sobre o delineamento dos edifícios,
compilaremos e incluiremos nesta obra o que de melhor e mais belo
foi escrito pelos maiores especialistas que nos precederam e o que
notarmos ter sido observado na construção das próprias obras. A estes dados
acrescentaremos o que descobrirmos com o nosso engenho, com a actividade
e o trabalho ~a investigação, e que julgarmos vir a ser útil. Mas como, ao
escrever sobre assuntos desta natureza, de certo modo duros e áridos, e sob
muitos aspectos totalmente impenetráveis, desejo ser absolutamente claro e,
na medida do possível, fácil e acessível, explicarei, como é meu hábito, qual
é a natureza daquilo de que vou tratar 238 . Efectivamente, assim se tornarão
manifestas as origens, a não deixar de ter em conta, dos assuntos que vou
expor, das quais todo o resto derivará em linguagem igualmente acessível 239 .
Assim, pois, daremos início ao assunto. A arte edificatória, no seu todo,
compõe-se de delineamento e construção. Toda a função e razão de ser do
delineamento resume-se em encontrar um processo, exacto e perfeito, de
ajustar e unir entre si linhas e ângulos, afim de que, por meio daquelas e
destes, se possa delimitar e definir a forma do edifício. Ora é função e
objectivo do delineamento prescrever aos edificios e às suas partes uma
238
O Eu tratadístico é utilizado para sublinhar a importância do delineamento na concepção
e elaboração do projecto de arquitectura.
239
A intenção de o autor apresentar o texto numa linguagem acessível é evocativa e recor-
rente na leitura de Vitrúvio feita por Alberti, na medida em que o primeiro não podia
sequer ser entendido, pois, expressando-se em grego, mais parecia que o fazia em latim
e vice-versa (vide Livro VI, cap. 1).
145
Livro Primeiro
CAPÍTULO II
240
A localização adequada, a proporção exacta e a escala conveniente, correspondem aos
a
conceitos de collocatio, de numerus e de finitio, que contribuem para concinnitas da
obra como um todo (cf. Livro XI, caps. 5 e 6).
241
Estas "origens" da arquitectura, de pendor humanista, contrastam com as dimensões
míticas apresentadas por Vitrúvio (li, I, 1-7) sobre o mesmo tema (cf. nesta edição a
introdução - As Leituras da Arte Edificatória) .
146
O Delineamento
frio e dos ventos gelados; por fim, abriram nas paredes, passagens e janelas
da base até ao cimo do edificio, por onde não só fosse possível o acesso e
a comunicação, mas também entrasse luz e ar no devido tempo, e se expe-
lissem a água e os vapores ocasionalmente gerados dentro da habitação.
E assim, quem quer que tenha sido que, no princípio, inventou estas coisas
- seja a deusa Vesta, filha de Saturno, ou os irmãos Euríalo e Hipérbio, ou
Gelião ou Trasão ou o Ciclope Trifinquio 242 - como quer que seja, na minha
opinião foram estes os inícios da construção dos primeiros edificios e os
seus primeiros ordenamentos. Finalmente, julgo que com a experiência e a
técnica, esta prática se desenvolveu com a invenção de vários tipos de edi-
ficios, até quase ao infinito. Com efeito, assim surgiram os edificios públi-
cos, os privados, os sagrados, os profanos, os que visam a utilidade e a
necessidade, os que são para ornamento da cidade, os que se destinam aos
momentos de diversão. Mas ninguém poderá negar que todos eles derivam
daqueles princípios que enunciámos.
Sendo assim, é óbvio que a edificação consta de seis partes, a saber: a
região, a área, a compartimentação, a parede, a cobertura, a abertura 243 . Se
estes princípios ·forem perfeitamente conhecidos, será mais fácil entender o
que vamos expor. Assim, pois, passaremos à sua definição. Chamaremos
região à extensão circundante e ao aspecto do terreno onde se vai construir;
parte dela será a área. A área será, pois, um certo espaço desse lugar, per-
feitamente delimitado, espaço que é rodeado por um muro por conveniência
da sua utilização. Mas, na definição de área inclui-se também todo o espaço
que pisamos, quando percorremos qualquer parte do edificio. À divisão da
área total de construção em áreas menores chama-se compartimentação. Daí
segue-se que o corpo do edificio 244 , no seu conjunto, seja composto por edi-
ficios menores, que são como que os seus membros, unidos e articulados
entre si. Chamamos parede a toda a estrutura que se erguer do solo para o
242
Trata-se de uma citação baseada numa versão corrompida de Plínio-o-Antigo (Nat., VII,
I 94- I 95) que deveria ler-se: "Gel ião aceita Tóxio, filho de Úrano, como o inventor da
construção em barro .. .paredes foram introduzidas por Trasão, torres pelos Ciclopes, de
acordo com Aristóteles, mas de acordo com Teofrasto pelos Tiríntios". Cf. Portoghesi,
I 966, p. 22, n. I; Rykwert et a/ii, I 988, p. 368, n. 8.
243
Estes termos apresentam as seguintes equivalências em vernáculo: regia a região, meio
ou envolvente; area a área ou superficie edificada; p artitio a compartimentação, divisão,
traçado ou plano; paries a parede ou muro ; tectum a cobertura; apertio a abertura ou
vão.
244
Referência explícita à relação edificio-corpo ( cf. Livro I, cap. 9; Livro Ill, cap. 12;
Livro VII, cap. 5).
147
Livro Primeiro
alto, a fim de suportar a carga das coberturas, ou que se eleve sob a cober-
tura para dividir o espaço interior do edificio. Chamamos cobertura à parte
mais elevada e extrema do edificio que intercepta a chuva; mas não só, pois
também, e principalmente, é cobertura tudo aquilo que se estende, em lar-
gura e comprimento, por cima da cabeça de quem passa: a este género, per-
tencem os alpendres, as abóbadas e os arcos bem como outros sistemas
semelhantes. Abertura é tudo aquilo que se encontra por todo o edificio e
possibilita a entrada e saída a pessoas e objectos.
Devemos, pois, falar destes tópicos e das partes de cada um deles. Será,
no entanto, muito útil ao nosso propósito, se primeiro referirmos alguns
aspectos que são, sem dúvida, os princípios fundamentais desta nossa obra
ou neles estão incluídos desde a sua origem. Com efeito, considerando nós
se há algum princípio que se possa aplicar a cada uma dessas partes que dis-
semos, encontramos três que- de modo algum se devem menosprezar e que
se ajustam perfeitamente às coberturas, às paredes e aos restantes elementos
da mesma espécie. São eles os seguintes: que cada uma dessas partes seja
adequada ao uso definido a que se destina e, acima de tudo, seja total a sua
sanidade; que, para sua firmeza e duração, não tenha defeito, seja sólida e
quase eterna; que, para ser bela e agradável, tenha elegância, harmonia e
embelezamento 245 em todos os pormenores. Lançados, assim, os princípios e
fundamentos do que vamos expor, prossigamos no nosso propósito.
CAPÍTULO III
245
Referência implicita às dimensões vitruvianas de firmitas, utilitas et venustas. Cf. Vitrú-
vio (I, 3, 2).
246
O termo regio é mutáveL No contexto deste capítulo pode ser entendido como porção de
território relacionado, de forma abrangente, com o clima, o terreno, o ar e a água, com
implicações sobre a qualidade de vida do homem.,;
148
O Delineamento
247
Glaucópis significa "olhos cintilantes" ou "olhos garços", epíteto pelo qual Homero (//. ,
I, 206) se referia, frequentemente, a Atena.
149
Livro Primeiro
terra 248 . Quer seja verdade isto que referimos, quer o vento seja uma exala-
ção seca da terra ou uma evaporação quente accionada pelo frio que a
impele, quer a respiração do ar, quer pura e simplesmente ar, movido pelo
movimento do universo ou pelo curso e irradiação dos astros, quer o sopro
gerador das coisas, sopro que se move por sua própria natureza, quer seja
qualquer coisa indefinida que não consiste em si mesma, mas sim no ar,
derivada do aquecimento da camada superior da atmosfera e por esse
mesmo aquecimento reduzida a ar líquido, quer se deva ter por mais segura
e mais fundada outra explicação e opinião sobre o assunto em análise, penso
que devo passar adiante, porque talvez possa parecer alheio ao nosso pro-
pósito.
No entanto, daqui resulta, se não erro, ser possível explicar por que
motivo é que vemos que umas regiões gozam de um clima radioso,
enquanto outras, ainda que vizinhas e quase situadas no meio delas, são
desoladas por um clima mais triste com dias soturnos. Quanto a mim, supo-
nho que isso acontece precisamente porque não dispõem de sol e ventos
adequados. Diz Cícero que a cidade de Siracusa tinha uma situação tal que
os seus habitantes viam o sol todos os dias ao longo do ano: raramente é
possível escolher tal condição, mas deve-se aspirar a ela acima de tudo,
desde que a necessidade e a oportunidade do lugar o não impeçam 249 •
Entre todas as regiões deve-se escolher aquela da qual esteja de todo
ausente a formação de neblinas e o adensamento de um vapor mais cerrado.
Quem se ocupa destes fenómenos, tem como adquirido que os raios e o
calor do sol agem mais activamente sobre a matéria mais densa que se lhes
depara do que sobre a menos densa, mais sobre o óleo do que sobre a água,
mais sobre o ferro do que sobre a lã.
Daqui deduzem que é mais pesado e mais denso o ar que aquece mais
fortemente um dado lugar do que outro, ainda que próximo. Disputavam os
Egípcios com os demais povos da terra sobre a nobreza e gloriavam-se de
ter sido criada no Egipto a espécie humana no princípio do mundo: pois
diziam que em outro lugar não deveria ter sido criada senão onde haveria de
viver na maior salubridade; e que mais do que todos os homens, tinham sido
obsequiados pelos deuses maravilhosamente, com uma primavera quase per-
pétua e com um clima invariáveL Além disso, escreve Heródoto 250 que, entre
248
Cf. Arist. (Mete., I, 9, 346 a-b) e Hippoc. (A er. , III , 3, 8-9).
249
Cic., Verr., V, 26.
250
Heródoto (II, 77, 3), no entanto, escreveu " [ . . . ] os Egípcios são, a seguir aos Líbios, os
mais saudávei s de todos os homens" (cf. trad. de M. G. K ry, 1988).
150
O Delineamento
os Egípcios, os que gozam de uma saúde muito mais robusta do que todos
os outros são aqueles que confinam com a Líbia, porque aí não há variação
climática. E estou plenamente convencido de que certas cidades de Itália e
de outros países se tomam doentias e pestilentas apenas por causa da súbita
inclemência, ora do ar gelado, ora do ar muito quente.
Por conseguinte, deve-se examinar justamente quanto sol e que sóis tem
a região, não suceda que haja sol ou sombras a mais do que convém. Os
Garamantes 251 amaldiçoam o sol quando nasce e quando se põe, porque os
queima com a intensidade dos seus raios. Outros são de cor pálida porque
entre eles a noite é quase contínua. O que faz que assim seja não é tanto o
facto de terem o eixo da terra mais inclinado ou mai~ oblíquo - embora isso
seja muito importante - como o facto de, pela configuração do lugar, esta-
rem expostos a receber de frente os sóis e os ventos ou, pelo contrário, esta-
rem resguardados. Por mim, preferiria as brisas aos ventos e ser-me-ia
menos molesto suportar os ventos, embora fortes e desabridos, do que uma
atmosfera imóvel e pesada. Como diz Ovídio, "As águas corrompem-se se
ficarem estagnadas" 252 . E o ar? Não há dúvida de que o movimento lhe con-
fere grande vivacidade 253 • Na minha opinião, é o movimento que faz com
que os vapores exalados da terra se dissipem ou entrem em combustão
devido ao aquecimento provocado pelos movimentos. Mas gostaria que esses
ventos chegassem quebrantados por esses montes e florestas que lhes barram
a passagem, ou cansados por tão longa deslocação. Gostaria também que
não se viessem por lugares de onde nos possam trazer uma enfermidade
apanhada na viagem. Por isso, advertem-nos de que devemos evitar a proxi-
midade de qualquer lugar que possa exalar algo de nocivo, como é o caso
de mau cheiro e de qualquer vapor impuro de águas palustres e, sobretudo,
infectas, e também das fossas.
Dizem os naturalistas 254 que todo o rio que engrossa com o degelo traz
consigo um ar frio e denso. Mas, de todas as águas, nenhuma é mais infecta
do que aquela que fica inquinada por não ser mexida por nenhuma espécie
de movimento; e será tanto mais doentio o contágio da sua proximidade
251
Os Garamantes são uma tribo da Líbia. Cf. Hdt. , IV, 183-184.
252
Citação retirada das Epistulae ex Ponto (1 , 5, 6) que reúne quatro livros de poemas, fei-
tos no exílio, por Ovídio, com inúmeras referências à paisagem árida do Mar Negro.
25 3
A personificação é uma das figuras de estilo, utilizada por A1berti , para tirar partido do
carácter fluido do campo semântico da res aedificatoria, face ao ostinato rigore neces-
sário para desenvolver o discurso sobre a edificação.
254
O termo physicus apresenta igualmente o significado de médico.
151
Livro Primeiro
quanto menos é renovada por acção dos ventos salubres. De facto, diz-se
que os ventos, por sua natureza não são todos salubres ou insalubres. Plínio,
seguindo a opinião de Teofrasto e de Hipócrates 255 , diz que o Aquilão 256 é
de todos os ventos o mais próprio para conservar e recuperar a saúde 257 •
Afirmam todos os naturalistas que o Austro é o mais prejudicial dos ventos
para o género humano. Na sua opinião, até mesmo os rebanhos correm
perigo nas pastagens quando sopra o vento do sul. E notaram também que
as cegonhas em parte alguma se confiam temerariamente aos ventos do sul;
e que os golfinhos, com o Aquilão, quando sopra favoravelmente, ouvem as
vozes; ao passo que, com o Austro, só as ouvem mais tarde, como ainda só
ouvem aquelas que lhes chegam vindas de frente; que uma enguia, quando
sopra o Aquilão, resiste durante seis dias fora de água, mas não quando
sopra o Austro: tanta é a densidade inerente a este vento e a sua virulência.
E dizem que assim como o Austro provoca doenças e, sobretudo, constipa-
ções, assim também o Coro 258 provoca tosse.
Desaprovam o mar do sul fundamentalmente por uma razão, porque jul-
gam que uma região exposta aos reflexos dos raios do sol está sujeita a dois
sóis, um que vem do céu, outro das águas. E entendem que aí se dá maior
variação do ar ao pôr-do-sol, quando chegarem as sombras frias da noite.
E há quem considere mais nefastos que tudo o pôr-do-sol e os reflexos dos
raios solares, quer sejam reflectidos pelas águas e pelo mar, quer pelos mon-
tes, porque, com o calor trazido e redobrado pelos reflexos do sol, tomam
ainda mais escaldante um lugar já de si aquecido por um dia inteiro de sol.
Ora se acontecer que, com estes sóis, ventos ainda mais pesados tenham
livre acesso até junto de nós, que haverá de mais molesto e insuportável?
Também desaprovaram completamente, e com toda a razão, as brisas mati-
nais, que trazem consigo os vapores exalados em estado natural.
Falámos do sol e dos ventos; apercebemo-nos manifestamente de que
são eles que provocam as variações do ar e o tomam salubre ou insalubre;
e falámos com a maior brevidade, na medida do que parecia que devia ser
dito neste capítulo: sobre esta matéria discorreremos mais em pormenor em
seu lugar 259 .
255
Na Antiguidade Clássica, Plínio-o-Antigo é o autor da mais completa enciclopédia, em
37 livros, sobre os mundos animal, vegetal e mineral, Teofrasto é o sucessor de Aristó-
teles quando este se retirou de Atenas, após a morte de Alexandre Magno, e Hipócrates
é o mais conhecido esculápio que deu o nome aos primeiros e mais importantes escritos
sobre medicina.
256
Vento do nordeste
257
Cf. Plin. (Nat., II, 48, 127) e Hippoc. (Aer., 8).
258
O Coro é o vento do noroeste e o Austro do sul.
259
Ver Livro IV, caps. 2 e 8; Livro V, caps. 14 e 17.
152
O Delineamento
CAPÍTULO IV
Voltando à escolha da região, convirá que ela seja tal que, sob todos os
aspectos, os habitantes se venham a sentir bem com as condições naturais e
com o género e trato dos vizinhos.
Eu, a não ser forçado por grande necessidade, não edificarei num cume
dos Alpes íngreme e inacessível, onde Calígula 260 planeara construir uma
cidade. Também evitarei a solidão do deserto, como Varrão diz ter sido a
Gália nas imediações do Reno, ou como César escreveu que era a Britânia 261
no seu tempo. Também não me agradará, se aí tiver de viver, como na ilha
Enoe do Mar Negro, somente dos ovos das aves, ou de bolotas, como na
Hispânia 262 , no tempo de Plínio, se vivia em alguns lugares. O meu desejo é
que nada falte do que venha a ser útil.
Alexandre recusou, e muito bem, construir uma cidade no monte Atos,
que seria notável sob alguns aspectos, com um projecto do arquitecto Polí-
crates 263 , pela simples razão de que os habitantes não teriam abundância de
bens. A Aristóteles talvez pudesse agradar de preferência, para fundar cida-
des, uma região que tivesse acessos dificeis. Sei que houve povos que se
esforçaram para que o seu território fosse absolutamente solitário e isoladís-
simo em toda a volta, para dificultar o acesso aos inimigos 264 . Discutiremos
em outro lugar se são ou não de aprovar as suas razões. Mas, se tais provi-
dências forem úteis em estados deste tipo, não serei eu a desaprovar o seu
modo de viver.
Todavia, na escolha de um lugar para os restantes edificios, sem dúvida
alguma será do meu inteiro agrado aquela região que tiver muitos e variados
acessos, pelos quais, de barco, de animal de carga, ou de carro de bois, de
verão ou de inverno, se possam transportar, com toda a facilidade, os bens
necessários. Em todo o caso, essa mesma região não será húmida por
excesso de água, nem agreste por falta dela, mas agradável e bem doseada.
260
Cf. Suet. , Cal., 21.
261
César (Gal., V, 12) refere-se à Germânia e não à Britânia.
262
Esta referência, sobre os hábitos alimentares dos Hispanos, baseada em Plínio-o-Antigo
(Nat., XVI, 15), não coincide integralmente com a descrição de Estrabão (III, 3, 7) sobre
a alimentação dos Lusitanos, constituída também por carne de caça e de cabra, bem
como por bolotas de carvalho.
26 3
O nome deste arquitecto de Alexandre Magno é Dinócrates (cf. Vitrúvio, II, I, I).
264 Tanto Aristóteles (Pol. , VII, 10, 2), como César (Ga l. , VI, 23, 1-3), referem-se a difi-
cultar o acesso ao inimigo, o primeiro à escala do território e o segundo na fundação de
cidades.
153
Livro Primeiro
265
App., Hist., VIII, 10, 71.
266
A teori a artística da paisagem é sistematizada no Li vro IV, cap. 5 e no Livro V, caps. 17
e 18.
267
Cf. Livro X, cap. 7.
154
O Delineamento
268
Uma das referências que Alberti explicitamente faz a Vitrúvio (VIII, 3, 4-25). Ver, tam-
bém, Livro I, cap. 8, Livro II, caps. 4, 6 e 12; Livro III, caps. 4, 15 e 16; Livro IV,
cap. 4; Livro VI, caps. I, 4 e 6; e Li vro VIII, cap. 7.
269
Cic., Tusc., III, 5, 2.
270
Hippoc., Aer. , VII.
155
Livro Primeiro
águas 27 1• Mas desde já se deve ter em conta aquilo que está à vista: que a
água alimenta todos os organismos que crescem, plantas, sementes, e aque-
les que são dotados da função vital que consiste no movimento, de cujos
frutos e abundância se reconfortam e alimentam os seres humanos. Se assim
é, impõem-se que indaguemos com toda a diligência qual é a natureza
intrínseca das águas que há na região em que vamos viver. Diz Diodoro 272
que em muitas partes da Índia as pessoas são altas e vigorosas, dotadas de
uma inteligência aguda, porque respiram ar puro e bebem as águas mais sau-
dáveis.
Ora nós diremos que a água de melhor sabor é aquela que não tiver
nenhum sabor, e a de melhor cor, aquela que for absolutamente destituída e
isenta de cor. Dizem, além disso que água melhor é aquela que for límpida,
transparente e leve, que derramada num pano branco não deixa mácula, que
fervida não deposita resíduo, que não toma musgoso o leito por onde corre
e, sobretudo, não suja os seixos. Acrescentam que a água mais indicada é
aquela em que os legumes ficam mais macios depois de cozidos 273, e boa
será aquela em que se faz o melhor pão.
Pelo mesmo motivo deve-se ver com todo o cuidado se a região produz
alguma coisa que seja nociva ou venenosa, a ponto de correrem perigo os
que viverem nesse lugar. Não falarei de histórias célebres entre os antigos:
que na Cólquida 274 da ramagem das árvores pingava mel e quem o provava
caía desmaiado no chão e era dado por morto durante um dia inteiro 275 ; e o
que dizem ter sucedido no exército de António por causa de umas ervas que
os soldados, à falta de pão, tinham comido e, enlouquecendo, puseram-se a
cavar as pedras, exasperando-se de tal modo que, com uma perturbação
biliar, caíam e morriam, sem outro remédio que lhes valesse contra esse
mal, senão beber vinho, como escreve Plutarco. São histórias conhecidas.
Enfim, na época em que vivemos, ó deuses do Olimpo! em Itália, na
Apúlia, houve um ataque de um veneno nunca visto de umas aranhas peque-
nas que surgiam da terra e, com a sua picada as pessoas entravam num delí-
rio louco e, levadas por uma espécie de fúria, ficavam fora de si. Coisa
27 1
Ver Livro X, cap. 2.
272
Diodoro Sículo (II, 36, I) relaciona também a estatura e a massa corporal das pessoas,
na Índia, com a abundância de alimentos.
273
Cf. Vitrúvio, Vlll, 4, 1-2.
274
Região na costa este do Mar Negro, situada entre as montanhas do Cáucaso e a Armé-
nia, com uma linha de costa atravessada por diversos cursos de água e, a cota mais ele-
vada, com um solo fértil.
275
Xen., An., IV, 8, 20-21 , e Plin. , Nat., XXI, 74.
156
O Delineamento
estranha: não se nota nenhum inchaço grave nem sangue pisado, que apareça
em alguma parte do corpo provocado pela picada ou ferroada do animalejo
venenoso; mas de imediato perdem os sentidos e caem estonteados e, se não
forem socorridos, morrem num instante. Curam-nos com os remédios de
Teofrasto, o qual garantia que as mordeduras de víbora são curadas pondo-
-se uma flautista a tocar. Por isso, estando eles assim consternados, os músi-
cos acalmam-nos com vários sons melodiosos. Mas quando chegam à sua
melodia, levantam-se de repente como que acordando e, com uma vivaci-
dade que lhes vem do prazer da alma, acompanham a música com todo o
esforço dos nervos e dos músculos. Dos que são mordidos, vêem-se uns
dançando, outros cantando, outros fazendo e tentando outras coisas, provo-
cadas pelo seu prazer e insânia, levando o seu esforço ao extremo do can-
saço sem nenhuma interrupção durante mais alguns dias e em mais nada
encontram convalescença senão na satisfação completa da demência con-
traída e ainda no princípio.
Lemos que algo de semelhante aconteceu entre aqueles Albanos que
com grandes forças de cavalaria combateram contra Pompeio 276 • Com efeito,
dizem que entre eles é costume nascerem aranhas que, mordendo as pes-
soas, a umas as matam fazendo-as rir, a outras, pelo contrário, fazendo-as
chorar 277 .
CAPÍTULO V
276
Os Albanos a que Alberti se refere viviam nas margens do Mar Cáspio e não no Epiro
(cf. Plut., Pomp ., 35).
277
Cf. Strab., XI, 4, 6.
278
Alberti baseia-se em Hipócrates (A er., 7, 4) para estabelecer a distinção entre indícios
que saltam à vista e os menos evidentes.
157
Livro Primeiro
279
O termo rediviva significava, na Antiguidade, restaurada e, no contexto da edificação,
conotava-se com a reutilização dos materiais de construção, nomeadamente dos materiais
pétreos, como ocorre em Cícero (Verr., I, 147) com a expressão lapide redivivo. Vitrú-
vio (VII, I, 3) utiliza aquele termo no sentido de pedra envelhecida, mas Alberti (Livro
X, caps. 7, 11 e 16) também o usa na acepção de material resistente.
2 0
H Plin., Nat., II, 211.
158
O Delineamento
281
Plin. , Nat., II, 136.
282
A etimologia grega da designação " montes Ceráunios" sugere fulminar. Keraunos é o
termo grego que significa "raio".
283
Cf. Serv., A., VIII, v. 414.
284
Hidaspe é, actualmente, Jhelum no Punjab, Índia.
285
Região central da Ásia Menor, que se locaiiza tanto a oeste como a leste da modema
Ankara e que, a partir de 25 a. C., passa a fazer parte de uma província romana.
286
Vento do noroeste .
287
Vento do sul.
288
Thuc., II, 8, 3.
289
Designado actualmente Monte Comparti .
159
Livro Primeiro
destruída. Há quem julgue que a Acaia 290 é assim designada por causa das
suas frequentes inundações. Descobri que, em Roma, houve sempre muitas
febres, consideradas por Galeno 29 1 como um novo tipo de febres semiterçãs,
contra as quais se deve utilizar, a diversas horas, diversos remédios e quase
contrários entre si. Encontra-se entre os poetas uma velha lenda que diz que
Tífon 292 , sepultado na ilha de Próquida, se agita com frequência, do que
resulta a ilha tremer desde os seus fundamentos. Assim o cantavam os poe-
tas porque a ilha, segundo eles, era abalada por terramotos e erupções, a
ponto de os habitantes das cidades de Éritra e de Cálcis 293 terem de fugir e
os que para lá foram mandados tempos depois por Hierão de Siracusa 294 , a
fim de fundarem uma nova cidade, fugiram mais uma vez, acossados pelo
medo de frequentes perigos e calamidades.
Em suma, todos os fenómenos deste género devem ser submetidos a
uma observação prolongada e confrontados com casos análogos de outros
lugares, com o objectivo de se poder dispor de uma informação completa.
CAPÍTULO VI
290
Região do Peloponeso, assim designada para comemorar a vitória de Roma, em 146
a. C., sobre a confederação Acaica.
291
Galeno de Pérgamo ( 129-199 d. C.), autoridade médica do período clássico, escreveu
De febrium differentiis (II, 8).
292
Monstro, entre homem e fera, que personificava, na mitologia clássica, os cataclismos
terrestres.
293
Cidades antigas, das quais restam achados arqueológicos, situadas na ilha de Eubeia no
Mar Egeu.
294
Tirano da cidade de Siracusa no séc. V a. C. .
295
Platão (Lg. , V, 747), em complemento à cidade ideal descrita na República (IX, 592b),
imagina uma cidade possível, distinguindo, entre os factores de estabilidade política, os
que resultam de condições naturais, e aqueles que o legislador pode modelar com o uso
da razão, invocando forças superiores para que possam ser dominados.
160
O Delineamento
296
Possivelmente trata-se de Demétrio I da Macedónia, também conhecido como Poliorce-
tes, filho de Antígono I e condottiero do séc. III a. C .. Cf. Portoghesi, 1966, p. 48, n. 2.
297
Cf. Vitrúvio, I, 4, 9.
298
Var. , R., I, 12, 2.
299
Hoje um bairro de Istambul.
300
Ao referir-se à observação do céu para estimar a futura sorte da região, Alberti revela
uma ambiguidade entre fé e crença na medida em que se reporta, implicitamente, ao
desejo dos deuses e às previsões dadas pelas constelações ( cf. Livro II, cap. 13) que é,
no entanto, explicitamente resolvida na obra Theogenius , 1: "Quando investigo e des-
cubro que as força s dos céus e dos seus planetas residem em nós, então habito verda-
161
Livro Primeiro
que designamos Fortuna, quem negará que ela desempenha um papel deter-
minante na vida dos homens? Nem deixaremos de afirmar que a fortuna
pública da cidade de Roma teve um papel importantíssimo na propagação do
império. Diodoro escreve que a cidade de Iolau fundada pelo sobrinho de
Hércules, embora tivesse sido flagelada muitas vezes pelas armas cartagine-
sas e romanas, manteve-se sempre livre 30 1• Acaso terá sido sem intervenção
da Fortuna do lugar que o templo de Delfos foi incendiado primeiramente
por Flégias 302 e pela terceira vez no tempo de Sula 303 ? E o Capitólio? Quan-
tas vezes foi incendiado! Quantas posto em chamas!
A cidade de Síbaris 304 foi uma e outra vez molestada, abandonada e
destruída de novo, e no entanto subsistiu, e por fim manteve-se, ainda que
deserta. Mesmo assim os seus habitantes, fugindo das desgraças, foram per-
seguidos pela infelicidade: com efeito, tendo-se transferido para outro lugar,
enjeitando o antigo nome da cidade 305 , nem assim conseguiram livrar-se da
calamidade: com a invasão de novos habitantes as famílias mais antigas e
mais nobres foram todas aniquiladas pelas armas e trucidadas, e pereceram
por completo, juntamente com os templos e a cidade 306 • Mas passemos
adiante destes exemplos de que estão cheias as crónicas.
Tenhamos como assente que é próprio do homem mais sábio tentar
obter tudo aquilo que faça com que o trabalho e os gastos da edificação não
sejam em vão, e que a obra seja resistente e salubre no mais alto grau. Não
há dúvida de que, na prossecução de tão grande objectivo, é obrigação de
um homem sábio e reflectido nada omitir. Acaso não é importante para ti e
para os teus obter o que é útil para a saúde, o que convém para levar uma
vida com dignidade e prazer, que contribua para transmitir à posteridade a
glória do nosso nome? Aí cultivaremos os estudos dos mais nobres saberes,
162
O Delineamento
CAPÍTULO VII
Na escolha da área 308 deve observar-se tudo aquilo que foi dito acerca
da região. Com efeito, assim como a região é uma determinada porção, por
nós escolhida, de um território mais vasto, assim também a área é um
espaço do conjunto da região, delimitado e definido, que é reservado à cons-
trução do edificio. Por tal motivo, a área e a região têm em comum quase
tudo aquilo que é louvável ou censurável. No entanto, posto que assim seja,
esta secção contém preceitos que parecem aplicar-se única e exclusivamente
à área, e outros que não só dizem respeito à delimitação da área, mas em
grande parte têm ainda a ver com as questões ligadas à região. Assim são os
que se seguem.
É preciso ter em mente o que pretendemos, se um edificio público ou
privado, se sagrado ou profano, e outros aspectos do mesmo género, dos
quais falaremos mais especificamente em seu lugar 309 • Com efeito, são
diversos o espaço e os lugares que se utilizam para um fórum, um teatro,
uma palestra 310 , um templo. E assim, segundo a natureza e a função de cada
um, deverá escolher-se o sítio e a configuração da área.
Mas, neste lugar, para podel-mos prosseguir com os aspectos gerais, tal
como tínhamos começado, tocaremos ao de leve apenas aqueles que consi-
307
A consciência de que a dimensão ética da arquitectura - resultante do combate entre a
virtus e a fortuna - é indissolúvel da sua concretização artística é um dos legados, até
aos nossos dias, da obra de Alberti para a arte edificatória.
308
O termo area designa tudo o que é resultante da projecção, no terreno, do edificado ou
do coberto pela edificação.
309
A distinção entre edificios públicos/privados e sagrados/profanos (Livros IV a IX) fim-
damenta-se no ordenamento religioso e jurídico que regulava, desde tempos remotos, a
vida no mundo romano. Cf. Hor. , Ars., 396-399 ; Cic., Verr. , II, 4, 120.
310
Ver Livro V, cap. 8.
163
Livro Primeiro
311
A linha em espiral é utilizada por Alberti para traçar a voluta do capitel jónico (Livro
VII, cap. 8) e a linha em serpentina para delinear a escada em caracol (Livro III,
cap. 6).
312
A nomenclatura usada por Alberti é [arcus] integer. comminutus e compositus arcus,
designações que significam, respectivamente, arco de volta perfeita, abatido e apontado.
O arco de volta perfeita, de volta inteira ou de meio ponto apresenta um intradorso
semicilíndrico, o arco abatido ou rebaixado uma flecha menor que o vão e o arco apon-
tado ou quebrado dois segmentos, de arco de volta perfeita ou abatido, que se intersec-
tam no fecho.
164
O Delineamento
CAPÍTULO VIII
Uma área pode ser poligonal ou circular. Das poligonais, umas são
compostas totalmente de linhas rectas, outras de linhas rectas e curvas mis-
turadas. Não me ocorre ter encontrado nos edificios da antiguidade uma área
poligonal formada por várias linhas curvas, sem nenhumas rectas interca-
ladas 313 •
Mas, neste domínio, deve-se ter em conta aquilo que em todas as par-
tes de um edificio merece ser fortemente criticado, se faltar, bem como
aquilo que, se estiver presente, lhe confere graça e comodidade: isto é, que
haja uma certa variedade 314 tanto de ângulos, como de linhas, e ainda de
cada uina das partes, de modo a não ser nem demasiado frequente, nem
totalmente rara, mas disposta em função da utilidade e da graça, de tal modo
que partes inteiras correspondem a partes inteiras, e partes iguais a partes
Iguais.
Os ângulos rectos usam-se com grandes vantagens. Ninguém usou
ângulos agudos 315 mesmo em áreas muito pequenas e sem importância, a
não ser obrigado e por exigência da configuração dos lugares ou áreas mais
importantes. Os ângulos obtusos têm sido considerados bastante convenien-
tes, mas com a reserva de nunca serem em número ímpar.
313
A igreja de São Lourenço em Mântua, construída no séc. XII à semelhança igreja do
Santo Sepulcro em Jerusalém, provavelmente restaurada por Alberti em 1460, apresen-
tava uma superficie parietal circular intercalada com colunas adossadas. Cf. Benigni
et ai/i, 2007, p. 273 .
314
Variedade, para Alberti, é uma categoria operativa entendida também como uma exten-
são do ornamento. Cf. Livro II, cap. I; Livro IV, cap. I ; Livro X, cap. 9.
315
Prática antiga e comum, utilizada na estereotomia da pedra e da madeira, para se evitar
o aparecimento de fendas ou o colapso dos sistemas e elementos construtivos, bem
como para facilitar o seu corte e a sua ensamblagem.
165
Livro Primeiro
toda a área. Seja como for, aprovam em primeiro lugar aquelas áreas que
permitem elevar facilmente as paredes até à altura da obra a definir correc-
tamente 316 , como é o caso daquelas que são hexagonais ou octogonais. Tam-
bém vimos uma área decagonal bem configurada e de grande beleza 317 .
É ainda possível implantar uma área de doze ou dezasseis ângulos. Vimos,
enfim, uma área de vinte e quatro ângulos; mas estas são mais raras 318 •
As linhas dos lados devem ser de tamanho igual às que se situam no
lado oposto; e em ponto nenhum de toda a obra se deverão aproximar com
um só traço as linhas mais compridas das linhas mais curtas, mas haverá
entre elas uma justa e adequada proporção de acordo com as circunstâncias.
Estabelecem que os ângulos sejam colocados na direcção de onde o ímpeto
e a violência da massa das terras, das águas e dos ventos exercem pressão e
ameaçam arremeter, a fim de que o dano e o peso exercido se divida e dis-
sipe, resistindo os muros contra tal moléstia, por assim dizer, não com a fra-
gilidade dos flancos, mas com uma frente poderosa 319 • Mas se as restantes
linhas do edificio impedirem a possibilidade de usar um ângulo no ponto
desejado, deverá recorrer-se a uma linha curva, uma vez que, se por um lado
a linha curva é parte do círculo, por outro lado o próprio círculo é, na opi-
nião dos filósofos, todo um ângulo.
Uma área poderá estar situada num lugar plano ou num declive, no
cimo de uma elevação 320 • Se estiver situada num lugar plano, convém fazer
um aterro e construir uma espécie de plataforma. Isso, na verdade, não ape-
nas contribui em muito para a dignidade do edificio, como também, se não
se fizer, acarretará vários inconvenientes. Com efeito, os aluviões das tor-
3 16
Prática frequente na construção de paredes autoportantes e anterior à mecanização dos
sistemas e processos construtivos.
317
Referência ao templo de Minerva Médica em Roma, circa 250 d. C ..
3 18
O número de lados em superficies parietais poligonais está relacionado com a proporção
adequada entre o comprimento de cada lanço de parede e a correspondente altura.
319
Cf. Vitrúvio, I, 6, 2 e I, 6, 8.
320
Esta divisão corresponde, de acordo com Bougart (200 I, pp. 701-702), à organização do
habitat rural toscano, dada a escassez de recursos durante o período medieval, sob o
impulso defensivo do incastellamento, que concentrou as formas dispersas de povoa-
mento do território.
166.
O Delineamento
rentes e das chuvas costumam depositar lama nos lugares planos, o que faz
com que o solo ·pouco a pouco se vá elevando; além disso, se por negligên-
cia não forem retirados os entulhos e os detritos que se vão acumulando, as
zonas planas facilmente sobem de nível em toda a volta. Frontino 321 , o
arquitecto, dizia. que no seu tempo as colinas de Roma tinham crescido por
causa da frequência dos incêndios; e, ainda hoje, a vemos sepultada em
escombros e sujidade. Eu vi na Úmbria um santuário antigo situado num
lugar plano, mas em grande parte enterrado por uma elevação do terreno que
se formou à sua volta, porque essa planície se estendia no sopé dos mon-
tes 322 • Mas para quê demorar-me a falar do sopé dos montes? Em Ravena,
sob as muralhas, o célebre templo que tem por cobertura um vaso de pedra
de uma só peça, embora esteja situado perto do mar e longe das montanhas,
foi enterrado no solo em mais de um quarto do seu tamanho pela acção do
tempo 323 • Qual deve ser a altura do aterro de cada área, di-lo-emos em seu
lugar, quando falarmos em particular desta matéria, e não genericamente
como aqui 324 •
Mas convém que qualquer área seja, por natureza ou artificialmente,
dotada de solidez; por esse motivo, considero que, antes de mais, devem ser
ouvidos aqueles que aconselham que investiguemos, por meio de escavações
distanciadas umas das outras, qual a capacidade desse solo, em função da
sua consistência, inconsistência ou moleza para sustentar o peso da constru-
ção. Efectivamente, se a área se situar num declive, deve-se providenciar
para que as partes de cima com a força da compressão não empurrem as de
baixo, nem estas, porventura movendo-se, provoquem o desabamento daque-
las. O meu desejo é que esta parte do edificio, que há-de ser a base de toda
a obra, seja absolutamente firme e reforçada de todos os lados.
Se a área ficar no cimo de uma elevação, deverá ser alçada de algum
lado ou então nivelada, aplanando-se a parte mais saliente do cume do
321
Sexto Júlio Frontino, supervisor dos aquedutos romanos na segunda metade do séc. I
d. C., é o autor de De A quis Vrbis Roma e ( 18, 2), onde cita relatórios dos engenheiros,
documentos oficiais, planos e decretos senatoriais com pormenores sobre os caudais, sis-
temas de fornecimento e abusos de utilização.
322
Presumivelmente, este passo refere-se a uma antiga edificação tumular, conhecida como
templo de Clitumno (cf. Plínio-o-Moço, Epistulae Liber, VIII, 8), convertida em templo
paleocristão na alta Idade Média, situada junto ao rio com o mesmo nome que passa
pela cidade de Trébia na região da Úmbria.
323 Referência ao mausoléu, de planta decagonal, de Teodorico, rei dos ostrogodos, trans-
formado, desde o séc. VII, na igreja de Santa Maria Rotunda.
324
Ver Livro III, cap. 5.
167
Livro Primeiro
monte. Neste caso, deve-se procurar, para conseguirmos t~l objectivo, que
isso se faça, sem perda da dignidade, moderando e reduzindo os custos e o
trabalho. Talvez o melhor seja retirar uma parte do alto e soerguer uma parte
do declive. Bem sábio foi o arquitecto, quem quer que ele tenha sido, que
aplicou este princípio em Alatro, uma cidade do monte Hérnico 325 situada
numa elevaÇão rochosa. Com efeito, fez coin qqe a base da fortaleza ou do
templo, ·que é a única coisa que, arrasadas as outras edificações, ainda hoje
se vê, fosse reforçada e apoiada pelo entulho arrancado da parte mais alta.
E nessa ohra há um aspecto que eu aprecio mais que tudo: um ângulo des·sa
área foi voltado para o lado onde o declive é mais íngreme, e reforçou esse
ângUlo acurimlando pedaços enormes de grandes blocos; e esinerou'-se na
disposição das pedras, para que, mantendo a parcimónia, conferisse beleza à
construção. E também me apraz outro expediente desse arquitecto: não tendo
nesse lugar grande abundância de pedra, construiu um aterro para suportar -o
peso do monte, com bastantes hemiciclos com a convexidade voltada para
dentro do monte. Esta construção é não só agradável à vista, mas também
extremamente sólida, além de económica. Constitui de facto um muro não
maciço que tem tanta 'robustez como se fosse absolutamente maciço, e cuja
espessura é do comprimento das flechas dos ·arcos.
É também muito recomendável a solução ·de Vitrúvio, que vejo ter sido
observada em Roma, a cada passo, pelos arquitectos antigos, ·e sobretudo na
muralha de Tarquínio 326 , solução que consistiu em apoiá-la por meio de con-
trafortes. Mas não adoptaram em todos os lugares o princípio de que os con-
trafortes devem ter entre si uina distância igual à altura do seu suporte; mas
distribuíram-nos, ora ·mais frequentes, ora mais raros, ·conforme a solidez ou,
por assim dizer, a labilidade do monte. Também me apercebi de que os
arquitectos antigos não se contentaram com uma construção de suporte na
área mais próxima, mas que foi seu desejo consolidar todas as vertentes do
monte, como que em vários degraus, até ao sopé. Eu considero que de modo
algum se deve deixar de ter em conta este procedimento.
Junto de Perúsia corre uma ribeira entre o monte Lucínio e a colina
onde ·está a cidade, a qual escava debaixo da colina, provocando uma erosão
incessante, e faz deslizar todo o declive que ·está por cima; por causa disso,
grande parte da cidade vai aluindo e ameaça desmoronar-se.
325
Região do Lácio, totalmente latinizada. Os seus habitantes eram conhecidos como
"homens das rochas".
326
Cinturão interno das muralhas de Roma, conhecido como Agger Servi Tu/li, do qual
ainda existem alguns fragmentos (cf. Vitrúvio, VI, 8, 6; Plin., Nat., III, 67).
168
O Delineamento
327
Referência às capelas ·da antiga Basílica Constantina de São Pedro, transformadas pelo
Papa Nicolau V, entre 1447 e 1464, e demolidas, conjuntamente com a igreja, pelo Papa
Júlio II, entre 1503 e 1549, para dar lugar, sobre o túmulo de São Pedro, à actual Basí-
lica (cf. Livro I, cap. 1O; Livro X, cap. 17).
328
Possivelmente, dado que não existe registo de qualquer templo dedicado a Latcina em
Roma, trata-se do templo de San Giovanni à Porta Latina, designado por Alberti · tem~
plum loannis ad Latinam, conforme vem referido na Descriptio urbis Romae (1450, ed.
de Fumo- Carpo, 2000, pp. 43 e 125). Cf. Portoghesi, 1966, p. 1058, n. 2.
329
Ver Livro III, caps. 6 a 10.
169
Livro Primeiro
CAPÍTULO IX
Toda a agudeza de engenho, toda a técnica e pencta da edificação
se consumam na compartimentação. Só esta, tendo em vista a utilidade, a
dignidade e a aprazibilidade, dá a medida das partes do edifício como um
todo e, por assim dizer, do carácter de cada uma das partes e, finalmente, da
harmonia e coesão de linhas e ângulos numa só obra. Ora se a cidade é, na
opinião dos filósofos, uma casa em ponto grande e, inversamente, a casa é
uma cidade em ponto pequeno 330 , porque não se há-de dizer que as partes
mais pequenas das casas são habitações em ponto pequeno? Como, por
exemplo, o átrio, o pátio 331 , a sala de jantar, o pórtico, etc. E em cada uma
destas partes haverá algum aspecto descurado por incúria ou negligência que
não prejudique a dignidade e o valor da obra? Deve-se, pois, investir muito
cuidado e diligência na consideração destes aspectos que dizem respeito à
obra no seu conjunto e devem-se envidar todos os esforços para que mesmo
as partes mais pequenas pareçam configuradas com engenho e arte.
Concorre perfeitamente para atingir este objectivo, de forma adequada e
conveniente, tudo o que acima dissemos acerca da área; e assim como con-
vém que, num ser vivo, haja proporção entre os seus membros, assim tam-
bém, num edifício, deve suceder o mesmo entre as várias partes 332 • Daí
deriva o princípio afirmado por alguns: convém que sejam maiores os mem-
bros dos edifícios maiores. Esta norma foi, de facto, posta em prática pelos
antigos, a ponto de, nos edifícios públicos de grandes dimensões utilizarem,
entre outras coisas, tijolos maiores do que nos edifícios privados 333 • Por con-
seguinte, a cada membro será atribuída uma zona apropriada, uma posição
330
Dictum que relaciona a casa e a cidade, mencionado por Platão (Lg., VI, 779b), inúme-
ras vezes citado na literatura, que sublinha a continuidade entre arquitectura e urbanís-
tica, como da parte para o todo e vice-versa (cf. Livro V, cap. 2).
331
Cf. Livro Vlll, cap. 10 sobre o lugar do pátio (xystos) nas termas romanas.
332
Relação edificio-corpo postulada por Alberti (ver Livro VI, cap. I 0). Esta analogia
baseia-se no princípio da similitude que estabelece uma correlação, conforme as suas
dimensões, entre as partes e o todo de um organismo e vice-versa (cf. Prólogo; Livro
Ill, caps. 12 e 14; Livro VII, cap. 5).
333
Vitrúvio (II, 3, 3) refere-se às dimensões de três tipos de tijolos consoante sejam utili-
zados para fins públicos ou privados. Um, designado "lídio" e usado pelos Romanos,
tem dimensões de um pé por pé e meio (1 pé= 29, 6 cm). Os restantes, utilizados pelos
Gregos, apresentam dimensões de cinco e quatro palmos (1 palmus minor= 7, 39 cm)
consoante se aplicavam, respectivamente, em edificios públicos ou privados.
170
O Delineamento
adequada, nem mais ampla do que a sua função exige, nem mais exígua do
que a sua dignidade postula, nem em lugar impróprio e inadequado, mas no
seu e de tal modo próprio que noutro lugar, em parte alguma, possa ser
situado de forma mais conveniente. Assim, a parte do edifício que virá a ser
a mais nobre não será relegada lá para trás, nem a parte mais pública será
colocada em lugar esconso, nem a parte privada em lugar devassado.
Devem-se, além disso, ter em consideração as estações, destinando-se uma
parte aos aposentos de verão, outra aos de inverno. Não devem ter uns e
outros nem a mesma posição nem as mesmas dimensões 334 • Os aposentos de
verão devem ser mais espaçosos; os de inverno não serão desaprovados se
forem mais exíguos. Devem os de verão ter sombra e vento, e os de inverno
sol. Devem-se tomar precauções para que os que aí moram não tenham de
sair de um lugar frio para outro aquecido, ou de um lugar aquecido para
outro exposto à invernia e ao vento, sem passar por uma temperatura inter-
média. Pois isso, mais que tudo, seria prejudicial à saúde.
Importa, ainda, que os membros do edifício se harmonizem entre si a
fim de constituírem ou comporem o louvor e a graça comuns ao conjunto da
obra, para que não suceda que, concentrando todo o esforço de embeleza-
mento numa só parte, fiquem as outras completamente desprezadas; antes
pelo contrário todas se articulem entre si de tal modo que assim mais pare-
çam ser um só corpo bem constituído, do que membros separados e dis-
persos 335 •
De resto, na configuração dos membros importa seguir a moderação da
natureza. Como em tudo, também neste aspecto não louvamos mais a
sobriedade do que censuramos o desejo de edificar sem moderação 336 • Os
membros devem ser de tamanho moderado e necessários à função a que se
destinam. Com efeito, se bem virmos as coisas, toda a prática da edificação
nasceu da necessidade; fê-la crescer o conforto; dignificou-a o uso. Só em
último lugar se prestou atenção ao prazer, se bem que o próprio prazer
nunca deixou de evitar todo o excesso 337 • Será, pois, a edificação tal que não
se desejem nela mais membros do que os que tem, e nada do que tem, por
motivo algum, seja reprovável.
334
Ver Livro V, caps. 3 e 17. Cf. Vitrúvio, VI, 4, 1-2.
335
Referência implícita à noção de concinidade (concinnitas), citada no Livro II, cap. 2 e
desenvolvida no Livro IX, caps. 5 e 6.
336
Sobriedade e moderação apresentam uma mesma abordagem, tanto em relação ao traba-
lho artístico, como em relação à conduta ética. Em ambos o combate é idêntico. Ver
Livro II, caps. 1 e 2.
337
Cf. Livro I, cap. 2 e Livro VI, cap. 3.
171
Livro Primeiro
338
O conceito de variedade, é apresentado por Alberti no Livro II, cap. 1; Livro IV, caps.
I e 3, bem como no Livro XI, cap. 9.
339
A noção de concinidade está descrita no Livro IX, cap. 5.
34
° Cf. Boet. , Arith., II, 32: "[ ...) não sem razão diz-se que todas as coisas que consistem
em contrários são compostas e organizadas conjuntamente com uma certa harmonia. Esta
harmonia é a união de muitas coisas e o consenso das dissidências" (cf. trad. ingl. de M.
Masi, 2006).
341
As relações entre harmonias musicais e sistemas proporcionais em arquitectura são des-
critas no Livro IX, caps. 5 e 6.
342
Ou organização das partes das colunas (cf. Livro VII, cap. 7).
172
O Delineamento
possível, maior que a deles. Mas de tudo isto, em lugar próprio, falaremos
mais especificamente, quando analisarmos como é que se deve dispor a
cidade e as partes da cidade e o que é importante para a utilidade de cada
um 343.
CAPÍTULO X
343
Ver Livro IV, caps. 1-5.
344
O conceito parietal de colunata mostra a importância que Alberti dá à parede como ele-
mento definidor da arquitectura, como se aquela fosse resultante de um processo sub-
tractivo, ao contrário da arquitectura grega, que valorizava a coluna como elemento adi-
tivo e caracterizador da realização espacial.
345
A diferença entre género e espécie para distinguir a coluna como suporte estrutural e
como ornamento, é evocativa de Cícero (de Oral., 1, 42, 189): "género é o que une dois
ou mais elementos numa comunhão de similaridade, enquanto espécie é o que os dife-
rencia" (cf. trad. esp. de J. J. Iso, 2002).
173
Livro Primeiro
346
À semelhança de Vitrúvio (III, 3, 7), Alberti utiliza o diâmetro da coluna como unidade
de medida modular e somente se refere a um~ métrica quando especifica uma medida
concreta.
347
Sobre o traçado da coluna veja-se Livro VI, cap. 13.
348
A caracterização de Vitrúvio (IV, 2, 2) do templo de madeira, que está na origem do
templo em pedra, retomada por Alberti e também referida por IPausânias (V, 16, 1) na
descrição do templo dórico de Hera na Grécia antiga, foi rec, ntemente confirmada por
achados arqueológicos (cf. Humphrey, Oleson - Sherwood, 1998, p. 246).
174
O Delineamento
mais largo do que o dado, mantendo também uma certa proporção; e dispu-
seram uns elementos em cima dos outros segundo uma linha perpendicular
ao centro. Por seu lado os capitéis, todos eles, têm em comum o facto de
que as suas partes inferiores imitam as linhas da coluna, enquanto as supe-
riores terminam numa superfície rectangular. E a parte superior do capitel é
sempre mais larga do que a inferior. Isto quanto às colunas 349 .
A parede deve ser erguida com as mesmas proporções das colunas, de
tal modo que, se for em altura do mesmo tamanho da coluna incluindo o
capitel, tenha a mesma espessura que a base da coluna. Também seguiram a
seguinte norma: que uma coluna ou base ou capitel ou parede seja, em qual-
quer das suas partes, o mais semelhante possível às da mesma ordem, em
altura e largura, enfim em toda a dimensão e forma. E como é igualmente
errado construir uma parede mais fina ou mais grossa, mais baixa ou mais
alta do que a razão e a moderação exigem, preferiria, contudo, que o meu
erro consistisse antes em poder cortar do que em ter de acrescentar. Será
com agrado que aqui falaremos dos erros dos edificios, para nos acautelar-
mos deles. O primeiro mérito é evitar toda a espécie de erro.
Dei-me conta, na basílica de São Pedro em Roma, de uma grande
insensatez, que está à vista de todos: por cima de inúmeras aberturas pega-
das umas às outras, alonga-se uma parede muito comprida e larga, sem o
reforço de nenhuma linha curva 350 e sem a protecção de nenhum apoio;
quaisquer que sejam as considerações a fazer, a todo esse troço da parede,
com aberturas tão juntas e exagerado na altura, foi dado este comprimento e
esta disposição para que pudesse resistir ao embate dos ventos fortíssimos.
O que fez com que já desde o começo, por causa da pressão permanente dos
ventos, se tenham inclinado em relação à vertical' mais de seis pés 351 ; não
tenho dúvidas de que, um dia, com uma ligeira pressão ou pequeno abalo,
349
Esta temática será retomada no Livro VII, cap. 7, que versa, de forma mais aprofundada,
sobre a caracterização, como espécie, do sistema das colunas dórica, jónica, coríntia e
compósita ou itálica.
350
O entendimento de Alberti, sobre os problemas construtivos da antiga Basílica Constan-
tina de São Pedro, mostra que tem plena consciência das questões estruturais, nomeada-
mente da importância da geometria para garantir a sua estabilidade.
35 1
Trata-se de uma dimensão equivalente a I ,78 m, dado que o pé romano corresponde,
aproximadamente, a 29,6 cm. No entanto, como observa Rykwert eta/ii ( 1988, p. 424),
não existe uma dimensão exacta para o pé romano, sendo a apresentada baseada na
média de 30 pés que foram preservados nas colecções dos Museus do Vaticano e do
Capitólio. Consequentemente, as equivalências de medidas apresentadas nesta edição,
para o sistema métrico decimal , devem ser consideradas como indicativas das adoptadas
por Alberti.
175
Livro Primeiro
CAPÍTULO XI
A utilidade da cobertura é a primeira e a maior de todas as vanta-
gens 353 • Com efeito, não só contribui para a saúde dos habitantes, na medida
em que os protege e defende da noite, da chuva e, acima de tudo, do sol
escaldante, mas também constitui uma segurança incalculável pa,ra todo o
edifício. Tire-se a cobertura: apodrecem as madeiras, desabam as paredes, os
lados abrem fendas e, por fim, toda a estrutura se desmorona pouco a
pouco. Os próprios alicerces, embora custe a acreditar, são consolidados pela
protecção da, cobertura. E não é tão grande a quantidade de edifícios que
desabaram arruinados pelos incêndios, pelas guerras, e por outras calamida-
des, como a dos edifícios que se desmoronaram sem outro motivo que não
fosse a negligência dos cidadãos, por terem sido deixados ao aballdono, pri-
vados e desguarnecidos da protecção da cobertura. A cobertura é, sem som-
bra de dúvida, a arma defensiva dos edifícios contra as ameaças e os ata-
ques das intempéries.
Assim sendo, é meu entendimento que os nossos antepassados, neste
como nos outros aspectos, procederam de forma exemplar ao quererem con-
sagrar à cobertura tantas honras que no adorno dos tectos esgotaram quase
todas as técnicas decorativas. Na verdade, vemos tectos feitos de bronze, de
vidro e de ouro, ornamentados belissimamente com caixotões do~rados e
lâminas de ouro e, além disso, com entalhes de coroas e flores e com está-
tuas 354 .
Das coberturas umas silo exteriores, outras são interiores. Exteriores são
aquelas que não são destinadas para se caminhar em cima delas, mas unica-
mente para aparar a chuva. As interiores são as extensões intermédias dos
~ 352
Cf. Livro X, cap. 17.
353
Cf. Livro II, cap. I, sobre a importâpcia da cobertura.
354
Cf. Livro VI, cap. li , sobre o ornamento das coberturas.
176
O Delineamento
355
Ver Livro III, cap. 12.
356
Para uma descrição destas abóbadas veja-se Livro III, cap. 14.
357
A abóbada carenada, contracurvada ou flamenjante apresenta-se com a forma de um
casco de navio. Plínio-o-Antigo (Nat., IX, 94) utiliza o termo carinata concha para se
referir a uma concha carenada, i.e. com uma fonna em casco de navio.
358
O displuviatum é uma cobertura displuviada, i. e. envolvente dos átrios das casas roma-
nas, com águas inclinadas para o exterior (cf. Vitrúvio, VI, 3, 1; 2).
177
Livro Primeiro
CAPÍTULO XII
359
Conjectura-se que Júlio Capitolino seja um dos seis autores da Historia Imperial que
narra, desde 117 até 284 d. C., as biografias dos imperadores Romanos, dos césares,
bem como dos usurpadores. A autoria desta obra é, no entanto, disputada pois alguns
178
O Delineamento
dos autores, cujos nomes são, por vezes, considerados pseudónimos, pleiteiam mais rela-
tos do que os que comparecem nesta compilação. Hornblower-Spawforth (1996, p. 713),
destacam que existe, actualmente, um consenso de que a paternidade desta obra se deve
a um único autor que a elaborou na última década do séc. IV.
360
Região noroeste do Irão ocupada em 247 a. C. pelo povo seminómada a que os Gregos
e os Romanos chamavam Partos, e que, no final do séc. 11 a. C., abrangia o Irão e tam-
bém uma parte da Mesopotâmia.
36 1
Considerado o último grande historiador do império romano (c. 330-c. 400 d. C.), escre-
veu, em continuação a Tácito, sobre o período que vai do principado de Nerva até à
invasão dos Godos (96-378 d. C.). A maior parte dos 31 livros que compunham a sua
obra, porém, perdeu-se: chegaram até nós apenas os últimos 18 livros (de 353 a 3 78
d. C.).
362
Ano de 168 d. C. .
363
Cidade fundada, c. 305 a. C., por Seleuco I na margem esquerda do rio Tigre na Meso-
potâmia, incendiada por Trajano e destruída por Avídio Cássio em 164 d. C. .
364
Apolo, filho de Zeus e de Latona, deus grego da beleza, da luz e das artes, é represen-
tado na escultura grega como um deus de elevada estatura e longos cabelos. Amiano
Marcelino (XXlll, .6, 24) refere-se a Apolo como um deus comaeus (com cabeleira),
cuja imagem foi trazida para Roma e colocada no templo de Apolo Palatino.
365
Nesta apresentação dos parâmetros que devem ser levados em consideração para se
dimensionar uma janela, Alberti é um precursor das tendências racionalizantes do
período heróico do Movimento Moderno nos alvores do séc. XX (cf. Kunstvereinmm,
1968, pp. 77-78).
179
Livro Primeiro
de tal modo que o ar, chegando, circule entre os corpos dos moradores.
O que sucederá com toda a possibilidade se o peitoril das janelas for tão
baixo que, em relação aos habitantes que passam na rua, se possa ver e ser
visto. Pelo contrário, as janelas que não estiverem geralmente expostas aos
regimes mais salubres dos ventos serão situadas de tal modo que não rece-
bam menos luz do que convém, nem mais do que se possa precisar. E estas
serão situadas na parte de cima, a fim de que a parede, fazendo barreira,
intercepte os ventos, protegendo os moradores. Assim terão ventos que reno-
vam o ar, mas serão quebrados e, por isso, não totalmente insalubres.
Deve, ainda, ter-se em conta quais são os sóis que hão-de penetrar no
interior das divisões; e as janelas devem ser mais rasgadas ou menos amplas
em função do uso da habitação. Efectivamente, nas residências de verão,
convém construir aberturas amplas nos dois sentidos, se elas forem voltadas
a norte, ou, se forem voltadas a sul de frente para o sol, pequenas e poucas,
urna vez que aquelas recebem os ventos mais facilmente e estas são menos
atingidas pelos raios solares; e com o irradiar contínuo do sol em toda a
volta, terá luz bastante aquele lugar onde as pessoas acorrem mais por causa
da sombra do que por causa da luz. Inversamente, nas residências de
inverno as janelas darão acesso directo ao sol, se estiverem abertas, mas não
ao vento, se forem feitas na parte superior: pois assim os ventos não irão
embater directamente nos moradores quando estão em pé. Além disso, por
onde quer que se receba a luz, é evidente que se deve tê-la de forma a ver-
-se o céu sem obstáculos. E de nenhum modo convém situar em baixo todas
as aberturas que tenham sido feitas para receber a luz. Na verdade, a luz
vê-se com os olhos, não com os pés. Sucede também que, quando urna ou
outra pessoa se põe à frente, a luz é interceptada e por isso o resto do lugar
fica mais escuro. Este inconveniente resolve-se quando a luz entra por cima.
As portas devem imitar as janelas, sendo maiores ou menores, muitas
ou poucas, conforme a frequência e a utilização do lugar. Mas em relação a
estes dois critérios vejo que se procurou fazer nos edifícios públicos abertu-
ras de ambos os tipos em grande quantidade. Disso são testemunho os tea-
tros que, se é correcta a nossa interpretação, dispõem de grande número de
aberturas, não só de escadas, mas principalmente de janelas e portas 366 •
Assim, convém situar as aberturas de tal modo que não se ponham as
mais pequenas nas paredes mais amplas, nem se introduzam em pequenos
366
O Livro VIII, cap. 7, é ainda dedicado à descrição dos teatros de origem romana.
Somente no século XVI, com o teatro Olímpico de Palladio, em Veneza, os espaços
interiores passam a ser cobertos e os meios cenográficos , construídos com falsas pers-
pectivas, controlam a organização espacial.
180
O Delineamento
367
Trata-se de uma das raras referências que Alberti faz, explicitamente, à sua obra cons-
truída e, mesmo assim, de forma muito ténue. Somente após a publicação dos I Quattro
Libri dell 'A rchittectura de Andrea Palladio, em 1570, é que se passa a ter uma descri-
ção sistematizada e comentada das obras dos autores dos tratados.
368
Cf. Livro VII , cap. 12, onde são apresentadas indicações para o dimensionamento das
portas de acordo com a sistematização das colunas.
369
Trata-se de assumir a simetria axial como um princípio ordenador do organismo arqui-
tectónico, em conformidade com a relação edifício-corpo (cf. Livro VII, cap. 5).
370
Estas falsas aberturas ocorrem nas paredes exteriores da igreja de Santo André em Mân-
tua.
371
Livro VII, cap. 12.
181
Livro Primeiro
relacionar com o cálculo dos custos e com a beleza da obra o facto de que,
na construção do muro, se gastam menos pedras e argamassa 372 . Cumpre
ainda acrescentar que a abertura de nichos deve ser em número adequado,
de tamanho não excessivo, de aspecto artístico, imitando em tudo as janelas
da sua ordem.
E, observando as obras dos antigos, verifiquei que eles não costumavam
utilizar aberturas deste tipo, quaisquer que fossem , com dimensões superio-
res a um sétimo da parede que ocupavam, nem inferiores a um nono.
Os espaços dos intercolúnios contam-se obviamente entre as principais
aberturas. Também esses variam na sua construção em função da variedade
dos edificios. Mas disso falaremos sobretudo quando em seu lugar discorrer-
mos acerca da preparação dos edificios sacros 373 • Aqui apenas advertiremos
que estas aberturas devem distribuir-se de tal modo que, acima de tudo, se
tenha rigorosamente em conta a disposição das colunas que se deixam para
sustentar as coberturas, e não fiquem mais finas e mais separadas do que é
conveniente para suportar o peso das coberturas, nem tão grossas e tão jun-
tas que não restem espaços e acessos fáceis ao uso das coisas em cada
momento. De resto, as aberturas serão umas quando as colunas são muito
chegadas, e outras quando são mais separadas. Com efeito, às colunas muito
chegadas sobrepõe-se uma trave, às mais separadas, um arco. Mas em todas
as aberturas encimadas por um arco deve procurar-se que o arco não seja
menor do que o semicírculo acrescido de um sétimo do raio . Afirma-se
como dado adquirido, entre os peritos, que este é de todos o arco que dá
mais garantia de uma longa duração; consideram que todos os outros arcos
não têm solidez para suportar o peso e tendem a desabar. Somos de opinião
que o arco em semicírculo é o único que dispensa os tirantes e os apoios
auxiliares 374 . Quanto a todos os outros, vê-los-emos abrirem-se e ameaçarem
desabar se não lhes colocarmos tirantes ou massas contrárias que fazem de
contrapeso. Não deixarei de mencionar aqui uma solução notável e digna de
todo o louvor que verifiquei nos antigos : há aberturas deste tipo e arcos de
372
Referência ao requisito da frugalidade que conduz a que se opte, ceteris paribus, pela
solução mais económica, em consonância com a critica de Alberti (Momus, II) à osten-
tação dos empreendimentos propostos no programa de melhoramentos de Roma durante
o pontificado de Nicolau V.
373
Livro VII, cap. 5.
374
Esta afirmação não se verificou cabalmente no âmbito da edificação no Quattrocento,
onde os arcos de meio ponto eram, por vezes, atirantados com peças lineares de eixo
rectilíneo sujeitas a esforços de tracção, devido ao facto de a linha de pressão não seguir
uma forma circular mas em catenária.
182
O Delineamento
CAPÍTULO XIII
375
No Panteão em Roma, a cúpula, que vence um vão de 44 metros no interior, é susten-
tada por um tambor construído com betão romano onde estão embutidos arcos de volta
perfeita, colocados em anéis sobrepostos, que conduzem, em grande parte e nesta parede
autoportante, a descarga das pressões ao solo.
183
Livro Primeiro
376
Correspondente, aproximadamente, a 9° de pendente.
377
Para um leitor renascentista esta observação era natural pois os números, na sua acepção
neopitagórica, possuíam qualidades: sete degraus relacionavam-se com os sete planetas,
os sete metais e os sete dias da semana. O que era comum era o número.
378
O espelho dos degraus não deverá, assim, ser superior a 22 cm nem inferior a 5 cm e o
cobertor não deverá superar 60 cm nem ser inferior a 44 cm.
379
O requisito da frugalidade sugere, neste caso, que Alberti faz uma clara distinção, para
utilizar um conceito proposto por Louis Khan no séc. XX, entre espaços que servem e
que são servidos, a que correspondem diferentes critérios de dimensionamento.
184
O Delineamento
vam ou dirigir a água das chuvas pelas goteiras para não molhar quem
chega, ou juntá-la nos implúvios de modo a recolhê-la em cisternas para uso
das pessoas, ou obrigá-la a correr por certos lugares de onde limpassem as
imundícies próprias de cada um, para não impressionarem as narinas e os
olhos de ninguém. E em tudo isso parece-me que procuravam acima de tudo
afastar e desviar para longe do edificio toda a água da chuva, além de
outros motivos, para que o chão não se impregnasse de humidade.
E em todas as aberturas também me. parece que procuravam situá-las
nos lugares mais convenientes, onde trouxessem mais vantagens a todo o
edificio. E determino que sobretudo os poços sejam colocados na parte do
edificio mais frequentada e acessível, contanto que não ocupem os espaços
mais dignos e que lhes não pertencem. E afirmam os naturalistas que os
poços colocados a céu aberto oferecem uma água mais límpida e pura. Mas,
qualquer que seja a parte do edificio onde os poços estejam escavados ou os
esgotos enterrados ou onde a água e a humidade escorram, aí convém que
haja aberturas para que o ar circule o mais possível e limpe as exalações
húmidas do chão, removidas pelo sopro dos ventos e pela corrente do ar.
Até aqui tratámos do delineamento dos edificios, tocámos ao de leve
naqueles aspectos que parecem aplicar-se a toda a obra em geral, referindo
todos os tipos de assuntos que era necessário abordar. Agora devemos falar
da obra e da construção dos edificios. Mas, antes disso, falaremos dos mate-
riais e de tudo aquilo que é necessário ter pronto para dar início à obra.
185
LEON BATTISTA ALBERT/
DA ARTE EDIFICATÓRIA
COMEÇA O LIVRO SEGUNDO: OS MATERIAIS
CAPÍTULO I
N
a minha opinião, não devem encetar-se, irreflectidamente a constru-
ção, e as despesas, dos edificios, entre outros motivos por uma
questão de prestígio e boa reputação. Com efeito, assim como uma
obra bem planeada é causa de glória para todos aqueles que para ela contri-
buíram com o seu engenho, trabalho e esforço, assim também, se houver
algum aspecto em que a concepção, por parte do autor, ou a perícia, por
parte do executor, deixem a desejar, muito grande será o dano causado ao
seu prestígio e reputação. Estão à vista, diante de todos, os méritos e princi-
palmente os defeitos das construções públicas, nas quais, não sei como, atrai
mais as críticas aquilo que é disforme, do que a admiração aquilo que é rea-
lizado e concluído com beleza em todos os pormenores. E é admirável como
existe um motivo pelo qual a natureza nos ensinou a todos 380 , doutos e igno-
rantes, a sentir de imediato o que há de certo ou de errado nas técnicas e
nas proporções dos elementos. Sobretudo, nesses aspectos, o sentido da vista
é o mais apurado de todos 38 1 e faz com que, se algum pormenor se apre-
senta curto, claudicante, supérfluo, inútil, malfeito, logo nos chama a aten-
ção e notamos a falta de elegância 382 . Por que motivo assim sucede, nem
todos o sabemos; mas, se nos perguntarem, ninguém hesitará em afirmar que
há emendas e correcções que podem ser feitas . Mas qual seja a forma de o
fazer, nem todos o saberão explicar, mas só os entendidos nessa matéria.
380
Sobre esta capacidade que a natureza nos ensinou vej am-se, nesta edição, o Prólogo e o
Li vro VI, caps. 2, 5 e 6, bem como a Introdução - As Leituras da Arte Edificatória .
38 1
Cic. , de Oral., II, 87, 357.
382
Cic., o,~, 51 , 173.
187
Livro Segundo
383
Esta competência para conceber e definir previamente a obra apresenta-se como um acto
inaugural, que se contrapõe ao processo construtivo medieval de resolução da concepção
em obra.
384
Suet., Jul., 46.
385
Região do Lácio, província de Roma.
386
Os termos perscriptione modo et pictura podem ser transpostos por "mostra e pintura",
dado que designavam os desenhos que acompanhavam, entre 1495 e 1521, os alvarás
régios manuelinos para descreverem os projectos arquitectónicos e urbanos para a cidade
de Lisboa, onde "mostra" se referia a uma sumária planta do edificado e "pintura" se
reportava a uma vista de conjunto do exterior (cf. Carita, 1999, pp. 174-177).
387
Os termos modulis e exemplaris transpõem-se, respectivamente, por módulos e modelos
com o sentido de maquetes, i.e., de modelos de dimensões reduzidas, em escala apro-
priada, para representar o que se pretende edificar.
188
Os Materiais
388
A trindade numerus (número/partes), finitio (delimitação/grandeza) e collocatio (disposi-
ção/partes ordenadas) constituem a concinnitas (concinidadelharmonia) que o autor
desenvolve no Livro IX, cap. 5.
389
Ao discernir sobre a justeza dos meios de expressão e de representação do projecto, face
às características que a obra deve apresentar, Alberti alerta para o que é essencial : a
dimensão inovadora da concepção em arquitectura e não a habilidade manual posta na
execução daqueles meios.
390
Se bem que a utilização de maquetes foss e prática corrente na Grécia clássica e pós-
-clássica, mas não em Roma, Alberti sugere, pela primeira vez, o uso simultâneo de
desenhos e modelos à escala.
189
Livro Segundo
391
Os cuidados sugeridos por Alberti na elaboração de maquetes e desenhos à escala, com
dimensões exactas e controladas, parecem dirigir-se a Platão (Resp ., X, 602d): " [.. .] a
pintura com sombreados não deixa por tentar espécie alguma de magia, e bem assim
a prestidigitação e todas as outras habilidades desse género" (trad. de M. H. da R.
Pereira, 1996).
392
Requintada variedade pode ser entendida como uma extensão do ornamento como da
concinidade (vide Livro IX, cap. 7).
190
Os Materiais
CAPÍTULO II
393
O tempo é uma dimensão operativa, para Alberti, na concepção e na elaboração do pro-
jecto, na medida em que a arte edificatória é tempo criador que se converte em desejo
pelo delineamento que, ao conformar a matéria, aspira a ser concretizado na plenitude
da obra construída.
394
As duas pontes de barcas de que há notícia na Antiguidade foram mandadas construir
por Xerxes no Helesponto (Hdt., VII, 35-36) e por Gaio Calígula (Suet., Cal., 19). A pri-
meira, feita com cabos de papiro, foi destruída por uma tempestade e por efeito das
ondas do mar, tendo sido reconstruída, com cabos de linho, e novamente demolida por
outro temporal. A segunda, para unir Baias e o molhe em Puteólos, hoje Pozzuoli, foi
construída com maiores dimensões para rivalizar com a ponte de barcas de Xerxes. Cf.
Portoghesi, 1966, pp. 102-3, n. 1.
191
Livro Segundo
395
Reparo crítico ao programa de melhoramentos da cidade de Roma do Papa Nicolau V,
desenvolvido na peça Momus (IV), onde Alberti denuncia os comportamentos do fraco
príncipe, i.e. do Papa, e da sua ambiciosa corte, i.e. da cúria papal, representados res-
pectivamente por Júpiter e pelos deuses do Olimpo, onde aquele se considera culpado
pela sua incompetência em criar um mundo melhor, pois que em vez de se dirigir aos
construtores auscultou os filósofos sobre aquele plano de renovação urbana, o que pode
ser interpretado como uma censura aos conselhos dados por Giannozzo Manetti, secretá-
rio, biógrafo e confidente pessoal do Papa (cf. Tafuri, 1995, pp. 41-87; Manetti, 1995).
396
Tito Lívio (1, 38, 7) informa que Tarquínio I "com profética visão do que seria a gran-
deza daquele local conquista, por intermédio de fundações , a área destinada ao templo
de Júpiter no Capitólio, de acordo com o voto que fizera durante a guerra Sabina". Cf.
trad. de P. F. Alberto, 1999.
397
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 82) espanta-se de que uma cortesã como Ródope tenha
conseguido pela sua profissão reunir tantas riquezas.
398
Mausolo, marido de Artemísia, deu o nome ao túmulo que ficou conhecido por Mauso-
léu de Halicamasso.
399
É nas Odes que Horácio (II, 18) recrimina Mecenas: "Nenhum tecto falso de marfim I
ou de ouro em minha casa resplandece I nenhuma arquitrave do Himeto I sobre as colu-
nas talhadas nos confins de África pesa, [...]" (trad. de P. B. Falcão, 2008).
400
Tac., Hist., II, 49.
192
Os Materiais
da construção, obra digna das vitórias de Pompeio e de Roma 401 • Mas nem
todos dão a sua aprovação à mania que Nero tinha de construir, e ao seu
delírio em levar a cabo obras colossais 402 • E também quanto àquele 403 que
com tantos milhares de pessoas perfurou a montanha junto de Putéolos 404,
quem não teria preferido que ele tivesse gasto tanto trabalho e dinheiro em
alguma coisa mais útil? Quem não detestará a prodigiosa insolência de
Heliogábalo 405 ? Tivera a ideia de erguer uma coluna enorme, por dentro da
qual se pudesse subir até ao cimo, para aí colocar o deus Heliogábalo 406 , em
cujo culto fora iniciado; mas como não encontrou uma pedra tão grande,
ainda que procurada até à Tebaida 407 , desistiu.
Diga-se também que não se deve empreender nada que, não obstante
ser útil, de certo ponto de vista, conveniente e não de todo difícil de fazer,
com sobra de recursos e de tempo, tenha, porém, a possjbilidade de não ser
levado a cabo em breve, por descuido do seu sucessor ou por enfado dos
habitantes. A decisão de Nero, de construir um canal navegável para as
quinquerremes, desde o Avemo 408 até Óstia, censuro-a, entre outros motivos,
precisamente porque a conservação da obra exigia perpétua e eterna prospe-
ridade do império e atenção permanente dos imperadores 409 •
40 1
Rykwert eta/ii (1988, p. 372, n. 12), sugerem que o teatro de Pompeio, de localização
incerta, teria sido, no tempo de Alberti, de dificil apreciação dado que tinha sido trans-
formado em habitação.
402
Referência à Domus Aurea, i.e. à residência de Nero construída após o incêndio de 64
d. C., notável pela sua insania aedificandi, i.e. pela louca extravagância e novidade. Cf.
Suet. , Nero, 31.
403
Trata-se de Lúcio Coceio Auto, um engenheiro Romano que, no principado de Octa-
viano Augusto, escavou, a partir de 37 a. C., um túnel com 900 m de comprimento
junto a Putéolos e que ficou, posteriormente, conhecido por Gruta de Sejano (cf. Strab. ,
V, 4, 5; Viggiani, 2006).
404
Assentamento humano da Campânia, situado a 12 km a norte de Nápoles, fundado pelos
Gregos (c. 521 a. C.).
405
Heliogábalo (203-222 d. C.), nascido na Síria e conhecido como Marco Aurélio Ante-
nino, foi imperador de Roma (218-222 d. C.) e '· serviu como sacerdote da divindade
solar E! Gabai na sua cidade de origem, Homs.
406
Divindade oracular, inicialmente venerada na Síria, com culto estabelecido no império
Romano nos finais do séc. II d. C., que tinha como símbolo sagrado um meteorito preto
de forma cónica, guardado no templo que lhe era dedicado no monte Palatino em Roma.
407
Região situada no limite sul da planície da Beócia que foi, desde a idade do bronze, um
dos primeiros assentamentos humanos da Grécia.
408
Cratera vulcânica, perto de Nápoles, que se transformou em lago.
409
O canal que Nero mandou construir entre Avemo e Óstia, para que a viagem pudesse
ser feita por barco e não por mar, tinha uma largura que permitia a passagem de dois
navios com cinco ordens de remos e uma extensão de cento e sessenta milhas. Cf. Suet.,
Nero, 31.
193
Livro Segundo
CAPÍTULO III
410
Uma estética do equilíbrio, ou de acordo entre as partes, está subjacente à ideia de
harmonia albertiana, reafirmada na carta que escreve, em 18 de Novembro de 1454, a
Matteo de' Pasti, ·o arquitecto residente em obra no templo Malatestiano, onde alterar as
medidas e as proporções estabelecidas equivale a dizer que "si discorda tutta quella
musica" (Grayson, 1998 c, p. 166).
194
Os Materiais
motivo, será também fruto de grande satisfação quando nenhum dos espe-
cialistas se negar a dar o seu assentimento. Será importante ouvi-los a todos:
com efeito, às vezes sucede que os imperitos na matéria dizem coisas que os
mais entendidos consideram dignas de serem tidas em conta.
Mas quando, a partir de cada uma das partes da maquete, tiveres verifi-
cado e observado toda a disposição do edificio, de tal modo que nada reste,
em ponto algum, que não tenha sido objecto de atenção, nada que tenha
escapado à observação, e entretanto te tenhas decidido a edificar, sabendo
claramente como custear as despesas, prepararás tudo o que é necessário
para executar a obra, a fim de que, durante a construção, nada falte que
impeça a sua conclusão com rapidez. Na verdade, sendo muitas as coisas de
que necessitas para concluir a obra, e como qualquer delas, se faltar, pode
impedir ou prejudicar toda a construção, é teu dever nada descurar daquilo
que é importante, se houver, e prejudicial, se faltar.
Escreve Eusébio de Pânfilo 411 que David e Salomão, reis dos Hebreus,
estando para construir o Templo de Jerusalém, tendo já preparado a maior
quantidade de ouro, prata, bronze, madeiras, pedra e outros materiais, então,
para nada faltar que facilitasse e apressasse a construção, pediu aos reis seus
vizinhos arquitectos e muitos milhares de operários. Medida que eu aprovo
inteiramente: na verdade, contribui naturalmente para o prestígio da obra, e
toma maior a glória do seu autor, o facto de, concebida ela com arte e com-
petência, ser concluída com rapidez. Há escritores que enaltecem Alexandre
da Macedónia, o qual, segundo refere Cúrcio 412 , edificou uma cidade, não
muito pequena, junto do Tánais 413 , em não mais de sete dias 414 ; e exaltam
Nabucodonosor porque, como escreve o historiador Josefo 415 , concluiu o
tempo de Belo em quinze dias, ou porque, também em quinze dias, segundo
411
Eusébio (c. 260-339 d. C. ; IX, 30, 4-5), discípulo de Pânfilo que foi martirizado em 310
e em cuja homenagem quis adoptar o seu sobrenome, foi bispo de Cesareia, na Pales-
tina, e autor de diversas obras que marcaram os alvores do cristianismo.
412
Quinto Cúrcio Rufo é o autor de uma história romanceada de Alexandre Magno, escrita,
ao que tudo indica, no tempo de Cláudio.
413
Designação de rio, cidade (hoje Nedvigovka) e estuário que estabelece a fronteira entre
a Europa e a Ásia, permitindo o acesso à bacia do Volga. Pensa-se que, no mundo
greco-romano, se tinha uma noção imprecisa da sua geografia.
4 14
De acordo com Quinto Cúrcio (VII, 26), a cidade levou dezassete dias a ser construída.
415
Flávio Josefo (37-c.llO d. C.), historiador grego e governante Hebreu, é o autor de Anti-
quitates ludaicae e de Bel/um ludaicum que fornecem informações sobre o período onde
se dá a separação do cristianismo e do judaísmo.
195
Livro Segundo
dizem, circundou Babilónia de uma tríplice muralha 416 • Tito 417 ficou célebre
por ter construído em três dias uma muralha com cerca de quarenta está-
dios 418 • Semíramis 419 é lembrada por ter construído em Babilónia as suas
altíssimas muralhas, à razão de um estádio por dia, ou por ter mandado edi-
ficar, para conter um lago, um dique com duzentos estádios 420 , muito alto e
muito profundo, em não mais de sete dias. Mas sobre estas questões falare-
mos noutro lugar 421 •
CAPÍTULO IV
41 6
Josefo (A. I. , X, 224-225) relata que foi um palácio e não a muralha ou o templo que
levou quinze dias a construir.
417
Tito Flávio Vespasiano, imperador romano de 79 a 81 d. C..
418
Um estádio romano equivale a 184, 68 m, o que significa que a muralha tinha cerca de
7,39 km de comprimento. Josefo (B. I., V, 387) refere-se à muralha de circunvalação
do cerco de Jerusalém com trinta e nove estádios de comprimento e treze fortins.
419
Semíramis foi mulher de Nino, rei epónimo de Nínive, capital da Assíria, edificou Babi-
lónia e construiu um palácio no séc. VII a. C. .
420
Equivalente a 36, 93 km.
421
Ver Livro IV, cap. 3, sobre as muralhas, e Livro X, cap. 9, sobre os lagos artificiais.
422
Plin., Nat., XXXIV, 45.
196
Os Materiais
por ele já ter construído na Gália, no território dos Arvernos 423 , um colosso
de tamanho excepcional. Mas, assentes estes princípios, passemos ao que se
segue.
Pela nossa parte, ao passar em revista as coisas que são úteis à cons-
trução dos edificios, não deixaremos de repetir os ensinamentos que os
sábios da Àntiguidade nos legaram, sobretudo Teofrasto, Aristóteles, Catão,
Varrão, Plínio e Vitrúvio - na verdade esses conhecimentos adquirem-se
mais por uma longa observação do que pelas artes do engenho - a fim de
os procurarmos naqueles que com a maior diligência os consignaram por
escrito. Seguiremos, portanto, coligindo tudo aquilo que os mais conceitua-
dos trataram em vários passos das suas obras. Acrescentaremos ainda,
segundo o nosso costume, o que nós próprios registámos a partir da obser-
vação das obras dos antigos ou de conselhos de artistas experientes, e que
de certo modo pode ser útil para o que temos a dizer.
Na verdade, parece-me muito conveniente dar início à exposição,
seguindo a ordem natural dos mesmos assuntos e começando pelos materiais
de que os homens no começo se . apropriaram para a edificação. Se me não
engano, foram eles árvores de corte e madeira das florestas, embora eu
encontre entre os autores alguns que discordam entre si sobre este ponto. Há
os que dizem que primeiramente os homens habitaram em cavernas, abri-
gando-se o gado e os seus proprietários sob a mesma protecção. Assim,
acreditam, com base numa história narrada em Plínio, que foi um certo
Gélio Táxio o primeiro a construir uma casa de lodo, imitando a natureza 424 ;
Diodoro diz que foi a deusa Vesta, filha de Saturno, a primeira a inventar as
habitações 425 ; Eusébio de Pânfilo, distinto investigador das coisas antigas,
servindo-se dos testemunhos dos antepassados, afirma que foram os descen-
dentes de Protogénio que conceberam para o ser humano habitações, entre-
laçando folhas de cana e papiro 426 • Mas voltemos ao assunto.
Os antigos, e principalmente Teofrasto, dizem que se devem cortar as
árvores, sobretudo o abeto e as várias espécies de pinheiro, logo que come-
423
Território da Gália situado, actualmente, na região de Clermont-Ferrand.
424
O texto de Plínio-o-Antigo (Nat., VII, 194) refere-se, possivelmente, a Gneu Gé1io, do
séc. II a. C., autor de Annales em mais de 30 livros, de que nos chegaram fragmentos,
que descrevem a história de Roma desde as origens até meados do séc. II a. C .. Cf. Por-
toghesi, 1966, p. 11 O, n. 1.
425
Diod. Sic., V, 68, 1.
426
Eusébio de Pânfilo (Prep., 1, 1O, 1O) baseia-se na antiga história fenícia de Sanchunia-
thon, traduzida para grego por Herénio Fílon, para fornecer esta informação. Para A1berti
trata-se de uma fonte fidedigna , apesar de não ser explicitamente citada, na medida em
que são referidos testemunhos mais antigos (cf. Grafton, 1997, p. 64).
197
Livro Segundo
421
Theophr., H. P, V, 1, 1-5.
42
M Vento do norte.
429
Para Vitrúvio (II, 9, 1) os períodos de abate das árvores são análogos aos da fabricação
e da secagem de telhas e tijolos.
430
O Favónio designa, de acordo com Catão-o-Censor (Agr., 50) e Plauto (Mil. , lll, v. 665),
o vento do oeste que, na primavera, traz consigo a amenidade.
431
Hesíodo (Op., 383-384) menciona que "Quando surgem as Plêiades, filhas de Atlas,
começa a ceifa e a sementeira quando elas se põem" (trad. de A. E. Pinheiro - J. R.
Ferreira, 2005), o que corresponde, respectivamente, aos meados dos meses de Maio e
de Novembro mas, no entanto, é mais impreciso quando se refere ao corte da madeira.
432
Cat., Agr., 27, 1-2.
433
Var., R., I, 37, 2.
434
Plin., Nat., XVI, 194.
198
Os Materiais
mam que, se cortares o cabelo ou as unhas com a lua encoberta ou mal dis-
posta, não te livrarás de uma depressão. Pode ser útil isto que eles dizem:
que devem ser trabalhados com o ferro e com as mãos, quando a Lua esti-
ver em Balança ou em Caranguejo, os objectos que hás-de ter para teu uso
pessoal e para se moverem de lugar; ao invés, os que se hão-de manter fixos
e sem mudar de lugar, devem ser começados e concluídos quando a Lua
estiver em Leão ou em Touro, ou coisa assim. Mas todos os entendidos
aconselham a cortar a madeira em quarto minguante: pois sustentam que
então está totalmente escorrido aquele defluxo gorduroso da árvore, que é
muito propenso a impregnar-se rapidamente de podridão. Sabe-se por expe-
riência que a madeira cortada nesta lua não é infestada pelo caruncho. Daí o
dizer-se: Trigo que vendas, colhe-o em lua cheia. Porque então também o
trigo estará bem cheio; mas o trigo para guardar, colhe-o em lua enxuta 435 .
Consta também que os ramos das árvores preparados em quarto minguante
não apodrecem. Columela 436 é de parecer que o dia adequado ao corte de
árvores é desde o vigésimo ao trigésimo da lua em quarto minguante 4 37 •
Vegécio prefere que a árvore seja cortada desde a décima quinta à vigésima
segunda lua 438 ; aqui pensa estar a origem do culto que celebra apenas nestes
dias os ritos de eternidade, visto que duram para sempre as coisas que são
cortadas durante esses dias. Dizem ainda que se deve observar como se põe
a Lua. Mas Plínio é de opinião de que o melhor dia para cortar uma árvore
é quando a constelação do Cão está no ponto mais elevado e a Lua em con-
jugação com ela, dia que se chama interlúnio, considerando que se deve
esperar pela noite desse mesmo dia, até que a Lua esteja debaixo da
Terra 439 • Os astrónomos afirmam que a razão disto é que, por influência da
Lua, se põe em movimento todo o humor das coisas. Por isso, como o
humor, em face da Lua, ou reflui para as últimas fibras da raiz, ou se dis-
sipa, a restante madeira fica mais limpa.
435
Isto é, na lua com sede (!una sitiente), sem chuva. Cf. Plin., Nat., XVII, 57 e 112.
436
Lúcio Júnio Moderato Columela (séc. I d. C.), é o autor de um tratado sobre agricultura
(De re rustica; XI, 2, 11) em doze volumes.
437
Note-se que o ciclo lunar somente apresenta 28 dias .
m De acordo com Vegécio (IV, 35), apenas nestas condições mais favoráveis os troncos
cortados não apodrecem, sendo aqueles que são abatidos fora deste período de sete dias
reduzidos, em menos de um ano, pelos vermes a pó. No entanto, Milner (1996, p. 143,
n. 2), ao comentar a obra de Vegécio, sugere que este terá interpretado erroneamente as
observações de Catão-o-Censor (Agr. , 37), que recomendava, para o corte da madeira, o
último quarto lunar ou, em alternativa, a lua nova e o primeiro quarto lunar.
439
Isto é, depois de a lua se pôr. Plin., Nat., XVI, 190-191.
199
Livro Segundo
CAPÍTULO V
44
° Cf. Vitrúvio (11, 9, 3).
441
Theophr., H. P , V, 1, 2.
442
Theophr., H. P , V, 5, 6.
443
Theophr., H. P , V, 7, 4.
444
Cat. , Agr., 130, 111.
200
Os Materiais
445
Plin., Nat., XXXVI, 89. O labirinto foi construído por Psamético que reinou no Egipto
a partir de 664 a. C. .
446
Theophr. , C P , V, 15, 4.
447
Mitridates VI (1 20-63 a. C.), rei do Ponto e principal inimigo de Roma no séc. I a. C ..
448
Gel., XV, I, 4.
447
Plin., Nat., Xlll, 99.
450
Plin. , Nat. Xlll, 57.
201
Livro Segundo
ser exposta. Quando for trazida para fora, deve evitar-se arrastá-la pelo orva-
lho, a fim de a não teres de aplainar ou cortar à serra estando ela orvalhada,
ou coberta de geada, ou não inteiramente seca 451 •
CAPÍTULO VI
Parece que Teofrasto era de optmao que a madeira não está bem seca
em menos de três anos, sobretudo para fazer traves e portas 452 • Para a cons-
trução dos edificios, pensam que as melhores são as seguintes árvores: a azi-
nheira, o carvalho, o sobreiro, o ésculo, o choupo, a tília, o salgueiro, o
álamo, o freixo, o pinheiro, o cipreste, o zambujeiro, a oliveira, o casta-
nheiro, o lariço, o buxo, o cedro, e ainda o ébano e a videira. Mas, como
variada é a natureza de cada uma delas, variadas são as utilizações para que
se recomendam: porque umas são melhores que outras para estarem ao ar
livre, outras conservam-se melhor em lugar resguardado; umas resplandecem
ao ar, outras endurecem dentro de água e, quando enterradas, duram para
sempre. Por isso umas são mais resistentes para fazer lastros, ombreiras,
esculturas e obras de interior, outras próprias para vigas, traves, e ainda
outras para sustentar pavimentos de terraços e fazer as coberturas.
E nomeadamente o álamo, sendo muito resistente à humidade, é supe-
rior a todas para a construção de alicerces sobre estacas nos terrenos alaga-
dos e pantanosos: ao ar e ao sol dura pouco 453 • Pelo contrário o ésculo não
resiste à humidade. O olmeiro torna-se compacto ao ar e a descoberto; em
outro ambiente racha e não resiste. Os pinheiros, se forem inteiramente
cobertos de terra, são eternos. Mas o carvalho, porque é espesso, nodoso,
compacto, e dotado de pequeníssimos poros, refractário à humidade, é mui-
tíssimo indicado para as estruturas que ficam debaixo de terra 454 ; e sobre-
tudo será aproveitado para sustentar pesos; dará de facto uma potentíssima
coluna. No entanto, embora a natureza o tenha dotado de tanta dureza que
45 1
Cat., Agr., 31 , 2.
452
Theophr. , H. P , V, 3, 5.
453
Vitrúvio (II, 9, 10) recomenda o álamo para as fundações em estacaria das construções,
pois, ao deixar penetrar a água, permanece inalterável e sustenta as cargas das estruturas
mais maciças.
454
Já Vitrúvio (II , 9, 8) relata que o carvalho apresenta uma duração quase ilimitada
quando enterrado no subsolo.
202
Os Materiais
455
Utensílio de carpintaria para abrir furos circulares em peças de madeira de grande espes-
sura.
456
Th eophr., H. P , V, 6, I. O nome correcto para Andro, cidade marítima da Ásia Menor,
é Antandro.
457
As propriedades do abeto são apresentadas já em Vitrúvio (II, 9, 6).
458
Sobre as propriedades e a etimologia do amomo, uma planta aromática nativa de regiões
intertropicais, veja-se Garcia de Orta (1891 , pp. 59-64 ).
459
Teofrasto (H. P , IX, 7, 2) não se pronuncia quanto à sua durabilidade e não dá como
certa a sua origem na Média ou na Índia, enquanto Plínio-o-Antigo (Nat., XII , 28) men-
ciona-a como um dispendioso unguento para o cabelo.
203
Livro Segundo
460
PI. , Lg., V, 741c.
461
Trata-se de uma das poucas referências autobiográficas de Alberti que permite estabele-
cer um terminus post quem do seu tratado. Com efeito, Eugénio IV encomendou as por~
tas da antiga Basílica de São Pedro a Filarete em 1439, tendo sido estas completadas em
. 1445.
462
Árvore resinosa, também conhecida por espurce, nativa das regiões frias do hemisfério
norte, e muito semelhante ao abeto.
463
A observação e o estudo dos edificios da Antiguidade não são, para A1berti, uma ques-
tão de erudição, mas de aprendizado sobre o acto de construir, como sucede com o
fórum a que se refere, provavelmente o de Aquileia, fundado em 181 a. C. e destruído
por Átila em 452 d. C. . Cf. Portoghesi, 1966, p. 124, n. I.
204
Os Materiais
4
64 Plin., Nat., XVI, 223.
465
Vitrúvio, II, 9, 9.
466
Cf. Plin, Nat., XVI, 218.
205
Livro Segundo
Dizem também que a azinheira se corta muito bem. São impróprias para
fazer traves, a nogueira, porque facilmente abre fendas, o olmeiro e o freixo
porque, embora sendo flexíveis, também abrem fendas. Dizem porém que o
freixo é a mais maleável de todas para ser trabalhada. Mas é para mim
motivo de espanto que a nogueira não seja elogiada nos conselhos dos anti-
gos, quando de facto ela é extremamente flexível e fácil de manejar, como
se pode verificar.
Louvam a amoreira, tanto porque dura muito, como porque escurece
com o tempo, tomando-se mais agradável. Teofrasto recorda que os ricos
costumavam mandar fazer portas de lódão, de azinheira ou de buxo 467 • Con-
sideram o olmeiro, que se mantém perfeitamente rígido, útil para as ombrei-
ras das portas; mas dizem que se deve inverter a sua posição, de maneira
que fique a raiz para cima e o cimo para baixo. Catão diz que as trancas se
devem fazer de azevinho, loureiro ou olmeiro. Recomendam o comizo para
as cavilhas 468 . Faziam os degraus das escadas com freixo e bordo. Para fazer
condutas de água perfurava-se um tronco de pinheiro, de pícea, de olmeiro;
mas garantem que estes envelhecem muito depressa se não forem cobertos
de terra.
Para ornamentar os edificios estavam certos de que o lariço fêmea, que
é da cor do mel dura indefinidamente quando é utilizado em placas de pin-
tura e jamais abre fendas; a palmeira, porque não tem veios no sentido do
comprimento, mas sim transversalmente, era por isso mesmo utilizada para
fazer estátuas dos deuses. Também usavam lódão, buxo, cedro e ainda
cipreste e a raiz mais grossa das oliveiras, e pessegueiro egípcio, que dizem
ser parecido com o lódão. Se era necessário bolear alguma coisa ao tomo,
usavam faia, amoreira, terebinto 469 e principalmente buxo, a mais compacta
de todas as madeiras e a mais afeiçoável ao tomo, e ébano que de todas é a
mais fina.
Para fazer estátuas e quadros recorriam ao choupo branco e também ao
negro, ao salgueiro, ao bordo, à sorveira, ao sabugueiro e à figueira; estas
árvores, secas e uniformes, por um lado são aptas para receber e agarrar os
aglutinantes e os pigmentos aplicados pelos pintores, por outro lado são
extremamente maleáveis e flexíveis para modelar formas. Todos sabemos
que entre elas a mais macia de todas é a tília. Mas há quem recomende a
jujuba para fazer estátuas.
467
Theophr. , H. P , V, 5, 6.
468
Cat., Agr., 31 , I.
469
Árvore nativa do Mediterrâneo cujo caule, por excisão, exsuda uma resina transparente
e aromática conhecida como terebentina.
206
Os Materiais
CAPÍTULO VII
Mas para resumir tudo o que foi dito, em todos os autores consta que
as árvores infecundas são mais robustas do que as férteis, e que as silvestres
e não cultivadas pela mão do homem e pelos instrumentos de corte são mais
resistentes que as domésticas. Com efeito, segundo Teofrasto, as árvores sil-
vestres não são atingidas por doenças de que venham a morrer 472 ; ao passo
que, segundo dizem, as domésticas e principalmente as frutíferas estão sujei-
tas às mais graves doenças. E afirmam que entre as férteis, as temporãs são
mais fracas do que as serôdias, e as doces que as amargas. E entre as que
dão frutos amargos e ásperos, consideram mais robustas as que os produzem
mais azedos e em menor quantidade. As que produzem de dois em dois
anos, bem como as que são absolutamente estéreis, são mais nodosas do que
as férteis. E entre estas, quanto mais pequenas, tanto mais difíceis são de
trabalhar. E as estéreis crescem mais que as férteis.
470
"Na botânica dos Antigos, as madeiras quentes, são designadas de terrosas (fortemente
duraminizadas), e as frias, de aquosas (com textura branda e esponjosa)" (Caye-Choay,
2004, p. 115, n. 112). Cf. S. Amigues in Teofrasto, Recherche sur les plantes, Paris, Les
Belles Lettres: t. I, 1988, I, p. 83, n. 9; t. lll, 1993, V, pp. 68-69, n. 8.
47 1
Vitrúvio, VII, 1, 2.
472
Theoph1~, H. P , IV, 14, l.
207
Livro Segundo
473
Plin., Nat. , XXVI, 196.
474
Var., R.., I, 41 , 4.
475
Cf. Pseudo-Aristóte1es, De plantis, I, 9, 1.
476
Parte nova e periférica do lenho das árvores, por onde circula a seiva bruta, de consis-
tência mole e de cor esbranquiçada.
208
Os Materiais
CAPÍTULO VIII
477
Plin., Nat., XIV, 9. Populónia, antiga cidade etrusca, próxima de Piombino na costa da
Toscana, em frente à ilha de Elba.
478
Strab., II, l, 14.
479
Antiga cidade do Norte de África, situada a noroeste de Cartago, que tomou o partido
de Roma na 3.• guerra púnica, e se tomou a capital da província romana de África.
480
Referência ao templo de Diana em Sagunto na Hispânia. Cf. Plin. , Nat. , XVI, 216.
48 1
Lago situado na região do Languedoque-Rossilhão.
209
Livro Segundo
482
Lucr., V, 455-457.
483
Cf. Vitrúvio, II, 7, 5 e Plin., Nat., XXXVI, 170.
210
Os Materiais
lhar ao sal, tanto mais dificil será de usar. A pedra salpicada de grãos de
areia brilhantes é dura; se pelo meio reluzem grãos dourados, é obstinada 484 ;
se abunda em pontos negros, é, por assim dizer, indomável. A pedra salpi-
cada de gotas poligonais será mais resistente do que aquela que é salpicada
de formas arredondadas: e quanto mais pequenas forem essas manchas, tanto
mais resistente será a pedra; e quanto mais limpa e pura for a cor de cada
uma, tanto mais duradoura; e quanto menos veios houver numa pedra, tanto
mais perfeita. E quanto mais os veios estiverem em consonância com a
pedra na continuidade da cor, tanto mais uniforme será; e quanto mais
ténues forem os veios, tanto mais impertinente será a pedra; e quanto 'mais
em círculo e às voltas forem os veios, tanto mais austera será a pedra; e
quanto mais nodosos forem aqueles, tanto mais severa será esta. Dos veios,
o mais fixo de todos é aquele que tiver uma linha contínua de vermelhão ou
de ocre em decomposição; próximo destes é aquele que for salpicado de
uma cor herbácea, diluída e esbranquiçada; o mais dificil de todos é o que
se assemelha ao gelo, ao azulado principalmente. Muitos veios são indício
de uma pedra inconsistente e pouco firme; e quanto mais direitos forem,
tanto menos fiáveis.
A pedra será tanto mais compacta, quanto apresentar uma aresta mais
aguçada e mais lisa, ao ser partida em fragmentos; e a que apresentar uma
superficie menos rugosa, quando se parte, será mais fácil de trabalhar do
que a rugosa. Mas as rugosas, quanto mais claras forem, tanto mais moldá-
veis serão. E, pelo contrário, a pedra mais escura resistirá melhor ao corte
do ferro nos pontos em que apresentar uma fiada mais miúda. Uma pedra
ordinária será tanto mais dura quanto mais porosa; e a que, aspergida com
água na parte superior, demorar mais tempo a secar, será mais bruta. E uma
pedra pesada será mais sólida e mais fácil de polir do que a leve; e a mais
leve é mais friável do que a pesada; e a que ressoa, quando se bate, é mais
compacta do que a que não ressoa; e aquela que, friccionada fortemente,
cheira a enxofre, é mais dura do que aquela que não produz cheiro; e, final-
mente, quanto mais resistente for ao cinzel, é tanto mais rija e firme contra
os desafios das tempestades.
Considera-se mais sólida a pedra que, despedaçada pela intempérie à
boca da pedreira, se conserva em blocos maiores. De igual modo, quase toda
a pedra, quando se extrai do solo, é menos dura do que quando é obtida ao
4
M Às propriedades das pedras, Alberti atribui acções ou sentimentos próprios aos seres
humanos, como sendo obstinadas, pertinazes, indomáveis, impertinentes, de mau humor,
austeras, severas etc.. Este recurso metafórico, que transporta carecterísticas próprias dos
seres humanos para objectos inanimados, perpassa o tratado.
211
j
Livro Segundo
CAPÍTULO IX
485
Lago da Etrúria, antigamente designado por Volsínios, a oeste do qual se encontra o ter-
ritório estratonense. Cf. Vitrúvio (II, 7, 3).
486
Referência a um tufo designado de nenfro pelos etruscos. Cf. Plin., Nat., XXXVI, 168,
e Vitrúvio, II, 7, 3.
487
Tac. , Ann., XV, 43.
488
A região de Gábios, actualmente designada por Castiglioni, situa-se entre Roma e Pes-
trina e a de Alba é hoje conhecida por Albano.
489
Tipo de rocha vulcânica existente nos arredores de Roma.
490
O autor refere-se à pedra-sabão, uma variedade de talco branco e compacto contendo,
normalmente, impurezas associadas. Cf. Vitrúvio, II, 1-2.
212
Os Materiais
e, aliás, se não fosse por natureza fraca e frágil, superaria todas as outras
nas construções. Mas quebra com a geada, o gelo e a chuva, e é pouquís-
simo resistente aos ventos marítimos.
Na Ístria 491 há uma pedra parecida com o mármore. Mas essa, em con-
tacto com o calor e com as chamas, logo abre fendas e se despedaça; dizem
que isso mesmo acontece a qualquer pedra que seja dura, sobretudo ao sílex
branco e também ao negro, que de modo nenhum suporta o calor.
Na Campânia existe uma pedra muito parecida com cinza escura, na
qual parece haver fragmentos de carvão misturados e incrustados. É mais
leve do que se pode calcular e consegue-se alisar com um instrumento de
ferro, é muito tenaz e sólida, e não deixa se ser resistente ao fogo e às
intempéries, mas é de tal modo seca e ávida de água que de imediato
absorve e suga a humidade do cimento: deixará a massa, ressequida e sem
humidade, reduzida a pó. Daí se segue que, em breve tempo, a obra desa-
gregando-se as juntas, por si mesmo desmorona e desaba. Oposta a esta por
natureza é a pedra redonda, sobretudo os seixos dos rios: com efeito,
estando sempre húmidos, não aderem ao cimento.
Que dizer ao facto de se ter descoberto que os mármores estão em cres-
cimento dentro das pedreiras? Recentemente, descobriu-se em Roma que os
fragmentos de uma pedra esponjosa de Tíbur cresceu debaixo do solo,
nutrida, por assim dizer, pelo tempo e pela terra, até se tomar uma pedra
maciça 492 • Do lago de Riéti, no lugar em que a água, transbordando por uma
cascata alcantilada, se precipita no rio Nare, vê-se que o lado mais elevado
da margem tem crescido, a ponto de alguns tirarem daqui a prova de que o
vale, fechando-se nas embocaduras, devido ao aumento e crescimento da
rocha, deu origem ao lago. Na Lucânia, não longe do rio Sele 493 , no sítio
onde as águas, brotando do alto das rochas, correm para oriente, vêem-se
crescer dia a dia enormes aglomerados de rochas suspensas, de um tal tama-
nho que a carga de cada uma delas é equivalente a muitos carros. Essa
pedra, recente e húmida de um fluído matricial, é ainda muito tenra; mas,
quando seca, toma-se duríssima e adequadíssima a todas as utilizações.
O mesmo verifiquei acontecer em alguns aquedutos antigos 494 , de tal sorte
491
Região da Eslovénia e, principalmente, da Croácia, situada no Adriático face a Veneza.
492
Trata-se de uma rocha sedimentar, de natureza calcária, originária das pedreiras de
Tíbur, igualmente conhecida por "pedra de Tivoli".
493
Rio que desemboca no golfo de Salerno no mar Tirreno.
494
Alguns autores atribuem a Alberti a restauração do aqueduto da fonte de Trevi em
Roma, mas não existem fontes documentais que comprovem esta hipótese (cf. Tavernor,
1998, p. 15).
213
Livro Segundo
que os lados das condutas ficam encrostados por uma espécie de concreção
rochosa. Na Gália ainda hoje se podem presenciar dois fenómenos dignos de
nota. Com efeito, existe no território Come li ano 495 uma arriba muito alta de
uma torrente, da qual, a cada passo, vêm à luz do dia, em vários lugares,
pedras redondas, enormes e numerosas, concebidas nas mais fundas entra-
nhas da terra. No território de Faenza, nas margens do rio Lamone existem
umas pedras enormes, de forma alongada, que dia a dia produzem uma
quantidade de sal não pequena, que com o tempo se transforma em pedra.
Na Toscana, em território de Florença, há um terreno junto do rio Quiana,
onde, de sete em sete anos, umas pedras muito duras se transformam em
torrões de terra, ao serem regadas em abundância. Plínio 496 refere que, em
Cízico e em Cassandreia 497 , os torrões se transformam em pedras. Na região
do Pozzuoli, abunda um pó que endurece com a água do mar e se toma
pedra 498 • Em todo o litoral, desde Oropo até Áulide 499 , dizem que tudo o que
é atingido pelo mar se transforma em pedra e forma um aglomerado. Dio-
doro 500 diz que na Arábia existem uns torrões que cheiram bem quando se
cava a terra e que, fundidos ao lume, como se fossem metais, se convertem
em pedra; acrescenta, ainda, que estas pedras são de tal natureza que,
quando sobre elas caem as pingas da chuva, se liquefazem nos pontos de
contacto, formando um só bloco, unido em toda a extensão do muro. Dizem
também que na Tróade, na Ásia 501 , se extrai a pedra sarcófago, que está
aglomerada por um veio fácil de cortar; afirmam que os corpos depositados
nesta pedra são absorvidos totalmente, à excepção dos dentes, antes do qua-
dragésimo dia; e, o que é mais espantoso, dizem que o vestuário, o calçado
etc., lá introduzidos com os corpos, se convertem em pedra. O oposto desta
é a pedra quemite 502 , na qual dizem que Dario foi sepultado: esta conserva
os corpos absolutamente intactos. Mas sobre esta matéria já basta o que
foi dito.
495
Provavelmente situado na Gália Cisalpina e não na costa Africana. Cf. Rykwert et a/li,
1988, p. 375, n. 109.
496
Plin., Nat. , XXXVI, 125.
497
Cízico é uma cidade mísia situada na Ásia Menor e Cassandreia uma cidade macedónia.
49
H Esta pozolana, composta por areia e pó vulcânico, é a base para a fabricação do cimento
romano. Cf. Plin., Nat., XXXV, 166, e Vitrúvio, II, 6, I.
499
Oropo é uma cidade localizada entre a Ática e a Beócia e Áulide um porto de mar
situado na Beócia.
500
De acordo com Diodoro Sículo (II, 49, 5) é a água da chuva, que flui entre as juntas, e
não o fogo que assegura a solidez do material.
50 1
Região montanhosa da Ásia Menor dominada pelo maciço de Ida e banhada em três
lados pelo mar. Supõe-se que estivesse, na Antiguidade, sob domínio troiano.
502
Espécie de tufo calcáreo. Cf. Plin. , Nat., XXXVI, 132.
214
Os Materiais
CAPÍTULO X
503
Plin. , Nat., XXXV, 169 e Vitrúvio, II, 3, 1.
504
Espécie de argila saibrosa e compacta. Em mineralogia antiga o termo "macho" refere-
-se a terras duras e compactadas, enquanto "fêmea" a moles e friáveis (cf. Callebat,
1973, pp. 52-53, n. 3). Vitrúvio (II, 3, 1; VIII, 1, 2) refere-se a sabulo masculus (saibro
másculo) ao descrever a confecção de tijolos crus e as características geológicas dos ter-
renos, a que contrapõe sabulo salutus (barro arenoso).
215
Livro Segundo
seca, pois nesses casos o vidro seria absorvido; devem antes ser fabricados
de terra esbranquiçada, argilosa e húmida; e devem fazer-se delgados, pois,
sendo grossos, tornam-se dificeis de cozer e não escapam imunes às fissuras.
Mas, se for necessário fazê-los mais grossos, prevenir-se-á esse inconve-
niente em grande parte, fazendo orificios com urna vareta, a fim de que pos-
sam secar e cozer mais facilmente, exalando a humidade e o calor por esta
espécie de respiradores. Os oleiros aplicam às suas peças urna camada de
greda branca, que faz com que o vidrado escorra uniformemente por toda a
superficie. Isso também é importante para o fabrico de tijolos.
216
Os Materiais
crosta sólida, tal como sucedem com os pães. Será, pois, conveniente fazê-
-los finos, a fim de que haja mais crosta e menos miolo. E com isto se pode
comprovar que, se forem limpos e bem alisados, resistirão ilesos às intem-
péries. Isso mesmo se passará com qualquer tipo de pedra: estando limpas,
não se deixam corroer pela lepra.
Pensa-se que os tijolos devem ser limpos mal sejam tirados do fomo,
antes de se molharem, ou, se estão húmidos, antes de secarem. Na verdade
o tijolo, uma vez molhado, quando volta a secar endurece tanto que embota
e desgasta o gume do ferro. Pela nossa parte, raspamos o tijolo mal seja
modelado e ainda fresco: é o melhor.
Entre os antigos havia três tipos de tijolos: um com pé e meio de com-
primento e um pé de largura; outro com cinco palmos, tanto de comprido
como de largo; e ainda outro com não mais de quatro palmos 505 . Nos edifí-
cios vêem-se tijolos cozidos, de dois pés de comprido e de largo, sobretudo
nos arcos e nas juntas.
Dizem que os antigos não usavam indiferentemente do mesmo tipo de
tijolos para as construções públicas que para as construções privadas: pelo
contrário, usavam dos de maior tamanho na construção dos edifícios públi-
cos e dos de menor na das privadas. Sobre esta questão, dei conta de
que nos monumentos da antiguidade, na Via Ápia e em outros lugares, se
505
Dado que o pé romano corresponde a cerca de 29,6 cm, o palmo a 7,39 cm e o dedo
a 1,85 cm, as medidas dos tijolos são equivalentes, respectiva e aproximadamente, a
44,4 cm por 29,6 cm, a 36,95 cm por 36,95 cm e igual ou menor a 29,56 cm.
217
Livro Segundo
506
O autor não seguiu estas recomendações nas suas obras, possivelmente devido às diver-
sificadas tradições locais na manufactura de tijolos. Cf. Rykwert et alli, 1988, p. 375,
n. 123.
218
Os Materiais
CAPÍTULO XI
507
Cat., Agr., 38, 2. Referência a Marcus Porcius Cato, designado nas restantes partes do
tratado por Catão.
508
Cf. Vitrúvio, II, 5, 3.
509
Provavelmente trata-se de leucite, um silicato de potássio e alumínio que se encontra em
rochas alcalinas, especialmente nas vulcânicas, abundante na região de Roma e utilizado
para pavimentar estradas. Cf. Plin., Nat., XXXVI, 169.
510
Plin. , Nat., XXXVI, 174.
219
Livro Segundo
mistura de grãos de sal, que é mais compacta e mms fina quando alisada
com um cinzel, resulta perfeitamente.
Mas a pedra destinada a fazer cal, seja ela qual for, é melhor sendo
arrancada do solo do que apanhada à superficie; melhor se for extraída de
uma pedreira sombria e húmida, do que de uma ressequida; a cal é mais
maleável se for feita a partir de pedra branca, do que de pedra escura.
Nas Gálias, na região marítima dos Éduos 5 11 , onde há falta de pedra,
faz-se cal com ostras e conchas. O gesso também é uma espécie de cal: pois
também ele é feito de pedra cozida, embora haja referências a que em Chi-
pre e em Tebas se extrai gesso, completamente cozido pelo sol, da camada
superior do solo. Mas Y pedra do gesso distingue-se da pedra da cal, por ser
muito mole, friável, excepto uma espécie que se extrai na Síria - pois essa
é realmente muito dura. Distinguem-se ainda porque a pedra do gesso coze-
-se em não mais que vinte horas, ao passo que a pedra da cal em não menos
que sessenta horas. Dei-me conta de que em Itália há quatro espécies de
gesso: duas transparentes e duas opacas. Das transparentes, uma assemelha-
-se a pedaços de pedra-ume 512 , ou antes, ao alabastro: a esta chamam esca-
mosa, porque é formada por uma espécie de escamas finíssimas, unidas
umas às outras e comprimidas em camadas 513 ; a outra também é escamosa,
mas é mais parecida com o sal escuro, do que com a pedra-ume. Das opa-
cas, ambas as variedades imitam a argila densa e compacta; mas uma é
esbranquiçada e descolorida, ao passo que a outra é cor ruiva pálida. Estas
são mais densas que as primeiras e a arruivada mais viscosa. Entre as pri-
meiras, a mais limpa proporciona, nos acabamentos com estuque, figuras em
relevo e comijas mais brancas e refulgentes. Em Rimini 514 encontra-se um
gesso tão compacto que se diria ser mármore ou alabastro: deste mandei
cortar, como uma serra dentada, placas muitíssimo boas para revestimentos.
Para nada omitir, acrescento que o gesso, de qualquer espécie, deve ser tri-
turado e esmagado com martelos de madeira até se fazer em pó, conservado
em lugar sequíssimo, tirado de lá no momento em que vai ser utilizado,
rapidamente regado com água e aplicado à obra sem demora.
Com a cal faz-se o contrário: não deve ser molhada depois de partida,
mas inteira; e muito antes de ser aplicada, sobretudo nos revestimentos, con-
vém amassá-la com água em abundância para que, no caso de algum pedaço
5 11
Note-se que o território dos Éduos não tem acesso ao mar.
512
O m.q. alúmen.
513
Cf. Plin., Nat., XXXVI, 160 e 182-183.
514
Provável referência ao templo Malatestiano em Rimini, onde trabalhou a partir de 1454,
o que sugere também um terminus post quem para a elaboração do tratado.
220
Os Materiais
5 15
O autor refere-se a vestígios fósseis encontrados neste tipo de material pétreo.
221
Livro Segundo
5 16
A figura do relato ilustrativo é introduzida para fundamentar o discurso disciplinar.
517
Papa de 1417 a 1431.
222
Os Materiais
CAPÍTULO XII
518
Catão-o-Censor (Agr., 38, l-4, também descreve, de forma semelhante, a construção do
fomo e o processo de produção da cal.
5 19
Variedade de pozolana formada por areia vulcânica avermelhada. Cf. Vitrúvio (II, 4, 3)
e Plínio-o-Antigo (Nat., XVII, 29; XXXVII, 92).
520
O tufo é uma rocha piroclástica esponjosa constituída por materiais finos lançados pelas
erupções vulcânicas, como se verificou na erupção do Vesúvio em 79 d. C., que sepul-
tou Pompeios e Herculano.
521
Habitantes da região situada nos Apeninos, entre os rios Tibre e Amo.
223
Livro Segundo
em leitos mais alcantilados. Em último lugar vem a areia que se tira do mar;
das marítimas, não é inteiramente desprezada aquela que é negra e vítrea.
Entre os Picentes, na região de Salemo, não se considera a areia do mar
inferior à de jazida; mas não se admite que seja extraída de qualquer praia
da região: com defeito, têm por adquirido que, nas praias expostas ao vento
sul 522 , a areia é a pior de todas, ao passo que as praias voltadas para o vento
de África 523 produzem uma areia que não é muito má. Mas, das areias marí-
timas, é sabido que a melhor é aquela que se acumula junto dos rochedos e
que é de grão mais grosso.
Na verdade, as areias apresentam características que as distinguem entre
si. Pois a areia marinha tem dificuldade em secar e, sendo dissolúvel por
causa da salsugem, fica húmida e a escorrer água continuamente, e por isso
aguenta mal o peso e nunca com absoluta segurança. A areia fluvial também
é mais húmida do que a de jazida, e por tal razão é mais maleável e própria
para revestimentos. A areia de jazida, por causa da gordura que contém, é
mais consistente, mas abre fendas; por esse motivo reservam-se para as abó-
badas, mas não para revestimentos.
A areia melhor, dentro da sua espécie, será aquela que ranger quando é
esfregada e apertada fortemente na mão, e a que não deixar manchas nem
resíduos de terra quando é apanhada para um tecido branco. Inversamente,
será areia não boa aquela que, sendo por si mesma suave e sem qualquer
tipo de aspereza, na cor e no cheiro parecer lodo, ou a que, sendo mexida
dentro de água, a tomar muito turva e lamacenta, ou a que, sendo abando-
nada no chão, imediatamente criar ervas; e será não boa a que, trazida há
muito tempo, ficar prolongadamente ao ar livre, ao sol, ao luar e à geada:
porque se toma terrosa e se desfaz em pó, sendo tão boa para produzir
arbustos e figueiras bravas, como fraquíssima para sustentar uma estrutura 524 •
Quanto à madeira, à pedra e à cal expusemos o que é recomendado
pelos antigos. Mas nem em todos os lugares nos será dado encontrar os
materiais adequados e prontos a ser preparados para a construção segundo o
nosso propósito. Dizia Cícero que a Ásia tinha desde sempre sido flores-
cente em edificios e estátuas notáveis, devido à abundância de mármore.
Mas mármore não se poderá encontrar em todos os lugares: em certas
regiões não há pedra ou, se há, é inadequada para qualquer uso 525 . Em toda
522
Austro.
523
Vento sudoeste.
524 Cf. Vitrúvio, II, 4, l-3.
525
A inexistência de pedreiras na região de Mântua condicionou a construção das obras de
Alberti nesta cidade, que foram edificadas em tijolo.
224
Os Materiais
CAPÍTULO XIII
Feita a preparação dos materiais que temos vindo a considerar, madeira,
pedra, cal, areia, é agora o momento de tratar do método e do modo de
construir um edificio. Na verdade, para arranjar ferro, bronze, chumbo, vidro
e outros materiais, não há necessidade de mais. empenho do que comprá-los
526
Cf. Plin., Nat., XXXV, 182.
527
Povo da Cítia, hoje Ucrânia. Cf. Hdt., IV, 108, I.
528
Achados arqueológicos têm mostrado que, nesta região, havia fortalezas edificadas em
madeira. Heródoto (IV, I 08, 1-2) chega a citar a cidade de Gelono, com uma muralha
circundante de trinta estádios, mas que, no entanto, tem sido impossível localizá-la.
529
Mela , II, 1, 15.
530
Povo da Cítia europeia.
531
Diod. Sic., III, 19.
225
Livro Segundo
532
Nesta metáfora, Alberti sugere que a elaboração do tratado seja construtível: começando
pelos alicerces e terminando na sua ornamentação, a ser desenvolvida a partir do Livro
VI, à semelhança de João de Barros ( 1988b, Década II, Prólogo, p. XIII), que propõe
uma metáfora edificatória para construir a sua principal obra literária, onde a primeira
década da Ásia corresponde aos alicerces para que o resto não se arruíne.
533
Frontino (Aq ., II, 123) sugere que a reparação dos aquedutos de Roma se processe, com
a maior rapidez possível, durante a Primavera e o Outono, mas não no Verão, quando é
mais necessário o abastecimento de água à cidade, o que coincidia, no tempo propício
para a agricultura, com a escassez sazonal de mão-de-obra para a construção. Cf.
Rykwert et alii (1988, p. 376, n. 153).
534
Astrólogo romano amigo de Cícero.
535
Cic., Di v., II, 98 .
226
Os Materiais
refere Júlio Fírmico Matemo 536 , houve alguns que, a partir da observação
dos acontecimentos, chegaram à descoberta do nascimento do mundo, e
sobre essa matéria escreveram com todo o pormenor. Esculápio e Anúbis, e
na sua peugada Petosíris e Nicepso 537 , afirmam que esse nascimento foi
assim: quando o Caranguejo surgia no horizonte, a Lua estava no meio, o
Sol em Leão, Saturno em Capricórnio, Júpiter em Sagitário, Marte em
Escorpião, Vénus em Libra, Mercúrio em Virgem 538 •
E na verdade o tempo, se a nossa interpretação está certa, tem uma
enorme influência na maior parte dos acontecimentos. Pois que significado
pode ter o facto de - como é voz corrente - o poejo seco florescer no sols-
tício de Inverno, as vesículas inchadas rebentarem, as folhas dos salgueiros
se converterem em grãos de Romã e girarem em redor, e no figado dos ratos
as fibras se adaptarem em número, dia a dia, para corresponderem ao
número dos dias da Lua?
Eu, pela minha parte, embora não dê tanto crédito aos que professam
tal doutrina e se dedicam à observação dos sinais dos tempos, a ponto de
considerar que, com as suas artes, possam determinar o destino infalível das
coisas, no entanto não sou de opinião que se devam ignorar, quando argu-
mentam, baseando-se nas advertências do céu, que alguns desses tempos,
estabelecidos com precisão, desempenham uma influência importantíssima
em ambos os sentidos. Em todo o caso, seja como for, penso que se devem
seguir os seus conselhos: se são verdadeiros, grande será o proveito; se
forem falsos, daí não resultará mal nenhum 539 •
Acrescentarei aqui algumas medidas burlescas, que os antigos tiveram
por louváveis no início dos seus empreendimentos; mas não gostaria que
fossem interpretadas de forma diferente do que são na realidade. E, na ver-
dade, fazem-nos rir aqueles que ordenaram que todas as coisas, e particular-
mente o traçado da área, fossem iniciadas sob bons auspícios. Os antigos
eram de tal maneira dados a estas superstições que tinham a preocupação de
que o primeiro soldado a ser inscrito no recenseamento não tivesse, sob
nenhum aspecto, um nome nefasto. E, na cerimónia de purificação de uma
colónia ou do exército, escolhiam os de bons nomes para conduzirem as
536
Astrólogo romano contemporâneo de Constantino, o Grande, autor da obra Matheseos
libri octo.
537
Petosíris e Nicepso foram astrólogos egípcios.
538
Para um levantamento actualizado das relações de Alberti com a astrologia veja-se
Cardini (2007).
539
Tanto nos escritos sobre arte como na sua obra literária Alberti pondera, face às incerte-
zas do destino, a dualidade entre fatum e fortuna.
227
Livro Segundo
54
° Cat., Agr., 160.
541
Cf. Plin., Nat., XIX, 120.
542
Verg., Ecl., III, 60: Ab !ove principium, Musae; lovis omnia plena. Esta citação de Vir-
gílio, que se refere à lei imanente do cosmos, à anima mundi (alma do mundo), sugere
que Alberti está plenamente consciente da dimensão literária do seu texto, sublinhada
por uma licença poética, sob a forma de apócope, na transcrição daquela frase que prin-
cipia por A !ove [... ]. Assim, o tratado não só estabelece o ordenamento da arte edifica-
tória, como celebra, com harmonia, a sistematização de práticas, saberes e conceitos
desta arte.
543
De acordo com Balbus (1487, p. 589) a palavra sacrificium identifica-se com a consa-
gração da missa e é nesse sentido que é utilizada por Alberti, para se contrapor a todas
aquelas "opiniões e superstições sem fundamento".
228
Os Materiais
544
Cf. Alberti, I libri de/la famiglia, ll, p. 181 .
229
LEON BATTISTA ALBERTI
COMEÇA O LIVRO TERCEIRO: A CONSTRUÇÃO
CAPÍTULO I
T
odo o saber da construção de uma obra consiste e resume-se apenas
no seguinte: dispor os materiais ordenadamente e ligá-los entre si
com perícia, sejam eles pedras aparelhadas, argamassa, madeira ou
qualquer outro, e obter, a partir deles, tanto quanto é possível, uma estrutura
inteira e coesa. Diz-se que é inteiro e coeso tudo aquilo cujas partes não
sejam fragmentadas e desconexas, nem colocadas fora do seu lugar, mas se
sucedam em coesão e harmonia em toda a extensão das suas linhas.
Na estrutura é, pois, necessário ponderar quais são as partes fundamen-
tais, e quais as linhas e o encadeamento de cada uma das partes. Não é difí-
cil saber quais são as partes de que se compõe a estrutura: a mais alta e a
mais baixa, a da direita e a da esquerda, a mais próxima e a mais distante,
e as que se situam no meio destes extremos, são de per si evidentes; mas
nem todos compreendem o que é específico de cada uma delas, e o que as
distingue umas das outras.
Pôr de pé uma construção não é, como julgam os ignorantes na maté-
ria, colocar pedra sobre pedra, argamassa em cima de argamassa; pelo con-
trário, como as partes são diferentes umas das outras, cada uma necessita de
materiais e procedimentos diferentes. De um modo se devem tratar os ali-
cerces, de outro os ligamentos, de outro as cornijas, de outro os ângulos e
os lábios das aberturas 545 , de outro as camadas da pele, de outro o enchi-
545
A expressão apertionum fabris (lábios das aberturas), é utilizada em conformidade com
a relação edificio-corpo, que pode ser entendida como sinónimo de rebordos das abertu-
ras, i.e. como guarnições formadas pelo conjunto de peças que rematam as testas de um
vão de porta ou de janela, geralmente constituídas pelas soleira ou peitoril, ombreiras e
verga ou lintel.
231
Livro Terceiro
546
O edificado é assimilado a um organismo vivo: "ossos", "nervos", "ligamentos", "pele",
"lábios", etc .. Tanto quanto possível procurou-se manter a relação edificio-corpo, assu-
mida pelo autor ao longo do tratado.
547
Referência às plataformas calcárias que afloram nos arredores da antiga cidade etrusca
de Veios, actual Isola Famese, na Toscana, famosa pela sua estatuária. Cf. Plin., Nat.,
XXXV, 157 . .
232
A Construção
CAPÍTULO II
548
Estas dimensões correspondem a um esquadro perfeito, citado por Vitrúvio (IX, Pref.,
6-7), sem que seja indicada alguma prova documental para se atribuir a descoberta deste
caso a Pitágoras.
549
Estes objectivos revelam uma abordagem não demolidora em relação às obras edifica-
das, tanto no que se refere à sua durabilidade como à sua conservação, em contraste
com a prática edificatória do Quattrocento, que se apropriava dos vestígios da Roma
imperial para, mais facilmente, se resgatarem materiais pétreos e se fabricar a cal para
as novas construções.
550
Ou raquetes para a neve.
551
Este passo tem sido interpretado como se Alberti fosse incapaz de projectar uma estru-
tura construtiva, na medida em que não fornece indicações dimensionais precisas para o
cálculo das fundações (cf. Betts, 1993, p. 8, n. 13), o que pode ser considerado extem-
233
Livro Terceiro
234
A Construção
558
Na Descriptio urbis Romae, Alberti utiliza a platafonna elevada do Capitólio para pro-
ceder ao levantamento da cidade e dos seus monumentos por meio de coordenadas pola-
res. Cf. ed. de M. Fumo - M. Carpo, 2000.
559
Uma única vez é utilizado o substantivo aedificator, à semelhança de Cícero (N. D. , I,
18-19) que se reporta a este termo ao mencionar o deus de Platão no Timeu , como um
aedificator mundi, isto é, como uma inteligência criadora que actua sobre a matéria e a
submete à sua vontade, em conformidade com a relação entre delineamento e matéria,
desenvolvida por Alberti no Livro I, cap. I.
235
Livro Terceiro
CAPÍTULO III
560
Próxima da foz do rio Pó.
56 1
A insistência de Alberti na correcta construção das fundações dos edificios pode ser
interpretada como um aviso acerca do que sucedeu com a torre de Pisa (cf. Bõninger,
2008, p. 403).
236
A Construção
como os factos demonstraram. Mais culpáveis ainda são aqueles que, não
sendo proporcionado pela natureza um terreno sólido, assente na camada
inferior, de modo a sustentar os edificios, mas encontrando-se, em vez disso,
alguns restos de uma antiga construção em ruínas, não investigam a sério a
sua quantidade e qualidade e sobre eles levantam, irreflectidamente, muros
muito altos, vindo depois a perder toda a obra, por causa da sofreguidão de
diminuir os custos. Por isso, aconselha-se, e muito bem, que antes de mais,
se escavem poços; entre outras razões, para que seja absolutamente claro em
que medida é que cada camada é capaz, ou não, de sustentar a obra. Além
disso, quer a água encontrada, quer os detritos expelidos, trazem muitas van-
tagens à construção. Uma delas é que o respiradouro aberto propiciará soli-
dez ao edificio, protegendo-o e defendendo-o dos movimentos das exalações
subterrâneas. Por isso, reconhecidas as camadas que se ocultavam debaixo
da terra, seja abrindo um poço, uma cisterna ou um esgoto, deve escolher-se
a mais adequada à construção da obra.
Sendo assim, nos lugares elevados, ou em qualquer outro lugar donde a
água, correndo, pode arrancar e levar consigo alguns detritos, será conve-
niente abrir um fosso mais profundo. Efectivamente, com a frequência das
chuvas, os próprios montes são lavados e limpos, e como que diminuídos,
como o prova o facto de os postos de vigia, que a princípio não apareciam
por estarem situados num resguardo do monte, agora se verem mais facil-
mente, sobressaindo de dia para dia. O monte Morello, que fica sobranceiro
a Florença, vicejava coberto de abetos no tempo dos nossos pais: mas agora
foi deixado nu e escalavrado, pela acção erosiva das chuvas, se não erro.
Nas áreas em declive, Júnio Columela aconselhava que começássemos a
abrir as fundações a partir da parte mais baixa e do lugar mais fundo 562 :
conselho ditado pela experiência. Com efeito, os materiais aí lançados e apa-
relhados, uma vez incorporados nos seus lugares, são mais persistentes e,
além disso, resistirão como um contraforte poderoso àqueles que, posterior-
mente, venham a ser aplicados na parte superior, se se pretender ampliar a
construção. Sucede também que não passem despercebidos e causem menos
estragos os defeitos que, algumas vezes, costumam seguir-se às escavações
deste género, na sequência da abertura de fendas no terreno ou de desaba-
mento de terra.
Nos lugares pantanosos é conveniente abrir um fosso largo; ambos os
lados do fosso devem ser protegidos com estacas, grades, tábuas, algas,
limo, e materiais idênticos, para que a água não se infiltre; depois deve ser
562
Cal. , Rust., I, 5, 9.
237
Livro Terceiro
563
Vitrúvio (III, 4, 2) também se refere a esta técnica, sugerindo estacas de madeira de sal-
gueiro ou de oliveira, à semelhança dos construtores de Veneza que as enterravam no
lodo da laguna.
238
A Construção
CAPÍTULO IV
564
Carro rústico sem rodas puxado a bois para o transporte em lugares íngremes.
565
Cat. , Agr., I , 5.
566
Medida de capacidade romana equivalente a 8,73 litros.
239
Livro Terceiro
CAPÍTULO V
567
Vitrúvio (1, 5, 1) recomenda as proporções de 3 de areia para 1 de cal para a areia de
mina ou dos areeiros e 2 de areia para 1 de cal para areia fluvial ou marítima.
568
Para a recorrência do tema da fama ou glória, tratada de forma alegórica na obra literá-
ria de Alberti, veja-se a peça Fama, in lntercenales, IV.
240
A Construção
Asiti, rei do Egipto 569 , filho de Miquerino, autor daquela lei que impu-
nha aos devedores a entrega da múmia do pai em caução, tencionando cons-
truir uma pirâmide de tijolo, mandou, para lançar os alicerces, enterrar tra-
ves num terreno pantanoso, e dispor os tijolos sobre elas. Há também
memória escrita de que o excelente e notável Quérsifron, que construiu o
celebérrimo templo de Diana, em Éfeso 570 , tendo-lhe sido facultado um ter-
reno plano e limpo, que acima de tudo seria imune aos terramotos, para evi-
tar que lançassem temerariamente alicerces de tal envergadura num solo
movediço e pouco estável, começou por espalhar no chão uma camada de
carvões bem calcados, e a seguir outra de peles de animais; <-··> 57 1 apenas
encher os espaços entre as estacas com carvão em camadas compactas e
depois colocá-las, e a seguir estender pedras aparelhadas, com as juntas
muito compridas 572 • Também encontro, em Jerusalém, quem tenha colocado,
nos alicerces dos edificios públicos, pedras de vinte côvados 573 de comprido
cada uma e de não menos de dez côvados de largo 574 •
Mas em outros lugares, observando as grandes obras dos mais compe-
tentes arquitectos da antiguidade, notei que seguiram modos e procedimentos
variados no enchimento das fundações. No mausoléu dos Antoninos 575 ,
encheram-nas com pedras duríssimas do tamanho da palma da mão a nadar
em argamassa. No Fórum Argentário 576 , usaram uma argamassa de toda a
569
Hdt., II, 136.
570
Vitrúvio (VII, Pref., 12) refere que Quérsifron, arquitecto cretense do séc. VI a. C., tam-
bém escreveu sobre o templo jónico de Diana em Éfeso, uma das sete maravilhas do
mundo antigo.
571
Na edição de Orlandi ( 1966, p. 191 ), aparece a lacuna: <···> tantum paio rum media inter-
valla expleri creberrimo carbone atque inconculcari, et mox quadrata superextendi saxa
iuncturis quam longissimis. Rykwert et a/ii (1988, p. 67), baseados no manuscrito de
Chicago do séc. XV (University of Chicago Library, Goodspeed Fund, 1), traduzem a
sequência por "coai was crammed into the spaces between the stakes, and on the top of
that a layer of squared stones, their joints as long as possible" (o carvão foi empilhado
nos espaços entre as estacas, e por cima colocada uma camada de pedra aparelhada, com
juntas tão compridas quanto possível).
572
Plin., Nat., XXXVI, 95 e Vitrúvio, III, 4, 2 e V, 12, 6.
573
Equivalente a 8,86 m.
574
Equivalente a 4,43 m. Cf. Euseb., Prep., IX, 4.
57 5
Mausoléu de Adriano em Roma, conhecido desde a Idade Média como Castell Sant 'An-
gelo.
576
O autor refere-se, possivelmente, ao mercado de gado bovino (forum boarium), situado
em Velabro, um pequeno vale entre o Palatino e o Capitólio. Aquele mercado localizava-
-se próximo ao rio Tibre, junto aos templos de Fortuna Virilis e de Vesta e onde se
encontra, ainda hoje, o Arco dos Argentários. Cf. Plin., Nat., X, 79; Portoghesi, 1966,
p. 191 , n. 4.
241
Livro Terceiro
577
Lugares situados próximos ao fórum, onde se reuniam as assembleias para eleger os
magistrados.
578
Flanco oeste do Capitólio.
579
Equivalente a 2,66 m.
580
A prática. comum, no Quattrocento e em Roma, de se reutilizarem materiais construtivos
remanescentes de edificios antigos é rejeitada por Alberti.
242
A Construção
cada cavidade, de uma para a outra, devem lançar-se arcos com o dorso vol-
tado para baixo, de modo a que a superficie ao nível da área lhe sirva de
corda. Deste modo, as cargas que, vindas de vários lados, se concentram
num só ponto, têm menos possibilidade de perfurar o terreno, graças à resis-
tência oposta pelo contra-arresto dos arcos.
E em que medida as colunas tendem a perfurar o solo, e quanta seja a
força e a pressão das cargas exercida sobre elas, está à vista no ângulo, vol-
tado ao pôr-do-sol no Verão, do famoso templo de Vespasiano 581 • De facto,
querendo tomar transitável, nesse lugar, a via pública interrompida pelo
cunhai do edificio, fizeram uma pequena passagem por dentro e abriram
uma abóbada através da estrutura do templo, deixando o próprio cunhai ao
lado da via, como uma espécie de pilar, e reforçando-o com uma obra sólida
e com o apoio de um contraforte. Mas esse cunhai acabou por sucumbir
sob a pressão da imensa mole do edificio e devido à cedência do terreno.
E sobre isto é quanto basta.
CAPÍTULO VI
243
Livro Terceiro
582
O termo procinctus, que corresponde à parte intermédia do paramento de uma parede, é
utilizado metaforicamente em vez da (pro ) cintura (cinctus) de uma veste (cf. Suet.,
Nero , 51 ; Serv., A., VII, v. 612).
583
Ou coroamento.
584
Anguli é transposto por cunhais ou ângulos, com o significado de esquinas formadas
pelo encontro de duas paredes.
585
Para um entendimento contemporâneo, os comportamentos estruturais da coluna e do
lintel, apesar de serem ambos peças lineares, são diversos. A primeira está sujeita, prin-
cipalmente, a esforços de compressão e, o segundo, de flexão.
586
A distinção entre partes complementares de enchimento e de estrutura portante unitária e
contínua, na concepção albertiana de parede, é informada pela relação edificio-corpo,
onde aquela estrutura é comparada com as características de um organismo com ossatura
e pele ou casca.
587
Os termos ossatura e pele também foram utilizados, como metáforas disciplinares, na
Maison Dominó, projectada por Le Corbusier em 1915, com esqueleto independente de
betão armado e fachada livre não portante.
588
Var., R., I, 14, 4.
244
A Construção
Ager Gallicus 589 , constroem com tijolos cozidos; na Sabina com tijolo cru;
nas Hispânias 590 com terra misturada com pedras pequenas 59 1. Mas sobre
isso falaremos mais tarde 592 .
Ordinário é o aparelho em que as pedras talhadas em quadrado, de
tamanho médio, ou de preferência muito grandes, se unem umas às outras
de modo a que as suas juntas, com a ajuda da régua, do nível e do prumo,
fiquem perfeitamente ajustadas; não há aparelho mais firme, nem mais está-
vel do que este.
Reticulado é aquele em que as pedras, talhadas em quadrado, de tama-
nho médio, ou de preferência pequenas, se dispõem não assentes de lado,
mas de pé, apoiadas numa aresta, com a face alinhada com a ajuda da régua
e do prumo 593 •
Irregular é aquele em que uma pedra de forma irregular é assente de tal
modo que cada lado, na medida em que as suas linhas o permitam, adira
perfeitamente aos lados da pedra contígua. Servimo-nos deste tipo de junta
no empedrado das estradas.
De resto, estes géneros de aparelho serão utilizados de modo diverso,
em consonância com a diversidade de cada parte da construção. De facto, no
embasamento não colocaremos outro revestimento senão de pedra talhada
em quadrado, muito grande e muito dura. Mas se, como dissemos 59\ é
necessário que a construção seja o mais compacta e firme que é possível, e
em todo o. muro não há, em ponto algum, necessidade de maior solidez e
firmeza do que aí, porque não hás-de assentá-lo, se puderes, numa única
pedra, ou, pelo menos, num número de pedras que seja muito próximo da
solidez e da duração de uma só? De que modo se pode arrastar e deslocar
uma pedra muito grande, di-lo-emos em seu próprio lugar, pois que esse
género de pedra tem a ver, principalmente, com a ornamentação.
"Constrói o teu muro - diz Catão - com pedra consistente e cal, até
que a base se eleve um pé acima do chão." 595 Não te proíbem de fazer o
resto do muro até mesmo com tijolo cru, se assim preferires. É evidente que
589
Território conquistado por Roma no início do séc. III a. C., situado entre Âncona e
Rimini.
590
É a forma adequada para indicar a "Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior", às quais se
refere Varrão. (Nota do Tradutor).
591
Var. , R., I, 14, 4-5 .
592
Livro III, cap. 11.
593
O soco do palácio Rucellai, em Florença, é feito com aparelho reticulado com desenho
de juntas a 45° com a horizontal.
594
Livro III, cap. 11 .
595
Cat. , Agr., 14, 4-5.
245
Livro Terceiro
Catão foi aqui motivado pelo facto de essa parte do muro estar sujeita à ero-
são dos salpicas da chuva que caem do telhado. Mas quando nós atentamos
nos edifícios da antiguidade e verificamos que, não só na generalidade dos
lugares, estas partes dos edifícios bem construídos são feitas de pedra muito
rija, mas também nos países onde não há que temer os danos causados pelas
chuvas; que houve arquitectos no Egipto que edificaram toda a base de uma
Pirámide com pedra negra de Tebas, muito rija - sou levado a dar uma
interpretação global a esse facto. Porque, assim como o ferro , o bronze e
outros metais, se repetidamente se dobrarem, ora para um lado, ora para o
outro, começam por rachar e, por desgaste, acabam por quebrar, assim tam-
bém os corpos, sujeitos a ataques alternados, degradam-se completamente e
desfazem-se. Dei-me conta disso nas pontes, sobretudo nas de madeira. De
facto , as partes que, devido às variações climáticas, ora estão secas por
acção dos raios do sol e do sopro dos ventos, ora molhadas pelos vapores
nocturnos da água, vemo-las ficar carcomidas em pouco tempo e de todo
carunchosas. O mesmo se pode verificar naquelas partes dos muros que
ficam em baixo, junto ao chão: so~ o efeito alternado da humidade e do pó,
amolecem e entram em decomposição. Por tal motivo, tenho por certo que a
base de todo o edifício deve ser construída em pedra dura, robustíssima e de
grandes dimensões, a fim de que, não obstante as frequentes agressões de
elementos contrários, se mantenha absolutamente inabalável. No livro
segundo fizemos uma explanação suficiente sobre quais são as pedras mais
duras 596 •
CAPÍTULO VII
596
Ver Livro II, caps. 8 e 9.
246
A Construção
597
A formação dos corpos, por ensamblagem ou por agregação, é sugerida por Aristóteles
(H. A ., I, 1, 486 a): "De entre as diversas partes dos animais, umas são simples, as que
se dividem em partes homogéneas (a carne em carne, por exemplo), outras são compos-
tas, as que se dividem em partes não homogéneas (é o caso da mão que não se reparte
em mãos, nem o rosto em rosto) [... ] Todas as partes não homogéneas se compõem de
outras homogéneas; veja-se a mão, que é formada de carne, tendões e ossos" (trad. de
F. S. e Silva, 2006), como sucede igualmente na correspondência entre tecidos e órgãos
(cf. Aristóteles, H. A., II, 1-2), o que sugere que, também para Alberti, a repartição e a
agregação, ao nível do edificado, das partes com o todo, é conformadora da relação edi-
ficio-corpo.
247
Livro Terceiro
CAPÍTULO VIII
598
Vitrúvio, VI, 8, 4. Esta prática altera-se no Cinquecento , onde os cunhais das colunatas
apresentam: idênticas dimensões às das restantes colunas.
248
A Construção
edificios, deve-se utilizar material muito resistente nos sítios onde a água da
chuva, caindo em maior quantidade das caleiras ou das goteiras, embate
puxada pelo vento: por acção nociva deste tipo de escoamento, o próprio
mármore fica, por assim dizer, trincado e de todo corroído; embora quase
todos os bons arquitectos, para obviarem a este dano, tenham por hábito
desviar e escoar a água da chuva apanhada dos telhados, metendo-a em con-
dutas fechadas .
Acaso não advertiram os antigos que as folhas, no Outono de cada ano,
caem habitualmente primeiro no lado das árvores que está voltado a
sudeste? Nós observamos que todos os edificios que caíram de velhos come-
çaram a desabar pelo lado sul. E a causa de tal acontecer talvez esteja no
facto de que o ardor e a violência do sol absorveram prematuramente,
enquanto a obra ainda estava fresca, a seiva da cal. Acrescente-se a isso que
o muro, repetidamente molhado pelas rajadas do Austro 599 e logo a seguir
fortemente aquecido pelos ardores do sol, enfraquece e deteriora-se. Por-
tanto, a estes e outros danos semelhantes, devem opor-se materiais adequa-
dos e muito resistentes.
Na minha opinião, antes de mais, deve-se observar o seguinte princípio:
que as fiadas das pedras, com que se começou, se mantenham de tamanho
idêntico e em nada diferentes em toda a extensão do muro, evitando-se que
à direita fique uma pedra muito grande e à esquerda uma muito pequena.
Diz-se, efectivamente, que a parte construída sofre a pressão do último peso
acrescentado e que, sob o efeito dessa pressão, a cal perde a força à medida
que vai secando; é inevitável que daí resultem fissuras em toda a obra.
Quanto ao paramento interior, não te proibirei de o construir, bem como
toda a superficie do seu muro, com pedra mais mole; mas qualquer que seja
a pedra que utilizes, tanto no interior como no exterior, o paramento deve
ser levantado de tal modo que fique assente no seu alinhamento horizontal e
exactamente colocado na vertical. A sua própria linha é uma paralela que
corresponde à do perímetro da área, de tal modo que em nenhuma das suas
partes seja convexa ou côncava, em nenhuma ondulada, ou que em alguma
das suas partes não seja direita, e aparelhada e ajustada como deve ser.
Se, durante a construção e enquanto o muro está fresco, aplicares o pri-
meiro reboco de areia e cal, daí resultará obra indestrutível, quer lhe acres-
centes um revestimento de madeira ou de estuque 600 .
599
Vento sul.
600 Os caps. 9 e 1O do Livro VI apresentam os revestimentos de madeira e de estuque para
os paramentos dos muros.
249
Livro Terceiro
601
Vitrúvio, II, 8, 7.
602
As igrejas de São Sebastião e de Santo André em Mântua, concebidas por Alberti, utili-
zaram alvenaria de tijolo nos paramentos e cascalho de pedra solta no enchimento.
603
O termo perpianho, derivado do francês parpaing - pedra que acompanha toda a largura
do muro para efeitos de travamento, com as faces visíveis aparelhadas - é considerado
equivalente. Cf. Vitrúvio, II, 8, 7.
604
Correspondente a 147,75 cm.
250
A Construção
CAPÍTULO IX
605
A libra romana equivale a 327,45 gr.
606
De 147,75 cm em 147,75 cm.
251
Livro Terceiro
607
Realizada com grampos ou gatos de chumbo.
252
A Construção
Importa, ainda, considerar com que apoio ou com que meios se podem
juntar e manter unidas muitas pedras para conseguir a solidez do muro.
A quem examina esta questão ocorre-lhe certamente que em primeiro lugar
é indispensável a cal, embora eu considere que nem todas as pedras devem
ser unidas com cal. Com efeito, os mármores, ao contacto da cal, não só
perdem a brancura, mas também a beleza, desfeiados por horríveis manchas
de sangue; e tão grande é no mármore a altivez da sua brancura que dificil-
mente pode tolerar outra coisa que não seja ele próprio. Que achas? Não
tolera o fumo; untado com óleo perde o brilho; impregnado de vinho tinto
amarelece; com a água que escorre da madeira do castanheiro enegrece e
tinge tão profundamente que, nem mesmo raspadas, se apagam as manchas
destes produtos. Por isso, os antigos aplicavam o mármore à obra, na
medida do possível, sem nada, sem utilizar nenhuma espécie de cal. Mas
disto falaremos mais adiante 608 .
CAPÍTULO X
608
Livro III, cap. 11.
609
Vitrúvio, II, 5, 2.
253
Livro Terceiro
610
Referência à compacidade das argamassas, obtida a partir de adequada granulometria das
areias e de uma correcta dosagem de aglomerante.
254
A Construção
CAPÍTULO XI
6 11
Cat., Agr., 14, I.
255
Livro Terceiro
612
No aparelho ensosso os blocos de pedra assentam sem qualquer argamassa de ligação.
613
Ou malhetes.
256
A Construção
614
Isid. , XV, 9, 5.
6 15
De 88,65 cm em 88,65 cm.
616
Cf. Plin., Nat., XXXV, 169.
617
Livro III, cap. 11 .
257
Livro Terceiro
colocadas a seguir assente nas juntas das precedentes; expõe as pedras intei-
ras nos paramentos, com as partidas enche o interior do muro; une as fiadas
de cada paramento, fazendo passar pelo meio do muro frequentes ligamentos
de pedra 618 • Até aqui falámos do muro; passo à cobertura.
Mas não gostaria de passar adiante sem referir um facto, cujas manifes-
tações foram observadas entre os antigos com grande atenção. Há na natu-
reza alguns seres que, sem dúvida alguma, são depositários de uma força
extraordinária. Diz-se que os raios não atingem, de entre as árvores, o lou-
reiro, de entre as aves a águia, de entre os peixes a foca 6 19 : se estes seres
forem incluídos na obra, há quem pense que ela será inacessível e imune
aos raios. De facto, parece-me que isso é como esperar e acreditar que,
segundo dizem, a rã das moitas, encerrada numa vasilha de barro e enterrada
no meio de um campo, afasta as aves das sementeiras; e que a árvore do
lúpulo, se for levada para dentro de casa, toma os partos dificeis; e que a
ramagem do fúsaro de Lesbos, dentro de casa, provoca diarreia e traz a
morte por inanição 620 •
Volto ao assunto. Aqui convém retomar o que acima resumidamente
dissemos ao tratar do delineamento dos edificios.
CAPÍTULO XII
Das coberturas, umas estão a céu aberto, outras não; e destas umas
constam de linhas rectas, outras de curvas, outras de mistas. A isto deves
acrescentar um aspecto pertinente: que a cobertura pode ser feita de madeira
ou de pedra. Daremos início a este assunto, partindo do princípio d~ que
podemos definir a existência de alguma coisa que se aplica à teoria da
cobertura em geral, que é o seguinte. Consideremos que em qualquer cober-
tura há ossos, nervos, complementos, paramentos e revestimentos, tal e qual
como no muro; vejamos todavia se assim é na realidade 62 1•
6 18
Estas prescrições são formalmente semelhantes às da obra Sentenze pitagoriche, datada
de 1462, onde Alberti descreve de forma sintética as concepções filosóficas dos pitagó-
ricos para um bene e beato vivere. Cf. Caye-Choay, 2004, p. 164, n. 57.
6 19
Plin., Nat. , II, 146.
620
Plin., Nat., Xlll, 118 e Theophr. , H. P , lll, 18, 13.
62 1
Uma concepção estrutural da arte edificatória está presente, na medida em que são adop-
tadas idênticas categorias disciplinares para diferentes sistemas e elementos construtivos,
neste caso para o muro e para a cobertura: "os ossos são as traves, os ligamentos os cai-
bros, o complemento os painéis e a pele as telhas" (Caye-Choay, 2004, p. 165, n. 64).
258
A Construção
259
Livro Terceiro
cias. A parte da madeira que está próxima da medula será aplainada para
ficar voltada para cima; ao passo que a superfície da trave que há-de ficar .
voltada para baixo, não deve ser aplainada além da casca, ou nada, ou o
mínimo possível. O lado em que apareça um defeito no sentido transversal,
põe-no voltado para cima. Se há uma fissura ao correr da tábua no sentido
do comprimento, não ponhas a fissura voltada para os lados, mas para cima
ou, de preferência, para baixo. Se uma tábua tem de ser perfurada ou enta-
lhada, evita fazê-lo ao meio do seu comprimento e nunca atinjas a parte
inferi or 622 •
Se, pelo contrário, como fizeram nas basílicas, for necessário colocar as
traves em grupos de duas, deixa entre elas um espaço de alguns dedos, por
onde possam respirar, para que não se deteriorem por aquecimento recí-
proco. E importa que, por cada par, as traves sejam colocadas em alternân-
cia, de modo a que as suas cabeças não assentem no mesmo encaixe, mas o
pé de uma fique onde pousa a cabeça da outra. Pois, deste modo, cada uma
com mais firmeza e solidez do pé acudirá à fragilidade da parte menos con-
sistente da outra. E é conveniente que as próprias traves sejam aparentadas,
isto é, sejam do mesmo género de madeira, formadas no mesmo bosque, sob
a mesma face do céu, se possível, cortadas no mesmo dia, a fim de que,
possuindo por natureza iguais qualidades, desempenhem iguais funções.
Com a ajuda de um nível, estabelece os apoios das traves, de tal
maneira que cada um deles seja sólido e firmíssimo; ao colocar as traves,
tem cuidado que a madeira não fique em contacto com a cal, e deixa respi-
radouros abertos e desimpedidos a toda a volta, a fim de que não seja afec-
tada por nenhuma espécie de contacto ou apodreça por se encontrar em
ambiente fechado . Para almofadar a trave~ põe-lhe por baixo fetos secos ou
carvões ou, melhor ainda, água de azeitona misturada com os seus caroços.
Mas, se as árvores forem mais pequenas do que é necessário para fazer,
de um só tronco, uma trave inteira, reúne várias traves numa única ensam-
blagem, de modo a concentrarem em si a força de um arco, isto é, que a
linha superior da trave ensamblada de modo algum possa ser mais curta do
que a pressão das cargas e, inversamente, a linha inferior não possa ser mais
comprida, mas se mantenha, como a corda de um arco, vigorosamente agar-
rada para oferecer resistência aos troncos postos em cima dela, os quais
fazem força nas extremidades em sentido contrário.
622
Provavelmente para evitar que a parte perfurada ou entalhada coincida com os maiores
esforços de tracção. Cf. Portoghesi, 1966, p. 228, n. I.
260
A Construção
623
Batidos na face e no tardoz das tábuas e painéis.
261
Livro Terceiro
CAPÍTULO XIII
624
Ver Livro VII, cap. 5, que trata do espaçamento das colunas.
625
Ver Livro III, cap. 6.
262
A Construção
nica, a aplicar coberturas de duas águas aos seus edificios. Depois disso, tal-
vez porque, pretendendo cobrir uma área maior, não conseguiram fazê-lo por
causa de as traves serem curtas, colocaram entre elas, nas cabeças de cada
um dos troncos, uma trave intermédia, de modo a formarem algo como a
letra grega rr
626
e chamaram porventura aduela 627 à peça assim colocada.
Depois, como essa invenção foi bem-sucedida, multiplicaram as aduelas
do mesmo género e, avaliando a figura do arco assim realizada, aprovaram-
-na e, transpondo para as obras de pedra essa maneira de construir o arco,
626
A utilização de letras do alfabeto latino para sugerir formas arquitectónicas é também
adoptada por Alberti no Livro V, cap. 4 e no Livro VII, cap. 7.
627
Cuneus é o termo também utilizado por Vitrúvio (VI, 8, 3; VII, 4, 4) para se referir às
aduelas constituintes dos arcos.
263
Livro Terceiro
628
A derivação do arco de pedra a partir da madeira, sugerida por Alberti, está de acordo
com a tradição clássica da génese das ordens arquitectónicas. Cf. Pausânias (V, 16, I).
629
Isto é, da chave ou fecho do arco.
630
Ver Livro I, cap. 12.
631
Num arco ou numa abóbada a corda é a linha horizontal entre os seus apoios.
632
Também designado por arco quebrado, podendo ser constituído por dois segmentos de
circunferência, com centros diferentes (vide Livro I, cap. VII).
633
Cf. Var., L., X, 59.
634
Isto é, os contra-fechos contíguos à pedra de fecho.
264
A Construção
tendo-se as de cima firmes no seu posto? Por isso, nos arcos de volta per-
feita, que facilmente se auto-sustentam, não exigimos um tirante; nos abati-
dos, porém, fixamos na extensão dos muros, nos dois lados, uma cadeia de
ferro, ou algo que tenha a força de um tirante, e recomendamos que a sua
extensão não seja mais curta do que é preciso para completar o tamanho da
volta que falta no arco abatido 635 . Coisas que os arquitectos da antiguidade
em toda a parte tiveram o cuidado de fazer, integrando sempre os arcos nos
lados dos muros. Mais ainda, seguiram notavelmente a prática de assentarem
um arco abatido, sempre que surgiu a oportunidade, em traves rectilíneas, e
também de sobreporem, aos arcos abatidos, arcos de volta perfeita que ali-
viassem os arcos abatidos postos debaixo deles e interceptassem os inconve-
nientes das cargas 636 • Entre os antigos não se vêem arcos apontados. Há
quem julgue que se devem colocar arcos destes sobre as aberturas das tor-
res, para que, qual proa lançada em frente , desviem as excessivas cargas
sobrepostas; embora os arcos apontados sejam reforçados, mais do que
esmagados, por esse tipo de pesos.
Eu gostaria que as aduelas com que se constroem os arcos fossem,
quanto possível, de pedra aparelhada de grandes dimensões. Com efeito, em
qualquer corpo, a parte que lhe foi agregada e unida pela natureza é mais
indissolúvel do que aquela que lhe foi unida e ligada pela mão e arte do
homem. Devem ainda ser iguais entre si, de tal modo que, como na balança,
as partes da direita correspondam às da esquerda, na forma, tamanho, peso e
outros aspectos idênticos. Se construíres vários arcos, para formar pórticos
por meio de aberturas ligadas entre si a partir das colunas e dos capitéis, faz
com que as aduelas, de onde os arcos arrancam dois a dois ou vários juntos,
não sejam duas pedras, ou tantas quantos os arcos, cortadas separadamente,
mas uma única e a mesma pedra, inteira, na qual estejam contidos os sai-
méis de cada um dos arcos. Por um lado, se as aduelas seguintes, que se
elevam sobre as primeiras, forem de pedra de grandes dimensões, deves
fazer com que ambas se liguem uma à outra por uma linha recta, juntando
os respectivos dorsos. A terceira pedra, que irá cobrir as segundas, será ajus-
tada com o nível, segundo as leis dos muros, em ligação simétrica, de modo
a servir a ambos os arcos e a agarrar as aduelas de ambos com a sua liga-
ção. ·Em cada arco no seu todo, deves fazer com que a ligação e conexões
das juntas se orientem para o seu centro. Os bons arquitectos empregaram
635
Para uma resenha sobre a introdução de tirantes de ferro nas estruturas em arco da
arquitectura do Renascimento italiano, vejam-se os exemplos citados in Bracciali - Succi
(2006, p. 70) sobre o restauro do Palácio Ruccellai em Florença.
636
Estes arcos também são conhecidos por arcos de descarga ou de ressalva.
265
Livro Terceiro
CAPÍTULO XIV
637
A inteligibilidade textual do tratado é, para Alberti (Livro VI, cap. I), um requisito fun-
damental que o leva tanto a criticar Vitrúvio, como a propor uma nova terminologia da
arte edificatória em latim, já advogada na obra de Lucrécio (1, 136-39) no domínio da
filosofia, quando este se pronuncia sobre a dificuldade em traduzir versos do grego para
o latim e sugere, igualmente, a criação de novas palavras: "Sinto que é difícil ilustrar,
em versos latinos, os achados abstractos do pensamento grego, principalmente porque
isto exige palavras novas, dada a pobreza da língua e a novidade dos assuntos a tratar"
(cf. trad. esp. de F. S. Gavilán, 2003).
638
Énio, segundo Var., L. , V, 19.
639
Serv., A., II, v. 19.
640
Este é o único esclarecimento de Alberti, ao longo do tratado, que admite alguma difi-
culdade em expressar o seu pensamento.
64 1
Dos tipos de abóbadas mencionadas por Alberti encontramos a de berço na nave central
do templo Malatestiano em Rimini, bem como na nave, nos braços e nos altares laterais
da igreja de Santo André em Mântua. Pode-se conjecturar que a abóbada esférica esta-
ria prevista para a cabeceira inacabada do templo Malatestiano, assim como para o pri-
meiro projecto para a igreja de São Sebastião em Mântua e, ainda, para o coro da San-
tissima Anunziata, em Florença.
642
O cruzamento de duas abóbadas de berço, cujas intersecções definem, no intradorso,
ângulos côncavos ou convexos geram, respectivamente, uma abóbada de ângulo (tam-
bém conhecida por barrete de clérigo) ou de arestas.
643
Também conhecida por cúpula.
266
A Construção
rica regular, dada a sua natureza, se coloca sobre muros que se elevam a
partir de uma área circular. A de ângulo, por seu lado, destina-se às áreas
quadradas. As de berço cobrem áreas quadrangulares, sejam elas curtas ou
compridas, como vemos nos criptopórticos 644 • A abóbada que é construída à
semelhança de um túnel num monte será aqui chamada abóbada de berço.
Será como se a um arco juntasses uma série de arcos, ou como se tomasses
a largura de uma trave curva e a estendesses e prolongasses muito no
mesmo plano; com isso conseguiremos que uma espécie de muro curvo
paire como cobertura sobre as nossas cabeças. Se, porém, esta abóbada de
berço, prolongada, suponhamos, no sentido norte sul, for cortada em todas
as suas linhas por uma outra, perpendicular a ela, que avança de oriente para
ocidente, ambas formarão uma abóbada a que, pela semelhança com os cor-
nos inflectidos para dentro, orientados para os cantos, chamaremos de
ângulo 645 • Mas se vários arcos, iguais entre si, se intersectarem mutuamente
no mesmo ponto, no cimo e ao centro, formarão uma abóbada semelhante
ao céu: assim, a partir daí pareceu-nos bem chamar-lhe esférica.
As abóbadas que são formadas por algumas partes destas, são as que se
seguem. Se a natureza dividir o hemisfério celeste em duas partes segundo
uma secção perpendicular e rectilínea, de oriente para ocidente, proporcio-
nará duas abóbadas gémeas, que servem de cobertura a dois vãos semicircu-
lares. Se, porém, por idêntico processo, a natureza delimitar e seccionar o
hemisfério celeste do ângulo oriental ao ângulo meridional, e deste ângulo
ao ângulo ocidental, e deste ao ângulo setentrional, e deste ao primeiro
ângulo oriental, deixará no meio uma abóbada a que nós chamaremos
"vela", pela semelhança que tem com uma vela enfunada 646 • Por seu lado,
aquela para cuja construção concorrem várias partes de uma abóbada de
644
Já Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, I 06) ao referir-se à cloaca maxima, o principal esgoto
de Roma, chama a atenção para a resistência estrutural da sua cobertura em abóbada de
berço, provavelmente construída no séc. II a. C., que se manteve integra, apesar de ter
estado sujeita a cheias, a incêndios e a terramotos.
645
Os termos latinos fornix, camura e recta spherica, são utilizados por Alberti para desig-
nar os diferentes tipos de abóbadas. Vitrúvio (VI, 8, 4) refere-se a fornix no sentido de
arco de descarga e Alberti generaliza-o para abóbada de berço; também Virgílio (G., III,
55) se reporta a camura cornua, no sentido de cornos virados para dentro, e Alberti faz
derivar o termo camura do adjectivo camur (dobrado, arqueado ou em ângulo virado
para dentro) , o que significa que alude a uma abóbada de ângulo ou de barrete de
clérigo.
646 A abóbada de vela resulta de uma abóbada semiesférica intersectada por quatro planos
verticais que a inscrevem numa planta em forma de quadrado, lembrando uma vela
enfunada.
267
Livro Terceiro
berço, tal como vemos naquelas que cobrem áreas de seis ou oito ângulos, a
essa chamaremos esférica de aresta 647 •
Na construção das abóbadas, seguir-se-á a mesma técnica que foi usada
nos muros. Dos ossos dos muros, elevar-se-ão ossos inteiros até ao fecho da
. abóbada, e serão construídos e dispostos aqui do mesmo modo que no muro,
mantendo entre si uma distância determinada. Estender-se-ão, todavia, liga-
mentos entre os ossos, e os complementos intermédios serão preenchidos
com enchimento. Mas há diferenças na sua construção: no muro as pedras e
cada uma das fiadas são unidas e compostas entre si com a régua direita, o
esquadro e o nível, ao passo que na abóbada as fiadas e todas as juntas da
pedra são dirigidas, com uma régua curva, para o centro do seu arco. Os
antigos quase em lado nenhum utilizaram ossos que não fossem de tijolo
cozido, e este mesmo, na maior parte dos casos, com dois pés de tamanho;
e recomendam que acabes os complementos das abóbadas com pedra levís-
sima, para que os muros não acabem por ser danificados por um peso exces-
sivo. No entanto, tenho verificado que alguns tinham por costume não fazer
sempre os ossos muito sólidos, mas inseriam espaçadamente tijolos coloca-
dos de lado, ligando entre si as extremidades em forma de pente, como se
alguém entrelaçasse as pontas dos dedos da mão direita com as pontas dos
da mão esquerda. E tinham por hábito encher os espaços intermédios com
entulho de pedra e cal, e particularmente com pedra-pomes, que todos con-
fessam ser entre todas a pedra mais apropriada ao enchimento das abóbadas.
Para construir os arcos e as abóbadas é necessária uma armação. Esta
consiste num esqueleto rude e provisório, definido por uma superficie curvi-
línea que se cobre de ramos entrelaçados ou de canas, ou de outros mate-
riais sem valor, à maneira de couro ou de pele, para sustentar o enchimento
na abóbada, até ficar dura. Há, no entanto, entre as abóbadas, uma, a esfé-
rica perfeita, que não necessita de armação, uma vez que consta não só de
arcos, mas também de anéis. E quem poderá referir ou imaginar o número
incalculável de arcos e anéis, unidos e ligados reciprocamente, interseccio-
nando-se em ângulos iguais e desiguais, de tal modo que, em qualquer ponto
da abóbada em que inserires uma pedra, te apercebes de que acabas de colo-
car uma peça comum a vários arcos e anéis? E imagina por onde há-de
647
Na arquitectura florentina do Quattrocentto, este tipo de abóbada, utilizada por Brunel-
leschi na sacristia velha da igreja de São Lourenço e na capela Pazzi, era designada por
a creste e vele (em sulcos e velas), ou a ombrello (em guarda-chuva), por os ângulos de
encontro dos seus panos serem reforçados com nervuras (cf. Portoghesi, 1966, p. 242,
n. 2).
268
A Construção
começar quem, depois de ter colocado anel sobre anel e lançado um arco
para outro arco, quiser desmanchar essa obra, sobretudo estando todas as
peças orientadas para um único centro com iguais forças e tenacidade 648 .
Vários dos antigos abusaram de tal maneira da solidez deste tipo de abóbada
que assentaram apenas em alguns pés simples anéis de barro cozido, e com-
pletaram o resto da abóbada com um enchimento desordenado, despejando
caliça e pedra. Mas eu aprovo muito mais aqueles que, durante a construção,
procuraram que nas abóbadas os anéis inferiores se unissem aos superiores
mais próximos e os arcos também se unissem entre si em pontos bastantes
numerosos, com a mesma técnica com que ligaram as pedras ao muro 649 ,
sobretudo se não abundar a areia de mina, ou se a obra esfiver exposta às
rajadas do mar e do Austro 650 •
Também poderás levantar, sem nenhuma espécie de armação, uma abó-
bada de ângulo esférica, contanto que por dentro da sua espessura insiras
uma abóbada esférica regular. Mas aí é absolutamente necessária uma liga-
ção que permita fixar, com toda a firmeza, as partes mais frágeis da primeira
nas partes mais resistentes da segunda. Todavia, é importante que, lançados
já e endurecidos um ou vários anéis, a eles se prendam correias leves e
grampos, aos quais possas confiar uma armação suficiente para sustentar os
anéis que são construídos por cima a alguns pés de altura, até que acabem
de secar; e, em seguida, quando estas partes tiverem também endurecido,
convém deslocar estes suportes da armação para o mesmo número de filas a
fim de concluíres a parte superior, e até dares a obra por concluída.
A abóbada de ângulo, e igualmente a de berço, é preciso que sejam
construídas sobre armações. Mas eu gostaria que se confiassem as primeiras
fiadas e os arranques dos arcos a suportes muito sólidos 651 • Não me agradam
aqueles que primeiro erguem o muro todo, deixando apenas os suportes das
mísulas, as quais possam depois confiar a abóbada: obra pouco sólida e ins-
tável. Por isso, se me derem ouvidos, estes arcos serão construídos ao
mesmo tempo e a par das mesmas fiadas do muro em que se integram, a
648
A técnica do aparelho em espinha de peixe, utilizada por Brunelleschi na cúpula da cate-
dral de Florença, em Santa Maria de! Fiare, e difundida na Toscana durante o Quattro-
cento, identifica-se com a descrição de Alberti para a construção da abóbada esférica.
649
Ver Livro III, cap. 11.
650
O autor refere-se ao método construtivo que consiste em inserir as nervuras na espessura
dos panos da abóbada.
651
Na arquitectura romana a descarga das pressões nas abóbadas de aresta era realizada
sobre colunas de suporte, formadas por blocos de pedra de grandes dimensões, para res-
ponder às solicitações estruturais, como ocorre, por exemplo, na Basílica de Maxêncio.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 246, n. 1.
269
Livro Terceiro
fim de que essa construção se una por múltiplas ligações e as mais sólidas
que é possível ser. Quanto aos espaços vazios deixados entre o arranque dos
arcos das abóbadas e o muro em que se integram, aos quais os operários
dão o nome de rins 652 , devem ser enchidos não de terra ou de escombros
desfeitos e secos 653 , mas antes de um aparelho ordinário e sólido, e ligado
uma e outra vez ao muro. Também satisfazem os que, para aliviar o peso,
introduzem na espessura dos rins vasilhas de água, de barro, vazias, racha-
das e colocadas de boca para baixo, para evitar que aumentem de peso com
a humidade nelas recolhida, e que em cima despejaram uma massa de pedra
com o mínimo de peso, mas ao mesmo tempo tenaz.
Finalmente, por toda a abóbada, seja de que tipo for, imitaremos a natu-
reza, que não só juntou os ossos uns aos outros, como também entreteceu as
próprias carnes com os nervos, intercalados em ligação por todas as direc-
ções, ao comprido, ao largo, ao alto e em oblíquo. Sou de opinião que deve-
mos imitar este artificio da natureza para inserir as pedras nas abóbadas 654 .
Concluída esta fase do trabalho, a próxima é fazer a cobertura: tarefa
tão necessária quanto difícil; para a executar e levar a cabo, nela colabora-
ram, uma e outra vez, o empenho e a diligência de todos. É disso que
vamos falar. Mas antes importa mencionar um aspecto que se prende direc-
tamente com a construção das abóbadas. É que há diferenças na maneira de
acabar as abóbadas. De facto, o arco ou a abóbada que devem ser feitos
com uma armação colocada por baixo deles, é preciso que sejam construídos
com rapidez e sem interromper o trabalho; mas uma abóbada que se faz sem
armação necessita de interrupções quase em cada fiada, até que os materiais
solidifiquem, não vá suceder que as últimas partes a serem acrescentadas às
anteriores, ainda não suficientemente consolidadas, se desagreguem e des-
moronem. E, além disso, às abóbadas construídas com armação, convém,
logo que forem colocadas as aduelas superiores, afrouxar, por assim dizer,
os suportes em que a armação está apoiada. Isso, para que as aduelas, colo-
cadas há pouco numa obra ainda fresca, não andem a nadar entre as escoras
e a camada de cal, mas ocupem, uma vez equilibrados os seus pesos, uma
652
Parte compreendida entre o extradorso de uma abóbada e as paredes de prolongamento
dos pés-direitos.
653
A designação ruderibus solutis, utilizada por Alberti também pode apresentar o signifi-
cado de betão romano, constituído por uma mistura de areia, brita, gesso cozido e cal
(vide Vitrúvio, II, 8 20; VII, I, 1).
654
O autor reafirma a importância da relação edificio-corpo na arte edificatória, já referida
no Livro III, cap. 12.
270
A Construção
CAPÍTULO XV
271
Livro Terceiro
655
O autor refere-se a Pyrges, presumivelmente o porto principal da cidade etrusca de
Ceres, hoje conhecido como Santa Severa. Vitrúvio (II, 1,5), no entanto, refere-se aos
Phryges (Frígios), habitantes da parte centro-este da Anatólia, na Ásia Menor.
656
De acordo com Plínio-o-Antigo (Nat., VI, 109) é aos Telófagos, habitantes da região da
Carmânia situada no golfo Pérsico, e não à região vizinha dos Garamantes (entre o
Egipto e a Líbia), que é atribuída a prática de revestir as coberturas com cascas de tar-
tarugas.
657
Placas de ardósia.
658
Ver Livro lll, cap. 16.
659
Cíniras é o rei de Chipre, referido na Ilíada por Homero (XI, 20-21 ), que ofereceu a
Agaménon uma couraça de combate como presente pela sua hospitalidade.
660
Ver Plin., Nat., VII, 195.
661
Equivalentes, respectivamente, a 29,6 cm por 44,32 cm.
272
A Construção
tegem as pernas; ambas são mais largas onde apanham o fluxo da água,
mais estreitas por onde o expelem 662 . Mas as telhas planas são mais conve-
nientes, contanto que se unam com a ajuda da régua e do nível, para que
não se inclinem de lado, nem haja entre elas reentrâncias nem ressaltos, que
nada se atravesse que impeça a água de correr, que nenhum espaço fique
vazio entre elas. Se a superficie da cobertura for ampla, requerem-se telhas
maiores, para que os fluxos da água das chuvas não transbordem das calei-
ras, incapazes de os conter. Para que as rajadas dos ventos não levem as
telhas, gostaria que todas fossem consolidadas com massa de cal, sobretudo
nos edificios públicos; pois, nos privados, é suficiente se consolidares as
telhas do beiral contra o ímpeto dos ventos; e estando soltas, mais facil-
mente se reparam, quando ocorre algum estrago.
Há outra forma de fazer convenientemente a cobertura pelo seguinte
processo. Nas coberturas de madeira, em lugar de tábuas, estender-se-ão,
sobre os barrotes longitudinais, pequenas placas de barro, fixadas com gesso;
sobre estas placas, dispõem-se as telhas planas e consolidam-se com arga-
massa: essa obra é a mais segura contra os incêndios e muito cómoda para
o quotidiano dos moradores. E far-se-á com menor despesa se, em vez de
placas de barro, colocares uma camada de cana grega e a consolidares
com cal.
A telha que consolidares com cal, particularmente nas obras públicas,
gostaria eu que não a utilizasses senão depois de ter estado sujeita à geada
e ao sol durante dois anos. Porque, se for colocada telha fraca, não será reti-
rada sem desperdício de trabalho.
Vem a propósito referir aquela invenção, nova e de modo algum inútil,
feita para os célebres jardins suspensos da Síria, que lemos no historiador
Diodoro 663 . Consistiu ela em terem colocado nas traves canas untadas de
asfalto; a estas ajustaram tijolos cozidos em duas camadas, ligados por
gesso; em terceiro lugar juntaram telhas de chumbo, de tal modo fundidas e
soldadas, que nenhuma humidade pudesse penetrar até à primeira camada de
tijolos.
662 O autor refere-se às telhas romanas compostas por uma curva, o ímbrice, e outra plana,
a tégula, funcionando a primeira como capa e a segunda como canal.
663
Referência aos jardins suspensos da Babilónia. Cf. Diod. Sic. , II, 10.
273
Livro Terceiro
CAPÍTULO XVI
664
Trata-se do leito das fundações , constituído por pedras arrumadas à mão e sem arga-
massa, de forma a isolar o piso térreo pela quase total ausência de capilaridade super-
ficial.
665
Como sucede com as coberturas em terraço.
666
Os autores que fazem esta recomendação são Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 188) e
Vitrúvio (VII, 4, 5).
274
A Construção
667
Plin. , Nat., XXXVI, 184-9.
668
Vitrúvio, VII, 1 e 2.
669
O entendimento de que a experiência em obra tem precedência sobre a leitura dos
manuais e dos textos, incluindo os resultantes da autoridade de Vitrúvio e de outros
autores, é uns dos legados da modernidade de Alberti, corroborada pelo desfasamento
temporal retardado dos dois primeiros agrupamentos de edições do tratado, quando
comparados, nas transições do Renascimento e do Barroco, com as densidades de arqui-
tectos activos pela população. Cf. as Figs. 4 e 6, inseridas nesta edição na Introdução
-A Recepção da Arte Edificatória .
670
Equivalentes a, respectivamente, I ,85 cm e a 3,7 cm.
671
O autor refere-se ao opus spicatum, i.e. ao aparelho espinhado, citado por Vitrúvio (VII,
1, 4 e 7) para descrever o revestimento dos pavimentos e o isolamento dos terraços.
275
Livro Terceiro
672
Ver Livro II, cap. 9.
673
Ver Vitrúvio, VII, 4, 2.
674
Livro VIII, cap. 10.
276
A Construção
muito rija, para que não seja esburacada e danificada pela, por assim dizer,
perversidade contínua do ataque dos salpicas.
Deve-se procurar que os ossos, em que se apoia o pavimento feito de
madeira e de travejamento, sejam fortes e de igual resistência entre si; se tal
não se verificar, por exemplo, se em algum ponto servir de suporte o muro
ou uma trave muito mais forte que as restantes, nesse ponto o pavimento
abrirá fendas e ficará danificado. Efectivamente, dado que a madeira nem
sempre se comporta com a mesma firmeza e o mesmo vigor, mas varia ao
sabor das variações do tempo - amolece com a humidade, com a seca
retoma à sua rigidez e adquire solidez - por esse motivo, nas partes mais
frágeis, sofrendo e cedendo sob o peso das cargas, não admira que venha a
rachar. Sobre esta matéria baste o que até aqui foi dito.
Mas não gostaria de passar adiante de um aspecto q1:1e vem muito a
propósito. É ele o seguinte: para escavar as fundações, par~ as encher, para
levantar os muros, para colocar as abóbadas, para aplicar os revestimentos,
requerem-se tempos, estações e condições diferentes. Com efeito, as funda-
ções escavam-se com toda a vantagem durante a canícula e o Outono, não
impedindo a terra, nem muito seca nem com excesso de água, a escavação
dos alicerces. Fazem-se os enchimentos, também sem nenhuma desvanta-
gem, no princípio da Primavera, principalmente quando são mais profundos:
pois estarão mais protegidos dos ardores estivais pela terra que os rodeia e
envolve. Mas com muito maior vantagem será feito o enchimento no princí-
pio do Inverno, desde que essa região não fique no pólo ou coisa parecida,
de tal modo que a argamassa congela em vez de consolidar. De igual modo,
o muro abomina tanto os calores excessivos, como os frios rigorosas e as
súbitas geadas e, mais que tudo, os ventos de norte. E, mais que todas as
outras partes, a abóbada quer condições atmosféricas constantes e tempera-
das, até a obra consolidar e endurecer. O momento verdadeiramente ade-
quado para a construção dos revestimentos é quando nascem as Plêiades 675
e, finalmente, por esses dias em que os Austros sopram fortemente e trazem
chuva porque, se estiver mal humedecida a superficie que vai ser rebocada
com um revestimento ou com uma caiadura, os materiais não fazem preza,
e em vez disso em vários sítios escorrem, desprendem-se e caem; e .a obra
fica desfeada com enrugamentos por todo o lado. Mas do revestimento e da
caiadura falar-se-á mais copiosamente em lugar próprio 676 •
675
O nascer helíaco das Plêiades ocorre por volta dos idos de Maio.
676
Ver Livro VI caps. 9-11 .
277
Livro Terceiro
278
LEON BATTISTA ALBERTI
COMEÇA O LIVRO Q!/ARTO: EDIFÍCIOS PARA FINS
UNIVERSAIS
CAPÍTULO I
677
Esta interpretação contrapõe-se à de Vitrúvio (II, 1, 1-7) que sugere que as origens míti-
cas da arquitectura se fundamentam na concepção da cabana primitiva associada à des-
coberta do fogo , à vida em sociedade e à invenção da linguagem.
678
Ver Livro I, caps. 2 e 9.
679
Quint., Inst., XII, 10, 44.
279
Livro Quarto
680
É a partir das necessidades e da diversidade dos humanos que todas as espécies de edi-
fícios são identificadas e não a partir de tipologias arquitectónicas previamente estabele-
cidas.
681
Plut., Thes., XV, 1-2.
682
Medida de capacidade, aproximadamente equivalente a 52 litros. Cf. Plut., Sol., 18, 1.
683
Plut., Num ., XVII, 1.
684
Caes., Gal., VI, 13.
685
Para Diodoro Sículo (V, 41-46), a terra dos Panteus, a Pancaia, era uma ilha imaginária
situada no oceano Índico, ao largo da costa oriental da península Arábica, onde os deu-
ses eram adorados com magníficos sacrifícios. É citada por Camões (Os Lusíadas, II,
12, 5-6) como uma região onde se produzia incenso de qualidade.
280
Edificios para Fins Universais
686
Hdt., II, 164-168.
687
Arist., Pol., II, 8, 1.
688
Aristóteles (Pol., IV, 3, 11, e VII, 9, 2) ao debater a constituição do estado ideal, define
o que é o bem supremo para a cidade e para o indivíduo, como se refere ao plano geral
das atribuições sociais dos cidadãos.
689
Magistrado, de origem espartana, encarregado da jurisprudência civil e com poderes de
censura e de polícia.
690
PI. , Resp., IX, 580a. A relação cidade, corpo e alma também foi apresentada, no séc. V,
pela oposição entre cidade carnal e cidade espiritual, desenvolvida por Santo Agostinho
na obra A Cidade de Deus.
281
Livro Quarto
691
Sobre as capacidades inatas dos humanos, bem com sobre a dimensão social da riqueza
na vida da cidade veja-se, nesta edição, a In trodução - As Leituras da Arte Edificatória.
282
Edificios para Fins Universais
692
Em Roma e na época clássica, Dioniso, citado como Dionísio, é o deus do vinho, asso-
ciado ao delírio místico. Cf. Arr., Anab., VIII, 7 e Diod. Sic., II, 38, 3.
693
Thuc., I, 2, 2.
694
Os Burgúndios são um dos povos bárbaros que se estabeleceram na Gália no séc. IV
d. C.. O que César (Gal., I, 5) refere, é que existiam, na Gália, cerca de quatrocentas
aldeias dos Helvécios, que se reportam, possivelmente, àquela ocupação dispersa referida
por Alberti. Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 380, n. 14.
695
Antiga cidade marítima fenícia, actualmente conhecida como Gebeil, situada na costa do
Líbano.
96
6 Cf. Euseb., Prep., I, 10.
283
Livro Quarto
embora Pompónio calcule que a cidade de Jope foi fundada ainda antes do
Dilúvio 697 • Segundo Heródoto, os Etíopes, quando ocuparam o Egipto, não
matavam nenhum dos criminosos 698 ; em vez disso, condenavam-nos a juntar
montes de terra junto das aldeias em que habitavam; dizem que daqui surgi-
ram as cidades através do Egipto. Mas sobre esta matéria falaremos em
outro lugar 699 . De momento, embora eu me dê conta de que por natureza,
como dizem, todas as coisas que se formam começam a crescer a partir de
princípios insignificantes, apraz-me, todavia, começar pelos edificios de
maior dignidade.
CAPÍTULO II
697
Mela, I, 65, 4.
698
Hdt., II, 137 e Diod. Sic., I, 65, 4.
699
Ver Livro IV, cap. 3; Livro V, cap. 10 e Livro X, cap. 1.
700
Caes., Gal., IV, 3 e VI, 23.
701
Diod. Sic., I, 55, 6.
702
Diod. Sic., II, 48, 2.
284
Edificios para Fins Universais
como dizia Crates, é prejudicial tanto aos velhos como aos jovens: àqueles,
enlouquece-os; a estes, efemina-os 703 • Entre os Emericos - diz Lívio - há
uma região fertilíssima, mas cria homens ineptos para a guerra, o que é vul-
gar acontecer em terrenos fecundos 704 • Pelo contrário, os Lígios, porque
habitam numa terra pedregosa, que é preciso trabalhar assiduamente e arras-
tar o dia com extrema parcimónia de alimento, são extremamente laboriosos
e robustos 705 •
Sendo assim, haverá quem porventura não desaprove, para a fundação
de cidades, regiões deste género, rudes e difíceis. Outros pensarão o contrá-
rio: pois desejarão desfrutar em sua casa dos benefícios e dons da natureza,
de tal maneira que nada mais seja possível acrescentar para satisfazer não só
as necessidades, mas também os prazeres e as delícias da vida: que, graças
às leis e aos costumes dos antepassados, é possível fazer bom uso dos bens;
e que, por sua vez, os bens que contribuem para a vida, são na realidade
muito mais agradáveis se existem em casa do que se for necessário procurá-
-los fora. E desejarão conseguir um terreno, como aquele de Mênfis, do qual
diz Varrão que possui um clima tão ameno que a nenhuma árvore cai a
folha durante um ano inteiro, nem mesmo às videiras 706 ; ou como aquele do
monte Tauro 707 nos lugares voltados a norte - pois, segundo o testemunho
de Estrabão, produzem-se cachos de uvas de dois côvados 708 , e de cada cepa
colhe-se uma ânfora de vinho e de cada figueira setenta módios de figos 709 ;
ou como aquele que se cultiva na Índia e na ilha Hiperbórea 710 junto do
703
Referência ao poeta e filósofo cínico Crates de Tebas (c. 368/365-288/285 a. C.), cuja
vida foi descrita por Diógenes Laércio (VI, 85-93).
704
Tito Lívio (XXIX, 25, 12) refere-se à região dos Emporia, situada na actual Tunísia
entre Gabes e Sfax, e não à dos Emericos, localizada na península Ibérica na actual
Mérida, como sendo uma terra particularmente fértil e onde os nativos não estão aptos
para a guerra. Cf. Caye-Choay, 2004, p. 190, n. 28.
705
Os Lígios são de facto os Lígures, povo que invadiu a Europa na época proto-histórica
e se estabeleceu, até ao séc. VI a. C., na região nordeste da Itália, tendo sido subjuga-
dos por Roma entre 238 e 117 a. C.. Cf. Diod. Sic., IV, 20, I.
706 Varrão (R., I, 7, 6) refere-se a uma vinha situada perto de Elefantina, no Alto Egipto, e
não a Mênfis, capital do Egipto no reinado de Ptolemeu L
707 Tauro é uma cadeia de montanhas da Cilícia na Ásia Menor. Cf. Strab., XII, 7, 3.
708
Equivalente a 88,64 cm.
709
Uma ânfora mede cerca de 20 I. e um módio 8,75 1..
710
Hiperbórea significa para além donde o Bóreas (vento norte) sopra (cf. Diod. Sic., I,
47, 1), uma das muitas terrae incognitae da Antiguidade Clássica, possivelmente situada
ao norte da Europa ou da Ásia, citada por Camões (Os Lusíadas, III, 8, 1-2): "Lá onde
mais debaxo está do Pólo, I Os Montes Hiperbóreos aparecem".
285
Livro Quarto
oceano, em cujo terreno diz Heródoto que se fazem duas colheitas por
ano 71 1; ou como aquele, na Lusitânia, onde das sementes que brotam de
novo se fazem várias ceifas 712 ; ou, antes, como aquele de Talge, no monte
Cáspio, que produzia searas mesmo sem ser cultivado 713 • Estas condições
são raras e é mais fácil desejá-las do que encontrá-las.
Por isso, os melhores autores da Antiguidade, que sobre esta matéria
confiaram à escrita o que receberam de outros e o que eles próprios desco-
briram, determinaram que se deve situar a cidade de tal maneira que, na
medida em que a razão e a condição das coisas humanas o permitam, se
abasteça no seu próprio terreno, não necessitando de importar nada do exte-
rior, e de tal modo as suas fronteiras devem estar defendidas que, por um
lado, não possa ser invadida facilmente e, por outro lado, consiga mandar o
seu exército para uma província alheia quando bem entender, apesar da
resistência do inimigo. Todos concordam em que uma cidade assim situada
tem todas as possibilidades de não só salvaguardar a liberdade, mas também
de se expandir, a si e ao seu domínio. Mas eu que direi a este respeito?
Atribui-se ao Egipto, como principal motivo de orgulho, o facto de estar
maravilhosamente defendido por todos os lados e ser quase inacessível, pro-
tegido daqui pelo mar, dali pela vastidão do deserto, da direita por montes
alcantilados, da esquerda por pântanos extensíssimos; além disso é tanta a
fertilidade do solo a ponto de os Antigos dizerem que o Egipto · era o celeiro
público da terra e que os deuses aí acorriam para seu deleite espiritual e
refúgio. No entanto, Flávio Josefo afirma que esta região tão defendida, tão
fértil que se podia orgulhar de alimentar todos os mortais, de dar hospitali-
dade e refúgio aos próprios deuses, nunca foi livre desde todo o sempre 714 •
Por isso, é bem certa a advertência daqueles que fantasiam que a sorte dos
mortais de modo nenhum está segura, nem mesmo ao colo de Júpiter. Vem,
pois, a propósito referir uma resposta dada por Platão: como alguém lhe per-
guntasse onde havia de encontrar aquela célebre cidade que ele tinha imagi-
nado, respondeu: "Não é esse o meu propósito; a minha procura é definir a
melhor cidade de entre todas e de qualquer natureza que possam existir; tu
711
A notícia não se encontra em Heródoto mas em Diodoro Sículo (II, 47, 1) que refere
que a ilha de Hiperbórea teria uma dimensão não inferior à da Sicília.
712
A reforma administrativa da península Ibérica, realizada no principado de Octaviano
Augusto, subdividiu este território em três províncias: a Tarraconensis (Tarraconense),
com capital em Tarraco (actual Tarragona); a Baetica (Bética), com capital em Corduba
(Córdova) e a Lusitania (Lusitânia), com capital em Emerita (Mérida).
713
Talge é urna ilha do Mar Cáspio (Mela, lll, 58).
714
Joseph., B. 1. , II, 386-387.
286
Edificios para Fins Universais
considera que deves preferir às outras aquela que menos se afastar da seme-
lhança dela 715 . " Assim também nós, apresentando como que modelos exem-
plares, definamos até ao fim uma unidade urbana que os mais doutos consi-
deram que, sob todos os aspectos, há-de ser cómoda, conformando-nos de
resto com o nosso tempo e as necessidades concretas. Tomaremos por lema
as palavras de Sócrates: "uma coisa que por si mesma se mantém de tal
modo que não possa mudar para pior, devemos considerá-la a melhor de
todas." 716
Portanto, estabelecemos que a cidade deve ser tal que nela não esteja
presente nenhuma das desvantagens que examinámos no livro primeiro e não
faltem as coisas que são desejáveis para uma vida sóbria. Terá um terreno
salubre, muito amplo, variado, ameno, fértil, bem defendido, opulento, pro-
vido de toda a variedade de frutos, de toda a exuberância de fontes; haverá
rios, lagos; terá acesso fácil ao mar por onde, sem o mínimo incómodo,
serão importados os produtos que faltam e exportados os que sobejam; final-
mente, será posto à disposição tudo o que é necessário para constituir digna-
mente e engrandecer as instituições civis e militares, graças às quais a
cidade venha a ser no futuro protecção para os seus cidadãos, ornamento
para si mesma, motivo de agrado para os amigos e de terror para os inimi-
gos. E direi que tudo corre bem com uma cidade que pode cultivar uma boa
parte dos seus campos sem que o inimigo possa impedir.
Convém situar a cidade no centro do seu território, numa posição de
onde possa observar até à orla do território e distinguir o que é oportuno
fazer e tentar acudir prontamente onde a necessidade exigir; de onde o fei-
tor e o lavrador possam sair com frequência para o trabalho e voltar num
instante carregados com o fruto da colheita. Mas se a cidade deve ser
situada em campo aberto, ou no litoral, ou nas montanhas - é uma questão
da máxima importância. Com efeito, cada uma destas situações tem as suas
vantagens e os seus inconvenientes. Conduzindo Dionísio o seu exército
através da Índia, vendo-o exausto de calor, encaminhou-o para os montes,
onde de imediato, apanhando uma brisa benfazeja, recuperou do cansaço 717 •
287
Livro Quarto
718
Ver Cic., Rep., II, 3-5, sobre a escolha do sítio da cidade Roma.
719
Ver Livro X, cap. 12.
720
Strab., I, 3, 17.
72 1
De acordo com Estrabão (1, 3, 15) não há evidência de que o templo de Ámon, apesar
das inscrições com desenhos de golfinhos, tenha estado alguma vez situado junto à costa.
288
Edificios para Fins Universais
722
Platão (Lg. , IV, 704b) refere-se a uma distância de oitenta estádios, provavelmente
baseada numa cidade fundada por Magnésios oriundos da Tessália e que imigraram para
Creta (cf. Morrow, 1960, pp. 30-31). Dado que um estádio ático equivale a 177,6 m, a
distância indicada possivelmente corresponde a 14,21 km, ou seja, a cerca de dez milhas
romanas (14,78 km).
723
Ver Livro I, cap. 4.
724
Arist., Pol., VII, 10.
725
Cf. Strab., XII, 7, 3.
289
Livro Quarto
726
Hes., Op., v. 518.
727
Mencionada por César (Civ., I, 15, 2).
728
Tribuno militar que viveu de c. I 00 a 45 a. C., provavelmente natural do Piceno, legado
de Júlio César na conquista da Gália, mas que veio a tomar partido na guerra civil ao
lado de Pompeio.
729
A fortaleza de Bisseio não é actualmente identificável e o território dos Marsos situa-se
no lado ocidental da região dos Abruzzi.
290
Edificios para Fins Universais
730
Ver Livro I, cap. 3.
731
Pellegrini ( 1990, p. 118) resume e comenta, nos finais do séc. XVI, os tratados de
Vitrúvio e de Alberti. Na parte segunda, capítulo XLIII, dos seus escritos de arquitec-
tura, apresenta, de forma sintetizada, o cap. 2 do Livro IV de Alberti sobre os sítios e
os modos de se construírem cidades e descreve a experiência dos navegadores portugue-
ses e espanhóis que sulcaram os mares em direcção à Índia, o que possibilitou "almeno
provvedere, dai luoghi ove sono presenti, delle cose che mancano tra quelle che sono
necessarie a! ben vivere".
291
Livro Quarto
CAPÍTULO III
Estamos convencidos de que o perímetro da cidade e a distribuição das
suas partes devem variar em função da variedade dos lugares, uma vez que
está à vista de todos que nos montes não há possibilidade de lançar um tra-
çado circular das muralhas, ou quadrangular, ou outro que se ache bom,
como se pode fazer na planície.
Os arquitectos da Antiguidade desaprovam que se rodeiem as cidades
com muros em ângulo, porque favorecem mais os inimigos no ataque, do
que os habitantes na defesa, e ainda porque não são nada eficazes para resis-
tir aos danos causados pelas máquinas de assédio 733 • E, de facto, os ângulos,
ao abrigo dos quais é possível sair ao ataque e resguardar-se, conferem
alguma vantagem aos atacantes para fazer ciladas e atirar dardos. Nas cida-
des de montanha, todavia, às vezes os ângulos são muito importantes para a
defesa, quando estão voltados para as vias de acesso. Em Perúsia, cidade
famosa porque estende os seus bairros em todas as direcções através das
colinas, dispostas como se fossem os dedos da mão estendidos, se o inimigo
732
Ver Livro I, cap. 4.
733
Vitrúvio, I, 5, 2 e 5.
292
Ediflcios para Fins Universais
quiser atacar um ângulo de frente, não haverá espaço onde se possa movi-
mentar com uma força numerosa e, como que apanhado numa cidadela
situada num plano inferior, não conseguirá resistir aos dardos e ataques dos
sitiados. Portanto, a maneira de rodear uma cidade de muralhas não é uma
só e a mesma em todos os lugares.
Finalmente dizem os Antigos que a cidade, tal como o navio, não deve
ser tão grande que baloice quando vazia, ou não tenha espaço suficiente
quando cheia 734 ; mas uns preferem-na muito cheia porque a julgam mais
segura; outros maravilham-se com espaços mais extensos, porque a si mes-
mos prometiam as melhores esperanças para o futuro; outros, ainda, cederam
porventura à celebridade e posteridade do seu nome. Vi nos historiadores da
Antiguidade que a Cidade do Sol 735 fundada por Busíris, a que dão o nome
de Tebe, tem um perímetro de cento e quarenta estádios 736 ; Mênfis, cento e
cinquenta 737 ; Babilónia, acima de trezentos e cinquenta 738 ; Nínive, quatro-
centos e oitenta 739 • E houve quem abrangesse uma área tão grande que den-
tro da cintura urbana colhiam provisões para todo o ano. Eu aqui, seguindo
um velho provérbio, aprovarei o que se costuma dizer: o tudo e o nada são
em demasia; ou, se me aprouvesse ceder a uma destas partes, antes quereria
aquela que possibilita escolher com toda a comodidade um número acrescido
de cidadãos, do que aquela que não possa albergar os seus com dignidade.
Acrescente-se que a cidade não deve ser concebida apenas para satisfazer a
utilidade e a necessidade de habitação, deve também ser planeada de tal
modo que, além de se atender às funções públicas, se disponibilizem espaços
e locais muito agradáveis para embelezamento e lazer: praças, campos de
corrida, jardins, passeios, piscinas e outros equipamentos do mesmo género.
Contam os Antigos, Varrão, Plutarco e outros, que os antepassados cos-
tumavam definir as muralhas das cidades com uma cerimónia e um ritual
religioso 740 • Dois bovinos atrelados, um touro e uma vaca, no dia marcado
pelo áugure puxavam um arado de bronze; e fazia-se o sulco primigénio,
734
Cícero (Rep., I, 11 e 62; V, 5 e 8) refere-se recorrentemente à metáfora da nau-do-estado
para descrever e comentar a governação da república.
735
A Cidade do Sol é designada por Diodoro Sículo (I, 45, 4) como Dióspolis: "a cidade
que os Egípcios chamam Dióspolis a Grande [Diospolis Magna], os Gregos designam-na
por Tebe" (cf. trad. esp. F. P. Alasá, 2005).
736
Equivalente a 25,86 km.
737
Equivalente a 27,70 km. Cf. Diod. Sic., I, 50, 4.
738
Equivalente a 64,64 km.
739
Equivalente a 88,65 km . Cf. Diod. Sic., II, 3, 3.
740
Var. , L. ,V, 143 e Plut., Rom., 11 , 1.
293
Livro Quarto
74 1
Dionísio de Halicamasso (I, 88), historiador grego do séc. I a. C., cuja obra Das Anti-
guidades Romanas é uma fonte documental para se compreender a história antiga de
Roma, desde o seu início até meados do séc. III a. C. .
742
Curt., IV, 8, 6.
743
Amm. Marc., XXII, 16, 7 e Plut., A /ex., 26, 5-6.
744
Plut., op. cit., 26, 5-6, e Arr. , Anab., III, 2, 1.
74 5
Ver Livro II, cap. 13.
294
Edificios para Fins Universais
dígios que nos avisam do fim de cada século" 746 • Isto dizem os Etruscos. Há
quem acrescente que, com estes argumentos, os Etruscos definiam com toda
a exactidão os seus séculos. Assim, com efeito, transmitiram à posteridade:
que os seus quatro primeiros séculos foram ~e cem anos, o sexto de cento e
dezanove, o sétimo idem, o oitavo por seu lado decorreu durante o tempo
dos Césares, e que restavam ainda o nono e o décimo.
Além disso, consideravam que, graças a estes indícios sabiam como
haviam de ser esses mesmos séculos. De facto, conjecturaram que Roma
havia de ter o império do mundo, baseados no facto de que, no dia em que
a cidade foi fundada, só um dos que nasceram durante esse dia adquiriu a
realeza. Dou-me conta de que esse foi Numa: na verdade, Plutarco recorda
que no dia 19 de Abril foi fundada a cidade e nasceu Numa 747 .
Os Espartanos gabavam-se de não terem a sua cidade rodeada de mura-
lhas: confiados nas armas e na valentia dos seus cidadãos, consideravam
suficiente estarem protegidos pelas leis. Pelo contrário, os Egípcios e os Per-
sas consideraram que as suas cidades deviam ser extraordinariamente fortifi-
cadas com a protecção de muros. Com efeito, não só os outros mas também
os Ninivitas e ainda Semíramis quiseram que as suas cidades tivessem uma
tal espessura de muralhas que a largura da parte superior permitisse que dois
carros fossem puxados um ao lado do outro 748 ; e elevaram-nas a tal altura
que excediam cem côvados 749 • Arriano recorda que em Tiro as muralhas
tinham cem pés de altura 750 • E houve quem não se contentasse com uma
muralha: os Cartagineses rodearam a cidade de um triplo muro; Heródoto
diz que Déjoces 751 rodeou a cidade de Ecbátana de um sétimo anel, embora
ela estivesse situada numa elevação 752 •
Nós, porém, reconhecendo que está na muralha a melhor guarnição para
proteger a vida e a liberdade contra inimigos superiores em destino ou em
746
Censorino (XVII, 5 et seq.), gramático e enciclopedista latino do séc. III d. C., trans-
missor das ideias de Varrão e de Suetónio para descrever, na obra De die nata/i, a defi-
nição de século de acordo com os rituais etruscos e as práticas romanas.
747
Apesar de o ano mítico . do início de Roma variar de 753 a 728 a. C., todos os autores
concordam que o dia da sua fundação por Rómulo foi a 21 de Abril, a que corresponde
o dia de nascimento do seu segundo rei, Numa Pompílio. Cf. Plut., Num., III, 3, 4.
748
Diod. Sic., II, 3, 3 e II, 7, 4. Curt., V, I, 25.
749
Equivalente a 44,32 m.
750
Equivalente a 29,6 m. Cf. Arr. , Anab., II, 21, 4.
751
Soberano da Média, região montanhosa situada a sudoeste do Mar Cáspio, no séc. VII
a. C..
752
Hdt., I, 98. O nome grego da cidade é Hagmatana, actual Hamadan.
295
Livro Quarto
número, não concordamos nem com aqueles que querem que a cidade esteja
completamente desguarnecida, nem com aqueles que põem toda a esperança
de salvação na construção de muralhas. Estou, todavia, de acordo com Pla-
tão 753 : que é inerente e intrínseco a qualquer cidade estar, em cada momento
da sua história, em risco de cativeiro, visto que, por natureza ou pelo carác-
ter dos homens, se chegou a um ponto em que não há maneira de alguém
conseguir impor um termo ao desejo de possuir e um limite à ambição, nem
no domínio público nem no privado; é desta única causa que derivam, em
exclusivo, todos os males da guerra. Assim sendo, quem negará que é neces-
sário acrescentar guardas aos guardas e fortificações às fortificações?
Além disso, como dissemos noutro lugar 75\ a cidade com mais capaci-
dade de todas é a que for circular; a mais segura, a que for cercada de
muros com curvas sinuosas, como era Jerusalém, segundo escreve Tácito 755 •
Com efeito garantem que o inimigo não levará as máquinas de assédio, sem
perigo, para dentro das reentrâncias ou, com esperança de sucesso, para
junto das saliências 756 • Todavia, prestaremos atenção às vantagens que se
tiram da própria cidade; advertimos que os Antigos assim procederam em
função das possibilidades e das condições impostas pelos lugares. Efectiva-
mente, a antiga cidade latina de Âncio 757 estendia-se no sentido do cumpri-
mento para acompanhar a curvatura da costa, como se vê pelas ruínas que
dela restam. O Cairo também se estende ao longo do Nilo. Megástenes
escreveu que a cidade indiana de Palimbrota, no território dos Grássios,
tinha oitenta estádios de comprimento, quinze de largura, estendendo-se ao
longo do rio 758 . Referem que a Babilónia tinha o traçado das muralhas de
753
Platão (Lg., VI, 778 d) faz o elogio das cidades que são capazes de se defenderem pelo
poder das armas, como é o caso de Esparta que praticamente não era amuralhada, o que
não evitou, apesar do valor dos seus habitantes, a derrota imposta por Epaminondas nas
batalhas de Leuctra e de Mantineia em 362 a. C ..
754
Ver Livro I, cap. 8.
755
Tácito (Hist., V, 11 ), ao descrever o cerco de Jerusalém por Tito Flávio Vespasiano,
refere que esta cidade estava cercada por muralhas arqueadas para o seu interior de
forma a que os flancos dos invasores ficassem sujeitos a projécteis procedentes de várias
direcções.
756
Ao contrário do sugerido por Vitrúvio (1, 5, 2) que, para favorecer o uso de armas de
arremesso, projecta as torres para o exterior das muralhas.
75 7
Cidade do Lácio, habitada pelo menos desde o séc. VIII a. C., com uma cultura mate-
rial semelhante à romana mas despovoada na alta Idade Média.
758
Equivalente a 14,78 km de comprimento por 2,77 km de largura. A descrição de Megás-
tenes, historiador grego dos sécs. IV-III a. C. e autor de uma história da Índia, sobre
Palimbrota, considerada uma grande cidade da Índia, é referida por Arriano (Anab.,
VIII, 10).
296
Edificios para Fins Universais
forma quadrangular 759 e que Mênfis era delimitada exactamente pela confi-
guração da letra delta 760 • Finalmente, qualquer que seja o traçado do perí-
metro, Vegécio considera que estão satisfeitas as necessidades reais se se
construírem muros tão largos que não impeçam os defensores de se cruza-
rem armados; se os elevarmos tão alto que não se possam escalar encos-
tando-lhes escadas; se, com a cal e a alvenaria, os reforçarmos de tal modo
que eles não cedam ao aríete e às máquinas de assédio 761 • Há, na realidade,
duas espécies de máquinas: uma aquela com que se derruba a construção
batendo contra ela, ou arremessando-lhe projécteis; a outra aquela com que
se escavam os muros, provocando o seu desmoronamento. A ambas se fará
frente mais com um fosso do que com o muro: neste caso não confiam no
muro, a não ser que esteja assente na água ou em rocha firme, e mesmo
assim exigem que o fosso seja largo e bem fundo. É que este, de facto,
impedirá a aproximação da tartaruga ou da torre móvel; e será frustrada toda
a tentativa de escavar galerias subterrâneas quando se depara com água ou
rocha. Os militares debatem a questão: se é melhor ter o fosso cheio de
água, ou se é preferível tê-lo seco. Entendem, na verdade, que não vem em
último lugar ter a atenção a saúde dos habitantes. Confiam ainda naquele
fosso em que, se houver algum desabamento provocado pelo arremesso de
projécteis, se possa facilmente retirar e limpar, não vá suceder que, for-
mando-se com isso um aterro, se faculte ao inimigo uma via de acesso.
CAPÍTULO IV
759
Hdt., I, 178. Tanto para Heródoto, como para outros historiadores Gregos, pode haver
algum exagero nos seus relatos sobre o oriente que era descrito, geralmente, com elo-
quência, ao contrário da maneira como a Europa construiu, a partir do séc. XV, a sua
identidade, com base numa descrição misteriosa, imutável e subalterna do levante (cf.
Said, 1978).
760
Diodoro Sículo (I, 50, 3) regista que Mênfi s se situava no "delta" do Nilo.
761
Veget., IV, 19.
762
Equivalente a 5,92 m.
297
Livro Quarto
763
Veget., IV, 3.
764
Vitrúvio (I, 5, 3) não se refere a pranchas de madeira mas a traves de oliveira passadas
pelo fogo para se fazer o travamento e consolidação dos muros e das respectivas fun-
dações.
765
Cidade da Beócia, que fazia fronteira com a Ática, devastada no ano de 427 a. C.
766
Thuc., II, 75, 2.
767
Caes., Gal. , VII, 23.
298
Edificios para Fins Universais
queimada e corroída pelos sais e pelo ardor da cal. Então, se acontecer que
a obra sofra o embate dos projécteis das máquinas, o resultado - dizem -
será que a estrutura do muro assim ligada, ao ser atingida, é abalada no seu
todo e desmorona toda em conjunto.
Pela nossa parte, somos de opinião que os muros se reforçam excelen-
temente contra os danos dos projécteis da seguinte maneira. Ao longo do
perfil do muro edificaremos contrafortes salientes de base triangular, com
um ângulo voltado para o inimigo, distanciados entre si por um espaço de
dez côvados 768 , e entre eles estenderemos arcos de um contraforte para o
outro e formaremos abóbadas e, com palha amassada e prensada com a
ajuda de um maço, encheremos os espaços vazios que aí ficaram no meio
em forma de fundo de canoa 769 • O resultado será que a violência e o
impulso das máquinas de arremesso serão anulados pela moleza da argila;
resultará também que o muro não poderá ser danificado pelas contínuas
investidas das máquinas, a não ser em brechas isoladas e fáceis de tapar
rapidamente. Na Sicília a abundância de pedra-pomes facultará à maravilha
aquilo que aqui procuramos. Em outras regiões utilizam, não sem vantagem,
tufo em vez de pedra-pomes e de argila. Também não recusaremos o gesso
para este efeito.
Por fim, se houver alguma parte que esteja exposta à humidade, ao
vento sul ou aos vapores nocturnos, essa seja coberta por um revestimento
de pedra. E, antes de mais, convirá fazer o lado exterior do fosso em declive
e um pouco mais elevado que o resto do chão: desta forma os disparos dos
projécteis não atingirão os muros da cidade, antes voarão por cima. E há
quem considere que o muro mais seguro contra as máquinas de arremesso é
aquele cujo perfil é traçado de modo a imitar os dentes de uma serra 770 .
São dignos de apreço os muros da cidade de Roma, que a meia altura
têm um caminho de ronda; por todo o muro, em lugares adequados, foram
deixadas frestas, por onde furtivamente os frecheiros ferem um inimigo
incauto e aventureiro.
E aos muros devem ser acrescentadas, de cinquenta em cinquenta côva-
dos 771 , como se fossem contrafortes, torres de faces circulares salientes e
mais imponentes em altura que o muro, a fim de quem se aproximar expo-
nha aos projécteis o flanco a descoberto e assim seja eliminado; deste modo
768
Equivalente a 4,43 m.
769
No Livro I, cap. 8, são descritos os diversos tipos de abóbadas.
770
Vitrúvio, I, 5, 7.
771
Equivalente a 22,16 m.
299
Livro Quarto
CAPÍTULO V
172
Ver Livro V, cap. 4.
773
Vitrúvio, I, 5, 4.
774
As vias de acesso da cidade são estruturalmente análogas às aberturas dos edificios. Cf.
Livro I, cap. 2.
300
Edificios para Fins Universais
Vias militares são aquelas por onde nos deslocamos do nosso território
com o exército e a respectiva equipagem. Por isso uma via militar deve ser
muito mais larga do que as não militares. E tenho verificado que os Antigos
costumavam fazer com que não tivessem em nenhum ponto menos de oito
côvados 775 de largo.
A partir da Lei das Doze Tábuas 776 os Antigos determinam que uma via
em linha recta tenha doze pés de largura 777 e nas curvas 778 , isto é, quando
inflecte, dezasseis 779 • As não militares são aquelas pelas quais saímos de
uma via militar para a quinta ou para uma cidade ou ainda para outra via
militar; assim são, por exemplo, as veredas através do campo, as ruelas atra-
vés da cidade. Há, além dessas, um tipo de vias que partilham da natureza
de uma praça; assim são aquelas que se destinam a determinados usos espe-
cíficos, particularmente públicos, como, por exemplo, a que conduz ao tem-
plo, ao estádio ou ao tribunal.
O traçado das vias não deve ser através do campo o mesmo que dentro
da cidade. Fora da cidade é absolutamente necessário que se observe o
seguinte: que seja desafogada e muito aberta para toda a paisagem em redor;
que seja totalmente livre e desimpedida de obstáculos, sejam eles inundações
ou aluimentos; que não sejam deixados aos ladrões absolutamente nenhuns
esconderijos, nenhuns refúgios, que lhes permitam montar ciladas; que não
haja a cada passo acessos fáceis, vindos de qualquer lado, que favoreçam a
pilhagem; finalmente, que seja a direito e o mais rápida possível. Será a
mais rápida não a mais directa, como se julga, mas sim a mais segura; pre-
firo uma via um pouco mais longa do que uma pouco cómoda.
775
Equivalente a 3,55 m.
776
O texto original da Lei das XII Tábuas perdeu-se mas foi citado nos Digesta, uma vasta
colecção de excertos de obras de jurisconsultos notáveis, publicada em 533 d. C .. Cf.
Ulp., VIII, 3, 8.
777
O artigo 6. 0 da Tábua VII menciona que as vias em linha recta devem ter somente oito
pés de largura, isto é, cerca de 2,34 m (cf. Gaio, 7 ad ed. pr., D., VIII, 3, 8, in Carri-
lho, 2008, pp. 64-65). O facto de Alberti alterar a medida de oito (2,36 m) para doze
pés (3 ,55 m) sugere que, provavelmente devido à sua formação jurídica, teve a intenção
de a corrigir, com os dados da observação no terreno.
778
O traçado curvilíneo mostra que Alberti admite formas urbanas que não se esgotam em
traçados ortogonais de origem romana, mas sugere um leque mais vasto de opções
morfológicas, onde se incluem as cidades da península Itálica com implantação mais
orgânica.
779
A exigência de as vias terem o dobro da largura nos cruzamentos deve-se ao facto de os
veículos romanos de quatro rodas terem, pelo menos na altura de promulgação da lei,
entre 451 e 449 a. C. , dois eixos de rodagem fixos (cf. Bek.ker-Nielsen, 2004, p. 92).
301
Livro Quarto
780
Cidade dos Volscos, situada no Lácio, a sul de Roma, hoje Pipemo.
78 1
Ou terrapleno - agger.
782
Ver Livro I, cap. 4.
783
Em Roma. Um texto do séc. XII designa a décima terceira porta da cidade, e a via que
dela sai para o porto, como porta et via portuensis. Actualmente a porta conserva o
nome de Porta Portese (Cf. Willelmi Malmesburiensis, De gestis regum Anglorum libri
quinque, PL, 179, 1306).
784
Vitrúvio, I, 5, 2.
302
Edificios para Fins Universais
785
Esta experiência sequencial e não cenográfica do espaço urbano, ao contrário das repre-
sentações em perspectiva central da cidade ideal do Renascimento, sugere o entendi-
mento simultâneo de uma dimensão local e global do espaço público, i.e. uma reiterada
e progressiva relação entre ordem e estrutura urbana.
786
Tac., Ann., XV, 43.
303
Livro Quarto
CAPÍTULO VI
As pontes são parte essencial de uma via. Nem todo o lugar é próprio
para ter uma ponte. Com efeito, além de não convir que a ponte seja rele-
gada, com vantagem de poucos, para um recanto longínquo e afastado, mas
antes esteja acessível, para uso de todos, numa zona central, deve ser colo-
cada onde seja fácil de ser construída e concluída sem custos excessivos, e
seja legítimo esperar que dure para sempre. Deve, pois, escolher-se um vau
não muito profundo, não escarpado, não instável, nem movediço, mas todo
ao mesmo nível e estável. Devem evitar-se os redemoinhos, os rápidos, os
sorvedouros, perigos que se encontram pelos cursos de água; e, antes de
mais, devem evitar-se os cotovelos, não só por outras razões - nesses sítios
as margens, como é fácil de ver, são mais propensas a aluimentos - mas
também porque, por meio deles, os materiais arrancados dos campos pelas
cheias, os troncos e as plantas, não são levados num deslizar a direito e sem
obstáculos, mas atravessam-se e, retardando-se uns aos outros, aglomeram-se
e acumulam-se e, formando um vasto amontoado, embaraçam-se nos pilares
da ponte, fazendo soçobrar as embocaduras dos arcos por excesso de pres-
são, até que a obra é abalada e demolida pela violência e pela massa das
águas 789 .
Há pontes de pedra e pontes de madeira 790 • Trataremos primeiro das
pontes de madeira, porque são mais fáceis de construir, e, a seguir, das de
787
Curt., V, I, 26-27.
788
PI., Lg. , VI, 779b. Esta concepção de cidade aplica-se às cidades da metrópole e não às
das colónias gregas que eram menos compactas e, muitas vezes, fundadas sobre uma
malha regular, como é o caso de Mileto (475 a. C.) e de Olinto (432 a. C.).
789
Os autores da Antiguidade Clássica, à excepção de Séneca (Nat., III, 27, 30), omitiram
a temática das construção de pontes de madeira das suas obras ou, então, apresentaram
referências muito sumárias, como sucede com a descrição da ponte Sublício, construída
no reinado de Anco Márcio, c. 640-617 a. C. (cf. Plin., Nat., XXXVI, 100; Plut., Num ., 9;
Liv., Hist., I, 33; Var., L. , V, 83).
790
Esta classificação foi , subsequentemente, adoptada pelos artistas e tratadistas do Renas-
cimento, nomeadamente por Leonardo da Vinci e Andrea Palladio.
304
Edificios para Fins Universais
pedra. Umas e outras devem ser muito sólidas. Por isso, a ponte de madeira
deve ser reforçada com grande abundância de materiais que sejam resisten-
tes. Para que ela seja bem construída, é muito importante ter presente o
exemplo de César, que usou o seguinte método na construção de uma ponte:
"Com intervalos de dois pés juntava duas traves de um pé e meio de espes-
sura, ligeiramente aguçadas na extremidade inferior, com o tamanho da pro-
305
Livro Quarto
distância a que se encontrava a junção das duas estacas fixadas. Por ·seu
lado, estas traves assim encaixadas eram mantidas à distância nas extremi-
dades por dois grampos de cada lado; assim separadas e seguradas em sen-
tidos opostos, era tão grande, graças à natureza, a solidez da obra que,
quanto mais aumentava o ímpeto da água, tanto mais estreitamente unidos se
mantinham os encaixes. Estas traves horizontais eram entrelaçadas por
madeira colocada por cima e por varas e juncadas de caniços, e sem demora
eram postas obliquamente, na parte inferior do rio, traves mais finas, a que
chamam sublicas (estacas) a partir do verbo subiicere (pôr debaixo)1 91 , para
que, colocadas por baixo como escora e unidas com o conjunto da obra,
aguentassem o ímpeto da corrente. E ainda outras traves estavam fixadas no
fundo do rio a montante da ponte, com pequena distância entre elas, para
que, se fossem mandados pelos bárbaros troncos de árvores ou barcos para
destruir a obra, o seu impacte fosse diminuído por estas defesas e não dani-
ficassem a ponte". Isto diz César 792 •
Não vem fora de propósito referir que em Verona costumavam fazer os
tabuleiros das pontes de madeira com vigas de ferro , sobretudo no sítio onde
passam as rodas das diligências e das carroças.
Segue-se a ponte de pedra. São estas as suas partes: os encontros das
margens, os pilares, a abóbada, o tabuleiro 793 • Entre os encontros das mar-
gens e os pilares há a seguinte diferença: é imprescindível que os primeiros
assentem em apoio absolutamente firme, não só para suportar as cargas da
abóbada colocada em cima deles, tal como os pilares, mas ainda mais para
escorar e conter as extremidades da ponte e a pressão exercida pelos arcos,
de modo a não abrirem. Por isso, é preciso escolher margens de pedra ou,
melhor, maciços rochosos, pois são as mais resistentes para se lhes poderem
confiar as extremidades da ponte 794 .
O número de pilares será correspondente à largura do rio . Arcos em
número ímpar por um lado produzem uma sensação agradável, por outro
lado contribuem para a solidez: com efeito, o meio da torrente, quanto mais
afastado está da coerção das margens, tanto mais livre é; e quanto mais
791
A etimologia de sublicas é provavelmente uma criação de Alberti. Emout-Meillet ( 1951 ,
Tomo II, p. 1168) sugerem que este termo não tem uma etimologia segura.
792
Caes., Gal., IV, 17.
793
Ver Livro VIII, cap. 6.
794
É intraduzível o jogo de palavras conseguido pela semelhança fonética entre ripae (mar-
gens) e rupes (rochas). Esta figura de estilo, a que se dá o nome de paronomásia, cria
uma aproximação, subtil e expressiva, entre duas realidades simultaneamente próximas e
distintas.
306
Edificios para Fins Universais
livre, tanto mais rápido e impetuoso se precipita; por isso, o meio do rio
deve ser deixado sem nada, para não prejudicar a solidez dos pilares,
batendo contra eles. E os pilares devem ser colocados através do rio onde as
águas correm mais moderadas e, por assim dizer, mais preguiçosas. As
cheias mostrarão indícios para conhecer qual é esse lugar; de qualquer
modo, nós abordaremos esta questão da seguinte forma.
Imitando aqueles que deitaram nozes ao rio, para que os sitiados as
recolhessem e se alimentassem 795 , nós lançaremos, em toda a largura do rio,
qualquer coisa que flutue na água, a uns mil e quinhentos passos 796 a mon-
tante, de preferência no tempo em que o rio vai cheio. Será indício de que
as águas correm com mais ímpeto num determinado ponto, o facto de nesse
sítio se juntar um maior número de objectos atirados ao rio: por isso, evita-
remos colocar os pilares nesse sítio; escolheremos aquele aonde os objectos
lançados chegaram em menor número e com mais demora.
O rei Menes 797 , tendo decidido fazer uma ponte em Mênfis, desviou o
Nilo para outro lugar através dos montes, e acabada a obra, restituiu-o ao
seu leito. Nitócris, rainha da Assíria, tendo preparado tudo o que era neces-
sário para construir uma ponte, desviou o rio 798 para um lago extensíssimo
escavado para esse efeito e, entretanto, enquanto o lago se enchia, levantou
os pilares no leito enxuto do rio.
Assim procederam eles. Pela nossa parte, assim prosseguiremos. Durante
o Outono, quando o rio leva pouca água, devem assentar-se as bases dos
pilares, com a ajuda de um dique previamente construído em volta. É esta a
maneira de fazer o dique. Fixam-se duas fiadas de estacas bastante numero-
sas de tal modo que as extremidades emirjam da água como uma espécie de
paliçada e, na parte interior, do lado dos pilares, colocam-se caniços em
torno da paliçada; enchem-se os espaços entre as duas fiadas com limos e
lodo; espessam-se por calcamento, até que a água já não consiga passar de
maneira nenhuma; em seguida, extrai-se o que está no interior do dique,
quer seja apenas água, limo ou areia, ou qualquer outra coisa que prejudique
795
Referência ao cônsul Semprónio Graco que, durante a segunda guerra púnica, socorreu
os habitantes de Casilino (na Campânia), sob o cerco das tropas de Aníbal, com cestas
de nozes lançadas, a partir do acampamento romano, no rio Volturno (cf. Liv., XXIII,
19, 12).
796
Equivalente a 2,216 km.
797
Menes, o primeiro rei do Egipto unido que governou c. 2200 a. C., desviou o rio Nilo
de Mênfis por meio de um dique (cf. Hdt, II, 99).
798
O rio a que Hérodoto (I, 186) se refere é o Eufrates que se situa no actual Iraque.
307
Livro Quarto
799
Ver Livro III, cap. 3.
800
Galera de guerra romana com duas filas de remos.
308
Edificios para Fins Universais
sob o peso; será reunida com outras com todo o cuidado, com a ajuda de
uma régua, de um prumo e de um nível, unidas as suas faces em todos os
pontos, ligadas entre si por encaixes, longitudinal e transversalmente, sem
utilizar qualquer espécie de enchimento de pedra miúda; aplicar-se-ão cavi-
lhas e grampos de bronze em grande número, sendo os furos de inserção tão
apertados e de tal maneira dispostos que não debilitem as pedras, ferindo-as,
mas antes as fortaleçam, segurando-as; a obra, com a proa e a popa em
saliência angular por todo o vértice, será elevada a uma altura tal que as
faces dos pilares sobrepujem as cheias mais transbordantes.
A espessura dos pilares será um quarto da altura da ponte. Houve quem
tenha terminado as proas e a popa não em ângulo mas em semicírculo:
penso que se deixaram levar pela elegância do delineamento. E embora eu
tenha dito que o círculo tem as forças de um ângulo, neste caso prefiro o
ângulo, contanto que não seja tão obtuso que, esborcelado ao mais ligeiro
toque, perca a beleza. E, mesmo assim, esborcelado e rombo como um cír-
culo, prefiro-o, desde que não fique tão obtuso que trave a velocidade per-
niciosa da água que embate contra ele. Estabeleceremos que o ângulo con-
veniente para os pilares será aquele que meça um ângulo recto e um terço
ou, se este não te agrada, será aquele que meça um ângulo recto e meio.
Isto quanto aos pilares.
Mas se, devido à natureza do lugar, os encontros das margens não se
proporcionarem como as desejamos, reforçá-las-emos com a técnica dos
pilares e estenderemos os últimos pilares e alguns arcos até à margem, já
fora de água, de tal modo que, se acaso a acção contínua da corrente, com
o passar do tempo, for desgastando a margem, não seja contudo interrom-
pida a via, já que a ponte se prolonga para a terra firme.
Convém que sejam extremamente resistentes e extraordinariamente
reforçadas as abóbadas e os arcos, entre outras razões por causa das violen-
tas e contínuas trepidações das carroças. Acrescente-se que às vezes é pre-
ciso fazer passar pela ponte cargas porventura enormes de colossos e obelis-
cos e outras do mesmo género, a ponto de os empreiteiros do estado
temerem os danos provocados, coisa que sucedeu a Escauro quando trans-
portava um marco fronteiriço 80 1• Por tal motivo a ponte, pelo seu delinea-
mento e por toda a sua construção deverá ser preparada para sempre contra
os embates dos carros, frequentes e muito prejudiciais.
801
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 6) relata que um construtor de cloacas exigiu a Marco
Emílio Escauro, edil no ano 58 a. C. , segurança contra possíveis danos causados aos
drenos pelo transporte arrastado de colunas para o cume do Palatino.
309
Livro Quarto
Que nas pontes se devem empregar pedras inteiras muito grandes, a isso
nos induz a razão convencendo-nos com o exemplo da bigorna. Na verdade,
se esta for grande e igualmente pesada, facilmente aguentará as pancadas
dos malhos; mas se for leve, saltará com os golpes e mover-se-á. Dissemos
que a abóbada se mantém firme por acção dos arcos e das partes comple-
mentares e que o arco mais firme é o arco de volta perfeita 802 • Mas se, da
disposição dos pilares, o arco de volta perfeita resultar inconveniente por
causa de a sua curvatura ser excessivamente acentuada, então empregaremos
um arco abatido, reforçando bem as escoras das margens com uma espessura
mawr.
Finalmente, qualquer tipo de arco, que esteja nas extremidades dessa
abóbada, será feito de pedra tão grande e tão dura como aquela que se con-
siderou dever ser utilizada nos pilares. E neste arco não deve haver pedras
com uma espessura inferior a um décimo da sua corda. A corda não deverá
ter de comprimento mais que o sêxtuplo da espessura do pilar, nem menos
que o quádruplo. Para manter ligadas entre si as aduelas deste tipo, devem
ser inseridas cavilhas e grampos de bronze bem fortes. Além disso, a aduela
superior do arco, a que se dá o nome de chave, será talhada pelo alinha-
mento das restantes, mas terá um pouco mais de espessura numa das suas
extremidades, de tal modo que não possa ser colocada e encaixada senão
com um malho ou com um aríete pequeno. Com efeito, deste modo as adue-
las que se seguem por todo o arco, apertadas com mais força, manter-se-ão
com mais firmeza nas suas funções .
Todas as partes complementares serão trabalhadas na mais perfeita
pedra que é possível encontrar e unidas com um ligamento da maior tenaci-
dade que houver. Mas se não houver da pedra mais sólida em quantidade
suficiente, não recusarei que, por necessidade, se façam as partes comple-
mentares com pedra mais fraca, contanto que, em todo o dorso da abóbada,
não se admita que a chave, bem como as aduelas encaixadas imediatamente
a seguir de ambos os lados, não sejam senão de pedra muito dura.
Segue-se a pavimentação. Essa obra não é mais exigente nas pontes do
que nas vias e toda ela depende dos princípios a observar na pavimentação
delas, aspecto de que tratámos no livro precedente 803 • Mas há esta diferença:
nas vias contínuas o solo deve ser prensado e coberto de cascalho até à
altura de um côvado; de seguida a pedra deve ser assentada por cima com
802
Para Alberti uma abóbada consiste numa série de arcos, assim como uma parede num
conjunto de colunas (cf. Livro III, cap. 13 ).
803
Ver Livro III, cap. 16.
310
Edificios para Fins Universais
311
Livro Quarto
CAPÍTULO VII
Pensa-se que os esgotos têm a ver com a construção das vias, porque
devem ser construídos por debaixo do seu eixo longitudinal, porque têm
incidência na sua pavimentação, nivelamento e limpeza. Por tal motivo,
devemos ocupar-nos deles aqui. Na verdade, pergunto eu, que é um esgoto
senão uma ponte, ou melhor uma espécie de arco de largura excepcional? 806
É por isso que, na construção dos esgotos, deve ser observado integralmente
tudo aquilo que até aqui dissemos sobre a construção das pontes.
Aliás, os Antigos consideram tão importante a função dos esgotos que
em nenhuma outra obra, onde quer que seja, parece terem investido tanta
despesa e tanto esforço. Entre as maravilhas da cidade de Roma, enumeram-
-se as cloacas como as primeiras.
Não insisto aqui na quantidade de vantagens com que os esgotos con-
tribuem para salvaguardar o esplendor da cidade, a limpeza dos edificios
públicos e privados, a salubridade e a pureza do ar. Conta-se que a cidade
de Esmirna, na qual Dolabela libertou Trebónio 807 de um cerco, teria sido
belíssima, por causa das suas vias em linha recta e pela ornamentação dos
seus edificios; mas, porque não tinha esgotos que recolhessem as imundícies
lançadas fora, incomodava muito os visitantes com a sua sujidade. A Siena,
na Toscana, faltam-lhe os esgotos para ter esplendor; daí resulta que não só
à primeira e à última vigília da noite, horas em que se despejam pelas jane-
las os recipientes cheios de imundícies, toda a cidade cheira mal, mas tam-
bém durante o dia é imunda e impregnada de fedor.
804
Equivalente a um declive de um para noventa e seis. O sistema de medidas romano
usava, em geral, o pé (29,6 cm) e o grego o côvado (44,32 cm).
805
Equivalente ao gradiente de um para seis.
806
Faixas de redundância são apresentadas quando são definidos termos construtivos, como
sucede com a descrição dos esgotos, como uma espécie de arco com largura excepcional.
807
Trebónio foi assassinado por Dolabela em 43 a. C., durante a guerra civil, quando era
procônsul para a Ásia em Esmima, cidade da costa ocidental da Ásia Menor (App.,
Hist., XV, 26).
312
Edificios para Fins Universais
CAPÍTULO VIII
808
Cão de várias cabeças, geralmente descrito como tricéfalo, que vigiava a entrada do
Hades, o reino subterrâneo dos mortos.
809
Ver Livro X, cap. I O.
313
Livro Quarto
810
Na concepção estrutural de Alberti o porto é uma das entradas - aberturas - da cidade.
811
Thuc., I, 93. Dos três portos de Atenas, o de Pireu, o de Muníquia e o de Falérios, amu-
ralhados por Temistócles no âmbito da Guerra do Peloponeso, o primeiro é o principal
e os restantes são destinados à construção e reparação de navios. Cf. Caye-Choay, 2004,
p. 215, n. 116.
812
Ver Livro 1, cap. 5.
314
Ediflcios para Fins Universais
sobretudo as águas das chuvas vindas dos montes 813 • É conveniente, todavia,
haver fontes e rios nas proximidades, de onde se possa tirar água limpa e
que se possa conservar no navio.
E gostaria que o porto tivesse saídas desimpedidas, directas e seguras,
isentas de bancos de areia, livres de obstáculos, protegidas das ciladas dos
inimigos e dos piratas; e também que à entrada se elevassem, altos e bem
visíveis, alguns picos de montanhas, insignes, fáceis de identificar, para onde
os marinheiros se pudessem dirigir, reconhecendo ao longe o ponto de des-
tino da sua navegação.
Dentro do porto é necessário construir o cais e a ponte para facilitar a
aproximação e a descarga do navio. Os Antigos fizeram estas obras cada um
à sua maneira: não é aqui o lugar adequado para falar desse aspecto. Com
efeito, a sua técnica tem a ver com a reparação do porto e a construção do
molhe, de que se falará em lugar apropriado 8 14 • O porto terá também, à sua
volta, um passeio, um pórtico e um templo, onde possam ser recebidos os
desembarcados. Não faltarão colunas 815 , e ganchos, e argolas de ferro onde
o navio seja amarrado. Implantar-se-ão frequentes galerias em abóbada para
guardar as mercadorias transportadas.
Diante das embocaduras erguer-se-ão torres altas e fortificadas, para que
desse observatório se veja ao longe a chegada das velas e com luzes na
noite se mostre aos marinheiros as passagens seguras. E dos baluartes
defendam-se as embarcações amigas e lancem-se correntes de través para
não dar passagem às inimigas. E do porto dirija-se para a cidade uma via
militar e nela confluam não poucas ruas, pelas quais, de todos os lados, se
possa reagir contra a armada atacante dos inimigos; e terá, voltadas para o
interior, docas mais pequenas, onde se possam restaurar as embarcações
debilitadas. Mas, no que diz respeito ao porto, não se deixe de ter em conta
o seguinte: houve e há cidades famosas mais seguras, precisamente porque
as embocaduras e o espaço que as rodeia têm um acesso dificil, e só com
dificuldade é conhecido pelos olhos daqueles que em cada hora vão obser-
vando a mudança de lugar dos canais.
É isto que me pareceu necessário dizer relativamente a obras públicas
destinadas a todos; a não ser que se queira acrescentar que é recomendável
distribuir praças nas quais, em tempo de paz, se vendam mercadorias e a
813
Ver Livro IV, cap. 2.
814
Ver Livro V, cap. 12, e Livro X, cap. 12.
815
O termo columnae é utilizado com o significado de pegão.
315
Livro Quarto
8 16
O termo spectaculum na Antiguidade compreendia o teatro, o circo e a arena de gladia-
dores, mas não no séc. XV na Europa onde passa a ser um edifício de uns poucos, isto
é, com uma escala mais íntima do que a das arenas daquele período. Cf. Rykwert et a/ii,
1988, p. 425 ; Hersey, 2004, p. 122.
817
Ver Livro VII, caps. 3, 14 e 15 e Livro VIII, cap. 7 e 8.
316
LEON BATTISTA ALBERT!
COMEÇA O LIVRO QlJINTO: EDIFÍCIOS PARA FINS
PARTICUlARES
CAPÍTULO I
N
o livro anterior 818 , explicámos que as várias espécies de edifícios,
no campo como na cidade, se devem adequar aos interesses dos
habitantes; e deixámos claro que uns edifícios se destinam ao con-
junto da comunidade dos cidadãos, outros aos cidadãos notáveis, outros ao
povo anónimo. Quanto àqueles que são da conveniência de todos, nada mais
temos a dizer. Este quinto livro será dedicado às necessidades e conveniên-
cias dos particulares. Por isso, em assunto tão multifacetado, vasto e difícil
de expor, envidaremos todos os esforços, quanto o permitir o nosso engenho
e arte, para que entendas que eu pretendi nada omitir do que alguém possa
desejar como adequado ao assunto e nada acrescentar que contribua mais
para enfeitar o discurso, do que para levar a cabo o nosso propósito.
Comecemos, pois, pelos mais altos dignitários. Os mais altos dignitários
de todos são aqueles a quem é confiada a autoridade suprema e a direcção
do Estado 819 • Estes poderão ser vários ou apenas um. E o mais alto de todos
é aquele que, sozinho, preside aos restantes. Consideremos, portanto, que
edifícios se devem fazer exclusivamente para ele. Mas é da maior importân-
cia definirmos que género de pessoa será ele: acaso será semelhante a
alguém que exerce a sua autoridade santa e piamente, com a aceitação de
818
Ver Livro IV, cap. 1.
819
A formação de uma classe dirigente, cujas aspirações se revêem em interesses colectivos
e não individuais, à semelhança do que sucedia na República Romana, é recorrente na
obra literária de Alberti, como sucede nas Jntercenales e no Momus, ao contrário do que
expõe no tratado, onde se limita a descrever os meios para satisfazer as necessidades
defensivas da cidade governada por reis, como da regida por tiranos.
317
Livro Quinto
todos, e que não se deixa motivar mais pelos seus lucros pessoais, do que
pelo bem-estar e interesses dos cidadãos; ou, pelo contrário, será semelhante
a alguém que quer organizar um estado de súbditos de modo a impor o seu
poder mesmo contra a sua vontade 820? Com efeito, tanto os restantes edifi-
cios, todos eles, como a própria cidade, não devem ser os mesmos para
aqueles que se chamam tiranos, que para aqueles que detêm o poder e o
exercem como uma magistratura que lhes foi concedida. Uma cidade gover-
nada por reis estará guarnecida mais que o suficiente quando tem capacidade
para se defender de um inimigo vindo do exterior. O tirano, não sendo os
seus súbditos mais perigosamente seus inimigos do que os estrangeiros, pre-
cisa de guarnecer a cidade de ambos os lados: contra os de fora e contra os
seus, e guarnecê-la de tal modo que possa contar com a ajuda de estrangei-
ros e dos seus contra os seus 82 1•
No livro anterior 822 , fizemos a fortificação da cidade contra os inimigos:
consideremos agora o que convém fazer contra os seus. Eurípides 823 é de
opinião que a multidão, por sua natureza, é um adversário poderosíssimo e
que se toma absolutamente inexpugnável quando à força alia a astúcia e a
insídia. A cidade do Cairo, no Egipto, era tão populosa que a consideravam
incólume e gozando de boa saúde quando não eram levados a enterrar por
dia mais de mil defuntos; por isso, prudentíssimos reis dividiram-na por
meio de numerosos canais, de tal modo que se diria ser, não já uma, mas
várias cidades pequenas ao lado umas das outras. Fizeram-no - segundo
creio - para difundir por toda a parte os beneficias do Nilo; mas com isso
conseguiram, acima de tudo, evitar o receio dos vários motins da multidão e
reprimir sem esforço nenhum os amotinados: como se alguém de uma
enorme estátua colossal fizesse duas ou mais estátuas, fáceis de manejar e
transportar.
Os Romanos não enviavam para o Egipto um senador como procônsul,
mas distribuíam, por cada uma das suas regiões, funcionários da classe
equestre. Arriano 824 dizia que assim o haviam instituído para que, sendo uma
820
X en., Oec., XXI, 4-5.
821
Na obra satírica Momus (IV), Alberti denuncia metaforicamente os comportamentos
autoritários do Papa Nicolau V, apesar deste "se ter sempre aconselhado com Leon Bat-
tista" (Vasari, 1568, p. 92) em relação ao programa de melhoramentos do Vaticano, do
Borgo e da antiga Basílica Constantina de S. Pedro.
822
Ver Livro IV, cap. 4.
m Eur., Hec., v. 884.
824
Arr., Anab., III, 5-7.
318
Edificios para Fins Particulares
província tão inclinada às novidades políticas, não fosse dirigida sob a auto-
ridade de um só homem 825 . E notaram os antigos que não se encontrava
nenhuma cidade imune às revoltas dos cidadãos, senão aquela cuja área
fosse dividida pela natureza, como quando é atravessada por um rio, ou
quando se elevam várias colinas, ou uma parte dela se situa numa colina e
a outra na planície.
A cidade terá todas as vantagens em ser dividida por um muro interca-
lar. Penso que este não deve atravessar a área como uma espécie de diâme-
tro, mas incluir um círculo dentro de outro círculo 826 : com efeito, os ricos,
preferindo usufruir de espaços mais amplos que é possível, facilmente acei-
tarão ficar do lado de fora da primeira muralha, deixando de bom grado aos
pasteleiros do fórum o mercado, as oficinas do centro da cidade e as lojas
dos artesãos; e a turba ociosa dos salsicheiros, açougueiros, cozinheiros e
outros que tais, de que fala o Gnatão de Terêncio 827 , trará mais segurança e
menos suspeitas à cidade, do que se dela não fossem excluídos os cidadãos
mais notáveis.
Não vem fora de propósito o que lemos em Festo 828 : que Sérvio Túlio
ordenou que os patrícios habitassem num bairro em que, se alguma sedição
surgisse, pudesse esmagá-la de um lugar mais elevado.
Deve-se construir o muro interior de tal modo que não haja nenhuma
zona da cidade por onde ele não passe; e, tal como as restantes muralhas da
cidade, esta principalmente deve erguer-se, graças à espessura e à técnica de
construção, com tanta solidez e tão alta que exceda todos os edifícios dos
particulares; e convém reforçá-la, de ambos os lados, com ameias e merlões,
e talvez com um fosso, para que ao longo dela os guardas estejam protegi-
dos e defendidos de ambos os flancos. Além disso, deve haver torres, não
abertas para o interior, mas cingidas em toda a volta pela muralha e dispos-
tas tanto contra os de dentro como contra os inimigos de fora, sobretudo nos
lugares onde vão desembocar as vias e para onde estão voltados os altos
825
Durante o Principado (sécs. I-III d. C.) o legatus Augusti pro praetore detinha o poder
de comando militar e do governo de uma província, por delegação e não por direito pró-
prio, enquanto representante do imperador.
826
A descrição de Babilónia, por anéis concêntricos, referida por Heródoto (I, 181 ), tem
sido confirmada por achados arqueológicos, que mostram que existiam dois lanços de
muralhas ladeando uma via (cf. Asheri et a!ii, 2007, I, p. 3 71 ).
827
Ter. , Eun., v. 255-229.
828
Para uma consulta à fonte citada por Alberti veja-se Festo (XIV, P) , in Epitoma de ver-
borum significatu Verri Flacci, onde se faz uma referência a Sérvio Túlio em Patricius
Vicus.
319
Livro Quinto
edificios das igrejas. Gostaria que não houvesse nenhuma outra maneira de
subir às torres senão através da própria muralha, e nenhum acesso à mura-
lha do lado da fortaleza senão por onde o príncipe o tiver permitido. Em
toda a cidade não deve haver arcos nas ruas, e em parte nenhuma deve
haver torres; devem também ser proibidas as varandas salientes, de onde as
flechas possam correr com os soldados que patrulham as ruas. Finalmente,
toda a edificação destas obras deve ser tal que só aquele que impera domine
todos os lugares elevados e ninguém dificulte aos seus a possibilidade de
percorrer toda a cidade. É nisto que uma cidade de tiranos se distingue de
uma cidade de reis.
Talvez se distingam ainda pelo facto de serem mais agradáveis as pla-
nícies para os povos que gozam de liberdade, ao passo que o tirano se sente
mais seguro em terreno elevado. De resto, os edificios habitados pelos reis e
pelos tiranos têm muitos aspectos em comum entre si e também com os edi-
ficios plebeus de proprietários particulares, mas em outros aspectos apresen-
tam diferenças relativamente a estes e em relação uns aos outros. Falaremos
em primeiro lugar daquilo que lhes é comum e, a seguir, daquilo que é
peculiar de cada um.
É ideia generalizada que este género de habitações foi criado por neces-
sidade. Nelas há, porém, algumas partes, além do mais, cómodas, que o uso
e o modo de viver fazem com que se considerem necessárias, tal como o
pórtico a álea, a alameda, etc. Nós, uma vez que a natureza da edificação
assim o requer, não faremos distinções com base na separação entre o
cómodo e o necessário, mas na afirmação de que, tal como sucede nas cida-
des, assim também relativamente às casas, há umas partes que são de todos,
outras de uns poucos e outras individuais.
CAPÍTULO II
829
Diod. Sic., V, 40, 1.
830
Em latim saltare significa dançar. Cf. Macr. , III, 14, 6.
320
Edificios para Fins Particulares
vivas, não são de todos mas apenas dos seus moradores. Como sabemos, há
uma sala de jantar própria dos senhores e outra dos criados; os quartos das
mulheres casadas, das solteiras e dos hóspedes são, regra geral, individuais.
No livro primeiro tratámos da divisão de todas estas partes do edificio, na
medida em que vinha a propósito das questões gerais 83 1: é de facto necessá-
rio defini-las adequadamente, quanto ao delineamento, ao número, dimen-
sões e localização, em função do uso de cada uma delas. Mas agora passa-
remos à sua especificação em pormenor.
Um portal dará mais pompa ao pórtico e ao vestíbulo. Por sua vez, o
portal recebe mais importância da rua para a qual está voltado e da digni-
dade da construção com que foi realizado. As salas de jantar interiores, as
despensas e outras dependências serão situadas em lugares convenientes, de
modo que os produtos lá guardados se conservem em boas condições, haja
boa adaptação ao clima, ao sol e aos ventos, e correspondam ao uso a que
se destinam; e serão diferenciadas para que se evite que a convivência entre
hóspedes e moradores diminua a estes a dignidade, o bem-estar e o prazer,
e àqueles acrescente atrevimento.
E assim como na cidade há fórum e praças, assim nas casas haverá
átrio, salão e outras divisões do mesmo género 832 : e .não sejam em lugar
afastado, escondido e com falta de espaço, mas antes suficientemente amplas
para nelas confluírem, sem nenhuma espécie de obstáculos, os restantes
membros do edificio. Na verdade, nessas dependências irão desembocar as
aberturas das escadas e dos corredores, e se fará a apresentação de cumpri-
mentos e de felicitações dos visitantes.
A casa não terá múltiplas entradas, mas apenas uma, para que ninguém
possa entrar ou levar alguma coisa consigo sem o porteiro se aperceber.
Teremos o cuidado de evitar que as aberturas, tanto das portas como das
janelas, sejam acessíveis aos ladrões e aos vizinhos, permitindo-lhes intro-
meter-se, observar e conhecer o que se diz ou faz dentro de casa. Os Egíp-
cios constroem as suas casas com tal privacidade que, do lado de fora, não
se vêem aberturas de janelas.
Poderá, talvez, alguém desejar que haja uma porta nas traseiras, pela
qual sejam levadas as colheitas transportadas em carroças ou animais de
carga, para se evitar que a entrada principal seja degradada pelos excremen-
tos; e poderão acrescentar um postigo mais afastado, por onde só. o senhor,
831
Ver Livro I, cap. 9.
832
É retomada a analogia entre casa e cidade referida no Livro I, cap. 9, bem como no
Livro V, caps. 5 e 14.
321
Livro Quinto
sem a família 833 saber, possa fazer entrar e sair, à sua vontade, os correios e
os mensageiros secretos, consoante os tempos e as circunstâncias o exigirem.
Não os desaprovo. Eu farei muita questão em que não faltem refúgios secre-
tíssimos, esconderijos ocultíssimos e saídas clandestinas, conhecidas apenas
do páter-famílias , por onde, em circunstâncias adversas, possa pôr a salvo o
seu dinheiro, a sua roupa e a sua pessoa, se a isso o levar a desgraça dos
tempos. Tinham sido construídos no túmulo de David nichos, onde se
pudessem esconder os tesouros da fazenda real, dissimulados com tal arte
que de modo nenhum podiam ser descobertos. De um deles, após mil e tre-
zentos anos, diz Josefo 834 que o sumo pontífice Hircano retirou três mil
talentos de ouro, para libertar a cidade do cerco de Antíoco. Afirma-se,
ainda, que, tempos depois, Herodes roubou do outro nicho grande quanti··
dade de ouro.
São estes os aspectos que as casas dos príncipes têm em comum com as
dos particulares. Entre aquelas e estas existe esta gran_de diferença: acima de
tudo, cada uma delas tem a marca própria dá sua natureza. Sem dúvida, nas
primeiras, as partes destinadas a ser usadas por várias pessoas são superio-
res em número e dimensão; nas segundas, as partes que se destinam a ser
usadas por poucos, ou por uma só pessoa, convém que sejam mais requinta-
das do que grandiosas. Há ainda esta diferença: nas primeiras é necessário
que mesmo os aposentos individuais tenham o asp.ecto principesco daquelas
partes -que são para uso de muitos, visto que nos palácios dos reis, não há
espaço nenhum em que não superabunde a multidão: ao passo que, nas casas
particulares, as partes que não são de uso comum convém que sejam arran-
jadas de modo a parecer que o páter-famílias, com a sua edificação, não
tinha em mente mais que a si próprio.
E terá o palácio real aposentos absolutamente distintos para a esposa,
para o marido e para a criadagem, de tal modo que por toda a parte abunde
aquilo que contribui não só para a utilidade mas também para a majestade,
833
O termo família refere-se tanto à família romana, alargada e constituída por diversos
membros, aceites por nascimento ou por acto jurídico, submetidos à mesma autoridade
do pater famílias i.e., do seu senhor ou soberano, bem como à instituição familiar, como
um corpo indissociável e solidário, conforme descrito na obra I libri de/la famiglia e,
ainda, como um modelo da organização hierárquica e patriarcal da cidade. Cf. Caye-
Choay, 2004, p. 225 , n. 16.
834
Flávio Josefo (A . l, XIII, 249), refere-se a talentos de prata e não de ouro. O talento,
medida de peso grega, variava de cidade para cidade, entre 26,2 a 37,42 kg, e equivalia
a cerca de meio quintal, i.e. à quantidade de peso unitário que um homem seria capaz
de carregar.
322
Edifícios para Fins Particulares
CAPÍTULO III
835
Cf. Livro I, cap. 4.
836
Cf. Livro V, cap. 18.
323
Livro Quinto
bola, no disco e na luta 837 • A seguir, antes da parte interior da casa, deve
situar-se um átrio, ou uma basílica 838 , onde os clientes esperam os patronos,
falando uns com os outros, e onde o príncipe tome assento para dar a sen-
tença em tribunal. Depois, haverá uma sala de reuniões, onde os anciãos se
juntem para saudar o príncipe e darem o seu conselho, quando solicitados.
Convirá que haja uma sala de Verão e outra de Inverno 839 • É preciso
velar pela idade, já cansada, e pela comodidade dos senadores que aí se reú-
nem, para que não suceda que algum factor adverso lhes atinja a saúde, e
sem nenhum obstáculo, por menor que seja, possam demorar-se, quanto as
circunstâncias e as necessidades dos tempos exigirem, a debater os proble-
mas e a tomar decisões.
Li em Séneca 840 que Graco foi o primeiro de todos, seguido de Lívio
Druso, a instituir o costume de não dar todas as audiências no mesmo lugar,
mas a manter a multidão à parte e a receber uns em separado, outros em
grupos de várias pessoas, outros todos juntos, para dessa forma distinguir os
amigos de primeira ordem dos de segunda. Se, em tal caso, temos a possi-
bilidade ou o desejo de o fazer, haja portas diferentes e várias para receber
e mandar embora os visitantes por lados diferentes e excluir sem resistência
os que se não querem receber.
Que um posto de observação domine o edifício, onde instantaneamente
se possa ficar ao corrente de qualquer movimentação.
Têm, pois, em comum estes e outros aspectos semelhantes. Aqueles em
que se diferenciam são os seguintes. Com efeito, convém que o palácio dos
reis fique no centro da cidade, seja de fácil acesso, de belo ornamento, fora
do comum mais pelo bom gosto do que pela imponência; o tirano deve
situar a sua casa como se fosse uma cidadela, de modo que não esteja den-
tro da cidade nem fora dela. Note-se que ao palácio real se vêm juntar, em
belíssimo efeito, o templo, os solares · dos nobres; ao passo que a residência
dos tiranos deve situar-se no meio de um grande espaço, de onde foram
837
A alusão à prática de desportos também ocorre nas obras Profugiorum ab aenumera libri
III, I libri della famiglia e na Vita Anonima, o que sugere o acolhimento do dictum de
Juvenal (X, 356) para se alcançar um saudável equilíbrio: orandum est ut sit mens sana
in corpore sano (Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são). Cf. trad.
ingl. de N. Rudd, 1991.
838
Cf. Vitrúvio (V, 1, 4; VI, 3, 9; VI, 5, 2).
839
Vitrúvio (VI, 4, 2) descreve a orientação sazonal dos triclínios, das bibliotecas, bem
como das oficinas de tecelagem e de pintura.
840
Sen., Ben., VI, 34, 2.
324
Edifícios para Fins Particulares
840
"A ugur deriva de avis e gerere, dado que o augur interpreta o movimento das aves"
(Fest., I, A). Cf. ed. de M. W. Lindsay, 1913.
842
Referência ao templo de Júpiter Ámon na Cirenaica (Diod. Sic., XVII, 50, 3).
325
Livro Quinto
CAPÍTULO IV
843
Este período é inserido, na edição de Orlandi ( 1966, p. 349), à. semelhança da edição
francesa de 1512, no final do Capítulo IIl mas, em afinidade. com a edição de Caye-
Choay (2004, p. 229), abre, na presente edição, o Capítulo IV tendo em vista o enten-
dimento textual subsequente.
844
Cf. Livro IV, cap. 2.
845
O desenho de letras sugere a intenção de Alberti de não ilustrar o tratado (cf. nesta edi-
ção a Introdução -A Recepção da Arte Edificatória; Livro III, cap. 13; Livro VII, caps.
7 e 12).
846
Como sucede no programa encetado pelo Papa Nicolau V no Castell Sant'Angelo em
relação ao Borgo Vaticano, conforme descrito por Manetti (1995, p. 68): "Este palácio
[... ] não estava só fortificado e embelezado com muralhas urbanas [ ... ] mas também
estava rodeado, desde então, por muralhas duplas, mais largas e convenientes" (cf. trad.
esp. de J. M. M. G~cía).
847
A porta das traseiras da cidade corresponde, na concepção estrutural de Alberti que rela-
ciona a casa com a cidade, à porta tardoz das residências privadas. Cf. Livro V, cap. 2.
326
Edificios para Fins Particulares
Mas seja ela, como pretendem, o vértice mais elevado das construções
e o nó da cidade, de aspecto ameaçador, rude e inflexível 848, é necessário
que seja pe~inaz e inexpugnável. Uma cidadela pequena será mais segura
que uma grande. No primeiro caso, bastará um pequeno grupo de homens
fiéis; no segundo, teremos necessidade do empenho de um grande número
de homens; e assim como se lê em Eurípides que "Nunca houve multidão
que não abunde em pessoas de maus princípios", assim também aí será
menos incerta a lealdade em poucos do que a perfidia em muitos. A base da
muralha da cidadela deve ser sólida, construída com. grandes blocos de
pedra, em linha oblíqua inclinada para fora, para que as escadas, ao serem
encostadas, sejam enfraquecidas por causa de ficarem arqueadas, e o inimigo
que as encostar, colando-se à muralha, não evite as pedras atiradas de cima,
e os projécteis lançados pelos canhões não arremetam em cheio contra a
muralha, mas façam ricochete obliquamente.
A área interior deve ser lajeada com blocos de pedra de grande largura
e espessura, dispostos em dupla e tripla camada, para evitar que os sitiantes,
através de minas, se introduzam às ocultas na cidadela. Deve elevar-se em
grande altura, solidez e espessura, até ao cimo do coroamento, uma muralha
que rechace a violência das máquinas de assédio e os projécteis e que, tanto
quanto de nós depende, não possa ser igualada em altura, por pouco que
.!j
seja, pelas escadas ou até mesmo pelos aterros. O resto será levado a cabo
como dissemos em relação às muralhas da cidade.
O melhor processo de proteger as muralhas da cidade e da cidadela
consiste em procurar evitar por todos os meios que o inimigo possa chegar
perto delas impunemente. Isso conseguir-se-á não só fazendo um fosso, do
qual já falámos, profundo e largo, mas também dispondo por toda a base do
pódio seteiras destinadas, por assim dizer, a atingir por baixo, pelas quais o
inimigo, enquanto protege a parte superior do' corpo com o escudo, seja tres-
passado na parte em que não está coberto. Este género de defesa é superior
a todos os outros. Com efeito, nesta posição, conseguem, com mais segu-
rança, oportunidades de eliminar o inimigo, ferem-no a menos distância e
raramente disparam em vão contra um inimigo para quem é dificil cobrir
todo o corpo; e se um dardo falhar o inimigo que está em linha, atingirá o
seguinte e, às vezes, outro e ainda outro e outro. Pelo contrário, os projéc-
teis lançados de cima não são dirigidos para o alvo sem risco de falhar: com
alguma dificuldade atingem apenas um inimigo, que não só pode prever o
848
A arquitectura deve apresentar uma dimensão simbólica de dominância para resolver a
invulnerabilidade deste reduto.
327
Livro Quinto
CAPÍTULO V
849
Esta descrição corresponde à de uma torre de menagem.
85
° Cf. Livro IV, cap. 13.
328
Edificios para Fins Particulares
85 1
Equivalente a 88,64 cm.
329
Livro Quinto
CAPÍTULO VI
852
Cf. a obra I libri dei/a famiglia, III, onde Alberti desenvolve o conceito de masserizia,
i.e. de gestão parcimoniosa dos recursos familiares: "perché la masserizia si dice essere
utilissima a ben godere !e ricchezze". Se bem que este tema sobre a gestão doméstica já
se encontre abordado na literatura clássica, tanto em Xenofonte ( Oec.) como em Aristó-
teles (Oecon. ), o que Alberti sugere é que se pode colocar em paralelo o sentido de
sobriedade (frugalitas) na edificatória (Livro I, cap. 9) com o de masserizia na gestão
doméstica.
853
Verg., A., II, 300.
854
Cf. I libri dei/a famiglia, lll.
855
A integração e a segregação dos equipamentos, como das habitações para a classe diri-
gente, em relação ao tecido urbano, que são recorrentes no presente Livro, bem como na
obra I libri della famiglia, III, relaciona-se com a masserizia na gestão da cidade.
330
Edificios. para Fins Particulares
plebeu, a não ser impelido por motivos graves. Então, para que seriam as
suas tão abastadas riquezas, se lhes não fosse possível gozar às vezes de
algum ócio e repouso.
As casas deles, quaisquer que sejam, é de toda a conveniência que
tenham amplas salas para recepção de clientes, e uma saída e uma via que
vá para o fórum, bem larga para evitar que os familiares, os clientes, os
guarda da escolta e os que se agregam para aumentar o número dos pobre-
tanas vestidos de toga 856, sejam perturbados pelos empurrões, com o afã de
fazerem parte da comitiva.
Assim, é bem conhecido que os edificios onde estes magnates desem-
penham as funções assumidas, são os seguintes: para o senado a cúria, para
o juiz a basílica ou o pretório, para o comandante o acampamento militar
ou a frota, etc. E o pontífice? A este convêm, acima de tudo, não apenas
o templo 857 , mas também os edificios que se assemelham a acampamentos,
porque também o pontífice e aqueles que sob as suas oríentações estão
comprometidos no seu ministério religioso travam uma guerra violenta e
dificil, qual é a da virtude contra o vício, como referimos no livro que se
intitula O Pontífice 858 •
Há que distinguir dois tipos de templo: o maior, no qual o pontífice de
categoria mais elevada, em rito solene, celebra as cerimónias estabelecidas e
o sacrificio; e outros, em que presidem os pontífices de menor categoria, no
número dos quais se incluem as capelas nos bairros da cidade e os santuá-
rios no campo. O templo maior será situado, acaso mais comodamente, no
centro da cidade, mas com mais nobreza afastado da aglomeração e da fre-
quência dos cidadãos, com mais dignidade numa colina, com mais solidez
numa planície por causa dos terramotos 859 • Enfim, o templo deve ser colo-
856
Cf. Mart., Ep. , II, 57.
857
Templo, e não igreja, é o termo escolhido por Alberti para se referir ao lugar de culto
religioso, o que abrange tanto o culto cristão como o pagão.
858
O diálogo Pontifex, onde se discorre sobre os deveres religiosos e militares dos bispos
da Igreja, foi escrito por Alberti em 1437, após o seu tio Alberto Alberti ter sido feito
bispo de Camerino. Na tradição clássica, Pontifex designava os sacerdotes da Roma
antiga que constituíam o collegium pontificum , encarregue da jurisprudência religiosa.
Somente após o séc. IV d. C. é que este termo é usado com o significado de bispo da
Igreja (cf. Piccardi, 2007, p. 47).
859
As igrejas de planta planta central de Madonna de San Biagio, em Montepulciano, pro-
jetada por Antonio da Sangallo ii Viecho e construída em 1518-1545, bem como de
331
Livro Quinto
cado no lugar em que haja de ter maior veneração e majestade. Por isso,
deve ser, absolutamente, retirada para muito longe dos arredores do templo
toda a espécie de imundície, sujidade e indecência, que possam ofender os
pais, as matronas, as donzelas, quando vêm fazer as suas orações, ou desviá-
los do propósito de se entregarem às coisas santas.
No arquitecto Nigrigéneo, que escreveu uma obra sobre os limites 860 ,
depara-se-me que os antigos arquitectos consideravam que dos templos dos
deuses eram adequados aqueles cujas fachadas estavam voltadas a ocidente,
mas que à posteridade agradou alterar todo este costume sagrado e conside-
raram que os templos e os seus limites deviam ser voltados para a zona do
céu de onde a terra recebe a primeira luz do dia, de tal maneira que logo
desde a aurora contemplem o sol nascente 86 1• No entanto, vejo que nos san-
tuários e nas capelas os antigos aceitavam que as fachadas se apresentassem
de frente para os que chegavam vindos do mar, do rio ou da estrada militar.
Finalmente, o templo deve ser tal e tão bem aparelhado de todos os lados
que atraia os de longe a visitá-lo e os deleite e detenha na sua presença,
devido à sua construção tão admirável como excepcional 862 •
O templo em abóbada será mais imune aos incêndios; em arquitrave,
mais invulnerável aos terramotos; o primeiro, mais resistente ao passar do
tempo; o segundo, superior em beleza.
Quanto a templos ficamos por aqui; com efeito, o muito que parecia
dever dizer-se, prende-se mais com a ornamentação do que com a funciona-
lidade dos templos: destes aspectos trataremos em outro lugar 863 • Os templos
menores e as capelas imitarão as formas do templo maior, salvaguardada a
proporção da dignidade do lugar e a sua função.
Santa Maria della Consolazione, em Todi, projectada, entre outros, por Cola di Capra-
rola e construída em 1508-1607, implantam-se no terreno de acordo com esta orientação
paisagística oriunda do Quattrocento. Cf. Portoghesi, 1966, p. 359, n. 5.
860
Trata-se de Higino Gromático (De limitibus constituendis, II, 17-21), autor de um tratado
sobre a divisão e atribuição de terras, escrito provavelmente no principado de Trajano.
Gromaticus significava agrimensor para os Romanos. Cf. Portoghesi, 1966, p. 360, n. 1.
861
Cf. Vitrúvio, IV, 5, I.
862
Ver Livro I, cap. 9.
863
Ver Livro VII.
332
Edificios para Fins Particulares
CAPÍTULO VII
864
Orlandi (1966, p. 361) designa por rocafforte (cidadela) o lugar onde se preparam as
batalhas espirituais contra o mal.
865
Cf. Profugiorum ab aenumera libri III.
866
Cf. I libri de/la famiglia, II.
333
Livro Quinto
fluem muitos para pregar e dissertar sobre questões religiosas; por esse
fnotivo , sem dúvida alguma necessitam de um edificio de grandes dimen-
sões. Serão, acertadamente, localizadas nas imediações dos edificios públi-
cos, como o teatro, o circo, a praça, para que a multidão, afluindo esponta-
neamente de bom grado para se distrair, mais facilmente aceite, com a
persuasão, exortação e advertência deles, abandonar o vício pela virtude, a
ignorância pelo conhecimento de quanto há de melhor.
CAPÍTULO VIII
867
A palestra era um edificio destinado à educação física e moral da juventude grega (cf.
Vitrúvio, V, 11 , 1-4 ).
868
Cf. os restantes capítulos do Livro V, bem como o Livro VIII, cap. 8.
335
Livro Quinto
869
Cf. o Trattato di architettura de Filarete (Livro XI), onde se descrevem os diversos
equipamentos urbanos, desde as igrejas até aos hospícios. Cf. Caye-Choay, 2004, p. 238,
n. 43 .
870
A Etrúria, que corresponde à actual Toscana, era constituída por 12 cidades-estado,
situadas entre o Arno e o curso superior do Tibre.
71
8 Cf. I libri de/la famiglia, II.
872
Vitrúvio (1, 2, 7), ao descrever as orientações e os lugares mais apropriados para os tem-
plos de Esculápio e da Saúde, refere-se ao decoro conseguido naturalmente.
336
Edificios para Fins Particulares
CAPÍTULO IX
873
Moderação corresponde ao conceito de mediocritas, também desenvolvido no domínio
da teoria artística de Alberti (cf. Livros VI e IX).
337
Livro Quinto
buía para a sua majestade e para a realização das suas obrigações, decidiram
ter um edificio próprio para esta função, graça_s ao qual os anciãos, já can-
sados pela idade, não fossem impedidos, pela distância da caminhada nem
impossibilitados por falta de comodidade do lugar, de se reunirem com fre-
quência e de estarem presentes durante muito tempo. Colocaram, por
isso, no centro da cidade a cúria do senado e pensaram que deveriam juntar-
-lhe, nas proximidades, o tribunal e o templo, não apenas para que, retidos
nas campanhas eleitorais e ocupados nos processos do tribunal, pudessem
satisfazer mais facilmente a ambas as tarefas, sem interromper o empe-
nho na campanha nem a sua obrigação no tribunal, mas também porque os
próprios senadores, sendo como quase todas as _pessoas idosas muito dedica-
dos à religião, depois de saudarem os deuses, sem interromperem as suas
actividades, pudessem passar do templo para as suas funções sem perda de
tempo. Acrescente-se que, se algum dia os embaixadores ou os príncipes de
nações estrangeiras solicitarem à República que lhes seja facultada uma
audiência do senado, é [conveniente] ter um lugar onde se possam receber,
enquanto esperam, de uma forma digna não só do hóspede mas também da
cidade.
Além disso, em nenhuma parte se deve descurar, nos estabelecimentos
públicos deste género, nada que contribua para receber comodamente um
grande número de cidadãos, acomodá-los dignamente e dar-lhes despacho
em tempo oportuno; e deve-se, sobretudo, procurar que não falte absoluta-
mente nenhuma comodidade nos acessos, nas luzes, nos espaços e em outras
coisas do mesmo género, que virão a ser úteis. E no pretório, onde há mui-
tas pessoas em litígios judiciais, devem ser feitas aberturas em maior
número, mais largas e mais acessíveis do que no templo ou na cúria. Tam-
bém a entrada do senado não deve ser, de forma nenhuma, menos protegida
do que ornamentada; entre outros motivos, principalmente para que nenhum
temerário motim de gente desenfreada, provocado por algum agitador do
meio da plebe enfurecida, possa irromper descontroladamente e massacrar os
anciãos. Por tal motivo, sobretudo, deve juntar-se-lhe um pórtico, uma gale-
ria coberta e outras estruturas do mesmo género, onde os servos, os clientes
e os criados, aguardando os seus senhores, possam defendê-los em casos
imprevistos.
Não omito o seguinte: em todos os lugares em que se deve ouvir a voz
de recitadores, de cantores ou de quem faz um discurso, não são convenien-
tes as abóbadas, porque fazem eco, mas sim os tectos planos, porque têm
boa sonoridade.
338
Edificios para Fins Particulares
CAPÍTULO X
874
Cf. Momus , Livro IV, caps. 2 e 3.
875
De acordo com Políbio (VI, 31 , l 0), a forma do acampamento e a da cidade são com-
paráveis: "Com tudo definido deste modo, todo o esquema do acampamento é um qua-
drado perfeito e a sua estrutura geral, especialmente a sua divisão por ruas, dá-lhe um
arranjo muito semelhante ao de uma cidade" (cf. trad. ingl. de W. R. Paton, 1923).
876 A descrição dos acampamentos romanos, durante a República, baseia-se na obra de Polí-
bio (VI, 26-42) e, nos primeiros tempos do Império, na de Josefo (B. /. , III, 5, l-6).
339
Livro Quinto
877
Xen., Lac., 12, 5.
878
Caes. , Gal., V, 18, 3.
340
Ediflcios para Fins Particulares
modo que as estacas estejam voltadas para o inimigo. César refere que os
Gauleses costumam opor ao inimigo carros, que fazem as vezes de trin-
cheira 879 • Cúrcio recorda que os Trácios se serviram também de carros con-
tra Alexandre 880 • Os Nérvios, para impedirem sobretudo a cavalaria, cons-
tróem uma sebe cortando árvores novas e dobrando-as umas para as outras
e ligando-as entre si por meio de muitos ramos 88 1. Arriano recorda que
Nearco, almirante de Alexandre, no tempo em que fez as suas navegações
através do Oceano Índico, fortificava o acampamento com um muro, para
estar mais defendido dos bárbaros 882 •
Fazia parte da tradição romana tomar precauções contra os azares da
sorte e do tempo, de tal maneira que em nenhuma ocasião tivessem de se
arrepender; e, assim, treinavam os soldados não menos na fortificação dos
acampamentos, do que em todo o resto da prática militar; e não davam tanta
importância à destruição dos inimigos, como à preocupação em proteger os
seus maximamente; ser capaz de resistir ao inimigo e, resistindo, enganá-lo
e repeli-lo, isso consideravam eles parte não escassa da vitória. Por tal
motivo, acostumaram-se a apropriar-se, para seu proveito e salvação, do que
quer que pudesse ser referido e inventado por quem quer que fosse, e a
pô-lo em prática; se faltavam lugares proeminentes e rodeados de ravinas,
imitavam precipícios, cavando fossos muito fundos e erguendo um talude, e
rodeavam o acampamento de uma paliçada e de ramos entrançados.
CAPÍTULO XI
Será assim que nós seguiremos os usos dos Romanos 883• Faremos medi-
ções para o acampamento em um lugar não só conveniente, mas também
que seja o mais adequado que se possa encontrar para a realização do que
temos em vista 884 • E, além dos aspectos que enumerámos, deverá tal lugar
879
Caes. , Gal., I, 26.
HHo Curt., I, 11 .
8 1
H Caes., Gal., II, 17.
8 2
H Arr. , Anab. , VIII, 21.
883
Vegécio (III, 8) descreve, no séc. IV, os procedimentos para se estabelecerem os acam-
pamentos romanos do Império no ocidente.
m É o que César (Gal., III, 12) designa de opportunitas loci, i.e. vantagem de posição ao
referir-se, no cerco das cidades, à retirada dos sitiados em situações desesperadas para
fortificações vizinhas, onde o terreno apresentava, pelo menos, as mesmas ou melhores
condições para se defenderem.
341
Livro Quinto
885
Xen., Lac., XII, 1.
886
Vegécio (III, 8) propõe, de modo semelhante, que o acampamento pode ser " [ ...] ora
quadrado, ora circular, ora triangular, ora oblongo, consoante as necessidades do lugar e
sem que a forma prejudique a função" (cf. trad. de J. G. Monteiro - J. E. Braga, 2009).
887
Correspondentes a 4,5 m de largura e a 2,65 m de profundidade, i.e. com medidas supe-
riores às de Vegécio (I, 24) que propõe, caso não haja um risco premente de ataque, res-
pectivamente, nove (2,66 m) e sete pés (2,07 m).
888
Caes., Gal., VII, 73.
342
Edifícios para Fins Particulares
889
Máquina de guerra usada para proteger o avanço da infantaria (cf. Caes., Civ., II, 10 e
Gal., VII, 84; Veget., IV, 16).
890
Cf. Caes., Gal., III, 14.
891
Veget., III, 8.
892
Cf. Veget., I, 24 e III, 3, 8; Caes., Gal., III, 25; Plin., Nat., XXXV, 169.
893
Ariete coberto com uma estrutura de madeira, revestido de peles cruas, com a forma de
ouriço.
894
Obstáculo, com forma cilíndrica ou oitavada, atravessado por estacas aguçadas, geral-
mente usado para impedir as passagens.
895
Equivalente a uma distância de 29,60 m.
896
O acampamento era organizado por uma rede viária ortogonal com duas vias principais,
o cardo (no sentido sul-norte), que unia a porta pretória com a porta decumana, e o
decumano (no sentido leste-oeste), que unia a porta direita com a porta esquerda. Na sua
intersecção encontrava-se o pretório (comando).
897
A porta quintana dava acesso a uma via, paralela ao decumano, onde se localizava a
recepção do aprovisionamento.
898
A porta decumana também podia funcionar como porta quintana se esta não existisse.
343
Livro Quinto
899
Ao contrário de Vitrúvio (X, 3, 9; 10, 1-6; 11 , 1-9; 12, 1-2; 13, 1-8; 14, 1-3; 15, 1-7;
16, 1-12), Alberti não descreve as máquinas de guerra e delimita a architectura à res
aedificatoria.
900
O autor não desenvolve este tópico no tratado, nem se tem conhecimento da existência
desse escrito sobre a maquinaria dos acampamentos militares.
344
Edificios para Fins Particulares
901
A trincheira de circunvalação protegia os sitiantes contra as surtidas e arremessos dos
sitiados e a de contravalação cortava o acesso das tropas de socorro aos sitiados. César
(Gal., VII, 75) usou ambas no cerco de Alésia.
902
Linha de demarcação religiosa feita pelos áugures, geralmente situada antes da muralha.
345
Livro Quinto
pelo historiador Apiano 903 • Estando Octaviano junto de Perúsia 904 , enquanto
cercava Lúcio mandou fazer um fosso até ao rio Tibre, com a extensão de
cinquenta e seis estádios 905 e com a largura e a profundidade de trinta pés 906 ;
associou-lhe, além disso, um muro alto e mil e sessenta torres de madeira 907
com sessenta pés de altura, e fortificou a obra de tal forma que os sitiados,
sobre estarem encurralados, ficavam excluídos da possibilidade de atingirem
o exército dele de qualquer posição.
E baste o que até aqui dissemos acerca dos acampamentos terrestres.
Mas falta-nos acrescentar uma recomendação: é preciso escolher o lugar
mais digno e mais em evidência, para que aí se coloquem os estandartes da
República, se celebre, com a máxima veneração, o culto divino e se reúnam
os oficiais dó exército convocados para o tribunal e para o conselho.
CAPÍTULO XII
Haverá, talvez, quem negue que uma frota possa ser considerada um
acampamento marítimo e diga que se serve dos navios como de um elefante
aquático, que dominam com os seus freios, e que os portos são mais ade-
quados a serem usados como acampamentos do que os navios; mas haverá
quem afirme que um navio não é senão uma espécie de cidadela ambulante.
Deixemos de lado esta discussão e estabeleçamos o seguinte: são dois os
meios graças aos quais esta nossa teoria e arte edificatória poderá assegurar
aos comandantes navais e aos seus esquadrões a salvação e a vitória; o pri-
meiro meio consiste em guarnecer os navios; o segundo, em fortificar os
portos, quer ataquemos o inimigo, quer nos defendamos dele.
A principal função dos navios é transportar-nos, a nós e aos nossos
bens; e, logo a seguir, a de nos prestar auxílio na guerra sem perigo. Os
perigos ou virão do próprio navio, como que unidos e inerentes ao seu
corpo, ou ser-lhe-ão extrínsecos: são perigos extrínsecos a violência do
vento, a massa das ondas, o embate dos escolhos e dos bancos de areia;
3
90 App. , Hist. , XVII, 33.
904
A guerra de Perúsia (41-40 a. C.) é um episódio da guerra civil onde participou Lúcio
António (81-39 a. C.), irmão mais novo de Marco António.
905
Equivalente a 10,34 km.
906
Equivalente a 8,88 m.
907
Apiano (Hist., XVII, 33) refere-se a 1500 torres distanciadas entre si 60 pés.
346
Edificios para Fins Particulares
todos estes perigos bem depressa serão evitados pela prática da navegação,
pelo conhecimento e experiência dos ventos e das costas: ao passo que os
defeitos intrínsecos são provocados ou pelo traçado ou pela madeira: são
estes os defeitos que é necessário prevenir.
É de rejeitar a madeira que tem tendência para abrir fendas, para partir,
para dobrar e apodrecer; preferem-se os pregos e as manilhas de bronze aos
de ferro. Nestes dias, enquanto redigia aquilo que deixei escrito, verifiquei
pelo navio de Trajano, retirado do fundo do lago Némi, onde tinha jazido
imerso e abandonado mais de mil e trezentos anos, que a madeira de pinho
e de cipreste teve uma duração extraordinária 908 . Nesse navio, colocaram
sobre as tábuas, na parte exterior, uma dupla tela de linho estendida, embe-
bida em alcatrão, e sobre isso colocaram uma folha de chumbo fixada com
pregos de bronze.
Para construir os navios, os antigos arquitectos foram buscar aos peixes
os delineamentos, de tal forma que aquilo que no peixe é o dorso, no navio
é a carena, o que para aquele é a cabeça, para este é a proa; e em lugar da
cauda, o leme, e em vez dos remos as barbatanas e as alículas 909 .
Há duas espécies de navios, os de carga e os velozes. Um navio com-
prido tem muitas vantagens, sobretudo na navegação em linha recta; um
curto é eficaz para o domínio do leme. Eu gostaria que o comprimento de
um navio de carga não fosse inferior ao triplo da sua largura, e o de um
navio veloz não fosse superior ao nónuplo. Em outro lugar, no opúsculo que
se intitula O Navio 9 10 , tratámos mais em pormenor das questões relacionadas
com os navios, mas o que aqui fica dito será suficiente como introdução ao
assunto. As partes dos navios são as seguintes: a carena 911 , a popa, a proa, e
os bojos, um de cada lado; junte-se-lhe, se se quiser, o leme e as velas e o
que se relaciona com a navegação. O porão do navio comportará tanto peso
de carga, quanto o peso da água com que se possa encher até à linha de flu-
tuação. A carena deve ser plana, todas as outras partes serão talhadas
segundo o traçado de uma linha curva. Quanto mais larga for a carena, tanto
908
As operações de recuperação de um dos navios romanos afundados no lago Némi, foram
orientadas por Alberti em 1447, mas somente após a drenagem do lago, realizada entre
1928 e 1932, é que os achados arqueológicos foram totalmente reavidos mas, contudo,
destruídos por um incêndio em 1944. Cf. Flávio Biondo, !ta/ia Jllustrata , 1531 , pp. 325-
-326; Ghini, 1992, pp. 3-5.
909
À semelhança da relação edificio-corpo Alberti descreve uma analogia entre as formas
do navio e as do peixe.
9 10
Este manuscrito a que Alberti se refere não foi , até hoje, encontrado.
911
Parte do casco do navio normalmente imersa.
347
Livro Quinto
mais peso comportará, mas será mais lenta a deslocar-se; uma carena mais
estreita e reduzida será mais veloz, mas balançará se não se lhe meter no
lastro grande quantidade de areia. Uma carena ampla é apta para os baixios,
uma estreita é mais segura para o alto mar. Flancos altos e proa elevada são
resistentes aos embates das ondas, mas são totalmente vencidos pelos ventos
mais fortes. Quanto mais aguçado for o traçado da proa, tanto mais fácil e
ligeira será a navegação. Quanto mais delgada for a popa, tanto mais perse-
verante será em manter-se nos sulcos iniciados pela proa.
No navio é necessário que os bojos e o peito sejam fortes e um pouco
salientes, para impelirem as ondas com o impulso e o ímpeto das velas e
dos remos; devem, porém, atenuar-se, em direcção à popa, para que o navio,
como que por si mesmo, voe deslizando e esgueirando-se. O número dos
lemes aumenta a solidez do navio, diminui-lhe a velocidade. Ao mastro dar-
-se-á um comprimento igual ao do navio. Passemos adiante de aspectos
menos importantes, que se relacionam com a navegação e o apetrechamento
de combate: remos, âncoras, cordame, esporões, torres, pontes e outras par-
, I
9 12
Vitrúvio (X, 13, 3) refere-se a "corvos demolidores" que, como arma de arremesso, se
assemelhavam a um guindaste com peso de balanço.
348
Edificios para Fins Particulares
mão, num breve instante, restituir ao seu uso a obra intacta. Não é oportuno
referir aqui os meios que inventei para afundar e incendiar os navios dos
inimigos, para lançar a confusão entre os marinheiros e liquidá-los com
morte infame. Destes aspectos trataremos, talvez, em outro lugar.
Não deixarei de advertir que o comprimento do navio, a altura ou a lar-
gura, não devem ser os mesmos em todos os lugares. As amplas carenas,
que não se podem manobrar senão com uma equipagem numerosa, aguen-
tam-se mal no mar entre os meandros das ilhas 913 , quando o vento sopra um
pouco mais forte; pelo contrário, ao largo de Cádiz 914 , em pleno oceano, um
navio pequeno será engolido pelas ondas.
Ainda mais uma vez, proteger o porto ou vedar-lhe o acesso, é uma
questão que diz respeito ao navio. Conseguiremos perfeitamente esse objec-
tivo construindo um molhe no fundo mar e lançando mão de outros obstá-
culos, como um dique, correntes e outros meios de que tratámos no livro
anterior 91 5 • Serão fixadas estacas, lançadas barreiras de pedras, serão sub-
mersas caixas feitas de tábuas e de vimes, depois de cheias de materiais
pesados. Se porém, a natureza do terreno ou os gastos elevados impedirem
que isto se realize, se, por exemplo, o fundo for um lamaçal sem consistên-
cia, ou a profundidade excessiva, faça-se assim. Sobre um estrado de tonéis
unidos em fila, coloquem-se e ajustem-se traves e barrotes ao alto, ligados e
unidos uns aos outros na horizontal, de modo a sobressaírem da jangada,
voltados para o inimigo, esporões salientes, muito aguçados e estacas com
ponta de lança em ferro, a que se dá o nome de "chuços", para impedir que
alguma nau inimiga, aliviada do lastro, se atreva, de velas enfunadas, a
investir contra a obra e passar além dela. Cubra-se a jangada de terra, para
a proteger dos danos do fogo; nos sítios mais firmes e desconhecidos do ini-
migo, dê-se-lhe firmeza contra as ondas com a ajuda de várias âncoras. Será
conveniente que a obra tenha forma encurvada, com o extradorso do arco
voltado para as ondas, para que, com mais resistência e firmeza, aguente a
onda e necessite menos da âncora e de ajuda exterior. Sobre estes aspectos,
baste o que até aqui foi dito.
913
O Ponto, tanto pode ter uma relação com Pontus, significando o mar mitologicamente
personificado ou ser uma região do Mar Negro - Pontus Euxinus - que, contudo, não
apresenta arquipélagos.
91 4
Gades, cidade fenícia de Gadir, actualmente Cádiz, a noroeste de Gibraltar.
915
Ver Livro IV, cap. 8.
349
Livro Quinto
CAPÍTULO XIII
Uma vez que para a realização de tão grandes empreendimentos são
necessários fornecimentos e despesas, devemos agora falar dos magistrados
que nos podem abastecer, no número dos quais se encontram o questor, os
cobradores de impostos, os cobradores dos dízimos e outros funcionários do
mesmo género. Estes têm a seu cargo o celeiro público, o erário, o arsenal,
o mercado, os estaleiros navais, as cavalariças. Pouco é aquilo que aqui nos
parece ser preciso dizer; mas não são coisas a negligenciar.
Com efeito, o celeiro, o erário, o arsenal, é suficientemente sabido que
devem situar-se no centro da cidade, na zona mais frequentada, para que
estejam mais seguros e mais acessíveis. Os estaleiros navais devem estar
afastados do casario dos cidadãos, por causa dos incêndios. De modo
nenhum se deve descurar a necessidade de construir, em todo o edifício,
paredes divisórias inteiras, que arranquem do solo e se elevem acima dos
tectos, para que interceptem as chamas devastadoras de um incêndio e as
impeçam de se propagarem mais profusamente através dos tectos 9 16 • Os mer-
cados devem estabelecer-se junto do mar, na foz dos rios, nos cruzamentos
das vias militares. Aos estaleiros navais devem associar-se enseadas e docas,
onde os barcos sejam recebidos para retirar da água, reparar e devolver ao
mar. Deve-se procurar que a água seja movimentada assiduamente. Com o
vento sul os navios apodrecem, com o calor do meio-dia abrem fendas, con-
servam-se em bom estado com os raios do sol nascente.
Quanto aos celeiros e aos depósitos destinados a conservar os produtos,
é sabido que gostam mais que tudo de lugares e de ares secos. Mas disso
trataremos mais profusamente quando falarmos das construções particula-
res 917 , com cujos princípios estão inteiramente relacionados, excepto os
depósitos de sal. Quanto a estes, procede assim. Cobre o solo com uma
camada de carvão, até a um côvado 918 de altura e comprime-o bem; a seguir,
espalha por cima saibro amassado com argila pura até à altura de três pal-
mos e aplana-o; por fim, pavimenta-o com tijolo, cozido até ficar negro.
Onde não houver tijolo deste em abundância, constrói as faces interiores das
paredes com pedra aparelhada, que não seja tufo nem reutilizada mas de
qualidade intermédia e muito dura; e reduz esta obra, da face da parede para
916
Referência a paredes corta-fogo.
917
Ver Livro V, cap. 17.
918
Equivalente a 44,32 cm.
350
Edificios para Fins Particulares
919
Metidas sob pressão.
351
Livro Quinto
CAPÍTULO XIV
920
Referência, ainda que implícita, à concepção panóptica do cárcere, que viria a ser pro-
jectado por Jeremy Bentham, em 1785, com o objectivo de "[... ] induzir no detido um
estado consciente e permanente de visibilidade" (Foucault, 1997, p. 166).
921
Equivalente a I ,33 m.
922
Ver Livro I, cap. 9.
352
Edificios para Fins Particulares
própria natureza, da sua quantidade e dos seus géneros, parece-me que tratei
em grande parte nos livros anteriores; mas aqui, partindo de outro ponto de
vista, desenvolveremos o assunto como se segue 923 .
É sabido que uma casa particular deve ser construída tendo em vista a
família, para que nela viva tranquilamente com a máxima comodidade. Mas
uma residência não será, de forma nenhuma, assaz cómoda, se, debaixo do
seu tecto, não houver tudo aquilo que lhes é necessário 924 . Na família há um
grande número de pessoas, e também um grande número de bens, que não
se colocam livremente da mesma maneira na cidade que no campo. E por-
quê? Nos edificios urbanos, sucede que um muro vizinho, uma goteira, uma
área pública, uma estrada e todas as outras limitações do mesmo género, nos
impedem de fazermos o que pretendemos. Tal não sucede nos edificios
rurais: aí tudo é mais livre, aqui tudo é complicado. Assim, não só por todas
as outras razões mas também por esta, apraz-me dividir o assunto de
maneira a poder afirmar que, dos edificios destinados a pessoas particulares,
uns são urbanos, outros rurais. E, em ambos os casos, umas são as exigên-
cias dos mais modestos, outras, as dos mais opulentos; com efeito, os mais
modestos medem pela necessidade o estilo do seu habitar; os mais faustosos
apenas na necessidade estabelecem limites ao seu prazer. Quanto a nós, refe-
riremos aquilo que, em cada caso, é aprovado pela moderação de uma pes-
soa circunspecta.
Penso que se deve começar pelos aspectos mais fáceis. A construção
rural tem menos obstáculos; além disso, os ricos são mais inclinados a
investir no campo. Mas antes de continuar, retomemos concisamente os
aspectos que se relacionam com os princípios essenciais de uma casa de
campo 925 • São eles do seguinte teor: deve-se evitar um clima sujeito a catás-
trofes e uma terra ressequida 926 ; deve-se edificar no meio do campo, junto
do sopé de um monte, numa zona com água. Um clima funesto e insalubre
pensa-se que proporcionará, além de outros inconvenientes de que tratamos
no livro primeiro, florestas mais densas, cheias principalmente de árvores de
folhas amargas, uma vez que o ar, lá dentro, não sendo tocado nem pelos
923
Nas categorias de rural e de urbano.
924
Cf. I libri de/la famiglia, III.
925
Ou villa, que Alberti (Vi/la) considera, sob o ponto de vista social e como unidade pro-
dutiva, como uma fonte de bem estar "per pascere la famiglia tua, non per dame diletto
ad altri".
926 Plínio-o-Antigo (Nat., 17, 3, 34) define o termo cariosus, utilizado por Alberti, como
"seco, poroso, áspero, branco, cheio de buracos, como uma pedra-pomes" (cf. trad. ingl.
de J. Bostock - H. T. Riley, 1855.)
353
Livro Quinto
ventos nem pelo sol, encruece; e o mesmo se passa com um solo estéril e
insalubre, do qual se conseguires tirar alguma coisa, serão florestas.
Sou de opinião de que a casa de campo se deve situar num lugar que
comunique da melhor forma com os edificios urbanos do seu proprietário.
Em Xenofonte 927 lê-se que se deve ir à casa de campo a pé, para fazer exer-
cício, e regressar a cavalo. Por isso, não ficará muito afastada da cidade e
beneficiará de uma via, não dificultosa, não impraticável, mas apta e muito
cómoda para viagens e transportes de cargas, de Inverno e de Verão, quer
nos agrade ir a pé, de carroça ou até de barco; e será bom se tal via não
passar por uma porta da cidade distante, mas sim por uma próxima, por
onde nos possamos dirigir com frequência, com a mulher e os filhos, para a
cidade e para o campo, a nosso bel-prazer, comodamente e à vontade sem
grande pompa no vestir e sem os comentários do povo.
Convém situar a casa de campo 928 num lugar em que os raios matinais
do sol não sejam incómodos para os olhos dos que partem para lá, nem o
sol vespertino os moleste ao regressarem à residência da cidade. E, mais
uma vez, a casa de campo não deve situar-se num lugar isolado, abando-
nado, desprezado; mas de tal condição que aqueles que foram atraídos pela
esperança de que dê frutos e pela amenidade do clima aí possam habitar
com abundância de bens, regalo de vida e sem perigo. E, ainda mais uma
vez, a casa de campo· não deve situar-se num lugar demasiado concorrido ou
ao lado da cidade, de uma via militar ou de um porto onde atraque grande
número de navios; mas será situada, como convém, onde, por um lado, não
falte o prazer de tudo isso e, por outro lado, o património familiar não seja
delapidado pela frequência de hóspedes de passagem.
Os lugares ventosos - dizem os Antigos - costumam estar livres da fer-
rugem, mas os lugares orvalhados e os convales, <-··> não tendo aragem, são
frequentemente atingidos por este tipo de males. Não merecerá a minha
aprovação, sempre e em todos os lugares, isto que se diz: que a casa de
campo deve ser construída voltada para onde nasce o sol no equinócio 929 ; de
facto, o que se propala acerca do sol e da brisa é óbvio que varia consoante
a fatalidade de cada região, a ponto de nem sempre o Aquilão suave nem o
927
Xen ., Oec., XI, 15-18.
928
Mazzini - Martini (2004) argumentam que a Vil/a Medieis em Fiesole possa ter sido o
resultado de um projecto de Alberti e não de Michelozzo. Esta casa de campo, enco-
mendada por Giovanni de Medieis, é o primeiro exemplo de uma vil/a que, a partir do
séc. XV, se tomou numa referência, não só para Florença mas também para toda a
península Itálica.
929
Vitrúvio (VI, 6, 1) refere-se à orientação das construções rurais.
354
Edificios para Fins Particulares
CAPÍTULO XV
Mas, como das instalações da casa umas são habitadas pelas pessoas de
condição livre, outras pelos servos da gleba, e como as destes são construí-
das em primeiro lugar com mira no lucro, ao passo que as daquelas parece
terem sido concebidas para o prazer do espírito, tratemos daquelas que prin-
cipalmente têm em vista o campo. As instalações dos servos da gleba não
devem ficar longe das dos senhores, a fim de que estes se apercebam, hora
a hora, daquilo que cada um faz e daquilo que é preciso fazer. É atribuição
própria desta parte das instalações que por ela sejam produzidos, colhidos e
conservados os frutos que se conseguem tirar do campo, a não ser que con-
sideres que esta última actividade, isto é, a conservação da colheita, é uma
das funções dos senhores e das casas da cidade mais do que da propriedade
rural. Isto farás com um grupo de homens, abundância de instrumentos e,
acima de tudo, com a dedicação e o empenho de um caseiro.
Os Antigos fixaram em cerca de quinze homens cada grupo de traba-
lhadores rurais. Para eles importa, pois, ter um lugar onde se aqueçam
quando têm frio, se recolham quando o mau tempo os expulsa do trabalho,
onde tomem as refeições, onde repousem, onde preparem as coisas que ser-
virão para seu uso. Por isso, preparar-se-á uma cozinha ampla, bem ilumi-
nada, protegida contra os perigos de incêndio, com fomo, lareira, água e
esgoto. Dentro da cozinha haverá uma divisão com soalho, onde pernoitem
os mais respeitáveis, onde se guardem a cesta do pão, o presunto e o touci-
nho para o uso quotidiano; o resto do espaço seja distribuído de tal maneira
que cada um esteja pronto a tratar das coisas que lhe competem: o caseiro
ficará instalado junto da porta principal, para que durante a noite ninguém
930
Aquilão designa o vento nordeste; Austro o vento sul.
931
Ce/s., II, I, 4.
355
Livro Quinto
leve ou traga o que quer que seja sem ele dar por isso; os vaqueiros ficarão
diante dos estábulos, para que a sua diligência esteja prestes quando as cir-
cunstâncias o exigirem.
Até aqui tratamos dos grupos de trabalhadores. Quanto aos instrumen-
tos, uns são animados, como os quadrúpedes, outros inanimados, como os
carros, as ferramentas e outros objectos do mesmo género 932 • Para estes,
acrescentar-se-á à cozinha um vasto telheiro, debaixo do qual se recolha o
carro de bois, a zorra, a charrua, os jugos, os cestos do feno e outras coisas
do mesmo teor. O telheiro estará voltado a sul, para que também aí a cria-
dagem possa, de Inverno, passar os dias festivos ao sol. E será destinado um
espaço desimpedido de tudo e muito limpo para a prensa e o lagar. Haverá
também uma dependência onde se guardem e reparem as selhas, os cestos,
as roldanas, as cordas, as enxadas, as cavadeiras e outros instrumentos do
mesmo género. Nas travessas e nos barrotes das traves que sustentam o
telheiro, estender-se-ão grades: aí serão colocadas as alavancas, as estacas,
as trancas, os bastões, os sarmentos, a folhagem e a forragem para os bois,
o cânhamo e o linho em bruto e outras coisas deste teor 933 •
Há dois tipos de quadrúpedes: o laboral, como o boi e o animal de
carga; e o rendoso, como a porca, o gado ovino, a cabra e todo o gado de
criação. Começaremos pelos laborais, uma vez que fundamentalmente desem-
penham a função de um instrumento; a seguir trataremos dos rendosos, os
quais têm a ver com a actividade do caseiro. Deves procurar que os estábu-
los e as cavalariças não sejam frios durante o Inverno; protege as manje-
douras para que os animais não espalhem a forragem. Para os cavalos 934 faz
com que a erva esteja pendurada de cima, a fim de que a ripem de pé, com
o pescoço levantado, não sem fazerem esforço: por esse motivo, tornar-se-ão
de cabeça mais firme e de escápulas mais ágeis. Pelo contrário, deves dar a
cevada e o grão, de modo a que a sorvam do fundo de uma cova: assim,
ingurgitarão menos avidamente e devorarão menos grãos inteiros e, além
disso, tornar-se-ão mais firmes e vigorosos de músculos e de peito.
Deve-se procurar, acima de tudo, que o muro da manjedoura que está
diante da cabeça do animal não esteja molhado: o cavalo tem um crânio dei-
932
Somente na obra I libri de/la famiglia , Ill, ao desenvolver o conceito de masserizia, é
que Alberti esboça uma relação de valor entre o capital variável e o capital fixo da pro-
dução agrícola dos empreendimentos rurais (cf. Var., R., I, 13).
933
Para uma descrição dos implementos e alfaias agrícolas veja-se Catão-o-Censor (Agr. ,
10-11) e Varrão (R. , I, 22).
934
Na obra De equo animante (c. 1445), Alberti descreve os meios para produzir cavalos
de elite.
356
Edificios para Fins Particulares
gado e incapaz de suportar a humidade e o frio. Por isso, evita que as jane-
las deixem entrar os raios da lua: esta provoca glaucoma e tosse grave e
para um animal ferido um raio da lua é uma calamidade. Para os bois deves
pôr a forragem no chão, a fim de que comam deitados. Os cavalos, se virem
lume, ficam nervosos. O boi fica alegre diante da luz 93 5 • A mula, mantida
em lugar quente e escuro, enlouquece; há quem julgue que a mula está sufi-
cientemente coberta por uma cobertura se tiver a cabeça coberta 936 e que as
restantes partes do corpo devem ficar expostas ao ar e ao frio. Para os bois
faz pavimentos de pedra, para que os cascos não apodreçam devido à suji-
dade. Para os cavalos cava os pavimentos e enche a cova com tábuas de azi-
nheira ou de carvalho, para evitar que se impregnem com o lodo da urina
dos animais e estes, com o bater das patas, firam os pavimentos e os cascos.
CAPÍTULO XVI
935
Vitrúvio, VI, 6, I.
936 Alberti serve-se de uma figura de estilo, designada de poliptoto, que consiste na utiliza-
ção de uma mesma palavra em diferentes flexões, como sucede em tecto opertam [... ]
caput apertam (coberta por uma cobertura [... ] cabeça coberta), com a intenção de mar-
car o ritmo da frase pela insistência repetitiva.
937
Var., R., III, 12, 6.
938
Argila esbranquiçada ou avermelhada, extraída da ilha de Cimolos nas Cíclades.
357
Livro Quinto
são mais fecundas; um ovo posto na sombra e em lugar fechado não tem
sabor.
Situa o pombal perto da água. Bem visível e ligeiramente elevado, onde
a ave, cansada de voar e como que divertindo-se com o exercício e o bater
das asas, gosta de ir pousar, deslizando de asas inclinadas para baixo. Há
quem diga que a pomba, depois de apanhar a comida no campo, quanto
mais caminho e esforço tiver de suportar de volta para junto dos seus filhos,
tanto maiores são as crias que produz; isso porque as sementes que trans-
porta na garganta, com as quais alimenta a sua prole, ficam semicozidas
com a demora; e por tal motivo recomendam que o pombal seja situado em
lugar de dificil acesso. Além disso, consideram também que acaso é útil ter
o pombal longe da água, para que as pombas não arrefeçam os ovos com as
patas molhadas. O pombal estará mais protegido da investida dos açores se
num desvão da torre encerrares um falcão. Se enterrares à entrada do pom-
bal uma cabeça de lobo espargida de cominho, metida num pote rachado
para espalhar o cheiro, isso fará com que muitos pombos, abandonando as
suas antigas moradas, para aí confluam. O seu número aumentará se fizeres
um pavimento de argila e o aspergires várias vezes com urina humana.
Diante das portinholas apliquem-se comijas de pedra ou de tábuas oleagino-
sas, com um ressalto de um côvado, para que a ave possa pousar ao vir do
vestíbulo e de novo se lançar no voo.
As avezinhas mais pequenas em cativeiro definham com a vista das
árvores e do céu. Os ninhos e os poleiros para as aves serão colocados em
lugares quentes; para aquelas, porém, que andam, mais do que voam, serão
colocados em lugar baixo e até no próprio solo; para as restantes serão pos-
tos a maior altura. Os ninhos serão encaixados em tabuinhas para poderem
conter os ovos e as crias. Para fazer os ninhos, a lama é melhor do que a
cal, e a cal melhor que o gesso; toda a espécie de pedra reutilizada é preju-
dicial; o tijolo é melhor que o tufo 939 se for pouco cozido: a madei_ra de
choupo ou de abeto é utilíssima. Para todas as aves é preciso que os seus
abrigos tenham claridade e sejam limpos e asseados, sobretudo os pombais.
Mas também os quadrúpedes se tomam samosos se não se deitarem em
lugares bem limpos. Por isso, os abrigos devem ser ~bobadados , com as
paredes inteiramente rebocadas e alisadas com uma camada de pó de már-
more; e serão cuidadosamente fechados em toda a volta, para evitar que
doninhas, ratos, lagartos e outros animalejos nocivos do mesmo tipo sejam
prejudiciais para os ovos, para as crias ou para os pais; juntar-se-ão come-
939
Pedra de cinza vulcânica.
358
Edificios para Fins Particulares
94
° Col. , Rust. , VIII,
16, 7-8.
94 1
Col., Rust,, VIII, 17, I.
359
Livro Quinto
CAPÍTULO XVII
942
Cat., Agr., 91 e 129.
943
Ver Vitrúvio (VI, 4, 1) sobre as orientações dos vários compartimentos da casa, não aco-
lhidas inteiramente por Alberti.
944
Ver Livro I, cap. 4.
360
Edificios para Fins Particulares
dardo e o tiro ao arco. De igual modo, no interior, nas partes que se desti-
nam a todos, não faltarão espaços para passear, andar de carroça, nadar,
áreas verdejantes e outras não cultivadas, pórticos e hemiciclos, nps quais os
mais velhos possam de Inverno conversar ao sol aprazível e a família passe
os dias festivos, e no Verão saboreiem a sombra.
Ora é sabido que nas casas há partes reservadas à família e outras à
arrecadação das coisas que se têm para seu uso. A família é constituída pelo
homem, pela esposa, pelos seus filhos e pelos seus pais, e por aqueles que
habitam com eles para seu serviço, como os intendentes, os criados, os ser-
vos; além disso, a família não exclui os hóspedes. Tendo em vista a família,
é necessário possuir bens que se destinem ao sustento, como a comida, e ao
uso, como o vestuário, as armas, os livros e mesmo os cavalos. De todas as
partes a mais importante é aquela que se julga poder chamar-se pátio ou
átrio 945 e a que nós chamaremos "o seio da casa" 946 ; a seguir vêm as salas
de jantar; depois ficarão os quartos individuais; em último lugar fiquem os
aposentos mais secretos; as restantes partes serão reconhecidas pelas suas
próprias funções. Por conseguinte, "o seio da casa" será a parte mais impor-
tante, para a qual convergem, como se fosse a praça pública do edificio,
todos os membros menores, e a partir da qual serão devidamente distribuí-
dos não só os acessos mais cómodos, mas também as convenientes abertu-
ras de iluminação. Por isso, é óbvio que cada um deseja ter como "seio da
casa" um espaço amplo, aberto, digno, acessível. Mas alguns contentam-se
com um único "seio", outros continuam a construir vários, e cercam-nos de
todos os lados com altos muros ou de um lado com paredes mais altas e do
outro com paredes mais baixas. E em certos lugares quiseram cobri-los com
um tecto, em outros deixá-los a céu aberto, em outros lugares em parte
cobertos, em parte descobertos; em alguns lugares juntaram-lhes um pórtico
de um só lado, em outros de vários lados e em outros ainda de todos os
lados; em uns lugares puseram-nos ao nível do chão, em outros num pavi-
mento assente numa abóbada.
Em relação a isto nada mais acrescento senão que se deve seguir a
natureza da região, e do clima, e do uso, e de todo o tipo de comodidade,
de tal modo que se feche a porta, numa região fria, ao rigor do vento
boreal 947 e à aspereza do ar e do solo, e, nas regiões quentes, aos incómodos
945
Tanto o pátio (cava aedium), como o átrio (atrium) já vêm referidos no léxico de Vitrú-
vio (VI, 3, 1-2, e 3, 3 ).
946
A relação edifício-corpo é assumida por Alberti ao designar a parte mais importante da
casa como sinus (seio).
947
Vento norte.
361
Livro Quinto
948
As regras para quantificar a intensidade da luz não são explicitadas, remetendo-se esta
problemática para o domínio qualitativo.
949
Vento sul, na mitologia grega, que trazia chuva e nevoeiro.
950
Mart., Ep., VIII, 14, 3.
362
Edificios para Fins Particulares
951
Tanto Varrão (L., V, 162) observa que o termo coenaculum (sala de jantar) refere-se aos
aposentos do primeiro piso, como Vitrúvio (II, 8, 17) relata que os coenacula ( cená-
culos), i.e., os espaços para refeições, se referem aos compartimentos superiores da
domus. A última ceia, foi tomada no coenaculum, i.e., numa "grande sala no andar de
cima" (Me: XIV, 15).
952
Verg., Ecl., I, v. 83.
953
A Gália Cisalpina corresponde à Itália setentrional.
954
Vitrúvio, VII, 4, 4.
955
Carvão vegetal.
956
Ulp., XXXII, 55,7.
957
Arist., [Pr. ], VIII, 15, e H. A., II, 6, 743 a.
363
Livro Quinto
E os que professam essa mesma teoria, notaram que os operários que traba-
lham em forjas acabam quase todos por ficar com o rosto e a pele muito
enrugados e franzidos; afirmam que isso acontece porque as partes cheias
concentradas pelo frio e o suco com que se forma a carne se liquefazem
com o fogo e se desfazem em vapores 958 . Entre os Gem1anos e os Colcos e
em outras regiões onde é necessário o auxílio do fogo contra os rigores do
frio, fazem uso de um aposento fechado muito aquecido; disso falaremos em
seu lugar 959 • Voltemos às lareiras.
São estas as condições adequadas ao uso da lareira: ser acessível, aque-
cer várias pessoas ao mesmo tempo, ter bastante luz, nenhum vento. Terá,
todavia, um espaço por onde o fumo respire, de outro modo não subiria. Por
isso, não será empurrada para um canto, nem muito para dentro da parede:
no entanto, não deverá atravancar os primeiros lugares das mesas dos convi-
vas. Não será importunada pelas correntes de ar das aberturas; as partes
mais baixas da abertura não serão muito salientes da parede; terá uma gar-
ganta ampla e alongada horizontalmente, elevada verticalmente e tão alta
que o cume da chaminé esteja acima de todos os tectos do edificio. Isso cer-
tamente por causa dos perigos de incêndio, mas também para evitar que o
vento acumule ondas de ar nos obstáculos dos tectos e, retendo os fumos em
redemoinhos, os não deixe subir. O fumo sobe por si mesmo quando
impregnado de calor, mas depo~s é impelido mais velozmente por acção de
calor das chamas e da lareira; por isso, o fumo apanhado da garganta da
lareira é comprimido numa espécie de tubo e, com o impulso das chamas
que o seguem, é forçado a sair tal como sai o som de uma trombeta; por-
tanto, assim como o som numa trombeta, se é demasiado larga, é abafado
pelo ar que se lhe opõe na outra extremidade, assim se passa com o fumo.
O cume da chaminé será coberto, por causa da chuva; terá narinas lar-
gas e a toda a volta, mas cercadas por um resguardo para se evitar a imper-
tinência do vento. Entre os resguardos e as narinas será deixada largura sufi-
ciente para a saída das torrentes de fumo. Onde isso não for possível,
gostaria que se colocasse aí, sobre uma ponta vertical, aquilo a que eu
chamo um "cata-vento" 960 • Consiste numa cúpula de bronze com a largura
suficiente para encaixar dentro dela a abertura superior da garganta da cha-
958
Ver Livro I, cap. 5.
959
Ver Livro X, cap. 14.
960
O termo vertula derivado de vertere, que tem o significado de girar, é utilizado por
Vitrúvio (IX, 1, 6; 8, 5; 8, 9) para descrever o movimento de rotação aparente das revo-
luções celestes, bem como dos relógios de água.
364
Edificios para Fins Particulares
miné. Na parte anterior da cúpula projecta-se uma crista que, impelida como
se fosse um leme, volta a parte posterior para as rajadas dos ventos. Será
muito vantajoso colocar à volta da base da chaminé cornos de bronze ou de
barro, com o interior do tubo, amplo e aberto, fácil de passar e com a parte
superior voltada para dentro da garganta, de modo a poder expelir, pela
parte superior da embocadura, apesar da oposição dos ventos, os fumos que
absorvera pela parte inferior.
As casas de jantar devem ter uma cozinha e uma despensa anexas, onde
se guardem os restos da ceia, a louça e as toalhas. A cozinha nem deve estar
no meio dos convivas nem tão afastada que as coisas que os convivas
pedem quentes arrefeçam durante o percurso. É suficiente que se elimine o
barulho e a sujidade dos serventes, dos pratos e das panelas. Tomar-se-ão
providências para que a chuva e os meandros complicados do percurso ou a
sujidade dos lugares não causem embaraço ao transporte das travessas de
comida, nem deslustrem a dignidade do ambiente.
Das salas de jantar passa-se aos quartos. É de grande requinte que, tal
como as salas de jantar, os quartos não sejam os mesmos no Verão e no
Inverno. Ocorre-me a observação de Lucílio: que um homem bem nascido
não deve ter pior sorte que os grous e as andorinhas 961 . Nós, porém, regis-
temos aqui o que em cada caso aconselha a razão de um homem circuns-
pecto. Lembro-me de que, segundo o historiador Emílio Probo, entre os Gre-
gos não era costume que as esposas se apresentassem nos banquetes senão
nos dos familiares, e que havia certas partes da casa, onde ficam os aposen-
tos das mulheres, às quais nenhum homem podia ter acesso, salvo os paren-
tes mais próximos 962 . E na verdade, julgo que deve haver lugares onde as
mulheres se reúnam, como se fossem dedicados à religião e à castidade;
gostaria também que fossem atribuídos aposentos requintados do mesmo
género às meninas e às donzelas, para que as suas mentes delicadas não se
encham de tédio por estarem limitadas a espaço reduzido. Será mais útil que
a matrona esteja instalada num lugar de onde possa aperceber-se do que
cada um faz em casa. Mas nós sigamos em cada situação aquilo que se coa-
duna com os costumes dos antepassados.
Marido e esposa devem ter cada um o seu quarto de dormir; e isso não
só para que a mulher parturiente ou adoentada não incomode o marido, mas
também para que, quando lhe apetecer, durma sonos mais repousados no
96 1
Ou seja, que pode mudar de acordo com as estações. Plut., Luc., 39, 5.
962
Comélio Nepos (De ex. , Praef, 7) e Vitrúvio (VI, 7, 2) designam esta parte interior da
casa grega de gynaeconitis (geniceu). De acordo com Rinckii (1841 , p. XLII) as mães
espartanas, se fossem progenitoras de varões, não estavam sujeitas a tantas restrições.
365
Livro Quinto
Verão. Cada um terá a sua porta e, além dessa, uma porta interior para que
se possam encontrar sem ninguém dar por isso. Contíguo ao quarto da
esposa, dispor-se-á o guarda-roupa; e ao quarto do marido, a biblioteca.
O avô, cansado pela idade, porque necessita de repouso e tranquilidade, terá
um quarto aquecido, protegido, afastado de toda a agitação da família e dos
estranhos. Primeiro que tudo terá o conforto de uma lareira e outras como-
didades que os doentes requerem para reparação do espírito e do corpo.
Contíguo ao quarto dele ficará o compartimento do cofre: neste pernoitarão
os filhos rapazes adolescentes, no do guarda-roupa as donzelas e no seguinte
as amas. Alojaremos os hóspedes numa parte da casa próxima do vestíbulo,
para que os que vêm apresentar cumprimentos o façam livremente sem inco-
modar o resto da família. Os rapazes até aos dezassete anos 963 instalar-se-ão
à vontade defronte ou não longe dos hóspedes, para desfrutarem da convi-
vência deles e a fomentarem. O hóspede terá, contíguo ao seu quarto, um
lugar onde possa guardar os documentos secretos e os bens preciosos e
retomá-los quando quiser. Contígua ao quarto dos rapazes ficará a arrecada-
ção das armas.
Os intendentes, criados, servos, serão segregados do convívio dos
homens bem nascidos, de tal modo que a cada um seja atribuído um lugar
conveniente e preparado para o exercício da sua função. As criadas e os
camareiros não estarão alojados longe dos lugares da sua função mais do
que o necessário para poderem de imediato ouvir e atender as ordens de
quem os chama. O encarregado da mesa terá acesso à adega e à despensa.
Os encarregados dos quadrúpedes dormirão defronte dos estábulos. Os cava-
los do senhor serão separados dos de carga e ocuparão um lugar onde o mau
cheiro ou as rixas entre eles não incomodem a casa do senhor e onde não
haja perigo em caso de incêndio.
O trigo, e o grão em geral, amolece com a humidade, amarelece com o
calor, reduz o tamanho com os atropelos, estraga-se ao contacto com a cal.
Por isso, onde quer que penses que deve ser arrecadado, em grutas ou em
poços, amontoado num soalho ou directamente no solo, procura tê-lo em
lugar muito seco e muito fresco 964 • Segundo o testemunho de Josefo, foram
encontrados em Siboli 965 grãos de trigo intactos, cem anos depois de terem
963
O termo praetextati, empregue por Alberti, está de acordo com o costume romano de os
jovens com menos de 17 anos usarem a toga praetexta, i.e. a toga branca com uma bor-
dadura púrpura (cf. Liv., XXIV, 7, 2).
964
Var., R ., I, 57, 2.
965
Josefo (B. I., VII, 296, 17) refere-se a Masada, símbolo da resistência judaica à ocupa-
ção romana, não se conhecendo a existência ou localização de Siboli.
366
Edificios para Fins Particulares
966
Cat. Agr., 101.
967
Arist., [Pr.] , XXII, 4.
968
Plin. , Nat., XVI, 27
969
Cf. I libri de/la famiglia, III.
97
° Col., Rust., XII, 30, 1.
971
Plin., Nat., XIV, 27.
367
Livro Quinto
CAPÍTULO XVIII
Mas entre a casa de campo e a residência urbana dos ricos há esta dife-
rença: para os ricos a casa de campo é uma residência de Verão, servindo-
-se da casa da cidade para aguentar mais comodamente o Inverno 973 • Por
972
Var. , R., I, 38, 3.
973
Cf. I libri della famiglia, III.
368
Edificios para Fins Particulares
974
Princípio orientador da arquitectura clássica a partir do Quattrocento.
369
Livro Quinto
975
Celso (I, 3, I) sugere que "é melhor fazer a mudança de um sítio salubre para um
opressivo no começo do Inverno e de um opressivo para um salubre no começo do
Verão". Cf. trad. fr. de G. Serbat, 1995.
976
Ver Livro III, cap. 11.
977
Referência ao afastamento entre edificações vizinhas no tecido urbano medieval, alterado
pela política dos papas e príncipes dos estados italianos que permitiram, a partir do
Quattrocento, a definição dos limites da propriedade por muros ou paredes meeiras (cf.
Portoghesi, 1966, pp. 436-7, n. 2).
370
Edificios para Fins Particulares
978
Ver Livro VIII, cap. 10.
979
Cf. Vitrúvio, VI , 4, I.
371
LIVRO SEXTO: DO 0RNAMENT0 980
CAPÍTULO I
D
o delineamento, dos materiais, das obras, da mão-de-obra operária e
de tudo aquilo que nos pareceu pertinente para a construção dos
edificios públicos e privados, tanto sagrados como profanos, na
medida em que fossem aptos para suportar os maus tratos das intempéries e
adequado cada um deles aos seus usos em função da natureza dos lugares,
dos climas, das pessoas e das circunstâncias - disso tratámos nos cinco
livros anteriores com tanta diligência quanta pudeste perceber nesses mes-
m'os livros, de tal modo que a não possas pretender muito maior no trata-
mento destas questões; e com um trabalho, ó deuses!, maior do que no iní-
cio desta tarefa teria porventura exigido de mim mesmo 981 • Surgiam, com
efeito, numerosas dificuldades não só na exposição dos assuntos, mas tam-
bém na invenção das palavras, e ainda no tratamento da matéria, que me
dissuadiam e afastavam da empresa começada; de outra parte, chamava-me
e exortava-me à prosseguir aquela mesma razão que me levara a iniciar esta
980
Os conteúdos deste Livro não se restringem à ornamentação dos edificios, i.e. ao que
serve para embelezar, mas também à maquinaria utilizada em estaleiro de obra, bem
como a outras questões técnicas relacionadas com a estabilidade dos edificios. Note-se
que, em latim clássico, o termo ornamentum é polissémico, podendo significar não só
ornamento como equipamento, recursos e meios e, ainda, o que dá honra e dignidade a
alguém (cf. Ernout-Meillett, 1951 , Tomo II, p. 831 ).
981
No Ex ludis rerum mathematicarum (pp. 56-57), redigido cerca de 1450, Alberti indica
que começou a escrever o tratado a pedido do marquês de Ferrara, Lionello d'Este,
sendo aceite, com alguma indeterminação, que o tenha concluído no início da segunda
metade do Quattrocento. Com efeito, Mattia Palmieri (1475, p. 241) relata na crónica
De temporibus suis que, em 1452, Alberti apresentou ao Papa Nicolau V o seu tratado
sobre a arte edificatória: "Leon Battista Alberti, homem dotado de perspicácia e arguto
engenho, instruidíssimo nas boas artes como na teoria, mostrou ao Papa os doutos livros
que escreveu sobre arquitectura" (cf. trad. it. de G. Mancini, 1882, pp. 392-393).
373
Livro Sexto
obra. Na verdade, penalizava-me que, devido aos maus tratos dos tempos e
dos homens, tivessem perecido tantos monumentos literários e tão insignes,
a ponto de termos como único sobrevivente de tamanho naufrágio apenas
Vitrúvio, autor sem dúvida competentíssimo, mas de tal modo danificado e
mutilado pelo tempo, que em muitos passos são muitas as lacunas e em
muitos outros são muitíssimos os aspectos que deixam a desejar. Acrescia
que a expressão não é cuidada: escreve, com efeito, de tal modo que os lati-
nos palpitam que ele pretende fazer crer que falava grego, e os gregos que
falava latim 982 ; porém, esta questão, considerada em si mesma, prova que
ele não foi latino nem grego, de tal modo que, para nós, resulta como se
não tivesse escrito quem escreveu de forma a não o entendermos. Restavam
os exemplos antigos concretizados nos templos e nos teatros, com os quais
havia muito a aprender como se fossem os mais excelentes professores: não
sem lágrimas via eu que esses monumentos iam sendo destruídos dia a dia;
e que os construtores, que nestes tempos edificavam, se deleitavam mais
com novos delírios dos seus disparates 983 do que com os princípios mais que
provados de obras reconhecidíssimas; à vista disso, ninguém negava que, por
assim dizer, esta parte da vida e do conhecimento iria desaparecer comple-
tamente 984 • Por conseguinte, sendo esta a situação, eu não podia deixar
de pensar muitas vezes e prolongadamente em comentar estas questões.
E enquanto meditava em coisas tão importantes, que se impunham por si
mesmas, tão nobres, tão úteis, tão necessárias à vida da humanidade, con-
vencia-me de que as devia passar a escrito; e pensava que era dever de um
homem de bem dedicado ao estudo esforçar-se por livrar da morte esta parte
do saber que os mais sábios dos nossos antepassados sempre tiveram no
maiOr apreço.
Por isso, estava hesitante e sem saber o que fazer: iria prosseguir ou
antes interromper? Prevalecia o amor por esta obra e a afeição aos estudos;
e aquilo que o engenho não conseguisse proporcionar em medida suficiente
seria facultado por um estudo apaixonado e uma diligência inimaginável.
9 2
M Cotejar com o Prólogo, onde Alberti discorre, de forma exclusivamente abonatória, sobre
o tratado de Vitrúvio, bem como a forma como se refere, neste capítulo, ao "estudo
apaixonado" das obras antigas, o que sugere aparentemente um pensamento complexo e
contraditório sobre as fontes romanas do seu tratado.
9 3
M Cf. com a citação de Álvaro Siza na Nota Prévia desta edição.
984
O conhecimento da delapidação dos monumentos remanescentes da Roma imperial foi
conseguido a partir do estudo e levantamento de obras antigas, em consonância com as
descrições feitas pelos seus colegas da cúria papal, que denunciaram a transformação das
ruínas da cidade num imenso fomo de cal. Ver nota n.0 10.
374
Do Ornamento
Onde quer que existisse uma obra antiga em que brilhasse uma centelha de
valor, imediatamente me punha a compulsá-la para ver se com ela podia
aprender alguma coisa 985 • Por isso, não cessava de explorar tudo, de obser-
var atentamente, de medir, de fazer um esboço 986 , até aprender e conhecer
em profundidade o contributo de cada um em engenho e arte; e deste modo
suavizava o trabalho com o desejo e o prazer de aprender. E na verdade reu-
nir num todo coisas tão variadas, tão díspares, tão dispersas, tão alheias à
prática e ao conhecimento dos autores, examiná-las de maneira conveniente,
e dispô-las em ordem adequada, e tratá-las em linguagem cuidada, e expô-
-las segundo um método certo - é sem dúvida alguma próprio de capacidade
e saber superiores às que reconheço em mim. Porém, de modo nenhum me
arrependerei se consegui, e foi esse o meu principal propósito, que quem me
ler se convença de que eu preferi ser fácil na linguagem a parecer eloquente.
Quanto seja dificil este simples objectivo em comentários deste género, mais
o sabem aqueles que o experimentaram do que o podem crer os que o não
tentaram. E, se me não engano, o que escrevemos, escrevemo-lo de tal
maneira que não se possa negar ser latim e que se entende razoavelmente 987 .
Isso mesmo poremos em prática, segundo as nossas forças, na parte que se
segue.
Das três partes, concluídas as duas primeiras, que diziam respeito à
construção em geral, com o objectivo de que as nossas construções fossem
de facto adequadas às suas funções, tivessem a maior solidez e duração, fos-
sem as mais aptas a proporcionar graciosidade e uma sensação aprazível,
resta a terceira, de todas a mais nobre e a mais necessária 988 •
985
A Descriptio urbis Romae, escrita provavelmente em 1450, mostra o interesse de Alberti
pelo levantamento cartográfico dos monumentos da Antiguidade romana.
986
Cf. Livro IX, cap. 8.
987
Este propósito de escrever para leitores coevos, com novos termos e em latim sem mis-
turas, também é expresso por Alberti na obra I libri de/la famiglia (Proémio, III), onde
procura seguir os ensinamentos dos escritores clássicos, que também escreveram para
leitores contemporâneos: "Benché stimo niuno dotto negarà quanto a me pare qui da
credere, che tutti gli antichi scrittori scrivessero in modo che da tutti e' suoi molto
voleano essere intesi" .
988
Na terceira parte do tratado, a relativa à beleza, Alberti subordina as anteriores (a da
materialidade da construção, bem como da sua comodidade), de modo a proporcionar
graciosidade e aprazibilidade (gratia e amoenitas) o que mostra, apesar de não cessar de
explorar, observar, medir e esboçar atentamente as obras do passado, que a sua aborda-
gem à Antiguidade Clássica é, essencialmente, arquitectónica e não arqueológica, na
medida em que se apresenta sempre com uma finalidade interventiva e prepositiva.
375
Livro Sexto
CAPÍTULO II
Alguns julgam que o gracioso e o aprazível não têm outra origem senão
na beleza e no ornamento, levados pelo facto de se aperceberem de que não
se encontra ninguém tão austero e obtuso, tão inculto e boçal, que não se
impressione intensamente com as coisas mais belas, que não dê preferência
às coisas mais embelezadas em detrimento de todas as outras 989 , que não se
moleste com as feias e não rejeite tudo o que é mal adornado e desleixado
e que não sinta e declare que quanto mais ornamento falta a qualquer coisa,
tanto mais lhe falta o que contribui para a sua graciosidade e nobreza.
Por conseguinte e antes de mais, devem aspirar à mais nobre beleza
aqueles, sobretudo, que pretendem tomar a sua obra não desagradável. De
quanta importância os nossos antepassados, homens de muito saber, pensa-
vam ser devida a este aspecto, são prova, entre outras coisas, as leis, o exér-
cito, a religião e toda a república, com que, mais do que se poderia crer, se
preocuparam a tal ponto que fossem as mais plenas de ornamento 990 , como
se pretendessem que parecesse que a sua opinião era que estas instituições,
sem as quais a vida humana dificilmente poderia existir, seriam uma activi-
dade insípida e insulsa, se lhes retirássemos o aparato e a pompa dos orna-
mentos. Com certeza admiramos os deuses ao contemplar o céu e as suas
mirificas obras, mais porque vemos que são belas do que por sentirmos que
são muito úteis. Mas porque prosseguir com estes arrazoados? A própria
natureza, como se pode ver por toda a parte, não desiste dia a dia de se
mostrar luxuriante na volúpia da beleza e no colorido das flores 99 1, para não
falar do resto.
Ora se há alguma coisa em que o ornamento é necessário, esse é sem
dúvida o caso de um edificio, a ponto de não poder de forma alguma care-
cer dela sob pena de chocar especialistas e não especialistas. Que motivo há
para que nos enfademos com um amontoado de pedras informe e sem con-
cinidade 992 senão que, quanto maior ele for, tanto mais censuramos o des-
9 9
H Esta capacidade inerente à espécie humana relativamente à apreciação da beleza convive
com valores de natureza filosófica, moral, social e política que têm por finalidade fazer
face às adversidades da fortuna. Cf. Prólogo e Livro II, cap. l.
990
Neste contexto, ornamentum é sinónimo de qualificação artística (cf. Livro I, cap. 9 e
Livro IV, cap. 1).
99 1
Cf. Momus , IV.
992
No original inconcinna - sem concinidade ou sem harmonia - no sentido de uma desa-
daptação ou inadequação às circunstâncias.
376
Do Ornamento
993
A edificação e a ornamentação das paredes apresentavam no Quattrocento, conforme
assinala Feuer-Toth (1971 , pp. 147- 152), um encadeamento de operações seguidas no
tratado: primeiramente os pedreiros construíam o corpo da parede e os marmoristas as
prumadas e os elementos de reforço em pedra (Livro II, cap. 10; Livro III, caps. 6 e 9),
seguidos pelos entalhadores que executavam as incrustações em pedra nos paramentos
(Livro VI, cap. 1O) e, por último, os canteiros que lavravam os capitéis, bem como
outros ornamentos arquitectónicos (Livro VII, caps. 7, 8, 9 e 12).
994
Este paradigma sobre o valor do ornamento manteve-se, na sua essência, actual nos qua-
tro séculos seguintes ao da edito princeps. Foi posto em causa pelas vanguardas artísticas
do séc. XX, nomeadamente nos diversos manifestos dos ideais puristas promovidos por
Le Corbusier-Saugnier, bem como nos textos do classicismo vanguardista de Adolf Loos.
995
O valor da beleza como factor de segurança reafirma o princípio albertiano da virtus -
a virtude - para vencer ou combater o fatum - o destino.
996
No original concinnitas - concinidade ou harmonia - referida no Livro II, cap. 1, e
desenvolvida no Livro IX, cap. 5. Ver, nesta edição, a Jntrod~,tção -As Leituras da Arte
Edificatória.
377
Livro Sexto
todos uma coisa plenamente acabada e perfeita sob todos os ângulos. Quan-
tos efebos belos - diz uma personagem de Cícero 997 - existem em Atenas!
E esse mesmo observador de formas entendia que, naqueles que não apro-
vava, faltava ou havia a mais alguma coisa que não condizia com as pro-
porções da beleza. Isto foi-lhes conferido, se me não engano, pelos adornos
acrescentados, disfarçando e encobrindo o que havia de disforme ou enfei-
tando e lustrando as partes mais belas, para que as desagradáveis fossem
menos chocantes e as agradáveis deleitassem ainda mais. Assim, se isso for
convincente, o ornamento será realmente uma espécie de luz subsidiária da
beleza e corno que o seu complemento. Daqui penso que se toma evidente
que a beleza é como que algo de próprio e inato, espalhado por todo o
corpo que é belo 998 ; ao passo que o ornato é da natureza do artificial e
acrescentado mais que do inato 999 .
Mas voltemos ao nosso propósito: quem edifica de modo a pretender a
aprovação daquilo que edifica - como deve querer quem tem bom senso -
deixa-se mobilizar por critérios racionais seguros; é próprio da arte fazer o
que quer que seja segundo critérios racionais. Quem, portanto, negará que
uma edificação perfeita e digna de aprovação não pode ter origem senão na
arte 1000 ? Sem dúvida alguma, uma vez qu~ esta parte que se ocupa da beleza
e do ornamento é a mais importante de todas, é próprio dela um critério
racional exacto e constante e urna arte tal que quem a desprezar não tem o
mínimo de bom senso 1001 • Mas há quem não concorde com estes princípios
e diga que é uma opinião inconstante e sem fundamento aquela com que
997
Cic., N. D., I, 28, 79.
99
~ Na distinção entre beleza (pulchritudo) e ornamento (ornamentum), Alberti sugere que
a primeira se relaciona com a dimensão global da obra e a segunda com a local, na
medida em que esta é acrescentada e aquela é inerente ou inata. Em consequência, na
sua teoria artística o ornamento assume um valor simultaneamente correctivo e comple-
mentar para se alcançar a beleza, à semelhança do que está exposto nas Confissões de
Santo Agostinho (IV, 13, 20): "E reparava e via nos próprios corpos que uma coisa era
por assim dizer, o todo e, por isso, belo, outra coisa era o que ficava bem, porque de
forma apta se adequava a alguma coisa, como a parte do corpo ao seu todo [... ]". Trad.
de A. M. do Espírito Santo et a/ii, 2000.
999
Para definir o que é o ornamento, Alberti utiliza o termo affictus que significa tanto
aplicado ou acrescentado, como imaginado ou inventado. Assim, o ornamento também
é concebido para Alberti "[ ... ] como uma espécie de ficção que toma a beleza inata da
arquitectura mais aparente, mais radiante" (Wolf, 2000, p. 181 ).
1000
No original ars, no sentido de um saber técnico, de uma artesania.
100 1
O relativismo artístico, contrário à sistematização teórica, é combatido por Alberti, muito
para além do estabelecimento de um compêndio de regras práticas. Cf. Portoghesi, 1966,
p. 449, n. 4.
378
Do Ornamento
CAPÍTULO III
1002
Cf. as descrições de Vitrúvio (II, 1, 1; 2; 3) sobre os passos dados pela humanidade,
desde a descoberta do fogo até à socialização e ao anúncio da arquitectura, bem como
as de Lucrécio (V, 930 et seq. ; 1091 et seq.) sobre a evolução do homem primitivo e o
descobrimento do fogo .
379
Livro Sexto
1003
As desmedidas dimensões das pirâmides são próprias do desejo de edificar sem mode-
ração, já anteriormente censurado por Alberti (Livro I, cap. 9; Livro II cap. 1).
1004
A figura de estilo da paronomásia, é utilizada frequentemente por Alberti, como sucede,
pela simples mudança de uma letra, entre vetustatem (ao envelhecimento) e venustatem
(para a beleza), impossível de traduzir para vernáculo.
380
Do Ornamento
A Itália, devido acima de tudo à sua inata sobriedade 1005 , defendia que
há conformidade entre um edificio e um ser vivo. Na verdade, sentia, por
exemplo num cavalo, que raramente é digna de aprovação a configuração
dos seus membros, sem que o animal seja o mais apto para o uso a que se
destina; e, por conseguinte, consideravam que a beleza da forma em parte
alguma podia encontrar-se excluída ou separada da utilidade que se preten-
dia 1006 • Mas, uma vez conseguido o domínio dos povos, ardendo em não
menor desejo que a Grécia de se adornar a si e a Roma 1007 , a casa que trinta
anos antes fora a mais bela da cidade, não conseguiu obter o centésimo
lugar. E como fosse abundante o número de talentos que praticavam nessa
área, segundo os meus dados existiram em Roma, ao mesmo tempo, sete-
centos arquitectos, cujas obras nunca louvaremos suficientemente na pro-
porção dos seus méritos. E, como superabundavam os recursos do império
para tudo o que era espectacular, diz-se que um certo Tácito 1008 ofereceu aos
habitantes de Óstia, à sua custa, umas termas construídas com cem colunas
da Numídia. Assim sendo, agradou à Itália conjugar a magnificência dos reis
mais poderosos com a sua antiga frugalidade, de tal modo que nem a parci-
mónia diminuísse a utilidade, nem a utilidade fosse parca em recursos; em
ambos os casos, porém, acrescentar-se-ia tudo quanto, em qualquer aspecto,
se possa imaginar para obter sumptuosidade e beleza.
Além do mais, com o cuidado e o empenho dispensados ininterrupta-
mente à construção dos edificios, tomou a arte edificatória tão apurada que
nada havia nela de tão recôndito, tão oculto, tão profundamente abstruso que
não indagasse, evidenciasse e manifestasse por vontade dos deuses e colabo-
ração incondicional da própria arte. Com efeito, tendo a arte edificatória
encontrado acolhimento em Itália desde os tempos antigos, sobretudo entre
os Etruscos, dos quais, além das maravilhas do labirinto e dos túmulos dos
reis, que se lêem nos livros 1009 , nos restam os preceitos de que se servia a
1005
A noção de sobriedade (jrugalitas ) é desenvolvida no Livro lll da obra I libri de/la
fam iglia, onde Alberti apresenta o conceito de masserizia.
1006
A beleza resultante da relação entre forma e utilidade, complementa-se com a de beleza
regida por proporções matemáticas fixas (cf. Livro IX, cap. 6).
1007
Referência à renovação de Roma sob Octaviano Augusto, relatada em inúmeras fontes
coevas bem como clássicas, nomeadamente em Vitrúvio (I, Pre., 2): " [ ...] porque a
Cidade não foi apenas engrandecida, através de ti, com as províncias, mas também a
dignidade do Império foi sublinhada pela egrégia autoridade dos edificios públicos [ .. .]".
100
8 Cf. S.H.A ., Tac., XXVII, lO, 5.
1009
Plínio-o-antigo (Nat., XXXVI, 91) refere que o rei Porsena da Etrúria, que cercou Roma
nos inícios da República para reinstaurar a monarquia, fez em Clúsio, uma das poucas
necrópoles etruscas conhecidas no Quattrocento, um labirinto para servir de tumba.
381
Livro Sexto
10 10
Sobre a construção dos templos na Roma antiga e, em particular, as toscanicae disposi-
tiones relativas à ordem toscana e à organização do templo etrusco veja-se Vitrúvio
(Vil, 1-2) e Alberti (Livro VII, cap. 4).
1011
A partir da editio princeps do tratado de Alberti, publicada em 1485, até à História da
Arte da Antiguidade de Winckelmann, publicada em 1764, a Antiguidade romana é
quase sempre apresentada com supremacia artística sobre a grega (cf. Pommier, 2003).
1012
Na Antiguidade romana virtus significava excelência ou uma actividade que conduz à
excelência, seja na convergência com a aretê grega, seja na sua dimensão estóica, seja
numa orientação aristocrática onde prevalece primeiro a res publica, a seguir a família
e só depois o indivíduo (cf. Pereira, 2002, pp. 405-415).
1013
O processo de reflexão em acção, que a prática da arquitectura e a sua concretização
teórica solicitam, são constantemente referidos ao longo do tratado.
1014
Isto é, aos descritores da edificatória: região, área, compartimentação, parede, cobertura
e abertura.
382
Do Ornamento
CAPÍTULO IV
Aquilo que agrada nas coisas mais belas e mais ornamentadas ou pro-
vém da invenção e dos raciocínios do engenho ou da mão do artífice, ou é
implantado pela natureza nas próprias coisas. Pertencerá ao engenho a esco-
lha, a distribuição, a disposição e outras acções do mesmo teor que à obra
possam conferir dignidade; à mão do artífice pertencerá acumular, aplicar,
desbastar, talhar em redor, polir e outras acções do mesmo teor que à obra
possam conferir graciosidade 101 6; atributos implantados nas coisas pela natu-
reza serão o peso, a leveza, a densidade, a pureza, a resistência ao envelhe-
cimento e outras qualidades semelhantes que à obra conferem admiração.
Estes três factores devem ser aplicados às várias partes de acordo com o uso
e a função de cada uma delas.
Múltiplos são os critérios de classificação das várias partes de um edi-
fício. Mas a nós apraz-nos dividir os edifícios do seguinte modo: ou por
aquilo em que todos os edifícios convergem ou por aquilo em que divergem.
Pelo que foi dito no primeiro livro, entenderemos que qualquer edifício pos-
sui as seguintes partes: região, área, compartimentação, parede, cobertura,
abertura 1017 • Portanto nisso são convergentes. Divergem, no entanto, no facto
de uns serem sagrados, outros profanos, uns públicos, outros privados, uns
1015
Vidler (2008, pp. 3-4) sustenta que Alberti estabeleceu uma tradição disciplinar que se
prolongou até ao trabalho inacabado de K. F. Schinkel (Das architektonische Lehrbuch) ,
dado que a história da arquitectura era da responsabilidade, praticamente exclusiva, dos
arquitectos mas que, a partir de meados do séc. XIX, passou também a ser comparti-
lhada pelos historiadores, com os trabalhos pioneiros de James Fergusson, Jacob Burc-
khardt, Heinrich Wõlffiin, Wilhelm Worringer, August Schmarsow e Paul Frank!.
10 16
Elogio à manualidade dos artífices e à materialidade da obra, se bem que seja ao enge-
nho do arquitecto que se deve a sua dignidade.
10 17
Cf. Livro I, cap. 2.
383
Livro Sexto
serem destinados para a necessidade outros para o prazer, e para outros fins
da mesma natureza. Comecemos por aquilo em que são convergentes.
Não é nada claro que graciosidade ou dignidade pode a mão ou o enge-
nho do homem conferir à região, a não ser que nos interesse imitar aqueles
que imaginaram, como se lê nos livros, obras fabulosas e maravilhosas; a
esses, todavia, não os censuram os sábios se conseguiram fazer coisas úteis
e não os louvam se não são necessárias. E isso com toda a razão. Quem
louvará aquele, quem quer que ele tenha sido, ou Estasícrates segundo Plu-
tarco 101 8 , ou Dinócrates segundo Vitrúvio 10 19 , que prometia fazer a partir do
monte Atos uma estátua de Alexandre, em cuja mão estaria colocada uma
cidade com capacidade para dez mil habitantes? Mas ninguém louvará
demais a rainha Nitócris 1020 por ter inflectido por três vezes o rio Eufrates
em direcção ao mesmo território na Assíria por meio de escavações gigan-
tescas e o ter forçado a chegar depois de uma grande volta, se tiver tomado
a região não só fortificadíssima graças à profundidade do fosso mas também
fertilíssima devido à abundância de águas 102 1• Mas comprazam-se os reis
poderosíssimos em obras desta natureza. Liguem os mares a outros mares
rasgando o espaço que há entre eles; nivelem os montes com os vales;
façam novas ilhas, e restituam de novo ilhas ao continente; nada deixem que
outros possam imitar e, deste modo, confiem o seu nome à posteridade. Sem
dúvida, quanto mais as suas obras andarem ligadas à utilidade, tanto mais
serão dignas de aprovação.
Era hábito dos Antigos conferir, por meio da religião, nobreza não só
aos lugares e aos bosques mas também a toda a região. Lemos que toda a
Sicília estava consagrada a Ceres 1022 ; mas passo adiante disso. Será muito
mais agradável o seguinte: se uma região for dotada de alguma coisa notá-
vel que seja singular pela sua raridade, admirável pelo seu poder e extraor-
dinária no seu género; como, por exemplo, se tiver um clima mais que todos
os outros suave, e de uma estabilidade incrível e constante, como em
Méroe 1023 , onde os homens podem viver tanto tempo quanto queiram; se
1018
Plut., A/ex., 72, 4.
1019
Vitrúvio, II, Pre., 2-3.
1020
Primeira mulher a assumir o trono dos faraós nos finais da VI dinastia (c. 2250 a. C.).
1021
É possível que Heródoto (1, 185), ao mencionar Nitócris, a tenha confundido com
Adad-Guppi, a mãe do último rei da Babilónia.
1022
Ceres é o nome romano da deusa grega Deméter, a deusa da agricultura, a deusa mater-
nal da terra, cujo culto foi introduzido em Roma em 496 a. C. conjuntamente com o
culto de Dionísio, no momento em que os Etruscos, chefiados por Porsena, atacavam a
República Romana.
1023
Méroe é uma ilha do Nilo, localizada na Etiópia (cf. Mela, III, 85).
384
Do Ornamento
essa região produzir algo nunca visto em outro lugar e que seja desejável e
salutar para o género humano, como é aquele que produz âmbar-amarelo,
canela ou bálsamo; e se nela houver um poder sobrenatural, como aquele
que há na ilha Sono de Eubúsio 1024 , que dizem ser absolutamente imune a
todo o tipo de mal.
Tudo aquilo que contribui para o ornamento da região embelezará tam-
bém a área, uma vez que esta é uma quota-parte da região. Mas, das vanta-
gens que a natureza proporciona, são em maior número e mais acessíveis
aquelas que tomam uma área famosíssima, do que aquelas de que dispõe
uma região para alcançar a mesma fama. Na verdade, existem a cada passo
elementos que oferecem muitos e variados motivos de interesse: promontó-
rios, rochedos, elevações, lagos, grutas, fontes e outros pontos do mesmo
género, graças aos quais, pela admiração que geram, é mais interessante edi-
ficar aí do que em outro lugar. E não faltam vestígios de algum facto antigo
memorável, nos quais o tempo, a condição dos acontecimentos e dos
homens têm produzido motivos que impressionem os olhos e as mentes com
a admiração que provocam. Mas deixo de lado esses aspectos e até o lugar
onde foi Tróia, e os campos de batalha impregnados de sangue, os de Leuc-
tres 1025 , os de Trasimeno 1026 e muitos outros.
Não me é fácil dizer quanto para isso contribuem as mãos e o engenho
dos homens. Deixo de lado o que é mais fácil : os plátanos transportados por
mar para a ilha de Diomedes para ornamentar a área 1027 ; e deixo de lado as
colunas, os obeliscos colocados por homens insignes para que os vindouros
os venerassem, como a oliveira plantada por Neptuno e Minerva que se
manteve de pé durante muito tempo na acrópole de Atenas 1028 • Deixo de
lado coisas guardadas durante séculos e transmitidas de mão em mão à pos-
teridade, como o terebinto 1029 de Hebron 1030 que dizem ter durado desde o
princípio do mundo até à época do historiador Josefo 103 1•
1024
Eubusius, no original, é a forma corrompida de Ebusus - lbiza (cf. Mela, II, 125).
1025
Leuctres é a cidade da Beócia onde Epaminondas derrotou os Espartanos.
1026
Trasimeno, lago da Etrúria, onde Aníbal derrotou as legiões romanas durante a segunda
guerra púnica.
1027
Ilhas no Mar Adriático próximas da região de Apúlia (cf. Plin., Nat., XII, 6).
102
M Plin., Nat., XVI, 240.
1029
Árvore de pequeno porte, nativa do mediterrâneo, cujo caule, por incisão, exsuda resina
transparente e aromática.
103
° Cidade mais antiga da Judeia, de acordo com os seus habitantes (Joseph ., B. 1. , IV,
533).
1031
Joseph., B. 1., IV, 533.
385
Livro Sexto
1032
Deusa da fecundidade venerada pelas matronas romanas (cf. Macr., I, 12, 27).
10
n Cidade da Beócia.
1034
Plut., Mor. , IV, 21 , 40.
1035
Joseph. , B. 1., V, 227.
1036
Localização ·não identificada.
1037
Var. , L., V, l57.
1038
Var. , L., VII, 84.
1039 Sol. ' II, 8.
1040
Antiga deusa da aurora (cf. Liv., XXXIll, 27, 4; Ov., Fast., VI, 481).
104 1
Divindade não identificada.
1042
Ilha no Helesponto ao largo da costa troiana.
1043
Diod. Sic., V, 83 , 4.
1044
Hdt., VII, 197.
1045
Macr. , I, 12, 25 .
1046
Var., L. , V, 165.
1047
Da divindade Hora Quirina somente se conhece o nome e que exortava a prática de
boas acções (cf. Plut., Mor. , IV, 20, 46).
386
Do Ornamento
1048
Plin., Nat., X, 76.
1049
Plin., Nat., X, 78.
1050
Plin., Nat., XVI, 239.
1051
Filóstrato(c. 160-245 d. C.) é o autor grego da Vida de Apolónio de Tiana , filósofo pita-
górico do séc. I d. C.
1052
Joseph. , A. 1., Vlll, 46-47.
387
Livro Sexto
1053
Euseb., Prep., IV, 23.
1054
Serv., A., IV, v. 694.
1055
Cidade situada na Acaia, a sul do golfo de Corinto.
1056
Ver Livro I, cap. 7, e Livro III, cap. 3.
1057
Ver Livro VI, caps. 8 e I O.
1058
PI., Lg., IV, 704a.
1059
Liceu - ·escola de Atenas onde ensinou Aristóteles; Canopo - porto egípcio a oriente de
Alexandria, onde existia um templo dedicado a Serápis; Academia - escola onde ensi-
nou Platão, situada a seis estádios de Atenas; Tempe - vale da Tessália, entre o Olimpo
e o Ossa, onde Apolo era objecto de culto especial (a via principal que o percorria diri-
gia-se a Delfos).
388
Do Ornamento
CAPÍTULO V
1060
Cf. Diod. Sic. , I, 15, 3.
1061
Uma vez que o côvado equivale a 0,4432 m, o volume do bloco é de 20 x 20 x 150
côvados 3 = 5111,04 m3 •
1062
Diodoro Sículo (Il,ll,4) dá as dimensões de 130 pés em comprimento e 25 em largura,
equivalentes a, respectivamente, 38,48 m e 7,40 m.
389
Livro Sexto
de pedras tal que com um só bloco possas fazer uma parte completa de toda
a obra, como dizem que era a capela do templo de Latona no Egipto, com
quarenta côvados de largo na fachada, e era talhada de uma só pedra, e
coberta também de outro bloco inteiro 1063 : isso com toda a certeza contribui-
ria grandemente para a admiração da obra, e tanto mais se a pedra for
estrangeira e transportada por um caminho difícil, como diz Heródoto que
era aquela que foi trazida da aldeia de Elefantina 1064 , que tem uma fachada
com mais de vinte côvados de largo, quinze de altura 1065 , e foi arrastada até
Sais numa viagem de vinte dias 1066 • Inserir-se-á, ainda de forma mais
extraordinária nos princípios da ornamentação, se alguma pedra digna de
admiração for colocada em lugar nobre e assinalável. No Egipto, o santuário
da ilha de Quémis é digno de admiração não tanto por ser coberto de uma
só pedra, como pelo facto de uma pedra de tantos côvados ter sido colocada
sobre muros tão altos 1067 . Contribuirá ainda para o ornamento a raridade e a
elegância da própria pedra, como por exemplo se for daquele tipo de már-
more com que, segundo dizem, o imperador Nero construiu o templo da
Fortuna na domus aurea, tão puro, branco e translúcido que, sem nenhuma
porta estar aberta parecia haver uma luz metida lá dentro 1068 .
Em suma, todos os processos deste tipo darão o seu contributo. Mas,
quaisquer que sejam os materiais, serão inadequados se não forem observa-
das, na sua disposição, a ordem e a proporção exactas. Com efeito, todas as
coisas devem ser reduzidas, uma a uma, ao número 1069 , de tal modo que se
correspondam entre si: as iguais às iguais, as da direita às da esquerda, as
1063
Hdt., II, 155.
1064
Aldeia do alto Nilo, próxima da primeira catarata junto à nascente, distanciada de Sais,
no delta do mesmo rio, cerca de um milhar de quilómetros.
1065
Equivalentes, respectivamente, a 8,86 m e a 6,65 m.
1066
Heródoto (II, 275) afirma que as dimensões são de 18 4/5 côvados (8,33 m) em com-
primento e 5 côvados (2,22 m) em altura.
1067
Hdt., II, 91.
1068
A domus aurea, mandada construir por Nero, desde o monte Palatino até ao Esquilino,
era conhecida pela sua extravagância construtiva e está descrita em Suetónio (Nero , 31),
Tácito (Ann., XV, 42) e Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 163), bem como, no Quattro-
cento, em Flávio Biondo (Romae instauratae libri III, III, 43). Cf. Caye-Choay, 2004,
p. 290, n. 60.
1069
Numerus (número) é um conceito polissémico, pois tanto se refere a uma quantidade,
que pode ser expressa por numeração Romana, como a uma qualidade, definida no
âmbito das teorias platónica e pitagórica. Alberti refere-se, no texto, a ambas, pois
advoga tanto ângulos precisos com linhas iguais, como correspondências simétricas.
390
Do Ornamento
1070
Thuc., I, 93.
1071
As casas rurais da Toscana, construídas com fiadas alternadas, são bastante raras na
contemporaneidade. Cf. Portoghesi, 1966, p. 4 71 , n. 6.
1072
O controlo total da obra, a partir da sua concepção pelo arquitecto, é advogado por
Alberti.
1073
O revestimento com sectilia (placas recortadas ou ladrilhos) diverge do feito com tesse-
rae (tésseras ou mosaicos): no primeiro caso trata-se de placas com diversas formas
geométricas, que são cortadas ou serradas em função do lugar previsto que irão ocupar
e, no segundo, são pequenos cubos justapostos, de forma a constituírem um desenho
(cf. Vitrúvio, VII, 1, 3), sendo ambos susceptíveis de formarem composições decora-
tivas.
391
Livro Sexto
CAPÍTULO VI
1074
Em contraste com a modema análise e concepção estrutural, desenvolvida cientifica-
mente a partir do trabalho de Galileu (cf. Heyman, 1998), Alberti descreve, até ao final
do cap. 8, conhecimentos de estabilidade afiliados às Quaestiones Mechanicae, atribuí-
dos a Aristóteles e em circulação nos sécs. XV e XVI, onde a linguagem geométrica se
articula com uma visão das máquinas como sendo um artificio da natureza. Além disso,
aqueles conhecimentos também se associam aos do tratado de Vitrúvio (X, 1-9), que tra-
tam dos princípios da mecânica e do estudo das máquinas usados em estaleiro de obra.
1075
Plut., Marc., XIV, 13.
1076
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 67-68) afirma que o transporte se fez de Néctebis para
Fenice, o que sugere que Tebas e Focos são formas corrompidas daquelas localidades.
Este obelisco foi colocado em Alexandria, no séc. III a. C. , pelo rei Ptolemeu II Fila-
delfo.
1077
O Circus Maximus, que foi simultaneamente uma arena e um hipódromo, situava-se
entre a colina Palatina e a Aventina, na antiga Roma, e apresentava-se com um formato
rectangular com cantos arredondados, tendo chegado a atingir as dimensões de, aproxi-
madamente, 650 m por 125 m (cf. Homblower- Spawforth, 1996, pp. 332-3).
1078
Amm. Marc., XVII, 14-15. Este obelisco, que pertenceu ao templo de Ramsés II em
Kamak, foi transportado para Roma e colocado no Circo Máximo em 357, no tempo do
imperador Constâncio II. Posteriormente, foi transposto em 1588, a pedido do Papa
Sisto V, para a praça São João de Latrão por Domenico Fontana em 1590.
392
Do Ornamento
1079
Vitrúvio, X, 2, 11-12.
108
° Faraó da IV dinastia, no séc. XXVI a. C. (cf. Hdt., II, 127).
1081
Equivalente a 1,11 km.
1082
Plin., Nat. , XXXVI, 80-81.
1083
Quéops (c. 2620-2597 a. C.), filho de Rasmita, foi o responsável pela construção da
pirâmide (cf. Hdt., II, 124-125).
1084
Descrição do princípio de funcionamento dos braços da alavanca para levantar pesos.
393
Livro Sexto
1085
Veículo sem rodas para transporte de cargas.
394
Do Ornamento
peso é, por sua natureza, muito amigo do seu repouso e como que pregui-
çoso e teimoso. Arquimedes, considerando factos porventura semelhantes a
estes e indo mais alto buscar a razão das coisas que aqui registámos, parece
ter sido levado a dizer que se lhe fosse dado o ponto de apoio de tão grande
mole, sem dúvida alguma poderia voltar o mundo ao contrário 1086 •
Na preparação da zorra e do terreno, alcançaremos facilmente aquilo
que aqui pretendemos da seguinte maneira. Estenderemos no chão troncos
proporcionais à dimensão da carga em número, espessura e robustez, densos,
sólidos, iguais entre si, nem rugosos, nem nodosos. Entre a zorra e o terreno
convém haver algum meio que tome o caminho escorregadio. Isso consegue-
-se com sabão ou sebo ou amurca ou, porventura, com uma lavadura de
argila. Há ainda outra forma de tomar o chão escorregadio, que consiste em
USí;lr rolos dispostos transversalmente. Neste caso, se forem muito numero-
sos, dificilmente serão mantidos em linhas paralelas e na direcção determi-
nada, alinhados em função do caminho a percorrer, o que é absolutamente
necessário para que não perturbem a carga, a derricem e desviem para o
lado, e prossigam em pleno acordo no mesmo objectivo; se forem muito
poucos, ou aí serão esmagados e rachados sob o peso da carga e, uma vez
desfeitos, impedirão o andamento ou se enterrarão e fixarão penetrando
como que através de uma lâmina por uma linha única com que atingem a
superfície subjacente do terreno, ou por outra linha igualmente única com
que atinge a zorra sobreposta com a respectiva carga. O corpo do rolo é
composto de vários círculos iguais entre si unidos uns aos outros; e entre os
matemáticos afirma-se que um círculo não pode tocar uma linha recta em
mais que um ponto: por isso, nós chamamos lâmina do rolo à linha sobre a
qual, e é uma só, recai a pressão do peso originado pelo rolo. A estas difi-
culdades se providenciará utilizando madeira densa e traçando e corrigindo
as linhas servindo-nos de um esquadro.
CAPÍTULO VII
Mas como além destes há outros meios comprovados pelo uso, como as
rodas, as roldanas, o parafuso e as alavancas, deles devemos tratar em por-
menor los?.
1086
Plut., Marc. , XIV, 12.
1087
No Profigorum ab enumera libri III (III), Alberti cita o tratado desaparecido De moti-
bus ponderis, de sua autoria, com "proposições extraordinárias" sobre o deslocamento
de pesos.
395
Livro Sexto
1088
No original axecla (asseda), que em vernáculo e no vocabulário religioso tem o signi-
ficado de adepto, acólito ou daquele que faz parte da comitiva de alguém. Neste sen-
tido, a braçadeira acompanha o eixo da roda.
1089
Na mitologia Romana, Mercúrio era uma divindade mediadora entre os deuses e os
mortais, e o "patrono da circulação de pessoas, bens e palavras e das suas atribuições"
(Homblower - Spawforth, 1996, p. 962).
1090
Apesar das dificuldades, Alberti apenas utilizará no tratado palavras sem ilustrações, o
que sugere, à semelhança do eloquente mensageiro de Júpiter, que também traz as novi-
dades (cf. Livro III, cap. 2).
396
Do Ornamento
medida das nossas forças 1091 • Na verdade optei por falar destes aspectos, não
como matemático mas como operário e não mais do que o estritamente
necessário.
Para ilustrar o que disse, imagina que tens nas tuas mãos um dardo.
Gostaria que considerasses nele três lugares a que eu chamo "pontos": duas
extremidades, a do ferro e a das penas; o terceiro ponto é o meio da
haste 1092 • Eu chamo raios aos intervalos entre esses três pontos, que vão do
meio da haste às extremidades. Não discuto a razão disso; mas a experiên-
.3
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1091
No original: Jd ego etsi verear posse assequi, tamen pro viribus conabimur (Orlandi,
1966, pp. 481 e 483). Neste passo, para reforçar a sua capacidade de persuasão somente
por meio de palavras, Alberti não estabelece a concordância entre o sujeito e o verbo,
dado que salta da primeira pessoa do singular para a primeira do plural. Esta autonomia
na composição literária do tratado, pela utilização da figura de estilo da anacolutia, que
não abdica do Eu tratadístico, sugere uma atenuação da importância da contribuição do
autor face à eloquência de Mercúrio e, simultaneamente, faz um apelo ao empenho do
leitor.
1092
Ao qual está presa uma correia para imprimir maior impulso no lançamento.
1093
Neste caso, os momentos das forças em presença estarão em equilíbrio.
397
Livro Sexto
o ponto que marca a extensão em que o raio maior supera o raiO menor,
tanto quanto o seu peso for superado pelo maior.
Com efeito, os investigadores que se debruçaram sobre estes aspectos
descobriram que raios desiguais se equilibram com pesos desiguais, contanto
que o resultado que se obtém da soma do raio e do peso seja, no lado
direito, correspondente ao do lado esquerdo. Se, pois, o ferro tiver três par-
tes de peso e as penas duas partes, o raio que vai da correia ao ferro terá
necessariamente duas partes de comprimento e o outro raio, da correia às
penas, três partes; daí resulta que, quando o resultado cinco de um lado cor-
responder ao resultado cinco do outro lado, uma vez obtida a igualdade da
soma dos raios e dos pesos, os dois lados ficam equilibrados e equivalen-
398
Do Ornamento
tes 109\ se os resultados da soma não forem iguais, então leva a melhor o
lado em que a soma é mais elevada.
Não deixo de referir o seguinte. Se a partir da mesma correia se esten-
derem raios iguais, quando se puserem em movimento as suas extremidades,
eles definirão no ar círculos iguais; se, porém, os raios forem desiguais, des-
creverão círculos também desiguais.
1094
Uma alavanca está em equilíbrio quando a soma de todos os seus momentos, que se
definem pelo produto das massas pelas distâncias, é nula. Consequentemente, os
momentos é que devem ser iguais e não a soma dos raios e dos pesos.
399
Livro Sexto
Dissemos que as rodas são constituídas por círculos 1095 • Ficou, pois,
demonstrado que, se duas rodas contíguas, fixadas num único eixo, são
movidas por um só e mesmo movimento, de tal forma que movendo-se uma
delas a outra não fique parada e que, ficando uma delas parada, a outra não
se mova, do comprimento dos raios em cada uma deduziremos qual é a res-
pectiva força 1096 • Deve-se medir o comprimento do raio a partir do ponto
central do interior do eixo. Se estes aspectos ficarem bem compreendidos,
toma-se evidente todo o fundamento desta espécie de máquinas, principal-
mente das rodas e da alavanca.
Nas roldanas há um pouco mais a considerar. De facto, não só o cabo
passado pela roldana mas ainda as próprias rodas desempenham na roldana
a função de um caminho no qual existe um movimento intermédio que,
como dissemos, se situa entre o mais dificil e o mais fácil, porque não sobe
nem desce, mas procura persistentemente o equilíbrio do seu centro.
Ora, para que entendas o que isso é na prática, toma uma estátua com
mil libras de peso. Se esta, amarrada por um cabo, for pendurada de uma
árvore, é certo que esse cabo simples sustentará o total do peso de mil
libras 1097 • Amarra à estátua uma roldana e faz passar por ela o cabo pela
qual estava pendurada a estátua e volta a ligá-la ao tronco de modo a que a
estátua fique de novo pendurada. É claro que o peso da estátua fica pendu-
rado de um cabo duplo e que a roldana vai postar-se ao meio da corda
devido à força de equilíbrio. Continua: acrescenta ainda ao tronco outra rol-
dana e faz passar também por ela o mesmo cabo. Pergunto-te: qual será a
porção de peso que sustentará a parte do cabo puxada para cima e depois
passada por esta outra roldana? Quinhentas libras, dirás tu. Daí não deduzes
tu que a esta roldana não lhe pode ser transmitido pelo cabo um peso infe-
rior ao que ela tem? Terá, pois, um peso de quinhentas libras. Não irei mais
longe. Até aqui julgo que ficou bem demonstrado que as roldanas dividem o
peso ao meio e que um peso menor põe em movimento pesos maiores. As
reduções de peso serão tantas quantas forem as dobragens do cabo; daqui se
segue que, quantas mais roldanas se utilizarem, tanto mais dividido será o
peso e mais comodamente repartido em partes, mas será deslocado com
mais lentidão.
1095
Cf. Livro VI, cap. 6.
1096
Plut., Marc., XIV, 8.
1097
Equivalente a 332 kg.
400
Do Ornamento
CAPÍTULO VIII
Falámos da roda e da roldana e da alavanca. Agora gostaria que com-
preendesses que um parafuso consta de anéis que em si recebem o peso a
sustentar. Se estes fossem anéis completos e não interrompidos de modo a
que o fim de um se unisse ao princípio de outro, sem dúvida alguma o peso
movido por eles não subiria nem desceria, mas seria arrastado à volta do
círculo sempre no plano horizontal.
401
Livro Sexto
Por isso, o peso é impelido pela força de uma alavanca a deslizar pelos
planos inclinados do anel. E, ainda, se os anéis tivessem uma circunferência
muito pequena e fossem muito próximos do seu centro, o peso seria sem
dúvida movido por uma alavanca mais pequena e por forças mais leves.
Não calarei agora aquilo que julguei que não era oportuno dizer. Se tu,
na medida em que a mão e a arte do operário forem capazes de o conseguir,
preparares as coisas de forma que a zorra de carga não seja mais ampla do
que um ponto e se mova em pavimento tão estável que com o seu movi-
mento não faça sulco no pavimento, garanto-te que moverás o navio de
Arquimedes e conseguirás tudo o mais que quiseres. Mas disso falámos em
outro lugar 1098 •
Os processos que acabamos de expor são, cada um de per si, podero-
síssimos para mover um peso. Ora, se todos forem associados num só, tor-
nar-se-ão extraordinariamente mais poderosos. Na Germânia verás por toda a
parte jovens que, para se divertirem no gelo, deslizam sob a acção de um
ligeiro impulso, apoiados em socos de ferro estreitos e polidos na sola sendo
o deslizar acompanhado de uma tal velocidade de movimento que não se
deixa vencer nem sequer por uma ave em voo picado 1099 . Mas, como os
pesos ou são arrastados ou empurrados ou transportados, talvez seja opor-
tuno possibilitar a seguinte definição: os pesos são arrastados por uma corda,
empurrados por uma alavanca, transportados por rodas e outros meios idên-
ticos. De que modo podemos usar todos estes processos ao mesmo tempo,
está ao alcance dos nossos olhos. Mas em todos os processos desta natureza
é necessário haver um elemento fixo e muito firme que, mantendo-se ele
imóvel, permita que o resto se movimente. Se o peso for arrastado, é neces-
sário haver um peso maior ao qual se liguem as cordas dos mecanismos. Se
não houver um peso desse calibre, enterre-se bem fundo uma estaca de ferro
de três côvados 1100 , resistente, em solo compacto ou consolidado por troncos
transversais. Na extremidade saliente da estaca enrola as amarras das polés e
do cabrestante. Se, ·porém, o solo for arenoso, estendam-se no chão traves
muito compridas, inteiras, nas quais se devem fixar os trilhos, e liguem-se as
amarras às extremidades da mesma maneira que a uma estaca.
1098
Ver Livro VI, cap. 6.
1099
Este passo tem sido considerado como evidência das viagens ao norte da Europa com
o cardeal de Bolonha, Niccolo Albergati (1357-1430) para, em representação do papa
Martinho V, estabelecer a paz entre a França e a Inglaterra. Nos Livros II, cap. II; III,
cap. 15; V, cap. 17 e VI, cap. II também há notícias destas viagens. Cf. Mancini, 1882,
p. 98; Portoghesi, 1966, pp. 488-9, n. I.
11 00
Equivalente a 1,33 m.
402
Do Ornamento
Vou dizer uma coisa com que os inexperientes não estarão de acordo, se
a não compreenderem totalmente: é mais fácil puxar ao longo de um plano
dois pesos do que só um. Far-se-á assim. Movido o primeiro peso até ao
limite da extremidade do trilho subjacente, travá-lo-ei com cunhas pequenas
até que fique preso firmemente e, uma vez assim travado, ligar-lhe-ei o
maquinismo com que se deve puxar o segundo peso. Far-se-á com que, pelo
mesmo trilho, um peso em movimento seja vencido por outro igual mas
parado.
Se o peso tiver de ser puxado para o alto, usaremos com toda a facili-
dade um poste ou um mastro de um navio a que não falte solidez. Assim o
havemos de erguer. Apoiaremos a extremidade inferior numa estaca ou em
qualquer outra coisa fixa; na extremidade superior prender-se-ão pelo menos
três cordas: estender-se-á uma para a direita, outra para a .esquerda e a ter-
ceira para a frente ao longo do comprimento do poste; a seguir fixar-se-ão
no chão, a alguma distância do poste, as roldanas ou o cabrestante, e esta
corda, a da frente, será puxada fazendo-a passar pelas roldanas e pelo
cabrestante, elevando-se na extremidade superior, de um e outro lado, como
se fossem rédeas, para que se fixe onde queremos e se incline para o lado
403
Livro Sexto
1101
No original aqua a/bula, proveniente de Álbula, localidade próxima do Tibre, ac~ual
mente designada Bagni, onde brota água termal de um grupo de nascentes sulfurosas
com propriedades medicinais, mencionadas por Suetónio (Nero , 31 ; Aug., 82), Plínio-o-
-Antigo (XXXI, 2, 6, 1O) e Vitrúvio (VIII, 3, 2).
404
Do Ornamento
Vimos que nas pedras de grandes dimensões, sobretudo nas das colunas,
foram deixados, no meio da superfície, aliás desbastada e polida, botões
salientes como se fossem asas nas quais se pudessem fixar os laços das cor-
das para não deslizarem. Os Antigos usam também, sobretudo nas comijas,
engastes 1102 (assim lhes chamo eu) que se fazem assim. Abre-se uma cavi-
dade na pedra, em proporção com o seu tamanho, com a forma de uma
bolsa vazia, com a abertura mais estreita e, para dentro, com o fundo mais
largo (vimos engastes com a profundidade de um pé). Enchem-na com
pequenas cunhas de ferro 1103 , duas das quais, uma de cada lado, terminam
em forma da letra D 1104 • Estas cunhas introduzem-se nos lados do engaste
1102
Referência a impleola, no sentido de impleo (encher): os engastes são enchidos com fer-
ros de luva.
1103
Ou ferros de luva.
1104
Referência à letra grega delta (D).
405
Livro Sexto
11 05
Desde o período que se inicia com "Enchem-na", até ao que termina com "das outras
cunhas", seguiu-se, na tradução, a pontuação constante na editio princeps de Florença
de 1485, reeditada por Hans-Karl Lücke (1975), e não a versão de Orlandi (1966,
p. 497), na medida em que aquela salvaguarda, de forma mais adequada, a coerência
sintáctica da frase .
11 06
Livro X, cap. 17.
1107
Dado que Alberti assume o princípio pitagórico de que "[ ...] a natureza é absolutamente
igual a si mesma em todas as coisas" (Livro IX, cap. 5; Pseudo-Pitágoras, in Aurea
verba, 52), o binómio máquina-ser vivo, ao imitar as tensões da natureza, tem subja-
cente um raciocínio analógico idêntico ao da relação edificio-corpo. Cf. Foucault, 1981 ,
pp. 37-38.
406
Do Ornamento
CAPÍTULO IX
Em todos os revestimentos convém aplicar não menos que três camadas
de massa de cal e areia 1108 • A função da primeira é agarrar-se muito forte-
mente à superficie e fixar no muro a aplicação das restantes camadas; a fun-
ção da última é fazer sobressair a beleza dos acabamentos, das cores e das
linhas; a fu!lção das intermédias é corrigir os defeitos de uma e evitar os da
outra. Os defeitos são estes. Se as últimas camadas, aplicadas sobre as
outras, forem agressivas e, por assim dizer, corrosivas dos muros, como de
facto convém serem as primeiras, devido à sua agressividade abrir-se-ão em
inúmeras fendas à medida que secam. Se, porém, forem mais macias, como
convém que sejam as últimas, não se agarrarão ao muro com tenacidade e
desagregam-se.
Quanto mais numerosas forem as camadas de cal e areia, tanto mais
brilhante será o polimento e tanto mais resistirão ao envelhecimento. Entre
os antigos vimos alguns que aplicaram até nove camadas. Destas, as primei-
ras devem ser necessariamente muito ásperas, de areia fóssil e barro cozido
não muito triturado, mas em fragmentos com alguns d~dos e às vezes com
um palmo de espessura. Nas camadas intermédias é melhor a areia fluvial,
porque tem menos tendência para abrir fendas. Convém que também estas
sejam ásperas; porque as que se acrescentam às camadas lisas não aderem.
A última de todas será polidíssima, a imitar mármore, isto é, terá em vez de
areia pedra branquíssima reduzida a pó. É suficiente dar a esta camada a
espessura de meio dedo; com efeito, é mais dificil de secar se lhe juntarmos
uma mais espessa. Vimos alguns que, por poupança, aplicaram a última
camada com uma espessura não superior à da sola dos sapatos. As camadas
intermédias serão depois calculadas conforme se encontrem mais próximas
das primeiras ou das últimas.
Nas montanhas rochosas encontram-se veios muito semelhantes ao ala-
bastro translúcido, por sua natureza muito friáveis, que não são nem már-
more nem gesso, mas algo entre os dois. Esta pedra, esmagada e misturada
em vez de areia, produzirá maravilhosamente reflexos luminosos de már-
more branco.
Vêem-se com frequência pregos cravados nas paredes para fixar os
revestimentos. O tempo ensinou que os melhores de todos são os de bronze.
Merecem acordo geral aqueles que, abrindo pequenos orificios ao longo da
11 08
Cf. Vitrúvio, VII, 3-4.
407
Livro Sexto
1109
Austro. Cf. Livro III, cap. 16.
111 0
Vento do norte.
1111
Vitrúvio, VII, 2, 2.
111 2
Plin., Nat., XXXVI, 174.
408
Do Ornamento
bate com um maço e com varas enquanto estão frescos. A última camada
cuidadosamente esfregada com cal pura dará o brilho de um espelho; se,
depois de completamente seca a untares com uma mistura líquida de cera,
mástique e um pouco de azeite, e aqueceres a parede assim untada com car-
vões em brasa proveniente de uma bacia, para que absorva a untura, vencerá
o mármore em brilho. Nós sabemos por experiência que os revestimentos
deste tipo se tornam imunes às fendas se, durante a aplicação do reboco,
corrigires imediatamente as fissuras que aparecerem com molhos de rebentos
de hibisco 1113 ou de espasto 1114 cru.
Mas se te preparares para aplicar o reboco durante a canícula ou em
lugar muito quente, tritura e desfaz em bocadinhos cordas velhas e mistura-
os na massa. Além disso o reboco ficará também bem polido se o aspergi-
res moderadamente durante o polimento com sabão branco dissolvido em
água morna; se o molhares demasiado perde o brilho.
Os relevos fixam-se com muita facilidade com a ajuda de moldes. Estes
extraem-se de objectos esculpidos derramando sobre eles gesso húmido.
Quando os moldes secarem imitarão a superficie do mármore se forem unta-
dos com o unguento de que falamos. São dois os géneros deste tipo de rele-
vos: um saliente, outro achatado e rebatido 1115 • Num muro direito admitem-
-se sem incómodo relevos salientes; todavia, no tecto das abóbadas são mais
convenientes os relevos rebatidos: efectivamente os salientes, se estão pen-
dentes, facilmente se despegam por força do seu próprio peso e, caindo,
constituem um perigo para os habitantes 1116 • Com razão se aconselha que,
onde se prevê a acumulação de muito pó, não uses comijas lavradas e
salientes mas planas e achatadas para que se limpem da forma mais conve-
niente 1117 •
Dos revestimentos pintados uns são feitos a fresco e outros a seco. Para
os frescos será conveniente qualquer cor natural tirada da pedra, da terra,
dos minerais e de outras substâncias do mesmo género. Pelo contrário, todas
as cores artificiais, e principalmente aquelas que postas ao fogo se alteram,
requerem superfícies muito secas e odeiam a cal, a lua e o Austro. Uma
nova invenção: com óleo de linhaça as cores que queiras aplicar tomam-se
1113
Planta que ocorre sob a forma de arbusto lenhoso, nativo das regiões tropicais e sub-
tropicais, cultivado para a extracção de fibras.
1114
Mineral carbonático cristalino de fácil clivagem (cf. Vitrúvio, VII, 3, 2 e Plínio-o-
-Antigo, Nat., XIX, 26-30).
1115
Em alto e meio-relevo ou baixo-relevo.
111 6
Vitrúvio, VII, 3, 3.
111 7
Vitrúvio, VII, 3, 4.
409
Livro Sexto
eternas contra todas as injúrias do tempo e do clima, contanto que seja seco
e sem o mínimo de humidade o muro em que o óleo é aplicado 111 8; no
entanto, tenho provas de que os pintores antigos usavam na pintura das
popas dos navios cera líquida em vez de goma. Também vi em edifícios dos
Antigos cores de pedras preciosas aplicadas ao muro, se entendo bem este
facto, com cera ou talvez com betume branco, cores essas que com o tempo
chegaram a um tal grau de dureza que nem o fogo nem a água as conse-
guem apagar; dir-se-ia que isso é vidro derramado por cima da pintura. Tam-
bém me apercebi de que houve alguns que, usando a flor láctea da cal, fixa-
ram as cores, sobretudo as vítreas, a uma parede ainda fresca. E quanto a
rebocos são estes os dados.
CAPÍTULO X
1118
O óleo de linhaça, obtido por amassadura da semente do linho, usado como aglutinante
para os pigmentos de cor, foi inicialmente introduzido nos países do norte da Europa.
1119
Equivalentes, respectivamente, a 177,28 cm, a 88,64 cm e a 0,93 cm.
1120
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 9) refere que o corte da pedra, se bem que seja auxi-
liado pelo ferro , na realidade é efectuado pela areia que, nos movimentos de vai e vem,
se comprime na fenda de corte.
11 21
Plin., Nat., XXXVI, 51.
1122
Provavelmente originada a partir da brecha, rocha de agregação composta de fragmen-
tos angulosos e irregulares aglutinada por cimento natural. Cf. Portoghesi, 1966, p. 506,
n. I.
410
Do Ornamento
1123
Vitrúvio, VII, 4, 5.
1124
O esmeril é uma mistura de corindo e magnetite, contendo epinélio, granada e hematite,
usado correntemente como abrasivo.
1125
Plin., Nat., XXXVI, 53-54.
1126
As ensambladuras dos paramentos das paredes exteriores da igreja de Santa Maria
Novella, bem como no Santo Sepulcro da capela Rucellai, em Florença, exibem finas
incrustações trabalhadas em mármore, que contribuem para o "[ ... ] prazer da seme-
lhança e dissemelhança dos ornamentos" (Livro IX, cap. 9).
11 27
Processo similar é utilizado na representação de alçados em desenho de arquitectura,
onde as partes mais distantes apresentam linhas menos expressivas do que as mais pró-
ximas.
411
Livro Sexto
11 28
Conjuntamente com ouro e pedras preciosas (cf. Suet., Nero, 31 ).
1129
Cf. Vitrúvio (VII, 3, 7) sobre a difusão de "nítidos esplendores, através das cores pin-
tadas sobre os últimos acabamentos".
11 30
A obtenção da pigmentação negro-de-fumo a partir de carvão vegetal ou de borras de
vinho não é descrita por Alberti (cf. Vitrúvio, VII, 10, 1-4).
412
Do Ornamento
CAPÍTULO XI
Também a cobertura tem os seus encantos e as suas belezas nos reves-
timentos dos vigamentos, das abóbadas e dos terraços. Chegaram até aos
nossos dias os travejamentos do pórtico de Agripa com traves de bronze de
quarenta pés 1131 : é um trabalho em que não saberás se deves admirar mais o
aparato ou o engenho de quem o fez 1132 • Noutro lugar referimos que a
cobertura de cedro do templo de Diana resistiu durante muitos anos 1133 • Plí-
nio recorda que Salance, rei da Cólquida, depois de derrotar Sesóstris, rei do
Egipto, tinha traves de ouro e de prata 11 34 • Vêem-se também templos cober-
tos com placas de mármore; como no templo de Jerusalém onde se conta
que havia placas grandíssimas resplandecentes com um brilho intenso de tal
maneira que, para quem de longe contemplava a cobertura, lhe parecia um
monte coberto de neve 1135 • Catulo foi o primeiro em Roma a dourar as
telhas de bronze do Capitólio; 1136 descobri que depois o Panteão de Roma foi
coberto com escamas de bronze douradas 1137; e que o sumo pontífice Honó-
rio, no tempo do qual Maomé implantou nova religião e novos ritos no
Egipto e na Líbia, mandou cobrir toda a basílica de São Pedro com placas
de bronze 1138 • A Germânia brilha com as suas telhas vidradas 1139 •
11 31
Correspondente a 11,82 m.
11 32
Estes travejamentos do pórtico do Panteão de Agripa foram substituídos por madeira-
mentos no papado de Urbano Vlll, tendo o bronze sido utilizado no baldaquino de São
Pedro em Roma em 1624 (cf. Portoghesi, 1966, pp. 510-1, n. 1).
11 33
Cf. Livro II, cap. 7, onde se refere um templo a Diana na Hispânia com características
semelhantes.
11 34
Plin., Nat., XXXIII, 52.
11 35
Joseph., B. I. , V, 223 .
11 36
Plin., Nat., XXXIII, 57.
11 37
Plin., Nat., XXXIV, 13.
11 38
No pontificado de Honório I (625-638).
1139
As figuras de metáfora e de metonímia são combinadas para rematar, de forma sinté-
tica, o parágrafo.
413
Livro Sexto
1140
O texto refere-se às consequências das eflorescências calcárias nos paramentos das pare-
des exteriores, bem como aos efeitos da corrosão nos materiais construtivos.
1141
Para impermeabilizar a cobertura.
11 42
Esta referência encontra-se em Josefo (B. 1. , V, 224) e não em Eusébio de Pânfilo.
11 43
Ângulos refere-se aos rincões e aos larós dos telhados.
414
Do Ornamento
CAPÍTULO XII
1144
Cic., Verr., I, 51, 133.
415
Livro Sexto
fio-de-prumo caia sobre o centro da cavilha da base. Feito isto, não será
dificil puxar a parte inferior do poste da coluna de modo que o seu centro
assente perpendicularmente no ponto marcado.
Aprendi nas obras dos Antigos que os mármores menos duros se podem
aplainar com as mesmas ferramentas com que se desbasta a madeira. E tam-
bém seguiram a prática de aparelhar as pedras ainda toscas desbastando só
as extremidades e os rebordos das pedras que seriam ensambladas uma às
outras; só depois de concluir o trabalho, aplainavam e alisavam a parte que
ficava em bruto: creio que o faziam para expor aos perigos das máquinas
pedras com o mínimo de gastos que era possível. Na verdade, teriam muito
maior prejuízo com uma pedra limpa e completamente acabada, se devido a
algum acidente se fizesse em pedaços, do que com uma pedra apenas come-
çada. Acrescente-se que davam muita atenção a cada fase: um é o tempo de
construir, outro o de revestir, outro o de polir.
416
Do Ornamento
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-
Pilastras adossadas com ressaltos entre um quarto
e um sexto da sua largura.
1145
No original proeminens (adossado) e nuncupetur (independente).
11 46
Como se pode verificar no templo Malatestiano em Rimini.
1147
Isto é, um pilar quadrangular.
417
Livro Sexto
1148
Os ornamentos abrangem todo o campo da arte edificatória, tanto no que se refere aos
descritores da edificatória, como ao género dos edificios.
418
Do Ornamento
este livro tomou à sua conta examinar aqueles aspectos que dizem respeito
aos ornamentos dessas partes, nada se descuide que contribua para esse
objectivo.
CAPÍTULO XIII
Em toda a arte edificatória o principal ornamento consiste sem dúvida
nas colunas 1149 : na verdade, várias colocadas em conjunto ornamentam um
pórtico, um muro ou todo o tipo de abertura; e mesmo isoladas não são
desagradáveis à vista; elas, com efeito, ornamentam as encruzilhadas, os tea-
tros, as praças, sustentam os troféus, servem de monumento 11 50 , têm graça,
proporcionam dignidade. É dificil dizer quantos gastos os Antigos aplicaram
neste domínio, porque era o de maior distinção. Uns, não se contentando
com o mármore de Paros, da Numídia, de alabastro ou outro semelhante,
juntaram-lhe a habilidade dos mais insignes artistas e fizeram com que as
colunas fossem repletas de relevos e imagens, como os que dizem que havia
no templo de Diana em Éfeso, em número superior a cento e vinte 11 51• Outros
acrescentaram-lhes bases e capitéis de bronze e revestidos de ouro, como os
que em Roma no duplo pórtico 1152 se construíram no consulado de Octá-
vio 1153 , aquele que obteve o triunfo por ter vencido Perseu; uns tiveram colu-
nas de bronze maciço, outros revestiram-nos de prata. Mas passemos adiante.
As colunas devem ser redondas e bem torneadas. Descobri que os
arquitectos Teodoro e Tolo que nas suas oficinas em Lernnos tinham prepa-
rado uns eixos e equilibravam de tal modo as colunas neles penduradas que
uma criança com um impulso em movimento circular as fazia andar em
redor 1154 • Uma história da Grécia.
1149
Neste capítulo o desenho do perfil e da barriga do fuste da coluna é descrito de forma
autónoma e não assimilado à parede. Cf. Livro I, cap. I O.
1150
No sentido de eternizar a rememoração para a preservação da cidade e para a memória
dos homens (cf. Cic., Catil., 3, 26).
1151
As colunas do templo de Ártemis em Éfeso, construído no séc. VI a. C., eram ornadas
no imoscapo por altos-relevos (cf. Plin., Nat., XXXVI, 95).
11 52
Cf. Plin. , Nat., XXXIV, 13.
11 53
Gneu Octávio, cônsul em 167 a. C., mandou construir o Porticus Octavia, situado entre
o teatro de Pompeio e o circo Flamínio em Roma, em 168 a. C., para comemorar a
vitória naval sobre Perseu, rei da Macedónia. Plínio-o-Antigo (Nat., XXXIV, 13), afirma
que este pórtico também era designado, de corintio, devido aos capiteis erri bronze que
apresentava.
11 54
Os nomes dos arquitectos citados por Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 90) são os de
Zmílis, Teodoro e Reco.
419
Livro Sexto
O eixo é uma linha recta que passa pela medula da coluna e vai desde
o centro do círculo superior até ao centro do círculo inferior: esta mesma
linha chama-se mediatriz da coluna. Nesta linha axial estão os centros de
todos os círculos. O perfil é a linha que vai da circunferência exterior do
círculo superior até ao ponto oposto situado na circunferência inferior e que
420
Do Ornamento
1155
O termo grego entasis (Vitrúvio, III, 3, 13) é evitado para descrever o aumento do diâ-
metro a meio da coluna para corrigir as distorções ópticas e sugerido, em alternativa, o
termo venter (barriga), em sintonia com a relação edifício-corpo.
421
Livro Sexto
1156
Moldura saliente rectangular.
1157
No original nextrum , diminutivo de nextrulum, derivado do vulgar nastro, com o signi-
ficado de fita estreita e comprida que não passa a largura de um palmo, equivalente, em
vernáculo, a filete ou listei. Cf. Grazzini eta/ii, 1612, fl . 17; Zubov, 2001, p. 94, n. 42.
1158
Os termos finitor linea (linha do perfil) correspondem, no âmbito da concepção tripar-
tida da concinnitas, à finitio, isto é, à delimitação da coluna.
1159
Equivalente ao finitorium para medir as proporções tridimensionais da figura humana.
Cf. De statua, 9.
1160
Livro VII, cap. 7.
422
Do Ornamento
altura do filete: com uma linha pequena desenhamos no mesmo quadro essa
altura. Ainda das mesmas vinte e quatro parcelas da planta tomamos três e a
essa altura colocamos no eixo o centro da reentrância mais próxima e por
14
III h ii h h li i h li h IIIi
J
Método para determinar a linha do perfil de uma coluna.
423
Livro Sexto
este centro fazemos passar uma linha paralela à planta em ângulo recto com
o eixo. Portanto, esta será a linha do diâmetro da reentrância inferior, cujo
comprimento se tomará um sétimo mais curto que o da linha do diâmetro da
planta. Assinaladas estas duas linhas, isto é, o diâmetro da reentrância e o
filete, traçamos uma linha curva com a parte convexa voltada para o eixo, e
com uma curvatura tão suave e agradável quanto possível, desde a extremi-
dade do nastro (filete) até à extremidade da reentrância. O início desta cur-
vatura terá a quarta parte de um pequeno círculo cujo raio seja a altura do
filete. Depois disso dividimos toda a extensão do eixo em sete partes iguais
e assinalamos essas divisões com pontos.
No quarto ponto a começar da planta, situarei o centro da barriga, pelo
qual deves fazer passar o diâmetro, cujo comprimento será igual ao diâme-
tro da reentrância inferior. A seguir serão definidas a reentrância superior e
a saliência da seguinte forma . Com efeito, tendo em conta o tamanho da
coluna acerca do qual discorremos em lugar próprio 11 6 \ o diâmetro do cír-
culo superior será deduzido do diâmetro da planta inferior e, no quadro, será
desenhado na extremidade inferior do eixo. Quando este diâmetro tiver sido
desenhado, dividi-lo-emos em doze parcelas; uma destas parcelas completa
será ocupada pelo colarinho e pelo nastro (filete) da saliência superior, da
maneira que se segue: o colarinho ocupará dois terços desta duodécima
parte, e o resto será para o nastro (filete). Por baixo desta saliência haverá
uma reentrância, cujo centro distará do centro do círculo superior da saliên-
cia uma parte e meia dessas doze partes 11 62 ; e o diâmetro dessa reentrância
será uma nona parte mais pequeno do que o diâmetro maior da saliência.
Depois disto será traçada uma linha curva, com o mesmo traçado que usa-
mos na curvatura inferior. Finalmente, depois de marcar no quadro as saliên-
cias, as reentrâncias, as curvaturas oblíquas e o diâmetro da barriga, tra-
çar-se-á uma linha recta desde a extremidade da reentrância superior e
igualmente da inferior até à extremidade do diâmetro com que assinalamos
a barriga. E assim com estes registos que fizemos está composta a linha que
se chama perfil. Seguindo o formato desta linha, dobra-se uma tábua fina
com a qual os canteiros podem captar e determinar o contorno e os limites
da coluna. A superfície inferior do fuste, se a coluna for bem torneada, for-
mará ângulos rectos, um de cada lado, com a mediatriz tirada, por meio do
1161
Livro VII, cap. 6.
1162
Correspondendo proporcionalmente a 12,5% do diâmetro do círculo superior da saliên-
Cia.
424
Do Ornamento
11 63
Este último parágrafo destaca a importância das proporções dos delineamentos do sis-
tema da coluna no ordenamento albertiano.
425
LIVRO SÉTIMO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS
SAGRADOS 1164
CAPÍTULO I
1164
O título Liber Septimus Qui Sacrorum Ornamentum Jnscribitur, também pode ser tradu-
"zido, face aos conteúdos que apresenta, por "Livro Sétimo: Omamento dos Edificios do
Culto" .
11 65
Ao afinnar a importância do discurso em arquitectura para a pintura, Alberti estabelece
uma relação biunívoca entre ambas as artes, dado que no Livro II, cap. I , refere-se
também à relevância da pintura na fonnação do arquitecto, anteriormente à formulação
de Vasari (1550) sobre a unidade das arti dei disegno .
427
Livro Sétimo
11 66
A venustas, a utilitas e a firmitas vitruvianas são invocadas por Alberti ao iniciar a sis-
tematização da coluna.
11 67
Ver Livro VI, cap. 1.
11 6
M Deus itálico da agricultura, identificado com Crono que, na mitologia grega, é o filho
mais novo de Úrano (o Céu) e de Geia (a Terra). Em sua honra celebravam-se, em
Roma, as Saturnais.
11 69
Na mitologia clássica a ajuda dos deuses é indispensável para a realização das acções
humanas, como é atestado na formação da região em torno de Roma. Cf. Verg. A., VIII,
v. 319.
1170
Optimi et maximi dei universaliza a designação dada a Júpiter como Deus Optimus et
Maximus, o deus soberano da religião do Estado romano .
428
O Ornamento de Edificios Sagrados
sagrada, os deuses tutelares dessa cidade, para que estes não se fossem
embora contrariados 117 1•
Quem duvidará de que o templo é um edificio religioso, entre outros
motivos, principalmente porque acima de tudo nele se celebra a acção de
graças e a adoração devidas aos deuses benfeitores do género humano? Esta
piedade é uma parte principal da justiça; e a própria justiça quem não estará
de acordo que é por si mesma um dom divino? 1172 E há também uma parte
da justiça análoga à anterior e muito importante em dignidade e muitíssimo
agradável e como que sagrada para os deuses, pela qual gozamos do bem da
paz e da tranquilidade com os homens, na medida em que queremos que a
cada um seja retribuído segundo o que merece. Por esse motivo, associare-
mos à religião a basílica onde se administra a justiça 1173 •
E que dizer dos monumentos aos feitos dignos de serem consagrados à
eternidade e confiados à posteridade? Se não estou errado, eles enquadram-
-se nos princípios da justiça e da religião. Devemos, pois, falar das mura-
lhas, e dos templos, e da basílica, e dos monumentos se, antes de abordar-
mos estes aspectos, referirmos brevissimamente algumas questões que não
devem ser omitidas acerca das próprias cidades.
Contribuirá fortemente para a beleza do território e da área da cidade, a
abundância de edificios distribuídos e situados nos lugares mais adequados.
Platão aprovava um território e uma área divididos em doze circunscrições e
em cada uma delas implantava um templo ou um santuário 1174 • Nós devemos
acrescentar os cruzeiros, os julgados mesmo de juízes menores, e as guarni-
ções, e os campos de corridas, e os espaços de jogos, e, por fim, outros
espaços que condigam com estes, contanto que o território floresça de todos
os lados em abundância de casas.
Há, sem dúvida, cidades muito grandes e outras mais pequenas, como
as povoações fortificadas e os pequenos povoados. Nos escritores antigos
1171
Plin., Nat., XXVII, 18; Serv., A., II, v. 231.
1172
No mundo romano a pietas é entendida como o "sentimento do dever" em relação à
família (Verg., A., VI, 405-407; X, 825-826), à veneração ao divino (Cic., N. D., I, 115-
-116) e à lealdade ao Estado ( Cic., Rep., VI, 16), o que permite distinguir o justo do
injusto.
11 73
Se bem que, para Alberti (Livro VII, cap. 14), a basílica cristã se associe aos " [ ...]
ornamentos que são devidos aos templos", a sua conformação assumirá a forma das
basílicas judiciais pagãs, dado que estas respondem às necessidades de acolher grandes
multidões (Livro VII, cap. 3).
11 74
Platão (Lg., V, 745c; VIII, 848d) sugere que as doze partes sejam iguais no sentido de
as melhores terras serem pequenas e vice-versa. Esta divisão em doze circunscrições
segue a tradição pitagórica implementada por Hipódamo de Mileto ( cf. Hoepfner-
-Schwandner, 1994, p. 306).
429
Livro Sétimo
1175
Cic., Agr., II, 96.
1176
Ilha no porto de Alexandria conhecida, na Antiguidade, pelo seu farol de navegação.
1177
Curt., IV, 8.
1178
Neste passo, Alberti refere-se provavelmente ao esplendor da Roma antiga, que chegou
a ter um milhão de habitantes. Ver nota n.0 8.
11 79
Rei da Arménia, sobrinho de Mitridates, derrotado por Pompeio em 66 a. C. .
°
11 8
Cidade fundada na Arménia c. de 77 a. C., cuja localização exacta se desconhece (Plin.,
Nat. , VI, 26-27).
1181
Plut., Luc., XIV, 6 e XXVI, I.
430
O Ornamento de Edificios Sagrados
viaje fora do país; e os estrangeiros que viessem para a cidade por causa da
virtude, quando a seu tempo estivessem imbuídos dos bons costumes,
deviam voltar para o seu país 11 82 • Isso, sem dúvida, porque o contacto com
esses estrangeiros pode fazer com que os cidadãos desaprendam dia a dia a
antiga sobriedade dos antepassados e comecem a odiar os bons costumes de
antigamente; razão única pela qual as cidades se tomam as mais degradadas.
Plutarco refere que os habitantes de Epidamno 11 83, dando-se conta de que os
seus cidadãos se tomavam desonestos devido ao comércio com os !lírios e
que as revoluções são suscitadas nas cidades pelos maus costumes, temendo
isso, escolhiam todos os anos, de entre toda a multidão dos cidadãos, um
acima de todos sério e circunspecto, que fosse à Ilíria 11 84 e comprasse e
negociasse tudo aquilo que cada um dos seus concidadãos lhe encomen-
dasse. Em suma, todas as pessoas experientes estãe de acordo em ordenar
que se teÍJ.ha absolutamente todo o cuidado, com a máxima diligência, para
que a cidade não se deixe corromper pela mistura de elementos estranhos.
Eu, todavia, não sou da opinião de que se devem imitar aqueles que
excluem todo o género de estrangeiros.
Entre os Gregos por tradição assegurava-se aos países aliados, mas não
inimigos, que, se algum dia se dirigissem para o seu território, não seriam
recebidos no interior da cidade nem afastados dela por inospitalidade, mas
estabeleciam não longe das muralhas um mercado onde os estrangeiros se
pudessem· abastecer se procurassem o que lhes era necessário, e os cidadãos
estivessem livres da ameaça do perigo. E a mim merecem-me aprovação os
Cartaginenses: nem deixavam de receber os estrangeiros, nem permitiam que
tivessem todas as coisas em comum com os cidadãos; os estrangeiros tinham
acesso ao fórum por uma determinada via, mas às partes mais secretas da
cidade, aos estaleiros e a outras similares, nem sequer vê-las lhes era coh-
cedido.
Nós, tendo em conta estas advertências, dividiremos a área da cidade de
modo a que não só os estrangeiros tenham uma zona habitual distinta, que
seja adequada a eles e não incómoda para os cidadãos, mas também estes
mesmos habitem adequada e comodamente entre si, segundo o ofício e a
dignidade de cada um.
1182
PI. , Lg., XII, 950d.
1183
Porto da costa da Ilíria, hoje designado por Durres, na Albânia.
1184
A Ilíria significava, para os Gregos, os territórios da Macedónia, do Epiro, e das cida-
des gregas do Mar Adriático e, para os Romanos, toda a área oriental dos Alpes até ao
golfo de Valona.
431
Livro Sétimo
CAPÍTULO II
11 85
Neste passo, sugere-se tanto um zonamento urbano selectivo, por actividades, em fun-
ção da sua dignidade, da sua acessibilidade ao fórum e do seu impacto ambiental, como
usos mistos de comércio e de habitação em áreas urbanas distintas.
1186
Cic., Off., II, 9-10.
11 87
Thuc., I, 93, 5.
1188
Vilúmbria, parte marítima da Úmbria, situada entre os Apeninos e o Mar Tirreno.
1189
Antiga população do Lácio meridional.
432
O Ornamento de Ediflcios Sagrados
1190
Equivalentes, respectivamente, a 22,16 me a 44,32 m. Heródoto (I, 178, 3) refere-se a
um "fosso profundo e largo, cheio de água; segue-se-lhe uma muralha, com cinquenta
côvados régios de espessura, e duzentos de altura" (trad. de J. R. Ferreira, 2002) o que,
de acordo com achados arqueológicos é um exagero. Alberti reduz para metade aquela
altura (cf. Strab., XVI, l, 5; Diod. Sic., II, 7, 4).
119 1
Rei da Arménia, que reinou de 95 a. C. a 55 a. C., no estado mais influente a Este da
República Romana.
11 92
Aristóteles (Eth. Nic., 1137b), refere uma régua lésbica e não dórica: "A regra do que
é indefinido é também ela própria indefinida, tal como acontece com a régua de
chumbo utilizada pelos construtores de Lesbos. Do mesmo modo que esta régua se
altera conforme a pedra e não permanece sempre a mesma, assim também a lei terá de
adaptar-se às mais diversas circunstâncias" (trad. de A. C. Caeiro, 2004).
1193
O pomerium correspondia a um espaço sagrado livre de edificações, i.e. non aedifi-
candi, para cada lado das muralhas etruscas e romanas (cf. Var., L., VI, 34).
433
Livro Sétimo
pública, via que ninguém possa impedir com um fosso, uma parede, uma
cerca, ou com uma plantação.
Passo aos templos. Tenho informação de que os primeiros fundadores
de templos foram, na Itália, o Pai Jano e, por isso, os Antigos costumavam
invocar sempre o deus Jano nos sacrificios 1194 ; há quem diga que Júpiter foi
o primeiro que em Creta dedicou templos e por tal motivo Júpiter era o
deus principal entre aqueles que tinham culto 1195 ; afirmam que na Fenícia
um certo Usone foi o primeiro a erigir estátuas ao Fogo e ao Vento e a
construir-lhes templos 1196 ; outros afirmam que, quando Dionísio fez a sua
expedição à Índia, não havendo nesse tempo cidades algumas nessas regiões,
acrescentou templos às fortalezas que fundou e lhes transmitiu um culto reli-
gioso regular 11 97 ; outros afirmam ainda que na Acaia 1198 os primeiros a cons-
truir templos foram Cécrops 1199 em honra de Ops 1200 e os Arcádios 1201 em
honra de Júpiter. Contam também que Ísis, a quem chamam deusa legisla-
dora, porque foi a primeira de entre a raça dos deuses que ensinou a viver
segundo as suas leis, fez um templo para Júpiter e Juno seus pais e instituiu
sacerdotes 1202 •
Mas não se sabe ao certo como é que nessa época era um templo em
cada um desses povos; eu facilmente me deixarei convencer de que era
como aquele que havia na acrópole em Atenas 1203 ou como o que havia no
Capitólio em Roma 1204 • Sendo já a cidade florescente, os templos tinham
11 94
Jano é o antigo deus romano dos inícios e das passagens, representado por dois rostos
em sentidos opostos que vigiavam as entradas e saídas e a quem eram dedicados a pri-
meira hora do dia e o primeiro mês do ano.
1195
Diod. Sic., V, 72, 1.
1196
Euseb., Prep., I, 10.
11 97
Arr. , Anab., VIII, 7; Diod. Sic., II, 38, 5.
1198
Acaia designava a região noroeste do Peloponeso. Após 146 a. C. aquele termo passou
a denominar toda a Grécia submetida a Roma.
11 99
Rei mítico de Atenas que estabeleceu diversos cultos religiosos.
1200
Deusa romana da abundância de acordo com a tradição relativa às divindades agrárias.
1201
Habitantes do planalto central do Peloponeso.
1202
Diod. Sic. , I, 15, 2.
1203
A arte grega somente podia ser conhecida de Alberti por transmissão oral, dado que não
havia, à época, registos fidedignos , que apenas começaram a ser difundidos após os tra-
balhos de Winckelmann (1764).
1204
Vitrúvio (II, 3, 1 e 5) descreve o templo do Capitólio como aerostilo, i.e. "com as colu-
nas mais distanciadas entre si do que convém", não se podendo utilizar neles "epistílios
de pedra ou de mármore, pois têm de se colocar traves de madeira inteiriças; o aspecto
434
O Ornamento de Ediflcios Sagrados
uma cobertura de palha e colmo 1205 : era assim que consideravam dever ser
expressa a ancestral parcimónia dos antepassados. Mas como a opulência
dos reis e dos outros cidadãos os persuadia a dignificar-se a si e à sua
cidade com a grandeza dos edifícios, pareceu vergonhoso que as moradas
dos deuses fossem superadas pelas casas dos mortais em algum elogio da
sua beleza; e em breve tempo chegou-se ao ponto de o Rei Numa 1206 , em
uma cidade frugalíssima, atribuir quatro mil libras de prata para os alicerces
de um só templo. Eu louvo vivamente o propósito deste príncipe, na medida
em que teve em vista a dignidade da cidade, e na medida em que contribuiu
para o culto dos deuses, aos quais devemos tudo.
Embora alguns que têm sido considerados sábios fossem de opinião de
que é inaceitável fazerem-se templos para os deuses. Segundo estes, diz-se
que Xerxes 1207 pôs fogo aos templos da Grécia, porque encerravam os deu-
ses, para os quais todas as coisas deviam estar acessíveis e para os quats o
próprio mundo é como um templo 1208 • Mas volto ao meu propósito.
CAPÍTULO III
destes templos é escancarado, aplanado, baixo, largo, e os seus frontões são ornamenta-
dos com imagens de terracota ou com estátuas de bronze dourado, segundo o costume
etrusco [.. .]".
1205
Sobre as coberturas de palha e colmo na Antiguidade veja-se Rykwert, 1981 , pp. 141 et
seq ..
1206
Numa Pompílio é o segundo rei lendário de Roma (715-673 a. C.), a quem se atribui a
criação da maior parte dos cultos religiosos romanos. Cf. Plut., Num.; Liv., I, 18-21.
1207
Rei da Pérsia (486-465 a. C.), filho de Dario I, que reprimiu revoltas na Babilónia e no
Egipto, mas que não conseguiu submeter a Grécia, tendo sido derrotado na batalha de
Salamina (480 a. C.).
1208
Cic., Lg., II, 1O, 26; Hdt., II, 131.
435
Livro Sétimo
1209
Para invocar a devoção ao divino Alberti refere-se à congregação dos fiéis e à beleza
dos templos, anteriormente mencionadas na obra Profugiorum ab aerumna libri III
(1, pp. 4-5): "[ ... ] quando si frequentano e' luoghi sacrati a Dio [con ... ] una gracilità
[ ... ] piena".
1210
Rykwert et a/ii (1988, p. 391 , n. 38) interpretam esta declaração como um eco da
exclamação de Justiniano ao entrar em Santa Sofia, conforme relatado por Procópio em
555: "Salomão, superei-te".
1211
Trata-se do templo de Apolo em Dídime, situado a 16 km a sul de Mileto (Strab. , XIV,
I, 5).
1212
À semelhança do que Alberti descreve nas Intercenales (I - Virtus/Fatum et Fortuna), a
admiração ou a reprovação das obras de arquitectura revela-se como um combate entre
desejos, informados pela virtus, e a matéria conformada pela fortuna.
1213
Sobre o santuário de Hera, a maior de todas as deusas olímpicas, na ilha de Samos,
situada na costa sul da Ásia Menor (Jónia), veja-se Estrabão (XIV, I, 14), Heródoto
(III, 60) e Plínio-o-Antigo (Nat., V, 135).
436
O Ornamento de Edificios Sagrados
1214
O valor de antiguidade das obras do passado, ao ser comparado ao valor dado pelo
ornamento, assume dimensões universais, por vezes contraditórias, relativas à conserva-
ção e à protecção do património edificado conforme foi, posteriormente, advogado por
Riegl (1905).
1215
A Disciplina Etrusca consistia numa prática religiosa, realizada pelos arúspices, orien-
tada para a previsão e a adivinhação, baseada na análise de eventos meteorológicos,
bem como no exame das vísceras dos animais sacrificados e do seu comportamento,
com o objectivo de indicar regras de conduta futuras .
1216
Vitrúvio (1, 7, I).
1217
Pl., Lg., 745b.
1218
Deus da medicina.
1219
Ilha situada num meandro do rio Tibre quando este passa por Roma.
1220
Plut., Mar., IV, 20, 94.
1221
Para Vitrúvio (1, 2, 5) os diferentes templos cumpriam "um princípio, que em grego se
diz thematismos, segundo costume ou naturalmente", onde as ordens arquitectónicas
deviam variar de acordo com os deuses a quem os templos .eram dedicados.
1222
Var., L., V, 66. Vitrúvio (I, 2, 5) refere que "quando se levantam edificios sem telhado
e hipetros a Júpiter Relâmpago, ao Céu, ao sol e à Lua; de facto, vemos o aspecto do
céu e as obras destes deuses presentes no mundo aberto e luminoso".
437
Livro Sétimo
1223
Ov., Fast. , VI, 249.
1224
Esta lei .foi promulgada pelo segundo rei de Rom.a, Numa Pompílio, devido à escassez
de vinho. Cf. Plin., Nat., XIV, 88.
1225
Na mitologia romana era a deusa da noite clara, a mãe de Apolo e Diana.
1226
Diod. Sic. , II, 47, 2-3 .
1227
Ver Livro- V, cap. 9.
438
O Ornamento de Edificios Sagrados
CAPÍTULO IV
1228
Vitrúvio (1, 2, 5).
1229
Designação do santuário dos templos antigos.
mo Cf. Vitrúvio (III, 2).
1231
Apesar do Panteão e dos templos perípetros de Roma e de Tivoli serem conhecidos
pelos humanistas do Renascimento, a informação sobre templos circulares na Antigui-
dade era escassa e foi transmitida pelos enciclopedistas medievais, nomeadamente por
Rabano Mauro, Isidoro de Sevilha e Vicente de Beauvais (cf. Rykwert et a/ii, 1988,
p. 392, n. 58), o que sugere um elevado grau de inovação por parte de Alberti, ao pro-
por um programa de planta centralizada, como se verificou na igreja de São Sebastião
em Mântua.
1232
Ao enumerar as partes dos templos, Alberti baseia-se em exemplos da Antiguidade pagã
(cf. Plin., Nat., XI, 71), mas a sua forma global corresponde à da basílica judicial.
439
Livro Sétimo
1233
O termo tribunal (plataforma semicircular sobreelevada reservada aos magistrados), que
em vulgar apresenta o significado de tribuna ou capela, é utilizado por Alberti para
sugerir que a forma dos templos religiosos deriva das basílicas judiciais e não dos tem-
plos pagãos. Bluteau ( 1712-28) esclarece, no verbete tribuna, que neste espaço se colo-
cava o tribunal, ou cadeira Pontifical, como ocorria na Igreja de Santa Cecília e noutras
igrejas antigas de Roma.
440
O Ornamento de Edificios Sagrados
nadamente, um lado ficará livre e o outro terá uma capela. Nas áreas cir-
culares será muito fácil acrescentar seis ou até oito capelas. Em áreas de
muitos lados, deve-se procurar que os ângulos não sejam entre si mutua-
mente desiguais e dissemelhantes.
Por sua vez a capela ou será rectangular, ou será traçada em forma de
semicírculo. Ora se a capela tiver de ser uma só na extremidade do templo,
será de preferir uma capela cujo espaço termine em semicírculo; a seguir
vem a quadrangular. Porém, quando as capelas forem numerosas e pegadas,
nesse caso contribuirá para a beleza se as quadrangulares se misturarem
alternadamente com as semicirculares, e corresponderem entre si as que
estão frente a frente.
A abertura da capela será assim estabelecida. Quando, em áreas rectan-
gulares, tiver de haver uma só capela, dividirei a largura do templo em qua-
tro partes, e destas destinarei duas à abertura da capela; ou, se nos agradar
um espaço mais amplo, dividirei a largura em seis partes e delas destinarei
quatro partes à abertura. Deste modo, os ornamentos das colunas que se
devem usar, as janelas e outras coisas do mesmo género, serão muito mais
comodamente colocados nos seus lugares. Se, porém, colocares várias cape-
las em tomo da área, será legítimo fazer as laterais com o mesmo tamanho
da capela-mor. Mas eu gostaria que, tendo em vista a sua dignidade, a
capela-mor fosse uma duodécima parte maior que as restantes. Há ainda este
aspecto importante relativamente aos templos quadrangulares: estará certo, se
a capela-mor tiver todos os lados iguais; mas nas outras convém que as
linhas traçadas da direita para a esquerda tenham o dobro do comprimento
daquelas que se estendem no sentido da profundidade 1234 •
A parte sólida dos muros, isto é, a ossatura do edifício que nos templos
separa as aberturas das várias capelas, faça-se de tal forma que em nenhum
sítio seja menor do que um quinto da largura do espaço vazio, e em nenhum
sítio mais largo do que um terço ou, onde pretenderes que as capelas sejam
muito fechadas, do que metade. Nas áreas circulares, se o número de cape-
las for seis, farás com que tais separadores, isto é, a ossatura e a parte sólida
da parede, tenham metade da abertura; mas, se houver oito aberturas, farás
com que tenham metade da largura das capelas, sobretudo nos templos
muito grandes; se o número de ângulos for grande, far-se-á um separador
com um terço da largura da capela.
1234
Assim, a capela principal terá formato quadrangular e as restantes uma forma rectangu-
lar, com largura dupla da profundidade.
441
Livro Sétimo
CAPÍTULO V
1235
O templo etrusco apresenta proporções muito diferentes das indicadas na Antiguidade
Clássica. Com efeito, para Vitrúvio (III, 3, 5 e IV, 7, 1) o templo construído segundo o
modo etrusco é aerostilo e "o lugar onde se deverá levantar o templo será dividido no
seu comprimento em seis partes, tirando-se uma delas e atribuindo-se o resto à largura.
Depois o comprimento será _dividido ao meio, reservando-se a parte interior para os
espaços das celas e deixando-se o lado que estiver junto ao frontispício para a disposi-
ção das colunas. Quanto à largura, será dividida em dez partes". Ao divergir deste sis-
tema de proporções, Alberti toma as ruínas da Basílica de Maxêncio em Roma como
modelo do templo etrusco - Etruscum sacrum - para conceber a igreja de Santo André
em Mântua (cf. Krautheimer, 1963, pp. 333 et seq.; Hersey, 1994, pp. 216-223 ; Taver-
nor, 1998, pp. 176-178).
1236
Vitrúvio (III, 2, 3-7) caracteriza, de forma idêntica, os templos prostilos (com colunas
na frontaria) , anfiprostilos (com colunas na frontaria e no tardoz) e perípetros (com
colunas em volta da cela).
442
O Ornamento de Edificios Sagrados
•
c • •
Interpretação de Cosimo Bartoli do Templo Etrusco de Alberti.
443
Livro Sétimo
1237
Cf. l Rs l : 6-7, sobre a edificação do templo e a construção do palácio de Salomão.
Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 392, n. 67.
1238
A generalização a todo o ser vivo da relação edificio-corpo é proposta por Alberti,
enquanto para os tratadistas do Renascimento italiano, como para Vitrúvio (III, 1, l ),
essa relação é estabelecida somente com o corpo humano: "nenhum templo poderá ter
esse sistema [de comensurabilidade] sem conveniente equilíbrio e proporção e se não
tiver uma rigorosa disposição como os membros de um homem bem configurado". Cf.
Caye-Choay, 2004, p. 331 , n. 48.
444
O Ornamento de Edificios Sagrados
1239
Vitrúvio (III, 3, 1-13) designa estes tipos de interco1únios, respectivamente, de areosti1o
(h = 8 d; L não é especificado), picnosti1o (h= 1O d; L= 1 1/ 2 d), eusti1o (h = 9 1/2 d;
L= 2 1/ 4 d), diastilo (h= 8 1/ 2 d; L= 3 d) e sisti1o (h= 9 1/ 2 d; L= 2 d), onde h representa
a altura das colunas e L o intercolúnio, medidos em função do diâmetro d das colunas.
1240
De acordo com as especificações de Vitrúvio (III, 3, 1-13) para os intercolúnios.
445
Livro Sétimo
CAPÍTULO VI
1241
Se bem que Alberti proponha destinos diferentes para as colunatas e para as arcadas, a
sua génese é semelhante, na medida em que um arco é considerado como sendo uma
arquitrave curva (cf. Livro III, caps. 6 e 13; Livro VII, cap. 15).
1242
A sistematização dos diferentes sistemas de colunas (columnationes) é elaborada a par-
tir das suas partes e não da sua organização tipológica, como refere Vitrúvio para as
ordens arquitectónicas.
1243
Esta precaução de Alberti sobre a fidelidade das cópias do tratado não foi suficiente
para garantir uma reprodução fidedigna do manuscrito original, como atesta o escrupu-
loso trabalho de reedição crítica elaborado por Orlandi (1966), a partir de quatro
manuscritos que apresentam diversas discrepâncias e lacunas, provavelmente deixadas
pelo seu autor para serem resolvidas posteriormente.
446
O Ornamento de Edificios Sagrados
1244
Escultor grego exímio no trabalho em mármore (cf., Vitrúvio, IV, 1, 10).
1245
Para a origem dos capitéis, segundo Vitrúvio, veja-se o tratado De architetura: para o
dórico - IV, 3, 4 e 7, 2; para o jónico - III, 5, 5 e para o corintio - IV, 1, 1. Alberti
(Livro I, cap. 10), no entanto, propõe uma derivação distinta e mostra a sua preferência
pelo sistema da coluna toscano em relação ao dórico.
1246
O capitel itálico é utilizado na fachada do templo Malatestiano em Rimini.
1247
O termo ansarum, significa ansas ou asas, a que correspondem dois caulículos no
capitel coríntio. Cada par destas asas deu origem a uma voluta pendente no capitel
itálico.
1248
Bluteau ( 1712-1728) elucida que as volutas representam cascas de árvores retorcidas e
enroscadas em linhas espirais, e a sua designação deriva do latim volvere, com o signi-
ficado de rodear, torcer, enroscar.
447
Livro Sétimo
1249
Ver Livro VI, cap. 13.
1250
O diâmetro inferior e superior da coluna designa-se, respectivamente, de imoscapo (imo
scapus) e de sumoscapo (summo scapus).
125 1
Equivalente a 4,44 m.
1252
As proporções entre a espessura superior e a inferior da coluna, em relação à sua altura,
mostra uma afiliação a escalas expressas por números inteiros, ao contrário de Vitrúvio
(III, 3, 12) que, para colunas até 20 pés de altura, propõe uma ratio de 5 1/ 2 I 6 1/z, equi-
valente à proporção de 11113 sugerida por Alberti, enquanto para colunas até 40 pés de
448
O Ornamento de Edificios Sagrados
calculada de tal forma que quanto mais alta for a extremidade superior da
coluna, tanto mais grossa fique 1253 •
Por conseguinte, nestes aspectos todas as colunas são coincidentes. Mas
nós, observando as dimensões dos edificios, descobriremos que os nossos
Latinos não respeitaram absolutamente estas medidas.
CAPÍTULO VII
altura aquele advoga uma ratio de 6 1/ 2 I 7 112 , que corresponde à proporção de 13/15
admitida por este último autor.
1253
Para respeitar as regras de correcção óptica, como pode ser verificado em Vitrúvio (III,
3, 11; IV, 4, 2), na medida em que as rationes aumentam, progressivamente, de 5/6
para alturas de colunas até 15 pés, até ao limite de 7/8 para colunas até 50 pés de
altura. Assim, à medida que a altura das colunas aumenta, também a relação entre o
sumoscapo e o imoescapo também se amplia, compensando o efeito de profundidade
"pois estes cálculos são aplicados nas espessuras por causa da visão ocular subindo em
altura" (Vitrúvio, III, 3, 13).
1254
Ver Livro VI, cap. 13.
1255
A descrição das proporções das partes que constituem o sistema da coluna pode ser
obtida por meio de operações exclusivamente geométricas, como mostrou March (1999,
pp. 259-270) ao analisar o sistema proporcional do templo Malatestiano, em Rimini, não
sendo, por isso, necessária a manipulação de fracções numéricas nem o conhecimento
do ponto decimal, introduzido inicialmente por Simon Stevin em 1585, mas que
somente foi plenamente aceite, a partir de 1691, após o estabelecimento da notação sim-
plificada de Modema (cf. Dantzig, 1970, p. 223).
1256
Ver Livro IX, cap. 5.
1257
Proporção de oito para sete.
449
Livro Sétimo
•,
.A.
1258
Latastrum deriva de latus, que tem o significado, em sentido tisico, de largo, extenso,
vasto, com struere que significa construir, levantar, erigir. É transposto para vernáculo
como plinto (cf. Vitrúvio, III, 3; 2-7; III, 4, 5; III, 5, 1-2), de uso corrente, para signi-
ficar a base sobre a qual assenta a coluna. Cf. Portoghesi, 1966, pp. 568-569, n. I.
1259
A base dórica de Alberti corresponde, nas suas proporções globais, à base ática de Vitrú-
vio (III, 5, 2), mas este não especifica a altura do plinto, nem a dos filetes da escócia.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 570, n. 1.
450
O Ornamento de Edificios Sagrados
diram-na ainda em duas partes, das quais atribuíram a inferior ao toro infe-
rior e vazaram a superior para a escócia que está comprimida entre ambos
os toros. A escócia consta de um canal vazado e de dois filetes que rodeiam
os bordos do canal. Ao filete deram a sétima parte e vazaram o resto.
451
Livro Sétimo
1261
Ver Livro lll, cap. 2; Livro Vlll, cap. 3.
1262
Este desenho das linhas dos ábacos, que se verifica em templos com planta circular,
como sucede com o templo de Vesta em Tivoli, não é compatível com uma geometria
quadrangular na base das colunas, o que sugere a adopção de um purismo geométrico
na sua composição.
1263
A terminologia das molduras apresenta acentuada variabilidade relativamente às deriva-
das, em vernáculo, a partir de Vitrúvio. Estas baseiam-se, em grande parte, na termino-
logia grega, rejeitada por Alberti, que reinventa novos termos em latim. Assim, o
degrau, o equíno, o canalículo, a gola reversa e a gola direita, apresentam, de acordo
com Alberti, respectivamente as seguintes designações: o ressalto (gradus), a rudentura
(rudens), o caveto (canaliculus) , a gola (gulula) e a onda (undula) .
452
O Ornamento de Edificios Sagrados
e forma uma saliência; mas isso segundo linhas diferentes. Com efeito, o
delineamento da faixa imita a letra L; a faixa é o mesmo que o filete, mas
mais larga. O ressalto é uma faixa muito saliente. Hesitei se não devia
chamar hera à rudentura: na verdade adere à medida que se estende; e
o delineamento da sua saliência é como a letra C ligada a seguir à letra
L assim Z. E o cordão é uma rudentura reduzida. Esta letra C, quando se
liga em posição invertida à letra L, assim ~, formará um caveto. Mas se se
ligar um S a seguir à letra L, assim ~' chama-se gola: pois imita a gola
de um homem. Se, porém, a seguir à letra L se acrescenta um S deitado e
em posição invertida, assim ~' chamar-se-á onda, devido à semelhança da
inflexão 1264 •
Estas molduras podem ainda ser simples ou esculpidas nos intervalos.
Na faixa esculpem-se conchas, volutas e mesmo inscrições; no ressalto, den-
tículos, cuja norma é que tenham de largura metade da altura e que o inter-
valo vazio entre os dentículos meça dois terços da sua largura. Faz-se a
rudentura com óvulos ou reveste-se às vezes de folhagem; e uns usaram
óvulos inteiros, outros truncados na parte superior. No cordão fazem-se con-
tas como que ligadas por um fio. A gola e a onda não se cobrem senão com
folhas. O filete em toda a parte fica sempre sem ornamento.
Na junção das molduras, a norma é que as que estão por cima sejam
mais salientes do que as de baixo 1265• Os filetes separam as molduras umas
das outras; servem eles de moldura ao cimácio (cimácio é o delineamento
superior de qualquer moldura); além disso, têm a função de evidenciar, com
a sua superficie lisa, os relevos das partes esculpidas. Têm de largo um
sexto da moldura a que se juntam, quer sejam dentículos, quer óvulos; nas
golas fazem-se com a largura de um terço.
CAPÍTULO VIII
1264
Esta transformação de uma escrita alfabética numa pictográfica, no âmbito de uma cul-
tura textual ainda manuscrita, sugere que Alberti se recusa a apresentar desenhos para
ilustrar o tratado.
1265
Para rematar claramente as fachadas (fin itio) e proteger os paramentos exteriores da
chuva (necessitas) .
453
Livro Sétimo
ao ábaco 1266 ; a segunda ocupou-a a taça 1267 ; ao colar do capitel, que fica sob
a taça, foi destinada a terceira parte.
O ábaco tinha de largura em todos os lados um diâmetro completo e
mais um sexto do raio da extremidade inferior da coluna. São estas as par-
tes do ábaco: o cimácio e o plinto; aqui o cimácio é uma gola: esta mede
dois quintos do ábaco. O rebordo da taça passava pelas linhas exteriores do
ábaco. A fim de ornamentarem a taça, uns rodeavam a parte inferior dela
com três pequenos anéis, outros com uma gola; este ornamento não ocupava
mais que um terço da taça. O diâmetro do colar, isto é, a parte inferior do
capitel - norma observada em todos os capitéis - não excedia o da coluna.
Uns, como inferimos dos delineamentos dos edificios, fizeram o capitel
dórico com a altura da metade e até de um quarto do diâmetro da extremi-
dade inferior da coluna, e dividiram a totalidade da altura do capitel em
onze partes, das quais atribuíram quatro ao ábaco, quatro à taça e três ao
colar; seguidamente dividiram o ábaco em duas partes iguais, das quais a
superior era a gola, a inferior a faixa; e dividiram ainda a taça em duas par-
tes iguais, das quais destinaram a inferior quer aos anéis, quer à gola que
cinge a taça por baixo. Ao colar afixaram rosas, e outros, folhas em
relevo 1268 • Isto os dórios.
Faremos assim um capitel jónico. A totalidade da altura do capitel será
igual ao raio da extremidade inferior do fuste da coluna. Divide essa altura
do capitel em dezanove módulos. Darás, pois, três módulos ao ábaco, quatro
ao córtex 1269 , seis à taça; os seis inferiores que restam, deixa-os para as
volutas que o córtex forma, caindo de ambos os lados. A largura do ábaco
em qualquer dos lados será igual ao diâmetro do sumoscapo da sua coluna.
1266
Operculum significa, em latim clássico, tampa ou cobertura (cf. Cic. , N. D., II, 136;
Cat., 10, 4; Var., L. , V, 167); Vitrúvio (III, 5, 3) designa a parte superior do capitel
jónico de abacus (ábaco), com a forma de um dado, onde se apoia a arquitrave. Na
ordem dórica Vitrúvio (IV, 3, 3) chama plinthum (plinto) a este dado.
1267
O termo lanx, provavelmente derivado da terminologia de Virgílio (A., VIII, 284) com
o significado de taça (sagrada) é aceite, mas recusado o equivalente de Vitrúvio (X,
3, 4), que utiliza o diminutivo /ancula na acepção de prato único da balança romana.
1268
Este capitel foi adoptado nas pilastras do primeiro piso do palácio Rucellai em Flo-
rença, considerado por Fréart de Chambray (1650, p. 28) como sendo pouco clássico.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 577, n. 3.
1269
De acordo com a relação edificio-corpo, Alberti refere-se a cortex, que apresenta o
significado de camada mais externa de órgãos animais, que apresentam uma organiza-
ção aproximadamente concêntrica.
454
O Ornamento de Edificios Sagrados
A largura do córtex, que vai da fronte ao occipício 1270 do capitel, será igual
à do ábaco. O comprimento do córtex prolongar-se-á para os lados e ficará
suspenso, enrolando-se em caracol. O umbigo do caracol 1271 que fica à
direita distará do correspondente umbigo da esquerda vinte e dois módulos,
e distará doze módulos da última linha superior do ábaco.
1270
Occiput (occipício) corresponde à parte póstero-inferior do capitel; apresenta um signi-
ficado semelhante ao occipital da cabeça.
1271
Umbilicus cocleae significa o centro (olho) da espiral. Bluteau ( 1712-28), no verbete
voluta, elucida que "leaõ Bautista Alberto chama às volutas conchas, pela semelhança
que tem com a do caracol".
455
Livro Sétimo
na volta inferior. Então, coloca nesse ponto superior a haste fixa do com-
passo e desloca a haste mó~el a- partir da linha que divide o ábaco do cór-
tex; e desce inclinando-a para a parte exterior do capitel até que faça um
semicírculo completo e fique no lado oposto debaixo do centro do círculo
pequeno. Aí, fecha o compasso e coloca a haste fixa, por baixo, naquele
ponto inferior do círculo pequeno, e desloca a haste móvel a partir da espi-
ral iniciada até aqui descrita, e sobe para dentro até atingires o rebordo
superior da taça: assim, com dois semicírculos desiguais terás executado
uma espiral completa 1272 • A seguir retoma o mesmo género de traçado e liga
1272
A construção geométrica da espiral desta voluta é simplificada por Alberti, dado que
fixa os centros dos semicírculos que a compõem em dois pontos (o superior e o infe-
rior) do umbigo do caracol, enquanto Vitrúvio (III, 5, 5-8) descreve-a por quartos de
círculo com centros variáveis.
456
O Ornamento de Edificios Sagrados
Capitel coríntio.
1273
Alberti utiliza o termo labrum que, em consonância com a relação edifício-corpo, signi-
fica lábio.
457
Livro Sétimo
1274
Do vaso.
1275
A descrição do capitel coríntio segue, de forma mais clara mas não coincidente, a apre-
sentada por Vitrúvio (IV, l, 8-12). Veja-se, nesta edição, a Introdução - A Recepção Da
Arte Edificatória.
458
O Ornamento de Edificios Sagrados
1276
Luca Pacioli (1978, pp. 122-123), na obra De divina proportione [Tratatto deli' Archi-
tettura], exprimiu o seu desagrado por Alberti ter dado o nome de itálico ao capitel que
é, normalmente, conhecido por compósito: "El nostro Leon Batista in quelli tali luoghi
dici italico more, chiamandole italiche e per verun modo li dici tuscane, che certo non
fia senza grandissima ammirazione, conciosiaché sempre da quella !ui e suoi sempre ne
sono stati onorati. Pero diro con !'apostolo: laudo vos sed in hoc non laudo [Hei-de
louvar-vos, mas nisto não vos louvo, cf. I Cor II: 22]".
1277
O capitel itálico ou compósito proposto por Alberti resulta do estudo das ruínas de
Roma, como sugere o comentário: "não encontrámos estas coisas nos escritos dos Anti-
gos, mas com diligência e estudo tomámos nota delas a partir das construções dos
melhores arquitectos" (Livro VI, cap. 13).
459
Livro Sétimo
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Até aqui, os capitéis; a não ser que falte acrescentar que era costume
estender, sobre o ábaco do capitel, outro ábaco quadrangular mais pequeno e
oculto na obra, a fim de que o capitel parecesse que respirava e que não
estava esmagado sob o peso da arquitrave, e para que, durante a construção,
corressem menos perigo as partes da obra mais graciosas e mais franzinas 1279 •
1278
De acordo com Portoghesi (1966, p. 587, n. 2) este passo é uma autocrítica aos capi-
téis compósitos do templo Malatestiano em Rimini.
1279
Esta referência evidencia a mestria de Alberti ao unificar a prática com a teoria edifi-
catória, na medida em que cruza a evanescência de uma experiência sensível ("a fim de
que o capitel parecesse que respirava"), com um sentimento de perenidade ("há muitos
capitéis compostos com os mesmos delineamentos").
460
O Ornamento de Edificios Sagrados
CAPÍTULO IX
1280
Enquanto Alberti utiliza o tenno trabs, que significa "trave", Vitrúvio (II, 8, 9) usa o de
epystilium, com o significado de "o que se coloca sobre a coluna". De acordo com
Rykwert et a/ii (1988, p. 393 , n. 88), o tenno arquitrave, ou trave principal, somente
entrou no vocabulário arquitectónico no De partibus aedium, lexicon utilissimum, de
Francesco Maria Grapaldi, publicado primeiramente em Panna em 1494.
1281
O tenno entablamento, introduzido em vernáculo a partir do francês, entablement, é
designado por Alberti como trabeatio, totius coronices ou contignatio (para aludir ao
material lenhoso que está na origem do sistema da coluna) ou, ainda, como somatório
das três partes que o compõem, isto é, da trabs (arquitrave), bem como da fascia, fas-
cia regia ou tignum (faixa, friso ou tábua) e, por último, da carona (comija).
1282
Ver Livro VII, cap. 7.
1283
Vitrúvio (III, 5, 9), ao referir-se às compensações ópticas, reporta uma problemática
semelhante: "com efeito, quanto mais alto sobe a visão do olho, menos perfeitamente
ela corta a espessura do ar: perdida assim a acuidade através do espaço vertical e pri-
vada de forças , reenvia aos sentidos uma incerta quantificação de módulos".
461
Livro Sétimo
pequenas cravadas, de cada uma das quais pendiam seis cavilhas espetadas
na parte inferior, a fim de fixarem as traves, cujas extremidades ressaltam do
muro ao nível das réguas: isso para que as traves não recuassem para den-
tro. Dividiram a altura total da arquitrave em doze módulos, pelos quais
módulos são calculadas as medidas das molduras que se seguem. À primeira
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faixa inferior atribuíram quatro módulos; à faixa mais próxima desta, que é
a do meio, atribuíram seis; para a superior restaram dois módulos. E dos
seis módulos da faixa do meio, o módulo superior foi dado às réguas e
outro às cavilhas pendentes por baixo delas. O comprimento das réguas era
de doze módulos.
462
O Ornamento de Edificios Sagrados
1284
Alberti apresenta a formação das frontes das traves e dos painéis, designados na termi-
nologia vitruviana por tríglifos e métopas, mas não se refere à dificuldade de os dispor,
no sistema dórico, numa situação angular, resolvida por Vitrúvio (IV, 3, 5), com a colo-
cação de "meias métopas com uma largura equivalente a meio módulo". Cf. Portoghesi,
1966, pp. 590-1 , n. 6.
1285
Pluteus apresenta, para Vitrúvio (IV, 1, 1; V, 1, 5 e 10: 6, 7: 10, 4), o significado de
balaustrada ou murete e, para Alberti, o de pequena faixa.
463
Livro Sétimo
1286
Equivalente a 5,92 m.
1287
Veja-se Vitrúvio (lll, 5, 8) sobre a disposição dos epistílios.
1288
Vitrúvio (1, 2, 6) proíbe este tipo de recombinações na medida em que "o decoro
exprime-se segundo o costume".
464
O Ornamento de Edificios Sagrados
1189
Para as arquitraves com duas faixas a soma dos módulos perfaz somente sete (septem)
e não nove (novem) módulos.
465
Livro Sétimo
chamo faixa régia 1290 . A largura deste painel tem a mesma medida que a
espessura da arquitrave que lhe fica por baixo. Aí costumavam esculpir
vasos e objectos necessários ao sacrificio, ou cabeças de bois dispostas a
intervalos; e dos cornos pendem réstias de frutos ou de produtos da terra.
Por cima desta faixa régia colocaram um cimácio de gola, o qual tinha de
altura não mais que quatro módulos e não menos que três.
1290
Também conhecida por friso.
466
O Ornamento de Edificios Sagrados
Por cima disso, colocaram ripas para o pavimento, salientes até fazerem
um ressalto com a espessura de quatro módulos. Nelas uns esculpiram den-
tículos à imitação das traves cortadas, outros deixaram-nas contíguas sem
nenhum entalhe a separá-las. Sobre as ripas colocaram algo como um pavi-
mento, ou uma base transversal, com a espessura de três módulos, da qual
saíam os mútulos, e ornamentaram esse espaço com óvulos e sobre isso
colocaram mútulos cobertos frontalmente e por baixo com faixas de painéis.
A altura da faixa que serve de fachada ocupa quatro módulos; a que cobre
o fundo dos . mútulos tem de largura seis módulos e meio. Para cima da
fachada dos mútulos vieram as telhas, com uma espessura de dois módulos;
o seu ornato é uma gola, ou uma rudentura. No topo, uma onda com três
módulos ou, onde aprouver, quatro. Sobre esta onda, tanto os Jónios como
os Dórios esculpiam cabeças de leões que vomitavam as águas recolhi-
das 1291 • Precaviam que a água que caía não molhasse quem entrava ou o
interior do templo; por isso, tapavam as bocas das cabeças que ficavam por
cima das entradas 1292 •
Os Coríntios nada acrescentaram às arquitraves e aos travejamentos,
excepto, se é certa a minha interpretação, o facto de porem mútulos não
cobertos nem cortados a prumo, como faziam os Dórios, mas lisos e traça-
dos segundo o delineamento de uma onda; e deviam distar entre si tanto
quanto se salientavam para fora da parede. No resto seguiram os Jónios. Até
aqui tratámos do sistema das colunas arquitravadas; do sistema das colunas
em arcadas diremos a seguir, quando tratarmos da basílica.
No respeitante a sistemas de colunas, há algumas coisas que não devem
passar despercebidas. Com efeito, foi descoberto que as colunas postas ao ar
livre parecem mais delgadas do que aquelas que se colocam em recinto
fechado; e quanto maior for o número das estrias, tanto mais grossas pare-
cem as colunas. Por tal motivo, aconselham o seguinte: faz as colunas angu-
lares mais grossas ou aumenta-lhes o número de estrias, porque, estando ao
ar livre, a sua circunferência se torna à vista mais delgada que as outras 1293 •
129 1
Referência às gárgulas da cobertura.
1292
Cf. Vitrúvio (III, 5, 15).
1293
Cf. Vitrúvio (III, 3, 11) também se refere às compensações ópticas destas colunas:
"E até as colunas angulares deverão ser executadas mais espessas a quinquagésima
parte do diâmetro modular, porque cortadas em volta pelo ar, parecem mais gráceis aos
que as contemplam. Pois o que falta aos olhos deverá ser contrabalançado pelo racio-
cínio".
467
Livro Sétimo
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468
O Ornamento de Edificios Sagrados
um filete intercalado; e é feito com não mais que um terço, nem menos que
um quarto da abertura da canelura. E são vazadas segundo o delineamento
de um semicírculo. Por seu turno, os Dórios, eliminando o filete, traçam
estrias simples ou, às vezes, planas, ou antes vazam não mais que um quarto
do círculo e terminam em aresta as incisões contíguas 1294 • A grande maioria
enche com uma rudentura a terça parte das estrias que está na secção infe-
rior da coluna, para que esteja mais protegida do choque e dos maus tratos.
A estria que é traçada em linha recta ao longo do comprimento da coluna,
do topo ao arranque, faz com que a coluna pareça, a quem a vê, ser mais
grossa do que na realidade é.
1294
As caneluras sem filete entremeado designam-se de aresta viva e as com filete interca-
lado de aresta morta.
1295
Note-se que os desenhos dos intercolúnios da edição de Bartoli (1550) são apresentados
em diferentes escalas métricas.
469
Livro Sétimo
••
470
O Ornamento de Edificios Sagrados
CAPÍTULO X
Há quem aprove o pavimento e os espaços interiores do templo quando
se entra subindo algum degrau; e exigem que o lugar onde deve ser colo-
cado o altar do sacrifício seja geralmente mais elevado. Outros deixavam as
entradas e as passagens das celas laterais absolutamente abertas e completa-
mente desimpedidas, sem nenhuma parte do muro a pôr-se diante; outros
colocavam no meio .duas colunas, tirando as suas proporções das arquitraves
e dos ornamentos do pórtico do qual há pouco falámos; o resto do espaço
1296
Capital do antigo Egipto, localizada a 25 km a sul do Cairo, onde estava situado o tem-
plo de Hefesto, o deus do fogo na mitologia grega, identificado na religião egípcia
como Ptah, o deus criador, patrono dos artesãos, especialmente dos escultores.
1297
Estátuas de grandes dimensões .
1 29
~ Equivalente a 5,32 m.
1299
Cf. Hdt., II, 153.
1300
A modulação dos intercolúnios prescreve a dimensão local dos elementos arquitectóni-
cos de menores dimensões. Esta modulação, para Vitrúvio (I, 2, 2), corresponde à ordi-
natio (ordenação), uma das seis partes que constituem a arquitectura, i.e. à "justa pro-
porção na medida das parte.s da obra consideradas separadamente e, numa visão de
totalidade, a comparação proporcional tendo em vista a comensurabilidade".
471
Livro Sétimo
130 1
No Panteão de Roma, nota Alberti, estão resolvidas simultaneamente as dimensões da
necessidade (diminuição das cargas e despesas), da comodidade (nichos e aberturas),
bem como da beleza (elegância).
1302
Possivelmente ocorreu um lapso, que Alberti queria a todo custo evitar (cf. Livro VII,
cap. 6), na transcrição da proporção II/4 (undecim ad quattuor) a partir do manuscrito
original, visto que a relação 1r d/4 (onde d representa o diâmetro da área circular)
é equivalente a cerca de 1I/I4 d (undecim ad quattuordecim). Comunicação do Prof.
Lionel March, Junho 20IO. Assinale-se que Arquimedes (II, 2-3) apresenta o primeiro
algoritmo para estimar, de forma aproximada, o valor de 1r e Luca Pacioli ( I99I, pp.
II3-II5) refere este resultado para estabelecer todos os géneros de colunas na medida
em que "a área de um círculo está para o quadrado do seu diâmetro como II para I4"
(cf. trad. ingl. de Berggren et a/ii, 2004, p. 9). Assim, nos templos circulares, a altura
do· muro interior até à abóbada, que correspondia à rectificação de um quarto de cir-
cunferência, era equivalente a 11114 d.
472
O Ornamento de Edificios Sagrados
templos circulares a altura interior do muro não será a mesma que a exte-
rior: com efeito, o fim da parte interior do muro proporcionará o arranque
da abóbada, ao passo que a parte exterior convém que se eleve até debaixo
da goteira. Portanto, esta parte ocupará um terço da altura da abóbada que
assenta nos muros, caso o tecto seja feito em degraus; se, pelo contrário, o
tecto for feito em linhas rectas e em duas águas, então o muro do lado de
fora ocupará metade da altura da abóbada. Nos templos será muitíssimo van-
tajoso um muro de tijolo, mas será decorado com ornatos de revestimento.
Sobre o ornamento dos muros dos edificios sagrados variaram as opi-
niões. Em Cízico 1303 , houve quem ornamentasse o muro de um santuário
com pedras polidas e distinguisse as juntas com ouro maciço. Na Élide, o
irmão de Fídias 1304 aplicou no templo de Minerva um revestimento de cal
amassada com açafrão e leite. Os reis do Egipto coroaram o túmulo de Osi-
mandias 1305 , no qual estavam sepultadas as concubinas de Júpiter, com um
círculo de ouro, que tinha de espessura um côvado e de perímetro trezentos
e sessenta e cinco côvados 1306 , onde foram esculpidos os dias do ano, um
por cada côvado.
Isto fizeram esses; outros, o contrário. Cícero, imitando Platão, conside-
rou que os seus concidadãos deviam ser admoestados pela lei a aprovarem
nos templos, antes de mais, a brancura, pondo de lado a variedade e os
encantos dos ornamentos 1307 ; todavia - diz ele - sê tu o modelo 1308 .
Pela minha parte, facilmente serei persuadido de que aos entes supre-
mos e bons agrada muitíssimo a pureza e a simplicidade, tanto a da cor
como a da vida 1309 ; e não convém ter nos templos coisas que afastam os
espíritos da meditação da religião para as várias seduções e amenidades dos
sentidos. Mas penso assim: tanto nas coisas públicas como nos edificios
1303
Plin., Nat., XXXVI, 98. Cízico foi uma colónia grega fundada pelos Coríntios em 756
a. C. que se localizava no actual Mar de Mármara, célebre pelo templo, de grandiosas
dimensões, financiado por Adriano (imperador em 117-138 d. C.), e cujos mármores, à
medida que a cidade declinava, foram removidos e usados para a construção em Cons-
tantinopla.
1304
Paneno (c. 448 a. C.), pintor que executou os frescos do templo de Minerva na Élide,
cidade do Peloponeso próxima de Olímpia, bem como ajudou o seu irmão Fídias a pin-
tar o templo de Zeus em Olímpia.
1305
"O nome de Osimandias, dado por Diodoro, é possivelmente uma deturpação de
Ousirmaâtrê, primeiro nome de Ramsés II (1279-1212)". Caye-Choay, 2004, p. 349,
n. 106.
1306
Equivalentes, respectivamente, a 0,44 m e a 161 ,77 m.
1307
PI. , Lg., XII, 956 a; Cic., Lg., II, 18, 45 .
1308
Cic. , idem e II, 6, 14.
1309
Dictum de Alberti para justificar a moderação no ornamento como na vida.
473
Livro Sétimo
1310
Ao Forum lulium presidia o templo dedicado a esta deusa, antepassada mítica e protec-
tora da gens lu/ia, com relevos esculpidos na fachada para rememorar a vitória de Júlio
César sobre Pompeio em Farsalo. Plin., Nat., VII, 126; XXXV, 136.
1311
Este é o tema de Ut pictura poesis (como na pintura, assim na poesia) de Horácio (Ars,
361), transposto implicitamente por Alberti para: "como na poesia, assim na pintura".
Cf. Caye-Choay, 2004, p. 350, n. II O.
1312
Cf. Suet., Ves., 8, 5.
1313
Esta preferência de Alberti por frases lapidares manifesta-se na sua obra Sentenze pita-
goriche, oferecida aos seus sobrinhos no Natal de 1462 e que "condensa o seu pensa-
mento moral sob a forma de frases memorizáveis" (Paoli, 2004, p. 92).
474
O Ornamento de Edificios Sagrados
1314
Templo de Hércules na cidade de Eritreia na Ásia Menor. Plin., Nat., XI, III.
1315
Lívia Augusta, mulher do imperador Octaviano Augusto e mãe do sucessor deste,
Tibério.
1316
Plin., Nat., XII, 94.
1317
Termo era um centro político e religioso da Confederação da Etólia, situada no centro
oeste da Grécia, que nunca chegou a ter o estatuto de cidade.
1318
Polyb., V, 8-9.
1319
Sol., 5, 19
1320
Plin., Nat., XXXIV, 66 et seq ..
132 1
Livro VII, cap. 17.
1322 o termo saggita (flecha), é interpretado como sendo a distância, na vertical, entre a
linha de nascença do arco até ao intradorso da pedra de fecho .
475
Livro Sétimo
CAPÍTULO XI
Para que a cobertura dos templos seja imponente e duradoura, eu gosta-
ria que fosse em abóbada. Não sei qual é a fatalidade que faz com que não
se encontre quase nenhum templo célebre que não tenha desabado em ruínas
por acção do fogo. Lemos que Cambises 1324 incendiou todos os templos que
havia no Egipto e levou o ouro e os adornos para Persépolis 1325 ; Eusébio
refere que o oráculo de Delfos foi três vezes incendiado pelos Trácios 1326 ;
também encontro em Heródoto que Amásis 1327 o restaurou quando, pela
segunda vez, ardeu por si mesmo 1328 ; em outro lugar lemos que foi incen-
diado por Flégias 1329 nos tempos em que Fénix 1330 inventou algumas letras
para os seus cidadãos, e de novo quando foi incendiado no reinado de
Ciro 133 1, poucos anos antes da morte de Sérvio Túlio, rei dos Romanos;
consta, finalmente, que foi incendiado por aqueles anos em que nasceram
Catulo 1332 , Salústio e Varrão, luminares do engenho e do saber. Reinando
1323
São propostos dois critérios complementares para o dimensionamento da altura das abó-
badas: o primeiro, mais ágil e desenvolto, é relativo à necessitas, bem como à venustas ;
o segundo, respeitante somente à visualização da superficie semicilíndrica das abóbadas,
reporta-se exclusivamente à venustas.
1324
Cambises, filho mais velho de Dario I que ascendeu ao trono em 530 a. C. e conquis-
tou o Egipto.
1325
Residência dos reis persas.
1326
Euseb., Prep. , IV, 2, 8.
1327
Amásis, faraó do Egipto a partir de 570 a. C ..
1328
Hdt., II, 180.
1329
Flégias, herói epónimo dos Flégias, povo da Tessália, o seu nome vem já referido na
c
Ilíada. A lenda diz que Flégias tentou incendiar o templo de Apolo para se vingar de
este lhe ter assassinado a filha por causa da sua infidelidade.
mo Fénix, epónimo e fundador dos Fenícios, considerados os inventores do alfabeto, que
deixaram na bacia do Mediterrâneo numerosas inscrições epigráficas.
133 1
Ciro o Grande (c. 600-c.530 a. C.) foi o primeiro rei persa a unificar os territórios da
Ásia Central.
1332
Catulo (c. 84-c. 54 a. C.), poeta elegíaco romano, considerado o mais grego dos auto-
res latinos.
476
O Ornamento de Ediflcios Sagrados
1333
Irmão de Ascânio, rei de Alba, a quem sucedeu no poder no séc. VI a. C .. Os seus des-
cendentes reinaram em Alba até à fundação de Roma.
1334
Éfeso, cidade da Ásia Menor, fundada por colonos jónios e, posteriormente, suplantada
por Mileto.
1335
Correspondente ao ano de 399 a. C ..
1336
Argos: cidade do Peloponeso.
1337
Referência incerta dado que Platão nasceu cerca de 429 a. C., i.e. um século após os
Tarquínios estarem no poder em Roma, e o santuário de Hera em Argos foi destruído
pelo fogo em 423 a. C. (cf. Thuc., IV, 133, 2).
1338
Os Livros Sibilinos, que continham recolhas de oráculos e exerceram grande influência
na religião romana, foram destruídos no incêndio do templo do Capitólio em 83 a. C ..
Uma nova colecção de livros foi feita, a partir de várias fontes, para os substituir. Eram
consultados em caso de desgraça, prodígio ou acontecimento extraordinário.
1339
O templo de Vénus em Érice situava-se na parte ocidental da Sicília (Diod. Sic., IV,
83, 3).
1340
Pseudo-César, De Bel/o Alexandrino, 1.
477
Livro Sétimo
1341
Referência à igreja de Santo André em Mântua, que apresenta, à semelhança do Panteão
em Roma, caixotões nas abóbadas de berço. Contudo, não se tem conhecimento de que
o método descrito por Alberti tenha sido usado por Luca Fance) li, o arquitecto residente
em obra.
1342
Varrão (R. , III, 5, 17) refere-se a uma construção abobadada, um tholo, para um viveiro
de pássaros em Casino, construído à semelhança da Torre de Ventos de Atenas que,
para além de cata ventos, também funcionava como relógio de sol e relógio de água.
Cf. Caye-Choay, 2004, p. 353, n. 117.
1343
Cf. Cícero (de Orat., III, 46, 180): " [.. .] ainda que o Capitólio se tivesse levantado no
céu, onde não pode haver chuva, dá a impressão que sem a sua cobertura não poderia
manter a sua majestade" (cf. trad. esp. de J. J. lso, 2002).
478
O Ornamento de Edificios Sagrados
Dizem que foi Butades 1344 o primeiro que ensinou a colocar máscaras
de argila avermelhada, para fins ornamentais, nas extremidades das telhas
das coberturas; depois, acostumaram-se a colocar máscaras de mármore em
todas as telhas.
CAPÍTULO XII
1344
Butades (c. 600 a. C.), escultor lendário de Sícino, uma ilha do Mar Egeu, é conside-
rado o primeiro ceramista grego em argila (Plin ., Nat. , XXXV, 152).
1345
A luz nas igrejas de São Sebastião e de Santo André em Mântua é selectivamente
filtrada para o interior seja, na primeira, por meio de óculos situados nos topos dos
braços seja, na segunda, por um lanternim (ombrelone) na fachada, bem como por jane-
las termais situadas nas paredes das capelas laterais.
1346
Livro III, cap. 6.
1347
Vitrúvio (IV, 6, 2).
479
Livro Sétimo
da porta, que protege o lintel, pelo topo dos capitéis das colunas, que estão
no pórtico 1348 • Em suma, nisto todos observaram o que dissemos.
No resto, porém, divergem muito uns dos outros. Com efeito, os Dórios
dividiram toda essa altura da porta em treze partes, das quais deram à altura
do vão da abertura, a que os Antigos chamaram " lume" 1349 , deram, digo, dez
partes; à largura cinco, e uma à ombreira. Isto os Dórios. Por seu lado, os
Jónios dividiram em quinze partes a altura total que está nivelada pelo topo
Porta dórica.
1348
Vitrúvio (IV, 6, 1).
1349
Lumen - ·o mesmo que luz ou vão.
480
O Ornamento de Edifícios Sagrados
dos capitéis das colunas, das quais deram à altura do vão doze partes, à lar-
gura seis, à ombreira uma. Os Coríntios dividiram-na em dezassete partes,
das quais foram dadas sete à largura do vão e fizeram a altura do lume com
o dobro da sua largura, e a ombreira da porta tinha a sétima parte da largura
do vão. Em cada vão, o lado, isto é a ombreira 1350 , era uma arquitrave.
E se não estamos em erro, os Jónios compraziam-se com uma argui-
trave ornada com três faixas, os Dórios com uma sem réguas nem cavilhas.
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Porta jónica.
1350
Antipagimentum é o termo utilizado também por Vitrúvio (IV, 6, I) para significar
ombreira ou guarnição.
481
Livro Sétimo
1351
Ou seja, de acordo com Vitrúvio, triglifos.
1352
Livro VII, cap. 9.
1353
Vitrúvio (IV, 6, 4).
1354
Livro VII, cap. 9.
482
O Ornamento de Edificios Sagrados
483
Livro Sétimo
,
Porta coríntia.
1355
Vitrúvio (IV, 6, 4-5).
484
O Ornamento de Edificios Sagrados
abóbada, por tal motivo têm um arco por cima ao contrário do que sucede
nas portas. Têm, pois, de largura o dobro da altura. Dividem a totalidade da
largura com duas colunetas intercaladas, que seguem as proporções usadas
no pórtico. Mas aqui as colunas são, em quase todos os templos, quadran-
gulares 1356 •
Os delineamentos dos nichos, em que se colocam quadros e estátuas,
tomam os delineamentos das portas. Preenchem de altura um terço do muro.
Nas janelas dos templos colocavam no vão, em vez de batentes contra
as chuvas e o ímpeto dos ventos, placas finas de alabastro translúcido, fixas,
ou uma rede de bronze ou de mármore. Tapavam os buracos da rede, não
com vidro quebradiço, mas com uma pedra transparente, trazida principal-
mente de Segóvia, uma cidade da Espanha, ou também de Boulogne de
França. Essa pedra é uma lâmina, raramente maior que um pé, de gesso
translúcido e muitíssimo puro 1357, ao qual a natureza concedeu o condão de
não sofrer o envelhecimento.
CAPÍTULO XIII
1356
Referência à janela das termas de Diocleciano, em Roma (actualmente igreja de Santa
Maria degli Angeli e dei Martiri), conhecida por "janela termal ou de Diocleciano", que
aparece, entaipada e substituída por um óculo, nas capelas laterais da igreja de Santo
André em Mântua. Este tipo de janela, que foi utilizado, no séc. XVI, por Palladio nas
suas vil/as, bem como nas igrejas de San Giorgio Maggiore e de ll Redentore, em
Veneza, difundiu-se na segunda metade do séc. XIX no seio do sistema das Beaux-Arts.
1357
Selenite, variedade transparente e incolor de gesso.
485
Livro Sétimo
1358
A frugalidade do cristianismo primitivo é reivindicada por Alberti e, implicitamente, cri-
ticada a ostentação da igreja do seu tempo, já exposta na obra Pontifex escrita em 1437.
Tanto o humanismo, que evocava os deuses e deusas da Antiguidade pagã, como o
humanismo cristão, que se opunha ao desregramento e avidez que se haviam apossado
do clero e da Igreja, estão presentes nas referências ao culto do divino que encontramos
no tratado. Além disso, ainda na esfera deste humanismo, acreditava-se profundamente
nos dogmas de base do cristianismo, que nunca aparecem mencionados em toda a
sua obra literária, o que sugere que para Alberti não havia uma diferença substancial
entre a religião antiga e a nova (cf. Cardini-Regoliosi, 2007a, p. 297; Paoli, 1999,
pp. 114-115).
1359
A figura de estilo da preterição, utilizada por Alberti, sugere que não quer falar de coi-
sas sobre as quais está, indirecta ou directamente, a referir-se e onde somente a leitura
do conjunto permite a plena identificação do seu sentido. Na edição de Theuer (1912)
adverte-se que este passo alude à xenofobia e ao nepotismo do Papa Calisto III (1455-
-1458), o primeiro dos Bórgias a assumir o trono de São Pedro após o pontificado de
Nicolau V, com o qual Alberti manteve relações profissionais e pessoais (cf. Rykwert
et alii, 1988, p. 396, n. 144).
1360
A adesão às práticas religiosas do cristianismo primitivo, que promovia a congregação
unitária dos fiéis, contrasta com a cultura religiosa do tempo de Alberti, que sugeria a
sua fragmentação pelos altares dos deuses menores, i.e. dos santos.
1361
A acção censória da Inquisição portuguesa colocou o De re aedificatoria na Index
expurgatoria de 1581 e a Inquisição espanhola na Index expurgatoria de 1584, o que
486
O Ornamento de Edificios Sagrados
mortais, nada se pode encontrar e nem sequer imaginar, que seja mais con-
digno e mais santo do que o sacrificio. Eu, porém, julgo que não é tido por
sensato ninguém que queira que as coisas mais dignas se banalizem, postas
à disposição com excessiva facilidade.
Há ainda outros géneros de ornamentos, não fixos, com os quais se
adorna o sacrificio; há também ainda outros, cuja ordenação depende do
arquitecto, com os quais se dignificam os templos. Pergunta-se qual é a mais
bela de todas as coisas: se uma praça animada pela juventude a divertir-se,
o mar cheio de navios, um campo cheio de soldados e bandeiras vitoriosas,
um fórum cheio de senadores vestidos de toga, e outras coisas do mesmo
género, ou um templo resplandecente com o brilho das suas luzes 1362 . Mas
gostaria que as luzes dos templos tivessem majestade; coisa que não existe
nas chamazinbas das velas que agora usamos. Não nego que terão alguma
beleza se forem dispostas segundo uma certa aparência de delineamentos, se
forem espalhadas em castiçais ao longo das linhas das cornijas; mas muito
me agradam os Antigos que acendiam nos candelabros grandes conchas com
chamas perfumadas.
O comprimento do candelabro dividia-se em sete partes. Duas destina-
vam-se à base; a base, triangular, era mais comprida em <-··> do que larga, e
em baixo mais larga do que no topo em <··->. O fuste do candelabro era ele-
vado por meio de taças sobrepostas umas em_ cima das outras para aparar as
gotas de azeite. No topo punha-se uma concha cheia de gomas e madeiras
perfumadas. Consignaram por escrito a quantidade de bálsamo, gasta pelo
orçamento público, que os imperadores mandaram queimar em cada dia de
487
Livro Sétimo
1363
Giges, rei da Lídia (c. 680-645 a. C.) e fundador da dinastia dos Mérmnadas, começou
a exploração das minas de ouro na região de Pactolo, afluente do rio Hermo que desa-
gua no Mar Egeu.
1364
Cratera (krâter) entre os Gregos denomina um vaso de volumosas dimensões, seme-
lhante a uma ânfora, para misturar água e vinho. Cf. Hdt., I, 14.
1365
Trata-se do Oráculo de Delfos dedicado a Apolo Pítio, situado na encosta sul do monte
Pamaso, acima do golfo de Corinto.
1366
Seis ânforas equivalem a cerca de 167 litros de capacidade. Hdt., I, 70.
1367
Cidade situada na ilha de Samos, no leste do Mar Egeu, próxima da costa da Ásia
Menor.
1368
Juno, deusa romana assimilada a Hera, a mais importante de todas as deusas olímpicas,
era considerada a protectora das mulheres.
1369
Rei da Lídia (560-547 a. C.).
1370
Aproximadamente 78 hectolitros.
1371
Equivalente a 3,10 m.
1372
Rei egípcio c. de 656 a. C..
488
O Ornamento de Edificios Sagrados
- CAPÍTULO XIV
1373
Termo de origem grega que designava, em Atenas, a residência do arconte e, em Roma,
edificio público destinado a tribunal, a bolsa de comércio e a lugar de passeio exterior-
mente guarnecido por lojas e que, a partir do séc. IV d. C., passa a ser destinado ao
culto cristão. Vitrúvio (V, 1, 4-10) descreve a sua múltipla funcionalidade e não atribui ,
como Alberti, a basílica unicamente à administração da justiça.
1374
O termo chalcidicum, utilizado por Vitrúvio (V, 1, 4) com o significado de sala com
colunas na extremidade de uma basílica, palavra de origem helenística originada pro-
vavelmente de Cálcis, cidade da Eubeia, é transformada em causidicus que significa
advogado de profissão (cf. Cic., Or. , 30; de Orat., I, 202; Gros, 2001-2002, pp. 123-
-135) . A designação dada à nave causídica na arquitectura cristã é, no entanto, de
transepto, derivada do inglês transept (c. 1542), formada sobre os termos em latim
trans + septum (para além+ recinto). Cf. Webster, 1996, p. 2009.
1375
Ver Livro V, cap. 2.
489
Livro Sétimo
Por tais motivos, aqui, assim como se exigem colunas mais espaçadas
assim também vêm muito a propósito as arcadas; e também não se recusam
os entablamentos.
Mas daremos a seguinte definição de basílica: a basílica é uma nave
muito ampla e muito transitável, cingida, sob a cobertura, de pórticos inte-
490
O Ornamento de Ediflcios Sagrados
riores. Com efeito, consideramos que aquela que for desprovida de pórticos
tem mais a ver com as funções de cúria e de senado do que com as de basí-
lica. E da cúria falaremos em seu lugar 1376 •
As basílicas devem ter uma área 1377 de tal modo concebida que o seu
comprimento seja o dobro da largura. Convirá também que tenha uma nave
central, sem dúvida, e uma causídica livre e transitável 1378 • Mas se, despro-
1376
Ver Livro VIII, cap. 9.
1377
Ou planta.
1378
Dado que a nave causídica forma um falso transepto em vez de uma cruz latina, isso
significa que Alberti não assume integralmente o simbolismo religioso da iconografia
cristã. No entanto, ao conotar a basílica com os ornamentos dos templos, mas não com
os cultos pagãos que lhes estão associados, Alberti sugere a reabilitação do espaço basi-
lical pela alteração do seu destino, conservando, na essência, a sua forma, o que levou
Pio II (Commentarii, II, 32), noutro contexto, a definir o templo Malatestiano, em
Rimini, como sendo pagão.
491
Livro Sétimo
vida de nave causídica, tiver apenas um pórtico simples de cada lado, este
deve ser definido do seguinte modo. Dividir-se-á a largura da área em nove
partes, das quais cinco serão atribuídas à nave central e duas a cada um dos
pórticos. O comprimento será igualmente dividido em nove partes: uma será
dada à profundidade de tribuna, ao passo que duas serão atribuídas à aber-
tura da tribuna 1379 •
1379
Vitrúvio (V, 1, 2-3).
492
O Ornamento de Edificios Sagrados
I o
1380 Diversos autores têm argumentado que o templo de Santo André em Mântua não apre-
sentava inicialmente transepto, sendo a nave rematada por uma abside ou capela, à
semelhança de uma planta basilical com nave causídica ( cf. Krautheimer, 1969; Hersey,
1994). Tavemor (1994, pp. 386-388) corrobora esta argumentação, ao estimar o número
de tijolos necessários para construir este templo, com e sem transepto, ao certificar que,
naquele primeiro caso, seria preciso uma quantidade dupla de tijolos da mencionada
pelo patrono da obra, o Marquês Ludovico Gonzaga.
493
Livro Sétimo
1381
Alberti refere-se a latitudo spatii mas não indica se esta dimensão se refere à largura da
fachada ou do espaço interno da basílica. Presume-se que seja em relação à primeira,
dado que se está a referir à "altura do muro na fachada".
494
O Ornamento de Edificios Sagrados
O sistema das colunas não terá, de forma alguma, a austeridade que tem
aquele que se usa nos templos. Por tal motivo, se usarmos um sistema de
colunas com entablamento assim raciocinaremos. Se as colunas forem corín-
tias, tira-se-lhes a duodécima parte da sua espessura; se jónicas, tira-se uma
décima parte; se forem dóricas, a nona parte. Nos ajustamentos dos capitéis,
da arquitrave, das bandas, das cornijas e de outros elementos semelhantes,
há-de continuar-se a imitar os templos.
1382
Não confundir com o motivo Serliano para aberturas de três vãos apoiados em quatro
colunas.
495
Livro Sétimo
CAPÍTULO XV
1383
Na terminologia contemporânea estas colunas são designadas por pilares.
1384
Ou de gola direita.
1385
Livro III, cap. 6.
1386
No paramento da parede, situado por cima da colunata dos Hospital dos Inocentes
(1421-55), em Florença, de Brunelleschi, está desenhado um conjunto de faixas que
visualmente se apoia nos fechos dos arcos.
496
O Ornamento de Edificios Sagrados
Além disso, para servir de ornamento, mas também por utilidade, apli-
car-se-ão ao muro, por cima das primeiras comijas, outras colunas, princi-
palmente quadrangulares 1387 , que assentam no meio do centro das colunas
principais colocadas por baixo. Importa que, salvaguardada a solidez da
ossatura, e acrescida a imponência da obra, se alivie em grande parte a
carga e a despesa do muro. A esta colunata superior juntam-se ainda comi-
jas salientes, conforme a natureza da obra exigir 1388 •
Acrescente-se que, nas basílicas com dois pórticos, se colocam coluna-
tas umas em cima das outras, em número de três do tecto até ao chão; nas
outras, apenas duas. Onde puseres três colunatas, o espaço do muro que está
sobre as colunas até Iao travejamento da cobertura será dividido em duas
partes, e por esse ponto serão demarcadas as segundas comijas. Entre as pri-
meiras e as segundas comijas conservar-se-á o muro intacto e omamentar-
-se-á com figuras em baixo-relevo; por seu lado, o muro que está entre
as segundas e as terceiras comijas será perfurado de janelas e deixará entrar
a luz.
E, ao longo dos intervalos superiores das colunatas, far-se-ão has basíli-
cas janelas uniformes e correspondentes umas às outras. A sua largura não
será mais estreita do que três quartos do intervalo que há entre as colunas.
A altura das janelas ocupará vantajosamente o dobro da largura. Se as jane-
las forem quadrangulares, o lintel ficará ao nível do topo das colunas,
excluindo o capitel; se, porém, as próprias janelas forem arqueadas, será per-
mitido elevar o dorso do arco quase até debaixo da arquitrave e também
será permitido utilizar um arco abatido, como se quiser, mas que ele não
ultrapasse a altura da coluna mais próxima.
Sob as janelas colocar-se-á um plúteo com um cimácio de gola ou de
óvulos. Os vãos das janelas serão ocupados por uma malha reticulada, mas
não tapados com as lâminas de gesso usadas nos templos. Convém que
tenham alguma coisa que quebre e intercepte os ventos agrestes, que emba-
tem contra as janelas, e as chuvas incómodas, para que não provoquem
nenhum dano. Por outro lado, é necessário que respirem sem interrupção e
com toda a liberdade, não vá o pó, levantado pela grande quantidade de pés,
prejudicar os pulmões e os olhos. Aí, pois, merecem a minha aprovação as
lâminas finas de bronze ou de chumbo, pintadas, por assim dizer, com mui-
tos furos, pelos quais a luz possa penetrar, e o ar com o movimento da brisa
se purifique.
1387
Se adossadas às paredes são designadas por pilastras.
1388
À semelhança do que se verifica no Coliseu de Roma.
497
Livro Sétimo
1389
Nesta citação, foi usada uma versão corrupta de Plínio-o-Antigo (Nat., XXXV, 36) dado
que Alberti confunde mel (mel) com a terra grega de Meios (uma das ilhas das Cícla-
des) que apresenta, como o sinope (terra de Sinope-cidade costeira do Mar Negro) ou
ocre vermelho, uma cor natural mas com pigmento branco (melinum), já referida por
Vitrúvio (VII, 7, 2-3). Cf. Caye-Choay, 2004, p. 346, n. 151.
1390
Baixo-relevos.
498
O Ornamento de Edificios Sagrados
CAPÍTULO XVI
1391
Curt., VII, 9, 15.
1392
Cidade marítima da Trácia, próxima do estreito dos Dardanelos.
1393
Político e general que comandou as forças gregas na batalha de Plateias em 479 a. C ..
1394
A que corresponde uma capacidade de cerca de 20 000 litros e uma espessura de
II cm. Cf. Hdt., IV, 81.
1395
Rio da Índia conhecido actualmente como Chenaub.
499
Livro Sétimo
1396
Actualmente é o rio Don.
1397
Equivalente a 11 ,08 km.
1398
Grupo étnico mais possante da Trácia central (Thuc., II, 96).
1399
Hdt., IV, 92.
1400
Rei lendário do Egipto a quem foram atribuídas conquistas em África e na Ásia.
140 1
Hdt., II, 102.
1402
Tirano de Feras, cidade da Tessália, no séc. IV a. C.
1403
General e conselheiro de Filipe II da Macedónia e de Alexandre Magno (séc. IV a. C.).
1404
Templo de Atenas.
1405
Povo da Tessália central.
1406
Habitantes da ilha de Egina no golfo com o mesmo nome, entre a Ática e a Argólida.
1407
Tribuna na qual falavam os oradores no Fórum, omamen·ada com os esporões (rostra)
em bronze dos navios capturados na batalha de Âncio no ano de 383 a. C ..
1408
Sede do Senado Romano.
500
O Ornamento de Edificios Sagrados
1409
Cavalo de Alexandre Magno.
14 10
Seleuco I, rei da Síria (312-281 a. C.).
1411
Deusa síria relacionada com a Afrodite grega.
14 12
Cf. Diod. Sic., II, 4, 2-3 .
1413
Fúcino, lago do centro da Itália que somente se conseguiu drenar no séc. XIX.
1414
Habitantes de Mútina, actual Modena.
1415
Divindade da população que antigamente habitava o lago Fúcino.
1416
Jovem de Argos sacerdotisa de Hera Argiva.
1417
A Hidra também tinha a designação de fera de Lema.
1418
Identificado como Ramsés II do Egipto.
1419
Diod. Sic. (I, 49, 3).
501
'
Livro Sétimo
Mas, se não erro, o mais egrégio foi o uso de estátuas. Na verdade, ser-
vem de ornamento para os edificios sagrados e profanos, públicos e priva-
dos, e asseguram uma extraordinária memória tanto das pessoas como dos
acontecimentos. E, certamente, quem quer que tenha sido essa pessoa de
grande engenho que inventou as estátuas, julgam que nasceram juntamente
com a religião e proclamam que foram os Etruscos os inventores das está-
tuas 1420 • Outros pensam que foram os Telquines 1421 de Rodes os primeiros a
fabricar estátuas de deuses; e escrevem que elas, consagradas a cerimónias
mágicas, costumavam trazer nuvens, chuvas e outras coisas semelhantes, e
transformavam as formas dos seres vivos, à sua vontade 1422 • Na Grécia
Cadmo 1423 , filho de Agenor, foi o primeiro que consagrou estátuas dos deu-
ses num templo. Em Aristóteles lemos que as primeiras a serem postas em
Atenas, no fórum, foram em honra de Hermedoro e de Aristogíton, porque
eles tinham sido os primeiros a acabar com a tirania 1424 • O historiador
Arriano recorda que, tendo sido elas levadas por Xerxes, Alexandre as
trouxe de Susa e as restituiu aos Atenienses 1425 • Em Roma, dizem que era
tamanha a abundância de estátuas, que se dizia que lá havia um segundo
povo, o de pedra. Ramsés, um rei muito antigo do Egipto, erigiu estátuas de
pedra em honra de Vulcano com a altura de vinte e cinco côvados 1426 •
O Egípcio Sesóstris erigiu uma estátua para si e para sua esposa com a
altura de trinta e dois côvados 1427 • Amásis 1428 fez em Mênfis uma estátua
jacente: o seu tamanho era de quarenta e sete pés, e na sua base erguiam-se
outras duas, com a altura de vinte pés 1429 • No túmulo de Osimandias, foram
colocadas três estátuas, uma obra admirável de Mémnon 1430 , talhadas num só
bloco de pedra; uma delas, sentada, era tão grande que o seu pé excedia sete
142
° Cf. De statua, op. cit..
1421
Os Telquines são os génios de Rodes com poderes mágicos, representados sob a forma
de seres anfibios, meio marinhos, meio terrestres.
1422
De acordo com Diodoro Sículo (V, 55, 2), estas transformações aplicam-se aos próprios
Telquines.
1423
Fundador mítico da cidade de Tebas na Beócia.
1424
Ambos foram executados por tentarem, sem sucesso, matar o tirano Hípias em 514
a. C.. Cf. Plin., Nat., XXXIV, 17.
1425
Arr., Anab., III, 16, 7-8.
1426
De acordo com Heródoto (II, 176) a estátua tinha setenta e cinco pés de altura, equiva-
lente a 22,20 m, isto é, aproximadamente o dobro da altura sugerida por Alberti. Cf.
Portoghesi, 1966, p. 655, n. 8.
1427
Equivalente a 14,18 m. Cf. Hdt., II, 110; Diod. Sic., I, 57, 5.
1428
Faraó do Egipto em 570 a. C.
1429
Hdt. , II, 176.
143
° Cf. Diod. Sic. (1, 47, 3-4).
502
O Ornamento de Edificios Sagrados
1431
Equivalente a 3,10 m.
1432
Equivalente a 3,14 km.
1433
Diod. Sic. (II, 13, 2).
1434
Télecles e Teodoro são dois escultores, filhos de Reco, um arquitecto de Samos, activos
c. 550-c. 520 a. C .. Cf. Hdt., III, 60; Diod. Sic., I, 98, 5-6.
503
Livro Sétimo
CAPÍTULO XVII
Há quem sustente que não se devem colocar estátuas nos templos. Diz-
-se que o rei Numa, seguindo a doutrina dos Pitagóricos, proibiu que se
pusesse nos templos qualquer estátua 1435 • Daí que Séneca se risse de si
mesmo e dos seus concidadãos. "Na verdade- diz ele- brincamos às bone-
cas, como crianças" 1436 ; mas os que foram instruídos pelos nossos maiores
argumentam deste modo, apelando à razão: quem será tão estúpido que não
entenda que os deuses não devem ser representados com os olhos, mas com
a mente? 1437 E é certo que é absolutamente impossível haver quaisquer for-
mas, com as quais seja lícito imitar ou representar, no todo ou na mínima
parte, uma realidade tão grande. E não havendo, em suma, absolutamente
nenhuma forma feita com a mão com que o alcancemos, alguns são de opi-
nião que é conveniente que cada homem represente no seu espírito, acerca
do primeiro princípio das coisas e da inteligência divina, a imagem que mais
se adeqúe às capacidades do seu engenho. Assim, pois, de mais bom grado
hão-de venerar a majestade do altíssimo nome 1438 •
Outros pensam diversamente. Com efeito, dizem que foi atribuída aos
deuses aparência humana com o excelente e sábio desígnio de que os espí-
ritos ignorantes se converteriam da sua vida depravada mais facilmente onde
estivessem presentes as estátuas das quais se aproximavam, crendo que se
aproximavam dos deuses. Outros ofereceram as imagens daqueles que
tinham sido beneméritos da humanidade, e que acharam que deviam ser
recordados no número dos deuses, a fim que, sendo colocados em lugares
sagrados e visitados, os vindouros os venerassem e se inflamassem, com o
desejo de glória, na imitação da virtude.
Mas é muito importante, sobretudo nos templos, ver que estátuas deve-
mos colocar, em .que lugares, com que frequência, e de que matéria são
1435
Por considerar que era ímpio ligar coisas superiores às inferiores e dar uma forma
humana ou animal aos deuses. Cf. Plut., Num., 8, 13; Euseb., Prep., IX, 6.
1436
Esta citação não corresponde integralmente ao que Séneca (Ep., 24, 13; 115,8) afirmou,
se bem que o sentido seja semelhante.
1437
Esta orientação está presente no tratamento da luz no interior dos templos, principal-
mente em relação aos contrastes de luz e sombra e ao equilíbrio entre luz natural e arti-
ficial (Livro VII, cap. 12), bem como nos sistemas proporcionais assentes em conso-
nâncias musicais (Livro IX, caps. 5 e 6), como sinais inteligíveis de uma harmonia
cosmológica.
1438
Cf. Religio, in Intercenales, I; Livro VII, cap. 13.
504
O Ornamento de Edificios Sagrados
feitas. A minha opinião é que não devem ser como as estátuas ridículas do
deus espantalho nas hortas, nem como a dos guerreiros no pórtico e outras
assim, nem devem ser colocadas em lugar acanhado e ignóbil. Mas primeiro
trataremos da matéria, depois do resto.
Os Antigos - diz Plutarco - faziam as estátuas de madeira, como em
Delos a de Apolo, e como a de Júpiter, que era feita de vide e se manteve
incorrupta durante muitos anos, na cidade de Populónia 1439 , e como a de
Diana de Éfeso, que uns dizem que era de Ébano 1440 , e Muciano 1441 de vide.
Peiras, que edificou o templo de Juno Argólica e consagrou como sacerdo-
tisa a sua filha, de um tronco de pereira fez uma estátua de Júpiter.
Houve quem proibisse que se fizessem estátuas de pedra, alegando que
é dura e selvagem. Rejeitavam igualmente o ouro e a prata, porque era pro-
veniente de terra infecunda e estéril e porque tinha uma cor doentia 1442 • Na
verdade, diz o poeta: "Júpiter estava de pé, mal coberto no seu estreito tem-
plo, e na sua mão direita tinha um raio de barro cozido" 1443 • Entre os Egíp-
cios houve quem julgasse que deus era ígneo, e que habitava no fogo etéreo,
e que não podia ser compreendido pela inteligência do homem; por tal
motivo quiseram que as estátuas dos deuses fossem de cristal. Outros consi-
deram que as estátuas dos deuses se fazem, com toda a propriedade, de
pedra negra, alegando que essa cor era incompreensível; outros, por fim,
dizendo que era a cor que convinha aos astros.
Eu, no entanto, tenho dúvidas quanto à matéria de que devem ser feitas
as estátuas dos deuses. Dir-me-ás, sem dúvida, que deve ser digníssima a
matéria com que se faça um deus; mas muito próximo do mais digno está o
que é raro. Todavia, tal não sou eu que queira fazer estátuas de sal, como
refere Solino que os Sicilianos costumavam fazer, ou de vidro, como diz Plí-
nio 1444 • Nem, igualmente, de ouro puro ou de prata: não como eles, porque
o rejeitaram sob pretexto de ter nascido de terra estéril e ser de cor doentia.
São muitas as razões que me levam a isso; entre as quais a seguinte: eu pró-
1439
Cidade etrusca com acesso ao mar situada no promontório sobre Porto Baratti.
1440
Plin., Nat., XVI, 213.
1441
Licínio Muciano, cultor de ciências da natureza e de geografia sobre a Ásia Menor,
muito citado por Plínio-o-Antigo como fonte de ocorrências milagrosas, foi cônsul nos
anos 52, 70, e 75 d. C. (cf. Williamson, 2005).
1442
Euseb., Prep., III, 8.
1443
Ov., Fast., I, v. 201-202.
1444
Ver Livro VII, cap. 10. Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 66) menciona estátuas em vidro
e em obsidiana.
505
Livro Sétimo
1445
Cf. De pictura (II, 49).
1446
As estátuas de Zeus em Olímpia e a de Atena Parténia de Fídias são exemplos a citar.
506
O Ornamento de Edificios Sagrados
No altar vtra muito a propósito colocar duas ou não mais que três.
O número das restantes será distribuído pelos nichos nos lugares mais ade-
quados. Peço com insistência que, na medida em que possas consegui-lo do
artista, cada um dos deuses, dos heróis, exprima a sua vida e costumes, na
sua compleição e na sua atitude. Consideram belo, mas eu não quero que
tenha gestos de pugilista ou de actor de teatro; mas gostaria que no seu
rosto e em todo o aspecto do corpo, revele a graça e a majestade digna de
um deus aos que dele se aproximam, de tal modo que pareça, com um
aceno da cabeça e com a mão, acolhê-los com toda a benevolência, e que-
rer espontaneamente atender as suas súplicas.
Estabeleço que, nos templos, devem ser postas estátuas deste género e,
as restantes, destinadas aos teatros e aos edificios profanos.
507
LIVRO OITAVO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS
PÚBLICOS PROFANOS
CAPÍTULO I
E cia para a arte edificatória 1447 ; e é bem sabido que os ornamentos não
são devidos por igual a todos os edificios. Na verdade tens de trabalhar
com toda a arte e empenho para que tomes omamentadíssimos os edificios
sagrados, sobretudo os públicos: estes são, efectivamente, preparados para os
deuses, ao passo que os profanos não o são senão para os homens; por isso,
é de toda a conveniência que os menos dignos cedam aos mais dignos;
serão, no entanto, embelezados com as partes dos ornamentos que lhes são
próprias.
No livro anterior tratámos de como devem ser os edificios sagrados
públicos. Segue-se que inventariemos os profanos. Explicaremos, por isso,
que ornamento deve ser atribuído a cada um.
A minha opinião é que a via é uma obra eminentemente pública: com
efeito, é preparada não só para os cidadãos, mas também para comodidade
dos estrangeiros. Mas, como há viajantes que se deslocam por terra e outros
por água, é necessário falar destes dois aspectos. Gostaria que retomasses
aquilo que dissemos em outro lugar: que há vias militares e outras não mili-
tares 1448 ; e, além disso, que uma via dentro da cidade deve ser diferente da
que vai através do campo 1449 •
A via militar que vai através do campo será muito bem ornamentada
pelo próprio campo por onde passa, se ele estiver cultivado, semeado, abun-
dando em quintas, estalagens, e em amenidade e abundância de recursos; se
1447
Ver Livro VI, cap. 2.
1448
Ver Livro IV, cap. 5.
1449
Ver Livro VIII, cap. 6.
509
Livro Oitavo
oferecer à vista ora o mar, ora os montes, ora um lago, ora um curso de
água ou nascentes, ora a aridez de uma escarpa ou de uma planície, ora um
bosque e um vale 1450 • Também servirá de ornamento se não se apresentar
muito inclinada, nem íngreme, nem imunda, mas, por assim dizer, vaga-
bunda e plana, e absolutamente desimpedida.
Para conseguirem estes requisitos, que coisa houve que os nossos maio-
res não tenham feito? Não me refiro às vias construídas com uma camada
de seixo muito duro e pavimentadas com um amontoado de pedras enormes
até ao centésimo marco miliário. Pavimentaram a Via Ápia de Roma até
Brundísio. Vêem-se a cada passo, em todas as vias militares, rochedos cor-
tados a pique, montes desventrados, colinas trespassadas, vales nivelados à
custa de despesas incalculáveis e de obras prodigiosas 1451 • Tudo isso serve a
utilidade mas também o embelezamento.
Além disso, será proporcionado um ornamento muito conveniente se os
viandantes depararem com ocasiões frequentes para encetarem conversas
sobre assuntos particularmente interessantes 1452 • "Um companheiro conversa-
dor - dizia Labério - serve de veículo durante a viagem" 1453 • E, na verdade,
não pouco a conversa nos alivia do cansaço da caminhada. Por tal motivo,
eu que sempre manifestei grande apreço pela prudência dos nossos maiores
em outras decisões, rendo-lhes o maior louvor na seguinte deliberação -
embora com essa invenção, de que falaremos adiant~, tivessem em perspec-
tiva coisas maiores do que favorecerem os que iam de viagem: "Não sepul-
tarás - diz a Lei das Doze Tábuas - nem cremarás ninguém dentro da
cidade" 1454 • Depois disso, por um antigo decreto do Senado, proibiram que
alguém fosse sepultado no interior das muralhas da cidade, excepto as ves-
tais e o imperador 1455 , porque não estavam sujeitos às Leis 1456 • Aos Valérios
e aos Fabrícios - diz Plutarco - era-lhes lícito, a título honorífico, serem
1450
Ver Livro IV, cap. 5 e o Livro V, cap. 17.
1451
Cf. Prólogo.
1452
A conversação em viagem é "uma espécie de luz subsidiária da beleza e como que o
seu complemento" (Livro VI, cap. 2).
1453
AuJo Gélio (XVII, 14) compara Publílio Siro (cf. Sententiae, 104) a Décimo Labério,
mas a citação (Facundus comes in via pro vehiculo est) deve-se ao primeiro (cf. Macr. ,
II, 7, 11 ). Portoghesi, 1966, pp. 666-667, n. 2.
1454
Cf. Cic., Lg., II, 22, 55 - 26, 64. Sobre outras referências de Alberti à Lei das XII
Tábuas veja-se o Livro IV, cap. 5 e o Livro VIII, cap. 2.
1455
Durante a República Romana o título de imperador identificava-se, normalmente, com o
de comandante vitorioso a quem era atribuído um triunfo e no Império com o poder
supremo.
1456
Cf. Serv., A., II, v. 206.
510
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1457
Plut., Popl., 23, 6.
1458
A implantação de sepulcros ao longo das vias participava, à semelhança da sua pavi-
mentação e do seu traçado sobre as mais diversas paisagens, da sua ornamentação com
o objectivo de amenizar a viagem com uma finalidade cívica.
1459
A Lei Agrária, promulgada em 133 a. C. por Tibério Graco, estipulava a distribuição de
terras públicas - ager publicus- pela plebe. Cf. App., Hist., XIII, 10.
511
Livro Oitavo
CAPÍTULO II
1460
Virtude apresenta o significado de excelência e acção relacionada com um propósito
cívico.
1461
Pio II proibiu a sepultura de cadáveres na catedral de Pienza, c_om projecto de Bernardo
Rossellino, sob a possível orientação de Alberti. No entanto, este não é reconhecido
pelo Papa como arquitecto, mas como um "descobridor de antiguidades", enquanto o
primeiro é considerado merecedor de "uma distinção especial entre todos os arquitectos
do nosso tempo" (Cf. Commentarii, trad. ingl. de F. A. Gregg, 1959, IX, p. 288, XI,
p. 316; Smith, 1992, pp. 98-129; Rykwert eta/ii, 1988, p. 399, n. 12).
1462
A antiga prática da cremação dos corpos, defendida como medida higiénica, somente
foi reavivada no séc. XIX, mas foi condenada pela Santa Inquisição que, em 1886 no
pontificado de Leão XIII, a considerou ímpia (cf. Mancini, 1887, pp. 72-73). A nobreza
romana, a partir do séc. I a. C., começou a substituir a inumação pela cremação de
cadáveres, adoptada no Império a partir dos sécs. I e II d. C. (cf. Plin., Nat., VII, 187).
1463
Cic., Lg., II, 22, 55-56.
512
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
sidero que, antes de passar aos edificios públicos profanos, se deve falar dos
sepulcros, embora pertençam ao domínio jurídico privado.
Quase em parte nenhuma existiu gente tão selvagem que não sentisse
que devia haver alguns princípios quanto [em relação] aos sepulcros,
excepto não sei que Ictófagos 1464 , dos quais, oriundos do mais extremo da
barbárie da Índia, dizem que tinham o costume de lançar ao mar os seus
defuntos, afirmando que pouco interessava que se desfizessem na terra, na
água ou no fogo 1465 • Os Albanos também consideravam que era sacrilégio
cuidar dos defuntos 1466 . Os Sabeus 1467 tinham por estrume os corpos dos
defuntos; e despejavam nas estrumeiras até mesmo os reis. Os Trogloditas
amarravam a cabeça do morto aos pés e levavam-no à pressa a sepultar
entre risos e graçolas e, sem terem em conta o lugar, atiravam-no à terra e
na cabeceira colocavam um como de cabra 1468 . Mas ninguém que seja civi-
lizado lhes dará sua aprovação.
Outros, tanto no Egipto, como na Grécia, edificavam túmulos, não só
ao corpo mas também ao nome dos amigos, cuja piedade não há ninguém
que não louve. Julgo, porém, que devem ser ouvidos em primeiro lugar
aqueles sábios que, na Índia, diziam que os mais notáveis de todos os monu-
mentos eram os que, confiados à posteridade, se conservariam em memória
dos homens, ou aqueles sábios que celebravam as exéquias dos homens mais
admirados não de outra maneira senão cantando os seus louvores; mas por
causa daqueles, que lhes sobrevivem, estabeleço que também se deve ter o
corpo em conta. Acrescente-se que é evidente que os túmulos muito contri-
buem para a posteridade de um nome 1469 •
Os nossos antepassados, para agradecerem àqueles que tivessem pres-
tado notáveis serviços à República, com o seu sangue e a sua vida, e para
incitarem os outros a almejar idêntica glória na virtude, costumavam consa-
grar-lhes publicamente não só estátuas mas também túmulos. A muitos,
porém, dedicaram estátuas, túmulos a poucos, talvez porque entendiam que
1464
Ou comedores de peixe, uma das tribos da Gedrósia que habitavam as margens do Mar
Vermelho, a quem Camões (Lusíadas, IV, 65, l-2) chama de "gentes incógnitas e estra-
nhas".
1465
Diod. Sic., III, 19, 6.
1466
Strab., XI, 4, 8.
1467
Antiga tribo da Arabia Felix (Arábia Ditosa) cujo nome deriva da sua capital: Sabá.
1468
Diod. Sic., III, 33, 2.
1469
À semelhança do que sucede no templo Malatestiano em Rimini, com os sarcófagos de
Sigismondo e de lsotta Malatesta na frontaria, bem como com os túmulos de homens
ilustres nas arcadas das paredes laterais.
513
Livro Oitavo
147
° Cic., Phil. , IX, 14.
1471
Cic., Lg. , II, 24, 61.
1472
Cic., Lg. , II, 26, 64. Assim, para os Romanos a arquitectura tumular era, sob o ponto
de vista da protecção jurídica, mais restritiva quando comparada com a da restante
arquitectura.
1473
Conjunto de tribos nómadas que habitavam antigamente a Cítia, que abrangia parte do
Sudeste da Europa e do Sudeste da Ásia, desde o Norte do Mar Negro até ao Mar Arai,
ao Sul da Sarmácia.
1474
Plin., Nat., VI, 53 e VII, 9.
1475
Cf. Cic., Lg., II, 26, 66. Trata-se de uma lei de Demétrio de Falérios, passada em Ate-
nas (317-315 a. C.), no âmbito da legislação para regularizar contratos e títulos de pro-
priedade, bem como para restringir abusos, e não de uma lei promulgada por Pítaco,
um legislador da ilha de Lesbos.
514
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
mais de três côvados de altura 1476 : consideravam que não devia haver distin-
ção de sorte naquilo em que a natureza era comum a todos, mas tudo seria
comum tanto para a plebe como para os mais ricos. Deste modo, eram
cobertos com simples terra segundo o costume tradicional; e, segundo a sua
interpretação, era assim que estava certo porque o corpo, que vinha da terra,
devia ser depositado na terra como no regaço de sua mãe. Deterrhinaram os
Antigos que ninguém fizesse um túmulo que empregasse mais trabalho do
que o que levam dez homens a construí-lo em três dias 1477 • Todavia, foram
os Egípcios que, acima de todos, construíram os túmulos com mais requinte.
Com efeito, proclamavam que erravam os homens que edificavam casas
luxuosíssimas, sendo elas uma estalagem de um brevíssimo tempo, ao passo
que, em comparação, eram negligentes para com os túmulos onde haviam de
repousar durante muitíssimo tempo.
Mas, para mim, afigura-se verosímil que os povos durante a Antigui-
dade instituíram o seguinte. No lugar onde o cadáver era enterrado, a prin-
cípio colocavam, para o assinalar, uma pedra ou talvez uma árvore 1478 - esta
foi muito do agrado de Platão nas suas Leis - e depois começaram a cons-
truir por cima e em redor, para impedir que um animal selvagem, escavando
e desenterrando, fizesse alguma coisa repugnante. Em seguida, ao voltar a
face do ano, em que viam o campo florido ou carregado de frutos, como
estava no dia em que os seus deixaram esta vida, surgiam, certamente, no
seu espírito, as saudades dos entes queridos que tinham perdido; e, recor-
dando ao mesmo tempo os seus ditos e os seus feitos, dirigiam-se a esse
lugar e honravam com as coisas com que podiam a memória do defunto. Foi
talvez daqui que nasceu o costume de, tanto os outros povos como sobre-
tudo os Gregos, honrarem com oferendas os túmulos dos beneméritos da
pátria. Aí se juntavam - diz Tucídides - em trajos festivos e traziam as pri-
mícias dos seus frutos 1479 • Consideravam esta acção a mais piedosa e de
todas a mais sagrada, a ponto de a realizarem mesmo em cerimónia pública.
O que faz com que eu possa prosseguir nesta conjectura: a partir daí insti-
1476
Equivalente a I ,33 m.
1477
Platão (Lg., XII, 958e) refere que "Não levantem nenhum túmulo que leve mais do que
o trabalho de cinco homens em cinco dias" (cf. trad. esp. de 1. M. Pábon - M. F.
Galiano, 2002).
1478
Platão (Lg., XII, 947e) menciona que "plantarão à volta um bosque de árvores deixando
livre uma extremidade com a finalidade de que por este lado, que ficará perpetuamente
desembaraçado de terra, possa ser ampliada a sepultura para os que forem sendo enter-
rados" (cf. trad. esp. de 1. M. Pábon - M. F. Galiano, 2002).
1479
Thuc., II, 34.
515
Livro Oitavo
tuíram ainda colocar nas sepulturas não só túmulos ou colunetas, com o pro-
pósito de cobrir ou assinalar, mas também templos para terem onde fazer
essa cerimónia com dignidade. Por isso, procuraram que esses templos fos-
sem perfeitamente adequados e ornamentados em todos os pormenores.
Mas entre os Antigos foram vários os lugares onde se situavam estes
túmulos em lugar público. Platão era de parecer que um homem se deve
comportar de tal modo que, nem vivo nem morto, em nenhum aspecto se
tome pesado para a comunidade humana; e, por tal motivo, decretou que se
enterrasse não só fora da cidade, mas ainda em nenhum outro lugar que não
fosse um campo absolutamente estéril 1480 • Houve quem, imitando-o, desig-
nasse um lugar fixo para os túmulos, ao ar livre e segregado da comunidade
humana; a esses aprovo-os inteiramente.
Outros, pelo contrário, guardavam em casa os cadáveres embalsamados
em gesso ou em sal. O rei Miquerino do Egipto sepultou a sua filha num
boi de madeira e conservou-a junto de si no palácio real; e todos os dias
mandava que em sua honra celebrassem as cerimónias fúnebres 148 1 aqueles
que presidiam aos mistérios 1482 • Sérvio refere que os Antigos costumavam
colocar nos montes mais altos e mais visíveis os túmulos consagrados aos
homens mais importantes e mais nobres 1483 • Os Alexandrinos, no tempo do
historiador Estrabão, tinham recintos e jardins destinados à sepultura dos
corpos 1484 • Em época mais recente, a dos nossos pais, construíam-se capelas
anexas aos templos maiores para sepulturas 1485 • E em todo o Lácio se vêem
os jazigos das famílias construídos debaixo da terra, com umas separadas,
ao longo da parede, nas quais depositavam os restos dos corpos crema-
dos 1486 ; e conserva-se uma breve inscrição ao padeiro, ao barbeiro, ao cozi-
nheiro e ao massagista e a outros que viviam nessa família. Quando, porém,
sepultavam crianças pequeninas, encerravam na uma, para consolação das
mães, os seus retratos gravados em gesso. Colocavam nos túmulos as ima-
1480
PI., Lg., XII, 958d-e. De acordo com Ritter (1985, p. 346) Platão adoptou o costume
dos Egípcios de não utilizar terra fértil para sepultar cadáveres.
148 1
Parentare significa oferecer um sacrifício aos parentes falecidos. Os Parenta/ia eram as
festas religiosas de todas as almas que ocorriam anualmente em Roma em 13-21 de
Fevereiro. Neste período os templos estavam encerrados e não se celebravam casamen-
tos.
1482
Hdt., II, 129-130.
1483
Serv., A., II, v. 849.
1484
Strab., XVII, I, 10.
1485
À semelhança do que sucede com o templo de Santa Maria Novella em Florença.
1486
Cf. Fumo (2008, pp. 931-946).
516
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1487
De acordo com Estrabão (V, 3, 8) este sepulcro é coberto de álamos.
1488
A ilha a que se refere o texto é a de Ogyris no Mar Vermelho, à distância de dois mil
estádios de Carmânia, conhecida actualmente por Mazira ou Maceira. Cf. Strab., XVI,
3, 5; Plin., Nat., VI, 153.
1489
Região da Pérsia, actualmente Quirman.
1490
Rei da Ásia Meridional que deu origem à designação de Mar da Eritreia (Mar Ver-
melho).
149 1
Strab., XVI, 3, 5.
1492
Diod. Sic., II, 34, 3-5.
1493
Foi um dos súbditos de Xerxes encarregue de abrir o canal através do monte Atos em
480 a. C. (cf. Hdt., VII, 22).
517
Livro Oitavo
CAPÍTULO III
1494
Ver Livro II, cap. 9 (cf. Plin., Nat., XXXVI, 131).
1495
Ver Livro VI, cap. 2 e Livro VII, cap. 17.
1496
Cf. Suet., Aug., 100; C/., 45; Nero, 9.
1497
Equivalente a 88,64 cin.
518
O Ornamento de Edifícios Públicos Profanos
1498
Cf. Livro III, cap. 6.
1499
Actualmente conhecida por Chiusi.
1500
Ver Livro IV, cap. 3, onde se refere o labirinto etrusco. Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI,
91) afirma que a altura de 50 pés se reporta a todo o monumento e não somente à base.
1501
Cidade fortificada persa em ruínas, fundada por Ciro, o Grande, conhecida actualmente
por Darabgerd. Cf. Plin., Nat., VI, 116.
519
Livro Oitavo
epitáfio assim escrito: "Eu sou aquele homem, Ciro, filho de Cambises, que
vos lembrais de ter construído o império dos Persas. Não há, pois, razão
para que invejes que esta cela me albergue" 1502 .
Mas volto de imediato às pirâmides. Alguns povos fizeram, porventura,
pirâmides triangulares, todos outros quadrangulares. Aprouve-lhes que tives-
sem de altura tanto como de largura. Louva-se aquele que, em certo lugar,
traçou as arestas das pirâmides de maneira que não projectassem sombras.
A maior parte edificou todas estas pirâmides com pedra aparelhada, alguns
também com tijolos.
Havia colunas edificatórias 1503 , por toda a parte usadas nos edifícios, e
havia outras de modo nenhum aptas, devido ao seu tamanho, para usos civis
na construção, mas inventadas apenas para servir de comemoração e de
marco para a posteridade.
~I
1502
Arr., Anab., VI, 29, 4-8.
1503
Entenda-se colunas estruturais portantes.
520
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1504
Em geral de forma paralelepipédica.
1505
Cf. Livro VII, cap. 5. Alberti utiliza, principalmente nos Livros VII e VIII, uma
notação arcaica para expressar as relações numéricas como resultado da multiplicação
de fracções com o numerador igual à unidade: diam etro columnae dimidium dimidii
quinquies (cinco vezes a metade da metade do diâmetro da coluna), ou seja, cinco quar-
tos do diâmetro da coluna. Isto deve-se à necessidade de operacionalizar, de forma
repetitiva e expedita, à semelhança do que propõe Vitrúvio, aquelas relações por meio
de compasso, evitando-se os correspondentes cálculos numéricos (cf. Carpo, 2003,
p. 451).
1506
Partes emergentes das fundações. Ver Livro III, cap. 5.
1507
Ver Livro I, cap. lO e Livro VII, cap. 5.
521
Livro Oitavo
lhante. Por conseguinte, cingiram o dado com estes dois ornamentos; e fize-
ram esse cimácio com a altura de um quinto ou de um sexto da altura do
dado; quanto ao dado, fizeram-no com uma largura em parte nenhuma infe-
rior à largura da base da coluna, para evitar que o plinto construído por
cima ficasse pendurado no vazio. Outros, por uma questão de solidez, acres-
centaram à largura do murete um oitavo do plinto. Além disso, a altura do
dado mais pequeno, descontando o cimácio e o soco, ou era igual à sua lar-
gura, ou um quinto superior. Portanto, entre os mais requintados, não só
houve muretes, como também se encontram dados.
Volto às colunas 1508 • Sob a base da coluna colocar-se-á o dado, que,
como dissemos, deve corresponder em dimensões adequadas à referida base.
Este dado terá como cimácio uma cornija completa, de preferência jónica 1509 ,
cujas linhas, como te recordas, são as seguintes: na extremidade inferior
uma gola, depois um ressalto, depois uma rudentura, depois uma saliência
de mútulos coberta, por último, na extremidade superior, uma onda. Em
baixo, porém, no próprio dado estende-se uma onda invertida, com cordões
e filete em ordem inversa. O dado que fica por debaixo deste será traçado
igualmente com linhas equivalentes; de tal modo que nada do que se cons-
trói sobre ele fique suspenso no vazio; mas, desde o nível do pavimento,
elevar-se-ão em direcção a ele três ou cinco degraus com alturas e proprie-
dades diferentes entre si. Estes degraus conjuntamente serão iguais no total
da altura a não mais que um quarto nem menos que um sexto do dado colo-
cado por cima deles. Neste dado abrir-se-á uma portinha, onde serão embu-
tidos ornamentos dóricos ou j6nicos, como aqueles que referimos nos tem-
plos. No dado superior gravar-se-ão inscrições e esculpir-se-á um amontoado
de despojos da batalha. Se entre estes dois dados se intercalar algum orna-
mento, terá de altura um terço da sua largura; e esse espaço será ocupado
por relevos embutidos, como por exemplo deusas aplaudindo, a Vitória, a
Glória, a Fama, a Abundância, e outras representações do mesmo género. Há
quem tenha revestido o dado superior com bronze dourado.
Concluídos os dados e a base, levantar-se-á a coluna. A sua altura
medirá sete vezes o seu diâmetro. Se a coluna for muito grande tornar-se-á,
na extremidade superior, mais delgada que na inferior, não mais do que uma
décima parte; nas colunas mais pequenas seguiremos o que expusemos no
livro anterior 1510 • Há quem tenha levado a altura da coluna até aos cem pés
1508
Entenda-se colunas comemorativas.
1509
Ver Livro VII, cap. 9.
°
15 1
Cf. Livro VII, cap. 6.
522
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
151 1
Como sucede com a coluna de Trajano, em Roma, concluída em 113 d. C., de 38
metros de altura e, no seu interior, com uma escada em caracol de 185 degraus, que dá
acesso a uma plataforma.
523
Livro Oitavo
1512
O termo moles, que significa edifício de grandes dimensões, é utilizado por Alberti para
se referir a mausoleum , tomando como referência a Mole Adriana, transformada no
período medieval no Castell Sant 'Angelo (cf. Portoghesi, 1966, p. 690, n. l ).
1513
O termo area apresenta o significado de plano ou de planta.
524
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
l
t
Proporções do mausoléu.
525
Livro Oitavo
CAPÍTULO IV
1514
Aurélio Símaco, Relationes ad principes, III, 7.
1515
Os frisos do Sagrado Sepulcro que Alberti projectou para a família Rucellai, em Flo-
rença, bem como as fachadas do Tempio Malatestiano , em Rimini, e da igreja de Santa
Maria Novella, em Florença, apresentam, nas incisões epigráficas, letras romanas
maiúsculas geometricamente desenhadas que foram adoptadas, tanto pelos copistas
como pelos arquitectos do Renascimento, como modelo.
15 16
Diog. Laert. , VI, 50.
15 17
Platão (Lg., XII, 958e) refere que não se devem erguer pilares de pedra com uma
dimensão maior da que seja necessária para apoiar um elogio, constituído por não mais
de quatro versos heróicos, sobre a vida do defunto.
1518
Prop., IV, 7, v. 83 et seq ..
526
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1519
Cf. Corpus Jnscriptionum Latinarum, VI, 12652.
1520
Epitáfio do poeta Énio (Cic., Tusc., I, 17). Cf. com a última frase da Saudação de
Ângelo Poliziano ao apresentar, nesta edição, o De re aedificatoria a Lourenço de
Medieis.
1521
Hdt., VII, 228.
1522
A adopção do olho alado com o mote Quid tum mostra o fascínio de Alberti pela
escrita hieroglífica.
527
Livro Oitavo
1523
Cic., Tusc., V, 64-65.
1524
Equivalente a 8,86 m.
1525
Diod. Sic., I, 47, 5.
1526
O mesmo que o rei assírio Assurbanipal.
1527
Tarso é a capital da Cilícia e Anquíale uma cidade desta região da Ásia Menor. Strab.,
XIV, 5, 9.
528
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
CAPÍTULO V
1528
Tanto as cidades de Bolonha e de Florença, onde as suas torres aluíram devido a guer-
ras, catástrofes e renovações urbanas, bem como a de S. Giminiano, que conservou
catorze torres com diferentes alturas, exemplificam esta "doença da construção de tor-
res".
1529
À semelhança de Suetónio (Aug., 28, 4), que refere que Octaviano Augusto embelezou
de tal maneira Roma que se podia gabar de ter legado, para a posteridade, uma cidade
de mármore onde havia uma de tijolos.
1530
Heródoto (1, 181) refere-se a um zigurate, construção característica da arquitectura reli-
giosa assíria e babilónica citada na Bíblia como torre de Babel, e não a uma torre de
VIgia.
529
Livro Oitavo
vezes o seu diâmetro. A que se pretende que seja muito encorpada, se for
quadrangular, terá de largura não mais que um quarto da altura; se for
redonda, terá de altura três vezes o seu diâmetro. À espessura do muro darás
nada menos que quatro pés, se a torre tiver até quarenta côvados de altura;
se tiver até cinquenta côvados, nesse caso dar-lhe-ás cinco pés; e até sessenta
côvados, darás seis pés 1531 ; e a partir daí prossegue com igual proporção 1532 •
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Nas torres de vigia lisas e simples são obrigatórios estes princípios. Mas
há quem lhes tenha acrescentado a meio da altura um pórtico exterior com
colunas independentes do muro; e há quem tenha lançado um pórtico em
caracol à volta da torre; e há quem a tenha cingido toda com pórticos como
se fossem coroas 1533 ; e quem a revestisse toda de animais esculpidos. Nestes
1531
A que corresponde, respectivamente, 1,18 m até 17,73 m de altura; 1,48 m até 22,16 m,
e 1,78 m até 26,59 m.
1532
Isto é, a uma relação de um para quinze.
1533
À semelhança da Torre de Pisa que, no primeiro e no último piso, é ornamentada com
uma sucessão de pórticos cegos e, nos restantes, por pórticos abertos.
530
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
casos, a proporção das colunatas não se afastará das restantes obras públicas;
contudo, será lícito tender para o adelgaçado 1534 , por causa do peso da cons-
trução.
Mas quem quiser fazer uma torre segunsstma contra a violência das
intempéries e de aspecto muito agradável, há-de sobrepor às estruturas qua-
dradas estruturas redondas e, a seguir, quadradas às redondas 153 S, e há-de
diminuir progressivamente a obra, de modo que vá adelgaçando segundo a
proporção das colunas. Descreverei que é a que julgamos ser a mais conve-
niente.
1534
Ou com esbelteza, i.e. com uma figura alta e delgada que dilui, de forma aparente, o
peso real do edificado.
1535
Assim, a .variabilidade geométrica aumenta a resistência estrutural.
531
Livro Oitavo
1536
Analogia biológica utilizada para sugerir o crescimento orgânico e em altura de uma
torre.
1537
Ver Livro VII, cap. 5.
1538
As ilustrações de Bartoli sobre os edifícios em torre não seguem as proporções indica-
das no texto por Alberti.
532
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
CAPÍTULO VI
A seguir entraremos na cidade. Mas, visto que, não só dentro mas tam-
bém fora da cidade, há vias, como é o caso das que levam ao templo, à
basílica ou ao espectáculo, muito mais importantes do que podem ser por
sua própria natureza, por isso mesmo tratemos delas em primeiro lugar.
1539
Em rigor semiesférica.
1540
Pequena base de apoio colocada na ponta e sobre as extremidades laterais dos frontões
para suportar elementos ornamentais.
154 1
Faros era uma ilha do porto de Alexandria, no Egipto, onde estava situado o Farol, uma
das sete maravilhas do mundo antigo.
1542
Plin., Nat. , XXXVI, 83 ; Strab., XVII, I, 6-10 e Sol. 32, 43 et seq..
1543
À semelhança do que reporta Vitrúvio (1, 6, 4) sobre a torre de ventos em Atenas, feita
por Andronico de Cirro, que colocou no topo "um tritão de bronze estendendo com a
mão direita uma vara e engendrado de maneira a dar a volta com o vento, parando na
direcção da brisa e apresentando a vara como um ponteiro sobre a figura do vento a
soprar".
533
Livro Oitavo
1544
S.H.A., Heliogab. , 24, 6. O texto original apresenta Lacedemónia e não Macedónia.
O pórfiro verde ou pedra da Lacedemónia é actualmente designado por serpentina.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 707, n. 3.
1s4s Cidade situada no braço oriental do delta do Nilo, actualmente com o nome de Tel-
Basta (Hdt., II, 138).
1 46
s O pletro é uma medida de comprimento grega-egípcia equivalente a cerca de 35,8 m.
1 47
s Hdt., II, 138.
1548
Aristeu, VII, 105.
1 49
s Cidade-estado mais poderosa de Creta cuja autoridade se estendeu sobre toda a ilha.
Isso PI., Lg., I, 625b. O cipreste era uma árvore protegida pelos deuses e que expressava a
súplica divina.
155 1
Equivalente a 923,43 m.
Jss 2 Plut., Mar. , 46, 9 e Strab., V, 3, 11.
534
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
rio, pela qual podia ir a pé enxuto, desde o palácio real a outra casa situada
na outra margem do rio 1553 • Mas seja-nos permitido não acreditar em tudo o
que dizem os historiadores gregos.
Volto ao assunto. As portas serão ornamentadas do mesmo modo que os
arcos de triunfo, sobre os quais falaremos a seguir. O porto será ornamen-
tado por pórticos que se prolongam em volta sobre um basamento rústico,
de largas dimensões, e por um templo proeminente, frequentado e digno de
admiração, e diante do templo a amplidão de uma praça larga, e nas entra-
das colossos como aqueles que há um pouco por toda a parte em vários
lugares, mas sobretudo em Rodes 1554 e em <···>, onde dizem que Herodes 1555
mandou colocar três maiores que os de Rodes 1556 . Nos historiadores celebra-
-se o molhe do porto de Samos, que dizem que tinha de altura 20 órgias e
cerca de dois estádios de extensão pelo mar dentro 155 7 • Serão estes, portanto,
os ornamentos do porto, se forem feitos com arte e com gosto e com mate-
riais não vulgares.
E uma via dentro da cidade, além de que deve ser bem pavimentada e
limpíssima, será belissimamente ornamentada por pórticos de delineamentos
semelhantes e por casas de ambos os lados, alinhadas ao cordel e ao nível.
Mas, as partes da via que devem ser ornamentadas de forma extraordinária,
são as seguintes: a ponte, as praças, o fórum, o anfiteatro. Na verdade, o
fórum é uma praça mais ampla; e o anfiteatro não é mais que um fórum
rodeado de degraus.
Começarei, pois, pela ponte, visto que é uma parte essencial da via 1558 •
As partes da ponte são os pilares, os arcos e o pavimento. São ainda partes
da ponte o meio da via por onde circulam os animais de carga e, de ambos
os lados, os passeios por onde passam os cidadãos e nos bordos os parapei-
1553
Philostr. , V A., I, 25.
1554
Plin., Nat., XXXIV, 41.
1555
Rei da Judeia de 37 a 4 a. C ..
1556
Diodoro Sículo (XIII, 75, 1), como Homero (II. , II, 656), referem-se a três cidades na
ilha de Rodes - Lindo, Ieliso e Carneiro - mas não está claro a qual delas Alberti se
reporta.
1557
Hdt., III, 60. As medidas gregas de comprimento apresentavam relações relativamente
estáveis, baseadas nas proporções do corpo humano, mas variavam de dimensão de
acordo com a localização e a época. Assim, uma órgia correspondia a 6 pés e um está-
dio a 600 pés (cf. Hdt. , II, 149, 1), mas a dimensão do pé variava de 29,6 cm, para
o pé ático, até 33,3 cm para o pé de Egina (cf. Homblower-Spawforth, 1996, pp. 942-
-943). Consequentemente, a altura para o porto referido por Alberti pode variar de
35,6 m a 39,8 m, e o comprimento, de 355 ,2 m a 399,6 m.
1558
Ver Livro IV, cap. 6.
535
Livro Oitavo
Ponte coberta.
Faremos a ponte como fazemos uma via larga. Os pilares serão iguais
entre si, em número e dimensão. À sua espessura dar-se-á um terço do vão.
No prolongamento dos pilares serão construídas proas contra a força da
1559
Antinomia utilizada por Alberti, dado que "costumava contemplar com admiração" a
ponte de Adriano, apesar de se referir a esta com o termo cadaver que, no âmbito da
relação edificio-corpo, é entendido como esqueleto. É provável que esta alusão de
Alberti se relacione com o colapso daquela ponte em 1450. Cf. Caye - Choay, 2004,
p. 397, n. 69.
536
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1560
Nome vulgar de sílex, variedade de quartzo, de cor cinzenta ou castanha.
1561
A dimensão local e a global do edificado são reciprocamente confrontadas, para se
sublinhar a relação de contiguidade entre arquitectura e urbanística: assim como a casa
é uma pequena cidade, também a praça é um pequeno fórum (vide Livro I, cap. 9 e
Livro V, cap. 14).
537
Livro Oitavo
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Planta do fórum.
1562
Vitrúvio, V, I, I.
538
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
Alçado do f órum.
1563
Cf. o Hospital dos Inocentes de Brunelleschi em Florença.
539
Livro Oitavo
Além disso, construíram arcos na embocadura das vias, porque eles são
um grande ornamento não só do fórum mas também das praças. Com efeito,
o arco é uma espécie de porta sempre aberta. Eu julgo que o arco foi inven-
tado por aqueles que propagaram o império. Na verdade- diz Tácito- esses
mesmos, segundo um velho costume, ampliavam também o pomério. Foi
isso o que, segundo dizem, Cláudio fez. Por isso, aumentada a cidade, con-
sideravam que, por uma questão de utilidade, as antigas portas deviam ser
540
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
conservadas 1564 , entre vanos motivos , talvez também para que estivessem
mais protegidos, em situações adversas, contra a violência dos ataques dos
inimigos. Depois, uma vez que o arco se encontrava em lugar frequentadís-
simo, por essa razão expunham aí os despojos tomados ao inimigo e as
insígnias da vitória. A seguir começou-se a ornamentar o arco e a juntar-lhe
as inscrições, as estátuas e a história.
O lugar mais apto para se construir um arco será onde a via desembo-
car na praça ou no fórum ; e sobretudo a via real (assim designo a via que
dentro da cidade é de todas a mais importante). De facto, o arco terá, tal
como a ponte, três passagens: a do meio para os soldados; uma de cada lado
pelas quais as mães e os familiares acompanham o exército vencedor que
volta para saudar os deuses pátrios e com ovações aplaudem e festejam.
Quando edificares um arco, a linha da área que está no sentido da via terá
metade da linha que corta a via transversalmente da direita para a esquerda;
e o comprimento desta linha transversal não terá menos de 50 côvados 1565 •
Esta obra é muitíssimo semelhante às pontes; mas os arcos constam
apenas de quatro pilares, três aberturas, e não mais. Um oitavo da linha
mais curta da área, a que está no sentido da via, reserva-se para aquele lado
da área que está voltado para o fórum, e um oitavo também para o lado pos-
terior, de tal modo que esse oitavo seja ocupado pelos dados em que se
erguem as colunas dos arcos 1566 • Por sua vez, a outra linha da área, aquela
que é mais longa, isto é, a que intercepta transversalmente a via, será divi-
dida em oito módulos, dos quais dois serão atribuídos ao vão do meio, um
a cada um dos pilares, e também um a cada um dos vãos laterais. Os lados
dos pilares do meio, que são erguidos a prumo até sustentar o arco do vão
do meio, terão de altura dois módulos e um terço. A mesma proporção será
a dos lados que se devem erguer nos dois vãos laterais: serão ordenados em
relação aos seus espaços mediante uma dimensão idêntica.
Os vãos das passagens terão uma abóbada de berço. Os ornamentos que
se estendem na parte superior dos pilares por baixo do arco e da abóbada
imitarão um capitel dórico; mas, em lugar de taça e ábaco, terão cornijas
salientes de talha coríntia ou mesmo jónica; e sob a cornija, à maneira de
gargalo, terá uma faixa independente; a seguir, terá um colarinho e um
filete, que se acrescentam na extremidade superior das colunas. Estes orna-
1564
Tac. Ann., XII, 23 , 2. Neste caso, a expansão refere-se à conquista da Britânia.
1565
Equivalente a 22,16 m.
1566
Os arcos de Constantino e de Septímio Severo, em Roma, bem como o de Octaviano
Augusto, em Fano, apresentam uma organização compositiva semelhante.
541
Livro Oitavo
1567
No tratado De pictura (II, 53), Alberti afirma que cada pintor deve conceber a historia
a partir da literatura ou de lendas para compor as figuras humanas.
542
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
CAPÍTULO VII
Passo aos espectáculos. Conta-se que Epiménides 1569 , aquele que dormiu
durante cinquenta e sete anos num túmulo, como os Atenienses construíssem
o lugar dos jogos, invectivou os cidadãos dizendo: "Ignorais de quantas des-
graças há-de ser causa este lugar: quando o soubésseis, despedaçá-lo-íeis
com os dentes" 1570 • E não me atrevo a censurar os pontífices e os mestres
dos bons costumes se deliberadamente proibiram a prática dos espectáculos.
Louvam Moisés que instituiu que todo o seu povo se reunisse num só tem-
plo para as solenidades e que celebrassem entre si banquetes em ocasiões
estabelecidas. Que outra coisa direi eu que ele tinha em vista senão que pre-
tendia, com as assembleias e a comunhão dos cidadãos, suavizar os seus
ânimos e tomá-los mais receptivos à fruição da amizade. Assim, penso que
os nossos maiores instituíram os espectáculos nas cidades· não mais pela
festa e divertimento do que pela sua utilidade. E, de facto, se ponderarmos
atentamente a questão, ocorrem-nos muitos motivos por que uma e outra vez
se lamente que um costume tão nobre e útil tenha caído em desuso há tanto
tempo. Na verdade, tendo em conta que de entre os espectáculos uns estão
ordenados para os prazeres da paz e do ócio, outros para os propósitos da
guerra e da acção, em uns exercita-se e alimenta-se sem dúvida o vigor e
a força do engenho e da mente, em outros fomenta-se extraordinariamente a
1568
Equivalente a 66,48 cm.
1569
Poeta e profeta cretense do séc. VII a. C ..
1570
Diógenes Laércio (1, 109 e 114) refere-se a Muníquia em Atenas e à profecia de Epi-
ménides relativa ao desconhecimento dos seus habitantes sobre os malefícios que esta
colina lhes traria.
543
Livro Oitavo
1571
De acordo com São Jerónimo (Temporum liber, p. 57), Hércules foi o primeiro a ven-
cer uma luta livre.
1572
Habitantes do noroeste da Grécia, uma região entre a Tessália e o Golfo de Corinto.
1573
Possivelmente os descendentes de Epeus, o soldado grego que construiu o cavalo de
Tróia e participou na invasão da cidade (Verg. , A., II, 264). Cf. Rykwert et a/li, 1988,
p. 402, n. 105.
1574
Epíteto de Baco. Cf. Did. Sic., IV, 5.
1575
Na verdade, Lúcio Múmio, pretor e pró-consu1 romano (153-2 a. C.).
1576
Cf. Plin., Nat., XXXVI, 36.
1577
Tac., Ann., XIV, 21.
1578
Ov., Ars, I, 101-108.
544
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
Dizem, todavia, que foi Iolau, filho de Hípsicles, o primeiro que na ilha
da Sardenha, ao receber da parte de Hércules as Tespíades, colocou em
degraus os assentos construídos 1579 •
Mas, segundo um velho costume, a princípio os teatros faziam-se de
madeira. Aliás foi por esse motivo que criticaram Pompeio, por ter cons-
truído o lugar do espectáculo não, como antes, em degraus efémeros, mas
sim duradouros 1580 • Depois chegou a haver em Roma três teatros muito gran-
des e vários anfiteatros, entre outros, aquele que tinha lotação para mais
de duzentas mil pessoas, e o circo máximo 158 1, o maior de todos: todos
estes edificios eram notáveis pela sua pedra lavrada e pelas suas colunas de
mármore. Acrescente-se que, não contentes com isso, erigiram lugares de
espectáculo em mármore e vidro e com uma abundância incrível de estátuas.
O lugar de espectáculos com mais lotação até esse tempo, situado em Pia-
cenza, uma cidade da Gália Cisalpina, ardeu durante a guerra de Octa-
viano 1582 . Mas sobre isto, basta o que se disse até aqui.
De entre os espectáculos, uns têm como finalidade a cultura, outros a
utilidade. Os que estão ligados à cultura e dão prazer são a poesia, a música,
o teatro; os que têm como finalidade a actividade da guerra são a luta, o
pugilato, o cesto 1583 , os lançamentos, as corridas de carros, e outros treinos
de armas que Platão ordenava que se fizessem todos os anos, porque contri-
buem magnificamente para a salvação da República e glória da cidade 15 84 .
Para estes espectáculos requerem-se edificios diferentes. Com efeito,
uns são aqueles em que se representam os poetas cómicos, os trágicos e
outros, e a estes lugares chamaremos teatros devido à sua dignidade; outros
são aqueles em que a juventude bem-nascida se exercita em carros, bigas ou
quadrigas, e a este lugar chamar-se-á circo; outros, finalmente, nos quais se
fazem caçadas, estando os animais encerrados nesse espaço, a que se cha-
mará anfiteatro.
1579
Did. Sic., IV, 29, 1. O pai de lolau é, na verdade, Íficles (cf. Sol., 1, 61).
1580
O teatro de Pompeio, construído em 55 a. C. , foi o primeiro teatro não efémero de
Roma. Cf. Plut., Pomp., 42.
1581
O Circo Máximo foi iniciado com Tarquínio I (616 a. C.-579 a. C.) e concluído sob
Tarquínio II (578 a. C.-535 a. C.) com a capacidade máxima de 190 000 espectadores
(cf. Liv., VIII, 26; Suet., Jul. , 39 e Plin., Nat., VII, 21; XXXVI, 71).
1582
Tácito (Hist., II, 21) refere-se a este lugar para espectáculos como um "belíssimo anfi-
teatro, situado extramuros". Cf. trad. fr. de P. Wuilleumier- H. Le Bonniec, 1987-1992.
1583
Caestus é uma espécie de luva, usada pelos pugilistas, formada por uma correia
de couro guarnecida de bolas de chumbo ou de ferro e enrolada em volta das mãos e
braços.
1584
Pl. , Lg., VII, 796d et seq ..
545
Livro Oitavo
1585
Jsid., XV, 2, 33 .
1586
Cf. Flávio Biondo, 1531 , Roma e instauratae libri III, III, 21.
1587
Vitrúvio, V, 3, 2.
1588
No âmbito da relação edificio-corpo, é recomendado acondicionamento acústico com
tempos de reverberação adequados a uma boa audição.
1589
Se bem que apresente uma diferente terminologia, de origem helenística, o teatro
romano é plenamente descrito por Vitrúvio (V, 6, 1-9).
1590
Ou seja, a orquestra reservada para· os senadores e convidados ilustres.
546
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
a voz difusa seja contida e se tome mais sonora. Mas os teatros gregos eram
diferentes dos latinos, porque aqueles, fazendo os coros e os dançarinos
actuar na área central, necessitavam de um palco mais pequeno; os nossos,
porque representavam a peça no palco com todos os actores, por esse
motivo optaram por ter um palco mais amplo 159 1•
Todos coincidiram em começar por inscrever um semicírculo na área e
em prolongar as pontas do semicírculo; mas uns usaram linhas rectas, outros
curvas. Os que usavam linhas rectas prolongavam-nas mantendo-as equidis-
tantes entre si, até acrescentarem às pontas do semicírculo um quarto do seu
diâmetro. Por sua vez, os que usavam linhas curvas traçavam um círculo
completo e tiravam à circunferência completa do círculo a sua quarta parte;
portanto, destinavam ao teatro o que restava.
Planta do teatro.
1591
Cf. Vitrúvio, V, 7, 1-2.
547
Livro Oitavo
1592
Vitrúvio (V, 6, 3) refere-se à relação da altura para a largura dos degraus numa faixa
que varia de 1/2 para 2h
1593
A que em vernáculo correspondem, respectivamente, as dimensões dos espelhos e dos
cobertores dos degraus.
548
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
Alçado do teatro.
549
Livro Oitavo
1594
Equivalente a 2,65 m.
1595
À semelhança do Septizonium, um edifício em ruínas situado na parte sudoeste do
monte Palatino em Roma, em que a fachada se apresentava"· com três pisos porticados.
1596
Cf. Vitrúvio (V, 6, 9) e o Livro IX, cap. 4.
550
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1597
Referência a um entendimento analógico relativamente à sobreposição de ondas sono-
ras, já descrita de forma semelhante por Vitrúvio (V, 3, 6-7), bem como por Boécio
(Mus., I, 14).
1598
Cf. Vitrúvio, V, 3, 4.
1599
O toldo era apoiado por 240 cordas que confluíam radialmente para o seu interior e se
apoiavam no mesmo número de traves verticais de madeira adossadas, pelo exterior, à
parede superior do anfiteatro. Cf. Plin., Nat., XIX, 23.
551
Livro Oitavo
Mas este pórtico exigia muita técnica. Com efeito, para o sustentar só a
ele, construíam-se por baixo outras colunatas e outros pórticos que davam
para a parte exterior do teatro; nos teatros muito grandes faziam-se dois,
para evitar que, quando havia chuva tocada pelo vento e mau tempo, se
molhassem aqueles que passavam por esses pórticos. As aberturas e as colu-
natas desses primeiros pórticos construídos na parte inferior não eram como
aquelas que referimos em relação aos templos e às basílicas, mas de obra
sólida e de muro firmíssimo, com um traçado tirado dos arcos de triunfo.
Por isso, devemos falar primeiro desses pórticos de baixo, que se fazem para
sustentar os de cima.
A disposição das aberturas nestes pórticos é tal que, diante de cada
passagem que dá para a área central do teatro, seja colocada uma abertura.
É também necessário que estas aberturas sejam acompanhadas por outras em
séries determinadas. E é conveniente que as aberturas correspondam umas às
outras em altura, largura e em todos os delineamentos e ornamentos. Tam-
bém é preciso que ao longo de toda a extensão do mesmo pórtico a largura
seja igual ao vão da abertura entre os pilares. É ainda conveniente que esses
pilares murais tenham metade do vão na abertura. Todos estes aspectos
devem ser cuidadosamente tratados com toda a atenção e diligência. As
colunas não se aplicam como arcos de triunfo, salientes e isentas, mas ados-
sadas ao meio da frente dos pilares; sob as colunas colocam-se dados com
um sexto da altura da colunata. Seguem-se os restantes ornamentos como
nos templos. A altura, porém, incluindo todos os ornamentos das colunas e
da cornija, terá metade da linha de prumo dos degraus interiores.
Terá, portanto, duas séries de colunatas do lado de fora; a abóbada da
segunda colunata ficará ao nível do ponto mais alto dos degraus; por refe-
rência a essa altura será nivelado também o pavimento do pórtico que eu
disse que estava voltado para o interior da área central do teatro. O traçado
da área do teatro imita o vestígio deixado pela pata de um cavalo 1600 •
Concluídas essas estruturas, constrói-se por cima o pórtico superior.
A sua fachada e colunata não receberão a luz do exterior, como nos pórti-
cos, que acabámos de descrever, colocados por baixo dele, mas antes, como
anteriormente dissemos, estará voltado para a área central do teatro. Chama-
remos barreira de circunvalação 1601 a esta obra, uma vez que ela é feita para
que as vozes não se dispersem, mas pelo contrário se concentrem e sejam
devolvidas em estado de maior plenitude.
1600
A relação edificio-corpo é utilizada para propor o traçado da área do teatro.
1601
O termo circumvallatio, utilizado por Alberti, também designa a linha defensiva fortifi-
cada, utilizada para sitiar povoações encasteladas.
552
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
Secção do teatro.
553
Livro Oitavo
o
o
o
o
c.
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
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o
o
o
o
.
o
o
554
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
formada a partir das divisões dos músicos 1602 ; de acordo com as teorias des-
tes, mandava dispor ao longo do teatro vasos que ressoassem as vozes fim-
damentais, os médios, as vozes agudas e as consonâncias: coisa muito fácil
de dizer, mas quanto é dificil de por em prática, sabem-no aqueles que expe-
rimentaram 1603 . Não desprezaremos, contudo, o que aconselha Aristóteles:
quaisquer vasos, vazios, e também os poços contribuem para que a voz res-
soe 1604.
Volto ao pórtico da barreira de circunvalação. Este pórtico tem um
muro posterior compacto que fecha a barreira em toda a volta, para que as
vozes que aí chegam não se dispersem; na superficie exterior do teatro vol-
tada para quem entra aplicar-se-ão colunas como ornamento, correspondentes
em número, altura, alinhamento perpendicular e outros aspectos semelhantes,
às colunas inferiores que por baixo delas estão colocadas nas fachadas dos
pórticos.
Por aquilo que foi dito fica claro em que aspectos os grandes teatros
diferem dos mais pequenos. Com efeito, naqueles o pórtico exterior em
baixo é duplo, ao passo que nestes é simples; nestes, ainda, não se eleva na
obra senão um segundo pórtico exterior, naqueles acrescenta-se um terceiro.
Também se diferenciam no facto de, em alguns teatros pequenos, não se
usar o pórtico interior, construindo-se apenas uma barreira de circunvalação
com uma parede e comijas, de modo que aqui são as comijas que têm a
função de reforçar as vozes, função que nos grandes teatros cabe à barreira
de circunvalação e seu respectivo pórtico; enquanto, nos grandes teatros é
colocado um pórtico superior duplo.
Além disso, nos teatros, em vez de cobertura, revestem-se os pavimen-
tos a céu aberto e inclinam-se de tal modo que as pingas da chuva deslizem
para os degraus; mas as correntes das chuvas recolhidas através dos pátios
serão absorvidas entre os ângulos dos muros e levadas por canais ocultos
para cloacas invisíveis .. Em tomo da comija exterior mais alta ajustam-se
apoios e mútulos, nos quais, para embelezar os jogos públicos, sejam encai-
1602
Principalmente a partir do tetracórdio, i.e., da escala musical de quatro notas ligadas por
um intervalo de quarta perfeita. Ver Livro IX, cap. 5.
1603
Vitrúvio (1, I, 13; V, 4, 1; V, 5, 6) segue, para projectar os vasos acústicos, as regras
de Aristóxenes (c. 370 a. C.), um discípulo de Aristóteles que, ao contrário dos pitagó-
ricos, não se refere ao número mas à experiência auditiva. Cf. Caye-Choay, 2004,
p. 409, n. 95.
1604
Arist., [Pr.], XI, 8. Alberti não aceita as propriedades sonoras dos vasos acústicos suge-
ridos por Vitrúvio dado que não podem ser aferidas com fidedignidade .
555
Livro Oitavo
CAPÍTULO VIII
Sobre estes aspectos, ficamos por aqui. Falámos dos teatros; segue-se a
exposição sobre o circo e os anfiteatros. Todos os seus aspectos derivaram
dos teatros: de facto, o circo quase não é senão um teatro prolongado nos
flancos por linhas paralelas, mas por sua natureza não possui pórticos adja-
centes; o anfiteatro, por sua vez, consta de dois teatros unidos entre si, em
circunferência contínua, pelos flancos dos degraus. E diferenciam-se no facto
de o anfiteatro ter a área central desprovida de palcos e absolutamente
desimpedida. Assemelham-se, todavia, sobretudo nos degraus, e ainda no
pórtico, e nas passagens, e em outros aspectos do mesmo género.
Tenho para mim que o anfiteatro foi originariamente construído para as
caçadas e que por tal motivo os fizeram redondos, para uma fera aí encer-
rada e perseguida, não encontrando nenhum canto onde se pudesse refugiar,
mais facilmente fosse acossada pelos concorrentes. Atiravam-se lá para den-
tro aqueles que das formas mais extraordinárias combatiam com os animais
mais ferozes. Uns, com um salto e a ajuda de uma lança, elevando-se no ar
enganavam um touro que investia; outros, revestindo-se de uma armadura
feita de pontas de canas, expunham-se aos ursos para se defrontaram com
eles; outros, por dentro de uma jaula perfurada de muitas aberturas, provo-
cavam um leão esquivando-se com rápidas inflexões do corpo; outros desa-
fiavam-no, confiados numa capa e numa maça de ferro; finalmente, se um
1605
Como sucede no Coliseu de Roma. Cf. Plin., Nat., XIX, 23.
556
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1606
Referência aos doze signos do Zodíaco.
557
Livro Oitavo
1607
As dimensões sugeridas por Alberti para o Circo Máximo são, aproximadamente, de
555 m por 185 m mas, de acordo com Dionísio de Halicamasso (Antiquitates Romanae,
III, 68), que escreveu no ano 7 a. C., media o equivalente a cerca de 621 m por 118 m.
1608
Equivalente a 26,40 m.
1609
Equivalente a 177,6 cm.
1610
Ver Livro V, cap. 3 sobre outra referência aos jogos de bola.
1611
Ce/s., I, 2, 6.
558
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
.•
1612
Vitrúvio (V, 9, 5) refere como o ar "suavizado e rarefeito entre plantas", que circula nos
jardins dos pórticos do poscénio, favorece uma visão clara e nítida.
1613
A descrição dos parques corresponde à da palestra feita por Vitrúvio (V, 11 ), excepto no
que se refere aos espaços de apoio que este relata de acordo com a tradição helenística.
16 14
Este edifício era designado por Vitrúvio (VI, 7, 5) de xystos que, segundo a terminolo-
gia grega, é "um pórtico de ampla largura, no qual os atletas se exercitavam nos tem-
pos de Inverno".
1615
Vitrúvio, IV, 2, 1; 7, 5.
1616
Vitrúvio, V, 11 , 2.
16 17
Vitrúvio, V, 9, 2; 11, 1-2.
559
Livro Oitavo
des e deixavam entrar a luz na medida do possível. Por sua vez, ao pórtico
do parque do lado direito e também ao do lado esquerdo acrescentavam
outras salas protegidas dos ventos exteriores em toda a volta, de modo a que
recebessem do céu da área central o sol da manhã e o da tarde. Os delinea-
mentos destas salas eram variados. Com efeito, umas estendiam-se em hemi-
ciclo, outras em linhas rectas, e todas correspondiam, em proporções ade-
quadas, à área e ao pórtico.
A largura do total da obra tinha metade do comprimento. A largura divi-
dia-se em oito partes e davam-se à área central a céu aberto seis partes e
uma a cada pórtico. Quando estendiam a sala em hemiciclo, então o seu diâ-
metro tinha duas vezes a quinta parte da área a céu aberto. Mas o muro pos-
terior do pórtico dava acesso, através de aberturas, à próxima sala. A altura
desta sala em hemiciclo, nas grandes obras, era igual à largura; nas mais
pequenas nunca tinha menos do que cinco vezes a quarta parte da largura.
Sobre a cobertura do pórtico, junto da fachada do hemiciclo e da sala,
sobressaíam as aberturas das janelas, pelas quais entrava o sol no hemiciclo
e o espaço "era iluminado abundantemente. Se, porém, se juntavam salas rec-
tangulares, então eram duas vezes mais largas que o pórtico e ao compri-
mento dava-se também o dobro da largura. (Chamo aqui comprimento à
extensão que se prolonga paralelamente ao pórtico. Portanto, para quem
entra na sala, o seu comprimento prolonga-se da direita para a esquerda, se
ela estiver situada da direita para a esquerda, ... ) 161 8 •
Entre as obras públicas inclui-se também o pórtico judicial dos juízes
menores, que era construído como se segue. A sua amplidão dependia da
importância da cidade e do lugar, mas nunca era pequeno; ao pórtico esta-
vam ligados vários compartimentos contíguos em série, nos quais eram
resolvidas as demandas por decisão dos juízes sentados em tribunal.
Os edificios de que falei até aqui pareciam-me ser públicos no mais alto
grau, porque estes são frequentados livremente por plebeus e patrícios. Mas
há também alguns edificios públicos que não são acessíveis a não ser aos
cidadãos mais importantes e aos que gerem a vida do Estado, como é o caso
do comício, da cúria e do senado. É destes que nos propomos falar.
1618
Passo corrompido.
560
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
CAPÍTULO IX
Platão determinava que o comício se realizasse num templo. Em Roma
havia um lugar específico dedicado aos comícios. Em Ceráunia 1619 havia um
bosque frondoso consagrado a Júpiter onde os Aqueus se reuniam para deli-
berar acerca das questões do Estado. Muitas outras cidades tomavam delibe-
rações no fórum. Aos Romanos não era lícito reunir o senado senão em
lugar consagrado pelos áugures. Depois possuíram cúrias; Varrão dizia que
estas eram de dois tipos: uma onde os sacerdotes tratavam das coisas divi-
nas; outra onde o senado dirigia as humanas 1620 • Não sei ao certo o que é
específico de cada uma delas, mas podemos conjecturar que a primeira era
mais parecida com um templo e a segunda com uma basílica.
Por conseguinte, a cúria sacerdotal era em abóbada, a senatorial coberta
por travejamento. Em ambas, os conselheiros interpelados terão de usar da
palavra e, por isso, é necessário ter em conta as vozes. Por tal motivo, é
1619
Ceráunia é uma região montanhosa do Epiro, situada actualmente no sudoeste da
Albânia.
1620
Var. , L. , V, 155; VI, 46.
561
Livro Oitavo
necessano ter presente que não deve permitir que a voz se expanda dema-
siado para o alto, sobretudo na abóbada, para que não ressoe com muita
dureza ao ouvido. Por motivos de beleza e em primeiro lugar de utilidade,
aplicar-se-ão cornijas aos muros. Registei, a partir das obras dos Antigos,
que se fizeram cúrias quadrangulares 1621 •
1621
Referência à Curia Julia , a antiga sede do Senado romano, com planta quadrangular,
inau~urada em 29 a. C. e transformada em 630, no pontificado de Honório -I, na igreja
de Sant 'Adriano a! Foro .
1622
Dado que a tribuna tem uma flecha igual a um terço da corda, isso significa que a cúria
sacerdotal deve ser coberta por uma abóbada com arco abatido e não por uma abóbada
de berço, como se verifica na ilustração apresentada por Bartoli (1550).
562
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
563
Livro Oitavo
1623
Ver Livro VII, cap. 15.
564
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1624
App., Hist., XII, 5, 30.
1625
S.H.A ., Sev. , 24, 5-6. Alexandre Severo foi imperador romano de 222 a 235 d. C..
1626
Equivalente a 1,29 km de comprimento e a 8,86 m de profundidade.
1627
Trata-se de Gélon, tirano de Siracusa, e não de Zélon. Diodoro Sículo (XIll, 82, 5)
reporta a vitória de Gélon sobre os Cartagineses em Hímera, situada na província de
Agrigento na Sicília, em 400 a. C., tomando-se, a partir de então, senhor de toda a ilha.
1628
Tirano de Atenas no séc. VI a. C ..
1629
No primeiro saque de Atenas, durante invasão persa de 480 a. C .. Cf. Gel., VII, 17.
1630
General de Alexandre Magno, fundador da dinastia dos Slêucidas na Síria.
1631
Ao tempo de César (cf. Strab., Xlll, I, 54).
1632
Gordiano I e II foram imperadores de Roma por um mês em 238 d. C. e Gordiano III
de 238 a 244 d. C..
1633
Cidade da Frígia, situada na Ásia Menor.
1634
Deusa da justiça e da noite que desce sobre os mortais para os castigar da sua arro-
gância, nomeadamente da sua insolência em adivinhar o futuro tendo em conta factos
passados.
1635
Zêuxis de Tarento (c. séc. II a. C.), esculápio grego que comentou os trabalhos de
Hipócrates. Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 404, n. 152.
565
Livro Oitavo
1 6
63 App., Hist., VIII, 14, 95-96.
1637
O Mar de Mármara, situado entre o Helesponto e o Bósforo, era designado antigamente,
pelos Gregos, de Propôntida.
1638
Arquitecto ateniense que escreveu sobre as proporções dos templos sagrados e sobre o
arsenal que existiu no porto do Pireu (cf. Vitrúvio, VII, Pre., 12 e 17).
1639
Dionísio I foi tirano de Siracusa de 405 a 367 a. C. .
1640
Tanto Estrabão (VIII, 5, 2) declara que o porto de Giteu dista 240 estádios de Esparta,
como Pausânias (III, 21, 5) afirma que está à distância de 30 estádios de Augeias mas,
contudo, ambos são omissos quanto à dimensão daquele ancoradouro.
164 1
Posidónio de Apameia (c. 135-c. 51 a. C.), filósofo estóico grego que advogava o
método hipotético-dedutivo para a explicação causal do cosmos.
1642
Matemático e astrónomo de Samos que, de acordo com Vitrúvio (IX, 8, 1), "descobriu
o quadrante côncavo ou hemisférico, assim como o quadrante circular plano".
1643
Suet., Tib., 70, 2.
566
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
Parece-me que levei a cabo quase tudo aquilo que dizia respeito à orna-
mentação dos edifícios públicos. Falámos dos edifícios sagrados, falámos
dos profanos, falámos dos templos, do pórtico, das basílicas, dos monumen-
tos, das vias, do porto, das praças, do fórum, da ponte, do arco de triunfo,
dos espaços para as corridas, das cúrias, das salas de reunião, dos parques,
e outras obras do mesmo género, de tal modo que, além das termas, de nada
mais nos resta tratar.
CAPÍTULO X
1644
S. H. A., Heliogab., 30, 7.
1645
Este critério de localização teria de ser compatibilizado com a implantação de aque-
dutos, que tinham como principal finalidade, em meio urbano, abastecer as fontes
públicas.
1646
Ver Livro VII, cap. 4.
567
Livro Oitavo
átrio para norte, apresenta-se uma saída aberta e larga para uma área a céu
aberto. Do lado direito da área descoberta e também do lado esquerdo tem-
-se um pórtico muito espaçoso e ao pórtico juntam-se, do lado de trás, os
banhos frios .
• • • • • • • •
IJ
• • • • • • 11
• •
• •
• •
• •
Q
•
11 •
• a
• •
• a
• •
• •
• D
• •
• •
• • • • • ..
1647
Note-se que a planta das termas é descrita, verbis solis, de forma rigorosa, enquanto a
ilustração da planta do xystos se deve à interpretação de Bartoli (1550).
568
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
xisto 1648 , cercada de pórticos. Mas, de entre estes, o pórtico que se abre no
lado oposto à desembocadura da passagem tem por trás dele uma ampla
sala; por sua vez, o pórtico que pelo lado da frente recebe o sol meridiano,
tem igualmente os mesmos banhos a que chamámos frios; o pórtico tem
ainda, contíguo a si, um vestiário anexo à área grande descoberta 1649 ; o pór-
tico que está em frente a este, do lado oposto, tem por detrás os banhos
quentes, os quais devem receber o sol do lado sul, através das aberturas das
janelas. Em lugares apropriados, junto dos cantos dos pórticos do xisto, há
ainda vestíbulos mais pequenos, cómodos para quem entra e sai pela praça
exterior que circunda as áreas cobertas das termas. Tal, por conseguinte, é a
série dos elementos que se estenderá na extremidade direita do átrio; em
frente , na extremidade esquerda do átrio, voltada a poente, corresponderá
igualmente: uma passagem provida de celas iguais em grupos de três e ime-
1648
Ver Livro I, cap. 9 e Livro VIII, cap. 8.
1649
Área mencionada no parágrafo anterior.
569
Livro Oitavo
570
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos
1650
Equivalente a mais de 8761,6 m 2 • Esta descrição resulta da observação das ruínas das
termas imperiais, como as de Caracala (212-217 d. C.) que, ainda hoje, são utilizadas
como cenário para grandes eventos culturais. Cf. Rykwert et ai/i, 1988, p. 405, n. 162.
571
LIVRO NONO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS
PRIVADOS
CAPÍTULO I
C outros rústicos; e destes uns são usados pelos pobres e outros pelos
ricos. Trataremos da ornamentação de todos eles. Mas, antes de mais,
não omitiremos alguns aspectos que dizem respeito a esta matéria.
Entre os nossos antepassados, vejo que aos mais prudentes e sensatos
lhes agradou vivamente a sobriedade e a parcimónia, tanto nos restantes
aspectos, públicos e privados, como em especial na arte edificatória, e que
consideravam que todo o luxo devia ser banido do meio dos cidadãos e
reprimido; e detecto que, com todo o zelo e diligência, proveram a esta
matéria com advertências e leis. Por isso Platão aprova aqueles que sancio-
naram o que em outro lugar dissemos 1651 : que ninguém introduzisse pinturas
mais esplendorosas do que aquelas que houvesse no templo pintadas pelos
Antigos; e proibiu que o templo fosse ornamentado por outra pintura que
não fosse uma só que um pintor tivesse realizado num só dia 1652 ; e, da
mesma maneira, ordenava que fizessem as estátuas dos deuses apenas de
madeira ou de pedra e que deixassem o bronze e o ferro para uso da guerra
de que são instrumento. Demóstenes preferia os costumes dos antigos Ate-
nienses aos costumes do seu tempo: "Com efeito - diz ele - deixaram-nos
edificios públicos, e sobretudo templos, tantos e tão magníficos e ornamen-
tados que não restou nenhuma possibilidade de serem superados. Pelo con-
trário, construíram os edificios privados com tal sobriedade que mesmo as
1651
Ver Livro VII, cap. 1O.
1652
Platão (Lg., XII, 956b) refere que, para ornamentar os templos, nenhum tema é mais
adequado do que as aves e figuras análogas, que um pintor realiza num só dia. Ver
Livro VIII, cap. 2.
573
Livro Nono
casas dos homens mais ilustres não diferiam muito das casas dos cidadãos
mais humildes; por tal razão conseguiram, entre os mortais, vencer a inveja
com a glória." 1653 Mas nem sequer estes pareciam merecer o elogio dos
Lacedemónios 1654 se porventura tivessem ornamentado a cidade mais com a
obra do operário do que com a glória dos seus feitos; e que os que mere-
ciam ser louvados eram eles, que tinham ornado a cidade mais com a
virtude do que com a construção. Entre os Lacedemónios, uma lei de
Licurgo 1655 não permitia que as coberturas fossem trabalhadas senão com a
machada, e as portas senão com a serra 1656 • Agesilau 1657 , ao ver que na Ásia
as traves das casas eram quadradas, riu-se e perguntou se lá fariam as traves
redondas se elas tivessem nascido quadradas. E sem dúvida com razão: pois
considerava que, segundo a sobriedade dos seus antepassados, uma casa pri-
vada devia ser construída tendo em vista a necessidade e a utilidade e não a
beleza e o prazer. No tempo de César evitava-se, entre os Germanos, cons-
truir edifícios com muito apuro, sobretudo no campo, a fim de que daí não
surgisse entre os cidadãos motivo de discórdia, por cobiça da propriedade
alheia 1658 • Em Roma, Valério 1659 , tendo uma casa altíssima no Esquilino, dei-
tou-a abaixo para evitar a inveja e edificou-a em plano raso 1660 •
Portanto, esta sobriedade foi seguida por aquela boa geração, pública
e privadamente, enquanto os bons costumes o permitiram. Depois, com o
crescimento do império cresceu tanto o luxo em quase todos, excepto em
Octaviano - de facto, sentia-se molestado por uma edificação demasiado
sumptuosa; e foi ao ponto de até mandar destruir uma casa de campo cons-
truída com demasiada profusão 166 1 - cresceu tanto, repito, o luxo na cidade,
1653
Demóstenes, III. a Olíntíca, 25-26. Nestas peças de oratória Demóstenes pronunciou-se
contra Filipe II da Macedónia a propósito das ameaças contra Olíntia, cidade da Calcí-
dica, que pretendia aproximar-se de Atenas.
1654
Antiga designação grega para os Espartanos, usada por Homero.
1655
Licurgo (c. 390-c. 325 a. C.), legislador e governante de Esparta.
1656
A frugalidade dos instrumentos de trabalho acompanha a moderação no ornamento. Cf.
Plut., Lyc. , 13, 3.
1657
Agelisau (c. 444-360 a. C.), rei de Esparta desde 399 a. C .. Cf. Plut., Mor. , III, 16, 210
e; Lyc., 13, 5.
1658
O que César (Gal., VI, 22) refere é que os Germanos, devido ao seu nomadismo, evi-
tam "que tenham demasiado cuidados na construção das casas para se protegerem do
frio" (cf. trad. esp. de V. G. Yebra - H. E. Sobrinho, 1996).
1659
Públio Valério Publícola foi cônsul em 509-507 e em 504 a. C ..
1660
Plut., Publ., X, 3-6. A casa está situada na colina Vélia do Palatino e não no Esquilino
(cf. Cic., Rep., II, 53 ; Liv., II, 7; Portoghesi, 1966, p. 780, n. 5).
1661
Suetónio (Aug., LXXII, 3) relata que Octaviano Augusto mandou demolir várias casas
de campo luxuosas mandadas construir pela sua neta Júlia.
574
O Ornamento de Edificios Privados
que entre os demais houve alguém da família dos Gordianos que construiu
uma casa na via Prenestina, com duzentas colunas com o mesmo fuste e
igual tamanho, cinquenta das quais recorda que eram mumídicas, cinquenta
claudianas, cinquenta simíades, cinquenta tisteias 1662 • E que dizer em relação
àquilo que Lucrécio menciona?
Pela casa havia estátuas de ouro
Que na mão direita seguravam tochas acesas
Para darem luz aos banquetes nocturnos 1663 •
A que propósito vem tudo isto? A fim de que, com o exemplo deles, eu
fundamente aquilo mesmo que em outro lugar dissemos: que agrade aquilo
que é à medida da dignidade de cada um 1664 • E se me ouvires, prefiro que,
nos edificios privados, aos mais ricos falte alguma coisa que contribua para
o ornamento, a que os mais pobres e mais poupados critiquem o luxo dos
ricos em algum aspecto. Todavia, uma vez que todos estamos de acordo em
que devemos deixar aos vindouros fama de sabedoria e poder - por tal
motivo, como dizia Tucídides 1665 , construímos em grande para podermos
parecer grandes aos vindouros -; uma vez que ornamentamos as nossas
casas não menos para dignificar a pátria e a nossa família do que a nossa
magnificência - quem negará que esse é o dever de um homem bom? -,
agradará, sem dúvida, aquele que quiser que tenham o maior esplendor as
partes que sejam maximamente públicas, ou as que hão-de, antes de mais,
obsequiar os hóspedes: como é o caso da fachada do edificio, do vestíbulo
e de outros elementos do mesmo género. E, embora declarando que devem
ser censurados aqueles que excedem os limites, considero, todavia, dignos
de maior censura aqueles que edificarem com tão grandes gastos que as suas
obras não possam ser ornamentadas, do que aqueles que ambicionarem um
ornamento com um pouco mais de despesa.
Mas eu assim determino: quem quiser advertir correctamente no verda-
deiro e certo ornamento dos edificios há-de entender, sem dúvida alguma,
que ele não se obtém nem depende das riquezas que se gastam, mas sobre-
tudo da riqueza do engenho. Segundo creio, quem for sensato não há-de
1662
S.H. A., Gor. , 32, 2. As ruínas desta casa são conhecidas actualmente como Vil/a dei Tre
Imperatori.
1663
Lucr. , II, 24-26.
1664
O sentido de proporcionalidade e de conveniência fundamenta a dignidade na arte edi-
ficatória. Ver Livro V, cap. 14.
1665
Thuc. , I, 10, 2.
575
Livro Nono
querer ser notoriamente diferente dos outros no arranjo das suas casas priva-
das; e tomará cuidado para não provocar, com a pompa e a ostentação, a
inveja de ninguém. Quem for prudente, há-de querer, pelo contrário, não ser
superado por ninguém no que respeita à diligência do construtor e aos méri-
tos do seu discernimento e da sua sagacidade; pelo que, há-de ser extraordi-
nariamente bem comprovada a partição, toda ela, e a concordância dos deli-
neamentos, que são o principal e o primeiro género de ornamentação. Mas
volto ao assunto.
A residência do rei e a daquele que, numa cidade livre, for senador,
pretoriano ou consular, será de todas a primeira que deves desejar que seja
a mais imponente. Dissemos acima como é que nestas residências, na parte
mais conveniente, será ornamentado aquilo que é público. Para já, porém,
comecemos a fazer compor os ornatos que se destinam apenas ao uso pri-
vado. Gostaria que o vestíbulo se apresentasse, de acordo com a dignidade
de cada um, com a maior majestade e esplendor. Seguir-se-á um pórtico
muito bem iluminado; e não faltarão espaços magníficos. Enfim, da imitação
dos edifícios públicos, tomarão tudo o resto que, tanto quanto a situação o
permita, possa contribuir para o seu esplendor e nobreza; usando de uma tal
sobriedade de elementos que evidencie ter preferido de longe agarrar a
beleza a ir atrás de qualquer ostentação. Por tal motivo, assim como no livro
anterior, em relação aos edificios públicos, os profanos cederam aos sagra-
dos o primeiro lugar em dignidade, tanto quanto foi justo, assim também
neste livro os privados facilmente se deixarão vencer pelos públicos em todo
o tipo de requinte e abundância de ornamentos. Não se admitam portas de
bronze ou de marfim, coisa que se contava entre as acusações feitas a Car-
vílio 1666 ; não hão-de resplandecer os caixotões do tecto com muito ouro e
vidro; não hão-de brilhar todas as coisas com mármore do Himeto 1667 e de
Paros 1668 : pois tudo isso é próprio dos templos; mas usará com requinte das
coisas modestas e com moderação das coisas requintadas 1669 • Contentar-se-á
com o cipreste, o lárice, o buxo. Rebocará com molduras de estuque e
1666
Carvílio, que foi cônsul em 293 e 272 a. C., é que acusou o ditador Camilo de ter por-
tas de bronze na sua casa, o que contribuiu para o seu exílio em 380 a. C .. Cf. Plin.,
Nat., XXXIV, 13.
1667
Colina situada a Este de Atenas, conhecida pela extracção de mármore branco.
1668
Ilha das Cíclades reconhecida pela pureza do mármore branco.
1669
Ao advogar o requinte das coisas modestas e a moderação das coisas requintadas,
Alberti assume o princípio da masserizia.
576
O Ornamento de Ediflcios Privados
revestirá com afrescos muito simples. Fará as comijas com pedra de luna 1670
ou antes de Tivoli 1671 •
Não abdicará, todavia, nem proscreverá inteiramente os elementos mais
belos, mas dispô-los-á nos lugares mais dignos, quais jóias numa coroa, com
toda a parcimónia. Mas se nos agradar definir toda a questão, em poucas
palavras, assim ordenarei: é necessário que os edifícios sagrados sejam
arranjados de tal forma que nada mais se possa acrescentar à sua majestade
nem à admiração da sua beleza; por sua vez, os edifícios privados devem
ser de tal forma que nada se lhes possa tirar que esteja estreitamente unido
à sua exímia dignidade. Aos restantes edifícios, como é o caso dos edificios
públicos profanos, penso que se deve reservar um lugar ao meio entre
ambos.
Por conseguinte, nos ornamentos privados conter-se-á com grande aus-
teridade; no entanto, na maior parte dos edificios usará de uma certa liber-
dade. Com efeito, se uma coluna for mais fina em todo o fuste ou um pouco
mais inchada no bojo 1672 , ou mais adelgaçada no estreitamento do que per-
mite a norma exacta dos edificios públicos, não se há-de considerar defeito
nem se desaprovará contanto que isso nada tenha de tosco ou disforme.
Mais ainda, aquilo que não é permitido nos edificios públicos, isto é, que se
aparte da austeridade e da lei, cuidadosamente deliberada, dos delineamen-
tos, isso mesmo contribui às vezes para tomar agradável os edifícios priva-
dos. E como caía belissimamente aquilo que os mais engenhosos costuma-
vam fazer nas portas das salas de banquete, adossando de ambos os lados
enormes estátuas de escravos, que sustentavam o lintel sobre a cabeça 1673 , e
pondo nos pórticos colunas, que ora reproduziam troncos de árvores com os
nós aparados ou feixes amarrados com uma tira de couro, ora helicoidais,
em forma de palmeira e com ramagens em relevo e cobertas de pássaros e
de <···> 1674 , ora ainda, quando pretendiam que a obra fosse muito robusta,
colocando uma coluna quadrada junto da qual sobressaía meia coluna
redonda de um lado e outra meia do outro 1675 ; além disso, pondo-lhes em
cima, em vez de capitéis, cestos cheios de cachos e frutos pendentes, ou
1670
A pedra de Luna, extraída junto à antiga cidade e porto de Luna na Etrúria, é um már-
more branco de qualidade, conhecido como mármore de Carrara.
167 1
Travertino que se extrai próximo de Tivoli.
1672
Ou barriga (venter).
1673
As cariátides ou os atlantes conforme o género.
1674
Na editio princeps regista-se rivulus que significa canal, riacho ou fio de água.
1675
Este género de coluna, embora apresente muitos precedentes clássicos, era mais comum
na arquitectura bizantina e preto-renascentista do que na greco-romana. Cf. Rykwert et
a/ii, 1988, p. 406, n. 19.
577
Livro Nono
CAPÍTULO II
Mas, como as residências privadas são umas urbanas e outras não urba-
nas, consideremos qual é o ornamento que condiz com cada uma delas.
Entre as casas urbanas e uma casa de campo, além do que já dissemos nos
livros anteriores 1678 , há ainda estas diferenças: os ornamentos das urbanas
devem, em comparação com as outras, ter um sabor a austeridade, ao passo
que às casas de campo se concedem todos os atractivos da festa e da ame-
nidade. Outra diferença é que nas residências urbanas é inevitável, por
1676
O termo artifex é usado tanto para designar o autor do projecto (Livro IX, cap. 5),
como para referir os artífices (Livro IV, cap. 1) como, por vezes, para designar o encar-
regado da execução da obra (Livro X, cap. 7).
1677
Esta licenciosidade, que anuncia a arquitectura pós-renascentista, está presente em Fran-
cisco de Holanda (1955, pp. 69-71) nos Diálogos de Roma, onde atribui a Miguel
Ângelo o comentário: "[ .. .] os poetas e os pintores têm poder para ousarem, digo ousa-
rem o que lhes aprouver [.. .]. E daqui tomou licença o insaciável desejo humano a lhe
aborrecer alguma vez mais um edificio com suas colunas e janelas e portas que outro
fingido de falso grotesco, que as colunas tem feitas de crianças que saem por gomos de
flores , com os arquitraves e fastígios de ramos de murta, e as portadas de canas e dou-
tras coisas, que muito parecem impossíveis e fora de razão, o que tudo até é mui
grande, se é feito de quem o entende".
1678
Ver Livro V, caps. 14 e 18.
578
O Ornamento de Edificios Privados
1679
Trata-se de uma situação semelhante ao que sucedeu com o palácio Rucellai, em Flo-
rença, que agrupa uma série de pequenos edifícios existentes mas que, face às dificul-
dades na aquisição de uma propriedade vizinha por Giovanni Rucellai , acabou por
resultar numa obra inacabada para a qual chegaram a estar previstos catorze módulos na
fachada, dos quais apenas foram concluídos cinco. Somente dois séculos depois é que
foram acrescentados mais dois módulos, ficando aquela fachada incompleta até aos dias
de hoje. Cf. Tavemor, 1998, pp. 95-96.
1680
Segundo a legislação, a espessura máxima seria de um pé e meio (44,4 cm) para supor-
tar a carga de um piso. Cf. Vitrúvio, II, 8, 17.
168 1
De acordo com Estrabão (V, 3, 7), a altura dos muros foi limitada por Octaviano
Augusto a 70 pés (20,68 m) como medida preventiva para que não caíssem para a via
pública, enquanto Aurélio Victor (1911, 13) informa que Trajano, devido às cheias do
Tibre e aos terramotos, a reduziu para 60 pés ( 17,73 m).
1682
Heródoto (1, 180, 3) somente relata que "A cidade propriamente dita compõe-se de um
sem número de casas de três e quatro andares, separadas por vias rectilíneas, tanto as
transversais que conduzem ao rio como as outras" (cf. trad. de J. R. Ferreira, 2002).
1683
Élio Aristides (117-189 d. C.; VIII, 6), orador grego cuja obra mais conhecida é o
Encomium Romae.
1684
Strab., XVI, 2, 23.
579
Livro Nono
perturbador dos edifícios 1685 . Vejo que os Antigos chamaram muito a atenção
para o atravancamento que elas provocam. Mas, na casa de campo, nenhuma
necessidade obriga a sobrepor edifícios uns aos outros. Com efeito, numa
extensão de terreno mais ampla, disporá de espaços perfeitamente adequados
para que os edifícios se sucedam uns aos outros ao mesmo nível; isso
mesmo me agradará muito nas cidades, contanto que seja possível.
Há ainda um género de edifício privado que requer ao mesmo tempo a
dignidade das residências urbanas e o apraz'ível da casa de campo; nos livros
anteriores passámos adiante deste aspecto, deixando-o para este lugar. São
eles as quintas urbanas 1686 , que eu considero não deverem desmerecer a
nossa atenção. Contribuirá para a brevidade, que é a minha grande preo-
cupação, explicarmos em conjunto o que é que convém a cada um destes
géneros. Mas antes de mais devo deter-me a referir alguns aspectos acerca
dessa mesma quinta.
As máximas dos Antigos: "Quem adquiriu um campo, venda a casa
da cidade", "Quem tem no coração a vida da cidade, não precisa da do
campo", talvez pretendam afirmar que a casa de campo tem mais vantagens.
Gozemos - dizem os médicos - do ar mais livre e puro que puder ser. Isto
será proporcionado - não o nego - por uma casa de campo situada num
ermo em lugar elevado. Por outro lado as obrigações dos compromissos
urbanos e cívicos solicitam o pai de família a estar presente com muita fre-
quência no fórum, na cúria ou nos templos. Será a casa da cidade a propor-
cionar-te a possibilidade de o conseguires muito facilmente. Mas aquela é
inimiga dos negócios, esta da saúde 1687 • Os generais costumam deslocar os
acampamentos, para evitar que os maus cheiros sejam gravemente preju-
1685
Esta questão será resolvida no âmbito da cultura arquitectónica barroca, que tira partido
dos meios de circulação para a composição espacial do edificado.
1686
Referência a hortus que significa, literalmente, horto ou jardim e, por metonímia, casa
com jardim, a que corresponde, neste caso, o termo quinta urbana, com o sentido de
uma propriedade urbana com casa de habitação e com alguma forma de produção agrí-
cola. Plínio-o-Antigo (Nat., XIX, 4, 50) relata que, nas Leis das XII Tábuas, hortus era
usado para referir casa de campo (vi/la) : "Na Lei das XII Tábuas nunca se emprega a
palavra vi/la, mas com esse significado aparece sempre a palavra hortus, e em vez de
hortus diz-se heredium" (trad. de F. Carrilho, 2008). Posteriormente, Tatti (1561, p. 79)
informa que "Lo horto, o nelle città, o nelle ville e grandemente necessario, cosi a com-
modo delle cose a mangiare, come anco a diletto et a utilità à della vita nostra", o que
sugere que, no séc. XVI, aquele termo não se limita à propriedade rural, mas também
é extensível à urbana, à semelhança do que propõe Alberti.
1687
As questões de salubridade e higiene da casa de campo são abordados na obra I libri
de/la famiglia (IIl, pp. 198 et seq.).
580
O Ornamento de Edificios Privados
diciais. Que pensas tu que há-de suceder com uma cidade em que tanta
acumulação de lixo, conservada durante tanto tempo, há-de exalar os seus
vapores em todas e de todas as direcções? Sendo assim, sustento que de
todas as construções que se fazem tendo em mira a comodidade, a principal
e a mais saudável é a quinta urbana, que nem impede a participação nos
assuntos da cidade nem deixa de estar resguardada da impureza do ar.
Procurava Cícero que Ático 1688 lhe adquirisse quintas em lugar frequen-
tado. Mas eu não as quero tão frequentadas que nunca me seja permitido
estar diante da entrada sem toga. Gostaria que estivesse garantida aquela
comodidade que em Terêncio <··-> dizia gozar:
"Que eu não me enfade nem da casa de campo nem da cidade" 1689 •
E com muita graça em Marcial:
"A quem me perguntar que faço eu morando no campo
responderei em poucas palavras:
Janto, bebo, canto, jogo, tomo banho, ceio, descanso,
Depois leio, invoco Apolo e fatigo a Musa." 1690
1688
Cic., Att., XII, 23, 3.
1689
Alberti atribui a Terêncio um verso (Ne ulla me aut villae aut urbis sacietas teneat -
"Que eu não me enfade nem da casa de campo nem da cidade"), que não corresponde
ao verso 472 da comédia Eunuchus deste autor (neque agri neque urbis odium me
umquam percipit- "nunca me aborreço nem do campo nem da cidade" (trad. de A. P.
Couto, 1996).
1690
Anthologia latina, sive Poesis latinae supplementum, ed. Bücheler-Riese, I, I, Leipzig:
Teubner, p. 98, n. 26, v. I, 7 e 4. Neste caso, "o epigrama é erroneamente atribuído a
0
581
Livro Nono
nas e tudo o mats que em outro lugar dissemos ser próprio das casas de
campo 169 1.
Além disso, será muito do meu gosto que toda a fachada e o conjunto
das construções, o que em qualquer edificio contribui para a beleza, sejam
luminosos e bem visíveis de todos os lados. Receba de um céu limpidíssimo
muita luz, muito sol, muita brisa salutar. Em nenhum sítio quero que se veja
alguma coisa que, com a sua imagem desagradável, seja chocante. Tudo sor-
ria e se congratule com a chegada do hóspede. Quem entra em casa fique na
dúvida se, para prazer do espírito, quer ficar onde está ou prosseguir para
outras partes que o atraem com o seu encanto e esplendor. Das áreas rec-
tangulares passe-se às redondas, das redondas de novo às angulares, e destas
a outras que não são totalmente redondas nem são limitadas por linhas
totalmente rectas 1692 . E quando te dirigires para o seio mais íntimo da casa,
não haverá lugar onde seja necessário descer degraus; pelo contrário, até ao
mais recôndito compartimento chega-se por um acesso ao nível do solo ou a
um pequeno desnível.
CAPÍTULO III
Mas como as partes dos edificios são muito diferentes entre si, por
natureza e na aparência, penso que devo tratar de tudo aquilo que noutro
lugar deixámos de lado reservando-o para este. Há partes que se fazem ou
redondas ou rectangulares: contanto que correspondam convenientemente ao
seu uso, pouco importa; mas importa muito quais são as suas dimensões e
em que lugares se devem dispor. É necessário que umas sejam maiores,
como é o caso do seio da casa 1693 ; outras necessitam de uma área menor,
como é o caso do quarto e todos os compartimentos interiores; outras são
médias, como é o caso da sala de jantar e do vestíbulo. Já em outro lugar
dissemos qual é o sítio adequado que cada membro deve ocupar numa
169 1
Ver Livro V, cap. 17.
1692
À semelhança de Le Corbusier no séc. XX, Alberti sugere, para uma efectiva apropria-
ção da casa pelos seus utentes, sequências espaciais divers ificadas .
1693
No Livro V, cap. 17, Alberti, ao aplicar às partes do edifício as designações dos órgãos
do corpo humano, esclarece o que entende por "seio da casa": "De todas as partes a
mais importante é aquela que se julga poder chamar-se pátio ou átrio e a que nós cha-
maremos 'o seio da casa'".
582
O Ornamento de Edificios Privados
casa 1694 • Não há razão para me referir às áreas e ao modo como diferem
entre si; com efeito, muitas variam em função da vontade de cada um e das
diversas condições dos lugares onde se vive.
Os Antigos juntavam às suas casas um pórtico ou uma sala de reuniões,
ambos nem sempre com linhas rectas mas encurvadas à maneira do tea-
tro 1695 . Ao pórtico acrescentavam, quase todos, um vestíbulo redondo. Daí
havia uma passagem para o seio da casa e mais aquilo que em seu lugar
dissemos. Se prosseguir falando dos seus delineamentos, serei demasiado
prolixo. São estes, porém, os aspectos que vêm a propósito.
Se a área for redonda, terá as dimensões dos delineamentos dos tem-
plos; com uma pequena diferença: a altura dos muros deve ser aqui mais
elevada do que nos templos; a seguir verás porque é assim. Se for rectangu-
lar, nesse caso haverá aspectos em que é diferente daquilo que dissemos em
relação aos edificios sagrados e aos profanos; no entanto, terá alguns em
comum com o senado e com a cúria. Segundo um velho costume corrente
entre os Antigos, o átrio ou terá de largura dois terços do comprimento, ou
o próprio comprimento terá cinco terços da largura, ou ainda sete quintos da
largura. Em qualquer dos casos parece que os Antigos determinaram elevar
o muro a uma altura tal que tivesse quatro terços do comprimento da
área 1696 • Nós, a partir das dimensões das suas obras, detectámos que as áreas
quadrangulares requeriam no muro uma altura quando se fazia uma abóbada,
outra quando se usava o entablamento. De igual modo se deve proceder de
uma forma nos grandes edificios, de outra nos pequenos. De facto, não é
igual, em ambos os casos, a proporção dos intervalos, desde o ponto central
do raio de quem olha até às alturas mais altas que se vêem 1697 . Mas disso
falámos em outro lugar 1698 •
1694
Ver Livro V, cap. 17.
1695
Prenúncio das soluções que serão encontradas na cultura arquitectónica europeia, carac-
terizada por linhas e superfícies curvas, bem como pelas suas transformações.
1696
As proporções de 2/3 e 3/5 , para as relações entre a largura e o comprimento dos
átrios, já se encontram em Vitrúvio (VI, 3, 3).
1697
O tratado de Vitrúvio (III, 5, 9; VI, 3, 5) revela uma consciência, explicitada por "uma
constante proporcional de grandeza", de que as proporções são afectadas pela escala do
edificado, a fim de se introduzir um sistema de compensações ópticas, para obras colos-
sais ou que se encontrem em lugares muito altos, à semelhança do que sugere Alberti.
1698
Ver De/la pittura, I, 7: "Qui soglio io appresso ad i miei amici dare simile regola:
quanto a vedere piu razzi occupi, tanto ti pare quel che si vede maggiore, e quanto
meno razzi, tanto minore. E questi razzi estrinsici cosi circuendo la superfície che I'uno
tocchi l'altro, chiuggono tutta la superfície quasi come vertici ad una gabbia, e fanno
quanto si dice quella pirramide visiva [...]".
583
Livro Nono
584
O Ornamento de Edificios Privados
área forem de cinco para sete, ou de três para cinco, e outras semelhan-
tes 1699 , relações requeridas pelas imposições do lugar, ou pela variação do
projecto, ou pela natureza dos ornamento, então somar-se-ão ambas as linhas
e dar-se-á um meio à altura 1700 •
Não omitirei aqui o seguinte: em nenhuma parte se devem fazer átrios
tão compridos que tenham o dobro da largura; nunca os aposentos tão com-
pridos que tenham de largura menos um terço que de comprimento. No
entanto, nos pórticos o comprimento deve ter o triplo, o quádruplo e outras
dimensões mais longas, mas que não excedem o sêxtuplo da largura.
No muro haverá as aberturas das janelas e as das portas. Se se abrir
uma janela no muro da largura, a qual é naturalmente mais curta do que o
comprimento da área, então far-se-á apenas uma. Mas será colocada de tal
modo que nela a linha da largura seja mais curta do que a linha da altura,
ou, inversamente, a sua largura seja mais ampla do que a altura, que é um
género de janela que se diz "deitada" 170 1• Se, portanto, a largura for, como
nas portas, mais reduzida 1702 , então farás com que o vão da abertura seja, na
horizontal, uma parte do total do muro interior, nem mais do que um terço,
nem menos do que um quarto. E a linha inferior da abertura estará à dis-
tância do pavimento não mais do que quatro nonos do total da altura, nem
menos do que dois nonos. O comprimento da abertura terá três meios de lar-
gura. Portanto, assim se fará, se na abertura a linha da largura for mais curta
do que a da altura. Se, porém, a abertura for mais comprida na horizontal e
mais curta na vertical, então darás à amplitude da abertura nem menos do
que metade nem mais do que dois terços do total da linha do muro. A altura
far-se-á de modo semelhante, ocupando ou metade ou dois terços da largura.
Mas hão-de intercalar-se dois colunelos para sustentar o lintel 1703 •
1699
March ( 1996, pp. 61-62) sugere que Alberti utiliza, nas suas obras construídas, conver-
gências racionais para representar quantidades incomensuráveis, como sucede com a
relação 7:5, que é uma aproximação de vT:T, cuja relação é geradora da série de núme-
ros ad quadratum . Com efeito, dado que 7 2 = 49 é aproximadamente proporcional a
52 = 25 na relação de 2: l , consequentemente 7:5 é uma aproximação de v'2:T.
1700
Estas proporções são descritas por numerais romanos e não árabes. Ver Livro IX, cap. 6.
1701
Ou janela jacente.
1702
Trata-se, neste caso, de uma janela vertical.
1703
A medalha comemorativa do templo Malatestiano em Rimini, datada de 1450, atribuída
a Matteo de 'Pasti, mostra, numa das faces , a fachada deste templo com uma janela tri-
pla, em conformidade com a descrição de Alberti, com três vãos separados por dois
colunelos ou mainéis. Cf. Tavemor, 1998, p. 58. Cf. Portoghesi, 1966, pp. 800-l , n. l .
585
Livro Nono
CAPÍTULO IV
Além disso não devem ser esquecidos alguns ornamentos que podes
aplicar aos edifícios privados. Os Antigos representavam nos pavimentos do
pórtico labirintos rectangulares ou redondos, onde as crianças se exercita-
vam 1706 • Vimos também em alguns pátios representada uma erva serpeante,
com vergônteas ondulantes espalhadas em toda a volta; também se vê quem
tenha representado em mosaico de mármore tapetes estendidos no chão dos
quartos; outros espalharam grinaldas e festões. Louvaram a invenção do
famoso Oso, que fez um pavimento em Pérgamo onde surgiam as sobras de
um banquete: obra, ó deuses, de nenhum modo despropositada num cená-
culo 1707 • Sou de opinião que procedeu muito bem Agripa 1708 , que revestiu
pavimentos com cacos de barro 1709 •
1704
Ver Livro VII, cap. 7.
1705
Ver Livro VII, cap. 9.
1706
Plin., Nat. , XXXVI, 84.
1707
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 60) refere-se a Soso e não a Oso.
1708
Vipsânio Agripa (c. 64- 12 a. C.), genro de Octaviano Augusto e construtor do primeiro
Panteão em Roma, em 27-25 a. C., durante o seu terceiro consulado.
1709
Plin., Nat., XXXVI, 189.
586
O Ornamento de Edificios Privados
1710
O patrono da obra não foi Tito Flávio Vespasiano mas o seu irmão Domiciano, impera-
dor de 81 a 96 d. C., que revestiu as colunas com pedra fengítica, um tipo de alabas-
tro fosforescente proveniente da Capadócia e não da Fenícia. Cf. Suet., Dom., 14, 4;
Portoghesi, 1966, p. 802, n. 3.
1711
Antonino Caracala: imperador de 211 a 217 d. C ..
1712
S.H.A., M. Ant., 9, 6.
17 13
S.H.A., Sev. , 25, 6.
17 14
Agátocles: tirano da Sicília após a morte de Alexandre Magno. Cf. Cic., Verr., II, 4, 122.
17 15
Suetónio (Aug. , 31 , 5) relata que se trata de Octaviano Augusto.
17 16
App., Hist., XII, 17, 117; Plut. , Pomp., 45 , 2-4.
17 17
Cumas foi uma antiga colónia grega fundada, cerca de 750 a. C., na Campânia, por
colonos de Cálcis, na Eubeia.
17 18
Verg., A., VI, v. 14.
587
Livro Nono
17 19
A divisão por géneros, antecessora do conceito de tipologia, já tinha sido adoptada tanto
por Vitrúvio (IV, 2, 2), para se referir ao facto de "cada coisa ter a ver com o que lhe
é próprio", como por Aristóteles (Metaph. , V, 28), no sentido de se reportar ao sujeito
ou objecto ao qual se atribuem diferenças específicas, que contribuem para a sua carac-
terização.
1720
Suet., Aug., 72, 3. Esta colecção foi reunida na sua casa em Capreae (Capri).
172 1
Ov., Met., III, v. 159.
1722
Cf. Dionísio de Halicamasso, Tratado da Imitação (ed. por R. M. R. Fernandes, Lisboa,
INIC, 1986, p. 52): "Conta-se que um camponês, feio de aspecto, tinha receio de se tor-
nar pai de filhos semelhante a ele. O mesmo medo ensinou-lhe a arte de ter filhos boni-
tos. Juntou imagens belas e habituou a mulher a contemplá-las. Depois, quando a ela se
uniu, conseguiu gerar a beleza das imagens." (Nota do Tradutor).
588
O Ornamento de Edificios Privados
1723
Theophr. , H. P , I, 10, 8.
1724
Trata-se uma personagem não identificada. Provavelmente trata-se Fintias, o tirano de
Agrigento na Magna Graecia, que fundou a cidade com o seu nome c. 280 a. C.. Cf.
Diod. Sic., XXII, 2, 1-4; Polyb., IX, 27; Rykwert et alli, p. 408, n. 62.
1725
Plantação de espécies arbóreas de modo equidistante, dispostas em quadrado, com uma
no centro, como nas quinas de um dado.
1726
Hor. , Ep., I, 16, 9-1.
589
Livro Nono
se atribui a Demócrito 1727 : com pouca prudência age aquele que faz uma
cerca com pedra ou com um muro de pedra 1728 : pois é necessário tomar pre-
cauções contra o desaforo dos que saltam. Não reprovo as estátuas burlescas
espalhadas pela quinta, contanto que nada tenham de obsceno. Em suma
assim serão as quintas.
A casa urbana nas suas partes interiores em nada cederá às casas de
uma quinta, no que diz respeito ao ambiente alegre dos aposentos e das
salas de jantar. Mas nas partes exteriores, como o pórtico e o vestíbulo, não
buscará tanto ar festivo que pareça esquecer-se da gravidade. Todavia, con-
vém que o pórtico dos cidadãos mais importantes seja em arquitrave, e os
de média condição em arco; em ambos ficará bem uma cobertura em abó-
bada. Os ornamentos, formados pela arquitrave e pelas comijas, que se colo-
cam sobre as colunas, ocuparão um quarto da altura da colunata. No caso de
se sobreporem às primeiras colunatas, as segundas serão um quarto mais
curtas que as primeiras; mas no caso de se colocar por cima uma terceira
série de colunas, estas serão um quinto mais curtas do que aquelas que lhes
ficam por baixo. Em cada uma delas, os dados e os plintos que se põem por
baixo das colunas, terão uma quarta parte da respectiva coluna. Quando se
contentar com apenas uma colunata, acomodar-se-á às normas dos edificios
públicos profanos.
O frontão das residências privadas não será feito de modo a aspirar em
algum aspecto à imponência do templo 1729 • Todavia, o vestíbulo será dignifi-
cado com uma fachada um pouco mais elevada e com a imponência de um
frontão. O resto do muro será coroado de ambos os lados com uma crista
não muito elevada. E sobretudo contribuirá para a elegância, que os ângulos
principais do edificio se elevem sobre uma crista algo mais majestosa. Não
merecem a minha aprovação aqueles que encimaram as residências de cida-
dãos privados com sacadas e ameias; estes elementos são próprios de uma
fortaleza ou antes dos tiranos da cidade, e estranhos a cidadãos pacíficos e a
uma sociedade bem ordenada, uma vez que significam ou medo incutido ou
agravo planeado. Uma varanda na fachada do edificio proporcionará elegân-
cia, se não for muito grande nem muito longa nem disforme.
1727
Demócrito de Abdera (c. 460-370 a. C.), filósofo grego pré-socrático, precursor da teo-
ria atómica da matéria e defensor de uma ética da moderação.
1728
Col. , Rust., XI, 3, 2.
1729
Tanto são propostos diferentes partidos arquitectónicos para a casa urbana, em função
do estatuto social do seu destinatário, como são sugeridas distintas hierarquias do edifi-
cado à escala urbana, em função da sua carga simbólica, tendo sempre por base a ana-
logia casa-cidade (cf. Livro I, cap. 9; Livro V, cap. 2).
590
O Ornamento de Edificios Privados
CAPÍTULO V
Agora, como prometemos fazer 1730, passo aos aspectos de que constam
todos os géneros de beleza e de ornamentos, ou melhor dizendo, que dima-
nam do princípio universal da beleza. É sem dúvida uma pesquisa dificil.
Com efeito, qualquer que seja aquela coisa única que se impõe definir e
identificar a partir do número total da suas partes e da sua natureza, quer
deva ser considerada comum a cada uma das partes, de forma exacta e idên-
tica, ou deva ser tal que reúna várias coisas num só conjunto e num só
corpo e as mantenha em coesão firme e estável e em harmonia - a essa
coisa é muito semelhante aquilo que aqui procuramos, seja o que for - sem
dúvida alguma tem de manifestar necessariamente a essência e como que
a seiva de todas as coisas às quais é inerente ou com as quais se mistura; a
ser de outra forma, entrariam em conflito e dissipar-se-iam em virtude da
sua discórdia e desunião 1731 • Sendo tal pesquisa e identificação nada evidente
e nada fácil em outras coisas, então naquelas de que vamos falar é extraor-
dinariamente confusa e complexa: tantas são as partes de que consta a arte
edificatória e tão variados são os géneros de ornamentos de que cada uma
delas exige ser considerada digna. Mas nós, segundo o nosso propósito,
prosseguiremos esta questão na medida das nossas capacidades, não repe-
tindo como é que, a partir do número das partes, se obtém um conhecimento
sólido no conjunto, mas começaremos desde já a expor o que é importante
para esta questão, registando o que é aquilo que por sua ·natureza produz a
beleza.
Somos advertidos pelos mais experientes de entre os Antigos 1732 , como
em outro lugar dissemos 1733 , que o edificio é como um animal e que para
definir os seus limites é necessário imitar a natureza. Investiguemos, pois,
qual é a razão por que, nos corpos produzidos pela natureza, uns se dizem
mais belos, outros menos belos, ou mesmo feios. É evidente, por aqueles
que se contam no número de belos, que nem todos são de tal modo que em
nada se diferenciem imediatamente entre si; pelo contrário, precisamente
1730
Ver Livro VI, cap. 3.
173 1
A procura intrínseca da beleza do objecto arquitectónico é o que Alberti ~e propõe
investigar. Por outras palavras, a arquitectura é autónoma e não se subordina a nenhum
outro saber.
1
m Cf. Vitrúvio (III, I, 9).
1733
Ver Livro I, cap. 9; Livro IV, cap. 3; Livro VII, cap. 5.
591
Livro Nono
pelo facto de não serem coincidentes, precisamente por isso sentimos que há
qualquer coisa impressa ou infusa neles, em virtude da qual podemos decla-
rar que, sendo alguns muito diferentes, são todavia igualmente muito belos.
Darei um exemplo. Alguém desejará uma rapariga magra por causa de seu
ar tenro. No poeta cómico, uma personagem prefere <-·-> a todas as raparigas
porque essa era mais maneável e cheia de sumo 1734 • Talvez te agrade a for-
mosura de uma esposa que não imite em magreza os doentes, nem os luta-
dores campestres na grossura dos seus membros, mas tanto nela se encontre
quanto, salvaguardada a beleza, possa ser acrescentado aos primeiros e
tirado aos segundos. Porquê assim? O facto de preferires uma ou outra, não
implica que aches que as restantes não são de aspecto graciosas e dignas,
mas qualquer coisa pôde fazer com que essa agrade mais em comparação
com as restantes: o objecto da minha pesquisa não é a natureza dessa coisa.
Não é uma opinião, mas sim um princípio inato no espírito, que fará
com que possas emitir um juízo acerca da beleza 1735 . É evidente que assim
é, visto que não há ninguém que, ao ver coisas feias, disformes, obscenas,
nesse mesmo instante não sinta aversão e repugnância. De onde surge e se
revela este sentimento do espírito, também não é objecto da minha investi-
gação a fundo; mas ponderemo-lo, na medida em que tem a ver com esta
questão, a partir das coisas que se nos apresentam espontaneamente. Com
efeito, nas formas e figuras dos edificios há, sem dúvida, algo de excelente
e perfeito por natureza que desperta o espírito e no mesmo instante é sen-
tido. Creio, na verdade, que a forma, o decoro, a beleza e outros quaisquer
conceitos semelhantes consistem naquilo que se for eliminado ou mudado,
no mesmo passo se deterioram e perecem 1736 . Convencidos deste facto, não
será longo enumerar as coisas que se podem tirar, aumentar e mudar, sobre-
tudo nas formas e nas figuras. Todo o corpo consta de partes determinadas
e próprias, das quais, realmente, se tirares alguma, ou reduzires uma maior
ou menor, ou transferires para lugares inadequados, sucederá que se dete-
riora aquilo que neste corpo estava de acordo com o decoro.
1734
Terêncio (Eun ., v. 315-316) relata como o amante da sua personagem Pânfila descreve
a amada: calor verus, corpus solidum et succi plenum.
1735
O aparente paradoxo, presente na teoria arquitectónica de Alberti, é de como a partir de
uma concepção inatista se constrói o processo criativo na concepção em arquitectura,
que é constantemente confrontado com as raízes do pensamento clássico sobre a teoria
universal da beleza.
1736
Também Cícero (Or:, 232), ao apresentar as provas da importância da prosa rítmica,
esclarece que se mudarmos a ordem das palavras numa frase bem construída ficará tudo
deteriorado.
592
O Ornamento de Edificios Privados
1737
Sobre as afinidades dos conceitos de numerus, finitio , collocatio e de concinnitas com
os oriundos da cultura clássica, bem como medieval veja-se, nesta edição, a Introdução
- As Leituras da Arte Edificatória.
1738
Santo Tomás de Aquino (Compendium theologicum, 151) refere que "[ ...] para que a
alma humana possa ser levada à perfeição completa em relação à sua finalidade, tem de
ser perfeita na sua natureza" (cf. trad. de D. O. Moura, 1966).
1739
Cf. Plot., I, 6, 1.
593
Livro Nono
1740
Para uma análise da ideia de na~ureza na obra de Alberti veja-se Paoli ( 1999).
1741
Os primórdios das coisas - primordia rerum - foram referidos por Lucrécio (1, 265 et
seq.) para argumentar que pequenas partículas invisíveis - os átomos - são a causa do
nascimento, desenvolvimento e destruição de todas as coisas. A questão que se coloca é
de como podemos acreditar na existência de coisas que não vemos? Lucrécio responde
dizendo que percebemos o efeito do vento mas não as suas partículas, e que existem
muitas coisas que não vemos mas que as percebemos pelos outros sentidos, como sejam
os cheiros, o calor, o frio e os sons. De forma semelhante, para Alberti o número, a
delimitação e a disposição são fundamentais para se alcançar a excelência em arquitec-
tura mas, dado que os corpos não constam sempre de proporções idênticas, a questão
que também se coloca é de C<?mo sabemos que alcançamos a beleza?
1742
Atente-se que o conceito de officium (função), utilizado por Alberti (Livro IX, cap. 5)
em relação aos edificios, é aplicado, na Antiguidade Clássica, aos seres humanos, na
medida em que se refere a dever, o que somente é compreensível na medida em que o
autor está empenhado em mostrar que as formas edificadas, como os seres humanos,
conforme sugere Onians (1971 , pp. 100-01), podem ser sujeitos a regras de moralidade.
594
O Ornamento de Edificios Privados
1743
Jsid., III, 3, 1.
1744
As propriedades místicas atribuídas aos numerais, a que os humanistas do Quattrocento
aludem, estão presentes desde a Antiguidade Clássica. Virgílio (Ec/., VIII , 75) já se
referia ao temor supersticioso que os Romanos experimentavam em relação aos núme-
ros pares, como às propriedades mágicas atribuídas, desde a Antiguidade grega, aos
ímpares: "o número ímpar apraz a Deus" (numero deus impare gaudet).
1745
Isto é, os artífices dos projectos.
1746
PI. , Ti. , 35b. Note-se que, de acordo com a tradição pitagórica, Alberti não menciona os
números um e dois, dado que são considerados a nascente dos restantes. Além disso, os
números não só apresentavam qualidades extranuméricas, mas também eram visualiza-
dos como figuras geométricas triangulares, quadradas, pentagonais, hexagonais , hepta-
gonais e suas combinações, o que estabelecia uma correlação entre aritmética e geome-
tria, cara aos cultores da matemática no Renascimento. Cf. Nicómaco de Gerasa, 1960,
pp. 243-244; Boet., Arith., II, 7-16.
595
Livro Nono
1747
Arist., H. A., VII, 12, 588 a 8.
1748
Arist., Cael., I, l, 268 a.
1749
Hippoc., Epid., II, 6, 4.
175
° Cf. Alberti, Religio, in Intercenales.
1751
Isto é, 6 = I + 2 + 3. Cf. Vitrúvio (III, l , 6).
1752
Arist., Metaph ., I, 5, 5.
1753
Ou seja I 02 = P + 23 + 33 + 4 3• Cf. Vitrúvio (III, l, 5).
596
O Ornamento de Edificios Privados
1754
Atribui-se a Pitágoras uma série de descobertas que marcam o início, pelo menos no
Ocidente, da aplicação da matemática ao fenómeno fisico e estético que constitui a
música. Terá sido através de experiências acústicas com cordas de diferente compri-
mento que Pitágoras estabeleceu a relação entre os 4 primeiros números inteiros e os
intervalos musicais de oitava, quinta e quarta (e suas somas). Mais tarde seria ampla-
mente utilizado para este tipo de ensaios o monocórdio, instrumento rudimentar for-
mado por uma só corda, uma caixa de ressonância, uma régua graduada ou kanon e
cavaletes móveis. (Nota do Tradutor).
1755
Pseudo-Pitágoras, in Aurea verba, 52.
1756
Encontramos em Santo Agostinho (De musica) e em Boécio (Mus.) afirmações muito
semelhantes a esta. Facto revelador de que as reflexões que se seguirão, acerca das -pro-
porções dos intervalos musicais, longe de se apoiarem unicamente nos autores Antigos,
citados explicitamente, entroncam numa longa tradição filosófica e estética que se foi
aprofundando não só na Antiguidade (Arquitas, Ptolemeu) mas também ao longo da
Idade Média (Boécio, Cassiodoro, etc.). (Nota do Tradutor).
1757
Modelo base da teoria musical da Grécia Antiga, o tetracorde é um conjunto de 4 notas.
Os seus limites, inferior e superior, formam entre si uma 4.a (Diatessaron) e são fixos .
As 2 notas intermédias são móveis, podendo variar consoante o género do Tetracorde:
Enarmónico, Cromático ou Diatónico. Cf. Vitrúvio (V, 4, 3-7). (Nota do Tradutor).
597
Livro Nono
1758
As comparações são feitas em termos do comprimento de uma corda e a altura de um
som, o que permite estabelecer uma quantificação aritmética das relações entre dois ou
mais sons e, consequentemente, transformar uma proporção hannónica numa aritmética
e v1ce-versa.
1759
Diapente: palavra grega que significa através de cinco (pente), ou seja intervalo de
quinta (perfeita). Sesqui: palavra latina que significa um e meio. Se acrescentarmos a
uma corda metade do seu comprimento, obtendo o todo mais metade (sesquiáltera), ela
passará a soar a um intervalo de quinta (diapente) abaixo (mais grave) em relação à
corda original (dó ' -fá). Inversamente, se dividirmos uma corda em três partes iguais,
duas dessas partes soarão uma quinta acima (mais agudo) em relação à corda original
(dó'-sol'). Desta forma a sesquiáltera ou diapente corresponde a uma proporção de 2:3 .
(Nota do Tradutor).
1760
Diatessaron: intervalo de quarta (perfeita). Se acrescentarmos a uma corda um terço do
seu comprimento, obtendo o todo mais um terço (sesquitércia), ela passará a soar a
um intervalo de quarta (diatessaron) abaixo (mais grave) em relação à corda original
(dó'-sol). Inversamente, se dividirmos uma corda em quatro partes iguais, três dessas
partes soarão uma quarta acima (mais agudo) em relação à corda original (do'-fá ' ).
Desta forma a sesquitércia ou diatessaron corresponde a uma proporção de 3:4. (Nota
do Tradutor).
1761
Diapason deriva da expressão grega dia pasôn chordôn suymphonia, que significa
«consonância de todas as cordas»; no sentido habitual é o mesmo que oitava. Se acres-
centarmos a uma corda todo o seu comprimento, obtendo o dobro (dupla), ela passará
a soar a um intervalo de oitava (diapason) abaixo (mais grave) em relação à corda
original (dó'-dó). Inversamente, se dividirmos uma corda em duas partes iguais, cada
uma dessas partes soará uma oitava acima (mais agudo) em relação à corda original
(dó'-dó"). Desta forma a dupla ou diapason corresponde a uma proporção de 1:2. (Nota
do Tradutor).
1762
Diapason-diapente representa o intervalo de oitava mais quinta ou décima segunda. Se
acrescentarmos a uma corda duas vezes o seu comprimento, obtendo o triplo (tripla),
ela passará a soar a um intervalo de oitava mais quinta (diapason-diapente) ou 12."
abaixo (mais grave) em relação à corda original (dó'-FÁ). Inversamente, se dividirmos
uma corda em três partes iguais, uma dessas partes soará uma oitava mais quinta ou
12. 3 acima (mais agudo) em relação à corda original (dó'-sol"). Desta forma o diapa-
son-diapente ou tripla corresponde a uma proporção de 1:3. (Nota do Tradutor).
598
O Ornamento de Edificios Privados
1763
Os autores Gregos definem o tom como sendo o intervalo pelo qual a quinta é maior
do que a quarta. Isto é, a diferença entre uma quinta (2 :3) e uma quarta (3:4) -
2:3/3:4=8 :9. Se acrescentarmos a uma corda um oitavo do seu comprimento, obtendo
o todo mais um oitavo (sesquioitava), ela passará a soar a um intervalo de um tom
(2." Maior) abaixo (mais grave) em relação à corda original (dó'-sib). Inversamente, se
dividirmos uma corda em nove partes iguais, oito dessas partes soarão um tom acima
(mais agudo) em relação à corda original (dó'-ré '). Desta forma o tom ou sesquioitava
corresponde a uma proporção de 8:9. Chamamos a atenção para o facto de o tom não
ser uma consonância para os Gregos, já que da explicação de Alberti pode resultar esse
equívoco. (Nota do Tradutor).
1764
Isto é, estabelece-se uma relação de 2:3 , que corresponde a uma quinta. (Nota do Tra-
dutor).
1765
Forma de exprimir a relação de 3:4, que corresponde a uma quarta. (Nota do Tradutor).
1766
Isto é, os que equivalem à razão de 1:2, que corresponde a uma oitava. (Nota do Tra-
dutor).
1767
Ou seja, a consonância de oitava mais quinta ou 12.", cuja razão é de 1:3. (Nota do
Tradutor).
1768
Disdiapason : palavra grega que significa dupla oitava. Se acrescentarmos a uma corda
três vezes o seu comprimento, obtendo o quádruplo (quádrupla) ela passará a soar a um
intervalo de duas oitavas (disdiapason) abaixo (mais grave) em relação à corda original
(dó ' -DÓ). Inversamente, se dividirmos uma corda em quatro partes iguais, uma dessas
partes soará duas oitavas acima (mais agudo) em 'relação à corda original (dó-dó").
Desta forma, a quádrupla ou disdiapason corresponde a uma proporção de 1:4. Fazia
parte das consonâncias estabelecidas pelos pitagóricos. Alberti não a incluíu na primeira
enumeração que delas fez, embora aí tenha, algo dubiamente, referido o tom. (Nota do
Tradutor).
599
Livro Nono
para os reunir numa síntese, são os seguintes: o um, o dois, o três e o qua-
tro 1769 • É também, como disse, o tom, no qual a corda maior comparada com
a menor, lhe é superior em um oitavo da menor.
Os arquitectos usam todos estes números de forma extremamente ade-
quada; não só tomam dois de cada vez, como para dispor o foro, as praças
e as áreas ao ar livre, onde se consideram apenas duas dimensões, a da lar-
gura e a do comprimento; mas também usam três de cada vez como na dis-
posição das salas públicas, do senado, da cúria e outros espaços do mesmo
género, onde comparam entre si o comprimento e a largura e querem que a
ambas as medidas corresponda a altura de acordo com a harmonia.
CAPÍTULO VI
É disso que devemos falar. Primeiro das áreas em que se associam duas
dimensões uma à outra. Há áreas pequenas, outras mais amplas e outras
médias 1770 • A mais pequenas de todas é a área quadrada, cujos lados, sejam
quais forem, são iguais entre si e cujos ângulos são todos rectos 177 1• A mais
próxima desta é a sesquiáltera 1772 ; ainda entre as áreas pequenas enumerar-
-se-á a sesquitércia 1773 . Portanto, as áreas pequenas exigem esses três géne-
ros de correspondências a que nós chamamos simples 1774 • Às áreas médias
1769
Os intervalos de oitava, quinta, quarta, 12." e dupla oitava derivam de razões formadas
com os números l , 2, 3 e 4 e todos eles eram considerados consonantes, tanto na Gré-
cia Antiga como na Idade Média. Além disso, a teoria pitagórica observou que a soma
dos 4 primeiros números inteiros é igual a I O unidades (I + 2 + 3 + 4 = I 0), unidades
essas que podem ser representadas por I O pontos equidistantes formando um triângulo
600
O Ornamento de Edificios Privados
1775
A proporção de 1:2. Em termos musicais a oitava. (Nota do Tradutor).
1776
Ou seja, em termos musicais, duas quintas sobrepostas (dó'-sol', sol'-ré" ) que vão for-
mar uma nona (dó '-ré"), intervalo um tom maior que a oitava (dó'-dó" ). Temos assim
a soma de duas sesquiálteras ou quintas: 2/3 x 2/3 = 4/9. Este intervalo de nona (4:9) é
um tom (8:9) maior que a oitava (1:2): 4/9 : l/2 = 8/9. (Nota do Tradutor).
1777
Ou seja, em termos musicais, duas quartas perfeitas sobrepostas (dó' -fá', fá'-sib') que
vão formar uma sétima menor (dó'-sib'), intervalo com menos um tom que a oitava
(dó'-dó"). Temos assim a soma de duas sesquitércias ou quartas: 3/4 x 3/4 = 9/16.
Este intervalo de sétima menor (9: 16) é um tom menor que a oitava ( 1:2)
1/2: 9/16 = 16118 = 8/9. (Nota do Tradutor).
1778
Ou seja, em termos musicais, uma oitava mais uma quinta perfeita (dó ' -dó", dó" -sol" )
que vão formar uma 12." (dó'-sol"). Temos assim a soma de uma dupla com uma ses-
quiáltera: 1/2 x 2/3 = 2/6 = 1/3. (Nota do Tradutor).
1779
Ou seja, em termos musicais, uma oitava mais uma quarta perfeita (dó ' -dó ", dó " -fá" )
que vão formar uma 11.3 (dó' -fá'). Temos assim a soma de uma dupla com uma ses-
quitércia: l/2 x 3/4 = 3/8. Pitágoras, assumindo uma visão puramente matemática, rejei-
tou a ll.a como consonância porque a sua razão não é formada apenas com os núme-
ros 1, 2, 3 e 4 da tetractys, ao contrário das outras consonâncias. Ptolemeu admitiu-a
entendendo que uma consonância mais a oitava seria sempre uma consonância. Note-se
que Alberti, embora fale dela aqui, também não a incluiu na sua listagem das conso-
nâncias, nem sequer a referiu à parte como fez com o tom. (Nota do Tradutor).
1780
Em termos musicais, duas oitavas (dó-dó"). Temos assim a soma de uma oitava com
outra: 1/2 x 1/2 = 1/4. (Nota do Tradutor).
601
Livro Nono
1781
Se tomarmos a oitava como referência, ela pode-se decompor em dois intervalos con-
sonantes desiguais: uma quarta e uma quinta. Podemos colocar o intervalo menor
(quarta) na parte grave e o maior (quinta) na aguda ou colocar a quinta na parte grave
e a quarta na parte aguda. Combinando estas duas divisões obtemos a sequência numé-
rica 12:9:8:6, considerando a oitava (1:2), a quinta (2 :3) e a quarta (3 :4) e tendo por
referência o comprimento total da corda (12). Trata-se de uma oitava (6: 12) que inclui
uma 4." e uma 5.", quer seja considerada numa ou noutra direcção - 6:8:12 ou 12:9:6.
Contém igualmente duas quartas, 12:9 e 8:6, separadas por um tom (9:8). (Nota do Tra-
dutor).
602
O Ornamento de Edificios Privados
faz pelo que se diz a seguir. Para que esta explicação seja mais clara, dada
uma dualidade, por exemplo, por meio da sesquiáltera passa a três, que, por
sua vez por meio da sesquitércia, passa a quatro; finalmente o quatro passa
a oito por meio de uma dupla. Ou assim: dado o número três, obtém-se por
duplicação o seis; adiciona-se-lhe a sua metade: passa a nove; a nove adi-
ciona-se a sua terça parte: passa a doze, que é o quádruplo em relação a
três, seu termo menor 1782 •
Destes números que temos referido usam os arquitectos não de modo
confuso e desordenado, mas em correspondência recíproca com a harmonia
musical 1783• Assim, alguém que quer erguer as paredes porventura numa
área, cujo comprimento é duplo em relação à largura, não deve usar, nesse
caso, as proporções de que se compõe a área tripla, mas sim as que consti-
tuem a dupla. Proceder-se-á da mesma forma na área tripla: usará também
as proporções que integram a área tripla, e igualmente numa área quádrupla
não usará outras proporções que não as próprias. E, assim, definirá as
dimensões em relação aos três elementos com os números que referimos, da
forma como entender que serão mais adequados à sua obra.
Na definição das medidas há proporções inatas que não se podem
determinar de forma alguma por meio dos números, mas se conseguem
representar mediante raízes e potências. As raízes são os lados dos quadra-
dos dos números; as potências das raízes são as áreas dos mesmos qua-
drados. Da elevação das áreas nascem os cubos. O primeiro dos cubos, cuja
raiz é a unidade, foi consagrado à divindade pelo facto de que, produzido
todo ele a partir da unidade, também ele mesmo é uno. Dizem, além disso,
que o cubo é, de todas as figuras, o único perfeitamente estável, constante e
inabalável 1784 em qualquer das faces.
1782
A 12." (1:3) e a oitava dupla (1:4), podem-se decompor em intervalos de oitava (1 :2) e
quinta (2:3). Quando se combinam as razões 3:4:6:12 obtém-se uma oitava dupla (3:12)
formada por uma oitava entre as duas notas mais graves (6: 12), uma s.• a seguir (4:6),
que também forma uma 12.• com o som mais grave (4:12), e uma quarta no topo (3:4).
(Nota do Tradutor).
1783
Do discurso de Alberti resulta com clareza que o objectivo final da aplicação da teoria
das proporções musicais à arquitectura é a procura da concinidade, entendida num sen-
tido vasto de harmonia universal. A música era vista como um símbolo audível de uma
ordem cosmológica, a manifestação palpável da ordem matemática do universo. As har-
monias musicais regiam, para os pitagóricos, o movimento dos planetas que produziam
a chamada musica mundana, ou música das esferas, não audível. (Nota do Tradutor).
1784
Vitrúvio (V, Pre., 4).
603
Livro Nono
1785
A palavra utilizada por Alberti é scaturigo, que significa o borbulhão da água que
nasce, a nascente, que se relaciona, neste contexto, com a emanação de origem neo-pla-
tónica.
1786
Para Boécio (Arith., I, 7) cada número é metade da soma do seu antecedente com o seu
consequente, mas somente a unidade não apresenta antecedente, por isso é igual a
metade do seu consequente e geradora de todos os restantes números.
1787
O cubo apresenta 2 unidades de aresta, o que origina uma medida de 18 nas diagonais
das faces e outra de v'12 nas diagonais do cubo. Cf. as proposições II, 10; XIII, 14 e
15 dos Elementos de Euclides.
1788
Alberti reporta-se a um triângulo rectângulo, com catetos iguais a ..f4 e v'12 e hipote-
nusa igual a v'16, retornando, em parte, a valores inteiros (2 e 4).
1789
Os sistemas de proporções que envolvem raízes e potências de números, referidos como
correspondentiae innatae, são inerentes à geometrização da arte edificatória, enquanto
os derivados com números inteiros originam-se a partir de intervalos musicais o que
sugere, no primeiro caso, uma autonomia disciplinar e, no segundo, uma equivalência
de estatuto entre a arte edificatória e a música, ao tempo uma das sete artes liberais.
1790
Ver Livro IX, cap. 3.
604
O Ornamento de Edificios Privados
1791
Alberti trata a seguir a questão das divisões proporcionais (mediedades). No caso da
música foram classificadas e desenvolvidas por Arquitas de Tarento (séc. IV a. C.).
(Nota do Tradutor).
1792
Na divisão aritmética, 12:9:6 por exemplo, o segundo termo (9) excede o terceiro (6)
na mesma quantidade que o primeiro (12) excede o segundo (9): ou seja, a- b = b- c
ou 12 - 9 = 9 - 6. Se tomarmos como referência um intervalo de oitava (12 : 6 = 2 : I)
teremos o intervalo menor (quarta, 12 : 9 = 4 : 3) na parte grave e o maior (quinta,
9 : 6 = 3 : 2) na aguda. Nesta proporção o intervalo entre os termos maiores é mais
pequeno e o intervalo entre os termos menores é maior. (Nota do Tradutor).
1793
Na divisão geométrica o primeiro termo está para o segundo assim como o segundo
está para o terceiro. Isto é, a proporção entre o primeiro e o segundo é reproduzida
entre o segundo e o terceiro. Se considerarmos um intervalo de duas oitavas 12:3, tere-
mos uma divisão em dois intervalos iguais, oitavas neste caso - 12:6:3 - em que
a/b = b/c ou 12/6 = 6/3, isto é b =..faC. Se quiséssemos dividir a oitava desta forma,
obteríamos dois trítonos, intervalos muito dissonantes, que a dividiriam em duas partes
iguais. (Nota do Tradutor).
605
Livro Nono
1794
Referência ao enunciado de Euclides (VI, 8) cuja solução tira das condições expostas
uma verdade geométrica: "[ ... ] se num triângulo rectângulo traçarmos uma perpendi-
cular do ângulo recto até à base, a linha assim traçada é a média geométrica entre os
segmentos da base" (cf. trad. ingl. de T. L. Heath, 1928, vol. 2, pp. 78-79).
1795
Na divisão harmónica, ou musical como lhe chama Albert·, o primeiro termo excede o
segundo por uma fracção de si mesmo que é igual à fracção do segundo termo pela
qual ele excede o terceiro. Nesta proporção o intervalo entre os termos maiores é maior
e o intervalo entre os termos menores é menor. Se tomarmos como referência um inter-
valo de oitava 12:6, teremos o intervalo maior (quinta) na parte grave e o menor
(quarta) na aguda - 12: 8 : 6 - em que (a- b)/a = (b- c)/c ou (12- 8)112 = (8- 6)/6.
(Nota do Tradutor).
606
O Ornamento de Edificios Privados
CAPÍTULO VII
1796
O termo ordem, somente empregue a partir do séc. XVI, para estimar as dimensões das
colunas, não é o utilizado por Alberti mas o de genus, que apresenta o significado de
género, espécie, classe ou categoria. Cf. Livro IX, cap. 5.
1797
"O comprimento do corpo humano, a partir do topo da cabeça à sola dos pés, é seis
vezes a sua largura de lado a lado, e dez vezes a sua profundidade ou espessura,
medindo de trás para a frente [...]. E, por conseguinte, a arca foi feita com 300 côva-
dos de comprimento, 50 de largura, e 30 de altura" (Santo Agostinho, De civitate Dei,
XV, 26, trad. de J. D. Pereira, 1993).
607
Livro Nono
O número das jónicas era oito, o número do termo maior era dez, os quais
reunidos numa soma deram como resultado o número dezoito, cuja metade é
nove. E, assim, atribuíram nove vezes o diâmetro do imoscapo ao compri-
mento das colunas coríntias, oito vezes às jónicas, sete vezes às dóricas 1798•
E sobre esta questão fica dito até aqui.
A seguir devo falar da disposição das colunas. A disposição diz respeito
ao lugar e à posição. E sente-se onde foi mal feita, mais do que se com-
preende, de imediato, como deve ser executada convenientemente. Na ver-
dade, a disposição depende em grande parte da faculdade de apreciar
implantada pela natureza no espírito do homem e, em grande parte também,
condiz com os princípios da delimitação. Todavia, para a questão de que se
trata, baste esta espécie de géneros.
Dispostas no devido lugar, mesmo as partes mais pequenas que se espa-
lham pela obra oferecem beleza ao olhar; colocadas em lugar impróprio, não
digno de elas e inconveniente diminuem de valor, mesmo sendo belas, e,
sendo menos belas, são criticadas 1799 • Eis um exemplo de que é assim
mesmo nas obras da natureza: se por acaso um cachorro tiver implantada na
cabeça uma orelha de burro ou se alguém se apresentar com um pé muito
grande ou com uma mão gigantesca e outra muito pequena, esse será sem
dúvida disforme. E ter um olho esverdeado, outro negro, nem mesmo nos
jumentos se aprova: a tal ponto faz parte da natureza que o que está à
direita corresponda, em perfeita semelhança, ao que está à esquerda.
Por isso, antes de mais estaremos atentos a que todas as coisas, mesmo
as mais pequenas, sejam dispostas com o nível e o cordel e de acordo com
os números, a forma e as figura, de tal modo que as da direita correspon-
dam inteiramente às da esquerda, as de cima às de baixo, as próximas às
próximas, as iguais às iguais, para ornamento do corpo de que hão-de ser
partes. E, mais ainda, as estátuas e os quadros, e tudo o mais que de notá-
vel se aplicar, é necessário que se ajustem de tal forma pareçam inatas nas
posições mais adequadas do lugar e como que gémeas. Os Antigos deram
tanta importância a esta correspondência de igualdade que, mesmo na colo-
cação dos mármores, quiseram que correspondessem entre si em quantidade,
qualidade, cercadura, posição e cores.
Há um facto notável entre os Antigos, no qual me acostumei a admirar
a superioridade da sua arte: ao colocar estátuas em outros lugares, mas
sobretudo nos frontões dos templos, procuraram que aquelas que aí eram
1798
A mediedade aritmética é utilizada para gerar as alturas dos géneros de colunas.
1799
Quint., Jnst., VIII, 3, 18 e XI, l, 3.
608
O Ornamento de Edificios Privados
CAPÍTULO VIII
1800
Santo Agostinho (De civitate Dei, XXI, 8, 71-80, trad. de J. D. Pereira, 1995) toma
uma posição diametralmente oposta "[ ... ] uma vez que a própria raridade das coisas é o
que as torna admirável [.. .]", o que sugere que Alberti se aproxima do ideal clássico de
correspondências recíprocas e daquilo que pode ser, pela sua natureza, predicado de
muitas coisas. Cf. Arist. , lnt., 7, 17-39).
1801
Isto sugere que o Livro X não será conclusivo dado que se reporta, principalmente, às
regras de reparação dos edificios, bem como a questões de hidrául ica e não procura
fazer uma síntese dos Livros anteriores.
609
Livro Nono
1802
Matrona indica mulher respeitável pela sua condição e idade, como eram, na sociedade
antiga, as irmãs do senhor ou da senhora da casa que nunca tinham casado sendo, por
isso, uma designação mais abrangente do que as de mulher casada ou de mãe de famí-
lia. Comunicação do Prof. A. M. do Espírito Santo, Maio de 2009.
1803
A palavra extensio registada em Vitrúvio (VII, Pre., 11) como extentio, com o signifi-
cado de traçado de uma linha, é utilizada por Alberti.
610
O Ornamento de Edificios Privados
1804
Na construção em silharia os ângulos agudos devem ser evitados para que não se veri-
fique o seu colapso devido à fragmentação dos silhares quando estes, após o descim-
bramento, ficam sujeitos às pressões das cargas.
1805
Ver Livro II, cap. I e cap. 3.
611
Livro Nono
1806
É sugerida uma mão-de-obra medianamente qualificada para a execução da obra, o que
está em consonância com o princípio da mediedade: o que tem de ser excelente é a sua
concepção. Cf. Portoghesi, 1966, p. 846, n. 1.
1807
Cf. Hdt. (I, 98, 5). Esta técnica de colorir os muros, originária da Mesopotâmia, era
conseguida com tijolos cobertos com pigmentos coloridos obtidos a partir de metais
preciosos, onde cada cor tinha uma associação com uma divindade.
1808
Suet., Cal., 55, 3.
1809
Suet., Nero, 31, 2.
612
O Ornamento de Edificios Privados
CAPÍTULO IX
1810
Electrum - liga metálica composta por quatro partes de ouro e uma de prata. S.H.A .,
Heliogab., 31 , 8; Plin., Nat., XXXIII, 80.
1811
Ver Livro II, caps. 1-3.
1812
Esta síntese de advertências breves sobre o De re aedificatoria, remata com a defesa de
um contínuo processo de reflexão em acção para a elaboração do projecto e execução
da obra.
613
Livro Nono
1813
A elegância do ornamento baseia-se no princípio da variedade mas não do seu excesso,
que deve ser evitado, como é referido no Livro I, cap. 8.
614
O Ornamento de Edificios Privados
1814
Ver Livro VII, cap. 9.
18 15
O processo criativo em arquitectura organiza-se pelo estabelecimento de uma reiterada
interface entre uma fenomenologia do desejo com uma ontologia do tempo. Veja-se
nesta edição a Introdução - As Leituras da Arte Edificatória.
1816
Ver Livro II, cap. l e Livro IX, cap. lO.
615
Livro Nono
CAPÍTULO X
Mas, para que o arquitecto possa dar boa conta de si e do seu oficio no
planeamento, preparação e execução de tudo isso, há alguns aspectos que de
modo nenhum deve descuidar 1817 • Deve pensar qual é a natureza do encargo
que recebe, qual o compromisso que assume, em que conta quer que o
tenham, qual a dimensão do trabalho, com a parte de glória, de recompensa,
de reconhecimento e de fama que alcançará no futuro se desempenhar cor-
rectamente a sua função; e pelo contrário, se der início a alguma coisa de
forma incompetente, impensada e irreflectida, quanta crítica e quanto ódio
terá de enfrentar, e quão maligno, quão evidente, patente, assíduo, será o
testemunho da sua estultice, que proporcionará ao género humano.
A arquitectura é uma coisa grandiosa e não está ao alcance de todos
acercarem-se de uma coisa tão grande. Quem ousar declarar-se arquitecto é
necessário que seja dotado de um alto engenho, de acérrimo estudo, de exce-
lente saber, da máxima prática e, acima de tudo, de uma capacidade de ajui-
zar e de planear, séria e autêntica. Em relação à arte edificatória, o primeiro
de todos os méritos é ajuizar bem o que é conveniente 1818 • Com efeito, edi-
ficar é próprio da necessidade; edificar para haver comodidade derivou tanto
da necessidade como da utilidade; mas edificar de modo que os amigos da
sumptuosidade aprovem e os da sobriedade não rejeitem não procederá
senão da perícia de um artífice douto, reflectido e muito ponderado.
Além disso, fazer construções que parecem cómodas para o uso e que,
sem dúvida, se podem executar de acordo com um projecto e um orçamento,
não é mais apanágio de um arquitecto do que de um operário manual; mas
conceber previamente e estabelecer, com a mente e com a faculdade de ajui-
zar, aquilo que será perfeito e absoluto de todos os pontos de vista, só é
próprio de um engenho como aquele que procuramos. Portanto, é necessário
que pelo engenho invente, pela prática conheça, pela faculdade de ajuizar
seleccione, pela de planear organize, pela arte realize aquilo que empreende.
Garanto que o alicerce de todas essas acções é a prudência e a maturidade
de análise; as restantes qualidades, humanidade, bondade, modéstia, probi-
dade, não as desejo mais nele do que nos outros homens que se dedicam a
qualquer oficio: quanto a essas, julgo que quem não as possui nem sequer é
1817
Vitrúvio (1, 1-17), ao contrário de Alberti, define no início do De architectura o que é
o arquitecto e qual a formação que deve ter para executar as tarefas que lhe competem.
1818
Cic., Or., 21 , 70; Quint., lnst., XI, I, 8.
616
O Ornamento de Edificios Privados
1819
Interpolação sugerida por Orlandi ( 1966, p. 857).
1820
Referência ao grande templo de Jerusalém mandado construir por Salomão: "Na cons-
trução do templo só se empregaram pedras lavradas na pedreira; deste modo, durante os
trabalhos de construção, nenhum ruído se ouvia, nem de cinzel, nem de qualquer outra
ferramenta" (I Rs 1: 6-7). Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 41 O, n. 118.
617
Livro Nono
1821
Se bem que, para Alberti, o trabalho do arquitecto seja uma actividade em tudo análoga
à procura da virtude, o mesmo deve contribuir, de forma interventiva, para o aprofun-
damento da cultura material do seu tempo.
1822
Cf. Suet., Nero , 31; Tac. , Ann., XV, 39-43 .
618
O Ornamento de Edificios Privados
1823
Rector é um mestre de retórica, um professor.
1824
Os saberes enciclopédicos sugeridos por Vitrúvio (1, I, 4-13) para o arquitecto são
ultrapassados e proposta uma forma de saber mais operativa, baseada na pintura e na
matemática, bem como na sua tríplice relação entre ângulos, números e linhas, o que
significa que o desenho e os sistemas proporcionais são entendidos como instrumentos
inovadores e criativos da arte edificatória.
1825
Ver Livro II, cap. I.
1826
Zêuxis de Heracleia, pintor grego do séc. V a. C. cujas obras eram celebradas por imi-
tarem a natureza (cf. Alberti, Della pittura, III, 56); Nicómaco de Gerasa, matemático e
musicologista grego que viveu no séc. II d. C. e escreveu dois livros sobre a teoria pita-
górica dos números , bem como sobre a Introdução à Aritmética.
1827
Referência aos E/ementa picturae (in Opere Volgari, org. de A. Bonucci, 1843-1849,
vol. III, pp. I 08-129), que se reportam a uma sistematização de regras para o traçado
de figuras, elaborada a pedido do seu amigo Teodoro Gaza, escritas provavelmente entre
1450-1455. Cf. Arfanotti, 2007a, pp. 238-241 ; Caye-Choay, 2004, p. 462, n. 110.
619
Livro Nono
CAPÍTULO XI
É bom não omitir aqui mais um ponto que diz respeito ao arquitecto:
não deves, por tua iniciativa, prometer a tua obra aos que proclamam que
têm intenção de construir; fazem isso à porfia por leviandade e ambição de
glória, mais do que convém. De facto , não sei se não deves esperar o pedido
uma e outra vez; é preciso que confiem em ti espontaneamente aqueles que
manifestem vontade de utilizar o teu discernimento 1829 • Porque hei-de eu,
sem receber nenhum beneficio em troca, apresentar-me por minha iniciativa
para explicar as minhas excogitações valiosas e úteis, para que um ou outro
incompetente confie em mim? Que eu, com os meus conselhos te tome mais
experiente nesta matéria, em que te posso aliviar de um grande dano ou
contribuir grandemente para a tua comodidade e teu prazer, ó deuses!, isso
merecerá um prémio não pequeno 1830 • É próprio de um homem ponderado
1828
Termos de origem grega, evitados ao longo do tratado, que significam, respectivamente,
espaçamento e módulo de medida. Podismatus, que corresponde ao termo grego podis-
mus e ao latino pedatura , apresenta o sentido de medição de terrenos feita em pés ou
passos (cf. Blume et a/ii, 1848-52, p. 247), e embater está registado em Vitrúvio (1, 2,
4; IV, 3, 3), com o significado de elemento de construção, equivalente ao módulo do
templo dórico.
1829
Apesar de Alberti prestar serviços aos príncipes das pequenas signorias absolutistas que
dominaram, em meados do Quattrocento, o cenário político italiano, esta postura ética
revela uma independência em relação à encomenda, somente exequível numa situação
onde o arquitecto funciona como intermediário entre o promotor da obra, em geral um
reputado mecenas, e o responsável pela sua construção.
1830
A interferência das corporações de artesãos que gravitavam à volta do estaleiro de obra,
como se verificou com Brunelleschi na construção da cúpula da Catedral de Florença,
que foi preso no final dos trabalhos, pela congregação da Arte dei maestri de pietre,
sob o pretexto de não ter pago a respectiva quota anual, somente pôde ser ultrapassada,
no contexto da cultura construtiva do Quattrocento, pela escolha selectiva e mútua, mas
assimétrica, entre cliente e arquitecto.
620
O Ornamento de Edificios Privados
I MJI Os assistentes são designados de adstritores, um termo que não consta no léxico latino,
provavelmente derivado de adstructor, isto é, daqueles que sabem fazer construções
lógicas. Cf. Rykwert eta/li, 1988, p. 410, n. 125.
1832
Ver, nesta edição, a Introdução - As Leituras da Arte Edificatória para uma descrição
dos assistentes nas obras construídas de Alberti .
1 33
M Referência à experiência que teve com os patronos das obras, como sucedeu, entre
outros, com Ludovico Gonzaga em Mântua, com Sigismondo Malatesta em Rimini,
com Giovanni Rucellai em Florença e com Federigo di Montefeltro em Urbino.
621
Livro Nono
1834
Ver Livro II, cap. I.
1835
A experiência de construir no construído, não demolindo obras anteriores, como suce-
deu no templo Malatestiano, em Rimini, e na igreja de Santa Maria Nove/la, em Flo-
rença, são testemunhos desta orientação de Alberti.
622
LIVRO DÉCIMO: 0 RESTAURO DE OBRAS
CAPÍTULO I
1836
Hipócrates (c. 460-370 a. C.), considerado um modelo de excelência na medicina oci-
dental, foi o primeiro esculápio a argumentar que as doenças não são originadas por
causas divinas mas específicas, bem como a rejeitar a superstição e as práticas mágicas
na cura de doenças e a alegar que é por meio da observação que se faz o diagnóstico
para se alcançar o prognóstico evolutivo das enfermidades (cf. Hippoc., Morb. Sacr.), à
semelhança do que Alberti advoga, sob o ponto de vista processual, para o restauro das
obras de arquitectura.
1837
Ver Livro IX, cap. 9.
1838
Ver Livro IX, cap. 10.
623
Livro Décimo
rosos são os tormentos da idade"; e "os corpos não podem opor-se às leis da
natureza, sem suportarem a velhice"; de tal modo que alguns consideram o
próprio céu mortal porque é um corpo. Sentimos como o ardor do sol, a
frescura da sombra, as chuvas e os ventos são poderosos. Atingidos por
estes tormentos vemos como abre fendas e amolece mesmo o sílex mais
duro e das altas quebradas são arrancadas e lançadas pela tempestade enor-
mes rochedos, a ponto de desabarem juntamente com uma grande parte do
monte. A isto acrescenta os estragos causados pelos homens. Ó deuses! Às
vezes não posso deixar de me enfurecer, quando vejo que por inércia de
alguns (para não usar um termo odioso: por avidez) são destruídas coisas
que um inimigo bárbaro e em fúria poupou devido à sua extrema dignidade
ou que o tempo pertinaz, destruidor das coisas, faci lmente permitia que fos-
sem eternas 1839 • Acrescenta os perigos repentinos dos incêndios, acrescenta
os raios, os terramotos, o ímpeto e as inundações das águas e as muitas coi-
sas inauditas, inesperadas, inacreditáveis, que a força prodigiosa da natureza
cada dia pode provocar, pelas quais o plano bem desenvolvido do arquitecto
é adulterado e subvertido.
Dizia Platão que a ilha de Atlante, não menor que o Epiro, tinha desa-
parecido da vista 1840 • Os historiadores transmitiram-nos que Bura e Hélice
foram destruídas, a primeira por uma fenda, a segunda pelas ondas 184 1; que
o paul de Tritão desapareceu num instante 1842 ; e que, pelo contrário, em
Argos 1843 surgiu subitamente o paul de Estinfalo 1844 ; que em Terâmenes de
repente cresceu uma ilha com águas quentes; e que no mar, entre Tirésia e
Tera irrompeu uma chama que abrasou e incendiou todo o mar durante qua-
tro dias completos e que a seguir emergiu uma ilha de doze estádios 1845 , na
qual os Ródios edificaram um templo a Neptuno Protector 1846 ; e que noutro
1839
Para uma descrição da concepção do tempo em Alberti, como cosa preziosissima, veja-
-se I libri de/la famiglia, III, pp. 178-179.
1840
PI. , Ti., 25d.
184 1
Cidades da Acaia no golfo de Corinto. Strab., I, 3, 18.
1842
Desapareceu devido a um terramoto e actualmente é um lago da Tunísia. Cf. Strab.,
XVII, 3, 20.
1843
Cidade situada no norte da Arcádia, a região central do Peloponeso, a 5 km do mar.
1844
Heródoto (VI, 76) reporta que esse "lago lança-se por uma fenda escondida para reapa-
recer em Argos" (trad. J. R. Ferreira - D. F. Leitão, 2000). A população local mantém
a ideia de que ainda existia, no século passado, uma corrente subterrânea que passava
nesse lugar (cf. How- Wells, 1912).
1845
Equivalente a 2,22 km.
1846
Estas ilhas situam-se no arquipélago das Cíclades, no sul do Mar de Creta. Cf. Strab.,
I, 3, 16; Plin. , Nat., II, 102; Justino, XXX, 4; Daubney, 1826, pp. 227-233.
624
O Restauro de Obras
lugar os ratos se multiplicaram de tal forma que se seguiu a peste 1847 ; e que
os Hispanos mandaram uma embaixada a Roma para pedir auxílio contra os
estragos dos coelhos 1848 • E reunimos muitos fenómenos semelhantes a estes
naquela obra que tem por título Teogénio 1849 •
Mas nem todos os defeitos que têm outras proveniências são tais que
não possam ser corrigidos. Se houver algum defeito derivado do arquitecto,
nem sempre é tal que possa ser corrigido. O que é defeituoso de origem e
profundamente disforme sobre todos os aspectos não é susceptível de cor-
recção. As coisas que se encontram num estado tal que de modo nenhum
podem ser melhoradas, a não ser que se alterem todas as suas linhas, essas
não têm mais correcção do que serem demolidas para se fazerem de novo.
Mas não insisto nesta questão.
Nós prosseguiremos com aquelas que se podem, correctamente e
manualmente, tomar mais cómodas; e, em primeiro lugar, as públicas. Des-
tas a maior e a mais vasta é a cidade, ou melhor, a região da cidade 1850 •
A região, onde um arquitecto negligente tiver construído a cidade, permitirá
acaso 1851 que os defeitos sejam corrigidos. Com efeito, ou não estará bem
protegida contra as incursões repentinas dos inimigos, ou estará situada num
clima desagradável e pouco salubre e não haverá em abundância aquilo que
é preciso para uso corrente. É disso, pois, que trataremos.
Da Lídia 1852 para a Cilícia há um caminho muito estreito entre os mon-
tes, obra da natureza, a ponto de se poder dizer que ela quis fazer aí a porta
da região. Nas embocaduras do desfiladeiro, às quais os Gregos chamam
"Pylai" 1853 , há também um caminho que pode ser guardado por três soldados
armados, sendo o caminho interrompido por muitas ribeiras sinuosas que
provêm do sopé dos montes 1854 • No Piceno há gargantas semelhantes a esta,
1847
De acordo com Estrabão (III, 4, 8) este fenómeno ocorreu na Hispânia.
1848
Strab., II, 2, 6.
1849
Diálogo estóico, com uma função catártica, sobre aquilo que nos pertence e a indife-
rença a tudo o que está submetido aos ditames da fortuna , escrito provavelmente em
1435 e 1436 (cf. Paoli, 2004, p. 69; Alberti, Opere Volgari , II, 1966).
1850
Ver Livros III, IV e IX.
1851
Acaso tem a ver com fortuna , termo que perpassa todo o texto de Alberti.
1852
Região situada na actual Turquia ocidental.
1853
Isto é, "Portas".
1854
A localização deste passo é incerta. Provavelmente, trata-se de Pylae Ciliciae (Portas da
Cilícia), que cruza os Montes Tauro, a cadeia montanhosa no sul da actual Turquia,
atravessada por Alexandre Magno em 333 a. C., antes da batalha de Isso contra Dario
III (Polyb., XII, 17).
625
Livro Décimo
1855
Cidade próxima de Urbino, junto ao rio Metauro.
1856
Ou seja, 20,72 m.
1857
Equivalente a 14,78 km.
1858
Equivalente a 118,2 km.
1859
Designada muralha de Antonino. Cf. S.HA ., Ant. Pius, 5, 4.
1860
Imperador de Roma de 193-211 d. C.
1861
Construída em 208-211 d. C. e conhecida, ainda hoje, por muralha de Adriano com
180,56 km de extensão. Cf. S.HA ., Hadr. , 2, 2; Ant. Pius, 5, 4; Sev. , 18, 2.
1862
Actualmente situada no Turquistão russo. Cf. Strab., XI, 1O, 2.
1863
Equivalente a 277,03 km.
1864
Cidade situada na extremidade oriental do delta do Nilo.
1865
Ou Heliópolis. Cf. Diod. Sic., I, 57, 4.
1866
A oeste do golfo de Corinto. Strab., X, 2, 9.
1867
Estreito entre a ilha de Eubeia e a costa da Beócia.
1868
Diod. Sic., XIII, 47, 3.
1869
Rio da Ásia que nasce no Cáucaso indiano e desaguava no Mar Arai, hoje em vias de
desaparecimento.
626
O Restauro de Obras
fundou seis cidades fortificadas para evitar terem de procurar auxílio longe
quando eram atacadas subitamente por inimigos 1870 • Chamam-se Tirses 187 1 às
cidades fortificadas com uma trincheira alta, muito semelhantes a castelos,
que utilizavam a cada passo para impedir a entrada dos inimigos. Os Persas,
construindo cachoeiras, embaraçavam o rio Tigre 1872 para evitar que navio
algum pudesse subi-lo hostilmente; Alexandre destruiu-as, dizendo que eram
obra de um espírito frouxo e aconselhou-os a confiarem antes no valor das
suas forças 1873 • Houve quem, inundando a região, a tenha tornado semelhante
à Arábia 1874 , da qual se diz que estava bem protegida pelo Eufrates, com
pauis e pântanos, contra as incursões dos inimigos 1875 • Em suma, com tais
fortificações, guarneceram a sua região contra o inimigo. Com estas mesmas
técnicas, fizeram com que a região dos inimigos fosse mais vulnerável.
Em lugar oportuno 1876 dissemos amplamente quais são as coisas que tor-
nam o clima penoso: se tu as passares em revista, verás que pertencem às
seguintes categorias. Com efeito, lançam-se contra nós ou um sol excessivo,
ou sombras geladas, ou ventos violentos, ou a terra exala vapores nocivos
ou virão do próprio clima as coisas que trazem consigo um mal pernicioso.
De facto, julga-se que o clima dificilmente pode ser corrigido pelas
técnicas dos homens, a não ser que seja útil o que está escrito: que às vezes
foram extintas pestes terríveis aplacando os deuses, ou satisfazendo os seus
avisos, como o prego fixado pelo cônsul. Contra o sol e os ventos, aos habi-
tantes das aldeias ou das casas de campo não faltará o que as possa ajudar;
mas não temos por averiguado o que pode ser suficientemente útil para toda
a região; embora eu não negue que em grande parte podem ser corrigidos os
defeitos que são trazidos pela brisa, quando suceder que sejam eliminados os
vapores nocivos que vêm do chão. Por isso, não há motivo para continuar a
discorrer sobre se é por causa da violência do sol ou pelo calor concebido
nas suas entranhas que a terra exala dois tipos de vapores, a saber: um bafo
que, elevado no ar, devido ao arrefecimento se condensa em chuvas e neves;
e uma exalação seca que faz com que, segundo se pensa, se ponha em
movimento a impulsão dos ventos 1877 • Aqui baste-nos saber que ambos ema-
187
° Curt., VII, 10, 15.
1871
Na editio princeps "Tyrses" corresponde a uma transliteração do termo grego 'tupmÇ.
1872
Rio da Mesopotâmia.
1873
Arr., Anab., VII, 7, 7.
1874
Referência à Arábia Deserta.
1875
Ver Livro VI, cap. 4.
1876
Ver Livro I, cap. 3.
1877
Idem.
627
Livro Décimo
nam da terra. E, assim como em relação aos corpos dos animais que exalam
vapores, sentimos que têm o mesmo cheiro que o corpo de que provém, um
cheiro pestífero de um animal pestilento, um agradável de um bem cheiroso,
e assim por diante (às vezes também nitidamente acontece que, embora o
suor . e a exalação por sua própria natureza não sejam molestos, todavia
impregnados pelo fedor das vestes cheiram horrivelmente), assim também
em relação à terra: na verdade, um campo que não está bem coberto de água
nem totalmente seco, mas fica lamacento, esse, por razões várias, espalha
bafos e exalações pestilentas e nocivas.
E vem a propósito o seguinte. Onde o mar é profundo, sentimos que as
águas são frias, em outros lugares, porém, se tornam quentes. Dizem que
isso acontece porque o calor do sol não consegue imergir profundamente e
penetrar além de uma certa profundidade: e assim como um ferro em brasa
e incandescente, se acaso o mergulhares em azeite e o azeite for pouco, de
imediato levantará fumos violentos e agitados; mas se o azeite for muito, o
ferro flutuará, apagar-se-á e não fará fumo: <···> 1878 •
Mas nós continuemos a falar desta matéria com a brevidade com que
começámos. Tendo secado um paul junto de uma certa povoação, como por
tal motivo tivesse surgido uma epidemia, escreve Sérvio que Apolo, consul-
tado, mandou secá-lo completamente 1879 • Em Tempe havia água estagnada
numa grande extensão: Hércules, abrindo um canal, drenou-a e queimou a
Hidra, como dizem, no lugar de onde a irrupção das águas devastava uma
cidade próxima; a seguir dizem que fez com que fossem tapados os buracos
das águas que transbordavam, depois de secar a água supérflua e adensar o
solo 1880 • Um dia o Nilo subira mais que o normal e do lodo nasceram mui-
tos e variados animais; quando o solo secou, apodreceram; daí derivou uma
enorme peste. No sopé do monte Argeu - diz Estrabão - há uma cidade,
Mazara, que abunda em águas: se, no Verão, não há para onde fluam, por
esse motivo o ar toma-se insalubre e pestilento 188 1• Além disso, no norte da
Líbia e na Etiópia não chove, razão pela qual os lagos se tomam lodosos; e
por esse motivo abundam não só os animais nascidos desta podridão, mas
sobretudo uma enorme quantidade de gafanhotos 1882 •
1878
Porthogesi (1966, p. 876, n. 1) sugere que esta lacuna se possa ler como: "cosi avviene
dei raggi solari nell'acqua marina" (como é o caso da luz solar na água do mar).
1879
Serv., A., III, v. 701. A povoação é Camarina situada na costa meridional da Sicília.
1880
Diod. Sic., IV, 18, 6.
188 1
A cidade de Mazara situa-se na Capadócia, na zona central da Turquia. Estrabão (XII,
2, 7) refere escassez de água e terrenos arenosos na região.
1882
Strab., XVII, 3, 10.
628
O Restauro de Obras
CAPÍTULO II
1883
Isto é, drenar e queimar, como sucedeu com a cidade de Tempe.
1884
Ver Livro X, cap. 13
1885
Strab., V, 1, 7.
1886
Strab., XVII, 1, 3.
1887
Tales de Mileto (c. 624-546 a. C.) foi o engenheiro, geómetra e astrónomo grego, fim-
dador da escola iónica, referido por Aristóteles (Metaph., I, 3) como o primeiro cultor
da filosofia natural e da cosmologia que considerava a água como "[ ... ] primeiro prin-
cípio. Por isso chega a afirmar que a terra descansa na água; e foi provavelmente con-
duzido a esta ideia, porque observava que a humidade alimenta todas as coisas [.. .]" (cf.
trad. esp. de P. Azcárate, 2007). Alberti abre o Livro X, que remata o tratado, relacio-
nando este "primeiro princípio" com a ars aedificatoria.
629
Livro Décimo
humana 1888 • Aristobulo 1889 diz ter visto mais de mil aldeias abandonadas em
<···> porque o rio Indo tinha mudado de curso 1890 • Pela minha parte não
negarei que a água é para os seres vivos como que o sustento do calor e o
alimento da vida. Mas porque falar de plantas? Porque falar das outras coi-
sas que os mortais utilizam? Assim, penso que tudo aquilo que cresce e
medra na terra se reduzirá a nada se lhe tirares a água 1891 • Junto do Eufrates
afastam-se os animais da pastagem porque engordam demasiado em prados
mais fecundos do que basta; consideram que a causa disso é a exuberância
de humidade. Afirmam que no mar se desenvolvem corpos gigantescos
essencialmente porque a água proporciona uma grande abundância de ali-
mento. Lembra Xenofonte que, em sinal de dignidade, se concedia aos reis
da Lacónia terem um lago diante do palácio em frente da porta 1892 • Nas núp-
cias, nas expiações e, por fim, em quase todas as cerimónias usamos a água
segundo um rito antiquíssimo. ·
Todos estes factos são a prova de quanto os nossos antepassados valo-
rizavam a água. Mas quem poderá negar que a sua abundância grandemente
serve e ajuda o género humano de muitos modos, de tal maneira que em
parte nenhuma se deve considerar suficiente, senão quando abundar em
muita quantidade para todos os usos? Começaremos, portanto, pela água,
visto que dela, como se diz, "usamos em boa e má saúde".
Os Masságetas, abrindo o rio Araxe em vários pontos, irrigaram a
região 1893 • O Tigre e o Eufrates foram levados para Babilónia porque estava
edificada numa região seca. Semíramis levou até à cidade de Ecbátana um
aqueduto, tendo perfurado um monte de vinte e cinco estádios 1894 de altura
com um canal de quinze pés de largura 1895 • Um rei Árabe levou a água
desde o rio Coro da Arábia até aos lugares desertos e áridos onde esperava
Cambises, fazendo um aqueduto, se acreditamos em tudo o que diz Heró-
doto, com peles de touros 1896 • Em Samos, entre outras obras extraordinárias,
1888
Vitrúvio, Vlll, Pre., I.
1889
Aristobulo participou na campanha de Alexandre Magno e escreveu uma história do
seu reinado, onde registou dados geográficos e botânicos sobre a Índia. Cf. Strab.,
XV, I, 17.
1890
Strab., XV, 1, 9.
1891
Cf. Vitrúvio (Vlll, 3, 28).
1892
Xen. , Lac. , XIV, 6.
1893
Ver Livro X, cap. 7. Cf. Hdt., I, 201, 1-4. O rio Araxe corre entre a Arménia e a
Pérsia.
1894
Equivalente a 4,62 km.
1895
Equivalente a 4,44 m.
1896
Hdt., III, 9, 3.
630
O Restauro de Obras
1897
Equivalente a 12,93 km
1898
Dado que a órgia é uma medida grega que oscila entre 1,78 m a 1,99 m, então a altura
do monte referido por Alberti, pode variar de 267 m a 298,5 m.
1899
Cidade-estado grega situada na parte norte do istmo de Corinto.
1900
Equivalente a 5,92 m.
190 1
Cf. Fron ., Aq., Proémio.
1902
Na expedição, do sul da Índia ao Tigre, comandada por Nearco (cf. Pearson, 1960,
cap. 5).
1903
App., Hist., VIII, 7, 40. Cila situa-se no norte da actual Tunísia.
1904
Várias cidades têm a designação de Arsínoe, sendo provável que A1berti se refira à
situada na Cilícia, a pequena Arménia.
1905
Sol. , 5, 16.
1906
Sol. , 29, 1.
631
Livro Décimo
1907
Cidade da Sicília ocidental.
1908
Sol. , 5, 17.
1909
Sol., 7, 2. A fonte localiza-se junto ao templo de Júpiter Dodoneu.
191
° Cidade da Sicília, actualmente designada de Cefalú. Cf. Sol. 5, 20.
1911
Plin., Nat., VI, 70.
1912 Sol. , 33, I.
1913
Vitrúvio, VIII, 3, 14; Plin., Nat., VIII, 73 .
1 14
9 Região da Palestina.
19 15
Ou Mar Cáspio.
1916
Vitrúvio, VIII, 3, 23 . Susa é a capital da Susiana, uma província persa.
1917
Sol. , 5, 21. O pântano Gelónio localiza-se na Sicília.
1918
Vitrúvio, VIII, 3, 22. Quios é uma ilha do Mar Egeu.
19 19
Plin., Nat., XXXI, 2, 16.
192
° Cf. Vitrúvio, VIII, 3, 15.
1921
Plin. , Nat., II, 231.
1922
Solino (4, 6) refere-se à Sardenha e não à Córsega.
1923
O elevado número de lacunas que estão presentes no Livro X, provavelmente deixadas
por Alberti e não por indecisão ou erro dos copistas, sugere que se trata de uma obra
por acabar.
632
O Restauro de Obras
CAPÍTULO III
1924
Região da Itália meridional banhada a sul pelo Mar Jónio e a norte e a oeste pelo
Adriático.
1925
Aristóteles (Ph., IV, 212 a 15-18) confirma: "[.. .] quando um 'dentro' se move e muda
de lugar em algo que se move, como um barco num rio, usa o que o cinge mais como
um recipiente do que como lugar" (cf. trad. esp. de G. R. de Echandía, 1995).
633
Livro Décimo
1926
Plut., Mar. , 18, 7.
1927
Rio da Cilícia.
1928
Orvieto, cidade localizada na região italiana do sudeste da Úmbria e situada num
cabeço plano de tufo vulcânico. Cf. Porthogesi, 1966, p. 889, n. 3.
1929
Equivalente a 65,12 m.
634
O Restauro de Obras
CAPÍTULO IV
1930
Ilhas Canárias.
1931
Sol. , 56, 15 e Plin. , Nat., VI, 202-204.
1932
Strab., XI, 14, 4 .
635
Livro Décimo
1933
Joseph., A. I. , III, 3.
1934
Plut., Aem., 14, 1.
1935
Via de 16 km de extensão que ligava Roma a Colácia (Collatia) , no Lácio.
1936
Fron ., Aq., 10, 3-4.
1937
Vitrúvio, VIII, 1, 3.
1938
Plin., Nat., XVIII, 34.
1939
Col., Rust., II, 2.
636
O Restauro de Obras
1940
Equivalente a 29,60 m.
1941
A propósito da analogia que Alberti estabelece entre as interjunturas das páginas (inter-
pacturas paginarum) e as camadas de afloramentos do terreno, cabe citar a "Livraria do
Mondego", situada no vale do Mondego em Penacova, formada por uma crista quartzí-
tica com formas que lembram lombadas de livros inclinados nas prateleiras de uma
estante. Esta "livraria", que é o resultado de as camadas ordovícicas do quartzito armo-
ricano se apresentarem quase verticalizadas, devido a processos geotectónicos, mostra
como a sua estratificação se pode alterar radicalmente e registar visivelmente a história
da terra, à semelhança do que sucede com as páginas de um livro.
1942
Vitrúvio, VIII, I, 2.
637
Livro Décimo
Revelaram também que o próprio lugar, onde está o veio subjacente, foi
conhecido usando uma técnica. Com efeito, são estas as suas instruções.
Num dia limpo de manhã ao raiar do dia deita-te ao comprido no chão de
barriga para baixo e apoia o queixo no solo; a seguir observa as proximida-
des em volta em todas as direcções. Se em algum ponto vires que há uns
vapores a elevarem-se e a encresparem-se no ar, como num Inverno muito
frio costuma ondular a respira'Ção das pessoas, considera que aí não falta
água 1945 • Mas, para teres a certeza, escava nesse lugar uma vala profunda
com a largura de quatro côvados 1946 ; coloca dentro dela ao pôr-do-sol quer
um tijolo há pouco tirado do fomo, quer um velo de lã engordurada 1947 , quer
um recipiente de barro cru, quer um vaso de bronze invertido e bem untado
1943
Ver Livro II, cap. 10.
1944
Variedade de pozolona. Ver Livro II, cap. 12.
1945
Vitrúvio, VIII, I, 1.
1946
Equivalente a I, 77 m.
1947
Um experimento semelhante é descrito por Nicolau de Cusa, in Idiota de Staticis Expe-
rimentis, pela medição do peso de um pedaço de lã, primeiro ressequida e depois
húmida, para se aferir a densidade do ar. Cf. Cus a, 1996, 179.
638
O Restauro de Obras
de azeite, e cobre a vala com tábuas e por cima tapa-as com terra. Se no dia
seguinte de manhã o tijolo subiu muito de peso, se a lã estiver encharcada,
se o vaso de barro estiver húmido, se houver gotas suspensas agarradas ao
vaso de bronze, e igualmente se uma candeia lá encerrada tiver consumido
menos azeite, ou se, fazendo aí uma fogueira, a terra fumegar: sem dúvida
alguma não faltarão águas 1948 •
Em que estação mais convenha fazer isso, não explicaram suficiente-
mente. Mas encontro nos escritores o seguinte: durante o período da caní-
cula a terra e os corpos enchem-se de humidade - do que resulta que
durante esses dias as árvores fiquem muito húmidas sob a casca com a exu-
berância de água; além disso, durante essa estação, nos seres humanos solta-
-se o ventre e, por causa da excessiva humidificação dos corpos, grassam as
febres com frequência -; as águas, também durante essa estação, sobem
mais do que é costume. Teofrasto pensava que a causa deste fenómeno era
que então sopravam os austros, que por sua natureza são húmidos e nevoei-
rentes 1949 • Aristóteles afirmava que a terra era obrigada pelo fogo que está
misturado nas suas entranhas a expelir vapores 1950 • Se é assim, nesse caso
convêm quer as estações em que este fogo é mais forte ou for menos com-
primido pela abundância de humidade, quer as estações em -que a terra não
fica completamente mirrada e ressequida. Quanto a mim aprovo para esse
efeito a estação da primavera nos lugares mais secos e a do Outono nos
mais sombrios.
Assim pois, com a esperança confirmada por estes indícios que disse-
mos, IniCiaremos a escavação.
CAPÍTULO V
1948
Cassiod., Var., III, 53.
1949
Theophr., Vent., II, 16-37.
1950
Arist., Mete., I, 3, 340 b 25.
639
Livro Décimo
195 1
Vitrúvio, VIII, 6, 13, e Plin., Nat., XXXI, 49.
1952
Vitrúvio, VIII, 6, 14-15.
1953
Equivalente a 1,33 m.
1954
Vitrúvio (VIII, 6, 13) recomenda que a parede do poço seja revestida com assa struc-
tura , i.e. com pedra seca, sem argamassa.
1955
Equivalente a 44,32 cm.
640
O Restauro de Obras
CAPÍTULO VI
1956
Theophr., H. P , II, 6, 1.
641
Livro Décimo
mente frio . E pensam que as águas frias, sobretudo depois das refeições,
revigoram o estômago de quem passa bem de saúde; porém, um pouco mais
geladas, provocam indisposição mesmo nos mais fortes, batem com força
nas vísceras, abalam os nervos e com a sua crueza extinguem a capacidade
de digerir.
O rio Oxo - diz <···> - é insalubérrimo para beber, porque está sempre
turvo 1957 • Apoderam-se dos habitantes de Roma umas febres graves, provo-
cadas tanto pela instabilidade do bar, como pelos vapores nocturnos do rio,
e ainda pelos ventos pós-meridianos: estes, à nona hora do dia 1958 quando os
corpos mais fervem de calor, sopram gelados e contraem as veias. Mas em
minha opinião não só as febres, senão ainda quase todas as doenças malig-
nas provêm das águas do Tibre que todos bebem quase sempre turvas. E é
por isso que os médicos antigos aconselham que usemos vinagre de cebola
albarrã 1959 para curar as febres romanas. Volto ao assunto.
Investiguemos qual é a melhor água. Em relação às águas Celso, o
médico, estabeleceu o seguinte: a água mais leve é a pluvial, em segundo
lugar a da fonte, em terceiro a da ribeira, em quarto a do poço, por fim
aquela que se liquefaz a partir da neve ou do gelo; destas a mais pesada é
a que provém do lago; mas a pior de todas é a do pântano 1960 • No sopé do
monte Argo, a cidade de Mazara abunda em águas, aliás boas, mas no Verão
são insalubres e pestilentas, porque não têm para onde correr 196 1•
Todos os peritos estão de acordo em dizer que a água é por sua natu-
reza um corpo impermisto e simples, ao qual é inerente a frialdade e a
humidade. Por isso, diremos que a melhor água é aquela que em nada é
alheia e desviada da sua natureza. Por tal motivo, se não for isenta de toda
a mistura de placidez e de toda a deficiência no sabor ou no cheiro, sem
dúvida alguma será muito prejudicial à saúde, obstruindo todas as vias inte-
riores de arejamento, como dizem, entupindo as veias, e bloqueando e sufo-
cando os sopros, ministros da vida. É por isso que dizem que a chuva, uma
vez que. é formada por tenuíssimos vapores condensados, é justamente a
melhor de todas as águas, contanto que não tenha o defeito de apodrecer
facilmente, quando armazenada, e de adquirir mau cheiro, e de, tomando-se
1957
Plut., A/ex., 57, 5-7.
1958
Isto é, às 3 da tarde.
1959
A cebola albarrã é uma planta nativa das costas mediterrâneas utilizada para fins medi-
cinais. Cf. Plin., Nat., XX, 97.
1960
Ce/s., 11, 18.
196 1
Ver Livro X, cap. 1.
642
O Restauro de Obras
mais gorda, provocar pnsao de ventre. Disseram que isso acontece porque
são absorvidas das nuvens e estas se formam a partir de águas muito dife-
rentes e diversas, reunidas numa só mistura, como é o caso da água do mar,
no qual conflui todo o género de nascentes; e nada se pode encontrar tão
apto e propenso à corrupção como a mistura confusa de elementos disseme-
lhantes. O sumo de várias espécies de uvas misturado num só é incapaz de
envelhecimento." Entre os Judeus existiu uma lei muito antiga, que proibia
que se semeassem sementes que não fossem escolhidas e simples, indicando
que a natureza domina totalmente a mistura de elementos dissemelhantes 1962 .
São de opinião diferente aqueles que concordam com Aristóteles e pensam
que os vapores absorvidos da terra se condensam primeiro, por acção do
frio , numa espécie de cerração, numa zona da atmosfera que é gélida, e
depois chovem sob forma de gotas 1963 •
Teofrasto dizia que as árvores de cultivo apanhavam doenças mais
depressa que as selvagens: estas, enrijecidas por uma dureza indomável,
resistiam mais tenazmente aos ataques fortuitos; aquelas, porém, devido à
sua brandura revelavam-se mais incapazes de resistir por terem sido domes-
ticadas pela disciplina a obedecer 1964 • Eles pensam que o mesmo se passa
com as águas: quanto mais brandas as tomares, tanto mais passíveis ficam,
para usar as suas palavras. E afirmam que daí vem que essas águas, fervidas
e domesticadas pelo lume, arrefecem muito mais depressa e de novo fervem
muito mais depressa. Mas quanto à água da chuva, basta.
Não há ninguém que não aprove que a mais próxima da água da chuva
é a das nascentes. Mas os que preferem os rios às nascentes replicam assim:
que outra coisa diremos que é um rio, senão a exuberância e a confluência
de várias nascentes num só conjunto e num só leito amadurecido pelo sol,
pelo movimento e pelos ventos? Argumentam que um poço também é uma
nascente mas mais profunda. Mas, se não negarmos que os raios do sol têm
alguma influência nas águas, toma-se evidente qual da água destas nascentes
é a mais crua; a não ser, porventura, que aceitemos que nas entranhas da
terra se movimenta um sopro ígneo que aquece as águas subterrâneas. As
águas dos poços - diz Aristóteles - ficam tépidas no Verão depois do meio-
-dia 1965 • Há quem assevere que as águas dos poços no Verão são frescas,
mas parecem geladas por comparação com o ar quente. Portanto, contra a
1962
Cf. Lev. 19: 19.
1963
Arist., Mete., I, 9, 346 b 20-347 a 12.
1964
Theophr., H. P , III, 2, l.
1965
Arist., [Pr. ], XXIV, 2.
643
Livro DéCimo
1966
Alberti refere-se, sem dúvida, a Avicena (980-1037), e a outros médicos que escreveram
em árabe. Língua púnica ou cartaginesa, falada numa parte do Norte de África na Anti-
guidade, é pois a língua árabe falada em toda a África Setentrional no tempo de Alberti
e, por sinédoque, a língua árabe em geral. (Nota do Tradutor).
644
O Restauro de Obras
que as diurnas 1967 • Destas consideram mais salubre a que cair quando sopra
o Aquilão 1968 • Columela diz que a água pluvial não será muito má se for
conduzida por canais de barro para uma cisterna coberta: a céu aberto e ao
sol, facilmente apodrece 1969 • Conservada em recipiente de madeira está
sujeita a estragar-se.
As ágüas das nascentes também diferem entre si. Hipócrates conside-
rava as melhores de todas aquelas que jorram no sopé dos montes 1970 • Além
disso, os Antigos classificavam as nascentes. De tal maneira que considera-
vam em primeiro lugar entre as melhores aquela que estiver voltada a norte
ou ao nascente equinocial; em último lugar, porém, a nascente voltada a sul;
próximas das melhores consideram aquelas que estejam voltadas ao nascer
do sol no Inverno; e nem sempre desprezam totalmente as que estão volta-
das a poente.
Um lugar habitualmente molhado de orvalho abundante e levíssimo dará
águas muito suaves. Com efeito, o orvalho não se espalha senão em lugares
tranquilos, limpos e de àr temperado. Teofrasto pensava que a água estava
impregnada de terra da mesma maneira que nos frutos a seiva da videira e
das árvores, os quais sabem todos à terra que sugaram e às que estiverem
junto às suas raízes 1971• Os Antigos disseram que havia tantas qualidades de
vinhos quantas são as glebas da terra onde está plantada a videira. Os
vinhos de Pádua - dizia Plínio - sabem ao salgueiro com que eles casavam
as videiras 1972 • Para purgar o ventre sem perigo, Catão ensina a tratar as
videiras com heléboro, lançando molhos dessa erva junto das raízes quando
se faz a ablaqueação 1973 • É por isso que julgam que se devem preferir as
águas que irrompem de uma rocha viva às que borbotam de uma terra lama-
centa. Mas consideram que são superiores a todas, as águas que brotam de
uma terra que, se a deitares numa bacia e á amassares com água, para fazer
lama, abrandando o movimento, de imediato fica consistente e não deixa a
água com cor, sabor e cheiro de algum modo impuro. Pela mesma razão
Columela considerava as melhores águas as que se preCipitam através dos
1967
Theophr. , C. P, II, 2, 4.
1968
Vento de nordeste.
1969
Col. , Rust., I, 5, 2.
1970
Hippoc., Aer., VII, 10.
1971
Cf. Vitrúvio, VIII, 3, 26; Theophr. , H P, IX, 4.
1
m Plin., Nat., XIV, 110.
1973
O he1éboro é uma planta nativa da Europa, Mediterrâneo e Ásia, altamente tóxica,
usada antigamente em veterinária e, supostamente, para curar doenças mentais. Cat.,
Agr. , 114, 1-2.
645
Livro Décimo
1974
Columela (Rust., 1, 5, 2) afirma, no entanto, que a água da chuva é a mais saudável.
1975
Vento de norte.
646
O Restauro de Obras
1976
Serv. , A., VII, v. 84.
1977
Ulp., XLIII, 14, 3-4; Var., L., V, 25.
1978
Ver Livro X, cap. 2.
647
Livro Décimo
CAPÍTULO VII
Finalmente, depois de encontrada e aprovada a água, deve-se prover a
que seja transportada da maneira mais adequada e posta a uso da forma
mais conveniente que é possível. Há duas maneiras de transportar a água: ou
se desvia por •uma ,conduta, ou se força por meio de canos. Em ambos os
casos a água não se moverá a não ser que o lugar para onde é levada seja
mais baixo do que o ponto de onde iniciou o movimento. Mas há uma dife-
rença: a água desviada por condutas tem de descer de forma contínua, ao
passo que a que é metida nos' canos pode subir um pouco em alguma parte
do percurso. É disso que devemos falar. Portanto é necessário referir antes
alguns aspectos a propósito desta matéria.
Os que investigaram estes aspectos dizem que a terra é esférica, embora
numa grande parte, eriçada de montes e também numa parte grande reves-
tida de mar; mas, num globo de tal grandeza, mal se sente a aspereza e
passa-se o mesmo que num ovo que, embora sendo áspero, todavia não se
notam as suas saliências pequeníssimas em relação à grandeza do seu con-
1979
Ver Livro I, cap. 4.
648
O Restauro de Obras
tomo; e consta de facto que o círculo maxtmo da terra mede <:··> está-
dios 1980 ; e não se encontra nenhum monte tão alto nem uma água tão pro-
funda, cuja perpendicular exceda quinze mil côvados 198 1 - nem mesmo o
Cáucaso 1982 , cujo cimo é iluminado pelo sol até à terceira hora da noite 1983 •
Situa-se na Arcádia o monte mais alto de todos, o Cileno 1984 : os que medi-
ram a sua perpendicular asseguram que não excede _vinte estádios 1985 •
E acham que o mar deve ser considerado como um borrifo semelhante ao
orvalho estival num fruto 1986 •
Há quem diga por graça que o criador do mundo se serviu da cavidade
do mar como de um selo quando no princípio formou os montes. A isto
acrescentam os· geómetras um aspecto que vem notavelmente a propósito da
nossa questão: que uma linha recta tangente ao globo terrestre, se a partir do
ponto de tangência .for prolongada em comprimento mil passos 1987 , será tal
que a distância que há entre essa linha e o círculo máximo da terra não
excederá dez dedos 1988 ; por tal motivo a água não se move na conduta, mas
fica estagnada, se de oito em oito estádios 1989 a conduta não tiver o fundo
mais abaixo um pé 1990 completo do que o lugar de onde for feito o corte na
1980
Vitrúvio (1, 6, 9) refere o resultado dos cálculos de Eratóstenes de Cirene, feitos por
métodos geométricos, como sendo de duzentos e cinquenta e dois mil estádios, isto é,
próximo da estimativa actual de 40 075 km. Portoghesi (1966, p. 918, n. 1) informa que
foi encontrado um códice com aquele valor, mas que não foi incluído no texto por se
suspeitar ter sido aposto posteriormente à sua feitura, dado que estava escrito em nume-
ração árabe.
198 1
Equivalente a 6,65 km.
1982
Na cordilheira do Cáucaso, localizada entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, situa-se o
Monte Elbrus, com cerca de 5,64 km de altitude, a montanha mais alta da Europa, à
qual provavelmente Alberti se refere.
1983
Arist., Mete., I, 13, 350 a 33.
1984
Actualmente monte Killini, situado a oeste de Corinto e localizado na parte central do
Peloponeso.
1985
Equivalente a 3,69 km.
1986
Alberti, ao rematar o tratado, intensifica o uso de metáforas literárias para tomar o
texto, que se centra em questões técnicas de hidráulica e de restauro de obras, mais per-
suasivo.
1987
Equivalente a 1,48 km.
1988
Equivalente a 18,5 cm. Cf. os Ex ludis rerum mathematicarum, ou jogos matemáticos,
onde Alberti (2002, pp. 58-59) apresenta um método geométrico para nivelar e regula-
rizar os cursos de água.
1989
Equivalente a 1,48 km.
1990
Equivalente a 29,6 cm.
649
Livro Décimo
margem 199 1 (lugar este que os jurisconsultos chamam incile 1992 , assim cha-
mado a partir da incisão 1993 da pedra ou da terra, que se faz para desviar a
água). Se, porém, nesse espaço de oito estádios 1994 a conduta se inclinar
mais de seis pés 1995 , consideram que o curso de água, devido à sua rapidez,
se toma dificil para os navios 1996 •
Para discernir se, a partir da sanja, o fundo da conduta escavada para
servir de canal de derivação está mais baixo e qual é a sua inclinação na
descida, foram inventados instrumentos e uma técnica extremamente útil. Os
operários, desconhecedores dessa técnica, sabem-no por experiência usando
uma bola que colocam dentro do canal: se esta rolar, consideram que o
espaço estará inclinado quanto basta. Os instrumentos dos peritos são o
nível, o esquadro e outros semelhantes que são formados por um ângulo
recto. Esta é uma técnica pouco comum; mas nós explicá-la-emos apenas na
medida em que se aplica à prática. Faz-se com o olhar e uma mira; nós a
ambos chamamos~lhes pontos.
Se no lugar por onde a água deve ser levada a planície for rasa, haverá
duas formas de dirigir o olhar. Com efeito, colocar-se-á uma espécie de mar-
cos e de limites, a pequenos intervalos ou a espaços mais longos entre si.
Quanto mais próximos forem os pontos extremos do intervalo, tanto menos
a direcção do olhar se afastará da curvatura da terra; e quanto mais distan-
tes forem os intervalos, tanto mais se achará que a curvatura da terra e o
solo estão em declive em relação à linha horizontal do nível. Far-se-á com
que por cada mil passos 1997 o desnível seja de dez dedos 1998 •
1991
Para a embocadura da conduta.
1992
Em português sanja, i.e. abertura ou dreno para escoar águas. Cf. Ulp., XLIII, 21, 5.
1993
Com esta explicação, Alberti pretende fazer derivar incile do verbo incido que em latim
significa cortar.
1994
Equivalente a 1,48 km.
1995
Equivalente a 1,78 m.
1996
Alberti propõe que a inclinação das condutas varie entre um a seis pés por oito está-
dios, equivalente a 0,20 e a 1,2 m por km, enquanto Vitrúvio (VIII, 6, 1) recomenda
um valor não menor do que um quarto de dedo por cem pés, o que corresponde a
0,2 m por km ou, noutra interpretação dos antigos manuscritos do De architectura, de
meio pé por cada cem pés, correspondente a 5 m por km. Em qualquer dos casos, a
indicação de Alberti é mais precisa e conservadora, quando comparada com os resul-
tados sugeridos por Vitrúvio (cf. Callebat, 1973, pp. 27 e 146-147, in Vitrúvio, VIII,
6, 1).
1997
Equivalente a 1,48 km.
1998
Equivalente a 18,5 cm.
650
O Restauro de Obras
Se, porém, a planície não for rasa, mas no meio houver uma elevação
do terreno, ainda aqui haverá duas formas: uma, consiste em determinar a
altura do lado da sanja, a outra em determinar a mesma altura do lado do
emissário. Chamo emissário ao local destinado ao uso, aonde se quer que a
água chegue, para daí sair livremente ou para determinados usos. Aí as altu-
ras determinam-se espaçando os degraus das medições. Digo aqui degraus,
por semelhança com os degraus pelos quais subimos ao templo 1999 • Uma das
suas linhas é o raio produzido pela vista de quem olha para uma altura igual
à da vista- isso faz-se com a ajuda de um nível e também de esquadros -;
a outra linha é a que cai perpendicularmente da vista do medidor quando
esta olha para os seus pés. Em tais degraus regista a partir da perpendicular
qual das alturas é superior, se do lado em que sobes para o vértice da sanja
ou se, pelo contrário, do lado do emissário 2000 •
A segunda forma consistirá em traçar uma linha da sanja até ao cume
da elevação que se ergue no meio e a partir daí traçar também uma linha em
direcção ao emissário e registar pelos métodos dos geómetras os ângulos
formados, que se correspondam entre si. Mas esta forma é ligeiramente mais
dificil de entender e não suficientemente segura de executar. Num grande
intervalo, um erro de ângulo, que seja cometido na vista do observador,
embora seja pequeno, tem todavia muitíssima influência no resultado.
1999
O "primeiro princípio" de Tales de Mileto é, assim, associado com os degraus do tem-
plo. Ver nota n.0 1887.
2000
Sobre o processo de medição das alturas vejam-se os Ex ludis rerum mathematicarum,
ou jogos matemáticos, onde Alberti (2002, pp. 31-36) descreve diversos métodos para
medir a altura de uma torre por meio de triangulações.
651
Livro Décimo
200
I Equivalente a 2,96 m.
2002
Referência à Descriptio urbis Romae (pp. 173-183), Qem como aos Ex ludis rerum
mathematicarum (pp. 64-69).
652
O Restauro de Obras
ou tufo, ou barro mais denso, ou algo parecido, que não embeba a água, não
é necessária uma obra de construção; onde, porém, o fundo e os lados não
forem consistentes, nesse caso haverá uma construção de alvenaria. Se o
mesmo canal passar pelas entranhas da terra, então escavar...se-á pelos pro-
cessos que acima referimos. Nos túneis abrir-se-ão, de cem em cem pés 200\
poços de ventilação, e a escavação será consolidada por uma obra de alve-
naria, conforme a consistência do terreno exigir 2004 •
2003
Equivalente a 29,60 m.
2004 Vitrúvio (VIII, 6, 3) sugere que estes poços ou respiradouros devem estar afastados 120
pés (35,46 m).
2005 Referência ao emissário do Lago Albano. Cf. Suet., C/. , 20.
653
Livro Décimo
2006
Fron., Aq., 4, l.
2007
Frontino (Aq., 64, 2) regista nove aquedutos na cidade de Roma.
2008
Equivalente a 35,52 m.
2009
Equivalente a 88,65 km.
20 10
Este procedimento estava em uso no tempo de Alberti, dado que as cidades por onde
passa o Tibre, que nasce na Toscana, atravessa a Úmbria e o Lácio e desagua no Mar
Tirreno, estavam sujeitas às incursões inimigas.
2011
Cf. Vitrúvio, X, 8, 1-6.
2012
Equivalente a 11 ,1 cm. Ver Livro VI, cap. 1O.
654
O Restauro de Obras
201 3
Ulp., XLIII, 21 , 3-5.
20 14
Ulp., XLIII, 21 , 3.
20 15
Equivalente a 29,60 m.
20 16
Equivalente a 5,92 m.
20 17
Equivalente a 8,88 m.
20 18
Equivalente a 4,44 m.
655
Livro Décimo
20 19
Referência ao escorbuto, dado que a oxidação do cobre, que tanto pode ocorrer lenta-
mente a frio, como rapidamente a quente, anula as propriedades terapêuticas do ácido
ascórbico.
2020
Plin., Nat., XXXI, 31.
202 1
Equivalente a 3;55 m.
2022
Vitrúvio, VIII, 6, 7.
656
O Restauro de Obras
CAPÍTULO VIII
Passo às cisternas. A cisterna é uma espécie de recipiente maior não
dissemelhante do reservatório. É, pois, indispensável que, no fundo e em
todos os seus lados, seja bem construída, sólida e estável. E também serão
duas as espécies de cisternas: uma em que a água sirva para beber, outra
para diferentes usos, por exemplo para os incêndios. Nós, seguindo um
velho hábito, chamaremos à primeira "a potável", assim como os Antigos
chamavam à baixela "a alimentícia"; à segunda, porém, que é preparada para
657
Livro Décimo
conter águas de qualquer espécie, e que vale pela sua capacidade, chamar-
-lhe-emos "a armazenária" 2023. É muito importante se uma cisterna "potável"
proporciona água pura ou impura. Em ambas as cisternas é necessário velar
por que a água seja correctamente recebida, correctamente armazenada e
correctamente distribuída.
Está à vista que a água é lançada na cisterna por condutas que a trazem
de um rio ou de uma nascente; e em toda a parte houve o costume de reco-
lher as chuvas das coberturas ou do pátio. Mas a mim agradou-me muito a
invenção de um arquitecto que, num penedo, vasto e liso, que se elevava rio
ponto mais alto de um monte, talhou uma cova circular com dez pés de pro-
fundidade 2024, a qual por uma espécie de cornija traçada em redor, recolhia
do vértice nu daquele monte toda a chuva que caía No lugar em baixo, no
sopé do monte, em chão plano, construiu uma cisterna "armazenária" com
tijolos e argamassa acessível de todos os lados, com a altura de trinta
pés 2025 , a largura de quarenta e o comprimento de quarenta 2026 ; e distribuía
pelos canos a água da chuva que recolhia nela por uma conduta subterrânea
vinda da cova lá de cima. Com efeito, essa cova estava situada num ponto
muito mais elevado do que a cobertura da cisterna "armazenária".
Se pavimentares a cisterna com cascalho ou areia pluvial graúda bem
lavada, por exemplo até à altura de três pés 2027, ela proporcionará água pura,
natural e fresca; quanto mais grosso for esse pavimento, tanto mais límpida
será a água.
Às vezes a água das cisternas escapa-se pelos interstícios de uma
"armazenária" mal construída e cheia de fendas. De facto, é muito dificil
conter a água dentro do cárcere das paredes, a não ser que a construção seja
muito sólida e sobretudo feita de pedra de boa qualidade. E antes de mais
convém que a obra esteja absolutamente seca antes de se encher de água:
2023
Note-se que escarius deriva de esca (comida, alimento), e por isso significa "alimentí-
cio, o que tem a ver com os alimentos", tanto o que se come, como a baixela em que
se serve. Assim, por analogia com argentum escarium (Ulp., XXXIV, 2, 19, 12), que
tem o significado de baixela de prata, Alberti forma os neologismos cisternam potoriam
(cisterna potável, isto é, de água para beber) e cisternam capaquiam (cisterna "armaze-
nária"), isto é, destinada a armazenar água de qualquer espécie, possivelmente derivada
por Alberti de càpax, que contém ou pode conter, que tem capacidade de armazenar,
que armazena.
2024
Equivalente a 2,96 m.
2o2s Equivalente a 8,88 m.
2026
Equivalente a 11 ,84 m.
2027
Equivalente a 88,6 cm.
658
O Restauro de Obras
com efeito, esta, com o seu peso, exerce pressão e evapora-se pelos pontos
húmidos e, encontrando poros, limpa-os gotejando por eles, até que acaba
por escorrer livremente como por tubos mais largos. Os nossos antepassados
para acudirem a este inconveniente, aplicavam várias camadas de argamassa
sobretudo nos ângulos das paredes, e com extremo cuidado revestiam a obra
com uma capa de estuque. Mas nada melhor para impedir aqui as fugas de
água do que a argila introduzida entre a parede da cisterna e o lado do
fosso, e muito adensada como uma pisa intensa. Nós ordenamos que numa
obra deste género se use argila sequíssima e reduzida a pó.
Há quem pense que, se obturares perfeitamente um recipiente de vidro
cheio de sal, usando para isso cal amassada em azeite, para que nem gota de
água penetre no recipiente, e o introduzires na cisterna de modo a ficar mer-
gulhado no meio das águas, sucederá que essas águas apodrecem sem
demora. Alguns acrescentam ainda prata viva. Julgam outros que se introdu-
zires um recipiente de barro, novo, cheio de vinagre forte, bem tapado, como
dissemos, rapidamente a água mucosa se renova. Dizem que a cisterna e o
poço se tomam mais limpos pondo lá peixes: de facto os peixes, segundo se
julga, comem e consomem o musgo da água e a humidade da terra.
Repete-se uma antiga máxima de Epígenes 2028 : a água que, uma vez
apodrecida 2029 , se purificar com o tempo e renovar, não voltará a apodrecer.
A água que começar a apodrecer, se for intensamente agitada e uma e outra
vez remexida e movimentada, perderá o mau cheiro. Consta que o mesmo
acontece ao vinho e também ao azeite. Tendo Moisés - diz Josefo - che-
gado a um lugar deserto, e não havendo mais nada senão um poço de água
amarga e suja, mandou tirar alguma; tendo um soldado executado a ordem,
remexendo a água e agitando-a, ela tomou-se potável 2030 • Há a certeza de
que as águas se purificam fervendo-as e destilando-as. As águas nitrosas 203 1
e amargas dizem que se suavizam misturando-lhes farinha de cevada, de
modo que se tomam bebíveis dentro de duas horas.
Mas, além disso, para que nas cisternas "potáveis" se propicie uma
água mais pura, será de lhes associar um poço fechado a toda a volta pela
sua própria parede, colocado em lugar conveniente, com um fundo mais
202
M Provavelmente trata-se de Epígenes de Rodes, autor de livros de agricultura, citado por
Varrão (R., lll, 1), Columela (Rust., I, 7, 9) e Séneca (Nat., I, 7, 3)
2029
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXI, 34) apresenta septies e não semel, isto é, sete e não uma
vez. Cf. Portoghesi, 1966, p. 936, n. I.
2030
Joseph., A. 1. , III, 8.
2031
Cf. Vitrúvio, VIII, 3, 5, e Plin, Nat., XXXI, 59.
659
Livro Décimo
abaixo que o da cisterna. Este poço terá nos lados janelos fechados com
pedra porosa ou pedra-pomes, para que a água da cisterna não penetre nele,
a não ser depois de deixar para trás as misturas mais grossas e de estar bem
limpa. Perto de Tarragona em Espanha encontra-se púmice branco, cheio de
pequeníssimos poros, pelos quais a água sai gotejando limpíssima. Será tam-
bém filtrada se obstruíres o janelo por onde há-de passar, com um recipiente
atravessado todo ele por muitos orificios e depois enchido de areia fluvial, a
fim de que a água penetre através da areia finíssima. Em Bolonha possuem
um tufo arenáceo de cor fulva 2032, através do qual a água destila, levíssima,
gota a gota.
Há quem faça pão com água do mar, apesar de nada existir mais pro-
penso a provocar doenças do que ela: tão grande força têm as filtragens que
referimos para a tomar salubre. A água marinha - diz Solino - toma-se doce
se for filtrada por argila 2033 • E é certo que perde o sal, quando é filtrada uma
e outra vez por areia fina de uma torrente. Se tiveres um recipiente de barro
bem fechado imerso no mar, encher-se-á de água doce 2034 • E vem aqui a pro-
pósito o seguinte: a água ficará de imediato límpida se esfregares uma
amêndoa sobre o rebordo e a margem da água do recipiente onde puseram
água turva do rio Nilo. É suficiente o que foi dito.
Se algum dia as condutas de tubos começarem a ficar obstruídas com
lodo, introduz no tubo um bugalho ou uma bola feita de cortiça presa por
um fio ténue e muito comprido. Quando a água que corre pela conduta fizer
chegar a bola à sua extremidade inferior, a este fio ténue prende outro mais
resistente e depois uma corda de esparto. A seguir, puxando de um lado e do
outro a corda, serão varridas as coisas que provocavam o entupimento.
CAPÍTULO IX
2032
Tipo de arenito com propriedades filtrantes.
2033
Trata-se de uma citação de Plínio-o-Antigo (Nat., XXXI, 70).
2034
Arist., Mete., II, 3, 359 a l-3, e S. H. A., VIII, 2, 590, a 27; Plin. , XXXI, 37.
2035
Ver Livro V, cap. 15.
660
O Restauro de Obras
2036
Equivalente a 2,66 m.
2037
Equivalente a 4,44 m.
2038
Perpendicularmente ao declive.
2039
Isto é, a Gália Cisalpina.
2040
O rio chamava-se Líris, hoje Garigliano. Cf. Tac., Ann., XII, 56.
204 1
Mânio Cúrio Dentato foi cônsul e censor no séc. III d. C.
661
Livro Décimo
derivou o lago Velino a fim de que ele corresse para o rio Nare 2042 . E vemos
igualmente que o lago de Némi 2043 foi derivado, através de um monte perfu-
rado, para o lago de Laurente; e graças a isso ficaram livres das águas aque-
les amenos jardins e o pomar abaixo do lago do Némi. César decidiu fazer
muitos canais junto de llerda 204 \ para desviar uma parte do rio Sícoris 2045 •
O Erimanto 2046 , que os habitantes encurvaram com vários meandros para
regar o campo, consome-se de tal forma que, já sem nome, lança no mar o
resto da água 2047 . Ciro ramificou o Ganges fazendo numerosos canais; diz
Eutrópio 2048 que eram quatrocentos e sessenta; e ficou reduzido a tal exigui-
dade que se atravessava a pé enxuto. Junto do túmulo de Aliates 2049 em Sar-
des (que foi construído na maior parte pelas escravas) existe o lago
Coloo 2050 feito artificialmente para receber as cheias. Méris 205 1 escavou na
Mesopotâmia, acima da cidade de <···>, um lago com o perímetro de trezen-
tos e sessenta estádios 2052 , a profundidade de cinquenta côvados 2053 , a fim de
receber as águas do Nilo quando ele transbordasse mais violentamente 2054 •
2042
Ver Livro II, cap. 9. Cf. Cic., Att., 15, 5. O desvio do lago Velino para o rio Nare,
afluente do Tibre, hoje conhecido por Nera, foi realizado para sanear a planície palu-
dosa de Rieti.
2043
Ver Livro V, cap. 12, sobre as operações de recuperação de um dos navios afundados
neste lago em 1447, orientadas por Alberti.
2044
Cidade da Hispânia Terraconense, hoje Lérida.
2045
César (Civ., I, 61 , I) mandou fazer os canais para abrir uma passagem a vau no rio que
hoje é conhecido por Serge, um afluente do Ebro.
2046
Rio da Arcádia conhecido hoje por Diminiza.
2047
Curt., VIII, 9.
2048
Historiador da segunda metade do séc. IV d. C. que publicou um resumo da história de
Roma, o Breviarium ab urbe condita.
2049
Aliates: Rei lídio (c. 610-540 a. C.), pai de Creso e fundador do império lídio, cujo
túmulo assenta numa base de pedras e o resto é feito de terra amontoada (Hdt., I, 93).
205
° Conhecido por lago Giges, hoje Marmara Gõlü. Trata-se de um rio perene e não de um
lago artificial que se localiza a norte da necrópole onde se identificou o túmulo de Alia-
tes (cf. Strab., XIII, 4, 7).
205 1
Provavelmente Amenemhet III, faraó da XII dinastia do Egipto.
2052
Equivalente a 66,49 km.
2053
Equivalente a 22, 16 m.
2054
Frase indecifrável que, de acordo com a conjectura de Caye - Choay (2004, p. 501 , n.
135), é induzida por Heródoto (II, 149-150). Este afirma que o lago Méris se situa "no
interior das terras" (mesogaian) e daí Alberti ter referido a Mesopotâmia. No entanto,
de acordo com os comentários de Lloyd (1975, p. 134) ao Livro II de Heródoto, não
existem evidências literárias ou arqueológicas de que os trabalhos de engenharia da XII
dinastia estejam associados ao lago Méris, situado a 80 km do Cairo.
662
O Restauro de Obras
Nas margens do Eufrates, para ele não arrastar as casas da cidade, além dos
diques que o refreavam, acrescentaram ainda alguns lagos para receberem a
violência do rio. Acrescentaram-lhe também enseadas escavadas, de enorme
extensão, a fim de oporem, como um espécie de açude, as suas águas para-
das e tranquilas às águas sublevadas do rio 2055 .
Acabámos, pois, de falar das águas, dos casos onde são em excesso e,
em parte, onde são funestas. Se, porem, algum aspecto faltou a esta matéria,
falaremos dela a seguir quando tratarmos do rio e do mar.
CAPÍTULO X
Segue-se que os víveres que uma região não pode proporcionar aos seus
habitantes, devem ser recebidos de fora comodamente, na medida do possí-
vel. Para este fim contribuem os caminhos e as vias, que devem ser tais que
possam transportar os produtos necessários com a maior facilidade e como-
didade nas estações próprias.
Quanto aos caminhos - assunto que aflorámos em seu lugar - são dois
os seus géneros: o terrestre e o aquático 2056 . Para que uma via não seja
lamacenta nem danificada pelas carroças, é preciso, além dos aterros, de que
falámos em outro lugar, fazer com que apanhe muito sol, muito vento, e o
mínimo de sombra 2057 • Num bosque de Ravena, pelo facto de terem arran-
cado árvores, e alargado a via, e deixado entrar o sol, ela fez-se, já no nosso
tempo, de estragadíssima que estava, extremamente cómoda. O mesmo efeito
se pode ver debaixo das árvores que estão ao longo do caminho: aí o solo,
por causa da sombra, demora mais a secar, formando-se, devido ao atrito
dos cascos dos animais, poças que, recolhendo a chuva, estão sempre com
água e ampliam o seu tamanho.
As vias aquáticas são de duas espécies: uma, que se pode regular, como
um rio e um canal de água; a outra, que não se pode, como é o caso do
mar. E parece-me poder afirmar que nos rios há os mesmos defeitos que
num recipiente, onde acaso o fundo e os lados não sejam aptos, nem intac-
tos nem apropriados. Com efeito, sendo necessária uma enorme quantidade
2055
Heródoto (I, 185-186) assinala que estas obras foram feitas pela rainha Nitócris.
2056
Ver Livro IV, caps. 5, 7 e 8.
2057
Ver Livro IV, cap. 5.
663
Livro Décimo
de água para transportar os rravios, se ela não estiver contida por margens
firmes, irromperá e, devastando o campo, derramar-se-á a larga distância e
espalhar-se-á, de tal modo que perturbará o uso dos caminhos até mesmo
dos terrestres. Além disso se o fundo for muito oblíquo (quem duvida?) a
corrente que avança precipitadamente repelirá um navio que vai no sentido
contrário. Acrescente-se que, se houver alguma saliência ou escolho que se
eleve do fundo, impedirá a passagem. Quando transportaram o obelisco 2058
do Egipto para Roma, compreenderam que o Tibre é melhor que o Nilo para
a navegação: este sem dúvida espraia-se por um espaço amplo; aquele é
mais poderoso devido à sua grande profundidade 2059 . E para o transporte dos
navios não necessitamos mais da abundância das águas do que da sua pro-
fundidade; embora também a largura seja importante para este tipo de uso:
pois as águas ficam mais lentas devido às margens.
Sempre que o rio não tiver .um fundo estável, não terá também margens
minimamente sólidas. Quase todos os fundos são estáveis, excepto aquele
tipo que dissemos ser aprovado para as obras dos edifícios, isto é, aquele
que, devido à sua solidez, resiste ao próprio ferro 2060 ~ E será totalmente
móvel aquele que estiver assente em margens de argila, em terreno plano,
em solo de seixos redondos que rolam. Um rio que tenha margens instáveis,
terá também um leito rugoso e impedido pela acumulação de escombros ·e
troncos ou pedras, e pela massa de detritos que se atravessam no rio. Serão
totalmente instáveis e mutáveis a cada momento as margens formadas pelos
depósitos aluviais. Desta labilidade das margens resultam os fenómenos que
se contam acerca dos rios Menandro 206 1 e Eufrates: aquele, porque passa
pelo meio de um solo instável, cada dia faz numerosos meandros novos 2062 ;
o Eufrates muitíssimas vezes obstrui com os destroços das margens os
canais por onde é desviado 2063 .
A este tipo de defeitos das margens proviam os nossos antepassados,
em primeiro lugar, com a construção de diques. O modo de construir os
diques tem por referência os processos seguidos nas outras construções: é
2058
Ver Livro VI, cap. 6.
2059
Amm. Marc., XVII, 4.
2060
Ver Livro III, cap. 2.
2061
Rio da Ásia situado na Frígia, hoje Turquia, a sul de Izmir e a este da antiga cidade
Grega de Mileto.
2062
Plin. , Nat., V, 11 e Sol., 40, 8.
2063
Plin. , Nat., V, 84 e Sol., 37, 1.
664
O Restauro de Obras
2064
Ver Livro X, cap. 3.
665
Livro Décimo
duvidar de que possa resistir durante muito mais tempo 2065 • Com efeito, os
troncos e os ramos, que a cheias arrancaram do campo, sobrecarregam de
maus tratos os pilares todos os anos e obstruem, em grande parte, as embo-
caduras dos arcos. Por tal motivo, sucede que as águas sobem e que, depois,
abruptos e nefastos turbilhões se precipitam do alto e confluem; por isso,
arruínam a popa dos pilares e abalam toda a obra 2066 . Sobre as margens, foi
dito até aqui.
Agora, acerca do fundo do rio. Na Mesopotâmia, Nitócris - escreve
Heródoto - retardou, por meio de um canal curvo e tortuoso, o curso exces-
sivamente veloz do Eufrates 2067 • Mas, além disso, acresce que o fundo se
conserva durante mais tempo onde a corrente for mais lenta. Isso é de certo
modo como se alguém desça de um monte íngreme, não pelo caminho mais
em declive, mas ora pela direita, ora pela esquerda. E que a velocidade
excessiva de um rio depende da inclinação do seu leito, é um facto bem
assente.
O curso de uma corrente de água demasiado veloz ou, pelo contrário,
preguiçosa, em ambos os casos é desvantajoso para a sua utilização: a pri-
meira abala as margens, a segunda facilmente se cobre de ervas e facilmente
se converte em gelo. Quem estreitar um rio, tomará porventura mais ele-
vado o nível das águas, e quem escavar o leito terá as águas mais fundas .
A técnica e o fim de escavar, de retirar os obstáculos e de limpar, são quase
os mesmos; disso falaremos a seguir 2068 • Mas a escavação será inútil se,
abaixo desse ponto em direcção ao mar, não se seguir um fundo igualmente
rebaixado de acordo com os mesmos cálculos do fluxo da corrente.
2065
Ver Livro VIII, cap. 6. A ponte de Adriano sobre o rio Tibre em Roma, conhecida
como ponte de Sant 'Angelo ou ponte Élio (Pons Aelius), foi concluída em 134 d. C.
(Cass. Dio, LXIX, 23). No tempo de Alberti, em 1450, verificou-se o seu colapso
devido ao grande influxo de peregrinos, bem como aos efeitos das cheias, o que sugere
que Alberti, por volta desta data, estava a concluir o manuscrito do De re aedificatoria.
2066
Ver Livro V, cap. 6.
2067
Heródoto (1, 185) relata que o povoado assírio de Ardericos chega, devido às sinuosi-
dades do Eufrates, a ser banhado em três pontos e quem se deslocava do Mediterrâneo
para a Babilónia, por aquele rio, gastava três dias a fazer a viagem.
2068
Ver Livro X, cap. 12.
666
O Restauro de Obras
CAPÍTULO XI
Passo aos canais. Deve-se pretender que não haja falta de águas em
abundância, ou que os usos, para os quais foi destinada, não tenham entra-
ves. Para que não falte água, há dois meios: o primeiro, que onde é desviada
corra abundantemente; o segundo, que uma vez recolhida se conserve
durante muito tempo. Desvia-se por meio de um canal segundo os processos
que acima foram ditos. Alcançaremos com empenho e diligência que não
seja dificultado o uso da água já trazida, porquanto será muitas vezes puri-
ficada e os detritos serão eliminados.
Mas dizem que um canal de água é um rio adormecido e são-lhe devi-
das todas as condições que se exigem para um rio e, antes de mais, a soli-
dez e consistência do fundo e das margens, para que não absorva as águas
que nele são lançadas ou as perca pelos interstícios. E convém que seja mais
profundo do que largo: isso não só tendo em conta a navegabilidade, como
ainda para que seja menos evaporado pelo sol; criará menos vegetação.
Foram dirigidos muitos canais do Eufrates para o Tigre, pelo facto de
aquele ter um leito mais elevado 2069 . A Gália, região de Itália situada no
curso inferior do rio Pó e do Ádige, é toda ela navegável através dos seus
canais: isso foi facilitado pela planície. Quando Ptolemeu navegava - diz
Diodoro - para fora do Nilo, abria um canal, que depois de navegar man-
dava fechar 2070 .
Os remédios para os defeitos dos canais serão estes: coacção, limpeza,
e comportas. Os rios são coagidos por meio de diques. Traça a linha do
dique de tal forma que aperte e estreite as margens, não de repente, mas
pouco a pouco. Quando houveres de dirigir um rio de desembocaduras aper-
tadas para baixios mais largos, deixa-o ir, não por um lanço abrupto, mas
por um canal alongado de tal modo que a seguir, espraiando as suas águas,
recupere a anterior largura, a fim de não provocar prejuízos, por causa do
desmando da liberdade repentina, com turbilhões e redemoinhos turbulentos.
O rio Mela confluía no Eufrates. Levado porventura pela ambição de
fama, o rei Ariárates 2071 obstruiu o rio e inundou toda a região. Não muito
2069
Arr. , Anab., VII, 7, 3.
2070
Trata-se de Ptolemeu II Filadelfo, rei do Egipto (285-246 a. C.), que uniu, sem solução
de continuidade e de forma segmentada, a foz do Nilo em Pelúsio ao golfo Arábico,
evitando assim que o Egipto fosse inundado. Cf. Diod. Sic., I, 33, 11.
2071
Ariárates, rei da Capadócia, descendente de Ciro, o Grande.
667
Livro Décimo
2072
Cf. Strab., XII, 2, 8.
2073
Ificrates, general ateniense do séc. IV a. C.
2074
Rio da Arcádia que desagua no Golfo de Argos, próximo da cidade de Lema, e nasce
no planalto de Estinfalo ao pé do monte Cilene.
2075
Strab., VIII, 8, 4.
2076
Equivalente a I,77 m.
2077
Diod. Sic., II, 7, 3-5 .
2078
Hdt., I, 185.
2079
Referência ao rio Loire, que corre entre diques laterais, iniciados no séc. XII, não só
para suster as águas, devido ao seu caudal irregular, mas para se conquistar terreno para
o cultivo. Cf. Fossier, 2004, p. 28.
668
O Restauro de Obras
2080 Planta aromática referida por Plínio-o-Antigo (Nat., XIV, 107), nativa da Europa e do
Oeste da Ásia, usada em perfumaria e no fabrico de incenso.
208 1 Designação comum às árvores e aos arbustos da família das labiadas, nativa de regiões
tropicais e temperadas, que tanto fornecem madeira utilizável, como são cultivadas para
fins ornamentais.
669
Livro Décimo
CAPÍTULO XII
A costa marítima será consolidada por diques, mas não com os mesmos
que se usam nos cursos de água. Com efeito, as correntes dos rios não cau-
sam prejuízos da mesma forma que as ondas do mar.
Na verdade, dizem que o mar, de sua própria natureza, é calmo e tran-
quilo, mas que é agitado e impelido pela pressão dos ventos, e que. é por
isso que as fileiras das ondas se levantam e atacam a praia; nesse lugar, se
alguma coisa se lhes atravessa no caminho, sobretudo áspera e rugosa, elas
com todo o seu peito embatem nesse lugar e, uma vez rebentadas, voltam a
erguer-se e voltam a quebrar; e assim, precipitando-se do ·alto, abalam a
praia, e com incessantes ataques escavam e demolem tudo quanto se lhes
opõe. Indício de que isto assim acontece são as profundidades do fundo que
se encontram junto das rochas marítimas.
Se pelo contrário a praia, em declive fácil e baixo, se apresentar sub-
missa às vagas, não tendo por isso o mar agitado com quem combater em
luta acesa, depõe os seus ímpetos e detém-se, refluindo em ondas suaves; e
se, do revolver das areias, arrancou e levou consigo alguma coisa, entretanto
deposita-a e deixa-a em lugar mais calmo; a partir disso, apercebemo-nos de
que as praias, que se estendem assim, nasceram de uma costa baixa que vai
2082
Ver Livro IV, cap. 6.
670
O Restauro de Obras
entrando pelo mar dia a dia. Onde, porém, o mar encontrar um promontório
e a seguir se deslocar em linha curva para uma enseada ou um golfo, aí
desata a correr apressado ao longo da praia e arrepia caminho; daí resulta
que em lugares deste género haja a cada passo canais escavados e prolonga-
dos diante da praia.
Outros declaram que é próprio da natureza do mar inspirar e expirar, e
notaram que o homem nunca expira da vida senão em maré descendente,
como se de per si este argumento manifestasse que o sopro e o movimento
do mar têm alguma afinidade com a nossa vida de homens 2083 • Mas, acerca
disto, basta o que até aqui foi dito.
É evidente que o fluxo e refluxo do mar varia de lugar para lugar.
O Mar de Cálcis 2084 alterna o seu fluxo seis vezes ao dia 2085 • Junto de Bizân-
cio não há mudança senão na saída do Ponto para a Propôntida. Pela sua
própria natureza o mar incessantemente rejeita de si para as praias tudo
aquilo que foi trazido pelos rios . Os corpos que se deslocam por serem
movidos param quando lhes é dado um lugar de repouso.
Mas, como em quase todas as praias observamos uma grande quanti-
dade de areia ou pedras que o mar rejeita, apraz-me referir aquilo que
encontro nos filósofos 2086 • Em outro lugar dissemos que a areia é produzida
pelo lodo que o sol adensar e depois o calor reduzir a pequeníssimos cor-
púsculos 2087 • Afirmam que as pedras são geradas pela água do mar. Com
efeito, dizem que, com o sol e o movimento, a água aquece, seca e a seguir
se torna espessa, evaporando as partes mais leves, e que atinge tal espessura
que, se o mar algum dia repousar um pouco, insensivelmente se reveste de
uma película mucosa e muito betuminosa; e que depois esta película se
rompe e desagrega; e que com os últimos movimentos e colisões de novo se
conglomeram em glóbulos e se tornam em algo muito parecido com espon-
jas; e que estes glóbulos são trazidos para a praia, onde aglutinam e agre-
gam a si as areias para ali movidas; essas areias agregadas secam por acção
2083
Cf. Plínio-o-Antigo (Nat., II, 220).
20
1!4 Cidade da Eubeia que controlava o canal de Euripo, tendo sido destruída parcialmente
por Roma em 146 a. C.
2085
De acordo com Estrabão (IX, 2, 8), o Mar de Cálcis alterna o seu fluxo sete vezes ao
dia.
2086
Entenda-se filosofia natural, no sentido de estudo objectivo da natureza e do universo
tisico, conforme foi inicialmente desenvolvido, entre outros, por Leucipo, Demócrito e
Aristóteles. ·
2087
Ver Livro II, cap. 12.
671
Livro Décimo
2088
Isto é, os filósofos da escola jónica.
2089
O Istro é o nome dado pelos Gregos ao baixo Danúbio.
2090
O Fásis percorria a Arménia e desaguava no Mar Euxino. Actualmente parte dele é
designado de Rioni e desemboca no Mar Negro.
2091
Tanto Heródoto (II, 5) como Estrabão (I, 2, 29) referem-se ao Egipto como sendo um
"dom do Nilo" (Nili donum) e não a "casa do Nilo" (Nili domum) , no sentido de ser
uma região com baixa pluviosidade que beneficiava da presença do rio, com a nascente
muito afastada da foz, para irrigar e fertilizar os campos vizinhos. Cf. Caye - Choay,
2004, p. 509, n. 161.
2092
Cidade situada no delta do Nilo.
2093
Trata-se de uma planície aluvionar formada por detritos do rio Piramo. Cf. Strab., I, 3, 7.
2094
Horácio (Ep., I, 6, 24-25) usa apricum, que designa "grande dia", em vez de apertum,
que tem o significado de "à luz do dia". Cf. Portoghesi, 1966, p. 963, n. 3.
672
O Restauro de Obras
2095
Ver Livro IV, cap. 6.
2096
Vitrúvio (V, 12, 2-6) já se refere à construção de molhes, ao lançamento de espigões e
à construção sobre estacaria para suster as ondas e/ou contrabalançar o ímpeto do mar
aberto.
2097
Prop., II, 8, 8.
2098
Vento de sul.
2099
Suetónio (Aug., 30, 1) relata que foi Octaviano Augusto que mandou alargar e dragar o
leito do Tibre para prevenir inundações.
673
Livro Décimo
tanto dentro como fora da cidade, elevam-se montes feitos dos cacos tirados
do rio 2100 . Não me lembro de ter lido com que meios retiraram de um rio
tão impetuoso tão grande quantidade de matéria; mas julgo que usaram com-
portas, com as quais, encerrando o rio em duas partes e secando a água,
extraíram os obstáculos.
As comportas far-se-ão assim. Prepararás traves aparelhadas em linha
recta, e de alto a baixo, ao longo do comprimento do lado, farás dois sulcos,
um de cada lado, com a profundidade de quatro dedos 2 101 e com a largura de
uma tábua daquelas que há-de ser necessário usar; e prepararás tábuas de
igual comprimento entre si, e também de igual espessura. Depois de estarem
preparadas as tábuas, espeta as traves que referimos de modo que fiquem em
posição vertical a uma distância entre si calculada pelo comprimento das
tábuas preparadas. Uma vez colocadas e consolidadas as traves, introduz as
extremidades das tábulas de maneira a desceram ao longo dos sulcos das
traves até ao fundo: a este tipo de obra chamam vulgarmente cataratas 2 102 •
Tu acrescenta tábuas umas às outras e comprime-as para que fiquem bem
encaixadas. Depois dispõe, em lugares aptos e convenientes, uma bomba em
espiraF 103 , sacos, sifões, alcatruzes 2 104 e todo o instrumento para tirar água, e
emprega mão-de-obra muito numerosa, e de imediato, com um trabalho sem
repouso nem interrupção, esvazia a água da comporta. Se verte água em
algum sítio, tapa o buraco com trapos. A obra resultará à medida dos teus
desejos.
Entre este tipo de comporta e outro que usámos para construir as pon-
tes, há esta diferença. A comporta das pontes permanecerá estável e durante
muito tempo, não só até que os pilares sejam concluídos, mas também até
que depois de construídos sejam consolidados; ao passo que esta aqui utili-
zada é temporária, e logo a seguir, retirado a lodo, deve ser removida e
mudada de lugar. Aconselho o seguinte: com esta comporta, quer limpes o
rio quer o desvies do seu curso, toma cuidado para que não te batas com
2100
Trata-se do monte Testácio, com cerca de um quilómetro de perímetro, situado próximo
do porto fluvial e do Fórum Boário, formado pot fragmentos de ânforas originárias das
Hispânias, que se foram acumulando principalmente ao longo dos sécs. II-III d. C.
2101
Equivalente a 7,4 cm.
2102
No original cataractas, i.e. comportas verticais para regular a altura num curso de água.
Cf. Plin., Nat., V, 54.
2 103
Vitrúvio (X, 6, I) descreve o método do parafuso, também conhecido por parafuso de
Arquimedes para elevar a água. Cf. Diod. Sic. , V, 37, 3.
2 104
Cf. Vitrúvio, X, 4, 4.
674
O Restauro de Obras
toda a massa e violência das águas no mesmo lugar, mas leva a obra até ao
fim por meio de acrescentos e em etapas sucessivas.
Resistirão com mais solidez as obras que se fizerem contra a massa e o
ímpeto das águas se f?rem construídas em arco com o dorso lançado contra
o peso da pressão da água. Escavarás uma torrente se construíres um obstá-
culo transversal de modo a que a água se eleve para o alto e seja forçada a
atingir grande volume. Conseguirás com isso que a água, passando por cima
do obstáculo, com a sua queda rebaixe o leito e, mais uma vez, quanto mais
fundo cavares no curso inferior do rio, tanto mais o seu leito será escavado
em direcção à nascente. Precipitando-se do alto continuamente, a água abala
e remexe o solo e leva-o consigo.
Também limparás da seguinte maneira um ribeiro e um canal, levando
os bois para dentro deles. Fecha a comporta para que a água suba; depois
força o gado para que, com repetidos e acelerados movimentos, tomem a
água lamacenta; imediatamente a seguir abre a comporta para que a água se
despeje precipitadamente e limpe o fundo. Se no rio houver por acaso qual-
quer objecto imerso ou espetado, além dos outros meios que os operários
conhecem, há um muito prático que consiste em trazer um barco carregado
e amarrá-lo firmissimamente a esse objecto que é preciso arrancar, quer seja
uma estaca outra coisa qualquer. Com isso far-se-á com que o barco, aligei-
rado da sua carga, arranque pela base o objecto a que estava ligado. Será
conveniente que, à medida que o barco se eleva, se rode a estaca como se
fosse uma chave. Na região de Preneste 2 105 vimos uma argila húmida, na
qual se alguém espetasse uma vara ou uma espada não mais fundo que um
côvado 2 106 , não havia força com que se pudesse arrancá-la puxando à mão;
se, porém, se rodasse a vara à medida que se puxava, como quem usa um
trado, facilmente saía. Em Génova 2 107 , um escolho oculto sob as águas difi-
cultava a entrada do porto. No nosso tempo encontrou-se um homem dotado
de técnica e natureza admiráveis, que o diminuiu, e abriu muito a entrada do
porto. Corre o boato que ele costumava demorar debaixo de água e estava
durante uma hora sem vir à superficie para respirar.
Tirarás o lodo do fundo com uma rede de apanhar ostras revestida de
um saco: encher-se-á quando é puxada. Tirá-lo-ás também, onde o mar for
baixo, com um instrumento designado "cabrilha" 2 108 • Faz-se assim. Prepara
2105
Situada nos Apeninos a 37 km a sudoeste de Roma.
2106
Equivalente a 44,32 cm.
2107
Cidade onde nasceu Alberti.
2108
No original palatia, que significa pequena cábrea para levantar pesos.
675
Livro Décimo
duas barcaças. Numa delas fixarás um eixo na popa, no qual como numa
balança jogue uma antena muito longa, numa extremidade da qual, a que se
eleva fora da barcaça, é presa uma pá com a largura de três pés 2109 e o com-
primento de seis 211 0 • Os operários, mergulhando-a, retiram o lodo e deposi-
tam-no na outra barcaça preparada para isso. A partir destes princípios
fazem-se outros instrumentos muito semelhantes e mais úteis, que seria
longo continuar aqui a descrever. Até aqui fica dito acerca destas coisas.
Seguem-se as comportas. A água pode-se conter por meio de cataratas
ou de batentes de portas 2111 ; em ambos os casos as couceiras de pedra dos
pilares devem ser de construção muito sólida. Levantaremos o peso das
comportas sem riscos para os homens usando rodas dentadas no fuso de
rotação, rodas que movemos como num relógio, engrenando os dentes de
outro fuso para essa operação e para produzir movimento.
Mas o mais cómodo de tudo será uma porta que ao meio tenha um fuso
rotativo colocado verticalmente. Ao fuso será aplicada uma porta quadrangu-
lar e estende-se como num navio de carga se estende a vela quadrada, que
pode ser rodada ora por um braço ora por outro em direcção à proa ou à
popa. Mas os braços dessa porta não serão iguais: um será um pouco mais
curto do que o outro cerca de três dedos 2112 • Assim será possível ser aberta
por uma criança e de novo fechar-se por si mesma, porque o lado maior é
supenor em peso.
Constrói duas comportas, cortando o rio em dois lugares, deixando entre
elas um espaço que comporte o comprimento de um navio: de tal modo que,
se o navio houver de subir, quando entrar lá, a comporta inferior seja
fechada e se abra a superior; se, porém, o navio houver de descer, fecha-se
a comporta superior e abre-se a inferior. Deste modo o navio será levado a
favor da corrente da água com a parte por aqui libertada. O resto da água
será conservado na comporta superior.
Não omito um aspecto que tem a ver com as vias, para não voltarmos
a estas questões. Para evitar que os bairros e as superficies da cidade sejam
submersos pela elevação das ruas, ao longo dela faz as vias bem limpas e
bem varridas, não sobrepondo e acumulando entulhos, que é um mau cos-
tume, mas antes retirando e aplanando em volta.
2109
Equivalente a 88,8 cm.
2110
Equivalente a 1,78 m.
211 1
Para regular a altura das águas as cataratas articulam-se verticalmente e os batentes de
portas horizontalmente. Cf. Plin., Nat., V, 54; Cic., Verr. , IV, 94.
2112
Equivalente a 5,55 cm.
676
O Restauro de Obras
CAPÍTULO XIII
211 3
Plin., Nat., XVII, 30; Strab., IX, 5, 19.
2114
Filipos: cidade situada na parte oriental da Macedónia, fundada por Filipe II em 356
a. C. e abandonada no séc. XIV após a conquista otomana.
2115
Theophr., C. P , V, 14, 5.
2116
Serv., A., III, v. 442. César refere-se a Octaviano Augusto.
2117
Córcira: Ilha do Mar Jónico hoje conhecida por Corfú.
2118
Var. , R., I, 4, 5.
677
Livro Décimo
2119
Trata-se da estadia que Alberti fez nesta cidade durante a juventude.
2120
Hdt., II, 95 .
2121
Ver Livro X, cap. 15.
678
O Restauro de Obras
2122
Estes lugares são criptopórticos iluminados com janelas de "boca de lobo", i.e. onde as
ombreiras formam uma ângulo diedro reentrante. Cf. Portoghesi, 1966, p. 976, n. 1.
2123
Ver Livro VIII, cap. 10.
2124
Trata-se, de facto, de Marco Cláudio Marcelo (42-23 a. C.), que foi edil de Roma em
23 a. C. . Cf. Plin., Nat., XIX, 24.
2 125
Plin., Nat., II, 115.
679
Livro Décimo
CAPÍTULO XIV
2126
Equivalente a 44,32 cm.
680
O Restauro de Obras
CAPÍTULO XV
2 121
Fragmentos sólidos de rocha constituídos por lava vulcânica, com dimensão de 5 mm a
5 cm, de formato anguloso ou arredondado . Ver Livro III, cap. 16.
2128
Plin., Nat., IX, 154; XVIII, 359; XXXII, 102.
2129
Planta de odor muito forte, com aplicações medicinais. Cf. Arist., H. A., IX, 6, 4, 612
a 29.
2130
Plin. , Nat., XIX, 177-178.
681
Livro Décimo
213 1
Ilha do distrito de Kent em Inglaterra.
2132
Sol., 22, 8.
2133
Sol. , 23, 11. Ébuso é a actual Ibiza.
2134
Este nome significa ilha das embarcações.
2135
Sol., 29, 8.
2 136
Strab., XVII, 3, 11.
2137
Nome de pai e filho cujo trabalho perdido no séc. I a. C., sobre agricultura, foi criti-
cado por Varrão (R., I, 2, 22-28) por ser considerado sem importância.
2138
Plin., Nat., XXIV, 13.
2139
Plin., Nat., XVI, 64 e Col. , Rust., VI, 17, 4.
2140
Planta, proveniente da Síria, que proporciona uma resina e um óleo volátil. Cf. Plin.,
Nat., XII, 126.
2141
Plin., Nat., XXI, 182 e XXIV, 148.
682
O Restauro de Obras
será ainda mais pronto com heléboro. Além disso a mosca matar-se-á com
água fervida com heléboro-negro. Um dente de cão sepultado, como se diz,
num aposento, com a respectiva cauda e as patas, afasta a praga das moscas.
As osgas não suportam o cheiro do açafrão. O fumo de tremoços queimados
mata os mosquitos. Os ratos serão mortos pelo cheiro do acónito 2142 , mesmo
de longe. Ainda os ratos e igualmente os percevejos odeiam os fumos de
vi trio lo.
As pulgas desaparecem todas se borrifares o lugar com água fervida de
coloquíntida ou também de tribal o-aquático 2143 ; se o borrifares com sangue
de bode, acorrerão todas aos molhos. Afugentam-se com o cheiro de brás-
sica, e ainda mais com o da espirradeira. Com recipientes largos cheios de
água, distribuídos pelo pavimento, facilmente morrerão as pulgas que ousam
andar aos saltos. As traças afugentam-se com absinto, com a semente do
anis e com o cheiro da sabina 2144 . Declaram que não é atacada pelas traças
uma peça de roupa que estiver pendurada numa corda.
Mas, sobre isto, basta o que foi dito; que talvez tenha sido mais do que
o seriíssimo leitor teria desejado 2 145 • Mas, se não for alheio à correcção dos
defeitos dos lugares, dar-me-ás a tua vénia; embora, contra a impertinência e
à odiosa pertinácia destas pragas molestíssimas, nada haja que pareça poder
resultar o bastante.
CAPÍTULO XVI
2 142
Planta, geralmente venenosa, nativa das regiões temperadas do hemisfério norte e culti-
vada para fins ornamentais.
2143
Plin., Nat., XXII, 27.
2144
Arbusto, com folhas verde-escuras, muito difundido na Europa.
2145
Cf. com o modo irónico com que Alberti se refere às superstições descritas no Livro
III, cap. 13.
683
Livro Décimo
2 146
Equivalente a 29,6 cm.
2147
Na editio princeps, publicada em versão fac-similada por Hans-Karl Lücke (1975),
lê-se tubulos, que é traduzido por "ladrilhos côncavos", e não tabu/os, como por gralha
se lê na edição crítica de Orlandi (1966, p. 987). Numa das suas acepções, tubulus
significa "tubo", "cano" (cf. Vitrúvio, VIII, 6, 8) e tubulos (ac. do plural de tubulus)
significa também, segundo a Prosodia de Bento Pereira ( 1697), "ladrilhos furados, côn-
cavos". Dado que se trata de obter um sub-pavimento que escoe toda a espécie de
humidade, optou-se por este sentido dado por Bento Pereira.
2148
Equivalente a 3,55 m.
2149
Espécie de bota alta com atacadores.
215
° Cf. Juvenal, III, v. 236-238.
2151
Plínio-o-Moço, Epistulae Liber, II, 17, 22.
684
O Restauro de Obras
há outros que não são de forma alguma ocultos, mas a inércia dos homens
convenceu-os de que talvez não tenham tanta importância para a ruína das
obras como de facto têm.
No muro essa causa será patente: por exemplo, quando for mais estreito
do que é preciso, quando tiver juntas não apropriadas, quando repleto de
aberturas prejudiciais, quando finalmente os seus ossos não estiverem bas-
tante protegidos conta as injúrias das intempéries. Os males que são ocultos
e sucedem inesperadamente são os seguintes: os tremores de terra, os raios,
e toda a instabilidade do solo e da natureza. Mas, em primeiro lugar, aquilo
que mais prejudica todas as partes das obras é a negligência e a incúria dos
homens.
A figueira-brava - disse um autor - é um aríete silencioso para os
muros; e é inacreditável se eu disser quanto eram enormes as pedras que vi
abaladas e deslocadas pela força e pela cunha de uma raizinha nascida entre
as fendas 2152 : se alguém a tivesse arrancado então quando era tenrinha, a
obra, livre dessa praga, teria perdurado.
Dou a minha total aprovação aos Antigos que constituíam, a expensas
do estado, grupos de trabalhadores para cuidarem e olharem pelas obras
públicas. Os que Agripa deixou adscritos a esta função eram cerca de duzen-
tos e cinquenta; os que deixou César, quatrocentos e sessenta 2 153 . E consa-
graram à obra os quinze pés 2154 de terreno mais próximos em volta dos
aquedutos, para que esse espaço ficasse desocupado e as raízes das árvores
que crescessem não destruíssem as abóbadas ou os pilares. Isso mesmo
parece terem pretendido os privados nas obras que desejavam fossem eter-
nas. Com efeito, nos seus monumentos funerários escreviam quantos pés de
terreno consagravam ao culto 2 155 : uns, quinze 2 156 ; outros, vinte 21 57 .
Mas, para não voltar a esta matéria 215 8, julgam que as árvores se elimi-
nam e extinguem se, durante os dias em que o sol entra na constelação da
canícula, lhes fizerem uma incisão com um pé de altura 2159 e um buraco
através da medula, por onde introduzam um óleo a que chamam petróleo,
misturado com pó de enxofre, ou se as aspergirem abundantemente com
2152
Ver Livro III, cap. 8.
2 153
Fron ., Aq., 116, 3-4.
2 154
Equivalente a 4,44 m.
2155
Ver Livro VIII, cap. 2.
2156
Equivalente a 4,44 m.
2 157
Equivalente a 5,92 m.
2 158
Ver Livro II, cap. 4.
2159
Equivalente a 29,6 cm.
685
Livro Décimo
água fervida com cascas de favas queimadas. "Extirparás uma floresta - diz
Columela - pisando flor de tremoço em suco de cicuta durante um dia e
aspergindo-o nas raízes" 2160 • "A árvore atingida pelo fluxo menstrual perde a
ramagem" - diz Solino 2161 • Outros dizem que morre. Atingidas pela raiz de
pastinaca as árvores morrem - diz Plínio 2162• Agora volto ao assunto anterior.
Se o muro for demasiado estreito, então aplicaremos um segundo muro
feito de novo, de tal modo que constituam um só, ou, para evitar despesas,
intercalaremos apenas ossos, isto é, pilares ou colunas fortes. Um muro
aplica-se a outro da seguinte maneira. No muro antigo fixam-se em vários
lugares liadouros 2163 de pedra resistente proveniente de pedra vivaz. Estes
liadouros salientes serão encaixados de tal modo que entrem a fazer parte do
novo muro que se está a erguer e façam a ligação como que entre dois
revestimentos. E este novo muro não se construirá senão com pedra de boa
qualidade.
Levantarás um pilar ao longo da altura do muro da seguinte forma.
Marcarás a vermelho no muro antigo a dimensão que há-de ter o pilar.
Depois disso, farás no muro, começando a partir do próprio alicerce, uma
abertura que seja um pouco mais larga que o perfil traçado no muro e que
marcaste a vermelho. A abertura, porém, não será muito alta. Depois, com a
maior diligência, será tapada a abertura com pedra aparelhada em camadas
iguais. Por este processo, far-se-á com que aquela parte do muro que foi
deixada dentro do traçado a vermelho seja preenchida pela espessura do
pilar e o muro será consolidado. A seguir, de forma idêntica àquela com que
colocaste a primeira parte do pilar, acrescenta as restantes partes até ao
limite superior da obra. Quanto aos muros estreitos, fica dito.
Onde, porém, faltarem ligações usaremos grampos de ferro, ou melhor,
de bronze. Mas é preciso ter cautela para que os ossos não sejam debilita-
dos com ferimentos 2164 •
Mas se, por acaso, o peso de um desabamento de terra exerce pressão
sobre um lado do muro ou o deteriorar por causa da humidade, abre ao
2160
Col., Rust., VII, 5, 7-8.
2 16 1
Sol., 1, 54-55 e Plin., Nat., VII, 64.
2 162
Plínio-o-Antigo (Nat., IX, 155 e XXXII, 25) confunde um peixe (trygon pastinaca) com
uma planta, a pastinaca marítima (echinophora spinosa). Cf. trad. fr. de M. A. de
Grandsagne, 1832; Caye - Choay, 2004, p. 512, n. 209.
2 163
Os liadouros são pedras deixadas num pano de parede, com a cabeça saliente na direc-
ção do eixo maior, para fazerem a amarração com outra parede.
2 164
Alberti retoma a analogia edificio-corpo.
686
O Restauro de Obras
CAPÍTULO XVII
Volto aos defeitos que não se podem prever mas se podem corrtgtr
depois de produzidos. Às vezes uma fenda no muro ou um desvio das suas
linhas resultará da abóbada, porque os arcos empurram os muros ou porque
não aguentam o excesso das cargas colocadas em cima deles. Mas quase
todos os defeitos graves deste tipo vêm apenas das fundações; aliás percebe-
remos pelos indícios se resultam de outro lado ou das fundações.
A fissura do muro, para começar por ela, indicará que a causa do
defeito está sob a zona para onde ela se inclinar de baixo para cima. Se,
porém, a fissura não se inclinar para nenhum lado, mas subir em linha recta
e se alargar na parte superior, observaremos as séries das pedras de ambos
os lados. Elas revelarão que não é sólida a fundação sob a zona em que se
afastam da linha horizontal. Mas se, na parte superior, o muro estiver ileso
e a partir de baixo se abrirem várias fendas e, à medida que sobem, se se
tocarem pelos bordos e pelas extremidades, então indicam que os cunhais
dos muros são firmes, mas que o defeito se situa ao meio do comprimento
do alicerce. Se, pelo contrário, houver apenas uma fenda desse tipo, indicará
um movimento ocorrido nos cunhais tanto mais quanto ela for mais aberta
na parte superior.
Por conseguinte, quando for necessário reparar as fundações, abre junto
do muro um poço estreito mas fundo, em função do tamanho da obra e da
firmeza do solo, até encontrares terreno sólido e firme; escavando nesse
lugar a base do muro, faz de imediato um enchimento de pedra assente no
seu devido lugar e deixa endurecer. Quando tiver endurecido, abre em outro
sítio outro poço semelhante, reforça o muro da mesma maneira e deixa
secar. Desta forma, de poço em poço, reforçarás o alicerce. Mas se não se
oferecer um solo estável como desejavas, então - abrindo poços em lugares
687
Livro Décimo
2165
Vasari (1550, p. 316) relata que a loggia junto ao palácio Rucellai em Florença, situada
na via della Vigna, foi igualmente objecto de um processo de restauro, dado que "[... ]
nos seus cunhais alguns arcos apresentam um traçado imperfeito [... ] o que mostra cla-
ramente que, para além dos conhecimentos, é necessário ter uma grande prática e um
bom discernimento, coisa que não se alcança se não se exercita manualmente". Esta
observação de Vasari sugere que Alberti não teria uma cabal compreensão dos proces-
sos construtivos em obra, o que não pode ser confirmado face aos levantamentos recen-
temente efectuados para o restauro do palácio Rucellai. Conforme assinala Bracciali -
Succi (2006, p. 70), os tirantes que foram encontrados nos sistemas de suporte dos
arcos abatidos mostram que foram seguidos, escrupulosamente, os princípios que Alberti
(Livro III, cap. 13) estipulou sobre o seu reforço estrutural: "nos [arcos] abatidos,
porém, fixamos na extensão dos muros, nos dois lados, uma cadeia de ferro, ou algo
que tenha a força de um tirante, e recomendamos que a sua extensão não seja mais
curta do que é preciso para completar o tamanho da volta que falta no arco", o que
somente seria possível de ser descrito com um conhecimento obtido in situ .
2166
Ver Livro III, cap. 13 sobre a construção de arcos.
688
O Restauro de Obras
2 167
Ver Livro VI, cap. 6.
2 168
Ver Livro VI, cap. 8.
689
Livro Décimo
pletamente até cima, mas deixarás alguns palmos vazios, que ocuparás com
cunhas fortes não muito espaçadas entre si. Com idêntica obra se há-de
escorar a seguir o lado da capela que queiras rebaixar um pouco mais.
Quando essa estrutura receber o peso da capela, tu deves ir retirando bem e
com muita cautela as cunhas: restituirás o muro inclinado à sua linha per-
pendicular. Depois, os intervalos que ficarem vazios entre as cunhas, hás-de
preenchê-los com cunhas de pedra muito resistente.
Em Roma, na basílica maior de São Pedro, tinha eu concebido um
plano assim, porque os muros laterais, afastando-se da linha perpendicular
para cima das colunas, ameaçam fazer ruir as coberturas 2 169 • Decidira eu cor-
tar e remover cada uma das partes inclinadas do muro que se apoiasse sobre
qualquer coluna; e refazer perpendicularmente com silharia a parte do muro
que fosse retirada, deixando, à medida que ia construindo, de um lado e do
outro presas de pedra e esperas fortíssimas, pelas quais a parte restaurada se
ligasse à estrutura. Finalmente, na cobertura, a arquitrave a que devesse ser
retirada a parte inclinada do muro, seria confiada às cábreas erguidas sobre
a cobertura, com os pés apoiados de ambos os lados na parte mais estável
da cobertura e do muro. Depois, faria o mesmo sucessivamente em todas as
colunas em que a situação o exigisse. A cábrea é um instrumento náutico
formado por três traves, cujas cabeças se fixam e amarram unindo-se em
conjunto, e cujos pés se dispõem em triângulo. Usamos esta máquina como-
dissimamente para elevar cargas, servindo-nos de roldanas e de um sarilho 2170 •
Indo aplicar de novo um revestimento a uma parede velha ou a um
pavimento, primeiro lava-a com água limpa e caia-a com um pincel, usando
a flor líquida da cal misturada com pó de mármore. Assim agarrará bem o
reboco.
Não progredirá uma fenda de um pavimento ao ar livre se amassares
em óleo, principalmente de linho, cinza passada ao crivo e a despejares na
dita fenda. Para este efeito será muitíssimo útil argila bem amassada em cal
viva e cozida no forno e imediatamente regada com azeite, tendo sido a
fenda previamente limpa de todo o pó. Isso far-se-á com uma vassoura de
penas e com muitas assopraduras de um fole.
E não desprezemos a elegância da obra 21 71 • Se acaso os muros forem de
uma altura descomunal, aplica-lhe cornijas ou secções pintadas que dividam
2169
Ver Livro I, cap. 1O.
217
° Cf. Livro VI, cap. 8.
2 17 1
Ao rematar o Livro X sobre o restauro de obras, Alberti refere-se à finalidade da res
aedificatoria: Et operis etiam elegantiam non negligamus.
690
O Restauro de Obras
2 172
Cf. o Livro IX, cap. 9, onde Alberti estabelece uma correspondência entre uma feno-
menologia do desejo com uma ontologia do tempo, comparável à descrição da cúpula
de Santa Maria de/ Fiare, em Florença, na obra Profugiorum ab aenumera libri 111 (1,
p. 3 et seq.) aonde, ao percorrer este "tiempo maximo", aquele acordo contribui para a
tranquilidade da alma.
691
ANEXOS
ABREVIATURAS 2173
App. APlANO
Hist. Historia Romana [História Romana]
Arist. ARISTÓTELES
Cael. De caelo [Sobre o Céu]
de An. De Anima [Da Alma]
Eth. Nic. Ethica Nicomachea [Ética a Nicómaco]
H. A. Historia Animalium [História dos Animais]
Int. De interpretatione [Da Interpretação]
Metaph. Metaphysica [Metafisica]
Mete. Meteorologica [Meteorologia]
Oecon. Oeconomica [Os Económicos]
Ph. Physica [Física]
Pol. Politica [Política]
[Pr.] Problemata [Problemas]
Rh. Rhetorica [Retórica]
Arr. ARRIA NO
Anab. Anabasis [Anábase I História de Alexandre]
2173
As abreviaturas utilizadas nesta edição referem-se ao nome do autor e ao título da obra,
seguidos do número do livro, em letra romana, e do capítulo e das suas subdivisões em
numeração árabe. As excepções referem-se a citações de Alberti, que comparecem
somente com a anotação do Livro e do capítulo (cap.) quando se cita o De re aedifica-
toria, bem como de Vitrúvio, cujo nome se apresenta por extenso mas sem a indicação
do título do tratado De architectura. Em relação aos restantes casos também se omite o
título do trabalho, desde que na respectiva entrada somente esteja registada ou . exista
uma obra por autor e não se originem ambiguidades.
695
Anexos
2174
Mencionado no tratado de Alberti, excepto no Livro II, cap. 11 , por Catão.
696
Abre viaturas
Eur. EURÍPIDES
Hec. Hecuba [Hécuba]
Hdt. HERÓDOTO
Hes. HESÍODO
Op. Opera et Dies [Os Trabalhos e os Dias]
Hippoc. HIPÓCRATES
A e r. De Aeribus, Aquis, Locis [Dos Ares, das Águas, dos Lugares]
Epid. Epidemiae [As Epidemias]
Morb. sacr. De Morbo Sacro [Sobre a Doença Sagrada]
Hom. HOMERO
1!. !lias [Ilíada]
697
Anexos
Philostr. FILOSTRATO
V. A. Vi ta Apollonii [Vida de Apolónio]
PI. PLATÃO
Lg. Leges [As Leis]
Phd. Phaedo [Fédon]
Resp. Respublica [República]
Ti. Timaeus [Ti meu]
Plot. PLOTINO
Plut. PLUTARCO
A em. Aemilius Paulus [Emílio Paulo]
A/ex. Alexander [Alexandre]
Luc. Lucullus [Luculo]
Lyc. Lycurgus [Licurgo]
21 75
Mencionado no tratado de Alberti por Plínio.
698
Abreviaturas
Polyb. POLÍBIO
Strab. ESTRABÃO
699
Anexos
Thuc. TucíDIDES
Xen . XENOFONTE
An. Anabasis [Anábase I Retirada dos Dez Mil]
La c. Respublica Lacedaemoniorum [República dos Lacedemónios I
I Constituição de Esparta]
Oec. Oeconomicus [Económico]
700
BIBLIOGRAFIA DE AUTORES ANTIGOS
701
Anexos
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Anexos
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Anexos
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709
Anexos
710
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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711
Anexos
712
OBRAS DE ALBERT/
713
Anexos
714
Obras de Alberti
715
REFERÊNCIAS CRÍTICAS E LITERÁRIAS
717
Anexos
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Referências Críticas e Literárias
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Anexos
722
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723
Anexos
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Anexos
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Referências Críticas e Literárias
2178
Somente a 1." edição desta obra assinala os nomes de Le Corbusier-Saugnier como
autores. Nas restantes edições comparece unicamente o nome de Le Corbusier.
2179
Obra de autoria colectiva cuja redacção se atribui sobretudo a Le Corbusier (cf. Smet,
2007' pp. 188-189).
2180
A autoria desta tradução tem sido, incorrectamente, atribuída a Francisco Lozano e deve
ser imputada ao cosmógrafo real Rodrigo Zamorano, autor da versão espanhola dos seis
primeiros livros da Geometria de Euclides (cf. Morales, 1995, p. 142).
729
Anexos
730
Referências Criticas e Literárias
731
Anexos
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Anexos
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738
Referências Críticas e Literárias
739
Anexos
740
AS EDIÇÕES IMPRESSAS DA ARTE EDIFICATÓRIA 2181
2181
As citações às edições do De re aedificatoria comparecem com a indicação do tradutor
e/ou do comentador, bem como da data de publicação.
741
Anexos
De/la Architettura, de/la Pittura e de/la Statua, di Leon Batista Alberti. Traduzione
di Cosimo Bartoli. Bolonha: Instituto della Scienza, 1782.
I dieci libri di Architettura di Leon Batista Alberti, tradotti in italiano da Cosimo
Bartoli. Nuova edizione diligentemente correta e confrontata coll'originale
latino, ed arricchita di nuova rivacati dalle misure medesime assegnate
dali 'autore. Roma : Giovanni Zempel, 1784.
Los diez libras de architectura. Segunda edition en Cas1ellano, corregida por D. R.
B .. Madrid: Joseph Franganillo, 1797.
I dieci libri d 'Architettura, ossia deli' Arte di edificare [ .. .] scritti in compendio ed
illustrati con note [ ... ] da B. Orsini. Perugia: Cario Baduel, 1804, 2 vols.
De/la architettura libri dieci. Traduzione di Cosimo Bartoli con note apologetiche
di Stefano Ticozzi, e trenta tavole in rame disegnate ed incise da Constatino
Gianni. Milão: 1833, 2 vols.
Deli 'Arte Edificatoria. ln Opere Volgari di Leon Batt. Alberti, per la piu parte ine-
dite e tratte dagli autografi, annotate e illustrate da! dott. Anicio Bonucci [... ],
vol. 4. Florença: Galileiana, 1847 pp. 187-371.
Zehn Bücher über die Baukunst. ln Deutsche übertragen, eingeleitet und mil
Anmerkungen und Zeichnungen versehn von Max Theuer. Viena: H. Heller,
1912.
Desat Knig 'o Zodcestve, Perevodie V P Zoubo v. Klassiki Teorii Architektury. Mos-
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L' Arte di Costruire, edição, notas e glossário de V. Giontella. Turim: Bollati
Borighieri editore, 201 O.
742
~
lNDICES REMISSIVOS
ÍNDICE 0NOMÁSTIC0 2182
"" A numeração em itálico remete para o tratado de Alberti, a restante para a Introdução e Notas .
745
Anexos
Arquimedes, 392, 395, 402, 472, 528, 6 /9, 674 Biondo, F. , 20, 51 , 347, 390, 546
Arquitas de Tarento, 597 , 605 Black, R., 125
Arriano, 283 , 294, 295, 296, 318, 341 , 434, Blondel, L. , 101
502, 520, 627, 667 Bluteau, R. , 30, 60, 66, 96, 440, 447, 455
Artaqueu, 5/ 7 Boa Deusa, 386
Artaxerxes, 626 Boccaccio, 32
Artemísia (rainha da Cária), 192 Boécio, 43 , 44, 172, 551 , 595, 597
Artemísio, 419 Bonifácio, H. M. P., 94
Ascânio, 4 77 Bõninger, L., 236
Asiti, 241 Bonucci, A. , 49, 50, 53 , 108, 619
Assumpção, L. d ', 61 Borromini, 86
Atena, 56, 506 Borsi , F., 25, 70, 86, 88, I 08, 123, 711
Ático, 58/ Boscán, J., 99
Átila, 204 Bostock, J. , 353
Attavante (dos Attavanti), 77 Bou llant, J. , 10 I
Augusta (mulher de Octaviano Augusto), 475 Bracciali , S. , 265, 688
Aulo Gélio, 201 , 510, 565 Bracciolini, P., 20, 38
Aurélio Símaco, 526 Braga, J. E. , 342
Aurélio Victor, 579 Bramante, D ., 94
Avicena, 644 Brandão, A., 52
Azcárate, P., 68, 629 Brandão, C. , 52
Brébia Pepa, 527
Baco, 499, 544 Breyner, S. de M ., 73
Balbus, J. , 69, 228 Brunelleschi, F., 21 , 33 , 268, 269, 496, 539 ,
Baldi, B., 90 620
Barbaro, D., 89, 90, 101 Bruni, L. , 41
Baron, H., 114 Brusatin, M ., 63
Barreiros, G., 60, 62, 64 Bucer, M ., 44
Barros, J. de, 46, 61 , 62, 64, 226 Buckley, T. A. , 27
Bartoli, C. , 31, 51, 53 , 54, 79, 80, 81 , 82, 98, Burckhardt, J., 3 1, 49, 124, 125, 126, 383
101 , 443, 469, 532 , 562, 568 Burke, P., 69, 125
Barzizza, G. , 119 Bums, H. , 26, 56
Beaulieux, C., 76 Bury, J. B ., 84
Beauvais, V de, 439 Busíris, 293
Bébrice, 387 Butades, 479
Bekker-Nielsen, T. , 301
Bélbio, 527 Cadrno, 502
Bellosi, L. , 18 Caeiro, A. A. A., 433
Ben Sirac, 69 Calígula, 153, 191 , 612
Benigni, P., 165 Calímaco, 447
Bensimon, N., 711 Calisto III (papa), 486
Bentham, J., 352 Callebat, L., 215, 650
Benvenuti, A. T., 51 Calvo, F., 67
Berggren, L., 472 Calvo, T., 55
Bernoulli, J. , 234 Calzona, A., 70, 123
Bertolini, L. , 71 , 124 Cambises, 476, 520, 630
Betts, R. J., 233 Camões, L. de, 16, 30, 45, 62, 285, 513
Bilac, 0 ., 53 Campos, J. A. S., 36, 119
746
Índice Onomástico
747
Anexos
Dinócrates, 153, 384 Eusébio de Pânfilo, 141, 195, 197, 241, 283,
Dio Cássio, 666 387, 388, 414, 434, 476, 504, 505
Diodoro Sículo, 138, 141 , 156, 162, 197, 214, Eutrópio, 662
225, 273, 280, 281, 283, 284, 285 , 286, Eva, 42
287, 293 , 295 , 320, 325 , 386, 389, 433,
434, 438, 473 , 477, 501, 502, 503 , 513, Fabrícios (gens), 510
517, 528, 535, 545, 565, 589, 626, 628, Falcão, P. B., 29, 43, 192
667, 668, 674 Fama (deusa da), 522
Diógenes Laércio, 528, 543 Fancelli, L., 70, 71, 4 78
Dionísio (deus), 283 , 287, 384, 434, 544 Fauna (deusa da), 386
Dionísio de Halicamasso, 294, 588, 704 Fémio, 500
Dionísio I (tirano de Siracusa), 566 Fénix (filho e Agenor), 476
Dolabela, 312 Ferguson, W. K. , 126
Domiciano (imperador), 500, 587 Fergusson, J., 383
Fernandes, R. M . R., 27, 163
Druet, P., 76
Dufay, G., 33, 34 Fernando, (D.), 30
Ferreira, F. L., 83, 84
Durán, M. Á., 66
Ferreira, J. R., 198, 433 , 579, 624
Festo, 325
Echandía, G. R. de, 633
Feuer-Toth, R., 377
Eco, U., 27, 28, 73
Fibonacci, 113
Eisenman, P., 117
Ficino, M. , 58, 59
Eleazar, 387
Fídias, 473, 506, 612
Élio Aristides, 579
Figueiredo, F. de, 127
Emílio Escauro, 309
Filarete, 45, 70, 75, 86, 87, 204, 336
Emílio Probo, 365
Filipe II (da Macedónia), 475, 500, 677
Engel, A., 72
Fílon, 566
Énio, 37, 117, 136, 266, 527
Filóstrato, 387, 535
Epaminondas, 296, 385
Fiore, F. P., 123
Epígenes, 659
Fíteon (de Agrigento), 589
Epiménides, 543
Flávio Josefo, 195, 196, 286, 322, 339, 366,
Erastótenes de Cirene, 649
385, 386, 387, 413, 414, 636, 659
Ercole II (duque de Ferrara), 92 Flávio Vespasiano, 243, 387, 474, 475
Eritras, 517 Flávio Vopisco Tácito, 381
Emout, A., 373 Flégias, 162, 476
Esculápio, 227, 336, 437 Fonseca, J. , 45
Espírito Santo, A. M. do, 29, 42, 378, 610 Fontana, D., 392
Estaço, G., 84, 85 Fortuna (deusa da), 162, 390
Estaço, S., 84 Fossier, R. , 668
Estrabão, 153, 157, 162, 193, 209, 285, 288, Foucault, M., 41, 352, 406
289, 433 , 436, 513, 516, 517, 528, 533 , Francheschi, F., 80
534, 565, 566, 579, 624, 625, 626, 628, Frank!, P., 383
629, 630, 635, 662, 668, 671, 672, 677, 682 Frontino, 21, 167, 226, 631, 636, 654, 685
Étaples, L. d' , 44 Furlan, F., 123
Euclides, 604 Fumo, M., 20, 169, 235, 516
Eugénio IV (papa), 20, 204
Euríalo, 147 Gado!, J., 122, 711
Eurípides, 318, 327 Gaio, 301
748
Índice Onomástico
749
Anexos
750
Índice Onomástico
751
Anexos
Orlandi, G., 22, 31 , 44, 53 , 64, 72, 73, 77, 8 1, Pitágoras, 57, 115, 233, 597, 60 I; pseudo, 57,
86, 131, 241, 326, 333, 397, 406, 446, 6 17, 406, 597
628, 684 Placzek, A., 12 1
Ortiga, J. (D.), 47 , 48 Platão, 56, 58, 66, 68, 11 2, 141 , 160, 170, 190,
Osimandias (Ramsés II ), 473, 501, 502 , 528 204, 235, 281' 286, 287, 289, 296, 304,
Oso, 586 388, 429, 430, 431 ' 437, 473, 477, 515,
Otão (imperador), 192 516, 526, 534 , 537, 545, 546, 561, 573,
Ovídio, 112, 151 , 386, 43 8, 505 , 544, 588 595 , 624
Plauto, 139, 198
Pábon, J. M., 515 Plínio-o-Antigo, 46, 147, 152, 153, 156, 158,
Pacioli , L. , 459, 472 159, 168, 177, 192, 196, 197, 198, /99 ,
Palas, /49, 386, 43 7, 500 20 1, 203 , 205, 208, 209, 210, 212, 214,
Palladio, 45 , 77 , 88 , 94, I OI, I 05 , 180, 181, 215, 219, 220, 223 , 225, 228, 232, 240,
304, 485 241 , 257, 258 , 272, 274, 275, 284, 304,
Palmieri, M., 373 309, 343, 353, 367, 381 , 385, 387, 390,
Panaenus, 4 73 392, 393 , 404, 408, 409, 410, 411 ' 41 3,
Paoli , M., 20, 21, 83 , 85, 123, 132, 474, 486, 419, 429, 430, 436, 43 8, 439, 473, 474,
594, 625, 711 475, 479, 498, 502, 505, 512, 514, 517,
Pardo, V. F., 20 518 , 519, 533 , 535 , 544, 545 , 551 ' 556,
Parménion, 500 576, 580, 586, 613, 624, 632, 635, 636,
Pasti , M. de', 70, 71 , 72, 194, 585 640, 642, 645, 656, 659, 660, 664, 669,
Patetta, L., 79, 123, 138 671, 674, 676, 677, 679, 681, 682, 683 ,
Paton, W. R., 339 686, 698
Pausânias, 174, 264, 499, 566 Plínio-o-Moço, 167, 684
Payne, A., 19 Plotino, 58, 59, 593
Pearson, L. I., 631 Plutão, 387
Pedro (D.), 69 Plutarco , 64, 117, 156, 157, 25 1, 280, 293 ,
Pedro (São), 169, 486 294, 295, 304, 365, 384, 386, 388, 392,
Peiras, 505 395, 400, 430, 431 ' 435 , 437, 504, 505,
Pellegrini, P., 91 , 291 510, 511 ' 534, 545 , 574, 587, 634, 636, 642
Pereira, B., 30, 46, 48, 66, 97, 684 Políbio, 339, 475, 544, 589, 625
Pereira, F. A. B., 126 Policleto, 35
Pereira, J. D., 607, 609 Polícrates, 153
Pereira, M. H. da R., 37, 190, 382 Poliorcetes, 16 1
Pereira, V. S., 84 Poliziano, Â., 17, 18, 44, 51 , 73, 85, 108, 127,
Perseu, 419 135, 527
Petosíris, 227 Pompeio, 157, /92, 193, 290, 430, 474, 501 ,
Petrarca, F. , 20 545, 587
Pevsner, N., 68 Pompeio Festo, 319, 325
Philander, G., 76 Pompónio Mela, 162, 225, 284, 286, 384, 385
Picardi, A., 331 Ponen~ 381 , 384, 519
Piccolomini, E. S .. Ver Pio II (papa) Portoghesi, P., 35, 73 , 77, 147, 161 , 169, 191,
Piei, J., 69 197, 204, 241, 260, 268, 269, 301 , 332,
Pieti, D. , 80 370, 378, 391, 402, 410, 413 , 450, 454,
Pinheiro, A. E., 198 460, 463 , 502 , 510, 524, 574, 581, 585 ,
Pio II (papa), 20, 491 , 512 587, 6 12, 62 ' 634, 649, 659, 672, 679
Pisístrato, 565 Posidónio, 566
Pítaco, 514 Procópio, 436
752
Índice Onomástico
753
Anexos
754
Índice Onomástico
Vegécio, 199, 297, 298, 341 , 342, 343 538, 546 , 547 , 548, 550, 551 ' 555, 559 ,
Velez, A., 30 566, 579, 583 , 588, 591 , 596, 603 , 61 O,
Venturi, R. , 25 , 31, 115 616, 619, 620, 630, 632 , 636, 637, 638 ,
Vénus, 227, 386, 387, 437, 438, 477; genitrix, 640, 645 , 649, 650, 653 , 654, 656, 659,
474 673 , 674, 684, 695
Verdelho, T. , 27 Vulcano, 159, 43 7, 502
Vero, 179
Vesta, 147, 197, 437, 438, 477 Warren, C., 33, 34
Vidler, A., 383
Webster, N., 52, 489
Vieusseux, G. P., 49
Wells, J. A., 624
Viggiani, C., 193
White, J. A., 20
Vilela, J. S., 83, 85
Williamson, G. , 505
Villeneuve, J., 110
Wittkower, R. , 32, 88
Vinci, L. da, 21, 98, 304
Wolf, G., 378
Vinhola, J. B., 94, 101, 105
Wõlffiin, H., 383
Viollet-le-Duc, E.-E., 106, I 07
Worringer, W. , 383
Virgílio, 46, 132, 162, 228, 267, 330, 363, 428,
429, 454, 587, 595 Wright, C. , 33
Viterbo, S., 127 Wuilleumier, P., 545
Vitória (deusa da), 522 Wycliffe, J., 52
Vitrúvio, 19, 23 , 25 , 26, 27, 29, 32, 34, 35, 36,
37, 38, 40, 46, 53 , 54, 56, 65 , 68, 70, 76, Xenofonte, 139, 156, 318, 330, 340, 342, 354,
77, 82, 85 , 86, 89, 90, 91 , 93 , 94, 101 , 103, 630
105 , 109, 114, 143 , 145, 146, 148, 153, Xerxes, 191, 435, 502, 51 7, 565
155, 156, 158, 161, 166, 168, 170, 171 ,
174, 177, 197, 198, 200, 202, 203 , 205 , Yebra, V. G., 574
207, 210, 212, 214, 215 , 219, 223, 224,
233 , 238, 240, 241 ' 248 , 250, 253 , 263 , Zamorano, R. , 729
266, 267, 270, 272, 274, 275, 276, 279, Zarina, 51 7
291 ' 292, 296, 298, 299, 300, 302, 324, Zarlino, G., 88
332, 335, 336, 344, 348, 354, 357, 360, Zé1on, 565
361 , 363, 365, 371 , 374, 379, 381 , 382, Zenodaro, 196
384, 391, 392, 393 , 404, 407, 408, 409, Zeus, 56, 179, 473, 506
411 , 412, 421, 434, 437, 439, 442, 444, Zêuxis de Heracleia, 612, 619
445 , 446, 447, 448, 449, 450, 452, 454, Zêuxis de Tarento, 565
456, 458, 461, 463, 464, 467, 471 , 479, Zmílis, 419
480, 481 ' 482, 484, 489, 492, 498, 533 , Zubov, V. P., 54, 122, 422
755
~
2183
Citados no tratado de Alberti.
757
Anexos
758
Índice de Lugares
759
Anexos
Nilo (rio), 296, 307, 318, 392, 628, 629, 646, Ravena, 629, 663 ; templo, 167
660, 662, 664, 667, 672 Reno (rio), 153
Nínive, 293 Riéti (lago), 213
Nonácris, 632 Rimini , 220
Numídia, 381 , 419 Ripe (rio), 661
Rodes: templo de Orídion, 386
Olimpo, 156 Rodes (ilha), 502, 535
Oropo, 214 Roma, 159, 160, 162, 167, 179, 192, 193, 196,
Óstia: canal navegável , 193; porto de Cláudio, 212, 2 13, 2 19, 223 , 257 , 295 , 303 , 312,
191 ; termas de, 381 381 , 430, 438, 4 77, 488 , 502, 51 O, 529,
Oxo (rio), 626, 642 536, 544, 579 , 617, 625 , 631 , 642 , 654,
668; aquedutos, 653 ; Basílica de Maxêncio,
Pádua, 645 169; Basílica de São Paulo, 534; Basílica
Pafo: santuário de Vénus, 387 de São Pedro, 175, 204, 413 , 534, 690;
Palatino (monte), 475 , 544 Capitólio, 162, 413 , 434, 474, 475 , 500;
Palimbrota, 296 Circo Máximo, 392, 545, 558; Comícios,
Pantos, 386 242 ; Cúria, 500, 561 ; Domus aurea , 390;
Paros (ilha), 419, 528, 576 Fórum, 511 , 679 ; Fórum Argentário, 241 ;
Pártia, 179 Fórum Boário, 387; mausoléu dos Antoni-
Pasárgadas: sepulcro de Ciro, 519 nos (conhecido como Castell Sant 'Angelo),
Pelene, 388 241 ; muralha Aureliana, 299, 433 ; muralha
Pelúsio, 626, 672 de Tarquínio, 168; oblisco de Latrão, 392,
Pera, 161 664; Panteão, 413 , 472 , 477 ; ponte de
Pérgamo, 586 Adriano (ou de Sant 'Angelo), 536, 665 ;
Persépolis, 476 porta de Jano, 386; pórtico de Agripa, 413 ;
Pérsia, 179, 565 pórtico de Octávio, 419; residência de Júlia,
Pérsico (golfo), 631 574; residência de Octaviano Augusto, 588;
Perúsia, 168, 292, 346 residência d Valério, 574; residência dos
Piacenza: teatro de, 545 Gordianos, 575; Rocha Tarpeia,' 242; Ros-
Piceno, 212, 290, 625 tros, 500; santuário de Vesta, 477; sepulcro
Piramo (rio), 634 de Octaviano Augusto, 517; teatro de Pom-
Pireu, 20 I, 432, 566 peio, 192, 545; templo da Boa Deusa, 386;
Pirgo, 272 templo de Apolo, 477; templo de Diana,
Plateias, 298 386; templo de Esculápio, 437; templo de
Pó (rio), 661, 667, 678 Fauna, 386; templo de Hércules, 387; tem-
Ponto, 387, 499, 671 plo de Hora, 386; templo de Jano, 437;
Populónia, 209~ 505 templo de Júpiter no Capitólio, 192; templo
Pozzuoli, 214 de Latona, 169; templo de Matuta, 386;
Preneste, 534, 675 templo de Vénus genitrix, 474; templo de
Privemo, 302 Vespasiano, 243; termas de Antonino, 565;
Propôntida, 566, 671 termas de Heliogábalo, 567; termas de
Próquida (ilha), 160 Severo, 565; Transtêvere, 654; via Ápia,
Putéolos, 276, 410, 632; gruta de Sejano, 193 217, 51 O, 511; via Cola tina, 636; via Por-
tuense, 302; via Prenestina, 575; via 'fibur-
Quémis: santuário da ilha de, 390 tina, 311
Quersoneso, 288
Quiana (rio), 214 Sabina, 245
Quios (ilha), 203, 632 Salemo, 224
760
Índice de Lugares
Samos, 488, 503; canal, 630; porto de, 535; Terracina: porto de Adriano, 191
teniplo de Juno, 488 Tessália, 677
Sardenha, 225, 545 Tiberina (ilha), 437
Sardes: túmulo de Aliates, 662 Tibre (rio), 346, 642, 654, 664, 668, 673
Segesta, 632 Tíbur [Tivoli] , 213 , 275; vil/a Adriana, 388
Segóvia, 485 Tigranocerta, 430
Sele (rio), 213 Tigre (rio), 627, 630, 667
Selêucia, 179, 50 I Tirésia (ilha), 624
Selinunte, 138 Tirina (ilha): sepulcro de Eritas, 517
Síbaris, 162 Tiro, 288, 295 , 579
Siboli, 366 Tivoli , 565, 577, Ver Tíbur
Sicília, 384, 475 Toledo: mercado público, 387
Sícoris (rio), 662 Toscana, 214, 223, 233 , 272, 290, 312, 363 ,
Siena, 232, 312, 632 677
Siracusa, 150, 160, 392, 566; sepulcro de Trácia, 192
Arquimedes, 528 Trasimeno, 385
Síria, 273 , 501 Trípoli, 411
Sono de Eubúsio (ilha), 385 Tróade, 214, 387, 518
Susa, 502, 632 Tróia, 209, 385, 544
Túrios, 544
Talge (ilha), 286 Túsculo, 244
Tânagra, 386
Tánais (rio), 195, 500 Úmbria, 212; santuário antigo, 167
Tânato (ilha), 682 Urbino, 635
Tarragona, 660 Útica, 209
Tarso, 528
Tauro (monte), 285 , 289 Vaticano, 169
Tebaida, 193 Veios, 232
Tebas (Beócia), 220, 411; templo de Vénus, Velino (lago e monte), 222, 662
386 Venécia, 629
Tebas (Egipto), 246, 392, 534, 566, 626 Véneto, 212
Tebe, 293 Veneza, 236, 661 , 677; Basílica de São Mar-
Tempe, 628 cos, 169; fórum, 204; Palácio público dos
Téneaos (ilha), 386 Censores, 387
Tera (ilha), 624 Verona, 222, 306
Terâmenes, 624 Vilúmbria, 432
Termo: templo de, 475 Volscónio [Orvieto], 634
Terrnópilas, 527 Volterra, 290, 632
761
ÍNDICE DE CONCEITOS E MATÉRIAS 2184
Abertura, 148, 175, 178- 83 , 185, 231 , 244, Aqueduto, 546, 630, 654, 685
248, 255 , 259, 334, 338, 351, 415 , 444, Arco, 164, 182, 244, 255, 263 , 262- 67,
475 , 560, 597, 680, 686, Ver Descritores da 268- 70, 312, 349, 485 , 496, 497, 675, 688;
edificatória; como ornamento, 419; da cha- abatido, 165, 264, 265, 31 O, 497; apontado,
miné, 364; da tribuna, 492 ; das torres, 265; 165, 264; de triunfo, 540-43; de volta per-
de escadas, 321 ; de iluminação, 361 ; de feita, 164, 182, 264, 31 O
pórticos, 552; de verão e de inverno, 3 71; Área, 147, 163-65, 169, 174, 177, 232, 335,
dimensões da, 181- 82, 441 , 483 , 562, 585; 441 , Ver Descritores da edificatória; a céu
dos intercolúnios, 551 ; e despesa, 472; em aberto, 334, 568; aberturas da, 183; adapta-
arco de triunfo, 541 ; em colunatas, 446; em ção da cobertura, 177; ampla, 60 I,
número impar, 595; no templo, 479; orien-
tação da, 300, 569; ornamento da, 181 , 602 ; aterro, 274; central do teatro, 551 ,
415- 19; panorama da, 335; régia, 548 552; coberta, 474, 567, 569, 584; como
Abóbada, 148; altura da, 584; áreas cobertas parte da região, 385; configuração da, 163 ;
com, 584; armação da, 270; de ângulo, 177, consolidação da, 169; da basílica, 491 ; da
267, 269, 477 ; de berço, 177, 266, 267, cidade, 290, 429, 431 ; da frontaria, 472 ;
269, 477; do cenáculo, 684; e areia de delimitação da, 147, 163, 164, 189; do
jazida, 224; e cal branca, 219; em casa pomério, 345; do pórtico, 533 ; em declive,
urbana, 590; em espaços quadrangulares, 237; embelezamento da, 388; implantação
583 ; em mina, 641; esférica de aresta, 268; da, 166, 167, 168, 226; média, 600, 60 I;
esférica regular, 267; excesso de car~a , 687; nivelada, 430; ornamentação da, 385 ;
géneros de, 266-71 ; nos templos, 183 pequena, 600, 60 I ; perímetro da, 249; total
Acrotério, 533 de construção, 147; traçado da, 227
Água, 138- 39, 147, 155- 56, 157, 629- 39; Arquitecto: aprendizado do, 618; condição do,
achamento de, 63 5-41 ; arrnanezamento de, 137- 38, 141 ; definição de, 138; patronos
657-60; como princípio das coisas e da do, 620-22; retrato do, 613- 15
agregação humana, 629; escoamento de, Arquitectura, 137, 140, 616
193, 307- 8, 313, '384, 614, 628- 29, 652, Arte edificatória, 140-41, 145, 210, 346, 379,
667- 70; fornecimento de, 185, 648- 57; 381 , 419, 427- 28, 435, 509, 573, 591 , 593,
pureza da, 151 , 631 - 33, 642, 644-48, 657, 609, 616
659; regulação da, 661 - 76; uso da, 184, Artes: origem das, 379
340, 641-43 , 652- 54 Artes liberais, 282, 335, 351 , 437, 618
Anfiteatro, 535, 545-46, 556, 557, 558 Artífices, 138, 142, 280, 2g1, 380, 383, 389,
Aparelho, 244-45 , 248 , 250, 252, 270, 519, 436, 445 , 488, 511 , 594, 595, 609, 612,
657 616, 621, 652
2184
Citados no tratado de Alberti .
763
Anexos
Autoridade: da técnica, 139, 384; do Estado, vilínea, 262; da cidadela, 328; da cisterna,
3 17; do templo, 439; dos cidadãos, 282; dos 658; de arcos múltiplos, 177; de bronze,
nossos maiores, 504, 51 O, 543 536; de duas águas, 263 ; de palha e colmo,
435; de pedra, 259; displuviada, 177; do
Barreira: de circunvalação, 552, 554, 555, 557 pórtico, 560; do teatro, 546; do templo,
Basílica, 169, 204, 260, 324, 331 , 38 7, 413 , 476; escorrimento de águas, 178; esférica,
438, 446, 467, 491, 489- 92, 496- 98 , 533; exterior, 176; géneros de, 258; inclina-
533- 34, 539, 552-54, 561 , 564; e adminis- ção da, 178; interior, 176; material da, 258;
tração da justiça, 429; parede da, 494 nivelamento da, 559; ornamento da, 176,
Beleza (pulcritude). Ver Concinidade, Harmo- 413- 14; pavimento da, 272; por abóbada,
nia, Número, Delimitação, Disposição ; 584; por travejamento, 584; recolhimento
dimensões da, 373- 609; e capacidade inata, das chuvas, 658; rectilínea de madeira, 259;
378, 592, 607; e prazer, 565; finalidade da, revestimento da, 271, 275; semiesférica,
377 , 593 ; natural, 170-72, 194, 378, 381, 177; solidez da, 189; sustentação da, 173 ,
389, 428, 445 , 471 - 90; princípio universal 182, 244, 446, 61 O; travejamento da, 176,
da, 591, 592; regras da, 422, 448- 71 , 498, 497; utilidade da, 176
540, 583- 86, 595- 608; relações com a Coluna, 173, 406, 416-25, 446-71 , 559, 577,
comodidade, 377, 616; relações com a 607-8; base da, 173- 76, 448, 450- 52; como
necessidade e a utilidade, 137, 138, 141 , memória, 193, 385, 419, 499, 500, 520-25;
147, 171 , 283 , 574; relações com a sobrie- delineamento da, 449; diâmetro da, 450,
dade, 616 608; dimensão da, 448, 464; estrias e cane-
Biblioteca, 366, 371, 565-66, 619 luras da, 468- 70; perfil da, 422- 25; proce-
dência da, 174; sistema da, 446, 452, 467,
Capacidade inata. Ver Beleza (pulcritude), Edi- 482, 495-96
ficação; e vontade de edificar, 140 Comodidade. Ver Trindade, Organização tripar-
Capitel, 173- 75, 446-47, 453-60, 577; compó- tida; dimensões da, 279- 371
sito, 460; coríntio, 448, 458 ; dórico, 448, Compartimentação, 147, 170-73, 321 , 389, Ver
453- 54; itálico, 459 ; jónico, 448, 454-58 Descritores da edi ficatória
Casa. Ver Cidade, Residência; como cidade, Comunicação interactiva, 195, 236, Ver Peritos
170, 321, 352; seio da, 361, 582, 583 Concinidade. Ver Beleza (pulcritude), Delimita-
Castrametação, 16 1, 290, 339-46 ção, Disposição, Harmonia, Número; defini-
Cidade: acampamentos e, 339; área da, 284; ções da, 190, 376, 377, 380, 389, 411 , 578,
cidadela da, 328; do rei , 318, 320; do 584, 593, 597, 607, 611 , 614, 654; dimen-
tirano, 318, 320, 324; forma da, 292; forti- sões da, 591-606
ficada (Tirses), 627; muralhas da, 297-300; Conservação: de edificios, 193, 233, 261 , 275,
portas da, 300; região da, 284; vias da, 374, 625, 690, Ver Demolição, Memória
301 - 4 Consonâncias musicais. Ver Harmonia; diapa-
Cidadela, 325- 29, 340, 344, 346 son (consonância dupla), 598; diapason-dia-
Circo, 545-46, 557- 58 pente (consonância tripla), 598; diapente
Clima, 148-52, 157- 60, 288- 92 1 314, 353, (sesquiáltera), 598; diatessaron (sesquitér-
362, 627, 663 , 677- 78, Ver Região, Saúde, cia), 598; tom (sesquioitavo), 598
Ventos Constelações: Capricórnio, 227; e signos do
Cobertura, 138, 148, 154, 177, 190, 202, 219, Zodíaco, 557; Escorpião, 227; Leão, 199,
300, 476-79, 613, Ver Descritores da edifi- 227; Libra, 227; Plêiades, 277; Sagitário,
catória; acesso à, 183; adossamento de fron- 227; Touro, 199; Virgem, 227
tões, 478 ; arquitraves da, 563 ; carenada, Construção, 25, 111 , 145, 146, 147, 163, 167,
177; carga da, 148; colapso da, 690; como 168, 182, 185, 187, 195, 197, 232, 640,
protecção, 146; construção da, 258- 73 ; cur- 658, Ver Enchimento, Madeira, Material
764
Índice de Conceitos e Matérias
(processos), Material (produtos), Pedra (de Desenho , 173 , 183, 189, 222 , 234; à escala,
construção); argamassa da, 255; cal e areia 188, 189, 6 17, 6 19
da, 223 ; consistência da, 451; da casa, 352; Destino, 476, 527, Ver Fortuna; das coisas,
da cidadela, 326; da cobertura, 461 ; de abó- 227 ; do Estado, 281 ; dos inimigos, 295
badas, 268, 270; de alicerces, 202, 238 ; de Dignidade: da basílica, 489 ; da capela, 441 ; da
arcos, 238; de colunata, 242; de diques, casa, 362; da cidade, 289, 293 , 302, 432,
664; de escadas, 183; de esgotos, 312; de 435 , 565; da coluna, 419 , 611; da forma ,
muralhas, 296, 297 ; de muros, 209, 298 ; de 377; da justiça, 429 ; da obra, 321 ; da
pontes, 305, 310, 673; de vias, 312; do região, 384; da residência urbana, 369, 580;
porto, 315; dos alicerces, 192; dos esgotos, do ambiente, 365 ; do edificio, 166, 168,
382; dos pavimentos, 412 ; dos revestimen- 170, 192, 284, 415, 428 ; do lugar, 184, 332,
tos, 277, 391; em tijolo, 215; faseamento 388; do ornamento, 430, 612, 614; do tem-
da, 254; insensatez da, 380; peso da, 531 ; plo, 331; do vestíbulo, 576; dos aposentos
reboco da, 249; resistência da, 181 ; revesti- dos princípes, 323; dos bispos, 486; dos
mentos, 257; · rural, 353 ; sazonalidade da, cidadãos, 282, 363, 431 , 519, 575; dos edi-
226, 277, 416; solidez da, 218 , 319 ficios sagrados, 576, 577; dos magnates,
Convento, 333- 35 534; dos membros do edificio, 171 ; dos
Correcção (de defeitos), 187, 278, 619, 623, moradores, 321 ; dos sepulcros, 517; dos
625, 683 teatros, 545; régia, 519, 630; religiosa, 488,
Costume, 172, 275, 374, 460, 515, 517, 526, 516; valor da, 137, 140, 141 , 383, 389, 621 ,
538, 54~ 545, 573, 583, 613, 658 622, 624
Cúria, 331 , 337- 38, 491 , 560- 65, 567, 580, Discurso: valor do, 317, 375, 579
583, 586, 600 Disposição, 146, 178, 182, 189, 195, 310, 325,
383 , 390, 411, 445 , 552, 593 , 594, 608 ,
Defeito, 142, 148, 157, 178, 196, 203 ,, 205 , 609, 614, Ver Concinidade
210, 224, 237 , 240, 248, 253 , 259 , 261 , Diversidade: do ser humano, 279, 283 , 317,
262 , 278, 313, 347, 407, 496, 577, Ver Cor- 509, Ver Géneros de edificios
recção (de defeitos); de concepção, 172,
187, 188, 237, 440, 609, 625 ; de execução, Editicação: aptidão para a, 187- 96; capacidade
609, 615 para a, 140; como génese da comunidade,
Delimitação, 147, 163 , 164, 593 , 594, 280; domínio da, 320; e sustentabilidade,
597-609, 623, Ver Concinidade; e medieda- 158, 162, 196; gastos da, 162; necessidade
des, 605; e música, 597 da, 171 ; perfeita, 378; sumptuosidade da,
Delineamento, 142, 145- 85 , 258, 309, 321 , 574, 587; variação da, 379
347, 373, 425 , 427 , 439, 448 , 450, 452, Edificado: como testemunho do construído,
453, 454, 458, 460, 467, 478, 482 , 483 , 145, 275
485 , 496, 498, 517, 521 , 524, 525, 529, Edificio-corpo. Ver Casa (seio da), Ligamentos,
535, 537, 539, 542, 552, 560, 565, 567, Membros, Ossatura, Pele; caracol, 243, 455,
571 , 576, 577, 583, 609, 614, 621 ; do tem- 457, 458, 523, 530; coração da cidadela,
plo, 524 329; córtex, 454, 455, 456, 457; fronte, 89,
Delos: templo e oráculo de Apolo, 140 455, 457, 458, 459, 463 ; lábios das abertu-
Demolição de edificios, 188, 233, 374, 625, ras, 231, 244; occipício, 455; orelha, 406,
Ver Conservação 482, 565; relação, 142, 147, 170, 258, 262,
Descritores da edificatória, 147, 382, 383, 427, 444, 591 - 92; umbigo do caracol, 455
Ver Abertura, Área, Cobertura, Comparti- Elogio (da arte edificatória), 137, 140, 187,
mentação, Parede, Região 194, 378, 384, 616
Desejo: desmesurado de edificar, 190, 192- 94, Embada, 620
384, 436, 518- 19, 575, 621 Embelezamento, 383- 91, 407- 24, 573- 90
765
Anexos
Enchimento, 232, 239, 248 , 250-51 , 255 , 256, Géneros de edifícios: militares, 139, 296, 297,
613; cal não diluída, 253 ; das abóbadas, 299, 319, 325, 339-46; mosteiros, 333; pri-
268; das fundações, 241 , 243 , 277 ; de barro sionais, 351 - 52; privados, 170, 225 , 273 ,
e pedra, 276; de caliça e pedra, 269 ; de 312, 352- 71 , 373, 483 , 566, 567, 623 ; pro-
cascalho, 311 ; de pedra, 687; de pedra fanos , 509- 33 ; públicos, 170, 180, 203,
miúda, 309; dos alicerces, 240; dos muros, 217, 223 , 225 , 241 , 273 , 286, 312, 335,
218, 244, 257; espécies de, 250 338, 350, 351, 373, 387, 428 , 449, 509,
Entablamento, 461-67, 490, 495 ; coríntio, 467; 560, 565, 566, 567, 573 , 576, 577, 590,
dórico, 461-64, 482; jónico, 464-67, 482 612, 623 ; rurais, 353, 355; rústicos, 391 ,
Escultura, 467, 502- 3, 522- 23 , 528, Ver Esta- 573; sagrados, 294, 329, 332, 331 - 37,
tuária; de animais, 530; de cabeças de ani- 428- 507, 509, 529, 576, 577, 612; sepul-
mais, 488; de moldura, 453; de painéis, crais, 510-20; urbanos, 533- 71 , 578
463; de. rosetas e acantos, 463 ; delinea- Glória: ambição de, 621 ; da cidade, 139, 511 ,
mento da, 427; do capitel, 457; em relevo, 545; do arquitecto, 172, 195,229, 616, 617,
409 ; relevos da, 612 620, 621 ; do edificado, 382; dos antepassa-
Esgoto, 178, 185, 190, 237, 312- 13, 329, 355, dos, 513 ; dos autores da obra, 187; na ocu-
382, 614, 641 pação, 284
Gravidade: da casa urbana, 590; do ornamento,
Estatuária, 189, 224, 472, 475 , 499, 609; como
614; do templo, 439, 474
ornamento, 502; como peso, 400; do tem-
plo, 485, 504-7; dos deuses, 206; em aber-
Harmonia, 231 , 619, Ver Beleza (pulcritude),
turas, 181; em nichos, 563; em tectos, 176;
Concinidade, Consonâncias Musicais; com a
evocativa, 513; fundida, · 427; na coluna,
natureza, 191; da variedade de sons, 172;
524; no arco de triunfo, 541; no frontão,
das partes, 362; de linhas e ângulos, 170; e
478, 608; no pórtico, 587; para prender as
proporcionalidade, 605 ; fundamento da
colunas, 542; restos de, 391
beleza (pulcritude), 194, 591; musical, 598,
602, 603 ; na arte edificatória, 597-600
Fama: da região, 385; do arquitecto, 616, 620;
Hieróglifo, 527, 528
do patrono, 141 ; para os vindouros, 575
História da arte edificatória, 379- 83
Família: constituição da, 61 O; dignidade da,
Honra: divina, 434, 502; do arquitecto, 141 ;
140; habitar com qualidade, 163 ; lazer da, em residências privadas, 140; régia, 516;
163, 361; mãe de, 369; matrona de, 332, valor da, 140, 194, 500, 501 , 512, 514
365, 550, 567, 570, 610; necessidades da, Hospícios, 336--37
369; pai de, 322, 362, 529, 550, 580; pes-
soas e bens da, 353; rural, 368 Ilustrar o Dere aedificatoria: problemática de,
Felicidade, 159, 333, 678, Ver Fortuna 234, 263, 326, 397
Fortificações, 139, 161 , 292- 300, 302, 315, Inteligibilidade textual: necessidade da, 145,
319- 20, 328, 334, 341 , 345, 432- 34, 570; 266, 373, 375, 422
da cidadela, 328- 29; dos portos, 346 Intercolúnio, 182, 442, 444-46, 532, 551 , 564
Fortuna: de Roma, 162; incremento da, 229;
recursos de, 380; vicissitudes da, 226 Janela, 147, 178-80, 183, 312, 321 , 335, 357,
Fórum, 204, 319, 321 , 331, 432, 437 , 487, 362, 441 , 483 , 497, 498, 532, 559, 563,
534, 535, 537, 538-39, 559, 578, 580 564, 569, 570, 585, 678, 684, 691; dos tem-
Frugalidade, 381, 435, 485, Ver M,oderação plos, 479, 484; número impar, 586; ornato
Fundações, 232, 235 , 231-43 , 277, 548, 687; da, 586
abalo de, 688 ; de colunas, 242; de muros,
253- 55; de pontes, 307- 8; parede e muro Lei: Agrária, 511 ; das XII tábuas, 30 I, 51 O; de
de, 243; raízes das, 234; reparação de, 687; Júlio César, 579; de Licurgo, 574; de
traçado das, 233 Pítaco, 514; de Postúmio, 438
766
Índice de Conceitos e Matérias
Letras. Ver Discurso; valor das, 145, 228, 334, Material (produtos). Ver Enchimento, Madeira,
617 , 622 Material (processos), Pedra (de construção);
Liberdade: de concepção, 577, 579 alabastro , 220, 485 ; alcatrão, 347; areia,
Ligamentos, 231, 250, 25 1- 53, 255- 58, 259, 629, 638, 658, 660, 665 , 671 ; argila, 218 ,
262-63 , 268 220, 225 , 235, 242, 256, 299 , 329, 350,
Luz, 147, 154, 178- 80, 303 , 332, 334, 367, 358, 360, 367, 370, 395, 411 , 414, 478 ,
370, 390, 472, 497, 560, 570, 679; compa- 635 , 638, 659, 664, 675, 681, 690; bronze,
nhia da, 680; do exterior, 552; excessiva, 174, 246, 256, 261 , 272, 309, 347, 364,
4 79; reflexos de, 412; subsidiária da beleza, 396, 413 , 483 , 485, 506, 554, 573, 639 ,
378 656; cal , 219-23, 239, 249, 253 , 274, 297,
329, 407, 408, 412, 473 , 656, 659, 690 ;
Madeira, 197, Ver Material (processos), Mate- chumbo, 252, 256, 272, 347, 412, 414, 656;
rial (produtos); abeto, 197, 203 , 204 ; álamo, estanho, 256, 396, 411 ; estuque, 220, 249,
202, 207; a~omo , 203 ; amoreira, 203, 206; 576, 659; ferro, 174, 246, 256, 261 , 300,
azinheira, 203, 206; bordo, 203, 206; buxo, 397, 402, 406, 414, 483 , 573, 628, 680;
206; carvalho, 202, 203 , 205, 207 ; cedro,
gesso, 220, 22 1, 358, 408, 485 , 680, 689;
203; cerejeira, 207 ; choupo, 206; cipreste,
ladrilho, 411 , 684; mármore, 174, 213 , 216,
203 , 204; ébano, 203 , 206; ésculo, 202 ;
220, 224, 239, 246, 249, 253 , 358, 390,
espécies de, 202; faia, 203, 205 ; figueira,
407, 410, 416, 485 , 608 , 640, 641, 680,
206; freixo, 198, 206; hera, 207; jujuba,
690; mosaico, 411, 412, 433; pedra-pomes,
206; lariço, 204, 206; lódão, 206; loureiro,
268 , 299 , 329, 411 , 588, 660; pez, 200,
207; nogueira, 203 , 206; oliveira, 203, 205;
256, 689; saibro, 215 , 235, 239, 350, 357,
olmeiro, 198, 202, 203, 206; palmeira, 206;
638, 684; sílex, 213 , 219, 232, 239, 311 ,
pessegueiro egípcio, 206; pícea, 204, 206;
624, 637, 641, 680 ; telha, 178, 257, 259 ,
pinheiro, 197, 204; pinheiro bravo, 203 ;
272- 76, 329, 413, 467; tijolo, 170, 215- 18,
plátano, 207; robustez e resistência, 207;
241 , 245, 252, 255 , 268, 273, 345, 350,
sabugueiro, 206; salgueiro, 206; sobreiro,
473 , 478, 658, 668, 680 ; tufo, 239, 276,
203 ; sorve ira, 206; terebinto, 206; tília, 198,
299, 358, 680; vidro, 216, 219, 410
206, 207; zambujeiro, 203 , 205
Maquete ou modelo à escala, 188- 91 , 195, Medicina, 155, 363, 367, 379, 580, 657
613, 615, 617, 619 Mediedade, 605- 6
Máquina: alavanca, 396, 400, 402; bate-esta- Membro, 147, 170, 171 , 262 , 321, 361 , 369,
cas, 238, 305; cábrea, 690; cabrestante, 396, 381 , 389, 406, 444, 472, 578, 582, 610, Ver
402, 403, 404; como ser vivo, 406; de arre- Edificio-corpo
messo, 299, 344, 345; de assédio, 292, 296, Memória, 141 , 163 , 437, Ver Conservação,
297, 299, 327; parafuso, 396; polé, 402; Demolição, Monumento
roda, 396, 400; roldana, 396, 400, 403 , 404, Moderação, 171 , 192, 519, 575; construtiva,
690; sarilho, 690 176, 178, 179, 244, 260, 264, 274; de mate-
Matemáticas, 234, 395- 97 , 566, 605, 618- 20; riais e gastos, 168, 187, 188, 192, 472, 519,
aritmética, 143, 605, 606 ; geometria, 143, 573, 575, 577; de ornamentos, 435, 473 ,
234, 475, 605; necessidade das, 618 479, 487, 519, 577
Material (processos), 196, 223- 25, 231, 272, Módulo, 452, 454-59, 462-67, 524, 541
390, Ver Madeira, Material (produtos), Moldura, 452- 53, 462, 521, 576; caveto, 452,
Pedra (de construção); acabamento do, 383, 463 , 465; cordão, 452, 458, 464-65; faixa ,
407, 410-12; aparelhamento do, 142, 196, 452, 454, 461-67, 478 , 482 , 483, 496,
20{}-202, 21 O, 215, 22{}-21 ; deslocação dó, 523- 24, 533 , 539, 541-42; gola, 452- 54,
309, 392- 93, 615 ; escolha do, 142, 225- 26, 457, 463-67, 482, 483 , 463-67, 521 , 537,
240, 253 , 311 , 383; preservação do, 541 ; onda, 452, 464, 467 , 482, 496,
20{}-202, 21 O, 221 , 224 521 - 22, 524, 537, 542; orelha, 482, 565 ;
767
Anexos
ressalto, 452, 467, 482, 522; rudentura, 452, edificatória; altura da, 166, 175, 472, 494,
465 , 467, 469, 522 579, 583, 606; apoios da, 169; construção
Monumento como memória, 139, 499- 500, da, 169, 209, 245- 58, 265, 268, 350; con-
513, Ver Coluna como memória trafortes da, 168; espessura da, 175, 494,
530, 556, 579, 610; fiada de pedras, 249,
Natureza: acorde da, 593- 97 ; apreço com a, 250, 258, 268, 269, 302 ; fiada de tijolos,
191 ; beleza (pulcritude) da, 376--81 , 383, 252; largura da, 472; ornamento da, 389,
439, 594, 608; desgaste da, 246, 247, 271 ; 407- 13, 526--28, 542; paramento da, 244,
força da, 191, 624, 670- 73 ; imitação da, 248, 251; restauro da, 683- 91
170, 381, 591 , 593 , 594, 595, 607, 617 ; Pavimento, 177, 183 , 189, 259, 272, 274- 77,
imperfeições da, 61 O 586, 684; ao ar livre, 613 ; apoios do, 277;
Navio, 139, 143, 288, 293 , 313- 15, 328, assentamento do, 276; construção do, 276;
346--49, 350, 566, 627, 650, 664, 673 , 676 da cobertura, 272, 274; de terraços, 202;
Necessidade. Ver Trindade; dimensões da, declive do, 311; desgaste do, 311; em cis-
145- 278 ternas, 658 ; espessura do, 654; · fenda em,
Número, 137, 142, 165, 180, 181 , 182, 184, 690; interior, 274; ladrilho em, 218; revesti-
189, 245 , 268, 300, 306, 321 , 338, 358, mento do, 311
389, 390, 395, 445 , 458 , 461 , 469, 471 , Pedra (de construção), 209- 14, 393, 404, 405,
475 , 499, 554, 555, 564, 607, 591 - 607 , 406, 407, 412, 416, 485, Ver Material (pro-
608, 611, Ver Concinidade cessos), Material (produtos) ; aparelhar a,
416; bloco de, 168, 211 , 214, 327, 351 ,
Organização tripartida, 278, 375, Ver Trindade 389, 392, 393, 415 , 433 , 50~ 523, 528; cor
Orientação (de posição), 171, 180, 354, 360, da, 411 ; de grande dimensão, 415, 432,
363 , 371, 570 523; deslocamento de, 392, 393; dureza da,
Ornamento, 376; a coluna como, 419; a pintura 433 ; união de, 433
como, 588 ; abertura falsa, 415, 417; ade- Pele, 231 , 244, 275 , 415 , 506
quação do, 389; como adorno, 377; como Peritos. Ver Comunicação interactiva; parecer
disfarce, 612 ; como luz, 378; da casa, 575 ; de, 172, 182, 190, 219, 326, 328, 613 , 642,
da cidade, 147, 287; da cobertura, 414; da 647
região, 385; das aberturas, 415 ; de edifícios Perspectiva, 189; aiinhamentos de, 303; e des-
privados, 586; de edificios públicos profa- locamento sequencial , 303 ; rectificação da,
nos, 509- 71; de edifícios sagrados, 476
427- 507; de torres e muros, 300; defeitos Piedade: dos pontífices, 333 ; e justiça, 429; e
do, 610; do muro e da cobertura, 389, 391 ; sacralidade do lugar, 325; nos sepulcros,
dos edificios, 181 , 206, 278, 382; e beleza 513 ; nos templos, 436
(pulcritude), 377, 591 ; e concinidade, 593; e Pintura, 363,4 12, 573, 611 , 612, 61 9; a fresco,
delineamento, 576; e invenção, 383; elegân- 408- 10; a óleo, 409; como ornamentação,
cia do, 390; estatuária como, 612; falta de, 257 ; de mosaicos, 411 ; e literatura, 4 74;
611; integridade do, 415 ; mão-de-obra e, enfeites de, 189; necessidade da, 618;
612; moderação no, 577; nas colunatas, suporte para a, 206; variedade na, 588
590; semelhança e dissemelhança do, 615 ; Plano (projecto), 172, 183, 326, 503, 611, 615,
variedade dos, 591 624, 690
Ossatura, 177, 244, 248, 250, 251, 253 , 257, Podismata, 620
415, 441, 472, 497, 610, 613 Ponte, 139, 191, 309, 304-12, 315, 535- 37,
665 ; de madeira, 246, 300, 304; de pedra,
Paisagem, 301, 323, 360, 362, 369, 510, 588 306; espessura dos pilares, 309; levadiça,
Palestra, 163, 335 328; passagem de cargas, 309; pavimenta-
Parede (muro), 138, 147, Ver Descritores da ção da, 310
768
Índice de Conceitos e Matérias
Porta, 181 , 180- 81, 183, 321, 323, 326, 356, ficios , 582-86~ de linhas, 142; dos capitéis,
366, 479, 534, 676, 691; aberta, 540; corín- 453- 58; exacta, 146, 377, 390; mediedades,
tia, 481, 482; da basílica, 498; da cidade, 605-6
354; da cúria, 562; da região, 625 ; decu-
mana, 343; dórica, 480; fixação da, 483 ; Região, 146, 147, 14~-63 , 236, 384, 609, 629,
interior, 366; jónica, 481; quintana, 343; 677, Ver Descritores da edificatória; da
régia, 550 cidade, 284-90, 625- 28
Pórtico, 140, 357, 382, 417, 442-46; 475, 534, Religião cristã: crítica do luxo, 487; primitiva,
559, 556- 60, 567; colunado, 248; com 485
arcos, 265; com portal , 321; da basílica, Residência : arrecadações da, 361; comodidade
438, 489, 493 , 496, 497; da casa, 170, 320, da, 353; compatibilização de actividades,
335, 362, 369, 583; da casa de campo, 360, 366; de família, 330; disposição dos com-
361; da casa urbana, 590; da cúria, 563; da partimentos, 366; do rei, 576; do tirano,
quinta, 589; da residência do rei , 576; da 324-25; dos magnates, 330; géneros de,
torre de vigia, 530, 533; das termas, 568, 330; instalações privadas e comuns, 337;
569; do cárcere, 352; do fórum, 537, 538; quinta urbana, 580-82, 590; real, 322- 25;
do senado, 338; do teatro, 546, 555, rural (vi/la) , 353-68; segregação das entra-
550-55; do templo, 442, 444, 446, 471 , das da, 322; urbana, 353, 368- 71, 578- 80,
590
480, 482, 485; dos edificios privados, 577;
Revestimento, 224, 245 , 249, 256, 258, 271 ,
fundações do, 242; na residência dos princí-
275 , 276, 407- 14, 433 , 654, 655, 684, 686;
pes, 323; no centro da cidade, 335; no
adesão do, 256 ; conservação do, 690; das
porto, 3 15; ornamentação do, 419, 475; uso
paredes, 587; de argamassa, 275 ; de con-
do, 320
chas, 588; de grades e esteiras, 257; de
Porto, 139, 191, 315, 313- 16, 346, 349; como
pedra, 275, 276; de tijolo, 275; géneros de,
porta, 534; foz do rio e, 673; ornamentação
391 ; ornato de, 473 ; placado, 408 ; rebo-
do, 535; protecção do, 673; reparação do,
cado, 408
315; vias do, 315
Posição, 380, 389, 608 , 611; da canalização,
Saberes, 137, 163, 231, 280, 291 , 374, 376,
655; da cidade, 284, 287, 289; da cidadela,
476, 6 16, 618, 619, 626
326; da coluna, 406; 41 5, 608; da madeira Salubridade, 149, 150, 289, 312, 369, Ver
nas portas, 206; da parede, 41 5; da trave, Água, Clima, Região, Ventos
674; das aduelas, 264, 271; das molduras, Saúde, 149, 151 , 152, 154, 155, 162, 171, 176,
453 ; das muralhas, 327; das ombreias da 229, 255, 289, 297, 318, 336, 337, 340,
porta, 406; de aberturas, 181; de alinha- 368, 370, 580, 610, 630, 632, 642, 648, 680
mento, 234; de ângulos e áreas, 232; do Sepulcro, 510-20, 527- 28; domínio jurídico
acampamento, 339, 340; do lintel como do, 513; e religião, 512;_ inscrições em, 526;
coluna, 244; do lugar, 325; dos ligamentos, ornamentos do, 511
25 I; e correcção óptica, 461; na comparti- Sítio, 349, 411, 657, 668, 687; com bloqueio
mentação, 171 de passagem, 345 ; com entulho, 307; com
Prazer: da beleza (pulcritude), 137, 140, 171, forte pluviosidade, 249; da área, 163;
330, 581 dureza do terreno, 235 ; em cotovelo, 304;
Projecto, 153 , 189, 190, 282, 578, 585, 616, favorável à implantação, 289 ; fixação do,
621 146; imagem do, 582; sem águas estagna-
Proporção, 166, 172, 174, 380, 442; concini- das, 236; variação do clima, 149
dade da, 190; consonâncias musicais, Sociedade, 330, 430, 590, Ver Edificação como
597- 606; das colunas, 449- 52, 607- 8; das génese da comunidade; hierarquia da,
colunatas, 531 ; das partes, 170, 506; de edi- 280-84, 317- 19
769
Anexos
Solidez, 167, 168, 182, 188, 189, 219, 237 , 202, 238, 241 ; pedregoso, 635; plano, 241,
242, 245 , 253 , 255, 259, 260, 264, 269 , 326, 328, 369, 664; público, 619; puríssimo,
276, 277, 300, 306, 307, 319, 327, 331, 646; saibroso, 238; salubre, 287 ; sólido,
343, 348, 360, 363, 375, 403 , 415 , 422, 232, 237, 308 ; solúvel, 672
428, 463 , 495, 497, 522, 529, 537, 610, Tradição, 172, 209
614, 664, 667, 668, 675 , Ver Necessidade Trindade, 137, 148, 170-72
Teatro, 180, 374, 446, 545- 56; celas do, 439; Utilidade. Ver Comodidade, Trindade
estatuária do, 507; grego, 547; latino, 547
Templo, 162, 163 ; aberturas do, 479 ; abóbadas Variedade, 165, 172, 182, 190, 212, 278, 279,
do, 183; alicerces do, 192; altar do, 485; 422, 473, 6 14
área do, 169; batentes do, 483 ; circular,
Ventilação, 147, 171, 178- 80, 185, 371 , 640,
443, 452 , 472 , 473 ; cobertura do, 476 ;
679, 684; poços de, 653 ; respiradouros de,
degraus do, 184; entrada de cadáveres, 512;
641
estatuária no, 504; face à basílica, 489 ;
Ventos. Ver Clima; Aquilão (nordeste), 152,
forma do, 437-42 ; frontaria do, 472 ; fron-
314, 354, 367, 559, 645 ; Austro (sul), 152,
tões do, 526, 608 ; géneros de, 331 - 32;
249, 269, 277 , 291 , 314, 355, 357, 409,
janelas do, 484, 485 ; majestade do, 471 ,
639, 673 , 677; Bóreas (norte), 289, 291 ,
483 , 487; muros do, 472; origem do,
314, 367, 559, 646; Coro (noroeste), 152;
434-35; ornamento do, 435-45 , 475 , 488;
pinturas no, 474; porta do, 483 ; pureza e de África (sudoeste), 224; Favónio (oeste),
simplicidade, 473 ; quadrangular, 442 , 472 ; 198; Noto (sul), 362
sobreelevação, 444 Verdade: como remédio do espírito, 50 I ; na
Tempo: destrutor, 190, 271 , 623; e contempla- natureza, 333
ção da obra, 615; produtivo, 190, 254, 617, Vias, 297, 300-303, 509- 10, 533- 37, 663- 70,
619; sazonal, 197- 200, 272, 276, 277, 323 , 676; ao longo da muralha, 433; Lei das XII
360, 363, 370 tábuas e largura das, 30 I; militares, 30 I,
Termas, 138, 381 , 382, 567- 70 511 ; seguras, 302; terrestre, fluvial , lacustre,
Terreno, 148, 176, 228, 232, 233, 235, 237, marítima, 326
238, 243, 395, 613 , 654 ; aspecto do, 147; Vício, 617 ; combate ao, 331 , 335; da ignorân-
cedência do, 243; consistência do, 653 ; cul- cia, 379; da mão, 623 ; do espírito, 623
tivado, 668; deslizante, 342; elevação do, Virtude, 485 , 512; como embelezamento, 382;
167, 651; elevado, 320; escorregadio, 311, como ornamento, 474, 574; culto da, 486;
394; fecundo, 285 ; fértil, 641 ; firme, 235, dos antepassados, 499, 513; dos pontífices,
236, 242, 636, 687; herboso, 636; instabili- 333; luta pela, 331, 335; na cidade, 431; na
dade do, 238; marcação do, 226; pantanoso, natureza, 333; valor da, 163, 501, 504
770
Esta edição DA ARTE EDIFICATÓRIA
foi composta, impressa e encadernada
para a Fundação Calollsle G11lbenkian,
nas oficinas da Imprensa Portuguesa.
A tiragem é de 1500 exemplares
Março de 2011
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