Você está na página 1de 786

Leon Battista Alberti (Génova, 1404 - Roma, 1472),

co n si d erado co m o uma das p r i n c i pais fig ur as d o


Re n ascime n t o, poss u i dor de u ma cr i ati vi d a d e
incomens uráve l pe lo cu ltivo dos ma is diversos sa beres
d i sc ip l i na res e d os m ai s va r iados co nh ec im en t os
literári os, por ma is remotos e impenetráve is que fossem, é
o auto r do tratad o D e re aedificato ria, p ub l icado em
1 4 85, q ue ab ri u as por t as da mo d e rn i da d e em
arq ui tectu ra, pe la forma inovado ra e autó noma co mo
sistemat izou, com inteligibili dade e eloquê ncia, a arte
edificatória.
Com um estatuto inaugural em rel ação ao corpus de
referência disc iplinar, esta ob ra de Albe rt i é baseada na
hierarquização intransi t iva entre o prazer, a comod id ade
e a necessidade, bem como na nat u reza - no co rpo
animal -, na hi stória- a arqui tectura dos A nt igos- e, ainda,
na harmo nia das pa rtes com o todo, de modo a que o
ed ificado ed ifiq ue, isto é, tenh a e dê d ign idade a quem
concebe ou promove ed ifícios de admirável be leza.
Pela prime i ra vez , passados ma is de cinco séc u los
após a edi tio princeps ter sido publicada em Flo rença,
apresenta-se a edição deste tratado em I íngua po rtuguesa,
pe los horizo ntes disciplinares que abriu, como pe la sua
ac t ualidade que não de i xa incessan t emen t e de
su rpreender.

Mário Jú lio Teixeira Krüge r násceu em Lisboa em


194 5, é Professor Ca ted rát ico do D epart amen t o de
Arq uitectura da Faculdade de Ciênc ias e Tec nologia da
U ni vers idade de Co i mbra e in vest igado r do Cent ro de
Estu dos Soc iais d esta U n ive rsidade. Dou to rou-se pela
Universidade de Ca mbridge em 19 78 e fo i membro do
Centre for Land Use and Bu ilt Form Studies , a unidade
pioneira de investigação fu ndada pe lo Prof. Leslie Ma rt in
nesta U nive rsidade.
Com vá rios liv ros publicados e in úmeros artigos em
revistas nacionais e internaciona is na área de Teo ria da
A rqu itectura, bem como de com un icações em co ngressos
e en co nt ros cie nt íf i cos , tem em p repa ração a obra
Comentários à A rte Edificatória de Leo n Batt ista A lberti e
é, actu almente, coo rdenador do projecto de invest igação
A lbert i D igital, que tem por objectivo traçar, em ambiente
co mp utacio nal e pe la cons t rução de u m a gramá t i ca
generativa da fo rma, a influência do D e re aedifica toria
n a h eran ça d isc i p l i nar da A rqu itec tu ra C láss ica em
Port ugal.

A rn al do Mo ntei ro do Espírit o Sa nto é Pr ofesso r


Ca t edr áti co da U n ivers ida d e de Li sboa, on d e t em
desempenhado funções doce ntes na Facu ldade de Letras
e de investigador do Centro de Est udos Cláss icos. D a sua
act ivida de cie nt íf i ca, sa l ient a-se: a coo rd en ação da
t rad ução das Confissões e do tratado Tr indade de Santo
Agos t i nh o; a ed ição c r ít i ca e a t rad ução da C l av i s
Prop het ar um e a coorde nação d a edição c rít ica dos
Sermões do Padre Antón io V ieira; a tradução da H istória
de Dois A mantes de En eias Sílvio Picco lomi ni e da A rte
Poé t ica d e M arco Gi ro lamo V id a. É aut o r de vá rios
estud os na área da A ntiguid ade Cláss ica, da A nt iguidade
Tard ia, d a Idade M édi a, do Renasc imento e do séc ulo
XV II. Act ualmente dedi ca-se à trad ução , para a ed ição
bi li ngue, d as ca rtas lati nas i nédi tas d o Pad re T om ás
Perei ra (164 5- 1708 ), m issionário na Ch ina. Recebeu o
G rande Prém io de Tradução do Pen Club Port uguês -
Associação Portu guesa de Tradutores (200 1) e, por duas
vezes, o Prém io de Trad ução Cient ífica e Técnica em
Lín gua Portu guesa, Un ião Latina - FCT (200 1; 2008).
AUTO- RETRATO ATR I BUÍDO A LEON BATTISTA ALBERT/.
MEDALHÃO OVAL EM BAIXO RELEVO EXECUTADO EM
BRONZE, CIRCA 143 5. PARIS, BI BLIO THÉQJ)E NATIONALE
DE FRANCE, CO TA A. V. 86.
LEON BATTISTA ALBE~TI

DA. AR-TE EDIFICATÓR.IA

TRADUÇÃO DO LATIM DE ARNALDO MONTEIRO


DO ESPÍRITO SANTO

INTRODUÇÃO, NOTAS E REVISÃO DISCIPLINAR DE


MÁRIO /ÚLIO TEIXEIRA KRÜGER

-
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

Serviço de Educação e Bolsas


TRADUÇÃO
DO ORIGINAL LATINO INTITULADO
DE RE AEDIFICATORIA.
SEGUNDO O TEXTO DA EDIZIONI [L POLIFILO. MILÃO. 1966

NA CAPA: ILUSTRAÇÃO DO CAPITEL JÓNICO,


APOIADA NA EDIÇÃO FLORENTINA DE 1550.
TRADUZIDA POR COSIMO BARTOLI. COM O TÍTULO
L'ARCH ITETTURA:
DESENHO DE LETRA ASSENTE NAS INSCRIÇOES EPIGRÃFICAS
DAS OBRAS EDIFICADAS DE LEON BATTISTA ALBERT/.

COMPOSIÇÃO DA CAPA: MÁRIO j. T. KRÜGER

Reservados todos os direitos de harmonia com a lei.


Edição da
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. Berna I Lisboa
2011

ISBN 978-972-31-1374-7
ÍNDICE

NOTA PRÉVIA 15

INTRODUÇÃO 17

AS LEITURAS DA ARTE EDIFICATÓRIA 17


A RECEPÇÃO DA ARTE EDIF/CATÓRIA 75
AGRADECIMENTOS 131
ÍNDICE (CONT.)

DA A~TE . EDIFICATÓ~IA
SAUDAÇÃO DE ÂNGELO POLIZIANO 135

PRÓLOGO 137

LIVRO PRIMEIRO: 0 DELINEAMENTO 145

LIVRO SEGUNDO: OS MATERIAIS 187 .

LIVRO TERCEIRO: A CONSTRUÇÃO 231

LIVRO QYARTO: EDIFÍCIOS PARA FINS UNIVERSAIS 279

LIVRO QyiNTO: EDIFÍCIOS PARA FINS PARTICULARES 317

LIVRO SEXTO: DO ORNAMENTO 373

LIVRO SÉTIMO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS SAGRADOS 427

LIVRO OITAVO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS PÚBLICOS


PROFANOS 509

LIVRO NONO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS PRIVADOS 573

LIVRO DÉCIMO: 0 RESTAURO DE OBRAS 623


]NDICE (CONT.)

ANEXOS

ABREVIATURAS 695

BIBLIOGRAFIA DE AUTORES ANTIGOS 701

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 711

OBRAS DE ALBERT! 713


REFERÊNCIAS CRÍTICAS E LITERÁRIAS 717

AS EDIÇÕES IMPRESSAS DA ARTE EDIFICATÓRIA 741

ÍNDICES REMISSIVOS 743

ÍNDICE ONOMÁSTICO 745


ÍNDICE DE LUGARES 755
ÍNDICE DE CONCEITOS E MATÉRIAS 759
NOTA PRÉVIA

A urgência antiga que sentimos há séculos, por não termos uma versão
do De re aedificatoria de Leon Battista Alberti em língua portuguesa,
acompanha-nos desde que D. João III encomendou a André de Resende a
feitura de um livro de Architectura que, pelo que sabemos, não viu a luz
do sol.
Estes propósitos perdidos, que não acharam ouvidos de gente, nem edi-
ções impressas em vernáculo, fizeram com que a recepção e as leituras do
tratado ocorressem, principalmente, em . línguas estrangeiras, do mesmo
modo que as frases e os dias de Alberti, entre nós, se transformaram em
obras raras ou antiquíssimas.
Este destino do olhar as teorias in absentia , de as ver passar ao longe
até ao mar maior da arte edificatória, tem sido um gesto que afaga os suces-
sivos adiamentos destas viagens não realizadas ou desaparecidas.
A gradual emergência da necessidade de o tratado de Alberti ser apre-
sentado em língua portuguesa consolidou-se, por isso, como um imperativo
sucessivamente aprazado, sem que tivéssemos, entretanto, uma edição para
consulta dos que frequentavam as disciplinas de ·arquitectura de que éramos
responsáveis.
Se estávamos certos da excelência das recentes edições do tratado de
Alberti, transcritas para algumas línguas europeias, ficávamos cada vez
menos seguros da sua relevância para o estudo da teoria da arquitectura em
países de língua portuguesa, principalmente ao tomarmos consciência desta
herança.
Este legado confronta-nos com a singularidade do texto de arquitectura,
na medida em que o discurso disciplinar, inaugurado por Alberti no séc. XV,
sem se apresentar com as características de um texto científico ou mesmo
literário, requer uma subtileza de argumentos que não se reduzem a uma
mera manipulação de recursos e figuras de retórica, para delinear a função
primeira desse discurso - a descrição disciplinada do objecto de estudo:
a res aedificatoria, que terá de se articular com uma função segunda, que

15
Nota Prévia

promove a implícita valorização, não necessariamente de forma discursiva,


da arquitectura.
Se na prosa científica, que explicita imediatamente ideias, há disciplina
quanto baste e, na literária, há que atender ao ritmo da sua exposição, já na
da arte edificatória há que ter em conta tanto a disposição das matérias,
como o ritmo ordenado que acompanha esta disposição, o que não quer
dizer que a mesma não deixe de apresentar qualidades literárias para enalte-
cer, com emoção e harmonia, aquela arte, bem como exprimi-la de forma
disciplinada.
Esse equilíbrio, essa concinidade, para utilizar um termo de A1berti, não
é de fácil transposição do latim renascentista para a língua portuguesa de
hoje, apesar de Luís de Camões, ao seu tempo, já ter enunciado: "E na lín-
gua, na qual, quando imagina, I Com pouca corrupção crê que é a Latina"
(Os Lusíadas, I, 33 , 7-8).
Como resultado destas reflexões que por enquanto são tudo, estão
incluídas nesta edição a tradução do texto em latim, bem como a introdução
e as notas revistas, tão cuidadas quanto possível, desta obra inaugural da
modema teoria da arquitectura que, ainda hoje, é susceptível de contribuir
para um entendimento disciplinar, crítico e poético da situação da arquitec-
tura contemporânea em países de língua portuguesa.
Neste encontro, a diversas vozes, começamos por desejar que se cumpra
o dictum de Alberti ao abrir o tratado: sê feliz na leitura e, em consequên-
cia, que esta promova a viva complementaridade dos saberes sem a qual,
como afirma Álvaro Siza, "não é possível dar resposta a uma necessidade
social particular, que inclui e da qual dependem as outras: a Beleza. Essa é
a primeira responsabilidade do arquitecto, nunca o capricho" 1•

Coimbra e Lisboa, 11 de Novembro de 2010

Mário Júlio Teixeira Krüger


e
Arnaldo Monteiro do Espírito Santo

1
Oração de Petição do Grau. ln Doutoramento Honoris Causa de Álvaro Siza e Brian
Scarllet, 1997, p. II. Coimbra: Universidade de Coimbra.

16
INTRODUÇÃO

AS LEITURAS DA ARTE EDIFICATÓRIA

Na abertura da saudação a Lourenço· de Medieis da editio princeps do


De re aedificatoria, o primeiro tratado de arquitectura dos tempos moder-
nos 2 , Ângelo Poliziano menciona que "Leon Battista Alberti 3 , florentino 4 da
ilustríssima família dos Alberti, homem de engenho requintado, finíssima
inteligência e refinadíssimo saber, entre muitas obras notáveis que deixou à
posteridade, elaborou dez livros sobre arquitectura".
Também Cristoforo Landino (1481, p. IV r.), no Proémio ao comentário
sobre La Divina Commedia de Dahte Alighieri, ao referir-se aos Fiorentini
Eccellenti, interroga-se sobre qual a categoria em que deveria apresentar
Alberti: "responder-me-ão entre os cultores da filosofia natural. Com efeito,
afirmo que ele nasceu para sondar os segredos da natureza. Mas será que
havia um ramo das matemáticas que lhe fosse desconhecido? Ele foi geó-
metra, aritmético, astrónomo, músico e na perspectiva maravilhoso, melhor
do que qualquer outro, desde há muitos séculos. Os nove livros de arquitec-
tura, divinamente escritos, repletos de conhecimentos e expostos com

2
A índole tratadística do De re aedificatoria não esgota as dimensões literárias e antropo-
lógicas que o texto sugere e desenvolve.
3 Chamado pelos seus contemporâneos de Battista Alberti, dado que o nome de Leon é
uma designação do próprio autor do De re aedificatoria. Vasari (1550) relata que no epi-
táfio de Alberti constava: "[ ... ] a cidade de Florença o chamou com todo o direito de
Leon, porque foi o príncipe de todos os sábios". Cf. trad. esp. de L. Bellosi - A. Rossi ,
2002, p. 317, n. 23.
4
Somente por jus sanguinis e não por jus solis é que se pode atribuir origem florentina a
Leon Battista Alberti (1404-1472). Este nasceu em Génova e a sua família , de Florença,
esteve exilada naquela cidade após a expulsão decretada pelo governo oligárquico da
família dos Albizzi que dominava, então, a política do estado florentino .

17
Introdução

suprema eloquência, mostram até que ponto estes saberes nele floresceram ~
Escreveu o De pictura, escreveu o De sculptura, intitulado Statua. Não
somente escreveu sobre estas artes mas as praticava, com as suas próprias
mãos, e das quais possuo obras exemplares produzidas pelo pincel, pelo cin-
zel, pelo buril e pelo molde".
De modo semelhante, Giorgio Vasari (1550), nas Le Vite de' piú eccel-
lenti architetti, pittori, et scultori italiani [ ... ], afirma que se pode clara-
mente apreciar em Leon Battista Alberti que, "graças aos seus estudos da
língua latina e à criação de obras de arquitectura, perspectiva e pintura, dei-
xou livros escritos de forma tal [ ... ] que [ .. . ] é uma convicção geral (tanta
força têm os seus escritos na boca dos doutos) que superou todos aqueles
que o haviam excedido na prática" 5 •
A introdução laudatória de Poliziano sugere que o autor deu um con-
tributo notável com ingenii elegantis, acerrimi iudici e exquisitissimaeque
doctrinae num texto, inserido numa obra mais vasta, que tem por objecto o
discurso em arquitectura; a referência de Landino, que descreve o tratado
como tendo sido divinissimamente scritti com somma eloquenzia, lembra-nos
que a feitura do mesmo foi acompanhado de uma prática artística exemplar
e, ainda, os comentários de Vasari confirmam que aquele foi, ao seu tempo,
insuperável nos textos que escreveu sobre arquitectura, perspectiva e pintura,
pela forza hanno gli scritti suai nelle lingue de' dotti.
Mas será que o teor destas apreciações encomiásticas, face a outras
obras de teoria da arquitectura, se manteve ao longo da sua recepção? Por
outras palavras, como podemos interpretar este texto, simultaneamente clás-
sico e disciplinar, na medida em que o mesmo poderá ter sido acolhido, por
várias gerações, de forma diferenciada?
Se bem que a diversidade de pontos de vista e de leituras sejam endé-
micas em relação à obra escrita de Alberti, tomemos este facto como ponto
de partida para a sua interpretação e exploremos as suas implicações disci-
plinares. É por meio de uma prática eminentemente reflexiva e comparativa,
a partir tanto do tratado como daquelas divergências, que poderemos alargar
e aprofundar o seu entendimento, no contexto desta edição que agora se
apresenta.
Não existe qualquer motivo para pensar que se verificará, em decorrên-
cia, um consenso alargado sobre esta leitura do tratado de Alberti. Contudo,
a experiência tem mostrado que a discussão sobre a obra deste autor modi-
fica o quadro no qual é possível estabelecer uma crítica interpretativa possi-

5
Cf. trad. esp. de L. Bellosi - A. Rossi, 2002, p. 315 .

18
As Leituras Da Arte Edificatória

bilitando, noutro nível , a formação de novos consensos e dissensões que se


apresentam, entre nós, com significativa relevância, na medida em que não
foi divulgada até hoje e em língua portuguesa, qualquer edição daquela obra.
Aquele tratado foi publicado inicialmente em Florença, em 1485 (Anno
salutis millesimo octuagesimo quinto), por Nicolai Lorentii Alamani, coinci-
dindo praticamente com a data de impressão do tratado De architectura de
Vitrúvio, editado em 1486, em Roma, por Giovanni Sulpitius.
Se tivermos em conta que, no séc. XV em Florença, o ano começava
em 25 de Março, no dia da festa da Anunciação em que se celebrava, desde
o séc. VII e de acordo com a liturgia da Igreja Católica, o mistério da
Encarnação revelado pelo Arcanjo Gabriel à Virgem, e que a primeira edição
do tratado de Alberti terminou de ser impressa em 29 de Dezembro (quarto
kalendas /anuarias) isso significa, tanto pelo calendário de então, como pelo
actual , que esta obra viu a estampa em 1485.
Esta proximidade temporal não deixa de sugerir alguma admiração, no
sentido de ambos os tratados serem contemporâneos para um leitor renas-
centista, apesar de haver uma distância de quase quinze séculos entre a sua
feitura e de a edição romana de 1511 do De architectura de Vitrúvio, a
cargo de Fra Giocondo de Verona, ter obtido uma maior projecção e difusão
do que a anterior, a datada de 1486.
No Quattrocento 6 , a corrente humanista ressuscitou os modelos literá-
rios da Antiguidade greco-romana com uma consciência linguística que teve
por objectivo restaurar o latim na sua forma clássica - o latim humanístico 7 •
É neste contexto que podemos entender que os dois tratados possam ser
considerados contemporâneos, como afirma Payne (1999, p. 70), apesar de
terem sido inicialmente escritos em períodos distintos.
Ambos os textos sugerem teorias de arquitectura que tiveram processos
de recepção diferenciados. O tratado de Vitrúvio teve ampla disseminação no
séc. XVI na medida em que possibilitou , uma interpretação filológica da
Antiguidade Clássica, especialmente das ruínas romanas, enquanto o de
Alberti teve por objecto um método de concepção que permitiu a constru-
ção, não a reprodução, de uma nova linguagem em arquitectura.
No contexto do Quattrocento, em Roma, o entendimento do que é uma
ruína referia-se, fundamentalmente, aos vestígios da cidade imperial, em

6 Este tenno refere-se à produção cultural do séc. XV originada nos estados italianos.
7 De humanitas, termo utilizado por Cícero (Arch., 1, 1-2) para significar todos os conheci-
mentos que afectam a condição do homem, que concorrem para o seu aperfeiçoamento
espiritual e estão de acordo com as musas.

19
Introdução

geral em avançado estado de degradação, mas passíveis de reutilização nas


novas construções (cf. Choay, 1992, pp. 37-50).
O percurso de Alberti em relação à Antiguidade Clássica, face à devas-
tação da ·antiga cidade imperial 8, é conformador de uma escrupulosa dimen-
são disciplinar, na medida em que propõe, no De re aedificatoria, a análise
histórica dos edificios antigos 9, sistematizada de forma tripartida, sob o
ponto de vista da sua construção, da sua comodidade e da sua beleza, com
a finalidade de fundamentar uma prática edificatória e não demolidora.
Se bem que, tanto no Trecento como no Quattrocento, diversos huma-
nistas tenham elaborado pertinentes descrições literárias da Roma antiga em
ruínas 10, é com Alberti que se tem, pela primeira vez, um método preciso de
representação cartográfica urbana.
Se é certo, que as obras de Flávio Biondo (1392-1463) 11 , um dos fun-
dadores da historiografia do Renascimento 12 , descrevam o fulgor do Império
Romano e, em particular, a sua obra Romae instauratae libri III (1444-46) 13 ,
uma espécie de "guia" de Roma de carácter erudito, tenha produzido igual-
mente um dos primeiros levantamentos arqueológicos das ruínas da cidade
de Roma, dedicado ao Papa Eugénio IV, possibilitando a reconstrução men-

8
A cidade de Roma, em meados do séc. XV, tinha cerca de quarenta mil habitantes, isto
é, uma pequena fracção quando comparada com a população da Roma antiga, onde
aquele valor, no séc. I a. C., chegou a atingir um milhão de residentes. Cf. Pardo, 1984,
pp. 516-548; Morley, 1996, pp. 33-54.
9
O papa Pio II (1458-1464), Enea Sílvio Piccolomini, refere-se a Alberti, não como arqui-
tecto, mas como antiquitatum solertissimus indagator, isto é, como o "mais sagaz dos
descobridores de antiguidades " (in Commentarii, XI, 22; cf. trad. ingl. de F. A. Gregg,
1959, XI, p. 316) .
10
Entre as quais se contam, no Trecento, as de Francesco Petrarca (c. 1345), que elaborou
uma evocação da Roma antiga na concatenação das suas cartas Familiares (VI, 2), bem
como, no Quattrocento, Poggio Bracciolini (1447- 48), um dos mais reputados latinistas
da cúria Papal, no De varietate fortun e e, ainda, Giovanni Tortelli (1448-51 ), autor da
fixação da unidade ortográfica de palavras derivadas do grego, na obra De orthographia.
Cf. Alberti, 1450, Descriptio urbis Roma e, ed. de M. Furno - M. Carpo, 2000,
pp. 130-172.
11
Na obra Italia 1/lustrata, Biondo (1531 , pp. 325-326) mostra que tinha um conhecimento
directo do tratado de Alberti ao referir-se ao envolvimento deste na recuperação de uma
nave romana no lago Némi: "o meu amigo Leon Battista Alberti, o grande geómetra do
nosso tempo e autor de um trabalho elegantíssimo sobre a arte edificatória, foi indigitado
para ajudar nesta tarefa" (cf. trad. ingl. de J. A. White, 2005).
12
Para uma recensão sobre a pertinência e a legitimidade do conceito de Renascimento
veja-se Paoli (20 1O, pp. 29-54 ).
13
O texto encontra-se reproduzido na obra de D'Onofrio (1989).

20
As Leituras Da Arte Edificatória

tal da Antiguidade romana a partir da leitura de textos antigos, a obra de


Alberti, no entanto, é resolutamente inovadora.
É neste contexto que, anteriormente à publicação do tratado, em meados
do séc. XV, Alberti redige a obra Descriptio urbis Romae, onde descreve um
método sistemático de representação cartográfica urbana por restituição em
projecção ortogonal, para a identificação e a localização dos monumentos da
Roma antiga.
Além disso, Alberti, antes de concluir o De re aedificatoria, já tinha
escrito algumas das obras que marcaram a cultura do Renascimento italiano,
· nomeadamente o tratado De pictura (c. 1441-1444) '\ onde apresenta e sis-
tematiza os princípios da perspectiva, "uma janela aberta para que se possa
olhar a história"; a obra I libri della Jamiglia (c. 1433), que reproduz quatro
diálogos entre diversos membros da sua família sobre a inconstância da for-
tuna, face à adversidade e à prosperidade da vida, bem como sobre a boa
gestão da casa, a educação, as obrigações entre as gerações e, ainda, sobre
o casamento, o amor e a amizade; os Ex ludis rerum mathematicarum
(c. 1450) que descreye uma série de aplicações práticas da matemática; o De
equo animante (c. 1445), onde descreve os meios para produzir e trajar
cavalos de eleição; bem como as Intercenales (1430-1440), onde apresenta
pequenas peças, de natureza satírica sobre, entre outros tópicos, o escritor
(scriptor), a virtude (virtus), o destino e a felicidade (/atum et fortuna), a
frugalidade (parsimonia) , as pinturas (picturae) , as pedras (lapides), a fama
(fama) , o templo (templum) e a verdade (veritas), que voltam a ser aborda-
dos e desenvolvidos no seu tratado sobre arquitectura 15 •
Também no Profugiorum ab aerumna libri III (Da tranquilidade da
alma) , escrito entre 1441-1442, desenvolve um método de composição de
obras do passado que são reapresentadas sob a forma de um novo mosaico
literário, como no Momus, redigido por volta de 1444, onde insiste, de
forma satírica, sobre a originalidade renovadora da sua obra face aos pode-
res instituídos (cf. Paoli, 2004, p. 77).
Este itinerário, que culmina, em termos teóricos, com a publicação do
De re aedijicatoria, tem o seu início com a leitura das obras clássicas que

14
Resultante da autotradução do seu tratado de Pintura , escrito c. 1435, em toscano, dedi-
cado a Filippo Brunelleschi.
15
Também se tem conhecimento, anteriormente à publicação do De re aedificatoria, que
Alberti é o autor de uma monografia sobre navios, De navis, considerada perdida, mas
mencionada por Leonardo da Vinci nos seus livros de anotações (códice Hammer,
f. 13v), onde reporta: Vedi de na vi di messer Battista e Frontino de acquedotti (cf.
Marani , 1994, p. 36 1).

21
Introdução

descrevem a Roma antiga, nomeadamente com a História de Roma (ab Urbe


Condita) 16 de Tito Lívio, que relata de forma quase cinematográfica, em
diversas "sequências de plano", a partida dos habitantes de Alba Longa,
para se estabelecerem em Roma com um sentido de missão 17 • Refere Lívio
(I, 4, 2) que "a fundação de tão grande cidade e início do mais poderoso
império logo a seguir ao dos deuses era um dever, segundo julgo, para com
o destino" 18 •
Esta orientação também está presente, tanto na obra literária de Alberti
como nos seus tratados de arte, pela maneira como lida com o fatum et for-
tuna dos humanos, expressa na intertextualidade daqueles escritos e, ainda,
na recepção ao legado da arquitectura clássica que, embora aceite como uma
unidade de forma e conteúdo, acaba por contribuir para a transformação da
sua produção artística e literária. Como se, neste itinerário, se verificassem
sequências de plano que acabam por conformar uma obra que, no seu con-
junto, se revela poliédrica, "para que a vida seja vivida de uma forma agra-
dável e feliz" 19 •
Esta tendência também se expressa no De re aedificatoria na medida
em que os diversos capítulos se apresentam como se fossem planos, sem
cortes, segundo linhas de desenvolvimento relativas aos assuntos tratados em
cada livro mostrando, si'multaneamente, novas perspectivas ou ângulos sobre
os seus conteúdos, desde o delineamento, descrito no Livro I, até ao orna-
mento dos edificios privados, desenvolvido no Livro IX 20 . Como se cada
Livro fosse um plano de conjunto segmentado er:n sequências integrais de
conteúdos disciplinares.
Se bem que a temática central da obra seja a arte edificatória, baseada,
em parte, na análise histórica dos edificios antigos estes são, no entanto e
quase sempre, apresentados de forma geral e pouco pormenorizada, excepto
no Livro VIII, que se refere aos ornamentos de edificios públicos, apesar
de o autor fazer uma chamada de atenção, como fonte de conhecimento

16
A data da suposta fundação de Roma (urbe condita) teve lugar, de acordo com Varrão,
cerca de 753 a. C. (cf. Sol. , I, 18).
17
Lívio (I, 46, 5; II, 40, 13 ; VI, 30, 6; VII , 34, 6) refere-se frequentemente a f ortuna
populi romani ao relatar os primórdios da cidade de Roma e coteja fortuna com virtus
(V, 34, 2), tema este recorrente em Alberti no Proémio da obra I libri de/la famiglia .
tH Cf. trad . de P. F. Alberto, 1999.
19
[ ••• ] quae ad vitam bene beateque agendam fac iant [...], Prólogo, De re aedificatoria

(Orlandi, 1966, p. 2).


20
A divisão do tratado em livros deriva da antiga palavra liber, que correspondia simulta-
neamente à quantidade de texto que podia ser escrita num rol~ e a uma unidade de dis-
curso que se incorporava no todo de que fazia parte.

22
As Leituras Da Arte Edificatória

actual, para as obras dos melhores arquitectos da Antiguidade (Livro VI,


cap. 13) 21 •
O De re aedificatoria configura-se, consequentemente, não como um
tratado sobre a arquitectura da Antiguidade, como foi o de Vitrúvio mas,
como um texto persuasivamente redigido para os promitentes patronos como
para as pessoas cultas 22 , sobre uma nova forma de fazer arquitectura que
tem, no passado imperial, uma fonte de referência, que não se esgota nela
mas a ultrapassa.
O texto de Alberti, à semelhança do tratado de Vitrúvio, também é
composto por dez Livros ("capítulos") que versam, neste caso, sobre as
seguintes temáticas: Livro I - o delineamento. Livro II - os materiais. Livro
III - a construção. Livro IV - edificios para fins universais. Livro V - edi-
ficios para fins particulares. Livro VI - do ornamento. Livro VII - o orna-
mento de edificios sagrados. Livro VIII - o ornamento de edificios públicos
profanos. Livro IX - o ornamento de edificios privados. Livro X - o res-
tauro de obras.
Alberti (Livro I, cap. 2) ao descrever os princípios que se aplicam às
partes que compõem a arquitectura, se bem que não cite explicitamente
Vitrúvio 23 , aiqda se refere implicitamente às dimensões a que a arquitectura
deve satisfazer da necessitas, da commoditas e da voluptas (da necessidade,
da comodidade e do prazer) ao estabelecer "[ ... ] que cada uma dessas partes
seja adequada ao uso definido a que se destina e, acima de tudo, seja total
a sua sanidade; que para sua firmeza e duração, não tenha defeito, seja
sólida e quase eterna; que, para ser bela e agradável, tenha elegância, har-
monia e embelezamento em todos os pormenores".
Se bem que as dimensões vitruvianas da firmitas, da utilitas e da venus-
tas, não coincidam com as albertianas da necessitas, da commoditas e da

21
Isto é, das vias de acesso, dos sepulcros, das capelas, das colunas, dos mausoléus, das
torres, dos pórticos, das basílicas, dos monumentos, dos portos, das praças, do fórum, das
pontes, dos arcos de triunfo, dos teatros, dos circos e anfiteatros, dos espaços para as
corridas, das cúrias, das salas de reunião, dos parques, bem como das termas e de outras
obras do mesmo género.
22
"Entre os homens são poucos aqueles que se evidenciam e salientam em todos estes dons
simultaneamente. Deste critério surge a primeira divisão, que consiste em seleccionarmos
de entre a multidão uns poucos, dos quais uns se elevem por serem notáveis em sabedo-
ria, conselho e inteligência, outros experimentados na vivência e na prática das coisas,
outros famosos pela abundância de bens e opulência das suas fortunas" (Livro IV, cap. 1.).
23 Estes princípios são implicitamente invocados ao longo do tratado, nomeadamente ao
descrever a sistematização da coluna no Livro VII, cap. I.

23
Introdução

voluptas, na medida em que as primeiras correspondem, respectivamente, a


construção, utilidade e beleza, e as segundas a necessidade, comodidade e
prazer, ambas situam-se no mesmo campo semântico, o que sugere que
Alberti qualifica intencionalmente aquelas dimensões.
Isto indica que, para Alberti, a construção só faz sentido se resolvida ao
nível da necessidade, a utilidade se proporcionar comodidade e a beleza se
der prazer. No entanto, estas dimensões não são intercambiáveis, dado que
Vitrúvio dirige-se, predominantemente, aos produtos da arquitectura, enquanto
Alberti refere-se, principalmente, aos processos da concepção na arte edifi-
catória.
Com efeito, ao terminar o cap. 1 do Livro VI, Alberti resume o que
tinha desenvolvido previamente no tratado: "Das três partes, concluídas as
duas primeiras, que diziam respeito à construção em geral, com o objectivo
de que as nossas construções fossem de facto adequadas às suas funções ,
tivessem a maior solidez e duração, fossem as mais aptas a proporcionar
graciosidade e uma sensação aprazível, resta a terceira, de todas a mais
nobre e a mais necessária". Dando seguimento à exposição da res aedifica-
toria, Alberti (Livro IX, cap. 5) culmina, esta terceira parte, com as analo-
gias musicais e os sistemas proporcionais em arquitectura: "Os números,
pelos quais se faz com que a concinidade das vozes se tome agradabilíssima
aos ouvidos, são os mesmos que fazem com que os olhos e o espírito se
encham de um prazer maravilhoso".
Consequentemente, é possível estabelecer uma correspondência no tra-
tado de Alberti entre a sua organização geral e aquelas dimensões, na
medidW em que os Livros I, II e III se referem à necessitas, onde é apre-
sentada uma teoria geral da construção resultante da resolução entre a maté-
ria · e a forma da edificação, os Livros IV e V à commoditas, onde é desen-
volvido o binómio necessidades/desejos no âmbito da concepção de edifícios
tanto para fins universais como particulares, e os Livros VI, VII, VIII e IX
à voluptas, que se reportam ao prazer gerado pela beleza, bem como aos
ornamentos dos edifícios sagrados, públicos profanos e privados 24 •

24
O estabelecimento da correspondência entre os Livros II a IX Da Arte Edificatória e as
dimensões vitruvianas de firmitas, utilitas e venustas deve-se ao trabalho pioneiro de
Krautheimer (1995), inicialmente publicado nas Acts of the Twentiet~ lnternational Con-
gress of History of Art, II, Princeton, 1963, pp. 42-52. O entendimento desta reciproci-
dade, em função da necessitas, da commoditas e da voluptas albertianas, deve-se à leitura
renovadora de Choay, 1996, pp. 90-170.

24
As Leituras Da Arte Edificatória

A obra, no entanto, remata com o Livro X que, sem se apresentar com


um horizonte preciso, tem por objecto as regras de reparação dos edificios
bem como questões de hidráulica, o que sugere uma afiliação mais ao nível
da necessitas 25 • Isto pode ser entendido como uma espécie de contradição
adaptada, em relação à progressão de temáticas previamente estabelecidas ao
longo do tratado, tomando aparentemente o conjunto impuro (Venturi, 2002,
p. 45), pela sua modificação intencional e, simultaneamente, inesperada, mas
já admitida por Landino (op. cit., p. IV r.) ao referir-se somente a "nove
livros de arquitectura, divinamente escritos, repletos de conhecimentos e
expostos com suprema eloqu~ncia".
Caye (2004), ao analisar o lugar do Livro X no De re aedificatoria,
sustenta que, apesar deste livro fazer parte integrante do tratado, o mesmo
também se apresenta inacabado, na medida em que das seis partes concep-
tuais da edificatória somente a da região comparece devidamente desenvol-
vida sob o ponto de vista da reparação do edificado 26 • Além disso, os capí-
tulos 16 e 17 daquele Livro são estranhos ao propósito do próprio tratado,
como se tivessem sido incluídos para fazer uma recapitulação de noções já
anteriormente introduzidas, de forma mais desenvolvida, nos Livros III e VI.
Esta interrupção do tratado, também subscrita por Grafton (1997, p. 56),
sem uma advertência ou mesmo uma nota, tem sido interpretada como se se
tratasse de uma obra em aberto, não conclusiva, onde a par de uma constru-
ção textual coerente encontramos também incertezas e angústias, fazendo
com que esta deixe de pertencer exclusivamente ao domínio da tratadística
para entrar no das considerações existenciais (cf. Borsi - Borsi, 2006,
p. 142).
O tratado de Vitrúvio, por seu lado, também apresenta uma organização
em dez Livros, mas menos sujeita a um ordenamento geral do que o des-

25
O ritual de purificação das águas também é referido por Alberti (Livro X, cap. 8), o que
indica que a arquitectura após satisfazer as necessidades e responder aos desejos, subor-
dinados à beleza, também se purifica. Neste sentido, o Livro X, que coroa o tratado e
aborda questões de hidráulica e de reparação de obras, pode ser entendido como uma
descrição dos rituais de purificação da edificatória.
26
"A edificação consta de seis partes, a saber: a região, a área, a compartimentação, a
parede, a cobertura, a abertura" (Livro I, cap. 2) que correspondem, na situação contem-
porânea: ao território onde se insere uma obra de arquitectura; a um espaço deste terri-
tório, perfeitamente delineado, destinado à construção do edificio; à organização da com-
partimentação do edificado, bem como à composição das paredes, das coberturas e dos
vãos ou aberturas.

25
Introdução

crito no texto de Alberti, reportando-se aquela obra às seguintes temáticas:


Livro I - definição de arquitectura e do arquitecto. Livro II - materiais
construtivos. Livro III - análise de templos. Livro IV - análise das ordens
arquitectónicas. Livro V - praças públicas, mercados, teatros, termas, . .. ,
edificios públicos. Livro VI - edificios particulares e privados, característi-
cas e medidas. Livro VII - acabamentos e revestimentos, ornamentos. Livro
VIII - distribuição de água, hidráulica. Livro IX - relógios. Livro X -
m~quinas.
Em resumo, a organização geral do tratado de Alberti sugere um
modelo de correspondência com a trindade vitruviana, não assumida, para-
doxalmente, na estruturação do De architettura. O texto de Alberti propõe,
de forma consequente, uma congruência, quase total, entre a dimensão local
e a global, ao nível do discQrso disciplinar, que está ausente no tratado de
Vitrúvio, ·refutando, deste modo, o modelo de não correspondência adoptado
por este último autor.
Podemos encontrar no tratado de Alberti também outras temáticas já
abordadas anteriormente por Vitrúvio, nomeadamente no que se refere à dis-
tinção entre edificios públicos e privados; à descrição das principais tipolo-
gias arquitectónicas; às ordens arquitectónicas; à sistematização das relações
proporcionais; às questões de orientação dos edificios, da sua salubridade e
conforto climático; à definição do que é o arquitecto e da sua profissão, bem
como da arquitectura como disciplina (cf. Bums, 1998, p. 121 ).
Se bem que estas temáticas sejam comuns, a ênfase e o sentido são
diversificados. A distinção entre edificios privados e públicos é transformada
em Alberti para edificios para fins universais e particulares, onde se procura
uma sistematização do edificado a partir das suas características baseadas na
diversidade de usos; as ordens arquitectónicas para Vitrúvio são apresentadas
de forma unitária, enquanto para Alberti as mesmas são descritas pelas suas
partes, como se estas constituíssem um sistema mais geral e não específico
de cada ordem 27 ; a actividade do arquitecto em Vitrúvio deve unir a prática
à reflexão (a fabrica à ratiocinatio) e em Alberti, para além disso, a dimen-
são mental precede a da execução da obra; também as relações proporcio-
nais em Vitrúvio são organizadas por uma modulação previamente adoptada

27
Não são as ordens arquitectónicas que são desenvolvidas por Alberti (Livro VII, cap. 6),
mas o conceito de columnatio, i.e. de sistematização da coluna ordenada pelas suas par-
tes (pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, traves ou friso e comija) e não pelos seus
géneros (dórico, jónico, coríntio, compósito ou itálico).

26
As Leituras Da Arte Edificatória

(a eurythmia vitruviana) fundamentada, em parte, pelas correcções ópticas,


enquanto para Alberti existe uma procura por um todo que apresente conci-
nidade, como na natureza, definida pelo numerus, i.e. pelas qualidades e
quantidades numéricas das suas partes, i. e. pelas suas proporções, pela fini-
tio , ou seja, pelos limites ou delimitação do todo constituído por aquelas
partes e, ainda, pela collocatio, i. e. pelas relações recíprocas estabelecidas
entre as partes ordenadas do edificado e destas com o todo.
Neste contexto, não é de admirar que o latim de Alberti se apresente,
quando comparado com o de Vitrúvio, enriquecido de novos termos discipli-
nares tendo em vista a denominação e a clarificação das questões levantadas.
A este respeito repare-se que o termo concinnitas, central na teoria
artística de Alberti, raramente é traduzido de forma satisfatória noutras lín-
guas europeias. No entanto, o dicionário de Morais Silva (1789), conside-
rado como o antepassado recente de todos os dicionários contemporâneos da
língua portuguesa 28 , apresenta como sinónimos para a entrada concinidade,
como termo antigo ou antiquado, os de elegância e apuro.
Rosado Fernandes (in Lausberg, 1993, p. 139) sugere que, embora esta
palavra não esteja atestada, pode ser adaptada a partir do latim. Este termo
antigo, erudito e alatinado é o que utilizámos na presente edição, em conso-
nância com a proliferação de expressões de origem latina que se verificou
em meados do séc. XVI, que corresponde à data da presumível tradução do
De re aedificatoria para vernáculo por André de Resende.
O termo concinnitas tem uma ampla utilização na literatura latina,
nomeadamente em Cícero (Brut. e Or.) e em Séneca (Ep. ), com o sentido de
se referir a uma composição elegante e agradável , sobretudo no domínio
fonético, bem como a toda a espécie de objecto, de corpo, de olhar e de dis-
curso que seja harmonioso.
Não só o termo concinnitas tem raízes latinas como os vocábulos que o
caracterizam também estão profunda!Vlente enraizados nesta cultura.
Já Horácio (S., I, 1, 106) afirmava: "Em todas as coisas há um meio
termo; existem, afinal, limites definidos, além ou aquém dos quais não se
pode manter o bem" 29 • Este verso de Horácio expressa um ideal ético da
cultura latina ao sugerir uma noção de limite que não convêm ser ultrapas-
sado. A delimitação, a fronteira, o limes, a partir do qual "não pode haver
civitas nem cultura" (Eco, 1986, p. 26).

zM Cf. Verdelho, 2003 , p. 473.


29
Cf. trad. ingl. de C. Smart - T. A. Buckley, 1836.

27
Introdução

Assinala Eco (op.· cit., p. 26) que esta mentalidade povoa os mitos de
origem, como atesta o acto de fundação da cidade de Roma, a partir da con-
tenda entre Rómulo e Remo, devido à fixação do seu limite territorial ou,
ainda, a passagem do Rubicão por Júlio César, como um acto irreversível
(alea jacta est). Além disso, toda a Pax Romana baseava-se na necessidade
de delimitar a fronteira - o limes - para a defesa do Império.
Esta compreensão constitui-se num modus cogitans da cultura latina,
isto é, numa "maneira de organizar a realidade para a tomar compreensível
ao pensamento" (Eco, op. cit. , p. 25), que se manifesta nos mais variados
domínios, nomeadamente nas artes e na linguagem.
Seppilli ( 1990) ao estudar a sacralidade da água e o sacrilégio das pon-
tes chama a atenção para o facto de Varrão (L., V, 83) sugerir que a etimo-
logia de pontifex, originada por aglutinação de pons e facere, poderia ser
sacrílega porque sugere a transposição do sulcus, a fronteira que é dese-
nhada pela água entre as margens do rio, o que justifica que a sua constru-
ção se faça sob um rigoroso ritual: "eu creio que este termo deriva de pons;
com efeito, são os . pontífices que construíram pela primeira vez, assim como
depois foi muitas vezes restaurada, a ponte Sublício onde, das duas margens
do Tibre, se celebravam sacrifícios solenes" 30 •
Aquela noção de fines, presente em Horácio (op. cit., I, 1, 106), bem
como a de sulcus, sugerida por Varrão (op. cit., V, 39) indica que a cultura
latina está impregnada daquele modo de pensar e insinua que Alberti trans-
pôs, a partir da mesma, a noção de finitio para a definição do termo conci-
nidade em arquitectura, o que permite estabelecer a venerável concepção do
todo, por oposição ao que não faz parte dos contornos definidos ou sulcados
por aquele limite.
Esta noção de delimitação para organizar o todo não se restringe, em
Alberti, à obra de arquitectura mas constitui-se num modus cogitans para as
outras artes. De igual modo, na versão em latim do seu tratado de pintura,
Alberti (De pictura, II, ·31) afirma o sentido de limite na composição da
obra pictórica ao referir-se à noção de circumscriptio (delimitação) como
sendo a notação dos contornos.
De forma semelhante, Alberti (Statua , 5 e 8) sugere também uma dis-
tinção entre dimensio et finitio, entre dimensão e limite, quando se refere à
estatuária, onde entende pelo primeiro termo a proporção usual das formas
humanas e, quanto ao segundo, as proporções e formas específicas de dife-
rentes pessoas e estátuas, por assim dizer, o~ seus limites.

° Cf.
3
trad. esp. de L. A. H. Miguel, 1998.

28
As Leituras Da Arte Edificatória

Se bem que as fontes medievais na obra de Alberti ainda não estejam


inteiramente levantadas 3 1, principalmente no que se refere à identidade das
raízes latinas e cristãs utilizadas, pode-se, no entanto, fazer uma alusão às
origens medievais da trindade de conceitos referidas por Alberti para definir
a concinnitas. Com efeito, para Santo Agostinho, Deus criou o mundo com
numerus, pondus et mensura, isto é, com número, peso e medida 32 •
A este propósito, Santo Tomás de Aquino afirma, na Suma Teológica ,
que "a medida refere-se à substância limitada pelos princípios constitutivos,
o número à espécie e o peso à ordem; e estas três coisas reduzem-se às três
designadas por Santo Agostinho, o modo, a espécie, e a ordem; e as que o
mesmo [... ] formula dizendo: o que consta ou subsiste, o que se distingue, o
que convêm ou é congruente: porque uma coisa subsiste pela sua substância,
distingue-se pela sua forma, e convêm pela ordem" (Summa Theologica I,
q. 45 a. 5) 33 .
De modo semelhante, em Alberti, a finitio corresponde ao que se dis-
tingue, a collocatio ao que convêm pela ordem e o numerus ao que consta.
É também neste sentido que Cícero (N D., II, 37) se refere ao numerus: ali-
quid expie tum omnibus suis numeris et partibus (qualquer coisa de perfeito
em todos os seus elementos e em todas as suas partes) 3\ na acepÇão de par-
tes que compõem um todo de forma ordenada. De igual modo, encontramos
em Vitrúvio (VIII, 1, 1) a noção de finitio: sic enim non errabit excelsius
quam oporteat visus, cum erit inmotum mentum, sed libratam altitudinem in
regionibus certa finitione designabit (assim, estando fixo o queixo a visão
não errará, porque não ficará mais alta do que convém, antes abarcará com
uma boa linha de demarcação a altura ideal do horizonte) 35 , com o signifi-

31
O levantamento das fontes bibliográficas citadas na obra literária de Alberti, nomeada-
mente no que se refere às de origem medieval e religiosa, foi elaborado por Cardini et
a/ii (2005, pp. 389-51 0), mas o mesmo não é exaustivo dado que se trata de uma sele-
zione. Neste levantamento a obra de Santo Agostinho, De civitate Dei, é assinalada no
Livro X, cap. 7, mas é omisso quanto à de Santo Tomás de Aquino. Para um descrição
comentada destas fontes cristãs e medievais vejam-se os trabalhos de Ponte (1991 ),
Rinaldi (2002) e Cardini - Regoliosi (2007b).
32
Esta composição temária, que permeia a concepção medieval do mundo, quer se expresse
em obras, quer em ideias, está presente na obra de Santo Agostinho (De Trinitate, XI, 11 ,
18) ao assumir as pal avras do Livro da Sabedoria ( 11 , 21 ): tua sed omnia in mensura, et
numero, et pondere disposuisti (tu, porém, regulaste tudo com medida, número e peso).
Trad. de A. M. do Espírito Santo et alii, 2007.
33
Cf. trad. de C.-J. P. de Oliveira, 200 I.
34
Cf. trad. de P. B. Falcão, 2004.
35
A transposição, para vernáculo, das citações de Vitrúvio apresentadas nesta edição foram
baseadas em J. M. Maciel (2006).

29
Introdução

cado de demarcação dos métodos de sondagem de mananciais de água.


Igualmente, encontramos em Cícero ( Or. , 171) a expressão collocatio verbo-
rum (arranjo das palavras), no sentido de ordem das palavras na frase.
Em resumo, a definição dos termos que compõem a concinnitas alber-
tiana encontra-se profundamente enraizada na cultura latina, seja esta de ori-
gem clássica como cristã e medieval.
Em Portugal, na primeira metade do séc. XVI, é com apreciável moder-
nidade que Francisco de Melo 36 , em 1535, pronuncia o discurso de abertura
das cortes gerais de Évora, em nome de D. João III, baseado na metáfora de
Alberti do binómio edificio-corpo, transposta agora para a organização social
do reino, onde os membros inferiores corresponderiam, predominantemente,
aos camponeses, os membros superiores aos conselheiros régios, os braços
aos oficiais da justiça e aos militares e, por último, a cabeça ao rei 37 •
Moreira (1991 , pp. 198-210) faz notar que, nesta analogia sobre a orga-
nização das partes daquele corpo social, a suficiência sem defeito identifica-
se com a necessitas, a variedade sem desordem com a varietas e, por
último, a conformidade sem repugnância com a concinnitas, para acrescentar
que este termo foi traduzido por Francisco de Melo "com perfeito entendi-
mento da palavra, por conformidade" .
É de assinalar que, no âmbito da lexicografia dos sécs. XVI-XVIII, o
campo semântico de concinnitas é consideravelmente alargado. Jerónimo
Cardoso (1569-70) no Dictionarium latinolusitanicum & vice versa, define
concinnitas como concordância e António Velez ( 1599?), no Index totius
artis, como bom concerto, elegância e ornato. No século seguinte, Bento
Pereira (1697), na sua Prosodia , faz corresponder concinnitas, a conveniên-
cia, a compostura e a enfeite, o que está em consonância com a conformi-
dade de Francisco de Melo e, seguidamente, Rafael Bluteau (1712-28) no
seu Vocabulario, faz equivaler elegância a verborum concinnitas, i.e. , a
galanteria no discurso e nas palavras.
Também, posteriormente ao discurso de Francisco de Melo, José de
Macedo (c. 171 O, Prólogo, p. 5), um defensor da poesia e da lírica de
Camões, no Antídoto da Língua Portuguesa, refere "sobre a grande varie-

36
Francisco de Melo (1490-1536) foi professor de matemática dos infantes D. Luís e
D. Fernando e fez parte do círculo de humanistas portugueses da primeira metade de
Quinhentos. Foi elogiado por André de Resende no Erasmi encomium, além de ter sido
orador oficial do reino em diversas ocasiões (cf. Silva Dias, 1969, pp. 74-76; Moreira,
1991 , pp. 236-237).
37
Cf. Moreira de Sá, 1956, pp. 154- 157.

30
As Leituras Da Arte Edificatória

dade dos ornamentos, concinnidades, e excellencias, que deve ter uma Lín-
gua, para que rectamente lhe possamos chamar perfeita".
No mais antigo dicionário de língua portuguesa "dos termos technicos
das artes, que se chamam filhas do desenho" (Rodrigues, 1876, p. 5) não
encontramos o verbete concinidade, o que indica que, no séc. XIX, o mesmo
já tinha caído em desuso, conforme já sugerido por Morais Silva (op. cit.).
No domínio da arquitectura, concinnitas é traduzido para italiano como
conferto ou leggiadria - significando compostura ou elegância (Bartoli,
1550) ou, ainda, como concinnitas (Orlandi, 1966; Giontella, 20 I O) e armo-
nia (Orlandi, -1966), para castelhano como cõpoftura- em grafia actual com-
postura - (Lozano, 1582), bem como armonia (Núií.ez, 1991), para francês
como accord (Choay, 1996) e, para inglês, é adoptado o termo congruity ou
harmony (Leoni, 1726 e 1755) ou, ainda, harmony ou concinnitas (Rykwert
et alii, 1988), o que mostra a sua variabilidade lexical e, decorrentemente, a
aparente dificuldade em se arranjar um termo equivalente para as modernas
línguas europeias.
É de assinalar que o termo concinnatio, com a mesma raiz de concinni-
tas, é traduzido em latim clássico como preparação (Cat., Agr., 106),
enquanto no Renascimento também surge com o significado de encaderna-
ção (Rhenanus, 136, 22; Crocus, Coll. f. C 6 V 0 , 21 ), o que sugere a acção
de coser as folhas de um livro ou de um manuscrito num todo, bem como
de lhes sobrepor uma capa para as cobrir e ornamentar.
Perante a multiplicidade de sentidos, dada pela frequência com que a
palavra concinnitas aparece no texto de Alberti , em diversos contextos, tanto
no Livro II cap. I como, principalmente, no Livro VI cap. 2 e no Livro IX
cap. 5, pela dificuldade em arranjar um termo equivalente em diversas lín-
guas europeias, pela polissemia que apresenta na língua portuguesa e, ainda,
por ser considerado um dos termos mais expressivos utilizados por Alberti
(vide Burckhardt, 1987, pp. 30 et seq.), adoptamos predominantemente, nesta
edição, a palavra concinidade com a finalidade de ampliar o léxico discipli-
nar contemporâneo pela restauração do termo antigo e por se referir fonética
e etimologicamente, ainda, ao termo original utilizado por Alberti.
Mesmo um autor como Robert Venturi ( 1966), no discurso sobre a
Complexity and Contradiction in Architecture, dedica o capítulo X à "dura
tarefa do todo", que comparece associado ao conceito de concinidade de
Alberti , na medida em que sugere que as partes do edifício se harmonizem
entre si para constituírem uma totalidade (corpo) sem arranjar, no entanto,
um termo em inglês equivalente que exprima o todo dessa difícil tarefa.
De igual modo, a obra construída de Alberti, pode ser entendida como
um reflexo e instância da concinidade. Com efeito, se repararmos, a título

31
Introdução

exemplificativo, na fachada da igreja de Santa Maria Novella 38 , em Flo-


rença, facilmente podemos verificar que se afasta dos modelos ao modo
antico do templo Malatestiano em Rimini, bem como das igrejas de São
Sebastião e de Santo André em Mântua e aproxima-se, em parte, dos exte-
riores góticos das igrejas de San Miniato al Monte, bem como do Baptisté-
rio de San Giovanni em Florença (cf. Scalzo, 1999).
Aquela intervenção de Alberti não pode ser entendida como resultante
de um medievalismo tardio, mas antes como o resultado de um desejo para
harmonizar o soco e a parte inferior do alçado principal daquela igreja, ini-
ciada por construtores medievais que seguiram a tradição gótica florentina,
com a sua intervenção que se pauta, nas correspondentes proporções, como
mostrou Wittkower ( 1949), por harmonias proporcionais baseadas em conso-
nâncias musicais e onde "la parte superiore della facciata, dunque, sugge-
risce l'immagine de um tiempietto classico" (Scalzo, op. cit., p. 278).
É neste sentido, que podemos dizer que, para Alberti, a concinidade da obra
prevalece sobre uma suposta unidade estilística do seu tempo.
É ainda de notar que o verbo concino (is, ere, cinui), é composto de
cum , com o significado de acompanhamento, e cano (is, ere, cenini, cantum)
que designa cantar, como se verifica em tragoedo pronuntianti concinere
(acompanhar o actor que declama) 39 • Esta ideia de cantar em conjunto, com
harmonia, está presente na arte do ponto e contraponto para se compor
música, para se conjugar, em planos diferentes, duas ou mais melodias de
natureza diversa.
Varrão (L. , VI, 57, 6), a quem Vitrúvio (VII, Pre., 14) atribuí a feitura
de um tratado de arquitectura que não chegou até nós, chega a afirmar con-
cinne loqui dictum a concinere, isto é, que "concinne loqui (falar harmonio-
samente) deriva de concinere (cantar com harmonia)" 40 . No entanto, con-

38
Esta igreja florentina do séc. Xlll desempenhou um protagonismo inaugural na paisagem
cultural do Renascimento italiano. Com efeito, Boccaccio (2006, p. 29), no início da pri-
meira jornada do Decameron , indica o motivo pelo qual sete jovens damas se reuniram
"na venerável igreja de Santa Maria Novella" onde decidiram, conjuntamente com três
mancebos, retirar-se de forma itinerante para o campo e deixar a cidade de Florença,
onde lavrava, desde 1348, uma epidemia de peste negra. Naquela itinerância são apre-
sentadas pelos protagonistas cem novelas que prenunciam o horizonte literário do Renas-
cimento. Assinale-se, comparativamente, que a intervenção de Alberti, na fachada daquela
igreja, também é antecipadora da forma que viria a assumir a arquitectura religiosa no
ocidente.
39
Suet., Cal. , 54.
4
° Cf. trad. esp. de M.-A. M. Casquero, 1990, p. 181 .

32
As Leituras Da Arte Edificatória

forme assinala Moreda (2000, pp. 74-76) na análise que fez sobre o signifi-
cado de concinnitas, aqueles vocábulos, excepto no que se refere ao prefixo,
não apresentam nada em comum 4 1•
Apesar de etimologicamente concinne e concinnitas não derivarem de
concinere, mas de concinnus (bem proporcionado, harmonioso, apropriado),
a transposição das harmonias musicais para a arte edificatória está presente
no tratado de Alberti (Livro IX, cap. 5) ao desenvolver sistemas proporcio-
nais que se baseiam em analogias musicais e cuja problemática pode ser
resumida a estabelecer relações harmónicas entre duas dimensões ou, dadas
duas medidas, estimar uma terceira, consonante e harmónica com as ante-
riores 42 •
Deste modo, o trabalho do arquitecto não deixa de ser, em certo sentido
e para Alberti, comparável à de um músico pois compõe, com concinidade e
a diversas vozes, i.e. com varietas (variedade), a obra (vide Livro I, cap. 9;
Livro II, cap. 1 e Livro IX, caps. 5-6).
Registe-se, no entanto, que as relações entre música e arquitectura
durante o primeiro Renascimento italiano não são assimétricas mas biunívo-
cas, na medida em que aquela também acabou por ser influenciada pela arte
edificatória.
Com efeito, as proporções rítmicas do motete de Guillaume Dufay inti-
tulado Nuper rosarum flores - Terribilis est locus iste (As rosas chegaram
há pouco - Este lugar é terrível) , escrito para a consagração da Catedral de
Santa Maria dei Fiare, em Florença, em 1436, correspondem aproximada-
mente às proporções do Duomo, com a cúpula projectada por Filippo Bru-
nelleschi.
Na verdade, de acordo com Warren (1973, p. 96), o motete tem quatro
andamentos com compassos de 168: 112: 56: 84, a que equivalem as pro-
porções de 6: 4: 2: 3, comparáveis, respectivamente, às dimensões da nave,
dos braços do transepto, do cruzeiro e da cúpula da catedral 43 .

41
Moreda (op. cit., p. 74) esclarece que, subjacente a este erro, "sobre la base cano, modi-
ficada por con-, se desarroll aría e! abstracto concinnitas mediante la sufijación - tas
(.. .]".
42
Esta estratégia não deixa de se fundamentar num argumentum a contrario dado que
Alberti baseia a centralidade da sua teoria artística em consonâncias musicais, quando o
termo concinnitas, em latim clássico, não apresenta uma filiação etimológica ao verbo
concinere.
43
O estudo mais recente de Wríght (1994, pp. 40 1-403) sugere que as relações entre as
proporções da catedral e os ritmos do motete de Dufay não se verificaram conforme pro-
põe Warren (op. cit.), mas antes de acordo com um passo bíblico que dá as dimensões
do templo de Salomão (I Rs 6: 1-20) como sendo idênticas a 60:40:20:30 côvados

33
Introdução

Sabendo-se que o texto Profugiorum ab aenumera libri III, redigido em


1441 ou 1442, é o único comentário crítico que Alberti fez, de forma explí-
cita, a uma obra de arquitectura coeva - a cúpula da Catedral de Florença,
ficamos cientes das possíveis contaminações da cultura musical da época na
obra escrita do autor Da Arte Edificatória.
Consequentemente, não causa admiração que a concinnitas albertiana
possa ser interpretada também, de forma análoga, ao cantar em conjunto ou
acompanhado, principalmente se atendermos a que no motete de Dufay o
"cantus firmus , o intróito da missa para a consagração de uma igreja, Terri-
biles est locus iste, é entregue a dois tenores que o cantam com uma quinta
de intervalo, com entradas desfasadas e valores de notas diferentes" (Grout
- Pallisca, 2001, p. 176), onde os respectivos andamentos apresentam,
segundo Warren (op. cit. ), compassos proporcionais às principais medidas da
catedral.
Assim, a concinidade comparece como medida de excelência em quase
todos os domínios da vida humana, como é o caso da arquitectura, da
música e da literatura, que solicitem uma apreciação e um entendimento glo-
bal e holístico e não parcelar e fragmentado do seu objecto.
As afinidades entre a concinidade albertiana e a eurythmia vitruviana
são, no entanto, ténues, dado que Vitrúvio (I, 2, 3) define a eurythmia como
"a forma exterior elegante e o aspecto agradável na adequação das diferen-
tes partes. Tal verifica-se quando as diferentes partes da obra são proporcio-
nais na altura em relação à largura, nesta em relação ao comprimento, em
suma, quando todas as partes correspondem às respectivas comensurabilida-
des", enquanto Alberti joga com o conceito de concinnitas de forma polissé-
mica, não se restringindo às questões proporcionais e desenvolvendo-o à
volta da diflcil tarefa do todo 4\ aferido de forma conjunta pelo numerus,
pela finitio e pela collocatio.
Assim, as semelhanças entre ambos os tratados praticamente se esgotam
na divisão por livros, na proximidade da data de publicação impressa e na
simples referência a idênticas temáticas, chegando mesmo Alberti a afirmar

(I côvado = 44,32 cm). O trabalho mais actual de Trachtenberg (2001 , pp. 743-746) pro-
põe uma nova leitura do motete de Dufay sugerindo que, embora a leitura de Warren
(op. cit.) possa não ser inteiramente fidedigna, a mesma estabelece uma base para enun-
ciar as relações entre a forma edificada da Catedral e a música composta para a sua con-
sagração.
44
De acordo com Alberti (Livro II, cap. I) de "toda a obra e cada uma das dimensões de
todas as partes".

34
As Leituras Da Arte Edificatória

que a sua intenção é apresentar a sua obra numa linguagem acessível, na


medida em que o texto de Vitrúvio não pode sequer ser cabalmente enten-
dido, pois este ao se expressar em latim mais parecia que o fazia em grego
e vice-versa (Livro VI, cap. 1) 45 .
Com efeito, logo no Livro I, cap. 1, Alberti usa três adjectivos - duris,
asperis e obscurantissimus, para se referir às dificuldades do discurso disci-
plinar, que são contrapostos, em sintonia gradativa, a facilem, expeditissimus
e apertissimus para indicar que o seu objectivo não é a "eloquência mas a
inteligibilidade" (cf. McLaughlin, 1995, pp. 156-157).
Tanto para Rykwert et alii (1988) como para Portoghesi (1966) e Choay
( 1996) a claridade estrutural na organização do De re aedificatoria contrasta
com a desorganização do tratado de Vitrúvio, apesar de este argumentar que
seguiu uma ordem lógica, pelo menos no Livro II, 1, 8: "mas se no entanto
alguém não aprovar a sequência que dei a este livro, pensando o que deve-
ria estar em primeiro lugar, respondo que ao contrair o desejo de escrever
sobre toda a Arquitectura, acreditei dever falar primeiramente nos diferentes
conhecimentos que são necessários a esta arte; tais como sejam as partes
que a compõem; e qual a sua origem; o que o fiz ao expor o que deveriam
ser as qualidades de um arquitecto".
No entanto, não existe unanimidade de opiniões sobre a sistematização
do tratado de Vitrúvio. Em particular, Lücke (1994, pp. 70 e 72) ao compa-
rar Alberti e Vitrúvio sustenta que a insatisfação de Alberti sobre Vitrúvio
deriva do equívoco resultante da distância entre uma "teoria do projecto" e
uma "doutrina artística canónica". Lücke (op. cit., p. 74) reconhece que a
teoria de Vitrúvio não se orienta para a concepção do edificado mas que a
"sua arte consiste piuttosto nel voler fomire un patrimonio di projetti 'pre-
confezionati' [. .. que ... ] rappresenta per I' architetto cio che per lo scultore
e il canone di Policleto". Este autor esclarece ainda que "!'interesse teorico
di Alberti non considera l 'edificio como e di per sé, ma come e per no i,
come esso appare nell'atto percettivo" (Lücke, op. cit., pp. 89-99) sugerindo,
assim, que a teoria canónica de Vitrúvio sobre o edificio (templo) perfeito é
incompreensível para Alberti, que substituí a antropometria fisica deste,

45
A forma de expressão utilizada por Vitrúvio não é, para Alberti, cuidada (Livro VI,
cap. I), principalmente se atendermos a que este, como reporta Mancini ( 1882, pp. 44-
-46), tinha um vasto conhecimento de autores Gregos. Além disso, os diferentes suportes
de apresentação destes textos variavam consideravelmente, o que também contribuiu para
que o texto de Vitrúvio fosse "danificado e mutilado pelo tempo".

35
Introdução

baseada no conceito de euritmia (proporção), por uma mental, baseada numa


faculdade de apreciação do ser humano 46 .
A abordagem de Vitrúvio sobre as origens da arquitectura, a que Alberti
alude no Prólogo, mas não cita de forma explícita, também distingue os dois
tratados: num uma visão mítica, noutro uma ordenação disciplinar.
Para Vitrúvio (II, 1, l-7) os homens viviam como animais na floresta
mas puseram-se em fuga devido a uma tempestade; ao retomarem descobri-
ram a utilidade do fogo, inventaram a linguagem, descobriram a vida em
sociedade e utilizaram essa capacidade para realizarem abrigos diversos; por
último, construíram a primeira cabana primitiva e inventaram a simetria, isto
é, o advento da proporção 47 •
Choay (op. cit., p. 139) argumenta que Alberti (Prólogo) contrapõe, ao
longo do texto, a esta visão um conjunto de operadores (meios lógicos para
ordenar o discurso) metamíticos, isto é, que recusam o mito mas conservam
a sua forma, para se apresentarem sob a forma de breves relatos de origem
que se fundamentam na convivência e necessidades humanas e não como
"quem dissesse que a água ou o fogo proporcionaram os princípios que fize-
ram com que se formassem as comunidades humanas".
Alberti (Prólogo) sugere, ao contrário de Vitrúvio, que foram os edifi-
cios, concebidos por arquitectos, que desempenharam esta função agregadora
da comunidade: "se considerarmos a utilidade e a necessidade de uma
cobertura e de uma parede para reunir e manter em grupo os seres humanos,
ficaremos convencidos de que foram certamente estes os factores mais
importantes. Mas não foi apenas por esse motivo que devemos ao arquitecto
que nos tenha proporcionado os refúgios seguros que procurávamos contra o
ardor do sol, o mau tempo e a neve, embora esse seja um beneficio, de
modo nenhum o mais pequeno, mas sobretudo porque, a nível privado e
público, encontrou coisas, sem dúvida alguma, mais úteis e de maior aplica-
ção, em muitas ocasiões, ao bem-estar da existência".

46
O debate ocorrido em 1914, durante a exposição da Deutscher Werkbund em Colónia,
entre Herman Muthesius, que propusera uma arquitectura padronizada de tipos, não
baseada em estilos, e Henry Van de Velde, que rejeitara esta proposta, por induzir à
adopção de cânones artísticos, ainda apresenta vestígios das relações entre as teorias
arquitectónicas de Yitrúvio e de Alberti.
47
Esta reminiscência de uma idade mítica é recorrente na cultura latina e encontra-se, tam-
bém, em Séneca (Ep., 90, 8-9), para quem os antigos teriam formas naturais de habita-
ção e levariam uma vida mais virtuosa quando comparada com a dos modernos: "podes
crer, época feliz foi essa que precedeu o aparecimento dos arquitectos e dos estucado-
res! " (trad. de J. A. S. Campos, 1991).

36
As Leituras Da Arte Edificatória

A esta protecção contra os elementos da natureza num ambiente hostil,


ainda reminiscentes da concepção cristã da queda da humanidade, Alberti
contrapõe como desiderato do arquitecto a realização de uma tarefa reden-
tora que passa por proporcionar bem-estar existencial.
De acordo com Kanerva (1998) Alberti utiliza exempla, isto é, figuras
exemplares para serem imitadas como modelos, na forma da retórica clássica
Ciceroniana, para aumentarem o efeito persuasivo dos relatos ou para refor-
çarem uma convicção sugerida pelo autor. Os relatos de origem albertianos
não são excepção, o exempla é a natureza humana - a diversidade dos edi-
ficios deve-se à diversidade dos humanos e à arquitectura deve-se, mesmo, a
possibilidade da vida em sociedade.
Mesmo na contemporaneidade, Le Corbusier-Saugnier (1923, p. 55) 48,
ao descreverem os traçados reguladores no Vers une Architecture, referem
que "la plupart des architectes n'ont-ils pas oublié aujourd'hui que la grand
architecture est aux origines mêmes de l 'humanité et qu' elle est fonction
directe des instincts humains?", chamando a atenção para o esquecimento a
que foi votado aquele princípio de organização da vida em sociedade.
Um passo dos Anais de Énio (VII, 125-129), que Pereira (2000, p. 8)
intitulou "O poeta inovador", dá uma pista para entendermos, parcialmente
neste contexto, o começo do De re aedificatoria de Alberti : "Nem havia
antes de nós quem cuidasse da linguagem. Nós ousámos abrir-lhe as portas
[ ... ]".
Olhemos como as portas do De re aedificatoria são abertas. Alberti não
teve intenção de apresentar no título a designação De architectura, como
Vitrúvio o fez, utilizando um neologismo de formação grega. De acordo
com Krautheimer (1995, p. 90) "la terminologie de Vitruve est entierement
transposé en latin: le titre De Architectura devient De re aedificatoria [ ... et]
chague fois que le terme grec semble une fioriture surperflue, Alberti le
remplace par une description concise [ .. .]".
Existe, assim, uma assimetria, intencionalmente apresentada por Alberti,
em relação ao termo aedificatoria. Com efeito, este termo está ausente do
texto de Vitrúvio 49 mas comparece logo no título daquele tratado, o que

4
H Le Corbusier e Saugnier são pseudónimos de, respectivamente, Charles-Édouard Jeanne-
ret e Amédée Ozenfant.
49
No tratado de Vitrúvio, tanto o vocábulo aedificator, como o particípio presente aedifi-
cans, ambos com o significado de construtor, comparecem no De architectura (1, I, 18;
II , I O, 3; IV, 2, 2; Vl, pref. , 6; VI , 6, 7), mas não o termo aedificatoria que somente
viria a ser assumido, no âmbito disciplinar, com o tratado de Alberti.

37
Introdução

sugere que o esclarecimento desta questão é essencial para entendermos em


que contexto disciplinar aquele opera.
Alberti delimita o campo disciplinar da arquitectura à arte da edificação,
ao contrário de Vitrúvio que entende que partes ipsius architecturae sunt
tres: aedificatio, gnomonice, machinatio ("a arquitectura é ~onstituída por
três partes: a . edificação, a gnomónica e a mecânica" 50 , Vitrúvio, I, 3, 1).
Esta oposição à autoridade, ainda intacta, do tratado de Vitrúvio indica
que não estamos, no De re aedificatoria, perante urna reprodução dos seus
conteúdos mas de uma apropriação selectiva e redentora da tradição clássica
que aquele texto transmite.
Mas isto não chega, ainda, para explicar o título que Alberti propõe no
seu tratado, De re aedificatoria, que não apresenta uma coincidência com o
De architectura, mas sugere, alternativamente, uma revitalização da cultura
Latina que, naturalmente, está sempre disposta a marginalizar os barbarismos
e medievalismos estranhos, principalmente ao nível da evolução linguísticá.
O título do tratado de Alberti, De re aedificatoria, pode ser uma alusão
ao poema De Rerum Natura (Da Natureza das Coisas) de Lucrécio, escrito
no séc. I a. C. e redescoberta em 1417 por Poggio Bracciolini (a quem
Alberti dedica, em 1449, o livro IV das Jntercenales), por altura do Concí-
lio de Constança, com o significado de génese do universo.
Andersen (2004, p. 102), argumenta que, no poema de Lucrécio, as
intervenções dos deuses, tanto no mundo real como após a morte, são
noções oriundas · de tempos míticos e que a natureza secular daquele tratado
se pode reconhecer neste pensamento na medida em que também procura
estabelecer uma génese, a da res aedificatoria.
Além disso, a composição textual do poema de Lucrécio identifica-se
com o que. ficou conhecido na literatura clássica como "épica científica",
i.e., próxima da composição literária do tratado de Alberti, principalmente
em termos de clareza da exposição, utilização frequente de figuras de estilo,
marcação de ritmos e, ainda, pela necessidade de ambos autores promove-
rem a renovação do vocabulári~ latino face ao grego, respectivamente nos
domínios da filosofia e da arte edificatória, sobretudo devido à pobreza da
língua nestas áreas (cf. Lucr., I, 136-39; Alberti, Livro III, cap. 1~).
Vejamos, consequentemente, o significado das palavras que compõem o
título do tratado em língua latina e, em seguida, a sua articulação em rela-
ção à língua portuguesa.

50
Gnomónica é sinónimo de construção de quadrantes solares.

38
As Leituras Da Arte Edificatória

Se bem que aedificatoria apresente usualmente o significado de arqui-


tectura e aedifico o de edificar/construir ou edificar/instruir, algumas ques-
tões de linguagem deverão ser referidas para se entenderem estas translações
entre o latim e a língua portuguesa, de forma a podermos avaliar qual o sig-
nificado dado pelo autor a De re aedificatoria.
Com efeito, o sintagma adjectival re aedificatoria reúne dois vocábulos
com significados próprios. Primeiramente, res corresponde ao substantivo
feminino que significa coisa, objecto, arte, questão, cáso, acontecimento,
facto, circunstância, ocorrência, acção, condição, etc., como sucede em coisa
ou objecto que existe - earum rerum quae sunt, ou que seja mentalmente
apreendido - earum quae intelleguntur 51• Assim, De re apresenta, de forma
predominante, o significado de De ou Da coisa, Do objecto, Da arte ou,
ainda, Da questão, Do caso, Do acontecimento etc ..
No entanto, é possível ter outro entendimento mais preciso desta proble-
mática. Com efeito, no âmbito da retórica latina o termo res refere-se ao
assunto de que trata um discurso, de forma que cabe ao orador expor uma
questão, cujos significados são designados por Quintiliano (Inst., II, 21, 4;
III, 6, 1) de res subjectae ou de status quaestionis. Neste sentido, Choay
(2006, p. 18) chega a considerar "La question de I' edifier" para a transposi-
ção do título do tratado argumentando que, no âmbito do direito canónico,
no qual Alberti era um perito, res apresenta-se com o sentido de "ques-
tion" 52 , na medida em que Alberti não vai dissertar sobre o edificado: "Il
va s'interroger sur la nature d'une activité créatice, l'édification" (Choay,
op. cit., p. 18) para, contudo, abdicar, por questões editoriais e conjunta-
mente com Pierre Caye, daquele título, em favor de L 'art d 'édifier.
Se bem que aquela interpretação tenha plausibilidade, como entender o
sentido de ars dado por Alberti logo na abertura do Prólogo: Multas et
varias artes, quae ad vitam bene beateque agendam faciant, summa indus-
tria et diligentia conquistas nobis maiores nostri tradire (Legaram-nos os
nossos a11tepassados muitos e variados saberes procurados com diligência e

51
Definitionum autem duo genera prima: unum earum rerum quae sunt, alterum earum
quae intelleguntur (Existem dois tipos principais de definição: uma das coisas que exis-
tem, a outra das que são mentalmente apreendidas) (Cic., Top., VI, 26). Cf. trad. ingl. de
T. Reinhardt, 2003.
52
No domínio jurídico do direito romano di stingue-se a res da causa (o facto da causa),
sobre os quais se pronunciará, ou não, a culpabilidade do acusado e, no domínio da retó-
rica latina, designa-se o tema de um discurso por res, de maneira que cabe ao orador
expor adequadamente os factos (cf. Courtine, 2004, p. I 077).

39
Introdução

empenho, os quais contribuem para que a vida seja vivida de uma forma
agradável e feliz)?
Esta entrada é evocativa da Ética a Nicómaco de Aristóteles onde se
argumenta que o único objectivo que o homem persegue é o bem supremo,
isto é, a felicidade. Por outras palavras, a realização de satisfações espiri-
tuais e eudemonistas que dependem de uma ética colectiva e, consequente-
mente, da virtude humana.
De acordo com Aristóteles existem dois tipos de virtudes: as éticas que
nascem do hábito, e as dianoéticas que decorrem da inteligência e podem ser
desenvolvidas por meio do ensino. É no Livro VI que Aristóteles (op. cit.,
1139b-1142a) discorre sobre estas virtudes e, em particular, sobre a tekhnê e
a epistéme, traduzidas, a partir do grego para latim, como ars e scientia, isto
é, como um saber realizável, um fazer do saber, e como uma forma de
conhecimento, um saber teórico.
Não nos devemos esquecer que Alberti opera num ambiente predomi-
nantemente pós-medieval, onde a arquitectura era, ainda, considerada, uma
mestria essencialmente prática, uma ars mechanica, uma habilidade mecâ-
nica, equivalente ao grego tekhnê que, somente no séc. XVI, viria a ser clas-
sificada como uma das arti dei disegno (vide Kristeller, 1990, pp. 163-227).
Assim, artes configura-se mais com o que entendemos actualmente por
saberes no sentido de conhecimentos, experiências e técnicas acumuladas e
transmitidas, ao longo das gerações, pelos antepassados.
Isto leva-nos a supor que Alberti quis intencionalmente, ao apresentar
De re no título, salvaguardar a arquitectura daquela dimensão exclusiva-
mente mecânica e técnica para sugerir, de forma mais lata, um outro estatuto
que, aproximadamente, pode ser entendido, na contemporaneidade, como
arte: por outras palavras, como o resultado da aplicação ou geração de
conhecimentos e de práticas para a realização de qualquer obra, seja por
assimilação, por acomodação e/ou por transformação de significados.
Por outro lado, Alberti também não se refere no tratado a scientia, ape-
sar de Vitrúvio fazer uma citação explícita sobre os ramos de conhecimento
em que o arquitecto deveria ser instruído 53 • Note-se que, para Aristóteles (de
An., III, 7, 431 a 1), não só "a ciência em acto é idêntica ao seu objecto" 54
como o sentido de scientia se refere a conceitos eternos e incorruptíveis

53
Architecti est scie~tia pluribus disciplin is et variis eruditionibus ornata, cuius iudicio
probantur omnia quae ab ceteris artibus perfeciuntur (A ciência do arquitecto é ornada
de muitas disciplinas e de vários saberes, estando a sua dinâmica presente em todas as
obras oriundas das restantes artes, Vitrúvio, I, I, I).
54
Cf. trad. de C. H. Gomes, 2001.

40
As Leituras Da Arte Edificatória

(cf. Eth. Nic., VI, 1139b) o que sugere, se forem adoptados estes enuncia-
dos, que os conteúdos do De architectura são, aparentemente, imutáveis.
No entanto, Alberti (Prólogo) específica, "que um edificio é um corpo 55
que consta, como qualquer outro, de delineamento e matéria [ ... ] Mas enten-
demos que nenhum desses dois elementos, de per si, é suficiente, se não se
lhes juntar a mão de um artífice experiente que dê à matéria a forma do
delineamento", o que significa, por um lado, uma clara distinção entre quem
concebe a obra e quem a executa, onde o acto de construir não é idêntico ao
seu objecto e, por outro, como o corpo se deteriora necessita, consequente-
mente, de reparação, como é desenvolvido no Livro X do tratado.
Mas, como justificar, ainda neste contexto, que Alberti utilize aedifica-
toria tanto como substantivo, como uma forma declinada do adjectivo aedi-
ficatorius?
Prevalece um purismo linguístico na redacção do tratado que leva o seu
autor a traduzir termos gregos que não têm equivalente em latim, trans-
pondo, para o efeito, nomes similares e inventando novos termos na língua
de destino 56 : "Prometi que queria, quanto de mim depende, expressar-me em
latim e de maneira tal que fosse entendido 57 • Por isso, toma-se necessário
forjar palavras quando as de uso comum não são suficientes; e convém
tomar as semelhanças dos vocábulos de coisas não dissemelhantes" (Livro
VI, cap. 13)5 8 •

55
Foucault (1981) mostrou que o raciocínio analógico com o corpo humano desempenhou,
até ao final do séc. XVI, um papel construtor do saber na cultura ocidental, por sobrepo-
sição de diversas similitudes. Alberti participou activamente neste amplo movimento de
estruturação dos saberes, não só pelo estabelecimento de semelhanças entre diversos
objectos e formas do conhecimento, como pela sistematização de um linguajar próprio
das artes, designadamente da arte edificatória, em grande parte baseada na relação edifi-
cio-corpo, como pela constante referência à vizinhança e ao encontro dos lugares e, ainda,
pela eloquência e clareza com que promoveu e desenvolveu o legado da cultura clássica.
56
Ao contrário dos copistas medievais quando encontravam uma frase em grego, pois em
vez de a traduzir ou mesmo de a copiar escreviam: Graecum est non legitur (isto é
grego, isso não se lê).
57
Ainda no inicio do séc. XX, a importância do latim para a organização do pensamento é
reafirmada por Adolf Loos (2006 , p. 254-255), um dos pioneiros do classicismo van-
guardista: "a nossa educação baseia-se na cultura clássica. Um arquitecto é um pedreiro
que aprendeu latim [... ] o ornamento clássico tem a mesma importância no ensino do
desenho que a gramática no ensino de línguas [... ] podemos agradecer a educação espiri-
tual e a educação do pensamento à gramática latina" . Cf. trad. de L. Marques, 2006.
5M Trata-se de um propósito que, somente de forma parcial, é compartilhado por Bruni
( 1995, p. 2 10), que sugere que o tradutor deve evitar as palavras e as frases demasiado
novas, bem como os barbarismos e os estrangeirismos, de forma a manter a pureza do
latim clássico.

41
Introdução

Dada a sua importância disciplinar, é pertinente explorarmos, neste con-


texto, a etimologia do título do tratado - De re aedificatoria - face a De
architectura. Assim, se decompusermos a palavra 'architectura' nos seus ele-
mentos (archi, equivalente a em cima, sobre, acima, superior, e techtainô a
fazer ou fabricar), verificamos que Alberti, no seu purismo linguístico, se
limita a substituir uma palavra de origem grega por outra de cunhagem rigo-
rosamente latina, já assinalada anteriormente por Krautheimer (1995, p. 90).
Assim, De re aedificatoria é rigorosamente sinónimo de De architectura,
sem outras conotações que não sejam a opção de falar latim sem misturas, o
que é corroborado pelo facto de afirmar, em diversos contextos: "é assim
que designo (sic enim appello )" (Livro VI, cap. 8) ou, ainda, "se me é per-
mitido designar assim (si ita licet nuncupare)" (Livro VI, cap. 7).
Além disso, o termo aedificatoria relaciona-se com a etimologia de
aedificare, verbo composto de aedes, com o significado de casa, edificio,
templo, e facere, fazer.
No latim cristão e no medieval, é possível detectar uma dezena de ocor-
rências de aedificatorius, em vários casos, com as seguintes características:
Em Tertuliano (c. 150/170-230 d. C.) e em São Jerónimo (350-420
d. C.) o adjectivo, no neutro do singular, a concordar com verbum (palavra)
e com iurgium (contenda, conflito), vem seguido de um genitivo objectivo,
o que lhe confere o significado de "edificador/a de" ou "causador/a de" :
"Em Eva, ainda virgem, insinuara-se uma palavra edificadora da morte" - ln
· virginem enim adhuc Evam irrepserat verbum aedifzcatorium mortis (Tertu-
liano, De carne Christi, PL, II, 781). "Por causa do qual surgiu depois uma
contenda edificadora da Igreja" - propter quem postea aedificatorium Eccle-
siae iurgium concitatum est (São Jerónimo, Commentaria in Epístola ad
Philemonem, PL, XXVI, 603) 59 .
Nas restantes ocorrências o adjectivo não tem complemento e significa
"edificante": "do sermão edificante" (sermonis aedificatorii), "escrituras edi-
ficantes" (scripturae aedificatoriae), "com palavras edificantes" (aedificato-
riis verbis) e, também, "máximas edificantes" (aedificatorias sententias) 60 •
Em suma, pode-se conjecturar se foi em Tertuliano (op. cit.) e em São
Jerónimo (op. cit.) que Alberti bebeu o conceito de res aedificatoria, onde a
forma declinada do adjectivo aedificatorius teria subjacente o substantivo
res. Por outras palavras, como adjunto nominal que serve para especificar ou
delimitar o significado daquele substantivo.

59
Comunicação do Prof. A. M. do Espírito Santo, Abril de 2004.
60
Idem .

42
As Leituras Da Arte Edificatória

Uma única vez aparece aedificatoria como substantivo, ao lado de


"medicina": "como na medicina ou na edificatória" - ut in medicina vel
aedificatoria (Boet., Int. Top. Arist., PL, LXIV, 933). Também se pode per-
guntar se foi em Boécio (c. 480-524 d. C.) que Alberti absorveu o conceito
de aedificatoria 6 1 como substantivo, como se verifica na abertura do cap. 3,
Livro VI: Aedificatoria, quantum ex veterum monumentis percipimus, pri-
mam adolescentiae, ut sic loquar, luxuriem profudit in Asia (A arte edifica-
tória 62 , tanto quanto nos apercebemos pelos monumentos da Antiguidade,
difundiu pela Ásia a primeira exuberância, por assim dizer, da sua juven-
tude).
Repare-se, no entanto, que é aos clássicos, nomeadamente à obra de
Cícero, e não aos autores medievais, que Alberti se refere expressamente, na
sua extensa obra literária, para advogar uma humanidade com elevada moral,
a exemplo dos buoni antiqui ( cf. Cícero, Lg., II, 1O, 23). Isto indica que
Alberti incorporou a forma medieval do termo aedificatoria, tendo sempre
como referência a Antiguidade Clássica, como é sugerido, noutro contexto,
no seguinte passo do De re aedificatoria (Livro VII, cap. 3): Pietatem vete-
res tum demum coli asseverabant, cum templa deorum frequentarentur (Asse-
veravam os antigos que a piedade se cultiva somente quando os templos dos
deuses se enchem), no sentido do estabelecimento de um vínculo afectivo
entre os membros de uma comunidade religiosa e o seu alargamento à vene-
ração do divino, já presente em Cícero 63 mas não, inevitavelmente, associado
a sentimentos de comiseração, de compaixão ou de misericórdia cristã 64 •
Se atendermos, ainda, ao facto de Boécio ter escrito o De institutione
musica com o objectivo didáctico de levar o leitor a elaborar divisões regu-
lares de intervalos musicais e que Alberti, no Livro IX, caps. 5-6, utiliza

61
Note-se que, no De re aedificatoria , a forma declinada do adjectivo aedificatorius, a, um,
comparece 22 vezes, associada com os substantivos res, ars ou ratio, e aedificatoria, ae,
como substantivo feminino, ocorre apenas 3 vezes (cf. Lücke, 1975, I, p. 25).
62
Ou simplesmente, "A edificatória [... ]".
63
Na cultura latina a pietas pode-se definir como "o sentimento do dever", que Cícero
(N. D. , I, 116) expressa, em relação aos deuses, da seguinte forma : Est enim pie tas jus-
titia adversos deos (a piedade é a justiça para com os deuses). Cf. trad. de P. B. Falcão,
2004.
64
Ao interrogar-se sobre a utilização por Alberti de um termo não atestado em latim clás-
sico, o adjectivo aedificatorius, derivado do substantivo aedificator, Choay (2006, p. 17)
também sustenta que: "Si l'on sait que Cicéron se sert d'aedificator pour designer l' ar-
chitecte du monde, et que les auteurs médiévaux appliquent aedificatorius aux créations
divines, ii devient clair qu' Alberti a vou lu par ce terme pointer et soubligner 1'impor-
tance, la valeur et la non banalité de l'acte de l'homme qui édifie".

43
Introdução

consonâncias musicais para construir sistemas proporcionais 65 , podemos


verificar algo semelhante, na medida em que Alberti se refere explicitamente
a uma obra de um autor antigo, i.e. ao tratado de harmonia musical de Nicó-
maco, baseado nas escalas musicais pitagóricas, e não a um autor mais con-
temporâneo, como é o caso do tratado de música daquele autor medieval 66 •
Lembremos, a este respeito, a ideia de que, no Quattrocento, ao cons-
truir de forma notável, um cidadão não só mostra a sua riqueza como
também contribui para a dignificação da sua cidade, não está distante do
conceito de edificar no sentido de induzir à virtude, à dignidade, ao aperfei-
çoamento moral, como sugere Alberti na obra Profugiorum ab aerumna libri
III (I, p. 26): "[ ... ] Non mi diletterà piu adattarle a gloria e immortalità dei
nome, fama e degnità mia, della famiglia mia e della patria mia?".
Também, Orlandi (1974) reconhece na expressão aedificatorius uma eti-
mologia não clássica esclarecendo que, a partir do séc. XIII, em latim ecle-
siástico este termo se apresenta com um significado moral edificante, o que
sugere que uma concepção ética da arquitectura está implícita no De re
aedificatoria.
Após a editio princeps do tratado de Alberti ter sido publicada podemos
encontrar, em prosa latina renascentista, tanto a adopção do termo aedifica-
toria, conotado com arte edificatória (Poliziano, 1553, 467, 48; Budé, 1557,
I, 252, 42), como os vocábulos aedificatorius (Lefevre d 'Étaples, 1972, 31 O,
27) e aedificatrix (Bucer, 1988, IV, 78, 7) com o significado de (espiritual-
mente) edificante e, ainda, aedifico (Lefevre d 'Étaples, 1972, 311, 26) com
o de edificar (espiritualmente).
Além disso, Alberti na obra Profugiorum ab aerumna libri III, redigida
em 1441 ou 1442, ao descrever a catedral de Florença, dissertou sobre a
vivência da arquitectura como um argumento de força moral face às adver-
sidades da vida, principalmente pelo encontro da alma com uma forma de

65
A musicologia greco-medieval, na qual Alberti se baseia para estabelecer as relações
entre as consonâncias musicais e as proporções arquitectónicas, contempla um sistema
abstracto de relações que explicitam as regras que governam o mundo da música a par-
tir das distâncias entre os sons, o que permite transformar uma relação harmónica numa
aritmética, como o seu inverso.
66
Repare-se que Alberti (Livro IX, cap. 5) implicitamente reproduz o sentido dado por
Boécio (Mus ., I, 3), quando este se refere às consonâncias das modulações musicais: Ete-
nim consonantia est dissimilium inter se vocum in unum redacta concordia (Assim, a
consonância é a harmonia de vozes diferentes que se conformam na unidade). Cf. trad.
esp. de S. V. Gillén, 2005 .

44 .
As Leituras Da Arte Edificatória

alegoria edificada, que contribui para a sua tranquilidade (cf. Smith, 1992,
pp. 3-18) 67•
Para vocábulos em português que apresentem, desde o período medie-
val, como raiz o termo edificar, os mesmos tanto podem ser conotados com
a arte edificatória, como com o sentido de edificar espiritualmente.
Com efeito, nas Chronicas breves e memorias avulsas de S. Cruz de
Coimbra, provavelmente datadas do séc. XIV, verificam-se as seguintes abo-
nações: "edificar o castello" (25, A, 32) e "edificaram ho moesteiro" (25, A,
22). Também, na Chronica da fundação do moesteiro de São Vicente de Lix-
boa pello Jnuictissimo e Christiannissimo Dom Afonso Henriquez, r rei de
Portugal: E como tomou a dita çidade aos mouros, possivelmente datada do
séc. XIV, encontramos as citações que se seguem: "eu edifiquei e esta
cidade dous moesteiros" (412, A, 55), "hedificou o asentameto do moes-
teiro" (409, A, 25), "que edificara" (412, A, 43), "que fundedes e hedifique-
des as casas" (408, B, 65) e "funda e hedifica os ditos mosteiros" (409, A,
14). Ainda, na Chronica da conquista do Algarve, talvez datada do séc. XV,
notámos que "foy aly edificada hua jgreja" (419, A, 11) 68 •
Também podemos encontrar nas Vidas de Santos de um Manuscrito
Alcobacense (Vida de Santa Maria Egípcia, fol. 52 r 0 ), dos sécs. XIII/XIV:
"eu venho aqui por rrazom de seer edeficado ca eu ouvi g(ra)andes signaaes
e maravilhas e de g(ra)nde louvor p( er) que podem as almas seer chegadas
a Deos", com o sentido de alguém que edifica alguém (cf. Castro, 1985).
Lembremo-nos que Camões rima edificaram e sublimaram nos dois
últimos versos, da primeira estância, do Canto I d' Os Lusíadas: "E entre
gente remota edificaram I Novo reino que tanto sublimaram", sugerindo uma
tensão voluntária entre o semelhante e o dissemelhante, que concorre para
uma relação de identidade, no plano do conteúdo, entre as duas palavras.
Tema recorrente e explorado, compreensivamente, na obra I libri della fami-
glia, na qual Alberti se interroga, no prólogo, sobre a formação do Império
Romano: "Statuiremo noi in la temerità della fortuna l'imperio, quale e'
maggiori nostri piú con virtú che con ventura edificorono?". Nota-se, assim,
idêntico topos na primeira estância do Canto I de Os Lusíadas.
Olhemos, neste contexto, para Varrão, um dos autores latinos mais
citado por Alberti, nomeadamente em relação à obra De Língua Latina, onde
aquele propõe uma distinção entre a derivatio voluntaria e a derivatio natu-

67
Ao contrário de outros tratadistas do Quattrocento e do Cinquecento, como Filarete e
Palladio, que desconsideravam o gótico, Alberti (op. cit.) apresenta uma descrição favo-
rável da catedral gótica de Florença.
68
Cf. Fonseca (200 I, p. I 00).

45
Introdução

ralis na classificação das derivações, sendo as voluntárias aquelas que se


fazem segundo o livre arbítrio e as naturais que resultam do consenso geral,
encontrando-se, na primeira, sobretudo a anomalia do acordo com o uso e,
na segunda, a analogia, isto é, a formação derivada a partir das regras racio-
nais da fala. Varrão (L. , VIII, 33 ff.) também se refere a regularidades não
realizadas (analogia quae in consuetudine non est), mas rejeita expressa-
mente as regularidades contrárias ao uso.
Mais tarde, João de Barros (1917, p. 15) no séc. XVI, no Diálogo em
Louvor da Nossa Linguagem, também aborda esta problemática: "Sim, por-
que a licença que Horácio, em sua Arte Poética, dá aos latinos para compo-
rem vocábulos novos, contando que saiam de fonte grega, essa poderemos
tomar, se os derivarmos da latina".
A questão é de como apresentar esta translação de forma apropriada
para a língua portuguesa actual?
A lexicografia contemporânea não contempla o termo edificatória ·o que,
aparentemente, nos impossibilita de o usar de forma semelhante ao de
Alberti 69 •
Dizemos aparentemente, dado que já na Prosodia de Bento Pereira
( 1697) o termo edificatoria comparece na definição das palavras emp/ec-
trum 70 ("a parte da edificatoria, que trata de frontispicio dos edificios") e
oecodomica 71 ("a architectura, a edificatoria"). Temos, no entanto, de reco-
nhecer que o termo edificatoria comparece para defmir outras palavras, mas
não se apresenta como entrada naquela Prosodia, o que levanta algumas
questões.
Se bem que o termo edificatória esteja ausente na lexicografia contem-
porânea em vernáculo, no entanto, o Diccionário de la Lengua Espano/a
(Real Academia Espanhola, 1992, Tomo I, p. 790) apresenta edificatoria

69
As sínteses mais recentes, como são o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de
J. M. Casteleiro et a/ii (2009), e o seu congénere, elaborado pela Academia Brasileira de
Letras (2009), continuam a omitir o vocábulo edificatória.
70
Emplekton é um termo de origem grega, citado tanto por Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI,
51), como por Vitrúvio (II, 8, 7), relativo à construção de paredes de alvenaria com fia-
das regulares em ambos os paramentos e com um enchimento irregular entre os mesmos.
Vitrúvio refere que "deste modo se erguêm três estratos, <;lois de acabamento, e outro,
intermédio, de enchimento" o que indica que emplectrum se reporta, também, aos para-
mentos exteriores do edificado.
71
A palavra oecodomica sugere que é composta por oecus, a forma latinizada de casa
(oikos) em grego, usada por Vitrúvio (VI, 3, 8) como sinónimo de grande sala na casa
romana, utilizada ocasionalmente como triclínio nos banquetes, e domus, a casa urbana
com estatuto (Vitrúvio, I, 2, 9) ou, também, (qualquer] edificio ( Verg. , A., VI, 27).

46
As Leituras Da Arte Edificatória

como sendo um adjectivo com o significado de "perteneciente o relativo a


edificación".
Devemos, neste contexto, olhar tanto para a derivatio voluntaria como
para a derivatio natura/is em relação a um termo equivalente em vernáculo
para aedificatoria 72 • Com efeito, a Resolução do Conselho de Ministros
n. 0 117/2000 de 6 de Setembro consagra a expressão Capacidade Edificató-
ria de referência, "correspondendo a uma área bruta de construção, para
qualquer prédio situado em território concelhio e que deve servir como parâ-
metro base para a adopção de mecanismos perequitativos que corrijam desi-
gualdades decorrentes do zonamento de acções de ordenamento do território
e de urbanismo" (Artigo 9. 0 ).
O enquadramento legal desta instância, equitativa e reguladora do uso
do solo, já tinha sido referido, nove anos antes, no Código das Expropria-
ções, decreto-lei n. 0 438/91, de 9 de Novembro, com a designação de poten-
cialidade edificatória, passando a ser, a partir desta data, prática corrente a
utilização deste termo, nomeadamente no âmbito das intervenções urbanísti-
cas relacionadas com a afectação de medidas de intensidade de uso do solo 73 •
Além desta ocorrência, o termo edificatória também comparece na lite-
ratura recente de teoria e história da arquitectura em língua portuguesa. Na
verdade, podemos verificar que Oliveira (2003, p. 30), ao analisar a Sé do
Funchal, afirma que esta obra "instaura o elo de continuidade de uma prá-
tica edificatória (re)conhecida e comum".
No Parecer Sobre o Anteprojecto de Revisão do Regulamento Geral das
Edificações Urbanas (RGEU), elaborado pela Ordem dos Arquitectos (cf.
AA.VV., 2004, p. 2), ao introduzir o enquadramento desta iniciativa legisla-
tiva afirma-se que: "A substituição do RGEU é manifestamente necessária e,
mais do que isso, é desde há muito reclamada por todos quantos querem
intervir, de forma responsável, no processo edificatório".
Também D. Jorge Ortiga (2005), Arcebispo Primaz de Braga, na Nota
sobre Bens Patrimoniais ao referir-se às obras e projectos da sua arquidio-
cese declara: "Esta secção ligada às intervenções no património não pretende
burocratizar ou dificultar o processo edificatório, tornando-o mais lento,

72
Collart (1963 , p. 131) esclarece que "a controvérsia da analogia e da anomalia desapa-
rece, depois de Varrão, dos tratados em língua latina, porque [ ... ] era gramaticalmente
sem objecto".
73
Sai fora do âmbito desta Introdução entender como, na cultura jurídica portuguesa do
séc. XX, o termo edificatória foi reintroduzido em vernáculo, principalmente pela não
obrigatoriedade da sua aceitação, por o mesmo não fazer parte da norma lexical contem-
porânea mais recente.

47
Introdução

complexo e demorado, sendo antes seu objectivo ajudar e contribuir para a


adopção da melhor e mais ajustada solução edificatória".
Mais recentemente, Tavares (2007, p. 1O) ao apresentar a obra cons-
truída de António Rodrigues, no quadro da introdução ao Renascimento em
Portugal, também se reporta ao campo semântico daquele vocábulo: "Nas
primeiras décadas do ciclo edificatório empreendido pela monarquia bur-
guesa, foram os construtores integrados no sistema construtivo medieval que,
sob a tutela dos príncipes, deram corpo ao desejo de edificar".
Além disso, como vimos, "edificatoria" já comparece como substantivo,
equivalente a "architectura", na Prosodia de Bento Pereira (1697), conside-
rada como sendo a obra mais representativa da dicionarística dos Jesuítas.
Assim, edificatória, como forma adjectivada, surge por derivação sufixal
(-tá ria) da palavra edificar, com o sentido de acção ou pertinência sugerida
por este verbo e que, de acordo com Varrão (op. cit., VIII, 21-22), nasce do
acordo geral e não do impulso da vontade de cada um.
Admitindo, deste modo, que edificatória apresenta, como na língua
espanhola contemporânea, o significado de pertencente ou relativo à edifica-
ção, isto é, relativo ao acto ou efeito de edificar, então podemos aceitar que
este termo contempla tanto os aspectos relativos ao processo da edificação,
como ao produto resultante e, consequentemente, reintroduzir aquele termo
usado como substantivo ("a architectura, a edificatoria") por Bento Pereira
(op. cit.), em finais do séc. XVII como, mais recentemente, como adjectivo,
pelo Conselho de Ministros naqueles diplomas legais (sobre a potencialidade
ou capacidade edifica tá ria de referência), além das expressões supracitadas
por Oliveira (op. cit.), sobre a prática edificatória, da Ordem dos Arquitec-
tos (op. cit.), sobre o processo edificatório, de D. Jorge Ortiga (op. cit.),
sobre uma solução edificatória, bem como por Tavares (op. cit.) sobre o
ciclo edificatório
À semelhança de Horácio (Ars, 71-72), que já se expressava no sentido
de que o uso é a lei e a norma da linguagem, o termo edificatória/o está
presentemente consagrado, apesar de ter caído em desuso em séculos ante-
riores, na literatura nacional relativa ao projecto e obra de arquitectura.
Note-se, ainda a este respeito, que somente se verificam três ocorrências
do termo architectura na editio princeps do De re aedificatoria: duas no
Prólogo e uma no Livro IX, cap. 1O, o que mostra o uso parcimonioso deste
termo por Alberti, especialmente se atendermos a que se trata de um tratado
que tem por objecto o seu estudo sistematizado.
Isto sugere que Alberti reservou o termo architectura para situações.
muito particulares relacionadas com: a sua posição face aos restantes saberes
(Prólogo); a sua contribuição para nobilitar os cidadãos perante a posteridade

48
As Leituras Da Arte Edificatória

(Prólogo); a necessidade de o arquitecto conservar a sua dignidade (Livro


IX, cap. 10). Por outras palavras, Alberti utilizou o termo architectura
somente em contextos onde sobressai um saber edificante com acentuado
significado ético, ao contrário da sua conotação com uma ars mechanica,
oriunda do período medieval, equivalente em latim ao termo grego teknhê,
relacionado com o sentido de artesania 74 manual do carpinteiro ou do mar-
ceneiro (vide Kristeller, 1990, pp. 163-227).
Assim, vem a propósito, no contexto do entendimento sobre a cultura do
Renascimento em Itália, onde "à descoberta do mundo exterior a Renascença
acrescentou um feito ainda maior quando primeiro discerniu e trouxe à luz a
natureza plena e integral do homem" (Burckhardt, 1991, p. 184), de traduzir
De re aedificatoria por Da Arte Edificatória e não por Da Arquitectura.
A dificuldade em se arranjar um título equivalente nas edições europeias
do tratado de Alberti está patente nas 23 edições traduzidas do mesmo que
utilizaram, quase sistematicamente, a palavra arquitectura o que se deve,
possivelmente, ao facto de esta se apresentar com um sentido moderno,
como uma das arti de! disegno, ao contrário das conotações, oriundas do
período medieval, presentes no Quattrocento, que entendiam, como vimos, a
arquitectura ainda como um saber mecânico.
A única excepção é a edição anotada e ilustrada de Anicio Bonucci, em
5 volumes, publicada em Florença em 184 7, com o título Opere Volgari di
Leon Batt. Alberti, onde aparecem traduzidos, para vulgar, os três primeiros
livros do tratado de Alberti, por um anónimo, com o título Dell 'A rte Edifi-
catoria (vol. 4, pp.· 187-371)15. Se quanto a Bonucci pouco se sabe, não
constando o seu nome do Dizionario Biografico degli Italiani, conforme
assinala Grayson ( 1998 a, p. 2), sendo o mesmo considerado por Gorni
(1998, p. 154) "un architetto che, investe di scrittore volgare, era in pratica
ignoto", em relação à edição para vulgar dos três primeiros livros do tratado
e do seu título muito menos conhecemos 76 • *

74
Entende-se por artesania o resultado de uma actividade que relaciona o fazer com o
saber.
75
No ambiente romântico e nacionalista de meados do séc. XIX em Itália, Bonucci (op.
cit., p. 190) chega a sugerir, sem qualquer fundamentação, à semelhança do que se veri-
ficou com os tratados de Pittura e da Statua , que o tratado de arquitectura poderia ter
sido escrito por Alberti em vulgar.
76 O recente estudo feito por Casini (2003) esclarece algumas relações entre o tipógrafo
C. Cioni e frei G. P. Vieusseux sobre a Edizioni Bonucci, mas é omisso quanto à autoria
da tradução dos três Livros do tratado de Alberti nesta colectânea de Opere Volgari.

49
Introdução

Esta edição do tratado mostra, no Prólogo, o acolhimento integral da res


aedificatoria e não do termo Architettura: "Comincia L'Opera Composta per
Leone Battista delta Famiglia degli Alberti Dell ' Arte Edificatoria".
Note-se que tanto o Prólogo como cada capítulo dos três livros do tra-
tado apresentados por Bonucci principiam com resenhas introdutórias com o
objectivo de esclarecer o leitor sobre os respectivos conteúdos. Com efeito,
aquele preâmbulo abre com o seguinte esclarecimento: "Nel quale breve-
mente dall ' Autore e trattato della comodità- utile - necessità dell'Architet-
tura; esponendo le regioni perche si ponesse egli a scrivere quest'Opera; e in
fine dimonstrando l'ordine col quale da lui si fu presa a distendere".
Esta nota introdutória não corresponde inteiramente aos conteúdos do
Prólogo, na medida em que Alberti não só começa, como é assinalado na
edição de Bonucci, por fazer o elogio da arte edificatória, a que se segue
uma explanação dos motivos que o levaram a escrever o tratado, como tam-
bém expõe o plano global da obra, onde as temáticas abordadas se apresen-
tam numa sequência hierarquizada, pela ordem da sua necessidade, da sua
comodidade e do seu prazer e não, de forma exclusiva, sobre a sua como-
dità. Note-se, também, que em relação ao título do tratado (Deli 'Arte Edifi-
catoria), o mesmo é logo substituído pelo de Architettura, o que mostra um
nomadismo de conceitos em· relação à res aedificatoria sem que, para tal,
tenha sido dada uma explanação.
Mancini (1882, p·. 550) 77 relata que a edição de Bonucci apresenta
vários defeitos mas teve o mérito de mostrar que, em meados do Quattro-
cento, encontramos um grande escritor italiano "perché nello scrivere fosse
usata la lingua della patria", o que é plenamente assumido por Bonucci na
edição em vulgar dos três livros sobre a arte edificatória.
Apesar destas observações, o título do tratado de Alberti na edição de
Bonucci é, ainda, o mais rigoroso e fiel ao da respectiva editio princeps, no
sentido em que a palavra edificatoria pode ser entendida, em italiano, como
edificante.
É de assinalar, neste contexto, que mesmo Alberti, no Ex ludis rerum
mathematicarum (c. 1450, p. 56), ao apresentar, em vulgar, uma série de
aplicações práticas das matemáticas - como medir a altura de uma torre, a
largura de um rio ou a profundidade de um poço - remete o leitor, ao des-
crever o "equilibria", um instrumento de medição e nivelamento de águas,
explicitamente aos seus livros de "arquitectura", o que sugere que está ple-

77
Girolamo Mancini (op . cit. ) é o autor de uma extensa biografia de Alberti publicada no
séc. XIX, sujeita à análise crítica elaborada por Grayson ( 1998b) e, mais recentemente,
revista por Benign i et a/ii (2008).

50
As Leituras Da Arte Edificatória

namente consciente das implicações do título dado ao tratado, apesar de os


seus conteúdos se situarem nesta área disciplinar 78 •
Com efeito, a segunda edição para o vulgar, feita por Bartoli 79 , aparece
em 1550 em Florença e é precisamente nesse ano que também são publica-
das, nessa cidade e pelo mesmo editor ducal, Lorenzo Torrentino, as Vite de
Vasari, que consagra a arquitectura como uma daquelas arti de! disegno.
Compreende-se que esta edição para vulgar modifique o horizonte para o
qual se destinava inicialmente o tratado, que passa a ser intitulado L 'Archi-
tettura, deixando de ser quase exclusivamente destinado aos potenciais
patronos ou profissionais que dominavam a língua latina (Livro II, cap. 11 ),
para passar a ser para uma audiência mais alargada, onde se incluíam igual-
mente os amatore (Bartoli, op. cit., p. 3) 80 .
As excepções a esta tendência, de intitular o tratado com a designação
de Arquitectura, podem ser encontradas nas traduções de Max Theuer para
alemão ( 1912), de Rykwert et ali i (1988) para a língua inglesa, bem como
de Núiíez ( 1991) para o espanhol e, ainda, nas últimas edições do texto de
Alberti, feitas por Caye-Choay (2004) para o francês e por Giontella (2010)
para o italiano.
O primeiro apresenta como título da obra Zehn Bücher über die Bau-
kunst, os segundos On the Art of Building, o terceiro, a expressão original
De re aedificatoria e, os dois últimos o de L' Art D 'Édifiere o de L ' Arte di
Costruire, traduções essas que nos deixam perplexos no rastro do seus múl-
tiplos sentidos.
Na primeira tradução o título pode ser entendido mais como Os Dez
Livros da Arte da Construção e não como Da Arte Edificatória , na medida
em que Baukunst é resultante de Bau, com o significado de construção, e
Kunst, que se refere a arte, oscilando entre o sentido de poder (konen) e de
saber (kennen), havendo ainda o termo em língua alemã, não utilizado, de
architektur.

78
Poliziano (op. cit.) e Landino (op. cit.), contemporâneos de Alberti, também se referem
de forma explícita aos livros de "architectura" de Alberti.
79
A tradução de Cosimo Bartoli (1503-1572) do De re aedijicatoria para vulgar, impressa
e com gravuras, é a que apresenta, desde 1550, maior número de reedições quando com-
parada com a anterior, a de Pietro Lauro de 1546, pois "venne risguardata como migliore
di lunga mano" (Ticozzi, 1833, p. VII).
80
A primeira referência de que se tem conhecimento para designar o De re aedificatoria
como um livro de Architetura in latino reporta-se ao inventário, elaborado em 1495, dos
livros do Oratório do Duque de Ercole em Ferrara (cf. Benvenuti, 2007, p. 273). Se
exceptuarmos Biondo (II, 47), na obra ltalia Jllustrata, durante o final do séc. XV, bem
como no séc. XVI, o De re aedijicatoria será também referido, na península Itálica, por
De Architectura ou por Architettura.

51
Introdução

No segundo caso, pode-se argumentar que o título adoptado é seme-


lhante ao proposto na edição que agora se apresenta, sendo, no entanto,
necessário fundamentar até que ponto Building corresponde ao termo Aedifi-
catoria, o que levanta algumas questões na medida em que a sua etimologia,
em inglês medieval 81, corresponde a byldinge, que significa construção/edifi-
cio: "And Jhesus wente out of the temple; and his disciplis camen to hym,
to schewe hym the byldinges of the temple" 82 (Tendo saído do templo, Jesus
ia-se embora, quando os. seus discípulos se aproximaram dele para lhes mos-
trar as construções do templo, Mt 24: 1).
Em língua contemporânea building apresenta o significado de construc-
ted dwelling ou, ainda, architecture, construction, domicile, edifice, erection,
fabric, framework, home, house, hut, pile e, ainda, superstructure (cf. Kipfer,
1992). Todavia, nesta língua, também existe o adjectivo edificatory, com o
significado de intended or serving to edify 83 , mas não utilizado na edição de
Rykwert et a/ii (1988). Assim, o entendimento que fazemos do título On the
Art of Building é equivalente, em português, mais a Da Arte da Construção
do que a Da Arte Edificatória.
Por outro lado, os textos em língua portuguesa, que se referem especi-
ficamente à vida e à obra de Alberti, publicados no séc. XX, são os de
Augusto Brandão (1964), intitulado Retrato de um Arquitecto Renascentista
e o de Carlos Brandão (2000), com o título O Combate da arte em Leon
Battista Alberti e, mais recentemente, o de Domingos Tavares (2004) com o
título Leon Bâptista Alberti.
É significativo que estes autores quando se referem ao tratado de
Alberti o façam sempre em latim e que Núiíez (1991) tenha apresentado o
título da obra, na edição para espanhol, também naquela língua, possivel-
mente devido à ausência de uso daquele termo, no sentido que lhe é atri-
buído por Alberti.
A tradução de Caye - Choay (2004), com o título de L 'art d'édifier
aproxima-se da proposta nesta edição que agora apresentamos. Esta expres-
são, no entanto, refere-se mais aos aspectos processuais da aedificatoria do
que aos seus resultados, pela utilização de um verbo no infinitivo impessoal,
consonante com o processamento temporal de uma dimensão criativa, suge-
rida por Alberti, que ocorre tanto na concepção da obra como na sua reali-
zação construtiva.
Se bem que édifier exprima o que se passa, uma acção representada no
tempo, e não a sua substância ou a sua caracterização, são apresentados,

81
Ou seja, em late middle english, c. 1300-1450.
82
Cf. Wycliffe (1388), New Testament.
83
Ver Webster, 1996, p. 620.

52
As Leituras Da Arte Edificatória

naquela última edição em língua francesa, dois índices remissivos que suge-
rem uma dualidade estrutural na leitura do tratado: um relativo às noções
conceptuais e outro aos produtos e elementos da arquitectura.
Aquela dualidade não está, contudo, somente presente no acto de edifi-
car, na medida em que Alberti estabelece que a edificatória é, simultanea-
mente, um processo e um produto que se realiza no tempo, de um tempo
ordenador que se concretiza em arquitecturas tangíveis, mediadas ·por uma
concepção mental que conduz à realização do edificado que edifica, isto é,
que dignifica.
Também a edição de Giontella (20 1O) em italiano, que propõe como
título o de L' Arte di Costruire, comparável ao da ediçãode Caye-Choay
(2004) pela utilização de um verbo no infinitivo impessoal, não apresenta o
significado de· aedificatoria dado por Alberti.
É neste sentido que, para a "última flor do Lácio" 84 , o título que pro-
pomos para o tratado de Alberti seja Da Arte Edificatória e, portanto, com
afinidades ao título dado na edição de Bonucci (op. cit. ), que pode ser con-
siderada, no nosso entendimento, ainda a mais fiel em relação ao espírito
daquele autor.
Tota res aedificatoria lineamentis et structura constituta est (A arte edi-
ficatória, no seu todo, compõe-se de delineamento e construção), corres-
ponde a um dictum albertiano (Livro I, cap. 1) que merece, neste contexto
comparativo, uma leitura atenta.
Se por um lado, aedificatoria pode ser traduzida, como vimos, por edi-
ficatória ou arquitectura, por . outro, structura, comparece como construção,
como já se verifica em Vitrúvio (VI, 8, 7; VIII, 6, 13).
Se bem que structura também possa ser entendida, na literatura clássica,
como organização ou de como as partes estão dispostas entre si e na sua
relação com o todo, como sucede em Cícero (Brut., 33): verborum quasi
structura (por assim dizer a construção da frase), para se referir ao arranjo
das palavras na frase, não é geralmente nesta acepção que Alberti a utiliza,
mas no sentido de concretização material do edificado.
Finalmente, lineamenta é o termo utilizado por Alberti e traduzido para
italiano como disegno (Bartoli, 1550 e Orlandi, 1966) e lineamenti (Gion-
tella, 201 0), para castelhano para castelhano como los lineamentos (Lozano,
1582) e trazado (Núfi.ez, 1991) e, para inglês, é adoptado o termo design

84
Expressão de O lavo Bilac ( 1865-1918), poeta pamasiano brasileiro, para designar a lín-
gua portuguesa, considerada uma das últimas filhas do latim, o que é expressivo do facto
de aquela língua se ter originado na região ocidental mais distante da Roma Imperial, a
Hispania Ulterior, e os mais antigos textos lavrados em português serem datados do
séc. XIII.

53
Introdução

(Leoni, 1726 e 1755) ou the ·lineamentis (Rykwert et alii, op. cit.), o que
mostra a dificuldade em se arranjar um termo equivalente.
Além disso, se bem que estes termos sejam predominantes nas edições
acima referidas, lineamenta também comparece com uma pluralidade de
designações em algumas destas traduções. Assim, de acordo com o levan-
tamento elaborado por Mitrovic (2005, pp. 29-47), Bartoli (op. cit.) além
de disegno utiliza linee, lineamenti, forma, sendo o termo também sim-
plesmente omitido com o significado implícito de forma. Por outro lado,
Rykwert et alii (op. cit.) além de lineamentis utilizam o termo design, por
questões de clareza textual (Livro VIII, cap. 1).
Também Theuer (1912) transpõe lineamenta para o alemão como Risse,
significando desenhos ou esboços, ou linien, designando linhas, e Zubov
(1935), para o russo, como cherta, com o significado de linha ou ndcherta-
nie para expressar a relação entre linha e lineamenta.
Com um estatuto variável importa clarificar com que sentido traduzi-
mos, nesta edição, o conceito de lineamenta de Alberti que não comparece
no tratado de Vitrúvio 85 .
Algumas das proposições sobre os lineamenta, presentes no tratado de
Alberti, podem ser entendidas, em termos Aristotélicos, principalmente em
relação às questões relacionadas com a imaginação da alma (de An., 432 a
7-11 ), isto é, como a essência que concebe a razão, tanto como substância,
potência e acto e, ainda, como noção e forma, por oposição à matéria e
substrato, assim como a res aedificatoria é constituída por lineamenta e
structura (delineamento e construção).
O conhecimento para Aristóteles (Metaph., I, 983b-984b; 986a-987a)
incide sobre a essência do seu objecto determinada por quatro causas: a
material, a formal, a eficiente e a final. A primeira refere-se à matéria de
que é feito, ou seja, ao substrato das mudanças e das várias determinações;
a segunda à forma que assume, isto é, ao modelo de algo imanente às reali-
dades sensíveis; a terceira ao propulsor que opera essa transformação, ou
seja, ao que imprime movimento a algo, que produz alguma coisa e está na
origem do seu desenvolvimento; a quarta e última ao fim alcançado, isto é,
à finalidade inerente à existência das coisas.
Se, em relação à causa material, Alberti (Livro I, cap. 1) faz correspon-
der a structura, das restantes causas, a eficiente e a final, revêem-se na defi-
nição dos lineamenta. Assim, a causa eficiente está subjacente dado que o

Ms Apesar de, em Vitrúvio (1, I, I), se encontrar Ea [architecti scientia] nascitur ex fabrica
et ratiocinatione, o sentido de scientia não se identifica com o de aedificatoria de
Alberti.

54
As Leituras Da Arte Edificatória

delineamento é "um processo, exacto e perfeito, de ajustar e unir entre si


linhas e ângulos"; de igual modo, a causa final também está presente, visto
que "[ ...] é função e objectivo do delineamento prescrever aos edifícios e às
suas partes uma localização adequada e proporção exacta, uma escala ade-
quada e uma distribuição conveniente, de tal modo que a conformação de
todo o edifício assente unicamente no próprio delineamento".
No entanto, esta correspondência não é integral, dado que Alberti
(Livro I, cap. 1), não se pauta por um modelo de alguma coisa imanente às
realidades sensíveis, mas de algo independente destas: "O delineamento não
depende intrinsecamente da matéria; mas é de índole tal que nos damos
conta que em vários edifícios existem as mesmas linhas, quando neles se
verifica uma só e mesma forma [.. .]".
Alberti chega mesmo a afirmar que, para a apreciação da beleza, não é
a opinião que conta mas uma certa faculdade inata da alma, uma ratio inata,
da qual não procura saber qual a sua génese. Com efeito, no Livro IX, cap. 5,
ao discursar sobre quais as razões porque se prefere mais um corpo belo do
que a outro, afirma "Não é uma opinião, mas sim um princípio inato no
espírito, que fará com que possas emitir um juízo acerca da beleza".
Assim, se para Aristóteles "É o concurso das quatro causas que trans-
forma a matéria de potência em acto" (cf. Croiset - Croiset, 1887-1899,
pp. 473 e 493), para Alberti (Livro I, cap. 1) somente de forma parcial
podemos verificar uma correspondência do delineamento com aquelas cau-
sas, dado que este "não depende intrinsecamente da matéria", já que adquire
um estatuto ontológico e gnosiológico autónomo, que fundamenta o poten-
cial criativo da res aedificatoria.
Note-se, a este respeito, que Aristóteles (Metaph. , IX, 6, 1048 a 37) dis-
tingue entre acto e potência, onde o primeiro está para o segundo "como o
construir para o saber construir, o estar acordado para o dormir, o olhar para
ter os olhos fechados tendo embora visão, bem como o objecto arrancado à
matéria e perfeitamente elaborado está para a matéria tosca e para o objecto
ainda não encontrado" 86 .
Para Santo Tomás de Aquino (Summa Theologica, I, 84, 3), o mais
conhecido comentador medieval de Aristóteles, a mente humana está inicial-
mente em potência mas não tem nenhuma ideia inata, como é confirmado
pelo facto de "um homem que nasceu cego não ter conhecimento das cores.
Não seria o caso se tivesse imagens de todas as coisas inteligíveis. Assim,
concluímos que a alma não conhece coisas corpóreas de forma inata" 87 .

86
Cf. trad. esp. de T Calvo, 1994.
87
Cf. trad. de C.-1 . P. de Oliveira, 2001.

55
Introdução

Alberti afasta-se da teoria do conhecimento medieval de cunho aristoté-


lico e reporta-se, implicitamente, à cultura clássica, tanto no que se refere a
Platão (Men., 81 c): "Ora, visto que a alma é imortal e muitas vezes renas-
cida e visto que já contemplou todas as coisas que há, aqui, na terra, e lá na
morada de Plutão, não há nada que não tenha já aprendido. De maneira que
não é de admirar, não só acerca da virtude, como também acerca de outras
realidades, que lhe seja possível recordar-se daquelas coisas que já anterior-
mente soube" 88 ; como igualmente a Cícero (Tusc., TI, 1, 2): "Na verdade, na
nossa índole, são inatas as sementes da virtude, e se lhes fosse possível
desenvolverem-se, a própria natureza nos guiaria a uma vida feliz" 89 •
Cícero (Or. , Prólogo, 9) também expressou essa faculdade inata ao refe-
rir-se às esculturas de Fídeas, quando criou as estátuas de Zeus e de Atena,
pois este "não tinha diante dos seus olhos um ser humano que pudesse imi-
tar, mas na sua própria mente, onde residia uma imagem extraordinária de
beleza, na qual fixava a atenção e dirigia a sua arte e a sua mão para a sua
imitação" 90 •
Neste contexto, é significativo que Vitrúvio (V, 4-5) ao referir-se às har-
monias musicais as relacione, quase exclusivamente, com .as condições acús-
ticas específicas dos teatros antigos, enquanto Alberti (Livro IX, caps. 5-6)
compara as consonâncias musicais, que correspondem a intervalos de acor-
des musicais, com as relações proporcionais do edificado, sendo estas origi-
nadas a partir de uma ordem matemática universal e não de preferências
artísticas pessoais.
Esta característica inata da beleza que não é, para Alberti, unicamente
baseada no gosto individual, é verificável pelo confronto de diversas opi-
niões. Bums (1998, p. 160, n. 68) chama a atenção para o facto de esta
capacidade inata para formular juízos estéticos já estar operativa, na Tos-
cana, durante o Trecento: "os cidadãos eram considerados capazes de fazer
uma escolha razoável em relação às questões de interesse público, entre as
quais as decisões sobre o projecto no campo arquitectónico: isto explica o
referendo promovido no ano de 1367, em Florença, sobre os dois projectos
finais para Santa Maria del Fiore" e que, de alguma maneira, evoca o ponto
de partida e de chegada da filosofia Ciceroniana (de Orat., IV, 16), que se
remete a uma communis opinio (cf. Barilli, 1969, pp. 21-53).

88
Cf. trad. de E. R. Gomes, 1993.
89
Cf. trad. esp. de A. Medina, 2005 .
90
Cf. trad. esp. de E. S. Salor, 2001.

56
As Leituras Da Arte Edificatória

Já em contexto pós-medieval, é de assinalar que os Commentarii Colle-


gii Conimbricensis Societatis Iesu Curso Conimbricense, composto por oito
tomos, organizados por Manuel de Góis e Sebastião de Couto, que saíram
sob a égide do Colégio das Artes na regência da Companhia de Jesus,
durante os anos 1592-1606, monopolizaram, em Portugal, os comentários à
obra de Aristóteles, nomeadamente ao tratado Da Alma, acima referido.
Estes Comentários, que expunham e renovavam o leccionário da antiga
autoridade escolástica não foram, apesar da sua divulgação por toda a
Europa, permeáveis às correntes naturalistas originadas pelos descobrimen-
tos 91 , configurando-se como um impedimento à recepção ao tratado, devido
à importância da natureza na teoria artística de Alberti, nomeadamente na
relação edificio-corpo 92 •
Este binómio não pode ter origem senão na natureza, na medida em que
a res aedificatoria deverá ser proporcionada como o corpo humano e apre-
sentar-se, não só globalmente como um organismo, como ser congruente
com a origem natural da harmonia. Alberti (Livro IX, cap. 5) não deixa de
citar, a este propósito, o entendimento de Pitágoras: "É certíssimo que a
natureza é absolutamente igual a si mesma em todas as coisas" 93 •
Aquela ortodoxia enciclopédica, em que se constituiu o cânone filosó-
fico conimbricense, dificultou a difusão do tratado, pela importância dada à
antiga autoridade escolástica e não aos conhecimentos antropocêntricos oriun-
dos da filosofia renascentista, necessários à renovatio da res aedificatoria.
No entanto, ainda no período medieval mas além-Pirinéus, Pedro Abe-
lardo (1 079-1142), que clarificou não só as doutrinas de Aristóteles como
explorou as funções e limitações da linguagem, afirmava sobre a natureza
das imagens mentais conceitos próximos aos lineamenta de Alberti: "a forma
para a qual (uma certa 'acção da alma') se dirige, é organizada por coisas
imaginadas e compostas, que a mente inventa por si, quando e como quiser.
Como é o caso das cidades imaginadas nos sonhos, ou da forma do edificio

91
Para Silva Dias ( 1985, p. 311) o saber enciclopédico acumulado pelos professores de
Coimbra, no Cânone filosófico conimbricense, constituiu-se num "obstáculo epistemoló-
gico", que não permitiu, aos portugueses de então, o acesso aos "novos horizontes cien-
tíficos e culturais além-Pirinéus".
92
Em diversas passagens da sua obra literária, Alberti também manifesta uma concepção
panteísta e antropomórfica da natureza, como sucede na obra I libri de/la famiglia , II:
"Fece la natura, cioé lddio, l' uomo composto parte celesto e divino, parte sopra ogni
mortale cosa formosissimo e nobilissimo [ ... ]".
93
Certissimum est naturam in omnibus sui esse persimilem (Orlandi, 1966, p. 821 ),
Pseudo-Pitágoras, in Aurea verba, 52.

57
Introdução

a ser construído, que o arquitecto concebe como modelo ou exemplar do que


deve ser conformado" (cf. Spade, 1994, p. 43).
O conceito dos lineamenta de Alberti também apresenta afinidades com
o neoplatonismo 94 renascentista, nomeadamente com Nicolau de Cusa (De
docta ignorantia, 1440), que propõe que a natureza do conhecimento seja
modelado pelo conhecimento matemático, com Pico della Mirando la (Oratio
de dignitate hominis, 1486), que discursa sobre a unidade de cada criatura
si~gular e sobre a sua união para formarem um todo e, também, com Mar-
sítio Ficino (Theologia Platonica, 1482), que não só estabelece os princípios
da actividade humana movidos pela procura da perfeição e da verdade,
como traduz, ainda, as Enéadas de Plotino 95 e os diálogos de Platão.
Plotino (L 6) relata que "primeiramente surge a Ideia, coordenando e
unindo o futuro objecto numa unidade constituída de muitas partes. Em
seguida sintetiza esta num todo coerente para finalmente criar uma unidade
por meio de correspondências". Se uma proporção é efectivamente bela, não
é enquanto tal, mas na medida em que ela tem a sua origem numa forma
interna, ideal e espiritual: "Sempre que se vê o mesmo rosto, com propor-
ções que ficam idênticas, tanto belas como feias, como não admitir que a
beleza que existe nestas proporções é outra coisa pela qual o rosto bem pro-
porcionado é belo?" 96 .
Igualmente Ficino (Commentarium in Convivium Platonis, De Amore, V,
5), ao referir-se à qualidade imaterial da beleza (pulchritudo est incorporea),
relata que: "se perguntarmos como a forma de um corpo se assemelha à
forma e ao raciocínio da alma e da inteligência, consideremos, peço-vos, a
obra de um arquitecto. Primeiramente, o arquitecto conc~be no espírito a
ideia e o raciocínio, por assim dizer, do seu edificio. Depois, como a imagi-
nou, realiza-a na medida dos seus meios. Quem negará que a casa seja um
corpo e, ao mesmo tempo, seja semelhante à ideia incorporal do arquitecto,
à semelhança da qual aquela foi construída? Acrescentaria ainda: segundo
uma ordem incorporal e não segundo a matéria é que se deve apreciá-la

94
A tendência medieval, que opunha os conhecimentos de Platão e de Aristóteles, foi sendo
progressivamente substituída, durante o primeiro Renascimento, por uma mais concilia-
dora, fomentada pelos letrados de Constantinopla, que chegaram à península Itálica, a
partir de finais do séc. XIV, eloquentemente retratada, no séc. XVI, no fresco Causarum
Cognitio, conhecido por Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, situado na Stanza della
Segnatura no Vaticano.
95
Plotino de Licopólis (c. 205-270 d. C.), no Egipto, foi a figura maior do neoplatonismo,
cujas obras foram publicadas pelo seu discípulo Pórfiro sob o título Enéadas.
96
Cf. trad . ingl. de S. MacKenna, 1991.

58
As Leituras Da Arte Edificatória

como semelhante ao próprio arquitecto. Suprime então, se puderes, a maté-


ria - podes fazê-lo em pensamento - e conserva a ordem: não ficará nada,
nem do corpo nem da matéria. Mas a ordem dada pelo construtor será abso-
lutamente idêntica ao que nele permanecer. Faz a mesma coisa com qualquer
outro corpo humano: encontrarás que a sua forma, de acordo com a razão da
alma, é simples e estrangeira à matéria" 97 • Se bem que Ficino entenda que o
arquitecto é o próprio instrumento do projecto -segundo uma ordem incor-
poral - e que as ideias de Plotino - para criar uma unidade por meio de
correspondências - apresentem afinidades com os lineamenta de Alberti, as
suas posições não são coincidentes com as do autor Da Arte Edificatória.
Para Plotino (I, 6), a beleza transcende a symmetria, isto é, a relação
das partes entre si e destas com o todo, na medida em que pode ser encon-
trada tanto em objectos compostos, ou seja, inter-relacionáveis, como tam-
bém nos simples. Por outras palavras, a beleza não assenta apenas na distin-
ção das suas partes, nem nas relações que se estabelecem entre estas.
Igualmente, para Ficino a beleza não consiste somente na procura por
um todo que apresente harmonia ou concinidade, dada pelas relações pro-
porcionais recíprocas estabelecidas entre as suas partes ordenadas e destas
com o todo, conforme sugere Alberti (Livro IX, cap. 5), mas também, no
esplendor das coisas simples: "alguns, por seu lado, sustentam que a beleza
é a disposição precisa de todos os membros, por outras palavras, é a comen-
surabilidade e a proporção com uma certa suavidade de cores. Não aceita-
mos esta opinião porque ao considerar-se a disposição das partes somente
em objectos compostos, não poderia ser bela nenhuma coisa simples. Por
outro lado, designamos belas as cores puras, a luz, uma voz isolada, o res-
plendor do ouro, e o brilho da prata, o saber da alma, todas elas simples: e
a nós estas deleitam-nos profundamente conquanto são realmente belas"
(Ficino, op. cit., V, 1).
Apesar de Plotino (I, 6) expressar que "a beleza do corpo deriva da sua
participação numa razão vinda dos deuses" 98 , isto também não sugere pistas
de como podemos transpor, para vernáculo, os lineamenta, apesar de estes
também expressarem, para Alberti (Livro IX, cap. 9), o desejo da beleza, na
medida em que contribuem integralmente para a definição da concinidade da
obra de arquitectura.
Estas averiguações sobre as afinidades da filosofia antiga, medieval e
coeva não conseguem, por si só, informarem como podemos transpor, para

97
Cf. trad. fr. de P. Laurens, 2002.
9
~ Cf. trad. ingl. de S. MacKenna, 1991.

59
Introdução

vernáculo, o termo lineamenta proposto no tratado de Alberti. Perante estas


incertezas reparemos como tem sido a sua recepção na literatura nacional e,
em particular, da relacionada com as artes.
Se bem que no corpo lexicográfico em vernáculo compareça, no Voca-
bulário de Bluteau (1712-28), a definição de "rascunho" como sendo o
"delineamento da obra em borrão" somente mais tarde, no dicionário de lín-
gua portuguesa "dos termos technicos das artes, que se chamam filhas do
desenho" (Rodrigues, 1876, p. 136), é que se apresenta como sinónimo do
verbete delineamento os de configuração, de desenho em linhas ou de perfil
de alguma obra de arte e se cite, a propósito, Vieira Lusitano (Insig. Pint. ,
p. 85):
"Mas se lhe agradam já tanto,
Aquelles delineamentos,
Que será quando os galantes
Matizes das côres tenham?".

Sabendo da importância que apresentam os conhecimentos de pintura e


de matemática em Alberti (Livro IX, cap. 1O) para a formação do arquitecto,
podemos sugerir, ainda que provisoriamente, a correspondência de delinea-
mento aos lineamenta.
Além disso, Rodrigues (op. cit. , p. 240) também apresenta o termo
lineamentos, originado do latim lineamenta, com o significado de primeiras
linhas, traços ou riscos de qualquer obra de arte ou edificio citando, para o
efeito, Francisco de Holanda nos Diálogos de Roma - Da Pintura Antiga
(p. 34): "Chamavam os antigos ao desenho que elles em muito tinham, as
linhas ou lineamentos do corpo, que afirmavam ser mais que tudo, e onde se
encerrava o fim da arte [ ... ]".
Tanto os termos lineamentos e delineamentos se apresentam como subs-
tantivos e, como tal, passíveis de corresponderem aos lineamenta de Alberti.
Contudo, enquanto delineamento tem como raiz o verbo delinear, que se
configura como sinónimo de debuxar, de demarcar e de conceber, o linea-
mento deriva do substantivo linea, com o significado de linha, de cordão ou
de corda.
Na verdade, podemos encontrar esta última acepção para o termo ope-
rum lineamenta utilizado por Cícero (Verr., 4, 98), no sentido dos contornos
das obras de arte, bem como desenho do estilo (Brut., 298) e traços do rosto
(Div., 1, 23) e, na literatura de viagens do séc. XVI, na Chorographia de
Gaspar Barreiros (1561, fol. 230v), como conjunto de linhas ou traços essen-
Ciais que caracterizavam a estátua do imperador Octaviano Augusto na

60
As Leituras Da Arte Edificatória

cidade de Pavia, de forma semelhante à representação do seu vulto na meda-


lhística romana: "segundo se mostra per os liniametos, & desposiçam do
vulto, representado em muitas medalhas suas".
Cícero (Or., 55, 185) chega mesmo a sugerir, ao discursar sobre a his-
tória da arte oratória, uma correspondência entre palavra escrita e matéria,
como entre ritmo e aperfeiçoamento, à semelhança do que Alberti estabelece
entre structura e lineamenta : "as palavras são como materiais de construção;
os ritmos representam o trabalho de aperfeiçoamento" 99 , sem que se consiga
estabelecer uma transferência, seja por analogia, seja por uso, daquele termo
para vernáculo.
No tratado de arquitectura do séc. XVI, atribuído a António Rodrigues
(foi. 25) por Moreira (1982) 100 , também podemos encontrar uma definição
de geometria próxima deste entendimento sobre os lineamenta: "Gyometria
não he outra cousa que feguras, as quais nam se podem fazer sem linhas, e
amgulos, e pomto".
Também, no Diccionario dos termos d'Architectura de Lino d'Assump-
ção (1895, p. 53), a definição de delinear é supostamente originada do fran-
cês dessiner e equivalente a "desenhar qualquer obra a simples linhas, apro-
ximadamente proporcionais".
Não é nesta acepção restritiva que Alberti introduz, no tratado, o termo
lineamenta nem o entendimento que, actualmente, podemos fazer, mesmo
que o autor o tenha utilizado na acepção de linha, uma única vez, quando se
refere ao tratamento da luz na pintura, o que sugere que este termo apre-
senta um significado especial no tratado Da Arte Edificatória.
Com notável modernidade, encontramos em João de Barros (1988a,
Década I, Prólogo, p. XXI) 101 a metáfora entre a obra literária e a concep-

99
Cf. trad. esp. de E. S. Salor, 200 I.
100
A atribuição da autoria deste tratado a António Rodrigues não tem sido consensual. De
acordo com Conceição (2008, pp. 427-428), não só a sua lavra é de mão anónima, como
os seus conteúdos não se configuram como um . tratado de arquitectura. Reconhece-se
que, tanto o manuscrito 95 da BPMP, bem como o códice 3675 da BNP, nos quais se
baseou Moreira (op. cit.) para fazer aquela atribuição, não se apresentam ao leitor com
uma organização global tão estruturada, nem os seus conteúdos são expostos ao auditó-
rio de forma sempre negociada, ao contrário do que sucede com o tratado de Alberti.
Talvez aqueles textos se possam, mais apropriadamente, incluir naquilo que na cultura
latina se designava de litterae, isto é, de produção escrita, o que não lhes retira a sua
importância, tanto no âmbito da cultura arquitectónica da época em que foram redigidos,
como no contexto da sua recepção.
10 1
João de Barros (1496-1570) publicou as três primeiras Décadas da Asia em 1522, 1553
e 1563 e a quarta década só veio a ser impressa em 1615.

61
Introdução

ção de um edificio, onde o delineamento se reporta à imaginação dos arqui-


tectares 102 para traçar e debuxar a obra a ser edificada: "No commeter do
qual trabalho, vendo eu a magestade, e grandeza da obra, não fui tão atre-
vido, que logo como isto desejei puzesse mãos a ella, antes tomei por cau-
tela deste commettimento usar do modo, que tem os arquitectares, os quaes
primeiro que ponham mão na obra, a traçam, e debuxam, e de si apresentam
estes delineamentos de sua imaginação ao Senhor de cujo ha de ser o edifí-
cio" loJ.
Se bem que João de Barros acreditasse na analogia gramatical entre o
português e o latim clássico, tendo escrito para o provar, versos que tanto
podem ser portugueses como latinos, e aspirasse a um português alatinado
(cf. Saraiva - Lopes, 2000, p. 280), o entendimento de Barros sobre o deli-
neamento do edificado associado à imaginação e não, de forma exclusiva, ao
desenho de linhas, faz com que aquele se reporte, de forma indissolúvel e
em vernáculo, aos lineamenta de Alberti.
Num ensaio intitulado O Tradutor Dilacerado, Herbulot (1997, p. 105)
coloca a questão: a quem devemos respeitar? O autor ou o destinatário do
texto?, para chamar a atenção para o dogma da não imbecilidade do leitor
que, espera, também seja aplicado ao tradutor.
Assim, ficamos com duas opções para transpôr os lineamenta de Alberti
para a língua portuguesa. A primeira reporta-se a uma derivação etimológica
de lineamentum com o sentido de disposição de linhas ou do vulto de uma
personagem (Gaspar Barreiros, op. cit.) e, a segunda, derivada do verbo
delineare, com o sufixo menta, com o significado de traçado do edificado
(Barros, op. cit. ).
Se bem que lineamento também se possa referir aos traços gerais da
delineação de uma obra, o conceito de delineamento é mais adequado para
traduzir os lineamenta de Alberti, na medida em que sugere aquele traçado
a partir da imaginação de um intelecto culto, o dos arquitectares (Barros,
op. cit.).
Assim, lineamentos corresponde a uma transcrição exacta dos linea-
menta, enquanto delineamentos a uma sinonímia parcial, na medida em que
se recorre, neste caso, a um termo equivalente e próximo ao da língua de

102
De acordo com Moreira ( 1991 , p. 291 ), o neologismo arquitector, também usado por
Camões (Lusíadas, IV, 104, 3) para se referir a Dédalo, o autor do labirinto de Creta,
não se origina no termo latino architectus, mas a partir da linguagem oral então corrente
na península Itálica.
103
O uso da metáfora entre a forma edificada e o uso literário da linguagem já era culti-
vada, de fonna desenvolvida, na Antiguidade Clássica. Cf. Varrão, L., VIII, 29.

62
As Leituras Da Arte Edijicatória

origem mas somente comutável em alguns contextos. Apesar de aquela pri-


meira transposição ser etimologicamente mais precisa, contudo é mais redu-
tora, pois refere-se, em vernáculo, quase exclusivamente ao traçado de
linhas, enquanto delineamentos se reporta também à ~maginação de quem as
gerou 104 •
Em língua portuguesa contemporânea, a entrada lexical delineamento
regista, pelo menos, cinco acepções das quais citamos quatro (cf. AA.VV.,
2001, p. 1097): 1) traçado de linhas gerais de um desenho, de uma forma,
de uma figura; 2) marcação dos limites, das linhas que dividem, do contorno
[de . .. ]; 3) conjunto das linhas gerais de um desenho, forma, figura, e 4)
Esboço das linhas gerais de um plano, projecto, ideia 105 • Estas entradas estão
de acordo com Amo (1988, p. 61) que afirma que, por lineamenta, Alberti
entende tanto "las líneas que se traza - dibujo -, como las líneas que deli-
mitam los cuerpos - aristas - y las líneas que delimitan la visión de los
cuerpos - contornos -. Los lineamenta definem lo que veo, lo que trazo y
lo que fabrico".
A importância que Alberti dá à construção de linhas que contribuem
para a geração de formas geométricas precisas, sejam circulares ou poligo-
nais (decágono, octógono, hexágono, quadrado mais um terço, quadrado
mais metade e quadrado duplo), é sugestiva das propostas que o autor faz
posteriormente, na procura da " forma perfeita", tanto para as igrejas de
planta central como basilical (Livro VII; cap. 6) 106 •
Em suma, para Alberti (Livro I, cap. 1) "Toda a função e razão de ser
do delineamento 107 resume-se em encontrar um processo, exacto e perfeito,

104
Esta oposição entre "espírito" e "letra", onde se passa da letra que mata, para o Espírito
que dá vida, já se encontra referida na Bíblia Sagrada: Littera enim occidit, spiritus
autem vivifica! (2 Cor, 3, 4).
105
Encontram-se nos tratados de arte de Alberti as definições essenciais dos aspectos ope-
rativos (lineamenta , color e effigies) que o sistema de Beau.x-Arts veio, posteriormente,
a adoptar: "Les lignes sont à l'architecte ce que les couleurs sont au peintre et les ima-
ges au sculpteur" (Brusatin, 2002, p. 173), se bem que não existam motivos para assu-
mir, na medida em que o primado da cor ou da imagem em relevo se pode sobrepor ao
do delineamento, que a posição daquele tratadista tivesse idênticos objectivos.
106
Para as casas privadas, Alberti (Livro IX, cap. 8) recomenda alguns desvios destas rela-
ções, o que indica que as formas perfeitas são associadas ao simbolismo dos edifícios,
sagrados ou públicos, a que se destinam.
107
Apesar de lineam enta se referir a delineamentos, dado que corresponde ao plural do
substantivo neutro lineamentum , optou-se pelo tenno no singular na medida em que este
se reporta a uma representação mental da concepção e do traçado dos edifícios (praescri-
bere animo et mente), enquanto no plural alude mais, em vernáculo , a casos concretos.

63
Introdução

de ajustar e unir entre si linhas e ângulos, afim de que, por meio daquelas e
destes, se possa delimitar e definir a forma do edificio. Ora é função e
objectivo do delineamento prescrever aos edificios e às suas partes uma
localização adequada e proporção exacta, uma escala adequada e uma distri-
buição conveniente, de tal modo que a conformação de todo o edificio
assente unicamente no próprio delineamento. O delineamento não depende
intrinsecamente da matéria; mas é de índole tal que nos damos conta que em
vários edificios existem as mesmas linhas, quando neles se verifica uma só
e mesma forma, isto é, quando as suas partes, e a disposição e ordenamento
de cada uma delas correspondem entre si em todos os seus ângulos e linhas.
E será legítimo projectar mentalmente todas as formas, independentemente
de qualquer matéria; conseguí-lo-emos desenhando e pré-definindo ângulos e
linhas com uma orientação e uma conexão exactas. Assim sendo, segue-se
que o delineamento será um traçado 108 exacto e uniforme, mentalmente con-
cebido, constituído por linhas e ângulos, levado a cabo por uma imaginação
e intelecto cultos".
O termo delineamento evoca, assim e apesar da polissemia que apre-
senta, a representação por meio de linhas ou traços do objecto que se cons-
trói, conforme sugerem Rodrigues (op. cit.) e Barreiros (op. cit.) bem como,
ainda de acordo com Barros (op. cit.) e Alberti (Livro I, cap. 1), os meca-
nismos da imaginação ou da concepção que lhes estão associados para
"encontrar um processo [ ... para ... ] projectar mentalmente todas as for-
mas".
Neste sentido, delineamento engloba tanto uma coisa mental (in animo
et mente) elaborada por uma imaginação e um intelecto cultos (ingenio eru-
dito), independentemente de qualquer matéria (sec/usa omnia materia), como
a sua representação gráfica, realizada por meio de um traçado exacto e uni-
forme e, ainda, um desígnio (propositum) para prescrever aos edificios e às
suas partes uma localização adequada e proporção exacta, uma escala apro-
priada e uma distribuição conveniente.
Da mesma maneira que o arquitecto para Alberti desenvolve simulta-
neamente actividades de síntese e análise consecutivas, em progressão suces-

108
Preferiu-se p erscriptio (traçado exacto), adoptado por Orlandi (1966, cap. 1, p. 20), a
praescriptio (projecto) da editio princeps, bem como do codex Laurenziano Plut. 89 sup.
113, que corresponde ao verbo praescribere (projectar ou indicar antecipadamente). Esta
diversidade, que sugere matizes interpretativas na elaboração das versões impressas do
De re aedificatoria, não afecta o entendimento dos lineamenta de Alberti dada a proxi-
midade, no mesmo campo semântico, dos significados daqueles termos.

64
As Leituras Da Arte Edificatória

siva, onde a difícil tarefa do todo está sempre presente, assim também se
estabelecem, num processo criativo, as relações entre as dimensões locais e
globais, tanto relativas à concepção como à execução da obra, até à sua
efectiva conclusão.
A noção de composição na arte edificatória 109 para Alberti fica clarifi-
cada quando especifica o sentido de ordenamento das partes do edificado
- componendis partibus aedificiorum - num todo organizado (Livro IX,
cap. 5).
Assim, à semelhança do que sucede na pintura, na organização dos pla-
nos ou superfícies dos quadros em membros, e destes em corpos e istoria
(De/la pittura, II, 33), bem como na oratória, na construção de períodos a
partir de palavras e de cláusulas (cf. Arist. , Rh.-, III, 8-9; Quint., Inst. orat.,
IX, 4) ou, ainda, na composição de textos a partir de mosaicos ou fragmen-
tos literários dispersos e quase escondidos de diversos escritores (cf. I libri
de/la famiglia, II), também podemos falar de composição na arte edificató-
ria, no sentido do ordenamento das sua diversas partes alcançado, de- forma
unitária, a partir do delineamento, isto é, do ajustamento e união, entre si, de
linhas e ângulos - coaptandi iungendique lineas et angulos (Livro I, cap. 1).
Este entendimento, à medida que a elaboração da obra prossegue no
tempo, percorre o De re aedificatoria, graças ao poder generativo que se
estabelece nas relações entre a necessitas, a commoditas e a voluptas.
Alberti dá uma pista, ao referir-se à disposição e composição dos orna-
mentos em obra, para se compreender, de modo explícito, este processo
onde a dimensão criativa participa, de forma interactiva, até à completa frui-
ção da obra (Livro IX, cap. 9):
"Todos serão dimensionados, ligados e ajustados pelas linhas, pelos
ângulos, pelo traçado, pela coesão, pelo enlaçamento, não ao acaso, mas
segundo um critério exacto e definido 110 e apresentar-se-ão de tal forma que
o olhar, como que deslizando livre e suavemente, percorra as cornijas, as
reentrâncias e toda a face interior e exterior da obra, aumentando o seu pra-
zer com o prazer da semelhança e dissemelhança dos ornamentos; e de tal
forma que, quem observar a obra, não pense que a contemplou demasiado

109
Vitrúvio (III, 1, 1; VII, 1, 4) já se refere a compositio no sentido de ordenação dos tem-
plos num todo, a partir da sua comensurabilidade, ou como reunião de mosaicos com
geometria previamente definida.
11 0 Ao definir o que entende por disposição dos ornamentos em arquitectura, Alberti (De/la
pittura, II, 35) propõe uma afiliação à noção de composição em pintura: "Composição é
aquele método de pintar pela qual as partes das coisas vistas se resolvem em conjunto
na pintura".

65
Introdução

tempo por a ter observado e admirado uma e outra vez, se não a olhar de
novo, voltando-se para trás, à medida que se afasta 111 ; e, por mais que pro-
cure, em parte nenhuma de toda a obra encontre alguma: coisa que não seja
igual, correspondente e que não contribua com todas as proporções para o
seu esplendor e beleza" 112 •
Neste passo, Alberti sintetiza, de forma magistral, como se organiza o
processo criativo em arquitectura, onde se estabelece uma correspondência
entre uma fenomenologia do desejo com uma ontologia do tempo 113 , onde
todos os elementos deverão ser dimensionados, ligados e ajustados pelos
lineamenta.
Como se a proposta albertiana expusesse a efemeridade de um saber
fundado sobre a evanescência de uma experiência sensível, segundo uma
"imagem móvel da eternidade" 11\ onde prevalece a resolução da dificil
tarefa do todo, subordinada ao primado da summa voluptas.
Em suma, por delineamento Alberti entende tanto a concepção como o
traçado dos edificios e ainda o que, no vocabulário português de finais do
séc. XVII, ficou a ser conhecido, de forma aproximada, por projecto, por via
italiana, de projicere, bem como francesa, de projet, ambas originadas, por
via culta, a partir do latim projectus, com o significado de "cousa lançada
longe" (Pereira, 1697) ou de "arremeçado, lançado com força" (Bluteau, op.
cit.) 11 5• Assim, o projecto sugere uma antecipação daquilo que é possível de

111
Esta forma de olhar repetidas vezes encontra plena aceitação na contemporaneidade na
medida em que, como lembra Carriere (2007, p. 59), "[ ...] todo o olhar deforma. Nada
é mais suspeito do que um olhar. O nosso olho, ou seja, o nosso cérebro, porque um
não passa sem o outro, limita-nos terrivelmente o mundo, enganando-nos com obstina-
ção. Apenas vê. Mantêm-nos afastados da realidade, fo ra do mundo. É por isso que
temos de ir mais além", para que a obra não deixe de contribuir "com todas as propor-
ções para o seu esplendor e beleza", como sugere Alberti (Livro IX, cap. 9).
112
Van Eck (2000, pp. 80-81) chama a atenção para este passo do De re aedificatoria,
única nas descrições de arquitectura do Quattrocento, na medida em que o espectador
fica inteiramente receptivo à beleza em termos exclusivamente arquitectónicos.
113
Para Lücke (2007 , pp. 652 e 658-659) a inter-relação entre o edificado e o observador
é, como sugere Alberti, de natureza retórica, como num diálogo. Quando o olhar for
tocado pela beleza experiencia-se a congruência entre uma capacidade inata (ratio inata)
da mente e a concinidade (concinnitas), a que Lücke designa de "fascinação estética".
Neste sentido, o processo criativo em arquitectura tem por finalidade alcançar aquela
fascinação pelo prazer gerado pelos contrastes e semelhanças, face à totalidade da obra.
11 4
Platão, Ti., 37d. Cf. trad. esp. de M. Á . Durán-F. Lisi, 1992.
115
De acordo com Bluteau (op. cit. , Vol. VI, p. 769) este vocábulo "já se acha em hum
Panegyrico ao governo da Duqueza de Saboia, impresso em Lisboa, na Officina de João
Galrão, anno 1680 [ ... ]".

66
As Leituras Da Arte Edificatória

ser realizado como, aliás, o termo delineamento também o indica, se bem


que o não estabeleça de forma tão explícita e determinada, na medida em
que no tratado de Alberti igualmente se valoriza e associa, para projectar
· mentalmente todas as forma s, a "recuperação 'estética' da Antiguidade"
Clássica (cf. Calvo, 1992, p. 75).
No último quartel do séc. XIX, no Diccionario Technico e Histórico de
Pintura, Escultura Architectura e Gravura de Rodrigues (1875, p. 310), o
termo projecto já comparece assimilado ao do "pensamento expresso em
linhas, [da] delineação de um edificio, de uma figura, ou [da] composição de
um quadro [ ... ]", o que indica a adopção, pelo menos a partir daquela data,
da sobreposição parcial de significados entre projecto e delineamento.
As inter-relações recíprocas entre "o que vejo, o que traço e o que
construo" caracterizam, neste contexto, o que Schõn ( 1985) entende por
"reflexão em acção" para designar, em oposição a um corpo estático de
conhecimento, o processo contínuo e dinâmico de aquisição de saberes
pela prática de projecto em arquitectura, que se assume como autocorrec-
tiva e em sintonia com um quadro de referência disciplinar relativamente
estável.
Este entendimento já está presente em Alberti, principalmente pela
maneira como apresenta o processamento da dimensão temporal tanto na
elaboração do projecto como na organização do De re aedificatoria, e a
que Choay (op. cit., cap. 2) designou, apropriadamente, "le désir et le
temps" 116 •
Por outras palavras, a leitura do texto inaugural de Alberti, é dificil-
mente completa pois novos entendimentos são possíveis pela maneira de
como, por um lado, o autor faz do tempo o fundamento do seu tratado e,
por outro, o público leitor se apropria, também ao longo do tempo, dos seus
conteúdos. Por um lado, desde o Prólogo, que abre com os muitos e varia-
dos saberes, que nos foram legados com diligência e empenho pelos nossos
antepassados, até ao Livro X que se reporta ao restauro dos edificios, onde
se explícita a acção do tempo sobre a sua durabilidade e, por outro, desde a
editio princeps, de 1485 em latim, até à última edição de 201 O em italiano,
perfazendo um total de vinte e nove edições em nove línguas europeias e
uma asiática.

116
O desejo de evitar uma única forma de pensar o projecto é igualmente explícita em
Álvaro Siza (2000, p. I 03) ao referir-se ao conjunto habitacional da Malagueira: "Em
Évora, o tempo da compreensão e do estudo, prolongado e infindável, deu-me a possi-
bilidade de evitar a aplicação de um único princípio pré-constituído".

67
Introdução

Se admitíssemos que, neste processo de recepção, não havia mais nada


a dizer acerca da obra de Alberti, então a especificidade da cultura arquitec-
tónica ocidental deixaria de existir como a conhecemos para dar, eventual-
mente, origem a outra, que não se afigura, necessariamente, nem mais
modelar nem mais promissora.
A demarche albertiana é, neste contexto, de promover o arquitecto
como um praticante das artes liberais - que praticam uma coisa mental - e
não das mecânicas - que elaboram uma coisa material - que tinham, na
Idade Média, um lugar subalterno. A este propósito Kristeller (1990, p. 181)
sublinha que "an early expression of the increasing prestige of the visual
arts is found on the Campanile of Florence, where painting, sculpture and
architecture appear as a separate group between the liberal and the mechani-
cal arts" o que, posteriormente, veio a originar as arti dei disegno.
A palavra Arquitecto, que comparece logo no Prólogo do De re aedifi-
catoria, deriva de Arkhitéktôn que é um termo grego composto pelo subs-
tantivo téktôn, que significa carpinteiro ou construtor, e pelo prefixo Arkhi
que significa méstre ou ordenador. Platão na obra O Político (259 e-260 a)
sugere que o Arkhitéktôn não é um obreiro ou operário mas um director de
obra que contribui com conhecimento teórico e não com uma operatividade
manual para a realização da obra.
Também Aristóteles (Metaph., I, 1, 981 a & b) reconhece que "os arqui-
tectos 117 sã() mais dignificados pois julga-se que sabem mais do que aqueles
que trabalham com as suas mãos e, também, são mais sábios porque sabem
as causas daquilo que fazem" 11 8 • Este conhecimento das causas será sinteti-
zado, na Antiguidade romana, no dictum de Vitrúvio (1, 1, 1), segundo o
qual a ciência do arquitecto nascitur ex fabrica et ratiocinatione (nasce da
fábrica e da reflexão). '
Contudo, durante a Idade Média, dá-se uma alteração deste entendi-
mento passando-se a considerar que o architectus est magister carpentarius,
conforme vem expresso no vocabulário latino de Johannes de Garlandia, o
Dictionarius, escrito cerca de 1245, onde se descrevem os ofícios existentes
na Paris medieval, nomeadamente dos arquitectos que estavam presentes nas
suas aulas (architectari Jecit in aula sua) 119 •

117
Ou "directores de obra" .
11 8
Cf. trad. esp. de P. Azcárate, 2007.
119
Para o período medieval são conhecidas mais de três dezenas de designaçõe~ para o
termo arquitecto, tais como caementarius, lapicida, mason, magister op eris, magister
fabricae, maitre des ouvres, mestre etc., sendo os termos architectus e architector pouco
usuais em obra (cf. Pevsner, l942, p. 555).

68
As Leituras Da Arte Edificatória

Com efeito, neste período, o termo arquitecto, derivado a partir das


palavras archus e tectum , passa a ser associado ao de carpinteiro 120 como
sendo o de construtor de telhados, como se encontra definido no dicionário
latino Catholicon, elaborado pelo frade genovês Johannes Balbus em 1286.
Esta obra, que serviu de base para interpretar a Bíblia na baixa Idade Média,
assimila o termo arquitecto ao de carpinteiro: Architector, ab archos et tec-
tus [.. .] qui facit tecta (Arquitecto, de arqui e tecto [... ] o que faz cobertu-
ras), como pode ser igualmente reconhecido já no Eclesiástico 121 (38: 28),
escrito cerca de 180 a. C., onde, após o elogio alusivo à sabedoria, é afir-
mado: Sic omnis faber et architectus, qui noctem tanquam diem transigi! 122
(Igualmente acontece com todo carpinteiro, todo arquitecto, que passa no
trabalho os dias e as noites).
A Idade Média absorveu este significado a partir da leitura da Bíblia e
é por esse motivo que Alberti (Prólogo), ao definir o que · é um arquitecto,
não o apresenta como carpinteiro (tignarum fabrum) ao compará-lo "aos
mais elevados especialistas das outras disciplinas".
Alberti refuta aquela etimologia medieval e distingue entre uma activi-
dade prática, que se baseia na intersecção de uma maestria que solicita sabe-
res heterogéneos, e uma actividade mental que caracteriza a actividade dis-
ciplinadora e, simultaneamente, individual do arquitecto. Com efeito, Alberti
(Prólogo) afirma que "Quanto a mim, proclamarei que é arquitecto 123 aquele
que, com um método seguro e perfeito, saiba não apenas projectar em teo-
ria, mas também realizar na prática todas as obras que, mediante a desloca-
ção dos pesos e a reunião e conjunção dos corpos, se adaptam da forma
mais bela às mais importantes necessidades do homem" 124 •
Este entendimento, que associa a certa admirabile ratione (método
seguro e perfeito) a uma opera absolvere didicerit (ao realizar na prática

120
Este entendimento está presente na tradução da obra De Ofjiciis, de Cícero (I, 151), feita
pelo infante D. Pedro entre 1433 e 1438, onde o termo architectura é transposto para
vernáculo como carpentaria: "E daquellas artes en que ha grande sabedoria, e de que se
nom gaanha pequeno proveito, assi como da tisica e da carpentaria e da enssinança das
cousas onestas". Cf. ed. crítica de J. Piei, 1948, pp. 88-89.
12 1
Também conhecido como Ben Sirac.
122
Bíblia Sacra iuxta Vulgatam Clementinam. Nova Editio, logicis partitionibus aliisque
subsidiis ornata a Alberto Colunga et Laurentio Turrado, BAC, Matriti, 1982.
123
Após a publicação da editio princeps do tratado de Alberti começa a generalizar-se, em
diversas línguas europeias, a designação de "arquitecto" (veja-se Burke, 2000, p·. 103, e
Kostof, 1977, pp. 96-123).
124
A enunciação discursiva na primeira pessoa é considerada por Choay ( 1996, p. 30) como
um dos traços essenciais para caracterizar um tratado de arquitectura.

69
Introdução

todas as obras), resgata, de forma decisiva, a ratiocinatio e a fabrica vitru-


viana, obliteradas durante o período medieval, de certa maneira equivalentes
aos lineamenta e à structura albertiana.
Pela primeira vez, desde Vitrúvio, o arquitecto deixa de ser entendido
somente como um praticante de um saber mecânico para passar a ser o que
sabe projectar in animo et mente, o que não deixou de ser um desafio maior
para o sistema de produção da edificação no Quattrocento, na medida em
que a concepção do projecto se apresentava, ao contrário do proposto por
Vitrúvio, como uma profecia para convencer da inevitabilidade inovadora da
obra e do seu potencial de ruptura em relação a uma prática edificatória
estabilizada.
Segundo Filarete 125 , aquele sistema deveria funcionar como uma dança,
onde cada um dos intervenientes teria de trabalhar atempadamente e em
conjunto com os restantes, sugerindo que a coordenação dos trabalhos
ficasse a cargo de um commissario, que faria a intermediação entre o arqui-
tecto e o artífice no estaleiro de obra.
Alberti foi consequente com o que afirmou no seu tratado, pois traba-
lhou, para que a relação projecto-obra se processasse de forma coordenada,
sempre com arquitectos residentes e com o aval dos seus patronos: Matteo
de ' Pasti na igreja de S. Francesco em Rimini, Bernardo Rosselino na
fachada do palácio Rucellai e, ainda, na fachada da igreja de Santa Maria
Novella, em Florença, bem como, possivelmente, na Loggia della Benedi-
zione em Roma e Luca Fancelli nas igrejas de San Sebastiano e de San-
t 'Andrea em Mântua 126 •

125
Antonio Averlino (c. 1400 - c. 1470), mais conhecido por II Filarete ("amigo da vir-
tude"), no Trattato di architettura (IV) expressa: "Tu m' hai detto de' maestri e lavoranti
che fanno di bisogno, ma qui bisogna un ' altra cosa, la quale ai fatto nostro e molto
necessaria e quella che importa ii tutto; e questa si e che a un tempo tutti lavorino, cosi
quello di dietro come ii primo, a similitudine come quando si baila, che cosi baila
quello di dietro come quello dinanzi, pure che sia bene guidato e abbi buon suono".
126
Além destas obras, também são de autoria de Alberti a Loggia (1460) e a Cappela
Rucellai (c. 1460), bem como a tribuna da Santíssima Annunziata (1469), todas situadas
em Florença. Outras obras também têm sido atribuídas a Alberti, como é o caso da Vil/a
Medieis de Fiesole (cf. Mazzini - Martini, 2004), a Loggia dei Torricini, um balneário
no Palácio Ducal de Urbino ( cf. Tavemor, 1998, pp. 194-200) e, ainda, o pátio e o ves-
tíbulo do palácio Venezia em Roma (cf. Borsi, 1989, p. 165; Tavemor, 1998, p. 48), mas
a sua aceitação, por parte da crítica, não tem sido universal. Para um levantamento das
complexas relações entre autoria, encomenda e datação das obras de Alberti veja-se Cal-
zona (2008), bem como Calzona et a/ii (2009).

70
As Leituras Da Arte Edificatória

A este respeito , Hollingsworth (2002, pp. 232-233) ao descrever o


mecenato artístico no Renascimento italiano relata que, quando surgiram pro-
blemas na construção da igreja de San Sebastiano, no inverno de 1463-64,
em Mântua, devido à epidemia de peste que assolou a cidade, depois às for-
tes chuvadas e, por último, à excessiva intensidade da neve, o seu patrono,
Ludovico Gonzaga, remetia Luca Fancelli para se aconselhar com Alberti.
Em muitos casos, os mecenas estabeleceram tanto os programas, como
as formas das obras de arquitectura, não como meros usufruidores passivos,
mas como consumidores activos, participando não só na recepção da obra
como, também, na sua produção, como relata Luca Fancelli na troca episto-
lar com o seu patrono: "[ ... ] poi, parlato che habiamo cum vui et dictovi la
fantasia nostra et intesa anche la vostra, faremo quanto ve parerà sia meglio"
(cf. Vatovec, 1979, p. 120).
Neste contexto, apesar de Ludovico Gonzaga intervir activamente na
concepção dos projectos de arquitectura, como ocorreu nas igrejas de San
Sebastiano e de Sant 'Andrea, não existem dúvidas quanto à originalidade
dos delineamentos elaborados por Alberti para estes templos 127 , bem como
da importância destas encomendas, pelo reconhecimento da sua autoria inte-
lectual na criação, para a época, de formas arquitectónicas inteiramente ino-
vadoras (cf. Hollingsworth, op. cit., p. 233), para que fossem "piu capace,
piu eterno, piu degno, piu lieto" 128 .
Se atendermos, ainda, a que a coordenação dos trabalhos em estaleiro
de obra era realizada, até então, a bocca (Manetti, 1970, p. 11; 1976) e não
a partir, predominantemente, de desenhos e maquetes que permitissem a sua
fiel reprodução em forma edificada, podemos ter uma ideia das profundas
alterações que a nova mentalidade trouxe à arte edificatória, que solicitava
uma notável cooperação entre os seus intervenientes e que podia, por Isso,

127
A documentação que mostra a autenticidade das obras atribuídas a Alberti é fidedigna e
diversificada: para o templo Malatestiano a carta que escreveu a Matteo de'Pasti , o
arquitecto residente em obra, datada de 18 de ovembro de 1454; também, numa carta
dirigida a Ludovico Gonzaga, com data de 27 de Fevereiro de 1460, Alberti refere que
"E modoni de Santo Sebastiano, Sancto Laurentio, la loggia et Vergilio sono fatti"; além
disso, a loggia Rucellai é atribuída, em 1550, a Alberti por Vasari nas suas Vite e, em
1470, quando estava a trabalhar na igreja de Santo André em Mântua, numa carta pro-
vavelmente datada de 20-22 de Outubro de 1470, transmite a Ludovico Gonzaga o pro-
jecto do templo etrusco - Questa forma de tempio se nomina apud veteres Etruscum
sacrum . Cf. Bertolini , 2006, pp. 269 e 27 1; Grayson, 1998b, pp. 173-192; Arfanotti,
2007 b, p. 273 e 2007 c, p. 351 ; Vasari , 1550, p. 316 .
m Carta a Ludovico Gonzaga, Mântua, 20-22 de Outubro de 1470. Cf. Arfanotti , 2007 c,
p. 351.

71
Introdução

funcionar como dissuasória das inovações propostas em projecto. No entanto,


este apresentava não só a considerável vantagem de possibilitar a pré-figura-
ção, como aspirava ao controle efectivo da obra a ser edificada, impossíveis
de serem alcançados, de forma tão consequente, com o modo de produção
medieval.
Neste contexto, o arquitecto perde o controle global do processo cons-
trutivo em obra e tenta alcançar, de forma negociada, o seu domínio a par-
tir do projecto, que se apresenta sob a forma de uma retórica visual como
escrita, ordenadas tanto pela virtude do desenho 129, como pelo esplendor do
verbo 130 , onde o delineamento do arquitecto e a produção do edificado aspi-
ram à coincidência.
Se bem que as condições histórico-culturais em que Alberti escreveu o
tratado, principalmente no que se refere à sua produção manuscrita, à sua
distribuição (por cópia a partir dos codices existentes), bem como à sua
recepção (por uma audiência culta que entendia o latim clássico), tenham-se
mantido relativamente estáveis ao longo da sua elaboração, aquele texto
anuncia não só uma ruptura epistemológica, ao ser comparado com a produ-
ção construtiva do antecedente período medieval, como é modelar no âmbito
da teoria da arquitectura do Quattrocento.
É no confronto entre uma tradição construtiva, transmitida oralmente, e
a realização edificada de uma pré-figuração, numa mediação negociada entre
o cliente ou patrono e o projectista ou autor, que a arquitectura no Quattro-
cento se irá desenvolver, para a qual o tratado de Alberti oferece, no mundo
ocidental, um contributo não só original como inaugural.
Neste contexto, a presente edição tem como referência a editio princeps
( 1485) do tratado bem como a reedição do texto latino elaborada, mais
recentemente, por Orlandi (1966), assumindo-se, como vimos, não só a divi-
são dos dez Livros em capítulos como destes em parágrafos, para facilitar a
sua consulta e leitura. Estamos certos que esta edição não teria sido exequí-
vel sem a versão latina do tratado elaborada por Orlandi (op·. cit. ), que rea-
ljzou um escrupuloso trabalho de edição do texto, confrontando quatro
manuscritos do De re aedificatoria com a editio princeps 131 , principalmente

129
Como também sugere Francesco di Giorgio Martini (c. 1485) no Trattato di architettura.
13
° Como se verifica nas cartas enviadas por Alberti a Matteo de'Pasti e a Ludovico Gon-
zaga, sobre o anda~p.ento e o controle das obras. Cf. Grayson, 1998b, pp. 173-192;
Rykwert - Engel, 1994, pp. 456-7 e 462.
131
Os codices consultados foram o Vaticano Urbinate latino 264, o de Eton College, ms.
128, o Vaticano Ottoboniano latino 1424 e o Laurenziano, Plut. 89 sup. 113. Cf.
Orlandi, 1966, p. LIV.

72
As Leituras Da Arte Edificatória

no que se refere à resolução das lacunas e de adulteração das fontes origi-


nais, comparável ao trabalho realizado pelos humanistas do Quattrocento,
quando elaboraram a crítica filológica dos textos clássicos e das suas fontes
documentais, o que possibilitou uma restituição crítica do texto albertiano
"che per la prima volta e offerto al lettore moderno nella sua integrità" (Por-
toghesi, op. cit. , p. XLVIII).
Mesmo assim, quando subsistiam dúvidas quanto à coerência sintáctica
das frases, hem como em relação a questões de pontuação e, ainda, de trans-
crição integral de termos em latim, traduziu-se o texto directamente a partir
da editio princeps, editada em fac-símile por Hans-Karl Lücke (1975), e não
a partir da versão de Orlandi ( 1966).
Por último, uma advertência sobre o que Eco (1993, p. 50) designa,
noutro contexto, de sobre-interpretação a propósito dos textos seculares que
se tomaram metaforicamente sagrados no decurso da sua recepção. Por
outras palavras, "assim que um texto se toma 'sagrado' para certa cultura,
fica sujeito ao processo de leitura da suspeita e, portanto, àquilo que é indu-
bitavelmente um excesso de interpretayão".
Procurámos, por isso e tanto quanto nos ajudaram o engenho e a arte,
apresentar uma versão sem diversões e derivações, "obcecadamente literal",
como avisadamente sugere Sophia de Mello Breyner sobre os clássicos 132 •
Resta apelar, a título de fecho, por um lado, para que os deuses nos
tenham protegido de que o receio de comentar de menos não nos tenha
levado a interpretar imoderadamente esta obra inaugural da modema teoria
da arquitectura e, por outro, para que nos absolvam, da nossa impertinência,
de não termos também, como Ângelo Poliziano, para não dizer de menos,
ficado calados perante uma obra tão perfeita e um homem tão ilustre.

132
Ver Anderson, 2006, p. 123 .

73
A RECEPÇÃO DA ARTE EDIFICATÓRIA

O acolhimento, a influência e a leitura crítica do texto inaugural de


Alberti tem sido, desde a sua publicação, diversificada sendo de destacar,
neste contexto, a recepção tanto de um novo método de concepção em
arquitectura, que possibilita a criação e não a reprodução de obras da Anti-
guidade Clássica, como da sua dimensão narrativa, constituída, por um uni-
verso de personagens e eventos reais ou fictícios, situados no espaço e no
tempo, que funcionam como relatos exemplares para ilustrar as dimensões
conceptuais que estruturam, disciplinarmente, o De re aedificatoria.
Ao dar maior importância à escrita, o texto de Alberti introduz uma
aparente e flagrante contradição ao produzir o primeiro e único tratado de
arquitectura do Renascimento que não é inicialmente ilustrado, para mais
numa área disciplinar onde a dimensão visual é da maior relevância 133 •
Isto pode ser entendido de duas maneiras: a infidelidade da reprodução
manuscrita de desenhos devido ao trabalho de translação, por vezes fanta-
siosa, dos copistas, bem como ao alcance dado ao poder do verbo escrito,
isto é, ao poder do que foi registado num dado momento do passado.
A translação, de cópia para cópia, certamente adulteraria a leitura
dos desenhos, pela maior infidelidade das peças gráficas em relação ao
documento original, mesmo quando comparadas com a reprodução manual
da caligrafia oriunda do período medieval ou com a desenvolvida pelos
humanistas, a littera antiqua, apesar de ambas terem, anteriormente à conso-
lidação das línguas nacionais, de conviver com uma "ortografia oscilante".
A este respeito Alberti chega mesmo a recomendar aos copistas para, ao
transcreverem números relacionados com a modulação das ordens arquitec-

133
Como atestam os Trattatos di architettura de Filarete e de Francesco di Giorgio Martini,
o primeiro redatado cerca de 1464, com dedicatória a Francesco Sforza, duque de Milão,
e o segundo, redigido na corte de Urbino e completado após a morte de Federigo di
Montefeltro, em 1482, que são profusamente ilustrados e onde os desenhos cotejam o
texto manuscrito.

75
Introdução

tónicas, o façam por extenso e não com simbologia numérica, "para que não
sejam deturpados pelos erros" - quominus vitientur erroribus (Livro VII,
cap. 9) 134_
Não só os erros de transcrição, de transposição, de substituição, de
inserção e de omissão, de cópia para cópia, fomentavam a adulteração da
escrita, corno a fantasia dos copistas do Renascimento, que adensavam a
letra e tornavam a escrita quase indecifrável, a écriture folie como lhe cha-
mou Druet (1976), induzia à alteração do traçado das ilustrações 135 •
Acrescente-se, ainda, a insuficiente transparência dos palirnpsestos e
pergaminhos, o que impedia urna fiel reprodução dos originais desenh~dos, o
que tornava as iluminuras obras de arte únicas e, consequentemente, impos-
síveis de serem escrupulosamente reproduzidas. Assim, a fidelidade de urna
ilustração copiada, na medida em que podia ser facilmente adulterada, sem
conhecimento prévio do seu autor, estaria na proporção da sua simplicidade
e de poder ser descrita, consequentemente, somente por palavras 136 (Cf.
Carpo, 2001a, pp. 119-124).
Além disso, o crescente poder da palavra escrita, face à oralidade do
período medieval, para veicular preceitos, conceitos e regras disciplinares,
consonantes com a coisa mental (in animo et mente) que a arquitectura
passa a assumir desde então, é um factor que promove o aparecimento e a
difusão no ocidente, a partir do Quattrocento, dos tratados de arquitectura.
No entanto, ao deixar de ser urna das artes mechanicae para passar a
ser, na acepção de Vasari (1550), urna das arti de! disegno a arquitectura
passa a solicitar a participação de um meio gráfico de representação, expres-

134
A numeração árabe foi introduzida no ocidente a partir do séc. XI mas, apesar da notá-
vel simplificação das operações aritméticas que possibilito , foi objecto de resistência,
até ao séc. XV, por parte de alguns calculadores que preferiram usar a nomenclatura
grega, desde a= I a o= 9, ou a romana de I a IX. Somente com a influência estabili-
zadora da imprensa é que os algarismos começaram a ser aceites de forma generalizada
a partir do séc. XVI (cf. Ifrah, 1994, p. 360).
135
Beaulieux (1927, p. 123) relata que, em França, os copistas a partir do séc. XII eram
remunerados à linha e, por isso, alongavam as palavras transcritas: "[Le personnel] crée
une graphie faite pour la lecture des yeux, ou les homonymes sont différenciés par toute
sort des moyens; ii ajoute san vergogne des letters afin d'étoffer les mots, remplir les
pages et augmenter son salaire".
136
Guillaume Philander estabeleceu, na edição de 1544 .do tratado de Vitrúvio, uma lista de
nove gravuras a que este autor faz referência explícita no texto, mas que nunca foram
encontradas nem, supostamente, representariam qualquer artefacto de arquitectura, mas
formas geométricas elementares passíveis de serem entendidas somente por palavras e
apensas no final do tratado- in extremi libri (cf. Carpo, i001a, p. 17).

76
A Recepção da Arte Edificatória

são e comunicação que está totalmente ausente na editio princeps do De re


aedificatoria.
Para Carpo (op. cit.) a ausência de imagens no texto de Alberti não pos-
sibilitou a reprodução generalizada das obras da Antiguidade Clássica como
ocorreu, posteriormente, com os Quatro Libri di Architettura de Andrea Pal-
ladio e permitiu, de algum modo, a padronização das ordens arquitectónicas
na medida em que dissociou, ao contrário do que ocorreu com o texto de
Vitrúvio, a utilização destes sistemas de ordenamento face a tipologias arqui-
tectónicas específicas.

Fig. I - Frontispício do códice do De re aediflcatoria. Biblioteca da Catedral de


Olomouc, Moravia (manuscrito em latim , Cod. CO 330). Miniatura de Attavante,
execu,tada em Florença após 1483. Fonte: Orlandi - Portoghesi, 1966, p. IV 137:

137
Existiam dois codices do De re aedificatoria na biblioteca do rei Matias Corvino da
Hungria, sendo o referido por Orlandi - Portoghesi (op. cit.) o copiado, a partir de outro
manuscrito, pelo florentino Fransciscus Ugolinis, provavelmente entre 1485 e 1490
(Mikó, 2004, p. 7 1). Moreira (1991, pp. 59-60) compara a influência dos ideais mece-
náticos dos Medieis sobre D. João II ao que sucedia, de forma mais clara, " [.. .] no outro
extremo da fronteira da Europa com o rei humanista Matias Corvino da Hungria".

77
Introdução

Com efeito, Alberti (Livro VII, cap. 5) não se refere a uma tipologia de
colunas (dórica, jónica, coríntia e compósita ou itálica), cada uma delas divi-
didas em três partes (base, fuste e capitel), mas a um 'sistema', composto
por sete elementos: 'pedestal, base, coluna, capitel, arquitrave, traves ou
friso e comija', que se organizam de forma a reproduzir as ordens arquitec-
tónicas. Trata-se de um sistema generativo onde, a partir de uma caracteri-
zação genotípica, se definem as variações específicas para cada caso.
Além disso, Alberti no Livro VII, cap. 7, sugere que o desenho dos per-
fis das molduras possa ser elaborado pela composição das letras maiúsculas
"C", "L" e "S" combinadas de diferentes maneiras, como se fosse possível
o recurso a uma representação simplificada de formas desenhadas - das fai-
xas, dos ressaltos, das rudenturas, dos cordões, dos cavetos, das golas e das
ondas.

LEON!S BAPTISTE ALBERTI DE RE AEDIFICA


TORIA INCIPIT LEGE FELICITER
VLTAS ET VARIAS ARTES Q VE
ad uitam bcnc bcáteq~agidam faci.antfumma
m indullria cc diligencia conquifitas nobis ma
iores nollri tradidere.~:r om111:s cc fi fttant
pra:fc:quafi =tatim hUc tendere: Vt pluri
mum gmeri horninum profinc: tamen ~
innarum atqr infttum eas intdligimus quip
piam :que fingul:rftngulos pr.ECCCeris diuafofq~ polliccri fruc
cus uideanrur: N3nqi artes quidem alias II€Ce!Liàte fectamur:
alias p_robamus utiltt'Jtt: Alt:r uero ~ anrum circa rcs cogniru
gratiffimas uerfeniur in pretio funt 1quales autcm ha: fint attts
non ell ut profequar: inpromptu mim funt: uenun ú rt:pms ex:
omni maximarum artiurn numeronullam penitus inuenies:qu:r·
non fprttis rdiquis fuos quofdam & proprios fines pecar cc con
ttmplctur.Auc {i ~ndem romperias ullam1qu:r cum huiufmodl
fic:urea carttt nullo pacto poffis:tum cc dcfe utiliattm :uolup
t.1t1 dignitatiql :XWICtam przllcc: mro iudicio ~ eanun nwncro
excludcndam dfe:non duccs archittet~~ram : namq~ ea qui<km
"'
ftquidem rem !illigentius ~taris ccpublice 6c priuatim CXliJl
mudiffima cc acheinenrtt S!"atiffima gcneri homiDum ell: dignt
tateq~ inter primas non pOilrema: Se(f atltril u1tra progttdiãr:
upliCandum mihi cenfro quemnam haberi uelim aí-chittctum:
Non enim tignarium adducam fabrú 1 quan'tu furnrnis czttra~
difciplinarum uiris compares 1Fabri enim maaos architteto pro
in.lhummro~ .Archireaum ~ huncm conllicuam/qui certa
admirabiliq~ ratione cc ui.a tum mcott animoq! diflinire :tum ct
opere abfoluere didiceritquecunq~cx ~moeu ~<J
compactio~ ct coagmenrarione digniffimis hominií ufi!ius bd
liffime cómodencur: Q_U<t ucpoffir cõprehenf.ioneetcognirioac
opus ell rerum optimarum ccdignifftma~: ltaq~ixliufmodi oir
architcetus :redco ad rem Fuere qui diccrent aquam aur igncm
ai

Fig. 2 - Frontispício da editio princeps (1485) do De re aedificatoria.


Fonte: Hans-Karl Lücke, 1975. Faksimile. München: Prestei Verlag.

78
A Recepção da Arte Edificatória

Como se Alberti, num esforço redentor de substituição, transformasse a


escrita alfabética numa pictográfica, transpondo um meio de comunicação
analítico para um sintético, onde a letra deixa de ser um "signo de um
signo", i.e. de um som, para representar a organização de sistemas signifi-
cantes que expressam a composição de formas elementares do sistema orna-
mental de raiz clássica 138 •

Fig. 3 - Frontispício desenhado por Giorgio Vasari para L 'Archiletlura (De re aedificato-
ria) di Leon Ballista Alberli tradotta in lingua florentina ... con l'aggiunla de disegni,
editada em Florença por Lorenzo Torrentino e traduzida por Cosimo Bartoli , 1550 m

m Se bem que Choay (2006, p. 39) defenda o valor do desenho como um instrumento que,
"par l'entremise du corps, dans le jeu de la main et du crayon sur !e papier, nous ouvre
I'acces au monde du concret", na edição de Caye - Choay (2004, p. 338, n. 71 ), a com-
posição das molduras a partir do desenho das letras do alfabeto é interpretada como um
sinal de "refus absolu du dessin dans !e traité".
139 Fonte: ilustração inserida em Patetta (2004, p. 9), existente em Florença no Gabinetto

dei Disegni e delle Stampe, 394 Om.

79
Introdução

Esta transgressão linguística, resultante da reunião de caracteres que não


apresentam, na sua composição, um correspondente fónico, móstra que
Alberti está plenamente consciente da necessidade de um meio- de represen-
tação gráfico que, contudo, não é explicitamente assumido na primeira edi-
ção do seu tratado 140 •
Também no Livro VIII, cap. 4, Alberti reafirma esta transgressão, ao
atestar a superioridade dos hieróglifos egípcios sobre a escrita alfabética, na
medida em que a sua interpretação não seria difícil, dadas as características
simbólicas deste tipo de escrita ideográfica: "Os Egípcios usavam símbolos
da forma seguinte. Com um olho significavam a divindade; com um abutre,
a natureza; com uma abelha, o rei; com um círculo, o tempo; com um boi,
a paz; e assim por diante", para concluir que o género de "escrita que os
Egípcios usavam nestes casos pode facilimamente ser interpretado em todo o
mundo pelos especialistas, apenas aos quais vale a pena serem comunicadas
coisas da maior importância".
Somente com o advento da imprensa é que o texto de Alberti é publi-
cado em 1485 e, em 1550 em Florença, é editado com imagens que ilus-
tram, de forma interpretativa, os princípios referidos pelo seu autor. Trata-se
da L 'Architettura (De re aedificatoria) di Leon.. Battista Alberti tradotta in
lingua florentina da Cosimo Bartoli ·- - con l'aggiunta de disegni, publicado
por Lorenzo Torrentino 141 • Desde então, os textos ilustrados do De re aedifi-
catoria aparecem, em sua grande maioria, com os desenhos da edição de
Bartoli 142 • A recente publicação do tratado de Alberti ao cuidado de Gion-
tella (2010) é uma excepção a esta tendência, dado que apresenta uma selec-
ção das ilustrações a bico de pena do manuscrito incompleto de Damiano
Pieti (1538), que se configura como a primeira tradução do tratado de
Alberti para vulgar.
Choay (op. cit., p. 140) apresenta, no entanto, uma posição crítica em
relação à disseminação de imagens nas sucessivas edições do De re aedifi-

140
Apesar de Cennino Cennini, cerca de 1400, relatar várias técnicas de impressão de ima-
gens em roupas e têxteis bem como de reprodução de imagens em livros, foi somente
com os Livros lll e IV do tratado de Sérlio, publicados, respectivamente, em 1540 e
153 7, que apareceram as primeiras ilustrações em tratados de arquitectura impressos
(cf. Carpo, 2001 b, pp. 226-227).
141
As ilustrações que acompanham esta edição do tratado de Alberti,_ consideradas como
sendo as mais precisas, são as que comparecem na tradução para italiano de Cosimo
Bartoli, publicada em Florença por Lorenzo Torrentino em 1550, bem como em Veneza
por Francesco Francheschi em 1565.
142
Clérigo florentino que traduziu diversas obras de Alberti para o vulgar. O seu nome
comparece no frontispício da edição traduzida do De re aedificatoria (L 'Architettura) de
1550 como Gentilhuomo & Academico Fiorentina.

80
A Recepção da Arte Edificatória

caloria . Esta autora defende a ausência de imagens no texto albertiano


"comme un moyen de defendre la valeur générative des regles et la méthode
albertiennes contre le pouvoir réducteur de I' image" que corresponde,
segundo Carpo (op. cit.), a um mundo mental - verbis solis - anterior à
imprensa 143, que reproduz de forma mecânica as ilustrações inseridas, poste-
riormente, junto daquele texto.
A este respeito, Saalman (1959, p. 89) nota que a tradução de Bartoli
(1550) omite um passo crucial quando Alberti se refere à diferença entre o
desenho de um pintor e o de um arquitecto (Livro II, cap. 1). Com efeito,
Bartoli (op. cit., p. 36) suprime, logo após se referir a que "lo Architettore
non fi curando deli e ombre, fa ri faltare .in fuora I rilieui mediante ii disegno
della pianta" (o arquitecto, rejeitando os sombreados, num lado coloca o
relevo obtido a partir do desenho da planta), a seguinte passagem: spatia
vero et figuras frontis cuisque et laterum alibi constantibus fineis atque veris
angulis docet (e noutro lado apresenta a extensão e a forma de qualquer
fachada e dos flancos, mediante linhas invariáveis e ângulos reais) 144 • Isto
sugere que Bartoli acabará por apresentar, como podemos constatar na pre-
sente edição, desenhos em planta e alçados das fachadas principais, mas não
alçados laterais ou de tardoz nas ilustrações que insere no tratado.
É também significativo que, na edição de Bartoli e de forma correspon-
dente, a distribuição de gravuras, com maior projecção, ocorra nos Livros
VI, VII e VIII, isto é, com os relacionados com a voluptas, onde compare-
cem 53 ilustrações de um total de 61, e que as restantes 8 gravuras se dis-
tribuam pelos Livros II, III, IV e X.
O reduzido número de estampas nos Livros dedicados à necessitas e à
commoditas sugere uma leitura do tratado feita por Bartoli, onde se dá maior
destaque às questões relacionadas com a beleza, em consonância com a

143
A alteração do processo de escrita medieval para o de imprensa modifica radicalmente,
ao longo dos sécs. XV e XVI , o acesso ao texto escrito, ao promover uma maior divul-
gação e facilidade de consulta. André de Resende ( 1996, p. 75) na obra "As Antiguida-
des da Lusitânia" dá-nos uma ideia das dificuldades em consultar manuscritos antigos,
anteriormente à di vulgação da imprensa, quando frequentava a Universidade de Sala-
manca, onde aquela consulta era realizada de forma estritamente disciplinada: "costu-
mava abri-los diariamente, a hora certa, sob a vigilância de dois guardas" . Mesmo para
a classe dirigente, como aconteceu com Ludovi co Gonzaga, Marquês de Mântua, o
acesso a obras latinas era restrito, confonne atesta a carta endereçada a Alberti , datada
de 13 de Dezembro de 1459, a pedir emprestado o manuscrito do tratado de Vitrúvio.
Cf. Arfanotti, 2007b, p. 266.
144
Ver Orlandi , 1966, p. 98 e 99.

81
Introdução

subordinação hierarquizada e intransitiva das dimensões disciplinares pro-


posta por Alberti, mas não certamente com as preocupações manifestadas
por este autor quando se refere a aspectos mais técnicos da arte edificatória,
como é o caso dos desenhos das paredes de fundação, sobre os quàis sugere
a consulta de uma obra complementar para maior esclarecimento.
A este respeito, as observações elaboradas por Fréart de Chambray
(1650, p. 22) sobre os desenhos dos perfis .do sistema da coluna, nas edições
ilustradas do De re aedificatoria, ainda hoje são pertinentes, apesar de esse
autor não os atribuir a Cosimo Bartoli mas a Alberti, quando se refere à sua
negligência para "os desenhar correctamente e com mais· arte, dado que era
pintor e isto poderia ter contribuído de forma notável para a recomendação
e mérito da sua obra".
Além disso, Fréart de Chambray também chama a atenção para a
imprecisão das ilustrações introduzidas por Bartoli na edição de 1550,
nomeadamente em relação ao capitel coríntio, que está mais de acordo com
o ordenamento Vitruviano.
Com efeito, para Vitrúvio (IV, 1, 12) as volutas do capitel coríntio
apoiam-se em folhas que brotam dos caulículos, enquanto para Alberti
(Livro VII, cap. 8) estes transformam-se, sem aquele apoio e por enrola-
mento, nas próprias volutas do capitel. Assim, Bartoli introduz uma impreci-
são interpretativa, na verdade uma regressão vitruviana, ao representar o
capitel coríntio no tratado de Alberti, como se este correspondesse à descri-
ção apresentada no De architectura.
Neste caso, pode-se dizer que as gravuras de Bartoli sugerem uma lei-
tura adivinhatória sobre o significado textual do tratado, no seio das suas
variadas interpretações, como uma possível, mas não única, intentio lectoris
face à permanência da obra de Alberti.
No entanto, para um público leitor do séc. XXI em língua portuguesa,
distanciado da edição original mais de cinco séculos e exposto a uma prática
edificatória contemporânea que, na sua génese conceptual, é em quase tudo
idêntica há que se praticava nos finais do Quattrocento mas que, na sua
concretização, é em quase tudo diversa, admitimos que as xilogravuras de
Bartoli são um factor de entendimento da obra de Alberti e não conduzem,
necessariamente, a um desvirtuamento das suas ideias, desde que estejamos
conscientes daqueles factores de exclusão como de realce, presentes nas gra-
vuras daquela edição ilustrada.
Com o advento da imprensa e o desenvolvimento das literaturas verná-
culas incrementam-se, no ocidente, as edições, em geral com gravuras, e as
traduções do De re aedificatoria, instituindo-se uma relação, por vezes pre-

82
A Recepção da Arte Edificatória

cária, entre o texto da língua de partida, o latim, e o da chegada, o da lín-


gua nacional.
No âmbito da historiografia sobre o séc. XVI em Portugal existe a con-
vicção de que André de ReseJ?.de fez a tradução do De re aedificatoria, para
ve~áculo, a mando de D. João III (cf. Vilela, 1982; Deswarte, 1992; Paoli,
2000) 145 • .

No entanto, esta suposição nunca foi efectivamente verificada pois,


segundo Resende, no Prefácio da sua História da antiguidade da cidade de
Évora, redigido em Dezembro de 1552, para justificar a falta de tempo para
prestar outros serviços à vereação, refere que andava "todo ocupado em um
livro de arquitectura 146 per mandado de El-Rei, Nosso Senhor" (Resende,
1963, p. 9) mas não, necessariamente, por suas próprias palavras, a fazer a
tradução do De re aedificatoria.
Além disso, Resende, no seu testamento, datado de 1 de Dezembro de
1573, confirma o que anteriormente tinha afirmado: "Mando que os meus
livros de São Frey Gil e d' Arquitetura, e todo os mais livros e epístolas, que
tenho composto, e me tem scrpito de fora partes e letreiros, todo fique ao
dito meu herdeiro [o filho, Barnabé de Resende], e ele tenha todo muito
bem goardado, porque são muito proveytosos para a sua, onra e minha
memória" (Ferreira, 1732, p. 135) não se referindo, novamente e de forma
explícita, à tradução do De re aedificatoria.
O que o testamento mostra, de forma inequívoca, é a relevância, que
Mestre Resende dá, para proveito de seu filho, para a sua reputação e para
além do facto de a tradução ter sido ou não realizada, ao discurso sobre
arquitectura.
No entanto, Ferreira (op. cit., p. 111) ao referir-se a obras de que ignora
o tempo da sua feitura e das quais somente sabe que Resende foi o seu

145
Schlosser (1996, p. 157), baseando-se na Bibliotheca Lusitana (1741, I, s. V.) de Diogo
Barbosa Machado, sugere a existência de uma versão manuscrita em vernáculo, quando
refere que "la traduction portugaise par André de Resende pour Jean III de Portugal est
encore du XV.< Siecle", para concluir que "cette traduction n' existe qu 'en manuscrit;
l'édition supposée de 1493 est une méprise". Também Mancini (1882, p. 393) relata,
equivocadamente, que "fra !e moi te opere dell 'Alberti à la piu conosciuta, fu tradotta in
portoghese da Andrea Resendes (1493)". Não é possível que André de Resende, nascido
cerca de 1500 (cf. Ferreira, 1732, pp. 6, 24 e 94, n. 3), tenha feito uma tradução do tra-
tado de Alberti ainda no séc. XV, pelo que estas referências, para além de terem contri-
buído para o desenvolvimento da mitografia que acompanha a obra de Alberti em Por-
tugal, não podem ser acolhidas.
146
Na grafia original escreve-se Architettura.

83
Introdução

autor, esclarece que este "escrevia uns livros de Architectura, por mandado
del Rey Dom Joaõ o III, de que no seu testamento fez mençaõ, como dos
da Vida de Saõ Frei Gil: os ditos livros de Architectura, eraõ hua traducçaõ
em Portuguez de Leaõ Baptista".
Em data posterior ao testamento de Resende o cónego Gaspar Estaço
(1625), da Colegiada de Guimarães, desde muito novo protegido pelo car-
deal-infante D. Henrique, no Tratado da linhagem dos Estaços, discorrendo
sobre Simão Estaço informa que o cardeal lhe escrevera uma carta em que
"lhe mandava, e encomendava, q como falecesse ~estre Resende natural
d'Evora, lhe tirasse da sua livraria certos .livros, que desejava haver, como
Leo Baptista de Architectura, que ele traduzio en Portuguez por mandado
d'el Rei 147, e outros" (Estaço 1625, p. 42).
Sabendo-se que um dos volumes que D. Henrique .desejava que fosse
publicado era o manuscrito das Antiguidades da Lusitânia, efectivamente
entregue ao cardeal e por este remetido .a Diogo Mendes de Vasconcelos
( 1523-1599) 148 para revisão e impressão 149 e que este veio efectivamente a
editar em 1593, sob o título Libri Quator de Antiquitatibus Lusitaniae, é de
supor que o De architectura, i.e. o manuscrito original da tradução do De re
aedificatoria, também tivesse sido "resgatado" da biblioteca de Resende.
Esta suposição transforma-se em quase certeza se pensarmos que o cardeal-
infante D. Henrique, ao tempo, alternava a regência com a raínha-víuva e
desempenhava, simultaneamente, as funções de inquisidor-geral.
Não existem, assim, motivos para duvidar das pretensões, relatadas por
Estaço (op. cit.), da apropriação da tradução do tratado de Alberti pelo car-
deal D. Henrique que, segundo o cronista Damião de Góis (1567, IV, 27),
"no edificar tem grande juízo", nem das aptidões de André de Resende para
traduzir o De re aedificatoria, considerado não só um excelente latinista
(cf. Pereira, 2002, pp. 290-292) como "um perito na teórica da arquitectura"
(cf. Ferreira, 1732, pp. 111 e 116; Tavares, 1963, pp. XI-XXXVII; Bury,
2000, p. 87).

147
Resende (1956, p. 31 ), na Oratio pro rostris, elogia O. João III como sendo o "maior
protector das letras e dos seus cultores", o que reforça a ideia de que a real encomenda
para a tradução do tratado de Alberti se tenha verificado.
148
Sacerdote e fidalgo da Casa Real, nomeado pelo cardeal O. Henrique inquisidor e
cónego da Sé de Évora.
149
Cf. carta de Diogo Mendes de Vasconcelos (in Resende, 1996, pp. 59-63) ao cardeal
O. Henrique, datada de 15 de Janeiro de 1580.

84
A Recepção da Arte Edificatória

Fica por esclarecer, no entanto, qual a intenção do cardeal D. Henrique


em solicitar o resgate do manuscrito traduzido por André de Resende, se
para uso próprio ou para publicação impressa.
Se, por um lado, Vilela (op. cit., p. 19) e Deswarte (op. cit., pp. 175 e
190) sustentam, baseados nos documentos citados, que a tradução do De re
aedificatoria por André de Resende de facto existiu, no entanto, Paoli (op.
cit., p. 304) defende que Resende e Estaço estariam a réferir-se a obras dis-
tintas ("une oeuvre ou deux"), respectivamente, a um livro de arquitectura e
à tradução feita por Resende. Além disso, Paoli sugere que os relatos deste
autor dariam maiores garantias de fidedignidade interpretativa do que os
publicados por Estaço.
Tivesse aquela tradução levado descaminho, em Évora, ou tivesse sido
levada para Castela após a união dinástica das duas _monarquias Ibéricas sob
o mesmo soberano 150, o que é certo é a alargada difusão, a nível europeu, do
tratado de Alberti desde a publicação da editio princeps.
Com efeito, podem ser registadas, no total, vinte e nove edições, tanto
emlatim (1485, 1512, 1541, 1966 e 1975), como em toscano/italiano (1546,
1550, 1565 (2), 1782, 1784, 1804, 1833, 184 7, 1966 e 201 0), em francês
(Í553 e 2004), em castelhano/espanhol (1582, 1797 e 1991), em inglês
(1726, 1955 e 1988), em alemão (1912), em russo (1935), em checo (1956),
em polaco (1960) e em japonês (1982) 151 •
Estas vinte e nove edições não viram a estampa de uma forma cronoló-
gica linearmente ordenada. Com efeito, se repararmos na Tabela 1 bem como
na Fig. 4, que apresentam, respectivamente, a relação cronológico-linguística
daquelas edições bem como um gráfico de dispersão onde, em abcissas,
estão expostas as datas de cada edição e, em ordenadas, o número de ordem
em que cada uma delas viu a estampa, podemos verificar a formação de três
agrupamentos de edições.

150
De acordo com Moreira (1987, p. 72) as traduções, para a língua portuguesa, dos trata-
dos de Vitrúvio e de Alberti faziam parte do acervo da Escola do Paço da Ribeira, mas
foram levadas para Espanha por Juan de Herrera quando, após a sua estadia em Portu-
gal, de finais de 1580 a Março de 1583, fundou , em Madrid, a Academia de Matemáti-
cas e Arquitectura, o que "representou o instrumento prático de importação da cultura
técnica portuguesa" de então para o país vizinho.
151
Estima-se que, anterionnente à publicação da editio princeps, existiam, no total, dez ver-
sões manuscritas em latim e que a versão que serviu para a impressão do tratado foi a
resultante de livros "copiados dos originais e reunidos num só volume" (Poliziano, op.
cit.) pertencente a Lourenço de Medieis.

85
Introdução

1485 1501 1551 1601 1651 1701 1751 1801 1851 1901 1951 2001 Total de
1500 1550 1600 1650 1700 1750 1800 1850 1900 1950 2000 2010 Edições

Latim 2 2 5
Italiano 2 2 2 3 11
Francês 2
Espanhol
Inglês
Alemão
ofD 1 3
3

Russo
Checo
Polaco
Japonês

Tabela I - Relação Cronológico-linguística das edições do De re aedificatoria 152 •

O primeiro, que vai desde a editio princeps de 1485, em latim, até à de


1582, em espanhol, corresponde, de forma genérica e sem os esgotar, aos
períodos do Renascimento e do Maneirismo, tanto em Itália como fora de
Itália. Segue-se, a partir do séc. XVI, uma "regressão vitruviana", na medida
em que a principal fonte textual de referência para a elaboração dos tratados
deixa de ser o De re aedificatoria para passar a ser o tratado de Vitrúvio,
principalmente pela importância dada ao estudo das ordens arquitectónicas
clássicas, não se fazendo, nesse tempo, novas edições do tratado de Alberti
(Choay, 1996, pp. 225-240) 153 •
Somente, neste período inicial, Filarete (1462-64, Livro I, p. 11), no seu
Trattato di archittetura, escrito já em vulgar, assinala que Alberti fez "uma
obra em latim, elegantíssima. Assim, por isso e também porque não me
exercitei demasiado nas letras nem na eloquência, mas que me dediquei a
outras coisas, parecerá temeroso e presunçoso da minha parte pretender
explicar os modos e medidas da arte de construir" e remete os leitores, que

152
O texto latino e a tradução para italiano por Orlandi ( 1966) contam, para efeitos de aná-
lise cronológico-linguística, como duas edições.
153
De acordo com Borsi (1989, p. 250) quando, a idade do barroco, ficou saturada com
"génios" e a reputação de Alberti atingiu o seu nadir, Bemini fez estudos que mostram
as relações entre as proporções do corpo humano e as formas arquitectónicas não sendo,
contudo, possível encontrar qualquer influência directa nas obras de Borromini e de
Guarino Guarini, excepto quanto à importância genericamente atribuída a uma "solid
construction, geometry or opus architeconicum , and functionallity".

86
A Recepção da Arte Edificatória

sejam mais instruídos nas letras, para lerem o referido autor. Filarete (op.
cit.) no Livro XXII, dedicado à geometria e ao desenho, limita-se a seguir
em grande parte, as recomendações dadas por Alberti no De pictura.

N. 0 de Ordem
das Edições
30

•••
••
•Alemão

••
••
Inglês

o
1450 1550 1650 1750 1850 1950 2050
Datas

Fig. 4 - Agrupamento das edições do De re aedificatoria, de acordo com o número de ordem


e data de publicação.

No entanto, a estrutura do seu tratado, à semelhança do elaborado por


Alberti, distingue entre edificios públicos e privados e apresenta inúmeros
relatos sobre a arte edificatória, além de adoptar, em parte, a terminologia

87
Introdução

arquitectónica de Alberti proposta para a caracterização das ordens arquitec-


tónicas (cf. Borsi, 1986, p. 244).
Posteriormente, Philibert de L' Orme (1568) no Le Premier Tom e de
l 'Architecture transpõe passos do tratado de Alberti sobre a elaboração de
maquetes, bem como sobre o novo conceito de arquitecto desenvolvido no
século anterior, sem que tenha adoptado, de form a clara, a intransitividade
da trindade albertiana sobre a beleza, a comodidade e a construção. Philibert
de L' Orme (op. cit., I, c. 8) chega mesmo a recomendar a leitura do tratado
de Alberti aos promitentes interessados: "se lhe agrada ler o primeiro capí-
tulo do segundo livro Deli 'Architettura de Leon Battista Alberti, verá o
excelente conselho que dá aqueles que desejam construir e que tanto poderá
ser seguido por patronos como por arquitectos".
No séc. XVI Palladio cita explicitamente, na introdução dos Quatro
Libri di Architettura, que leu o texto de Alberti e reconhece no Livro I, cap.
1, que este autor já tinha elaborado recomendações (avvertimento) sobre a
selecção dos materiais para obra, no Livro I, cap. 3, acerca das propriedades
do terreno para assentamento das fundações, bem como no Livro III, cap. 3,
sobre a estrada que liga Roma a Ostia como exemplo de via extramuros e,
ainda, no Livro II, cap. 26, em relação às proporções que os edificios devem
apresentar quando situados numa praça, no sentido em que não devem ser
mais altos que um terço da largura nem menores que um sexto. Esta última
temática percorre toda a obra de Palladio, principalmente no que se refere às
relações proporcionais entre as dimensões dos inúmeros exemplos de arqui-
tectura que são descritos e ilustrados no seu tratado 154 •
Os sistemas proporcionais desenvolvidos por estes autores têm sido
matéria de discussão e aprofundamento disciplinar no âmbito da recepção a
ambos os tratados. Wittkower ( 1949) reconhece a analogia entre as harmo-
nias musicais e os sistemas proporcionais sugeridos por Alberti, baseados
nos antigos sistemas Pitagóricos, enquanto para Palladio a referência seria a
mais modema teoria musical de Zarlino ( 15 58), conforme exposta nas L e
lnstitutioni Harmoniche 155 • Diz Wittkower (op. cit. , p. 124) que "if we take
thi s new development into consideration most of the problematic rationes in
Palladio's buldings become intelligible". No entanto, esta tese não tem sido
completamente aceite, pois tanto Howard - Long a ir ( 1982, pp. 116-143)

154
Mancini (1 882, p. 38 1) reconhece -que Palladio, no Livro IV, cap. 5, "copio dali ' Alberti
senza citarlo diverse frasi nel ragionare dei compartimento dei tempif' .
155
Para um levantamento das teori as musica is do Renasc imento veja-se a obra de Judd
(2000), onde se encontra exposta a teoria musica l de Zarlino.

88
A Recepção da Arte Edificatória

como March (1998 , p. 246) mostraram, com inúmeros contra-exemplos, que


as proporções paladianas não são tão "harmónicas" como Wittkower nos fez
inicialmente supor. March (op. cit., p. 265) chega mesmo a sugerir, ao ana-
lisar a Villa Rotunda de Palladio em Veneza, que este autor aprofunda a
dimensão neoplatónica presente nos sistemas proporcionais de Alberti, na
medida em que as proporções adoptadas não estão em sintonia com os inter-
valos da restritiva teoria musical, mas são conformados também pelas possi-
bilidades de medição do corpo de números racionais e não somente pelo de
números inteiros. Em consequência, pode-se argumentar que os sistemas
proporcionais adoptados por Palladio não deixam de ser, em certo sentido,
uma generalização dos desenvolvidos anteriormente por Alberti.
Mesmo numa edição de comentários a Vitrúvio, como é a de Daniele
Barbaro 156 , publicada em Veneza em 1556, com segunda edição em 1567,
considerada como a mais importante exegese ao tratado daquele autor
durante o Renascimento, podemos encontrar referências sistemáticas a
Alberti.
Com efeito, Barbaro (1567) cita explicitamente Alberti sobre onze tópi-
cos ao comentar Vitrúvio, indiciando uma crítica reflexiva a ambos os tra-
tados quando se refere: a) ao finitore descrito na obra Della Statua (p. 13);
b) à escolha de lugares para as cidades (pp. 41, 42 e 44); c) à construção
das fundações para as muralhas (p. 46); d) às vantagens de se usarem tijo-
los de formato triangular na edificação (p. 75); e) aos cuidados a ter com os
materiais das pedreiras para serem utilizadas na construção (pp. 82-83);
f) aos cuidados a ter com a madeira utilizada na construção (pp. 82-83; g) à
precisão terminológica na classificação dos templos (p. 127); h) às dimen-
sões e proporções das praças (pp. 208-209); i) às caixas e vasos de resso-
nância dos teatros para efeitos de acondicionamento acústico (p. 245); j) à
parede de circunvalação nos teatros para restringir e unir as vozes oriundas
da cena (p. 252); k) ao dimensionamento das paredes da cena e da fronte da
cena para os teatros (pp. 252-255).
Note-se que, posteriormente, nesta comparação entre ambos os tratados
verifica-se, por vezes, uma canonização na recepção ao tratado de Alberti.

156
Daniele Barbara (1514-1570) também publicou em Veneza La pratica dei/a p erspettiva
( 1569) e deixou um manuscrito, não terminado, sobre a construção de relógios de sol
(De Horologiis describendis libellus , Biblioteca Marciana, Veneza, Cod. Lat. VIII , 42 ,
3097). Nos Dieci libri del/ 'architettura, Daniele Barbaro intercala, sistematicamente,. os
seus comentários ao texto de Vitrúvio, que se apresenta profusamente ilustrado, com
imagens, algumas delas em perspectiva, e com desenhos sobre a construção daqueles
relógios (Livro X).

89
Introdução

Com efeito, tanto Baldi (1859, p. 477) 157 assevera que este "Lascio dieci
libri d'architettura, ne' quali pare che non solo emulasse, ma superasse
Vitruvio", como Mancini (1882, p. 387) refere que "L'esposizione e sem-
plice, e nessuno puo negare che nella distribuzione, nell'ordine, nello svol-
gimento dato alla matéria il trattato di Battista superi 1' altro di Vitruvio".
Para uma leitura destas leituras estes entendimentos não se justificam, dado
que a crítica de arquitectura reconhece, pelo menos desde os comentários
sobre Vitrúvio de Daniele Barbaro ( 1567), que ambos autores deram contri-
butos originais e distintos em tempos diversos, o que não significa que não
possam ocorrer contaminações recíprocas nas interpretações destes tratados.
Assim, Barbaro (1567, p. 165), ao discorrer sobre as proporções entre a
altura e o diâmetro do fuste das colunas nas ordens clássicas, conclui que as
mesmas não decorreram directamente das proporções do corpo humano,
como sugere Vitrúvio (III, 1, 2), o que induziu os arquitectos a usarem
médias aritméticas para o estabelecimento das respectivas medidas, como
propõe Alberti (Livro IX, cap. 7) 158 •
No seguimento desta argumentação Barbaro (op. cit., p. 165) ao comen-
tar os ornamentos das colunas sugere que grande parte do julgamento
humano é inato ("percioche quella e gran parte del giudicio dell 'huomo
insito da natura"), à semelhança de Alberti (Livro IX, cap. 5) que considera
a apreciação da beleza também uma certa faculdade inerente da mente, o
que justifica a utilização daquelas médias a partir do engenho do arquitecto.
Barbaro (1567, p. 82) nos comentários a Vitrúvio esclarece que "11 dis-
corso e proprio dell' huomo, & la uirtu, che discorre, e quella che considera
quanto si pu o fare con tutte le ragioni all' opere pertinenti; & pero erra il
discorso, quando lo intelletto non concorda le proprietà delle cose atte a
fare, con quelle che sono atte a riceuere", o que sugere alguma forma de
negociação entre o autor e o seu auditório e mostra um entendimento con-
temporâneo do papel da critica de arquitectura, mas ausente tanto no texto
de Baldi (op. cit.), como no de Mancini (op. cit.). Barbaro (1556, p. 82)
ainda afirma na 1. edição desta obra, em modo conclusivo: "lo ho in ódio
3

non meno la soperstizione, che la heresia" 159 , o que indica que o discurso
sobre arquitectura deve adoptar uma fundamentada argumentação, como
aliás propõe Alberti no seu tratado.

157
Bernardino Baldi (1533-1617), escreveu a Croníca de' matematici c. 1600, inicialmente
publicada em Urbino em 1707.
158
Cf. Mitrovic, 1998, pp. 681-682.
159
Morres i ( 1997, p_' XLII), interpreta esta frase como sendo dirigida àqueles arquitectos
que são incapazes de compreender a variedade da arquitectura antiga.

90
A Recepção da Arte Edificatória

Também, na segunda metade do séc. XVI, Pellegrino Pellegrini (1990,


p. 69) 160 resume e comenta, de forma çoncordante, o tratado de Alberti, prin-
cipalmente no que se refere à dimensão projectual que a arquitectura passa
a assumir desde então, nomeadamente na relação entre o delineamento e a
matéria, fundamental na estética 161 e na ética albertiana para o estabeleci-
mento da relação entre o projecto e a sua execução: "Lo architetto pó ben
terminar I' edificio in la mente, ma ha bisogno il disegno distinto da seguir
la materia; in animo comprende tutte le forme comprese con le linee et
anguli".
O texto manuscrito de Pellegrini (op. cit., pp. 69 e 292), que abre com
"Qui comincia li pareri de Leon Battista Alberti", evocativo do início do
Prólogo do tratado de Alberti, sintetiza praticamente todos os livros e capí-
tulos desta obra, come se fosse um précis, e termina no cap. CXXIV com
"De' loghi da scaldarsi e di rinfrescarsi e di emendare li defetti delle mura",
em consonância com o Livro X, sobre a reparação de edificios, com o qual
Alberti remata o De re aedificatoria.
O trabalho de Pellegrini, apesar de não se configurar como um tratado
de arquitectura mas, antes, como um texto comentador da obra escrita de
Alberti, apresenta-se como uma contribuição para o seu entendimento no
final do séc. XVI. No entanto, não conseguiu promover a difusão Da Arte
Edificatória, apesar de ter sido essa a intenção do seu autor, dado que os
seus manuscritos só recentemente foram impressos e difundidos de forma
integral.
É de notar, ainda, que Pellegrini também elabora um comentário ao tra-
tado de Vitrúvio, mas de forma mais fragmentada, pois não se refere aos
seus três primeiros livros, começando logo por descrever a ordem dórica,
que corresponde ao Livro IV daquele texto, para concluir com o "Preambulo
del decimo di Vitruvio: che l'architetto sia curato nelli calcoli della spesa".
Apesar destas lacunas, os comentários de Pellegrini permitem estabelecer,
pela primeira vez, uma análise comparativa de ambos os tratados, abrindo
espaço para um maior entendimento da teoria da arquitectura no classicismo.
Ainda no séc. XVI, Sérlio 162 nos Livros I-V do tratado "Tutte L'Opera
D 'Architettura et Prospetiva", publicados conjuntamente e pela primeira vez

160
Também erroneamente conhecido por Pellegrino Tibaldi .
161
Só por generalização se pode utilizar, de forma condicional, o termo pós-kantiano de
estética e não de teoria artística.
162
A influência de Sérlio na cultura arquitectónica do séc. XVI em Portugal, que não está
ainda estudada no que se refere à gramática da fonna sugerida pelo seu tratado, mani-

91
Introdução

em 1551 em Veneza, limita-se a fazer uma única citação de Alberti, não sem
revelar algum despeito por este ter tido patronos influentes.
Com efeito, na dedicatória do Livro IV a Ercole II, quarto Duque de
Ferrara, Sérlio refere que: "também há igualmente Battista já famoso como
construtor, mas agora imensamente apreciado como arquitecto, como perito
tanto em teoria como na prática: para não mencionar os muitos outros arqui-
tectos imensamente talentosos e inteligentes em diversas partes da Itália, que
não são tão famosos como poderiam sê-lo se trabalhassem para poderosos
príncipes ou empresas notáveis, onde pudessem obter na vida grande honra
e sucesso" (Sérlio, 1996, p. 252).
A excepção à recepção ao texto de Alberti, em relação ao primeiro
agrupamento de edições, é dada pelo tratado de Vincenzo Scamozzi, intitu-
lado Dell'idea dell'architettura universale, publicado em Veneza em 1615.
Este autor desenvolve, à semelhança de Alberti, a metáfora do edifício-
-corpo para fundamentar a "buona progettazione": "[ .. .] dissemos algures
que o edifício era constituído por matéria e de obra feita pela mão do artí-
fice, mas agora acrescentaremos mais, que é um corpo material unido de
forma conjunta: que é fundamentalmente constituído por partes e membros,
ossos e nervos e aberturas; [... ] E num primeiro momento o ediíicio pode-se
razoavelmente designar como um corpo, quando estiver todo completado
e aperfeiçoado ou em bom estado de poder ser terminado de forma a con-
cluir-se para se poder adaptá-lo à finalidade para o qual foi em princípio
designado. Entendemos que as partes do edifício sejam os pisos [... ] Por
membros entendem-se as Portas e as Janelas [... ] Os ossos a sustentação do
edifício, como os cunhais exteriores e os cantos internos das paredes, e desta
maneira [... ] as Pilastras e semelhantes os quais, tanto uns como outros,
como conjuntamente governam e sustêm esse edifício. Aos nervos podemos
chamar as Arquitraves, as Cornijas [... ] e depois o Travejamento e os Telha-
dos que unem · parede a parede, os tirantes de ferro que ligam as abóbadas e
outros de madeira que produzem diferentes efeitos" (Scamozzi, op. cit.,
p. 272).
Além disso, Scamozzi também adopta um modelo de correspondência
entre a estrutura global Dell'idea e a trindade da construção, comodidade e

festa-se tanto na obra construída, como na produção teórica. No primeiro caso, cabe
assinalar o Convento de Cristo em Tomar, cujo claustro principal é de autoria de Diogo
de Torralva, considerado por Reynaldo dos Santos (1968-70) "o melhor leitor de Sérlio
em Portugal" (cf. Moreira, 1995, p. 350) e, no segundo, o Tratado de Arquitectura, atri-
buído a António Rodrigues (c. 1520-1590) por Moreira (1982, p. 3 72), parcialmente
decalcado do tratado de Sérlio.

92
A Recepção da Arte Edificatória

beleza, se bem que não na mesma sequência, mas sempre mediada pela
complementaridade entre forma e matéria, à semelhança da relação entre
delineamento e matéria, anterionnente desenvolvida por Alberti e recusando,
ainda, numa base de comparação ilustrativa de estudos de caso relativos a
edificios, a noção de tipologia arquitectónica presente em Vitrúvio 163 •

TKACTAl>O

ARCH ITECTURA
~1i la o/4léJ7rr.~
Ar:thit~ _M~ltth~us do Coutoovdho ~
.v~ .-AmLJ dtf6~i

Fig. 5 - Frontispício do Tractado De Architectura de Mateus do Couto-o-Velho,


datado de 163 I, mostrando duas anotações na margem do texto relativas a
Leo Bapt., Livro I, cap. 2 e Livro VI, cap. 3.

163
Collavo (2007, pp. 729-732), ao fazer a recensão de Albert i (Prólogo; 11, 6; 11 , 8), esta-
belece uma análise comparativa com o tratado de Scamozzi em relação à definição de
arquitecto, às qualidades da madeira de cipreste empregue na construção e, ainda, às
qualidades dos materiais pétreos utilizados na edificação.

93
Introdução

No séc. XVII podemos notar uma notável excepção à recepção ao tra-


tado de Alberti entre nós. Moreira (1989, p. 492) chama a atenção para o
facto de Mateus do Couto-o-Velho (act. 1616-167 6) 164 ter sido "nomeado por
alvará de 1631 'para leer a licção de Architectura que lia Felippe Terçio',
como continuador do ensino italianizante de seu mestre Baltasar Álvares",
um dos responsáveis pela Igreja de São Vicente de Fora em Lisboa que
recapitula, em parte 165, algumas das inovações introduzidas por Alberti para
a igreja de Santo André em Mântua. Quanto ao Tractado De Architectura,
Mateus do Couto-o-Velho segue, também em parte, o modelo albertiano,
chegando mesmo a cultivar o seu nome ("o grande Leo Bape Alberto, a
quem com razão podemos chamar cabeça de todos elles" 166 , op. cit., fol. 4)
e a citar a tradução, assistida por Lozano, do De re aedificatoria de 1582
para Castelhano.
Mateus do Couto-o-Velho organiza o Tractado De Architectura em qua-
tro Livros, sendo o último incompleto, com afiliações tardias à obra de
Alberti, na medida em que foi publicado entre aquela edição de 1582 e a de
1726, em inglês, i. e. no interregno entre o primeiro agrupamento de edições
do tratado de Alberti e o que se lhe seguiu, de maior reflexão crítica 167 •
No primeiro Livro, nos capítulos 1 a 5, define-se o que é a Architec-
tura, que conhecimentos deve ter o arquitecto, o que significa edificar e
como devem ser os sítios para edificar cidades, vilas ou lugares, consti-
tuindo-se, assim, como uma introdução aos restantes tópicos desenvolvidos
no Tractado. Os capítulos 6 a 13 reportam-se às ordens arquitectónicas,
onde é utilizada a terminologia de Vitrúvio, e os 14 e 15 sobre questões
relacionadas com a estabilidade do edificado.

164
Mateus do Couto-o-Velho desempenhou, a partir de 1616, di versos cargos oficiais,
nomeadamente como arquitecto das ordens militares em 1629, de Mestre das Obras dos
paços de Almeirim e Salvaterra, mosteiro da Batalha e província do Alentejo em 1631,
de arquitecto do tribunal do Santo Oficio em 1634 e, ainda, de Assistente das Obras das
fortalezas da barra de Lisboa em 1643 (cf. Bonifácio, 1989, pp. 142-143).
165
A igreja de São Vicente de Fora, além de se apresentar com uma nave abobadada em
forma de berço e com caixotões, exibe três tramos com vãos intermédios precedidos de
um nartex porticado, combinados com pares de pilastras duplas, o que, no seu conjunto,
é evocativo da solução apresentada por Alberti para o interior da igreja de Santo André
em Mântua.
166
Também são citados, comparativamente, Balthazar de Sciena, Bramante, Sangalo,
Urbino, Vinho/a, Sérlio, Paladio e Philibert.
167
Ruão (2006, vol. I, p. 281) considera o Tractado De Architectura de Mateus do Couto-
-o-Velho como sendo o "primeiro tratado de arquitectura português".

94
A Recepção da Arte Edificatória

No segundo Livro, os capítulos 1 a 1O referem-se às dimensões cons-


trutivas das paredes e das fundações, bem como aos materiais utilizados em
obra, os capítulos 11 a 14 sobre os edificios sagrados e não sagrados, rema-
tando-se este Livro com um capítulo, o 15, dedicado aos defeitos e repara-
ções dos edificios. No terceiro Livro, os capítulos 1 a 5, reportam-se a
telhados, tectos, escadas, chaminés, o 7 sobre a ornamentação geral dos edi-
ficios, do 8 ao 10 sobre materiais de construção (madeira, pétreos e ladri-
lhos), o 11 sobre a implantação no terreno. O capítulo 12, no entanto, não
comparece e os restantes, do 13 ao 15, referem-se a pontes.
O Livro IV apresenta, contudo, somente dois capítulos, o que sugere
que o Tractado está incompleto. O capítulo 1 refere-se a questões concep-
tuais e o 2 ao levantar de abóbadas.
Assim, pode-se dizer que neste Tractado De Architectura as temáticas
desenvolvidas por Alberti estão quase todas presentes. O que difere substan-
cialmente é o seu arranjo sequencial, de pendor mais "maneirista". Com
efeito, o Tractado De Architectura abre, no Livro I, com uma introdução
semelhante ao De re aedificatoria, seguindo-se, uma das dimensões da
summa voluptas albertiana, relativa à descrição das ordens arquitectónicas,
que é precedida de uma introdução (Livro I, cap. 6) de "O principal ornato
dos Edificios, querem nossos Mayores q sejao as Colunas", idêntica à pro-
posta por Alberti (Livro VI, cap. 13): "Em toda a arte edificatória o princi-
pal ornamento consiste sem dúvida nas colunas".
Isto sugere que, para Mateus do Couto-o-Velho, aquela dimensão se
apresenta com maior importância hierárquica, à semelhança do tratado de
Alberti, do que as apresentadas nos Livros subsequentes, mais relacionados
com os njveis da necessitas e da commoditas. No entanto, ao contrário do
que se verifica no De re aedificatoria, aquele domínio de resolução formal
precede tanto os capítulos relativos aos materiais e processos construtivos,
como os respeitantes ao destino dado aos edificios.
Apesar da reorganização sequencial das temáticas dos capítulos, em
cada Livro, ser muito menos sistematizada do que a que se verifica no texto
de Alberti, o tratado de Mateus do Couto-o-Velho não só promove o edificar
como uma actividade mental como esta se baseia também no postulado edi-
ficio-corpo e, à semelhança do tratado de Alberti, é apresentado verbis solis,
apesar de a imprensa já estar implantada no reino desde os finais do
séc. XV.
O Livro I, cap. 4, foi. 4, "Em q se declara que couza he edificar e que
couza seja edifício", abre com a afirmação daquela relação: "O Edificar, ou
Edifício não he outra couza, senão formar no pensamento hum corpo mate-

95
Introdução

rial, como qualquer dos rtossos corpos humanos [... ]; E este corpo de q tra-
tamos, ou edificio hé composto de membros, e os que forem dos mais bem
proporcionados, e galantes, melhores serão". Retoma-se, assim, à semelhança
de Alberti, uma diferenciação complementar entre as partes "dos nossos cor-
pos" e reafirma-se, numa releitura tridentina, a relação edificio-corpo da
arquitectura religiosa: "Hum Templo he semelhante ao corpo humano, esten-
dido com braços abertos, de modo q o Corpo humano dos peytos para
baixo, responde ao Corpo do Templo, e os braços delle aos do Cruzeiro, e a
cabeça a Capella mayor" (Livro II, cap. 11, fol. 39).
No seguimento desta afirmação podemos verificar uma identificação
com um dos conceitos centrais na teoria artística de Alberti. Com efeito,
Mateus do Couto-o-Velho (op. cit., fol. 43) refere-se à concinnitas alber-
tiana, designando-a qe "galhardia", no sentido de elegância, ao citar a diver-
sidade dos ornatos e molduras que ocorrem num edificio: "pêro neste des-
concerto de se não parecerem os membros uns com os outros (feitos todos
conforme temos tratado) se acha um concerto que alegra o entendimento e
olhos. A este concerto chama Leo Bapt. Alberto Galhardia, L0 9. Cap. 5. a
qual comprehende dentro em sy todas as proporções".
Ainda no âmbito da lexiografia do séc. XVII e do séc. XVIII podemos
encontrar uma série de significados que se cruzam com os de galhardia e
que ampliam o campo semântico à volta da concinidade albertiana. Bento
Pereira ( 1697) na Prosodia, considera como sinónimos de decor os termos
formosura, gentilesa, bellesa e galhardia e, no Thesouro, publicado na
mesma data, faz equivaler galhardia a elegantia, sugerindo que se consulte,
também, o termo bizarria. Rafael Bluteau (1712-28) no Vocabulario, faz
corresponder a bizarria os termos graça, garbo e gala e, a concinnitudo, os
de bizarria, brio e primor.
No séc. XVIII o termo galhardia é frequentemente usado como sinó-
nimo de elegância. Na verdade, o Juiz de Fora, Bernardo António Soares, ao
dirigir-se a D. Gaspar, Arcebispo de Braga, sobre o plano de obras de 1769,
promovido pela Câmara Municipal de Braga, chama a atenção para a neces-
sidade de se cumprir o que a regulamentação urbana determina para que a
cidade possa apresentar "galhardia e Formuzura" (cf. Capela, 1991, p. 390).
Se bem que o termo galhardia fosse assinalado na poesia galaico-portu-
guesa a partir do séc. XIII, no Cancioneiro de Pêro da Ponte com o signifi-
cado de feito ou gesta de valor 168 , no séc. XVII o mesmo apresenta-se com

16
M "Non vus and'eu per outras galhardias, I mays sempr'aquesto rogarey a Deus" (Ponte,
1992, pp. 93-94).

96
A Recepção da Arte Edificatória

o sentido de elegante, sendo por isso possível que Mateus do Couto-o-Velho


o tivesse adoptado como equivalente a compostura, que é o utilizado por
Lozano (1582, p. 281) na tradução assistida para castelhano do termo con-
cinnitas de Alberti (Livro IX, cap. 5):

Etlo acerca de nos fc Uamara compollura, la qual mifma dc-


zimos que cicrtamcntc cs la confcruadora de toda gracia y hcrmofuu, y d o(
ficio dela compoílura es,las partes que cn otra mancra fon dillinltas entre fi
confiituy Jlas con vnacitrta razó pcrfcfia, dc.fucrtc,q entre fi juntamêtc c.or•
rcfpondan ahazcr la·cofa bclla.

Na verdade, compostura em Castelhano deriva do étimo latino composi-


tura, com o significado "composición en el significado de componer en la
Música; lo mismo que ajuste, concierto y composición; el aseo, adorno y
aliií.o de alguna cosa" (AA.VV., 1729, p. 457) 169 .
No entanto, Mateus do Couto-o-Velho (op. cit., foi. 57), ao referir-se, de
forma genérica, à ornamentação dos edificios, dá como cabeçalho do Cap. 7
do Livro III o seguinte título: "Sobre a compostura em geral dos Edificios",
sem especificar o que entende, de forma precisa, por compostura 170 que é
tomada, simultaneamente, como sinónima de ornamento e formosura, "por-
que todo aquele [edificio] que não está bem ornado e formozo não dexamos
de o aniquilar e dezer mal deli e", bem como de ornamento e graça, "pare-
cerne q não havera pessoa por ignorante q seja q senão deleite m. de ver
edificios engraçados; esta graça so nasce do bom ornamento [.. .]". Ora "gra-
cia y hermosura" são precisamente os termos usados por Lozano (op. cit.,
p. 281) para conceituar a concinnitas de Alberti e para o qual arranja como
equivalente o vocábulo compostura.

169
Ao discorrer sobre Como se ha de vivir con los hombres, na obra Introducción a la
sabiduría (Introductio ad Sapientiam), publicada em Lovaina em 1524, o humanista
Juan Luis Vives (1492-1540) sugeriu que cada atitude humana se pautasse por um rigo-
roso código de conduta para garantir a convivência social. Esse código manifestava-
-se tanto nos cuidados corporais, nomeadamente dos olhos e do rosto, como nas formas
de comer, de beber e de relacionamento social. O seu objectivo era o cultivo da tempe-
rança, da moderação e da compostura, evitando-se todo o excesso de modo a incentivar
uma conduta onde não transparecesse qualquer traço de arrogância. Essa compostura
cedo se difundiu a outros domínios das actividades humanas e transformou-se num ideal
do Renascimento.
170
No âmbito da lexicografia do séc. XVII Bento Pereira (1697), na sua Prosodia , faz cor-
responder concinnitas a compostura, à semelhança do que ocorre na edição em Caste-
lhano, assistida por Francisco Lozano (1582), do tratado de Alberti.

97
Introdução

Em resumo, Mateus do Couto-o-Velho assimila o termo compostura a


graça,· a formosura e ao ornamento dos edifícios o que, presumivelmente, o
leva a arranjar como vocábulo análogo àquele, o de galhardia que, por ser
mais preciso e ainda não ter sido utilizado noutro contexto, pode ser consi-
derado um hipónimo de compostura.
O que é certo é que Alberti, ao discorrer sobre a amizade na obra I libri
della famiglia (IV), utiliza o termo leggiadria no sentido de graça ou ele-
gância: "[ ... ] coh una certa leggiadria e venustà piena di modéstia" e, de
igual modo, no De iciarchia (Livro II), sobre o governo da família, Alberti
usa aquele termo também na mesma acepção: "moita modestia giunta con
leggiadria".
Como vimos, o termo leggiadria é utilizado por Bartoli (1550, Livro
Vl, cap.- 2), na tradução para toscano do De re aedificatoria, como equiva-
lente a concinnitas, com o significado de compostura ou elegância: "La bel-
lezza e un certo consenso, e concordantia delle parti, in qual si voglia cosa
che dette parti si ritrovino, la qual concordantia si sia avuta talmente con
certo determinato numero, finimento, e collocatione, qualmente la leggiadria
cio e, il principale intento della natura ne ri cercava". Assim, a leggiadria
confere à beleza um princípio ordenador .de harmonia ou concordância das
partes, bem como o poder de executar desígnios que não se originam na
natureza.
É muito provável que Bartoli (op. cit.) tenha absorvido este termo das
Vite de Vasari (1550), que distingue claramente a beleza da leggiadria, na
medida em que esta não está sujeita às regras da harmonia proporcional, ao
contrário do que sugere Alberti (Livro IX, caps. 5-6) no De re aedificatoria,
mas a uma beleza de tipo orgânico, mais natural e improvisada. É o que
sucede quando Vasari (op. cit., p. 472) se refere às aptidões musicais de Leo-
nardo da Vinci, como tendo um espírito elevadíssimo e cheio de leggiadria:
"Dette alquanto d'opera alla musica, ma tosto si risolvé a imparare a sonare
la lira, come quello che da la natura aveva spirito elevatissimo e pieno di
leggiadria, onde sopra quella canto divinamente allo improviso" (Estudou
também música, em seguida apren_deu a tocar a lira e, como alguém que
recebeu da natureza um espírito elevadíssimo e cheio de elegância [leggia-
dria ], muito depressa foi capaz de improvisar divinamente cantos).
Neste contexto, as referências que Mateus do Couto-o-Velho faz, ao
abrir o Livro II ( cap. 1, fl. 27), à relação da música com a arquitectura são
esclarecedoras da sua afiliação ao tratado de Alberti: "Porq assi como na
Muzica, vemos, que ha vozes graués, e agudas, e menos graues, e menos
agudas, com .q tem suauidade e proporção aos ouuidos q se requere; e nesta
nossa Architectura tem tanta semelhança com ella, q qualquer couza q dis-

98
A Recepção da Arte Edificatória

crepe aos olhos, logo os offende, com a Muzica q não he certa aos ouui-
dos". Com efeito, trata-se de uma integral adesão aos princípios pelos quais
Alberti (Livro IX, cap. 5) justifica a relação entre música e arquitectura
como fundamento da concinidade: "Os números, pelos quais se faz com que
a concinidade das vozes se tome agradabilíssima aos ouvidos, são os mes-
mos que fazem com que os olhos e o espírito se encham de um prazer
maravilhoso".
Este princípío de harmonia universal é também inteiramente assumido
por Mateus do Couto-o-Velho (Livro II, cap. 13, fl. 42) ao definir "De que
couzas hade constar o Edificio sagrado, e o não sagrado para ser bom [... ]":
"Três são as couzas principaes, q fazerri os Templos, e mais edificios authori-
zados, e bellos. A 1a o numero dos membros; a 2a a forma delles; a 3a o sitio
em q se fabrica", e que correspondem à definição tripartida da concinidade
albertiana (Livro IX, cap. 5), constituída por numerus, finitio e collocatio.
O que é certo é que a partir dos finais do séc. XVI, já no âmbito da
Contra-reforma e da perda de autonomia por parte da Itália, o sentido
daquele termo altera-se profundamente, conforme sugere Mariani-Zini (2004,
p. 704): "la /eggiadria prend plutôt la signification d'une beauté ou l'artifi-
ciel I' em porte sur Ie nature I et devient ainsi I 'une des qualités majeures de
l'homme de cour dans les traités de comportement". Assim, leggiadria passa
a designar a capacidade de construir uma sociabilidade afastada dos confli-
tos políticos, apresentando-se como uma desenvoltura afectada, como se
manifesta no Cortegiano de Baldassare Castiglione (1528), que . circulou nas
principais cortes europeias de então. Neste novo sentido, leggiadria pode ser
entendida como galhardia, com o significado de habilidade, garbo, desen-
voltura.
O Cortigiano de Baltassare Castiglione (III, 59), que e dedicado a
D. Miguel da Silva, bispo de Viseu e embaixador de Portugal junto à Santa
Sé, sugere essa transformação, onde ó social começa a prevalecer sobre o
natural: "Encontrando-se depois alguns oYtros, que não se dignam a amar as
mulheres senão no aspecto, no falar e em todos os movimentos sem levar
em conta ) oda a galhardia, todos os gentis costumes, todo o saber e toda a
graça acumulada como um todo, como um sol composto de todas as exce-
lênCÍas do mundo".
Note-se que a tradução de Juan Boscán em 1534 do Cortegiano de Bal-
dassare Castiglione para Castelhano é considerada como decisiva para a evo-
lução cultural do Renascimento no pais vizinho, sob o domínio dos Áustrias,
acabando por ter ressonâncias na literatura e nas práticas cortesãs dos Siglas
de Oro. Portugal também esteve, a partir de 1580, submetido a esse domínio
e certamente que os ensinamentos do Cortegiano , ao sugerir um novo

99
Introdução

modelo de cortesão, que primava pelas boas maneiras e, implicitamente, se


afastava dos conflitos políticos decorrentes da união dinástica das duas
monarquias Ibéricas sob o mesmo soberano 171 , seria como que um guia de
boa conduta em tempos de resistência tácita a Castela 172 •
Podemos perguntar se foi aqui que Mateus do Couto-o-Velho foi beber
o sentido daquele termo para traduzir a concinnitas albertiana?
No meio destas incertezas, uma certeza, o termo galhardia, em portu-
guês contemporâneo, está ausente da literatura artística nacional, o que sig-
nifica que a sua aceitação introduziria, por proximidade com outras práticas
ou saberes, sentidos diversos ou não coincidentes daqueles sugeridos por
Alberti para concinnitas.
Também, em relação ao entendimento do termo lineamenta Mateus do
Couto-o-Velho (Livro I, cap. 4) afirma que o edificado contém "em sy
forma, distribuição e materiais ou achegas. Forma chamamos a figura de
todo elle. Distribuição chamamos a compozisão dos membros [... ]; Materiais
ou achegas chamamos a pedra, cal, madeira e mais couzas de q he com-
posto", o que indica que o termo lineamenta, na sua contraposição e com-
plementaridade ao de structura, pode ser entendido, em língua portuguesa
coeva, por forma e distribuição.
Contudo, estes termos apresentam-se em português actual como hiperó-
nimos, com um alargado campo semântico sendo, por isso, susceptíveis de
não precisarem a noção dos lineamenta de Alberti. Em decorrência, na lei-
tura actual do tratado em vernáculo, aquele conceito poderá, se aqueles
vocábulos forem usados como equivalentes, passar despercebido.
É neste sentido, que podemos dizer que, neste caso, a herança do patri-
mónio da cultura arquitectónica portuguesa no séc. XVII se traduz na impos-
sibilidade de utilizar, na contemporaneidade, os termos sugeridos por Mateus
do Couto-o-Velho, o mais albertiano dos tratadistas portugueses 173 , tanto
para lineamenta como para concinnitas.

171
Assinale-se que "A independência política de Portugal não foi juridicamente afectada
com a união dinástica. Mas no séc. XVI ainda não se distinguia com clareza o que era
Estado e o soberano desse mesmo Estado. Daí decorreu uma alteração profunda em Por-
tugal, na ordem internacional. Portugal deixou de contar" (Magalhães, 1993, p. 568).
172
A ascendência do Cortegiano de Baldassare Castiglione na literatura peninsular é signi-
ficativa, nomeadamente na Corte na Aldeia ( 1619) de Francisco Rodrigues Lobo, que
diz ter nascido, ao dar voz contra a absorção castelhana, "em idade em que já a de Por-
tugal era acabada".
173
Para uma resenha dos tratados de arquitectura portugueses deste período veja-se Moreira
( 1989, p. 492-494) e Ruão (2006, vo!. I, pp. 131-31 0).

100
A Recepção da Arte Edificatória

Ainda em meados do séc. XVII, neste período de ausência de novas


edições do tratado de Alberti, floresce uma leitura, tanto laudatória como
crítica, que indica uma mudança de orientação da recepção à sua obra. É o
que sucede tom o Paralléle de l 'architecture antique et de la moderne de
Roland Fréart de Chambray 17\ publicado em 1650 e considerado um dos
primeiros manifestos do classicismo francês que abre a "querelle des
Anciens et des Modernes" (Fichet, 1979, p. 102). Neste tratado, Fréart siste-
matiza de forma comparativa os principais autores que escreveram sobre as
cinco ordens: Palladio, Scamozzi, Sérlio, Vinho1a, Barbaro, Cataneo, Bullant,
Delorme e, bem entendido, A1berti.
Fréart critica a libertinagem dos Modernos, que rejeitam a imitação
como sendo um trabalho de aprendiz, e promove a aceitação de regras que
proponham a racionalidade da beleza pelo estudo dos modelos antigos.
Neste sentido, a avaliação sobre a obra de A1berti é, indiscutivelmente, apo-
logética ao afirmar que este "é o mais antigo de todos os modernos e talvez,
ainda, o mais sábio na arte de edificar, como se pode avaliar por um exce-
lente e vasto volume que fez, onde mostra aprofundadamente tudo o que é
necessário a um arquitecto saber" (Fréart de Chambray, op. cit., p. 21 ).
No entanto, Fréart é, assumidamente, crítico em relação às ilustrações
introduzidas por Bartoli na edição de 1550, como vimos anteriormente,
como sucede com o capitel coríntio, que é considerado mais de acordo com
o ordenamento de Vitrúvio (IV, 1, 12), na medida em que apresenta uma
série de folhas de acanto, ausente na descrição de Alberti (Livro VII, cap. 8),
que brotam dos caulículos e apoiam as volutas daquele capitel. Fréart de
Chambray (op. cit., p. 28) em relação ao capitel dórico, descrito por Alberti,
chega mesmo a criticá-lo ao nível do gosto, e não somente da sua represen-
tação, pois considera-o "tout gothique". Com efeito, Fréart de Chambray
(op. cit., p. 28) conclui que na verdade não pode "desculpar aqui este mau
gosto e esta composição tão desgraçada, mesmo que ele [Alberti] pretenda
tê-la visto nalguns fragmentos antigos".
Ainda, nos finais do séc. XVII, Louis Blondel (1685, p. 346), na obra
L 'architecture française des batiments particuliers [.. .], faz eco das aprecia-
ções críticas de Fréart de Chambray: "O Livro de Leon Battista Alberti é
considerado o melhor após o de Vitrúvio, no que se refere ao edificio no seu
todo, à sua solidez e aos seus detalhes. É pena que os desenhos sejam tão

174
A obra Paralléle de l'architecture [ ... ] de Fréart de Chambray (1606-1676), que compara
a arquitectura antiga com a modema, é considerada como uma das primeiras manifesta-
ções do classicismo francês na literatura artística do séc. XVII, onde predomina a siste-
matização de regras sobre a criatividade individual.

101
Introdução

grosseiros, tão secos e tão Góticos e que tenha proporcionado tão mal algu-
mas das suas ordens de arquitectura".
Estas apreciações sobre a sistematização das ordens· em Alberti abrem
espaço para uma interpretação menos apologética da sua obra. Assim, poste-
riormente à publicação do Pa,ralléle de l 'architecture antique et de la
moderne de Fréart de Chambray, surge um segundo agrupamento de edições
do tratado, desde a edição em inglês, de 1729 até à italiana de 1847 corres-
pondendo, aproximadamente, a um período que vai do neopaladianismo, em
Inglaterra, até ao final do neoclassicismo no continente Europeu, onde os
comentários passam a ser, se bem que de forma oscilante, gradualmente
mais críticos.
Com efeito, é neste período que é publicada a obra póstuma de Guarino
Guarini (1737, I, 3), Architettura Civile, escrita após 1678, onde se adopta a
distinção albertiana entre concepção do projecto e execução da obra. Apesar
de Guarini admitir que a .arquitectura se baseia nas matemáticas, trata-se de
"[ ...] uma arte da sedução, cuja finalidade não é defraudar o espírito por
motivos ligados meramente à razão: assim, mesmo que muitas das suas
regras sigam os caminhos da razão, quando os seus resultados não agradam
à visão, aquelas devem ser alteradas, ignoradas ou mesmo contraditadas
[ .. .]" .
Isto significa que o arquitecto tem por obrigação rectificar as normas
oriundas das harmonias musicais, a fim de poder preservar a aparência das
proporções, como sucede com as correcções ópticas das ordens arquitectóni-
cas, situadas em planos oblíquos, que tiram partido dos meios de circulação
vertical para a composição espacial do edificado, contrariamente à imple-
mentação moderada destes recursos, anterioqnente sugerida por Alberti
(Livro IX, cap. 2). Assim, advoga-se tanto a liberdade de concepção, como
se sugere a criação de novos efeitos visuais, que subordinam os sistemas
proporcionais às leis da perspectiva cenográfica. .
Ainda neste período, em 1756, Francesco Algarotti publica o Saggio
sopra L 'Architettura que, do mesmo modo que Cario Lodoli 175 , como nos
lembra o seu discípulo Andrea Memmo, pretendia também fazer "entrare la
logica nell'architettura". Com essa finalidade Algarotti propunha que a arqui-

175
O Saggio sopra l 'A rchittettura devia ser a exposição fiel das ideias do monge francis-
cano Carl o Lodo li ( 1690-1761 ), que reafirma a correspondência entre representação e
função, bem como sobre a verdadeira natureza dos materiais, compilada nos Gli Ele-
menti di architettura lodoliana pelo seu comentador Andrea Memmo e publicada, em
Roma, em 1786.

102
A Recepção da Arte Edificatória

tectura estivesse sujeita "ai piu rigoroso esame della ragione" e, consequen-
temente, exprimisse a função para que tinha sido concebida.
O Saggio de Algarotti (op. cit., p. 9) começa com a seguinte abertura:
"Molti e vari sono gli abusi che per una o per altra via entrarono d'ogni
.· tempo in qualunque sia generazione di arti e di scienze", evocativa do Pró-
logo do De re aedificatoria, mas com uma substancial diferença. Enquanto
para Alberti o legado dos antepassados proporcio~ava uma "vida agradável e
feliz", para Algarotti o que sucedia no seu tempo, era a manifestação dos
abusos em qualquer arte ou ciência.
As referências implícitas à autoridade dos antigos, a Vitrúvio e a
Alberti, a estes gravissimi autori, percorrem o Saggio, 'chegando mesmo
Algarotti a fazer uma citação explícita a Alberti sobre as propriedades da
resistência da madeira: "Nel legno la forza ch'essa ha di resistenza e
appresso a poco proporzionale ai suo peso, como asseri Alberti" (Algarotti,
op. cit., p. 16) 176 ; bem como dos materiais pétreos: "e medisimamente la
pietra vogliono, che quanto e piu grave tanto sia ancora piu salda" (idem,
op. cit., pp. 16-17) 177 •
É também no séc. XVIII que Francesco Milizia, um dos precursores do
racionalismo contemporâneo e crítico do seco/o della oizzaria barroca, faz
uma recensão do tratado Da Arte Edificatória nas Memoire degli Architetti,
publicado em 1781, comp sendo uma "obra notável mas sobrecarregada com
uma desnecessária erudição" (Milizia, op. cit., p. 200), complementada pela
franca oposição às teorias proporcionais de Alberti, desenvolvidas na obra
Principi di Architettura Civil, também publicada no mesmo ano: "seria de
facto muito conveniente se toda a beleza [ .. .] pudesse ser reduzida a pro-
porções harmónicas. Neste caso, cada arquitecto teria de saber não só
música, mas ser capaz de a aplicar aos seus edificios, e todo o artista dese-
joso de fazer algo agradável teria de atender às aulas dos músicos de capela
que seriam os nossos mestres universais" (idem , op. cit., p. 264), para acres-
centar, na Le vite de 'piu celebri architetti d 'ogni nazioni e d 'ogni tempo,
publicada em 1768, que o "gosto de Alberti na decoração das ordens não é
o mais refinado, e mostra os tempos obscuros em que emergiu. O seu capi-
tel Dórico é quase Gótico, do mesmo modo que o Coríntio, que apresenta
somente nove diâmetros em altura. Mas ' o mais estranho é que nesta ordem
não comparece o lacrimal" (Milizia, 1768a, p. 196).

176
"E de facto a madeira pesada é toda ela mais espessa e mais dura do que a leve; e tanto
mais frágil quanto mais leve; e tanto mais sólida quanto mais nodosa" (Livro II, cap. 7).
177
"Uma pedra ordinária será tanto mais dura quanto mais porosa; e a que, aspergida com
água na parte superior, demorar mais tempo a secar, será mais bruta" (Livro II, cap. 8).

103
Introdução

Milizia estrutura, tanto nas Memoire como nos Principi, as dimensões a


que a arquitectura deve satisfazer, em sucessão inversa: da beleza, da como-
didade e da construção, mostrando ainda uma afiliação estrutural à apresen-
tada no tratado de Alberti, sugerindo, também, um conceito de ordem como
sendo resultante da concatenação das partes, muito próximo ao do sistema
da coluna proposto por este autor 178 • Apesar disso, o que é notável na apre-
ciação crítica das suas obras, tanto construídas como escritas, é que marca o
fim de uma tradição para as citar de forma exclusivamente encomiástica.
Desde então, apesar de Milizia considerar Alberti "como o principal res-
taurador da arquitectura antiga, restabelecendo-a de forma feliz, tanto em
teoria como na prática" (Milizia, op. cit., p. 192), a sua obra fica sujeita ao
escrutínio de uma reflexão crítica mais contemporânea.
É neste período que, em 1753, o abade Laugier publica, em Paris, o
Essai sur I 'architecture, onde defende que a grandeza das ordens arquitectó-
nicas descende da cabana primitiva, sugerindo uma arquitectura sem paredes
que iria ser programati~amente adoptada posteriormente pelo neoclassicismo.
Neste Essay, Laugier dedica o cap. III à arte de construir, desdobrando-o em
três partes que se reportam à construção, à comodidade e à bienséance dos
edificios, retomando os temas desenvolvidos por Alberti sobre a beleza:
"bienséance solicita que um edificio não seja nem mais nem menos magni-
ficente que a apropriada ao seu destino, isto é, que a decoração dos edificios
não deve ser arbitrária, mas ser sempre de acordo com o nível e as caracte-
rísticas dos que os habitam e conforme aos propósitos que se prevêem"
(Laugier, op. cit., p. 90).
Esta noção de beleza apresenta duas dimensões que estão presentes em
Alberti. A beleza cultural associada à noção de decorum e a orgânica a uma
harmonia, criada pela natureza, em concomitância com a adaptação, do edi-
ficado, às suas funções, sugerindo Laugier que a primeira se deve sempre
submeter à segunda.
Nos finais do séc. XVIII e princípios do XIX, entre nós e em pleno
período de reflexão critica sobre a obra de A1berti, Cirilo Wolkmar Machado
(2002) escreveu um Tratado de Arquitectura & Pintura 179 profusamente ilus-
trado que se configura como uma interpretação crítica que resultou de uma
recompilação comparativa de "um grande número de autores de Arquitectura

178
"Ordine [ ... ] una serie di parti contigue di un medesimo tutto, ciascuna legata alie
vecine" (Milizia, 1781 b, I, p. 317).
179
Cirilo Wolkmar Machado (1748-1823) provavelmente escreveu o Tratado de Arquitec-
tura & Pintura entre 1796 e 1808.

104
A Recepção da Arte Edificatória

[... ] que [... ] poderia ser útil aos principiantes, e servir também como pron-
tuário aos mais avançados".
Cirilo (op. cit., fi. 1) apesar de ser considerado "o primeiro historiador
da Arte português" (Gomes, 1992, p. 15), de ter uma formação como pintor,
de ser o autor de um imenso número de pinturas decorativas e de ter ela-
borado os projectos, não construídos, para o palácio da Relação e Cadeia
(c. 1795), bem como para o remate oriental do Palácio da Ajuda, hierarquiza
desfavoravelmente o De re aedificatoria: "Leão Baptista Alberti Florentino
vivia em o 14. 0 século, escreveu 3 livros sobre pintura e scultura e 10 sobre
Architectura que se estimao abaixo de Vitruvio, hera pintor".
De forma algo paradoxal, Cirilo Wolkmar Machado (1793), nas refle-
xões sobre as inconveniências da Architectura, aparenta ter plena compreen-
são da actividade mental do arquitecto, chegando mesmo a lamentar como
este tem sido desprezado em favor do mestre construtor: "os melhores pen-
samentos de hum architecto são mentaes, expressos se fazem visíveis pelo
dezenho. A obra que executa um mestre he palpável - e a ignorância que he
cega reputa naturalmente por nada o que não vê e por tudo o que palpa e
troca; daqui nasce que se gasta muito e com gosto no material quando ape-
nas e com hum desgosto se dá alguma coisa a quem faz o dezenho, que se
preza muito o mestre e que se despreza assaz o architecto" 180 •
Contudo, Cirilo (op. cit., fi. 43) no seu Tratado de Arquitectura & de
Pintura, ao -descrever as ordens arquitectónicas, censura as propostas de
Alberti quando comparadas com as de Vitrúvio e de Palladio: "Os profiz em
italiano sacoma são os contornos ou talhos das molduras, Vitruvio as fez
secas e sem graça: Alberti e Sérlio seus imitadores forão mesquinhos.
Vinhola ao contrario e sobretudo Paladio tem tido uma maneira mais grave
mais grande e mais elegante porque seguirão antes o antigo Vitruvio".
Além disso, o conhecimento de Cirilo (op. cit., fi. 7) sobre Alberti é
introduzido, em algumas partes do Tratado, em 2.a mão, via Palladio: "Nas
Praças, a altura dos edificios não sejão mais de 1/3 nem menos do 6. o da
largura da Praça. Leão Baptista Alberti citado por Paladio [... ]", o que não
abona em favor de uma crítica mais autónoma.
O que o Tratado de Cirilo e aquelas reflexões sugerem, para além do
seu pensamento oscilante entre o favorecimento da actividade mental do
arquitecto e a explícita censura a Alberti, é a dificil penetração que as ideias
deste tiveram nesse período e no país na medida em que "[ ...] se preza
muito o mestre e que se despreza assaz o architecto" (Cirilo Wolkmar
Machado, op. cit., fi. 7).

JHo Reproduzido em Gomes (1992, p. 16).

105
Introdução

Ainda no último quartel do séc. XVIII, Quatremere de Quincy inicia a


publicação do Dictionaire de l 'architecture onde sugere a distinção de três
tipos de teoria da arquitectura que designa, respectivamente, por metafisica,
didáctica e prática. A primeira refere-se ao conjunto de regras essenciais pre-
sentes no exercício disciplinar, a segunda inclui predominantemente conheci-
mentos sobre a prática da arquitectura registado nos tratados e manuais e,
por último, a terceira, reporta-se aos aspectos mais pragmáticos da arte "'de
construir. É, fundamentalmente, em relação à primeira dimensão que pode-
mos considerar uma afiliação, bastante próxima, entre o texto de Quartemére
e o de Alberti, principalmente pela maneira como a arquitectura deve ser
pensada, melhor, de como "1' essence de 1'Architecture, la nature des ses
moyens, ses rapports avec les sens, l'.entendement et le gout" (op. cit, p. V)
podem ser explicitadas para se entender a relação entre, por um lado, a natu-
reza e as suas leis e, por outro, as convenções e a sua adopção, nomeada-
mente pela distinção entre modelo e tipo, bem como entre cópia e imitação.
Esta orientação afilia-se às linhas de pensamento sugeridas por Alberti, prin-
cipalmente pela maneira de como este apresenta a inovação do exercício dis-
ciplinar face à tradição, mediadas pela assimilação, acomodação e transfor-
mação do legado clássico.
Também, em 1849 e 1851, John Ruskin publica em Londres, respecti-
vamente, The seven lamps of architecture e The stones of Venice e Eugene-
Emmanuel Viollet-le-Duc traz a lume, em Paris, em 1863-1876 e 1872, os
Entretiens sur l'architectwe, bem como o Dictionaire d'architecture. Estes
autores apresentam novos caminhos sobre a intervenção no património bem
como sobre a questão da resolução estrutural na edificação desenvolvendo,
neste contexto, a problemática do valor histórico atribuído aos monumentos
antigos. Esta questão foi inicialmente levantada por Alberti, ao longo do tra-
tado, pela análise da arte edificatória na Antiguidade romana bem como pelo
relato sobre a reparação dos edificios, desenvolvido no Livro X (cap. 16;
cap. 1), originada tanto pela "negligência e a incúria dos homens", como
pelo "tempo pertinaz, destruidor das coisas" 181•
As orientações de Alberti sobre a conservação de obras do passado evo-
cam, de forma singular, as que Ruskin ( 1848 e 1851) defendeu, volvidos
quase quatro séculos, após a redacção manuscrita do De re aedificatoria.
Com efeito, Alberti (Livro III, cap. 1) ao referir-se à nova implantação do

181
De acordo com Choay (2006, p. 13) a influência de Alberti em Viollet-le-Duc deve-se à
mediação de Quatremere de Quincy, pois aquele autor não é citado em qualquer obra de
Viollet, nem nenhuma obra sua está presente no espólio literário deste último.

106
A Recepção da Arte Edificatória

edificado em sítios construídos afirma que "é, sem dúvida, vergonhoso não
poupar as obras dos antigos, nem respeitar as vantagens de que os cidadãos
usufruem, acostumados aos lares dos seus antepàssados; pelo que, destruir,
demolir e arrasar completamente o que quer que seja, em qualquer parte,
deve ser uma opção a pôr de lado, sempre. Por conseguinte, eu gostaria que
se conservassem intactas as construções antigas, sempre que não seja impos-
sível levantar uma nova sem as destruir". Em resumo, tanto Ruskin como
Alberti defendem, de forma simultânea, tanto o respeito pelas obras do pas-
sado, face às inovações introduzidas no edificado, como uma clara distinção
entre comodidade e beleza (commoditas e pulchritudo ), que são definidas
pelas características que um edificio deve possuir e que Ruskin (1851, p. 35)
designou de virtudes arquitectónicas: a) "que tenha um desempenho correcto
e que seja útil da melhor forma possível"; b) "que se exprima correctamente
e que expresse tudo aquilo para que foi construído com as melhores pala-
vras"; c) "que tenha bom aspecto, que a sua presença agrade, qualquer que
seja o que tenha a exprimir".
A primdra virtude refere-se à utilidade que o edificado deve apresentar,
que se associa à commoditas albertiana; a segunda, àquilo a que Ruskin
designou de retórica arquitectónica, o que mostra, à semelhança de Alberti,
o entendimento da participação de figuras de eloquência no acto da concep-
ção arquitectónica e, por último, a terceira virtude que se reporta à noção de
beleza, a pulchritudo que a obra edificada deve sempre mostrar, indepen-
dentemente do seu destino.
Não deixa de ser paradoxal que Ruskin (2000, p. 25) chame a atenção .
para estas três dimensões, profundamente enraizadas na cultura arquitectó-
nica do Renascimento, mas a que faz alusão depreciativa face aos revivalis-
mos regionais, como sendo decrépita: "É em Veneza, por conseguinte, e
somente em Veneza, onde puderam chegar os golpes efectivos desta arte
pestilenta do Renascimento".
Também Viollet-le-Duc no Dictionaire d'architecture (1995, p. 307)
refere-se à questão da unidade em arquitectura, de forma semelhante à con-
cinidade albertiana: "em toda a concepção da arte, a unidade é certamente a
lei principal, a partir da qual todas as outras derivam. Em arquitectura, esta
lei é ainda talvez mais imperiosa do que nas outras artes do desenho, pois
que a arquitectura agrupa todas essas artes para compor um conjunto [ ... ]"
o que mostra, uma vez mais, que aquele conceito está profundamente enrai-
zado na cultura arquitectónica ocidental desde o Quattrocento.
Ainda no séc. XIX, surge outro entendimt(nto do tratado de Alberti no
ambiente nacionalista que caracterizou a primeira metade desse século, prin-
cipalmente no âmbito do classicismo romântico, que oscilou entre a reminis-

107
Introdução

cência de um passado que se baseou nas regras da arte edificatória e a


expressão visionária de um futuro que se projectou como clássico, na esfera
do qual podemos encontrar tanto as obras K. F. Schinkel ( 1781-1841 ), como
a edição italiana de 1833 do tratado de Alberti, anotado por Ticozzi, que se
refere, na respectiva nota editorial, à inclinação patriótica do seu autor:
"para isso devemos acrescentar que o grande amor que ele teve pela sua
pátria não permitiu que seguisse o exemplo dos estrangeiros, ou que tole-
rasse aqueles Italianos que admitiam que a Itália fosse pobre em obras de
arquitectura".
Ticozzi (op. cit., pp. IX-XIX) chega mesmo a fazer longas citações, de
autores italianos consagrados, tiradas da dedicatória de Ângelo Poliziano
(1485) a Lourenço de Medieis, bem como dos comentários de Cristoforo
Landino ( 1481) sobre a Divina Comédia de Dante Alighieri e, ainda, das
Vite de Giorgio Vasari (1550), para enquadrar, no proémio, a sua "Vita di
Leon Battista Alberti", sublinhando, uma vez mais, a sua erudição e a con-
tribuição que as suas obras de arquitectura deram para diversas cidades da
Itália, "cominciando da Firenze sua patria".
Nesta Vita, Ticozzi (op. cit., p. XIX) afirma que Alberti foi "piu avido
di gloria eh e di richezze e di onori [ ... ] ma fu sempre ono rato gentiluomo,
liberale, cortese ad amico de' virtuosi" i.e., "con i piu illustri scienziatti del-
l'età sua, che tutti lo amavano per le sue scientifiche e morali virtti", men-
cionando, por fim, nesta apologia a data de publicação impressa do tratado
após o seu falecimento: "manco Leon Battista Alberti alta gloria d'Italia nel
1485, pieno d'anni e di gloria".
É precisamente nesse período, como vimos, que é editada por Anicio
Bonucci, em 1847, o volume IV das Opere Vulgari de Alberti com a tradu-
ção dos três primeiros Livros do tratado. Estas Opere abrem com um "argu-
mento di ammirazione", escrito por Melchiorre Missirini onde, sob a forma
de panegírico, é retratada a produção literária e artística do autor.
Estas duas últimas edições italianas do tratado mostram que o período
de reflexão crítica tinha chegado ao seu epígono e que, de forma oscilante,
a obra de Alberti, desde essa altura até aos inícios do séc. XX, acabaria por
ser objecto de interpretações algo contraditórias ou, então, remetida para o
completo esquecimento.
Com efeito, na segunda metade do séc. XIX e anteriormente à edição
alemã de Theuer de 1912, o entendimento sobre Alberti reporta-se, como
assinala Borsi (op. cit., p. 254), a uma atitude de reserva pela incapacidade
de resolução dos problemas artísticos colocados no panorama cultural do
séc. XV, que somente viriam a ser resolvidos no século seguinte. Este olhar,
em tempos de eclectismo, incluiu todo o passado e não selectivamente uma

108
A Recepção da Arte Edificatória

parte do mesmo, diluindo-se, assim, o contributo de Alberti no seio dos mais


variados revivalismos.
Assinale-se, a este respeito, que a monumental obra de Owen Jones,
intitulada The Grammar of Ornament e publicada em 1856, considerada de
referência no âmbito das artes decorativas e da arquitectura, apresenta um
levantamento dos princípios dos arranjos das formas e da cor, bem como
uma concatenação exaustiva dos motivos ornamentais passados, desde as tri-
bos selvagens até ao ornamento italiano, para concluir com um estudo sobre
diversas composições florais.
É significativo que Jones (op. cit., p. 136), após citar Vitrúvio e Alberti,
se refira às diferenças do ornamento italiano do séc. XV, quando comparado
com o do séc. XVI, nestes termos: "in the Renaissance styles of the fifteenth
century the artist's attention had been mainly directed to the imitation of
ancient omament; in the sixteen century, however, it was principally the res-
toration of ancient proportions, both of five orders and architectural
symmetry generally, that engaged the designer's attention", para concluir
"those arts that in the fifteenth century had been so frequentely united in the
persons of the maestri, under whom great monuments had been carried into
execution, in the sixteenth became individualised".
Esta leitura, de algum modo enviesada, do séc. XV em Itália, mostra o
lugar secundário em que foi implicitamente colocada a obra construída de
Alberti, sobre a qual não restam dúvidas sobre a sua individualizada autoria
intelectual e, em particular, ao tratado que se refere, de forma especifica e
aprofundada, à questão do ornamento na arte edificatória (Livros VI a IX).
O último grupo de edições do tratado, reporta-se ao espaço entre a
publicação de 1912, em alemão, até à de 2010, em italiano, correspondendo,
também de forma aproximada, a um período que vai dos alvores do Movi-
mento Moderno ou do preto-modernismo até à condição pós-modema, já
numa fase de maior maturidade.
Neste grupo, ao contrário dos anteriores, pode-se verificar que as edi-
ções são publicadas, além do Japonês, em todas as línguas europeias que
deram estampa ao De re aedificatoria e não somente naquelas que se apre-
sentam com uma origem predominantemente românica, o que sugere que
uma recepção abrangente, ao tratado de Alberti, se verifica na contempora-
neidade (vide Tabela 1).
A ruptura introduzida pela grande guerra de 1914-1918, a que se
seguiu, de forma concomitante, o surgimento das vanguardas artísticas é
assinalado, também, por uma série de eventos dos quais se pode destacar a
publicação por Le Corbusier-Saugnier do Vers une Architecture, em 1923 em

109
Introdução

Paris, bem como aos "Les 5 Points d'une Architecture Nouvelle" , assinado
por Le Corbusier e Pierre Jeanneret e divulgados a partir de 1927.
Estes cinco pontos para uma nova arquitectura de Le Corbusier e Pierre
Jeanneret (Le Corbusier, 1929, pp. 128-9) afiliam-se a alguns dos descritores
definidos por Alberti (Livro I, cap. 2), isto é, a termos que servem para
identificar, descrever e sistematizar conceitos globalmente estruturadores da
edificatória. Com efeito, dos seis descritores sugeridos por este autor para
ordenar o discurso disciplinar: a regia , a area, a partitio, a paries,' o tectum
e a apertio (a região, a área, a compartimentação, a parede, a cobertura e a
abertura), os cinco últimos revêem-se, em oposição, às desenvolvidos por Le
Corbusier: les pilotis, le plan libre, la jàçade libre, les toits·-jardins e la
fenêtre en longueur.
Dissemos em oposição na .medida em que, como observa Oechslin
(1987, p. 85), o texto original sobre "Les 5 Points d'une Architecture Nou-
velle", assinado por Le Corbusier e Pierre Jeanneret, foi enviado a Alfred
Roth, que o traduziu e publicou em 1927 em Stuttgard 182, onde se pode ler
que "II ne reste plus ~ien de l'architecture ancienne" (cf. Oechslin, 1987,
p. 88), o que é omitido no texto incluído na Oeuvre Complete publicado em
1929. AC+Pela interpretação inicial dos 5 Points em estilo de "manifesto",
suavizada nesta última edição, sugere um confronto irredutível entre a arqui-
tectura antiga e a Architecture Nouvelle defendida por Le Corbusier e Pierre
Jeanneret.
O único dos -seis descritores citados por Alberti e que Le Corbusier e
Pierre Jeanneret não reportam aos 5 Points é a região, que também se apre-
senta de forma distinta na confrontação entre a arquitectura antiga e a nova.
Com efeito, Alberti define a região como sendo a extensão circundante e o
aspecto do terreno onde se vai construir, a que corresponde uma deslocação
de concejtos logo no ponto 1 de La Charte d'Athenes, cuja redacção é atri-
buída a Le Corbusier - Villeneuve .(1943 , p. 75) 183 : "La ville n'est qu'une
partie d'un ensemble économique, sóciat et politique constituant la région",
o que sugere uma mudança decisiva de escala para o termo equivalente,
confirmada pela racionalidade cartesiana na implantação dos seus edificios e

182
Publicado com o título "Zwei Wohnhãuset von Le Corbusier und Pierre Jeanneret", em
1927, por Wedekind & Co., Stuttgard, e reproduzido em Oechslin ( 1987, pp. 86-89).
183
Le Corbusier em 1941 - 42 realizou diversas maquetes para o frontispício de La Charte
d 'Athenes e as explicações que acompanham os artigos foram redigidas pelo primeiro
delegado da França aos CIAtv1 (i.e. o próprio Le Corbusier), bem como por Jeannne Vil-
leneuve, baronesa de Aubigni (La Charte d 'Athenes, 1943, p. 239) . A ausência, neste
manifesto, do nome de Le Corbusier deve-se à sua proscrição durante a ocupação da
França (cf. Smet, 2007, pp. 72-74; 188-189).

110
A Recepção da Arte Edificatória

conjuntos edificados, de que talvez o exemplo mais paradigmático se reporte


ao Plan Voisin (1922-29) para Paris, onde propõe a demolição de parte do
seu tecido urbano consolidado.
Para os restantes termos, Alberti (Livro I, cap. 2) define a área corno
um espaço da região, delimitado de forma precisa, destinado à construção do
edificio, o que sugere a presença de alguma forma de ernbasarnento contínuo
para as paredes portantes assentarem no terreno ( cf. Livro III, cap. 2),
enquanto Le Corbusier e Pierre Jeanneret contrapõem os pilotis, cuja carac-
terização passa por urna diferente conceituação, conforme podemos verificar
no texto original: "Au lieu d'adrnettre les anciennes fondations soutenant l'é-
difice sans controle précis, les anciens rnurs sont replacés par des pilotis, et
la fondation de chaque piloti est calculée exacternent d'aprés la charge qui
lui est transrnise" (cf. Oechslin, 1987, p. 86).
Alberti também define a compartimentaÇão corno sendo a divisão da
área total _de construção em áreas menores, a que está invariavelmente asso-
ciada urna ideia de planta paralisada, a que se contrapõe a noção de plan
libre de Le Corbusier: e Pierre Jeanneret, que requer um espaço fluído e fle-
xível para se realizar: "II n 'y a plus de rnurs portants, il y a des rnernbranes
légeres et touts les étages sont différents les uns .des a.utres" (cf. Oechslin,
1987, p. 87).
Também, a parede para Alberti corresponde a toda a estrutura que se
levanta do terreno para suportar as cargas das coberturas, enquanto a façade
libre solicita urna envolvente construtiva ligeira não portante: "II n'y a plus
aucune parti e portante en façade' ~ (cf. Oechslin, 1987, p. 88), dado que "Les
façades ne son plus que des rnernbranes légeres des rnurs isolants ou des
fenêtres" (Le Corbusier, 1929, p. 128).
De forma semelhante, para Alberti a cobertura corresponde não só à
parte mais elevada do edificio que intercepta a chuva, corno a toda protec-
ção por cima da cabeça de quem se desloca, enquanto para Le CorbÚsier e
Pierre Jeanneret os toits-jardins apresentam urna finalidade distinta, na
medida em que sugerem urna utilização em terraço para •esta parte do edifi-
cio: "[ ... ] le jardin est aussi sur la rnaison, sur le toit. [... ] Le toit ne doit etre
plus en bosse mais en creux" (Le Corbusier, 1929, p. 128), com o objectivo
de, ao serem aceites de forma generalizada, recuperarem "la totale superfície
d'une ville" (cf. Oechslin, 1987, p. 87).
Por último, as aberturas para Alberti correspondem a tudo aquilo que
possibilita o ingresso e saída a pessoas e objectos ou que faculta o mesmo
para a luz e o ar, o que implica, para paredes portantes, urna sucessão de
nernbos e vãos, enquanto para Le Corbusier e Pierre Jeanneret a Jenêtre en
longueur rasga, sem solução de continuidade, a superficie parietal: "Les

111
Introdução

fenêtres peuvent courir d' un bord à l' autre de la façade" (Le Corbusier,
1929, p. 128).
Ainda em 1927 Le Corbusier publica na revista L 'Architecture Vivante,
com algumas alterações, estes 5 Points no artigo " Ou en est l'architecture?",
onde afirma a "recherche de l'invariant" para inter-relacionar as questões
colocadas pelo projecto em arquitectura com as dimensões teóricas codifica-
das nestes pontos, o que sugere que os mesmos possam ser entendidos como
predicados dos mesmos universais.
Se para Le Corbusier e Pierre Jeanneret "11 ne reste plus rien de l'archi-
tecture ancienne" isso deve-se, em' grande parte, à contraposição que fazem,
de forma sistemática e radical, às dimensões conceptuais estabelecidos por
Alberti no séc. XV, o que significa que esta transformação não deixou de
caracterizar, no âmbito da teoria da arquitectura no ocidente, uma "imagem
móvel da eternidade" 184 , na medida em que a estrutura profunda de ambas as
concepções apresentam as mesmas coordenadas de referenciação. Por outras
palavras, se bem que nesta metamorfose, sabiamente introduzida por Le Cor-
busier e Pierre Jeanneret, tudo tenha aparentemente mudado, nada realmente
se perdeu 185 em relação às invariantes inicialmente delineadas por Alberti 186 •
Estas transformações invariantes não se resumem, no entanto, somente
às distinções entre os 5 Points face aos descritores da edificatória sugeridos
por Alberti.
Com efeito, Le Corbusier-Saugnier (1923) referem que "L' architecture a
un outre sens et d'autres fins que d'accuser des constructions et de répondre
à des besoins (besoins pris dans le sens, sous-entendu ici, d'utilité, de con-
fort, d' agencement pratique). L' ARCHITECTURE, c'est l'art par excellence,
qui attaient à l'état de grandeur platonicienne, ordre mathématique, spécula-
tion, perception de 1'harmonie par des rapports émouvants" (p. 86), obtida
pela ordonnance, isto é, pela "hiérarchie des buts, la classification des inten-
tions" (p. 143); "Mais attention, l'architecture n' est pas que d' ordonnance"
(p. 126).
Estas considerações não deixam de ser evocativas da noção de concini-
dade, bem como da intransitividade entre beleza, comodidade e construção

184
Platão, Ti., 37d.
185
Omnia mutantur; nihil interit (Tudo muda, mas nada realmente se perde, Ov., Met., XV,
165). Cf. trad. de D. L. Dias, 2008.
186
Tournikiotis (1999, p. 241) argumenta que os descritores da edificatória indicados por
Alberti "[ ... ] foram repropostos nas históri as da arquitectura modema, constituindo o
fundamento de uma arquitectura que se liberta de todas as amarras com o passado e
imediatamente renasce uma vez mais, intacta, nos seus princípios fundamentai s".

112
A Recepção da Arte Edificatória

desenvolvida por Alberti no seu tratado. Com efeito, se podemos situar, em


paralelo, a collocatio (a ordenação por partes) de Alberti com a ordonnance
de Le Corbusier, também em relação ao conceito de numerus (proporção)
podemos contrapor o Modular.
Na verdade, trata-se de confrontar, neste caso, sistemas proporcionais
que se distinguem de forma singular. Aquele último é baseado em duas
séries numéricas (a azul e a vermelha) que são construídas tendo em atenção
as suas propriedades aditivas - são sucessões de números de Fibonacci 187 -
que se inter-relacionam à base da secção de ouro, ou seja, a partir de esca-
las de números irracionais que permitem sistematizar Les Tracés Régula-
teurs. Por outro lado, o sistema proporcional de Alberti sugere, mas não de
forma exclusiva, a sua concretização a partir de séries platónicas de núme-
ros inteiros, que têm por base uma analogia com as cons,onâncias musicais.
Por último, o conceito de jinitio, de delimitação em relação a um con-
texto, também comparece em ambos os autores. Na verdade, os 5 Points de
Le Corbusier e Pierre Jeanneret, delineiam as novas potencialidades de con-
cretização do betão armado face à arquitectura feita de pedra e cal, subja-
cente aos descritores da edificatória albertianos. No entanto, essa delimitação
em relação ao contexto, para Le Corbusier-Saugnier não se resumem a estes
5 Points, na medida em que a mesma também é dada por factos plásticos,
assinalados nos Trais Rappels a MM. Les Architectes: Le Volume, La Sur-
face, Le Plan. Esta delimitação sugere uma relativa indiferença em relação
às características específicas onde cada obra se insere, principalmente no que
se refere às particularidades de cada sítio, bem como às pré-existências,
enquanto para Alberti tanto a relação com a Antiguidade Clássica está omni-
presente, como a afinidade da edificatória com o entorno também se veri-
fica, dada pela caracterização de região (regi o) onde a obra se implanta que,
como vimos, em Le Corbusier apresenta um significado mais global, territo-
rialmente extenso e que não se limita à área disciplinar 188 •
Assim, podemos aferir uma contraposição aos conceitos de numerus, de
finitio e de collocatio propostos por Alberti, quando comparados com os
sugeridos, de forma equivalente, por Le Corbusier-Saugnier, fazendo-se, no
entanto, uma ressalva: a hierarquização relativa das finalidades mantém-se
constante em ambos casos.

187
A sucessão Fn de n números de Fibonacci é dada pelas seguintes relações: Fn =O para
n= I , Fn= I para n= 2, Fn=F(n-I )+ F(n- 2) para os restantes casos.
188 Já assumido em 1867 na Teoria general de la urbanizacion ... de ldelfonso Cerdà,
Madrid, Imprenta espaiiola.

113
Introdução

Além disso, Alberti abre o Prólogo chamando a atenção para o facto de


a arquitectura ser um dos saberes que "contribuem para que a vida seja
vivida de uma forma agradável e feliz", ainda apoiado em Aristóteles onde
este, no final da Ética a Nicómaco , sugere que a felicidade contempla a vida
ideal, isto é, uma actividade em tudo análoga à virtude. Alberti, no entanto,
ultrapassa esta aspiração, na medida em que sugere que a procura daquele
ideal não seja somente uma actividade contemplativa mas, também, social-
mente interventiva - um humanismo cívico como lhe chamaram Baron
(1988, pp. 258-278) e Garin (1994, p. 85).
Le Corbusier-Saugnier (op. cit., pp. 227 e 243) terminam o Vers une
Architecture sugerindo que se pode alcançar a terra prometida pela transfor-
mação activa do equilíbrio que, nos tempos modernos, foi definitivamente
rompido: "Les esprits ont consciemment ou inconsciemment pris connais-
sance de cês événements: des besoins sont nés consciemment ou incons-
ciemrnent", para rematarem triunfantemente: "Architecture ou révolution. On
peut éviter la révolution".
Tanto Alberti como Le Corbusier-Saugnier, cada um à sua maneira,
fazem uma contraposição interventiva ao nível da linguagem arquitectónica:
o primeiro do Medievalismo Gótico para o Renascimento do Quattrocento,
os segundos, do Classicismo para o Purismo.
Le Corbusier-Saugnier (op. cit., pp. 15 e 67) também rompem com os
estilos do passado ("L' architecture n' a rien à v o ir avec les ' styles '. Les
Louis XV, XVI, XIV ou le Gothique, sont à l' architecture ce qu ' est une
plume sur la tête d' une femme; c'est parfois joli, mais pas toujours et rien
de plus"), não os admitindo mais como fazendo parte do léxico arquitectó-
nico ("Les 'styles' sont une mesonge"), enquanto Alberti (Livro VII, cap. 7)
expõe o conceito de columnatio, de sistematização da coluna, onde desen-
volve, numa abordagem estrutural, as ordens de arquitectura inicialmente sis-
tematizadas de forma tipológica por Vitrúvio.
Le Corbusier-Saugnier (op. cit., pp. IX e 83) elegem a habitação como
sendo a problemática dominante da arquitectura: "L' Architecture s 'occupe de
la maison, de la maison ordinaire et courant, pour hommes normaux et cou-
rantes. Elle laisse tomber les palais. Voilá un signe des temps" (Introdução
à 2. 3 edição), sugerindo a sua produção em massa (maisons en série) sob a
ideologia da máquina: "La maison est une machine à habiter", enquanto para
Alberti a produção de habitação é, predominantemente, a casa de campo
( Vi !la) ou a casa urbana individualizadas e o palácio para o tirano ou para o
bom príncipe. A máquina comparece, neste caso, somente de forma subsi-
diária, como um ser vivo em estaleiro de obra: "as máquinas são como seres
vivos com mãos poderosíssimas e que deslocam um peso quase do mesmo

114
A Recepção da Arte Edificatória

modo que nós próprios o deslocamos" (Livro VI, cap. 9). Uma concepção
individualizada da habitação e metafórica da máquina para Alberti, outra
colectiva e analógica da habitação e em conformidade para a máquina (les
paquebots, les avions, les autos) para Le Corbusier-Saugnier.
Numa das definições de arquitectura mais divulgadas sobre o Purismo,
Le Corbusier-Saugnier (op. cit., pp. 16 e 163) afirmam que "L'architecture
est le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la
lumiere" para, posteriormente, precisarem a importância da modenatura nos
seus jogos de luz e sombra, dados pelas saliências e reentrâncias daqueles
volumes: "La Modenature est une pure création de l'esprit; elle appele le
plasticien", enquanto para Alberti o próprio "[ ... ] ornamento será realmente
uma espécie de luz subsidiária da beleza e como que o seu complemento"
(Livro VI, cap. 2), e se apresentará "de tal forma que o olhar, como que
deslizando livre e suavemente, percorra as comijas, as reentrâncias e toda a
face interior e exterior da obra, aumentando o seu prazer com o prazer da
semelhança e dissemelhança" (Livro IX, cap. 9). Novamente, uma concep-
ção metafórica para a associação luz-ornamento em Alberti, outra conforme
para luz-volumes em Le Corbusier-Saugnier.
Não temos conhecimento de que Le Corbusier-Saugnier tenham citado,
nos seus textos, Alberti, apesar destas transformações, confrontações e inva-
riâncias serem detectáveis nas relações que anteriormente assinalámos, o que
aponta para um pacto com o passado, quase que autobiográfico, no sentido
de que para Le Corbusier-Saugnier (op. cit. , p. 33) "Sans plan, il ya désorde,
arbitraire" 189 • Por outras palavras, um plano que os ligam inelutavelmente a
Alberti, apesar de o seu programa assinalar, já em 1923, uma decisiva rup-
tura com esse passado: "II y a un esprit nouveau [... ]. Une Grande Époque
Vient de Commencer" (Le Corbusier-Saugnier, op. cit., p. 69).
Posteriormente, na transição do Movimento Moderno para a condição
pós-modema, Robert Venturi publica, em 1966 em Nova Iorque, Complexity
and Contradiction in Architecture, sobre os diversos tipos de ambiguidade
da forma em arquitectura onde este autor desenvolve o conceito da "dura
tarefa do todo", que comparece associado também à noção de concinidade
de Alberti, na medida em que sugere que as partes do edifício se harmoni-
zem entre si para constituírem um só todo (corpo).

189
Nem mesmo no Modular é feita qualquer citação de Alberti, limitando-se Le Corbusier
a afirmar que a partir de Pitágoras foi criada a primeira escrita musical, capaz de regis-
tar as composições sonoras e de as transmitir através do espaço e do tempo, para
concluir que "A part une tentative sans grand succés à la Renaissance, cette pratique fut
perpétuée jusqu 'au XVII siécle" (Le Corbusier, 2005 , p. 16).

115
Introdução

Também, recentemente e entre nós, podemos encontrar ecos das dimen-


sões disciplinares, referidas primeiramente por Alberti, tanto nos textos de
Álvaro Siza como na sua prática edificatória apesar de, em relação aos pri-
meiros, como sugere Moneo (2004, p. 205) "ha escrito relativamente poco,
sí es cierto que disponemos de una cincuentena o más de páginas suyas
- densas y todas ellas aprovechables - en las que nos habla de cómo tra-
baja, haciendo hasta ocho consideraciones acerca de lo que cabría calificar
como su método".
Reportemo-nos a alguns destes "Oito Pontos" (Siza, 1994, p. 27-28) que
explicitamente, "quase ao acaso", Siza apresenta sobre a sua actividade pro-
fissional:
"Dizem-me de obras minhas, recentes e antigas : baseiam-se na arquitec-
tura tradicional da região [ .. . ] A Tradição é um desafio à inovação. É feita
de enxertos sucessivos. Sou conservador e tradicionalista, isto é: movo-me
entre conflitos, compromissos, mestiçagem, transformação".
O texto Imaginar a Evidência de Siza (2000, p. 15) fornece um teste-
munho autobiográfico da sua obra e é elucidativo desta temática, pois abre
com um capítulo intitulado "Repetir nunca é Repetir", onde são comentados
projectos realizados por este autor que reconhece, de forma consciente, a
presença daqueles conflitos e compromissos, bem como de mestiçagens e
transformações, como sucede na intervenção do Chiado, após o incêndio na
Baixa de Lisboa: "o projecto lança de novo a ideia da gaiola, agora em
betão e recupera todas as fachadas que foram poupadas pelas chamas" (Siza, .
op. cit. , p. 99).
Mesmo a um nível não consciente, Siza (op. cit., p. 139) admite que
este processo de assimilação, acomodação e transformação está presente na
elaboração do projecto: "Sucede, algumas vezes, fazerem-me notar um deter-
minado aspecto de uma obra, que é absolutamente evidente mas do qual eu
não tinha consciência. Projectei, por exemplo, uma escola em Setúbal, a
poucas dezenas de quilómetros do extraordinário santuário do Cabo Espi-
chei, que conheço muito bem. Alguém notou a influência, muito evidente,
do santuário na escola e repentinamente tomei consciência disso : era verdade
em muitos aspectos, inclusive nas proporções".
Reparemos que a prática edificatória de Alberti pode ser entendida, em
toda a sua plenitude, neste ponto de Siza. Com efeito, tomemos, como
exemplo, a fachada do templo Malatestiano em Rimini onde Alberti acolhe
como tema o arco triunfal romano - o arco de Augusto em Rimini - e o
transporta, em termos proporcionais, para o desenho daquela fachada, apesar
das dimensões das colunas terem sido ajustadas para se adequarem ao sis-
tema compositivo global do templo . Ou, ainda, da fachada do templo de

116
A Recepção da Arte Edificatória

St. André, em Mântua, organizado pela composição de um arco triunfal tri-


dimensional, referido genericamente no Livro VIII, cap. 6, como "uma espé-
cie de porta sempre aberta", semelhante ao arco de Constantino em Roma,
com um frontão reminiscente dos templos romanos, mostrando assim, que
também incorpora na sua obra sucessivas mestiçagens 190 , pelo cruzar de
vozes entre o profano e o religioso, como entre passado e presente 191 •
Este procedimento também se encontra nos escritos de Alberti que, de
forma reiterada, se compõem de fragmentos e citações de obras passadas,
sejam estas explícitas ou não, mas agora reconfiguradas como se fossem
peças de um novo mosaico (mosaici) ou tessela, na qual o autor reelabora o
património textual do passado.
A análise da peça Hostis (O inimigo) de autoria de Alberti (Intercena-
les, III, 4), realizada por Cardini (2004; 2005) e colocada de forma interac-
tiva na interne! por Magrini et alii (2005) 192, dá uma ideia da aplicação
desta metodologia para se reconstituir as fontes medievais e clássicas pre-
sentes naquele texto, onde é possível "verificare il profondo ed innovativo
significato morale del mosaico da lui creato", no qual "gli antichi sono la
'voce' della scrittura e le opere dei modemi sono 'mosaici"'.
Na verdade, naquele texto de 46 linhas dispostas em pouco mais de
uma página, são implicitamente citados três vezes Tito Lívio (IX, 3, 4 - 4,
5), cinco vezes Cícero (Off., I, XI 34 - 35 , 37), uma vez Énio (Ann., vv.
196 - 203), duas vezes Séneca (Ira, I, XI, 8) e uma vez Plutarco (Pomp.,
VIII, 77, 6 - 7), como se estas vozes compusessem um mosaico ou tessela
multiforme.
Esta composição textual em tessere (fragmentos) narra como os nobres
de Pisa foram capturados pelos Genoveses, numa batalha naval, devido à
acção nefasta de uma única pessoa que arruinou toda a nação. Neste caso, o
discurso é articulado por figuras de retórica onde "il 'consiglio general e' e

190
De acordo com Tavemor (1998, p. 176) a igreja de Santo André em Mântua foi dese-
nhada por Alberti como uma interpretação do templo etrusco, desenvolvido no Livro
VII, cap. 4, do tratado, apresentando semelhanças proporcionais, em planta, com a Basí-
lica de Maxêncio, designada incorrectamente por Alberti como "Temp1um Latona", bem
como com as proporções do templo de Salomão (I Rs 6: 1-20).
191
Eisenman (1989, p. 71) designa estas mestiçagens em arquitectura como segunda lin-
guagem, no sentido de se verificar uma mediação (betweenness), mas não um desloca-
mento de significados, pela recombinação de significantes, dado que uma das funções
simbólicas, a religiosa, mantém-se dominante.
192
Disponível na www no endereço : http ://www.bml.firenze.sbn .it/Alberti/mosaico/index_
eng.asp. Consultado em 6-04-2007. Para uma análise destes mosaicos na obra literária
de Alberti veja-se Cardini - Rego li os i (2007b ).

117
Introdução

trasformato in ' senato' , i ' consiglieri' diventano 'patres', i pareri presentati


assumono le forme di vere e proprie orazioni deliberative o suasoriae" (Car-
dini, et alii, 2005) 193 , o que permite uma apropriação transformativa das
vozes citadas neste mosaico 19\ onde a vida daquela cidade no séc. XIII lem-
bra o mundo romano.
Na obra I libri della famiglia (II), Alberti descreve a montagem destes
mosaicos como um processo de selecção e filtragem de escritos - litterae -
de outros autores: "Deves realizar, contudo, que estas coisas são difusas e
mais complexas do que podes imaginar. As respostas estão espalhadas e
quase escondidas entre uma grande quantidade de vários e diversos autores.
Ordená-las e colocá-las nos seus lugares será uma tarefa imensa, mesmo
para uma pessoa sabedora. Preciso de as repensar de novo, para ter as
minhas citações de forma a polir cada uma delas [ ... ]".
O De re aedificatoria também pode ser considerado, neste contexto,
como uma composição em tessere, na medida em que o seu autor faz alu-
são, tanto de forma implícita como explícita, se bem que não seja de modo
tão intertextual e sistemático como sucede nas Intercenales. Mesmo assim,
como pode ser reconhecido nas notas de pé de página da presente edição, as
referências a obras "citadas", tanto de um modo como de outro, por Alberti
são inúmeras configurando um universo que é uma verdadeira biblioteca de
referências.
Se bem que possamos notar uma dimensão literária no tratado, este é
mais reconhecido por aquilo que Maingueneau - Cossutta (1995, p. 118)
designaram de arquitexto, isto é, por se apresentar como uma obra com esta-
tuto exemplar em relação ao corpus de referência disciplinar, que apresenta
um discurso fundador constituindo-se, assim, como referência e garantia a
outros discursos originados no mesmo âmbito.
Note-se, ainda a este respeito, que a similitude entre a composição de
um texto e a elaboração de um projecto, é também assumida na contempo-
raneidade por Siza (op. cit., p. 137): "verifica-se a mesma situação quando

193
Disponível na www no endereço : http://www.bml.firenze.sbn.it/Alberti/testi_ita!colore_
_ del_tempo.html. Consultado em 6-04-2007.
194
Dado que o conhecimento está disseminado numa imensidão de textos e autores diversi-
ficados, para Alberti (Profugiorum ab aerumna libri 111, III, pp. 82-83) é necessário o
seu reordenamento e adaptação, em forma de mosaico: "E veggonsi queste cose littera-
rie usurpate da tanti , e in tanti !oro scritti adoperate e disseminate, che oggi a chi voglia
ragioname resta altro nulla che solo e! raccogliere e assortirle e poi accoppiarle insieme
con qualche varietà dagli altri e adattezza dell'opera sua, quasi come suo instituto sia
imitare in questo chi altrove fece e! pavimento".

118
A Recepção da Arte Edificatória

escrevo um texto, e muita da dificuldade que sinto é consequência da falta


de prática. Pode acontecer que um dia acorde pensando no assunto e de
repente surge a estrutura. Depois é determinante o trabalho de aperfeiçoa-
mento e clarificação, ligado aos ritmos da leitura e aos pormenores da
forma. Creio que não existe uma grande diferença entre o processo da
escrita e do desenho de tal modo que em definitivo não sou capaz de dizer
como desenho um objecto ou a própria arquitectura".
Já no Momus (Proémio, 4) Alberti, ao discursar sobre a composição das
obras literárias, adverte que "está consciente de quão difícil é, mesmo quase
impossível, dizer algo que não tenha sido tratado e inventado por muitos de
entre uma infinidade de escritores. Antigo é o provérbio 'Não há nada que
não se tenha dito antes' 195 • Por isso, creio que deveria ser considerado de ,
muito especial e admirável génio quem seja capaz de propor novas coisas,
nunca ouvidas para além das expectativas e opiniões comuns" 196 •
Também, no Tratado da Imitação de Gasparino Barzizza (1360-1431) 197 ,
professor de latim e retórica de Alberti em Pádua, a "imitação é entendida
ou elaborada de quatro maneiras, por adição, por subtracção, por transferên-
cia e por transformação" (cf. Pigman, 1982, p. 349), mas não por cópia inte-
gral. Barzizza (op . cit.) cita, a este propósito, a carta 84.8 a Lucílio, de
Séneca que, no texto original e sob a forma de diálogo, refere que "mesmo
que seja visível em ti a semelhança com algum autor cuja admiração se gra-
vou mais profundamente em ti, que essa semelhança seja a de um filho, não
de uma estátua: a estátua é um objecto morto. 'Que dizes? Então não deve
ser evidente qual o autor de que se pretende imitar o estilo, a argumentação,
as ideias?' Em meu entender, há casos em que isso nem sequer é possível:
quando um homem de superior inteligência consegue imprimir o seu carác-
ter aos vários elementos que colheu no seu modelo predilecto de modo a
que tais elementos resultem numa unidade. Não vês tu como um coro é for-
mado por grande número de vozes? Do conjunto, no entanto, resulta uma
voz única" 198 •
É neste sentido, entre imitação e concinidade, que podemos dizer que a
prática edificatória de Alberti transforma o previsível, o legado da arquitec-
tura clássica, em algo inexplicável e que o tratado contribuí para, inversa-

195
Ter. , Eun., 41.
196
Cf. trad. esp. de P. M. Reinón, 2002
197
Autor do De compositione (1420), um manual de retórica baseado em Cícero e Quinti-
liano que divulgou a eloquência romana no Quattrocento.
19
M Trad. de J. A. S. Campos, 1991.

119
Introdução

mente, modificar, pela sistematização inaugural do conhecimento disciplinar,


o aparentemente inexplicável em algo previsível.
Esta inversão das relações transformativas entre a teoria e a prática do
exercício disciplinar não deixam de configurar um inerente nomadismo à
arte edificatória, que se apresenta de forma cooperativa ou conflituosa, face
à adopção de permanências ou à introdução de rupturas entre aquelas dimen-
sões, onde as interacções estabelecidas entre ambas são fluidas e com con-
tornos, por vezes, não totalmente explícitos.
É neste contexto, que podemos entender, por um lado, a quase total
ausência de citações directas à obra construída de Alberti no seu tratado e,
por outro, que os críticos e historiadores de arquitectura tenham adoptado
este como referência, para sugerir diversas leituras da sua obra construída,
tendo em vista a reconstituição do pensamento do autor face à sua concreti-
zação como resultante do exercício disciplinar.
Ainda, em relação à análise comparativa entre ambos os autores ante-
riormente citados, sublinhe-se que Siza (op . cit. , p. 28) refere que "as
minhas obras inacabadas, interrompidas, alteradas, nada têm a ver com a
estética do inacabado, ou com a crença na obra aberta. Têm a ver com a
enervante impossibilidade de acabar, com os impedimentos que não consigo
ultrapassar" o que é também evocativo, ainda que parcialmente, de um dos
conceitos de beleza propostos por Alberti, como sendo a concinidade das
partes em relação ao todo a que correspondem, "de tal modo que nada possa
ser adicionado ou subtraído, ou transformado sem que mereça reprovação"
(Livro VI, cap. 2). Além disso, Alberti, à semelhança de Siza, também dei-
xou inacabados, entre outros, os templos Malatestiano em Rimini, devido à
morte do seu patrono Sigismono Malatesta em 1468, e o de Santo André em
Mântua, pelo facto de esta obra ter sido somente concluída após o seu fale-
cimento, que ocorreu em 14 72.
No séc. XX, como no XXI, a obra de Alberti tem sido sujeita, na esfera
da hermenêutica Da Arte Edificatória, a comentários e apreciações críticas
em constante desenvolvimento que merecem ser assinaladas, pelos contribu-
tos que trouxeram para um mais adequado entendimento da sua obra.
Com efeito, se repararmos na Fig. 6, que apresenta um diagrama de dis-
persão relativamente ao número de arquitectos activos por 100 milhões de
pessoas, por década, desde cerca de 1300 até 1940, podemos notar que se
verifica um rápido crescimento daqueles profissionais durante o Quattro-
cento, na transição do Renascimento, quando comparado com o período
Medieval que o antecedeu. Seguidamente, este número estabiliza na faixa
dos 35 a 50 arquitectos por 100 milhões de pessoas durante o período

120
A Recepção da Arte Edificatória

N. 0 de Arquitectos
100

90
Tr ~içi< do
R e ascim ento
§"• ':(:r;~
>
A p_Q _6(>0_6_
80
oo"'O
70 L'o.
"
& ~ V'

60 ~
Período Período Período
Medieval Moderno Contem_QQI'âneo

•••
50 /\.

o .L')~~
ov<J
40
<:
~ ov Tj'anstç~p
~arroc

30
o
20 lo
~
-•
10 A
~
• ~

~
V<)

• • • •
o - '

1300 1400 1500 1600 1700 1800 1900 2000


Datas

Fig. 6- Evolução do número de arquitectos activos por I 00 milhões de pessoas (O ),


desde cerca de 1300 até 1940, e do número total de arquitectos com obras de referência
no mundo ocidental <•),
cujas ordenadas devem ser multiplicadas, respectivamente, por
I e por 10. Fonte de dados: Macmillan Encyclopaedia of Architects, AA.VV., 1983;
adaptado de Stevens, 1998, pp. 138 e 141.

Moderno, a que se segue um rápido crescimento durante a transição Bar-


roca, para entrarmos na época Contemporânea, na qual aquela r~fação se
estabiliza novamente, mas agora entre 70 a 90 arquitectos por 100 milhões
de pessoas 199 •

199
As fontes de dados, utilizadas para se construir o diagrama de dispersão apresentado na
Fig. 6, basearam-se na Macmillan Encyclopaedia of Architects, AA.VV. (1983), onde
são referidos, por mais de 600 autores, 2620 arquitectos activos no mundo ocidental,
bem como na base histórica e demográfica apresentada para a população mundial por
McEvedy-Jones ( 1985). Para uma descrição crítica desta informação veja-se Placzek
(1982), Chemov (1982) e O'Gorman (1984) e, para a sua metodologia de utilização,
nomeadamente para a sua periodização e delimitação geográfica, consulte-se Stevens
( 1998, pp. 122-167).

121
Introdução

O que é notável, quando comparamos estes dados com os da Fig. 4,


que apresenta as datas e os números de ordem das edições do De re aedifi-
catoria, é a coincidência da forma de crescimento, com um desfasamento
temporal retardado, para os períodos de transição do Renascimento e do
Barroco, entre aquela densidade de arquitectos pela população e os dois pri-
meiros agrupamentos de edições.
No entanto, para o período contemporâneo, constata-se uma estabili-
zação daquela densidade e um crescimento, mais do que proporcional, prin-
cipalmente no séc. XX, das edições Da Arte Edificatória. Isto sugere um
alargado interesse pela obra teórica de Alberti na actualidade, dado princi-
palmente pelas sucessivas edições do tratado, bem como pela quantidade e
qualidade dos estudos interpretativos que foram, mais recentemente, publica-
dos e que atingiram um público muito mais vasto do que anteriormente.
Se observarmos ainda a Fig. 6, que apresenta também o número total de
arquitectos activos no mundo ocidental com obras de referência, desde cerca
de 1300 a 1940, podemos notar que segue um padrão monotonicamente
crescente, inclusive para o período contemporâneo. Este padrão, é global-
mente similar ao da Fig. 4, que apresenta as datas e os números de ordem
das edições do De re aedificatoria.
Por outras palavras, as edições Da Arte Edificatória acompanharam
cumulativamente o número de profissionais de arquitectura com obras de
referência, mas não a densidade destes pela população naquele último
período, o que indica que o tratado de Alberti, na contemporaneidade, é não
só objecto de estudo no âmbito disciplinar, mas também de reflexão para um
leque mais vasto de investigadores, ao contrário das intenções do seu autor
quanto ao seu destino, que o elaborou para os promitentes patronos das
obras de arquitectura.
Naquele arco temporal mais recente incluem-se, primeiramente, os tra-
balhos de V. P. Zubov (2000, 2001 e 2002), que analisou a teoria arquitec-
tónica de Alberti, sob o ponto de vista das analogias orgânicas presentes no
tratado, da sua terminologia artística e, ainda, das relações que apresenta
com a teoria antiga da eloquência, bem como os de Cecil Grayson ( 1998d),
que elaborou um sistemático trabalho de revisão e levantamento da obra
escrita em vulgar e em latim de Alberti, nomeadamente sobre a composição
dos Decem libri de re aedificatoria e, também, os de Gadol (1969) sobre
este autor como um homem universal do Renascimento 200 •

200
Note-se que a tese de Zubov foi inicialmente apresentada em 1946 na Academia de
Arquitectura de Moscovo e a obra de Grayson foi publicada entre 1952 e 1994.

122
A Recepção da Arte Edificatória

Registe-se, também, a publicação do Index Verborum do De re aedifi-


catoria elaborado por Lücke (1975, 1976 e 1979), que estabelece as concor-
dâncias dos termos latinos utilizados por Alberti no tratado o que possibili-
tou, pela primeira vez, uma consulta sistematizada e comparativa dos
contextos frásicos em que aqueles termos ocorrem, bem como os trabalhos
de Garin ( 1972; 1974) sobre as características e os contrastes do pensamento
albertiano no âmbito da cultura do Renascimento, o de Argan (1974) sobre
o De re aedificatoria e, ainda, o de Tafuri ( 1995) sobre as relações profis-
sionais entre o papa Nicolau V e Alberti.
É, de igual modo, importante assinalar, entre outros, os estudos mais
recentes de Choay ( 1996), que faz uma leitura inovadora sobre a estrutura
do tratado de Alberti, bem como de Furlan (2003) sobre as leituras e leito-
res da sua obra, de Paoli ( 1999) sobre a sua ideia de natureza, de Borsi
(1989) sobre a sua obra completa, tanto escrita como edificada, a de Grafton
(200 1) sobre a sua produção artística e literária e a de Tavemor ( 1999),
como a de Grassi, Patetta et alii (2005) centradas, predominantemente, sobre
a sua obra edificada.
Mais recentemente, no âmbito das comemorações do sexto centenário
do nascimento de Alberti, registem-se as contribuições dadas por diversos
autores sobre o De re aedificatoria, transcritas nas actas da conferência
internacional realizada em Mântua em Outubro de 2002 e de 2003, organi-
zada por Calzona, Fiore, Tenenti - Vasoli (2007), com o título Leon Battista
Alberti - Teorico delle Arti e Gli Jmpegni Civili de! De Re Aedificatoria '.
O objectivo alcançado por esta conferência "e nata dalla constatazione
che il grande trattato albertiano non aveva ancora avuto appropriate e apro-
fondite indagini e che ne sembrava al tempo stesso necessaria una perce-
zione globale non solo come scritto di architettura, ma anche come compiuta
visione della destinazione degli edifici e della società destinata a produrli,
accoglierli e valorizzarli" (Calzona, Fiore, Tenenti - Vasoli, op. cit., p. XII).
É neste sentido que são aprofundadas as temáticas relativas às fontes do
tratado, ao seu léxico linguístico e formal, às relações com a Antiguidade
Clássica face à inovação projectual, a par de questões relacionadas com a
cidade, as envolventes construtivas do edificado, a casa e a villa , bem como
de outros géneros de edificios abordados por Alberti.
No entanto, nem todas as vozes sobre a obra de Alberti no séc. XX são
coincidentes. À semelhança de Vasari (op. cit.), também Schlosser (193 8)
exalta a produção teórica de Alberti mas desqualifica as suas criações artís-
ticas. Se bem que na obra de síntese sobre a literatura artística, publicada
em 1924, Schlosser (1996, p. 153-154) faça uma extensa referência ao De re
aedificatoria como a grande obra de Leon Battista Alberti e o apelide de

123
Introdução

insigne humanista que manifesta "o desejo de se relacionar com as coisas


modernas e de querer agir sobre elas", na recensão mais recente sobre as
suas obras construídas o seu juízo crítico é desfavorável. Com efeito, a
começar pelo título do trabalho, Schlosser (1938, pp. 9-46) designa Alberti
como "Il non artista", postula que a autoria do palácio Rucellai deve ser
atribuída a Bernardo Rosselino, qualifica o Santo Sepulcro na Igreja de São
Pancrácio como um "aborto d'effetto quasi grottesco" e refere-se, ainda, ao
templo Malatestiano em Rimini como uma "mascherata di erudito".
Santos ( 1998, p. 38) chega a sugerir que esta recensão de Schlosser é
um reflexo do desdobramento da sua personalidade quando este qualifica
Alberti como um "teórico efficace quantunque artista medíocre - anzi non-
artista - in una pericolosa scissione interpretativa: gli stessi motivi per cui
egli potrà e dovrà essere applaudito como scrittore, saranno utilizzati dallo
studioso per biasimarlo in qualità di artefice [... ]".
Apesar desta análise de Schlosser (op. cit.) ser adversa à produção
artística de Alberti, ela mantêm-se como uma voz isolada ao longo do
séc. XX 201 , onde não deixou de se fazer uma contínua recensão de toda a
obra escrita e construída deste autor do Quattrocento que, apesar de nas
palavras de Landino (1974, p. 120) ser considerado um "nuovo camaleonte",
pela notável diversidade das suas criações, não justifica que se utilizem, em
sentidos opostos, os mesmos critérios para se aferir a sua obra, quer esta
seja de natureza literária, quer artística:
Muitos outros autores poderiam ser acrescentados a esta sumária lista-
gem que é, no entanto, suficiente para sugerir que a interpretação da obra de
Alberti no séc. XX e nos alvores do XXI está em constante evolução e que,
cada vez mais, surgem contributos enriquecedores para um maior e mais
completo entendimento da sua vasta produção literária, artística e culturaF02 •
Neste contexto, é de destacar o projecto "Bibliografia e indicizzacione di
tutti scritti di Leon Battista Alberti", coordenado por Lucia Bertolini,
Roberto Cardini e Mariangela Regoliosi, sob a égide do Centro di Studi sul
Classicismo, que prevê a catalogação e o tratamento informático de todos os
textos albertianos, tanto antigos como contemporâneos.
Em resumo, os três agrupamentos de edições, o primeiro desde a editio
princeps de 1485, em latim, até à de 1582, em espanhol, o segundo que

20 1
Para uma reavaliação da obra de Alberti como homem do Renascimento, do encómio de
Jacob Burckhardt à crítica de Julius von Schlosser, veja-se Andersen (2004).
202
As referências bibliográficas colocadas nos anexos sugerem pistas para aprofundamento
desta sumaríssima listagem de textos sobre a obra de Alberti.

124
A Recepção da Arte Edificatória

engloba as publicações, em inglês, de 1729 até à italiana de 184 7 e o ter-


ceiro, que se reporta ao espaço entre a publicação de 1912, em alemão, até
à de 201 O, em italiano, apresentam traços em comum que podemos designar
em função dos comentários elaborados, respectivamente, de encomiásticos,
de reflexão crítica e de revisão em evolução.
A recepção ao tratado, as mudanças de horizonte que possibilitou, bem
como a sua generalizada aceitação, fazem com que o mesmo se afigure com
uma legitimidade constituinte, isto é, simultaneamente como acto de consti-
tuição de uma disciplina - a arte edificatória - e como texto normalizador
da mesma, principalmente pela prevalência da sua função referencial.
Neste contexto, apesar de o tratado de Alberti não ter sido anterior-
mente publicado e difundido em língua portuguesa, é possível estabelecer
uma confrontação entre aqueles três agrupamentos de edições e as cronolo-
gias dos diferentes períodos histórico-artísticos nacionais, desde que seJam
explicitados os propósitos em que se baseia aquela comparação.
Com efeito, no âmbito da Cultura do Renascimento em Itália , Burc-
khardt (1991, p. 3) já tinha chamado a atenção para uma das maiores difi-
culdades do estudo da sua história, que residia na necessidade de dividir o
tempo em categorias isoladas, muitas vezes pouco menos que arbitrárias,
com a finalidade de o tomar compreensível. É neste sentido que podemos
sublinhar que a sua periodização se apresenta como resultado de um pro-
cesso não sequencial e selectivo de eventos que se caracteriza, simultanea-
mente, tanto pela continuidade e desaparecimento de tendências e movimen-
tos anteriores, como pelo despertar de possibilidades passadas, como pela
ocorrência de inovações e, ainda, pelo impacte retardado de outras.
Apesar de esta multiplicidade de factores poder ser fortemente inter-
-relacionada e apresentar diferentes contemporalidades, para os humanistas
do Renascimento a periodização histórica, face ao reavivar dos estudos clás-
sicos, é definida somente em dois períodos: o dos antigos, a que corres-
ponde o estudo da Grécia e de Roma, com limites temporais indeterminados,
e o dos modernos, que corresponde à contemporaneidade dos sécs. XV e
XVI, englobando-se ou omitindo-se a Idade Média desta classificação (cf.
Black, 1985, p. 29).
Em conformidade, para Alberti tanto os antigos, apud veteres (Livro I,
cap. IV), como os modernos, huius aetatis (Livro II, cap. 5), faziam parte de
uma única continuidade histórica em duas fases distintas: a antiga e a
modema (cf. Smith, 1992, p. 68). Assim, num certo sentido, pode-se dizer,
conforme assinala Burke (2000, p. 16), que o Renascimento criou a Antigui-
dade, como a Antiguidade criou o Renascimento. Na verdade, o próprio
termo Renascimento somente aparece em meados do séc. XVI, nas Vite de

125
Introdução

Vasari (1550, pp. 97, 103, 196-197, 201) como renascita, entra no vocabu-
lário dos iluministas no séc. XVIII e, a partir da segunda metade do séc.
XIX, é que passa a referir-se a um conceito de periodização geral, princi-
palmente devido aos trabalhos de Burckhardt (op. cit.) e de Michelet (1895).
É com Ferguson (1948, p. 397) que o Renascimento passa a ser consi-
derado um período de transição, onde persistem tanto características medie-
vais, como modernas, e as generalizações de Burckhardt, como de Michelet,
ao definirem e delimitarem este período de forma precisa e fechada, deixam
de fazer sentido na medida em que uma das mais dificeis sínteses "[ ... ] is
that posed by continuous historical development within each age as well as
from one age to another. Any general description of conditions must be sub-
ject to constant chronological qualification. Otherwise, the resultant synthesis
presents no more than a static cross section of history and is therefore essen-
tially unhistorical".
Assim, face a estes condicionalismos, é pertinente adoptar, para efeitos
comparativos, a periodização estabelecida, a partir da arquitectura, por
Pereira (1992, p. 23), para explorarmos, se bem que de forma colateral, as
relações entre o tratado de Alberti e aquela classificação, que se refere aos
seguintes ciclos: Manuelino (1490-1530); Renascimento/Maneirismo (1520-
-1600 ... ); Estilo Chão (1580-1680); Barroco/Rococó (1680-1780 ... ); Pom-
balino (1755-1780) e Neoclassicismo (1760-1840) 203 .
Apesar de apresentarem temporalidades distintas, admitimos que se legi-
tima a coexistência de assincronismos para se aferir a recepção ao tratado de
Alberti, o que permite balizar tanto as transformações ocorridas em tempo
longo, não só como sucede nas classificações de Pereira ( 1992) e de Stevens
(1998, pp. 122-167; cf. Fig. 6), como também na demarcação de eventos
assinalados naquela recepção.
À semelhança do que sugere Koselleck (2004, pp. 105-1 07), ao discor-
rer sobre a confrontação entre a imensidade de situações experimentadas
pelos protagonistas de factos passados, para se constituírem numa unidade
narrativa coerente, e aquelas necessitarem de um quadro conceptual, onde
prevalece o tempo longo, admite-se a presença simultânea de diversos
"estratos temporais" (Zeitschichten) para se estabelecer uma descrição expli-
cativa consequente.

203
A periodização foi adoptada no pressuposto de que "embora nem todos os sectores artís-
ticos sejam cobertos por estas balizas cronológicas [ ... ] as datas indicadas são normal-
mente aceites pela historiografia e foram essencialmente estabelecidas a partir da arqui-
tectura" (Pereira, op. cit., p. 23).

126
A Recepção da Arte Edijicatória

Deste modo, o primeiro agrupamento de edições do tratado de Alberti


sobrepõe-se cronologicamente ao Manuelino/Renascimento/Maneirismo e, o
segundo, de forma predominante, ao Pombalino e, ainda, ao Neoclassicismo.
O terceiro e último agrupamento das edições equivale, aproximadamente e já
fora desta periodização, ao modernismo, ao Movimento Moderno e à condi-
ção pós-modema, que marcaram o séc. XX.
Os períodos de longa duração, i.e. os relativos ao Estilo Chão e a
grande parte do Barroco/Rococó, não apresentam uma correspondência
directa com os dois primeiros agrupamentos, na medida em que nesses
períodos praticamente não houve novas edições do tratado, excepto no que
se refere à edição inglesa de 1729, que deve ser incluída neste último
período mas que, por ser única, configura-se como uma excepção.
Por outro lado, os períodos que podem ser considerados de formaliza-
ção própria e que não se relacionaram, de modo predominante, com as fases
de actualização internacional, são os relativos ao Manuelino, ao Estilo Chão
bem como ao Pombalino. Neste caso, somente o Estilo Chão não estabelece
uma correspondência cronológica com os dois primeiros agrupamentos das
edições do texto de Alberti. Sabendo-se que este tratado circulou 204 , desde
cedo, pelo país, e que, provavelmente, foi do conhecimento da corte de
então 205 , pode-se questionar até que ponto as arquitecturas do período

204
Anninger ( 1988, p. 266) relata que penetraram no país, no séc. XVI, as edições do De
re aedificatoria em latim de Florença, 1485, de Paris, 1512 e de Veneza, 1541, bem
como as traduções venezianas de 1546 e de 1565. Na Biblioteca Nacional estão, actual-
mente, registadas as edições de 1485 de Florença e de 1541 de Estrasburgo, bem como
as de 1546 e de 1565 de Veneza. Na Biblioteca Municipal do Porto conservam-se duas
edições do De re aedificatoria, anotadas com os nomes dos seus proprietários, sendo
uma delas editada em Florença em 1485 e a outra em Paris em 1512. A primeira per-
tenceu, eventualmente, a Francisco Miranda de Vasconcelos e a Cristóvão Alão de
Morais, jurisconsulto e regedor do Porto, e a segunda, entre outros, a Gonçalo Baião,
provável corregedor do Porto e cavaleiro da casa do infante D. Henrique, com data
manuscrita de 1534, que esteve em Itália e fez, em 1547, a pedido do rei D. João III
uma pormenorizada maquete do Coliseu de Roma com dois metros de diâmetro (cf.
Viterbo, 1988, I, p. 522 ; Ruão, 2006, I, pp. 196-197).
205
A correspondência epistolar trocada entre Ângelo Poliziano e D. João II, datada de 23
de Outubro de 1491, indica uma especial ligação entre a Casa dos Medieis e a Casa de
Avis. D. João II fecha a resposta a esta carta com uma recomendação sobre os três
filhos do Chanceler-mor do reino, João Teixeira, que tiveram a "feliz sorte de poder
beber no manancial das tuas letras alguma doutrina" (cf. Figueiredo, 1932, p. 50), o que
sugere que os moços-fidalgos, que estavam sob a sua orientação tutelar, teriam, prova-
velmente, conhecimento da editio princeps do De re aedificatoria, publicada em 29 de
Dezembro de 1485, com uma saudação de Poliziano a Lourenço de Medieis.

127
Introdução

Manuelino e, mais tarde, do Estilo Chão e do Pombalino, não foram, tam-


bém, contaminadas por aquele texto, devido ao seu impacte, quer este tenha
sido retardado ou não? 206
O que é de assinalar, naqueles conjuntos das edições do tratado de
Alberti, é a forma dos três agrupamentos surgirem, invariavelmente, como
um S alongado, caracterizando-se como uma distribuição logística, monoto-
nicamente crescente, o que significa que, no início de cada um deles, veri-
fica-se sempre um aumento mais do que proporcional das edições que ten-
dem, por sua vez, a estabilizar nos seus respectivos epígonos (vide Fig. 4).
É de notar, ainda, que, naquele gráfico, a linha que parte das origens
das coordenadas e com declive positivo indica uma produção constante de
número de edições com crescimento uniforme, que somente pode ser detec-
tada na fase inicial do primeiro agrupamento. Nas restantes, o seu desenvol-
vimento é sempre diverso em relação a esta linearidade, sendo de assinalar
um aumento superior àquela uniformidade, nas últimas fases do primeiro e
do terceiro agrupamento das edições.
Aquelas tendências evolutivas, que correspondem a um acréscimo de
edições, podem ser atribuídas, no primeiro caso, à difusão do tratado de
Alberti para fora de Itália e, no segundo, provavelmente, à necessidade de,
na situação contemporânea, se reavaliarem, permanentemente, os fundamen-
tos disciplinares, face à presente deriva por topografias não percorridas ante-
riormente, que representam situações particulares e multifacetadas, onde as
obras de arquitectura se instalam mentalmente.
Nesta última condição, podemos considerar que o seu entendimento é
polimórfico na medida em que, ao abordarmos "os produtos da arquitectura,
da arte e da cultura, estes apresentam-se, afinal, como um universo de figu-
ras no qual algum tipo de retórica provisória nos permitirá desvendar as
formas fechadas dos objectos, que somente são aparentemente autónomas"
(Solá-Morales, 1996, p. 8). E quem, melhor que Alberti, para introduzir,
ainda com uma mediação sedutora, o desvendamento deste universo de

206
A ausência de ilustrações nas primeiras edições impressas do De re aedificatoria
reporta-se a uma problemática susceptível de ser investigada, em termos de inovações e
permanências, face ao desfasamento entre as práticas artísticas em território nacional e
as do Quattrocento e do Cinquecento nos estados italianos, nomeadamente no que se
refere aos diferentes sistemas proporcionais utilizados, que podem ser descritos, como
mostrou Alberti, verbis solis. Assim, ao se preservarem os diversos estratos temporais,
no âmbito do quadro conceptual anteriormente referido, caberá à narrativa daquelas prá-
ticas passadas dar uma explicação consequente para o esclarecimento desta questão que
sai, muito naturalmente, fora do âmbito desta Introdução .

128
A Recepção da Arte Edificatória

figuras que representam a forma fechada dos objectos da arquitectura, da


arte e da cultura?
A resposta para esta última questão encontra-se, muito certamente, nos
conteúdos das vinte e nove edições que, ao longo de mais de cinco séculos,
têm povoado e cultivado a dimensão disciplinar da arquitectura, em diversos
contextos linguísticos e geográficos, o que nos faz supor que, também, algo
de comum apresentam, i. e. de que alguma família de semelhanças, persiste
entre aqueles conteúdos e aqueles contextos, aparentemente diversos e mutá-
veis, o que sugere que o estatuto actual deste tratado seja muito mais do que
uma mera curiosidade arqueológica.
Discorrer sobre esta problemática levar-nos-ia para além do que se pode
esperar numa Introdução ao tratado de Alberti sendo, no entanto, pertinente
sublinhar a chamada, ainda actual, que o autor faz sobre a invenção disci-
plinar no âmbito do novo quadro edificado, tanto nos caminhos da sua con-
textualização, como da articulação com o legado que nos foi transmitido
pelo passado. É aqui que reside, fundamentalmente, o êxito das mais de
duas dezenas e meia de edições deste tratado, eloquentemente sintetizado no
dictum de Alberti: Itaque nos, quasi opus facturi simus et manu aedificaturi,
ab ipsis fundamentis rem ordiri aggrediemur (Por isso nós, como se estivés-
semos para fazer a obra e edificá-la com as nossas mãos, daremos início a
esta matéria começando pelos alicerces) 207 •

207
Livro II, cap. 13.

129
AGRADECIMENTOS

Contribuíram para a concatenação de informação bibliográfica credível,


tendo em vista a elaboração desta edição, diversos autores que, de uma
maneira ou de outra, se disponibilizaram a fazê-lo de forma directa e atem-
pada.
Em particular gostaríamos de agradecer ao Prof. Hans-Karl Lücke pela
entrega da editio princeps, em fac-símile, da obra De re aedificrztoria de
Leon Battista Alberti, bem como do Index Verborum , em três volumes, que
acompanha aquela obra, publicada pela Prestei Verlag München 208 • Com a
primeira tivemos acesso à fonte primária inteiramente fidedigna utilizada
para esta edição e, com a segunda, foi possível, com base nas concordâncias
de todos os termos utilizados por Alberti, estar atento ao seu significado
polissémico, diríamos mesmo, camaleónico, que somente uma consulta siste-
mática desta documentação o permitiria fazer. Além disso, pela paciente e
precisa leitura desta versão da obra de Alberti, que agora se apresenta, o que
permitiu, nesta Introdução, corrigir questões lexicais, bem como clarificar
alguns conceitos.
Também gostaríamos de agradecer à Prof.3 Françoise Choay (2000) pelo
envio da _comunicação policopiada e intitulada La traduction du De re aedi-
ficatoria , apresentada em Florença, em 23 de Março de 2000, no encontro
anual da Renaissance Society of America. Ficámos, assim, conscientes das
dificuldades em traduzir o texto de Alberti, escrito em latim renascentista,
para uma língua modema, mesmo que românica, bem como da magistral
explanação que a levou "à traduire littéralment le titre donné par Alberti à
son ouvrage: De re aedificatoria devient De la question de l 'edification et
non comme Ie propose encare Orlandi L 'Architettura" , acabando, esta

20
M O fa c-símile da editio princeps do De re aedijicatoria bem como o Vol. I do Index Ver-
borum (A-E) foram publicados em 1975, o Vol. 2 (F-0) em 1976 e o Vol. 3 (P-Z) em
1979.

131
Introdução

autora, conjuntamente com Pierre Caye, por traduzir, como vtmos, o título
do tratado de Alberti por L 'art d 'édifier.
Ao Prof. Michel Paoli que enviou um preprint do artigo "Une biblio-
graphie inédite de L. B. Alberti due à Giovanni Cinelli et trois notes sur la
fortune albertienne au XVIIe siecle" 209 que, na nota 3 sobre Une hypothéti-
que traduction du De re aedificatoria en portugais signalée en 1625, permi-
tiu, para se entender a possível feitura daquela tradução por André de
Resende, verificar a identidade de algumas das fontes bibliográficas utiliza-
das. Apesar de apresentarmos uma diferente interpretação, quanto ao destino
daquela presumível tradução, este trabalho possibilitou, no estado actual de
conhecimentos, concluir sobre a adequação das fontes citadas.
Ao Prof. Domingos Campelo Tavares pela doação do livro Leon Bap-
tista Alberti, de sua autoria e publicado em 2004, que sistematiza, em língua
portuguesa, tanto a obra edificada como a escrita, relacionada com a teoria
da arquitectura daquele autor e que, na ausência de traduções da sua obra
literária, se constituiu como um guia terminológico actual que procurámos
confrontar e aferir nesta edição para língua portuguesa.
À Dra. Graça Simões, bibliotecária do Departamento de Arquitectura
da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pelo
seu auxílio na pesquisa e recolha de documentação para a realização desta
edição.
Muito certamente que, apesar das contribuições essenciais dadas pelos
autores anteriormente mencionados, para a edição que agora se apresenta,
quaisquer erros ou omissões são da nossa exclusiva e inteira responsabili-
dade.
Hoc opus, hic labor est 210 •

209
Publicado em P.R.I.S .M.I., La Renaissance italienne, images et relectures, Université de
Nancy 2, N.0 3-2000, pp. 291-305 .
2 10
"Esta é a obra, este é o trabalho", Verg., A., VI , 129. Cf. trad. it. R. Tosi, 1991.

132
DA A~TE EDIFICATÓ~IA
ÂNGELO POLIZIANO SAÚDA LOURENÇO
DE MEDICIS, SEU PATRONO.

eon Battista Alberti, florentino da ilustríssima família dos Alberti ,

L homem de engenho requintado, finíssima inteligência ~ refinadíssimo


saber, entre muitas obras notáveis que deixou à posteridade, elaborou
dez livros sobre arquitectura. Corrigiu-os e aperfeiçoou-os quase inteira-
mente, e quando estava mesmo para editá-los, dedicando-os ao teu nome,
chegou ao fim do seu destino 211 • Bernardo 212 , seu primo, homem sábio e
entre os primeiros dedicado a ti, com o propósito de zelar pela memória e
pelo desígnio de um homem tão importante, e, ao mesmo tempo, de mani-
festar o seu reconhecimento pelos teus favores para consigo, traz à tua pre-
sença, Lourenço de Medieis, esses livros, depois de copiados dos originais e
reunidos num só volume 213 . E era seu desejo que eu, com um discurso, enal-
tecesse junto de ti o presente e o autor do presente,, Leon Battista Alberti.
Pela minha parte, decidi que, de maneira nenhuma o faria, para não dimi-
nuir, por falta de engenho, os louvores merecidos por uma obra tão perfeita
e por um homem tão ilustre. Na verdade, muito maior louvor há-de trazer à
obra a sua leitura do que quanto eu lhe posso conseguir com algumas pala-
vras. A glória do autor só tem a recear com os estreitos limites de uma carta

211
Conjectura-se que Alberti queria dedicar a obra a Federigo di Montefeltro, duque de
Urbino, e que Poliziano convenceu o executor do seu testamento, Bernardo Alberti, a
permitir que a dedicatória fosse oferecida a Lourenço de Medieis (cf. Mancini, 1882,
p. 393; Baldi, 1824, III, pp. 55-56).
212 Bernardo Alberti (1436-95), que era primo em segundo grau, por via paterna, de Leon
Battista, foi citado no seu Testamento (2v, 14) como "herdeiro universal".
213
A carta, datada de 11 de Setembro de 1485, na qual Niccoló Michelozzi descreve o
empenho de Lourenço de Medieis na edição do tratado, que era lido pelo seu secretário
à medida que ia sendo impresso, não oblitera as críticas que Alberti fez à governação de
Florença sob os Medieis, apresentada nas obras Profugiorum ab aenumera libri lll e De
iciarchia (cf. Martelli, 1965, p. 191, n. 53).

135
e com a indigência total do meu estilo. Não houve conhecimentos literários,
por mais remotos, nem disciplinas do saber, por mais recônditas, que lhe
escapassem. É dificil dizer se o seu estilo era mais inclinado para a oratória
ou para a poesia, se mais majestoso ou mais aprazível. De tal maneira pers-
crutou os vestígios da Antiguidade, que não só assimilou toda a teoria arqui-
tectónica dos antigos, mas também a tomou como modelo. De igual modo,
concebeu não só uma enorme quantidade de maquinaria, andaimes e engre-
nagens, mas também edifícios de admirável beleza. Além disso, foi conside-
rado excelente pintor e escultor, dominando assim, na peffeição, todas as
artes, como poucos dominam cada uma em particular. Por isso eu, como
Salústio 214 em relação a Cartago, julgo preferível calar-me do que dizer de
menos.
A este livro, Lourenço, ouso pedir que atribuas um lugar importante na
tua biblioteca, e que tu mesmo o leias aplicadamente, e t?mes a teu cuidado
que seja lido em público e divulgado. Na verdade, ele é digno de andar na
boca dos homens cultos 215 e já quase só em ti encontra guarida o patrocínio
das letras abandonado pelos outros. Votos de boa saúde.

214
Gaio Salústio Crispo (c. 86-35 a. C.), historiador romano autor de Bellum Jugurthinum,
que relata a guerra contra Jugurta, rei da Númida, que se prolongou entre 112 e 105
a. C..
215
Sentido retirado do epitáfio do poeta latino Énio: Nemo mihi funera faxit I Cur vivus
volito docta per ora virum (Ninguém me faça as exéquias I Porque, ainda vivo, voo nas
bocas dos homens doutos), no qual se proíbe o luto por ainda se viver na boca dos
homens, citado por Alberti, Livro VIII, cap. 4. Cf. Cic., Tusc., I, 17.

136
COMEÇA A OBRA DA ARTE EDIFICATÓRIA
DE LEON BATTISTA ALBERT/
SÊ FELIZ NA LEITURA

egaram-nos os nossos antepassados muitos e variados saberes 216 pro-

L curados com diligência e empenho, os quais contribuem para que a


vida seja vivida de uma forma agradável e feliz 217 . E embora todos
eles manifestem claramente que tendem, como que em competição, para este
objectivo - serem o mais possível proveitosos ao género humano -, todavia
verificamos que possuem uma característica inata e intrínseca que faz com
que cada um pareça oferecer contributos específicos e diferentes em relação
aos restantes. Na realidade, cultivamos uns saberes por necessidade; outros
merecem a nossa aprovação pela sua utilidade; outros são apreciados porque
têm por objecto apenas as coisas mais agradáveis de conhecer 218 • Não é
necessário definir quais sejam estes saberes, pois estão à vista. Mas se ana-
lisarmos todo o conjunto dos saberes mais importantes, nem um só se
encontrará que, excluindo os restantes fins , não procure alcançar e não tenha
em vista os que lhe são específicos. Ou se encontrarmos algum saber que,
por um lado, seja tal que de modo nenhum possamos passar sem ele, e que,
por outro, proporcione por si mesmo uma utilidade associada ao prazer e à
dignidade, não devemos, na minha opinião, excluir desse número a arquitec-
tura. Com efeito, se examinarmos com atenção este aspecto, ela é, do ponto
de vista público e privado, utilíssima e extremamente agradável ao género
humano e não a última em dignidade entre as primeiras.
Mas antes de avançar, penso que tenho o dever de esclarecer quem, na
minha perspectiva 219 , deve ser considerado arquitecto. Não apresentarei um

216
Ars com o significado da tekhnê grega, no sentido de um saber ou de uma artesania.
211
Propósito que já se encontra em Aristóteles (Eth . Nic., I 097a 15-20).
218 Referência às dimensões da necessidade, da comodidade e do prazer.
219 Choay (1996) propõe que um dos fundamentos do De re aedificatoria, como texto inau-
gural , é a enunciação do Eu tratadístico por Alberti.

137
Prólogo

carpinteiro 220 , para o compararmos aos mais elevados especialistas das outras
disciplinas. A mão do artífice, na verdade, não passa de um instrumento para
o arquitecto. Quanto a mim, proclamarei que é arquitecto aquele que, com
um método seguro e perfeito, saiba não apenas projectar em teoria, mas
também realizar na prática todas as obras que, mediante a deslocação dos
pesos e a reunião e conjunção dos corpos, se adaptam da forma mais bela às
mais importantes necessidades do homem. Para o conseguir, precisa de
dominar e conhecer as melhores e mais importantes disciplinas. Assim, pois,
deve ser o arquitecto. Volto ao assunto.
Houve quem dissesse que a água ou o fogo proporcionaram os princí-
pios que fizeram com que se formassem as comunidades humanas. Nós,
todavia, se considerarmos a utilidade e a necessidade de uma cobertura e de
uma parede para reunir e manter em grupo os seres humanos, ficaremos
convencidos de que foram certamente estes os factores mais importantes.
Mas não foi apenas por esse motivo que devemos ao arquitecto que nos
tenha proporcionado os refúgios seguros que procurávamos contra o ardor
do sol, o mau tempo e a neve, embora esse seja um beneficio, de modo
nenhum o mais pequeno, mas sobretudo porque, a nível privado e público,
encontrou coisas, sem dúvida alguma, mais úteis e de maior aplicação, em
muitas ocasiões, ao bem-estar da existência.
Quantas famílias nobilíssimas a nossa cidade e outras cidades do mundo
teriam perdido, completamente destruídas pelas injúrias dos tempos, se os
pátrios lares não as tivessem agasalhado, recebendo-as como que no regaço
dos seus antepassados 22 1• Dédalo foi louvado no seu tempo, acima de tudo
porque construiu uma gruta em Selinunte 222 , para que dela emanasse um
vapor morno e suave e fosse captado de tal maneira que provocasse inten-
síssimos suores e curasse o corpo com enorme prazer 223 . Não vale a pena
referir outros que imaginaram muitas coisas deste género - alamedas, pisci-
nas, termas, e outras da mesma espécie - que contribuem para uma boa

220
Patetta (2005, p. 107) argumenta que o termo carpinteiro (jaber tignarius) também pode
ser entendido como marceneiro, isto é, como o executor de maquetes de madeira de pro-
jectos concebidos por outros, como ocorria no Quattrocento em Florença.
22 1
Alberti refere-se ao facto de a sua família ter sido intimada a ir para o exílio, para fora
de Florença, entre 1401 e 1428, somente readquirindo os direitos civis em 1434.
222
Selinunte, cidade situada na costa sudeste da Sicília para onde Dédalo, artista, artesão e
inventor lendário escapou, com o seu filho Ícaro, do labirin o de Cnossos, em Creta, que
tinha sido construído por aquele.
223
Cf. Diod. Sic., IV, 78, 3.

138
Prólogo

saúde. Também não vale a pena mencionar os carros, os moinhos, os reló-


gios e outras pequenas invenções que, no entanto, desempenham um papel
importantíssimo no desenrolar da vida quotidiana. E que dizer dos reserva-
tórios de água trazidos dos lugares mais remotos e recônditos, destinados às
utilizações mais variadas e imediatas? E os monumentos comemorativos, os
santuários, as capelas, as igrejas e outros lugares que o arquitecto criou para
o culto religioso e proveito da posteridade? Finalmente, rasgando penedos,
perfurando montanhas, entulhando vales, contendo águas dos lagos e do mar,
drenando pauis, armando navios, corrigindo o curso dos rios, desimpedindo
as embocaduras, construindo pontes e portos, o arquitecto não só providen-
cia às necessidades temporárias da humanidade, mas também abre o acesso
a todas as regiões da terra. Daí resultou que os homens trocassem entre _si,
em mútuos contactos, produtos agrícolas, perfumes, pedras preciosas, técni-
cas e conhecimentos, bem como tudo aquilo que contribui para a saúde e
para a forma de viver. Acrescente-se a isto os canhões, a maquinaria de
guerra, as fortificações e tudo o que serve para defender e engrandecer a
pátria, a liberdade, o património e a glória da cidade, e para ampliar e con-
solidar o seu domínio.
Esta é a minha firme convicção: todas as cidades que, desde a mais
recuada memória dos homens, caíram sob o domínio do inimigo, em conse-
quência de um cerco, se lhes perguntarmos por quem foram conquistadas e
submetidas, elas dirão que foi por um arquitecto, e que facilmente zomba-
ram de um inimigo armado, J!laS não conseguiram aguentar durante muito
tempo a força do engenho com que o arquitecto lhes apertava o cerco, as
fortificações gigantescas com que as submergia, o ímpeto dos canhões com
que as atormentava. E, pelo contrário, aos sitiados nunca aconteceu senti-
rem-se tão seguros como com o auxílio e os estratagemas do arquitecto. Por
fim, se recordarmos as expedições passadas, verificaremos certamente que
foram alcançadas mais vitórias pelas artes e valor do arquitecto 224 , do que
pelo comando e auspícios de qualquer general 225 ; e que o inimigo sucumbiu
mais vezes ao engenho daquele sem as armas deste, do que à espada deste
sem os planos daquele 226 • E o mais importante é que o arquitecto obtém a

224
Esta linha de pensamento é reafirmada em mais dois passos do tratado (cf. Livro IV,
cap. 3; Livro VII , cap. 1).
225
Em tempo de guerra, competia aos comandantes do exército romano tomar os auspícios
observando o voo das aves: ductu imperio ausp icio (a autoridade, o comando, o auspí-
cio). Cf. Plaut., Mil., l, v. 196.
226
Xen., Oec., XXI, 8.

139
Prólogo

vitória com um pequeno exército e sem perder vidas 227 . Quanto à utilidade é
suficiente o que até aqui foi dito.
Quanto são agradáveis e quão profundamente estão arraigadas no nosso
espírito a tendência e a capacidade para edificar, salta à vista de vários
modos, porque não há ninguém, desde que tenha possibilidades, que não
sinta pendor para construir qualquer coisa; e que, se alguma ideia lhe ocor-
rer sobre a edificação, não a manifeste publicamente com gosto e prazer e,
como que impelido pela sua própria natureza, não a propague para ser utili-
zada por todos. E quantas vezes acontece que, mesmo envolvidos em outras
ocupações, não conseguimos evitar que a nossa mente e o nosso espírito
concebam uma edificação qualquer. E, contemplando um edificio que outros
construíram, de imediato nos pomos a percorrer e analisar uma a uma as
suas dimensões; e, quanto nos permitem as capacidades do nosso engenho,
averiguamos o que nesse edificio podia ser suprimido, acrescentado ou alte-
rado 228, para que a obra pudesse tomar-se mais elegante, e chamamos espon-
taneamente a atenção para isso. Se, porém, está bem concebido e bem exe-
cutado, quem é que o não observa com o maior prazer e alegria? Será ainda
necessário dizer quanto, na pátria ou fora dela, a arquitectura contribui não
só para o bem-estar e o prazer dos cidadãos, mas ainda para os nobilitar?
Quem não considera ser para si motivo de louvor o facto de ter edificado?
Ou quem não considera uma honra que habitemos em residências privadas
construídas com um pouco mais de esmero? Os melhores cidadãos aplaudem
a tua e a sua sorte, e congratulam-se porque lhes construíste uma parede ou
um pórtico magnífico, porque lhes juntaste os ornamentos das ombreiras, das
colunas e do tecto; ou, sobretudo, porque compreenderam que tu, com este
uso da riqueza, acrescentaste muita honra e dignidade a ti próprio, à tua
família, aos teus descendentes e à cidade 229 •
Foi, principalmente, o túmulo de Júpiter que celebrizou a ilha de Creta.
Delos era venerada não tanto por causa do oráculo de Apolo, como pela
beleza da cidade e majestade do templo . Quanto a construção contribuiu

227
Cícero, em Brutus (73 , 256-257) e no Orator (1 , 2, 7) faz uma apologia das qualidades
do orador por cotejo com os poderes do general , sugerindo a supremacia da oratória
relativamente à arte da guerra.
228
A definição albertiana de beleza (vide Livro 6, cap. 2) é entendida como aquela organi-
zação harmoniosa e proporcionada da qual nada pode ser retirado ou acrescentado
excepto para o pior (cf. Livro I, cap. 9; Livro Ill, cap. 12; Livro VII, cap. 5).
229
A ideia de que um cidadão promova a construção de um edificio notável é, no Quattro-
cento, demonstrativo da sua riqueza, bem como do exercício de um dever cívico para
com a cidade. Cf. Rykwert et a/ii, 1988, p. 367, n. 12.

140
Prólogo

para a autoridade do império e do povo latino, sobre isso nada mais direi
senão que nós, pelo testemunho dos túmulos e do que resta da passada mag-
nificência, e que vemos por todo o lado, temos aprendido a acreditar nos
historiadores em relação a muitos aspectos que, de outro modo, pareceriam,
talvez, menos dignos de crédito 230 • Por isso, em Tucídides 231 , de uma forma
notável, se reconhece a sabedoria dos antigos por terem equipado a cidade
com todo o tipo de edificios, de modo a parecerem muito mais poderosos do
que eram 232 • E de entre os príncipes mais ilustres e mais sábios houve algum
que não colocasse a arte edificatória entre os meios mais importantes para
propagar o seu nome e a sua fama 233 no futuro? Mas, quanto a este aspecto,
baste o que fica dito.
Finalmente, vem ao nosso intento dizer que a estabilidade, a dignidade
e o esplendor do estado muito devem ao arquitecto, pois é ele que faz com
que vivamos os tempos de lazer de modo agradável, alegre e sadio; e os de
trabalho, de modo proveitoso e com incremento das nossas riquezas; e
ambos fora de perigo e dignamente. É, pois, inegável que o arquitecto, pelo
que há de agradável e extraordinariamente belo nas suas obras, pela sua
necessidade, pelo auxílio e protecção das suas invenções, pela sua utilidade
para os vindouros, deve ser honrado e venerado, e considerado entre os
cidadãos mais importantes que mereceram honras e prémios da humanidade.

230
Para a geração anterior à de Alberti as ruínas eram compreendidas somente como um
testemunho do passado e não como um meio de aprendizagem em arquitectura.
231
A História da Guerra do Peloponeso, que se reporta ao conflito entre Esparta e Atenas
(431-404 a. C.), foi objecto, até ao ano de 411 , dos oito livros que Tucídides lhe dedi-
cou. Esta obra somente ficou disponível para consulta no Verão de 1442, quando Lou-
renço Valia publicou uma versão latina e a depositou no Vaticano ( Vat. Lat. 1801 ),
pouco antes do tratado de Alberti ter sido apresentado ao Papa Nicolau V. As novas fon-
tes gregas a que Alberti se refere, como é o caso das obras de Diodoro Sículo, de Eusé-
bio de Pânfilo, de Platão (Lg. ), de Heródoto e de Teofrasto, somente ficaram disponí-
veis, em latim, a partir de meados do Quattrocento, o que sugere que, neste período,
Alberti fez uma leitura sistemática das obras destes autores para registar as práticas
construtivas antigas. Cf. Grafton, 1997, p. 71.
232
O passo de Tucídides (I, I O, 2-3), a que Alberti se refere, apresenta outra leitura, na
medida em que seria dificil de fazer uma comparação entre Esparta e Atenas somente
pelos seus registos arqueológicos. Consequentemente, de acordo com Tucídides, não
devemos olhar somente para a aparência destas cidades, mas para a força de todo o seu
esplendor, o que significa que a fonte na qual Alberti se inspirou foi subvertida. Cf.
Grafton , 2000, p. 73 .
233
Para a recorrência do tema da fama ou da glória na obra literária de Alberti veja-se a
peça Fama, ín lntercenales, IV.

141
Prólogo

E nós, cientes de que é assim, com todo o gosto iniciámos a nossa pes-
quisa, com a maior diligência, sobre a sua arte e seus elementos: de que
princípios derivavam, por que partes eram constituídos e definidos. Tendo
verificado que essas partes são coisas de género variado, de número quase
infinito, admiráveis em si mesmas, e de uma utilidade invulgar - embora às
vezes não fosse claro que condição humana, ou que parte do estado, ou que
situação social mais deve ao arquitecto, ou melhor dizendo, ao criador de
todo o bem-estar, se a parte pública ou privada, se a sagrada ou a profana,
se o lazer ou o trabalho, se o indivíduo em particular ou a humanidade no
seu todo - tomámos a decisão, por vários motivos que seria longo expor
aqui, de compilar todos esses aspectos que confiámos à escrita nestes dez
livros.
Será esta a ordem pela qual os trataremos. Com efeito, já sublinhámos
que um edificio é um corpo que consta, como qualquer outro, de delinea-
mento 234 e matéria 235 , sendo aquele o produto do pensamento, e esta obtida
da natureza. Aquele necessita de inteligência e raciocínio, esta de ser traba-
lhada e seleccionada. Mas entendemos que nenhum desses dois elementos,
de per si, é suficiente, se não se lhes juntar a mão de um artífice experiente
que dê à matéria a forma do delineamento. E, sendo várias as utilizações
dos edificios, foi necessário investigar se o mesmo tipo de delineamento é
adequado a qualquer obra. Por tal motivo dividimos os edificios em vários
géneros. E como notámos a importância que neles tem a coerência e a pro-
porção das linhas entre si, como principal fonte e factor de beleza, começá-
mos, por isso, a discorrer acerca da beleza, em que consiste, e qual é a que
é apropriada a cada género. E, como em todos os géneros se encontravam,
ocasionalmente, defeitos, procurámos saber de que forma se poderiam corri-
gir e reparar.
Por conseguinte, tendo em conta diversidade dos temas, a cada livro
se dá o seu título, da forma que se segue.
Título do livro primeiro: o delineamento. Livro segundo: os materiais.
Livro terceiro: a construção. Livro quarto: edificios para fins universais.

234
Na editio princeps verifica-se a expressão linea mentis, o que sugere a sua transposição
para linha da mente. Se bem que a expressão latina forma me'} tiS, com o significado de
modo usual de pensar, seja frequentemente citada desde a Antiguidade (cf. Tac., Ag., I,
46: forma mentis aeterna), aquela enunciação no tratado de Alberti resulta de um erro
de transcrição tipográfica devendo-se ler lineamentis, conforme vem expresso na edição
de Orlandi (1966, p. 15).
235
Cf. Livro I, cap. I.

142
Prólogo

Livro quinto: edificios para fins particulares. Livro sexto : o ornamento.


Livro sétimo: o ornamento de edificios sagrados. Livro oitavo: o ornamento
de edificios públicos profanos. Nono: o ornamento de edificios privados.
Décimo: o restauro das obras. Livros acrescentados: o navio; relatório de
custos 236 ; aritmética e geometria; os instrumentos que o arquitecto utiliza no
seu trabalho 237 .

236
No original aeraria. Se bem que Alberti (V, 13) e Vitrúvio (V, 2, I) usem aerarium no
sentido de tesouro público, na medida em que Alberti se reporta aos instrumentos que o
arquitecto utiliza no seu trabalho, admite-se que aeraria corresponde, aproximadamente,
ao significado contemporâneo de medições e orçamentos.
237
Estes últimos quatro livros, caso tenham chegado a existir, perderam-se apesar de terem
sido feitas referências ao primeiro e ao terceiro livros (Livro V, cap. 12; Livro III,
cap. 2). Alberti assume, consequentemente, que o arquitecto deve possuir conhecimentos
de arquitectura naval, bem como de matemática para aplicações com finalidades práticas.

143
LEON BATTISTA ALBERT/
DA ARTE EDIFICATÓRIA
COMEÇA O LIVRO PRIMEIRO: 0 DELINEAMENTO

CAPÍTULO I

S
endo o nosso propósito escrever sobre o delineamento dos edifícios,
compilaremos e incluiremos nesta obra o que de melhor e mais belo
foi escrito pelos maiores especialistas que nos precederam e o que
notarmos ter sido observado na construção das próprias obras. A estes dados
acrescentaremos o que descobrirmos com o nosso engenho, com a actividade
e o trabalho ~a investigação, e que julgarmos vir a ser útil. Mas como, ao
escrever sobre assuntos desta natureza, de certo modo duros e áridos, e sob
muitos aspectos totalmente impenetráveis, desejo ser absolutamente claro e,
na medida do possível, fácil e acessível, explicarei, como é meu hábito, qual
é a natureza daquilo de que vou tratar 238 . Efectivamente, assim se tornarão
manifestas as origens, a não deixar de ter em conta, dos assuntos que vou
expor, das quais todo o resto derivará em linguagem igualmente acessível 239 .
Assim, pois, daremos início ao assunto. A arte edificatória, no seu todo,
compõe-se de delineamento e construção. Toda a função e razão de ser do
delineamento resume-se em encontrar um processo, exacto e perfeito, de
ajustar e unir entre si linhas e ângulos, afim de que, por meio daquelas e
destes, se possa delimitar e definir a forma do edifício. Ora é função e
objectivo do delineamento prescrever aos edificios e às suas partes uma

238
O Eu tratadístico é utilizado para sublinhar a importância do delineamento na concepção
e elaboração do projecto de arquitectura.
239
A intenção de o autor apresentar o texto numa linguagem acessível é evocativa e recor-
rente na leitura de Vitrúvio feita por Alberti, na medida em que o primeiro não podia
sequer ser entendido, pois, expressando-se em grego, mais parecia que o fazia em latim
e vice-versa (vide Livro VI, cap. 1).

145
Livro Primeiro

localização adequada e proporção exacta, uma escala conveniente e uma dis-


tribuição agradável 240 , de tal modo que a conformação de todo o edificio
assente unicamente no próprio delineamento. O delineamento não depende
intrinsecamente da matéria; mas é de índole tal que nos damos conta que em
vários edificios existem as mesmas linhas, quando neles se verifica uma só
e mesma forma, isto é, quando as suas partes, e a disposição e ordenamento
de cada uma delas correspondem entre si em todos os seus ângulos e linhas.
E será legítimo projectar mentalmente todas as formas, independentemente
de qualquer matéria; conseguí-lo-emos desenhando e pré-definindo ângulos e
linhas com uma orientação e uma conexão exactas. Assim sendo, segue-se
que o delineamento será um traçado exacto e uniforme, mentalmente conce-
bido, constituído por linhas e ângulos, levado a cabo por uma imaginação e
intelecto cultos.
Ora se quisermos investigar o que é em si mesmo um edificio e a cons-
trução no seu todo, talvez venha a propósito considerarmos os primeiros
passos e os progressos, com que se iniciaram e desenvolveram os lugares
habitáveis que se chamam edificios. Se está certo o que penso, podemos
apresentar assim as coisas.

CAPÍTULO II

No princípio, os seres humanos procuraram para si um espaço para des-


cansar, em alguma região segura e, tendo encontrado um terreiro pronto a
ser usado e agradável, aí se fixaram e ocuparam esse mesmo sítio 241 ; mas,
sem pretender fazer no mesmo lugar todas as actividades domésticas e indi-
viduais, destinaram um espaço para dormir, outro para acender o fogo, outro
ainda para colocar coisas de seu uso. Desta forma, começaram a pensar em
pôr aqui uma cobertura, para se protegerem do sol e da chuva; para isso,
acrescentaram posteriormente paredes laterais em que as coberturas se
pudessem apoiar, pensando que assim estariam mais protegidos do tempo

240
A localização adequada, a proporção exacta e a escala conveniente, correspondem aos
a
conceitos de collocatio, de numerus e de finitio, que contribuem para concinnitas da
obra como um todo (cf. Livro XI, caps. 5 e 6).
241
Estas "origens" da arquitectura, de pendor humanista, contrastam com as dimensões
míticas apresentadas por Vitrúvio (li, I, 1-7) sobre o mesmo tema (cf. nesta edição a
introdução - As Leituras da Arte Edificatória) .

146
O Delineamento

frio e dos ventos gelados; por fim, abriram nas paredes, passagens e janelas
da base até ao cimo do edificio, por onde não só fosse possível o acesso e
a comunicação, mas também entrasse luz e ar no devido tempo, e se expe-
lissem a água e os vapores ocasionalmente gerados dentro da habitação.
E assim, quem quer que tenha sido que, no princípio, inventou estas coisas
- seja a deusa Vesta, filha de Saturno, ou os irmãos Euríalo e Hipérbio, ou
Gelião ou Trasão ou o Ciclope Trifinquio 242 - como quer que seja, na minha
opinião foram estes os inícios da construção dos primeiros edificios e os
seus primeiros ordenamentos. Finalmente, julgo que com a experiência e a
técnica, esta prática se desenvolveu com a invenção de vários tipos de edi-
ficios, até quase ao infinito. Com efeito, assim surgiram os edificios públi-
cos, os privados, os sagrados, os profanos, os que visam a utilidade e a
necessidade, os que são para ornamento da cidade, os que se destinam aos
momentos de diversão. Mas ninguém poderá negar que todos eles derivam
daqueles princípios que enunciámos.
Sendo assim, é óbvio que a edificação consta de seis partes, a saber: a
região, a área, a compartimentação, a parede, a cobertura, a abertura 243 . Se
estes princípios ·forem perfeitamente conhecidos, será mais fácil entender o
que vamos expor. Assim, pois, passaremos à sua definição. Chamaremos
região à extensão circundante e ao aspecto do terreno onde se vai construir;
parte dela será a área. A área será, pois, um certo espaço desse lugar, per-
feitamente delimitado, espaço que é rodeado por um muro por conveniência
da sua utilização. Mas, na definição de área inclui-se também todo o espaço
que pisamos, quando percorremos qualquer parte do edificio. À divisão da
área total de construção em áreas menores chama-se compartimentação. Daí
segue-se que o corpo do edificio 244 , no seu conjunto, seja composto por edi-
ficios menores, que são como que os seus membros, unidos e articulados
entre si. Chamamos parede a toda a estrutura que se erguer do solo para o

242
Trata-se de uma citação baseada numa versão corrompida de Plínio-o-Antigo (Nat., VII,
I 94- I 95) que deveria ler-se: "Gel ião aceita Tóxio, filho de Úrano, como o inventor da
construção em barro .. .paredes foram introduzidas por Trasão, torres pelos Ciclopes, de
acordo com Aristóteles, mas de acordo com Teofrasto pelos Tiríntios". Cf. Portoghesi,
I 966, p. 22, n. I; Rykwert et a/ii, I 988, p. 368, n. 8.
243
Estes termos apresentam as seguintes equivalências em vernáculo: regia a região, meio
ou envolvente; area a área ou superficie edificada; p artitio a compartimentação, divisão,
traçado ou plano; paries a parede ou muro ; tectum a cobertura; apertio a abertura ou
vão.
244
Referência explícita à relação edificio-corpo ( cf. Livro I, cap. 9; Livro Ill, cap. 12;
Livro VII, cap. 5).

147
Livro Primeiro

alto, a fim de suportar a carga das coberturas, ou que se eleve sob a cober-
tura para dividir o espaço interior do edificio. Chamamos cobertura à parte
mais elevada e extrema do edificio que intercepta a chuva; mas não só, pois
também, e principalmente, é cobertura tudo aquilo que se estende, em lar-
gura e comprimento, por cima da cabeça de quem passa: a este género, per-
tencem os alpendres, as abóbadas e os arcos bem como outros sistemas
semelhantes. Abertura é tudo aquilo que se encontra por todo o edificio e
possibilita a entrada e saída a pessoas e objectos.
Devemos, pois, falar destes tópicos e das partes de cada um deles. Será,
no entanto, muito útil ao nosso propósito, se primeiro referirmos alguns
aspectos que são, sem dúvida, os princípios fundamentais desta nossa obra
ou neles estão incluídos desde a sua origem. Com efeito, considerando nós
se há algum princípio que se possa aplicar a cada uma dessas partes que dis-
semos, encontramos três que- de modo algum se devem menosprezar e que
se ajustam perfeitamente às coberturas, às paredes e aos restantes elementos
da mesma espécie. São eles os seguintes: que cada uma dessas partes seja
adequada ao uso definido a que se destina e, acima de tudo, seja total a sua
sanidade; que, para sua firmeza e duração, não tenha defeito, seja sólida e
quase eterna; que, para ser bela e agradável, tenha elegância, harmonia e
embelezamento 245 em todos os pormenores. Lançados, assim, os princípios e
fundamentos do que vamos expor, prossigamos no nosso propósito.

CAPÍTULO III

Os antigos punham todo o empenho em terem uma região 246 , na medida


do possível, isenta de tudo o que é nocivo e plena de todas as vantagens.
E, antes de mais, procuravam a todo o custo evitar terem um clima pesado
e prejudicial: precaução sábia e absolutamente indispensável. Admitem, na
verdade que o terreno e a água, se porventura tiverem algo de mal, podem
ser corrigidos graças à técnica e ao engenho, ao passo que o clima, segundo
afirmam, não pode emendar-se nem com o recurso do engenho nem com a
força do homem. E o ar que respiramos - sentimos que é graças a ele, prin-

245
Referência implicita às dimensões vitruvianas de firmitas, utilitas et venustas. Cf. Vitrú-
vio (I, 3, 2).
246
O termo regio é mutáveL No contexto deste capítulo pode ser entendido como porção de
território relacionado, de forma abrangente, com o clima, o terreno, o ar e a água, com
implicações sobre a qualidade de vida do homem.,;

148
O Delineamento

cipalmente, que a vida é alimentada e conservada '-- contribui de forma


extraordinária para a saúde, se for absolutamente puro.
Quem haverá, então, que ignore quanta é a influência que o clima tem
na geração, crescimento, sustento e conservação dos seres? Por outro lado,
compreende-se por que motivo é que são mais inteligentes aqueles que dis-
põem de um clima mais puro do que aqueles que vivem sob um clima
pesado e húmido. Crê-se que foi este factor, acima de tudo, que fez com que
os Atenienses tenham sido muito superiores aos Tebanos em finura inte-
lectual.
Sentimos que o clima varia conforme o sítio e a disposição geográfica.
Em parte parecem-nos compreensíveis as causas de tais variações, em parte
escapam-se-nos completamente, escondidas por detrás dos segredos da natu-
reza. Mas, em primeiro lugar, trataremos das causas evidentes; depois pers-
crutaremos as mais ocultas, para podermos escolher as regiões mais conve-
nientes e viver na maior salubridade.
Os teólogos da antiguidade deram ao ar o nome de Palas. Homero diz
que Palas é uma deusa e que se chama Glaucópis 247 , significando com isso
o ar puro que de sua natureza é absolutamente diáfano. Ora, é claro que o
ar mais saudável é aquele que for mais limpo e mais puro, mais livremente
permeável à penetração do olhar, o mais diáfano, o mais leve, o mais está-
vel e menos variável. Pelo contrário, definiremos como insalubre o ar que,
por causa de uma certa condensação de neblinas ou vapores, se apresenta
denso e infecto, de tal modo que, como uma espécie de peso, se cola às
sobrancelhas e faz pressão sobre a vista. Na minha opinião o que faz com
que assim suceda, em ambos os casos é, além de outros factores, o sol e o
vento. Não daremos conta aqui de célebres tratados da natureza sobre como
os vapores, por acção do sol, são arrancados às mais profundas entranhas da
terra e se elevam para a atmosfera; acumulados neste vasto espaço do céu,
formando um enorme amontoado, afastam-se por causa da sua massa imensa
ou porque recebem um raio do sol, e desse lado perdem a humidade e, por
isso, deslizam para esse lado, e com o seu movimento de queda empurram
e provocam os ventos, e em seguida, levados pela falta de humidade mergu-
lham no oceano; finalmente, enchendo-se da água do mar e impregnados de
humidade, vagueando de novo pela atmosfera, são impelidos pelos ventos e,
apertados como se fossem uma esponja, deixam cair às gotas a humidade
espremida e fazem a chuva, com o que se formam novos vapores a partir da

247
Glaucópis significa "olhos cintilantes" ou "olhos garços", epíteto pelo qual Homero (//. ,
I, 206) se referia, frequentemente, a Atena.

149
Livro Primeiro

terra 248 . Quer seja verdade isto que referimos, quer o vento seja uma exala-
ção seca da terra ou uma evaporação quente accionada pelo frio que a
impele, quer a respiração do ar, quer pura e simplesmente ar, movido pelo
movimento do universo ou pelo curso e irradiação dos astros, quer o sopro
gerador das coisas, sopro que se move por sua própria natureza, quer seja
qualquer coisa indefinida que não consiste em si mesma, mas sim no ar,
derivada do aquecimento da camada superior da atmosfera e por esse
mesmo aquecimento reduzida a ar líquido, quer se deva ter por mais segura
e mais fundada outra explicação e opinião sobre o assunto em análise, penso
que devo passar adiante, porque talvez possa parecer alheio ao nosso pro-
pósito.
No entanto, daqui resulta, se não erro, ser possível explicar por que
motivo é que vemos que umas regiões gozam de um clima radioso,
enquanto outras, ainda que vizinhas e quase situadas no meio delas, são
desoladas por um clima mais triste com dias soturnos. Quanto a mim, supo-
nho que isso acontece precisamente porque não dispõem de sol e ventos
adequados. Diz Cícero que a cidade de Siracusa tinha uma situação tal que
os seus habitantes viam o sol todos os dias ao longo do ano: raramente é
possível escolher tal condição, mas deve-se aspirar a ela acima de tudo,
desde que a necessidade e a oportunidade do lugar o não impeçam 249 •
Entre todas as regiões deve-se escolher aquela da qual esteja de todo
ausente a formação de neblinas e o adensamento de um vapor mais cerrado.
Quem se ocupa destes fenómenos, tem como adquirido que os raios e o
calor do sol agem mais activamente sobre a matéria mais densa que se lhes
depara do que sobre a menos densa, mais sobre o óleo do que sobre a água,
mais sobre o ferro do que sobre a lã.
Daqui deduzem que é mais pesado e mais denso o ar que aquece mais
fortemente um dado lugar do que outro, ainda que próximo. Disputavam os
Egípcios com os demais povos da terra sobre a nobreza e gloriavam-se de
ter sido criada no Egipto a espécie humana no princípio do mundo: pois
diziam que em outro lugar não deveria ter sido criada senão onde haveria de
viver na maior salubridade; e que mais do que todos os homens, tinham sido
obsequiados pelos deuses maravilhosamente, com uma primavera quase per-
pétua e com um clima invariáveL Além disso, escreve Heródoto 250 que, entre

248
Cf. Arist. (Mete., I, 9, 346 a-b) e Hippoc. (A er. , III , 3, 8-9).
249
Cic., Verr., V, 26.
250
Heródoto (II, 77, 3), no entanto, escreveu " [ . . . ] os Egípcios são, a seguir aos Líbios, os
mais saudávei s de todos os homens" (cf. trad. de M. G. K ry, 1988).

150
O Delineamento

os Egípcios, os que gozam de uma saúde muito mais robusta do que todos
os outros são aqueles que confinam com a Líbia, porque aí não há variação
climática. E estou plenamente convencido de que certas cidades de Itália e
de outros países se tomam doentias e pestilentas apenas por causa da súbita
inclemência, ora do ar gelado, ora do ar muito quente.
Por conseguinte, deve-se examinar justamente quanto sol e que sóis tem
a região, não suceda que haja sol ou sombras a mais do que convém. Os
Garamantes 251 amaldiçoam o sol quando nasce e quando se põe, porque os
queima com a intensidade dos seus raios. Outros são de cor pálida porque
entre eles a noite é quase contínua. O que faz que assim seja não é tanto o
facto de terem o eixo da terra mais inclinado ou mai~ oblíquo - embora isso
seja muito importante - como o facto de, pela configuração do lugar, esta-
rem expostos a receber de frente os sóis e os ventos ou, pelo contrário, esta-
rem resguardados. Por mim, preferiria as brisas aos ventos e ser-me-ia
menos molesto suportar os ventos, embora fortes e desabridos, do que uma
atmosfera imóvel e pesada. Como diz Ovídio, "As águas corrompem-se se
ficarem estagnadas" 252 . E o ar? Não há dúvida de que o movimento lhe con-
fere grande vivacidade 253 • Na minha opinião, é o movimento que faz com
que os vapores exalados da terra se dissipem ou entrem em combustão
devido ao aquecimento provocado pelos movimentos. Mas gostaria que esses
ventos chegassem quebrantados por esses montes e florestas que lhes barram
a passagem, ou cansados por tão longa deslocação. Gostaria também que
não se viessem por lugares de onde nos possam trazer uma enfermidade
apanhada na viagem. Por isso, advertem-nos de que devemos evitar a proxi-
midade de qualquer lugar que possa exalar algo de nocivo, como é o caso
de mau cheiro e de qualquer vapor impuro de águas palustres e, sobretudo,
infectas, e também das fossas.
Dizem os naturalistas 254 que todo o rio que engrossa com o degelo traz
consigo um ar frio e denso. Mas, de todas as águas, nenhuma é mais infecta
do que aquela que fica inquinada por não ser mexida por nenhuma espécie
de movimento; e será tanto mais doentio o contágio da sua proximidade

251
Os Garamantes são uma tribo da Líbia. Cf. Hdt. , IV, 183-184.
252
Citação retirada das Epistulae ex Ponto (1 , 5, 6) que reúne quatro livros de poemas, fei-
tos no exílio, por Ovídio, com inúmeras referências à paisagem árida do Mar Negro.
25 3
A personificação é uma das figuras de estilo, utilizada por A1berti , para tirar partido do
carácter fluido do campo semântico da res aedificatoria, face ao ostinato rigore neces-
sário para desenvolver o discurso sobre a edificação.
254
O termo physicus apresenta igualmente o significado de médico.

151
Livro Primeiro

quanto menos é renovada por acção dos ventos salubres. De facto, diz-se
que os ventos, por sua natureza não são todos salubres ou insalubres. Plínio,
seguindo a opinião de Teofrasto e de Hipócrates 255 , diz que o Aquilão 256 é
de todos os ventos o mais próprio para conservar e recuperar a saúde 257 •
Afirmam todos os naturalistas que o Austro é o mais prejudicial dos ventos
para o género humano. Na sua opinião, até mesmo os rebanhos correm
perigo nas pastagens quando sopra o vento do sul. E notaram também que
as cegonhas em parte alguma se confiam temerariamente aos ventos do sul;
e que os golfinhos, com o Aquilão, quando sopra favoravelmente, ouvem as
vozes; ao passo que, com o Austro, só as ouvem mais tarde, como ainda só
ouvem aquelas que lhes chegam vindas de frente; que uma enguia, quando
sopra o Aquilão, resiste durante seis dias fora de água, mas não quando
sopra o Austro: tanta é a densidade inerente a este vento e a sua virulência.
E dizem que assim como o Austro provoca doenças e, sobretudo, constipa-
ções, assim também o Coro 258 provoca tosse.
Desaprovam o mar do sul fundamentalmente por uma razão, porque jul-
gam que uma região exposta aos reflexos dos raios do sol está sujeita a dois
sóis, um que vem do céu, outro das águas. E entendem que aí se dá maior
variação do ar ao pôr-do-sol, quando chegarem as sombras frias da noite.
E há quem considere mais nefastos que tudo o pôr-do-sol e os reflexos dos
raios solares, quer sejam reflectidos pelas águas e pelo mar, quer pelos mon-
tes, porque, com o calor trazido e redobrado pelos reflexos do sol, tomam
ainda mais escaldante um lugar já de si aquecido por um dia inteiro de sol.
Ora se acontecer que, com estes sóis, ventos ainda mais pesados tenham
livre acesso até junto de nós, que haverá de mais molesto e insuportável?
Também desaprovaram completamente, e com toda a razão, as brisas mati-
nais, que trazem consigo os vapores exalados em estado natural.
Falámos do sol e dos ventos; apercebemo-nos manifestamente de que
são eles que provocam as variações do ar e o tomam salubre ou insalubre;
e falámos com a maior brevidade, na medida do que parecia que devia ser
dito neste capítulo: sobre esta matéria discorreremos mais em pormenor em
seu lugar 259 .

255
Na Antiguidade Clássica, Plínio-o-Antigo é o autor da mais completa enciclopédia, em
37 livros, sobre os mundos animal, vegetal e mineral, Teofrasto é o sucessor de Aristó-
teles quando este se retirou de Atenas, após a morte de Alexandre Magno, e Hipócrates
é o mais conhecido esculápio que deu o nome aos primeiros e mais importantes escritos
sobre medicina.
256
Vento do nordeste
257
Cf. Plin. (Nat., II, 48, 127) e Hippoc. (Aer., 8).
258
O Coro é o vento do noroeste e o Austro do sul.
259
Ver Livro IV, caps. 2 e 8; Livro V, caps. 14 e 17.

152
O Delineamento

CAPÍTULO IV
Voltando à escolha da região, convirá que ela seja tal que, sob todos os
aspectos, os habitantes se venham a sentir bem com as condições naturais e
com o género e trato dos vizinhos.
Eu, a não ser forçado por grande necessidade, não edificarei num cume
dos Alpes íngreme e inacessível, onde Calígula 260 planeara construir uma
cidade. Também evitarei a solidão do deserto, como Varrão diz ter sido a
Gália nas imediações do Reno, ou como César escreveu que era a Britânia 261
no seu tempo. Também não me agradará, se aí tiver de viver, como na ilha
Enoe do Mar Negro, somente dos ovos das aves, ou de bolotas, como na
Hispânia 262 , no tempo de Plínio, se vivia em alguns lugares. O meu desejo é
que nada falte do que venha a ser útil.
Alexandre recusou, e muito bem, construir uma cidade no monte Atos,
que seria notável sob alguns aspectos, com um projecto do arquitecto Polí-
crates 263 , pela simples razão de que os habitantes não teriam abundância de
bens. A Aristóteles talvez pudesse agradar de preferência, para fundar cida-
des, uma região que tivesse acessos dificeis. Sei que houve povos que se
esforçaram para que o seu território fosse absolutamente solitário e isoladís-
simo em toda a volta, para dificultar o acesso aos inimigos 264 . Discutiremos
em outro lugar se são ou não de aprovar as suas razões. Mas, se tais provi-
dências forem úteis em estados deste tipo, não serei eu a desaprovar o seu
modo de viver.
Todavia, na escolha de um lugar para os restantes edificios, sem dúvida
alguma será do meu inteiro agrado aquela região que tiver muitos e variados
acessos, pelos quais, de barco, de animal de carga, ou de carro de bois, de
verão ou de inverno, se possam transportar, com toda a facilidade, os bens
necessários. Em todo o caso, essa mesma região não será húmida por
excesso de água, nem agreste por falta dela, mas agradável e bem doseada.

260
Cf. Suet. , Cal., 21.
261
César (Gal., V, 12) refere-se à Germânia e não à Britânia.
262
Esta referência, sobre os hábitos alimentares dos Hispanos, baseada em Plínio-o-Antigo
(Nat., XVI, 15), não coincide integralmente com a descrição de Estrabão (III, 3, 7) sobre
a alimentação dos Lusitanos, constituída também por carne de caça e de cabra, bem
como por bolotas de carvalho.
26 3
O nome deste arquitecto de Alexandre Magno é Dinócrates (cf. Vitrúvio, II, I, I).
264 Tanto Aristóteles (Pol. , VII, 10, 2), como César (Ga l. , VI, 23, 1-3), referem-se a difi-
cultar o acesso ao inimigo, o primeiro à escala do território e o segundo na fundação de
cidades.

153
Livro Primeiro

Se não puder ser conforme o desejo, antes escolheremos uma regtao um


pouco fria e seca, do que uma quente em excesso e mais húmida do que o
necessário. Com efeito, o frio combate-se com uma cobertura, uma parede,
uma veste, o lume e o movimento. Quanto à secura, pensa-se que ela não
contém em si nada que possa ser fortemente prejudicial ao corpo e ao espí-
rito. Além do mais, as pessoas pensam que os corpos enrijecem com a
secura e que, com o frio, talvez se encham de rugas; ao passo que garantem
que com a humidade todos os corpos definham e com o calor perdem as
forças. Está à vista que as pessoas, por causa do tempo frio, ou quando
habitam um lugar frio, são fisicamente mais resistentes e menos sujeitas a
doenças; embora alguém tenha notado que nos lugares quentes são as quali-
dades intelectuais que predominam, enquanto nos lugares frios prevalecem
os dotes físicos. Em Apiano 265 , o historiador, aprendi que os Númidas gozam
de maior longevidade por não terem um inverno realmente frio. De todas as
regiões será a mais excelente aquela que for ligeiramente húmida e aque-
cida: essa produzirá pessoas altas e esbeltas e, além disso, joviais. Em
segundo lugar será mais conveniente aquela região que, nas zonas onde neva
muito, tiver mais sol que as outras, e aquela que, numa zona abrasada pelo
sol, tiver mais humidade e mais sombras.
Mas não há lugar menos conveniente e menos adequado para situar um
edifício, qualquer que ele seja, do que quando esse lugar fica escondido no
fundo de um vale. Na verdade, já para não falar do que é óbvio - ficar
oculto sem nenhuma notabilidade, estar privado de uma vista agradáveJ e do
encanto daí resultante 266 - em pouco tempo ser~ arrasado pelas chuvadas,
inundado pelas águas que confluem de todos os lados e, encharcado con-
tinuamente de excessiva humidade, exalando um vapor da terra muito pre-
judicial para a saúde. Aí, entorpecido o espírito, não se afirmarão as qua-
lidades intelectuais; aí , debilitadas as articulações, o corpo não resistirá;
apodrecerão os livros; os utensílios e tudo quanto se guarda nos celeiros
acabarão por se deteriorar e estragar por causa do excesso de humidade.
Mas se lá entrar o sol, serão requeimados pelos raios que se reflectem de
todos os lados; se não apanharem sol, ficarão inteiriçados por falta de luz e
perderão a maleabilidade. A isto acrescente-se que, se lá penetrar o vento,
como que encanado 267 , assanha-se com mais fúria e mais incómodo do
que em situações normais; se não entrar lá dentro, o ar aí adensado trans-

265
App., Hist., VIII, 10, 71.
266
A teori a artística da paisagem é sistematizada no Li vro IV, cap. 5 e no Livro V, caps. 17
e 18.
267
Cf. Livro X, cap. 7.

154
O Delineamento

forma-se , por assim dizer, em lodo. Com propriedade podemos considerar


um vale um paul ou pântano de ar.
Por conseguinte, será decorosa e agradável a disposição do lugar que
não esteja num fundão como que submersa, pelo contrário seja elevada e
como que lance o seu olhar em redor, por onde, em frequente viração, cir-
cule um ar aprazível. Terá, além disso, em abundância tudo o que for útil e
der prazer, água, lume, comida. Mas deve observar-se que nisso nada haja
que seja prejudicial à saúde das pessoas e danifique as suas coisas. Devem-
-se abrir e provar as fontes e analisar as águas fervendo-as para ver se têm
alguma coisa de viscoso, bolorento ou indigesto que provoque doenças nos
habitantes. Não falarei daquilo que faz com que as águas provoquem papeira
e cálculos; também não falarei daqueles fenómenos excepcionais das águas,
que com saber e elegância são coligidos por Vitrúvio 268 , o arquitecto.
É bem conhecido o que diz Hipócrates, o médico: quem beber água não
purificada, mas pesada e de sabor impróprio, fica com o estômago a arder e
inchado; as outras partes do corpo, braços, ombros, faces tornam-se muito
debilitadas e estranhamente emagrecidas. Além disso, por mau funciona-
mento do baço, tornando o sangue espesso, cairá em várias doenças infec-
ciosas; no verão, ficará sem forças por causa das diarreias, das descargas
biliares e da perda de humores; além disso, durante todo o ano sofrerão de
doenças mais graves e prolongadas; terão acessos de hidropisia, asma e
pleurisia. Os mais jovens sofrerão de más disposições de enlouquecer 269 , os
velhos sentir-se-ão a arder com o incêndio dos humores, as mulheres conce-
berão com dificuldade e terão partos muito dificeis; finalmente, pessoas de
toda a idade e sexo sucumbirão intempestivamente a uma morte precoce,
levadas e consumidas por doenças. E não há dia nenhum da sua vida que
passem sem tristeza, envenenados pelos humores e atormentados por todo o
género de achaques; e assim também o seu espírito andará sempre pertur-
bado de melancolia e acabrunhamento 270 •
Muitas mais coisas se poderiam dizer acerca das águas, que já os anti-
gos historiadores referiram, várias, surpreendentes e de grande influência no
bem e no mal-estar dos seres humanos; mas são pouco frequentes e talvez
importem mais para ostentar erudição do que para esclarecer este assunto.
De resto, em seu lugar se fará uma exposição mais desenvolvida acerca das

268
Uma das referências que Alberti explicitamente faz a Vitrúvio (VIII, 3, 4-25). Ver, tam-
bém, Livro I, cap. 8, Livro II, caps. 4, 6 e 12; Livro III, caps. 4, 15 e 16; Livro IV,
cap. 4; Livro VI, caps. I, 4 e 6; e Li vro VIII, cap. 7.
269
Cic., Tusc., III, 5, 2.
270
Hippoc., Aer. , VII.

155
Livro Primeiro

águas 27 1• Mas desde já se deve ter em conta aquilo que está à vista: que a
água alimenta todos os organismos que crescem, plantas, sementes, e aque-
les que são dotados da função vital que consiste no movimento, de cujos
frutos e abundância se reconfortam e alimentam os seres humanos. Se assim
é, impõem-se que indaguemos com toda a diligência qual é a natureza
intrínseca das águas que há na região em que vamos viver. Diz Diodoro 272
que em muitas partes da Índia as pessoas são altas e vigorosas, dotadas de
uma inteligência aguda, porque respiram ar puro e bebem as águas mais sau-
dáveis.
Ora nós diremos que a água de melhor sabor é aquela que não tiver
nenhum sabor, e a de melhor cor, aquela que for absolutamente destituída e
isenta de cor. Dizem, além disso que água melhor é aquela que for límpida,
transparente e leve, que derramada num pano branco não deixa mácula, que
fervida não deposita resíduo, que não toma musgoso o leito por onde corre
e, sobretudo, não suja os seixos. Acrescentam que a água mais indicada é
aquela em que os legumes ficam mais macios depois de cozidos 273, e boa
será aquela em que se faz o melhor pão.
Pelo mesmo motivo deve-se ver com todo o cuidado se a região produz
alguma coisa que seja nociva ou venenosa, a ponto de correrem perigo os
que viverem nesse lugar. Não falarei de histórias célebres entre os antigos:
que na Cólquida 274 da ramagem das árvores pingava mel e quem o provava
caía desmaiado no chão e era dado por morto durante um dia inteiro 275 ; e o
que dizem ter sucedido no exército de António por causa de umas ervas que
os soldados, à falta de pão, tinham comido e, enlouquecendo, puseram-se a
cavar as pedras, exasperando-se de tal modo que, com uma perturbação
biliar, caíam e morriam, sem outro remédio que lhes valesse contra esse
mal, senão beber vinho, como escreve Plutarco. São histórias conhecidas.
Enfim, na época em que vivemos, ó deuses do Olimpo! em Itália, na
Apúlia, houve um ataque de um veneno nunca visto de umas aranhas peque-
nas que surgiam da terra e, com a sua picada as pessoas entravam num delí-
rio louco e, levadas por uma espécie de fúria, ficavam fora de si. Coisa

27 1
Ver Livro X, cap. 2.
272
Diodoro Sículo (II, 36, I) relaciona também a estatura e a massa corporal das pessoas,
na Índia, com a abundância de alimentos.
273
Cf. Vitrúvio, Vlll, 4, 1-2.
274
Região na costa este do Mar Negro, situada entre as montanhas do Cáucaso e a Armé-
nia, com uma linha de costa atravessada por diversos cursos de água e, a cota mais ele-
vada, com um solo fértil.
275
Xen., An., IV, 8, 20-21 , e Plin. , Nat., XXI, 74.

156
O Delineamento

estranha: não se nota nenhum inchaço grave nem sangue pisado, que apareça
em alguma parte do corpo provocado pela picada ou ferroada do animalejo
venenoso; mas de imediato perdem os sentidos e caem estonteados e, se não
forem socorridos, morrem num instante. Curam-nos com os remédios de
Teofrasto, o qual garantia que as mordeduras de víbora são curadas pondo-
-se uma flautista a tocar. Por isso, estando eles assim consternados, os músi-
cos acalmam-nos com vários sons melodiosos. Mas quando chegam à sua
melodia, levantam-se de repente como que acordando e, com uma vivaci-
dade que lhes vem do prazer da alma, acompanham a música com todo o
esforço dos nervos e dos músculos. Dos que são mordidos, vêem-se uns
dançando, outros cantando, outros fazendo e tentando outras coisas, provo-
cadas pelo seu prazer e insânia, levando o seu esforço ao extremo do can-
saço sem nenhuma interrupção durante mais alguns dias e em mais nada
encontram convalescença senão na satisfação completa da demência con-
traída e ainda no princípio.
Lemos que algo de semelhante aconteceu entre aqueles Albanos que
com grandes forças de cavalaria combateram contra Pompeio 276 • Com efeito,
dizem que entre eles é costume nascerem aranhas que, mordendo as pes-
soas, a umas as matam fazendo-as rir, a outras, pelo contrário, fazendo-as
chorar 277 .

CAPÍTULO V

Na escolha da região não basta considerar apenas aqueles aspectos que


saltam à vista, mas é também necessário ter em conta toda a situação, obser-
vando os indícios menos evidentes 278 •
Ora será indício de óptimo ar e de águas perfeitas se essa região pro-
duzir bons frutos em abundância, se proporcionar sustento a grande número
de velhos em idade avançada, se abundar em jovens vigorosos e belos, e em
partos sadios e frequentes ; se der à luz seres sem defeito e não desfigurados
por disformidades. Eu, na verdade, vi cidades, que me parece oportuno não
nomear, nas quais não há mulher que dê à luz sem acabar por ser mãe de

276
Os Albanos a que Alberti se refere viviam nas margens do Mar Cáspio e não no Epiro
(cf. Plut., Pomp ., 35).
277
Cf. Strab., XI, 4, 6.
278
Alberti baseia-se em Hipócrates (A er., 7, 4) para estabelecer a distinção entre indícios
que saltam à vista e os menos evidentes.

157
Livro Primeiro

um ser humano e, além disso, de um monstro. Vi também uma cidade de


Itália onde nascem tantos escrofulosos, estrábicos, coxos e tortos que quase
não há família que aí tenha crescido que não tenha alguém manco ou defi-
ciente. E é, sem dúvida, com razão que se observa que, onde se virem fre-
quentes e grandes diferenças entre um e outro corpo, entre um e outros
membros, isso acontece por influência nefasta do clima e do ar, ou por
alguma causa mais oculta de uma natureza malsã. E vem a propósito o que
se costuma dizer: no ar mais denso tem-se menos apetite, no ar mais leve
tem-se mais sede.
É também de toda a conveniência conjecturar qual será a compleição
dos seres humanos a partir do aspecto e da aparência dos outros animais.
Pois se virem que aí os animais são robustos, e os seus membros de grande
tamanho e bem desenvolvidos, poderão justamente esperar vir a ter filhos
igualmente bem constituídos.
Também não será despropositado se, a partir dos corpos inanimados,
aqueles em que se extinguiu o vigor da vida, recolheremos indícios sobre o
ar e os ventos. Efectivamente, podemos deduzi-los das estruturas dos edifí-
cios das proximidades: se essas estruturas se tomaram escalavradas e carco-
midas, será indício de que nelas confluem males originários dessa região.
Também as árvores inclinadas ou dobradas para o mesmo lado, como que de
comum acordo, revelam ter cedido às rajadas dos ventos. As próprias pedras
velhas 279 , naturais desses lugares ou para lá deslocadas, se ao de cima se
desfazem mais que o normal, provam que há uma forte variação da tempe-
ratura do ar, ora abrasador, ora enregelado 280 • E deve, sem dúvida, evitar-se,
acima de tudo, uma região em que se desencadeiam violentas alterações do
bom e do mau tempo. Com efeito, os corpos dos seres mortais, se forem
apanhados de repente pelo choque violento do calor ou do frio, logo toda a
coesão do corpo e a conexão de cada uma das partes se debilita e desfaz,
arrastada para a doença e uma velhice precoce. Afirmam que uma cidade
situada no sopé dos montes, que da encosta contempla o pôr-do-sol, é mais
insalubre precisamente porque, logo a seguir, se sentem mais gelados os
vapores nocturnos e a escuridão.

279
O termo rediviva significava, na Antiguidade, restaurada e, no contexto da edificação,
conotava-se com a reutilização dos materiais de construção, nomeadamente dos materiais
pétreos, como ocorre em Cícero (Verr., I, 147) com a expressão lapide redivivo. Vitrú-
vio (VII, I, 3) utiliza aquele termo no sentido de pedra envelhecida, mas Alberti (Livro
X, caps. 7, 11 e 16) também o usa na acepção de material resistente.
2 0
H Plin., Nat., II, 211.

158
O Delineamento

Nas vicissitudes dos tempos passados, transmitidas pela observação dos


sábios, convém igualmente considerar com toda a atenção se existem fenó-
menos ainda mais raros. Na realidade, há certos lugares que têm por natu-
reza uma característica desconhecida que pode contribuir para a felicidade
ou para a infelicidade. Em Locros e Crotona dizem que nunca houve peste;
que na ilha de Creta não existem animais nocivos; observaram que nas
Gálias raramente se tem visto nascer um ser disforme. Em outros lugares,
afirmam os naturalistas que não relampeja, nem no verão nem no inverno.
Mas na Campânia, diz Plínio, relampeja, nesses mesmos períodos, nas cida-
des voltadas a sul 28 1• Contam que na Ceráunia, no Epiro, os montes Ceráu-
nios 282 são assim designados por causa dos raios aí frequentes. Também o
facto de na Ilha de Lemnos serem frequentes os raios deu ensejo a que os
poetas dissessem - segundo Sérvio 283 - que naquele lugar caiu Vulcano.
Asseguram que no Bósforo e entre os Essédones nunca se viram trovões e
raios. No Egipto, se chover, é tido como um prodígio. Em Hidaspe 284, no
início do verão, não pára de chover. Na Líbia, referem que os ventos se
movimentam tão raramente que se podem ver no ar várias imagens formadas
de vapor a partir da densidade da atmosfera. Pelo contrário, na maior parte
da Galácia 285 , o vento sopra, durante o verão, com tanta violência que leva
pelos ares as pedras, como se fossem areia. Em Espanha, junto do rio Ebro,
proclamam que o vento Círcio 286 faz tombar os carros ainda que carregados.
Os historiadores afirmam que na Etiópia não sopra o Noto 287 ; ao passo que
na Arábia e entre os Trogloditas o vento queima tudo quanto é verde. Tucí-
dides 288 escreve que a Ilha de Delos foi desde sempre poupada aos terramo-
tos e sempre permaneceu no mesmo rochedo, enquanto as circunvizinhas
soçobravam aos terramotos. Aquela parte de Itália que é constituída por
toda a cordilheira dos montes Hémicos, desde o Álgido 289 , perto de Roma,
até Cápua, vemo-la sacudida por frequentes terramotos e quase totalmente

281
Plin. , Nat., II, 136.
282
A etimologia grega da designação " montes Ceráunios" sugere fulminar. Keraunos é o
termo grego que significa "raio".
283
Cf. Serv., A., VIII, v. 414.
284
Hidaspe é, actualmente, Jhelum no Punjab, Índia.
285
Região central da Ásia Menor, que se locaiiza tanto a oeste como a leste da modema
Ankara e que, a partir de 25 a. C., passa a fazer parte de uma província romana.
286
Vento do noroeste .
287
Vento do sul.
288
Thuc., II, 8, 3.
289
Designado actualmente Monte Comparti .

159
Livro Primeiro

destruída. Há quem julgue que a Acaia 290 é assim designada por causa das
suas frequentes inundações. Descobri que, em Roma, houve sempre muitas
febres, consideradas por Galeno 29 1 como um novo tipo de febres semiterçãs,
contra as quais se deve utilizar, a diversas horas, diversos remédios e quase
contrários entre si. Encontra-se entre os poetas uma velha lenda que diz que
Tífon 292 , sepultado na ilha de Próquida, se agita com frequência, do que
resulta a ilha tremer desde os seus fundamentos. Assim o cantavam os poe-
tas porque a ilha, segundo eles, era abalada por terramotos e erupções, a
ponto de os habitantes das cidades de Éritra e de Cálcis 293 terem de fugir e
os que para lá foram mandados tempos depois por Hierão de Siracusa 294 , a
fim de fundarem uma nova cidade, fugiram mais uma vez, acossados pelo
medo de frequentes perigos e calamidades.
Em suma, todos os fenómenos deste género devem ser submetidos a
uma observação prolongada e confrontados com casos análogos de outros
lugares, com o objectivo de se poder dispor de uma informação completa.

CAPÍTULO VI

Deve-se ainda investigar se essa região não está SUJeita a inconvenien-


tes mais ocultos. Platão achava que, às vezes, em certos lugares, andava no
ar e era poderosa uma certa força sobrenatural e uma determinação das
potências superiores propícia ou nefasta aos habitantes 295 • Há, de facto, luga-
res onde as pessoas facilmente perdem o siso, onde facilmente se entregam
à desgraça, e põem fim à vida enforcando-se, matando-se com uma arma ou

290
Região do Peloponeso, assim designada para comemorar a vitória de Roma, em 146
a. C., sobre a confederação Acaica.
291
Galeno de Pérgamo ( 129-199 d. C.), autoridade médica do período clássico, escreveu
De febrium differentiis (II, 8).
292
Monstro, entre homem e fera, que personificava, na mitologia clássica, os cataclismos
terrestres.
293
Cidades antigas, das quais restam achados arqueológicos, situadas na ilha de Eubeia no
Mar Egeu.
294
Tirano da cidade de Siracusa no séc. V a. C. .
295
Platão (Lg. , V, 747), em complemento à cidade ideal descrita na República (IX, 592b),
imagina uma cidade possível, distinguindo, entre os factores de estabilidade política, os
que resultam de condições naturais, e aqueles que o legislador pode modelar com o uso
da razão, invocando forças superiores para que possam ser dominados.

160
O Delineamento

envenenando-se. Ao que se disse acrescente-se que, uma vez perscrutados os


indícios da natl,ueza, é indispensável não perder de vista tudo aquilo C},Ue
possa ser útil.
Um velho costume que remonta a Demé~rio 296 , aplicado não apenas à
fundação de cidades e vilas fortificadas, mas também à implantação. çlos
acampamentos militares no dia-a-dia, impõe que examinemos o fi-gado dos
animais que andam a pastar no local, para verificar qual é o seu estado e
cor 297 : se aparecer infectado de alguma mazela, é sinal de que se deve evi-
tar a insalubridade daquele lugar.
Dizia Varrão que tinha conhecimento de que em certos lugares esvoaç(l-
vam no ar animais do tamanho de átomos e que, entrando nos pulmões com
a respiração, se fixavam nas entranhas e, roendo-as, provocavam uma infec-
ção negra e purulenta, trazendo consigo a ruína e a morte 298 •
Não devemos deixar de referir que se encontram lugares de sua própr~a
natureza isentos de quase todos os inconvenientes e livres de todos os peri-
gos: contudo estão de tal modo expostos que com frequência os estranhos e
imigrantes trazem consigo doenças contagiosas e calamidaçles. A causa disso
não são apenas as armas e a agressão, como sucede com pessoas bárba.J:'aS e
selvagens, mas também a amizade e a hospitalidade que podem ser muito
prejudiciais. Alguns porque têm vizinhos cúpidos de inovações, perigam por
causa da sua ruína e perdição. Uma pestilência persistente tem abalado
Pera 299 , uma colónia genovesa no Mar Negro, porque no dia-a-dia são rece-
bidos nesse lugar escravos trazidos de fora, infectados e doentes, tanto pela
tristeza de alma como também pela sujidade e im1,1ndície.
Do mesmo modo afirmam que é próprio de um homem sábio e inteli-
gente procurar conhecer, pela observação do céu, a futl,lra sorte da região.
Eu penso que de modo nenhum se devem desprezar estas artes, contanto, ql;le
não entrem em conflito com a religião 300 . Qualquer que seja essa entidade

296
Possivelmente trata-se de Demétrio I da Macedónia, também conhecido como Poliorce-
tes, filho de Antígono I e condottiero do séc. III a. C .. Cf. Portoghesi, 1966, p. 48, n. 2.
297
Cf. Vitrúvio, I, 4, 9.
298
Var. , R., I, 12, 2.
299
Hoje um bairro de Istambul.
300
Ao referir-se à observação do céu para estimar a futura sorte da região, Alberti revela
uma ambiguidade entre fé e crença na medida em que se reporta, implicitamente, ao
desejo dos deuses e às previsões dadas pelas constelações ( cf. Livro II, cap. 13) que é,
no entanto, explicitamente resolvida na obra Theogenius , 1: "Quando investigo e des-
cubro que as força s dos céus e dos seus planetas residem em nós, então habito verda-

161
Livro Primeiro

que designamos Fortuna, quem negará que ela desempenha um papel deter-
minante na vida dos homens? Nem deixaremos de afirmar que a fortuna
pública da cidade de Roma teve um papel importantíssimo na propagação do
império. Diodoro escreve que a cidade de Iolau fundada pelo sobrinho de
Hércules, embora tivesse sido flagelada muitas vezes pelas armas cartagine-
sas e romanas, manteve-se sempre livre 30 1• Acaso terá sido sem intervenção
da Fortuna do lugar que o templo de Delfos foi incendiado primeiramente
por Flégias 302 e pela terceira vez no tempo de Sula 303 ? E o Capitólio? Quan-
tas vezes foi incendiado! Quantas posto em chamas!
A cidade de Síbaris 304 foi uma e outra vez molestada, abandonada e
destruída de novo, e no entanto subsistiu, e por fim manteve-se, ainda que
deserta. Mesmo assim os seus habitantes, fugindo das desgraças, foram per-
seguidos pela infelicidade: com efeito, tendo-se transferido para outro lugar,
enjeitando o antigo nome da cidade 305 , nem assim conseguiram livrar-se da
calamidade: com a invasão de novos habitantes as famílias mais antigas e
mais nobres foram todas aniquiladas pelas armas e trucidadas, e pereceram
por completo, juntamente com os templos e a cidade 306 • Mas passemos
adiante destes exemplos de que estão cheias as crónicas.
Tenhamos como assente que é próprio do homem mais sábio tentar
obter tudo aquilo que faça com que o trabalho e os gastos da edificação não
sejam em vão, e que a obra seja resistente e salubre no mais alto grau. Não
há dúvida de que, na prossecução de tão grande objectivo, é obrigação de
um homem sábio e reflectido nada omitir. Acaso não é importante para ti e
para os teus obter o que é útil para a saúde, o que convém para levar uma
vida com dignidade e prazer, que contribua para transmitir à posteridade a
glória do nosso nome? Aí cultivaremos os estudos dos mais nobres saberes,

deiramente entre os deuses". Alberti advoga, neste diálogo, qualificador do antropocen-


trismo renascentista, sobre a origem dos deuses a "[ .. .] superioridade da inteligência
sobre a força e a fortuna" (De Sanctis, 1965, p. 195).
301
Diod. Sic., V, 15, 1-6; Strab., V, 2, 7; Liv., XL, 19, 6 e Mela, II, 7, 19.
302
Personagem mítica, que incendiou o templo de Apolo. Na Eneida (VI, 618), Virgílio
apresenta-o nos infernos sofrendo a punição do seu acto.
303
Lúcio Comélio Sula (138-78 a. C.), general e político romano, activo desde a sua desig-
nação como questor de Gaio Mário em 107 a. C., saqueou o templo de Ap0lo em Del-
fos em 86 a. C. .
304
Cidade grega fundada cerca de 720 a. C., situada no sul da Itália peninsular, sobre o
golfo de Tarento, cuja riqueza e luxúria se tomou um topos na literatura clássica. Aca-
bou por ser destruída em 51 O a. C. pela cidade rival de Cortona.
3os Para fundar Túrio.
306
Diod. Sic., XII, 10-11 .

162
O Delineamento

mas também os afectos dos filhos e demais família, aí passaremos dias de


lazer e de trabalho, aí se conservarão os propósitos de toda a nossa vida, de
tal modo que, em minha opinião nada pode haver em toda a vida do ser
humano, excepto a virtude, a que nos devamos consagrar com maior dedica-
ção, esforço e diligência do que habitar com qualidade na companhia de
uma família saudável. E quem será capaz de afirmar que se pode habitar
com qualidade sem ter em conta aquilo que acima expusemos 307 ? Mas
quanto a isso, baste o que já foi dito. A nossa exposição passará a ocupar-se
da área.

CAPÍTULO VII

Na escolha da área 308 deve observar-se tudo aquilo que foi dito acerca
da região. Com efeito, assim como a região é uma determinada porção, por
nós escolhida, de um território mais vasto, assim também a área é um
espaço do conjunto da região, delimitado e definido, que é reservado à cons-
trução do edificio. Por tal motivo, a área e a região têm em comum quase
tudo aquilo que é louvável ou censurável. No entanto, posto que assim seja,
esta secção contém preceitos que parecem aplicar-se única e exclusivamente
à área, e outros que não só dizem respeito à delimitação da área, mas em
grande parte têm ainda a ver com as questões ligadas à região. Assim são os
que se seguem.
É preciso ter em mente o que pretendemos, se um edificio público ou
privado, se sagrado ou profano, e outros aspectos do mesmo género, dos
quais falaremos mais especificamente em seu lugar 309 • Com efeito, são
diversos o espaço e os lugares que se utilizam para um fórum, um teatro,
uma palestra 310 , um templo. E assim, segundo a natureza e a função de cada
um, deverá escolher-se o sítio e a configuração da área.
Mas, neste lugar, para podel-mos prosseguir com os aspectos gerais, tal
como tínhamos começado, tocaremos ao de leve apenas aqueles que consi-

307
A consciência de que a dimensão ética da arquitectura - resultante do combate entre a
virtus e a fortuna - é indissolúvel da sua concretização artística é um dos legados, até
aos nossos dias, da obra de Alberti para a arte edificatória.
308
O termo area designa tudo o que é resultante da projecção, no terreno, do edificado ou
do coberto pela edificação.
309
A distinção entre edificios públicos/privados e sagrados/profanos (Livros IV a IX) fim-
damenta-se no ordenamento religioso e jurídico que regulava, desde tempos remotos, a
vida no mundo romano. Cf. Hor. , Ars., 396-399 ; Cic., Verr. , II, 4, 120.
310
Ver Livro V, cap. 8.

163
Livro Primeiro

deramos indispensáveis. Assim, em primeiro lugar vou formular algumas


observações que são necessárias para expor convenientemente o assunto.
Efectivamente, pretendendo nós tratar da delimitação da área, convém des-
crever os elementos com que se executa o traçado.
Todo o traçado consta de linhas e ângulos. As linhas são o perímetro
que circunda a toda a volta o espaço total da área. A parte da superficie
incluída neste perímetro, contida entre duas linhas que se interceptam
mutuamente, chama-se ângulo. A intersecção de duas linhas define quatro
ângulos; se um deles for igual a cada um dos outros três, chamam-se ângu-
los rectos; e os que forem menores do que um ângulo recto chamar-se-ão
agudos, tal como se dizem obtusos os ângulos maiores que um ângulo recto.
Há linhas rectas e linhas curvas; não vem a propósito referir-me aqui às
linhas em espiral e em serpentina 311 • A linha recta é um traço comprido que
une dois pontos entre si, traçado de tal forma que não se possa fazer outro
mais curto. A linha curva é uma parte da circunferência. A circunferência é
uma traço feito por um de dois pontos que é deslocado em redor de outro
no mesmo plano, de tal modo que, durante todo o percurso, dista do outro
ponto fixo ao centro, em tomo do qual gira, nem mais nem menos do que
quando começou a deslocar-se à sua volta.
Mas acrescente-se que a linha curva, que dissemos ser parte da circun-
ferência, aqui entre nós, os arquitectos, se chama arco, por analogia. E, tam-
bém por analogia, a linha recta que une dois pontos extremos será chamada
corda. E a linha que, com ângulos iguais de ambos os lados, vai do meio da
corda até ao arco chamar-se-á flecha. E à linha que vai do ponto fixo que
está dentro do círculo até à linha curva que delimita o mesmo círculo cha-
mar-se-á raio. E terá o nome de centro aquele ponto fixo, que ocupa o meio
dentro do círculo. E chamar-se-á diâmetro à linha recta que, passando pelo
centro, cortar em dois pontos a linha curva do círculo. Também há vários
tipos de arco: perfeito, abatido, apontado 312 • Arco de volta perfeita é aquele

311
A linha em espiral é utilizada por Alberti para traçar a voluta do capitel jónico (Livro
VII, cap. 8) e a linha em serpentina para delinear a escada em caracol (Livro III,
cap. 6).
312
A nomenclatura usada por Alberti é [arcus] integer. comminutus e compositus arcus,
designações que significam, respectivamente, arco de volta perfeita, abatido e apontado.
O arco de volta perfeita, de volta inteira ou de meio ponto apresenta um intradorso
semicilíndrico, o arco abatido ou rebaixado uma flecha menor que o vão e o arco apon-
tado ou quebrado dois segmentos, de arco de volta perfeita ou abatido, que se intersec-
tam no fecho.

164
O Delineamento

que ocupa metade do círculo, isto é, aquele cuja corda é o diâmetro de um


círculo inteiro. Abatido é aquele cuja corda é menor que o diâmetro; ou, o
que vale o mesmo, o arco abatido é parte de um semicírculo. O arco apon-
tado é composto por dois arcos abatidos; e, por esse motivo, forma um
ângulo na parte superior com a intersecção mútua de ambos os arcos, o que
não sucede nem com o arco de volta perfeita, nem com o abatido. Esclare-
cidos estes aspectos, continuaremos a exposição.

CAPÍTULO VIII

Uma área pode ser poligonal ou circular. Das poligonais, umas são
compostas totalmente de linhas rectas, outras de linhas rectas e curvas mis-
turadas. Não me ocorre ter encontrado nos edificios da antiguidade uma área
poligonal formada por várias linhas curvas, sem nenhumas rectas interca-
ladas 313 •
Mas, neste domínio, deve-se ter em conta aquilo que em todas as par-
tes de um edificio merece ser fortemente criticado, se faltar, bem como
aquilo que, se estiver presente, lhe confere graça e comodidade: isto é, que
haja uma certa variedade 314 tanto de ângulos, como de linhas, e ainda de
cada uina das partes, de modo a não ser nem demasiado frequente, nem
totalmente rara, mas disposta em função da utilidade e da graça, de tal modo
que partes inteiras correspondem a partes inteiras, e partes iguais a partes
Iguais.
Os ângulos rectos usam-se com grandes vantagens. Ninguém usou
ângulos agudos 315 mesmo em áreas muito pequenas e sem importância, a
não ser obrigado e por exigência da configuração dos lugares ou áreas mais
importantes. Os ângulos obtusos têm sido considerados bastante convenien-
tes, mas com a reserva de nunca serem em número ímpar.

313
A igreja de São Lourenço em Mântua, construída no séc. XII à semelhança igreja do
Santo Sepulcro em Jerusalém, provavelmente restaurada por Alberti em 1460, apresen-
tava uma superficie parietal circular intercalada com colunas adossadas. Cf. Benigni
et ai/i, 2007, p. 273 .
314
Variedade, para Alberti, é uma categoria operativa entendida também como uma exten-
são do ornamento. Cf. Livro II, cap. I; Livro IV, cap. I ; Livro X, cap. 9.
315
Prática antiga e comum, utilizada na estereotomia da pedra e da madeira, para se evitar
o aparecimento de fendas ou o colapso dos sistemas e elementos construtivos, bem
como para facilitar o seu corte e a sua ensamblagem.

165
Livro Primeiro

Afirmam que a área com maior capacidade de todas, e em que se fazem


menos despesas em cercá-la de um aterro ou de um muro, é a que tem
forma circular. Consideram mais próxima desta aquela que tiver muitos
ângulos salientes, mas é indispensável que sejam ângulos rigorosamente
iguais, reciprocamente correspondentes entre si e das mesmas dimensões em \

toda a área. Seja como for, aprovam em primeiro lugar aquelas áreas que
permitem elevar facilmente as paredes até à altura da obra a definir correc-
tamente 316 , como é o caso daquelas que são hexagonais ou octogonais. Tam-
bém vimos uma área decagonal bem configurada e de grande beleza 317 .
É ainda possível implantar uma área de doze ou dezasseis ângulos. Vimos,
enfim, uma área de vinte e quatro ângulos; mas estas são mais raras 318 •
As linhas dos lados devem ser de tamanho igual às que se situam no
lado oposto; e em ponto nenhum de toda a obra se deverão aproximar com
um só traço as linhas mais compridas das linhas mais curtas, mas haverá
entre elas uma justa e adequada proporção de acordo com as circunstâncias.
Estabelecem que os ângulos sejam colocados na direcção de onde o ímpeto
e a violência da massa das terras, das águas e dos ventos exercem pressão e
ameaçam arremeter, a fim de que o dano e o peso exercido se divida e dis-
sipe, resistindo os muros contra tal moléstia, por assim dizer, não com a fra-
gilidade dos flancos, mas com uma frente poderosa 319 • Mas se as restantes
linhas do edificio impedirem a possibilidade de usar um ângulo no ponto
desejado, deverá recorrer-se a uma linha curva, uma vez que, se por um lado
a linha curva é parte do círculo, por outro lado o próprio círculo é, na opi-
nião dos filósofos, todo um ângulo.
Uma área poderá estar situada num lugar plano ou num declive, no
cimo de uma elevação 320 • Se estiver situada num lugar plano, convém fazer
um aterro e construir uma espécie de plataforma. Isso, na verdade, não ape-
nas contribui em muito para a dignidade do edificio, como também, se não
se fizer, acarretará vários inconvenientes. Com efeito, os aluviões das tor-

3 16
Prática frequente na construção de paredes autoportantes e anterior à mecanização dos
sistemas e processos construtivos.
317
Referência ao templo de Minerva Médica em Roma, circa 250 d. C ..
3 18
O número de lados em superficies parietais poligonais está relacionado com a proporção
adequada entre o comprimento de cada lanço de parede e a correspondente altura.
319
Cf. Vitrúvio, I, 6, 2 e I, 6, 8.
320
Esta divisão corresponde, de acordo com Bougart (200 I, pp. 701-702), à organização do
habitat rural toscano, dada a escassez de recursos durante o período medieval, sob o
impulso defensivo do incastellamento, que concentrou as formas dispersas de povoa-
mento do território.

166.
O Delineamento

rentes e das chuvas costumam depositar lama nos lugares planos, o que faz
com que o solo ·pouco a pouco se vá elevando; além disso, se por negligên-
cia não forem retirados os entulhos e os detritos que se vão acumulando, as
zonas planas facilmente sobem de nível em toda a volta. Frontino 321 , o
arquitecto, dizia. que no seu tempo as colinas de Roma tinham crescido por
causa da frequência dos incêndios; e, ainda hoje, a vemos sepultada em
escombros e sujidade. Eu vi na Úmbria um santuário antigo situado num
lugar plano, mas em grande parte enterrado por uma elevação do terreno que
se formou à sua volta, porque essa planície se estendia no sopé dos mon-
tes 322 • Mas para quê demorar-me a falar do sopé dos montes? Em Ravena,
sob as muralhas, o célebre templo que tem por cobertura um vaso de pedra
de uma só peça, embora esteja situado perto do mar e longe das montanhas,
foi enterrado no solo em mais de um quarto do seu tamanho pela acção do
tempo 323 • Qual deve ser a altura do aterro de cada área, di-lo-emos em seu
lugar, quando falarmos em particular desta matéria, e não genericamente
como aqui 324 •
Mas convém que qualquer área seja, por natureza ou artificialmente,
dotada de solidez; por esse motivo, considero que, antes de mais, devem ser
ouvidos aqueles que aconselham que investiguemos, por meio de escavações
distanciadas umas das outras, qual a capacidade desse solo, em função da
sua consistência, inconsistência ou moleza para sustentar o peso da constru-
ção. Efectivamente, se a área se situar num declive, deve-se providenciar
para que as partes de cima com a força da compressão não empurrem as de
baixo, nem estas, porventura movendo-se, provoquem o desabamento daque-
las. O meu desejo é que esta parte do edificio, que há-de ser a base de toda
a obra, seja absolutamente firme e reforçada de todos os lados.
Se a área ficar no cimo de uma elevação, deverá ser alçada de algum
lado ou então nivelada, aplanando-se a parte mais saliente do cume do

321
Sexto Júlio Frontino, supervisor dos aquedutos romanos na segunda metade do séc. I
d. C., é o autor de De A quis Vrbis Roma e ( 18, 2), onde cita relatórios dos engenheiros,
documentos oficiais, planos e decretos senatoriais com pormenores sobre os caudais, sis-
temas de fornecimento e abusos de utilização.
322
Presumivelmente, este passo refere-se a uma antiga edificação tumular, conhecida como
templo de Clitumno (cf. Plínio-o-Moço, Epistulae Liber, VIII, 8), convertida em templo
paleocristão na alta Idade Média, situada junto ao rio com o mesmo nome que passa
pela cidade de Trébia na região da Úmbria.
323 Referência ao mausoléu, de planta decagonal, de Teodorico, rei dos ostrogodos, trans-
formado, desde o séc. VII, na igreja de Santa Maria Rotunda.
324
Ver Livro III, cap. 5.

167
Livro Primeiro

monte. Neste caso, deve-se procurar, para conseguirmos t~l objectivo, que
isso se faça, sem perda da dignidade, moderando e reduzindo os custos e o
trabalho. Talvez o melhor seja retirar uma parte do alto e soerguer uma parte
do declive. Bem sábio foi o arquitecto, quem quer que ele tenha sido, que
aplicou este princípio em Alatro, uma cidade do monte Hérnico 325 situada
numa elevaÇão rochosa. Com efeito, fez coin qqe a base da fortaleza ou do
templo, ·que é a única coisa que, arrasadas as outras edificações, ainda hoje
se vê, fosse reforçada e apoiada pelo entulho arrancado da parte mais alta.
E nessa ohra há um aspecto que eu aprecio mais que tudo: um ângulo des·sa
área foi voltado para o lado onde o declive é mais íngreme, e reforçou esse
ângUlo acurimlando pedaços enormes de grandes blocos; e esinerou'-se na
disposição das pedras, para que, mantendo a parcimónia, conferisse beleza à
construção. E também me apraz outro expediente desse arquitecto: não tendo
nesse lugar grande abundância de pedra, construiu um aterro para suportar -o
peso do monte, com bastantes hemiciclos com a convexidade voltada para
dentro do monte. Esta construção é não só agradável à vista, mas também
extremamente sólida, além de económica. Constitui de facto um muro não
maciço que tem tanta 'robustez como se fosse absolutamente maciço, e cuja
espessura é do comprimento das flechas dos ·arcos.
É também muito recomendável a solução ·de Vitrúvio, que vejo ter sido
observada em Roma, a cada passo, pelos arquitectos antigos, ·e sobretudo na
muralha de Tarquínio 326 , solução que consistiu em apoiá-la por meio de con-
trafortes. Mas não adoptaram em todos os lugares o princípio de que os con-
trafortes devem ter entre si uina distância igual à altura do seu suporte; mas
distribuíram-nos, ora ·mais frequentes, ora mais raros, ·conforme a solidez ou,
por assim dizer, a labilidade do monte. Também me apercebi de que os
arquitectos antigos não se contentaram com uma construção de suporte na
área mais próxima, mas que foi seu desejo consolidar todas as vertentes do
monte, como que em vários degraus, até ao sopé. Eu considero que de modo
algum se deve deixar de ter em conta este procedimento.
Junto de Perúsia corre uma ribeira entre o monte Lucínio e a colina
onde ·está a cidade, a qual escava debaixo da colina, provocando uma erosão
incessante, e faz deslizar todo o declive que ·está por cima; por causa disso,
grande parte da cidade vai aluindo e ameaça desmoronar-se.

325
Região do Lácio, totalmente latinizada. Os seus habitantes eram conhecidos como
"homens das rochas".
326
Cinturão interno das muralhas de Roma, conhecido como Agger Servi Tu/li, do qual
ainda existem alguns fragmentos (cf. Vitrúvio, VI, 8, 6; Plin., Nat., III, 67).

168
O Delineamento

E tenho grande admiração pelas várias capelinhas que estão encostadas


à imponente Basílica do Vaticano 327 em toda a área em redor. De entre elas,
as que, situadas no interior da colina cortada e escavada, estão adossadas ao
muro da basílica, são de grande ajuda e utilidade. Na verdade, sustentam a
mole da colina que, sem cessar, vai aumentando ·a pressão e interceptam a
humidade que escorre 'pela encosta abaixo e impedem que chegue junto do
templo; isto faz com que a parede principal da basílica ·se tome mais seca e
·mais firme. Por seu lado, as capelas que estão situadas do outro lado, junto
à base da encosta, .podem facilmente sustentar toda a esplanada superior
construída sobre arcadas, contrariar e suster todos os desabamentos naturais
de terra.
E também me dei conta de que o arquitecto que em Roma construiu o
templo de Latona 328 tomou as providências adequadas ao ·edificio e à subes-
trutura. Efectivamente, orientou um ângulo da área para o interior da colina
sobranceira, de tal ·modo que duas paredes perpendiculares sustentassem a
força do impulso da sua massa e com o ângulo assim orientado dividissem
e dissipassem o perigo. Ora, depois de ter decidido fazer o elogio dos anti-
gos que, com sábio desígnio, edificaram não gostaria de omitir um aspecto
que me veio à mente e que vem muito a propósito. Na basílica de São Mar-
cos em Veneza está à vista um expediente utilíssimo do arquitecto. Tendo,
com efeito, consolidado toda a área do templo da forma mais densa possí-
vel, deixou-a perfurada de vários poços, para que, se alguns vapores da terra
se formassem por debaixo, pudessem encontrar saída fácil.
Finalmente, convém que as áreas cobertas sejam aplanadas com a ajuda
de um nível. As que se deixarem a céu aberto, devem inclinar-se, também
com a ajuda do nível, o suficiente para escoar a água das chuvas. Mas,
sobre este assunto, basta o que até aqui se disse e até talvez se tenha dito
mais do que este lugar pedia: na verdade, muito do que dissemos diz res-
peito à construção dos muros 329 . Mas dá-se o caso de não nos ser possível,
na nossa exposição, separar -questões que por natureza estão intrinsecamente
ligadas entre si. Dissertaremos em seguida sobre a compartimentação.

327
Referência às capelas ·da antiga Basílica Constantina de São Pedro, transformadas pelo
Papa Nicolau V, entre 1447 e 1464, e demolidas, conjuntamente com a igreja, pelo Papa
Júlio II, entre 1503 e 1549, para dar lugar, sobre o túmulo de São Pedro, à actual Basí-
lica (cf. Livro I, cap. 1O; Livro X, cap. 17).
328
Possivelmente, dado que não existe registo de qualquer templo dedicado a Latcina em
Roma, trata-se do templo de San Giovanni à Porta Latina, designado por Alberti · tem~
plum loannis ad Latinam, conforme vem referido na Descriptio urbis Romae (1450, ed.
de Fumo- Carpo, 2000, pp. 43 e 125). Cf. Portoghesi, 1966, p. 1058, n. 2.
329
Ver Livro III, caps. 6 a 10.

169
Livro Primeiro

CAPÍTULO IX
Toda a agudeza de engenho, toda a técnica e pencta da edificação
se consumam na compartimentação. Só esta, tendo em vista a utilidade, a
dignidade e a aprazibilidade, dá a medida das partes do edifício como um
todo e, por assim dizer, do carácter de cada uma das partes e, finalmente, da
harmonia e coesão de linhas e ângulos numa só obra. Ora se a cidade é, na
opinião dos filósofos, uma casa em ponto grande e, inversamente, a casa é
uma cidade em ponto pequeno 330 , porque não se há-de dizer que as partes
mais pequenas das casas são habitações em ponto pequeno? Como, por
exemplo, o átrio, o pátio 331 , a sala de jantar, o pórtico, etc. E em cada uma
destas partes haverá algum aspecto descurado por incúria ou negligência que
não prejudique a dignidade e o valor da obra? Deve-se, pois, investir muito
cuidado e diligência na consideração destes aspectos que dizem respeito à
obra no seu conjunto e devem-se envidar todos os esforços para que mesmo
as partes mais pequenas pareçam configuradas com engenho e arte.
Concorre perfeitamente para atingir este objectivo, de forma adequada e
conveniente, tudo o que acima dissemos acerca da área; e assim como con-
vém que, num ser vivo, haja proporção entre os seus membros, assim tam-
bém, num edifício, deve suceder o mesmo entre as várias partes 332 • Daí
deriva o princípio afirmado por alguns: convém que sejam maiores os mem-
bros dos edifícios maiores. Esta norma foi, de facto, posta em prática pelos
antigos, a ponto de, nos edifícios públicos de grandes dimensões utilizarem,
entre outras coisas, tijolos maiores do que nos edifícios privados 333 • Por con-
seguinte, a cada membro será atribuída uma zona apropriada, uma posição

330
Dictum que relaciona a casa e a cidade, mencionado por Platão (Lg., VI, 779b), inúme-
ras vezes citado na literatura, que sublinha a continuidade entre arquitectura e urbanís-
tica, como da parte para o todo e vice-versa (cf. Livro V, cap. 2).
331
Cf. Livro Vlll, cap. 10 sobre o lugar do pátio (xystos) nas termas romanas.
332
Relação edificio-corpo postulada por Alberti (ver Livro VI, cap. I 0). Esta analogia
baseia-se no princípio da similitude que estabelece uma correlação, conforme as suas
dimensões, entre as partes e o todo de um organismo e vice-versa (cf. Prólogo; Livro
Ill, caps. 12 e 14; Livro VII, cap. 5).
333
Vitrúvio (II, 3, 3) refere-se às dimensões de três tipos de tijolos consoante sejam utili-
zados para fins públicos ou privados. Um, designado "lídio" e usado pelos Romanos,
tem dimensões de um pé por pé e meio (1 pé= 29, 6 cm). Os restantes, utilizados pelos
Gregos, apresentam dimensões de cinco e quatro palmos (1 palmus minor= 7, 39 cm)
consoante se aplicavam, respectivamente, em edificios públicos ou privados.

170
O Delineamento

adequada, nem mais ampla do que a sua função exige, nem mais exígua do
que a sua dignidade postula, nem em lugar impróprio e inadequado, mas no
seu e de tal modo próprio que noutro lugar, em parte alguma, possa ser
situado de forma mais conveniente. Assim, a parte do edifício que virá a ser
a mais nobre não será relegada lá para trás, nem a parte mais pública será
colocada em lugar esconso, nem a parte privada em lugar devassado.
Devem-se, além disso, ter em consideração as estações, destinando-se uma
parte aos aposentos de verão, outra aos de inverno. Não devem ter uns e
outros nem a mesma posição nem as mesmas dimensões 334 • Os aposentos de
verão devem ser mais espaçosos; os de inverno não serão desaprovados se
forem mais exíguos. Devem os de verão ter sombra e vento, e os de inverno
sol. Devem-se tomar precauções para que os que aí moram não tenham de
sair de um lugar frio para outro aquecido, ou de um lugar aquecido para
outro exposto à invernia e ao vento, sem passar por uma temperatura inter-
média. Pois isso, mais que tudo, seria prejudicial à saúde.
Importa, ainda, que os membros do edifício se harmonizem entre si a
fim de constituírem ou comporem o louvor e a graça comuns ao conjunto da
obra, para que não suceda que, concentrando todo o esforço de embeleza-
mento numa só parte, fiquem as outras completamente desprezadas; antes
pelo contrário todas se articulem entre si de tal modo que assim mais pare-
çam ser um só corpo bem constituído, do que membros separados e dis-
persos 335 •
De resto, na configuração dos membros importa seguir a moderação da
natureza. Como em tudo, também neste aspecto não louvamos mais a
sobriedade do que censuramos o desejo de edificar sem moderação 336 • Os
membros devem ser de tamanho moderado e necessários à função a que se
destinam. Com efeito, se bem virmos as coisas, toda a prática da edificação
nasceu da necessidade; fê-la crescer o conforto; dignificou-a o uso. Só em
último lugar se prestou atenção ao prazer, se bem que o próprio prazer
nunca deixou de evitar todo o excesso 337 • Será, pois, a edificação tal que não
se desejem nela mais membros do que os que tem, e nada do que tem, por
motivo algum, seja reprovável.

334
Ver Livro V, caps. 3 e 17. Cf. Vitrúvio, VI, 4, 1-2.
335
Referência implícita à noção de concinidade (concinnitas), citada no Livro II, cap. 2 e
desenvolvida no Livro IX, caps. 5 e 6.
336
Sobriedade e moderação apresentam uma mesma abordagem, tanto em relação ao traba-
lho artístico, como em relação à conduta ética. Em ambos o combate é idêntico. Ver
Livro II, caps. 1 e 2.
337
Cf. Livro I, cap. 2 e Livro VI, cap. 3.

171
Livro Primeiro

Não gostaria que todos os elementos fossem desenhados apenas


segundo um único traçado e uma só definição de linhas, de tal modo que
em nada se diferenciassem entre si; uns elementos serão agradáveis se forem
maiores, outros hão-de conferir mais graça se forem mais pequenos, outros
conseguí-la-ão pelo seu tamanho mediano. Portanto, serão agradáveis umas
partes constituídas por linhas rectas, outras por linhas curvas, e também
serão apreciadas as que são definidas pelos dois tipos de linhas; contanto
que se observe aquilo que estou sempre a advertir: que não se caia naquele
defeito que faz com que o edificio pareça um corpo disforme com os
ombros ou os flancos desproporcionados. O condimento de toda a graça é a
variedade em cada aspecto, se esta for coerente e configurada pela propor-
ção dos elementos que se encontram distantes uns dos outros 338 ; se os mes-
mos elementos apresentarem discrepância entre si, por não haver uma certa
proporção que os una e associe, então essa variedade será inteiramente dis-
sonante 339 • Efectivamente, como na lira, quando os sons graves correspon-
dem aos agudos e entre aqueles e estes ressoam os médios contribuindo para
a harmonia, da variedade dos sons resulta uma proporcionalidade sonora
admirável que, de forma superior, deleita e prende a alma 340 . Assim, também
sucede com todas as coisas que se propõem influenciar e cativar o espí-
rito 34 '.
De resto, tudo isto se deve pôr em prática de acordo com o uso, a uti-
lidade e também o costume consagrado dos peritos. Com efeito, opor-se em
muitas coisas à tradição tira a graça, e aceitá-la tem vantagens e constitui
uma orientação segura, uma vez que, deste modo, os arquitectos mais con-
ceituados testemunharam com a sua obra que a compartimentação 342 dórica,
jónica, coríntia, ou toscana era a mais conveniente de todas, não porque,
transferindo os seus planos para a nossa obra, tenhamos de ficar agarrados
às suas leis, mas porque tendo em conta as suas advertências e, descobrindo
novas soluções, nos devemos esforçar por atingir uma glória igual ou, se

338
O conceito de variedade, é apresentado por Alberti no Livro II, cap. 1; Livro IV, caps.
I e 3, bem como no Livro XI, cap. 9.
339
A noção de concinidade está descrita no Livro IX, cap. 5.
34
° Cf. Boet. , Arith., II, 32: "[ ...) não sem razão diz-se que todas as coisas que consistem
em contrários são compostas e organizadas conjuntamente com uma certa harmonia. Esta
harmonia é a união de muitas coisas e o consenso das dissidências" (cf. trad. ingl. de M.
Masi, 2006).
341
As relações entre harmonias musicais e sistemas proporcionais em arquitectura são des-
critas no Livro IX, caps. 5 e 6.
342
Ou organização das partes das colunas (cf. Livro VII, cap. 7).

172
O Delineamento

possível, maior que a deles. Mas de tudo isto, em lugar próprio, falaremos
mais especificamente, quando analisarmos como é que se deve dispor a
cidade e as partes da cidade e o que é importante para a utilidade de cada
um 343.

CAPÍTULO X

A seguir trataremos ao de leve do desenho das paredes. Mas gostaria de


não passar adiante de um aspecto que notei nos antigos e que eles acima de
tudo acautelavam: não traçar no perímetro da área uma linha recta excessi-
vamente longa e nunca interrompida em ponto algum ora por uma reentrân-
cia de linhas curvas, ora por uma incisão de ângulos. É evidente que os
grandes arquitectos utilizaram este expediente, na intenção de tomarem mais
sólida a parede, juntando-lhe apoios para a segurar.
Ao tratar da técnica das paredes, devemos começar pelos aspectos mais
importantes. Este contexto aconselha que aqui tratemos das colunas e de
tudo aquilo que com elas está relacionado, visto que as filas de colunas nada
mais são do qu~ uma parede perfurada e aberta em vários pontos 344 . Mais
ainda, ao pretender definir o que é uma coluna, talvez não seja desproposi-
tado dizer que é uma parte firme e estável de um muro erguida perpendi-
cularmente do solo até ao ponto mais alto, para sustentar a cobertura.
Em toda a edificação nada se encontrará que seja superior às colunas
em trabalho, custos e graça. Mas as colunas apresentam algo que as dife-
rencia. Aqui trataremos daquilo que as assemelha, porque é principalmente
isso que as caracteriza enquanto género. Em lugar próprio trataremos,
porém, daquilo que as diferencia, porque é isso que lhes diz respeito
enquanto espécie 345 .
A fim de começarmos, digamos assim, pelas próprias raízes, coloque-
mos sob cada coluna os seus alicerces. De facto, quando os alicerces atin-

343
Ver Livro IV, caps. 1-5.
344
O conceito parietal de colunata mostra a importância que Alberti dá à parede como ele-
mento definidor da arquitectura, como se aquela fosse resultante de um processo sub-
tractivo, ao contrário da arquitectura grega, que valorizava a coluna como elemento adi-
tivo e caracterizador da realização espacial.
345
A diferença entre género e espécie para distinguir a coluna como suporte estrutural e
como ornamento, é evocativa de Cícero (de Oral., 1, 42, 189): "género é o que une dois
ou mais elementos numa comunhão de similaridade, enquanto espécie é o que os dife-
rencia" (cf. trad. esp. de J. J. Iso, 2002).

173
Livro Primeiro

giam o plano da área, costumavam construir um pequeno muro a que nós


chamaremos dado e outros, porventura, travesseiro. Sobre o dado assenta-
vam a base, e sobre a base a coluna, e sobre a coluna colocavam o capitel.
O diâmetro 346 da coluna aumentava abaixo do meio e ia-se reduzindo para
cima, e a sua espessura junto da base tinha mais um pé do que no topo 347 .
Julgo que a coluna foi inventada para sustentar a cobertura; vemos que,
posteriormente, o desejo dos homens foi subindo provocado pela ambição de
atingir coisas cada vez mais dignas, esforçando-se eles, na medida do possí-
vel, por tornar eterno, no sentido de imortal, aquilo que, enquanto mortais,
edificavam. Por isso fizeram as colunas, as arquitraves, e até o pavimento e
as coberturas, tudo em mármore. Ao edificarem deste modo, os arquitectos
antigos imitaram a própria natureza, de tal modo que nunca pretenderam
parecer afastar-se da maneira de construir corrente, esforçando-se, por todos
as formas, por que as suas obras fossem, além de funcionais, bem sólidas e
muito belas à vista. Foi sem dúvida a natureza que proporcionou as colunas,
de madeira e redondas 348 • Depois o uso fez com que, em alguns lugares,
tomassem a forma rectangular. Por isso, se bem interpreto a evolução, ao
verem que, nas duas extremidades das colunas se colocavam argolas de ferro
ou de bronze, a fim de que as colunas não rachassem com a persistência do
peso, os arquitectos fixaram nas colunas de mármore, na parte mais baixa,
um aro largo à semelhança de uma faixa, com o qual se possam proteger
dos salpicas das pingas da chuva; e na parte superior puseram também uma
faixa e acrescentaram em cima um colarinho para que, com tais protecções,
se assegurassem de que a coluna de madeira ficava reforçada. Mas nas bases
das colunas fizeram-no de tal maneira que a parte inferior fosse de linhas
rectas e ângulos rectos, e a superficie superior acompanhasse a curvatura da
coluna. E fizeram com que a base, por qualquer dos lados, fosse mais larga
do que alta; e, além disso, foi sua intenção que fosse mais larga do que a
coluna segundo uma determinada proporção; e que a superficie inferior da
base fosse também mais larga que a superior; e que o dado fosse igualmente
maior do que a base, dentro de uma certa proporção, e que o soco fosse

346
À semelhança de Vitrúvio (III, 3, 7), Alberti utiliza o diâmetro da coluna como unidade
de medida modular e somente se refere a um~ métrica quando especifica uma medida
concreta.
347
Sobre o traçado da coluna veja-se Livro VI, cap. 13.
348
A caracterização de Vitrúvio (IV, 2, 2) do templo de madeira, que está na origem do
templo em pedra, retomada por Alberti e também referida por IPausânias (V, 16, 1) na
descrição do templo dórico de Hera na Grécia antiga, foi rec, ntemente confirmada por
achados arqueológicos (cf. Humphrey, Oleson - Sherwood, 1998, p. 246).

174
O Delineamento

mais largo do que o dado, mantendo também uma certa proporção; e dispu-
seram uns elementos em cima dos outros segundo uma linha perpendicular
ao centro. Por seu lado os capitéis, todos eles, têm em comum o facto de
que as suas partes inferiores imitam as linhas da coluna, enquanto as supe-
riores terminam numa superfície rectangular. E a parte superior do capitel é
sempre mais larga do que a inferior. Isto quanto às colunas 349 .
A parede deve ser erguida com as mesmas proporções das colunas, de
tal modo que, se for em altura do mesmo tamanho da coluna incluindo o
capitel, tenha a mesma espessura que a base da coluna. Também seguiram a
seguinte norma: que uma coluna ou base ou capitel ou parede seja, em qual-
quer das suas partes, o mais semelhante possível às da mesma ordem, em
altura e largura, enfim em toda a dimensão e forma. E como é igualmente
errado construir uma parede mais fina ou mais grossa, mais baixa ou mais
alta do que a razão e a moderação exigem, preferiria, contudo, que o meu
erro consistisse antes em poder cortar do que em ter de acrescentar. Será
com agrado que aqui falaremos dos erros dos edificios, para nos acautelar-
mos deles. O primeiro mérito é evitar toda a espécie de erro.
Dei-me conta, na basílica de São Pedro em Roma, de uma grande
insensatez, que está à vista de todos: por cima de inúmeras aberturas pega-
das umas às outras, alonga-se uma parede muito comprida e larga, sem o
reforço de nenhuma linha curva 350 e sem a protecção de nenhum apoio;
quaisquer que sejam as considerações a fazer, a todo esse troço da parede,
com aberturas tão juntas e exagerado na altura, foi dado este comprimento e
esta disposição para que pudesse resistir ao embate dos ventos fortíssimos.
O que fez com que já desde o começo, por causa da pressão permanente dos
ventos, se tenham inclinado em relação à vertical' mais de seis pés 351 ; não
tenho dúvidas de que, um dia, com uma ligeira pressão ou pequeno abalo,

349
Esta temática será retomada no Livro VII, cap. 7, que versa, de forma mais aprofundada,
sobre a caracterização, como espécie, do sistema das colunas dórica, jónica, coríntia e
compósita ou itálica.
350
O entendimento de Alberti, sobre os problemas construtivos da antiga Basílica Constan-
tina de São Pedro, mostra que tem plena consciência das questões estruturais, nomeada-
mente da importância da geometria para garantir a sua estabilidade.
35 1
Trata-se de uma dimensão equivalente a I ,78 m, dado que o pé romano corresponde,
aproximadamente, a 29,6 cm. No entanto, como observa Rykwert eta/ii ( 1988, p. 424),
não existe uma dimensão exacta para o pé romano, sendo a apresentada baseada na
média de 30 pés que foram preservados nas colecções dos Museus do Vaticano e do
Capitólio. Consequentemente, as equivalências de medidas apresentadas nesta edição,
para o sistema métrico decimal , devem ser consideradas como indicativas das adoptadas
por Alberti.

175
Livro Primeiro

desabará. Se não fosse estar amparada pelo travejamento da cobertura, sem


dúvida alguma cairia de per si, só com a inclinação que já tem. Mas há,
razões para eu não censurar o arquitecto, visto que, adaptando-se à imposi-
ção do lugar e do terreno, se julgou, talvez, protegido dos ventos com a bar-
reira da colina que sobrepuja o templo. Eu preferiria que todas essas paredes
fossem reforçadas de ambos os lados 352 .

CAPÍTULO XI
A utilidade da cobertura é a primeira e a maior de todas as vanta-
gens 353 • Com efeito, não só contribui para a saúde dos habitantes, na medida
em que os protege e defende da noite, da chuva e, acima de tudo, do sol
escaldante, mas também constitui uma segurança incalculável pa,ra todo o
edifício. Tire-se a cobertura: apodrecem as madeiras, desabam as paredes, os
lados abrem fendas e, por fim, toda a estrutura se desmorona pouco a
pouco. Os próprios alicerces, embora custe a acreditar, são consolidados pela
protecção da, cobertura. E não é tão grande a quantidade de edifícios que
desabaram arruinados pelos incêndios, pelas guerras, e por outras calamida-
des, como a dos edifícios que se desmoronaram sem outro motivo que não
fosse a negligência dos cidadãos, por terem sido deixados ao aballdono, pri-
vados e desguarnecidos da protecção da cobertura. A cobertura é, sem som-
bra de dúvida, a arma defensiva dos edifícios contra as ameaças e os ata-
ques das intempéries.
Assim sendo, é meu entendimento que os nossos antepassados, neste
como nos outros aspectos, procederam de forma exemplar ao quererem con-
sagrar à cobertura tantas honras que no adorno dos tectos esgotaram quase
todas as técnicas decorativas. Na verdade, vemos tectos feitos de bronze, de
vidro e de ouro, ornamentados belissimamente com caixotões do~rados e
lâminas de ouro e, além disso, com entalhes de coroas e flores e com está-
tuas 354 .
Das coberturas umas silo exteriores, outras são interiores. Exteriores são
aquelas que não são destinadas para se caminhar em cima delas, mas unica-
mente para aparar a chuva. As interiores são as extensões intermédias dos

~ 352
Cf. Livro X, cap. 17.
353
Cf. Livro II, cap. I, sobre a importâpcia da cobertura.
354
Cf. Livro VI, cap. li , sobre o ornamento das coberturas.

176
O Delineamento

andares e das abóbadas, com as quais se faz com que a um edificio se


sobreponha como que outro edificio. No caso destes sucede que a mesma
obra é, simultaneamente, cobertura da parte inferior do edificio e área da
parte superior. Mas chama-se, realmente, cobertura àquela parte dos andares
que se estende por cima das nossas cabeças, à qual também chamamos
tecto. A parte sobre a qual caminhamos chama-se pavimento ou soalho. Dei-
xaremos para ulterior análise se as coberturas exteriores, a céu aberto, que
se destinam a aparar a chuva, podem servir de pavimento 355 .
Embora, em si mesmas, as superficies das coberturas exteriores possam
ser planas, todavia nunca serão absolutamente paralelas ao pavimento que
cobrirem, mas serão sempre inclinadas obliquamente para um lado, a fim de
escoarem a água da chuva. Pelo contrário, as superficies das coberturas inte-
riores devem ser todas paralelas ao pavimento.
É indispensável que todas as coberturas se adaptem, nos seus ângulos e
nas suas linhas, à figura da área e à forma das paredes a que servem de
cobertura. E como figuras e formas variam sucessivamente - pois umas são
feitas só de linhas curvas, outras só de rectas, outras de mistas, etc. - isso
faz com que daí resultem também formas de coberturas variadas e múltiplas;
ainda que, de sua própria . natureza, as coberturas sejam variadas: umas
semiesféricas, outras abobadadas de ângulo, outras de berço 356 , outras com
arcos múltiplos, outras que se dizem carenadas 357 e outras que se chamam
displuviadas 358 .
Todavia, seja como for, toda a cobertura deve ser de molde a que o seu
resguardo proteja o pavimento e afaste completamente a água da chuva do
edificio que cobre. Na verdade a chuva está sempre pronta a causar danos e
usa sempre, para fazer mal, as suas entradas, mesmo as mais pequenas: por-
que é fina, perfura; porque é suave, penetra; porque é contínua, corrói toda
a ossatura do edificio; e por fim, co~ompe por dentro e deita a perder toda
a construção. Por tal motivo, os arquitectos experientes puseram em prática
a construção de um canal por onde as águas da chuva fluíssem livremente,
evitando que a água parasse onde quer que fosse, ou penetrasse onde
pudesse causar dano. Por isso, onde cai muita neve quiseram que as cober-

355
Ver Livro III, cap. 12.
356
Para uma descrição destas abóbadas veja-se Livro III, cap. 14.
357
A abóbada carenada, contracurvada ou flamenjante apresenta-se com a forma de um
casco de navio. Plínio-o-Antigo (Nat., IX, 94) utiliza o termo carinata concha para se
referir a uma concha carenada, i.e. com uma fonna em casco de navio.
358
O displuviatum é uma cobertura displuviada, i. e. envolvente dos átrios das casas roma-
nas, com águas inclinadas para o exterior (cf. Vitrúvio, VI, 3, 1; 2).

177
Livro Primeiro

turas fossem , principalmente, bipluviais, muito elevadas, a terminar em


ângulo agudo, para que a neve não se acumulasse, antes escorresse mais
facilmente . Pelo contrário, nos lugares estivais, por assim dizer, usaram
coberturas com inclinação menos acentuada.
Além disso, deve-se procurar que, o mais possível, um edificio seja
todo ele coberto em toda a sua extensão e largura por uma única cobertura,
regular e sem defeito, tendo em conta a disposição das janelas e das portas,
de tal modo que a água, infiltrando-se em forma de pingas, não venha
molhar absolutamente nenhuma parte. Deve-se também dar à cobertura uma
disposição tal que a água não conflua na outra cobertura. Também a super-
ficie inclinada da cobertura não deve ser ampla e desmedida: pois a chuva
transbordaria dos últimos canais das telhas por causa do excesso de água e
refluiria para dentro do edificio; o que resultaria em muito dano da obra.
Por isso, quando a área for muito grande é conveniente dividir a cobertura
em várias superficies e fazê-la escorrer para vários lados. Com efeito, tal
solução contribui tanto para o conforto como para beleza do edificio. Se em
algum lugar se der o caso de ser necessário construir várias coberturas,
deve-se ligá-las umas às outras de tal modo que, quem se recolher uma vez
debaixo da cobertura, possa a coberto dela percorrer todas as divisões.

CAPÍTULO XII

Falemos agora da abertura. Há duas espécies de aberturas. Umas permi-


tem que a luz e o ar entrem e saiam do edificio, outras facultam o mesmo
aos objectos e aos moradores. Para a entrada e saída da luz servem as jane-
las; para os objectos servem as portas, as escadas e os espaços entre as colu-
nas. Encontram-se também entre as aberturas as passagens por onde cir-
culam a água e o fumo, como os poços, os esgotos e, por assim dizer, a
garganta das lareiras, as chaminés e os respiradouros.
Todas as partes da casa deverão ter janelas por onde o ar do interior
possa respirar e renovar-se de tempos a tempos; pois, de outra forma, ficará
viciado e causará doenças. No templo de Apolo, em Babilónia, conta o his-
toriador Capitolino 359 que foi encontrado U:m escrínio de ouro, muito antigo;

359
Conjectura-se que Júlio Capitolino seja um dos seis autores da Historia Imperial que
narra, desde 117 até 284 d. C., as biografias dos imperadores Romanos, dos césares,
bem como dos usurpadores. A autoria desta obra é, no entanto, disputada pois alguns

178
O Delineamento

quando o arrombaram, saiu o ar encerrado dentro dele, ar viciado e vene-


noso que, espalhando-se, não só causou a morte àqueles que então se encon-
travam aí presentes, mas também, por contágio, propagou uma peste terrível
por toda a Ásia até à Pártia 360 . Lemos igualmente no historiador Amiano
Marcelino 36 1 que no tempo 362 dos imperadores Marco Aurélio e Vero depois
de saqueado em Selêucia 363 um templo, e de ser transportada para Roma a
estátua de Apolo Cónico 364 , foi descoberta pelos soldados uma abertura
estreita anteriormente obstruída pelos sacerdotes caldeus; quando, levados
pelo desejo do saque, a abriram, exalou um vapor tão atroz e abominável
que, desde a Pérsia até à Gália ficaram infectados por uma doença funesta e
mortífera.
Deve, pois, cada divisão ter janelas, tanto para receberem luz como para
renovarem o ar, e de tal modo adequadas à função do lugar e ao tamanho
da parede que não deixem entrar luz nem a mais nem a menos, nem sejam
mais juntas nem mais afastadas do que a necessidade exige 365 •
Deve-se, além disso, ter em conta quais são os ventos que as janelas
vão receber ao abrir-se. Com efeito, as que estiverem voltadas para o lado
de ventos salubres, será legítimo fazê-las muito rasgadas, e será bom abri-las

dos autores, cujos nomes são, por vezes, considerados pseudónimos, pleiteiam mais rela-
tos do que os que comparecem nesta compilação. Hornblower-Spawforth (1996, p. 713),
destacam que existe, actualmente, um consenso de que a paternidade desta obra se deve
a um único autor que a elaborou na última década do séc. IV.
360
Região noroeste do Irão ocupada em 247 a. C. pelo povo seminómada a que os Gregos
e os Romanos chamavam Partos, e que, no final do séc. 11 a. C., abrangia o Irão e tam-
bém uma parte da Mesopotâmia.
36 1
Considerado o último grande historiador do império romano (c. 330-c. 400 d. C.), escre-
veu, em continuação a Tácito, sobre o período que vai do principado de Nerva até à
invasão dos Godos (96-378 d. C.). A maior parte dos 31 livros que compunham a sua
obra, porém, perdeu-se: chegaram até nós apenas os últimos 18 livros (de 353 a 3 78
d. C.).
362
Ano de 168 d. C. .
363
Cidade fundada, c. 305 a. C., por Seleuco I na margem esquerda do rio Tigre na Meso-
potâmia, incendiada por Trajano e destruída por Avídio Cássio em 164 d. C. .
364
Apolo, filho de Zeus e de Latona, deus grego da beleza, da luz e das artes, é represen-
tado na escultura grega como um deus de elevada estatura e longos cabelos. Amiano
Marcelino (XXlll, .6, 24) refere-se a Apolo como um deus comaeus (com cabeleira),
cuja imagem foi trazida para Roma e colocada no templo de Apolo Palatino.
365
Nesta apresentação dos parâmetros que devem ser levados em consideração para se
dimensionar uma janela, Alberti é um precursor das tendências racionalizantes do
período heróico do Movimento Moderno nos alvores do séc. XX (cf. Kunstvereinmm,
1968, pp. 77-78).

179
Livro Primeiro

de tal modo que o ar, chegando, circule entre os corpos dos moradores.
O que sucederá com toda a possibilidade se o peitoril das janelas for tão
baixo que, em relação aos habitantes que passam na rua, se possa ver e ser
visto. Pelo contrário, as janelas que não estiverem geralmente expostas aos
regimes mais salubres dos ventos serão situadas de tal modo que não rece-
bam menos luz do que convém, nem mais do que se possa precisar. E estas
serão situadas na parte de cima, a fim de que a parede, fazendo barreira,
intercepte os ventos, protegendo os moradores. Assim terão ventos que reno-
vam o ar, mas serão quebrados e, por isso, não totalmente insalubres.
Deve, ainda, ter-se em conta quais são os sóis que hão-de penetrar no
interior das divisões; e as janelas devem ser mais rasgadas ou menos amplas
em função do uso da habitação. Efectivamente, nas residências de verão,
convém construir aberturas amplas nos dois sentidos, se elas forem voltadas
a norte, ou, se forem voltadas a sul de frente para o sol, pequenas e poucas,
urna vez que aquelas recebem os ventos mais facilmente e estas são menos
atingidas pelos raios solares; e com o irradiar contínuo do sol em toda a
volta, terá luz bastante aquele lugar onde as pessoas acorrem mais por causa
da sombra do que por causa da luz. Inversamente, nas residências de
inverno as janelas darão acesso directo ao sol, se estiverem abertas, mas não
ao vento, se forem feitas na parte superior: pois assim os ventos não irão
embater directamente nos moradores quando estão em pé. Além disso, por
onde quer que se receba a luz, é evidente que se deve tê-la de forma a ver-
-se o céu sem obstáculos. E de nenhum modo convém situar em baixo todas
as aberturas que tenham sido feitas para receber a luz. Na verdade, a luz
vê-se com os olhos, não com os pés. Sucede também que, quando urna ou
outra pessoa se põe à frente, a luz é interceptada e por isso o resto do lugar
fica mais escuro. Este inconveniente resolve-se quando a luz entra por cima.
As portas devem imitar as janelas, sendo maiores ou menores, muitas
ou poucas, conforme a frequência e a utilização do lugar. Mas em relação a
estes dois critérios vejo que se procurou fazer nos edifícios públicos abertu-
ras de ambos os tipos em grande quantidade. Disso são testemunho os tea-
tros que, se é correcta a nossa interpretação, dispõem de grande número de
aberturas, não só de escadas, mas principalmente de janelas e portas 366 •
Assim, convém situar as aberturas de tal modo que não se ponham as
mais pequenas nas paredes mais amplas, nem se introduzam em pequenos

366
O Livro VIII, cap. 7, é ainda dedicado à descrição dos teatros de origem romana.
Somente no século XVI, com o teatro Olímpico de Palladio, em Veneza, os espaços
interiores passam a ser cobertos e os meios cenográficos , construídos com falsas pers-
pectivas, controlam a organização espacial.

180
O Delineamento

lanços das paredes aberturas maiores do que a necessidade exige. No que


diz respeito às aberturas, uns usaram um delineamento, outros outro. Mas os
mais considerados, sempre que possível, não usaram senão aberturas rectan-
gulares ou rectilíneas 367 . Em qualquer o caso, todos estão de acordo em que
devem ser adequadas à dimensão e à forma do edificio, quaisquer que elas
sejam. Além disso, consideram que as aberturas das portas devem ser feitas
de tal modo que sejam sempre mais altas do que largas e aquelas que forem
mais altas devem conter dois círculos tangentes, ao passo que as mais bai-
xas devem ter a altura igual à diagonal de um quadrado cujo lado seja igual
à largura inferior da própria porta 368 .
E convém situar as portas onde se proporcionar o acesso mais cómodo
possível a todas as partes do edificio. É também conveniente procurar um
efeito agradável nestas aberturas, de modo que o lado direito corresponda ao
esquerdo, tendo ambos as mesmas dimensões. É usual colocarem-se janelas
e portas em número ímpar, mas de tal forma que as que estão de cada um
dos lados se correspondam reciprocamente entre si e a do meiO seJa
maior 369 •
E acima de tudo tomavam todas as precauções para não diminuir a
resistência da construção. Por essa razão, situavam as aberturas nos lugares
mais fracos da parede mas capazes de aguentar o peso, longe dos ângulos e
do prolongamento das colunas. E asseguravam que o maior número possível
de partes da parede se erguesse, do solo até ao tecto, intactas e sem
nenhuma quebra na vertical.
Há um tipo de aberturas que imita portas e janelas na posição e no
aspecto, mas não vazam toda a espessura da parede, antes proporcionam,
como nichos escavados, espaços dignos e apropriados para se colocarem
estátuas e quadros 370 . Quando tratarmos dos ornamentos dos edificios, dire-
mos então, mais em pormenor, em que pontos devem ser colocadas estas
aberturas, em que quantid_ade e de que tamanho 37 1; não deixa, porém, de se

367
Trata-se de uma das raras referências que Alberti faz, explicitamente, à sua obra cons-
truída e, mesmo assim, de forma muito ténue. Somente após a publicação dos I Quattro
Libri dell 'A rchittectura de Andrea Palladio, em 1570, é que se passa a ter uma descri-
ção sistematizada e comentada das obras dos autores dos tratados.
368
Cf. Livro VII , cap. 12, onde são apresentadas indicações para o dimensionamento das
portas de acordo com a sistematização das colunas.
369
Trata-se de assumir a simetria axial como um princípio ordenador do organismo arqui-
tectónico, em conformidade com a relação edifício-corpo (cf. Livro VII, cap. 5).
370
Estas falsas aberturas ocorrem nas paredes exteriores da igreja de Santo André em Mân-
tua.
371
Livro VII, cap. 12.

181
Livro Primeiro

relacionar com o cálculo dos custos e com a beleza da obra o facto de que,
na construção do muro, se gastam menos pedras e argamassa 372 . Cumpre
ainda acrescentar que a abertura de nichos deve ser em número adequado,
de tamanho não excessivo, de aspecto artístico, imitando em tudo as janelas
da sua ordem.
E, observando as obras dos antigos, verifiquei que eles não costumavam
utilizar aberturas deste tipo, quaisquer que fossem , com dimensões superio-
res a um sétimo da parede que ocupavam, nem inferiores a um nono.
Os espaços dos intercolúnios contam-se obviamente entre as principais
aberturas. Também esses variam na sua construção em função da variedade
dos edificios. Mas disso falaremos sobretudo quando em seu lugar discorrer-
mos acerca da preparação dos edificios sacros 373 • Aqui apenas advertiremos
que estas aberturas devem distribuir-se de tal modo que, acima de tudo, se
tenha rigorosamente em conta a disposição das colunas que se deixam para
sustentar as coberturas, e não fiquem mais finas e mais separadas do que é
conveniente para suportar o peso das coberturas, nem tão grossas e tão jun-
tas que não restem espaços e acessos fáceis ao uso das coisas em cada
momento. De resto, as aberturas serão umas quando as colunas são muito
chegadas, e outras quando são mais separadas. Com efeito, às colunas muito
chegadas sobrepõe-se uma trave, às mais separadas, um arco. Mas em todas
as aberturas encimadas por um arco deve procurar-se que o arco não seja
menor do que o semicírculo acrescido de um sétimo do raio . Afirma-se
como dado adquirido, entre os peritos, que este é de todos o arco que dá
mais garantia de uma longa duração; consideram que todos os outros arcos
não têm solidez para suportar o peso e tendem a desabar. Somos de opinião
que o arco em semicírculo é o único que dispensa os tirantes e os apoios
auxiliares 374 . Quanto a todos os outros, vê-los-emos abrirem-se e ameaçarem
desabar se não lhes colocarmos tirantes ou massas contrárias que fazem de
contrapeso. Não deixarei de mencionar aqui uma solução notável e digna de
todo o louvor que verifiquei nos antigos : há aberturas deste tipo e arcos de

372
Referência ao requisito da frugalidade que conduz a que se opte, ceteris paribus, pela
solução mais económica, em consonância com a critica de Alberti (Momus, II) à osten-
tação dos empreendimentos propostos no programa de melhoramentos de Roma durante
o pontificado de Nicolau V.
373
Livro VII, cap. 5.
374
Esta afirmação não se verificou cabalmente no âmbito da edificação no Quattrocento,
onde os arcos de meio ponto eram, por vezes, atirantados com peças lineares de eixo
rectilíneo sujeitas a esforços de tracção, devido ao facto de a linha de pressão não seguir
uma forma circular mas em catenária.

182
O Delineamento

abóbadas construídos nos templos por excelentes arquitectos de tal modo


que, retirando-se todas as colunas interiores, ainda assim mantêm-se firmes e
sem o mínimo indício de desabamento os arcos dessas aberturas e as abóba-
das das coberturas. Os prolongamentos dos arcos em que se apoiam as abó-
badas são tais que, sendo todos repuxados até ao solo, com uma técnica
incrível e de poucos conhecida, a obra se eleva firme, apoiando-se apenas
em arcos 375 • E porque não, uma vez que a própria terra lhes serve como o
mais firme dos ligantes? E assim os arcos, firmíssimos em si mesmos, per-
sistem para sempre.

CAPÍTULO XIII

A construção de escadas é obra de maior dificuldade do que aquele que


se pode empreender acertadamente sem um plano amadurecido e reflectido.
Realmente, numa só escada apresentam-se três aberturas; uma é a da porta
que dá acesso à escada; outra é a da janela, a qual, recebendo a luz, permite
ver a profundidade de cada degrau; a terceira é a abertura do sobrado e
tecto, pela qual penetramos no pavimento e na cobertura de cima. É por esse
motivo que dizem que as escadas constituem um obstáculo ao desenho do
edifício. Mas quem não quer que as escadas constituam um obstáculo, não
ponha obstáculos às mesmas escadas. Devem, pois, destinar-lhes um espaço
determinado e apropriado da área, que garanta uma passagem livre e desim-
pedida até à parte de cima da cobertura que está a céu aberto. E não nos
arrependamos de ocupar com as escadas uma área tão grande: pois hão-de
ter alguma vantagem se forem colocadas onde motivem uma desvantagem
mínima às restantes partes do edifício. Além disso, os arcos e os vãos que
ficam por debaixo das escadas serão de muita serventia.
Entre nós há duas espécies de escadas (não vou aqui tratar das escadas
militares próprias das campanhas e das fortificações). Umas são aquelas que
subimos, não por degraus mas por uma rampa; outras, aquelas que subimos
por degraus. Os antigos costumavam construir rampas, na medida do pos-
sível, fáceis e pouco inclinadas. Verifiquei nos seus edifícios que eles con-

375
No Panteão em Roma, a cúpula, que vence um vão de 44 metros no interior, é susten-
tada por um tambor construído com betão romano onde estão embutidos arcos de volta
perfeita, colocados em anéis sobrepostos, que conduzem, em grande parte e nesta parede
autoportante, a descarga das pressões ao solo.

183
Livro Primeiro

sideravam bastante cómodas as rampas lançadas de tal modo que a medida


da linha vertical da sua altura correspondesse a um sexto da linha do seu
comprimento 376 . Quanto aos degraus, principalmente dos templos, preferiram
o número ímpar: dizem que assim se faz com que entremos no templo com
o pé direito, coisa que pensam estar de acordo com o que é preceituado pela
religião. Mas eu verifiquei que os bons arquitectos procuraram nunca encos-
tar uns aos outros numa mesma série mais que sete ou nove degraus, imi-
tando, segundo creio, o número dos planetas ou das esferas celestes 377 . Mas
sabiamente, abaixo de cada sete ou nove degraus, espaçavam um patamar,
para que os cansados e os fracos tivessem intervalos para descansar do
esforço da subida; e, no caso de alguém cair, encontrar aí espaço onde
pudesse suster o impulso da queda, recuperar e pôr-se de pé.
Eu por mim defendo inteiramente que as escadas sejam intercaladas
pelos seus patamares e sejam luminosas, amplas e espaçosas, segundo a
dignidade do lugar. E considerava que os degraus das escadas deviam ser
definidos de tal modo que não tivessem de altura mais que três quartos de
um pé, nem menos que um sexto, e de profundidade nem menos que um pé
e meio, nem mais do que dois pés 378 . Em todo o edificio quanto menos
forem as escadas e quanto menos área ocuparem, tanto melhor será 379 •
As saídas do fumo e das águas devem ser desimpedidas e de tal modo
encaminhadas que nada disso estagne, transborde, polua, danifique, traga
perigo ao edificio. Assim, é indispensável afastar as chaminés para longe de
tudo o que é madeira, não suceda que uma faúlha ou o aquecimento pegue
fogo a uma trave ou barrote que estejam perto. As condutas de águas cor-
rentes também devem ser encaminhadas de modo a escoarem o excesso e a
não prejudicarem o edificio com a erosão e a humidade. Com efeito, se
alguns destes factores causam danos, por pouco que seja, com o passar do
tempo e a persistência dos danos, os estragos vão-se acumulando. E verifi-
quei que, em relação às condutas de água, os melhores arquitectos procura-

376
Correspondente, aproximadamente, a 9° de pendente.
377
Para um leitor renascentista esta observação era natural pois os números, na sua acepção
neopitagórica, possuíam qualidades: sete degraus relacionavam-se com os sete planetas,
os sete metais e os sete dias da semana. O que era comum era o número.
378
O espelho dos degraus não deverá, assim, ser superior a 22 cm nem inferior a 5 cm e o
cobertor não deverá superar 60 cm nem ser inferior a 44 cm.
379
O requisito da frugalidade sugere, neste caso, que Alberti faz uma clara distinção, para
utilizar um conceito proposto por Louis Khan no séc. XX, entre espaços que servem e
que são servidos, a que correspondem diferentes critérios de dimensionamento.

184
O Delineamento

vam ou dirigir a água das chuvas pelas goteiras para não molhar quem
chega, ou juntá-la nos implúvios de modo a recolhê-la em cisternas para uso
das pessoas, ou obrigá-la a correr por certos lugares de onde limpassem as
imundícies próprias de cada um, para não impressionarem as narinas e os
olhos de ninguém. E em tudo isso parece-me que procuravam acima de tudo
afastar e desviar para longe do edificio toda a água da chuva, além de
outros motivos, para que o chão não se impregnasse de humidade.
E em todas as aberturas também me. parece que procuravam situá-las
nos lugares mais convenientes, onde trouxessem mais vantagens a todo o
edificio. E determino que sobretudo os poços sejam colocados na parte do
edificio mais frequentada e acessível, contanto que não ocupem os espaços
mais dignos e que lhes não pertencem. E afirmam os naturalistas que os
poços colocados a céu aberto oferecem uma água mais límpida e pura. Mas,
qualquer que seja a parte do edificio onde os poços estejam escavados ou os
esgotos enterrados ou onde a água e a humidade escorram, aí convém que
haja aberturas para que o ar circule o mais possível e limpe as exalações
húmidas do chão, removidas pelo sopro dos ventos e pela corrente do ar.
Até aqui tratámos do delineamento dos edificios, tocámos ao de leve
naqueles aspectos que parecem aplicar-se a toda a obra em geral, referindo
todos os tipos de assuntos que era necessário abordar. Agora devemos falar
da obra e da construção dos edificios. Mas, antes disso, falaremos dos mate-
riais e de tudo aquilo que é necessário ter pronto para dar início à obra.

185
LEON BATTISTA ALBERT/
DA ARTE EDIFICATÓRIA
COMEÇA O LIVRO SEGUNDO: OS MATERIAIS

CAPÍTULO I

N
a minha opinião, não devem encetar-se, irreflectidamente a constru-
ção, e as despesas, dos edificios, entre outros motivos por uma
questão de prestígio e boa reputação. Com efeito, assim como uma
obra bem planeada é causa de glória para todos aqueles que para ela contri-
buíram com o seu engenho, trabalho e esforço, assim também, se houver
algum aspecto em que a concepção, por parte do autor, ou a perícia, por
parte do executor, deixem a desejar, muito grande será o dano causado ao
seu prestígio e reputação. Estão à vista, diante de todos, os méritos e princi-
palmente os defeitos das construções públicas, nas quais, não sei como, atrai
mais as críticas aquilo que é disforme, do que a admiração aquilo que é rea-
lizado e concluído com beleza em todos os pormenores. E é admirável como
existe um motivo pelo qual a natureza nos ensinou a todos 380 , doutos e igno-
rantes, a sentir de imediato o que há de certo ou de errado nas técnicas e
nas proporções dos elementos. Sobretudo, nesses aspectos, o sentido da vista
é o mais apurado de todos 38 1 e faz com que, se algum pormenor se apre-
senta curto, claudicante, supérfluo, inútil, malfeito, logo nos chama a aten-
ção e notamos a falta de elegância 382 . Por que motivo assim sucede, nem
todos o sabemos; mas, se nos perguntarem, ninguém hesitará em afirmar que
há emendas e correcções que podem ser feitas . Mas qual seja a forma de o
fazer, nem todos o saberão explicar, mas só os entendidos nessa matéria.

380
Sobre esta capacidade que a natureza nos ensinou vej am-se, nesta edição, o Prólogo e o
Li vro VI, caps. 2, 5 e 6, bem como a Introdução - As Leituras da Arte Edificatória .
38 1
Cic. , de Oral., II, 87, 357.
382
Cic., o,~, 51 , 173.

187
Livro Segundo

Na verdade, é dever de um especialista conceber e definir previamente


todos os pormenores, não suceda que, estando a obra em fase de acaba-
mento, ou já concluída, seja obrigado a confessar: não era isto o que eu que-
ria; preferia outra coisa 383 . É espantoso como são pesadíssimas as penas que
sofremos por uma obra mal construída. Na verdade, dando início à obra irre-
flectidamente e sem pensar, com o passar do tempo acabamos por reparar
num aspecto que não examináramos com a devida atenção; o resultado é
que ou nos penalizaremos para sempre pelo dano desse defeito, se não for
anulado e corrigido, ou, se a obra for demolida, serão criticados os custos e
o dinheiro desperdiçado, bem como a leviandade e a falta de solidez em
discernir.
Afirma Suetónio 384 que Júlio César mandou arrasar completamente uma
casa, construída em Némi 385 desde os alicerces e concluída com enormes
gastos, sob o pretexto de que, no conjunto, não correspondia à sua intenção.
Por tal motivo, é hoje objecto de críticas entre nós, ou porque não pensou
previamente no que era importante, ou, se foi esse o caso, porque pôde
posteriormente detestar, por ligeireza, o que primeiramente fora bem pla-
neado.
Por conseguinte, para mim é sempre de aprovar o antigo costume
daqueles que melhor edificavam, de modo a que, antes de darmos início a
seja o que for que exija despesa e canseira, ponderemos e examinemos, uma
e outra vez, toda a obra e cada uma das dimensões de todas as partes,
segundo as directivas dos mais entendidos, servindo-nos não só de um dese-
nho e de um esboço 386 , mas também de módulos e de modelos 387 de madeira
ou de qualquer outro material. Na feitura das maquetes deve-se ter em aten-
ção e considerar, da melhor forma possível, o enquadramento no ambiente, a

383
Esta competência para conceber e definir previamente a obra apresenta-se como um acto
inaugural, que se contrapõe ao processo construtivo medieval de resolução da concepção
em obra.
384
Suet., Jul., 46.
385
Região do Lácio, província de Roma.
386
Os termos perscriptione modo et pictura podem ser transpostos por "mostra e pintura",
dado que designavam os desenhos que acompanhavam, entre 1495 e 1521, os alvarás
régios manuelinos para descreverem os projectos arquitectónicos e urbanos para a cidade
de Lisboa, onde "mostra" se referia a uma sumária planta do edificado e "pintura" se
reportava a uma vista de conjunto do exterior (cf. Carita, 1999, pp. 174-177).
387
Os termos modulis e exemplaris transpõem-se, respectivamente, por módulos e modelos
com o sentido de maquetes, i.e., de modelos de dimensões reduzidas, em escala apro-
priada, para representar o que se pretende edificar.

188
Os Materiais

delimitação da área, o número 388 e a disposição das partes, a configuração


dos muros, a solidez das coberturas e, finalmente, a ordenação e conforma-
ção de todos aqueles elementos de que tratámos no livro anterior. E, sem
correr riscos, será lícito acrescentar, tirar, mudar, inovar e alterar completa-
mente, até que todas as coisas se ajustem e satisfaçam plenamente. Além
disso, será mais exacto o cálculo e a soma das despesas a fazer, pormenor
que não se pode deixar de ter em conta, depois de ponderada a largura, a
altura, a espessura, o número, o tamanho, a forma, o aspecto e a qualidade
de cada um dos elementos, em função da sua importância e da mão-de-obra.
Efectivamente, ter-se-á uma noção mais clara e exacta da disposição e quan-
tidade de colunas, capitéis, bases, comijas, frontões, revestimentos, pavimen-
tos, estátuas, e outros elementos do mesmo género que pertencem à estrutura
ou à ornamentação do edificio. Julgo que não se deve deixar de ter em
conta o seguinte aspecto, que vem muito a propósito: produzir maquetes
coloridas e, por assim dizer, ajaezadas com enfeites de pintura, não é pró-
prio de um arquitecto que procure mostrar o seu projecto, mas de um ambi-
cioso que tenta atrair e cativar o olhar de quem o contempla, e desviar a sua
mente da justa análise das partes a serem examinadas, voltando-o para a
admiração de si próprio. Por isso, gostaria que se proporcionassem maquetes
despojadas e simples, não concluídas com esmero excessivo, polidas e luzi-
dias, nas quais se possa admirar o engenho de um inventor e não a habili-
dade manual de um artesão 389 • Entre o desenho de um pintor e o de um
arquitecto há esta diferença: aquele esforça-se por mostrar relevo com som-
breados, linhas e ângulos reduzidos; o arquitecto, rejeitando os sombreados,
num lado coloca o relevo obtido a partir do desenho da planta, e noutro lado
apresenta a extensão e a forma de qualquer fachada e dos flancos , mediante
linhas invariáveis e ângulos reais, como quem pretende que a sua obra não
seja apreciada em perspectivas aparentes, mas sim observada em dimensões
exactas e controladas 390 • Deve, portanto, cada qual fazer maquetes deste

388
A trindade numerus (número/partes), finitio (delimitação/grandeza) e collocatio (disposi-
ção/partes ordenadas) constituem a concinnitas (concinidadelharmonia) que o autor
desenvolve no Livro IX, cap. 5.
389
Ao discernir sobre a justeza dos meios de expressão e de representação do projecto, face
às características que a obra deve apresentar, Alberti alerta para o que é essencial : a
dimensão inovadora da concepção em arquitectura e não a habilidade manual posta na
execução daqueles meios.
390
Se bem que a utilização de maquetes foss e prática corrente na Grécia clássica e pós-
-clássica, mas não em Roma, Alberti sugere, pela primeira vez, o uso simultâneo de
desenhos e modelos à escala.

189
Livro Segundo

género e examiná-las atentamente consigo mesmo e com várias pessoas,


reexaminando-as uma e outra vez, a fim de que, na obra, não venha a
existir um só pormenor, ainda que mínimo, acerca do qual não esteja defi-
nido o que é, como é, que lugar e extensão vai ocupar e a que usos se
destina 39 1•
E principalmente deve-se ponderar em primeiro lugar, antes de tudo,
que o sistema de coberturas seja o mais expedito que é possível. Na ver-
dade, se interpreto bem, a cobertura foi para os seres humanos o primeiro de
todos os elementos do edificio que tinha a ver com a sua utilização, ou seja,
com o repouso; de tal maneira que não há quem negue que tanto a parede e
tudo o que se relaciona com ela, como ainda tudo o que está c0nstruído sob
o solo, foram inventados em função das coberturas, como é o c~so das cana-
lizações e das condutas das águas da chuva, dos esgotos e coisàs assim. Eu,
que aprendi muito com a experiência destas coisas, recordo cQmo é dificil
levar a bom termo uma obra em que a utilidade de cada uma c;ias partes vá
a par com o decoro e a elegância, isto é, que tenha não sq aquilo que
merece louvor, mas também requintada variedade 392 das mesmas partes,
como é aquela que é determinada pela ordem e concinidade das ·I proporções.
Grande feito, sem dúvida! Mas dotar um edificio de uma cobertura funcio-
nal, firme, decorosa e adequada, tudo isso afirmo eu que não é senão obra
da técnica e de um engenho perspicaz e muito ponderado.
Por fim, quando o aspecto da obra e o projecto te agradarem inteira-
mente, a ti e a outros peritos, de tal maneira que não se apresente nenhum
ponto em que tenhas hesitação; nenhum aspecto em que possas decidir-te
por melhor opção, aconselho-te a que não te apresses, levado pelo desejo de
edificar, a dar início à obra, como fazem as pessoas irreflectidas e precipita-
das; mas, se me deres ouvidos, aguardarás algum tempo até que a aprovação
recente do teu engenho arrefeça, disposto a examinar tudo mais uma vez:
ser-te-á então permitido analisar ponderadamente o projecto, já não levado
pelo apego à tua invenção, mas sim movido pelos argumentos da razão.

391
Os cuidados sugeridos por Alberti na elaboração de maquetes e desenhos à escala, com
dimensões exactas e controladas, parecem dirigir-se a Platão (Resp ., X, 602d): " [.. .] a
pintura com sombreados não deixa por tentar espécie alguma de magia, e bem assim
a prestidigitação e todas as outras habilidades desse género" (trad. de M. H. da R.
Pereira, 1996).
392
Requintada variedade pode ser entendida como uma extensão do ornamento como da
concinidade (vide Livro IX, cap. 7).

190
Os Materiais

Grande é o contributo que o tempo traz à execução de todas as obras,


fazendo com que repares e reflitas atentamente naquilo que te escapara, por
mais perspicaz que sejas 393 .

CAPÍTULO II

Quando estiveres para examinar as maquetes, entre as razões a conside-


rar, deves ter presente o seguinte: em primeiro lugar não acometas nada que
seja superior às forças humanas, nem empreendas coisa alguma que de ime-
diato entre em conflito com a natureza. Pois a força da natureza, embora
seja às vezes detida por uma massa colocada diante dela, ou desviada por
alguma barreira, é todavia tal que nunca deixa de vencer e arrasar tudo
aquilo que se lhe opõe e a contraria.
Segundo o que lemos e vemos, o principal motivo, que fez com que
muitas obras realizadas pela mão do homem não durassem, não foi outro
senão o estarem em conflito com a natureza! Quem não zombará do homem
que, fazendo uma ponte com os barcos, decidira andar a cavalo sobre o mar,
ou sobretudo quem não abominará a loucura desse insolente 394 ? O porto de
Cláudio junto de Óstia e o de Adriano em Terracina, embora sob todos os
aspectos fossem obras de certo modo eternas, vemos, todavia, que desde há
muito, tendo a areia obstruído a embocadura e assoreado a enseada, desapa-
receram completamente, após uma luta contínua nunca interrompida, ven-
cendo-o dia a dia. Que pensas que há-de suceder quando alguém decidir
conter totalmente e fazer barreira à violência das águas impetuosas ou à
massa gigantesca de rochedos em desmoronamento? Sendo assim, é impe-
rioso advertir que não devemos empreender nada de semelhante, que não
esteja em perfeita harmonia com a natureza.

393
O tempo é uma dimensão operativa, para Alberti, na concepção e na elaboração do pro-
jecto, na medida em que a arte edificatória é tempo criador que se converte em desejo
pelo delineamento que, ao conformar a matéria, aspira a ser concretizado na plenitude
da obra construída.
394
As duas pontes de barcas de que há notícia na Antiguidade foram mandadas construir
por Xerxes no Helesponto (Hdt., VII, 35-36) e por Gaio Calígula (Suet., Cal., 19). A pri-
meira, feita com cabos de papiro, foi destruída por uma tempestade e por efeito das
ondas do mar, tendo sido reconstruída, com cabos de linho, e novamente demolida por
outro temporal. A segunda, para unir Baias e o molhe em Puteólos, hoje Pozzuoli, foi
construída com maiores dimensões para rivalizar com a ponte de barcas de Xerxes. Cf.
Portoghesi, 1966, pp. 102-3, n. 1.

191
Livro Segundo

Em segundo lugar, é preciso acautelarmo-nos de assumir uma obra que


não temos ânimo para levar até ao fim, deixando-a inacabada 395 • Quem não
criticaria Tarquínio, rei de Roma, por ter gasto, na construção dos alicerces
de um templo, o orçamento de toda a obra, se os deuses não tivessem favo-
recido o desenvolvimento da cidade, se com o crescimento do seu poder ele
não tivesse proporcionado recursos suficientes para a magnificência que ini-
ciara 396 ?
O que se pode e o que é conveniente, não são coisas a considerar entre
as de somenos importância. Não louvo Ródope, uma famosa cortesã da Trá-
cia, nem a memória desses tempos, a qual mandou edificar um jazigo para
si, à custa de gastos incalculáveis: com efeito, embora tenha obtido riquezas
régias, de modo nenhum era digna de uma sepultura régia 397 • Pelo contrário,
não critico Artemísia, rainha da Cária, que mandou construir um jazigo
magnificentíssimo para seu amantíssimo e digníssimo esposo 398 . Embora tam-
bém nisto eu seja adepto da moderação. Horácio não poupa Mecenas 399 pelo
seu desvario em matéria de edificações. Merece-me aprovação um homem,
mencionado por Comélio Tácito, que mandou construir para Otão um túmulo
modesto, mas para durar 400 • Posto que usando de modéstia nos monumentos
particulares e de magnificência nos públicos, muitas vezes é pela pública
modéstia dos particulares que se alcança renome. Os meus louvores e admi-
ração vão para o Teatro de Pompeio, pela notável grandiosidade e dignidade

395
Reparo crítico ao programa de melhoramentos da cidade de Roma do Papa Nicolau V,
desenvolvido na peça Momus (IV), onde Alberti denuncia os comportamentos do fraco
príncipe, i.e. do Papa, e da sua ambiciosa corte, i.e. da cúria papal, representados res-
pectivamente por Júpiter e pelos deuses do Olimpo, onde aquele se considera culpado
pela sua incompetência em criar um mundo melhor, pois que em vez de se dirigir aos
construtores auscultou os filósofos sobre aquele plano de renovação urbana, o que pode
ser interpretado como uma censura aos conselhos dados por Giannozzo Manetti, secretá-
rio, biógrafo e confidente pessoal do Papa (cf. Tafuri, 1995, pp. 41-87; Manetti, 1995).
396
Tito Lívio (1, 38, 7) informa que Tarquínio I "com profética visão do que seria a gran-
deza daquele local conquista, por intermédio de fundações , a área destinada ao templo
de Júpiter no Capitólio, de acordo com o voto que fizera durante a guerra Sabina". Cf.
trad. de P. F. Alberto, 1999.
397
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 82) espanta-se de que uma cortesã como Ródope tenha
conseguido pela sua profissão reunir tantas riquezas.
398
Mausolo, marido de Artemísia, deu o nome ao túmulo que ficou conhecido por Mauso-
léu de Halicamasso.
399
É nas Odes que Horácio (II, 18) recrimina Mecenas: "Nenhum tecto falso de marfim I
ou de ouro em minha casa resplandece I nenhuma arquitrave do Himeto I sobre as colu-
nas talhadas nos confins de África pesa, [...]" (trad. de P. B. Falcão, 2008).
400
Tac., Hist., II, 49.

192
Os Materiais

da construção, obra digna das vitórias de Pompeio e de Roma 401 • Mas nem
todos dão a sua aprovação à mania que Nero tinha de construir, e ao seu
delírio em levar a cabo obras colossais 402 • E também quanto àquele 403 que
com tantos milhares de pessoas perfurou a montanha junto de Putéolos 404,
quem não teria preferido que ele tivesse gasto tanto trabalho e dinheiro em
alguma coisa mais útil? Quem não detestará a prodigiosa insolência de
Heliogábalo 405 ? Tivera a ideia de erguer uma coluna enorme, por dentro da
qual se pudesse subir até ao cimo, para aí colocar o deus Heliogábalo 406 , em
cujo culto fora iniciado; mas como não encontrou uma pedra tão grande,
ainda que procurada até à Tebaida 407 , desistiu.
Diga-se também que não se deve empreender nada que, não obstante
ser útil, de certo ponto de vista, conveniente e não de todo difícil de fazer,
com sobra de recursos e de tempo, tenha, porém, a possjbilidade de não ser
levado a cabo em breve, por descuido do seu sucessor ou por enfado dos
habitantes. A decisão de Nero, de construir um canal navegável para as
quinquerremes, desde o Avemo 408 até Óstia, censuro-a, entre outros motivos,
precisamente porque a conservação da obra exigia perpétua e eterna prospe-
ridade do império e atenção permanente dos imperadores 409 •

40 1
Rykwert eta/ii (1988, p. 372, n. 12), sugerem que o teatro de Pompeio, de localização
incerta, teria sido, no tempo de Alberti, de dificil apreciação dado que tinha sido trans-
formado em habitação.
402
Referência à Domus Aurea, i.e. à residência de Nero construída após o incêndio de 64
d. C., notável pela sua insania aedificandi, i.e. pela louca extravagância e novidade. Cf.
Suet. , Nero, 31.
403
Trata-se de Lúcio Coceio Auto, um engenheiro Romano que, no principado de Octa-
viano Augusto, escavou, a partir de 37 a. C., um túnel com 900 m de comprimento
junto a Putéolos e que ficou, posteriormente, conhecido por Gruta de Sejano (cf. Strab. ,
V, 4, 5; Viggiani, 2006).
404
Assentamento humano da Campânia, situado a 12 km a norte de Nápoles, fundado pelos
Gregos (c. 521 a. C.).
405
Heliogábalo (203-222 d. C.), nascido na Síria e conhecido como Marco Aurélio Ante-
nino, foi imperador de Roma (218-222 d. C.) e '· serviu como sacerdote da divindade
solar E! Gabai na sua cidade de origem, Homs.
406
Divindade oracular, inicialmente venerada na Síria, com culto estabelecido no império
Romano nos finais do séc. II d. C., que tinha como símbolo sagrado um meteorito preto
de forma cónica, guardado no templo que lhe era dedicado no monte Palatino em Roma.
407
Região situada no limite sul da planície da Beócia que foi, desde a idade do bronze, um
dos primeiros assentamentos humanos da Grécia.
408
Cratera vulcânica, perto de Nápoles, que se transformou em lago.
409
O canal que Nero mandou construir entre Avemo e Óstia, para que a viagem pudesse
ser feita por barco e não por mar, tinha uma largura que permitia a passagem de dois
navios com cinco ordens de remos e uma extensão de cento e sessenta milhas. Cf. Suet.,
Nero, 31.

193
Livro Segundo

Em conclusão, valerá a pena ter presente os pontos que abordámos: o


que é que pretendes fazer, e o quê e em que lugar o deves fazer, e quem és
tu que o vais fazer. E dispor todos os aspectos segundo a sua importância e
utilização, será apanágio de um homem prudente e sensato.

CAPÍTULO III

Tendo presente a observação destes aspectos, deves ponderar ainda


outros, tais como: se cada um dos elementos está devidamente definido e
adequadamente assignado ao lugar que lhe compete. Antes de lançares mãos
à obra, é muito importante preparares-te de tal maneira que, em toda a aten-
ção a esses pormenores, tenhas como ponto de honra não admitir, em quanto
de ti depende, que outra obra, feita em outro lugar, com gastos idênticos e
levada a cabo com as mesmas vantagens, possa ser admirada com mais
agrado ou mais efusivamente louvada. Pois não basta, neste tipo de
empreendimentos, que alguém não seja desconsiderado, bem pelo contrário é
de toda a conveniência sermos admirados e contados entre os primeiros, de
modo a sermos imitados. Por isso devemos ser exigentes e extremamente
cuidadosos na análise de todos os aspectos e fazer com que não só nenhum
pormenor subsista que não seja de bom gosto e perfeitíssimo, senão também
que tudo concorra para o decoro e a harmonia do conjunto, a ponto de não
ser possível acrescentar, mudar, ou tirar seja o que for, sem que o resultado
seja menos perfeito e pior 410 •
Mas em cada solução toma por norma orientadora- não me cansarei de
repetir esta advertência - o saber de pessoas experientes e o conselho daque-
les que estão dispostos a proceder a uma apreciação recta e sincera. A sua
opinião e os seus ensinamentos, mais do que a tua vontade e o sentimento
pessoal, hão-de contribuir para que as tuas construções sejam as melhores,
ou como as melhores. Por fim, é sem dúvida excelente receberes a abonação
do que fazes da boca de pessoas competentes; e é mais que suficiente que
aqueles que não propõem nenhuma melhoria dêem a sua aprovação. Por tal

410
Uma estética do equilíbrio, ou de acordo entre as partes, está subjacente à ideia de
harmonia albertiana, reafirmada na carta que escreve, em 18 de Novembro de 1454, a
Matteo de' Pasti, ·o arquitecto residente em obra no templo Malatestiano, onde alterar as
medidas e as proporções estabelecidas equivale a dizer que "si discorda tutta quella
musica" (Grayson, 1998 c, p. 166).

194
Os Materiais

motivo, será também fruto de grande satisfação quando nenhum dos espe-
cialistas se negar a dar o seu assentimento. Será importante ouvi-los a todos:
com efeito, às vezes sucede que os imperitos na matéria dizem coisas que os
mais entendidos consideram dignas de serem tidas em conta.
Mas quando, a partir de cada uma das partes da maquete, tiveres verifi-
cado e observado toda a disposição do edificio, de tal modo que nada reste,
em ponto algum, que não tenha sido objecto de atenção, nada que tenha
escapado à observação, e entretanto te tenhas decidido a edificar, sabendo
claramente como custear as despesas, prepararás tudo o que é necessário
para executar a obra, a fim de que, durante a construção, nada falte que
impeça a sua conclusão com rapidez. Na verdade, sendo muitas as coisas de
que necessitas para concluir a obra, e como qualquer delas, se faltar, pode
impedir ou prejudicar toda a construção, é teu dever nada descurar daquilo
que é importante, se houver, e prejudicial, se faltar.
Escreve Eusébio de Pânfilo 411 que David e Salomão, reis dos Hebreus,
estando para construir o Templo de Jerusalém, tendo já preparado a maior
quantidade de ouro, prata, bronze, madeiras, pedra e outros materiais, então,
para nada faltar que facilitasse e apressasse a construção, pediu aos reis seus
vizinhos arquitectos e muitos milhares de operários. Medida que eu aprovo
inteiramente: na verdade, contribui naturalmente para o prestígio da obra, e
toma maior a glória do seu autor, o facto de, concebida ela com arte e com-
petência, ser concluída com rapidez. Há escritores que enaltecem Alexandre
da Macedónia, o qual, segundo refere Cúrcio 412 , edificou uma cidade, não
muito pequena, junto do Tánais 413 , em não mais de sete dias 414 ; e exaltam
Nabucodonosor porque, como escreve o historiador Josefo 415 , concluiu o
tempo de Belo em quinze dias, ou porque, também em quinze dias, segundo

411
Eusébio (c. 260-339 d. C. ; IX, 30, 4-5), discípulo de Pânfilo que foi martirizado em 310
e em cuja homenagem quis adoptar o seu sobrenome, foi bispo de Cesareia, na Pales-
tina, e autor de diversas obras que marcaram os alvores do cristianismo.
412
Quinto Cúrcio Rufo é o autor de uma história romanceada de Alexandre Magno, escrita,
ao que tudo indica, no tempo de Cláudio.
413
Designação de rio, cidade (hoje Nedvigovka) e estuário que estabelece a fronteira entre
a Europa e a Ásia, permitindo o acesso à bacia do Volga. Pensa-se que, no mundo
greco-romano, se tinha uma noção imprecisa da sua geografia.
4 14
De acordo com Quinto Cúrcio (VII, 26), a cidade levou dezassete dias a ser construída.
415
Flávio Josefo (37-c.llO d. C.), historiador grego e governante Hebreu, é o autor de Anti-
quitates ludaicae e de Bel/um ludaicum que fornecem informações sobre o período onde
se dá a separação do cristianismo e do judaísmo.

195
Livro Segundo

dizem, circundou Babilónia de uma tríplice muralha 416 • Tito 417 ficou célebre
por ter construído em três dias uma muralha com cerca de quarenta está-
dios 418 • Semíramis 419 é lembrada por ter construído em Babilónia as suas
altíssimas muralhas, à razão de um estádio por dia, ou por ter mandado edi-
ficar, para conter um lago, um dique com duzentos estádios 420 , muito alto e
muito profundo, em não mais de sete dias. Mas sobre estas questões falare-
mos noutro lugar 421 •

CAPÍTULO IV

Os matenats que convém preparar com antecedência são os seguintes:


cal, areia, pedra, madeira, e ainda ferro, bronze, chumbo, vidro, e outros do
mesmo género. E sobretudo penso que devem escolher-se operários capazes,
sérios e de confiança, aos quais possas entregar a obra delineada com preci-
são, para ser executada solicitamente, recomendando-lhes que a levem a
cabo com honestidade e a concluam sem demoras.
E, para uma decisão acertada em todos estes pontos, será de grande
ajuda recolher nas obras das proximidades, que aí estão ao nosso dispor,
argumentos e sugestões, que te ajudem a decidir o que no teu caso convém
fazer. Na verdade, os defeitos e as qualidades que se notarem neles, poderás
considerar que hão-de ser precisamente os mesmos na tua obra. O imperador
Nero, tendo decidido erigir em Roma um colosso, destinado ao culto do Sol,
com cento e vinte pés, no qual superaria o tamanho e a magnificência dos
anteriores, diz Plínio que não confiou a construção da obra a Zenodaro 422 ,
artista célebre e excepcional naqueles tempos, senão depois de ter verificado
do que ele era capaz na construção de uma obra de tão grandes dimensões,

41 6
Josefo (A. I. , X, 224-225) relata que foi um palácio e não a muralha ou o templo que
levou quinze dias a construir.
417
Tito Flávio Vespasiano, imperador romano de 79 a 81 d. C..
418
Um estádio romano equivale a 184, 68 m, o que significa que a muralha tinha cerca de
7,39 km de comprimento. Josefo (B. I., V, 387) refere-se à muralha de circunvalação
do cerco de Jerusalém com trinta e nove estádios de comprimento e treze fortins.
419
Semíramis foi mulher de Nino, rei epónimo de Nínive, capital da Assíria, edificou Babi-
lónia e construiu um palácio no séc. VII a. C. .
420
Equivalente a 36, 93 km.
421
Ver Livro IV, cap. 3, sobre as muralhas, e Livro X, cap. 9, sobre os lagos artificiais.
422
Plin., Nat., XXXIV, 45.

196
Os Materiais

por ele já ter construído na Gália, no território dos Arvernos 423 , um colosso
de tamanho excepcional. Mas, assentes estes princípios, passemos ao que se
segue.
Pela nossa parte, ao passar em revista as coisas que são úteis à cons-
trução dos edificios, não deixaremos de repetir os ensinamentos que os
sábios da Àntiguidade nos legaram, sobretudo Teofrasto, Aristóteles, Catão,
Varrão, Plínio e Vitrúvio - na verdade esses conhecimentos adquirem-se
mais por uma longa observação do que pelas artes do engenho - a fim de
os procurarmos naqueles que com a maior diligência os consignaram por
escrito. Seguiremos, portanto, coligindo tudo aquilo que os mais conceitua-
dos trataram em vários passos das suas obras. Acrescentaremos ainda,
segundo o nosso costume, o que nós próprios registámos a partir da obser-
vação das obras dos antigos ou de conselhos de artistas experientes, e que
de certo modo pode ser útil para o que temos a dizer.
Na verdade, parece-me muito conveniente dar início à exposição,
seguindo a ordem natural dos mesmos assuntos e começando pelos materiais
de que os homens no começo se . apropriaram para a edificação. Se me não
engano, foram eles árvores de corte e madeira das florestas, embora eu
encontre entre os autores alguns que discordam entre si sobre este ponto. Há
os que dizem que primeiramente os homens habitaram em cavernas, abri-
gando-se o gado e os seus proprietários sob a mesma protecção. Assim,
acreditam, com base numa história narrada em Plínio, que foi um certo
Gélio Táxio o primeiro a construir uma casa de lodo, imitando a natureza 424 ;
Diodoro diz que foi a deusa Vesta, filha de Saturno, a primeira a inventar as
habitações 425 ; Eusébio de Pânfilo, distinto investigador das coisas antigas,
servindo-se dos testemunhos dos antepassados, afirma que foram os descen-
dentes de Protogénio que conceberam para o ser humano habitações, entre-
laçando folhas de cana e papiro 426 • Mas voltemos ao assunto.
Os antigos, e principalmente Teofrasto, dizem que se devem cortar as
árvores, sobretudo o abeto e as várias espécies de pinheiro, logo que come-

423
Território da Gália situado, actualmente, na região de Clermont-Ferrand.
424
O texto de Plínio-o-Antigo (Nat., VII, 194) refere-se, possivelmente, a Gneu Gé1io, do
séc. II a. C., autor de Annales em mais de 30 livros, de que nos chegaram fragmentos,
que descrevem a história de Roma desde as origens até meados do séc. II a. C .. Cf. Por-
toghesi, 1966, p. 11 O, n. 1.
425
Diod. Sic., V, 68, 1.
426
Eusébio de Pânfilo (Prep., 1, 1O, 1O) baseia-se na antiga história fenícia de Sanchunia-
thon, traduzida para grego por Herénio Fílon, para fornecer esta informação. Para A1berti
trata-se de uma fonte fidedigna , apesar de não ser explicitamente citada, na medida em
que são referidos testemunhos mais antigos (cf. Grafton, 1997, p. 64).

197
Livro Segundo

cem a germinar e a desabrochar os ramos tenros, quando ainda, devido à


exuberância da seiva, é fácil tirar a casca 427 ; dizem, porém, que há algumas
que é mais vantajoso cortar depois das vindimas, como é o caso do bordo,
do olmeiro do freixo e da tília; de igual modo garantem que os carvalhos,
se forem cortados na Primavera, se tomarão carunchosos; mas, se forem cor-
tados no Inverno, nunca se hão-de estragar nem rachar. E vem a propósito
referir que, também eles o disseram, a madeira cortada no Inverno, quando
sopra o vento boreal 428 , arde lindamente e quase sem fumo, ainda que esteja
verde. Este facto é sinal de que está impregnada de humidade sazonada e
não verde.
Vitrúvio 429 prefere que a madeira seja cortada desde o princípio do
Outono, até antes de começar a soprar o Favónio 430 • Hesíodo diz: "Quando o
sol aquece fortemente sobre a nossa cabeça e por isso a cor dos homens fica
bronzeada, avizinha-se então o tempo da ceifa; mas, quando a folha começar
a cair, deves desbastar a floresta" 43 1• Catão, por seu lado, ordena as coisas
deste modo, dizendo: "Corta a madeira pelo solstício, se for um carvalho:
pois pelo Inverno está sempre madura; a restante madeira, a que tem fruto,
deve ser cortada quando ele estiver maduro; a que não tem, corta-a quando
te convier; a que tem fruto maduro e verde ao mesmo tempo, corta-a
quando o fruto cair. O olmeiro deves cortá-lo ao cair da folha" 432 .
E dizem que é muito importante a fase da Lua em que se cortam as
árvores. Vários autores, e principalmente Varrão, pensam que é tão grande a
influência das fases da Lua, quando estas e outras coisas são tocadas pelo
ferro, que vão ao ponto de afirmar que quem corta o cabelo em quarto min-
guante, se toma rapidamente calvo 433 • E contam que por tal motivo o impe-
rador Tibério reservara um dia para cortar o cabelo 434 • Os astrónomos afir-

421
Theophr., H. P, V, 1, 1-5.
42
M Vento do norte.
429
Para Vitrúvio (II, 9, 1) os períodos de abate das árvores são análogos aos da fabricação
e da secagem de telhas e tijolos.
430
O Favónio designa, de acordo com Catão-o-Censor (Agr., 50) e Plauto (Mil. , lll, v. 665),
o vento do oeste que, na primavera, traz consigo a amenidade.
431
Hesíodo (Op., 383-384) menciona que "Quando surgem as Plêiades, filhas de Atlas,
começa a ceifa e a sementeira quando elas se põem" (trad. de A. E. Pinheiro - J. R.
Ferreira, 2005), o que corresponde, respectivamente, aos meados dos meses de Maio e
de Novembro mas, no entanto, é mais impreciso quando se refere ao corte da madeira.
432
Cat., Agr., 27, 1-2.
433
Var., R., I, 37, 2.
434
Plin., Nat., XVI, 194.

198
Os Materiais

mam que, se cortares o cabelo ou as unhas com a lua encoberta ou mal dis-
posta, não te livrarás de uma depressão. Pode ser útil isto que eles dizem:
que devem ser trabalhados com o ferro e com as mãos, quando a Lua esti-
ver em Balança ou em Caranguejo, os objectos que hás-de ter para teu uso
pessoal e para se moverem de lugar; ao invés, os que se hão-de manter fixos
e sem mudar de lugar, devem ser começados e concluídos quando a Lua
estiver em Leão ou em Touro, ou coisa assim. Mas todos os entendidos
aconselham a cortar a madeira em quarto minguante: pois sustentam que
então está totalmente escorrido aquele defluxo gorduroso da árvore, que é
muito propenso a impregnar-se rapidamente de podridão. Sabe-se por expe-
riência que a madeira cortada nesta lua não é infestada pelo caruncho. Daí o
dizer-se: Trigo que vendas, colhe-o em lua cheia. Porque então também o
trigo estará bem cheio; mas o trigo para guardar, colhe-o em lua enxuta 435 .
Consta também que os ramos das árvores preparados em quarto minguante
não apodrecem. Columela 436 é de parecer que o dia adequado ao corte de
árvores é desde o vigésimo ao trigésimo da lua em quarto minguante 4 37 •
Vegécio prefere que a árvore seja cortada desde a décima quinta à vigésima
segunda lua 438 ; aqui pensa estar a origem do culto que celebra apenas nestes
dias os ritos de eternidade, visto que duram para sempre as coisas que são
cortadas durante esses dias. Dizem ainda que se deve observar como se põe
a Lua. Mas Plínio é de opinião de que o melhor dia para cortar uma árvore
é quando a constelação do Cão está no ponto mais elevado e a Lua em con-
jugação com ela, dia que se chama interlúnio, considerando que se deve
esperar pela noite desse mesmo dia, até que a Lua esteja debaixo da
Terra 439 • Os astrónomos afirmam que a razão disto é que, por influência da
Lua, se põe em movimento todo o humor das coisas. Por isso, como o
humor, em face da Lua, ou reflui para as últimas fibras da raiz, ou se dis-
sipa, a restante madeira fica mais limpa.

435
Isto é, na lua com sede (!una sitiente), sem chuva. Cf. Plin., Nat., XVII, 57 e 112.
436
Lúcio Júnio Moderato Columela (séc. I d. C.), é o autor de um tratado sobre agricultura
(De re rustica; XI, 2, 11) em doze volumes.
437
Note-se que o ciclo lunar somente apresenta 28 dias .
m De acordo com Vegécio (IV, 35), apenas nestas condições mais favoráveis os troncos
cortados não apodrecem, sendo aqueles que são abatidos fora deste período de sete dias
reduzidos, em menos de um ano, pelos vermes a pó. No entanto, Milner (1996, p. 143,
n. 2), ao comentar a obra de Vegécio, sugere que este terá interpretado erroneamente as
observações de Catão-o-Censor (Agr. , 37), que recomendava, para o corte da madeira, o
último quarto lunar ou, em alternativa, a lua nova e o primeiro quarto lunar.
439
Isto é, depois de a lua se pôr. Plin., Nat., XVI, 190-191.

199
Livro Segundo

Diga-se, ainda, que consideram que as madeiras serão mais firmes se a


árvore, em vez de ser abatida de uma só vez, for cortada em volta, secando
de pé 440 • E até o abeto, uma árvore aliás muito pouco resistente ao contágio
dos humores, dizem que, se for descascado em quarto minguante resistirá à
corrupção das águas. Há autores que garantem que o carvalho e o sobreiro,
madeiras pesadas que por natureza ficam submersas debaixo de água, bóiam
ao cimo da água até ao nonagésimo dia, se forem cortadas no princípio da
Primavera e abatidas depois de perderem a folhagem. Outros dizem que se
deve cortar mais a espessura da árvore, até meio da medula, ficando ela de
pé, até que a peçonha e o suco nocivo sejam expelidos por escorrimento.
A isto acrescentam que não deves abater uma árvore para ser aplainada ou
serrada antes de produzir frutos e amadurecer as sementes; depois de cor-
tada, tratando-se sobretudo de uma árvore frutífera, aconselham que se lhe
retire completamente a casca. Com efeito, ficando cobertas pela casca, facil-
mente são contaminadas na entrecasca 441 •

CAPÍTULO V

Uma vez cortada a madeira, é necessário arrecadá-la num lugar onde


não chegue a inclemência do sol escaldante nem a violência do sopro dos
ventos; e, sobretudo, importa proteger com a sombra aquelas madeiras que
têm tendência para abrir fendas . Por esse motivo, os antigos arquitectos
untavam a madeira com excremento, de preferência bovino. Teofrasto expli-
cava que isso se fazia porque, uma vez obturados os poros, a seiva conden-
sada e os vapores em excesso se infiltram pouco a pouco e evaporam atra-
vés da medula, com o que a densidade da madeira, secando, adquire uma
concentração uniforme 442 • Assim, pensavam que a secagem se fazia melhor
colocando os troncos verticalmente com o cimo para baixo.
Utilizavam vários remédios contra o envelhecimento e as futuras doen-
ças da madeira. Teofrasto considera que a madeira enterrada no solo se toma
mais densa 443 • Catão manda untar a madeira cortada com água ruça, a fim
de a imunizar contra a traça e o caruncho 444 • É sabido que o pez protege

44
° Cf. Vitrúvio (11, 9, 3).
441
Theophr., H. P , V, 1, 2.
442
Theophr., H. P , V, 5, 6.
443
Theophr., H. P , V, 7, 4.
444
Cat. , Agr., 130, 111.

200
Os Materiais

contra a acção da água e do mar. Dizem que a lenha impregnada de água


ruça arde sem o incómodo do fumo. Escreve Plínio que para construir o
Labirinto Egípcio foram usadas traves de espinheiro, fervidas em azeite 445 .
Teofrasto afirma que a madeira untada de visco não arde 446. E não omitirei
o seguinte. Dos anais de Quinto Cláudio, referidos por Gélio, consta que
uma torre de madeira, junto do Pireu, não ardeu quando foi atacada por
Sula, porque Arquelau, prefeito de Mitridates 447 , a teria untado com alú-
men448.
Além disso, há madeiras que por vários processos se tomam compactas
e fortalecem contra os danos das intempéries. É o caso da madeira de Citro,
que era coberta de terra e untada de cera e colocada em cima de montes de
trigo, sete dias sim, sete dias não. Deste modo, por um lado tomava-se mais
resistente, por outro mais fácil de trabalhar: na verdade perde peso de forma
invulgar. Afirmam, ainda, que ela, mesmo quando seca no mar, adquire uma
dureza compacta e incorruptível. Consta que o castanho é purificado pela
água do mar 449 • A figueira Egípcia- escreve Plínio - mergulha-se num pân-
tano para secar e se tomar mais leve: antes disso vai ao fundo 450 • Vemos os
nossos carpinteiros guardarem a madeira debaixo da água e da lama, durante
trinta dias, sobretudo aquela que trabalham ao tomo, porque consideram que
assim seca em menos tempo e se toma mais apta para todo o tipo de utili-
zações.
Há quem diga que a qualquer madeira sucede este fenómeno : se for
enterrada em lugar húmido, enquanto ainda está verde, dura para sempre.
Mas quer se enterre, quer se conserve arrecadada em algum lugar depois de
untada, todos são de opinião unânime que não deve ser tocada senão depois
de três meses. Pois é conveniente que se tome compacta e se impregne de
uma espécie de maturidade em termos de firmeza, antes de ser utilizada na
obra. Catão diz que, uma vez assim tratada, deve ser desenterrada e exposta
ao sol, na fase em que a Lua está em quarto minguante e depois do meio-
-dia; mas, nos primeiros quatro dias do minguar da Lua, durante os quais
ainda está cheia, desaconselha e avisa que, soprando o vento sul, não deve

445
Plin., Nat., XXXVI, 89. O labirinto foi construído por Psamético que reinou no Egipto
a partir de 664 a. C. .
446
Theophr. , C P , V, 15, 4.
447
Mitridates VI (1 20-63 a. C.), rei do Ponto e principal inimigo de Roma no séc. I a. C ..
448
Gel., XV, I, 4.
447
Plin., Nat., Xlll, 99.
450
Plin. , Nat. Xlll, 57.

201
Livro Segundo

ser exposta. Quando for trazida para fora, deve evitar-se arrastá-la pelo orva-
lho, a fim de a não teres de aplainar ou cortar à serra estando ela orvalhada,
ou coberta de geada, ou não inteiramente seca 451 •

CAPÍTULO VI

Parece que Teofrasto era de optmao que a madeira não está bem seca
em menos de três anos, sobretudo para fazer traves e portas 452 • Para a cons-
trução dos edificios, pensam que as melhores são as seguintes árvores: a azi-
nheira, o carvalho, o sobreiro, o ésculo, o choupo, a tília, o salgueiro, o
álamo, o freixo, o pinheiro, o cipreste, o zambujeiro, a oliveira, o casta-
nheiro, o lariço, o buxo, o cedro, e ainda o ébano e a videira. Mas, como
variada é a natureza de cada uma delas, variadas são as utilizações para que
se recomendam: porque umas são melhores que outras para estarem ao ar
livre, outras conservam-se melhor em lugar resguardado; umas resplandecem
ao ar, outras endurecem dentro de água e, quando enterradas, duram para
sempre. Por isso umas são mais resistentes para fazer lastros, ombreiras,
esculturas e obras de interior, outras próprias para vigas, traves, e ainda
outras para sustentar pavimentos de terraços e fazer as coberturas.
E nomeadamente o álamo, sendo muito resistente à humidade, é supe-
rior a todas para a construção de alicerces sobre estacas nos terrenos alaga-
dos e pantanosos: ao ar e ao sol dura pouco 453 • Pelo contrário o ésculo não
resiste à humidade. O olmeiro torna-se compacto ao ar e a descoberto; em
outro ambiente racha e não resiste. Os pinheiros, se forem inteiramente
cobertos de terra, são eternos. Mas o carvalho, porque é espesso, nodoso,
compacto, e dotado de pequeníssimos poros, refractário à humidade, é mui-
tíssimo indicado para as estruturas que ficam debaixo de terra 454 ; e sobre-
tudo será aproveitado para sustentar pesos; dará de facto uma potentíssima
coluna. No entanto, embora a natureza o tenha dotado de tanta dureza que

45 1
Cat., Agr., 31 , 2.
452
Theophr. , H. P , V, 3, 5.
453
Vitrúvio (II, 9, 10) recomenda o álamo para as fundações em estacaria das construções,
pois, ao deixar penetrar a água, permanece inalterável e sustenta as cargas das estruturas
mais maciças.
454
Já Vitrúvio (II , 9, 8) relata que o carvalho apresenta uma duração quase ilimitada
quando enterrado no subsolo.

202
Os Materiais

não se consegue perfurá-lo com um trado 455 senão depois de molhado,


dizem todavia que por cima do solo não é firme , abre fendas e empena,
além de apodrecer facilmente sob a acção da água do mar. A oliveira, a azi-
nheira e o zambujeiro, que em tudo o mais se comportam como o carvalho,
não amolecem na água. O carvalho não se degrada com o envelhecimento,
porque está cheio de seiva por dentro, quase como se estivesse verdejante.
Também dizem que a faia e a nogueira se conservam na água durante muito
tempo, e classificam-nas entre as principais que se podem utilizar debaixo
do solo. E também o sobreiro, o pinheiro bravo, a amoreira, o bordo e o
olmeiro não deixam de ser úteis para servir de colunas.
Teofrasto é de opinião que a nogueira de Eubeia é indicada para trave-
jamentos e vigas, porque realmente, antes de partir, dá sinal estalando. Uma
vez, foi graças a um estalido que, nos banhos públicos em Andro, escaparam
incólumes do desabamento do tecto todos os que se encontravam lá den-
tro 456 . Mas a melhor de todas as árvores é o abeto: sendo a primeira de
todas em altura e grossura, aguentando-se graças à sua rigidez natural, não
dobra facilmente sob a pressão das cargas, pelo contrário permanece direito
e firme; além disso é fácil de trabalhar e com o seu peso não sobrecarrega
os muros. Só ao abeto se atribuem vários méritos, afirmando muitos a seu
respeito que as suas vantagens são insuperáveis. Não deixam, contudo, de
lhe reconhecer um defeito: facilmente é pasto das chamas e devastado pelo
fogo 457 •
Ao abeto não é inferior ao cipreste para assoalhar os edificios: aliás, é
uma árvore que entre as nossas árvores reivindica o primeiro e principal
mérito. Os antigos reservavam-lhe, entre as mais importantes, um lugar que
não era o último a seguir ao cedro e ao ébano. Na Índia venera-se o cipreste
como se fosse uma das árvores aromáticas; e com toda a razão. Louve quem
quiser o amomo 458 de Qui os e de Cirene, que Teofrasto diz ser eterno 459 ;
mas pelo seu perfume, elegância, robustez, envergadura, perfil rectilíneo,

455
Utensílio de carpintaria para abrir furos circulares em peças de madeira de grande espes-
sura.
456
Th eophr., H. P , V, 6, I. O nome correcto para Andro, cidade marítima da Ásia Menor,
é Antandro.
457
As propriedades do abeto são apresentadas já em Vitrúvio (II, 9, 6).
458
Sobre as propriedades e a etimologia do amomo, uma planta aromática nativa de regiões
intertropicais, veja-se Garcia de Orta (1891 , pp. 59-64 ).
459
Teofrasto (H. P , IX, 7, 2) não se pronuncia quanto à sua durabilidade e não dá como
certa a sua origem na Média ou na Índia, enquanto Plínio-o-Antigo (Nat., XII , 28) men-
ciona-a como um dispendioso unguento para o cabelo.

203
Livro Segundo

perenidade, por todas estas qualidades, que árvore se poderá comparar ao


cipreste? Dizem que ele não é absolutamente imune ao caruncho e ao enve-
lhecimento, e que de nenhum modo abre fendas naturalmente. Precisamente
por isso, Platão pensava que as leis públicas e as determinações de carácter
religioso deviam ser gravadas em tábuas de cipreste, porque considerava que
provavelmente seriam mais duradoiras do que se fossem gravadas em
bronze 460 • Este aspecto leva-me a referir como dignas de serem lembradas
coisas que li e vi a propósito do cipreste. Há testemunhos de que as portas
do templo de Diana em Éfeso, que eram de cipreste, duraram quatrocentos
anos, e conservaram tal brilho que se diriam perpetuamente novas. Nós mes-
mos, em Roma, na basílica de São Pedro, quando o Papa Eugénio mandou
restaurar as portas, vimos que onde as mãos dos homens não causaram dano
para arrancar a prata de que outrora estavam revestidas, elas perduraram fir-
mes e perfeitamente intactas durante mais de quinhentos e cinquenta anos.
De facto, ·se bem interpretamos os anais pontificios da cidade de Roma, tan-
tos são os anos que vão do tempo do Papa Adriano III, que as mandou
construir, até ao de Eugénio IV 46 1• Em suma, para fazer soalhos recomen-
dam o abeto; preferem-lhe o cipreste, talvez por uma particularidade: por ser
mais duradouro; mas é mais pesado que o abeto.
Recomendam também o pinheiro e a pícea 462 . Entendem; na verdade,
que o pinheiro é equivalente ao abeto, resistindo bem ao peso a que é
sujeito. Mas entre o pinheiro e o abeto há, entre outras, esta diferença: o
abeto é tanto menos danificado pelo caruncho, quanto mais doce é a seiva
do pinheiro que a do abeto.
Eu considero que o lariço não deve ser preterido por nenhuma outra
madeira. Verificámos em outros lugares e perto de Veneza nos antigos edifi-
cios do fórum que de facto o lariço su~entou, com toda a firmeza e durante
muito tempo, o peso das estruturas 463 . E dizem que ele reúne todas as van-

460
PI. , Lg., V, 741c.
461
Trata-se de uma das poucas referências autobiográficas de Alberti que permite estabele-
cer um terminus post quem do seu tratado. Com efeito, Eugénio IV encomendou as por~
tas da antiga Basílica de São Pedro a Filarete em 1439, tendo sido estas completadas em
. 1445.
462
Árvore resinosa, também conhecida por espurce, nativa das regiões frias do hemisfério
norte, e muito semelhante ao abeto.
463
A observação e o estudo dos edificios da Antiguidade não são, para A1berti, uma ques-
tão de erudição, mas de aprendizado sobre o acto de construir, como sucede com o
fórum a que se refere, provavelmente o de Aquileia, fundado em 181 a. C. e destruído
por Átila em 452 d. C. . Cf. Portoghesi, 1966, p. 124, n. I.

204
Os Materiais

tagens que são proporcionadas pelas outras árvores em conjunto. É flexível,


robusto, resistente às intempéries e imune ao caruncho. Uma velha opinião
diz que é inacessível aos danos do fogo e persiste quase ileso. Dizem até
que se devem colocar tábuas de lariço como protecção voltadas para o lado
de onde se teme que possa haver perigo de incêndio. Mas nós já o vimos
arder, embora de forma tal que parecia desdenhar das chamas e querer
sacudi-las. Consta ter um único defeito: com a água do mar toma-se vulne-
rável ao caruncho.
Dizem que para os travejamentos os carvalhos e a oliveira não prestam,
porque são muito pesados, cedem ao peso e por sua natureza tendem a
abaular. Também não são úteis para serem usadas nos travejamentos as
madeiras que partem com mais facilidade do que abrem fendas: como é caso
da oliveira, da figueira, da tília, do salgueiro e outras. É extraordinário o que
afirmam acerca da palmeira: reage resistindo ao peso posto em cima dela e
curvando-se em sentido contrário. Para travejamentos ao ar livre, preferem o
junípero a todas as madeiras; Plínio diz que tem as mesmas características
do cedro, mas é de natureza mais resistente 464 • Dizem também que a oliveira
tem uma duração infinita; e incluem ainda o buxo entre as principais madei-
ras deste tipo; o castanho, embora rache e empene, não é recusado para as
construções que têm de ficar ao ar livre.
Recomendam antes de mais o zambujeiro, principalmente pela mesma
razão que recomendam o cipreste: ser imune ao caruncho; ao mesmo
número pertencem as árvores que estão impregnadas de uma seiva oleosa e
gomosa, e sobretudo amarga. É claro que madeiras assim são refractárias ao
bicho e à humidade exterior. Contrária a esta consideram toda a madeira que
seja dotada de uma seiva açucarada, a qual facilmente pega fogo. Consti-
tuem excepção a oliveira e o zambujeiro.
Vitrúvio afirma que a azinheira e a faia são por natureza pouco resis-
tentes à intempérie e não duram muito tempo 465 . Plínio diz que o carvalho
também apodrece depressa 466 • Para as restantes obras de interior, portas,
camas, mesas, cadeiras, e outras do mesmo género, a mais excelente de
todas é o abeto, sobretudo o que cresce nos Alpes italianos. Esta árvore é
por natureza sequíssima e fixa muitíssimo bem a cola. A pícea e o cipreste
são muito adequados para estes fins. Para outros dizem que a faia é frágil,
mas útil para caixas e leitos, e que se corta bem em placas finíssimas.

4
64 Plin., Nat., XVI, 223.
465
Vitrúvio, II, 9, 9.
466
Cf. Plin, Nat., XVI, 218.

205
Livro Segundo

Dizem também que a azinheira se corta muito bem. São impróprias para
fazer traves, a nogueira, porque facilmente abre fendas, o olmeiro e o freixo
porque, embora sendo flexíveis, também abrem fendas. Dizem porém que o
freixo é a mais maleável de todas para ser trabalhada. Mas é para mim
motivo de espanto que a nogueira não seja elogiada nos conselhos dos anti-
gos, quando de facto ela é extremamente flexível e fácil de manejar, como
se pode verificar.
Louvam a amoreira, tanto porque dura muito, como porque escurece
com o tempo, tomando-se mais agradável. Teofrasto recorda que os ricos
costumavam mandar fazer portas de lódão, de azinheira ou de buxo 467 • Con-
sideram o olmeiro, que se mantém perfeitamente rígido, útil para as ombrei-
ras das portas; mas dizem que se deve inverter a sua posição, de maneira
que fique a raiz para cima e o cimo para baixo. Catão diz que as trancas se
devem fazer de azevinho, loureiro ou olmeiro. Recomendam o comizo para
as cavilhas 468 . Faziam os degraus das escadas com freixo e bordo. Para fazer
condutas de água perfurava-se um tronco de pinheiro, de pícea, de olmeiro;
mas garantem que estes envelhecem muito depressa se não forem cobertos
de terra.
Para ornamentar os edificios estavam certos de que o lariço fêmea, que
é da cor do mel dura indefinidamente quando é utilizado em placas de pin-
tura e jamais abre fendas; a palmeira, porque não tem veios no sentido do
comprimento, mas sim transversalmente, era por isso mesmo utilizada para
fazer estátuas dos deuses. Também usavam lódão, buxo, cedro e ainda
cipreste e a raiz mais grossa das oliveiras, e pessegueiro egípcio, que dizem
ser parecido com o lódão. Se era necessário bolear alguma coisa ao tomo,
usavam faia, amoreira, terebinto 469 e principalmente buxo, a mais compacta
de todas as madeiras e a mais afeiçoável ao tomo, e ébano que de todas é a
mais fina.
Para fazer estátuas e quadros recorriam ao choupo branco e também ao
negro, ao salgueiro, ao bordo, à sorveira, ao sabugueiro e à figueira; estas
árvores, secas e uniformes, por um lado são aptas para receber e agarrar os
aglutinantes e os pigmentos aplicados pelos pintores, por outro lado são
extremamente maleáveis e flexíveis para modelar formas. Todos sabemos
que entre elas a mais macia de todas é a tília. Mas há quem recomende a
jujuba para fazer estátuas.

467
Theophr. , H. P , V, 5, 6.
468
Cat., Agr., 31 , I.
469
Árvore nativa do Mediterrâneo cujo caule, por excisão, exsuda uma resina transparente
e aromática conhecida como terebentina.

206
Os Materiais

O oposto destas é o carvalho cuja madeira, sendo refractária a toda a


espécie de cola, não se consegue unir entre si, nem com todas as outras do
mesmo tipo. Dizem que esse mesmo inconveniente, a recusa de todo o tipo
de aglutinação, é comum a todas as árvores lactíferas e rugosas. De igual
modo a madeira muito lisa e compacta dificilmente adere à cola. Também as
que são de natureza diversa, como a hera, o loureiro, e a tília, porque são
quentes, não aderem por colagem durante muito tempo àquelas que nascem
em lugares húmidos, porque todas são frias por natureza 470 • O olmeiro, o
freixo, a amoreira, a cerejeira, porque são secos, não se dão bem com o plá-
tano e o álamo que são húmidos . .Os antigos tinham tal repugnância em unir
por colagem madeiras não associáveis e de características contrárias, que
não admitiam que se juntassem lado a lado e muito menos que aderissem
uma às outras. Daí a recomendação de Vitrúvio, que aconselha a não juntar
tábuas de azinheira com as de carvalho 47 1•

CAPÍTULO VII

Mas para resumir tudo o que foi dito, em todos os autores consta que
as árvores infecundas são mais robustas do que as férteis, e que as silvestres
e não cultivadas pela mão do homem e pelos instrumentos de corte são mais
resistentes que as domésticas. Com efeito, segundo Teofrasto, as árvores sil-
vestres não são atingidas por doenças de que venham a morrer 472 ; ao passo
que, segundo dizem, as domésticas e principalmente as frutíferas estão sujei-
tas às mais graves doenças. E afirmam que entre as férteis, as temporãs são
mais fracas do que as serôdias, e as doces que as amargas. E entre as que
dão frutos amargos e ásperos, consideram mais robustas as que os produzem
mais azedos e em menor quantidade. As que produzem de dois em dois
anos, bem como as que são absolutamente estéreis, são mais nodosas do que
as férteis. E entre estas, quanto mais pequenas, tanto mais difíceis são de
trabalhar. E as estéreis crescem mais que as férteis.

470
"Na botânica dos Antigos, as madeiras quentes, são designadas de terrosas (fortemente
duraminizadas), e as frias, de aquosas (com textura branda e esponjosa)" (Caye-Choay,
2004, p. 115, n. 112). Cf. S. Amigues in Teofrasto, Recherche sur les plantes, Paris, Les
Belles Lettres: t. I, 1988, I, p. 83, n. 9; t. lll, 1993, V, pp. 68-69, n. 8.
47 1
Vitrúvio, VII, 1, 2.
472
Theoph1~, H. P , IV, 14, l.

207
Livro Segundo

Dizem, ainda, que aquelas que tiverem crescido em descampado, não


cobertas por montes ou florestas, mas antes batidas por ventos e intempéries
frequentes, são mais robustas e mais grossas, mas mais pequenas e mais
nodosas que aquelas que tiverem crescido em vale abrigado e em lugar pro-
tegido dos ventos. As árvores nascidas em lugares húmidos e densos são
consideradas mais flexíveis do que aquelas que se formam em lugares soa-
lheiros e secos, e as que nascem voltadas a norte são mais vantajosas do que
as que se inclinam de norte para sul 473 • E rejeitam como abortivas as que
tiverem nascido em lugares alheios à sua natureza. As que. nascerem volta-
das para sul serão muito duras, mas são contorcidas na medula, e apresen-
tam-se menos uniformes para executar uma obra. Além disso, dizem que as
árvores enxutas por natureza e lentas no crescimento são mais robustas do
que aquelas que são moles e fecundas: Varrão considera que estas eram de
natureza feminina, aquelas de masculina 474 ; e que as madeiras mais brancas
são menos compactas e mais manejáveis do que aquelas em há alguma cor.
E de facto a madeira pesada é toda ela mais espessa e mais dura do que a
leve; e tanto mais frágil quanto mais leve; e tanto mais sólida quanto mais
nodosa. Aquelas que a natureza dotou em vida de maior longevidade, con-
cedeu-lhes também que, depois de cortadas, demorem mais tempo a apodre-
cer. Toda a madeira é tanto mais forte e robusta quanto menos medula tem.
As partes que ficam mais próximas da medula são mais duras e mais com-
pactas que as restantes; as que ficam mais perto do córtex são dotadas de
mais tenacidade. Na sua opinião, a parte do córtex está para as árvores
como a pele para o animal; o que está por debaixo da pele é como se fosse
a carne; o que envolve a medula é como o osso. Aristóteles considerava que
os nós das plantas são equivalentes aos nervos 475 •
Consideram que a parte da madeira pior de todas é o albumo 476 , entre
outras razões, porque está desprotegido contra o caruncho. Além disso, as
partes da madeira que, enquanto a árvore estava de pé, ficavam voltadas a
sul serão mais enxutas, mais finas e delgadas que as outras, mas mais den-
sas; e terão desse lado a medula mais próxima do córtex. E as partes que
estiverem mais perto da terra e das raízes ficarão mais pesadas que as res-
tantes - prova disso é que na água têm mais dificuldade em emergir -; a

473
Plin., Nat. , XXVI, 196.
474
Var., R.., I, 41 , 4.
475
Cf. Pseudo-Aristóte1es, De plantis, I, 9, 1.
476
Parte nova e periférica do lenho das árvores, por onde circula a seiva bruta, de consis-
tência mole e de cor esbranquiçada.

208
Os Materiais

parte do meio de qualquer árvore é a mais rugosa. Os veios, quaisquer que


sejam, são tanto mais sinuosos quanto mais vizinhos das raízes. As partes
interiores são tidas por mais firmes e de maior utilidade do que as partes
que se desenvolveram posteriormente.
Pela minha parte descubro, nas várias espécies de árvores, algumas
acerca das quais os melhores escritores contam coisas deveras extraordiná-
rias. Na verdade eles afirmam que a videira supera a duração de séculos. No
tempo de César podia contemplar-se na cidade de Populónia uma estátua de
Júpiter feita de videira que permaneceu incorrupta durante muitos séculos 477 ;
e garantem que nenhuma outra madeira é de natureza mais durável. Em
Ariana, uma região da Índia, diz Estrabão que havia videiras tão grossas que
dois homens não conseguiam abraçar o seu tronco 478 . Dizem por tradição
que em Útica 479 se manteve firme um tecto de cedro durante ~il duzentos e
setenta e oito anos. Dão testemunho de que na Hispânia, no templo de
Diana, as traves de Junípero duraram desde o ano duzentos antes da destrui-
ção de Tróia até ao tempo de Aníbal 480 • Notável é de facto a natureza do
cedro se, como dizem, esta é a única árvore que não aguenta um prego. Nas
montanhas que ficam perto do lago de Garda 48 1, existe uma tal espécie de
abeto que, se dele se fizer uma taça, esta não conseguirá conter o vinho se
antes não for bem untada com azeite. E quanto a árvores, é tudo.

CAPÍTULO VIII

Também é necessário preparar a pedra a ser utilizada na construção dos


muros. Poderá ela ser de duas espécies: uma própria para amassar e ligar o
cimento; outra adequada para a estrutura do edificio. Trataremos primeiro
daquela que é conveniente para a estrutura. Mas omitirei muitos aspectos, já
para ser breve, já porque são por demais conhecidos.
E não me vou deter aqui a discutir o que dizem as ciências da natureza
acerca da origem e génese das rochas: se foram os primeiros elementos vis-

477
Plin., Nat., XIV, 9. Populónia, antiga cidade etrusca, próxima de Piombino na costa da
Toscana, em frente à ilha de Elba.
478
Strab., II, l, 14.
479
Antiga cidade do Norte de África, situada a noroeste de Cartago, que tomou o partido
de Roma na 3.• guerra púnica, e se tomou a capital da província romana de África.
480
Referência ao templo de Diana em Sagunto na Hispânia. Cf. Plin. , Nat. , XVI, 216.
48 1
Lago situado na região do Languedoque-Rossilhão.

209
Livro Segundo

cosos, formados de uma mistura de água e terra, que solidificaram, passando


primeiro a lodo e depois a rocha; ou se foram formadas , como se afirma
acerca das pedras preciosas, por adensamento sob o impacte do frio e do
calor e da radiação solar, ou se foi antes a natureza que lançou na terra as
sementes das pedras, assim como as dos outros seres 482 ; ou se as cores das
pedras derivam de uma certa mistura de partículas de terra com água trans-
parente, ou de uma propriedade inata da própria semente, ou se resultam do
efeito exercido de fora pelos raios do sol. Assim sendo, ainda que todas
estas questões pudessem talvez contribuir um pouco para adornar o assunto,
todavia deixá-las-ei de lado e prosseguirei esta Arte Edificatória, ocupando-
-me dela com mais liberdade e desembaraço do que porventura requerem os
teorizadores mais exigentes, como quem está entre profissionais reconheci-
dos pela sua prática e experiência.
Diz Catão: "Deveis extrair a pedra no verão e deixá-la ao ar livre; não
deveis utilizá-la antes de passarem dois anos" 483 • Sim, no verão, para que
as pedras se vão habituando pouco a pouco aos ventos, à geada, à chuva e
a outros ataques das intempéries, a que não estão habituadas: efectivamente,
se a pedra, acabada de arrancar da pedreira, ainda impregnada dos humores
e da seiva de nascença, for exposta à violência dos ventos e à geada súbita,
quebrará e far-se-á em pedaços. "Ao ar livre", a fim de que, com esta
espécie de ensaio da futura luta da pedra com a duração do tempo, se
possa comprovar até que ponto cada pedra é forte e resistente contra os
elementos adversos e desgastantes. "Não antes de passarem dois anos", a fim
de que as pedras fracas por natureza, e aquelas que provocariam um defeito
na obra, não te passem despercebidas e sejam separadas das mais sólidas.
Não há dúvida de que, em todas as espécies se encontram pedras dife-
rentes entre si, de tal modo que umas endurecem ao contacto com o ar,
enquanto outras, humedecidas pela geada, ficam ferruginosas e se fazem em
pedaços, e assim por diante. Mas só a prática e a experiência podem dar a
conhecer perfeitamente as características que possuem em função da varie-
dade e da natureza dos lugares, de tal modo que pela observação dos edifi-
cios antigos se aprende mais sobre a qualidade e o valor de uma pedra qual-
quer, do que nos escritos e tratados dos teorizadores. Contudo, para não me
alongar, virá a propósito estipular o seguinte acerca das espécies de pedras
em geral.
Toda a pedra branca é mais fácil de trabalhar do que a colorida; a trans-
parente, mais moldável do que a opaca; e quanto mais cada uma se asseme-

482
Lucr., V, 455-457.
483
Cf. Vitrúvio, II, 7, 5 e Plin., Nat., XXXVI, 170.

210
Os Materiais

lhar ao sal, tanto mais dificil será de usar. A pedra salpicada de grãos de
areia brilhantes é dura; se pelo meio reluzem grãos dourados, é obstinada 484 ;
se abunda em pontos negros, é, por assim dizer, indomável. A pedra salpi-
cada de gotas poligonais será mais resistente do que aquela que é salpicada
de formas arredondadas: e quanto mais pequenas forem essas manchas, tanto
mais resistente será a pedra; e quanto mais limpa e pura for a cor de cada
uma, tanto mais duradoura; e quanto menos veios houver numa pedra, tanto
mais perfeita. E quanto mais os veios estiverem em consonância com a
pedra na continuidade da cor, tanto mais uniforme será; e quanto mais
ténues forem os veios, tanto mais impertinente será a pedra; e quanto 'mais
em círculo e às voltas forem os veios, tanto mais austera será a pedra; e
quanto mais nodosos forem aqueles, tanto mais severa será esta. Dos veios,
o mais fixo de todos é aquele que tiver uma linha contínua de vermelhão ou
de ocre em decomposição; próximo destes é aquele que for salpicado de
uma cor herbácea, diluída e esbranquiçada; o mais dificil de todos é o que
se assemelha ao gelo, ao azulado principalmente. Muitos veios são indício
de uma pedra inconsistente e pouco firme; e quanto mais direitos forem,
tanto menos fiáveis.
A pedra será tanto mais compacta, quanto apresentar uma aresta mais
aguçada e mais lisa, ao ser partida em fragmentos; e a que apresentar uma
superficie menos rugosa, quando se parte, será mais fácil de trabalhar do
que a rugosa. Mas as rugosas, quanto mais claras forem, tanto mais moldá-
veis serão. E, pelo contrário, a pedra mais escura resistirá melhor ao corte
do ferro nos pontos em que apresentar uma fiada mais miúda. Uma pedra
ordinária será tanto mais dura quanto mais porosa; e a que, aspergida com
água na parte superior, demorar mais tempo a secar, será mais bruta. E uma
pedra pesada será mais sólida e mais fácil de polir do que a leve; e a mais
leve é mais friável do que a pesada; e a que ressoa, quando se bate, é mais
compacta do que a que não ressoa; e aquela que, friccionada fortemente,
cheira a enxofre, é mais dura do que aquela que não produz cheiro; e, final-
mente, quanto mais resistente for ao cinzel, é tanto mais rija e firme contra
os desafios das tempestades.
Considera-se mais sólida a pedra que, despedaçada pela intempérie à
boca da pedreira, se conserva em blocos maiores. De igual modo, quase toda
a pedra, quando se extrai do solo, é menos dura do que quando é obtida ao

4
M Às propriedades das pedras, Alberti atribui acções ou sentimentos próprios aos seres
humanos, como sendo obstinadas, pertinazes, indomáveis, impertinentes, de mau humor,
austeras, severas etc.. Este recurso metafórico, que transporta carecterísticas próprias dos
seres humanos para objectos inanimados, perpassa o tratado.

211
j

Livro Segundo

ar livre; e quando é aspergida e molhada com água é mais acessível ao cin-


zel, do que quando está seca. E quanto mais húmido for o lugar da pedreira,
de onde for tirada a pedra, tanto mais compacta ela será, quando secar.
E crê-se que, quando sopra o vento sul, são mais fáceis de alisar, do quando
sopra a nortada, e que se podem cortar mais facilmente com vento norte, do
que com o sul.
Mas querendo-se fazer uma breve experiência de como serão as pedras
com o decorrer do tempo, aqui ficam os seguintes indícios. Aquela que,
molhada com água, se tomar muito mais pesada, será sem dúvida mais dis-
solúvel na humidade; pelo contrário, aquela que, ao contacto do fogo e das
chamas, se esboroa, não durará muito ao sol e ao calor.
Acho que não devo omitir aqui certos aspectos, dignos de nota, que os
antigos nos deixaram acerca de algumas pedras.

CAPÍTULO IX

Na verdade é oportuno perceber as suas variedades e excelências, a fim


de melhor podermos adequar cada uma às funções que lhe competem.
Dizem que na região de Bolsena 485 e no território estratonense há uma
pedra, a mais apropriada para todas as funções dos edificios, que não é afec-
tada nem pelo fogo , nem por violência alguma das intempéries; é absoluta-
mente indestrutível e resistente ao passar dos anos, e a que mais duravel-
mente conserva as formas dos relevos 486 •
Quando Nero reconstruiu a cidade de Roma depois do incêndio, escreve
Tácito 487 que ele usou um pedra da região de Gábios e de Alba para fazer
as traves 488 , porque essa pedra é inacessível ao fogo 489 •
Na Ligúria, no Véneto, na Úmbria, no Piceno, na Bélgica, abunda uma
pedra branca que se pode cortar facilmente com uma serra dentada e alisar 490 ;

485
Lago da Etrúria, antigamente designado por Volsínios, a oeste do qual se encontra o ter-
ritório estratonense. Cf. Vitrúvio (II, 7, 3).
486
Referência a um tufo designado de nenfro pelos etruscos. Cf. Plin., Nat., XXXVI, 168,
e Vitrúvio, II, 7, 3.
487
Tac. , Ann., XV, 43.
488
A região de Gábios, actualmente designada por Castiglioni, situa-se entre Roma e Pes-
trina e a de Alba é hoje conhecida por Albano.
489
Tipo de rocha vulcânica existente nos arredores de Roma.
490
O autor refere-se à pedra-sabão, uma variedade de talco branco e compacto contendo,
normalmente, impurezas associadas. Cf. Vitrúvio, II, 1-2.

212
Os Materiais

e, aliás, se não fosse por natureza fraca e frágil, superaria todas as outras
nas construções. Mas quebra com a geada, o gelo e a chuva, e é pouquís-
simo resistente aos ventos marítimos.
Na Ístria 491 há uma pedra parecida com o mármore. Mas essa, em con-
tacto com o calor e com as chamas, logo abre fendas e se despedaça; dizem
que isso mesmo acontece a qualquer pedra que seja dura, sobretudo ao sílex
branco e também ao negro, que de modo nenhum suporta o calor.
Na Campânia existe uma pedra muito parecida com cinza escura, na
qual parece haver fragmentos de carvão misturados e incrustados. É mais
leve do que se pode calcular e consegue-se alisar com um instrumento de
ferro, é muito tenaz e sólida, e não deixa se ser resistente ao fogo e às
intempéries, mas é de tal modo seca e ávida de água que de imediato
absorve e suga a humidade do cimento: deixará a massa, ressequida e sem
humidade, reduzida a pó. Daí se segue que, em breve tempo, a obra desa-
gregando-se as juntas, por si mesmo desmorona e desaba. Oposta a esta por
natureza é a pedra redonda, sobretudo os seixos dos rios: com efeito,
estando sempre húmidos, não aderem ao cimento.
Que dizer ao facto de se ter descoberto que os mármores estão em cres-
cimento dentro das pedreiras? Recentemente, descobriu-se em Roma que os
fragmentos de uma pedra esponjosa de Tíbur cresceu debaixo do solo,
nutrida, por assim dizer, pelo tempo e pela terra, até se tomar uma pedra
maciça 492 • Do lago de Riéti, no lugar em que a água, transbordando por uma
cascata alcantilada, se precipita no rio Nare, vê-se que o lado mais elevado
da margem tem crescido, a ponto de alguns tirarem daqui a prova de que o
vale, fechando-se nas embocaduras, devido ao aumento e crescimento da
rocha, deu origem ao lago. Na Lucânia, não longe do rio Sele 493 , no sítio
onde as águas, brotando do alto das rochas, correm para oriente, vêem-se
crescer dia a dia enormes aglomerados de rochas suspensas, de um tal tama-
nho que a carga de cada uma delas é equivalente a muitos carros. Essa
pedra, recente e húmida de um fluído matricial, é ainda muito tenra; mas,
quando seca, toma-se duríssima e adequadíssima a todas as utilizações.
O mesmo verifiquei acontecer em alguns aquedutos antigos 494 , de tal sorte

491
Região da Eslovénia e, principalmente, da Croácia, situada no Adriático face a Veneza.
492
Trata-se de uma rocha sedimentar, de natureza calcária, originária das pedreiras de
Tíbur, igualmente conhecida por "pedra de Tivoli".
493
Rio que desemboca no golfo de Salerno no mar Tirreno.
494
Alguns autores atribuem a Alberti a restauração do aqueduto da fonte de Trevi em
Roma, mas não existem fontes documentais que comprovem esta hipótese (cf. Tavernor,
1998, p. 15).

213
Livro Segundo

que os lados das condutas ficam encrostados por uma espécie de concreção
rochosa. Na Gália ainda hoje se podem presenciar dois fenómenos dignos de
nota. Com efeito, existe no território Come li ano 495 uma arriba muito alta de
uma torrente, da qual, a cada passo, vêm à luz do dia, em vários lugares,
pedras redondas, enormes e numerosas, concebidas nas mais fundas entra-
nhas da terra. No território de Faenza, nas margens do rio Lamone existem
umas pedras enormes, de forma alongada, que dia a dia produzem uma
quantidade de sal não pequena, que com o tempo se transforma em pedra.
Na Toscana, em território de Florença, há um terreno junto do rio Quiana,
onde, de sete em sete anos, umas pedras muito duras se transformam em
torrões de terra, ao serem regadas em abundância. Plínio 496 refere que, em
Cízico e em Cassandreia 497 , os torrões se transformam em pedras. Na região
do Pozzuoli, abunda um pó que endurece com a água do mar e se toma
pedra 498 • Em todo o litoral, desde Oropo até Áulide 499 , dizem que tudo o que
é atingido pelo mar se transforma em pedra e forma um aglomerado. Dio-
doro 500 diz que na Arábia existem uns torrões que cheiram bem quando se
cava a terra e que, fundidos ao lume, como se fossem metais, se convertem
em pedra; acrescenta, ainda, que estas pedras são de tal natureza que,
quando sobre elas caem as pingas da chuva, se liquefazem nos pontos de
contacto, formando um só bloco, unido em toda a extensão do muro. Dizem
também que na Tróade, na Ásia 501 , se extrai a pedra sarcófago, que está
aglomerada por um veio fácil de cortar; afirmam que os corpos depositados
nesta pedra são absorvidos totalmente, à excepção dos dentes, antes do qua-
dragésimo dia; e, o que é mais espantoso, dizem que o vestuário, o calçado
etc., lá introduzidos com os corpos, se convertem em pedra. O oposto desta
é a pedra quemite 502 , na qual dizem que Dario foi sepultado: esta conserva
os corpos absolutamente intactos. Mas sobre esta matéria já basta o que
foi dito.

495
Provavelmente situado na Gália Cisalpina e não na costa Africana. Cf. Rykwert et a/li,
1988, p. 375, n. 109.
496
Plin., Nat. , XXXVI, 125.
497
Cízico é uma cidade mísia situada na Ásia Menor e Cassandreia uma cidade macedónia.
49
H Esta pozolana, composta por areia e pó vulcânico, é a base para a fabricação do cimento
romano. Cf. Plin., Nat., XXXV, 166, e Vitrúvio, II, 6, I.
499
Oropo é uma cidade localizada entre a Ática e a Beócia e Áulide um porto de mar
situado na Beócia.
500
De acordo com Diodoro Sículo (II, 49, 5) é a água da chuva, que flui entre as juntas, e
não o fogo que assegura a solidez do material.
50 1
Região montanhosa da Ásia Menor dominada pelo maciço de Ida e banhada em três
lados pelo mar. Supõe-se que estivesse, na Antiguidade, sob domínio troiano.
502
Espécie de tufo calcáreo. Cf. Plin. , Nat., XXXVI, 132.

214
Os Materiais

CAPÍTULO X

É sabido que os antigos com todo o agrado usavam tijolos em vez de


pedra. Eu penso que foi por falta de materiais e por necessidade que os
homens foram, a princípio, levados a construir edifícios de tijolos. Depois
que se deram conta de que esse género de construção era fácil de levar a
cabo, adequado às funções, próprio para a beleza, firme e inabalável para a
duração sem fim, continuaram a construir edifícios de tijolo, não só os vul-
gares, mas também os palácios régios; finalmente, depois que, por um acaso
ou por engenho, se aperceberam de que o fogo apresentava vantagens para
solidificar e endurecer os tijolos, pouco a pouco passaram a construir tudo
em barro cozido. E, pelo que vi nos edifícios mais antigos, ousarei dizer,
sem hesitação, que para todas as funções dos edifícios, quaisquer que sejam,
nada se encontra de mais apropriado do que o tijolo, cozido e não cru,
quando se emprega um técnica apurada de cozedura e de moldagem 503 • Mas
em outro lugar faremos o elogio do uso do tijolo.
Vem a propósito referir o que se diz: que para o fabrico de tijolos é boa
a terra esbranquiçada e argilosa; também é boa se for avermelhada e a que
se chama saibro macho 504 . Ao invés, diz-se que se deve absolutamente evi-
tar a arenosa e a saibrosa, e sobretudo que deve ser de todo excluída a
pedregosa, porque estes tipos de terra deformam-se durante a cozedura,
racham e quebram-se por si mesmas depois de cozidas.
Dizem que não se devem fabricar os tijolos imediatamente a seguir à
extracção da terra, e aconselham a escavar a terra no Outono, a pisá-la toda
durante o Inverno e a fabricar no princípio da Primavera. Na verdade, se o
fabrico se fizer no Inverno, é óbvio que gretam com a geada; se no Verão,
abrem fendas por cima à medida que vão secando. Se a necessidade impu-
ser que se modelem tijolos durante o frio invernal, cubram-se de imediato
com areia muito seca; se durante a canícula estival, faça-se o mesmo com
palha molhada: pois assim conservados não gretam nem se deformam.
Há quem prefira usar tijolos vidrados. Se isso lhes aprouver, deve fazer
com que não sejam fabricados de terra saibrosa ou excessivamente magra e

503
Plin. , Nat., XXXV, 169 e Vitrúvio, II, 3, 1.
504
Espécie de argila saibrosa e compacta. Em mineralogia antiga o termo "macho" refere-
-se a terras duras e compactadas, enquanto "fêmea" a moles e friáveis (cf. Callebat,
1973, pp. 52-53, n. 3). Vitrúvio (II, 3, 1; VIII, 1, 2) refere-se a sabulo masculus (saibro
másculo) ao descrever a confecção de tijolos crus e as características geológicas dos ter-
renos, a que contrapõe sabulo salutus (barro arenoso).

215
Livro Segundo

seca, pois nesses casos o vidro seria absorvido; devem antes ser fabricados
de terra esbranquiçada, argilosa e húmida; e devem fazer-se delgados, pois,
sendo grossos, tornam-se dificeis de cozer e não escapam imunes às fissuras.
Mas, se for necessário fazê-los mais grossos, prevenir-se-á esse inconve-
niente em grande parte, fazendo orificios com urna vareta, a fim de que pos-
sam secar e cozer mais facilmente, exalando a humidade e o calor por esta
espécie de respiradores. Os oleiros aplicam às suas peças urna camada de
greda branca, que faz com que o vidrado escorra uniformemente por toda a
superficie. Isso também é importante para o fabrico de tijolos.

Parede de alvenaria de tijolo com aparelho em esquadria.

Observando as construções dos antigos, verifiquei que nos tijolos havia


urna mistura de areia, geralmente vermelha; e descobri que era costume mis-
turarem barro vermelho e mármore.
Ternos a experiência de que de urna mesma terra se fazem tijolos muito
mais sólidos se, por assim dizer, deixarmos fermentar a massa, corno quando
vamos fazer o pão, e por fim a amassamos urna e outra vez, de modo a tor-
nar-se corno a cera e absolutamente depurada de todas as pedras, mesmo das
mais pequenas. Quando vão a cozer, endurecem de tal modo que, com muito
fogo, ficam rijas corno pederneira. E os tijolos, quer isso aconteça durante a
cozedura, ou acaso ao contacto com o ar, durante a secagem, adquirem urna

216
Os Materiais

crosta sólida, tal como sucedem com os pães. Será, pois, conveniente fazê-
-los finos, a fim de que haja mais crosta e menos miolo. E com isto se pode
comprovar que, se forem limpos e bem alisados, resistirão ilesos às intem-
péries. Isso mesmo se passará com qualquer tipo de pedra: estando limpas,
não se deixam corroer pela lepra.
Pensa-se que os tijolos devem ser limpos mal sejam tirados do fomo,
antes de se molharem, ou, se estão húmidos, antes de secarem. Na verdade
o tijolo, uma vez molhado, quando volta a secar endurece tanto que embota
e desgasta o gume do ferro. Pela nossa parte, raspamos o tijolo mal seja
modelado e ainda fresco: é o melhor.
Entre os antigos havia três tipos de tijolos: um com pé e meio de com-
primento e um pé de largura; outro com cinco palmos, tanto de comprido
como de largo; e ainda outro com não mais de quatro palmos 505 . Nos edifí-
cios vêem-se tijolos cozidos, de dois pés de comprido e de largo, sobretudo
nos arcos e nas juntas.
Dizem que os antigos não usavam indiferentemente do mesmo tipo de
tijolos para as construções públicas que para as construções privadas: pelo
contrário, usavam dos de maior tamanho na construção dos edifícios públi-
cos e dos de menor na das privadas. Sobre esta questão, dei conta de
que nos monumentos da antiguidade, na Via Ápia e em outros lugares, se

Parede de alvenaria de tijolo com aparelho reticulado.

505
Dado que o pé romano corresponde a cerca de 29,6 cm, o palmo a 7,39 cm e o dedo
a 1,85 cm, as medidas dos tijolos são equivalentes, respectiva e aproximadamente, a
44,4 cm por 29,6 cm, a 36,95 cm por 36,95 cm e igual ou menor a 29,56 cm.

217
Livro Segundo

evidenciam diversos tipos de tijolos, uns maiOres, outros mats pequenos,


que eram usados de vários modos; assim que ocorria à mente de alguém
qualquer ideia adequada e conveniente, não apenas por uma questão de
utilidade, mas também por contribuir para a beleza da construção, julgo
que prontamente queria pô-la em prática. Tenho visto tijolos, sem falar de
outros aspectos, com não mais de seis dedos de comprimento, um de espes-
sura, e três de largura; mas com estes, de preferência, ladrilhavam o pavi-
mento.
Entre todos, os de que mais gosto são os triangulares, que eles fabrica-
vam da seguinte maneira. Faziam um tijolo de um pé de comprido e outro
de largura, com a espessura de um dedo e meio. Enquanto estava fresco,
marcavam com um sulco profundo as duas linhas diagonais, de um ângulo
ao ângulo oposto, de modo a cortar a espessura do tijolo até meio. Assim se
obtinham quatro triângulos iguais. Estes tijolos ofereciam as seguintes van-
tagens: levavam menos argila, ajustavam-se bem dentro do fomo e com faci-
lidade dele se tiravam e se transportavam para a obra, atendendo a que com
uma mão se agarrava em quatro, um operário, com um ligeiro golpe, sepa-
rava-os uns dos outros à medida que ia trabalhando; colocava-os em fila ao
longo da face do muro com o lado de um pé para fora, como parte que se
via, enquanto o ângulo ficava voltado para dentro. Por este processo, a des-
pesa era menor, a obra mais elegante, a estrutura mais sólida: com efeito,
por um lado, a ninguém era visível em toda a parede que os tijolos não
eram completos, por outro lado, os seus ângulos implantados no enchimento
dos muros como se fossem dentes tomavam a construção firmíssima 506 •
Uma vez modelados os tijolos, recomenda-se que não se metam logo no
fomo, a não ser quando estiveram absolutamente secos, e garante-se que não
estão secos em menos de dois anos e que à sombra secam melhor que ao
sol. E baste o que até aqui fica dito, a não ser que se acrescenta mais uma
observação, a saber: que a melhor terra para este tipo de obra, a que se
chama plástica, é a Sâmia, a Aretina, a Modenense, a Saguntina em Espa-
nha, a Pergamense na Ásia. Por brevidade, só não omitirei uma coisa: tudo
o que até aqui se disse em tomo dos tijolos deve-se aplicar às tégulas e
ímbrices, no que se refere às coberturas, às cadeias e, em suma, a toda a
obra plástica e de modelação.
Falámos da pedra; a seguir falaremos da cal.

506
O autor não seguiu estas recomendações nas suas obras, possivelmente devido às diver-
sificadas tradições locais na manufactura de tijolos. Cf. Rykwert et alli, 1988, p. 375,
n. 123.

218
Os Materiais

CAPÍTULO XI

Catão, o Censor, desaconselha a cal proveniente de pedra variada e


rejeita, para qualquer tipo de obra, a que é feita à base de sílex 507 • Assim,
para fazer cal é absolutamente inútil toda a pedra exaurida, sem humidade,
apodrecida, na qual, ao ser cozida, o fogo nada encontra que dela possa
extrair; são assim os calcários porosos e os afloramentos avermelhados e
amarelados dos arredores de Roma, na zona de Fidenas e de Alba. A cal que
os peritos recomendam deve ser um terço mais leve do que a pedra de que
foi feita 508 •
Pelo contrário a pedra demasiado suculenta e húmida por natureza não
é de forma alguma útil para fazer cal, porque, ao ser sujeita ao fogo, se
transforma em vidro. Segundo Plínio, a pedra verde resiste muito bem ao
fogo 509 . Pela nossa parte, temos verificado que o pórfiro não só não se deixa
cozer ao fogo, mas faz ainda com que não se deixem cozer satisfatoriamente
as pedras contíguas e em contacto com ele dentro do fomo . E rejeita-se tam-
bém a pedra terrosa, porque suja cal.
Em contrapartida os arquitectos antigos dão a primazia à cal feita de
pedra muito dura e compacta e, sobretudo, branca. Pois consideram que,
além de ser adequada a várias utilizações, é particularmente sólida para fazer
abóbadas. Dão o segundo lugar à cal proveniente de uma pedra nem leve
nem mole, mas esponjosa. Consideram que esta é a melhor de todas para as
coberturas, e de todas a mais moldável, e a que toma as construções mais
belas. Observámos que na Gália os arquitectos não usaram outra cal, senão
a que é feita a partir do seixo recolhido nas torrentes: esférico, escuro, muito
duro, e de tal natureza que se julgaria tratar-se de sílex. Em todo o caso, é
evidente que essa cal proporcionou uma solidez notável ao longo de muitos
séculos, tanto em obras de pedra como de tijolo.
Encontro em Plínio que a cal feita de pedra de mó é por natureza gor-
durosa, e, por isso, adequadíssima a todos os tipos de usos 510 • Nós aprende-
mos por experiência que a pedra de mó, a que é salpicada por grãos de sal,
não resulta bem, por ser muito grosseira e seca; mas aquela que não tem

507
Cat., Agr., 38, 2. Referência a Marcus Porcius Cato, designado nas restantes partes do
tratado por Catão.
508
Cf. Vitrúvio, II, 5, 3.
509
Provavelmente trata-se de leucite, um silicato de potássio e alumínio que se encontra em
rochas alcalinas, especialmente nas vulcânicas, abundante na região de Roma e utilizado
para pavimentar estradas. Cf. Plin., Nat., XXXVI, 169.
510
Plin. , Nat., XXXVI, 174.

219
Livro Segundo

mistura de grãos de sal, que é mais compacta e mms fina quando alisada
com um cinzel, resulta perfeitamente.
Mas a pedra destinada a fazer cal, seja ela qual for, é melhor sendo
arrancada do solo do que apanhada à superficie; melhor se for extraída de
uma pedreira sombria e húmida, do que de uma ressequida; a cal é mais
maleável se for feita a partir de pedra branca, do que de pedra escura.
Nas Gálias, na região marítima dos Éduos 5 11 , onde há falta de pedra,
faz-se cal com ostras e conchas. O gesso também é uma espécie de cal: pois
também ele é feito de pedra cozida, embora haja referências a que em Chi-
pre e em Tebas se extrai gesso, completamente cozido pelo sol, da camada
superior do solo. Mas Y pedra do gesso distingue-se da pedra da cal, por ser
muito mole, friável, excepto uma espécie que se extrai na Síria - pois essa
é realmente muito dura. Distinguem-se ainda porque a pedra do gesso coze-
-se em não mais que vinte horas, ao passo que a pedra da cal em não menos
que sessenta horas. Dei-me conta de que em Itália há quatro espécies de
gesso: duas transparentes e duas opacas. Das transparentes, uma assemelha-
-se a pedaços de pedra-ume 512 , ou antes, ao alabastro: a esta chamam esca-
mosa, porque é formada por uma espécie de escamas finíssimas, unidas
umas às outras e comprimidas em camadas 513 ; a outra também é escamosa,
mas é mais parecida com o sal escuro, do que com a pedra-ume. Das opa-
cas, ambas as variedades imitam a argila densa e compacta; mas uma é
esbranquiçada e descolorida, ao passo que a outra é cor ruiva pálida. Estas
são mais densas que as primeiras e a arruivada mais viscosa. Entre as pri-
meiras, a mais limpa proporciona, nos acabamentos com estuque, figuras em
relevo e comijas mais brancas e refulgentes. Em Rimini 514 encontra-se um
gesso tão compacto que se diria ser mármore ou alabastro: deste mandei
cortar, como uma serra dentada, placas muitíssimo boas para revestimentos.
Para nada omitir, acrescento que o gesso, de qualquer espécie, deve ser tri-
turado e esmagado com martelos de madeira até se fazer em pó, conservado
em lugar sequíssimo, tirado de lá no momento em que vai ser utilizado,
rapidamente regado com água e aplicado à obra sem demora.
Com a cal faz-se o contrário: não deve ser molhada depois de partida,
mas inteira; e muito antes de ser aplicada, sobretudo nos revestimentos, con-
vém amassá-la com água em abundância para que, no caso de algum pedaço

5 11
Note-se que o território dos Éduos não tem acesso ao mar.
512
O m.q. alúmen.
513
Cf. Plin., Nat., XXXVI, 160 e 182-183.
514
Provável referência ao templo Malatestiano em Rimini, onde trabalhou a partir de 1454,
o que sugere também um terminus post quem para a elaboração do tratado.

220
Os Materiais

ficar mal cozido ao lume, ao ser triturado prolongadamente, se dissolva e


liquefaça. Pois quando é utilizada ainda fresca e não completamente molhada
e amolecida, sucede que alguns fragmentos mal cozidos que nela se ocul-
tam, se desfazem dia a dia, e assim formam bolhas que comprometem a sua
brancura. Note-se, além disso, que não convém regar a cal, por assim dizer,
com um jacto de água de uma só vez, mas sim deitar-lhe água lentamente,
repetidas vezes, até ficar plenamente impregnada. Depois deve ser conser-
vada em lugar húmido e à sombra, pura e não misturada com outros mate-
riais, e coberta à superficie apenas com uma leve camada de areia, até que
esteja devidamente fermentada. Tem-se como certo que esta fermentação
prolongada melhora muito a qualidade da cal. É certo que nós deparamos,
em velhas criptas completamente abandonadas, com cal ali deixada há uns
quinhentos anos, como se concluía de vários indícios, e vimos que estava
húmida e líquida e, por assim dizer, tão perfeita que superava em muito a
brandura do mel e da gelatina. E, como se pode imaginar, é impossível
encontrar outro material mais adequado a qualquer tipo de utilização.
Quando é feita como se disse, aguenta o dobro de areia, em comparação
com aquela que é misturada logo que se apaga.
Em suma, a cal e o gesso divergem entre si nestes aspectos, mas con-
vergem em outros. Com efeito, logo que se tire a cal do fomo e se ponha à
sombra e em lugar seco, é conveniente deitar-lhe água de imediato. Pois se
ficar guardada no fomo ou em outro lugar qualquer, ao ar, ao luar, ao sol,
sobretudo no verão, depressa se desfaz em pó e se inutiliza. E baste o que
fica dito.
Aconselha-se a não meter a pedra nos fomos senão partida em pedaços
do tamanho de torrões: admito que sim, porque se cozem mais facilmente; é
de facto sabido que no interior das pedras, sobretudo nas esféricas, existem
às vezes cavidades, onde há ar encerado, que pode provocar muitos estragos:
na verdade, quando se acende o lume nos fomos sucede que ou aí o ar se
comprime quando o frio reflui para dentro, ou quando a pedra acaba por
aquecer o ar dela mesma dilata transformando-se em vapor - sucede, digo,
que o ar aumenta de volume e, rebentando em todas as direcções o cárcere
onde estava contido, explode com enorme estrondo e violência, danificando
e virando do avesso os materiais amontoados no fomo. Também há quem
tenha visto animais que vivem no interior destas pedras e, entre outros, uns
vermes com o dorso cheio de pelos e muitas patas, que em geral provocam
estragos nos fomos 515 •

5 15
O autor refere-se a vestígios fósseis encontrados neste tipo de material pétreo.

221
Livro Segundo

E não deixarei de aqui acrescentar algumas coisas deste género dignas


de registo, que foram observadas no nosso tempo. Porque não escrevemos
isto apenas para os operários, mas também para os interessados em coisas
notáveis; por esse motivo apraz-me intercalar às vezes aspectos que recreiam
e, contudo, não são alheios ao tema e intenção da obra 5 16 .
No tempo do Sumo Pontífice Martinho V 517 , uns operários descobriram
em umas minas do Lácio uma serpente com asas que vivia dentro de uma
pedra enorme, na qual, em toda a volta, não existia qualquer orificio por
onde passasse o ar. Foram também descobertas algumas rãs e também caran-
guejos, mas estes já mortos. Nos nossos dias eu sou testemunha da desco-
berta de ramos de árvores no interior de uma pedra de mármore branquís-
stmo.
O monte Velino, o mais alto de todos os que dividem os Abruzos dos
Marsos, ostentam a sua calvície em todo o cume, com uma rocha branca e
já gasta; aí, na vertente voltada para os Abruzos, vêem-se com frequência
pedras desagregadas, cheias de fósseis de conchas do mar, que cabem na
palma da mão.
E isso não é de espantar, pois que em Verona, todos os dias se apanham
pedras espalhadas pelo chão a céu aberto, inscritas perfeitissimamente com
um desenho de um quinquefólio, em linhas exactas e regulares, e tão bela-
mente distribuídas e definidas pela arte admirável da Natureza que absoluta-
mente nenhum mortal poderia imitar a delicadeza da execução; e o que mais
é de admirar é que todas essas pedras se encontram voltadas para baixo,
escondendo assim a forma do desenho impresso: para que facilmente seja-
mos levados a pensar que a Natureza criou tão grandes maravilhas da sua
arte, não para admiração dos homens, mas para si própria. Voltemos ao
assunto.
Não me vou alongar a dizer aqui como a antecâmara do fogo e a embo-
cadura abobadada do fomo e o lugar interior das chamas devem ser cons-
truídos, para que a chama respire enquanto arde, mas fique contida como
que dentro dos seus limites, de modo a que toda a força do calor se con-
centre num só lugar e concorra para a cozedura. Nem prosseguirei dizendo
como se deve atear o fogo pouco a pouco, alimentando-o até a chama atin-
gir o ponto mais alto sem fazer fumo e as pedras da camada superior den-
tro do fomo ficarem ao rubro; nem que a pedra não está cozida senão
quando o fomo , dilatado pelas chamas e tendo aberto fendas em toda a

5 16
A figura do relato ilustrativo é introduzida para fundamentar o discurso disciplinar.
517
Papa de 1417 a 1431.

222
Os Materiais

volta, se retrair e reajustar completamente 518 • É admirável como nisto se


pode observar a natureza do elemento fogo. Com efeito se, depois de a cal
estar cozida, se retirar o fogo, o forno tomar-se-á progressivamente menos
quente na parte de baixo, ao passo que na parte de cima vai ficando cada
vez mais em brasa.
Mas, visto que na construção dos edificios, é necessária não só a cal,
mas também a areia, é desta mesma que devo falar.

CAPÍTULO XII

Há três tipos de areia: a de jazida, a do rio, a do mar. A melhor de


todas é a de jazida. Esta, por sua vez, apresenta várias espécies: a negra, a
branca, a vermelha, a carbuncular e a cascalhenta. Se alguém me perguntar
como defino o que é a areia, poderei dizer que ela é constituída por pedri-
nhas minúsculas provenientes da fragmentação de pedras maiores; embora
na opinião de Vitrúvio a areia, e sobretudo aquela a que na Toscana chamam
carbuncular 519 , seja considerada uma espécie de terra fortemente queimada
pelo fogo encerrado pela natureza no interior das montanhas, o que faz com
que seja mais dura que a terra não cozida e mais mole que o tufo 520 •
De todas as espécies de areia tem sido preferida a carbuncular. Dei-me
conta de que em Roma a vermelha não é das menos usadas nos edificios
públicos. A branca é a última entre as areias de jazida. A cascalhenta é boa
para encher os alicerces. Mas, entre as principais, atribui-se o segundo lugar
a um cascalho mais fino, nomeadamente a um de forma poligonal e isento
de toda a mistura de terra; como aquele que se encontra em abundância
entre os Vilumbros 521 . A seguir é considerada boa a areia que é extraída dos
leitos das ribeiras, depois de ser retirada a camada superior. E das fluviais é
mais útil a das torrentes e, entre estas, aquela que subsiste nas montanhas

518
Catão-o-Censor (Agr., 38, l-4, também descreve, de forma semelhante, a construção do
fomo e o processo de produção da cal.
5 19
Variedade de pozolana formada por areia vulcânica avermelhada. Cf. Vitrúvio (II, 4, 3)
e Plínio-o-Antigo (Nat., XVII, 29; XXXVII, 92).
520
O tufo é uma rocha piroclástica esponjosa constituída por materiais finos lançados pelas
erupções vulcânicas, como se verificou na erupção do Vesúvio em 79 d. C., que sepul-
tou Pompeios e Herculano.
521
Habitantes da região situada nos Apeninos, entre os rios Tibre e Amo.

223
Livro Segundo

em leitos mais alcantilados. Em último lugar vem a areia que se tira do mar;
das marítimas, não é inteiramente desprezada aquela que é negra e vítrea.
Entre os Picentes, na região de Salemo, não se considera a areia do mar
inferior à de jazida; mas não se admite que seja extraída de qualquer praia
da região: com defeito, têm por adquirido que, nas praias expostas ao vento
sul 522 , a areia é a pior de todas, ao passo que as praias voltadas para o vento
de África 523 produzem uma areia que não é muito má. Mas, das areias marí-
timas, é sabido que a melhor é aquela que se acumula junto dos rochedos e
que é de grão mais grosso.
Na verdade, as areias apresentam características que as distinguem entre
si. Pois a areia marinha tem dificuldade em secar e, sendo dissolúvel por
causa da salsugem, fica húmida e a escorrer água continuamente, e por isso
aguenta mal o peso e nunca com absoluta segurança. A areia fluvial também
é mais húmida do que a de jazida, e por tal razão é mais maleável e própria
para revestimentos. A areia de jazida, por causa da gordura que contém, é
mais consistente, mas abre fendas; por esse motivo reservam-se para as abó-
badas, mas não para revestimentos.
A areia melhor, dentro da sua espécie, será aquela que ranger quando é
esfregada e apertada fortemente na mão, e a que não deixar manchas nem
resíduos de terra quando é apanhada para um tecido branco. Inversamente,
será areia não boa aquela que, sendo por si mesma suave e sem qualquer
tipo de aspereza, na cor e no cheiro parecer lodo, ou a que, sendo mexida
dentro de água, a tomar muito turva e lamacenta, ou a que, sendo abando-
nada no chão, imediatamente criar ervas; e será não boa a que, trazida há
muito tempo, ficar prolongadamente ao ar livre, ao sol, ao luar e à geada:
porque se toma terrosa e se desfaz em pó, sendo tão boa para produzir
arbustos e figueiras bravas, como fraquíssima para sustentar uma estrutura 524 •
Quanto à madeira, à pedra e à cal expusemos o que é recomendado
pelos antigos. Mas nem em todos os lugares nos será dado encontrar os
materiais adequados e prontos a ser preparados para a construção segundo o
nosso propósito. Dizia Cícero que a Ásia tinha desde sempre sido flores-
cente em edificios e estátuas notáveis, devido à abundância de mármore.
Mas mármore não se poderá encontrar em todos os lugares: em certas
regiões não há pedra ou, se há, é inadequada para qualquer uso 525 . Em toda

522
Austro.
523
Vento sudoeste.
524 Cf. Vitrúvio, II, 4, l-3.
525
A inexistência de pedreiras na região de Mântua condicionou a construção das obras de
Alberti nesta cidade, que foram edificadas em tijolo.

224
Os Materiais

a Itália, desde o lado que está voltado a sul, há testemunhos da existência de


areia de jazida, que não se encontra aquém dos Apeninos. Plínio diz que os
Babilónios usam betume, e os Cartagineses lodo 526 • Em outros lugares,
devido à falta de pedra, constrói-se com grades de ramos e argila. Heródoto
refere que os Budinos 527 não constroem edificios, tanto privados como públi-
cos, com outro material que não seja a madeira 528 • Segundo Mela 529 , os
Neuros 530 carecem totalmente de madeira: em lugar de lenha, usam ossos
para fazer lume. No Egipto faz-se lume com excrementos de burro. Daqui
resulta que cada um é forçado a construir a sua morada de acordo com a
necessidade e a disponibilidade de materiais. No Egipto há quem edifique
com canas, até os palácios; na Índia constroem com ossos de baleia. Em
Dedália, na Sardenha, escreve Diodoro 531 que se vive em habitações escava-
das na terra. Em Carras, uma cidade fortificada da Arábia, fazem os muros
e as casas com blocos de sal. Mas disso falaremos em outro lugar.
Por conseguinte, como dissemos, nem em todos os lugares há a mesma
abundância de pedra, areia e outros materiais; pelo contrário, em lugares
diferentes é diferente o ordenamento e o modo de ser da natureza e dos
materiais. Por isso, importa usar daqueles que se encontram em abundância;
e em relação a estes deve usar-se de toda a cautela: em primeiro lugar na
selecção e preparação dos mais manejáveis e mais cómodos; em segundo
lugar utilizando na edificação os mais convenientes, distribuindo-os todos,
como deve ser, pelos lugares que lhes competem.

CAPÍTULO XIII
Feita a preparação dos materiais que temos vindo a considerar, madeira,
pedra, cal, areia, é agora o momento de tratar do método e do modo de
construir um edificio. Na verdade, para arranjar ferro, bronze, chumbo, vidro
e outros materiais, não há necessidade de mais. empenho do que comprá-los

526
Cf. Plin., Nat., XXXV, 182.
527
Povo da Cítia, hoje Ucrânia. Cf. Hdt., IV, 108, I.
528
Achados arqueológicos têm mostrado que, nesta região, havia fortalezas edificadas em
madeira. Heródoto (IV, I 08, 1-2) chega a citar a cidade de Gelono, com uma muralha
circundante de trinta estádios, mas que, no entanto, tem sido impossível localizá-la.
529
Mela , II, 1, 15.
530
Povo da Cítia europeia.
531
Diod. Sic., III, 19.

225
Livro Segundo

e reuni-los, para que não faltem durante a construção da obra; no entanto,


falaremos em lugar oportuno acerca da selecção e distribuição dos materiais
que concorrem para a conclusão da obra e da sua ornamentação. Por isso
nós, como se estivéssemos para fazer a obra e edificá-la com as nossas
mãos, daremos início a esta matéria começando pelos alicerces 532 •
Mas ainda aqui é necessário, antes de mais, advertir que se devem
equacionar as circunstâncias, tanto as públicas como as particulares, as nos-
sas e as dos nossos. Podem elas ser tais que não devamos encetar nada com
que, em tempos perturbados, se atraia a inveja se a obra for levada por
diante, ou se faça uma despesa inútil se for abandonada. Além disso, é
necessário ter em conta, em primeiro lugar, as estações do ano. É fácil ver,
por exemplo, que aquilo que se edifica durante o Inverno gela, sobretudo
nas zonas frias; o que se constrói durante o Verão, sobretudo nas zonas
quentes, seca antes de agarrar. Por isso, o arquitecto Frontino advertia que
há tempos próprios e adequados à execução de uma obra, que vão de 1 de
Abril a 1 de Novembro, com uma interrupção no pino do Verão 533 •
A minha proposta é que a obra se apresse ou prolongue de acordo com
as circunstâncias e as condições climatéricas de cada lugar. Por conseguinte,
se procedeste de acordo com todos estes requisitos que acabamos de enume-
rar, então finalmente deverás definir a área da futura obra, marcando no ter-
reno as suas superficies, com a respectiva dimensão, a das suas linhas e a
dos seus ângulos.
Há quem aconselhe que se inicie a edificação sob bons auspícios: con-
siderando extremamente importante saber em que momento cada coisa
começou a constar do número das coisas existentes. Conta-se que Lúcio
Tarúcio 534 descobriu o dia da fundação de Roma, observando as vicissitudes
da fortuna 535 ; e, entre os antigos, os mais sapientes consideraram que este
mesmo momento inicial tem tanta influência nas coisas futuras que, como

532
Nesta metáfora, Alberti sugere que a elaboração do tratado seja construtível: começando
pelos alicerces e terminando na sua ornamentação, a ser desenvolvida a partir do Livro
VI, à semelhança de João de Barros ( 1988b, Década II, Prólogo, p. XIII), que propõe
uma metáfora edificatória para construir a sua principal obra literária, onde a primeira
década da Ásia corresponde aos alicerces para que o resto não se arruíne.
533
Frontino (Aq ., II, 123) sugere que a reparação dos aquedutos de Roma se processe, com
a maior rapidez possível, durante a Primavera e o Outono, mas não no Verão, quando é
mais necessário o abastecimento de água à cidade, o que coincidia, no tempo propício
para a agricultura, com a escassez sazonal de mão-de-obra para a construção. Cf.
Rykwert et alii (1988, p. 376, n. 153).
534
Astrólogo romano amigo de Cícero.
535
Cic., Di v., II, 98 .

226
Os Materiais

refere Júlio Fírmico Matemo 536 , houve alguns que, a partir da observação
dos acontecimentos, chegaram à descoberta do nascimento do mundo, e
sobre essa matéria escreveram com todo o pormenor. Esculápio e Anúbis, e
na sua peugada Petosíris e Nicepso 537 , afirmam que esse nascimento foi
assim: quando o Caranguejo surgia no horizonte, a Lua estava no meio, o
Sol em Leão, Saturno em Capricórnio, Júpiter em Sagitário, Marte em
Escorpião, Vénus em Libra, Mercúrio em Virgem 538 •
E na verdade o tempo, se a nossa interpretação está certa, tem uma
enorme influência na maior parte dos acontecimentos. Pois que significado
pode ter o facto de - como é voz corrente - o poejo seco florescer no sols-
tício de Inverno, as vesículas inchadas rebentarem, as folhas dos salgueiros
se converterem em grãos de Romã e girarem em redor, e no figado dos ratos
as fibras se adaptarem em número, dia a dia, para corresponderem ao
número dos dias da Lua?
Eu, pela minha parte, embora não dê tanto crédito aos que professam
tal doutrina e se dedicam à observação dos sinais dos tempos, a ponto de
considerar que, com as suas artes, possam determinar o destino infalível das
coisas, no entanto não sou de opinião que se devam ignorar, quando argu-
mentam, baseando-se nas advertências do céu, que alguns desses tempos,
estabelecidos com precisão, desempenham uma influência importantíssima
em ambos os sentidos. Em todo o caso, seja como for, penso que se devem
seguir os seus conselhos: se são verdadeiros, grande será o proveito; se
forem falsos, daí não resultará mal nenhum 539 •
Acrescentarei aqui algumas medidas burlescas, que os antigos tiveram
por louváveis no início dos seus empreendimentos; mas não gostaria que
fossem interpretadas de forma diferente do que são na realidade. E, na ver-
dade, fazem-nos rir aqueles que ordenaram que todas as coisas, e particular-
mente o traçado da área, fossem iniciadas sob bons auspícios. Os antigos
eram de tal maneira dados a estas superstições que tinham a preocupação de
que o primeiro soldado a ser inscrito no recenseamento não tivesse, sob
nenhum aspecto, um nome nefasto. E, na cerimónia de purificação de uma
colónia ou do exército, escolhiam os de bons nomes para conduzirem as

536
Astrólogo romano contemporâneo de Constantino, o Grande, autor da obra Matheseos
libri octo.
537
Petosíris e Nicepso foram astrólogos egípcios.
538
Para um levantamento actualizado das relações de Alberti com a astrologia veja-se
Cardini (2007).
539
Tanto nos escritos sobre arte como na sua obra literária Alberti pondera, face às incerte-
zas do destino, a dualidade entre fatum e fortuna.

227
Livro Segundo

vítimas; e, para a adjudicação da cobrança de impostos, os censores deter-


minaram que no primeiro lugar da lista estivesse o lago Lucrino, por causa
do bom presságio do seu nome; pelo contrário, levados pelo mau agoiro do
nome, optaram por chamar Dirráquio à cidade que antes de chamava Epi-
dano, a fim de que os que para lá navegavam não parecessem viajar para
seu dano; pela mesma razão, chamaram Benevento à cidade que antes se
chamava Malevento.
Rio-me disso aqui, pois me apraz referir ainda as fórmulas e preces pro-
piciatórias. E houve quem dissesse que a palavra humana é tão poderosa que
até as feras e os seres inanimados lhe prestam atenção. Admito aquilo que
diz Catão 540 : que certas palavras fazem com que as vacas cansadas recupe-
rem o vigor. Dizem também que certas pessoas costumam implorar o solo
nativo com palavras e preces, para que produza árvores invulgares e estra-
nhas, e que conseguem que as próprias árvores mudem para outro terreno e
aí cresçam. Uma vez que, enumerando os disparates alheios, nós próprios
começamos a disparatar, não deixarei de referir, por gracejo, que, segundo
dizem, o homem é de tal modo escutado que afirmam que os nabos crescem
mais se, ao serem semeados, for feita uma prece para que se mostrem benig-
nos para com o semeador, sua família e vizinhos. Mas, se é mesmo assim,
não percebo por que motivo consideram que o manjericão produz frutos
tanto mais abundantes quanto mais amaldiçoado e injuriado for no momento
da sementeira 541 • Mas passemos adiante.
Eu penso que o melhor é pôr de lado todas estas opiniões e superstições
sem fundamento e dar início à obra, santa e religiosamente. "Musas, come-
cemos por Júpiter: tudo está cheio da sua divindade" 542 • Por isso, com mente
pura, celebrado o sacrificio 543 santa e piamente, será bom dar início a tão
grande empreendimento, dirigindo preces aos deuses, sobretudo aquelas em

54
° Cat., Agr., 160.
541
Cf. Plin., Nat., XIX, 120.
542
Verg., Ecl., III, 60: Ab !ove principium, Musae; lovis omnia plena. Esta citação de Vir-
gílio, que se refere à lei imanente do cosmos, à anima mundi (alma do mundo), sugere
que Alberti está plenamente consciente da dimensão literária do seu texto, sublinhada
por uma licença poética, sob a forma de apócope, na transcrição daquela frase que prin-
cipia por A !ove [... ]. Assim, o tratado não só estabelece o ordenamento da arte edifica-
tória, como celebra, com harmonia, a sistematização de práticas, saberes e conceitos
desta arte.
543
De acordo com Balbus (1487, p. 589) a palavra sacrificium identifica-se com a consa-
gração da missa e é nesse sentido que é utilizada por Alberti, para se contrapor a todas
aquelas "opiniões e superstições sem fundamento".

228
Os Materiais

que se implora que concedam ajuda e auxílio ao nosso trabalho e sejam


favoráveis desde o início, para que a obra decorra propícia, favorável e pros-
peramente, e perdure com saúde e bem-estar do construtor, seus familiares e
hóspedes, com estabilidade e tranquilidade de espírito, incremento da for-
tuna, fruto do trabalho, propagação da glória, assegurada a permanência e
transmissão de todos os seus bens 544 • E baste o que fica dito.

544
Cf. Alberti, I libri de/la famiglia, ll, p. 181 .

229
LEON BATTISTA ALBERTI
COMEÇA O LIVRO TERCEIRO: A CONSTRUÇÃO

CAPÍTULO I

T
odo o saber da construção de uma obra consiste e resume-se apenas
no seguinte: dispor os materiais ordenadamente e ligá-los entre si
com perícia, sejam eles pedras aparelhadas, argamassa, madeira ou
qualquer outro, e obter, a partir deles, tanto quanto é possível, uma estrutura
inteira e coesa. Diz-se que é inteiro e coeso tudo aquilo cujas partes não
sejam fragmentadas e desconexas, nem colocadas fora do seu lugar, mas se
sucedam em coesão e harmonia em toda a extensão das suas linhas.
Na estrutura é, pois, necessário ponderar quais são as partes fundamen-
tais, e quais as linhas e o encadeamento de cada uma das partes. Não é difí-
cil saber quais são as partes de que se compõe a estrutura: a mais alta e a
mais baixa, a da direita e a da esquerda, a mais próxima e a mais distante,
e as que se situam no meio destes extremos, são de per si evidentes; mas
nem todos compreendem o que é específico de cada uma delas, e o que as
distingue umas das outras.
Pôr de pé uma construção não é, como julgam os ignorantes na maté-
ria, colocar pedra sobre pedra, argamassa em cima de argamassa; pelo con-
trário, como as partes são diferentes umas das outras, cada uma necessita de
materiais e procedimentos diferentes. De um modo se devem tratar os ali-
cerces, de outro os ligamentos, de outro as cornijas, de outro os ângulos e
os lábios das aberturas 545 , de outro as camadas da pele, de outro o enchi-

545
A expressão apertionum fabris (lábios das aberturas), é utilizada em conformidade com
a relação edificio-corpo, que pode ser entendida como sinónimo de rebordos das abertu-
ras, i.e. como guarnições formadas pelo conjunto de peças que rematam as testas de um
vão de porta ou de janela, geralmente constituídas pelas soleira ou peitoril, ombreiras e
verga ou lintel.

231
Livro Terceiro

mento e engrossamento dos muros 546 . O nosso propósito é indicar o que é


específico de cada parte.
Para cumprir este objectivo, comecemos pelos alicerces, imitando assim,
como fica dito, aqueles que estão prestes a lançar mão à construção da obra.
O alicerce, se não erro, não é parte da construção, mas o lugar e o assento
sobre o qual ela se eleva e apoia. De facto, se te for proporcionada uma
área perfeitamente sólida e absolutamente firme, de pedra, por exemplo,
como algumas que se encontram em Veios 547 , qual será a necessidade de te
pores a lançar alicerces em vez de erguer de imediato a construção? Em
Siena vêem-se torres colossais, assentes na superficie da terra nua; de facto,
está subjacente o terreno sólido de um maciço de tufa.
Será pois necessária a "fundação", que quer dizer "ir até ao fundo",
será preciso escavar um fosso, onde se deve procurar terreno firme e estável,
mediante a abertura e o desaterro de uma vala; o que, quase sempre, é con-
veniente fazer na maior parte dos lugares. Disso falaremos a seguir. Serão
estes os indícios de um terreno adequado para futuras construções: se não
existirem nele nenhumas daquelas ervas que costuma haver em lugares
húmidos; se não tiver árvore alguma ou apenas as que nascem em terreno
muito duro e compacto; se em toda a volta for tudo muito seco e absoluta-
mente árido; se o solo for pedregoso, constituído não por pedras miúdas,
nem redondas, mas antes angulosas, e de preferência pelo duro sílex; se do
subsolo não brotarem fontes nem fluir nenhum curso de água. Porque faz
parte da natureza de um curso de água, na medida da força do seu movi-
mento, levar ou trazer consigo materiais, perpetuamente; com isso, acontece
que as zonas planas, junto das quais desliza um rio, não oferecem firmeza
antes de se atingir o nível abaixo do leito.
Antes de dar início à escavação, devem-se determinar cuidadosamente
os ângulos e as linhas laterais das áreas, uma e outra vez, quais as suas
medidas e que posição hão-de ocupar. Para marcar estes ângulos, deve
usar-se um esquadro que não seja pequeno, mas sim muito grande, a fim de
se obterem linhas directrizes mais exactas. Os antigos faziam um esquadro
com três réguas direitas, unidas de modo a formar um triângulo, uma das

546
O edificado é assimilado a um organismo vivo: "ossos", "nervos", "ligamentos", "pele",
"lábios", etc .. Tanto quanto possível procurou-se manter a relação edificio-corpo, assu-
mida pelo autor ao longo do tratado.
547
Referência às plataformas calcárias que afloram nos arredores da antiga cidade etrusca
de Veios, actual Isola Famese, na Toscana, famosa pela sua estatuária. Cf. Plin., Nat.,
XXXV, 157 . .

232
A Construção

quais media três côvados de comprimento, a segunda quatro e a terceira


cinco 548 .
Na realidade, os arquitectos sem expenencia não sabem marcar esses
ângulos sem primeiro retirar todas as coisas que ocupam a área e sem lim-
par o terreno e o aplanar completamente. Por tal motivo, com menos mode-
ração do que se o fizessem no campo inimigo, agarrando precipitadamente
os martelos, mandam para lá operários demolidores, para arrasar e destruir
tudo o que há. É este um erro que deve ser verberado; de facto, o desaforo
da sorte, a adversidade dos tempos, o acaso e a força das circunstâncias,
podem ocasionar muitas vicissitudes que nos aconselhem a não prosseguir a
obra já iniciada e até impeçam a sua continuação; e ao mesmo tempo é, sem
dúvida, vergonhoso não poupar as obras dos antigos, nem respeitar as van-
tagens de que os cidadãos usufruem, acostumados aos lares dos seus ante-
passados; pelo que, destruir, demolir e arrasar completamente o que quer
que seja, em qualquer parte, deve ser uma opção a pôr de lado, sempre. Por
conseguinte, eu gostaria que se conservassem intactas as construções antigas,
sempre que não seja impossível levantar uma nova sem as destruir 549 •

CAPÍTULO II

Ao traçar as fundações, importa não esquecer que as bases das paredes


e os plintos, que também se chamam fundações, devem ser um pouco mais
largos do que será o muro, à semelhança daqueles que, nos Alpes da Tos-
cana, caminham pela neve, enfiando nos pés uns caniços feitos de corda para
esse fim 550 , cujo tamanho faz com que as pegadas se afundem menos 551 .

548
Estas dimensões correspondem a um esquadro perfeito, citado por Vitrúvio (IX, Pref.,
6-7), sem que seja indicada alguma prova documental para se atribuir a descoberta deste
caso a Pitágoras.
549
Estes objectivos revelam uma abordagem não demolidora em relação às obras edifica-
das, tanto no que se refere à sua durabilidade como à sua conservação, em contraste
com a prática edificatória do Quattrocento, que se apropriava dos vestígios da Roma
imperial para, mais facilmente, se resgatarem materiais pétreos e se fabricar a cal para
as novas construções.
550
Ou raquetes para a neve.
551
Este passo tem sido interpretado como se Alberti fosse incapaz de projectar uma estru-
tura construtiva, na medida em que não fornece indicações dimensionais precisas para o
cálculo das fundações (cf. Betts, 1993, p. 8, n. 13), o que pode ser considerado extem-

233
Livro Terceiro

Não seria fácil explicar exactamente, só por palavras, de que modo se


devem traçar os ângulos, porque o método de os determinar, deduzido da
matemática, necessita ser exemplificado com desenhos; tema este alheio ao
nosso propósito 552 , do qual tratámos em outro lugar, nos Comentários às
questões matemáticas 553 . Tentarei, todavia, e esforçar-me-ei, na medida em
que aqui for útil, por falar de tal modo que tu, se fores dotado de engenho,
possas aprender por ti mesmo toda a matéria. Os aspectos que talvez te
pareçam mais obscuros, se quiseres dominá-los na perfeição, entendê-los-ás
procurando-os nos referidos Comentários.
Nós, para definir as fundações , costumamos traçar linhas, a que chama-
mos raízes 55 \ do modo seguinte. Do meio da fachada principal para o tar-
doz 555 do edificio, estendo uma linha, a meio da qual fixo um poste no
chão, por onde faço passar uma perpendicular, segundo as regras da geome-
tria. E, assim, tomo como referência estas duas linhas para qualquer medição
a fazer. Tudo resultará perfeitamente: as linhas paralelas ficam prontas a ser
traçadas; os ângulos ficam definidos com toda a exactidão, e cada uma das
partes em correspondência e conformação perfeita com as outras 556 •
Se por acaso acontecer que, havendo de permeio muros de velhos edi-
ficios, não consigas facilmente determinar à vista a abertura e a posição de
um ângulo a ser fixado, devem ser traçadas linhas paralelas no ponto em
que o espaço esteja livre e desimpedido; depois, uma vez marcado um ponto
de intersecção, ora fazendo avançar o gnómon 557 e a régua, ora traçando

porâneo, dado que a resistência de materiais e o cálculo de estruturas somente passam a


ter credibilidade científica após os trabalhos de Hook (1675), Mariote (1686), Bernoulli
(1705), Coulomb (1773) e Navier (1826). Cf. Heyman, 1998.
552
Este passo - res ab instituto aliena - é interpretado, tanto por Caye-Choay (2004,
p. 141, n. 7), como por Carpo (2001 , p. 122), como uma recusa para se inserirem ilus-
trações, o que é compreensível no âmbito de uma cultura literária manuscrita e em pleno
vigor durante a elaboração do tratado. Veja-se, nesta edição, a Introdução - A Recep ção
da Arte Edificatória . Cf. Livro VI, cap. 7.
553
Estes Commentarii rerum mathematicarum não foram, até hoje, encontrados no espólio
das obras de Alberti. Cf. Grayson, 1998 b; Lefaivre, 1997, p. 152.
554
O termo radix é usado no sentido de eixo.
555
Tardoz: fachada posterior do edifício, oposta à fachada principal.
556
Dois eixos ortogonais definem, nos quadrantes determinados pelas raízes no terreno, a
posição relativa de quaisquer elementos ou sistemas construtivos.
557
O gnómon é constituído por um estilete ou haste vertical que permite estimar a altura do
Sol e a hora do dia a partir da sombra projectada, bem como medir desnivelamentos e
axializar as direcções das construções, como acontece no traçado de aquedutos (vide
Livro X, cap. 7).

234
A Construção

outras linhas paralelas com o esquadro, conseguiremos perfeitamente o


nosso objectivo. Também não haverá inconveniente em determinar o raio
visual numa plataforma mais elevada 558 , segundo uma linha do horizonte,
para que, fazendo baixar desse ponto uma perpendicular, seja obtida a direc-
ção exacta e a abertura do ângulo.
Assinaladas assim as linhas e os ângulos do terreno a escavar, conviria
termos uma tal capacidade de visão e penetração, qual se diz ter tido, em
nossos dias, um espanhol, que via distintamente os veios de água serpeando
no interior da terra, exactamente como se corressem a céu aberto. Debaixo
da terra sucedem fenómenos tão desconhecidos que, repousando sobre eles o
encargo e a despesa da construção, é sem segurança que neles confias. É, de
facto, necessário, em relação a todo o edifício, mas acima de tudo no que
toca às fundações, nada descurar daquilo em que pode falhar a razão e a
inteligência de um construtor 559 cauteloso e circunspecto; visto que no resto,
se algum erro se cometer, o dano é mais leve, mais facilmente se corrige e
com menos incómodo se suporta do que nas fundações, onde não é de admi-
tir nenhuma justificação para um erro.
Dizem os antigos: "Prosperidade e boa sorte! Escava até onde encontra-
res terreno firme". A terra tem camadas e subcamadas, umas saibrosas,
outras arenosas, outras pedregosas, e assim por diante, sob as quais, por
ordem variada e inconstante, jaz a camada densa e compacta, e a mais firme
para sustentar os edifícios. Mas também esta se apresenta sob formas varia-
das, e em quase nenhum aspecto é semelhante a outras da mesma categoria,
sendo em uns sítios duríssima e quase impenetrável à picareta, em outros
mais suculenta, em outros enegrecida, em outros albacenta - muitos pensam
que esta é a menos resistente -, em outros argilosa, em outros tufosa, em
outros uma mistura de saibro com argila. Sobre qual de entre elas seja a
melhor, não é possível formular nenhum juízo seguro, senão este: tome-se
por melhor aquela que mais a custo deixa penetrar a picareta e que menos
se deixa dissolver quando lhe deitam água. E, por essa razão, pensa-se que

558
Na Descriptio urbis Romae, Alberti utiliza a platafonna elevada do Capitólio para pro-
ceder ao levantamento da cidade e dos seus monumentos por meio de coordenadas pola-
res. Cf. ed. de M. Fumo - M. Carpo, 2000.
559
Uma única vez é utilizado o substantivo aedificator, à semelhança de Cícero (N. D. , I,
18-19) que se reporta a este termo ao mencionar o deus de Platão no Timeu , como um
aedificator mundi, isto é, como uma inteligência criadora que actua sobre a matéria e a
submete à sua vontade, em conformidade com a relação entre delineamento e matéria,
desenvolvida por Alberti no Livro I, cap. I.

235
Livro Terceiro

nada há de mais seguro e firme do que a camada que se encontra debaixo


do solo, junto da água que corre por dentro das entranhas da terra.
Nós somos de opinião que se devem consultar todos os habitantes dota-
dos de saber e experiência, bem como os arquitectos da vizinhança, os
quais, pelo exemplo dos edificios antigos e pela prática da construção quoti-
diana, facilmente puderam aprender qual é a qualidade e a consistência do
solo dessa região onde vais construir. Há, ainda, meios de sondar e conhecer
a firmeza do solo. Quando fizeres rolar pelo chão um objecto pesado, ou o
deixares cair de alto, e o lugar não estremecer, ou não se encrespar a água
de uma bacia aí colocada, sem dúvida alguma concluiremos que o terreno
oferece firmeza. Tu, todavia, nem sempre encontrarás terreno firme em todos
os lugares; há regiões, como a de Ádria 560 e a de Veneza, onde, sob a
camada aluvial, quase nada encontrarás além de lodo inconsistente.

CAPÍTULO III

Por conseguinte, a diversidade de alicerce a adoptar deve corresponder


à diversidade de cada lugar 56 1. Há um que fica num alto, outro numa baixa,
outro a meio entre os dois, como os de uma ladeira; estoutro é seco e árido,
como são particularmente os cabeços e os cumes dos montes; outro é abso-
lutamente húmido e alagadiço, como aquele que fica ao pé do mar, das
lagoas e entre os vales; outro está de tal modo situado que se mantém sem-
pre nem muito seco nem muito húmido, como por natureza são as encostas
e aqueles sítios em que as águas não ficam estagnadas a apodrecer, mas
escorrem por uma inclinação com algum tipo de escoamento.
Em nenhum lugar se deve depositar confiança à primeira vista, só por
se verificar que resiste à picareta: podia ser numa planura, ou em parte, e
não ser consistente, resultando daí grandes danificações e, um dia, o desmo-
ronamento de todo o edificio. Nós mesmo vimos, em Mestre, cidade da
região de Veneza, uma torre que, mantendo-se de pé alguns anos depois de
ter sido acabada de construir, se submergiu até ao alto das ameias, abrindo-
-se, sob o seu peso, o solo em que se sustentava, escasso e inconsistente,

560
Próxima da foz do rio Pó.
56 1
A insistência de Alberti na correcta construção das fundações dos edificios pode ser
interpretada como um aviso acerca do que sucedeu com a torre de Pisa (cf. Bõninger,
2008, p. 403).

236
A Construção

como os factos demonstraram. Mais culpáveis ainda são aqueles que, não
sendo proporcionado pela natureza um terreno sólido, assente na camada
inferior, de modo a sustentar os edificios, mas encontrando-se, em vez disso,
alguns restos de uma antiga construção em ruínas, não investigam a sério a
sua quantidade e qualidade e sobre eles levantam, irreflectidamente, muros
muito altos, vindo depois a perder toda a obra, por causa da sofreguidão de
diminuir os custos. Por isso, aconselha-se, e muito bem, que antes de mais,
se escavem poços; entre outras razões, para que seja absolutamente claro em
que medida é que cada camada é capaz, ou não, de sustentar a obra. Além
disso, quer a água encontrada, quer os detritos expelidos, trazem muitas van-
tagens à construção. Uma delas é que o respiradouro aberto propiciará soli-
dez ao edificio, protegendo-o e defendendo-o dos movimentos das exalações
subterrâneas. Por isso, reconhecidas as camadas que se ocultavam debaixo
da terra, seja abrindo um poço, uma cisterna ou um esgoto, deve escolher-se
a mais adequada à construção da obra.
Sendo assim, nos lugares elevados, ou em qualquer outro lugar donde a
água, correndo, pode arrancar e levar consigo alguns detritos, será conve-
niente abrir um fosso mais profundo. Efectivamente, com a frequência das
chuvas, os próprios montes são lavados e limpos, e como que diminuídos,
como o prova o facto de os postos de vigia, que a princípio não apareciam
por estarem situados num resguardo do monte, agora se verem mais facil-
mente, sobressaindo de dia para dia. O monte Morello, que fica sobranceiro
a Florença, vicejava coberto de abetos no tempo dos nossos pais: mas agora
foi deixado nu e escalavrado, pela acção erosiva das chuvas, se não erro.
Nas áreas em declive, Júnio Columela aconselhava que começássemos a
abrir as fundações a partir da parte mais baixa e do lugar mais fundo 562 :
conselho ditado pela experiência. Com efeito, os materiais aí lançados e apa-
relhados, uma vez incorporados nos seus lugares, são mais persistentes e,
além disso, resistirão como um contraforte poderoso àqueles que, posterior-
mente, venham a ser aplicados na parte superior, se se pretender ampliar a
construção. Sucede também que não passem despercebidos e causem menos
estragos os defeitos que, algumas vezes, costumam seguir-se às escavações
deste género, na sequência da abertura de fendas no terreno ou de desaba-
mento de terra.
Nos lugares pantanosos é conveniente abrir um fosso largo; ambos os
lados do fosso devem ser protegidos com estacas, grades, tábuas, algas,
limo, e materiais idênticos, para que a água não se infiltre; depois deve ser

562
Cal. , Rust., I, 5, 9.

237
Livro Terceiro

escoada a água, se alguma resta entre as protecções, e retirada a areia e


completamente removido o lodo do leito, até encontrares onde o pé pouse
com firmeza. O mesmo deve ser feito em terreno saibroso, na medida em
que a situação o exigir.
O fundo de todo o fosso deve ser aplanado com um nível, para que não
haja declive seja para que lado for, a fim de que os materiais a colocar lá
dentro distribuam igualmente os seus pesos. Porque o peso tem em si esta
propriedade intrínseca e natural: tender para os pontos mais baixos e sobre
eles descarregar a pressão.
Há normas que se devem observar nos terrenos pantanosos; mas dizem
respeito mais à construção do que à questão dos alicerces. São elas as
seguintes. Espeta no chão uma boa quantidade de estacas e postes, com a
parte superior queimada ao fogo, com o pé voltado para cima, de tal modo
que a área desta paliçada tenha o dobro da largura que há-de ter o muro, e
as estacas tenham de comprido pelo menos 118 da altura do futuro muro e
de espessura não menos que 1/12 avos do seu comprimento; finalmente
sejam espetados em filas densas até não haver espaços entre eles onde pos-
sas espetar mais. As máquinas de espetar estacas, de qualquer tipo que
sejam, não devem ter martelos muito pesados, mas bater a ritmo frequente:
pois, sendo muito pesados, racham as estacas de um só golpe com o seu
peso excessivo e a sua violência incomportável; na verdade, toda a obstina-
ção e teimosia do terreno é submetida e amassada pela frequência contínua
dos golpes 563 . É o que sucede quando cravas um prego fino em madeira rija:
se usares um martelo pesado, ele não entrará; se um martelinho pequeno e
apropriado, penetrará.
O que até aqui fica dito é quanto basta para a escavação das fundações;
a não ser que se deva acrescentar que, às vezes, por poupança, ou para evi-
tar a instabilidade do terreno intermédio, convém não construir uma obra
maciça num só fosso contínuo, mas deixar intervalos, como se abríssemos
alicerces apenas para dispor pilares ou colunas, a fim de que, lançando arcos
de uns pilares para os outros, sobre eles se levante o resto do muro. Na
construção dos arcos, deves seguir as mesmas normas que até aqui vimos
registando; mas, quanto maior for o peso a pôr-lhes em cima, tanto mais lar-
gos e firmes devem ser os alicerces e as bases onde os deves apoiar. E basta
o que até aqui foi dito a esse respeito.

563
Vitrúvio (III, 4, 2) também se refere a esta técnica, sugerindo estacas de madeira de sal-
gueiro ou de oliveira, à semelhança dos construtores de Veneza que as enterravam no
lodo da laguna.

238
A Construção

CAPÍTULO IV

Resta agora tratar da construção. Mas como toda a arte do pedreiro e a


ordem a seguir na construção dependem, em parte, da natureza, forma e
comportamento das pedras, e em parte da aderência e da ligação da cal e do
enchimento, devemos primeiro passar em revista, com a maior brevidade
possível, as questões que se relacionem com esta matéria.
Das pedras, umas são vigorosas, fortes e cheias de seiva, como o sílex,
os mármores, e as do mesmo género, as quais, por natureza, são pesadas e
sonoras; outras estão gastas, são leves e mudas, como é o caso dos tufos e
dos saibros. Umas apresentam superficies planas, linhas rectas, ângulos uni-
formes, às quais chamam pedras aparelhadas; outras apresentam linhas e
ângulos múltiplos e variados, às quais chamaremos pedras irregulares. Umas
são de grandes dimensões, isto é, não podem ser deslocadas à vontade, uma
a uma, só pelas mãos dos homens, sem a ajuda de uma zorra 564 , de uma ala-
vanca, de um rolo, de carregadores, etc.; outras são de pequenas dimensões
e podes levantá-las e pousá-las à vontade, com uma só mão; de uma terceira
espécie são aquelas a que, sendo de peso e tamanho intermédios, chamamos
médias.
Qualquer pedra deve estar intacta, não ter resíduos de lodo e ser bem
húmida. O som que produz ao ser golpeada indicará se está intacta ou
rachada. Em parte alguma se lava com mais limpeza do que numa torrente.
É sabido que uma pedra de tamanho médio não fica totalmente humedecida
pelas águas, senão ao fim de oito dias. Uma pedra de grandes dimensões, só
mais tarde. A que há pouco foi extraída da pedreira é muito melhor do que
uma antiga. A que experimentou uma vez a cal não gosta de segundas
uniões. Isto a propósito da pedra.
Não é considerada boa a cal que, ao ser tirada do fomo, se apresenta
não em pedaços inteiros, mas desfeitos e muito pulverizáveis, e diz-se que
não será robusta para argamassa. Dizem que é boa a que, sendo bem limpa
pelo fogo, fica branca, leve e sonora, ou que, quando se lhe deita água, com
muitos estalidos lança para o alto um jacto acre de vapor. À primeira, por-
que é fraca, diz-se que deve juntar-se menos areia; e mais à segunda, que é
mais forte. Catão 565 mandava juntar, por cada pé de trabalho, um módio 566

564
Carro rústico sem rodas puxado a bois para o transporte em lugares íngremes.
565
Cat. , Agr., I , 5.
566
Medida de capacidade romana equivalente a 8,73 litros.

239
Livro Terceiro

de cal e dois de areia; outros propõem outras proporções. Vitrúvio e também


Plínio mandam misturar à cal uma quarta parte, se a areia for de mina, e um
terço se for fluvial ou marítima 567 •
Finalmente, quando devido à natureza e qualidade das pedras, como
adiante diremos, a argamassa houver de ser mais líquida e maleável, a areia
deve ser passada pelo crivo; quando mais espessa, então misturar-se-á, com
uma medida de areia, meia medida de cascalho anguloso e de pequenos
fragmentos de pedras; todos garantem que, acrescentando-se uma terça parte
de cacos de cerâmica, a argamassa se toma muito mais tenaz. Mas seja qual
for a mistura que fizeres, é necessário mexê-la repetidas vezes até à incor-
poração dos fragmentos mais pequenos; e, por tal motivo, há quem, para
obter melhor mistura, a mexa e pise durante muito tempo no almofariz.
E, acerca da cal, também basta o que até aqui foi dito; a não ser que por-
ventura falte acrescentar, ao que dissemos, o seguinte: a cal adere com mais
tenacidade às pedras do seu parentesco e, sobretudo, às da mesma pedreira,
do que às de fora.

CAPÍTULO V

Sobre o modo de construir as paredes de fundação, isto é, sobre o


enchimento dos alicerces até ao nível da superficie, não encontro nos antigos
nenhum conselho, senão apenas o seguinte: que se atirem para dentro das
fundações as pedras que, expostas a céu aberto durante dois anos, adquiri-
ram defeitos de forma. De facto, assim como no exército são mandados
embora, para junto dos seus, não sem ignomínia, os soldados indolentes
e cobardes, que não conseguem suportar o sol e a poeira, assim também
aqui se rejeitam as pedras moles e sem resistência, para que repousem sem
glória 568 na sua antiga inércia e na sombra a que se acostumaram. Todavia,
encontro nos historiadores que os antigos, ao assentar os muros em ·terra,
costumavam pôr todo o seu esforço e diligência em que a construção, na
medida do possível, em nada fosse aí menos sólida do que no resto do
muro.

567
Vitrúvio (1, 5, 1) recomenda as proporções de 3 de areia para 1 de cal para a areia de
mina ou dos areeiros e 2 de areia para 1 de cal para areia fluvial ou marítima.
568
Para a recorrência do tema da fama ou glória, tratada de forma alegórica na obra literá-
ria de Alberti, veja-se a peça Fama, in lntercenales, IV.

240
A Construção

Asiti, rei do Egipto 569 , filho de Miquerino, autor daquela lei que impu-
nha aos devedores a entrega da múmia do pai em caução, tencionando cons-
truir uma pirâmide de tijolo, mandou, para lançar os alicerces, enterrar tra-
ves num terreno pantanoso, e dispor os tijolos sobre elas. Há também
memória escrita de que o excelente e notável Quérsifron, que construiu o
celebérrimo templo de Diana, em Éfeso 570 , tendo-lhe sido facultado um ter-
reno plano e limpo, que acima de tudo seria imune aos terramotos, para evi-
tar que lançassem temerariamente alicerces de tal envergadura num solo
movediço e pouco estável, começou por espalhar no chão uma camada de
carvões bem calcados, e a seguir outra de peles de animais; <-··> 57 1 apenas
encher os espaços entre as estacas com carvão em camadas compactas e
depois colocá-las, e a seguir estender pedras aparelhadas, com as juntas
muito compridas 572 • Também encontro, em Jerusalém, quem tenha colocado,
nos alicerces dos edificios públicos, pedras de vinte côvados 573 de comprido
cada uma e de não menos de dez côvados de largo 574 •
Mas em outros lugares, observando as grandes obras dos mais compe-
tentes arquitectos da antiguidade, notei que seguiram modos e procedimentos
variados no enchimento das fundações. No mausoléu dos Antoninos 575 ,
encheram-nas com pedras duríssimas do tamanho da palma da mão a nadar
em argamassa. No Fórum Argentário 576 , usaram uma argamassa de toda a

569
Hdt., II, 136.
570
Vitrúvio (VII, Pref., 12) refere que Quérsifron, arquitecto cretense do séc. VI a. C., tam-
bém escreveu sobre o templo jónico de Diana em Éfeso, uma das sete maravilhas do
mundo antigo.
571
Na edição de Orlandi ( 1966, p. 191 ), aparece a lacuna: <···> tantum paio rum media inter-
valla expleri creberrimo carbone atque inconculcari, et mox quadrata superextendi saxa
iuncturis quam longissimis. Rykwert et a/ii (1988, p. 67), baseados no manuscrito de
Chicago do séc. XV (University of Chicago Library, Goodspeed Fund, 1), traduzem a
sequência por "coai was crammed into the spaces between the stakes, and on the top of
that a layer of squared stones, their joints as long as possible" (o carvão foi empilhado
nos espaços entre as estacas, e por cima colocada uma camada de pedra aparelhada, com
juntas tão compridas quanto possível).
572
Plin., Nat., XXXVI, 95 e Vitrúvio, III, 4, 2 e V, 12, 6.
573
Equivalente a 8,86 m.
574
Equivalente a 4,43 m. Cf. Euseb., Prep., IX, 4.
57 5
Mausoléu de Adriano em Roma, conhecido desde a Idade Média como Castell Sant 'An-
gelo.
576
O autor refere-se, possivelmente, ao mercado de gado bovino (forum boarium), situado
em Velabro, um pequeno vale entre o Palatino e o Capitólio. Aquele mercado localizava-
-se próximo ao rio Tibre, junto aos templos de Fortuna Virilis e de Vesta e onde se
encontra, ainda hoje, o Arco dos Argentários. Cf. Plin., Nat., X, 79; Portoghesi, 1966,
p. 191 , n. 4.

241
Livro Terceiro

espécie de cascalho; nos Comícios 577 , calhaus e pedaços de pedra vulgar.


A mim enchem-me as medidas aqueles que, junto da Rocha Tarpeia 578 , imi-
taram a natureza com uma obra particularmente bem adaptada às colinas.
Com efeito, assim como a natureza, para elevar as montanhas, mistura maté-
ria mole às pedras duras, assim aqueles fizeram um lastro de dois pés de
altura com pedra aparelhada, o mais intacta possível; em cima deitaram-lhe
uma espécie de papas de cimento, também de dois pés de altura; e assim
sucessivamente, com camadas alternadas de pedras e de massa, encheram as
fundações .
Feitas pelos antigos com areão de mina e pedras apanhadas à superficie,
vi eu, em outros lugares, fundações deste género e respectivas construções
manterem-se de pé, com toda a solidez, desde há muitos séculos. Em Bolo-
nha, ao ser demolida uma torre alta e muito sólida, descobriu-se que as suas
fundações tinham sido enchidas com seixos redondos e com argila, em cerca
de seis côvados 579 de altura; o resto, daí para cima, era construído com cal.
São, pois, vários os procedimentos em matéria de alicerces; e não é fácil
dizer qual deles prefiro aos outros; tanto que, ,em todos os géneros mencio-
nados, se encontra um que se evidencia muito mais firme e resistente. Mas
determino que não se descure o aspecto económico, contanto que não se uti-
lizem escombros 580 e materiais sujeitos a apodrecer.
Há ainda outras espécies de paredes de fundação. Uma é apropriada aos
pórticos e aos lugares onde se apoiam as colunatas; uma que é usada nas
zonas marítimas, onde não se oferece a certeza de encontrar, onde se quer,
um terreno firme. Falaremos dos alicerces marítimos quando tratarmos dos
portos e do assentamento de um molhe no fundo do mar; com efeito, esse
género de fundações não diz respeito à construção da generalidade dos edi-
ficios de que aqui falamos, mas só de uma parte específica da cidade, da
qual trataremos juntamente com . outros do mesmo tipo, quando nos referir-
mos às obras públicas dessa espécie.
Assim, para a construção de uma colunata não é preciso encher o fosso
a todo o comprimento com uma estrutura contínua; mas convém, em pri-
meiro lugar, robustecer o assento e as cavidades das colunas; a seguir, entre

577
Lugares situados próximos ao fórum, onde se reuniam as assembleias para eleger os
magistrados.
578
Flanco oeste do Capitólio.
579
Equivalente a 2,66 m.
580
A prática. comum, no Quattrocento e em Roma, de se reutilizarem materiais construtivos
remanescentes de edificios antigos é rejeitada por Alberti.

242
A Construção

cada cavidade, de uma para a outra, devem lançar-se arcos com o dorso vol-
tado para baixo, de modo a que a superficie ao nível da área lhe sirva de
corda. Deste modo, as cargas que, vindas de vários lados, se concentram
num só ponto, têm menos possibilidade de perfurar o terreno, graças à resis-
tência oposta pelo contra-arresto dos arcos.
E em que medida as colunas tendem a perfurar o solo, e quanta seja a
força e a pressão das cargas exercida sobre elas, está à vista no ângulo, vol-
tado ao pôr-do-sol no Verão, do famoso templo de Vespasiano 581 • De facto,
querendo tomar transitável, nesse lugar, a via pública interrompida pelo
cunhai do edificio, fizeram uma pequena passagem por dentro e abriram
uma abóbada através da estrutura do templo, deixando o próprio cunhai ao
lado da via, como uma espécie de pilar, e reforçando-o com uma obra sólida
e com o apoio de um contraforte. Mas esse cunhai acabou por sucumbir
sob a pressão da imensa mole do edificio e devido à cedência do terreno.
E sobre isto é quanto basta.

CAPÍTULO VI

Lançados os alicerces, segue-se naturalmente o muro. Não gostaria de


deixar passar a oportunidade de aqui referir um aspecto que diz respeito não
só ao enchimento das fundações, mas também à conclusão dos muros. Efec-
tivamente, nos grandes edificios, onde há-de ser mais grossa a espessura dos
muros, devem ser deixadas abertas por dentro deles, desde os alicerces até
ao cimo, passagens de ar e respiradouros, não muito distantes uns dos
outros, por onde possa sair livremente, em profusão e sem dano algum para
a construção, o vapor que, formado e acumulado sob pressão, circula
debaixo da terra. Os antigos, não só para esse fim, como também por como-
didade, para terem o acesso facilitado à parte superior do edificio, e ainda
porventura para diminuir os gastos, faziam passar uma escada de caracol em
alguns pontos do interior do muro. Volto ao assunto.
Entre a parede de fundação e o muro propriamente dito, há esta dife-
rença: aquela, apoiada nas paredes da vala, pode constar apenas de material
de enchimento; este, como adiante direi, compõe-se de várias partes. Num
muro, as partes principais são as seguintes: a inferior, que se ergue logo
sobre o enchimento do alicerce (a este, se é lícito, chamar-lhe-emos pódio

SM J Situado entre o Fórum Romano e o Tabularium , foi construído no ano 79 d. C..

243
Livro Terceiro

ou base); a intermédia, que compreende e abrange o muro (esta chama-se


paramento 582 ) ; a superior, isto é, aquela que tem o último ligamento do muro
(esta, finalmente, chama-se comija 583 ) .
Entre as partes principais dos muros, ou mais importantes entre as prin-
cipais, estão os cunhais 584 , as pilastras e as colunas, inseridas ou integradas
no muro, ou tudo o que desempenha a mesma função das colunas para sus-
tentar o travejamento e os arcos das coberturas: todas estas caem sob a
designação de ossatura. Há também, situados de ambos os lados, os lábios
das aberturas, os quais participam simultaneamente da natureza dos cunhais
e das colunas. Além disso, também a parte superior que cobre as aberturas,
seja em lintel horizontal, seja em arco, será contada entre as partes da ossa-
tura: na verdade, direi que o arco não é senão um lintel de forma curva; e
que outra coisa direi de um lintel senão que é uma coluna em posição hori-
zontal? 585 Os elementos que se situam e dispõem nos espaços entre estas
partes principais chamar-se-ão, com propriedade, partes complementares 586 •
Em todo o muro deve haver elementos que sejam comuns a todas as
partes que enumerámos; a saber: o enchimento interior do muro, e os dois
paramentos de ambos os lados, chame-se-lhe pele ou casca 587 , um do lado
de fora, que protege dos ventos e do sol, outra que propicia sombra ao inte-
rior da área. Mas a relação entre o paramento e o enchimento varia em ftm-
ção da diversidade de formas de aparelho.
Os tipos de aparelho são os seguintes: ordinário, reticulado, irregular.
Aqui vem a propósito o passo de Varrão 588 , que refere que os habitantes de
Túsculo fazem as cercas das casas de campo com aparelho de pedra; no

582
O termo procinctus, que corresponde à parte intermédia do paramento de uma parede, é
utilizado metaforicamente em vez da (pro ) cintura (cinctus) de uma veste (cf. Suet.,
Nero , 51 ; Serv., A., VII, v. 612).
583
Ou coroamento.
584
Anguli é transposto por cunhais ou ângulos, com o significado de esquinas formadas
pelo encontro de duas paredes.
585
Para um entendimento contemporâneo, os comportamentos estruturais da coluna e do
lintel, apesar de serem ambos peças lineares, são diversos. A primeira está sujeita, prin-
cipalmente, a esforços de compressão e, o segundo, de flexão.
586
A distinção entre partes complementares de enchimento e de estrutura portante unitária e
contínua, na concepção albertiana de parede, é informada pela relação edificio-corpo,
onde aquela estrutura é comparada com as características de um organismo com ossatura
e pele ou casca.
587
Os termos ossatura e pele também foram utilizados, como metáforas disciplinares, na
Maison Dominó, projectada por Le Corbusier em 1915, com esqueleto independente de
betão armado e fachada livre não portante.
588
Var., R., I, 14, 4.

244
A Construção

Ager Gallicus 589 , constroem com tijolos cozidos; na Sabina com tijolo cru;
nas Hispânias 590 com terra misturada com pedras pequenas 59 1. Mas sobre
isso falaremos mais tarde 592 .
Ordinário é o aparelho em que as pedras talhadas em quadrado, de
tamanho médio, ou de preferência muito grandes, se unem umas às outras
de modo a que as suas juntas, com a ajuda da régua, do nível e do prumo,
fiquem perfeitamente ajustadas; não há aparelho mais firme, nem mais está-
vel do que este.
Reticulado é aquele em que as pedras, talhadas em quadrado, de tama-
nho médio, ou de preferência pequenas, se dispõem não assentes de lado,
mas de pé, apoiadas numa aresta, com a face alinhada com a ajuda da régua
e do prumo 593 •
Irregular é aquele em que uma pedra de forma irregular é assente de tal
modo que cada lado, na medida em que as suas linhas o permitam, adira
perfeitamente aos lados da pedra contígua. Servimo-nos deste tipo de junta
no empedrado das estradas.
De resto, estes géneros de aparelho serão utilizados de modo diverso,
em consonância com a diversidade de cada parte da construção. De facto, no
embasamento não colocaremos outro revestimento senão de pedra talhada
em quadrado, muito grande e muito dura. Mas se, como dissemos 59\ é
necessário que a construção seja o mais compacta e firme que é possível, e
em todo o. muro não há, em ponto algum, necessidade de maior solidez e
firmeza do que aí, porque não hás-de assentá-lo, se puderes, numa única
pedra, ou, pelo menos, num número de pedras que seja muito próximo da
solidez e da duração de uma só? De que modo se pode arrastar e deslocar
uma pedra muito grande, di-lo-emos em seu próprio lugar, pois que esse
género de pedra tem a ver, principalmente, com a ornamentação.
"Constrói o teu muro - diz Catão - com pedra consistente e cal, até
que a base se eleve um pé acima do chão." 595 Não te proíbem de fazer o
resto do muro até mesmo com tijolo cru, se assim preferires. É evidente que

589
Território conquistado por Roma no início do séc. III a. C., situado entre Âncona e
Rimini.
590
É a forma adequada para indicar a "Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior", às quais se
refere Varrão. (Nota do Tradutor).
591
Var. , R., I, 14, 4-5 .
592
Livro III, cap. 11.
593
O soco do palácio Rucellai, em Florença, é feito com aparelho reticulado com desenho
de juntas a 45° com a horizontal.
594
Livro III, cap. 11 .
595
Cat. , Agr., 14, 4-5.

245
Livro Terceiro

Catão foi aqui motivado pelo facto de essa parte do muro estar sujeita à ero-
são dos salpicas da chuva que caem do telhado. Mas quando nós atentamos
nos edifícios da antiguidade e verificamos que, não só na generalidade dos
lugares, estas partes dos edifícios bem construídos são feitas de pedra muito
rija, mas também nos países onde não há que temer os danos causados pelas
chuvas; que houve arquitectos no Egipto que edificaram toda a base de uma
Pirámide com pedra negra de Tebas, muito rija - sou levado a dar uma
interpretação global a esse facto. Porque, assim como o ferro , o bronze e
outros metais, se repetidamente se dobrarem, ora para um lado, ora para o
outro, começam por rachar e, por desgaste, acabam por quebrar, assim tam-
bém os corpos, sujeitos a ataques alternados, degradam-se completamente e
desfazem-se. Dei-me conta disso nas pontes, sobretudo nas de madeira. De
facto , as partes que, devido às variações climáticas, ora estão secas por
acção dos raios do sol e do sopro dos ventos, ora molhadas pelos vapores
nocturnos da água, vemo-las ficar carcomidas em pouco tempo e de todo
carunchosas. O mesmo se pode verificar naquelas partes dos muros que
ficam em baixo, junto ao chão: so~ o efeito alternado da humidade e do pó,
amolecem e entram em decomposição. Por tal motivo, tenho por certo que a
base de todo o edifício deve ser construída em pedra dura, robustíssima e de
grandes dimensões, a fim de que, não obstante as frequentes agressões de
elementos contrários, se mantenha absolutamente inabalável. No livro
segundo fizemos uma explanação suficiente sobre quais são as pedras mais
duras 596 •

CAPÍTULO VII

É, todavia, muito importante saber com que combinação e ligação as


pedras devem ser dispostas na obra, tanto aqui como em outras partes. Por-
que assim como a madeira, assim também a pedra tem veios e nós, e umas
partes mais frágeis que outras; além disso, é sabido que o mármore se dobra
e deforma. Há nas pedras abcessos e apostemas-de matéria pútrida, que com
o tempo incha por absorção, segundo julgo, da humidade do ar aspirado, de
que resultam pústulas e dilacerações nas colunas e nos lintéis.
Por isso, além do que acima expusemos, em lugar apropriado.? sobre a
pedra, importa saber que a natureza criou as pedras· de-itadas, a partir,

596
Ver Livro II, caps. 8 e 9.

246
A Construção

segundo se pensa, de matéria líquida e fluida, a qual, consolidando e endu-


recendo, conserva na sua própria massa as figuras iniciais das suas partes.
Daqui se segue, por exemplo, que a parte de baixo da pedra é formada por
partículas mais pesadas e maiores do que a parte de cima; e entre elas cor-
rem os veios, conforme a aderência que a matéria derramada e espalhada
por cima teve com a outra. Por isso, na parte onde se situam os veios
- sejam eles o resultado da espuma da primeira matéria misturada com as
borras da matéria sobreposta, ou outra coisa qualquer - verifica-se, sem
dúvida, que a pedra tem tendência a rachar mais facilmente, uma vez que a
natureza não permitiu que estas substâncias, tão díspares, se unissem perfei-
tamente umas às outras. Além disso, como a própria experiência clara e
manifestamente demonstra, a injúria do tempo por assim dizer, para não
investigarmos uma causa oculta, consome e desagrega todos os corpos for-
mados por junção e solidificação 597 ; é assim que na pedra, as partes que
foram obrigadas a suportar as intempéries são mais frágeis e se desagregam
mais facilmente.
Assim sendo, recomendam que, quando se dispõem as pedras, sobretudo
naquelas partes do edifício que devem ser as mais robustas, as faces mais
resistentes e menos friáveis sejam voltadas para os ataques adversos dos ele-
mentos. Por isso, no lado do muro não se colocará um veio verticalmente,
não suceda que a intempérie o desintegre; mas ficará deitado horizontal-
mente, para que, comprimido pelo peso das pedras que se lhe põem em
cima, em nenhum ponto abra fendas. E a face interior, a que na pedreira
estivera oculta, seja colocada de modo a ficar voltada para fora: pois é mais
suculenta e mais forte. No entanto, nenhuma das faces de uma pedra
extraída será considerada mais resistente do que aquela que se tiver separado
do bloco de que faz parte, não pela secção vertical da pedreira, mas que
tiver seccionado a extensão horizontal do bloco jacente.

597
A formação dos corpos, por ensamblagem ou por agregação, é sugerida por Aristóteles
(H. A ., I, 1, 486 a): "De entre as diversas partes dos animais, umas são simples, as que
se dividem em partes homogéneas (a carne em carne, por exemplo), outras são compos-
tas, as que se dividem em partes não homogéneas (é o caso da mão que não se reparte
em mãos, nem o rosto em rosto) [... ] Todas as partes não homogéneas se compõem de
outras homogéneas; veja-se a mão, que é formada de carne, tendões e ossos" (trad. de
F. S. e Silva, 2006), como sucede igualmente na correspondência entre tecidos e órgãos
(cf. Aristóteles, H. A., II, 1-2), o que sugere que, também para Alberti, a repartição e a
agregação, ao nível do edificado, das partes com o todo, é conformadora da relação edi-
ficio-corpo.

247
Livro Terceiro

Além disso, em todo o edificio os cunhais devem ser reforçados com


uma estrutura muito sólida, porque é indispensável que eles sejam extraordi-
nariamente robustos. Na realidade, se o meu ponto de vista está certo, cada
cunhai é metade do conjunto do edificio, uma vez que não há defeito de um
só cunhai que não arraste consigo a ruína de duas alas. Se atentares neste
aspecto, sem dúvida alguma descobrirás que quase não existe edificio que
não tenha começado a sua derrocada senão por causa da fragilidade de
algum dos seus cunhais. Por isso, mesmo os antigos costumavam, e bem,
fazer os cunhais mais grossos do que os muros e, nos pórticos colunados,
reforçavam, junto dos cunhais, as extremidades dos muros 598 .
Por conseguinte, não é tanto para sustentar a cobertura que se procura
a firmeza de um cunhai - essa é a função das colunas, mais que a dos
cunhais - mas para manter os muros no seu posto, de modo a não se des-
viarem da perpendicular para nenhum dos lados. Assim, um cunhai terá
pedras muito duras e de grande comprimento, para penetrarem, como braços
e cotovelos, por dentro dos muros conjuntos. E estas pedras serão tão largas
como a grossura do muro, de modo a não ser preciso enchimento no meio.
É conveniente que a ossatura do muro e os lados das aberturas sejam
semelhantes aos cunhais e tanto mais firmes quanto maiores forem as cargas
que venham a suportar. E, antes de mais, é indispensável colocar as esperas,
isto é, algumas pedras dispostas em fiadas alternadas de ambos os lados,
como suportes para sustentarem as partes complementares do resto do muro.

CAPÍTULO VIII

Como dissemos, as partes de complemento são aquelas que são comuns


a todo o muro: paramentos e enchimentos. Mas há paramentos que se põem
no exterior e outros no interior. Se fizeres o paramento exterior com pedra
mais dura, isso contribuirá para a perenidade do edificio; de resto, não
levantarei objecções a que, em todos os complementos, apliques o aparelho
que te agradar, o reticulado ou o irregular, contanto que oponhas às agres-
sões e aos ataques violentos do sol ou dos ventos, e ainda ao fogo ou às
geadas, uma pedra que por natureza seja a mais forte para resistir aos seus
embates, cargas e danos. E, como se pode ver por toda a parte nos velhos

598
Vitrúvio, VI, 8, 4. Esta prática altera-se no Cinquecento , onde os cunhais das colunatas
apresentam: idênticas dimensões às das restantes colunas.

248
A Construção

edificios, deve-se utilizar material muito resistente nos sítios onde a água da
chuva, caindo em maior quantidade das caleiras ou das goteiras, embate
puxada pelo vento: por acção nociva deste tipo de escoamento, o próprio
mármore fica, por assim dizer, trincado e de todo corroído; embora quase
todos os bons arquitectos, para obviarem a este dano, tenham por hábito
desviar e escoar a água da chuva apanhada dos telhados, metendo-a em con-
dutas fechadas .
Acaso não advertiram os antigos que as folhas, no Outono de cada ano,
caem habitualmente primeiro no lado das árvores que está voltado a
sudeste? Nós observamos que todos os edificios que caíram de velhos come-
çaram a desabar pelo lado sul. E a causa de tal acontecer talvez esteja no
facto de que o ardor e a violência do sol absorveram prematuramente,
enquanto a obra ainda estava fresca, a seiva da cal. Acrescente-se a isso que
o muro, repetidamente molhado pelas rajadas do Austro 599 e logo a seguir
fortemente aquecido pelos ardores do sol, enfraquece e deteriora-se. Por-
tanto, a estes e outros danos semelhantes, devem opor-se materiais adequa-
dos e muito resistentes.
Na minha opinião, antes de mais, deve-se observar o seguinte princípio:
que as fiadas das pedras, com que se começou, se mantenham de tamanho
idêntico e em nada diferentes em toda a extensão do muro, evitando-se que
à direita fique uma pedra muito grande e à esquerda uma muito pequena.
Diz-se, efectivamente, que a parte construída sofre a pressão do último peso
acrescentado e que, sob o efeito dessa pressão, a cal perde a força à medida
que vai secando; é inevitável que daí resultem fissuras em toda a obra.
Quanto ao paramento interior, não te proibirei de o construir, bem como
toda a superficie do seu muro, com pedra mais mole; mas qualquer que seja
a pedra que utilizes, tanto no interior como no exterior, o paramento deve
ser levantado de tal modo que fique assente no seu alinhamento horizontal e
exactamente colocado na vertical. A sua própria linha é uma paralela que
corresponde à do perímetro da área, de tal modo que em nenhuma das suas
partes seja convexa ou côncava, em nenhuma ondulada, ou que em alguma
das suas partes não seja direita, e aparelhada e ajustada como deve ser.
Se, durante a construção e enquanto o muro está fresco, aplicares o pri-
meiro reboco de areia e cal, daí resultará obra indestrutível, quer lhe acres-
centes um revestimento de madeira ou de estuque 600 .

599
Vento sul.
600 Os caps. 9 e 1O do Livro VI apresentam os revestimentos de madeira e de estuque para
os paramentos dos muros.

249
Livro Terceiro

São duas as espectes de enchimentos 60 1: um, aquele com que se enche


de argamassa de cascalho o espaço vazio que se encontra entre os dois
paramentos do muro; outro é aquele com que se constrói, mais do que se
enche, esse mesmo espaço com pedra ordinária mas grosseira. É evidente
que estas duas espécies foram inventadas para economizar, visto que qual-
quer tipo de pedra miúda e vulgar serve para esta parte dos muros. Na ver-
dade, se se proporcionar haver em abundância pedra grande e esquadriada,
quem usará voluntariamente pedra miúda e friável 602 ?
Quanto à ossatura, ela difere das partes complementares apenas neste
aspecto: nestas, os espaços entre os paramentos enchem-se de pedra quebra-
diça e partida, a que houver, em aparelho amontoado ao acaso e sem esco-
lha; ao passo que naquela não se incorporam pedras irregulares, nenhumas
ou muito poucas, pois ela forma a sua parte interior com um aparelho usual.
Eu preferia que, para a perenidade da obra, se enchesse todo o muro,
em camadas completas, com pedra aparelhada; todavia, qualquer que seja a
pedra com que decidires encher o espaço vazio entre os dois paramentos,
procura que, na medida do possível, as várias camadas se unam umas às
outras niveladas por um plano paralelo. Devem-se também lançar, do para-
mento exterior ao interior, algumas pedras ordenadas, não muito espaçadas,
através da espessura do muro 60 \ para ligar os paramentos entre si, evitando
que os enchimentos, deitados lá para dentro, provoquem bossas nos para-
mentos.
Os antigos tiveram por norma não levantar os planos dos enchimentos,
com um vazamento único e contínuo, acima dos cinco pés de altura cada
um 604 , colocando então por cima uma fiada de pedras, para que a construção
fosse apertada e cingida como que por nervos e ligamentos; e ainda para
que, se por falha dos operários ou por acidente, em todo o enchimento,
algum ponto começasse a desabar, a massa dos materiais, fazendo pressão
na parte de cima, não fosse arrastada, tendo as camadas superiores, pelo
contrário, como que uma nova base para se apoiarem. Além disso, uma
norma que vejo ter sido cumprida rigorosamente por todos os antigos desa-

601
Vitrúvio, II, 8, 7.
602
As igrejas de São Sebastião e de Santo André em Mântua, concebidas por Alberti, utili-
zaram alvenaria de tijolo nos paramentos e cascalho de pedra solta no enchimento.
603
O termo perpianho, derivado do francês parpaing - pedra que acompanha toda a largura
do muro para efeitos de travamento, com as faces visíveis aparelhadas - é considerado
equivalente. Cf. Vitrúvio, II, 8, 7.
604
Correspondente a 147,75 cm.

250
A Construção

conselha que, durante a operação de enchimento, se incorporem pedras de


maiores dimensões que o peso de uma libra 605 • Com efeito, as pedras mais
pequenas são consideradas mais fáceis de unir e de adaptar às ligações, do
< que as grandes. E vem a propósito referir o que em Plutarco se conta acerca
do rei Numa: com efeito, quando este dividiu a plebe por oficios, tinha em
mente que qualquer corpo, quanto mais se fragmentar em pequenas parcelas,
tanto mais fácil se torna de governar e nivelar como se quer.
Sou de opinião que não se deve descurar a necessidade de encher com-
pletamente to~os os espaços ocos e de não deixar, em parte alguma, um
interstício vazio, entre outras razões, para evitar que os animais se introdu-
zam neles e, fazendo ninho, acumulando sujidades e sementes, favoreçam o
aparecimento de figueiras bravas ao longo do muro. Ninguém acreditará se
eu disser quantas massas enormes e quantos montões de pedras vi terem
sido movidos por uma só raiz de uma árvore. Por conseguinte, deves ligar e
encher cuidadosamente tudo aquilo que construíres.

CAPÍTULO IX

Entre os ligamentos encontram-se as junções das pedras maiOres, que


unem os paramentos exteriores aos interiores e as ossaturas umas às outras,
e que, como dissemos, devem ser intercaladas de cinco em cinco pés 606 ; há,
porém, outros ligamentos - e estes são os principais - que percorrem toda a
extensão
··· •
do muro,- com o•. _objectivo de enlaçar
... ~
os cunhais e manter ·-= a cons-
trução inamovível. Mas estes empregam-se mais espaçadamente, pois não
me recordo de em parte alguma ter visto mais de dois ou quando muito três
por cada muro. A sua localização e posição são fundamentais , como é o
caso da parte superior do muro, ou seja a comija, onde não existem aqueles
ligamentos que se colocam de cinco em cinco pés.
Não há inconveniente _se as pe~ras dos ligamentos forem mais delgadas.
Todavia, nestes ligamentos a que chamamos cornijas é conveniente colocar
pedras tanto mais sólidas e grossas, quanto mais espaçadas forem e mais tra-
balho tiverem. Ambos os géneros requerem, cada um na sua espécie, pedras
muito compridas, muito largas e muito sólidas. Mas os ligamentos mais
pequenos serão colocados de tal modo que se ajustem aos paramentos per-

605
A libra romana equivale a 327,45 gr.
606
De 147,75 cm em 147,75 cm.

251
Livro Terceiro

pendicularmente e horizontalmente; ao passo que aqueles que imitam as cor-


nijas sobressairão em saliência frontal. Estas pedras, muito compridas e
muito largas, são assentes com a ajuda de um nível e bem unidas às cama-
das do muro, de tal modo que o estrato subjacente seja coberto por uma
espécie de pavimento acrescentado por cima. A maneira de ligar estas pedras
é a seguinte: quando se coloca uma nova pedra, esta é logo ajustada e acer-
tada pelas pedras já instaladas por baixo, de modo a assentar ao meio da
junta de duas delas, guardando igual distância e nivelamento de ambos os
lados. Embora, em toda a obra esta maneira de ligar as pedras mereça a
maior atenção, ela deve ser respeitada ainda com mais cuidado neste tipo de
ligamentos.
Tenho observado que os antigos costumavam aplicar aos aparelhos reti-
culados um ligamento que consistia em cinco fiadas de tijolos pequenos, ou
no mínimo três, umas das quais, pelo menos, senão todas, feita de pedra não
mais grossa que os tijolos que se encontram junto dela, mas mais comprida
e mais larga. Porém, nas construções normais em tijolo, verificámos que
alguns arquitectos se contentaram, em lugar de ligamento, com uma fiada de
cinco em cinco pés, feita de tijolo grande de dois pés. Verificamos, ainda,
que alguns intervalaram, à guisa de ligamento, placas de chumbo muito
compridas e de largura igual à dos muros 607 • Todavia, verifico que, cons-
truindo com pedras muito grandes, se contentaram com ligamentos mais
espaçados, ou quase só nas comijas.
Na execução das comijas, quando estas cingem o muro com um enla-
çamento firmíssimo, convém não descurar nada do que até aqui dissemos
sobre ligamentos: não se utilizem senão pedras muito compridas e extrema-
mente largas, e as mais sólidas de todas; liguem-se uma às outras por enla-
çamento contínuo e bem ajustado, em camadas dispostas com a ajuda do
nível e colocadas à régua, e combinadas segundo a forma de cada uma. Isso
exige que aqui se preste tanto maior cuidado e atenção, quanto as comijas
cingem a obra no ponto mais sujeito a desmoronar-se e, além disso, desem-
penham a função de cobertura relativamente aos muros em que se aplicam.
Daí vem o princípio: nos muros feitos de tijolo cru, emprega uma comija de
tijolo cozido; para que a água que cai do telhado ou dos beirais não provo-
que estragos no edifício, mas a comija o proteja com a ,sua cobertura. Por
esse motivo, em todo o resto do muro, em qualquer ponto, deve-se procurar
que haja uma comija bem construída, que lhe sirva de cobertura, a fim de
evitar todos os danos provocados pela chuva.

607
Realizada com grampos ou gatos de chumbo.

252
A Construção

Importa, ainda, considerar com que apoio ou com que meios se podem
juntar e manter unidas muitas pedras para conseguir a solidez do muro.
A quem examina esta questão ocorre-lhe certamente que em primeiro lugar
é indispensável a cal, embora eu considere que nem todas as pedras devem
ser unidas com cal. Com efeito, os mármores, ao contacto da cal, não só
perdem a brancura, mas também a beleza, desfeiados por horríveis manchas
de sangue; e tão grande é no mármore a altivez da sua brancura que dificil-
mente pode tolerar outra coisa que não seja ele próprio. Que achas? Não
tolera o fumo; untado com óleo perde o brilho; impregnado de vinho tinto
amarelece; com a água que escorre da madeira do castanheiro enegrece e
tinge tão profundamente que, nem mesmo raspadas, se apagam as manchas
destes produtos. Por isso, os antigos aplicavam o mármore à obra, na
medida do possível, sem nada, sem utilizar nenhuma espécie de cal. Mas
disto falaremos mais adiante 608 .

CAPÍTULO X

Agora, já que pertence às tarefas de um bom construtor não tanto esco-


lher os materiais mais adequados, quanto utilizar, de forma conveniente e
apropriada, aqueles que se proporcionam, prosseguiremos a nossa exposição
da maneira seguinte. Perceberás que a cal está cozida como deve ser,
quando ela, molhada e a seguir apagada, intumesce em todas as suas pedras,
subindo como a espuma do leite. Sinal de que está mal diluída são as pedri-
nhas que se encontram ao misturá-la com areia. Se porventura lhe mistura-
res mais areia do que convém, não agarra, devido à sua aspereza; se, pelo
contrário, lhe deitares menos do que a sua natureza e capacidade suportam,
devido à sua pastosidade inconveniente, não descolará, como se fosse visco,
e dificilmente se deixará manipular 609 •
Utilizarás cal não diluída, e por isso mais fraca, com menos riscos nos
alicerces do que no resto do muro; e nos enchimentos, do que nos paramen-
tos. Mas, nos cunhais, na ossatura e nos ligamentos, deve ser evitada abso-
lutamente toda a cal em que haja o mínimo defeito e, particularmente, deve
ser a mais segura de todas a que se aplica nos arcos. Os cunhais, a ossatura,
os ligamentos, as comijas, requerem uma areia mais fina, mais miúda, mais

608
Livro III, cap. 11.
609
Vitrúvio, II, 5, 2.

253
Livro Terceiro

pura, sobretudo quando são feitos de pedra lisa. Os enchimentos admitem


material mais grosseiro.
A pedra por natureza árida e sedenta não liga muito mal com a areia do
rio. A de natureza húmida e molhada preferirá a dos areeiros. Eu não gosta-
ria que expusesses ao vento sul uma areia tirada do mar; será exposta aos
ventos do norte talvez com menos inconvenientes. A pedra miudinha requer
argamassa mais espessa; a seca e árida, argamassa mais suculenta; no
entanto, os antigos consideram que, no conjunto da construção, a massa de
tipo mais suculento agarra melhor do que a fina 610 •
As pedras de grandes dimensões não assentam facilmente senão com a
ajuda de argamassa líquida e fluida; tanto mais que este tipo de massa
parece ter sido utilizado, não tanto para aglutinar, como para tomar mais
escorregadio o assento, com o que as pedras, ao serem ajustadas, são mais
fáceis de mover à mão. De facto, é de toda a conveniência colocar as pedras
sobre uma superfície macia e sobre um leito liso, que faça com que não
sejam esboroadas trabalhando sob um peso excessivo. Ao verem nos edifí-
cios da antiguidade pedras muito grandes barradas com vermelhão entre as
juntas, concluem que ele era usado em vez de cal. Isso não me parece vero-
símil, principalmente porque verifico que apenas uma superfície da junta
está barrada e não as duas.
A propósito dos muros há um ponto que convém não descurar. Nem-
deves amontoar as pedras no muro, trabalhando precipitadamente, à pressa e
atabalhoadamente, sem interromper a obra em ponto algum; nem, por inér-
cia e preguiça, como se edificasses contrariado, deves adiar a obra uma vez
começada; mas importa prosseguir o trabalho com medida e método, jun-
tando a celeridade à maturidade da reflexão e do empenho.
Os especialistas proíbem que se prossiga a construção enquanto a parte
já executada não tiver endurecido: porque uma construção recente e mole,
sendo frágil e propensa a desmanchar-se, de modo algum aguenta o que se
constrói por cima. Pode-se ver que as andorinhas, ensinadas pela natureza,
quando fazem os seus ninhos primeiro aplicam a lama aos gravetas, que
são como que os alicerces e a base da construção, e às primeiras camadas
acrescentam as seguintes, não constroem precipitadamente, mas, com inter-
rupções, pausada e progressivamente, até que a parte inicial da obra adquira
firmeza. Considera-se que a cal já está dura, quando transpirar uma lanugem
e um bolor bem conhecidos dos operários.

610
Referência à compacidade das argamassas, obtida a partir de adequada granulometria das
areias e de uma correcta dosagem de aglomerante.

254
A Construção

A própria espessura do muro e as condições do clima e do terreno ensi-


narão a quantos pés de altura se deve fazer uma pausa. Quando considerares
que é altura de interromper, cobre a parte superior da obra, para evitar que
o suco da massa evapore, absorvido pelo vento e pelo sol, em vez de secar
e aderir atempadamente. Quando retomares a obra, deita-lhe água uma e
outra vez, até que fique bem molhada; e se lavem de todo as poeiras, para
não se dar azo a que nasçam figueiras bravas. Nada há que contribua mais
para a solidez e estabilidade da obra do que regar a pedra com água em
abundância. Diz-se que não está bem humedecida a pedra que, se a esbor-
celares, não estiver molhada e enegrecida em toda a superficie interior.
A estas recomendações acrescenta que, durante a construção, em cada
sítio onde alguém possa desejar novas aberturas no edificio para usos e pra-
zeres diversos, se deve inserir no corpo do muro um arco, para que depois,
sendo ele aí rasgado, possa ter o arco como base de sustentação segura e
com ele nascida. É dificil de dizer como às vezes, por se tirar do muro uma
pedra pequena, se esvaem todo o vigor e nervos da construção. Em verdade,
nunca conseguiremos fazer acrescentos às construções antigas, sem que ten-
dam a separar-se mutuamente; e escusado será dizer que o muro, debilitado
por essa cicatriz, fica em vias de ruir.
Um muro grosso não precisa de andaimes, visto que na sua largura ofe-
rece aos operários espaço onde possam estar durante a construção.

CAPÍTULO XI

Falámos um pouco de um processo regular de construção, em que o


edificio se ergue com pedra e se consolida com cal. Mas, dado que há
outros processos de ligar a pedra que não utilizam a cal, mas sim terra
amassada, e outros em que as pedras se ligam sem nenhuma espécie de
substância aglutinante, outros ainda em que se faz só o enchimento ou só os
paramentos, e assim por diante, passaremos a falar deles brevissimamente.
A pedra que é cimentada com terra amassada convém que seja quadrada
e extremamente seca, e para esse fim nada é mais adequado do que o tijolo
cozido, ou, melhor ainda, cru e bem seco. Um muro feito de tijolo cru, além
de ser bom para a saúde dos habitantes e muito seguro contra os incêndios,
não é muito sacudido pelos terramotos; mas, se não tiver uma certa grossura
não aguenta o vigamento 611 • Por isso, Catão recomendava que se intercalas-

6 11
Cat., Agr., 14, I.

255
Livro Terceiro

sem pilares de pedra em que se apoiassem as traves. Há quem, para cimen-


tar, prefira que a terra amassada seja muito semelhante ao betume; e consi-
deram que o melhor é aquele que, deitado na água, se dissolve lentamente,
que dificilmente se limpa da mão, que quando seca fica muito compacto;
outros preferem-no mais areento, porque é mais maleável. É preciso cobrir
este tipo de trabalho com um revestimento de cal por fora, e por dentro - se
se quiser - com gesso ou até com argila branca. E para que o revestimento
tenha uma adesão mais perfeita, ao assentar as pedras devem inserir-se nas
fendas das juntas cacos de barro, que fiquem salientes como dentículos, para
que neles o revestimento se agarre com mais firmeza.
A pedra sem aglutinantes deve ser quadrada e maior que o normal e,
ainda, resistente e muito sólida 612 • Aqui exige-se que não haja enchimentos,
que haja camadas perfeitamente regulares, juntas contínuas; requerem-se
ligamentos frequentes formados por grampos e cavilhas. Grampos são os
ligamentos com que se unem, em fila contínua, duas a duas, as pedras colo-
cadas no mesmo plano ao lado uma da outra. Cavilhas são aqueles que,
fixados nas pedras de baixo e juntamente nas de cima, evitam que uma
camada se afaste da outra, quando ocasionalmente sofre algum embate. Não
está condenado o uso de grampos e cavilhas de ferro. Nós, porém, obser-
vando as obras dos antigos, demo-nos conta de que o ferro se deteriora e
não dura, ao passo que o bronze dura e é quase eterno. E, mais ainda, notei
que a ferrugem do ferro corrói e quebra o mármore. Nas pedras das obras
mais antigas vêem-se também grampos de madeira, que eu de modo nenhum
considero inferiores aos de ferro. Os grampos de bronze fixam-se com
chumbo; os de madeira são bastante firmes devido à sua própria forma: são
entalhados de tal maneira que, em virtude da semelhança que têm, se cha-
mam caudas de andorinha 6 13 •
Devem-se colocar os grampos de forma a que as pingas da chuva não
os atinjam e estraguem. Pensa-se que os de bronze ficam reforçados contra
o envelhecimento se, ao serem fundidos, se misturar a trigésima parte de
estanho. Terão menos a recear a ferrugem, se forem untados com betume ou
ainda com azeite. Garantem que o ferro deve ser temperado com alvaiade,
gesso e pez líquido, para não enferrujar. Os grampos de madeira não apo-
drecem se forem tratados com cera pura e amurca. Vejo que há pedras que
estalaram por terem deitado chumbo em grande quantidade e muito quente
sobre as cabeças dos grampos.

612
No aparelho ensosso os blocos de pedra assentam sem qualquer argamassa de ligação.
613
Ou malhetes.

256
A Construção

Nos edificios da antiguidade encontrarás a cada passo muros extrema-


mente sólidos, construídos apenas com enchimento. Estes constroem-se
como os muros de terra que se usavam na África e na Hispânia, colocando
de um e outro lado dois amparos de tábuas ou de caniços, que fazem de
paramento, até que a argamassa despejada fique dura 614 • Mas há diferença
entre os dois processos: num caso despeja-se uma massa de cascalho quase
líquida; ao passo que no outro calca-se, com os pés e com maços de apla-
nar, uma terra suculenta que se toma maleável deitando-lhe água e amas-
sando-a. No primeiro caso intercalam-se à guisa de ligamentos de três em
três pés 6 15 , como se fora um pavimento, pedras um pouco maiores, nomea-
damente pedras vulgares ou mesmo em pedaços angulosos, porque o seixo,
embora seja muito resistente ao desgaste, todavia, se não for ligado com
muito reforço, não será nada seguro em qualquer construção; ao passo que
no segundo caso, nas paredes de terra de África, misturam à terra amassada
esparto ou junco marítimo: obra admirável, que resiste incólume aos ventos
e às chuvas. No tempo de Plínio viam-se torres e postos de vigia de terra,
implantados no cimo dos montes desde a época de Aníbal 616 •
Constroem-se revestimentos - para assim lhes chamar em vez de para-
mentos - só com grades e esteiras de canas já secas: obra indigna de um
homem livre, mas que a plebe da Roma antiga utilizava com frequência. As
grades rebocam-se com terra amassada com palha durante três dias; depois
revestem-se, como já disse 617 , com cal ou gesso; finalmente enfeitam-se com
pinturas ou com relevos . Se ao gesso se juntar um terço de telha moída,
sofrerá menos com os salpicos da chuva; misturado com cal, toma-se muito
mais sólido; contra a humidade, a geada e o gelo, o gesso é absolutamente
ineficaz.
Resta-me referir, à maneira de epílogo, uma lei antiquíssima entre os
arquitectos, que eu recomendo que seja observada como um oráculo. Essa
lei é assim: assenta o muro numa base solidíssima; coloca as partes de cima
de modo a corresponderem perpendicularmente ao meio das partes de baixo;
reforça os cunhais e a ossatura dos muros, desde o chão até acima, com
pedra mais resistente; amolece bem a cal; não coloques pedra na obra que
não seja húmida, às agressões mais nocivas contrapõe pedra mais rija; cons-
trói a alvenaria com régua, nível e prumo; faz com que o meio das pedras

614
Isid. , XV, 9, 5.
6 15
De 88,65 cm em 88,65 cm.
616
Cf. Plin., Nat., XXXV, 169.
617
Livro III, cap. 11 .

257
Livro Terceiro

colocadas a seguir assente nas juntas das precedentes; expõe as pedras intei-
ras nos paramentos, com as partidas enche o interior do muro; une as fiadas
de cada paramento, fazendo passar pelo meio do muro frequentes ligamentos
de pedra 618 • Até aqui falámos do muro; passo à cobertura.
Mas não gostaria de passar adiante sem referir um facto, cujas manifes-
tações foram observadas entre os antigos com grande atenção. Há na natu-
reza alguns seres que, sem dúvida alguma, são depositários de uma força
extraordinária. Diz-se que os raios não atingem, de entre as árvores, o lou-
reiro, de entre as aves a águia, de entre os peixes a foca 6 19 : se estes seres
forem incluídos na obra, há quem pense que ela será inacessível e imune
aos raios. De facto, parece-me que isso é como esperar e acreditar que,
segundo dizem, a rã das moitas, encerrada numa vasilha de barro e enterrada
no meio de um campo, afasta as aves das sementeiras; e que a árvore do
lúpulo, se for levada para dentro de casa, toma os partos dificeis; e que a
ramagem do fúsaro de Lesbos, dentro de casa, provoca diarreia e traz a
morte por inanição 620 •
Volto ao assunto. Aqui convém retomar o que acima resumidamente
dissemos ao tratar do delineamento dos edificios.

CAPÍTULO XII
Das coberturas, umas estão a céu aberto, outras não; e destas umas
constam de linhas rectas, outras de curvas, outras de mistas. A isto deves
acrescentar um aspecto pertinente: que a cobertura pode ser feita de madeira
ou de pedra. Daremos início a este assunto, partindo do princípio d~ que
podemos definir a existência de alguma coisa que se aplica à teoria da
cobertura em geral, que é o seguinte. Consideremos que em qualquer cober-
tura há ossos, nervos, complementos, paramentos e revestimentos, tal e qual
como no muro; vejamos todavia se assim é na realidade 62 1•

6 18
Estas prescrições são formalmente semelhantes às da obra Sentenze pitagoriche, datada
de 1462, onde Alberti descreve de forma sintética as concepções filosóficas dos pitagó-
ricos para um bene e beato vivere. Cf. Caye-Choay, 2004, p. 164, n. 57.
6 19
Plin., Nat. , II, 146.
620
Plin., Nat., Xlll, 118 e Theophr. , H. P , lll, 18, 13.
62 1
Uma concepção estrutural da arte edificatória está presente, na medida em que são adop-
tadas idênticas categorias disciplinares para diferentes sistemas e elementos construtivos,
neste caso para o muro e para a cobertura: "os ossos são as traves, os ligamentos os cai-
bros, o complemento os painéis e a pele as telhas" (Caye-Choay, 2004, p. 165, n. 64).

258
A Construção

Em princípio - para começarmos pelas coberturas rectilíneas de madeira


para as sustentar, é necessário lançar traves bem firmes, que vão de um
muro ao outro; e não negaremos, como há pouco comentávamos, que as tra-
ves são colunas postas transversalmente. Portanto, a trave desempenha a fim-
ção de um osso. Ora se os gastos o permitissem, quem não desejaria ter
toda a obra, por assim dizer, feita em osso e com toda a solidez, isto é,
constituída de colunas pegadas umas às outras e reforçada por traves unidas
entre si? Mas olhamos aos gastos, considerando supérfluo tudo aquilo que,
assegurada a solidez da construção, possa ser suprimido. Por esse motivo,
deixam-se espaços entre as traves; é por isso também que se põem barrotes
transversais às traves e se acrescentam caibros de umas para as outras, e
outros elementos do mesmo género, que no seu conjunto não é de modo
nenhum desacertado considerar como ligamentos. Finalmente, fasquias e
tábuas mais largas pregadas nestes ligamentos fazem, de facto , a vez de
complemento; de igual modo não negaremos que o pavimento e as telhas
correspondem ao paramento exterior, que a parte interior da cobertura que
pende sobre a nossa cabeça corresponde ao paramento interior.
Portanto, sendo claro que assim é, procuremos saber se há alguma
característica própria destes elementos, para que, sendo estes bem conheci-
dos, com mais facilidade compreendamos o que é que convém às coberturas
de pedra. Trataremos, por conseguinte, com toda a brevidade daquilo que a
matéria exige.
Mas vem a propósito o seguinte. Não louvo os arquitectos do nosso
tempo que, para fazer o soalho, deixam, rasgadas nos próprios ossos dos
muros, grandes aberturas, nas quais, uma vez concluído o muro, venham
encaixar as cabeças das traves; com isso o muro toma-se mais frágil e o edi-
fício fica menos protegido contra a devastação dos incêndios, porque dão
mais facilmente passagem ao fogo de uma sala para outra contígua. Por isso,
entre os antigos são preferidos aqueles que costumavam fixar bem nos
muros mísulas de pedra muito sólidas, em que assentavam as cabeças das
traves a que me referi. Mas, se quiseres que os muros fiquem bem presos ao
travejamento, não faltam grampos, ganchos e os encaixes salientes da
mísula, que podes utilizar com esse fim .
A trave deve ser absolutamente intacta e ilesa, isenta de qualquer
defeito, sobretudo no meio do seu comprimento. Pondo o ouvido numa
extremidade para captar a ressonância das pancadas dadas na outra ponta, se
o som for entrecortado e surdo, isso indicará que no interior da madeira há
uma doença oculta. Devem rejeitar-se de todo as traves com nodosidades,
sobretudo se os nós forem muitos e concentrados num conjunto de saliên-

259
Livro Terceiro

cias. A parte da madeira que está próxima da medula será aplainada para
ficar voltada para cima; ao passo que a superfície da trave que há-de ficar .
voltada para baixo, não deve ser aplainada além da casca, ou nada, ou o
mínimo possível. O lado em que apareça um defeito no sentido transversal,
põe-no voltado para cima. Se há uma fissura ao correr da tábua no sentido
do comprimento, não ponhas a fissura voltada para os lados, mas para cima
ou, de preferência, para baixo. Se uma tábua tem de ser perfurada ou enta-
lhada, evita fazê-lo ao meio do seu comprimento e nunca atinjas a parte
inferi or 622 •
Se, pelo contrário, como fizeram nas basílicas, for necessário colocar as
traves em grupos de duas, deixa entre elas um espaço de alguns dedos, por
onde possam respirar, para que não se deteriorem por aquecimento recí-
proco. E importa que, por cada par, as traves sejam colocadas em alternân-
cia, de modo a que as suas cabeças não assentem no mesmo encaixe, mas o
pé de uma fique onde pousa a cabeça da outra. Pois, deste modo, cada uma
com mais firmeza e solidez do pé acudirá à fragilidade da parte menos con-
sistente da outra. E é conveniente que as próprias traves sejam aparentadas,
isto é, sejam do mesmo género de madeira, formadas no mesmo bosque, sob
a mesma face do céu, se possível, cortadas no mesmo dia, a fim de que,
possuindo por natureza iguais qualidades, desempenhem iguais funções.
Com a ajuda de um nível, estabelece os apoios das traves, de tal
maneira que cada um deles seja sólido e firmíssimo; ao colocar as traves,
tem cuidado que a madeira não fique em contacto com a cal, e deixa respi-
radouros abertos e desimpedidos a toda a volta, a fim de que não seja afec-
tada por nenhuma espécie de contacto ou apodreça por se encontrar em
ambiente fechado . Para almofadar a trave~ põe-lhe por baixo fetos secos ou
carvões ou, melhor ainda, água de azeitona misturada com os seus caroços.
Mas, se as árvores forem mais pequenas do que é necessário para fazer,
de um só tronco, uma trave inteira, reúne várias traves numa única ensam-
blagem, de modo a concentrarem em si a força de um arco, isto é, que a
linha superior da trave ensamblada de modo algum possa ser mais curta do
que a pressão das cargas e, inversamente, a linha inferior não possa ser mais
comprida, mas se mantenha, como a corda de um arco, vigorosamente agar-
rada para oferecer resistência aos troncos postos em cima dela, os quais
fazem força nas extremidades em sentido contrário.

622
Provavelmente para evitar que a parte perfurada ou entalhada coincida com os maiores
esforços de tracção. Cf. Portoghesi, 1966, p. 228, n. I.

260
A Construção

Ensamblagem de traves de madeira.


1
Os barrotes e toda a restante madeira, pelo facto de saírem dos cortes
da trave, serão avaliados pelo seu estado de conservação e integridade. Con-
sidera-se que as tábuas demasiado pequenas não são boas porque, come-
çando a deformar-se, fazem sair os pregos. É recomendável que nas tábuas,
por mais finas que sejam, se apliquem pregos duplos 623 , sobretudo nos soa-
lhos a céu aberto, por meio dos quais se reforcem os ângulos, o meio e os
lados das tábuas.
Recomenda-se também que sejam mais grossos os pregos que suportam
pesos no sentido transversal, mas não se condena o uso de outros mais
finos, onde calha; convém, todavia, que nesse caso sejam mais compridos e
de cabeça mais larga. Estou certo de que, a céu aberto e em ambiente
húmido, os pregos de bronze hão-de durar mais tempo, ao passo que os de
ferro , em obra de interior e em ambiente seco, serão mais vigorosos. Onde
for oportuno usar pregos para consolidar o soalho, são maravilhosas as cavi-
lhas de madeira.
O que dissemos acerca das coberturas de madeira, isso mesmo deverá
ser posto em prática nas traves de pedra. Com efeito, as pedras com veios e
defeitos no sentido transversal não serão aceites para serem utilizadas como
traves e serão reservadas à confecção de colunas ou, se os defeitos forem
escassos e ligeiros, os lados da pedra em que surgirem devem ficar voltados

623
Batidos na face e no tardoz das tábuas e painéis.

261
Livro Terceiro

para baixo quando se colocarem na obra. Os veios ao correr do compri-


mento, em quaisquer traves, serão tidos por mais toleráveis do que os trans-
versais. Os painéis, mesmo os de pedra, por razões várias e também por
causa do próprio peso, deverão ser o menos grossos que é possível. Final-
mente, as fasquias, os barrotes, as traves, que se hão-de empregar nas cober-
turas, sejam eles de madeira ou de pedra, não deverão ser tão finos nem
serem colocados tão espaçadamente que não tenham força para se sustenta-
rem a si mesmos e ao peso dos materiais; e, inversamente, não devem ser
tão grossos e tão próximos uns dos outros que tomem a obra deselegante e
feia. Mas dà beleza e da elegância da obra trataremos noutro lugar 624 .
Por conseguinte, baste o que até aqui foi dito acerca da cobertura recti-
línea; a não ser que falte ainda chamar a atenção para um aspecto que eu
penso dever ser respeitado rigorosamente em qualquer tipo de obra. Os
médicos advertiram que, nos corpos dos seres vivos, a natureza habitual-
mente acaba a sua obra de tal maneira que nunca quer que, em parte
alguma, os ossos estejam separados e desunidos uns dos outros. Assim
também nós ligaremos os ossos entre si e os consolidaremos perfeitamente
com nervos e ligamentos, de modo a haver uma sequência e um ensambla-
mento dos ossos, sobre que, mesmo que falte o resto, a obra se mantenha
de pé, completamente acabada, com os seus membros e os seus pontos de
apOIO.

CAPÍTULO XIII

Passo às coberturas curvilíneas. Consideremos para já aquilo que cor-


responde plenamente, em todos os pormenores, às coberturas rectilíneas.
A cobertura curvilínea é éonstituída por arcos; e já argumentámos que o
arco é uma trave curva 625 . Também nele se estendem os ligamentos e se
acrescentam materiais para encher os espaços vazios intermédios. Mas gos-
tava que s~ entendesse claramente o que é um arco em si mesmo e quais as
partes que o compõem. Com efeito, julgo que os homens tiraram a ideia de .
construir um arco daquilo que se segue: ao verem que duas traves unidas
pelas cabeças podiam, afastando-lhes os pés, adquirir tal firmeza que se
aguentavam de pé em virtude de estarem mutuamente ligadas e equilibradas
por cargas idênticas, agradou-lhes a descoberta e começaram, com esta téc-

624
Ver Livro VII, cap. 5, que trata do espaçamento das colunas.
625
Ver Livro III, cap. 6.

262
A Construção

nica, a aplicar coberturas de duas águas aos seus edificios. Depois disso, tal-
vez porque, pretendendo cobrir uma área maior, não conseguiram fazê-lo por
causa de as traves serem curtas, colocaram entre elas, nas cabeças de cada
um dos troncos, uma trave intermédia, de modo a formarem algo como a
letra grega rr
626
e chamaram porventura aduela 627 à peça assim colocada.
Depois, como essa invenção foi bem-sucedida, multiplicaram as aduelas
do mesmo género e, avaliando a figura do arco assim realizada, aprovaram-
-na e, transpondo para as obras de pedra essa maneira de construir o arco,

Convergência de quarto. dois e três arcos sobre um capitel.

626
A utilização de letras do alfabeto latino para sugerir formas arquitectónicas é também
adoptada por Alberti no Livro V, cap. 4 e no Livro VII, cap. 7.
627
Cuneus é o termo também utilizado por Vitrúvio (VI, 8, 3; VII, 4, 4) para se referir às
aduelas constituintes dos arcos.

263
Livro Terceiro

fizeram um inteiro acrescentando mais aduelas 628 ; e, assim, temos de reco-


nhecer, que o próprio arco é constituído por várias aduelas, umas das quais
servem de apoio ao próprio arco nos seus dois pés, enquanto outras, assen-
tes no dorso, ocupam o lugar da espinha dorsal 629 , e outros ocupam o resto
da curvatura das costelas.
Vem a propósito recordar aquilo que dissemos no livro primeiro 630 • Há
várias espécies de arcos. Há, de facto, o arco de volta perfeita, formado por
uma semicircunferência inteira; a sua corda 631 passa pelo centro da circunfe-
rência. Há outro que participa mais da natureza da trave que da dos arcos:
chamamos-lhe arco abatido, porque não forma uma semicircunferência com-
pleta, mas apenas uma parte dela; a sua corda não passa pelo ·centro e situa-
-se acima dele. Há, ainda, o arco apontado, a que uns chamam angular,
outros agudo, que é composto de dois arcos abatidos e tem na sua corda os
dois centros das duas linhas curvas que se cortam uma à outra 632 •
Que o arco de volta perfeita é o mais sólido de todos, é sabido pela
realidade dos factos, mas também pode ser demonstrado usando a razão e o
raciocínio. E não vejo como se possa desfazer por si mesmo, a não ser que
uma aduela desloque a outra; mas estas estão tão longe deste perigo, tanto
mais que até se reforçam mutuamente; mais ainda, quando alguém acaso
tente provocar isso mesmo, as aduelas são impedidas de se deslocarem pela
própria natureza dos pesos que sustentam ou pela sua própria massa. Daqui
a observação de Varrão quando diz que, nas construções em arco, em termos
de solidez o lado direito não depende mais do lado esquerdo do que o
esquerdo do direito 633 • Este é um aspecto que se pode examinar. A aduela
superior, que é a única a ocupar o meio da espinha dorsal, como teria força
para deslocar as aduelas colaterais 634 ? Ou como é que, sob pressão destas,
poderia aquela ser desalojada da posição que já ocupa? Por seu lado, as
aduelas seguintes que se sucedem ao longo das costelas, facilmente são
mantidas na sua função graças ao equilíbrio das cargas. Finalmente, as adue-
las que assentam nas impostas, por que motivo haviam de deslocar-se, man-

628
A derivação do arco de pedra a partir da madeira, sugerida por Alberti, está de acordo
com a tradição clássica da génese das ordens arquitectónicas. Cf. Pausânias (V, 16, I).
629
Isto é, da chave ou fecho do arco.
630
Ver Livro I, cap. 12.
631
Num arco ou numa abóbada a corda é a linha horizontal entre os seus apoios.
632
Também designado por arco quebrado, podendo ser constituído por dois segmentos de
circunferência, com centros diferentes (vide Livro I, cap. VII).
633
Cf. Var., L., X, 59.
634
Isto é, os contra-fechos contíguos à pedra de fecho.

264
A Construção

tendo-se as de cima firmes no seu posto? Por isso, nos arcos de volta per-
feita, que facilmente se auto-sustentam, não exigimos um tirante; nos abati-
dos, porém, fixamos na extensão dos muros, nos dois lados, uma cadeia de
ferro, ou algo que tenha a força de um tirante, e recomendamos que a sua
extensão não seja mais curta do que é preciso para completar o tamanho da
volta que falta no arco abatido 635 . Coisas que os arquitectos da antiguidade
em toda a parte tiveram o cuidado de fazer, integrando sempre os arcos nos
lados dos muros. Mais ainda, seguiram notavelmente a prática de assentarem
um arco abatido, sempre que surgiu a oportunidade, em traves rectilíneas, e
também de sobreporem, aos arcos abatidos, arcos de volta perfeita que ali-
viassem os arcos abatidos postos debaixo deles e interceptassem os inconve-
nientes das cargas 636 • Entre os antigos não se vêem arcos apontados. Há
quem julgue que se devem colocar arcos destes sobre as aberturas das tor-
res, para que, qual proa lançada em frente , desviem as excessivas cargas
sobrepostas; embora os arcos apontados sejam reforçados, mais do que
esmagados, por esse tipo de pesos.
Eu gostaria que as aduelas com que se constroem os arcos fossem,
quanto possível, de pedra aparelhada de grandes dimensões. Com efeito, em
qualquer corpo, a parte que lhe foi agregada e unida pela natureza é mais
indissolúvel do que aquela que lhe foi unida e ligada pela mão e arte do
homem. Devem ainda ser iguais entre si, de tal modo que, como na balança,
as partes da direita correspondam às da esquerda, na forma, tamanho, peso e
outros aspectos idênticos. Se construíres vários arcos, para formar pórticos
por meio de aberturas ligadas entre si a partir das colunas e dos capitéis, faz
com que as aduelas, de onde os arcos arrancam dois a dois ou vários juntos,
não sejam duas pedras, ou tantas quantos os arcos, cortadas separadamente,
mas uma única e a mesma pedra, inteira, na qual estejam contidos os sai-
méis de cada um dos arcos. Por um lado, se as aduelas seguintes, que se
elevam sobre as primeiras, forem de pedra de grandes dimensões, deves
fazer com que ambas se liguem uma à outra por uma linha recta, juntando
os respectivos dorsos. A terceira pedra, que irá cobrir as segundas, será ajus-
tada com o nível, segundo as leis dos muros, em ligação simétrica, de modo
a servir a ambos os arcos e a agarrar as aduelas de ambos com a sua liga-
ção. ·Em cada arco no seu todo, deves fazer com que a ligação e conexões
das juntas se orientem para o seu centro. Os bons arquitectos empregaram

635
Para uma resenha sobre a introdução de tirantes de ferro nas estruturas em arco da
arquitectura do Renascimento italiano, vejam-se os exemplos citados in Bracciali - Succi
(2006, p. 70) sobre o restauro do Palácio Ruccellai em Florença.
636
Estes arcos também são conhecidos por arcos de descarga ou de ressalva.

265
Livro Terceiro

na chave do arco sempre uma pedra única, inteira, e de grande dimensão;


mas se a largura do muro for tão grande que não permita que se utilizem
aduelas assim inteiras, este deixa de ser um arco para começar a ser uma
abóbada de berço.

CAPÍTULO XIV

Há, de facto, vários tipos de abóbadas. Devemos procurar saber em que


se distinguem umas das outras e por que linhas são formadas. Terei de for-
jar nomes para ser fácil e o mais claro possível, como é minha intenção
esforçar-me por sê-lo ao máximo nestes livros 637 . E não me esqueço de que
o poeta Énio usou a expressão "as imensas abóbadas do céu" 638 , e que Sér-
vio disse que as cavernas são aquelas que são feitas em forma de fundo de
um barco 639 • Mas peço vénia para que nestes livros se considere que foi dito
em latim aceitável aquilo que, relativamente ao objecto, for entendido não
só com propriedade, mas também com clareza 640 •
Há os seguintes géneros de abóbadas 641 : a de berço, a de ângulo 642 e a
esférica regular 643 , e outras que são partes destas. De entre elas, só a esfé-

637
A inteligibilidade textual do tratado é, para Alberti (Livro VI, cap. I), um requisito fun-
damental que o leva tanto a criticar Vitrúvio, como a propor uma nova terminologia da
arte edificatória em latim, já advogada na obra de Lucrécio (1, 136-39) no domínio da
filosofia, quando este se pronuncia sobre a dificuldade em traduzir versos do grego para
o latim e sugere, igualmente, a criação de novas palavras: "Sinto que é difícil ilustrar,
em versos latinos, os achados abstractos do pensamento grego, principalmente porque
isto exige palavras novas, dada a pobreza da língua e a novidade dos assuntos a tratar"
(cf. trad. esp. de F. S. Gavilán, 2003).
638
Énio, segundo Var., L. , V, 19.
639
Serv., A., II, v. 19.
640
Este é o único esclarecimento de Alberti, ao longo do tratado, que admite alguma difi-
culdade em expressar o seu pensamento.
64 1
Dos tipos de abóbadas mencionadas por Alberti encontramos a de berço na nave central
do templo Malatestiano em Rimini, bem como na nave, nos braços e nos altares laterais
da igreja de Santo André em Mântua. Pode-se conjecturar que a abóbada esférica esta-
ria prevista para a cabeceira inacabada do templo Malatestiano, assim como para o pri-
meiro projecto para a igreja de São Sebastião em Mântua e, ainda, para o coro da San-
tissima Anunziata, em Florença.
642
O cruzamento de duas abóbadas de berço, cujas intersecções definem, no intradorso,
ângulos côncavos ou convexos geram, respectivamente, uma abóbada de ângulo (tam-
bém conhecida por barrete de clérigo) ou de arestas.
643
Também conhecida por cúpula.

266
A Construção

rica regular, dada a sua natureza, se coloca sobre muros que se elevam a
partir de uma área circular. A de ângulo, por seu lado, destina-se às áreas
quadradas. As de berço cobrem áreas quadrangulares, sejam elas curtas ou
compridas, como vemos nos criptopórticos 644 • A abóbada que é construída à
semelhança de um túnel num monte será aqui chamada abóbada de berço.
Será como se a um arco juntasses uma série de arcos, ou como se tomasses
a largura de uma trave curva e a estendesses e prolongasses muito no
mesmo plano; com isso conseguiremos que uma espécie de muro curvo
paire como cobertura sobre as nossas cabeças. Se, porém, esta abóbada de
berço, prolongada, suponhamos, no sentido norte sul, for cortada em todas
as suas linhas por uma outra, perpendicular a ela, que avança de oriente para
ocidente, ambas formarão uma abóbada a que, pela semelhança com os cor-
nos inflectidos para dentro, orientados para os cantos, chamaremos de
ângulo 645 • Mas se vários arcos, iguais entre si, se intersectarem mutuamente
no mesmo ponto, no cimo e ao centro, formarão uma abóbada semelhante
ao céu: assim, a partir daí pareceu-nos bem chamar-lhe esférica.
As abóbadas que são formadas por algumas partes destas, são as que se
seguem. Se a natureza dividir o hemisfério celeste em duas partes segundo
uma secção perpendicular e rectilínea, de oriente para ocidente, proporcio-
nará duas abóbadas gémeas, que servem de cobertura a dois vãos semicircu-
lares. Se, porém, por idêntico processo, a natureza delimitar e seccionar o
hemisfério celeste do ângulo oriental ao ângulo meridional, e deste ângulo
ao ângulo ocidental, e deste ao ângulo setentrional, e deste ao primeiro
ângulo oriental, deixará no meio uma abóbada a que nós chamaremos
"vela", pela semelhança que tem com uma vela enfunada 646 • Por seu lado,
aquela para cuja construção concorrem várias partes de uma abóbada de

644
Já Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, I 06) ao referir-se à cloaca maxima, o principal esgoto
de Roma, chama a atenção para a resistência estrutural da sua cobertura em abóbada de
berço, provavelmente construída no séc. II a. C., que se manteve integra, apesar de ter
estado sujeita a cheias, a incêndios e a terramotos.
645
Os termos latinos fornix, camura e recta spherica, são utilizados por Alberti para desig-
nar os diferentes tipos de abóbadas. Vitrúvio (VI, 8, 4) refere-se a fornix no sentido de
arco de descarga e Alberti generaliza-o para abóbada de berço; também Virgílio (G., III,
55) se reporta a camura cornua, no sentido de cornos virados para dentro, e Alberti faz
derivar o termo camura do adjectivo camur (dobrado, arqueado ou em ângulo virado
para dentro) , o que significa que alude a uma abóbada de ângulo ou de barrete de
clérigo.
646 A abóbada de vela resulta de uma abóbada semiesférica intersectada por quatro planos
verticais que a inscrevem numa planta em forma de quadrado, lembrando uma vela
enfunada.

267
Livro Terceiro

berço, tal como vemos naquelas que cobrem áreas de seis ou oito ângulos, a
essa chamaremos esférica de aresta 647 •
Na construção das abóbadas, seguir-se-á a mesma técnica que foi usada
nos muros. Dos ossos dos muros, elevar-se-ão ossos inteiros até ao fecho da
. abóbada, e serão construídos e dispostos aqui do mesmo modo que no muro,
mantendo entre si uma distância determinada. Estender-se-ão, todavia, liga-
mentos entre os ossos, e os complementos intermédios serão preenchidos
com enchimento. Mas há diferenças na sua construção: no muro as pedras e
cada uma das fiadas são unidas e compostas entre si com a régua direita, o
esquadro e o nível, ao passo que na abóbada as fiadas e todas as juntas da
pedra são dirigidas, com uma régua curva, para o centro do seu arco. Os
antigos quase em lado nenhum utilizaram ossos que não fossem de tijolo
cozido, e este mesmo, na maior parte dos casos, com dois pés de tamanho;
e recomendam que acabes os complementos das abóbadas com pedra levís-
sima, para que os muros não acabem por ser danificados por um peso exces-
sivo. No entanto, tenho verificado que alguns tinham por costume não fazer
sempre os ossos muito sólidos, mas inseriam espaçadamente tijolos coloca-
dos de lado, ligando entre si as extremidades em forma de pente, como se
alguém entrelaçasse as pontas dos dedos da mão direita com as pontas dos
da mão esquerda. E tinham por hábito encher os espaços intermédios com
entulho de pedra e cal, e particularmente com pedra-pomes, que todos con-
fessam ser entre todas a pedra mais apropriada ao enchimento das abóbadas.
Para construir os arcos e as abóbadas é necessária uma armação. Esta
consiste num esqueleto rude e provisório, definido por uma superficie curvi-
línea que se cobre de ramos entrelaçados ou de canas, ou de outros mate-
riais sem valor, à maneira de couro ou de pele, para sustentar o enchimento
na abóbada, até ficar dura. Há, no entanto, entre as abóbadas, uma, a esfé-
rica perfeita, que não necessita de armação, uma vez que consta não só de
arcos, mas também de anéis. E quem poderá referir ou imaginar o número
incalculável de arcos e anéis, unidos e ligados reciprocamente, interseccio-
nando-se em ângulos iguais e desiguais, de tal modo que, em qualquer ponto
da abóbada em que inserires uma pedra, te apercebes de que acabas de colo-
car uma peça comum a vários arcos e anéis? E imagina por onde há-de

647
Na arquitectura florentina do Quattrocentto, este tipo de abóbada, utilizada por Brunel-
leschi na sacristia velha da igreja de São Lourenço e na capela Pazzi, era designada por
a creste e vele (em sulcos e velas), ou a ombrello (em guarda-chuva), por os ângulos de
encontro dos seus panos serem reforçados com nervuras (cf. Portoghesi, 1966, p. 242,
n. 2).

268
A Construção

começar quem, depois de ter colocado anel sobre anel e lançado um arco
para outro arco, quiser desmanchar essa obra, sobretudo estando todas as
peças orientadas para um único centro com iguais forças e tenacidade 648 .
Vários dos antigos abusaram de tal maneira da solidez deste tipo de abóbada
que assentaram apenas em alguns pés simples anéis de barro cozido, e com-
pletaram o resto da abóbada com um enchimento desordenado, despejando
caliça e pedra. Mas eu aprovo muito mais aqueles que, durante a construção,
procuraram que nas abóbadas os anéis inferiores se unissem aos superiores
mais próximos e os arcos também se unissem entre si em pontos bastantes
numerosos, com a mesma técnica com que ligaram as pedras ao muro 649 ,
sobretudo se não abundar a areia de mina, ou se a obra esfiver exposta às
rajadas do mar e do Austro 650 •
Também poderás levantar, sem nenhuma espécie de armação, uma abó-
bada de ângulo esférica, contanto que por dentro da sua espessura insiras
uma abóbada esférica regular. Mas aí é absolutamente necessária uma liga-
ção que permita fixar, com toda a firmeza, as partes mais frágeis da primeira
nas partes mais resistentes da segunda. Todavia, é importante que, lançados
já e endurecidos um ou vários anéis, a eles se prendam correias leves e
grampos, aos quais possas confiar uma armação suficiente para sustentar os
anéis que são construídos por cima a alguns pés de altura, até que acabem
de secar; e, em seguida, quando estas partes tiverem também endurecido,
convém deslocar estes suportes da armação para o mesmo número de filas a
fim de concluíres a parte superior, e até dares a obra por concluída.
A abóbada de ângulo, e igualmente a de berço, é preciso que sejam
construídas sobre armações. Mas eu gostaria que se confiassem as primeiras
fiadas e os arranques dos arcos a suportes muito sólidos 651 • Não me agradam
aqueles que primeiro erguem o muro todo, deixando apenas os suportes das
mísulas, as quais possam depois confiar a abóbada: obra pouco sólida e ins-
tável. Por isso, se me derem ouvidos, estes arcos serão construídos ao
mesmo tempo e a par das mesmas fiadas do muro em que se integram, a

648
A técnica do aparelho em espinha de peixe, utilizada por Brunelleschi na cúpula da cate-
dral de Florença, em Santa Maria de! Fiare, e difundida na Toscana durante o Quattro-
cento, identifica-se com a descrição de Alberti para a construção da abóbada esférica.
649
Ver Livro III, cap. 11.
650
O autor refere-se ao método construtivo que consiste em inserir as nervuras na espessura
dos panos da abóbada.
651
Na arquitectura romana a descarga das pressões nas abóbadas de aresta era realizada
sobre colunas de suporte, formadas por blocos de pedra de grandes dimensões, para res-
ponder às solicitações estruturais, como ocorre, por exemplo, na Basílica de Maxêncio.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 246, n. 1.

269
Livro Terceiro

fim de que essa construção se una por múltiplas ligações e as mais sólidas
que é possível ser. Quanto aos espaços vazios deixados entre o arranque dos
arcos das abóbadas e o muro em que se integram, aos quais os operários
dão o nome de rins 652 , devem ser enchidos não de terra ou de escombros
desfeitos e secos 653 , mas antes de um aparelho ordinário e sólido, e ligado
uma e outra vez ao muro. Também satisfazem os que, para aliviar o peso,
introduzem na espessura dos rins vasilhas de água, de barro, vazias, racha-
das e colocadas de boca para baixo, para evitar que aumentem de peso com
a humidade nelas recolhida, e que em cima despejaram uma massa de pedra
com o mínimo de peso, mas ao mesmo tempo tenaz.
Finalmente, por toda a abóbada, seja de que tipo for, imitaremos a natu-
reza, que não só juntou os ossos uns aos outros, como também entreteceu as
próprias carnes com os nervos, intercalados em ligação por todas as direc-
ções, ao comprido, ao largo, ao alto e em oblíquo. Sou de opinião que deve-
mos imitar este artificio da natureza para inserir as pedras nas abóbadas 654 .
Concluída esta fase do trabalho, a próxima é fazer a cobertura: tarefa
tão necessária quanto difícil; para a executar e levar a cabo, nela colabora-
ram, uma e outra vez, o empenho e a diligência de todos. É disso que
vamos falar. Mas antes importa mencionar um aspecto que se prende direc-
tamente com a construção das abóbadas. É que há diferenças na maneira de
acabar as abóbadas. De facto, o arco ou a abóbada que devem ser feitos
com uma armação colocada por baixo deles, é preciso que sejam construídos
com rapidez e sem interromper o trabalho; mas uma abóbada que se faz sem
armação necessita de interrupções quase em cada fiada, até que os materiais
solidifiquem, não vá suceder que as últimas partes a serem acrescentadas às
anteriores, ainda não suficientemente consolidadas, se desagreguem e des-
moronem. E, além disso, às abóbadas construídas com armação, convém,
logo que forem colocadas as aduelas superiores, afrouxar, por assim dizer,
os suportes em que a armação está apoiada. Isso, para que as aduelas, colo-
cadas há pouco numa obra ainda fresca, não andem a nadar entre as escoras
e a camada de cal, mas ocupem, uma vez equilibrados os seus pesos, uma

652
Parte compreendida entre o extradorso de uma abóbada e as paredes de prolongamento
dos pés-direitos.
653
A designação ruderibus solutis, utilizada por Alberti também pode apresentar o signifi-
cado de betão romano, constituído por uma mistura de areia, brita, gesso cozido e cal
(vide Vitrúvio, II, 8 20; VII, I, 1).
654
O autor reafirma a importância da relação edificio-corpo na arte edificatória, já referida
no Livro III, cap. 12.

270
A Construção

posição ajustada de mútuo apow; de outro modo, as aduelas colocadas em


cima, à medida que vão seçando, não se agregariam cerradamente, como a
obra exige, mas, pousadas umas nas outras, abririam fendas. Por conse-
guinte, faça-se assim: não se retirem inteiramente as armações, mas afrou-
xem-se lentamente dia a dia, para que daí não se siga uma obra imperfeita,
se forem tiradas intempestivamente; alguns dias depois, conforme a dimen-
são da obra, afrouxa ainda mais um bocado; e procede assim seguidamente,
até que, por toda a abóbada, as aduelas de pedra se ajustem entre si e o tra-
balho solidifique. É este o modo de afrouxar a armação: quando a assenta-
res em pilares, ou onde for conveniente, em primeiro lugar colocas, por
baixo das suas extremidades, cunhas de madeira aguçadas à semelhança de
um machado de dois gumes; quando, pois, quiseres afrouxar, com um mar-
telo afastarás essas cunhas pouco a pouco, quanto pretenderes, sem perigo.
Finalmente, determino que a armação não seja retirada antes de ter
suportado um Inverno. Isso, entre outros motivos, principalmente para que a
obra, enfraquecida e desconjuntada pela humidade das chuvas, não venha a
desmoronar; embora nada seja mais vantajoso para as abóbadas do que
absorver água em abundância e em ponto nenhum estarem secas. Basta o
que foi dito sobre este assunto.

CAPÍTULO XV

Volto ao revestimento da cobertura. Pois, se está certa a minha interpre-


tação, não há função mais antiga num edificio todo do que ser um abrigo,
onde alguém se possa acolher quando foge do sol escaldante e das tempes-
tades que desabem do céu. Não é o muro que te concede esse beneficio per-
pétuo, nem a área, nem qualquer outra de todas as partes, mas apenas, em
primeiro lugar, tanto quanto se pode observar, o revestimento externo da
cobertura, que a diligência e as técnicas do ser humano, tendo experimen-
tado toda a espécie de coisas, ainda não descobriram como tomar resistente
e firme, contra todas as injúrias do tempo, conforme a necessidade exige.
Nem acredito que possa descobrir-se facilmente: de facto, visto que não
só a chuva, mas também as geadas e o calor, e ainda os ventos, os mais
nocivos de todos os elementos, não cessam de causar estragos em toda a
parte, quem poderá, em qualquer lugar que seja, oferecer resistência durante
mais tempo a inimigos tão persistentes e aguerridos? Daí resulta que umas
coberturas se deterioram rapidamente, outras desconjuntam-se, outras fazem

271
Livro Terceiro

ruir os muros, outras abrem rachas e desabam, outras são arrancadas; de


tal modo que nem sequer o metal, que em outros lugares não se deixa
vencer pelos ataques das intempéries, aqui não consegue resistir a tantos
assaltos.
No entanto, os homens, segundo a natureza de cada lugar, não despre-
zando a abundância de materiais que tenham à mão, providenciaram, na
medida do possível, às suas necessidades. Por isso, nasceram vários proces-
sos de cobrir os edificios. Segundo Vitrúvio, os habitantes de Pirgo 655 faziam
a cobertura com canas e, em Marselha, amassando terra com palha. Segundo
Plínio, os Telófagos, vizinhos dos Garamantes, cobrem a superficie das abó-
badas com escamas 656 • Grande parte da Germânia serve-se de tábuas. Na
província da Bélgica, cortam, mais facilmente do que a madeira, uma pedra
branca em placas finas que utilizam em vez de telhas. Os habitantes da
Ligúria e da Toscana usam, para cobrir os edificios, lajes arrancadas de uma
pedra escamosa 657 • Outros experimentaram usar pavimentos de que falarei a
seguir 658 •
Finalmente, depois de experimentar todas estas soluções, o engenho e a
arte dos mortais ainda não inventaram nenhuma mais vantajosa do que a
telha de barro. Com efeito, o pavimento da cobertura, sob a acção das gea-
das, enruga, abre fendas e abate; o chumbo derrete ao calor do sol; o
bronze, se é pesado, a sua colocação fica cara; se fino, é arrancado pelo
vento, e com o verdete adelgaça, rompe-se. Dizem que a telha foi inventada
por Cíniras 659 de Chipre, filho de Agríopas 660 •
Há duas espécies de telhas: uma, plana, tem um pé de largo, um côvado
de comprido 66 1, com rebordos salientes de ambos os lados, cujo relevo é de
cerca de um nono da sua largura; outra abaulada, como as grevas que pro-

655
O autor refere-se a Pyrges, presumivelmente o porto principal da cidade etrusca de
Ceres, hoje conhecido como Santa Severa. Vitrúvio (II, 1,5), no entanto, refere-se aos
Phryges (Frígios), habitantes da parte centro-este da Anatólia, na Ásia Menor.
656
De acordo com Plínio-o-Antigo (Nat., VI, 109) é aos Telófagos, habitantes da região da
Carmânia situada no golfo Pérsico, e não à região vizinha dos Garamantes (entre o
Egipto e a Líbia), que é atribuída a prática de revestir as coberturas com cascas de tar-
tarugas.
657
Placas de ardósia.
658
Ver Livro lll, cap. 16.
659
Cíniras é o rei de Chipre, referido na Ilíada por Homero (XI, 20-21 ), que ofereceu a
Agaménon uma couraça de combate como presente pela sua hospitalidade.
660
Ver Plin., Nat., VII, 195.
661
Equivalentes, respectivamente, a 29,6 cm por 44,32 cm.

272
A Construção

tegem as pernas; ambas são mais largas onde apanham o fluxo da água,
mais estreitas por onde o expelem 662 . Mas as telhas planas são mais conve-
nientes, contanto que se unam com a ajuda da régua e do nível, para que
não se inclinem de lado, nem haja entre elas reentrâncias nem ressaltos, que
nada se atravesse que impeça a água de correr, que nenhum espaço fique
vazio entre elas. Se a superficie da cobertura for ampla, requerem-se telhas
maiores, para que os fluxos da água das chuvas não transbordem das calei-
ras, incapazes de os conter. Para que as rajadas dos ventos não levem as
telhas, gostaria que todas fossem consolidadas com massa de cal, sobretudo
nos edificios públicos; pois, nos privados, é suficiente se consolidares as
telhas do beiral contra o ímpeto dos ventos; e estando soltas, mais facil-
mente se reparam, quando ocorre algum estrago.
Há outra forma de fazer convenientemente a cobertura pelo seguinte
processo. Nas coberturas de madeira, em lugar de tábuas, estender-se-ão,
sobre os barrotes longitudinais, pequenas placas de barro, fixadas com gesso;
sobre estas placas, dispõem-se as telhas planas e consolidam-se com arga-
massa: essa obra é a mais segura contra os incêndios e muito cómoda para
o quotidiano dos moradores. E far-se-á com menor despesa se, em vez de
placas de barro, colocares uma camada de cana grega e a consolidares
com cal.
A telha que consolidares com cal, particularmente nas obras públicas,
gostaria eu que não a utilizasses senão depois de ter estado sujeita à geada
e ao sol durante dois anos. Porque, se for colocada telha fraca, não será reti-
rada sem desperdício de trabalho.
Vem a propósito referir aquela invenção, nova e de modo algum inútil,
feita para os célebres jardins suspensos da Síria, que lemos no historiador
Diodoro 663 . Consistiu ela em terem colocado nas traves canas untadas de
asfalto; a estas ajustaram tijolos cozidos em duas camadas, ligados por
gesso; em terceiro lugar juntaram telhas de chumbo, de tal modo fundidas e
soldadas, que nenhuma humidade pudesse penetrar até à primeira camada de
tijolos.

662 O autor refere-se às telhas romanas compostas por uma curva, o ímbrice, e outra plana,
a tégula, funcionando a primeira como capa e a segunda como canal.
663
Referência aos jardins suspensos da Babilónia. Cf. Diod. Sic. , II, 10.

273
Livro Terceiro

CAPÍTULO XVI

Vou agora tratar dos pavimentos, porque partlctpam da natureza das


coberturas. Uns estão a céu aberto, uns são de travejamento, outros não são
de travejamento. A superficie onde venham a ser colocados convém que
seja, em ambos os casos, sólida e definida com precisão nas suas linhas.
A superficie a céu aberto terá uma inclinação tal que, por cada dez pés,
sofrerá um desnível não inferior a dois dedos. E permitirá que a água
escorra, sendo recolhida em cisternas ou desviada para os esgotos. Se não
for possível fazê-la escorrer de novo, dos esgotos para o mar ou para os
rios, escava poços em lugares adequados, até começar a nascer água e enche
a fossa de seixos; se isso não for possível, faz covas espaçosas - dizem - e
atira para dentro delas carvão, e depois enche-as de areão: estas absorverão
e farão desaparecer o excesso de líquido.
Mas se o solo da área for um aterro, será cuidadosamente aplanado e
coberto de caliça com pedras secas 664 • Se, porém, a superficie for travejada
por baixo 665, fixe-se então outro forro transversal, que será reforçado, e em
cima deite-se uma camada de caliça com a espessura de um pé. Debaixo da
caliça, há quem pense que se deve colocar uma camada de esparto ou de
fetos, para que a madeira não seja danificada pelo contacto da cal. Se a
caliça for recente, misture-se em três partes uma de cal: mas se são escom-
bros velhos, serão em cinco partes duas de cal. Uma vez misturados, engros-
sem-se triturando-os com muita frequência com a ajuda de um barrote.
A isto acrescentar-se-á uma massa de cacos moídos com a espessura de
seis dedos, que por cada três partes tenha de mistura uma parte de cal. Por
último, insiram-se, com a ajuda de um cordel e de uma régua, ladrilhos ou
tijolos em espiga ou pedras de mosaico. A obra será mais segura se, entre a
caliça e a massa, se inserirem telhas ligadas por cal dissolvida em azeite.
O pavimento interior, que é muito recomendado por estar isento de
humidade, manda Varrão que assim se faça 666 • Escava o solo à fundura de
dois pés, aplana-o e deita-lhe em cima caliça ou uma camada de cacos de
barro; deixa-lhe orificios de drenagem, de onde, pelos seus canats, possa

664
Trata-se do leito das fundações , constituído por pedras arrumadas à mão e sem arga-
massa, de forma a isolar o piso térreo pela quase total ausência de capilaridade super-
ficial.
665
Como sucede com as coberturas em terraço.
666
Os autores que fazem esta recomendação são Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 188) e
Vitrúvio (VII, 4, 5).

274
A Construção

escorrer a humidade; junta-lhe um amontoado de carvão, e, depois de este


ser pisado e muito engrossado, acrescenta massa feita de areão, cal e cinza,
com a altura de meio pé.
O que até aqui expusemos deriva da leitura de Plínio 667 , e principal-
mente de Vitrúvio 668 • Agora vou referir o que acerca dos pavimentos recolhi,
com muito empenho e diligência, da observação dos edificios da antigui-
dade; confesso que aprendi muito mais com os edificios do que com os
escritores 669 .
Começarei, pois, pelo revestimento da cobertura, embora seja dificílimo
encontrá-la em bom estado de conservação e sem fendas. Com efeito,
estando ela impregnada de humidade e molhada, sucede que é secada
à superficie pelo vento e pelo sol; daí se segue que, como vemos no lodo
residual dos aluviões, a sua pele se contrai e abre fissuras irreparáveis. De
facto, as partes que secarem nunca mais voltam a unir-se, seja por que meio
for; por seu lado, as partes húmidas cedem às que se contraem e seguem-
-nas.
Verifico que os antigos utilizaram de preferência ou o revestimento de
tijolo ou o de pedra. Na verdade, vi telhas, postas sobretudo onde não estão
sujeitas à pressão dos pés, com um côvado de lado, unidas com cal diluída
em azeite. E vêem-se com frequência tijolos pequenos, com um dedo de
espessura e dois de largura 670 , com o dobro de comprimento, dispostos de
lado a imitar espigas 671 . É fácil ver a cada passo revestimentos de pedra, fei-
tos de placas de mármore de grandes dimensões e também cortadas em
tamanho reduzido, e de tesselas. Além disso, podem observar-se antigos
revestimentos só de argamassa que se faz juntando cal, areia e cacos miúdos
esmigalhados, na proporção de um terço, tanto quanto me foi dado conjec-
tuiar. Estou certo de que estes revestimentos serão mais sólidos e estáveis,
se lhe juntares uma quarta parte de pedra de Tíbur triturada.

667
Plin. , Nat., XXXVI, 184-9.
668
Vitrúvio, VII, 1 e 2.
669
O entendimento de que a experiência em obra tem precedência sobre a leitura dos
manuais e dos textos, incluindo os resultantes da autoridade de Vitrúvio e de outros
autores, é uns dos legados da modernidade de Alberti, corroborada pelo desfasamento
temporal retardado dos dois primeiros agrupamentos de edições do tratado, quando
comparados, nas transições do Renascimento e do Barroco, com as densidades de arqui-
tectos activos pela população. Cf. as Figs. 4 e 6, inseridas nesta edição na Introdução
-A Recepção da Arte Edificatória .
670
Equivalentes a, respectivamente, I ,85 cm e a 3,7 cm.
671
O autor refere-se ao opus spicatum, i.e. ao aparelho espinhado, citado por Vitrúvio (VII,
1, 4 e 7) para descrever o revestimento dos pavimentos e o isolamento dos terraços.

275
Livro Terceiro

Há quem recomende vivamente para esta aplicação o pó de Putéolos, a


que dão o nome de "lapilo" 672 • Pode-se igualmente fazer a experiência de
que os revestimentos feitos só de argamassa adquirem espessura e dureza, ao
serem batidos com frequência todos os dias, a tal ponto que superam a pró-
pria pedra. E consta que aos revestimentos deste género se confere uma
espécie de dureza vítrea e imune às intempéries, se forem aspergidos com
água de cal e untados com óleo de linho. Garantem que a cal amassada com
azeite repele tudo o que é nocivo aos revestimentos.
Sob o revestimento verifiquei que havia uma argamassa de cal e de
pedacinhos de barro partido com a espessura de dois ou três dedos. Debaixo
desta encontra-se uma espécie de enchimento, em parte de barro partido, em
parte dos pedacitos de pedra que os operários fizeram saltar com o cinzel.
Este enchimento tem cerca de um pé de espessura: noutros lugares, entre
este e a camada superior, tenho encontrado uma camada de tijolos cozidos.
Finalmente, por baixo de tudo, assentam pedras não maiores que punhos.
É possível ver, nas torrentes, secarem logo ao sair da água certas pedras,
como os seixos duros e luzidios, que são chamadas "pedras-machos"; ao
passo que o barro cozido, o tufo e outros materiais do mesmo género, con-
servam durante muito tempo a humidade absorvida. Daí haver quem garanta
que a humidade da terra não consegue atingir os revestimentos, sempre que
o pavimento repouse sobre este tipo de pedra. Temos também visto arqui-
tectos que colocaram sobre pequenos pilares de pé e meio, distribuídos pelo
solo de dois em dois pés em filas alinhadas em quadrado, telhas de barro,
sobre as quais assentaram o pavimento que referimos 673 • Mas este género de
pavimento convém particularmente aos banhos, de que em seu lugar tratare-
mos 674.
Os pavimentos, enquanto estão a ser construídos, gostam de água e de
ar húmido, e conservam-se mais sólidos e intactos em ambiente sombrio e
com humidade. E para os pavimentos são particularmente nocivas a instabi-
lidade do solo e a secagem repentina. Na verdade, assim como a terra nos
campos de lavoura se toma compacta com as chuvas repetidas, assim tam-
bém os pavimentos abundantemente humedecidos se soldam, numa solidez
una e mactça.
No lugar do pavimento onde bate a chuva que cai das goteiras do
telhado, deve-se colocar um revestimento de pedra, extremamente maciça e

672
Ver Livro II, cap. 9.
673
Ver Vitrúvio, VII, 4, 2.
674
Livro VIII, cap. 10.

276
A Construção

muito rija, para que não seja esburacada e danificada pela, por assim dizer,
perversidade contínua do ataque dos salpicas.
Deve-se procurar que os ossos, em que se apoia o pavimento feito de
madeira e de travejamento, sejam fortes e de igual resistência entre si; se tal
não se verificar, por exemplo, se em algum ponto servir de suporte o muro
ou uma trave muito mais forte que as restantes, nesse ponto o pavimento
abrirá fendas e ficará danificado. Efectivamente, dado que a madeira nem
sempre se comporta com a mesma firmeza e o mesmo vigor, mas varia ao
sabor das variações do tempo - amolece com a humidade, com a seca
retoma à sua rigidez e adquire solidez - por esse motivo, nas partes mais
frágeis, sofrendo e cedendo sob o peso das cargas, não admira que venha a
rachar. Sobre esta matéria baste o que até aqui foi dito.
Mas não gostaria de passar adiante de um aspecto q1:1e vem muito a
propósito. É ele o seguinte: para escavar as fundações, par~ as encher, para
levantar os muros, para colocar as abóbadas, para aplicar os revestimentos,
requerem-se tempos, estações e condições diferentes. Com efeito, as funda-
ções escavam-se com toda a vantagem durante a canícula e o Outono, não
impedindo a terra, nem muito seca nem com excesso de água, a escavação
dos alicerces. Fazem-se os enchimentos, também sem nenhuma desvanta-
gem, no princípio da Primavera, principalmente quando são mais profundos:
pois estarão mais protegidos dos ardores estivais pela terra que os rodeia e
envolve. Mas com muito maior vantagem será feito o enchimento no princí-
pio do Inverno, desde que essa região não fique no pólo ou coisa parecida,
de tal modo que a argamassa congela em vez de consolidar. De igual modo,
o muro abomina tanto os calores excessivos, como os frios rigorosas e as
súbitas geadas e, mais que tudo, os ventos de norte. E, mais que todas as
outras partes, a abóbada quer condições atmosféricas constantes e tempera-
das, até a obra consolidar e endurecer. O momento verdadeiramente ade-
quado para a construção dos revestimentos é quando nascem as Plêiades 675
e, finalmente, por esses dias em que os Austros sopram fortemente e trazem
chuva porque, se estiver mal humedecida a superficie que vai ser rebocada
com um revestimento ou com uma caiadura, os materiais não fazem preza,
e em vez disso em vários sítios escorrem, desprendem-se e caem; e .a obra
fica desfeada com enrugamentos por todo o lado. Mas do revestimento e da
caiadura falar-se-á mais copiosamente em lugar próprio 676 •

675
O nascer helíaco das Plêiades ocorre por volta dos idos de Maio.
676
Ver Livro VI caps. 9-11 .

277
Livro Terceiro

Agora, concluídas as generalidades das matérias que deviam ser trata-


das, passemos mais especificamente à consideração de outros aspectos. Em
primeiro lugar ocupar-nos-emos das espécies de edifícios e sua variedade, e
do que têm de específico; a seguir, do ornamento dos edificios; finalmente,
da correcção e reparação dos seus defeitos, que foram provocados por erro
do construtor ou pela injúria dos tempos.

278
LEON BATTISTA ALBERTI
COMEÇA O LIVRO Q!/ARTO: EDIFÍCIOS PARA FINS
UNIVERSAIS

CAPÍTULO I

alta à vista que os edifícios foram instituídos para beneficio da huma-

S nidade. De facto, a princípio, se está certa a nossa interpretação, os


homens começaram a construir a fim de se protegerem das intempéries
a si e aos seus bens 677 • Depois, continuaram a querer o que é necessário à
conservação da vida, mas também o que pudesse contribuir para assegurar
todas as comodidades acessíveis e que em parte nenhuma esses objectivos
fossem negligenciados. Seguidamente, encorajados e seduzidos pelas vanta-
gens conseguidas, acabaram por conceber e pôr em prática, cada vez mais,
o que pudesse relacionar-se com a satisfação dos seus prazeres; de tal modo
que talvez não ande longe da verdade quem disser que os edifícios hão-de
ser concebidos, uns para as necessidades da vida, outros para as comodida-
des de ordem prática, outros para os lazeres próprios de certos períodos 678 •
Mas, quando à nossa volta observamos a abundância e variedade de
edifícios, facilmente entendemos que nem todos se destinam a estes usos,
nem foram construídos por causa de uns ou de outros em particular, mas
foram feitos, antes de mais, em função da diversidade do ser humano, a fim
de dispormos de construções múltiplas e variadas 679 • Se, porém, quisermos,
tal como planeámos, caracterizar adequadamente os géneros e subgéneros de
edifícios, todo o nosso método de análise deve tomar fundamento e princí-

677
Esta interpretação contrapõe-se à de Vitrúvio (II, 1, 1-7) que sugere que as origens míti-
cas da arquitectura se fundamentam na concepção da cabana primitiva associada à des-
coberta do fogo , à vida em sociedade e à invenção da linguagem.
678
Ver Livro I, caps. 2 e 9.
679
Quint., Inst., XII, 10, 44.

279
Livro Quarto

pio na consideração rigorosa das diferenças que distinguem entre si os


homens, que são a finalidade das construções e a razão da sua diversidade,
derivada do uso, a fim de que, a partir dessa base, sejam identificados com
clareza todas as espécies de edificios e tratadas discriminadamente uma por
uma68o.
Por tal motivo, recordemos o que, acerca da classificação das comuni-
dades humanas, pensaram homens de grande experiência como os funda-
dores dos estados e das leis, os quais se debruçaram com zelo, empenho e
diligência na pesquisa e análise destas questões, obtendo, pelas suas desco-
bertas, o mais alto louvor e admiração.
Teseu - diz Plutarco - dividiu o estado em aqueles que estabeleciam e
interpretavam as leis divinas e humanas, e aqueles que exerciam um ofi-
cio 681 . Sólon dividiu os seus concidadãos em ordens, em função e medida
do rendimento tributável e dos seus bens: a ponto de quase não considerar
dignos de serem contados no número dos cidadãos aqueles que tirassem dos
seus campos uma colheita anual inferior a trezentas medidas de grão 682 . Os
Atenienses consideravam como primeiros os homens dotados de um saber
vivido e experientes, em segundo lugar os lavradores, em último os artífices.
Rómulo separou da plebe os cavaleiros e os patrícios; por sua vez,
Numa fez a divisão da plebe por oficios 683 • Nas Gálias, a plebe era conside-
rada quase como de condição servil; os restantes, a quem eles chamam drui-
das diz César que eram guerreiros ou se dedicavam à sabedoria e à reli-
gião 684 . Entre os Panteus, os primeiros são os sacerdotes, os segundos os
lavradores, os terceiros os soldados, juntamente com os pastores, os de bois
e os de ovelhas 685 . Os Bretões dividiam os seus em quatro castas: os pri-
meiros eram aqueles de entre os quais são eleitos os reis; os segundos, os
sacerdotes; em terceiro lugar estavam os soldados, em último o vulgo. Os
Egípcios concediam os primeiros lugares da hierarquia ao sacerdote; a seguir

680
É a partir das necessidades e da diversidade dos humanos que todas as espécies de edi-
fícios são identificadas e não a partir de tipologias arquitectónicas previamente estabele-
cidas.
681
Plut., Thes., XV, 1-2.
682
Medida de capacidade, aproximadamente equivalente a 52 litros. Cf. Plut., Sol., 18, 1.
683
Plut., Num ., XVII, 1.
684
Caes., Gal., VI, 13.
685
Para Diodoro Sículo (V, 41-46), a terra dos Panteus, a Pancaia, era uma ilha imaginária
situada no oceano Índico, ao largo da costa oriental da península Arábica, onde os deu-
ses eram adorados com magníficos sacrifícios. É citada por Camões (Os Lusíadas, II,
12, 5-6) como uma região onde se produzia incenso de qualidade.

280
Edificios para Fins Universais

colocavam os reis e os governadores; em terceiro punham os guerreiros;


quanto à multidão, distribuíam-na, separadamente, em agricultores, artífices,
mercadores e ainda, como diz Heródoto, em mercenários e marinheiros 686 .
Dizem que Hipódamo dividiu o seu estado em três partes: os artífices, os
agricultores e os guerreiros 687 .
Aristóteles parece não desaprovar aqueles que seleccionaram do meio
da multidão os que eram dignos de ocupar os conselhos, as magistraturas, os
tribunais, deixando o resto da plebe dividida entre agricultores, artífices,
mercadores, mercenários, soldados de cavalaria, de infantaria e a chusma
dos marinheiros 688 • Pelo que diz Diodoro, o historiador, é claro que a orga-
nização do estado na Índia não era muito diferente deste: pois também lá se
nos deparam o sacerdote, o lavrador, o pastor, o artífice, o soldado, os éfo-
ros 689 e os que presidem aos conselhos públicos.
Platão disse, conforme as disposições de espírito daqueles que presidis-
sem aos destinos do estado, assim uns eram pacíficos, amantes da calma e
da tranquilidade, outros fogosos e belicosos. E, tomando por modelo as par-
tes da alma, fez a divisão de todo o conjunto dos cidadãos: a primeira é a
daqueles que com a razão e a prudência exercem toda a governação; a
segunda é a daqueles que pelas armas punem as injustiças; a terceira, a
daqueles que asseguram e fornecem os alimentos de que os governantes e os
militares se alimentam 690 .
Isto é um resumo muito sumário que fiz a partir de numerosos comen-
tários dos Antigos; de tudo isso, parece que ficou claro que considero que as
partes que coligi são, todas elas, partes do estado, e que julgo que a cada
uma delas é devido o seu próprio género de edificio. Mas, para concluir
mais explicitamente todo este assunto, é conveniente acrescentar a seguinte
explicação.
Se alguém pretender dividir a população em partes, porventura a pri-
meira ideia que lhe ocorrerá à mente não será a percepção de que a conta-

686
Hdt., II, 164-168.
687
Arist., Pol., II, 8, 1.
688
Aristóteles (Pol., IV, 3, 11, e VII, 9, 2) ao debater a constituição do estado ideal, define
o que é o bem supremo para a cidade e para o indivíduo, como se refere ao plano geral
das atribuições sociais dos cidadãos.
689
Magistrado, de origem espartana, encarregado da jurisprudência civil e com poderes de
censura e de polícia.
690
PI. , Resp., IX, 580a. A relação cidade, corpo e alma também foi apresentada, no séc. V,
pela oposição entre cidade carnal e cidade espiritual, desenvolvida por Santo Agostinho
na obra A Cidade de Deus.

281
Livro Quarto

gem, no caso de se considerarem em conjunto todos os habitantes de uma


localidade, não deve ser a mesma que no caso de se registarem separados e
discriminados por categorias? Em seguida, observando a própria natureza,
não se aperceberá de que, naquilo que mais os diferencia uns dos outros,
pode captar as características com que possa estabelecer a distinção entre
eles?
Ora, nada há em que um homem qualquer seja mais diferente de outro
homem senão aquela única característica graças à qual ele se distancia, de
muito longe, do género dos animais irracionais: a razão 69 1 e o conhecimento
das artes liberais; acrescenta, se quiseres, a prosperidade da boa sorte. Entre
os homens são poucos aqueles que se evidenciam e salientam em todos estes
dons simultaneamente. Deste critério surge a primeira divisão, que consiste
em seleccionarmos de entre a multidão uns poucos, dos quais uns se elevem
por serem notáveis em sabedoria, conselho e inteligência, outros experimen-
tados na vivência e na prática das coisas, outros famosos pela abundância de
bens e opulência das suas fortunas. Quem se oporá a que as principais fun-
ções do estado lhes sejam confiadas? Será, portanto, a homens notáveis, de
grande prudência, que serão confiados a administração e o governo do
estado. Serão estes que, por meio da religião, hão-de regulamentar as coisas
do âmbito do sagrado e, por meio da lei, definir a medida da justiça e da
equidade, mostrar o modo de viver uma vida honesta e feliz, . vigiar pela
defesa e aumento, cada vez maior, da autoridade e dignidade dos seus cida-
dãos; e, quando pressentirem algo de vantajoso, útil, necessário, e eles pró-
prios, acaso cansados pela idade, preferirem ocupar-se em reflectir sobre os
projectos, mais do que em executá-los, hão-de confiar a homens com expe-
riência das situações e hábeis na acção, a oportunidade de prosseguirem os
bons serviços pela pátria. Por sua vez, estes últimos, assumindo o encargo,
desempenharão as suas funções com sentido do dever, internamente com
empenho e solicitude, externamente com tenacidade e firmeza: ministrarão a
justiça, comandarão o exército e desenvolverão a sua actividade, bem como
o dinamismo e a iniciativa dos cidadãos. Finalmente, quando se aperceberem
de que, não havendo recursos, é em vão que se esforçam por levar a cabo
os empreendimentos, juntem-se a estes, como mais próximos, aqueles
que abundam em riquezas adquiridas na exploração da terra ou no comércio.
De resto, todos os cidadãos, em força e em número, obedecerão aos que

691
Sobre as capacidades inatas dos humanos, bem com sobre a dimensão social da riqueza
na vida da cidade veja-se, nesta edição, a In trodução - As Leituras da Arte Edificatória.

282
Edificios para Fins Universais

ocupam os cargos principais, e estarão ao seu dispor, conforme as circuns-


tâncias o exigirem.
Se estas considerações correspondem ao nosso propósito, então está
claro que há géneros de edifícios que se destinam a toda a comunidade,
outros aos magnates, outros à multidão; e, no que respeita aos magnates, há
edifícios que se destinam àqueles que internamente presidem aos conselhos,
outros àqueles que se ocupam da execução das actividades planeadas, e
outros àqueles que acumulam riquezas.
E já que, como dissemos, uma parte de todos estes edifícios corres-
ponde às necessidades, outra às comodidades, seja-nos lícito, a nós que fize-
mos esta exposição sobre os edifícios, dizer alguma coisa para deleite do
espírito, até porque no prólogo decidimos ir buscar os fundamentos destas
divisões aos princípios da filosofia. Falaremos, pois, dos seguintes aspectos:
quais os edifícios que convêm a todos os cidadãos em geral; quais ao
pequeno número dos mais importantes; quais à multidão da arraia-miúda.
Mas por onde daremos começo a questões tão importantes? Porventura,
assim como os homens prosseguiram dia após dia no esforço de conseguir
esses edifícios, assim também nós abordaremos a questão começando pelos
tugúrios próprios dos indigentes e daí chegaremos a estas construções enor-
mes, que vemos, dos teatros, das termas e dos templos? De facto, é sabido
que os povos da terra viveram durante muito tempo sem a protecção das
muralhas das cidades. E escrevem os historiadores que, no tempo em que
Dionísio viajou pela Índia, não havia nesses povos cidades cercadas de
muralhas 692 ; e Tucídides escreve que outrora a Grécia não estava protegida
por nenhuma espécie de muralha 693 . E, de igual modo, através das Gálias, no
tempo de César, todo o povo dos Burgúndios 694 não vivia reunido em cida-
des, mas juntava-se em aldeias dispersas. E mais ainda: a primeira cidade a
existir de que tenho notícia foi Biblo 695 , ocupada pelos fenícios, a qual foi
cercada por Saturno de um muro construído em redor dos edifícios 696 ;

692
Em Roma e na época clássica, Dioniso, citado como Dionísio, é o deus do vinho, asso-
ciado ao delírio místico. Cf. Arr., Anab., VIII, 7 e Diod. Sic., II, 38, 3.
693
Thuc., I, 2, 2.
694
Os Burgúndios são um dos povos bárbaros que se estabeleceram na Gália no séc. IV
d. C.. O que César (Gal., I, 5) refere, é que existiam, na Gália, cerca de quatrocentas
aldeias dos Helvécios, que se reportam, possivelmente, àquela ocupação dispersa referida
por Alberti. Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 380, n. 14.
695
Antiga cidade marítima fenícia, actualmente conhecida como Gebeil, situada na costa do
Líbano.
96
6 Cf. Euseb., Prep., I, 10.

283
Livro Quarto

embora Pompónio calcule que a cidade de Jope foi fundada ainda antes do
Dilúvio 697 • Segundo Heródoto, os Etíopes, quando ocuparam o Egipto, não
matavam nenhum dos criminosos 698 ; em vez disso, condenavam-nos a juntar
montes de terra junto das aldeias em que habitavam; dizem que daqui surgi-
ram as cidades através do Egipto. Mas sobre esta matéria falaremos em
outro lugar 699 . De momento, embora eu me dê conta de que por natureza,
como dizem, todas as coisas que se formam começam a crescer a partir de
princípios insignificantes, apraz-me, todavia, começar pelos edificios de
maior dignidade.

CAPÍTULO II

Todos têm direito à cidade e a todos os serviços públicos que dela


fazem parte. Se, segundo a opinião dos filósofos, aceitarmos que a ideia e a
razão de ser da cidade é que os seus habitantes levem a vida em paz e,
tanto quanto é possível, sem incómodos e livre de toda a perturbação, então
devemos pensar maduramente no lugar e na posição em que deve ser situada
e no traçado do seu perímetro. Sobre estes aspectos variam as opiniões dos
autores.
César escreve que os Germanos consideravam que era motivo da maior
glória quando ocupavam vastíssimas solidões em territórios devastados em
toda a volta; a razão disso era pensarem que, graça principalmente a essa
condição, evitavam os ataques de surpresa dos inimigos 700 • Os historiadores
opinam que Sesóstris, rei do Egipto, desistiu de mandar o seu exército para
a Europa porque temia a falta de produtos da terra e a dificuldade do ter-
reno 701 • Os Assírios nunca foram submetidos por um rei estrangeiro porque
estavam protegidos por lugares desabitados e sem água. De igual modo,
segundo se diz, os Árabes foram sempre poupados aos ataques e devastações
do exterior por terem falta de água e de produtos da terra 702 •
Escreve Plínio que a causa de a Itália ser tantas vezes atacada pelos
bárbaros em armas não é outra senão o prazer do vinho e dos figos. Acres-
cente-se que a abundância dos produtos que contribuem para os prazeres,

697
Mela, I, 65, 4.
698
Hdt., II, 137 e Diod. Sic., I, 65, 4.
699
Ver Livro IV, cap. 3; Livro V, cap. 10 e Livro X, cap. 1.
700
Caes., Gal., IV, 3 e VI, 23.
701
Diod. Sic., I, 55, 6.
702
Diod. Sic., II, 48, 2.

284
Edificios para Fins Universais

como dizia Crates, é prejudicial tanto aos velhos como aos jovens: àqueles,
enlouquece-os; a estes, efemina-os 703 • Entre os Emericos - diz Lívio - há
uma região fertilíssima, mas cria homens ineptos para a guerra, o que é vul-
gar acontecer em terrenos fecundos 704 • Pelo contrário, os Lígios, porque
habitam numa terra pedregosa, que é preciso trabalhar assiduamente e arras-
tar o dia com extrema parcimónia de alimento, são extremamente laboriosos
e robustos 705 •
Sendo assim, haverá quem porventura não desaprove, para a fundação
de cidades, regiões deste género, rudes e difíceis. Outros pensarão o contrá-
rio: pois desejarão desfrutar em sua casa dos benefícios e dons da natureza,
de tal maneira que nada mais seja possível acrescentar para satisfazer não só
as necessidades, mas também os prazeres e as delícias da vida: que, graças
às leis e aos costumes dos antepassados, é possível fazer bom uso dos bens;
e que, por sua vez, os bens que contribuem para a vida, são na realidade
muito mais agradáveis se existem em casa do que se for necessário procurá-
-los fora. E desejarão conseguir um terreno, como aquele de Mênfis, do qual
diz Varrão que possui um clima tão ameno que a nenhuma árvore cai a
folha durante um ano inteiro, nem mesmo às videiras 706 ; ou como aquele do
monte Tauro 707 nos lugares voltados a norte - pois, segundo o testemunho
de Estrabão, produzem-se cachos de uvas de dois côvados 708 , e de cada cepa
colhe-se uma ânfora de vinho e de cada figueira setenta módios de figos 709 ;
ou como aquele que se cultiva na Índia e na ilha Hiperbórea 710 junto do

703
Referência ao poeta e filósofo cínico Crates de Tebas (c. 368/365-288/285 a. C.), cuja
vida foi descrita por Diógenes Laércio (VI, 85-93).
704
Tito Lívio (XXIX, 25, 12) refere-se à região dos Emporia, situada na actual Tunísia
entre Gabes e Sfax, e não à dos Emericos, localizada na península Ibérica na actual
Mérida, como sendo uma terra particularmente fértil e onde os nativos não estão aptos
para a guerra. Cf. Caye-Choay, 2004, p. 190, n. 28.
705
Os Lígios são de facto os Lígures, povo que invadiu a Europa na época proto-histórica
e se estabeleceu, até ao séc. VI a. C., na região nordeste da Itália, tendo sido subjuga-
dos por Roma entre 238 e 117 a. C.. Cf. Diod. Sic., IV, 20, I.
706 Varrão (R., I, 7, 6) refere-se a uma vinha situada perto de Elefantina, no Alto Egipto, e
não a Mênfis, capital do Egipto no reinado de Ptolemeu L
707 Tauro é uma cadeia de montanhas da Cilícia na Ásia Menor. Cf. Strab., XII, 7, 3.
708
Equivalente a 88,64 cm.
709
Uma ânfora mede cerca de 20 I. e um módio 8,75 1..
710
Hiperbórea significa para além donde o Bóreas (vento norte) sopra (cf. Diod. Sic., I,
47, 1), uma das muitas terrae incognitae da Antiguidade Clássica, possivelmente situada
ao norte da Europa ou da Ásia, citada por Camões (Os Lusíadas, III, 8, 1-2): "Lá onde
mais debaxo está do Pólo, I Os Montes Hiperbóreos aparecem".

285
Livro Quarto

oceano, em cujo terreno diz Heródoto que se fazem duas colheitas por
ano 71 1; ou como aquele, na Lusitânia, onde das sementes que brotam de
novo se fazem várias ceifas 712 ; ou, antes, como aquele de Talge, no monte
Cáspio, que produzia searas mesmo sem ser cultivado 713 • Estas condições
são raras e é mais fácil desejá-las do que encontrá-las.
Por isso, os melhores autores da Antiguidade, que sobre esta matéria
confiaram à escrita o que receberam de outros e o que eles próprios desco-
briram, determinaram que se deve situar a cidade de tal maneira que, na
medida em que a razão e a condição das coisas humanas o permitam, se
abasteça no seu próprio terreno, não necessitando de importar nada do exte-
rior, e de tal modo as suas fronteiras devem estar defendidas que, por um
lado, não possa ser invadida facilmente e, por outro lado, consiga mandar o
seu exército para uma província alheia quando bem entender, apesar da
resistência do inimigo. Todos concordam em que uma cidade assim situada
tem todas as possibilidades de não só salvaguardar a liberdade, mas também
de se expandir, a si e ao seu domínio. Mas eu que direi a este respeito?
Atribui-se ao Egipto, como principal motivo de orgulho, o facto de estar
maravilhosamente defendido por todos os lados e ser quase inacessível, pro-
tegido daqui pelo mar, dali pela vastidão do deserto, da direita por montes
alcantilados, da esquerda por pântanos extensíssimos; além disso é tanta a
fertilidade do solo a ponto de os Antigos dizerem que o Egipto · era o celeiro
público da terra e que os deuses aí acorriam para seu deleite espiritual e
refúgio. No entanto, Flávio Josefo afirma que esta região tão defendida, tão
fértil que se podia orgulhar de alimentar todos os mortais, de dar hospitali-
dade e refúgio aos próprios deuses, nunca foi livre desde todo o sempre 714 •
Por isso, é bem certa a advertência daqueles que fantasiam que a sorte dos
mortais de modo nenhum está segura, nem mesmo ao colo de Júpiter. Vem,
pois, a propósito referir uma resposta dada por Platão: como alguém lhe per-
guntasse onde havia de encontrar aquela célebre cidade que ele tinha imagi-
nado, respondeu: "Não é esse o meu propósito; a minha procura é definir a
melhor cidade de entre todas e de qualquer natureza que possam existir; tu

711
A notícia não se encontra em Heródoto mas em Diodoro Sículo (II, 47, 1) que refere
que a ilha de Hiperbórea teria uma dimensão não inferior à da Sicília.
712
A reforma administrativa da península Ibérica, realizada no principado de Octaviano
Augusto, subdividiu este território em três províncias: a Tarraconensis (Tarraconense),
com capital em Tarraco (actual Tarragona); a Baetica (Bética), com capital em Corduba
(Córdova) e a Lusitania (Lusitânia), com capital em Emerita (Mérida).
713
Talge é urna ilha do Mar Cáspio (Mela, lll, 58).
714
Joseph., B. 1. , II, 386-387.

286
Edificios para Fins Universais

considera que deves preferir às outras aquela que menos se afastar da seme-
lhança dela 715 . " Assim também nós, apresentando como que modelos exem-
plares, definamos até ao fim uma unidade urbana que os mais doutos consi-
deram que, sob todos os aspectos, há-de ser cómoda, conformando-nos de
resto com o nosso tempo e as necessidades concretas. Tomaremos por lema
as palavras de Sócrates: "uma coisa que por si mesma se mantém de tal
modo que não possa mudar para pior, devemos considerá-la a melhor de
todas." 716
Portanto, estabelecemos que a cidade deve ser tal que nela não esteja
presente nenhuma das desvantagens que examinámos no livro primeiro e não
faltem as coisas que são desejáveis para uma vida sóbria. Terá um terreno
salubre, muito amplo, variado, ameno, fértil, bem defendido, opulento, pro-
vido de toda a variedade de frutos, de toda a exuberância de fontes; haverá
rios, lagos; terá acesso fácil ao mar por onde, sem o mínimo incómodo,
serão importados os produtos que faltam e exportados os que sobejam; final-
mente, será posto à disposição tudo o que é necessário para constituir digna-
mente e engrandecer as instituições civis e militares, graças às quais a
cidade venha a ser no futuro protecção para os seus cidadãos, ornamento
para si mesma, motivo de agrado para os amigos e de terror para os inimi-
gos. E direi que tudo corre bem com uma cidade que pode cultivar uma boa
parte dos seus campos sem que o inimigo possa impedir.
Convém situar a cidade no centro do seu território, numa posição de
onde possa observar até à orla do território e distinguir o que é oportuno
fazer e tentar acudir prontamente onde a necessidade exigir; de onde o fei-
tor e o lavrador possam sair com frequência para o trabalho e voltar num
instante carregados com o fruto da colheita. Mas se a cidade deve ser
situada em campo aberto, ou no litoral, ou nas montanhas - é uma questão
da máxima importância. Com efeito, cada uma destas situações tem as suas
vantagens e os seus inconvenientes. Conduzindo Dionísio o seu exército
através da Índia, vendo-o exausto de calor, encaminhou-o para os montes,
onde de imediato, apanhando uma brisa benfazeja, recuperou do cansaço 717 •

71s PI., Resp., V, 473a e IX, 592 a-b.


716
Esta definição, semelhante à sugerida por Alberti para caracterizar a beleza (Livro VI,
cap. 2), também se encontra em Cícero ( Or. , lll, 45), para se referir à beleza do corpo
humano, bem como em Platão (Lg., V, 746c), para o legislador prescrever a cidade pos-
sível.
7 17 Dionísio conquistou a Índia numa expedição semiguerreira e semidivina. Cf. Diod. Sic.,
11, 38, 4.

287
Livro Quarto

E parece que os fundadores de cidades ocuparam os montes talvez porque


compreenderam que aí estariam mais seguros. Mas falta-lhe água. A planície
facultará as vantagens dos rios e das águas; mas ela mesma está coberta por
uma ar mais denso, que no verão ferve de calor, no inverno gela de frio des-
mesuradamente; e é ela mesma menos eficaz contra os ataques dos inimigos.
O litoral é mais favorável à prática do comércio; mas, dizem os Antigos,
toda a cidade marítima, atraída e dominada pela sedução das novidades e
pelo enorme poder do comércio, está sujeita a contínuas agitações e exposta
a muitos imprevistos e ameaças de perigos e ataques de navios estran-
geiros 718 •
Por isso, assim estabeleço: em qualquer lugar em que situes a cidade,
deves procurar que ela participe de todas as vantagens e esteja livre de todas
as desvantagens. O meu desejo seria que o lugar onde eu houvesse de cons-
truir uma cidade fosse uma planície nas montanhas, e uma elevação na pla-
nície. Se esse desiderato não for possível de conseguir devido à conforma-
ção dos lugares, usaremos destas razões para obter as condições necessárias,
de modo que a cidade, nas zonas marítimas, não fique demasiado próxima
da praia se estiver situada num lugar plano, nem demasiado afastada, se
estiver numa elevação. Várias cidades submersas no mar em outros países,
e nomeadamente Baias em Itália, são testemunhos de que a costa vai
mudando 719 • A ilha de Faros no Egipto, que primitivamente estava rodeada
de água por todos os lados, está agora ligada à terra firme como o Querso-
neso. Estrabão escreve que assim foram Tiro e Clazómenas 720 • E até se diz
que o templo de Ámon, que devido ao recuo do mar se encontra muito
longe no interior, esteve outrora na proximidade do mesmo mar 721 •
Aconselham que situes a cidade junto da costa ou então bem longe do
mar. Com efeito é visível que a brisa marítima é pesada e agreste por causa
do sal; por isso, quando chega ao interior, sobretudo nas planícies, e aí
encontra o ar húmido, o sal absorvido dissolve-se, o que torna a atmosfera
densa e quase viscosa, a ponto de às vezes se poder ver no ar, em vários
lugares, uma espécie de teias de aranha. E dizem que com o ar se passa o
mesmo que com a água, que à vista de todos se corrompe com a mistura de
água salgada, tornando-se incómoda devido ao mau cheiro.

718
Ver Cic., Rep., II, 3-5, sobre a escolha do sítio da cidade Roma.
719
Ver Livro X, cap. 12.
720
Strab., I, 3, 17.
72 1
De acordo com Estrabão (1, 3, 15) não há evidência de que o templo de Ámon, apesar
das inscrições com desenhos de golfinhos, tenha estado alguma vez situado junto à costa.

288
Edificios para Fins Universais

Aprovam os Antigos, sobretudo Platão, uma cidade que esteja à distân-


cia de dez milhas do mar 722 . Mas se não for possível situá-la longe do mar,
será localizada numa posição a que os ventos não cheguem senão indirecta-
mente, enfraquecidos e purificados; será colocada numa parte resguardada,
de tal maneira que toda a violência prejudicial vinda do mar seja intercep-
tada e gorada pela disposição dos montes. A vista do mar a partir da costa
é muito agradável 723 ; e, além disso, a cidade é percorrida por uma atmosfera
perfeitamente sadia: Aristóteles considera que as regiões mais saudáveis são
aquelas que, sacudidas por ventos frequentes, respiram ininterruptamente 724 •
Mas deve-se evitar que nesse sítio o mar, em costa baixa e imersa, se encha
de algas; pelo contrário, deve ser profundo e escarpado, de arribas alcantila-
das, recortadas na rocha viva.
Colocar a casa na crista eminente de um monte - como dizem - con-
tribuirá para a dignidade, para a amenidade e, acima de tudo, para a salu-
bridade e a saúde. Na verdade, nos sítios em que os montes se elevamjunto
do mar, não há lugar em que este não seja profundo; além disso, se do mar
se erguer uma evaporação densa, terá dificuldade em subir; e, se alguma
força inimiga lançar de surpresa um ataque, será prevista a tempo e repelida
com segurança.
Os Antigos aprovam uma cidade situada nos montes que esteja voltada
a nascente. Aprovam também aquela que, situada numa região quente, seja
atingida pelo Bóreas. Outros aprovam porventura aquela que está orientada
para o poente, levados a isso por se darem conta de que, nessa zona, as cul-
turas são mais férteis . Se bem que os historiadores afirmem que, no sopé do
monte Tauro 725 , as partes voltadas a norte são muito mais salubres que as
outras, precisamente pela mesma razão por que são férteis.
Finalmente, devendo colocar-se a cidade em qualquer parte entre os
montes, é preciso precaver uma situação que costuma acontecer em lugares
deste tipo, sobretudo quando em redor se elevem montes muito altos: que
um denso e prolongado manto de nuvens não tome o dia escuro e o céu
sempre carregado e inclemente. É preciso também precaver que as rajadas

722
Platão (Lg. , IV, 704b) refere-se a uma distância de oitenta estádios, provavelmente
baseada numa cidade fundada por Magnésios oriundos da Tessália e que imigraram para
Creta (cf. Morrow, 1960, pp. 30-31). Dado que um estádio ático equivale a 177,6 m, a
distância indicada possivelmente corresponde a 14,21 km, ou seja, a cerca de dez milhas
romanas (14,78 km).
723
Ver Livro I, cap. 4.
724
Arist., Pol., VII, 10.
725
Cf. Strab., XII, 7, 3.

289
Livro Quarto

desabridas e molestas dos ventos não acometam ferozmente e, neste caso,


sobretudo o Bóreas: pois, como diz Hesíodo, este de facto entorpece e
encurva toda a gente, particularmente os velhos 726 •
Desvantajosa será a área da cidade sobre a qual uma falésia enorme
reflecte os vapores que absorve do sol, ou sobre a qual um vale encaixado
faz soprar o vento fortemente. Outros aconselham a que os flancos da cidade
sejam delimitados por precipícios. Mas muitas cidades de várias regiões e em
particular Volterra na Toscana mostram que quase todos os precipícios são
por si mesmos ineficazes contra os terramotos e as intempéries: com o decor-
rer do tempo as terras arrastam consigo o que se construir em cima. E é
também necessário evitar que ao lado se eleve um monte mais alto, no qual
o inimigo, ocupando-o, possa constituir uma ameaça, nem abaixo se estenda
uma planície segura para o inimigo e tão grande que nesse lugar possa for-
tificar o acampamento para o assédio, ou dispor o exército para atacar.
Lemos que Dédalo, fundou a cidade de Agrigento num penhasco escar-
pado de acesso tão dificil que pudesse ser guardado por não mais que três
homens: fortificação adequada, contanto que a saída não seja obstruída com
tão poucas armas como as que impedem a entrada. Os especialistas em arte
militar fazem os maiores elogios à fortaleza de Cíngolo 727 , fundada por
Labieno 728 no Piceno, entre outros motivos, nomeadamente porque na maior
parte de quase todas as cidades de montanha sucede que, quando se faz a
escalada, o combate se toma igual para ambos os lados, mas aí não: pois o
inimigo é repelido por um rochedo saliente e escarpado; e não tem como
possa assolar com uma razia os campos à volta e devastá-los à sua vontade,
nem porá cerco em simultâneo a todas as entradas, nem se refugiará em
segurança no acampamento instalado ali perto, nem sairá sem perigo a bus-
car forragem, lenha, água; com os defensores passa-se o contrário: com
efeito, havendo logo abaixo elevações ligadas entre si, com numerosos vales
no meio, têm . por onde rapidamente possam sair, fustigar e de improviso
irromper e atacar ao menor sinal de esperança ou oportunidade inesperadas.
E não é menor o elogio a fazer da fortaleza de Bisseio no território dos
Marsos 729 , na confluência de três rios e respectivos vales, com uma entrada

726
Hes., Op., v. 518.
727
Mencionada por César (Civ., I, 15, 2).
728
Tribuno militar que viveu de c. I 00 a 45 a. C., provavelmente natural do Piceno, legado
de Júlio César na conquista da Gália, mas que veio a tomar partido na guerra civil ao
lado de Pompeio.
729
A fortaleza de Bisseio não é actualmente identificável e o território dos Marsos situa-se
no lado ocidental da região dos Abruzzi.

290
Edificios para Fins Universais

estreita, acesso dificil, com montes escarpados e ínvios que se elevam em


volta, de tal modo que o inimigo não pode instalar-se no local nem vigiar
todas as embocaduras dos vales, ao passo que os habitantes da fortaleza têm
as mãos perfeitamente livres para receber e mandar vir reforços e abasteci-
mentos, e para molestar o inimigo. E basta quanto aos montes.
Mas se colocares a cidade numa planície e, como é costume, junto de
um curso de água, de tal maneira que este porventura atravesse as muralhas,
procura que ele não corra do sul ou para o sul: pois no primeiro caso a
humidade, no segundo o frio, aumentados pela evaporação do rio, tornar-
-se-ão mais molestos e nocivos. Se, pelo contrário, fluir fora das muralhas
da cidade, deve-se examinar a área circundante e opor as muralhas aos ven-
tos que tenham o acesso mais desimpedido à cidade; o rio deve ficar por
detrás delas. Quanto aos outros tem cabimento o saber dos marinheiros que
crêem que os ventos, por sua própria natureza, tendem a seguir o sol. Dizem
os médicos que as brisas do nascente são mais puras de manhã, mais húmi-
das ao pôr-do-sol; inversamente, as do poente são mais densas ao nascer do
sol e mais leves quando ele se põe. Se assim é, serão de aceitar os cursos
de água que correm para nascente ou para poente: com efeito, a brisa que
chega com o próprio sol dispersará as exalações nocivas que se formam
além da cidade ou, pelo menos, não as aumentará com a sua chegada. Final-
mente, a minha preferência será que os cursos de água, lagos e outros assim,
estejam voltados antes a norte que a sul, desde que a cidade não se situe
atrás da sombra do monte, pois nada seria mais triste que esta localização.
Passo adiante daquilo de que acima falei 730 • É bem sabido que o austro
é um vento pesado e impertinente por natureza, tanto que, quando as velas
são pressionadas pelo seu peso, as embarcações mergulham muito mais,
como se a carga fosse aumentada; pelo contrário, o Bóreas aligeira o mar e
as proas dos navios. Mas é preferível que qualquer deles esteja bem afastado
a que penetre na cidade, ou a que se aplique às muralhas e embata contra
elas 731 •

730
Ver Livro I, cap. 3.
731
Pellegrini ( 1990, p. 118) resume e comenta, nos finais do séc. XVI, os tratados de
Vitrúvio e de Alberti. Na parte segunda, capítulo XLIII, dos seus escritos de arquitec-
tura, apresenta, de forma sintetizada, o cap. 2 do Livro IV de Alberti sobre os sítios e
os modos de se construírem cidades e descreve a experiência dos navegadores portugue-
ses e espanhóis que sulcaram os mares em direcção à Índia, o que possibilitou "almeno
provvedere, dai luoghi ove sono presenti, delle cose che mancano tra quelle che sono
necessarie a! ben vivere".

291
Livro Quarto

E, sobretudo, rejeitam o rio que corre entre margens escarpadas por um


leito profundo, pedregoso e sombrio, porque proporciona água nociva. e ar
insalubre. É de homem prudente e ponderado fugir para bem longe de pân-
tano e paul estagnados e cheios de lodo. Não vou repetir o que disse sobre
as doenças que a partir daí se espalham pela atmosfera 732 : não só têm natu-
ralmente todos os inconvenientes que são próprios do verão, como o mau
cheiro, os mosquitos, os vermes repugnantes e outras coisas do mesmo
género, mas além disso, ainda que de certo modo possas considerar esses
lugares perfeitamente limpos e purificados, não estarão isentos daquilo que
eu disse em relação às planícies, que arrefecem muito mais no inverno e
aquecem desmesuradamente no verão.
Finalmente, ainda mais uma vez, é necessário precaver que nem monte,
nem rochedo, nem lago, pântano, rio ou fonte , nem qualquer outra coisa
desta natureza, sirvam para que o inimigo se fortifique e defenda, ou possa
de algum lado molestar a cidade e os cidadãos. E baste o que até aqui foi
dito relativamente à região e localização das cidades.

CAPÍTULO III
Estamos convencidos de que o perímetro da cidade e a distribuição das
suas partes devem variar em função da variedade dos lugares, uma vez que
está à vista de todos que nos montes não há possibilidade de lançar um tra-
çado circular das muralhas, ou quadrangular, ou outro que se ache bom,
como se pode fazer na planície.
Os arquitectos da Antiguidade desaprovam que se rodeiem as cidades
com muros em ângulo, porque favorecem mais os inimigos no ataque, do
que os habitantes na defesa, e ainda porque não são nada eficazes para resis-
tir aos danos causados pelas máquinas de assédio 733 • E, de facto, os ângulos,
ao abrigo dos quais é possível sair ao ataque e resguardar-se, conferem
alguma vantagem aos atacantes para fazer ciladas e atirar dardos. Nas cida-
des de montanha, todavia, às vezes os ângulos são muito importantes para a
defesa, quando estão voltados para as vias de acesso. Em Perúsia, cidade
famosa porque estende os seus bairros em todas as direcções através das
colinas, dispostas como se fossem os dedos da mão estendidos, se o inimigo

732
Ver Livro I, cap. 4.
733
Vitrúvio, I, 5, 2 e 5.

292
Ediflcios para Fins Universais

quiser atacar um ângulo de frente, não haverá espaço onde se possa movi-
mentar com uma força numerosa e, como que apanhado numa cidadela
situada num plano inferior, não conseguirá resistir aos dardos e ataques dos
sitiados. Portanto, a maneira de rodear uma cidade de muralhas não é uma
só e a mesma em todos os lugares.
Finalmente dizem os Antigos que a cidade, tal como o navio, não deve
ser tão grande que baloice quando vazia, ou não tenha espaço suficiente
quando cheia 734 ; mas uns preferem-na muito cheia porque a julgam mais
segura; outros maravilham-se com espaços mais extensos, porque a si mes-
mos prometiam as melhores esperanças para o futuro; outros, ainda, cederam
porventura à celebridade e posteridade do seu nome. Vi nos historiadores da
Antiguidade que a Cidade do Sol 735 fundada por Busíris, a que dão o nome
de Tebe, tem um perímetro de cento e quarenta estádios 736 ; Mênfis, cento e
cinquenta 737 ; Babilónia, acima de trezentos e cinquenta 738 ; Nínive, quatro-
centos e oitenta 739 • E houve quem abrangesse uma área tão grande que den-
tro da cintura urbana colhiam provisões para todo o ano. Eu aqui, seguindo
um velho provérbio, aprovarei o que se costuma dizer: o tudo e o nada são
em demasia; ou, se me aprouvesse ceder a uma destas partes, antes quereria
aquela que possibilita escolher com toda a comodidade um número acrescido
de cidadãos, do que aquela que não possa albergar os seus com dignidade.
Acrescente-se que a cidade não deve ser concebida apenas para satisfazer a
utilidade e a necessidade de habitação, deve também ser planeada de tal
modo que, além de se atender às funções públicas, se disponibilizem espaços
e locais muito agradáveis para embelezamento e lazer: praças, campos de
corrida, jardins, passeios, piscinas e outros equipamentos do mesmo género.
Contam os Antigos, Varrão, Plutarco e outros, que os antepassados cos-
tumavam definir as muralhas das cidades com uma cerimónia e um ritual
religioso 740 • Dois bovinos atrelados, um touro e uma vaca, no dia marcado
pelo áugure puxavam um arado de bronze; e fazia-se o sulco primigénio,

734
Cícero (Rep., I, 11 e 62; V, 5 e 8) refere-se recorrentemente à metáfora da nau-do-estado
para descrever e comentar a governação da república.
735
A Cidade do Sol é designada por Diodoro Sículo (I, 45, 4) como Dióspolis: "a cidade
que os Egípcios chamam Dióspolis a Grande [Diospolis Magna], os Gregos designam-na
por Tebe" (cf. trad. esp. F. P. Alasá, 2005).
736
Equivalente a 25,86 km.
737
Equivalente a 27,70 km. Cf. Diod. Sic., I, 50, 4.
738
Equivalente a 64,64 km.
739
Equivalente a 88,65 km . Cf. Diod. Sic., II, 3, 3.
740
Var. , L. ,V, 143 e Plut., Rom., 11 , 1.

293
Livro Quarto

com o qual se assinalava o perímetro das muralhas. Do lado de dentro ia a


vaca, do lado de fora o boi: seguiam o arado os colonos fundadores, ati-
rando de novo para o sulco aberto os torrões arrancados e espalhados, e com
eles iam fazendo um montículo para que nada se dispersasse. Quando che-
gavam ao lugar das portas, levantavam o arado com as mãos, para deixarem
_intacto o limiar das portas. Por tal motivo, consideravam sagrados os muros
e todo o perímetro, excepto as portas. Nem sequer era lícito designar as por-
tas de "sagradas" .
No tempo de Rómulo, diz Dionísio de Halicamasso .7 41 que os fundado-
res, ao inaugurar as cidades, depois de consumado o sacrificio, costumavam
acender uma fogueira diante das tendas e traziam o povo para esse lugar, a
fim de que saltassem por cima da chama para se purificarem. Pois conside-
ravam que não deviam ser admitidos impuros a esse acto sagrado. Isto
faziam eles.
Em outros autores vi que costumavam assinalar a linha das muralhas, a
serem construídas, espalhando um pó feito de terra branca, a que chamam
terra pura 742 ; e que Alexandre ao proceder à fundação de Faros, não havendo
terra pura, em vez dela usou farinha 743 : este facto proporcionou aos vates
uma ocasião de predizer o futuro, pois julgavam que, registando presságios
como este durante o dia do nascimento das cidades, podiam predizer, como
certos, acontecimentos da sua história 744 •
Também entre os Etruscos se ensinava nos livros rituais que séculos
haviam de suceder a partir do dia do nascimento das cidades; e isso não
pela observação do céu, de que falamos acima no livro segundo 745 , mas por
dedução a partir dos argumentos e da conjectura das coisas presentes. Cen-
sorino recorda que eles assim deixaram escrito: "Assinala, com a sua morte,
o fim do período do primeiro século aquele que viver mais tempo de entre
os que nasceram no dia em que foram fundadas as cidades; e de novo assi-
- nalava o fim do segundo a morte daquele que, entre os que nesse dia se
encontravam na cidade, tivesse tido a vida mais longa; e assim sucessiva-
_!llente era determinado o tempo dos restantes séculos; os deuses enviam pro-

74 1
Dionísio de Halicamasso (I, 88), historiador grego do séc. I a. C., cuja obra Das Anti-
guidades Romanas é uma fonte documental para se compreender a história antiga de
Roma, desde o seu início até meados do séc. III a. C. .
742
Curt., IV, 8, 6.
743
Amm. Marc., XXII, 16, 7 e Plut., A /ex., 26, 5-6.
744
Plut., op. cit., 26, 5-6, e Arr. , Anab., III, 2, 1.
74 5
Ver Livro II, cap. 13.

294
Edificios para Fins Universais

dígios que nos avisam do fim de cada século" 746 • Isto dizem os Etruscos. Há
quem acrescente que, com estes argumentos, os Etruscos definiam com toda
a exactidão os seus séculos. Assim, com efeito, transmitiram à posteridade:
que os seus quatro primeiros séculos foram ~e cem anos, o sexto de cento e
dezanove, o sétimo idem, o oitavo por seu lado decorreu durante o tempo
dos Césares, e que restavam ainda o nono e o décimo.
Além disso, consideravam que, graças a estes indícios sabiam como
haviam de ser esses mesmos séculos. De facto, conjecturaram que Roma
havia de ter o império do mundo, baseados no facto de que, no dia em que
a cidade foi fundada, só um dos que nasceram durante esse dia adquiriu a
realeza. Dou-me conta de que esse foi Numa: na verdade, Plutarco recorda
que no dia 19 de Abril foi fundada a cidade e nasceu Numa 747 .
Os Espartanos gabavam-se de não terem a sua cidade rodeada de mura-
lhas: confiados nas armas e na valentia dos seus cidadãos, consideravam
suficiente estarem protegidos pelas leis. Pelo contrário, os Egípcios e os Per-
sas consideraram que as suas cidades deviam ser extraordinariamente fortifi-
cadas com a protecção de muros. Com efeito, não só os outros mas também
os Ninivitas e ainda Semíramis quiseram que as suas cidades tivessem uma
tal espessura de muralhas que a largura da parte superior permitisse que dois
carros fossem puxados um ao lado do outro 748 ; e elevaram-nas a tal altura
que excediam cem côvados 749 • Arriano recorda que em Tiro as muralhas
tinham cem pés de altura 750 • E houve quem não se contentasse com uma
muralha: os Cartagineses rodearam a cidade de um triplo muro; Heródoto
diz que Déjoces 751 rodeou a cidade de Ecbátana de um sétimo anel, embora
ela estivesse situada numa elevação 752 •
Nós, porém, reconhecendo que está na muralha a melhor guarnição para
proteger a vida e a liberdade contra inimigos superiores em destino ou em

746
Censorino (XVII, 5 et seq.), gramático e enciclopedista latino do séc. III d. C., trans-
missor das ideias de Varrão e de Suetónio para descrever, na obra De die nata/i, a defi-
nição de século de acordo com os rituais etruscos e as práticas romanas.
747
Apesar de o ano mítico . do início de Roma variar de 753 a 728 a. C., todos os autores
concordam que o dia da sua fundação por Rómulo foi a 21 de Abril, a que corresponde
o dia de nascimento do seu segundo rei, Numa Pompílio. Cf. Plut., Num., III, 3, 4.
748
Diod. Sic., II, 3, 3 e II, 7, 4. Curt., V, I, 25.
749
Equivalente a 44,32 m.
750
Equivalente a 29,6 m. Cf. Arr. , Anab., II, 21, 4.
751
Soberano da Média, região montanhosa situada a sudoeste do Mar Cáspio, no séc. VII
a. C..
752
Hdt., I, 98. O nome grego da cidade é Hagmatana, actual Hamadan.

295
Livro Quarto

número, não concordamos nem com aqueles que querem que a cidade esteja
completamente desguarnecida, nem com aqueles que põem toda a esperança
de salvação na construção de muralhas. Estou, todavia, de acordo com Pla-
tão 753 : que é inerente e intrínseco a qualquer cidade estar, em cada momento
da sua história, em risco de cativeiro, visto que, por natureza ou pelo carác-
ter dos homens, se chegou a um ponto em que não há maneira de alguém
conseguir impor um termo ao desejo de possuir e um limite à ambição, nem
no domínio público nem no privado; é desta única causa que derivam, em
exclusivo, todos os males da guerra. Assim sendo, quem negará que é neces-
sário acrescentar guardas aos guardas e fortificações às fortificações?
Além disso, como dissemos noutro lugar 75\ a cidade com mais capaci-
dade de todas é a que for circular; a mais segura, a que for cercada de
muros com curvas sinuosas, como era Jerusalém, segundo escreve Tácito 755 •
Com efeito garantem que o inimigo não levará as máquinas de assédio, sem
perigo, para dentro das reentrâncias ou, com esperança de sucesso, para
junto das saliências 756 • Todavia, prestaremos atenção às vantagens que se
tiram da própria cidade; advertimos que os Antigos assim procederam em
função das possibilidades e das condições impostas pelos lugares. Efectiva-
mente, a antiga cidade latina de Âncio 757 estendia-se no sentido do cumpri-
mento para acompanhar a curvatura da costa, como se vê pelas ruínas que
dela restam. O Cairo também se estende ao longo do Nilo. Megástenes
escreveu que a cidade indiana de Palimbrota, no território dos Grássios,
tinha oitenta estádios de comprimento, quinze de largura, estendendo-se ao
longo do rio 758 . Referem que a Babilónia tinha o traçado das muralhas de

753
Platão (Lg., VI, 778 d) faz o elogio das cidades que são capazes de se defenderem pelo
poder das armas, como é o caso de Esparta que praticamente não era amuralhada, o que
não evitou, apesar do valor dos seus habitantes, a derrota imposta por Epaminondas nas
batalhas de Leuctra e de Mantineia em 362 a. C ..
754
Ver Livro I, cap. 8.
755
Tácito (Hist., V, 11 ), ao descrever o cerco de Jerusalém por Tito Flávio Vespasiano,
refere que esta cidade estava cercada por muralhas arqueadas para o seu interior de
forma a que os flancos dos invasores ficassem sujeitos a projécteis procedentes de várias
direcções.
756
Ao contrário do sugerido por Vitrúvio (1, 5, 2) que, para favorecer o uso de armas de
arremesso, projecta as torres para o exterior das muralhas.
75 7
Cidade do Lácio, habitada pelo menos desde o séc. VIII a. C., com uma cultura mate-
rial semelhante à romana mas despovoada na alta Idade Média.
758
Equivalente a 14,78 km de comprimento por 2,77 km de largura. A descrição de Megás-
tenes, historiador grego dos sécs. IV-III a. C. e autor de uma história da Índia, sobre
Palimbrota, considerada uma grande cidade da Índia, é referida por Arriano (Anab.,
VIII, 10).

296
Edificios para Fins Universais

forma quadrangular 759 e que Mênfis era delimitada exactamente pela confi-
guração da letra delta 760 • Finalmente, qualquer que seja o traçado do perí-
metro, Vegécio considera que estão satisfeitas as necessidades reais se se
construírem muros tão largos que não impeçam os defensores de se cruza-
rem armados; se os elevarmos tão alto que não se possam escalar encos-
tando-lhes escadas; se, com a cal e a alvenaria, os reforçarmos de tal modo
que eles não cedam ao aríete e às máquinas de assédio 761 • Há, na realidade,
duas espécies de máquinas: uma aquela com que se derruba a construção
batendo contra ela, ou arremessando-lhe projécteis; a outra aquela com que
se escavam os muros, provocando o seu desmoronamento. A ambas se fará
frente mais com um fosso do que com o muro: neste caso não confiam no
muro, a não ser que esteja assente na água ou em rocha firme, e mesmo
assim exigem que o fosso seja largo e bem fundo. É que este, de facto,
impedirá a aproximação da tartaruga ou da torre móvel; e será frustrada toda
a tentativa de escavar galerias subterrâneas quando se depara com água ou
rocha. Os militares debatem a questão: se é melhor ter o fosso cheio de
água, ou se é preferível tê-lo seco. Entendem, na verdade, que não vem em
último lugar ter a atenção a saúde dos habitantes. Confiam ainda naquele
fosso em que, se houver algum desabamento provocado pelo arremesso de
projécteis, se possa facilmente retirar e limpar, não vá suceder que, for-
mando-se com isso um aterro, se faculte ao inimigo uma via de acesso.

CAPÍTULO IV

Mas volto às muralhas. Os Antigos dão estes conselhos sobre a sua


construção. Façam-se dois muros, deixando um intervalo de vinte pés entre
eles 762 ; depois, atire-se para dentro desse espaço a terra tirada dos fossos e
comprima-se com os maços; estes muros serão erguidos de tal modo que se
possa subir do plano da cidade até às ameias por uma inclinação suave à

759
Hdt., I, 178. Tanto para Heródoto, como para outros historiadores Gregos, pode haver
algum exagero nos seus relatos sobre o oriente que era descrito, geralmente, com elo-
quência, ao contrário da maneira como a Europa construiu, a partir do séc. XV, a sua
identidade, com base numa descrição misteriosa, imutável e subalterna do levante (cf.
Said, 1978).
760
Diodoro Sículo (I, 50, 3) regista que Mênfi s se situava no "delta" do Nilo.
761
Veget., IV, 19.
762
Equivalente a 5,92 m.

297
Livro Quarto

semelhança de um degrau 763 • Outros dizem: põe-se a terra tirada do fosso no


perímetro da cidade, formando um talude, e ergue-se um muro a partir do
fundo do próprio fosso, com uma espessura tal que ele possa sustentar, com
toda a firmeza, o peso da terra posta em cima. Depois deste constrói-se
outro muro do lado de dentro da cidade, mais elevado, e distante do pri-
meiro um intervalo não muito estreito, quanto baste para que as coortes, for-
madas em ordem de batalha, tenham espaço livre para travar combate. Cons-
troem-se também muros transversais, do muro exterior para o interior, de
modo a que, com a sua ligação e apoio, os muros principais se mantenham
unidos e suportem com toda a firmeza a pressão da terra lançada no meio.
Mas nós recomendamos, além destes, os muros que estão de tal modo
colocados que, no caso de serem derrubados pela violência do ataque das
máquinas, tenham um espaço de área livre junto da base, para que, desmo-
ronando, os escombros se acumulem nesse lugar e não encham os fossos.
Entre outras coisas, agrada-me muito o que diz Vitrúvio: "Sou de opinião
que a construção do muro deve ser feita de tal maneira que na sua espessura
sejam introduzidas, o mais cerradamente possível, pranchas de oliveira endu-
recidas ao lume, a fim de que ambas as faces do muro, ligadas entre si
como que por grampos de madeira, tenham uma firmeza etema" 764 • Tucídi-
des refere que os habitantes de Plateias 765 , cercados pelos Peloponésios, opu-
seram ao inimigo um muro deste género: com efeito, misturando aos tijolos
bocados de madeira, aumentaram em muito a sua resistência 766•
E nas Gálias, diz César, todos os muros são do tipo seguinte: traves
direitas dispostas em filas contínuas no sentido do comprimento, mantendo
entre si intervalos iguais, são ligadas pela parte interior, e os intervalos
preenchidos com pedras grandes, de tal modo que uma trava não toque na
outra; unindo camadas destas umas às outras atingem a altura exacta do
muro 767 . Este tipo de construção não é feio de aspecto e é eficaz para a
defesa: pois a pedra é uma protecção contra o incêndio, e a madeira contra
o aríete.
Há quem não aprove muito estas ligações nos muros: dizem que a cal e
a madeira não se mantêm associadas durante muito tempo, porque esta é

763
Veget., IV, 3.
764
Vitrúvio (I, 5, 3) não se refere a pranchas de madeira mas a traves de oliveira passadas
pelo fogo para se fazer o travamento e consolidação dos muros e das respectivas fun-
dações.
765
Cidade da Beócia, que fazia fronteira com a Ática, devastada no ano de 427 a. C.
766
Thuc., II, 75, 2.
767
Caes., Gal. , VII, 23.

298
Edificios para Fins Universais

queimada e corroída pelos sais e pelo ardor da cal. Então, se acontecer que
a obra sofra o embate dos projécteis das máquinas, o resultado - dizem -
será que a estrutura do muro assim ligada, ao ser atingida, é abalada no seu
todo e desmorona toda em conjunto.
Pela nossa parte, somos de opinião que os muros se reforçam excelen-
temente contra os danos dos projécteis da seguinte maneira. Ao longo do
perfil do muro edificaremos contrafortes salientes de base triangular, com
um ângulo voltado para o inimigo, distanciados entre si por um espaço de
dez côvados 768 , e entre eles estenderemos arcos de um contraforte para o
outro e formaremos abóbadas e, com palha amassada e prensada com a
ajuda de um maço, encheremos os espaços vazios que aí ficaram no meio
em forma de fundo de canoa 769 • O resultado será que a violência e o
impulso das máquinas de arremesso serão anulados pela moleza da argila;
resultará também que o muro não poderá ser danificado pelas contínuas
investidas das máquinas, a não ser em brechas isoladas e fáceis de tapar
rapidamente. Na Sicília a abundância de pedra-pomes facultará à maravilha
aquilo que aqui procuramos. Em outras regiões utilizam, não sem vantagem,
tufo em vez de pedra-pomes e de argila. Também não recusaremos o gesso
para este efeito.
Por fim, se houver alguma parte que esteja exposta à humidade, ao
vento sul ou aos vapores nocturnos, essa seja coberta por um revestimento
de pedra. E, antes de mais, convirá fazer o lado exterior do fosso em declive
e um pouco mais elevado que o resto do chão: desta forma os disparos dos
projécteis não atingirão os muros da cidade, antes voarão por cima. E há
quem considere que o muro mais seguro contra as máquinas de arremesso é
aquele cujo perfil é traçado de modo a imitar os dentes de uma serra 770 .
São dignos de apreço os muros da cidade de Roma, que a meia altura
têm um caminho de ronda; por todo o muro, em lugares adequados, foram
deixadas frestas, por onde furtivamente os frecheiros ferem um inimigo
incauto e aventureiro.
E aos muros devem ser acrescentadas, de cinquenta em cinquenta côva-
dos 771 , como se fossem contrafortes, torres de faces circulares salientes e
mais imponentes em altura que o muro, a fim de quem se aproximar expo-
nha aos projécteis o flanco a descoberto e assim seja eliminado; deste modo

768
Equivalente a 4,43 m.
769
No Livro I, cap. 8, são descritos os diversos tipos de abóbadas.
770
Vitrúvio, I, 5, 7.
771
Equivalente a 22,16 m.

299
Livro Quarto

o muro será defendido pelas torres e as torres mutuamente umas pelas


outras. Façam-se as torres desguarnecidas e abertas do lado em que estão
voltadas para a cidade, não suceda que venham a proteger o inimigo, no
caso de ele se meter lá dentro 772 •
As cornijas servem de ornamento para as torres e para os muros, e, por-
que ligam os elementos entre si, contribuem para a sua solidez e impedem a
fixação das escadas lançadas para o muro. Há quem queira que, ao longo
dos muros, sobretudo por debaixo das torres, sejam deixados fossos profun-
dos, guarnecidos de pontes de madeira, que, retiradas ou lançadas num
ápice, conforme a situação o exija, servem para serem utilizadas ou para
defender a vida.
Os Antigos costumavam edificar duas torres mais imponentes e em
grande parte maciças, uma de cada lado das portas, para que, como braços,
protegessem o espaço de acesso e a entrada.
Nas torres não se construam abóbadas, mas sim plataformas de madeira
que, em caso de necessidade, podem ser arrancadas e consumidas pelo fogo.
Os patamares das torres, segundo os Antigos, não devem ser fixados com
pregos, para que mais rapidamente se possam desfazer quando o inimigo
vence 773 •
Não faltarão coberturas e guaritas graças às quais as sentinelas possam
aguentar as geadas de inverno e outras inclemências das intempéries. Nas
ameias haja aberturas orientadas para baixo, a fim de que por elas se pos-
sam lançar pedras e archotes contra o inimigo e ainda água se alguma coisa
pegar fogo à porta. Dizem que os batentes cobertos de couro e ferro levam
a melhor ao fogo . Sobre isto baste o que até aqui foi dito.

CAPÍTULO V

O número de portas deve corresponder ao número de vias militares. Há,


na verdade, vias militares e vias não militares 774 • Não sigo aqui as distinções
dos juristas, a ponto de considerar que para os animais se diz vereda, para
os homens estrada e que via compreende uma e outra designação.

172
Ver Livro V, cap. 4.
773
Vitrúvio, I, 5, 4.
774
As vias de acesso da cidade são estruturalmente análogas às aberturas dos edificios. Cf.
Livro I, cap. 2.

300
Edificios para Fins Universais

Vias militares são aquelas por onde nos deslocamos do nosso território
com o exército e a respectiva equipagem. Por isso uma via militar deve ser
muito mais larga do que as não militares. E tenho verificado que os Antigos
costumavam fazer com que não tivessem em nenhum ponto menos de oito
côvados 775 de largo.
A partir da Lei das Doze Tábuas 776 os Antigos determinam que uma via
em linha recta tenha doze pés de largura 777 e nas curvas 778 , isto é, quando
inflecte, dezasseis 779 • As não militares são aquelas pelas quais saímos de
uma via militar para a quinta ou para uma cidade ou ainda para outra via
militar; assim são, por exemplo, as veredas através do campo, as ruelas atra-
vés da cidade. Há, além dessas, um tipo de vias que partilham da natureza
de uma praça; assim são aquelas que se destinam a determinados usos espe-
cíficos, particularmente públicos, como, por exemplo, a que conduz ao tem-
plo, ao estádio ou ao tribunal.
O traçado das vias não deve ser através do campo o mesmo que dentro
da cidade. Fora da cidade é absolutamente necessário que se observe o
seguinte: que seja desafogada e muito aberta para toda a paisagem em redor;
que seja totalmente livre e desimpedida de obstáculos, sejam eles inundações
ou aluimentos; que não sejam deixados aos ladrões absolutamente nenhuns
esconderijos, nenhuns refúgios, que lhes permitam montar ciladas; que não
haja a cada passo acessos fáceis, vindos de qualquer lado, que favoreçam a
pilhagem; finalmente, que seja a direito e o mais rápida possível. Será a
mais rápida não a mais directa, como se julga, mas sim a mais segura; pre-
firo uma via um pouco mais longa do que uma pouco cómoda.

775
Equivalente a 3,55 m.
776
O texto original da Lei das XII Tábuas perdeu-se mas foi citado nos Digesta, uma vasta
colecção de excertos de obras de jurisconsultos notáveis, publicada em 533 d. C .. Cf.
Ulp., VIII, 3, 8.
777
O artigo 6. 0 da Tábua VII menciona que as vias em linha recta devem ter somente oito
pés de largura, isto é, cerca de 2,34 m (cf. Gaio, 7 ad ed. pr., D., VIII, 3, 8, in Carri-
lho, 2008, pp. 64-65). O facto de Alberti alterar a medida de oito (2,36 m) para doze
pés (3 ,55 m) sugere que, provavelmente devido à sua formação jurídica, teve a intenção
de a corrigir, com os dados da observação no terreno.
778
O traçado curvilíneo mostra que Alberti admite formas urbanas que não se esgotam em
traçados ortogonais de origem romana, mas sugere um leque mais vasto de opções
morfológicas, onde se incluem as cidades da península Itálica com implantação mais
orgânica.
779
A exigência de as vias terem o dobro da largura nos cruzamentos deve-se ao facto de os
veículos romanos de quatro rodas terem, pelo menos na altura de promulgação da lei,
entre 451 e 449 a. C. , dois eixos de rodagem fixos (cf. Bek.ker-Nielsen, 2004, p. 92).

301
Livro Quarto

Há quem seja de optmao que o território de Privemo 780 é o mais


seguro, pelo facto de ser sulcado por vias profundas como se fossem trin-
cheiras escavadas, de acesso arriscado, de marcha perigosa e muito pouco
seguras para o inimigo, que facilmente pode ser esmagado do alto dos bor-
dos das trincheiras. Os mais entendidos consideram que a via mais segura é
aquela que passa pelo dorso aplanado dos outeiros. A mais próxima desta
é aquela que, à maneira antiga, passa pelo meio das planícies sobre um
aterro construído para esse efeito (e é por esse motivo que os Antigos lhes
chamavam "aterros" 78 1); e, na verdade, uma via assim lançada proporcionará
por si mesma muitas vantagens: com efeito, graças à amenidade da vista não
só aliviará grandemente, da dificuldade e do cansaço da viagem, os cami-
nhantes que seguem por esse aterro elevado 782 , mas ainda tem a vantagem
de permitir avistar o inimigo ao longe e de o rechaçar com um pequeno
grupo de combate, ou de bater em retirada, se ele for superior, sem sofrer
nenhuma baixa. E vem a propósito o que eu observei sobre a Via Por-
tuense 783 : no tempo em que afluía um grande número de mercadores, vindos
do Egipto, de África, da Líbia, das Hispânias, da Germânia, das ilhas, e uma
enorme quantidade de mercadorias, fizeram uma dupla calçada, e no meio
erguia-se, como separador, uma fiada de pedras da altura de um pé, de
modo que ia-se por um lado e vinha-se pelo outro, evitando-se o atropelo
dos caminhantes apressados. Deve ser assim a via militar fora da cidade:
desimpedida, a direito e muito segura. Se for uma cidade importante e pode-
rosa, convém ao seu decoro que tenha, ao aproximarmo-nos dela, vias direi-
tas e muito largas, que contribuirão para a sua dignidade e majestade. Se,
porém, for uma aldeia agrícola ou uma vila fortificada, oferecerá uma
entrada mais segura se a via não conduzir directamente à porta, mas se
andar às voltas, à direita e à esquerda, perto das muralhas e, sobretudo, sob
as ameias 784 ; no entanto, dentro da cidade, convém que não seja direita, mas
ligeiramente sinuosa, à maneira dos meandros dos regatos, para um lado, .
para o outro, e de novo para o mesmo lado. Quando a rua parecer mais

780
Cidade dos Volscos, situada no Lácio, a sul de Roma, hoje Pipemo.
78 1
Ou terrapleno - agger.
782
Ver Livro I, cap. 4.
783
Em Roma. Um texto do séc. XII designa a décima terceira porta da cidade, e a via que
dela sai para o porto, como porta et via portuensis. Actualmente a porta conserva o
nome de Porta Portese (Cf. Willelmi Malmesburiensis, De gestis regum Anglorum libri
quinque, PL, 179, 1306).
784
Vitrúvio, I, 5, 2.

302
Edificios para Fins Universais

longa, além de aumentar na opinião geral a grandeza da cidade, sem dúvida


alguma também contribuirá para a sua beleza, para a comodidade prática,
para as circunstâncias e necessidades ocasionais. Será também muito impor-
tante que, na perspectiva de quem caminha a direito, progressivamente se
lhe apresentem de frente, em cada ângulo, novas fachadas de edificios; que
a saída de cada casa e a perspectiva de cada fachada estejam alinhadas pelo
meio da largura da própria via 785 ; ao passo que, em outros lugares, a exces-
siva extensão das ruas é desagradável à vista e até insalubre, aqui a própria
vastidão é vantajosa.
Escreve Cornélio Tácito que a cidade de Roma, tendo as ruas sido
ampliadas por Nero, se tornou mais quente e, por tal motivo, menos salu-
bre 786 • Em outros lugares, pelo contrário, na estreiteza das ruelas, a sombra
torna-se mais cruel; tal não sucederá nas ruas sinuosas: com efeito, serão
iluminadas pelo sol assiduamente durante o Inverno.
No Verão, uma rua assim nunca terá falta de sombra; mas também não
haverá casa onde não entre a luz do dia. E nunca faltará uma aragem: pois,
de qualquer lado que sopre, encontrará uma área de passagem directa e em
grande parte desimpedida. E nunca experimentará ventos nefastos: serão
repelidos de imediato pelo obstáculo dos muros. Acrescente-se que, se o ini-
migo entrar na cidade, correrá perigo de ser atacado não menos de frente
que dos flancos e da retaguarda.
Das vias militares falámos até aqui. As não militares imitarão as milita-
res, a não ser, porventura, com a diferença de que aquelas, se forem traça-
das à linha, serão condizentes com os ângulos dos muros e as portas dos
edificios. Mas, dentro da cidade, verifico que foi do agrado dos Antigos que
houvesse algumas ruas inextricáveis e algumas sem saída, para que o ini-
migo, ou um malfeitor, entrando nelas, fique embaraçado e hesitante, ou, se
insistir na sua audácia, bem depressa corra perigo.
Convirá que haja ruas mais estreitas, não prolongadas no sentido do
comprimento, mas que terminem na primeira transversal, não tanto como
caminho aberto à circulação pública, mas antes para dar acesso a uma casa
que fica no topo: isso tornará as casas mais acessíveis à luz e a cidade
menos acessível às incursões inimigas. Escreve Cúrcio que Babilónia era

785
Esta experiência sequencial e não cenográfica do espaço urbano, ao contrário das repre-
sentações em perspectiva central da cidade ideal do Renascimento, sugere o entendi-
mento simultâneo de uma dimensão local e global do espaço público, i.e. uma reiterada
e progressiva relação entre ordem e estrutura urbana.
786
Tac., Ann., XV, 43.

303
Livro Quarto

habitada em bairros espalhados e sem continuidade entre si 787 . Pelo contrá-


rio, Platão defendia que não só os bairros, mas também os muros das casas,
fossem ligados uns aos outros, e pretendia que essa construção fosse para a
cidade como uma muralha 788 •

CAPÍTULO VI

As pontes são parte essencial de uma via. Nem todo o lugar é próprio
para ter uma ponte. Com efeito, além de não convir que a ponte seja rele-
gada, com vantagem de poucos, para um recanto longínquo e afastado, mas
antes esteja acessível, para uso de todos, numa zona central, deve ser colo-
cada onde seja fácil de ser construída e concluída sem custos excessivos, e
seja legítimo esperar que dure para sempre. Deve, pois, escolher-se um vau
não muito profundo, não escarpado, não instável, nem movediço, mas todo
ao mesmo nível e estável. Devem evitar-se os redemoinhos, os rápidos, os
sorvedouros, perigos que se encontram pelos cursos de água; e, antes de
mais, devem evitar-se os cotovelos, não só por outras razões - nesses sítios
as margens, como é fácil de ver, são mais propensas a aluimentos - mas
também porque, por meio deles, os materiais arrancados dos campos pelas
cheias, os troncos e as plantas, não são levados num deslizar a direito e sem
obstáculos, mas atravessam-se e, retardando-se uns aos outros, aglomeram-se
e acumulam-se e, formando um vasto amontoado, embaraçam-se nos pilares
da ponte, fazendo soçobrar as embocaduras dos arcos por excesso de pres-
são, até que a obra é abalada e demolida pela violência e pela massa das
águas 789 .
Há pontes de pedra e pontes de madeira 790 • Trataremos primeiro das
pontes de madeira, porque são mais fáceis de construir, e, a seguir, das de

787
Curt., V, I, 26-27.
788
PI., Lg. , VI, 779b. Esta concepção de cidade aplica-se às cidades da metrópole e não às
das colónias gregas que eram menos compactas e, muitas vezes, fundadas sobre uma
malha regular, como é o caso de Mileto (475 a. C.) e de Olinto (432 a. C.).
789
Os autores da Antiguidade Clássica, à excepção de Séneca (Nat., III, 27, 30), omitiram
a temática das construção de pontes de madeira das suas obras ou, então, apresentaram
referências muito sumárias, como sucede com a descrição da ponte Sublício, construída
no reinado de Anco Márcio, c. 640-617 a. C. (cf. Plin., Nat., XXXVI, 100; Plut., Num ., 9;
Liv., Hist., I, 33; Var., L. , V, 83).
790
Esta classificação foi , subsequentemente, adoptada pelos artistas e tratadistas do Renas-
cimento, nomeadamente por Leonardo da Vinci e Andrea Palladio.

304
Edificios para Fins Universais

pedra. Umas e outras devem ser muito sólidas. Por isso, a ponte de madeira
deve ser reforçada com grande abundância de materiais que sejam resisten-
tes. Para que ela seja bem construída, é muito importante ter presente o
exemplo de César, que usou o seguinte método na construção de uma ponte:
"Com intervalos de dois pés juntava duas traves de um pé e meio de espes-
sura, ligeiramente aguçadas na extremidade inferior, com o tamanho da pro-

Ponte de César sobre o Reno.

fundidade do rio. Depois de as mergulhar no rio, de as fixar com a ajuda de


máquinas e de as espetar à força de golpes de um bate-estacas, colocadas
não como uma estaca na perpendicular, mas inclinadas obliquamente no sen-
tido da corrente do rio, colocava outras duas no sentido contrário, juntas da
mesma maneira, à distância de quarenta pés a contar da extremidade infe-
rior, voltadas contra a força e o ímpeto da corrente. Ligava entre si estes
dois conjuntos, constituídos como dissemos, encaixando-lhe na extremidade
superior traves de dois pés de espessura, tendo de comprimento a mesma

305
Livro Quarto

distância a que se encontrava a junção das duas estacas fixadas. Por ·seu
lado, estas traves assim encaixadas eram mantidas à distância nas extremi-
dades por dois grampos de cada lado; assim separadas e seguradas em sen-
tidos opostos, era tão grande, graças à natureza, a solidez da obra que,
quanto mais aumentava o ímpeto da água, tanto mais estreitamente unidos se
mantinham os encaixes. Estas traves horizontais eram entrelaçadas por
madeira colocada por cima e por varas e juncadas de caniços, e sem demora
eram postas obliquamente, na parte inferior do rio, traves mais finas, a que
chamam sublicas (estacas) a partir do verbo subiicere (pôr debaixo)1 91 , para
que, colocadas por baixo como escora e unidas com o conjunto da obra,
aguentassem o ímpeto da corrente. E ainda outras traves estavam fixadas no
fundo do rio a montante da ponte, com pequena distância entre elas, para
que, se fossem mandados pelos bárbaros troncos de árvores ou barcos para
destruir a obra, o seu impacte fosse diminuído por estas defesas e não dani-
ficassem a ponte". Isto diz César 792 •
Não vem fora de propósito referir que em Verona costumavam fazer os
tabuleiros das pontes de madeira com vigas de ferro , sobretudo no sítio onde
passam as rodas das diligências e das carroças.
Segue-se a ponte de pedra. São estas as suas partes: os encontros das
margens, os pilares, a abóbada, o tabuleiro 793 • Entre os encontros das mar-
gens e os pilares há a seguinte diferença: é imprescindível que os primeiros
assentem em apoio absolutamente firme, não só para suportar as cargas da
abóbada colocada em cima deles, tal como os pilares, mas ainda mais para
escorar e conter as extremidades da ponte e a pressão exercida pelos arcos,
de modo a não abrirem. Por isso, é preciso escolher margens de pedra ou,
melhor, maciços rochosos, pois são as mais resistentes para se lhes poderem
confiar as extremidades da ponte 794 .
O número de pilares será correspondente à largura do rio . Arcos em
número ímpar por um lado produzem uma sensação agradável, por outro
lado contribuem para a solidez: com efeito, o meio da torrente, quanto mais
afastado está da coerção das margens, tanto mais livre é; e quanto mais

791
A etimologia de sublicas é provavelmente uma criação de Alberti. Emout-Meillet ( 1951 ,
Tomo II, p. 1168) sugerem que este termo não tem uma etimologia segura.
792
Caes., Gal., IV, 17.
793
Ver Livro VIII, cap. 6.
794
É intraduzível o jogo de palavras conseguido pela semelhança fonética entre ripae (mar-
gens) e rupes (rochas). Esta figura de estilo, a que se dá o nome de paronomásia, cria
uma aproximação, subtil e expressiva, entre duas realidades simultaneamente próximas e
distintas.

306
Edificios para Fins Universais

livre, tanto mais rápido e impetuoso se precipita; por isso, o meio do rio
deve ser deixado sem nada, para não prejudicar a solidez dos pilares,
batendo contra eles. E os pilares devem ser colocados através do rio onde as
águas correm mais moderadas e, por assim dizer, mais preguiçosas. As
cheias mostrarão indícios para conhecer qual é esse lugar; de qualquer
modo, nós abordaremos esta questão da seguinte forma.
Imitando aqueles que deitaram nozes ao rio, para que os sitiados as
recolhessem e se alimentassem 795 , nós lançaremos, em toda a largura do rio,
qualquer coisa que flutue na água, a uns mil e quinhentos passos 796 a mon-
tante, de preferência no tempo em que o rio vai cheio. Será indício de que
as águas correm com mais ímpeto num determinado ponto, o facto de nesse
sítio se juntar um maior número de objectos atirados ao rio: por isso, evita-
remos colocar os pilares nesse sítio; escolheremos aquele aonde os objectos
lançados chegaram em menor número e com mais demora.
O rei Menes 797 , tendo decidido fazer uma ponte em Mênfis, desviou o
Nilo para outro lugar através dos montes, e acabada a obra, restituiu-o ao
seu leito. Nitócris, rainha da Assíria, tendo preparado tudo o que era neces-
sário para construir uma ponte, desviou o rio 798 para um lago extensíssimo
escavado para esse efeito e, entretanto, enquanto o lago se enchia, levantou
os pilares no leito enxuto do rio.
Assim procederam eles. Pela nossa parte, assim prosseguiremos. Durante
o Outono, quando o rio leva pouca água, devem assentar-se as bases dos
pilares, com a ajuda de um dique previamente construído em volta. É esta a
maneira de fazer o dique. Fixam-se duas fiadas de estacas bastante numero-
sas de tal modo que as extremidades emirjam da água como uma espécie de
paliçada e, na parte interior, do lado dos pilares, colocam-se caniços em
torno da paliçada; enchem-se os espaços entre as duas fiadas com limos e
lodo; espessam-se por calcamento, até que a água já não consiga passar de
maneira nenhuma; em seguida, extrai-se o que está no interior do dique,
quer seja apenas água, limo ou areia, ou qualquer outra coisa que prejudique

795
Referência ao cônsul Semprónio Graco que, durante a segunda guerra púnica, socorreu
os habitantes de Casilino (na Campânia), sob o cerco das tropas de Aníbal, com cestas
de nozes lançadas, a partir do acampamento romano, no rio Volturno (cf. Liv., XXIII,
19, 12).
796
Equivalente a 2,216 km.
797
Menes, o primeiro rei do Egipto unido que governou c. 2200 a. C., desviou o rio Nilo
de Mênfis por meio de um dique (cf. Hdt, II, 99).
798
O rio a que Hérodoto (I, 186) se refere é o Eufrates que se situa no actual Iraque.

307
Livro Quarto

a obra. O resto executa-se como descrevemos no livro anterior 799 : cava-se


até encontrar terreno sólido ou, de preferência, consolida-se com muita fir-
meza o solo por meio de estacas endurecidas ao lume.
A este propósito, notei que os bons arquitectos costumavam assentar
uma base contínua em toda a extensão da ponte. Não a faziam toda de uma
vez, interceptando o rio com um único dique, mas sim juntando novas par-
tes às partes já colocadas. Com efeito, não é possível deter e conter com-
pletamente a força da água. Por isso, enquanto construímos a obra, devemos
deixar canais por onde possa ser descarregado o ímpeto do avanço das
águas. Estes canais ou se deixam abertos no próprio leito ou, onde for con-
veniente, serão preparadas condutas de madeira e canais suspensos, por onde
se escoe o excesso de água da corrente.
Mas se te apetece fazer tamanha despesa, põe em cada pilar uma base
simples, de forma oblonga, à semelhança de uma libuma 800 com a proa e a
popa alongadas e terminadas em ângulo, e orienta-as em linha no sentido da
corrente, para que possam dividir e quebrar o ímpeto do embate das águas.
Importa recordar que as correntes são mais nocivas para as popas dos pila-
res que para as proas. Isso é evidenciado pelo facto de que a água embate
mais agitada contra as popas dos pilares do que contra as proas; além disso,
vêem-se pegos profundos escavados junto das popas dos pilares, ao passo
que as proas permanecem sólidas, num leito cheio de areia. Assim sendo, é
necessário que estas partes sejam, em toda a mole da obra, as mais reforça-
das e as mais sólidas, para aguentarem os incessantes embates das águas.
Por isso, será extremamente útil se as fundações do embasamento se prolon-
garem muito em todas as direcções e, sobretudo, se junto da popa, na
medida em que reste, no caso de uma parte das estacas serem levadas, ainda
um bom número que seja capaz de aguentar a carga dos pilares. Será, sobre-
tudo, útil que qualquer base de fundação seja, nesse lugar, prolongada em
declive desde o ponto de partida, de tal modo que as águas que correm por
cima dela não caiam abruptamente, mas deslizem facilmente em suave
queda. Com efeito, a água que cai abruptamente revolve o fundo e daí, tor-
nando-se mais agitada, arranca os materiais revolvidos, escavando esse lugar
momento a momento.
Construiremos os pilares com pedra muito grande, de comprimento e
largura excepcionais, que resista por natureza à geada, que não amoleça com
a água e que, por qualquer forma, não se dissolva facilmente nem se desfaça

799
Ver Livro III, cap. 3.
800
Galera de guerra romana com duas filas de remos.

308
Edificios para Fins Universais

sob o peso; será reunida com outras com todo o cuidado, com a ajuda de
uma régua, de um prumo e de um nível, unidas as suas faces em todos os
pontos, ligadas entre si por encaixes, longitudinal e transversalmente, sem
utilizar qualquer espécie de enchimento de pedra miúda; aplicar-se-ão cavi-
lhas e grampos de bronze em grande número, sendo os furos de inserção tão
apertados e de tal maneira dispostos que não debilitem as pedras, ferindo-as,
mas antes as fortaleçam, segurando-as; a obra, com a proa e a popa em
saliência angular por todo o vértice, será elevada a uma altura tal que as
faces dos pilares sobrepujem as cheias mais transbordantes.
A espessura dos pilares será um quarto da altura da ponte. Houve quem
tenha terminado as proas e a popa não em ângulo mas em semicírculo:
penso que se deixaram levar pela elegância do delineamento. E embora eu
tenha dito que o círculo tem as forças de um ângulo, neste caso prefiro o
ângulo, contanto que não seja tão obtuso que, esborcelado ao mais ligeiro
toque, perca a beleza. E, mesmo assim, esborcelado e rombo como um cír-
culo, prefiro-o, desde que não fique tão obtuso que trave a velocidade per-
niciosa da água que embate contra ele. Estabeleceremos que o ângulo con-
veniente para os pilares será aquele que meça um ângulo recto e um terço
ou, se este não te agrada, será aquele que meça um ângulo recto e meio.
Isto quanto aos pilares.
Mas se, devido à natureza do lugar, os encontros das margens não se
proporcionarem como as desejamos, reforçá-las-emos com a técnica dos
pilares e estenderemos os últimos pilares e alguns arcos até à margem, já
fora de água, de tal modo que, se acaso a acção contínua da corrente, com
o passar do tempo, for desgastando a margem, não seja contudo interrom-
pida a via, já que a ponte se prolonga para a terra firme.
Convém que sejam extremamente resistentes e extraordinariamente
reforçadas as abóbadas e os arcos, entre outras razões por causa das violen-
tas e contínuas trepidações das carroças. Acrescente-se que às vezes é pre-
ciso fazer passar pela ponte cargas porventura enormes de colossos e obelis-
cos e outras do mesmo género, a ponto de os empreiteiros do estado
temerem os danos provocados, coisa que sucedeu a Escauro quando trans-
portava um marco fronteiriço 80 1• Por tal motivo a ponte, pelo seu delinea-
mento e por toda a sua construção deverá ser preparada para sempre contra
os embates dos carros, frequentes e muito prejudiciais.

801
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 6) relata que um construtor de cloacas exigiu a Marco
Emílio Escauro, edil no ano 58 a. C. , segurança contra possíveis danos causados aos
drenos pelo transporte arrastado de colunas para o cume do Palatino.

309
Livro Quarto

Que nas pontes se devem empregar pedras inteiras muito grandes, a isso
nos induz a razão convencendo-nos com o exemplo da bigorna. Na verdade,
se esta for grande e igualmente pesada, facilmente aguentará as pancadas
dos malhos; mas se for leve, saltará com os golpes e mover-se-á. Dissemos
que a abóbada se mantém firme por acção dos arcos e das partes comple-
mentares e que o arco mais firme é o arco de volta perfeita 802 • Mas se, da
disposição dos pilares, o arco de volta perfeita resultar inconveniente por
causa de a sua curvatura ser excessivamente acentuada, então empregaremos
um arco abatido, reforçando bem as escoras das margens com uma espessura
mawr.
Finalmente, qualquer tipo de arco, que esteja nas extremidades dessa
abóbada, será feito de pedra tão grande e tão dura como aquela que se con-
siderou dever ser utilizada nos pilares. E neste arco não deve haver pedras
com uma espessura inferior a um décimo da sua corda. A corda não deverá
ter de comprimento mais que o sêxtuplo da espessura do pilar, nem menos
que o quádruplo. Para manter ligadas entre si as aduelas deste tipo, devem
ser inseridas cavilhas e grampos de bronze bem fortes. Além disso, a aduela
superior do arco, a que se dá o nome de chave, será talhada pelo alinha-
mento das restantes, mas terá um pouco mais de espessura numa das suas
extremidades, de tal modo que não possa ser colocada e encaixada senão
com um malho ou com um aríete pequeno. Com efeito, deste modo as adue-
las que se seguem por todo o arco, apertadas com mais força, manter-se-ão
com mais firmeza nas suas funções .
Todas as partes complementares serão trabalhadas na mais perfeita
pedra que é possível encontrar e unidas com um ligamento da maior tenaci-
dade que houver. Mas se não houver da pedra mais sólida em quantidade
suficiente, não recusarei que, por necessidade, se façam as partes comple-
mentares com pedra mais fraca, contanto que, em todo o dorso da abóbada,
não se admita que a chave, bem como as aduelas encaixadas imediatamente
a seguir de ambos os lados, não sejam senão de pedra muito dura.
Segue-se a pavimentação. Essa obra não é mais exigente nas pontes do
que nas vias e toda ela depende dos princípios a observar na pavimentação
delas, aspecto de que tratámos no livro precedente 803 • Mas há esta diferença:
nas vias contínuas o solo deve ser prensado e coberto de cascalho até à
altura de um côvado; de seguida a pedra deve ser assentada por cima com

802
Para Alberti uma abóbada consiste numa série de arcos, assim como uma parede num
conjunto de colunas (cf. Livro III, cap. 13 ).
803
Ver Livro III, cap. 16.

310
Edificios para Fins Universais

massa de areia limpa, do rio ou do mar. Nas pontes, porém, a substrutura e


o solo devem ser nivelados por meio de um enchimento de cascalho, até
atingir uma espessura igual à do seu arco; a seguir a isso, o pavimento deve
ser coberto de cal.
Nos outros aspectos segue-se igual procedimento nas vias como nas
pontes. Os lados serão protegidos por alvenaria muito resistente e o pavi-
mento será feito de pedra, nem tão pequena e movediça que com um leve
impulso seja arrancada, nem tão grande que um jumento, começando a des-
lizar como em terreno escorregadio, caia antes de encontrar uma fenda onde
o casco se possa agarrar.
É muito importante a pedra com que se pavimenta. Ou o que é que jul-
gas que acontece com o longo e incessante atrito dos jumentos e das rodas,
quando temos à vista que as formigas escavam um carreiro com o atrito dos
pés através do próprio sílex? Mas eu reparei que os Antigos, não só em
várias vias, como também na via Tiburtina, pavimentaram o centro com
pedra de silícea, ao passo que cobriram ambos os lados com cascalho
miúdo: e isso para que, no centro, as rodas desgastassem menos o pavi-
mento e, nos lados, o cascalho fizesse ressoar menos o bater dos cascos dos
animais. Em outros lugares e principalmente nas pontes, os Antigos tinham
nas bordas, em toda a extensão da ponte, passeios elevados com degraus de
pedra, por onde os peões pudessem caminhar sem se sujarem, ao passo que
o meio era deixado às diligências e aos cavaleiros.
Em geral, para este tipo de obra os Antigos privilegiaram o uso da
pedra silícea. Entre as várias espécies de sílex, o poroso é o mais conve-
niente, não por ser mais duro, mas porque é menos escorregadio para os
pés. Utilizaremos a pedra, seja qual for a sua qualidade, em função da sua
abundância, desde que se escolham as mais duras para pavimentar, pelo
menos, aquela parte da via que os animais de carga procuram, caminhando
lentamente (e procuram, de facto , a mais plana e recusam em absoluto a
mais inclinada); e empregar-se-á quer o sí.lex, quer outro tipo de pedra, com
um côvado de lado, de espessura não inferior a um pé, com a superfície de
cima plana, os lados unidos sem espaços vazios entre si, com uma incli-
nação para ambos os lados para que a água da chuva escorra nas duas
direcções.
Há três formas de inclinação. Efectivamente, ou o declive desce para o
meio do pavimento, que é o que se utiliza nas vias mais largas; ou para os
lados , que é o que menos entrava as vias mais estreitas; ou prolonga-se a
direito no sentido longitudinal. Essas situações serão ponderadas em função
de o escoamento dos esgotos e dos canais correr para o mar, para um lago,
ou para uma corrente de água. A inclinação correcta é de meio dedo por

311
Livro Quarto

cada dois côvados 804 • Verifiquei que os Antigos empregavam inclinações de


um pé por cada trinta nas subidas de montanha. E, em alguns lugares, por
exemplo nas extremidades das pontes, vêem-se inclinações com uma subida
de um palmo por cada côvado 805 ; mas essas são tão curtas que um animal
carregado pode ultrapassá-las de um só lanço.

CAPÍTULO VII

Pensa-se que os esgotos têm a ver com a construção das vias, porque
devem ser construídos por debaixo do seu eixo longitudinal, porque têm
incidência na sua pavimentação, nivelamento e limpeza. Por tal motivo,
devemos ocupar-nos deles aqui. Na verdade, pergunto eu, que é um esgoto
senão uma ponte, ou melhor uma espécie de arco de largura excepcional? 806
É por isso que, na construção dos esgotos, deve ser observado integralmente
tudo aquilo que até aqui dissemos sobre a construção das pontes.
Aliás, os Antigos consideram tão importante a função dos esgotos que
em nenhuma outra obra, onde quer que seja, parece terem investido tanta
despesa e tanto esforço. Entre as maravilhas da cidade de Roma, enumeram-
-se as cloacas como as primeiras.
Não insisto aqui na quantidade de vantagens com que os esgotos con-
tribuem para salvaguardar o esplendor da cidade, a limpeza dos edificios
públicos e privados, a salubridade e a pureza do ar. Conta-se que a cidade
de Esmirna, na qual Dolabela libertou Trebónio 807 de um cerco, teria sido
belíssima, por causa das suas vias em linha recta e pela ornamentação dos
seus edificios; mas, porque não tinha esgotos que recolhessem as imundícies
lançadas fora, incomodava muito os visitantes com a sua sujidade. A Siena,
na Toscana, faltam-lhe os esgotos para ter esplendor; daí resulta que não só
à primeira e à última vigília da noite, horas em que se despejam pelas jane-
las os recipientes cheios de imundícies, toda a cidade cheira mal, mas tam-
bém durante o dia é imunda e impregnada de fedor.

804
Equivalente a um declive de um para noventa e seis. O sistema de medidas romano
usava, em geral, o pé (29,6 cm) e o grego o côvado (44,32 cm).
805
Equivalente ao gradiente de um para seis.
806
Faixas de redundância são apresentadas quando são definidos termos construtivos, como
sucede com a descrição dos esgotos, como uma espécie de arco com largura excepcional.
807
Trebónio foi assassinado por Dolabela em 43 a. C., durante a guerra civil, quando era
procônsul para a Ásia em Esmima, cidade da costa ocidental da Ásia Menor (App.,
Hist., XV, 26).

312
Edificios para Fins Universais

Um tipo de esgotos são aqueles a que chamo derramadores, porque der-


ramam no rio, no lago ou no mar, as águas que recebem; outro tipo são os
sedimentares, aqueles que não despejam em outro lugar as imundícies que
recebem com as águas, mas como que as eliminam por sedimentação absor-
vendo-as num leito de terra. Os esgotos derramadores devem ser revestidos
de um pavimento em declive, inclinado e compacto, para que por ele o
escoamento se faça livremente e os materiais aí empregados não sejam dete-
riorados por uma humidade permanente. E convém que os esgotos deste tipo
fiquem acima do nível do rio, para evitar que sejam inundados pelo ímpeto
das cheias e obstruídos de lodo. Para os sedimentares basta-nos o solo ao
natural. Os poetas dizem que a terra é o Cérbero 808 > os filósofos que ela é o
lobo dos deuses, porque tudo devora, tudo consome. Por isso, as imundícies
e os dejectos recebidos desaparecem eliminados pela terra e exalarão menos
vapores que empestem o olfacto.
Mas eu gostaria que os esgotos em que deve ser despejada urina fossem
afastados dos muros: porque com o calor do sol são terrivelmente afectados
e deterioram-se.
Por um lado, sou de opinião de que os rios e os canais, sobretudo aque-
les que servem para serem sulcados por embarcações, se devem considerar
como vias, uma vez que ninguém negará que um navio pertence à categoria
dos veículos; e, por outro lado, não é verdade que o mar, por sua natureza,
não passa, em última análise, de uma via muito espaçosa? Mas não nos
ocuparemos aqui desta matéria, que merece ser tratada mais largamente.
Se se der o caso de que estas coisas sejam insuficientes para as neces-
sidades dos homens, será possível, com destreza e arte, corrigir os defeitos
que se vierem a encontrar e acrescentar as comodidades que faltarem; da
forma de o fazer nos ocuparemos em outro lugar 809 .

CAPÍTULO VIII

Se há alguma parte da cidade a que se aplica aquilo de que aqui deve-


mos tratar, essa é, sem dúvida, o porto. Na verdade, o porto é como a meta
num estádio, a partir da qual se entra na pista ou, concluída a corrida, se sai

808
Cão de várias cabeças, geralmente descrito como tricéfalo, que vigiava a entrada do
Hades, o reino subterrâneo dos mortos.
809
Ver Livro X, cap. I O.

313
Livro Quarto

dela e descansa 810 • Outros entenderão, talvez, que o porto é o estábulo da


embarcação. Seja como se queira, meta, estábulo e estacionamento, em todo
o caso, se é próprio de qualquer porto acolher e proteger o navio do ímpeto
das procelas, não há dúvida de que deve ter flancos poderosos e elevados.
Deve, além disso, ocupar espaço conveniente de tal modo que as embarca-
ções, grandes e carregadas, aí se possam acolher facilmente e ancorar em
segurança; se a natureza do lugar proporcionar por si mesma estas condi-
ções, nada mais há a desejar, a não ser que - como em Atenas que, segundo
Tucídides, tinha três portos naturais 811 - fiques porventura hesitante sobre
qual deles deves escolher como o melhor, e onde deves empreender as res-
tantes construções de que um porto necessita.
Mas, por aquilo que aqui dissemos no livro primeiro, vê-se claramente
que há regiões em que não sopram ventos fortes e outras em que, pelo con-
trário, predominam alguns extremamente incómodos e incessantes 812 • Por
isso, preferiremos o · porto que pelas suas embocaduras respire brisas suaves
e tranquilas, e no qual se possa entrar e sair com ventos favoráveis e sem
ter de esperar por eles durante muito tempo. Entre todos os ventos, o Bóreas
é considerado o mais tranquilo; afirma-se também que, quando o mar é agi-
tado pelo Aquilão, logo que o vento cessa imediatamente fica calmo, e que
continua a fazer ondas durante muito tempo depois de o Austro cessar.
Mas, em função da variedade dos lugares, escolher-se-ão para uso dos
navios os lugares que sejam mais convenientes e desimpedidos. Prefere-se
um lugar profundo, não só nas embocaduras, mas também na enseada e nas
margens, que não rejeite um navio de carga carregado de mercadorias; con-
vém que o fundo seja limpo e não tenha vegetação, embora se reconheça
que muitas vezes as ervas densas e as raízes emaranhadas contribuem gran-
demente para fixar as âncoras. Pela minha parte, prefiro que o porto seja tal
que em si nada contenha que contamine a pureza do ar ou danifique os
navios, como, por exemplo, algas e ervas nascidas nas águas: com efeito,
dão origem a vermes, carunchos e minhocas, muito prejudiciais para os cas-
cos dos navios, e a cheiros nauseabundos que poluem as praias. Tomam
também o porto poluído e pestilento as águas doces que se lhe misturam,

810
Na concepção estrutural de Alberti o porto é uma das entradas - aberturas - da cidade.
811
Thuc., I, 93. Dos três portos de Atenas, o de Pireu, o de Muníquia e o de Falérios, amu-
ralhados por Temistócles no âmbito da Guerra do Peloponeso, o primeiro é o principal
e os restantes são destinados à construção e reparação de navios. Cf. Caye-Choay, 2004,
p. 215, n. 116.
812
Ver Livro 1, cap. 5.

314
Ediflcios para Fins Universais

sobretudo as águas das chuvas vindas dos montes 813 • É conveniente, todavia,
haver fontes e rios nas proximidades, de onde se possa tirar água limpa e
que se possa conservar no navio.
E gostaria que o porto tivesse saídas desimpedidas, directas e seguras,
isentas de bancos de areia, livres de obstáculos, protegidas das ciladas dos
inimigos e dos piratas; e também que à entrada se elevassem, altos e bem
visíveis, alguns picos de montanhas, insignes, fáceis de identificar, para onde
os marinheiros se pudessem dirigir, reconhecendo ao longe o ponto de des-
tino da sua navegação.
Dentro do porto é necessário construir o cais e a ponte para facilitar a
aproximação e a descarga do navio. Os Antigos fizeram estas obras cada um
à sua maneira: não é aqui o lugar adequado para falar desse aspecto. Com
efeito, a sua técnica tem a ver com a reparação do porto e a construção do
molhe, de que se falará em lugar apropriado 8 14 • O porto terá também, à sua
volta, um passeio, um pórtico e um templo, onde possam ser recebidos os
desembarcados. Não faltarão colunas 815 , e ganchos, e argolas de ferro onde
o navio seja amarrado. Implantar-se-ão frequentes galerias em abóbada para
guardar as mercadorias transportadas.
Diante das embocaduras erguer-se-ão torres altas e fortificadas, para que
desse observatório se veja ao longe a chegada das velas e com luzes na
noite se mostre aos marinheiros as passagens seguras. E dos baluartes
defendam-se as embarcações amigas e lancem-se correntes de través para
não dar passagem às inimigas. E do porto dirija-se para a cidade uma via
militar e nela confluam não poucas ruas, pelas quais, de todos os lados, se
possa reagir contra a armada atacante dos inimigos; e terá, voltadas para o
interior, docas mais pequenas, onde se possam restaurar as embarcações
debilitadas. Mas, no que diz respeito ao porto, não se deixe de ter em conta
o seguinte: houve e há cidades famosas mais seguras, precisamente porque
as embocaduras e o espaço que as rodeia têm um acesso dificil, e só com
dificuldade é conhecido pelos olhos daqueles que em cada hora vão obser-
vando a mudança de lugar dos canais.
É isto que me pareceu necessário dizer relativamente a obras públicas
destinadas a todos; a não ser que se queira acrescentar que é recomendável
distribuir praças nas quais, em tempo de paz, se vendam mercadorias e a

813
Ver Livro IV, cap. 2.
814
Ver Livro V, cap. 12, e Livro X, cap. 12.
815
O termo columnae é utilizado com o significado de pegão.

315
Livro Quarto

juventude se exercite e, em tempo de guerra, se guardem as provtsoes de


madeira, de pasto e de outros produtos para ajudar a resistir ao cerco.
O templo, os santuários, o tribunal e o teatro 8 16 , e outros edificios do
mesmo género, não são mais comuns a todos do que próprios de uns pou-
cos, sejam eles os sacerdotes ou os magistrados. Destes aspectos se falará
em lugar próprio 817 •

8 16
O termo spectaculum na Antiguidade compreendia o teatro, o circo e a arena de gladia-
dores, mas não no séc. XV na Europa onde passa a ser um edifício de uns poucos, isto
é, com uma escala mais íntima do que a das arenas daquele período. Cf. Rykwert et a/ii,
1988, p. 425 ; Hersey, 2004, p. 122.
817
Ver Livro VII, caps. 3, 14 e 15 e Livro VIII, cap. 7 e 8.

316
LEON BATTISTA ALBERT!
COMEÇA O LIVRO QlJINTO: EDIFÍCIOS PARA FINS
PARTICUlARES

CAPÍTULO I

N
o livro anterior 818 , explicámos que as várias espécies de edifícios,
no campo como na cidade, se devem adequar aos interesses dos
habitantes; e deixámos claro que uns edifícios se destinam ao con-
junto da comunidade dos cidadãos, outros aos cidadãos notáveis, outros ao
povo anónimo. Quanto àqueles que são da conveniência de todos, nada mais
temos a dizer. Este quinto livro será dedicado às necessidades e conveniên-
cias dos particulares. Por isso, em assunto tão multifacetado, vasto e difícil
de expor, envidaremos todos os esforços, quanto o permitir o nosso engenho
e arte, para que entendas que eu pretendi nada omitir do que alguém possa
desejar como adequado ao assunto e nada acrescentar que contribua mais
para enfeitar o discurso, do que para levar a cabo o nosso propósito.
Comecemos, pois, pelos mais altos dignitários. Os mais altos dignitários
de todos são aqueles a quem é confiada a autoridade suprema e a direcção
do Estado 819 • Estes poderão ser vários ou apenas um. E o mais alto de todos
é aquele que, sozinho, preside aos restantes. Consideremos, portanto, que
edifícios se devem fazer exclusivamente para ele. Mas é da maior importân-
cia definirmos que género de pessoa será ele: acaso será semelhante a
alguém que exerce a sua autoridade santa e piamente, com a aceitação de

818
Ver Livro IV, cap. 1.
819
A formação de uma classe dirigente, cujas aspirações se revêem em interesses colectivos
e não individuais, à semelhança do que sucedia na República Romana, é recorrente na
obra literária de Alberti, como sucede nas Jntercenales e no Momus, ao contrário do que
expõe no tratado, onde se limita a descrever os meios para satisfazer as necessidades
defensivas da cidade governada por reis, como da regida por tiranos.

317
Livro Quinto

todos, e que não se deixa motivar mais pelos seus lucros pessoais, do que
pelo bem-estar e interesses dos cidadãos; ou, pelo contrário, será semelhante
a alguém que quer organizar um estado de súbditos de modo a impor o seu
poder mesmo contra a sua vontade 820? Com efeito, tanto os restantes edifi-
cios, todos eles, como a própria cidade, não devem ser os mesmos para
aqueles que se chamam tiranos, que para aqueles que detêm o poder e o
exercem como uma magistratura que lhes foi concedida. Uma cidade gover-
nada por reis estará guarnecida mais que o suficiente quando tem capacidade
para se defender de um inimigo vindo do exterior. O tirano, não sendo os
seus súbditos mais perigosamente seus inimigos do que os estrangeiros, pre-
cisa de guarnecer a cidade de ambos os lados: contra os de fora e contra os
seus, e guarnecê-la de tal modo que possa contar com a ajuda de estrangei-
ros e dos seus contra os seus 82 1•
No livro anterior 822 , fizemos a fortificação da cidade contra os inimigos:
consideremos agora o que convém fazer contra os seus. Eurípides 823 é de
opinião que a multidão, por sua natureza, é um adversário poderosíssimo e
que se toma absolutamente inexpugnável quando à força alia a astúcia e a
insídia. A cidade do Cairo, no Egipto, era tão populosa que a consideravam
incólume e gozando de boa saúde quando não eram levados a enterrar por
dia mais de mil defuntos; por isso, prudentíssimos reis dividiram-na por
meio de numerosos canais, de tal modo que se diria ser, não já uma, mas
várias cidades pequenas ao lado umas das outras. Fizeram-no - segundo
creio - para difundir por toda a parte os beneficias do Nilo; mas com isso
conseguiram, acima de tudo, evitar o receio dos vários motins da multidão e
reprimir sem esforço nenhum os amotinados: como se alguém de uma
enorme estátua colossal fizesse duas ou mais estátuas, fáceis de manejar e
transportar.
Os Romanos não enviavam para o Egipto um senador como procônsul,
mas distribuíam, por cada uma das suas regiões, funcionários da classe
equestre. Arriano 824 dizia que assim o haviam instituído para que, sendo uma

820
X en., Oec., XXI, 4-5.
821
Na obra satírica Momus (IV), Alberti denuncia metaforicamente os comportamentos
autoritários do Papa Nicolau V, apesar deste "se ter sempre aconselhado com Leon Bat-
tista" (Vasari, 1568, p. 92) em relação ao programa de melhoramentos do Vaticano, do
Borgo e da antiga Basílica Constantina de S. Pedro.
822
Ver Livro IV, cap. 4.
m Eur., Hec., v. 884.
824
Arr., Anab., III, 5-7.

318
Edificios para Fins Particulares

província tão inclinada às novidades políticas, não fosse dirigida sob a auto-
ridade de um só homem 825 . E notaram os antigos que não se encontrava
nenhuma cidade imune às revoltas dos cidadãos, senão aquela cuja área
fosse dividida pela natureza, como quando é atravessada por um rio, ou
quando se elevam várias colinas, ou uma parte dela se situa numa colina e
a outra na planície.
A cidade terá todas as vantagens em ser dividida por um muro interca-
lar. Penso que este não deve atravessar a área como uma espécie de diâme-
tro, mas incluir um círculo dentro de outro círculo 826 : com efeito, os ricos,
preferindo usufruir de espaços mais amplos que é possível, facilmente acei-
tarão ficar do lado de fora da primeira muralha, deixando de bom grado aos
pasteleiros do fórum o mercado, as oficinas do centro da cidade e as lojas
dos artesãos; e a turba ociosa dos salsicheiros, açougueiros, cozinheiros e
outros que tais, de que fala o Gnatão de Terêncio 827 , trará mais segurança e
menos suspeitas à cidade, do que se dela não fossem excluídos os cidadãos
mais notáveis.
Não vem fora de propósito o que lemos em Festo 828 : que Sérvio Túlio
ordenou que os patrícios habitassem num bairro em que, se alguma sedição
surgisse, pudesse esmagá-la de um lugar mais elevado.
Deve-se construir o muro interior de tal modo que não haja nenhuma
zona da cidade por onde ele não passe; e, tal como as restantes muralhas da
cidade, esta principalmente deve erguer-se, graças à espessura e à técnica de
construção, com tanta solidez e tão alta que exceda todos os edifícios dos
particulares; e convém reforçá-la, de ambos os lados, com ameias e merlões,
e talvez com um fosso, para que ao longo dela os guardas estejam protegi-
dos e defendidos de ambos os flancos. Além disso, deve haver torres, não
abertas para o interior, mas cingidas em toda a volta pela muralha e dispos-
tas tanto contra os de dentro como contra os inimigos de fora, sobretudo nos
lugares onde vão desembocar as vias e para onde estão voltados os altos

825
Durante o Principado (sécs. I-III d. C.) o legatus Augusti pro praetore detinha o poder
de comando militar e do governo de uma província, por delegação e não por direito pró-
prio, enquanto representante do imperador.
826
A descrição de Babilónia, por anéis concêntricos, referida por Heródoto (I, 181 ), tem
sido confirmada por achados arqueológicos, que mostram que existiam dois lanços de
muralhas ladeando uma via (cf. Asheri et a!ii, 2007, I, p. 3 71 ).
827
Ter. , Eun., v. 255-229.
828
Para uma consulta à fonte citada por Alberti veja-se Festo (XIV, P) , in Epitoma de ver-
borum significatu Verri Flacci, onde se faz uma referência a Sérvio Túlio em Patricius
Vicus.

319
Livro Quinto

edificios das igrejas. Gostaria que não houvesse nenhuma outra maneira de
subir às torres senão através da própria muralha, e nenhum acesso à mura-
lha do lado da fortaleza senão por onde o príncipe o tiver permitido. Em
toda a cidade não deve haver arcos nas ruas, e em parte nenhuma deve
haver torres; devem também ser proibidas as varandas salientes, de onde as
flechas possam correr com os soldados que patrulham as ruas. Finalmente,
toda a edificação destas obras deve ser tal que só aquele que impera domine
todos os lugares elevados e ninguém dificulte aos seus a possibilidade de
percorrer toda a cidade. É nisto que uma cidade de tiranos se distingue de
uma cidade de reis.
Talvez se distingam ainda pelo facto de serem mais agradáveis as pla-
nícies para os povos que gozam de liberdade, ao passo que o tirano se sente
mais seguro em terreno elevado. De resto, os edificios habitados pelos reis e
pelos tiranos têm muitos aspectos em comum entre si e também com os edi-
ficios plebeus de proprietários particulares, mas em outros aspectos apresen-
tam diferenças relativamente a estes e em relação uns aos outros. Falaremos
em primeiro lugar daquilo que lhes é comum e, a seguir, daquilo que é
peculiar de cada um.
É ideia generalizada que este género de habitações foi criado por neces-
sidade. Nelas há, porém, algumas partes, além do mais, cómodas, que o uso
e o modo de viver fazem com que se considerem necessárias, tal como o
pórtico a álea, a alameda, etc. Nós, uma vez que a natureza da edificação
assim o requer, não faremos distinções com base na separação entre o
cómodo e o necessário, mas na afirmação de que, tal como sucede nas cida-
des, assim também relativamente às casas, há umas partes que são de todos,
outras de uns poucos e outras individuais.

CAPÍTULO II

Somos de opinião que o pórtico e o vestíbulo não são mais destinados


aos escravos - como pensa Diodoro 829 - do que a todos os cidadãos. Dentro
da casa, a galeria, o pátio, o átrio, o salão, que, segundo julgo, deriva de
saltar 830 , porque nela se celebra a alegria das bodas de casamento e dos con-

829
Diod. Sic., V, 40, 1.
830
Em latim saltare significa dançar. Cf. Macr. , III, 14, 6.

320
Edificios para Fins Particulares

vivas, não são de todos mas apenas dos seus moradores. Como sabemos, há
uma sala de jantar própria dos senhores e outra dos criados; os quartos das
mulheres casadas, das solteiras e dos hóspedes são, regra geral, individuais.
No livro primeiro tratámos da divisão de todas estas partes do edificio, na
medida em que vinha a propósito das questões gerais 83 1: é de facto necessá-
rio defini-las adequadamente, quanto ao delineamento, ao número, dimen-
sões e localização, em função do uso de cada uma delas. Mas agora passa-
remos à sua especificação em pormenor.
Um portal dará mais pompa ao pórtico e ao vestíbulo. Por sua vez, o
portal recebe mais importância da rua para a qual está voltado e da digni-
dade da construção com que foi realizado. As salas de jantar interiores, as
despensas e outras dependências serão situadas em lugares convenientes, de
modo que os produtos lá guardados se conservem em boas condições, haja
boa adaptação ao clima, ao sol e aos ventos, e correspondam ao uso a que
se destinam; e serão diferenciadas para que se evite que a convivência entre
hóspedes e moradores diminua a estes a dignidade, o bem-estar e o prazer,
e àqueles acrescente atrevimento.
E assim como na cidade há fórum e praças, assim nas casas haverá
átrio, salão e outras divisões do mesmo género 832 : e .não sejam em lugar
afastado, escondido e com falta de espaço, mas antes suficientemente amplas
para nelas confluírem, sem nenhuma espécie de obstáculos, os restantes
membros do edificio. Na verdade, nessas dependências irão desembocar as
aberturas das escadas e dos corredores, e se fará a apresentação de cumpri-
mentos e de felicitações dos visitantes.
A casa não terá múltiplas entradas, mas apenas uma, para que ninguém
possa entrar ou levar alguma coisa consigo sem o porteiro se aperceber.
Teremos o cuidado de evitar que as aberturas, tanto das portas como das
janelas, sejam acessíveis aos ladrões e aos vizinhos, permitindo-lhes intro-
meter-se, observar e conhecer o que se diz ou faz dentro de casa. Os Egíp-
cios constroem as suas casas com tal privacidade que, do lado de fora, não
se vêem aberturas de janelas.
Poderá, talvez, alguém desejar que haja uma porta nas traseiras, pela
qual sejam levadas as colheitas transportadas em carroças ou animais de
carga, para se evitar que a entrada principal seja degradada pelos excremen-
tos; e poderão acrescentar um postigo mais afastado, por onde só. o senhor,

831
Ver Livro I, cap. 9.
832
É retomada a analogia entre casa e cidade referida no Livro I, cap. 9, bem como no
Livro V, caps. 5 e 14.

321
Livro Quinto

sem a família 833 saber, possa fazer entrar e sair, à sua vontade, os correios e
os mensageiros secretos, consoante os tempos e as circunstâncias o exigirem.
Não os desaprovo. Eu farei muita questão em que não faltem refúgios secre-
tíssimos, esconderijos ocultíssimos e saídas clandestinas, conhecidas apenas
do páter-famílias , por onde, em circunstâncias adversas, possa pôr a salvo o
seu dinheiro, a sua roupa e a sua pessoa, se a isso o levar a desgraça dos
tempos. Tinham sido construídos no túmulo de David nichos, onde se
pudessem esconder os tesouros da fazenda real, dissimulados com tal arte
que de modo nenhum podiam ser descobertos. De um deles, após mil e tre-
zentos anos, diz Josefo 834 que o sumo pontífice Hircano retirou três mil
talentos de ouro, para libertar a cidade do cerco de Antíoco. Afirma-se,
ainda, que, tempos depois, Herodes roubou do outro nicho grande quanti··
dade de ouro.
São estes os aspectos que as casas dos príncipes têm em comum com as
dos particulares. Entre aquelas e estas existe esta gran_de diferença: acima de
tudo, cada uma delas tem a marca própria dá sua natureza. Sem dúvida, nas
primeiras, as partes destinadas a ser usadas por várias pessoas são superio-
res em número e dimensão; nas segundas, as partes que se destinam a ser
usadas por poucos, ou por uma só pessoa, convém que sejam mais requinta-
das do que grandiosas. Há ainda esta diferença: nas primeiras é necessário
que mesmo os aposentos individuais tenham o asp.ecto principesco daquelas
partes -que são para uso de muitos, visto que nos palácios dos reis, não há
espaço nenhum em que não superabunde a multidão: ao passo que, nas casas
particulares, as partes que não são de uso comum convém que sejam arran-
jadas de modo a parecer que o páter-famílias, com a sua edificação, não
tinha em mente mais que a si próprio.
E terá o palácio real aposentos absolutamente distintos para a esposa,
para o marido e para a criadagem, de tal modo que por toda a parte abunde
aquilo que contribui não só para a utilidade mas também para a majestade,

833
O termo família refere-se tanto à família romana, alargada e constituída por diversos
membros, aceites por nascimento ou por acto jurídico, submetidos à mesma autoridade
do pater famílias i.e., do seu senhor ou soberano, bem como à instituição familiar, como
um corpo indissociável e solidário, conforme descrito na obra I libri de/la famiglia e,
ainda, como um modelo da organização hierárquica e patriarcal da cidade. Cf. Caye-
Choay, 2004, p. 225 , n. 16.
834
Flávio Josefo (A . l, XIII, 249), refere-se a talentos de prata e não de ouro. O talento,
medida de peso grega, variava de cidade para cidade, entre 26,2 a 37,42 kg, e equivalia
a cerca de meio quintal, i.e. à quantidade de peso unitário que um homem seria capaz
de carregar.

322
Edifícios para Fins Particulares

e que o grande número de servos e criados não redunde em confusão. Coisa


realmente dificil de conseguir e que não se pode obter debaixo do mesmo
tecto. Por isso, a cada parte será atribuída a sua zona, a sua área, o seu
espaço total de cobertura e a sua construção. Mas devem estar ligados por
uma cobertura e por passadiços de tal modo que os servos e os criados,
quando a~orrem a prestar os seus serviços, não se apresentem como se ·fos-
sem chamados de uma casa da vizinhança, mas estejam imediatamente pres-
tes e disponíveis. De qualquer modo afaste-se do convívio dos adultos a gri-
taria das crianças, das criadas e da turba das tagarelas; e será posta à parte
toda a ralé dos criados.
As salas de reuniões e as salas de jantar dos príncipes devem ocupar o
lugar mais digno. Contribuem para essa dignidade um lugar elevado, ter
debaixo dos olhos uma vista sobre o mar, colinas e uma ampla paisagerp 835 •
Os aposentos da esposa devem ser totalmente separados dos do príncipe seu
marido, excepto a sala mais interior e o quarto do leito conjugal, que serão
comuns aos dois. Os aposentos de ambos serão fechados pela mesma porta
e guardados pelo mesmo porteiro. São mais próprias das residências dos
príncipes do que das dos particulares as características que as distinguem
umas das outras: delas falaremos em seu lugar 836 •
Digamos, ainda, que as residências dos príncipes têm em comum as
seguintes características. Na verdade, além daquelas partes que são destina-
das aos usos particulares de cada um, é indispensável que haja uma entrada
do lado da estrada militar e, sobretudo, do lado do rio ou do mar, e ainda
amplos aposentos diante do vestíbulo, para que neles sejam recebidos os
séquitos dos embaixadores e das personalidades importantes, transportados
em diligência ou a cavalo.

CAPÍTULO III

Eu gostaria que aí houvesse um pórtico e telheiros, não só para os


homens, mas também para os animais, onde se possam proteger do sol e da
chuva. É muito agradável haver junto do vestíbulo um pórtico, um deambu-
latório, um terreiro, ou algo semelhante, onde os moços, enquanto esperam
que os anciãos voltem do conselho do príncipe, se exercitem no salto, na

835
Cf. Livro I, cap. 4.
836
Cf. Livro V, cap. 18.

323
Livro Quinto

bola, no disco e na luta 837 • A seguir, antes da parte interior da casa, deve
situar-se um átrio, ou uma basílica 838 , onde os clientes esperam os patronos,
falando uns com os outros, e onde o príncipe tome assento para dar a sen-
tença em tribunal. Depois, haverá uma sala de reuniões, onde os anciãos se
juntem para saudar o príncipe e darem o seu conselho, quando solicitados.
Convirá que haja uma sala de Verão e outra de Inverno 839 • É preciso
velar pela idade, já cansada, e pela comodidade dos senadores que aí se reú-
nem, para que não suceda que algum factor adverso lhes atinja a saúde, e
sem nenhum obstáculo, por menor que seja, possam demorar-se, quanto as
circunstâncias e as necessidades dos tempos exigirem, a debater os proble-
mas e a tomar decisões.
Li em Séneca 840 que Graco foi o primeiro de todos, seguido de Lívio
Druso, a instituir o costume de não dar todas as audiências no mesmo lugar,
mas a manter a multidão à parte e a receber uns em separado, outros em
grupos de várias pessoas, outros todos juntos, para dessa forma distinguir os
amigos de primeira ordem dos de segunda. Se, em tal caso, temos a possi-
bilidade ou o desejo de o fazer, haja portas diferentes e várias para receber
e mandar embora os visitantes por lados diferentes e excluir sem resistência
os que se não querem receber.
Que um posto de observação domine o edifício, onde instantaneamente
se possa ficar ao corrente de qualquer movimentação.
Têm, pois, em comum estes e outros aspectos semelhantes. Aqueles em
que se diferenciam são os seguintes. Com efeito, convém que o palácio dos
reis fique no centro da cidade, seja de fácil acesso, de belo ornamento, fora
do comum mais pelo bom gosto do que pela imponência; o tirano deve
situar a sua casa como se fosse uma cidadela, de modo que não esteja den-
tro da cidade nem fora dela. Note-se que ao palácio real se vêm juntar, em
belíssimo efeito, o templo, os solares · dos nobres; ao passo que a residência
dos tiranos deve situar-se no meio de um grande espaço, de onde foram

837
A alusão à prática de desportos também ocorre nas obras Profugiorum ab aenumera libri
III, I libri della famiglia e na Vita Anonima, o que sugere o acolhimento do dictum de
Juvenal (X, 356) para se alcançar um saudável equilíbrio: orandum est ut sit mens sana
in corpore sano (Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são). Cf. trad.
ingl. de N. Rudd, 1991.
838
Cf. Vitrúvio (V, 1, 4; VI, 3, 9; VI, 5, 2).
839
Vitrúvio (VI, 4, 2) descreve a orientação sazonal dos triclínios, das bibliotecas, bem
como das oficinas de tecelagem e de pintura.
840
Sen., Ben., VI, 34, 2.

324
Edifícios para Fins Particulares

segregados todos os edifícios em volta. Será uma construção perfeitamente


digna, e que não só convém mas também agrada a ambos, se nem o palácio
real for tão exposto e acessível que não possa repelir os sediciosos, nem a
cidadela de tal modo aferrolhada que mais pareça um cárcere do que a resi-
dência de um príncipe sumptuoso.
Gostaria de referir só mais este aspecto. São extremamente úteis para os
tiranos os canais acústicos ocultos e escondidos na espessura da parede,
pelos quais captem, em segredo, o que os hóspedes ou os familíares conver-
sam entre si.
Mas como é próprio do palácio do rei ser diferente de uma cidadela,
em todos os aspectos e principalmente nos mais importantes, é nosso dever
associar o palácio à cidadela, a fim de que nem ao rei falte a cidadela em
casos imprevistos, nem ao tirano o palácio para gozar os prazeres da vida.
Os antigos instituíram o costume de fazer uma cidadela dentro das cida-
des, a fim de, em tempos adversos, terem um refúgio onde pudessem pôr a
salvo, com a santidade dos objectos sagrados, a honra das donzelas e das
mulheres casadas. Efectivamente, F esto recorda que, entre os antigos, a cida-
dela era consagrada ao culto e que se costumava chamar augural 84 1, e que
aí, segundo a tradição, as virgens faziam um sacrifício misterioso e secreto,
e absolutamente arredado do conhecimento do povo. Por tal motivo não
encontrarás nenhuma cidadela dos antigos que não tenha os seus templos.
Mas os tiranos usurparam para si a cidadela e volveram em crime e cruel-
dade a piedade e a sacralidade desse lugar, convertendo em fonte de tribula-
ções aquele refúgio sagrado contra a calamidade.
Prossigamos a nossa exposição. A cidadela junto do templo de Ámon
era circundada por uma tripla muralha 842 ; a primeira era para defesa dos tira-
nos; a segunda para a das esposas e dos filhos; a terceira para o alojamento
da guarda. Obra bem pensada, se não fosse olhar mais a quem defende do
que a quem ataca. E assim como não merece o meu louvor a coragem do
soldado, que de si nada mais dá do que aguentar rijamente o assalto do ini-
migo, assim também penso que se deve esperar da cidadela que sirva não só
para suster o ataque, mas também para rechaçar os atacantes. Todavia, deve-
-se providenciar a ambos os aspectos, de tal maneira que pareça que se pre-
tende decididamente um só objectivo. Para o conseguirmos, será importante
o contributo da posição do lugar e da disposição das muralhas.

840
"A ugur deriva de avis e gerere, dado que o augur interpreta o movimento das aves"
(Fest., I, A). Cf. ed. de M. W. Lindsay, 1913.
842
Referência ao templo de Júpiter Ámon na Cirenaica (Diod. Sic., XVII, 50, 3).

325
Livro Quinto

CAPÍTULO IV

Vejo que os peritos em técnica militar hesitam em decidir se quem pre-


tender que a cidadela seja o mais sólida possível a deve colocar numa colina
ou em terreno plano 843 •
Argumentam que nem sempre se encontram onde se quer colinas com
tais condições que tomem impossível montar o cerco e ·destruir a cidadela e
que não é fácil acometer com armas uma posição na planície se ela estiver
correctamente defendida. Sobre isto não discuto. De facto, toda a questão da
escolha dos lugares deve ser considerada em função das circunstâncias, de
sorte que seja posto em prática na construção da cidadela tudo quanto dis-
semos a propósito da cidade 844 •
É absolutamente necessário que a cidadela tenha saídas desimpedidas,
por onde possa livremente procurar e receber auxílios internos e externos,
por via terrestre, fluvial, lacustre ou marítima, contra os inimigos, os
cidadãos e os seus próprios soldados, em caso de algum motim ou traição
o exigir. Será muito vantajoso um plano da cidadela que reúna todas as
muralhas da cidade, como se fosse a letra O, dentro da qual se prendem
pelas extremidades encurvadas grandes C, que não dão uma volta completa,
como ~e vê aqui ~ 845 , ou do qual partem vários raios, como que para a
circunferência. Deste modo, como há pouco dizíamos ser necessário, nem
a cidadela estará dentro da cidade, nem também fora dela 846 • Ora se alguém
quiser definir concisamente a cidadela. não errará se disser que ela é a porta·
das traseiras da cidade 847 , eminentemente fortificada por todos os lados.

843
Este período é inserido, na edição de Orlandi ( 1966, p. 349), à. semelhança da edição
francesa de 1512, no final do Capítulo IIl mas, em afinidade. com a edição de Caye-
Choay (2004, p. 229), abre, na presente edição, o Capítulo IV tendo em vista o enten-
dimento textual subsequente.
844
Cf. Livro IV, cap. 2.
845
O desenho de letras sugere a intenção de Alberti de não ilustrar o tratado (cf. nesta edi-
ção a Introdução -A Recepção da Arte Edificatória; Livro III, cap. 13; Livro VII, caps.
7 e 12).
846
Como sucede no programa encetado pelo Papa Nicolau V no Castell Sant'Angelo em
relação ao Borgo Vaticano, conforme descrito por Manetti (1995, p. 68): "Este palácio
[... ] não estava só fortificado e embelezado com muralhas urbanas [ ... ] mas também
estava rodeado, desde então, por muralhas duplas, mais largas e convenientes" (cf. trad.
esp. de J. M. M. G~cía).
847
A porta das traseiras da cidade corresponde, na concepção estrutural de Alberti que rela-
ciona a casa com a cidade, à porta tardoz das residências privadas. Cf. Livro V, cap. 2.

326
Edificios para Fins Particulares

Mas seja ela, como pretendem, o vértice mais elevado das construções
e o nó da cidade, de aspecto ameaçador, rude e inflexível 848, é necessário
que seja pe~inaz e inexpugnável. Uma cidadela pequena será mais segura
que uma grande. No primeiro caso, bastará um pequeno grupo de homens
fiéis; no segundo, teremos necessidade do empenho de um grande número
de homens; e assim como se lê em Eurípides que "Nunca houve multidão
que não abunde em pessoas de maus princípios", assim também aí será
menos incerta a lealdade em poucos do que a perfidia em muitos. A base da
muralha da cidadela deve ser sólida, construída com. grandes blocos de
pedra, em linha oblíqua inclinada para fora, para que as escadas, ao serem
encostadas, sejam enfraquecidas por causa de ficarem arqueadas, e o inimigo
que as encostar, colando-se à muralha, não evite as pedras atiradas de cima,
e os projécteis lançados pelos canhões não arremetam em cheio contra a
muralha, mas façam ricochete obliquamente.
A área interior deve ser lajeada com blocos de pedra de grande largura
e espessura, dispostos em dupla e tripla camada, para evitar que os sitiantes,
através de minas, se introduzam às ocultas na cidadela. Deve elevar-se em
grande altura, solidez e espessura, até ao cimo do coroamento, uma muralha
que rechace a violência das máquinas de assédio e os projécteis e que, tanto
quanto de nós depende, não possa ser igualada em altura, por pouco que
.!j

seja, pelas escadas ou até mesmo pelos aterros. O resto será levado a cabo
como dissemos em relação às muralhas da cidade.
O melhor processo de proteger as muralhas da cidade e da cidadela
consiste em procurar evitar por todos os meios que o inimigo possa chegar
perto delas impunemente. Isso conseguir-se-á não só fazendo um fosso, do
qual já falámos, profundo e largo, mas também dispondo por toda a base do
pódio seteiras destinadas, por assim dizer, a atingir por baixo, pelas quais o
inimigo, enquanto protege a parte superior do' corpo com o escudo, seja tres-
passado na parte em que não está coberto. Este género de defesa é superior
a todos os outros. Com efeito, nesta posição, conseguem, com mais segu-
rança, oportunidades de eliminar o inimigo, ferem-no a menos distância e
raramente disparam em vão contra um inimigo para quem é dificil cobrir
todo o corpo; e se um dardo falhar o inimigo que está em linha, atingirá o
seguinte e, às vezes, outro e ainda outro e outro. Pelo contrário, os projéc-
teis lançados de cima não são dirigidos para o alvo sem risco de falhar: com
alguma dificuldade atingem apenas um inimigo, que não só pode prever o

848
A arquitectura deve apresentar uma dimensão simbólica de dominância para resolver a
invulnerabilidade deste reduto.

327
Livro Quinto

projéctil, como também desviar-se com um ligeiro movimento e afastá-lo


com o escudo, ainda que pequeno.
Se a cidadela for situada junto do mar, os vaus em redor serão obstruí-
dos por estacas, pedregulhos, evitando que a maquinaria dos navios possa
chegar perto dela. Se estiver situada em terreno plano, será circundada de
um fosso de água; mas para que o fosso não contamine o ar, será cavado até
que brote água viva da nascente. Se estiver situada numa colina, será entrin-
cheirada por precipícios. Onde for possível, utilizaremos todos estes meios.
Nos lugares que possam ser atingidos por projécteis dos canhões, a
muralha deve assumir, para se lhes opor, uma forma redonda ou angular,
como se fosse a quilha de uma proa. Não omito o que dizem os peritos em
questões militares: contra o embate dos projécteis são inúteis as muralhas
muito altas; a sua derrocada, atulhando o fosso, proporciona aos invasores
uma entrada facílima. Tal não acontecerá, se se observar o que atrás disse-
mos.
Volto ao assunto. Na cidadela elevar-se-á uma só torre principal, em
grande parte maciça, toda ela robusta, fortificada de todos os lados, mais
alta que as outras, de acesso dificil, com uma entrada apenas por uma ponte
levadiça 849 • Há duas espécies de pontes levadiças: uma que, uma vez içada,
fecha a passagem; a outra é a que nós utilizamos, estendendo-a ou reti-
rando-a. Onde os ventos se enfurecem com violência, o segundo tipo é o
mais conveniente. As torres que podem atingir com projécteis a torre princi-
pal, desse lado serão desguarnecidas, ou cobertas apenas com uma parede
fina 8so

CAPÍTULO V

As guaritas das sentinelas e as casernas dos guardas serão distribuídas


de tal forma que, em funções e postos distintos, vigiem uns a parte baixa da
cidadela, outros a alta e outros as ~estantes zonas. Finalmente, a entrada, a
saída e todas as outras partes estarão de tal modo apetrechadas e fortificadas
que nem a traição dos amigos, nem os ataques dos inimigos possam causar
danos.
Para que as coberturas da cidadela não desabem sob o peso dos projéc-
teis das catapultas, deverão terminar em ângulo agudo e serão construídos

849
Esta descrição corresponde à de uma torre de menagem.
85
° Cf. Livro IV, cap. 13.

328
Edificios para Fins Particulares

com alvenaria resistente e reforçados por traves muito espessas; a seguir


aplicar-se-á o revestimento e, além disso, serão instalados tubos por dentro
dos quais possa escorrer a água da chuva, colocados sem massa de cal ou de
argila; por fim, será tudo coberto com pedaços de telha ou de pedra-pomes,
espalhados numa camada com cerca de dois côvados de espessura 851 . Assim,
não terão de recear os danos causados pelo peso dos projécteis que lhe caem
em cima nem pelo fogo.
Em suma, a cidadela deve ser construída como se edificássemos uma
cidade em ponto pequeno; será, pois, fortificada com a mesma construção e
a mesma técnica que uma cidade e será apetrechada de tudo o que é útil.
Não faltará a água; disporá em abundância de espaços onde se possam alo-
jar e proteger os soldados, as armas, o grão, o presunto, o vinagre e, acima
de tudo, a lenha; e, na própria cidadela, haverá aquela torre que designámos
como principal, como se ela mesma fosse uma cidadela em tamanho mais
reduzido, na qual não deve faltar nada daquilo que é necessário haver nas
cidadelas. Terá uma cisterna e depósitos de reservas com que se possa ali-
mentar abundantemente e defender. Terá portas de acesso por onde possa
irromper contra os seus cidadãos, ainda que se oponham, e acolher os auxí-
lios que pediu.
Não omitirei ainda o seguinte: que, às vezes, as cidadelas foram defen-
didas graças aos canais de água subterrâneos; e que, às vezes, as cidades
foram tomadas através dos esgotos. Uns e outros prestam-se ao envio de
mensageiros; mas deve-se procurar que este género de estruturas sejam
muito menos prejudiciais do que úteis. Serão, por isso, construídas da forma
mais adequada: serão cavadas a tal profundidade que ninguém seja capaz de
atravessá-las armado nem de saltar para dentro da cidade sem armas, a não
ser que seja chamado e admitido. Terminarão lindamente noutro esgoto ou
antes numa saibreira abandonada e desconhecida, ou nos lugares secretos e
sagrados dos templos e onde se faz a cremação dos cadáveres.
Finalmente, se não devemos de modo nenhum negligenciar as adversi-
dades da vida humana, será sem dúvida conveniente ter acessos ao coração
da cidadela só de nós conhecidos, por onde, se algum dia alguém ficar do
lado de fora, possa a tempo irromper na cidadela com os seus homens arma-
dos. E, para este mesmo fim, convirá talvez ter uma parte das muralhas
secretíssima, que não seja tapada com cal mas com barro.
Dissemos o que é preciso fazer, tendo em vista apenas aquele que
governa, seja rei ou tirano.

85 1
Equivalente a 88,64 cm.

329
Livro Quinto

CAPÍTULO VI

Resta-nos tratar daquilo que requerem aqueles que, não exercendo o


poder sozinhos, são vários a governar o Estado conjuntamente. A estes ou
será confiada toda a República como se fossem um só magistrado, ou será
distribuída por sectores. A República consta do sector do sagrado, no âmbito
do qual prestamos culto aos deuses - a ele presidem os pontífices -, do sec-
tor do profano, no qual estão contidas a vida em sociedade e o bem dos
cidadãos - a este preside, em tempo de paz, o senador e o juiz, em tempo
de guerra o comandante dos exércitos e o chefe supremo da armada. A cada
um destes são devidos dois géneros de domicílio: um relacionado com o seu
cargo, outro onde se possa recolher com a sua família 852 •
Cada um terá uma residência de família semelhante à daqueles a quem
pretende equiparar-se no estilo de vida, seja a um rei, a um tirano ou a um
simples particular. Há, todavia, algumas características que convêm acima de
tudo a esta categoria de homens. Muito bem o diz Virgílio: "A casa do Pai
Anquises era isolada e ficava à distância, encoberta pelo arvoredo" 853 • Na
verdade deu-se conta de que convinha que as residências dos magnates, em
atenção a eles e à sua família, estivesse longe da ralé obscura e do tumulto
dos artesãos, não só, entre outros motivos, por causa do prazer e da como-
didade dos espaços, dos jardins e dos lugares apr~íveis, mas também para
que a juventude folgazona, em família tão ampla, numerosa e variada 854 ,
onde quase ninguém vive 'à sua custa e se excede com a comida e a bebida
alheia, provoque as queixas dos maridos, e ainda para que a desenfreada
ambição dos clientes não perturbe mais que o razoável a tranquilidade dos
patronos. Eu conheço príncipes que se afastaram não só da frequência do
vulgo, mas também da cidade 855 , para não serem molestados por nenhum

852
Cf. a obra I libri dei/a famiglia, III, onde Alberti desenvolve o conceito de masserizia,
i.e. de gestão parcimoniosa dos recursos familiares: "perché la masserizia si dice essere
utilissima a ben godere !e ricchezze". Se bem que este tema sobre a gestão doméstica já
se encontre abordado na literatura clássica, tanto em Xenofonte ( Oec.) como em Aristó-
teles (Oecon. ), o que Alberti sugere é que se pode colocar em paralelo o sentido de
sobriedade (frugalitas) na edificatória (Livro I, cap. 9) com o de masserizia na gestão
doméstica.
853
Verg., A., II, 300.
854
Cf. I libri dei/a famiglia, lll.
855
A integração e a segregação dos equipamentos, como das habitações para a classe diri-
gente, em relação ao tecido urbano, que são recorrentes no presente Livro, bem como na
obra I libri della famiglia, III, relaciona-se com a masserizia na gestão da cidade.

330
Edificios. para Fins Particulares

plebeu, a não ser impelido por motivos graves. Então, para que seriam as
suas tão abastadas riquezas, se lhes não fosse possível gozar às vezes de
algum ócio e repouso.
As casas deles, quaisquer que sejam, é de toda a conveniência que
tenham amplas salas para recepção de clientes, e uma saída e uma via que
vá para o fórum, bem larga para evitar que os familiares, os clientes, os
guarda da escolta e os que se agregam para aumentar o número dos pobre-
tanas vestidos de toga 856, sejam perturbados pelos empurrões, com o afã de
fazerem parte da comitiva.
Assim, é bem conhecido que os edificios onde estes magnates desem-
penham as funções assumidas, são os seguintes: para o senado a cúria, para
o juiz a basílica ou o pretório, para o comandante o acampamento militar
ou a frota, etc. E o pontífice? A este convêm, acima de tudo, não apenas
o templo 857 , mas também os edificios que se assemelham a acampamentos,
porque também o pontífice e aqueles que sob as suas oríentações estão
comprometidos no seu ministério religioso travam uma guerra violenta e
dificil, qual é a da virtude contra o vício, como referimos no livro que se
intitula O Pontífice 858 •
Há que distinguir dois tipos de templo: o maior, no qual o pontífice de
categoria mais elevada, em rito solene, celebra as cerimónias estabelecidas e
o sacrificio; e outros, em que presidem os pontífices de menor categoria, no
número dos quais se incluem as capelas nos bairros da cidade e os santuá-
rios no campo. O templo maior será situado, acaso mais comodamente, no
centro da cidade, mas com mais nobreza afastado da aglomeração e da fre-
quência dos cidadãos, com mais dignidade numa colina, com mais solidez
numa planície por causa dos terramotos 859 • Enfim, o templo deve ser colo-

856
Cf. Mart., Ep. , II, 57.
857
Templo, e não igreja, é o termo escolhido por Alberti para se referir ao lugar de culto
religioso, o que abrange tanto o culto cristão como o pagão.
858
O diálogo Pontifex, onde se discorre sobre os deveres religiosos e militares dos bispos
da Igreja, foi escrito por Alberti em 1437, após o seu tio Alberto Alberti ter sido feito
bispo de Camerino. Na tradição clássica, Pontifex designava os sacerdotes da Roma
antiga que constituíam o collegium pontificum , encarregue da jurisprudência religiosa.
Somente após o séc. IV d. C. é que este termo é usado com o significado de bispo da
Igreja (cf. Piccardi, 2007, p. 47).
859
As igrejas de planta planta central de Madonna de San Biagio, em Montepulciano, pro-
jetada por Antonio da Sangallo ii Viecho e construída em 1518-1545, bem como de

331
Livro Quinto

cado no lugar em que haja de ter maior veneração e majestade. Por isso,
deve ser, absolutamente, retirada para muito longe dos arredores do templo
toda a espécie de imundície, sujidade e indecência, que possam ofender os
pais, as matronas, as donzelas, quando vêm fazer as suas orações, ou desviá-
los do propósito de se entregarem às coisas santas.
No arquitecto Nigrigéneo, que escreveu uma obra sobre os limites 860 ,
depara-se-me que os antigos arquitectos consideravam que dos templos dos
deuses eram adequados aqueles cujas fachadas estavam voltadas a ocidente,
mas que à posteridade agradou alterar todo este costume sagrado e conside-
raram que os templos e os seus limites deviam ser voltados para a zona do
céu de onde a terra recebe a primeira luz do dia, de tal maneira que logo
desde a aurora contemplem o sol nascente 86 1• No entanto, vejo que nos san-
tuários e nas capelas os antigos aceitavam que as fachadas se apresentassem
de frente para os que chegavam vindos do mar, do rio ou da estrada militar.
Finalmente, o templo deve ser tal e tão bem aparelhado de todos os lados
que atraia os de longe a visitá-lo e os deleite e detenha na sua presença,
devido à sua construção tão admirável como excepcional 862 •
O templo em abóbada será mais imune aos incêndios; em arquitrave,
mais invulnerável aos terramotos; o primeiro, mais resistente ao passar do
tempo; o segundo, superior em beleza.
Quanto a templos ficamos por aqui; com efeito, o muito que parecia
dever dizer-se, prende-se mais com a ornamentação do que com a funciona-
lidade dos templos: destes aspectos trataremos em outro lugar 863 • Os templos
menores e as capelas imitarão as formas do templo maior, salvaguardada a
proporção da dignidade do lugar e a sua função.

Santa Maria della Consolazione, em Todi, projectada, entre outros, por Cola di Capra-
rola e construída em 1508-1607, implantam-se no terreno de acordo com esta orientação
paisagística oriunda do Quattrocento. Cf. Portoghesi, 1966, p. 359, n. 5.
860
Trata-se de Higino Gromático (De limitibus constituendis, II, 17-21), autor de um tratado
sobre a divisão e atribuição de terras, escrito provavelmente no principado de Trajano.
Gromaticus significava agrimensor para os Romanos. Cf. Portoghesi, 1966, p. 360, n. 1.
861
Cf. Vitrúvio, IV, 5, I.
862
Ver Livro I, cap. 9.
863
Ver Livro VII.

332
Edificios para Fins Particulares

CAPÍTULO VII

Os quartéis 864 do pontífice são os conventos, onde muitos acorrem


almejando a piedade ou a virtude; como são aqueles que se consagram ao
serviço divino e aqueles que fizeram a Deus voto de castidade. São também
quartéis pontificios aqueles em que a inteligência dos que se dedicam ao
estudo se empenha no conhecimento das coisas divinas e humanas. Com
efeito, se o dever do pontífice é conduzir, quanto de si depende, as comuni-
dades humanas a uma vida perfeita sob todos os aspectos, isso em nada se
consegue melhor do que na Filosofia. Atendendo a que, na natureza, há ape-
nas duas coisas que no-lo podem proporcionar, a saber, a virtude e a ver-
dade - porque a primeira mitiga e ilumina as perturbações da alma 865 , ao
passo que a segunda nos esclarece e dá a conhecer a obra da natureza e os
seus princípios, por cujo efeito a inteligência é purificada da ignorância e a
mente, da contaminação do corpo -, por meio da Filosofia, digo, envereda
pelo caminho da maior felicidade 866 , a ponto de quase nos tomarmos iguais
a deuses.
Acrescente-se que é propósito dos homens bons, que os pontífices pre-
tendem ser e parecer, esforçar-se, empenhar-se, levar a cabo aquilo que
entendem ser o dever do homem para com a humanidade: aliviar, socorrer,
com os seus oficios, beneficias, misericórdia, os doentes, os inválidos, os
desamparados, e outros assim. É dever do pontífice exercitar-se a si e aos
seus nestas obras. É delas que nos parece ser obrigatório tratar, quer digam
respeito à alta hierarquia, quer, mais ainda, ao baixo clero.
Mas comecemos pelos mosteiros. Há dois tipos de mosteiros: os de uma
clausura tão rigorosa que não seja permitido aparecer em público, senão
acaso no templo e nas procissões; os de clausura não tão estrita que vá ao
ponto de impor o isolamento perpétuo. Em alguns deles vivem homens, em
outros, mulheres. Não considero censuráveis os mosteiros das virgens se
estiverem dentro da cidade, nem louváveis se estiverem fora. Na verdade,
aqui a solidão dará menos lugar aos importunadores, mas os que consegui-
rem imiscuir-se, terão mais ocasião e possibilidade de realizar os seus inten-
tos onde não há a presença de testemunhas, do que lá, na cidade, entre mui-

864
Orlandi (1966, p. 361) designa por rocafforte (cidadela) o lugar onde se preparam as
batalhas espirituais contra o mal.
865
Cf. Profugiorum ab aenumera libri III.
866
Cf. I libri de/la famiglia, II.

333
Livro Quinto

tos espectadores e dissuasores do crime. Em ambos os casos, deve-se provi-


denciar que não atentem contra a castidade, mas sobretudo que não possam
atentar. Por tal motivo, todas as entradas devem ser de tal modo trancadas
que a ninguém se abram e as que se abrirem devem estar de tal modo guar-
dadas que nenhum malfeitor possa rondar por ali sem suspeição de mani-
festa ignomínia. Nem os acampamentos das legiões devem ser fortificados,
com paliçadas e fosso, tanto como a cerca das virgens guarnecidas por
muros altos, inteiriços, não se deixando em nenhum sítio qualquer abertura
por onde se possam introduzir, não direi os expugnadores da castidade, mas
nem sequer as labaredas e os atractivos dos olhares e das palavras para
seduzir os corações.
A luz será recebida no interior do mosteiro através de uma área a céu
aberto. Em tomo dessa área, serão dispostos em lugares apropriados a colu-
nata, o deambulatório, as celas, o refeitório, a sala do capítulo e os serviços,
segundo os mesmos princípios das residências particulares. E não gostaria
que faltassem os espaços de jardim e de um prado pequeno, que contribuam
não tanto para fomentar o prazer, como para repousar a alma; sendo assim,
não será insensato retirá-los do meio da frequência dos habitantes. Será
igualmente conveniente que as cercas dos mosteiros de homens sejam afas-
tadas da cidade: com efeito, a sua entrega à vida religiosa e o tranquilo
culto espiritual, a que se consagram inteiramente, serão menos perturbados
pela frequência das visitas.
Eu gostaria que os seus edificios, tanto os dos homens como os das
mulheres, ocupassem lugares saudáveis, o mais que é possível haver, para
evitar que, encerrados nos mosteiros, enquanto se dedicam exclusivamente
às coisas do espírito e debilitam o corpo corri muito jejum e vigílias, arras-
tem uma vida mais· dura do que é razoável, por causa das doenças. Final-
mente, para aqueles que se situam fora da cidade, eu desejaria, em primeiro
lugar, que lhes fosse concedido um lugar fortificado por natureza, que a vio-
lência inesperada dos salteadores ou uma incursão do inimigo não possam
devastar a seu bel-prazer sem dificuldade; e, por tal motivo, deve ser guar-
necido de um valo, e de um muro, e de um baluarte, na medida em que a
santidade do lugar o permita.
As residências daqueles monges que aliam à vida religiosa o estudo das
belas letras, para poderem atender às necessidades dos homens, em cumpri-
mento da missão assumida, convém que não estejam inteiramente no meio
da confusão e do barulho dos artesãos, mas também não completamente
apartados da convivência dos cidadãos; isso, entre outras coisas, não só por-
que as suas comunidades são numerosas, mas também porque a elas con-
'>
334
Edificios para Fins Particulares

fluem muitos para pregar e dissertar sobre questões religiosas; por esse
fnotivo , sem dúvida alguma necessitam de um edificio de grandes dimen-
sões. Serão, acertadamente, localizadas nas imediações dos edificios públi-
cos, como o teatro, o circo, a praça, para que a multidão, afluindo esponta-
neamente de bom grado para se distrair, mais facilmente aceite, com a
persuasão, exortação e advertência deles, abandonar o vício pela virtude, a
ignorância pelo conhecimento de quanto há de melhor.

CAPÍTULO VIII

Entre os Antigos, sobretudo entre os Gregos, era costume situar no cen-


tro da cidade os edificios a que davam a designação de palestras 867 , onde os
filósofos se ocupavam em disputas. No interior dispunham de espaços .com
janelas, do panorama das aberturas, das séries aprazíveis e muito harmonio-
sas dos assentos; dispunham também de pórticos que circundavam uma área
verdejante, coberta de ervas e revestida de flores. Edificios como estes con-
dizem perfeitamente com este género de religiosos; e eu gostaria que aque-
les, que se comprazem no estudo das artes liberais, possam assiduamente
demorar-se junto dos professores de tais artes, com a maior satisfação, sem
se enfastiar ou fartar das questões em presença.
Também por esse motivo, projectarei um pórtico e uma área, e outras
partes do mesmo género, de tal modo que nada mais seja preciso para a
comodidade de habitação nesse lugar. De Inverno, receberão um sol suave;
de Verão, sombra e uma brisa agradável, o mais que possa existir. Mas, dos
regalos destes edificios, falaremos à parte em seu lugar 868 •
Ora, se pretendermos construir auditórios e escolas públicas, onde pos-
samos encontrar sábios e professores, devemos construí-las em lugar que
seja igualmente vantajoso para todos os habitantes. Cesse o barulho dos arte-
sãos, afastem-se para longe daí os maus cheiros, não admita os desregra-
mentos dos ociosos, respire o silêncio adequado a pessoas concentradas e
ocupadas em coisas excepcionais e da maior importância, e prevaleça mais
pelo prestígio do que pela beleza.

867
A palestra era um edificio destinado à educação física e moral da juventude grega (cf.
Vitrúvio, V, 11 , 1-4 ).
868
Cf. os restantes capítulos do Livro V, bem como o Livro VIII, cap. 8.

335
Livro Quinto

De resto, haverá um lugar diferenciado e construído com a maior efi-


ciência, onde o pontífice possa exercer a piedade para com os fracos e os
desfavorecidos: em um sítio é necessário albergar os desfavorecidos, em
outro tratar os doentes 869 • Além disso, entre os doentes há alguns que é
preciso evitar, não suceda que, prestando atenção a um pequeno número de
inúteis, se ponha em risco um grande número de pessoas úteis. Houve em
Itália príncipes que, nas suas cidadelas, proibiram esse tipo de gente, esfar-
rapada na roupa e no corpo, os chamados vagabundos, de pedir de porta em
porta. Logo que chegavam, eram imediatamente avisados de que os não dei-
xariam ficar na cidade sem fazerem nada durante mais de três dias: que nin-
guém é tão diminuído que não possa ser útil, em alguma actividade, à
comunidade humana; que até os cegos são úteis, pelo menos para ajudar os
cordoeiros. Aqueles que estavam indubitavelmente atingidos por uma doença
mais grave eram colocados pelo magistrado dos forasteiros e hóspedes a
cargo dos superiores das ordens religiosas. Deste modo, esses indivíduos não
pediam em vão a ajuda dos cidadãos mais compassivos, nem a cidade esbar-
rava com a obscenidade dessa gente nauseabunda.
Na Etrúria 870 , em virtude do antigo culto do sagrado e da verdadeira
religião, em que se sempre se notabilizou, vêem-se magníficos hospícios,
mantidos à custa de gastos elevadíssimos, onde qualquer cidadão ou foras-
teiro sente que nada lhe faltará no que respeita à saúde. Mas, havendo doen-
tes graves que possam infectar os sãos com a lepra, a peste e outras peço-
nhas contagiosas 871 , e outros que, por assim dizer, são curáveis, eu preferia
que estes ocupassem hospícios separados.
Os Antigos pensavam que os homens recuperavam e conservavam a
saúde graças às artes e ao poder dos deuses Esculápio, Apolo e Saúde: por
isso, construíam-lhes templos apenas em lugares muito salubres, onde abun-
dassem brisas puras e águas limpíssimas, para que os doentes levados para
lá recuperassem rapidamente a saúde, não apenas por graça dos deuses, mas
também por acção benéfica do lugar 872 . E, sem dúvida alguma, desejamos,
acima de tudo, que haja lugares perfeitamente salubres, onde se possa ter os

869
Cf. o Trattato di architettura de Filarete (Livro XI), onde se descrevem os diversos
equipamentos urbanos, desde as igrejas até aos hospícios. Cf. Caye-Choay, 2004, p. 238,
n. 43 .
870
A Etrúria, que corresponde à actual Toscana, era constituída por 12 cidades-estado,
situadas entre o Arno e o curso superior do Tibre.
71
8 Cf. I libri de/la famiglia, II.
872
Vitrúvio (1, 2, 7), ao descrever as orientações e os lugares mais apropriados para os tem-
plos de Esculápio e da Saúde, refere-se ao decoro conseguido naturalmente.

336
Edificios para Fins Particulares

doentes, a título público ou privado. Os mais recomendáveis para esse fim


serão os lugares secos e rochosos, assiduamente varridos pelos ventos e não
queimados pelo sol, famosos pela sua temperatura amena, uma vez que a
humidade é a fonte dos miasmas. Mas é evidente que a natureza em tudo se
compraz com o meio-termo; e, mais ainda, a própria saúde outra coisa não
é senão um composto de vários elementos, dos quais se evidencia o meio-
termo; e as coisas moderadas 873 são sempre motivo de prazer.
De resto, os doentes contagiosos devem ser arredados para longe, não
só da cidade mas também da via pública; ao passo que os outros serão con-
servados na cidade. As instalações de todos estes devem ser repartidas e dis-
tribuídas deste modo: os que estão em tratamento devem ser alojados em
uma parte; em outra parte, aqueles que forem recebidos, mais para serem
albergados do que tratados, até que a morte os leve, como é o caso dos
decrépitos e dos dementes. Acrescente-se que as mulheres devem ocupar um
espaço separado do dos homens, quer estejam doentes quer tratem deles.
Acrescente-se, ainda, que, tal como nas famílias, também aqui convém que
haja partes das instalações mais privadas e outras mais comuns, conforme o
regime e o modo de tratamento e de internamento o aconselhar; acerca des-
tas questões não é nossa intenção prosseguir mais prolixamente. Só uma
coisa é importante: que tudo o que diz respeito a matéria deste género deve
ser definido, em cada uma das suas partes, em conformidade com os usos
dos domicílios particulares. Até aqui tratámos deste assunto; prosseguiremos
com o que resta, segundo a ordem previamente estabelecida.

CAPÍTULO IX

Na verdade, como dissemos, o Estado é constituído por duas partes: a


sagrada e a profana. A sagrada está concluída; também da profana ·se tratou,
em parte, quando falámos do senado e dos julgamentos que são feitos no
palácio do príncipe. Faremos aqui uma enumeração brevíssima daqueles
aspectos que é preciso acrescentar; depois voltaremos aos estabelecimentos
militares e à armada; por fim, trataremos dos edificios particulares.
Os Antigos costumavam reunir o senado nos templos; depois impôs-se
o costume de fazer reuniões fora da cidade; finalmente, porque isso contri-

873
Moderação corresponde ao conceito de mediocritas, também desenvolvido no domínio
da teoria artística de Alberti (cf. Livros VI e IX).

337
Livro Quinto

buía para a sua majestade e para a realização das suas obrigações, decidiram
ter um edificio próprio para esta função, graça_s ao qual os anciãos, já can-
sados pela idade, não fossem impedidos, pela distância da caminhada nem
impossibilitados por falta de comodidade do lugar, de se reunirem com fre-
quência e de estarem presentes durante muito tempo. Colocaram, por
isso, no centro da cidade a cúria do senado e pensaram que deveriam juntar-
-lhe, nas proximidades, o tribunal e o templo, não apenas para que, retidos
nas campanhas eleitorais e ocupados nos processos do tribunal, pudessem
satisfazer mais facilmente a ambas as tarefas, sem interromper o empe-
nho na campanha nem a sua obrigação no tribunal, mas também porque os
próprios senadores, sendo como quase todas as _pessoas idosas muito dedica-
dos à religião, depois de saudarem os deuses, sem interromperem as suas
actividades, pudessem passar do templo para as suas funções sem perda de
tempo. Acrescente-se que, se algum dia os embaixadores ou os príncipes de
nações estrangeiras solicitarem à República que lhes seja facultada uma
audiência do senado, é [conveniente] ter um lugar onde se possam receber,
enquanto esperam, de uma forma digna não só do hóspede mas também da
cidade.
Além disso, em nenhuma parte se deve descurar, nos estabelecimentos
públicos deste género, nada que contribua para receber comodamente um
grande número de cidadãos, acomodá-los dignamente e dar-lhes despacho
em tempo oportuno; e deve-se, sobretudo, procurar que não falte absoluta-
mente nenhuma comodidade nos acessos, nas luzes, nos espaços e em outras
coisas do mesmo género, que virão a ser úteis. E no pretório, onde há mui-
tas pessoas em litígios judiciais, devem ser feitas aberturas em maior
número, mais largas e mais acessíveis do que no templo ou na cúria. Tam-
bém a entrada do senado não deve ser, de forma nenhuma, menos protegida
do que ornamentada; entre outros motivos, principalmente para que nenhum
temerário motim de gente desenfreada, provocado por algum agitador do
meio da plebe enfurecida, possa irromper descontroladamente e massacrar os
anciãos. Por tal motivo, sobretudo, deve juntar-se-lhe um pórtico, uma gale-
ria coberta e outras estruturas do mesmo género, onde os servos, os clientes
e os criados, aguardando os seus senhores, possam defendê-los em casos
imprevistos.
Não omito o seguinte: em todos os lugares em que se deve ouvir a voz
de recitadores, de cantores ou de quem faz um discurso, não são convenien-
tes as abóbadas, porque fazem eco, mas sim os tectos planos, porque têm
boa sonoridade.

338
Edificios para Fins Particulares

CAPÍTULO X

Para instalar os acampamentos, é necessário retomar e ponderar tudo


aquilo que nos livros anteriores expusemos sobre a forma de construir as
cidades 874 • Com efeito, os acampamentos são como que uma espécie de alfo-
bre de cidades; e encontraremos muitíssimas cidades instaladas onde os
generais, peritos em guerra, assentaram os seus acampamentos 875 •
Num acampamento, são fundamentais os seguintes aspectos para perce-
bermos qual é o fim a que se destina. De facto, se não se temessem os ata-
ques de surpresa e a superioridade da força dos inimigos, não se montariam
acampamentos e considerar-se-ia que esse trabalho era absolutamente des-
propositado; devemos, pois, ter em conta a natureza dos inimigos. De entre
os inimigos, há um que nos iguala em armamento e tropas; outro que é mais
aguerrido e mais forte; outro, mais fraco . Por isso, diremos que há três tipos
de acampamentos: um temporário e mudável em instantes: é desse que nos
servimos entre fazer avançar e desenvolver uma acção contra inimigos equi-
valentes em armas, em parte para manter os nossos soldados em segurança,
em parte para fazer tempo e aproveitar o momento oportuno, de modo a
levar a cabo façanhas notáveis; o segundo género de acampamento será fixo :
este permitirá pressionar e importunar um inimigo que está a ceder e não
confia nas suas tropas, estando cercado em algum lugar fortificado; o ter-
ceiro tipo de acampamento será aquele com que se sustém o ataque e a
pressão do inimigo, até que, farto de atacar e enfadado do cerco, se afaste e
retire 876 •
Em todos estes tipos de acampamento é absolutamente indispensável
procurar e, acima de tudo, providenciar que a sua posição, sob todos os
aspectos, seja tal que aos teus nada falte de tudo aquilo que se destina à sua
salvação e protecção, a resistir e a abater o inimigo e, inversamente, que ao
inimigo, na medida das tuas possibilidades, nada reste de tudo aquilo com
que possa atacar-te ou movimentar-se à vontade e sem perigo. Por isso,
deve-se antes de mais, ocupar uma posição adequada, que permita encontrar

874
Cf. Momus , Livro IV, caps. 2 e 3.
875
De acordo com Políbio (VI, 31 , l 0), a forma do acampamento e a da cidade são com-
paráveis: "Com tudo definido deste modo, todo o esquema do acampamento é um qua-
drado perfeito e a sua estrutura geral, especialmente a sua divisão por ruas, dá-lhe um
arranjo muito semelhante ao de uma cidade" (cf. trad. ingl. de W. R. Paton, 1923).
876 A descrição dos acampamentos romanos, durante a República, baseia-se na obra de Polí-
bio (VI, 26-42) e, nos primeiros tempos do Império, na de Josefo (B. /. , III, 5, l-6).

339
Livro Quinto

em abundância e transportar com facilidade e receber à-vontade provisões e


reforços. De maneira nenhuma poderá haver falta de água; a forragem, a
lenha não estarão longe; será deixada a possibilidade de retirar sem obstá-
culos para junto dos teus, de sair facilmente contra o inimigo; inversamente,
para o inimigo tudo serão obstáculos e dificuldades.
Eu gostaria que o acampamento se situasse em posição elevada de
modo a poderes observar de cima absolutamente toda a área dos inimigos,
para que nenhum intente ou empreenda alguma iniciativa que não seja de
imediato vista e conhecida por ti. O lugar será defendido a toda a volta por
declives, vertentes, escarpas, precipícios, para que o inimigo não possa, sem
correr riscos, montar um cerco com muita tropa nem atacar de nenhum lado;
e para que, quando finalmente fizer a aproximação, não possa fazer avançar
livremente as forças de artilharia ou persistir no lugar sem grande dano. Se
se proporcionarem condições de lugar tão oportunas, aproveitem-se. Senão
será necessário ter em consideração o tipo de acampamento e o lugar em
que deve ser construído para levar a cabo a expedição. Com efeito, os acam-
pamentos fixos devem ser muito mais fortificados do que os temporários, e
os que estão situados nas planícies necessitam de uma competência mais
ampla e de um trabalho maior do que os que estão nas colinas.
Começaremos pelos temporários, uma vez que são usados com mais
frequência. Além disso, mudar o acampamento muitas vezes pensa-se que
contribui para a saúde dos soldados. Mas, a propósito da instalação dos
acampamentos, ocorrer-nos-á uma dúvida: se devemos implantá-los dentro
das nossas fronteiras ou em território inimigo. Xenofonte 877 dizia que com a
mudança de acampamento se prejudicam os inimigos e favorecem os nossos
soldados. Não há sombra de dúvida de que pisar solo inimigo contribui para
a glória da nossa coragem; refugiarmo-nos em território próprio contribui
para a nossa vantagem e segurança. Mas consideremos como dado adquirido
que o acampamento é, para toda a região subjacente e dele dependente, algo
semelhante ao que é a cidadela para a cidade, a qual deve ter um acesso
próximo para a retirada dos nossos e uma saída fácil e desimpedida em
direcção aos inimigos 878 •
Além do mais, são várias as formas de guarnecer um acampamento de
trincheiras. Os Britanos rodeiam-se, a toda a volta, de uma sebe de estacas
de dez pés, endurecidas ao fogo e bem aguçadas, sendo uma extremidade
fixada no solo e enterrada, e a outra saliente e orientada para diante, de
j'

877
Xen., Lac., 12, 5.
878
Caes. , Gal., V, 18, 3.

340
Ediflcios para Fins Particulares

modo que as estacas estejam voltadas para o inimigo. César refere que os
Gauleses costumam opor ao inimigo carros, que fazem as vezes de trin-
cheira 879 • Cúrcio recorda que os Trácios se serviram também de carros con-
tra Alexandre 880 • Os Nérvios, para impedirem sobretudo a cavalaria, cons-
tróem uma sebe cortando árvores novas e dobrando-as umas para as outras
e ligando-as entre si por meio de muitos ramos 88 1. Arriano recorda que
Nearco, almirante de Alexandre, no tempo em que fez as suas navegações
através do Oceano Índico, fortificava o acampamento com um muro, para
estar mais defendido dos bárbaros 882 •
Fazia parte da tradição romana tomar precauções contra os azares da
sorte e do tempo, de tal maneira que em nenhuma ocasião tivessem de se
arrepender; e, assim, treinavam os soldados não menos na fortificação dos
acampamentos, do que em todo o resto da prática militar; e não davam tanta
importância à destruição dos inimigos, como à preocupação em proteger os
seus maximamente; ser capaz de resistir ao inimigo e, resistindo, enganá-lo
e repeli-lo, isso consideravam eles parte não escassa da vitória. Por tal
motivo, acostumaram-se a apropriar-se, para seu proveito e salvação, do que
quer que pudesse ser referido e inventado por quem quer que fosse, e a
pô-lo em prática; se faltavam lugares proeminentes e rodeados de ravinas,
imitavam precipícios, cavando fossos muito fundos e erguendo um talude, e
rodeavam o acampamento de uma paliçada e de ramos entrançados.

CAPÍTULO XI

Será assim que nós seguiremos os usos dos Romanos 883• Faremos medi-
ções para o acampamento em um lugar não só conveniente, mas também
que seja o mais adequado que se possa encontrar para a realização do que
temos em vista 884 • E, além dos aspectos que enumerámos, deverá tal lugar

879
Caes. , Gal., I, 26.
HHo Curt., I, 11 .
8 1
H Caes., Gal., II, 17.
8 2
H Arr. , Anab. , VIII, 21.
883
Vegécio (III, 8) descreve, no séc. IV, os procedimentos para se estabelecerem os acam-
pamentos romanos do Império no ocidente.
m É o que César (Gal., III, 12) designa de opportunitas loci, i.e. vantagem de posição ao
referir-se, no cerco das cidades, à retirada dos sitiados em situações desesperadas para
fortificações vizinhas, onde o terreno apresentava, pelo menos, as mesmas ou melhores
condições para se defenderem.

341
Livro Quinto

ser seco, de modo nenhum lamacento, não sujeito a enxurradas, situado de


forma que de nenhum lado se apresente impedido para os nossos, ao passo
que para o inimigo nada faculte que seja seguro. Não permitirá que haja
água insalubre nas proximidades, nem que a salubre esteja longe; no interior
do acampamento, terá fontes de água puríssima ou, diante dele, depare com
ribeiros e rios. Se isso não for possível, procurará que haja oportunidade de
fornecimento de água o mais próximo e fácil que é possível. Além disso, o
acampamento, tendo em conta o número de soldados, não deve ser tão
extenso que, sem excessivo cansaço, não possa ser guardado pelos soldados
distribuindo as sentinelas por turnos, nem defendido com grupos de combate
alternados; e, ao invés, não pode ser tão limitado e estreito que os espaços
não sejam suficientes para actividade dos soldados.
Licurgo considerou os ângulos inúteis para os acampamentos e insta-
lava-os formando um círculo, a não ser que tivesse atrás de si um monte, ou
rio ou uma muralha 885 • Outros preferiram uma área quadrangular para os
acampamentos 886 • Mas nós adaptaremos as localizações e os contornos dos
acampamentos às circunstâncias do momento e à natureza do terreno, con-
forme o aconselham o género de acções a empreender e de inimigos a ata-
car ou a suster.
Faremos um fosso tão largo que não possa ser nivelado, senão à força
de muito entulho e de muita caniçada; melhor ainda será abrir dois fossos
com um espaço no meio. Os Antigos consideraram que, mesmo neste tipo
de coisas, concernia à religião o uso de um número impar de pés e costu-
mavam abrir um fosso com quinze pés de largo e nove de fundo 887 • O fosso
será aberto, mantendo os lados verticais, de molde a medir no fundo tanto
como a distância entre os bordos superiores; mas se o terreno for deslizante,
o fosso deve estreitar-se progressivamente, em direcção ao fundo, em ligeiro
declive. Em lugares planos e baixos, encher-se-ão os fossos com água des-
viada de um rio, de um lago ou do mar e conduzida para lá. Se isso não for
possível, o fosso será enriçado de estacas, troncos aguçados em fo"r ma de
machado, muito aguçados e, ainda, de puas de ferro e estrepes enterrados e
espalhados no fundo 888 .

885
Xen., Lac., XII, 1.
886
Vegécio (III, 8) propõe, de modo semelhante, que o acampamento pode ser " [ ...] ora
quadrado, ora circular, ora triangular, ora oblongo, consoante as necessidades do lugar e
sem que a forma prejudique a função" (cf. trad. de J. G. Monteiro - J. E. Braga, 2009).
887
Correspondentes a 4,5 m de largura e a 2,65 m de profundidade, i.e. com medidas supe-
riores às de Vegécio (I, 24) que propõe, caso não haja um risco premente de ataque, res-
pectivamente, nove (2,66 m) e sete pés (2,07 m).
888
Caes., Gal., VII, 73.

342
Edifícios para Fins Particulares

Abertos e preparados os fossos, erguer-se-á um parapeito tão largo que


não possa ser derrubado pelos manteletes 889 , tão alto que não se possa não
só fincar foices para o puxar 890 , mas também nem sequer atirar facilmente
dardos com a mão para atemorizar os soldados. Salta à vista ·que a terra que
se extrai dos fossos se acumula no parapeito 89 1• Para esta obra, os Antigos
acharam boa a camada superior da terra tirada dos prados, a qual contém
raízes de plantas 892 • Outros colocam, espalhadas no meio, varas verdejantes
de salgueiro para que, com o germinar e o entrançar dos filamentos das raí-
zes, confiram solidez ao material acumulado. Nos bordos interiores do fosso
e na extremidade do parapeito devem espetar-se puas, estrepes, ouriços 893 ,
ganchos e outros objectos do mesmo tipo, para com eles retardar a escalada
dos soldados. Robustas estacas espetadas em coroa e unidas transversal-
mente rodearão a toda a volta a parte superior do parapeito, com grade e
manteletes duplos, e serão colocados intercalando-os com barro amassado.
Por cima de tudo, estender-se-ão as ameias e os cavalos de frisa 894 • Em
suma, deverão aplicar-se nesta obra todos os meios com que se possam evi-
tar os riscos de sapa, de brecha e de escalada dos muros, e os soldados este-
jam mais cobertos e mais protegidos pelas trincheiras.
Nos limites do acampamento, erguer-se-ão baluartes de cem em cem
895
pés e serão mais frequentes e mais altos nos lugares mais sujeitos a serem
atacados, a fim de poderem abater o inimigo, ainda que se tenha introduzido
lá dentro. Terá o pretório 896 , a porta quintana 897 , a decumana 898 e outras que
se designam com os nomes próprios da linguagem castrense, nos lugares
mais desimpedidos para repelir os ataques, para receber provisões e recupe-
rar soldados.

889
Máquina de guerra usada para proteger o avanço da infantaria (cf. Caes., Civ., II, 10 e
Gal., VII, 84; Veget., IV, 16).
890
Cf. Caes., Gal., III, 14.
891
Veget., III, 8.
892
Cf. Veget., I, 24 e III, 3, 8; Caes., Gal., III, 25; Plin., Nat., XXXV, 169.
893
Ariete coberto com uma estrutura de madeira, revestido de peles cruas, com a forma de
ouriço.
894
Obstáculo, com forma cilíndrica ou oitavada, atravessado por estacas aguçadas, geral-
mente usado para impedir as passagens.
895
Equivalente a uma distância de 29,60 m.
896
O acampamento era organizado por uma rede viária ortogonal com duas vias principais,
o cardo (no sentido sul-norte), que unia a porta pretória com a porta decumana, e o
decumano (no sentido leste-oeste), que unia a porta direita com a porta esquerda. Na sua
intersecção encontrava-se o pretório (comando).
897
A porta quintana dava acesso a uma via, paralela ao decumano, onde se localizava a
recepção do aprovisionamento.
898
A porta decumana também podia funcionar como porta quintana se esta não existisse.

343
Livro Quinto

Tudo isso, como eu disse, é mais necessário nos acampamentos fixos do


que nos temporários; todavia, sendo nosso dever acautelar todos os impre-
vistos, que o acaso ou as circunstâncias nos podem trazer, mesmo nos acam-
pamentos momentâneos não se deve negligenciar nada do que foi dito, na
medida em que for útil. O que diz respeito aos acampamentos fixos, desti-
nados principalmente a aguentar os cercos, é muito semelhante àquilo que
expusemos acerca da cidadela dos tiranos. A cidadela é uma espécie de
construção anticerco, pois que os cidadãos a atacam com um ódio eterno; o
género mais pertinaz de cerco consiste em vigiar permanentemente e esperar
a cada momento a oportunidade de poder satisfazer a irritação do ódio des-
truindo a cidadela. Por tal motivo, como dissemos, deve-se fazer tudo para
que a cidadela seja poderosa, resistente, inabalável, pronta para se defender,
para iludir e rechaçar o inimigo, segura e ilesa contra todos os ataques e
obstinação dos sitiantes.
Além do mais, devemos pôr tudo isso em prática, rigorosamente, nos
acampamentos com que pressionamos e atacamos um inimigo sitiado; pois,
como se diz, é bem certo que as vicissitudes da guerra são de tal ordem que
os sitiantes são, por sua vez, em grande parte, sitiados; por isso, devemos
não só procurar maneira de nos apoderarmos do acampamento dos inimigos,
mas também evitar sermos esmagados pela sua audácia e sagacidade, ou por
falta de empenho dos nossos. Para nos apoderarmos de um acampamento,
contribuem os seguintes meios: o assalto e a circunvalação; para não sermos
esmagados, dispomos também de dois meios: a resistência e a prevenção.
Todo o esforço dos assaltos tem como objectivo invadir a fortaleza e as suas
fortificações. Aqui não tratarei das escadas, com que fazemos a escalada das
muralhas, apesar da resistência do inimigo, nem das minas, nem das torres
móveis, nem das máquinas de arremesso, nem de outro tipo de meios de
ataque, em que usamos o fogo, a água e toda abundância de recursos natu-
rais; não é este o lugar, repito, para tratar destes meios 899 • Em outro lugar
trataremos em pormenor da maquinaria própria dos acampamentos milita-
res 900 • Mas tenha-se em conta esta advertência que fazem: ao ímpeto dos
projécteis oponham-se traves, barrotes, manteletes, faxinas, cordas, feixes,
sacos cheios de lã, de algas ou de erva, e sobretudo coloquem-se de tal

899
Ao contrário de Vitrúvio (X, 3, 9; 10, 1-6; 11 , 1-9; 12, 1-2; 13, 1-8; 14, 1-3; 15, 1-7;
16, 1-12), Alberti não descreve as máquinas de guerra e delimita a architectura à res
aedificatoria.
900
O autor não desenvolve este tópico no tratado, nem se tem conhecimento da existência
desse escrito sobre a maquinaria dos acampamentos militares.

344
Edificios para Fins Particulares

modo que fiquem pendurados do lado de fora balançando; contra o fogo,


encharque-se tudo isso de preferência com vinagre ou lama e cubra-se com
tijolo cru; contra a água, para que não desagregue o tijolo, estendem-se
peles por cima; e ainda contra o embate dos projécteis, para que as peles
não sejam furadas , estendem-se por cima delas mantas de trapos impregna-
das de água.
Por vários motivos, não é mal pensado fazer uma circunvalação 901 pró-
xima das muralhas sitiadas, já que será concluída num traçado mais curto,
com menor esforço dos soldados e menos quantidade e dispêndio de mate-
riais e, uma vez levada a cabo, necessitará de menor número de sentinelas.
Mas a circunvalação não deve ser implantada na área do pomério 902 , a ponto
de os habitantes da fortaleza sitiada poderem atingir de cima das muralhas,
com máquinas de arremesso, os soldados, no acampamento ou entregues à
construção da obra. Mas se a circunvalação for feita para impedir aos sitia-
dos a chegada de reforços e provisões pedidos ao exterior, certamente será
muito vantajoso fazê-la onde quer que possas interceptar o acesso e obstruí-
-lo, contanto que isso mesmo faça parte de um plano de conjunto: quer bar-
riques as pontes, quer em outros sítios bloqueies as passagens a vau e as
estradas, com troncos e pedras, quer ligues entre si, em barreira c~mtínua,
pântanos, lagos, pauis, rios, colinas, quer procures elevar o nível das águas
e inundar as encostas em redor.
A estas medidas devem associar-se outras que sejam úteis para a defesa
e a prevenção. De facto, é necessário fortificar o fosso, o valo, o baluarte e
outras defesas do mesmo género, não só contra os soldados da fortaleza
sitiada, mas também contra os reforços dos seus aliados da região, para que
os primeiros não nos molestem com um assalto inesperado, ou os segundos
com um ataque e uma invasão. E serão distribuídas por lugares adequados
fortificações e torres de vigia, graças às quais o abastecimento de água, de
lenha e de forragem seja, para os soldados e os animais de carga, mais fácil
e mais cómodo; mas não se dispersarão as tropas por vários lugares, a ponto
de não ser possível serem dirigidas por um só comando, combaterem como
uma só força e virem em auxílio uns dos outros concentrados no mesmo
esforço. Vem a propósito referir aqui um caso digno de memória narrado

901
A trincheira de circunvalação protegia os sitiantes contra as surtidas e arremessos dos
sitiados e a de contravalação cortava o acesso das tropas de socorro aos sitiados. César
(Gal., VII, 75) usou ambas no cerco de Alésia.
902
Linha de demarcação religiosa feita pelos áugures, geralmente situada antes da muralha.

345
Livro Quinto

pelo historiador Apiano 903 • Estando Octaviano junto de Perúsia 904 , enquanto
cercava Lúcio mandou fazer um fosso até ao rio Tibre, com a extensão de
cinquenta e seis estádios 905 e com a largura e a profundidade de trinta pés 906 ;
associou-lhe, além disso, um muro alto e mil e sessenta torres de madeira 907
com sessenta pés de altura, e fortificou a obra de tal forma que os sitiados,
sobre estarem encurralados, ficavam excluídos da possibilidade de atingirem
o exército dele de qualquer posição.
E baste o que até aqui dissemos acerca dos acampamentos terrestres.
Mas falta-nos acrescentar uma recomendação: é preciso escolher o lugar
mais digno e mais em evidência, para que aí se coloquem os estandartes da
República, se celebre, com a máxima veneração, o culto divino e se reúnam
os oficiais dó exército convocados para o tribunal e para o conselho.

CAPÍTULO XII

Haverá, talvez, quem negue que uma frota possa ser considerada um
acampamento marítimo e diga que se serve dos navios como de um elefante
aquático, que dominam com os seus freios, e que os portos são mais ade-
quados a serem usados como acampamentos do que os navios; mas haverá
quem afirme que um navio não é senão uma espécie de cidadela ambulante.
Deixemos de lado esta discussão e estabeleçamos o seguinte: são dois os
meios graças aos quais esta nossa teoria e arte edificatória poderá assegurar
aos comandantes navais e aos seus esquadrões a salvação e a vitória; o pri-
meiro meio consiste em guarnecer os navios; o segundo, em fortificar os
portos, quer ataquemos o inimigo, quer nos defendamos dele.
A principal função dos navios é transportar-nos, a nós e aos nossos
bens; e, logo a seguir, a de nos prestar auxílio na guerra sem perigo. Os
perigos ou virão do próprio navio, como que unidos e inerentes ao seu
corpo, ou ser-lhe-ão extrínsecos: são perigos extrínsecos a violência do
vento, a massa das ondas, o embate dos escolhos e dos bancos de areia;

3
90 App. , Hist. , XVII, 33.
904
A guerra de Perúsia (41-40 a. C.) é um episódio da guerra civil onde participou Lúcio
António (81-39 a. C.), irmão mais novo de Marco António.
905
Equivalente a 10,34 km.
906
Equivalente a 8,88 m.
907
Apiano (Hist., XVII, 33) refere-se a 1500 torres distanciadas entre si 60 pés.

346
Edificios para Fins Particulares

todos estes perigos bem depressa serão evitados pela prática da navegação,
pelo conhecimento e experiência dos ventos e das costas: ao passo que os
defeitos intrínsecos são provocados ou pelo traçado ou pela madeira: são
estes os defeitos que é necessário prevenir.
É de rejeitar a madeira que tem tendência para abrir fendas, para partir,
para dobrar e apodrecer; preferem-se os pregos e as manilhas de bronze aos
de ferro. Nestes dias, enquanto redigia aquilo que deixei escrito, verifiquei
pelo navio de Trajano, retirado do fundo do lago Némi, onde tinha jazido
imerso e abandonado mais de mil e trezentos anos, que a madeira de pinho
e de cipreste teve uma duração extraordinária 908 . Nesse navio, colocaram
sobre as tábuas, na parte exterior, uma dupla tela de linho estendida, embe-
bida em alcatrão, e sobre isso colocaram uma folha de chumbo fixada com
pregos de bronze.
Para construir os navios, os antigos arquitectos foram buscar aos peixes
os delineamentos, de tal forma que aquilo que no peixe é o dorso, no navio
é a carena, o que para aquele é a cabeça, para este é a proa; e em lugar da
cauda, o leme, e em vez dos remos as barbatanas e as alículas 909 .
Há duas espécies de navios, os de carga e os velozes. Um navio com-
prido tem muitas vantagens, sobretudo na navegação em linha recta; um
curto é eficaz para o domínio do leme. Eu gostaria que o comprimento de
um navio de carga não fosse inferior ao triplo da sua largura, e o de um
navio veloz não fosse superior ao nónuplo. Em outro lugar, no opúsculo que
se intitula O Navio 9 10 , tratámos mais em pormenor das questões relacionadas
com os navios, mas o que aqui fica dito será suficiente como introdução ao
assunto. As partes dos navios são as seguintes: a carena 911 , a popa, a proa, e
os bojos, um de cada lado; junte-se-lhe, se se quiser, o leme e as velas e o
que se relaciona com a navegação. O porão do navio comportará tanto peso
de carga, quanto o peso da água com que se possa encher até à linha de flu-
tuação. A carena deve ser plana, todas as outras partes serão talhadas
segundo o traçado de uma linha curva. Quanto mais larga for a carena, tanto

908
As operações de recuperação de um dos navios romanos afundados no lago Némi, foram
orientadas por Alberti em 1447, mas somente após a drenagem do lago, realizada entre
1928 e 1932, é que os achados arqueológicos foram totalmente reavidos mas, contudo,
destruídos por um incêndio em 1944. Cf. Flávio Biondo, !ta/ia Jllustrata , 1531 , pp. 325-
-326; Ghini, 1992, pp. 3-5.
909
À semelhança da relação edificio-corpo Alberti descreve uma analogia entre as formas
do navio e as do peixe.
9 10
Este manuscrito a que Alberti se refere não foi , até hoje, encontrado.
911
Parte do casco do navio normalmente imersa.

347
Livro Quinto

mais peso comportará, mas será mais lenta a deslocar-se; uma carena mais
estreita e reduzida será mais veloz, mas balançará se não se lhe meter no
lastro grande quantidade de areia. Uma carena ampla é apta para os baixios,
uma estreita é mais segura para o alto mar. Flancos altos e proa elevada são
resistentes aos embates das ondas, mas são totalmente vencidos pelos ventos
mais fortes. Quanto mais aguçado for o traçado da proa, tanto mais fácil e
ligeira será a navegação. Quanto mais delgada for a popa, tanto mais perse-
verante será em manter-se nos sulcos iniciados pela proa.
No navio é necessário que os bojos e o peito sejam fortes e um pouco
salientes, para impelirem as ondas com o impulso e o ímpeto das velas e
dos remos; devem, porém, atenuar-se, em direcção à popa, para que o navio,
como que por si mesmo, voe deslizando e esgueirando-se. O número dos
lemes aumenta a solidez do navio, diminui-lhe a velocidade. Ao mastro dar-
-se-á um comprimento igual ao do navio. Passemos adiante de aspectos
menos importantes, que se relacionam com a navegação e o apetrechamento
de combate: remos, âncoras, cordame, esporões, torres, pontes e outras par-
, I

tes menores do mesmo género. E importante o seguinte: as tra~s e os bar-


rotes pendentes, e também salientes, dos bordos e flancos dos navios servem
de esporões e de protecção contra as investidas do inimigo. Além disso, os
mastros servirão de torres, as vergas e os botes pendurados nas vergas ser-
virão muito bem de pontes.
Os Antigos aprenderam na perfeição a levantar ' corvos ' 912 na proa; os
nossos, a levantar torres na proa e na popa, junto do mastro, e a usar, como
valo e cobertura, mantas de trapos, cordas, sacos e outras coisas do mesmo
género, e a impedir o abalroamento, lançando uma rede de corda sobre os
que o tentavam. De que modo, num instante, durante o combate se pode
encher completamente o convés dos navios de inúmeras puas de ferro com
as pontas para cima, de tal sorte que ao inimigo não seja possível, sem se
ferir, mover um pé, por pouco que seja; e, inversamente, quando for conve-
niente, em outro instante ainda menor, limpá-lo depois de terminado o ata-
que: é matéria que pensei e expus em outro lugar. Mas não é agora ocasião
de voltar a ela: baste apenas ter chamado a atenção dos interessados. Além
disso, inventei uma técnica para desmontar, com um leve golpe de um mar-
telo pequeno, todo o soalho do convés e fazer cair toda a turbamulta que
tiver feito a escalada do navio e, logo de seguida, com um ligeiro toque de

9 12
Vitrúvio (X, 13, 3) refere-se a "corvos demolidores" que, como arma de arremesso, se
assemelhavam a um guindaste com peso de balanço.

348
Edificios para Fins Particulares

mão, num breve instante, restituir ao seu uso a obra intacta. Não é oportuno
referir aqui os meios que inventei para afundar e incendiar os navios dos
inimigos, para lançar a confusão entre os marinheiros e liquidá-los com
morte infame. Destes aspectos trataremos, talvez, em outro lugar.
Não deixarei de advertir que o comprimento do navio, a altura ou a lar-
gura, não devem ser os mesmos em todos os lugares. As amplas carenas,
que não se podem manobrar senão com uma equipagem numerosa, aguen-
tam-se mal no mar entre os meandros das ilhas 913 , quando o vento sopra um
pouco mais forte; pelo contrário, ao largo de Cádiz 914 , em pleno oceano, um
navio pequeno será engolido pelas ondas.
Ainda mais uma vez, proteger o porto ou vedar-lhe o acesso, é uma
questão que diz respeito ao navio. Conseguiremos perfeitamente esse objec-
tivo construindo um molhe no fundo mar e lançando mão de outros obstá-
culos, como um dique, correntes e outros meios de que tratámos no livro
anterior 91 5 • Serão fixadas estacas, lançadas barreiras de pedras, serão sub-
mersas caixas feitas de tábuas e de vimes, depois de cheias de materiais
pesados. Se porém, a natureza do terreno ou os gastos elevados impedirem
que isto se realize, se, por exemplo, o fundo for um lamaçal sem consistên-
cia, ou a profundidade excessiva, faça-se assim. Sobre um estrado de tonéis
unidos em fila, coloquem-se e ajustem-se traves e barrotes ao alto, ligados e
unidos uns aos outros na horizontal, de modo a sobressaírem da jangada,
voltados para o inimigo, esporões salientes, muito aguçados e estacas com
ponta de lança em ferro, a que se dá o nome de "chuços", para impedir que
alguma nau inimiga, aliviada do lastro, se atreva, de velas enfunadas, a
investir contra a obra e passar além dela. Cubra-se a jangada de terra, para
a proteger dos danos do fogo; nos sítios mais firmes e desconhecidos do ini-
migo, dê-se-lhe firmeza contra as ondas com a ajuda de várias âncoras. Será
conveniente que a obra tenha forma encurvada, com o extradorso do arco
voltado para as ondas, para que, com mais resistência e firmeza, aguente a
onda e necessite menos da âncora e de ajuda exterior. Sobre estes aspectos,
baste o que até aqui foi dito.

913
O Ponto, tanto pode ter uma relação com Pontus, significando o mar mitologicamente
personificado ou ser uma região do Mar Negro - Pontus Euxinus - que, contudo, não
apresenta arquipélagos.
91 4
Gades, cidade fenícia de Gadir, actualmente Cádiz, a noroeste de Gibraltar.
915
Ver Livro IV, cap. 8.

349
Livro Quinto

CAPÍTULO XIII
Uma vez que para a realização de tão grandes empreendimentos são
necessários fornecimentos e despesas, devemos agora falar dos magistrados
que nos podem abastecer, no número dos quais se encontram o questor, os
cobradores de impostos, os cobradores dos dízimos e outros funcionários do
mesmo género. Estes têm a seu cargo o celeiro público, o erário, o arsenal,
o mercado, os estaleiros navais, as cavalariças. Pouco é aquilo que aqui nos
parece ser preciso dizer; mas não são coisas a negligenciar.
Com efeito, o celeiro, o erário, o arsenal, é suficientemente sabido que
devem situar-se no centro da cidade, na zona mais frequentada, para que
estejam mais seguros e mais acessíveis. Os estaleiros navais devem estar
afastados do casario dos cidadãos, por causa dos incêndios. De modo
nenhum se deve descurar a necessidade de construir, em todo o edifício,
paredes divisórias inteiras, que arranquem do solo e se elevem acima dos
tectos, para que interceptem as chamas devastadoras de um incêndio e as
impeçam de se propagarem mais profusamente através dos tectos 9 16 • Os mer-
cados devem estabelecer-se junto do mar, na foz dos rios, nos cruzamentos
das vias militares. Aos estaleiros navais devem associar-se enseadas e docas,
onde os barcos sejam recebidos para retirar da água, reparar e devolver ao
mar. Deve-se procurar que a água seja movimentada assiduamente. Com o
vento sul os navios apodrecem, com o calor do meio-dia abrem fendas, con-
servam-se em bom estado com os raios do sol nascente.
Quanto aos celeiros e aos depósitos destinados a conservar os produtos,
é sabido que gostam mais que tudo de lugares e de ares secos. Mas disso
trataremos mais profusamente quando falarmos das construções particula-
res 917 , com cujos princípios estão inteiramente relacionados, excepto os
depósitos de sal. Quanto a estes, procede assim. Cobre o solo com uma
camada de carvão, até a um côvado 918 de altura e comprime-o bem; a seguir,
espalha por cima saibro amassado com argila pura até à altura de três pal-
mos e aplana-o; por fim, pavimenta-o com tijolo, cozido até ficar negro.
Onde não houver tijolo deste em abundância, constrói as faces interiores das
paredes com pedra aparelhada, que não seja tufo nem reutilizada mas de
qualidade intermédia e muito dura; e reduz esta obra, da face da parede para

916
Referência a paredes corta-fogo.
917
Ver Livro V, cap. 17.
918
Equivalente a 44,32 cm.

350
Edificios para Fins Particulares

dentro, à espessura de um côvado e constrói um tapume com pranchas liga-


das entre si por pregos de bronze ou, melhor ainda, por cavilhas de madeira
engastadas 9 19 • Enche com canas o intervalo da madeira até à parede. Será
ainda melhor rebocar a madeira com argila amassada com água de azeitonas
e misturadas com pedaços de esparto e de junco. Além disso, é necessário
que este tipo de depósitos públicos, quaisquer que sejam, estejam perfeita-
mente protegidos, com fortalezas de muralhas e torres, contra as insídias, a
obstinação e a violência dos ladrões, dos inimigos e dos cidadãos sediciosos.
Parece-me que tratei amplamente dos edificios públicos; a não ser que
falte ainda um aspecto que realmente não é das últimas incumbências dos
magistrados, a saber, terem onde meter aqueles que julgam deverem ser cas-
tigados por motivos de desobediência, traição e desonestidade. Não descure-
mos, por fim, este ponto. Deparam-se-me entre os Antigos três géneros de
prisões: o primeiro, aquele para onde são mandados os libertinos e os pouco
cultos, a fim de que sejam ensinados, de noite, por professores sábios e
especialistas nas artes liberais, a seguir os bons costumes e a moderação no
modo de viver; o segundo, aquele em que são detidos os condenados por
dívidas e os que devem ser levados pelo tédio da prisão a abandonar o des-
regramento da existência que têm levado; o terceiro é aquele em que são
encarcerados os criminosos mais perigosos, indignos da luz do sol e do con-
vívio dos homens, destinados a serem executados dentro de pouco tempo ou
condenados a viver nas trevas e na imundície. Enfim, se houver alguém que,
em relação a este tipo de prisão, tenha procurado fazer dele um subterrâneo
· lúgubre, semelhante a um túmulo horrendo, esse certamente visará um cas-
tigo do criminoso acima do que a própria lei e a razão humana exigem. Na
verdade, embora os criminosos mereçam, pelos seus crimes, tudo o que há
de mais extremo, no entanto será dever da República e do Príncipe em nada
desmerecer da piedade. Bastará consolidar o edificio com um muro, abertu-
ras e abóbada, tais que em parte nenhuma seja fácil ao prisioneiro evadir-se;
para isso muito contribuirão a espessura, a profundidade e a altura do edifi-
cio, com grandes blocos de pedra muito duros, ligados com grampos de
ferro e de bronze. Acrescenta, se quiseres, tapumes de pranchas e aberturas
muito altas com gradeamentos e outros meios do mesmo género, embora
estes obstáculos sejam demasiado pequenos e fracos para que alguém, que
pensa na sua liberdade e salvação, não consiga arrombá-los, desde que lhe
dês a possibilidade de levar a cabo tudo aquilo de que as suas forças e
engenho são capazes para atingir o seu intento. Por isso, parece-me digna de

919
Metidas sob pressão.

351
Livro Quinto

nota a advertência daqueles que dizem que os olhos do carcereuo são um


cárcere de diamante 920 •
Mas nós, no que resta, continuemos a seguir os costumes e as práticas
dos Antigos. O que se segue tem a ver com isso: deve haver nos cárceres
um lugar onde possam aliviar o ventre e também onde se possam aquecer ao
lume, sem o incómodo do fumo e do mau cheiro. Acerca do cárcere no seu
conjunto, são estas as minhas disposições: numa parte segura da cidade e
não isolada, deve-se rodear uma área com um muro sólido, alto, que não
seja rasgado por nenhuma abertura, munido de torres e de caminhos de
ronda; deste muro para dentro, até às paredes do edificio dos reclusos, deve
haver um intervalo de três côvados 92 1, para que as vigias, fazendo a ronda
durante a noite, interceptem as fugas organizadas; o espaço central dessa
área deve ser dividido de tal maneira que em lugar do vestíbulo se prepare
uma sala de aspecto não desagradável, na qual se juntem os que são man-
dados para se receberem instrução; a seguir a essa sala, os primeiros acessos
serão ocupados por guardas armados dentro de cancelas e da protecção de
uma barreira; a seguir será estabelecida uma área descoberta; de um e outro
lado haverá pórticos a rodeá-la, os quais terão vista directa, por várias aber-
turas, para as várias celas. Dentro destas celas estarão presos os comercian-
tes arruinados e os condenados por dívidas, não todos juntos, mas em luga-
res separados. Em frente ficará um cárcer mais rigoroso, onde estão detidos
os réus de crimes menores. Nas celas mais interiores serão encarcerados os
condenados à morte.

CAPÍTULO XIV

Passo aos edificios particulares. Dissemos que a casa é uma pequena


cidade 922 . Por isso, é necessário, na sua construção, ter em conta quase tudo
aquilo que se aplica à construção da cidade: ser muito salubre, possuir as
oportunidades, oferecer as comodidades que contribuam para se viver em
paz, tranquilidade e fausto. De quais devam ser todas estas cmsas, por sua

920
Referência, ainda que implícita, à concepção panóptica do cárcere, que viria a ser pro-
jectado por Jeremy Bentham, em 1785, com o objectivo de "[... ] induzir no detido um
estado consciente e permanente de visibilidade" (Foucault, 1997, p. 166).
921
Equivalente a I ,33 m.
922
Ver Livro I, cap. 9.

352
Edificios para Fins Particulares

própria natureza, da sua quantidade e dos seus géneros, parece-me que tratei
em grande parte nos livros anteriores; mas aqui, partindo de outro ponto de
vista, desenvolveremos o assunto como se segue 923 .
É sabido que uma casa particular deve ser construída tendo em vista a
família, para que nela viva tranquilamente com a máxima comodidade. Mas
uma residência não será, de forma nenhuma, assaz cómoda, se, debaixo do
seu tecto, não houver tudo aquilo que lhes é necessário 924 . Na família há um
grande número de pessoas, e também um grande número de bens, que não
se colocam livremente da mesma maneira na cidade que no campo. E por-
quê? Nos edificios urbanos, sucede que um muro vizinho, uma goteira, uma
área pública, uma estrada e todas as outras limitações do mesmo género, nos
impedem de fazermos o que pretendemos. Tal não sucede nos edificios
rurais: aí tudo é mais livre, aqui tudo é complicado. Assim, não só por todas
as outras razões mas também por esta, apraz-me dividir o assunto de
maneira a poder afirmar que, dos edificios destinados a pessoas particulares,
uns são urbanos, outros rurais. E, em ambos os casos, umas são as exigên-
cias dos mais modestos, outras, as dos mais opulentos; com efeito, os mais
modestos medem pela necessidade o estilo do seu habitar; os mais faustosos
apenas na necessidade estabelecem limites ao seu prazer. Quanto a nós, refe-
riremos aquilo que, em cada caso, é aprovado pela moderação de uma pes-
soa circunspecta.
Penso que se deve começar pelos aspectos mais fáceis. A construção
rural tem menos obstáculos; além disso, os ricos são mais inclinados a
investir no campo. Mas antes de continuar, retomemos concisamente os
aspectos que se relacionam com os princípios essenciais de uma casa de
campo 925 • São eles do seguinte teor: deve-se evitar um clima sujeito a catás-
trofes e uma terra ressequida 926 ; deve-se edificar no meio do campo, junto
do sopé de um monte, numa zona com água. Um clima funesto e insalubre
pensa-se que proporcionará, além de outros inconvenientes de que tratamos
no livro primeiro, florestas mais densas, cheias principalmente de árvores de
folhas amargas, uma vez que o ar, lá dentro, não sendo tocado nem pelos

923
Nas categorias de rural e de urbano.
924
Cf. I libri de/la famiglia, III.
925
Ou villa, que Alberti (Vi/la) considera, sob o ponto de vista social e como unidade pro-
dutiva, como uma fonte de bem estar "per pascere la famiglia tua, non per dame diletto
ad altri".
926 Plínio-o-Antigo (Nat., 17, 3, 34) define o termo cariosus, utilizado por Alberti, como
"seco, poroso, áspero, branco, cheio de buracos, como uma pedra-pomes" (cf. trad. ingl.
de J. Bostock - H. T. Riley, 1855.)

353
Livro Quinto

ventos nem pelo sol, encruece; e o mesmo se passa com um solo estéril e
insalubre, do qual se conseguires tirar alguma coisa, serão florestas.
Sou de opinião de que a casa de campo se deve situar num lugar que
comunique da melhor forma com os edificios urbanos do seu proprietário.
Em Xenofonte 927 lê-se que se deve ir à casa de campo a pé, para fazer exer-
cício, e regressar a cavalo. Por isso, não ficará muito afastada da cidade e
beneficiará de uma via, não dificultosa, não impraticável, mas apta e muito
cómoda para viagens e transportes de cargas, de Inverno e de Verão, quer
nos agrade ir a pé, de carroça ou até de barco; e será bom se tal via não
passar por uma porta da cidade distante, mas sim por uma próxima, por
onde nos possamos dirigir com frequência, com a mulher e os filhos, para a
cidade e para o campo, a nosso bel-prazer, comodamente e à vontade sem
grande pompa no vestir e sem os comentários do povo.
Convém situar a casa de campo 928 num lugar em que os raios matinais
do sol não sejam incómodos para os olhos dos que partem para lá, nem o
sol vespertino os moleste ao regressarem à residência da cidade. E, mais
uma vez, a casa de campo não deve situar-se num lugar isolado, abando-
nado, desprezado; mas de tal condição que aqueles que foram atraídos pela
esperança de que dê frutos e pela amenidade do clima aí possam habitar
com abundância de bens, regalo de vida e sem perigo. E, ainda mais uma
vez, a casa de campo· não deve situar-se num lugar demasiado concorrido ou
ao lado da cidade, de uma via militar ou de um porto onde atraque grande
número de navios; mas será situada, como convém, onde, por um lado, não
falte o prazer de tudo isso e, por outro lado, o património familiar não seja
delapidado pela frequência de hóspedes de passagem.
Os lugares ventosos - dizem os Antigos - costumam estar livres da fer-
rugem, mas os lugares orvalhados e os convales, <-··> não tendo aragem, são
frequentemente atingidos por este tipo de males. Não merecerá a minha
aprovação, sempre e em todos os lugares, isto que se diz: que a casa de
campo deve ser construída voltada para onde nasce o sol no equinócio 929 ; de
facto, o que se propala acerca do sol e da brisa é óbvio que varia consoante
a fatalidade de cada região, a ponto de nem sempre o Aquilão suave nem o

927
Xen ., Oec., XI, 15-18.
928
Mazzini - Martini (2004) argumentam que a Vil/a Medieis em Fiesole possa ter sido o
resultado de um projecto de Alberti e não de Michelozzo. Esta casa de campo, enco-
mendada por Giovanni de Medieis, é o primeiro exemplo de uma vil/a que, a partir do
séc. XV, se tomou numa referência, não só para Florença mas também para toda a
península Itálica.
929
Vitrúvio (VI, 6, 1) refere-se à orientação das construções rurais.

354
Edificios para Fins Particulares

Austro serem 930 , em toda a parte, insalubres. Muito sabiamente afim1ava


Celso 93 1, o inédico, que todos os ventos que sopram do mar são mais den-
sos; mas que os que sopram do interior nunca deixam de ser mais leves.
E penso que, por causa dos ventos, se devem evitar as embocaduras dos
vales; com efeito, aí os ventos são demasiado frios se passaram pela sombra,
ou demasiado escaldantes quando passaram por uma planície banhada por
sol intenso.

CAPÍTULO XV

Mas, como das instalações da casa umas são habitadas pelas pessoas de
condição livre, outras pelos servos da gleba, e como as destes são construí-
das em primeiro lugar com mira no lucro, ao passo que as daquelas parece
terem sido concebidas para o prazer do espírito, tratemos daquelas que prin-
cipalmente têm em vista o campo. As instalações dos servos da gleba não
devem ficar longe das dos senhores, a fim de que estes se apercebam, hora
a hora, daquilo que cada um faz e daquilo que é preciso fazer. É atribuição
própria desta parte das instalações que por ela sejam produzidos, colhidos e
conservados os frutos que se conseguem tirar do campo, a não ser que con-
sideres que esta última actividade, isto é, a conservação da colheita, é uma
das funções dos senhores e das casas da cidade mais do que da propriedade
rural. Isto farás com um grupo de homens, abundância de instrumentos e,
acima de tudo, com a dedicação e o empenho de um caseiro.
Os Antigos fixaram em cerca de quinze homens cada grupo de traba-
lhadores rurais. Para eles importa, pois, ter um lugar onde se aqueçam
quando têm frio, se recolham quando o mau tempo os expulsa do trabalho,
onde tomem as refeições, onde repousem, onde preparem as coisas que ser-
virão para seu uso. Por isso, preparar-se-á uma cozinha ampla, bem ilumi-
nada, protegida contra os perigos de incêndio, com fomo, lareira, água e
esgoto. Dentro da cozinha haverá uma divisão com soalho, onde pernoitem
os mais respeitáveis, onde se guardem a cesta do pão, o presunto e o touci-
nho para o uso quotidiano; o resto do espaço seja distribuído de tal maneira
que cada um esteja pronto a tratar das coisas que lhe competem: o caseiro
ficará instalado junto da porta principal, para que durante a noite ninguém

930
Aquilão designa o vento nordeste; Austro o vento sul.
931
Ce/s., II, I, 4.

355
Livro Quinto

leve ou traga o que quer que seja sem ele dar por isso; os vaqueiros ficarão
diante dos estábulos, para que a sua diligência esteja prestes quando as cir-
cunstâncias o exigirem.
Até aqui tratamos dos grupos de trabalhadores. Quanto aos instrumen-
tos, uns são animados, como os quadrúpedes, outros inanimados, como os
carros, as ferramentas e outros objectos do mesmo género 932 • Para estes,
acrescentar-se-á à cozinha um vasto telheiro, debaixo do qual se recolha o
carro de bois, a zorra, a charrua, os jugos, os cestos do feno e outras coisas
do mesmo teor. O telheiro estará voltado a sul, para que também aí a cria-
dagem possa, de Inverno, passar os dias festivos ao sol. E será destinado um
espaço desimpedido de tudo e muito limpo para a prensa e o lagar. Haverá
também uma dependência onde se guardem e reparem as selhas, os cestos,
as roldanas, as cordas, as enxadas, as cavadeiras e outros instrumentos do
mesmo género. Nas travessas e nos barrotes das traves que sustentam o
telheiro, estender-se-ão grades: aí serão colocadas as alavancas, as estacas,
as trancas, os bastões, os sarmentos, a folhagem e a forragem para os bois,
o cânhamo e o linho em bruto e outras coisas deste teor 933 •
Há dois tipos de quadrúpedes: o laboral, como o boi e o animal de
carga; e o rendoso, como a porca, o gado ovino, a cabra e todo o gado de
criação. Começaremos pelos laborais, uma vez que fundamentalmente desem-
penham a função de um instrumento; a seguir trataremos dos rendosos, os
quais têm a ver com a actividade do caseiro. Deves procurar que os estábu-
los e as cavalariças não sejam frios durante o Inverno; protege as manje-
douras para que os animais não espalhem a forragem. Para os cavalos 934 faz
com que a erva esteja pendurada de cima, a fim de que a ripem de pé, com
o pescoço levantado, não sem fazerem esforço: por esse motivo, tornar-se-ão
de cabeça mais firme e de escápulas mais ágeis. Pelo contrário, deves dar a
cevada e o grão, de modo a que a sorvam do fundo de uma cova: assim,
ingurgitarão menos avidamente e devorarão menos grãos inteiros e, além
disso, tornar-se-ão mais firmes e vigorosos de músculos e de peito.
Deve-se procurar, acima de tudo, que o muro da manjedoura que está
diante da cabeça do animal não esteja molhado: o cavalo tem um crânio dei-

932
Somente na obra I libri de/la famiglia , Ill, ao desenvolver o conceito de masserizia, é
que Alberti esboça uma relação de valor entre o capital variável e o capital fixo da pro-
dução agrícola dos empreendimentos rurais (cf. Var., R., I, 13).
933
Para uma descrição dos implementos e alfaias agrícolas veja-se Catão-o-Censor (Agr. ,
10-11) e Varrão (R. , I, 22).
934
Na obra De equo animante (c. 1445), Alberti descreve os meios para produzir cavalos
de elite.

356
Edificios para Fins Particulares

gado e incapaz de suportar a humidade e o frio. Por isso, evita que as jane-
las deixem entrar os raios da lua: esta provoca glaucoma e tosse grave e
para um animal ferido um raio da lua é uma calamidade. Para os bois deves
pôr a forragem no chão, a fim de que comam deitados. Os cavalos, se virem
lume, ficam nervosos. O boi fica alegre diante da luz 93 5 • A mula, mantida
em lugar quente e escuro, enlouquece; há quem julgue que a mula está sufi-
cientemente coberta por uma cobertura se tiver a cabeça coberta 936 e que as
restantes partes do corpo devem ficar expostas ao ar e ao frio. Para os bois
faz pavimentos de pedra, para que os cascos não apodreçam devido à suji-
dade. Para os cavalos cava os pavimentos e enche a cova com tábuas de azi-
nheira ou de carvalho, para evitar que se impregnem com o lodo da urina
dos animais e estes, com o bater das patas, firam os pavimentos e os cascos.

CAPÍTULO XVI

A actividade do caseiro consistirá em recolher não apenas o produto dos


campos, mas também e principalmente o dos animais, quadrúpedes, aves,
peixes. Tratemos sucintamente deste aspecto. Localiza os estábulos em lugar
seco e sem humidade; limpa o solo e dá-lhe alguma inclinação, para mais
facilmente se poder varrer e lavar. Parte deles devem ser cobertos, parte
devem ser deixados a céu aberto. Toma cuidado que o Austro ou uma brisa
húmida não atinja o gado durante a noite e que outros ventos o não moles-
tem demasiado. Para os coelhos constrói, com pedra talhada, uma parede tão
funda que chegue ao nível da água; enche o recinto com saibro macho 937 ;
aqui e ali ergue montículos de argila de Cimo los 938 • Para as galinhas reserva
na capoeira um pequeno pórtico voltado a sul, coberto de cinza em abun-
dância e sobre ele coloca um poedouro e um poleiro, onde se possam reco-
lher durante a noite. Há quem mande ter as galinhas em grandes gaiolas
num recinto fechado, voltado a nascente. Mas as que se têm por causa dos
ovos e da criação, assim como são mais alegres em liberdade, assim também

935
Vitrúvio, VI, 6, I.
936 Alberti serve-se de uma figura de estilo, designada de poliptoto, que consiste na utiliza-
ção de uma mesma palavra em diferentes flexões, como sucede em tecto opertam [... ]
caput apertam (coberta por uma cobertura [... ] cabeça coberta), com a intenção de mar-
car o ritmo da frase pela insistência repetitiva.
937
Var., R., III, 12, 6.
938
Argila esbranquiçada ou avermelhada, extraída da ilha de Cimolos nas Cíclades.

357
Livro Quinto

são mais fecundas; um ovo posto na sombra e em lugar fechado não tem
sabor.
Situa o pombal perto da água. Bem visível e ligeiramente elevado, onde
a ave, cansada de voar e como que divertindo-se com o exercício e o bater
das asas, gosta de ir pousar, deslizando de asas inclinadas para baixo. Há
quem diga que a pomba, depois de apanhar a comida no campo, quanto
mais caminho e esforço tiver de suportar de volta para junto dos seus filhos,
tanto maiores são as crias que produz; isso porque as sementes que trans-
porta na garganta, com as quais alimenta a sua prole, ficam semicozidas
com a demora; e por tal motivo recomendam que o pombal seja situado em
lugar de dificil acesso. Além disso, consideram também que acaso é útil ter
o pombal longe da água, para que as pombas não arrefeçam os ovos com as
patas molhadas. O pombal estará mais protegido da investida dos açores se
num desvão da torre encerrares um falcão. Se enterrares à entrada do pom-
bal uma cabeça de lobo espargida de cominho, metida num pote rachado
para espalhar o cheiro, isso fará com que muitos pombos, abandonando as
suas antigas moradas, para aí confluam. O seu número aumentará se fizeres
um pavimento de argila e o aspergires várias vezes com urina humana.
Diante das portinholas apliquem-se comijas de pedra ou de tábuas oleagino-
sas, com um ressalto de um côvado, para que a ave possa pousar ao vir do
vestíbulo e de novo se lançar no voo.
As avezinhas mais pequenas em cativeiro definham com a vista das
árvores e do céu. Os ninhos e os poleiros para as aves serão colocados em
lugares quentes; para aquelas, porém, que andam, mais do que voam, serão
colocados em lugar baixo e até no próprio solo; para as restantes serão pos-
tos a maior altura. Os ninhos serão encaixados em tabuinhas para poderem
conter os ovos e as crias. Para fazer os ninhos, a lama é melhor do que a
cal, e a cal melhor que o gesso; toda a espécie de pedra reutilizada é preju-
dicial; o tijolo é melhor que o tufo 939 se for pouco cozido: a madei_ra de
choupo ou de abeto é utilíssima. Para todas as aves é preciso que os seus
abrigos tenham claridade e sejam limpos e asseados, sobretudo os pombais.
Mas também os quadrúpedes se tomam samosos se não se deitarem em
lugares bem limpos. Por isso, os abrigos devem ser ~bobadados , com as
paredes inteiramente rebocadas e alisadas com uma camada de pó de már-
more; e serão cuidadosamente fechados em toda a volta, para evitar que
doninhas, ratos, lagartos e outros animalejos nocivos do mesmo tipo sejam
prejudiciais para os ovos, para as crias ou para os pais; juntar-se-ão come-

939
Pedra de cinza vulcânica.

358
Edificios para Fins Particulares

douros e bebedouros; por isso, em tomo da casa de campo será construído


um fosso, onde os gansos, os patos e também os porcos e os bois possam
lavar-se e banhar-se; procurar-se-á arranjar um lugar onde comam, de tal
maneira que se saciem com todo o regalo, mesmo com tempo chuvoso e
sombrio. Nas gaiolas das aves mais pequenas, os recipientes de água e de
comida serão metidos dentro de canais à roda da parede, de forma a não
poderem espalhar nem sujar aquilo que lá se deita. Destes canais sairão para
o exterior tubos, pelos quais se faz o abastecimento introduzindo comida. Ao
centro haverá um tanque, para o qual corra abundantemente água límpida.
Inunda um viveiro em solo argiloso tão profundo que não aqueça exa-
geradamente sob a acção dos raios do sol nem gele com o frio. Além disso,
abre em redor buracos nos lados a toda a volta, onde os peixes, assustados
por súbitas perturbações, se possam refugiar, a fim de que não acabem por
morrer por desfalecimento. O peixe alimenta-se do suco da terra; enfraquece
com o excesso de calor; com o gelo morre, ao sol do meio dia desfaz-se em
agilidade. Crê-se que não há desvantagem em receber de tempos a tempos
as águas lamacentas das enxurradas; mas devem ser excluídas as primeiras a
seguir à canícula, porque sabem a cal e matam os peixes; e, depois dessas,
devem ser poucas a serem introduzidas no viveiro, porque infectam a água
de musgos malcheirosos e os peixes de moleza. Deve-se cuidar do seguinte:
que, sem cessar, a água respire e inspire de fonte, rio, lago ou mar.
Mas, acerca dos viveiros marinhos, são muitos e úteis os conselhos que
nos dão os Antigos, como os que se seguem. Uma região lamacenta - dizem
eles - produz peixe achatado, como a solha, e ostras; uma região arenosa
alimenta melhor outros peixes do mar, como as douradas e os pargos; as
rochas alimentam tordos e mérulas e os peixes que nasceram entre as
rochas 940 • Dizem, por fim, que é óptimo para viveiro uma lagoa que esteja
situado de tal maneira que a onda seguinte do mar renove a anterior e não
deixe a onda antiga manter-se estagnada dentro do espaço cercado. Dizem,
com efeito, que aquecem menos as águas que são renovadas pouco a
pouco 941 . E basta o -que até aqui se disse acerca da actividade do caseiro.
A diligência é recomendável em muitas actividades, mas sobretudo na
ceifa, na colheita e na arrecadação dos frutos, que é o que aqui vem a pro-
pósito. Para esse fim, é preciso preparar uma eira aberta, exposta ao sol e
aos ventos, não longe do telheiro de .que há pouco falámos, a fim de que,
quando as nuvens surgem subitamente, seja possível, num breve instante,

94
° Col. , Rust. , VIII,
16, 7-8.
94 1
Col., Rust,, VIII, 17, I.

359
Livro Quinto

pôr a coberto os trabalhadores e o cereal colhido. Onde fizeres a eira, aplana


o solo, não com a ajuda de um nível, mas corrigindo-o ligeiramente, e cava;
depois, asperge-o bem com amurca e deixa-o impregnar-se; a seguir desfaz
bem os torrões; a seguir nivela-o com o cilindro ou com a maça e calca-o
com um cepo; depois borrifa-o de novo com amurca. Quando secar, nem os
ratos, nem as formigas farão ninho, nem se enlameará, nem nascerão ervas,
nem abrirá fendas 942 • A argila proporcionará grande solidez a esta obra. Até
aqui tratámos das casas dos trabalhadores agrícolas.

CAPÍTULO XVII

Alguns distinguem na casa de campo do senhor uma parte própria para


o Verão e outra para o Inverno, e assim a definem: de Inverno, os quartos
devem estar voltados para onde nasce o sol no Inverno, a sala de jantar para
o ocidente equinocial; ao passo que de Verão, os quartos devem estar expos-
tos a sul, a sala de jantar ao nascer do sol no Inverno; o pórtico ao sol
equinocial 943 . Mas nós somos de opinião que esses compartimentos se
devem situar ora num lado ora no outro, consoante o clima e a região, de
modo a temperar o frio com o calor, e a humidade com o ambiente seco.
Além disso, eu gostaria que a casa senhorial ocupasse não o lugar mais
fértil do campo, mas sim o mais conveniente, de onde se possa usufruir à
vontade de toda a vantagem e prazer da brisa, do sol e do panorama 944 ; ofe-
recerá acessos fáceis vindos do campo; acolherá em espaços condignos o
hóspede que chega; será bem visível e terá vista para uma cidade, uma vila
fortificada, o mar e uma extensa planície, e terá expostos diante dos olhos
os cumes das montanhas, as delícias dos jardins, os atractivos da pesca e da
caça.
E uma vez que, como dissemos, há partes dos edificios que são de
todos, outras de muitos, outras de cada um, naquelas que se destinam a
todos imitar-se-ão os palácios dos príncipes. Assim, diante da entrada, dis-
porão de vastíssimos espaços para as competições de carro e a cavalo, que
superam em muito os espaços onde a juventude pratica o lançamento do

942
Cat., Agr., 91 e 129.
943
Ver Vitrúvio (VI, 4, 1) sobre as orientações dos vários compartimentos da casa, não aco-
lhidas inteiramente por Alberti.
944
Ver Livro I, cap. 4.

360
Edificios para Fins Particulares

dardo e o tiro ao arco. De igual modo, no interior, nas partes que se desti-
nam a todos, não faltarão espaços para passear, andar de carroça, nadar,
áreas verdejantes e outras não cultivadas, pórticos e hemiciclos, nps quais os
mais velhos possam de Inverno conversar ao sol aprazível e a família passe
os dias festivos, e no Verão saboreiem a sombra.
Ora é sabido que nas casas há partes reservadas à família e outras à
arrecadação das coisas que se têm para seu uso. A família é constituída pelo
homem, pela esposa, pelos seus filhos e pelos seus pais, e por aqueles que
habitam com eles para seu serviço, como os intendentes, os criados, os ser-
vos; além disso, a família não exclui os hóspedes. Tendo em vista a família,
é necessário possuir bens que se destinem ao sustento, como a comida, e ao
uso, como o vestuário, as armas, os livros e mesmo os cavalos. De todas as
partes a mais importante é aquela que se julga poder chamar-se pátio ou
átrio 945 e a que nós chamaremos "o seio da casa" 946 ; a seguir vêm as salas
de jantar; depois ficarão os quartos individuais; em último lugar fiquem os
aposentos mais secretos; as restantes partes serão reconhecidas pelas suas
próprias funções. Por conseguinte, "o seio da casa" será a parte mais impor-
tante, para a qual convergem, como se fosse a praça pública do edificio,
todos os membros menores, e a partir da qual serão devidamente distribuí-
dos não só os acessos mais cómodos, mas também as convenientes abertu-
ras de iluminação. Por isso, é óbvio que cada um deseja ter como "seio da
casa" um espaço amplo, aberto, digno, acessível. Mas alguns contentam-se
com um único "seio", outros continuam a construir vários, e cercam-nos de
todos os lados com altos muros ou de um lado com paredes mais altas e do
outro com paredes mais baixas. E em certos lugares quiseram cobri-los com
um tecto, em outros deixá-los a céu aberto, em outros lugares em parte
cobertos, em parte descobertos; em alguns lugares juntaram-lhes um pórtico
de um só lado, em outros de vários lados e em outros ainda de todos os
lados; em uns lugares puseram-nos ao nível do chão, em outros num pavi-
mento assente numa abóbada.
Em relação a isto nada mais acrescento senão que se deve seguir a
natureza da região, e do clima, e do uso, e de todo o tipo de comodidade,
de tal modo que se feche a porta, numa região fria, ao rigor do vento
boreal 947 e à aspereza do ar e do solo, e, nas regiões quentes, aos incómodos

945
Tanto o pátio (cava aedium), como o átrio (atrium) já vêm referidos no léxico de Vitrú-
vio (VI, 3, 1-2, e 3, 3 ).
946
A relação edifício-corpo é assumida por Alberti ao designar a parte mais importante da
casa como sinus (seio).
947
Vento norte.

361
Livro Quinto

do sol, e se deixe entrar a viração benigna do ar e de toda a parte penetre,


tanto quanto convém, a abundância agradabilíssima da luz 948 • Deverá tomar-
-se providências para que em nada seja prejudicial a humidade que ressuma
do solo ou que nada seja enlameado pelas chuvas que caem do céu.
Para o centro do "seio" hão-de abrir uma entrada e um vestíbulo de
muita dignidade, nem estreitos, nem incómodos, nem escuros. Apresentar-
-se-á, logo ao primeiro olhar, um oratório consagrado ao culto, com um altar
bem visível, onde o hóspede, ao entrar, prestará culto à amizade e o páter-
-famílias, de regresso a casa, implorará aos deuses paz e tranquilidade para
os seus; abraçará aqui aqueles que ocorrem a saudá-lo; quando tiver deci-·
sões a tomar, ou em situações do mesmo género, aqui deverá ponderar os
conselhos dos amigos.
Com estas partes estarão em harmonia as janelas de vidro, as varandas,
os pórticos, nos quais, juntamente com o prazer da vista, desfrutarão do sol
e da brisa, consoante as estações requerem. "Aos invernais notos 949 expostas
- diz Marcial - , umas vidraças deixam passar límpidos sóis e a claridade
sem poeiras" 950 • E os Antigos pensaram que o pórtico devia estar voltado a
sul porque o sol, no Verão, fazendo uma trajectória mais elevada, não mete
lá dentro os seus raios, ao passo que, de Inverno, baixando, os faz entrar.
A vista dos montes situados a sul não é muito agradável se eles forem muito
distantes, porque estão cobertos de penumbra . do lado que se vê e porque
escurecem com a humidade esbranquiçada dessa região do céu; mas se esti-
verem mais próximos e como que pendentes sobre as nossas cabeças, pro-
vocarão noites de geada e sombras geladíssimas; pelo contrário, se estiverem
nas redondezas, serão muitíssimo agradáveis e muito úteis, porque intercep-
tam os ventos do sul. Um monte próximo a norte, reflectindo os raios do
sol, aumenta o calor; mas distante e situado ao longe é muito aprazível: com
efeito, com a limpidez do ar que predomina debaixo desta região serena do
céu e com o fulgor do sol que a banha, a montanha toma-se brilhante e
admiravelmente bela. Quando estão próximas, as montanhas situadas as nas-
cente propiciam horas frias antes do nascer do sol; as que ficam a ocidente,
uma aurora cheia de orvalho; em ambos os casos, são muitíssimo aprazíveis
quando estão a média distância.
De igual modo também os rios e os lagos nem são vantajosos quando
situados muito perto, nem agradáveis quando estão a longa distância. Mas,

948
As regras para quantificar a intensidade da luz não são explicitadas, remetendo-se esta
problemática para o domínio qualitativo.
949
Vento sul, na mitologia grega, que trazia chuva e nevoeiro.
950
Mart., Ep., VIII, 14, 3.

362
Edificios para Fins Particulares

inversamente, o mar, situado a média distância, exala sais impuros; próximo,


é menos nocivo, porque o ar se mantém mais constante; ao longe, o mar
contribui, além do mais, para a beleza pelo desejo de si que suscita. É, toda-
via, importante de que lado se apresenta o mar; com efeito, estendendo-se a
sul, traz calor, a oriente humidade, a ocidente neblina, a norte muito frio.
Do "seio da casa" será dado acesso às salas de jantar 951 . Consoante as
necessidades de utilização, haverá salas de Verão, salas de Inverno e, por
assim dizer, salas intermédias. Para as salas de jantar de Verão requerem-se,
em primeiro lugar, água e verdura dos jardins; para as de Inverno, ambiente
aquecido e lareira; nos dois casos, é desejável que sejam espaçosas, alegres
e sumptuosas. Há argumentos que nos persuadem facilmente de que entre os
Antigos as lareiras não eram como aquelas que nos habituámos a ter.
"Fumegam - diz o poeta - os cumes do telhado" 952 • Vemos que até aos nos-
sos tempos, por toda a Itália, salvo na Toscana e na Gália Cisalpina 953 , se
observou o costume de não haver saídas de fumo acima dos telhados.
Nas salas de jantar de Inverno, dizia Vitrúvio que não vale a pena usar
decoração fina nas cornijas das abóbadas, porque se deterioram com o fumo
da lareira e com a fuligem acumulada 954 • Pelo contrário, até se revestia de
tinta negra a abóbada sobre a lareira, para que as partes negras parecessem
resultar da pintura e não do fumo. Em outros autores depara-se-me que os
Antigos costumavam usar uma lenha limpa, a ponto de ser isenta de fumo,
à qual chamavam "lenha cozida" 955 e, por esse motivo, os jurisconsultos não
a consideravam incluída na designação de lenha 956 ; de modo que se pode
pensar que usaram fogareiros móveis de bronze ou de ferro , conforme
requeriam as posses e a dignidade de cada um. E talvez essa geração de
homens, afeita aos acampamentos e endurecida na milícia, como eram todos
sem excepção, tenha feito menos uso da lareira. Nem os médicos concedem
que façamos continuamente uso de grandes fogueiras. Dizia Aristóteles 957
que a solidez de carnes nos seres animados ganha consistência com o frio .

951
Tanto Varrão (L., V, 162) observa que o termo coenaculum (sala de jantar) refere-se aos
aposentos do primeiro piso, como Vitrúvio (II, 8, 17) relata que os coenacula ( cená-
culos), i.e., os espaços para refeições, se referem aos compartimentos superiores da
domus. A última ceia, foi tomada no coenaculum, i.e., numa "grande sala no andar de
cima" (Me: XIV, 15).
952
Verg., Ecl., I, v. 83.
953
A Gália Cisalpina corresponde à Itália setentrional.
954
Vitrúvio, VII, 4, 4.
955
Carvão vegetal.
956
Ulp., XXXII, 55,7.
957
Arist., [Pr. ], VIII, 15, e H. A., II, 6, 743 a.

363
Livro Quinto

E os que professam essa mesma teoria, notaram que os operários que traba-
lham em forjas acabam quase todos por ficar com o rosto e a pele muito
enrugados e franzidos; afirmam que isso acontece porque as partes cheias
concentradas pelo frio e o suco com que se forma a carne se liquefazem
com o fogo e se desfazem em vapores 958 . Entre os Gem1anos e os Colcos e
em outras regiões onde é necessário o auxílio do fogo contra os rigores do
frio, fazem uso de um aposento fechado muito aquecido; disso falaremos em
seu lugar 959 • Voltemos às lareiras.
São estas as condições adequadas ao uso da lareira: ser acessível, aque-
cer várias pessoas ao mesmo tempo, ter bastante luz, nenhum vento. Terá,
todavia, um espaço por onde o fumo respire, de outro modo não subiria. Por
isso, não será empurrada para um canto, nem muito para dentro da parede:
no entanto, não deverá atravancar os primeiros lugares das mesas dos convi-
vas. Não será importunada pelas correntes de ar das aberturas; as partes
mais baixas da abertura não serão muito salientes da parede; terá uma gar-
ganta ampla e alongada horizontalmente, elevada verticalmente e tão alta
que o cume da chaminé esteja acima de todos os tectos do edificio. Isso cer-
tamente por causa dos perigos de incêndio, mas também para evitar que o
vento acumule ondas de ar nos obstáculos dos tectos e, retendo os fumos em
redemoinhos, os não deixe subir. O fumo sobe por si mesmo quando
impregnado de calor, mas depo~s é impelido mais velozmente por acção de
calor das chamas e da lareira; por isso, o fumo apanhado da garganta da
lareira é comprimido numa espécie de tubo e, com o impulso das chamas
que o seguem, é forçado a sair tal como sai o som de uma trombeta; por-
tanto, assim como o som numa trombeta, se é demasiado larga, é abafado
pelo ar que se lhe opõe na outra extremidade, assim se passa com o fumo.
O cume da chaminé será coberto, por causa da chuva; terá narinas lar-
gas e a toda a volta, mas cercadas por um resguardo para se evitar a imper-
tinência do vento. Entre os resguardos e as narinas será deixada largura sufi-
ciente para a saída das torrentes de fumo. Onde isso não for possível,
gostaria que se colocasse aí, sobre uma ponta vertical, aquilo a que eu
chamo um "cata-vento" 960 • Consiste numa cúpula de bronze com a largura
suficiente para encaixar dentro dela a abertura superior da garganta da cha-

958
Ver Livro I, cap. 5.
959
Ver Livro X, cap. 14.
960
O termo vertula derivado de vertere, que tem o significado de girar, é utilizado por
Vitrúvio (IX, 1, 6; 8, 5; 8, 9) para descrever o movimento de rotação aparente das revo-
luções celestes, bem como dos relógios de água.

364
Edificios para Fins Particulares

miné. Na parte anterior da cúpula projecta-se uma crista que, impelida como
se fosse um leme, volta a parte posterior para as rajadas dos ventos. Será
muito vantajoso colocar à volta da base da chaminé cornos de bronze ou de
barro, com o interior do tubo, amplo e aberto, fácil de passar e com a parte
superior voltada para dentro da garganta, de modo a poder expelir, pela
parte superior da embocadura, apesar da oposição dos ventos, os fumos que
absorvera pela parte inferior.
As casas de jantar devem ter uma cozinha e uma despensa anexas, onde
se guardem os restos da ceia, a louça e as toalhas. A cozinha nem deve estar
no meio dos convivas nem tão afastada que as coisas que os convivas
pedem quentes arrefeçam durante o percurso. É suficiente que se elimine o
barulho e a sujidade dos serventes, dos pratos e das panelas. Tomar-se-ão
providências para que a chuva e os meandros complicados do percurso ou a
sujidade dos lugares não causem embaraço ao transporte das travessas de
comida, nem deslustrem a dignidade do ambiente.
Das salas de jantar passa-se aos quartos. É de grande requinte que, tal
como as salas de jantar, os quartos não sejam os mesmos no Verão e no
Inverno. Ocorre-me a observação de Lucílio: que um homem bem nascido
não deve ter pior sorte que os grous e as andorinhas 961 . Nós, porém, regis-
temos aqui o que em cada caso aconselha a razão de um homem circuns-
pecto. Lembro-me de que, segundo o historiador Emílio Probo, entre os Gre-
gos não era costume que as esposas se apresentassem nos banquetes senão
nos dos familiares, e que havia certas partes da casa, onde ficam os aposen-
tos das mulheres, às quais nenhum homem podia ter acesso, salvo os paren-
tes mais próximos 962 . E na verdade, julgo que deve haver lugares onde as
mulheres se reúnam, como se fossem dedicados à religião e à castidade;
gostaria também que fossem atribuídos aposentos requintados do mesmo
género às meninas e às donzelas, para que as suas mentes delicadas não se
encham de tédio por estarem limitadas a espaço reduzido. Será mais útil que
a matrona esteja instalada num lugar de onde possa aperceber-se do que
cada um faz em casa. Mas nós sigamos em cada situação aquilo que se coa-
duna com os costumes dos antepassados.
Marido e esposa devem ter cada um o seu quarto de dormir; e isso não
só para que a mulher parturiente ou adoentada não incomode o marido, mas
também para que, quando lhe apetecer, durma sonos mais repousados no

96 1
Ou seja, que pode mudar de acordo com as estações. Plut., Luc., 39, 5.
962
Comélio Nepos (De ex. , Praef, 7) e Vitrúvio (VI, 7, 2) designam esta parte interior da
casa grega de gynaeconitis (geniceu). De acordo com Rinckii (1841 , p. XLII) as mães
espartanas, se fossem progenitoras de varões, não estavam sujeitas a tantas restrições.

365
Livro Quinto

Verão. Cada um terá a sua porta e, além dessa, uma porta interior para que
se possam encontrar sem ninguém dar por isso. Contíguo ao quarto da
esposa, dispor-se-á o guarda-roupa; e ao quarto do marido, a biblioteca.
O avô, cansado pela idade, porque necessita de repouso e tranquilidade, terá
um quarto aquecido, protegido, afastado de toda a agitação da família e dos
estranhos. Primeiro que tudo terá o conforto de uma lareira e outras como-
didades que os doentes requerem para reparação do espírito e do corpo.
Contíguo ao quarto dele ficará o compartimento do cofre: neste pernoitarão
os filhos rapazes adolescentes, no do guarda-roupa as donzelas e no seguinte
as amas. Alojaremos os hóspedes numa parte da casa próxima do vestíbulo,
para que os que vêm apresentar cumprimentos o façam livremente sem inco-
modar o resto da família. Os rapazes até aos dezassete anos 963 instalar-se-ão
à vontade defronte ou não longe dos hóspedes, para desfrutarem da convi-
vência deles e a fomentarem. O hóspede terá, contíguo ao seu quarto, um
lugar onde possa guardar os documentos secretos e os bens preciosos e
retomá-los quando quiser. Contígua ao quarto dos rapazes ficará a arrecada-
ção das armas.
Os intendentes, criados, servos, serão segregados do convívio dos
homens bem nascidos, de tal modo que a cada um seja atribuído um lugar
conveniente e preparado para o exercício da sua função. As criadas e os
camareiros não estarão alojados longe dos lugares da sua função mais do
que o necessário para poderem de imediato ouvir e atender as ordens de
quem os chama. O encarregado da mesa terá acesso à adega e à despensa.
Os encarregados dos quadrúpedes dormirão defronte dos estábulos. Os cava-
los do senhor serão separados dos de carga e ocuparão um lugar onde o mau
cheiro ou as rixas entre eles não incomodem a casa do senhor e onde não
haja perigo em caso de incêndio.
O trigo, e o grão em geral, amolece com a humidade, amarelece com o
calor, reduz o tamanho com os atropelos, estraga-se ao contacto com a cal.
Por isso, onde quer que penses que deve ser arrecadado, em grutas ou em
poços, amontoado num soalho ou directamente no solo, procura tê-lo em
lugar muito seco e muito fresco 964 • Segundo o testemunho de Josefo, foram
encontrados em Siboli 965 grãos de trigo intactos, cem anos depois de terem

963
O termo praetextati, empregue por Alberti, está de acordo com o costume romano de os
jovens com menos de 17 anos usarem a toga praetexta, i.e. a toga branca com uma bor-
dadura púrpura (cf. Liv., XXIV, 7, 2).
964
Var., R ., I, 57, 2.
965
Josefo (B. I., VII, 296, 17) refere-se a Masada, símbolo da resistência judaica à ocupa-
ção romana, não se conhecendo a existência ou localização de Siboli.

366
Edificios para Fins Particulares

sido desenterrados. Há quem julgue que a cevada não se estraga em lugares


aquecidos; mas estraga-se mais depressa ao fim de um ano. Afirmam os
médicos que os corpos são predispostos pela humidade para se corromperem
e que com calor se corrompem efectivamente. Se rebocares o celeiro com
uma lama, bem amassada, de água de azeitona e argila e pisada com junco
ou palha triturada, terás grão mais resistente e mais firme, e conservar-se-á
durante mais tempo, e não será atacado pelo gorgulho nem roubado pelas
formigas 966 •
Os celeiros que se fazem para arrecadar o grão serão mais vantajosos se
forem de tijolo cru. O vento norte é mais favorável à conservação do grão e
também dos frutos; e, quando sopra qualquer brisa vinda de lugares húmi-
dos, mirram e entra neles o gorgulho e o bicho. Além disso, amolecem com
qualquer tipo de vento persistente e forte. Para os legumes, principalmente
para as favas, reboca o celeiro com cinza e água de azeitona. Guarda os fru-
tos num sobrado bem fechado e frio. Aristóteles considerava que a fruta se
conservava durante um ano inteiro em odres dilatados 967 • A inconstância do
ar destrói tudo; por tal motivo serão de evitar todas as virações. Mais ainda,
diz-se que o Aquilão enruga e estraga a fruta.
Aconselham que a adega seja subterrânea e bem fechada 968 ; todavia
também há vinhos que sem luz perdem vigor 969 • Todos os ventos que
sopram de leste, sul e oeste, sobretudo no Inverno e na Primavera, atingem
o vinho e toldam-no; durante a canícula o vinho entra em ebulição mesmo
com o Bóreas; toma-se seco sob a acção dos raios do sol; com a lua perde
a força; com o movimento ganha bolor e enfraquece. O vinho é ávido de
odores: com o mau cheiro debilita-se e desagrega-se; em ambiente seco e
frio e em condições constantes, aguenta durante anos. "O vinho - diz Colu-
mela - aguenta-se tanto tempo quanto se conservar fresco" 970 • Por conse-
guinte, deve situar-se a adega em lugar estável e não sujeito à trepidação das
carroças. Orienta o lado e as frestas de iluminação de leste para norte 971 •
Limpa da adega, afasta para longe, elimina absolutamente todas as sujidades
e coisas que cheiram mal: humidade, vapor denso, fumo, exalações da horta
emanadas da cebola, da couve, da figueira-mansa e da figueira-brava. Cobre
o chão da adega com um pavimento usado para o ar livre; no centro cava

966
Cat. Agr., 101.
967
Arist., [Pr.] , XXII, 4.
968
Plin. , Nat., XVI, 27
969
Cf. I libri de/la famiglia, III.
97
° Col., Rust., XII, 30, 1.
971
Plin., Nat., XIV, 27.

367
Livro Quinto

um lagarzinho onde se possa apanhar o vinho porventura derramado por


defeito de uma pipa. Há quem faça os tonéis de cimento como nos muros;
mas quanto mais capacidade tiverem os tonéis, tanto mais rascante e forte
será o vinho.
As adegas do azeite gostam de sombras quentes, odeiam as brisas frias
e são contagiadas pelo fumo e pela fuligem. Passemos adiante das impure-
zas, porque já diz o ditado: deve haver uma estrumeira onde ponhas o
estrume novo, e outra para o velho. A humidade favorece o estrume, o sol e
os ventos reduzem-no a nada. Baste-nos apenas isto: afastem-se e desterrem-
-se para longe as coisas que temem os incêndios, como o feno, e as que são
repugnantes para a vista e para o cheiro. Numa estrumeira de carvalho não
nascerão serpentes 972 .
Penso que não devo passar adiante do seguinte. Pois que mal há nisso?
No campo, instalamos as estrumeiras em lugar escondido e retirado, para
evitar que os maus cheiros incomodem toda a família rural; dentro de casa,
porém, e quase debaixo do travesseiro, nos aposentos principais onde, sem
isso, alcançaríamos um repouso perfeito, queremos ter latrinas privadas, isto
é, depósitos de um fedor pestilentíssimo. No caso de alguém adoecer, servir-
-se-á mais comodamente de um bacio ou de uma vasilha pequena; mas, para
os que estão bem de saúde, não vejo por que motivo não hás-de afastar para
longe essa náusea. E seja-me lícito observar com quanto cuidado não só
outras aves mas principalmente as andorinhas procuram ter os seus filhos
em ninhos sem mácula. São extraordinários os ensinamentos da natureza:
com efeito, mesmo as crias mais pequeninas, logo que a idade lhes permite
apoiarem-se nas patas, não aliviam a carga do seu ventre senão fora do
ninho; há também pais que, para desviarem para mais longe a sujidade, apa-
nham com o bico os excrementos das crias quando vão a cair pelo ar e
levam-nos dali. Penso que devemos obedecer aos bons ensinamentos da
natureza.

CAPÍTULO XVIII

Mas entre a casa de campo e a residência urbana dos ricos há esta dife-
rença: para os ricos a casa de campo é uma residência de Verão, servindo-
-se da casa da cidade para aguentar mais comodamente o Inverno 973 • Por

972
Var. , R., I, 38, 3.
973
Cf. I libri della famiglia, III.

368
Edificios para Fins Particulares

isso, do campo aproveitam toda a amenidade da luz, da brisa, do espaço, da


paisagem; da cidade seguem os prazeres mais caseiros e delicados. Por con-
seguinte, é suficiente que dentro da cidade se apresentem, com dignidade e
salubridade, os bens necessários à vida civil. No entanto, a residência urbana
deverá obter para si toda a amenidade e encanto da casa de campo.
Assim, a residência urbana, além de um "seio" amplo, terá ainda pór-
tico, lugares de passeio a pé e de carroça, jardins aprazíveis, e assim por
diante. Se tal não for possível, construindo em terreno plano um edificio em
andares sobrepostos, obter-se-ão os espaços convenientes para os seus vários
membros. Se a natureza do terreno o permitir, cavar-se-ão subterrâneos, nos
quais possas colocar os líquidos, a lenha e igualmente as instalações da cria-
dagem; sobre estes subterrâneos, serão edificados andares mais nobres. E,
sobre estes, poderão acrescentar-se outros, se for necessário, até se satisfaze-
rem inteiramente as necessidades da família . Os primeiros andares serão
atribuídos às necessidades primárias, as partes mais dignas às funções mais
nobres 974 • Por último, procurar-se-á que haja lugares próprios e separados,
nos quais se possam arrecadar não só as colheitas, os frutos, mas também os
instrumentos e enfim todas as alfaias.
Não faltará um lugar onde se possam guardar os objectos de culto, um
lugar para o mundo feminino, para as roupas dos dias de festa e as vestes
dos homens nos dias solenes, e um lugar para as armas defensivas e ofensi-
vas, e um lugar para os instrumentos do trabalho da lã, e um lugar para os
apetrechos dos banquetes e da recepção dos hóspedes e para o que está con-
tado e registado para ocasiões excepcionais. Em um lugar o que se destina
ao uso mensal, e em outro ao uso anual, e ainda em outro ao uso quoti-
diano; cada uma destas coisas, quando não for possível estarem em lugar
fechado, deve fazer-se tudo para que estejam à vista; e tanto mais quanto
forem de uso mais raro: com efeito, uma coisa que se vê todos os dias
muito menos receará o ladrão.
Os edificios das pessoas mais modestas, tanto quanto as suas possibili-
dades o permitirem, seguirão os exemplos de elegância dos mais ricos, que
devem imitar, com a reserva de nunca pretenderem menosprezar os princí-
pios da utilidade em beneficio do luxo. Por isso, a sua casa de campo não
estará muito menos preparada para o boi e o rebanho das ovelhas do que
para a mulher. Poderá querer um pombal, um viveiro de peixes e coisas
assim, para lucro, não para prazer; preparará, todavia, um pouco melhor a
casa de campo para que a mãe de família se afeiçoe a viver aí com mais

974
Princípio orientador da arquitectura clássica a partir do Quattrocento.

369
Livro Quinto

agrado e a ocupar-se diligentemente das tarefas caseiras. E não estará tão


preocupado com a utilidade e o proveito que não preste atenção à saúde.
Quando for necessário mudar de ares, aconselhava Celso que se deve fazê-
-lo durante o Inverno 975 ; com efeito, habituamo-nos a aguentar um clima
pesado com menos perigo no Inverno do que no Verão. Mas nós achamos
preferível ir para a casa de campo no Verão; por isso, devemos procurar que
ela seja muito e muito salubre.
Na cidade, poderá considerar que convém às suas expectativas e ambi-
ções uma loja de vendas no rés-do-chão de uma casa, mais bem equipada
que uma sala de jantar; escolherá um ângulo de um cruzamento, a fachada
do mercado, uma curva bem visível dentro de uma via militar; e quase não
terá mais nenhuma preocupação senão atrair clientes com a exposição
atraente das suas mercadorias. Nas obras do interior, não será inconveniente
que utilize tijolo cru, caniço, argila, uma mistura de lama e de palha,
madeira 976 ; no exterior, porém, terá de pensar que nem sempre sucede ter-
mos vizinhos honestos e amáveis: por tal motivo, rodeará a casa com uma
parede mais resistente, contra as investidas dos homens e do tempo. Fará as
ruelas comuns aos vizinhos tão largas que rapidamente as seque o vento, ou
tão estreitas que um só caudal receba as águas de ambos os beirais e lhes dê
escoamento 977 • As ruelas deste género entre duas goteiras e muito mais os
próprios canais terão uma grande inclinação, para que a água não empoce
nem reflua, mas seja escoada pela via mais breve possíveL
De resto, acerca de todos estes pontos, é isto o que, em suma, nos
parece dever ser recordado, juntamente com os aspectos de que tratámos no
livro primeiro. As partes do edificio que devem ser imunes aos incêndios, as
que estão expostas às afrontas do tempo, as que é preciso estarem bem
fechadas, as que é necessário isolar do barulho - cubram-se com abóbadas.
É muito agradável que todas as divisões térreas sejam cobertas por abóba-
das; as que se constróem por cima destas tornar-se-ão mais salubres com um
tecto de madeira. As partes em que é útil a luz até ao crepúsculo, como é o

975
Celso (I, 3, I) sugere que "é melhor fazer a mudança de um sítio salubre para um
opressivo no começo do Inverno e de um opressivo para um salubre no começo do
Verão". Cf. trad. fr. de G. Serbat, 1995.
976
Ver Livro III, cap. 11.
977
Referência ao afastamento entre edificações vizinhas no tecido urbano medieval, alterado
pela política dos papas e príncipes dos estados italianos que permitiram, a partir do
Quattrocento, a definição dos limites da propriedade por muros ou paredes meeiras (cf.
Portoghesi, 1966, pp. 436-7, n. 2).

370
Edificios para Fins Particulares

caso da sala de visitas, a galeria, a biblioteca, devem estar voltadas ao nas-


cente equinocial. Os materiais que temem a traça, a perda de cor, o bolor ou
o verdete, como as roupas, os livros, as armas, os cereais e tudo o que é de
comer, guardam-se na parte sul e poente. Se alguém necessita de luz cons-
tante, como o pintor, o amanuense, o entalhador e outros oficios do mesmo
género, dá-lhes lugar na parte norte. Por fim, orienta para o vento norte os
aposentos de Verão; para sul, os de Inverno; para oriente, os da Primavera e
os de Outono; expõe ao sol poente os banhos 978 e as salas de jantar na Pri-
mavera 979 • Se não é possível como se deseja, ocupa sem hesitação os luga-
res mais cómodos com os apartamentos de Verão. E, na minha opinião,
quem edifica, se sabe o que faz, edifique para as necessidades do Verão;
com efeito, satisfazer as de Inverno é tarefa bastante fácil: feche as abertu-
ras e acenda a lareira; contra o calor requerem-se muitas coisas, mas elas
nem sempre servem para muito. Por isso, para os aposentos de Inverno faz
com que a área seja reduzida, a altura reduzida, as aberturas reduzidas; pelo
contrário, todos os aposentos de Verão sejam em tudo espaçosos e abertos.
Faz com que haja uma abertura para captar vento mais fresco; exclui o sol
e as brisas enviadas pelo sol. Muito ar contido dentro de uma sala ampla, tal
como muita água no mesmo recipiente, demora muito tempo a aquecer.

978
Ver Livro VIII, cap. 10.
979
Cf. Vitrúvio, VI , 4, I.

371
LIVRO SEXTO: DO 0RNAMENT0 980

CAPÍTULO I

D
o delineamento, dos materiais, das obras, da mão-de-obra operária e
de tudo aquilo que nos pareceu pertinente para a construção dos
edificios públicos e privados, tanto sagrados como profanos, na
medida em que fossem aptos para suportar os maus tratos das intempéries e
adequado cada um deles aos seus usos em função da natureza dos lugares,
dos climas, das pessoas e das circunstâncias - disso tratámos nos cinco
livros anteriores com tanta diligência quanta pudeste perceber nesses mes-
m'os livros, de tal modo que a não possas pretender muito maior no trata-
mento destas questões; e com um trabalho, ó deuses!, maior do que no iní-
cio desta tarefa teria porventura exigido de mim mesmo 981 • Surgiam, com
efeito, numerosas dificuldades não só na exposição dos assuntos, mas tam-
bém na invenção das palavras, e ainda no tratamento da matéria, que me
dissuadiam e afastavam da empresa começada; de outra parte, chamava-me
e exortava-me à prosseguir aquela mesma razão que me levara a iniciar esta

980
Os conteúdos deste Livro não se restringem à ornamentação dos edificios, i.e. ao que
serve para embelezar, mas também à maquinaria utilizada em estaleiro de obra, bem
como a outras questões técnicas relacionadas com a estabilidade dos edificios. Note-se
que, em latim clássico, o termo ornamentum é polissémico, podendo significar não só
ornamento como equipamento, recursos e meios e, ainda, o que dá honra e dignidade a
alguém (cf. Ernout-Meillett, 1951 , Tomo II, p. 831 ).
981
No Ex ludis rerum mathematicarum (pp. 56-57), redigido cerca de 1450, Alberti indica
que começou a escrever o tratado a pedido do marquês de Ferrara, Lionello d'Este,
sendo aceite, com alguma indeterminação, que o tenha concluído no início da segunda
metade do Quattrocento. Com efeito, Mattia Palmieri (1475, p. 241) relata na crónica
De temporibus suis que, em 1452, Alberti apresentou ao Papa Nicolau V o seu tratado
sobre a arte edificatória: "Leon Battista Alberti, homem dotado de perspicácia e arguto
engenho, instruidíssimo nas boas artes como na teoria, mostrou ao Papa os doutos livros
que escreveu sobre arquitectura" (cf. trad. it. de G. Mancini, 1882, pp. 392-393).

373
Livro Sexto

obra. Na verdade, penalizava-me que, devido aos maus tratos dos tempos e
dos homens, tivessem perecido tantos monumentos literários e tão insignes,
a ponto de termos como único sobrevivente de tamanho naufrágio apenas
Vitrúvio, autor sem dúvida competentíssimo, mas de tal modo danificado e
mutilado pelo tempo, que em muitos passos são muitas as lacunas e em
muitos outros são muitíssimos os aspectos que deixam a desejar. Acrescia
que a expressão não é cuidada: escreve, com efeito, de tal modo que os lati-
nos palpitam que ele pretende fazer crer que falava grego, e os gregos que
falava latim 982 ; porém, esta questão, considerada em si mesma, prova que
ele não foi latino nem grego, de tal modo que, para nós, resulta como se
não tivesse escrito quem escreveu de forma a não o entendermos. Restavam
os exemplos antigos concretizados nos templos e nos teatros, com os quais
havia muito a aprender como se fossem os mais excelentes professores: não
sem lágrimas via eu que esses monumentos iam sendo destruídos dia a dia;
e que os construtores, que nestes tempos edificavam, se deleitavam mais
com novos delírios dos seus disparates 983 do que com os princípios mais que
provados de obras reconhecidíssimas; à vista disso, ninguém negava que, por
assim dizer, esta parte da vida e do conhecimento iria desaparecer comple-
tamente 984 • Por conseguinte, sendo esta a situação, eu não podia deixar
de pensar muitas vezes e prolongadamente em comentar estas questões.
E enquanto meditava em coisas tão importantes, que se impunham por si
mesmas, tão nobres, tão úteis, tão necessárias à vida da humanidade, con-
vencia-me de que as devia passar a escrito; e pensava que era dever de um
homem de bem dedicado ao estudo esforçar-se por livrar da morte esta parte
do saber que os mais sábios dos nossos antepassados sempre tiveram no
maiOr apreço.
Por isso, estava hesitante e sem saber o que fazer: iria prosseguir ou
antes interromper? Prevalecia o amor por esta obra e a afeição aos estudos;
e aquilo que o engenho não conseguisse proporcionar em medida suficiente
seria facultado por um estudo apaixonado e uma diligência inimaginável.

9 2
M Cotejar com o Prólogo, onde Alberti discorre, de forma exclusivamente abonatória, sobre
o tratado de Vitrúvio, bem como a forma como se refere, neste capítulo, ao "estudo
apaixonado" das obras antigas, o que sugere aparentemente um pensamento complexo e
contraditório sobre as fontes romanas do seu tratado.
9 3
M Cf. com a citação de Álvaro Siza na Nota Prévia desta edição.
984
O conhecimento da delapidação dos monumentos remanescentes da Roma imperial foi
conseguido a partir do estudo e levantamento de obras antigas, em consonância com as
descrições feitas pelos seus colegas da cúria papal, que denunciaram a transformação das
ruínas da cidade num imenso fomo de cal. Ver nota n.0 10.

374
Do Ornamento

Onde quer que existisse uma obra antiga em que brilhasse uma centelha de
valor, imediatamente me punha a compulsá-la para ver se com ela podia
aprender alguma coisa 985 • Por isso, não cessava de explorar tudo, de obser-
var atentamente, de medir, de fazer um esboço 986 , até aprender e conhecer
em profundidade o contributo de cada um em engenho e arte; e deste modo
suavizava o trabalho com o desejo e o prazer de aprender. E na verdade reu-
nir num todo coisas tão variadas, tão díspares, tão dispersas, tão alheias à
prática e ao conhecimento dos autores, examiná-las de maneira conveniente,
e dispô-las em ordem adequada, e tratá-las em linguagem cuidada, e expô-
-las segundo um método certo - é sem dúvida alguma próprio de capacidade
e saber superiores às que reconheço em mim. Porém, de modo nenhum me
arrependerei se consegui, e foi esse o meu principal propósito, que quem me
ler se convença de que eu preferi ser fácil na linguagem a parecer eloquente.
Quanto seja dificil este simples objectivo em comentários deste género, mais
o sabem aqueles que o experimentaram do que o podem crer os que o não
tentaram. E, se me não engano, o que escrevemos, escrevemo-lo de tal
maneira que não se possa negar ser latim e que se entende razoavelmente 987 .
Isso mesmo poremos em prática, segundo as nossas forças, na parte que se
segue.
Das três partes, concluídas as duas primeiras, que diziam respeito à
construção em geral, com o objectivo de que as nossas construções fossem
de facto adequadas às suas funções, tivessem a maior solidez e duração, fos-
sem as mais aptas a proporcionar graciosidade e uma sensação aprazível,
resta a terceira, de todas a mais nobre e a mais necessária 988 •

985
A Descriptio urbis Romae, escrita provavelmente em 1450, mostra o interesse de Alberti
pelo levantamento cartográfico dos monumentos da Antiguidade romana.
986
Cf. Livro IX, cap. 8.
987
Este propósito de escrever para leitores coevos, com novos termos e em latim sem mis-
turas, também é expresso por Alberti na obra I libri de/la famiglia (Proémio, III), onde
procura seguir os ensinamentos dos escritores clássicos, que também escreveram para
leitores contemporâneos: "Benché stimo niuno dotto negarà quanto a me pare qui da
credere, che tutti gli antichi scrittori scrivessero in modo che da tutti e' suoi molto
voleano essere intesi" .
988
Na terceira parte do tratado, a relativa à beleza, Alberti subordina as anteriores (a da
materialidade da construção, bem como da sua comodidade), de modo a proporcionar
graciosidade e aprazibilidade (gratia e amoenitas) o que mostra, apesar de não cessar de
explorar, observar, medir e esboçar atentamente as obras do passado, que a sua aborda-
gem à Antiguidade Clássica é, essencialmente, arquitectónica e não arqueológica, na
medida em que se apresenta sempre com uma finalidade interventiva e prepositiva.

375
Livro Sexto

CAPÍTULO II

Alguns julgam que o gracioso e o aprazível não têm outra origem senão
na beleza e no ornamento, levados pelo facto de se aperceberem de que não
se encontra ninguém tão austero e obtuso, tão inculto e boçal, que não se
impressione intensamente com as coisas mais belas, que não dê preferência
às coisas mais embelezadas em detrimento de todas as outras 989 , que não se
moleste com as feias e não rejeite tudo o que é mal adornado e desleixado
e que não sinta e declare que quanto mais ornamento falta a qualquer coisa,
tanto mais lhe falta o que contribui para a sua graciosidade e nobreza.
Por conseguinte e antes de mais, devem aspirar à mais nobre beleza
aqueles, sobretudo, que pretendem tomar a sua obra não desagradável. De
quanta importância os nossos antepassados, homens de muito saber, pensa-
vam ser devida a este aspecto, são prova, entre outras coisas, as leis, o exér-
cito, a religião e toda a república, com que, mais do que se poderia crer, se
preocuparam a tal ponto que fossem as mais plenas de ornamento 990 , como
se pretendessem que parecesse que a sua opinião era que estas instituições,
sem as quais a vida humana dificilmente poderia existir, seriam uma activi-
dade insípida e insulsa, se lhes retirássemos o aparato e a pompa dos orna-
mentos. Com certeza admiramos os deuses ao contemplar o céu e as suas
mirificas obras, mais porque vemos que são belas do que por sentirmos que
são muito úteis. Mas porque prosseguir com estes arrazoados? A própria
natureza, como se pode ver por toda a parte, não desiste dia a dia de se
mostrar luxuriante na volúpia da beleza e no colorido das flores 99 1, para não
falar do resto.
Ora se há alguma coisa em que o ornamento é necessário, esse é sem
dúvida o caso de um edificio, a ponto de não poder de forma alguma care-
cer dela sob pena de chocar especialistas e não especialistas. Que motivo há
para que nos enfademos com um amontoado de pedras informe e sem con-
cinidade 992 senão que, quanto maior ele for, tanto mais censuramos o des-

9 9
H Esta capacidade inerente à espécie humana relativamente à apreciação da beleza convive
com valores de natureza filosófica, moral, social e política que têm por finalidade fazer
face às adversidades da fortuna. Cf. Prólogo e Livro II, cap. l.
990
Neste contexto, ornamentum é sinónimo de qualificação artística (cf. Livro I, cap. 9 e
Livro IV, cap. 1).
99 1
Cf. Momus , IV.
992
No original inconcinna - sem concinidade ou sem harmonia - no sentido de uma desa-
daptação ou inadequação às circunstâncias.

376
Do Ornamento

perdício da despesa e denunciamos a leviandade do capricho de amontoar


pedras? Quando a deselegância da obra é chocante, satisfazer à necessidade
é coisa pouca e insignificante, prover à comodidade é insuficiente.
Além disso só esta beleza de que estamos a falar presta um grande con-
tributo para a comodidade e também para a perenidade da obra. Quem dirá
que não se sente mais cómodo quando se instala entre paredes 993 adornadas
do que sem ornamento 994 ? Ou, mais ainda, que coisa poderá tomar-se tão
reforçada por algum artificio dos homens que esteja assaz protegido contra
os estragos que eles provocam? Ora a beleza alcançará dos mais acirrados
inimigos que dominem a sua fúria e a deixem ficar intacta; assim posso
dizer: nenhuma obra estará tão segura e ilesa da injúria dos homens como
pela dignidade e beleza da sua forma 995 • Para este fim devem contribuir todo
o empenho, toda a diligência, todo o cálculo dos custos: as obras que fize-
res, embora sendo úteis e cómodas, sejam sobretudo decotadíssimas e igual-
mente muito agradáveis, a ponto de que quem as contemplar em nenhuma
outra coisa prefira ter despendido tanto gasto como aí.
Mas o que são em si mesmos a beleza e o ornamento ou em que se dis-
tinguem, talvez com mais clareza o entenderemos na alma do que eu sou
capaz de explicar em palavras. Todavia, para ser conciso, assim os definire-
mos: a beleza é a concinidade 996 , em proporção exacta, de todas as partes no
conjunto a que pertencem, de tal modo que nada possa ser adicionado ou
subtraído, ou transformado sem que mereça reprovação. Magnífico e divino
é isto em cuja execução se consomem os recursos das artes e do engenho; e
raramente é concedido, mesmo à própria natureza, que apresente à vista de

993
A edificação e a ornamentação das paredes apresentavam no Quattrocento, conforme
assinala Feuer-Toth (1971 , pp. 147- 152), um encadeamento de operações seguidas no
tratado: primeiramente os pedreiros construíam o corpo da parede e os marmoristas as
prumadas e os elementos de reforço em pedra (Livro II, cap. 10; Livro III, caps. 6 e 9),
seguidos pelos entalhadores que executavam as incrustações em pedra nos paramentos
(Livro VI, cap. 1O) e, por último, os canteiros que lavravam os capitéis, bem como
outros ornamentos arquitectónicos (Livro VII, caps. 7, 8, 9 e 12).
994
Este paradigma sobre o valor do ornamento manteve-se, na sua essência, actual nos qua-
tro séculos seguintes ao da edito princeps. Foi posto em causa pelas vanguardas artísticas
do séc. XX, nomeadamente nos diversos manifestos dos ideais puristas promovidos por
Le Corbusier-Saugnier, bem como nos textos do classicismo vanguardista de Adolf Loos.
995
O valor da beleza como factor de segurança reafirma o princípio albertiano da virtus -
a virtude - para vencer ou combater o fatum - o destino.
996
No original concinnitas - concinidade ou harmonia - referida no Livro II, cap. 1, e
desenvolvida no Livro IX, cap. 5. Ver, nesta edição, a Jntrod~,tção -As Leituras da Arte
Edificatória.

377
Livro Sexto

todos uma coisa plenamente acabada e perfeita sob todos os ângulos. Quan-
tos efebos belos - diz uma personagem de Cícero 997 - existem em Atenas!
E esse mesmo observador de formas entendia que, naqueles que não apro-
vava, faltava ou havia a mais alguma coisa que não condizia com as pro-
porções da beleza. Isto foi-lhes conferido, se me não engano, pelos adornos
acrescentados, disfarçando e encobrindo o que havia de disforme ou enfei-
tando e lustrando as partes mais belas, para que as desagradáveis fossem
menos chocantes e as agradáveis deleitassem ainda mais. Assim, se isso for
convincente, o ornamento será realmente uma espécie de luz subsidiária da
beleza e corno que o seu complemento. Daqui penso que se toma evidente
que a beleza é como que algo de próprio e inato, espalhado por todo o
corpo que é belo 998 ; ao passo que o ornato é da natureza do artificial e
acrescentado mais que do inato 999 .
Mas voltemos ao nosso propósito: quem edifica de modo a pretender a
aprovação daquilo que edifica - como deve querer quem tem bom senso -
deixa-se mobilizar por critérios racionais seguros; é próprio da arte fazer o
que quer que seja segundo critérios racionais. Quem, portanto, negará que
uma edificação perfeita e digna de aprovação não pode ter origem senão na
arte 1000 ? Sem dúvida alguma, uma vez qu~ esta parte que se ocupa da beleza
e do ornamento é a mais importante de todas, é próprio dela um critério
racional exacto e constante e urna arte tal que quem a desprezar não tem o
mínimo de bom senso 1001 • Mas há quem não concorde com estes princípios
e diga que é uma opinião inconstante e sem fundamento aquela com que

997
Cic., N. D., I, 28, 79.
99
~ Na distinção entre beleza (pulchritudo) e ornamento (ornamentum), Alberti sugere que
a primeira se relaciona com a dimensão global da obra e a segunda com a local, na
medida em que esta é acrescentada e aquela é inerente ou inata. Em consequência, na
sua teoria artística o ornamento assume um valor simultaneamente correctivo e comple-
mentar para se alcançar a beleza, à semelhança do que está exposto nas Confissões de
Santo Agostinho (IV, 13, 20): "E reparava e via nos próprios corpos que uma coisa era
por assim dizer, o todo e, por isso, belo, outra coisa era o que ficava bem, porque de
forma apta se adequava a alguma coisa, como a parte do corpo ao seu todo [... ]". Trad.
de A. M. do Espírito Santo et a/ii, 2000.
999
Para definir o que é o ornamento, Alberti utiliza o termo affictus que significa tanto
aplicado ou acrescentado, como imaginado ou inventado. Assim, o ornamento também
é concebido para Alberti "[ ... ] como uma espécie de ficção que toma a beleza inata da
arquitectura mais aparente, mais radiante" (Wolf, 2000, p. 181 ).
1000
No original ars, no sentido de um saber técnico, de uma artesania.
100 1
O relativismo artístico, contrário à sistematização teórica, é combatido por Alberti, muito
para além do estabelecimento de um compêndio de regras práticas. Cf. Portoghesi, 1966,
p. 449, n. 4.

378
Do Ornamento

emitimos um juízo acerca da beleza e de qualquer edificação e que a forma


dos edifícios varia e muda ao bel-prazer de cada um, sem estar vinculada a
nenhum preceito das artes. É comum este vício da ignorância: declarar que
não existe aquilo que se desconhece. Estou determinado a eliminar este erro;
não assumo, todavia, que, na minha opinião, seja imprescindível indagar
mais longamente de que origens derivam as artes, segundo que princípios
evoluíram, e com que alimentos cresceram. Admito que não é fora de pro-
pósito a opinião comum que diz que a mãe de todas as artes foi o acaso e
a observação, que os seus discípulos foram a prática e a experiência e que
estes cresceram com o conhecimento e o raciocínio 1002 •
Assim, dizem que a medicina tem sido inventada ao longo de milhares
de anos por milhares e milhares de homens; e também assim a náutica e
todas as demais artes se desenvolveram como pequenos acrescentos.

CAPÍTULO III

A arte edificatória, tanto quanto nos apercebemos pelos monumentos da


Antiguidade, difundiu pela Ásia a primeira exuberância, por assim dizer, da
sua juventude; a seguir, floresceu na Grécia; por fim, atingiu a mais reco-
nhecida maturidade em Itália. Deste modo, toma-se-me verosímil que esses
reis, dispondo em abundância de riquezas e lazer, ao considerarem-se a si
mesmos, os seus recursos e a majestade e a magnificência do seu ceptro,
porque compreendiam haver necessidade de coberturas mais grandiosas e de
muros mais imponentes, começaram a procurar e a reunir tudo aquilo que
pudesse contribuir para esse objectivo, e a construir coberturas com árvores
de dimensões tanto maiores .quanto maiores e mais imponentes fossem os
edificios, e a construir habitualmente os muros com pedra menos vulgar.
Uma obra assim propiciou-lhes admiração e reconhecimento.
Depois, sentindo porventura que as obras de grandes dimensões atraíam
os louvores e pensando que o principal múnus régio era realizar aquilo que
os particulares não podiam, os próprios reis chegaram ao ponto de se delei-
tarem com o gigantesco das suas obras e de competir tenazmente entre si até

1002
Cf. as descrições de Vitrúvio (II, 1, 1; 2; 3) sobre os passos dados pela humanidade,
desde a descoberta do fogo até à socialização e ao anúncio da arquitectura, bem como
as de Lucrécio (V, 930 et seq. ; 1091 et seq.) sobre a evolução do homem primitivo e o
descobrimento do fogo .

379
Livro Sexto

à insensatez da construção das pirâmides 1003 . Estou certo de que a prática de


construir proporcionou ocasião para que em grande parte se apercebessem de
qual é a diferença em empreender uma construção de um ou outro tipo em
termos de proporção, ordem, posição ou aspecto; e igualmente lhes ofereceu
a oportunidade de aprenderem a comprazer-se nas mais agradáveis e a des-
prezar as que têm menos concinidade.
Seguiu-se a Grécia. E porque florescia em homens talentosos, bons e
sabedores, e ardia inflamada no desejo de se adornar, cuidou de construir em
primeiro lugar o templo e outros edificios. Depois começou a observar aten-
tamente as construções dos Assírios e dos Egípcios, até compreender que em
obras deste género merece mais louvor a mão dos artífices do que as rique-
zas dos reis; com efeito poder realizar grandes construções é próprio de
ricos; mas realizar obras que os entendidos não censuram é próprio daqueles
que merecem louvor. Por tal motivo a Grécia decidiu que eram estas as suas
opções: esforçar-se numa obra empreendida por superar, na medida das suas
possibilidades, em dotes de engenho aqueles que não podia igualar em recur-
sos de fortuna: e começou a procurar e a trazer do próprio regaço da natu-
reza tanto as outras artes como esta, a edificatória, e a exercê-la e a conhecê-
-la inteiramente, examinando-a e avaliando-a com sagacidade e subtileza.
Nada descurou em examinar atentamente qual é a diferença que existe
entre os edificios que merecem aprovação e os que a merecem menos. Expe-
rimentou todas as tentativas, percorrendo e seguindo as pegadas da natureza.
Mesclando o igual com o igual, o recto com o curvo, o claro com o escuro,
observava se, como da união de macho e fêmea, nasceria uma terceira coisa
que correspondesse à expectativa do objectivo proposto; e não desistiu de
examinar, uma e outra vez, nas mais pequenas coisas, cada uma das partes
para ver como o lado direito se conjugava com o esquerdo, o vertical com
o horizontal, o próximo com o distante. Acrescentou, subtraiu, igualou as
coisas maiores às menores, as semelhantes às dissemelhantes, as primeiras às
últimas; até que descobriu que se louvava um aspecto naquelas que eram
colocadas como que na primeira linha para resistirem ao envelhecimento,
outro naquelas que não eram realizadas para outra finalidade senão para a
beleza 1004 • Isto na Grécia.

1003
As desmedidas dimensões das pirâmides são próprias do desejo de edificar sem mode-
ração, já anteriormente censurado por Alberti (Livro I, cap. 9; Livro II cap. 1).
1004
A figura de estilo da paronomásia, é utilizada frequentemente por Alberti, como sucede,
pela simples mudança de uma letra, entre vetustatem (ao envelhecimento) e venustatem
(para a beleza), impossível de traduzir para vernáculo.

380
Do Ornamento

A Itália, devido acima de tudo à sua inata sobriedade 1005 , defendia que
há conformidade entre um edificio e um ser vivo. Na verdade, sentia, por
exemplo num cavalo, que raramente é digna de aprovação a configuração
dos seus membros, sem que o animal seja o mais apto para o uso a que se
destina; e, por conseguinte, consideravam que a beleza da forma em parte
alguma podia encontrar-se excluída ou separada da utilidade que se preten-
dia 1006 • Mas, uma vez conseguido o domínio dos povos, ardendo em não
menor desejo que a Grécia de se adornar a si e a Roma 1007 , a casa que trinta
anos antes fora a mais bela da cidade, não conseguiu obter o centésimo
lugar. E como fosse abundante o número de talentos que praticavam nessa
área, segundo os meus dados existiram em Roma, ao mesmo tempo, sete-
centos arquitectos, cujas obras nunca louvaremos suficientemente na pro-
porção dos seus méritos. E, como superabundavam os recursos do império
para tudo o que era espectacular, diz-se que um certo Tácito 1008 ofereceu aos
habitantes de Óstia, à sua custa, umas termas construídas com cem colunas
da Numídia. Assim sendo, agradou à Itália conjugar a magnificência dos reis
mais poderosos com a sua antiga frugalidade, de tal modo que nem a parci-
mónia diminuísse a utilidade, nem a utilidade fosse parca em recursos; em
ambos os casos, porém, acrescentar-se-ia tudo quanto, em qualquer aspecto,
se possa imaginar para obter sumptuosidade e beleza.
Além do mais, com o cuidado e o empenho dispensados ininterrupta-
mente à construção dos edificios, tomou a arte edificatória tão apurada que
nada havia nela de tão recôndito, tão oculto, tão profundamente abstruso que
não indagasse, evidenciasse e manifestasse por vontade dos deuses e colabo-
ração incondicional da própria arte. Com efeito, tendo a arte edificatória
encontrado acolhimento em Itália desde os tempos antigos, sobretudo entre
os Etruscos, dos quais, além das maravilhas do labirinto e dos túmulos dos
reis, que se lêem nos livros 1009 , nos restam os preceitos de que se servia a

1005
A noção de sobriedade (jrugalitas ) é desenvolvida no Livro lll da obra I libri de/la
fam iglia, onde Alberti apresenta o conceito de masserizia.
1006
A beleza resultante da relação entre forma e utilidade, complementa-se com a de beleza
regida por proporções matemáticas fixas (cf. Livro IX, cap. 6).
1007
Referência à renovação de Roma sob Octaviano Augusto, relatada em inúmeras fontes
coevas bem como clássicas, nomeadamente em Vitrúvio (I, Pre., 2): " [ ...] porque a
Cidade não foi apenas engrandecida, através de ti, com as províncias, mas também a
dignidade do Império foi sublinhada pela egrégia autoridade dos edificios públicos [ .. .]".
100
8 Cf. S.H.A ., Tac., XXVII, lO, 5.
1009
Plínio-o-antigo (Nat., XXXVI, 91) refere que o rei Porsena da Etrúria, que cercou Roma
nos inícios da República para reinstaurar a monarquia, fez em Clúsio, uma das poucas
necrópoles etruscas conhecidas no Quattrocento, um labirinto para servir de tumba.

381
Livro Sexto

antiga Etrúria, transmitidos por escrito, antiquíssimos e inexcedíveis, sobre a


construção dos templos; tendo, repito, encontrado acolhimento em Itália 1010
desde os tempos antigos e tendo compreendido que era desejada com tal
veemência, viu-se esta arte empenhar-se com todas as suas forças em tomar
o império do mundo, que todas as demais virtudes embelezavam, ainda
muito mais admirável com os seus ornamentos 10 11 • Por isso, ofereceu-se para
ser conhecida e utilizada, considerando indigno que a cidadela do mundo e
esplendor dos povos fosse igualada, em glória de construções, por aqueles
que superava em todo o tipo de louvor merecido pela virtude 1012 •
E para quê referir aqui os pórticos, os templos, os portos, os teatros, as
obras colaterais das termas? Nelas alcançaram tanta admiração que os arqui-
tectos mais competentes das outras nações negavam que fosse possível rea-
lizar as obras já concluídas que contemplavam diante de si. E não direi mais
nada? Na construção dos esgotos não puderam passar sem a beleza; e de tal
modo encontraram prazer nos ornamentos que consideraram a coisa mais
bela despender os recursos do império só por causa da beleza, isto é, edifi-
cando para, de forma ajustada, acrescentar ornamentos.
Por conseguinte dos exemplos dos Antigos, das advertências dos espe-
cialistas e da prática assídua nasceu o conhecimento perfeitíssimo de como
realizar estas obras admiráveis, ao passo que do conhecimento foram extraí-
das as regras ditadas pela experiência; quem quiser - e todos devemos que-
rer - não ser incompetente a construir não deve desprezá-las em nenhum
aspecto 10 13 • Nós devemos reuni-las de acordo com a tarefa iniciada e
explicá-las na medida das nossas capacidades. Destas regras umas com-
preendem em geral a beleza e os ornamentos de todo o edificio; outras apli-
cam-se singularmente a cada urna das partes 1014 • As primeiras são retiradas

10 10
Sobre a construção dos templos na Roma antiga e, em particular, as toscanicae disposi-
tiones relativas à ordem toscana e à organização do templo etrusco veja-se Vitrúvio
(Vil, 1-2) e Alberti (Livro VII, cap. 4).
1011
A partir da editio princeps do tratado de Alberti, publicada em 1485, até à História da
Arte da Antiguidade de Winckelmann, publicada em 1764, a Antiguidade romana é
quase sempre apresentada com supremacia artística sobre a grega (cf. Pommier, 2003).
1012
Na Antiguidade romana virtus significava excelência ou uma actividade que conduz à
excelência, seja na convergência com a aretê grega, seja na sua dimensão estóica, seja
numa orientação aristocrática onde prevalece primeiro a res publica, a seguir a família
e só depois o indivíduo (cf. Pereira, 2002, pp. 405-415).
1013
O processo de reflexão em acção, que a prática da arquitectura e a sua concretização
teórica solicitam, são constantemente referidos ao longo do tratado.
1014
Isto é, aos descritores da edificatória: região, área, compartimentação, parede, cobertura
e abertura.

382
Do Ornamento

do interior da filosofia e utilizadas para orientar e configurar os processos e


o método desta arte; as segundas, por sua vez, extraídas do conhecimento
que acabámos de referir e, por assim dizer, talhadas segundo a norma da
filosofia, produziram o encadeamento da arte. Falarei primeiro daquelas que
se relacionam mais directamente com a arte; das outras, que apreendem a
questão de forma global, servir-me-ei delas à maneira de epílogo 1015 •

CAPÍTULO IV

Aquilo que agrada nas coisas mais belas e mais ornamentadas ou pro-
vém da invenção e dos raciocínios do engenho ou da mão do artífice, ou é
implantado pela natureza nas próprias coisas. Pertencerá ao engenho a esco-
lha, a distribuição, a disposição e outras acções do mesmo teor que à obra
possam conferir dignidade; à mão do artífice pertencerá acumular, aplicar,
desbastar, talhar em redor, polir e outras acções do mesmo teor que à obra
possam conferir graciosidade 101 6; atributos implantados nas coisas pela natu-
reza serão o peso, a leveza, a densidade, a pureza, a resistência ao envelhe-
cimento e outras qualidades semelhantes que à obra conferem admiração.
Estes três factores devem ser aplicados às várias partes de acordo com o uso
e a função de cada uma delas.
Múltiplos são os critérios de classificação das várias partes de um edi-
fício. Mas a nós apraz-nos dividir os edifícios do seguinte modo: ou por
aquilo em que todos os edifícios convergem ou por aquilo em que divergem.
Pelo que foi dito no primeiro livro, entenderemos que qualquer edifício pos-
sui as seguintes partes: região, área, compartimentação, parede, cobertura,
abertura 1017 • Portanto nisso são convergentes. Divergem, no entanto, no facto
de uns serem sagrados, outros profanos, uns públicos, outros privados, uns

1015
Vidler (2008, pp. 3-4) sustenta que Alberti estabeleceu uma tradição disciplinar que se
prolongou até ao trabalho inacabado de K. F. Schinkel (Das architektonische Lehrbuch) ,
dado que a história da arquitectura era da responsabilidade, praticamente exclusiva, dos
arquitectos mas que, a partir de meados do séc. XIX, passou também a ser comparti-
lhada pelos historiadores, com os trabalhos pioneiros de James Fergusson, Jacob Burc-
khardt, Heinrich Wõlffiin, Wilhelm Worringer, August Schmarsow e Paul Frank!.
10 16
Elogio à manualidade dos artífices e à materialidade da obra, se bem que seja ao enge-
nho do arquitecto que se deve a sua dignidade.
10 17
Cf. Livro I, cap. 2.

383
Livro Sexto

serem destinados para a necessidade outros para o prazer, e para outros fins
da mesma natureza. Comecemos por aquilo em que são convergentes.
Não é nada claro que graciosidade ou dignidade pode a mão ou o enge-
nho do homem conferir à região, a não ser que nos interesse imitar aqueles
que imaginaram, como se lê nos livros, obras fabulosas e maravilhosas; a
esses, todavia, não os censuram os sábios se conseguiram fazer coisas úteis
e não os louvam se não são necessárias. E isso com toda a razão. Quem
louvará aquele, quem quer que ele tenha sido, ou Estasícrates segundo Plu-
tarco 101 8 , ou Dinócrates segundo Vitrúvio 10 19 , que prometia fazer a partir do
monte Atos uma estátua de Alexandre, em cuja mão estaria colocada uma
cidade com capacidade para dez mil habitantes? Mas ninguém louvará
demais a rainha Nitócris 1020 por ter inflectido por três vezes o rio Eufrates
em direcção ao mesmo território na Assíria por meio de escavações gigan-
tescas e o ter forçado a chegar depois de uma grande volta, se tiver tomado
a região não só fortificadíssima graças à profundidade do fosso mas também
fertilíssima devido à abundância de águas 102 1• Mas comprazam-se os reis
poderosíssimos em obras desta natureza. Liguem os mares a outros mares
rasgando o espaço que há entre eles; nivelem os montes com os vales;
façam novas ilhas, e restituam de novo ilhas ao continente; nada deixem que
outros possam imitar e, deste modo, confiem o seu nome à posteridade. Sem
dúvida, quanto mais as suas obras andarem ligadas à utilidade, tanto mais
serão dignas de aprovação.
Era hábito dos Antigos conferir, por meio da religião, nobreza não só
aos lugares e aos bosques mas também a toda a região. Lemos que toda a
Sicília estava consagrada a Ceres 1022 ; mas passo adiante disso. Será muito
mais agradável o seguinte: se uma região for dotada de alguma coisa notá-
vel que seja singular pela sua raridade, admirável pelo seu poder e extraor-
dinária no seu género; como, por exemplo, se tiver um clima mais que todos
os outros suave, e de uma estabilidade incrível e constante, como em
Méroe 1023 , onde os homens podem viver tanto tempo quanto queiram; se

1018
Plut., A/ex., 72, 4.
1019
Vitrúvio, II, Pre., 2-3.
1020
Primeira mulher a assumir o trono dos faraós nos finais da VI dinastia (c. 2250 a. C.).
1021
É possível que Heródoto (1, 185), ao mencionar Nitócris, a tenha confundido com
Adad-Guppi, a mãe do último rei da Babilónia.
1022
Ceres é o nome romano da deusa grega Deméter, a deusa da agricultura, a deusa mater-
nal da terra, cujo culto foi introduzido em Roma em 496 a. C. conjuntamente com o
culto de Dionísio, no momento em que os Etruscos, chefiados por Porsena, atacavam a
República Romana.
1023
Méroe é uma ilha do Nilo, localizada na Etiópia (cf. Mela, III, 85).

384
Do Ornamento

essa região produzir algo nunca visto em outro lugar e que seja desejável e
salutar para o género humano, como é aquele que produz âmbar-amarelo,
canela ou bálsamo; e se nela houver um poder sobrenatural, como aquele
que há na ilha Sono de Eubúsio 1024 , que dizem ser absolutamente imune a
todo o tipo de mal.
Tudo aquilo que contribui para o ornamento da região embelezará tam-
bém a área, uma vez que esta é uma quota-parte da região. Mas, das vanta-
gens que a natureza proporciona, são em maior número e mais acessíveis
aquelas que tomam uma área famosíssima, do que aquelas de que dispõe
uma região para alcançar a mesma fama. Na verdade, existem a cada passo
elementos que oferecem muitos e variados motivos de interesse: promontó-
rios, rochedos, elevações, lagos, grutas, fontes e outros pontos do mesmo
género, graças aos quais, pela admiração que geram, é mais interessante edi-
ficar aí do que em outro lugar. E não faltam vestígios de algum facto antigo
memorável, nos quais o tempo, a condição dos acontecimentos e dos
homens têm produzido motivos que impressionem os olhos e as mentes com
a admiração que provocam. Mas deixo de lado esses aspectos e até o lugar
onde foi Tróia, e os campos de batalha impregnados de sangue, os de Leuc-
tres 1025 , os de Trasimeno 1026 e muitos outros.
Não me é fácil dizer quanto para isso contribuem as mãos e o engenho
dos homens. Deixo de lado o que é mais fácil : os plátanos transportados por
mar para a ilha de Diomedes para ornamentar a área 1027 ; e deixo de lado as
colunas, os obeliscos colocados por homens insignes para que os vindouros
os venerassem, como a oliveira plantada por Neptuno e Minerva que se
manteve de pé durante muito tempo na acrópole de Atenas 1028 • Deixo de
lado coisas guardadas durante séculos e transmitidas de mão em mão à pos-
teridade, como o terebinto 1029 de Hebron 1030 que dizem ter durado desde o
princípio do mundo até à época do historiador Josefo 103 1•

1024
Eubusius, no original, é a forma corrompida de Ebusus - lbiza (cf. Mela, II, 125).
1025
Leuctres é a cidade da Beócia onde Epaminondas derrotou os Espartanos.
1026
Trasimeno, lago da Etrúria, onde Aníbal derrotou as legiões romanas durante a segunda
guerra púnica.
1027
Ilhas no Mar Adriático próximas da região de Apúlia (cf. Plin., Nat., XII, 6).
102
M Plin., Nat., XVI, 240.
1029
Árvore de pequeno porte, nativa do mediterrâneo, cujo caule, por incisão, exsuda resina
transparente e aromática.
103
° Cidade mais antiga da Judeia, de acordo com os seus habitantes (Joseph ., B. 1. , IV,
533).
1031
Joseph., B. 1., IV, 533.

385
Livro Sexto

Contribuirá belissimamente para enobrecer a área da melhor forma a


invenção sem dúvida elegante e muito astuciosa: terem proibido por lei que
homem algum entrasse no templo da Boa Deusa 1032 . ou no templo de Diana
do lado do pórtico patrício; e em Tânagra 1033 mulher alguma penetrasse no
bosque de Eunosto 1034 ou também no interior do templo de Jerusalém 1035 ; e,
ainda, que ninguém, a não ser o sacerdote e apenas para o sacrificio, fizesse
abluções na fonte junto de Pantos 1036 e que ninguém escarrasse no bairro de
Dolíolos, um lugar junto da cloaca máxima em Roma, onde repousam os
ossos do Rei Numa Pompílio 1037 • E também em alguns santuários estava
escrito que não se podia usar pele de animais 1038 • No santuário de Diana em
Creta não era permitido entrar senão descalço 1039 • E não era lícito deixar
entrar escravas no templo de Matuta 1040 • Em Rodes o pregoeiro não entrava
no templo de Orídion 104 1, nem em Ténedos 1042 o flautista no templo de Tém-
nio 1043 • Não era permitido sair do templo de Júpiter Lafistio, sem primeiro
ter oferecido um sacrificio 1044 • Não era lícito levar uma hera para dentro do
templo de Palas em Atenas, nem para dentro do templo de Vénus em Tebas.
No templo de Fauna nem sequer era lícito dizer a palavra vinho 1045 • E esta-
beleceram que a porta de Jano nunca se fechasse havendo guerra 1046 , nem o
templo do mesmo deus se abrisse havendo paz. E quiseram que o templo de
Hora 1047 estivesse sempre aberto.
Se algum motivo houver para decidirmos imitar estas disposições, con-
virá talvez, se isso for imposto, que as mulheres não entrem nos templos dos
mártires nem os homens nos das santas virgens. Coisas que lemos e em que

1032
Deusa da fecundidade venerada pelas matronas romanas (cf. Macr., I, 12, 27).
10
n Cidade da Beócia.
1034
Plut., Mor. , IV, 21 , 40.
1035
Joseph. , B. 1., V, 227.
1036
Localização ·não identificada.
1037
Var. , L., V, l57.
1038
Var. , L., VII, 84.
1039 Sol. ' II, 8.
1040
Antiga deusa da aurora (cf. Liv., XXXIll, 27, 4; Ov., Fast., VI, 481).
104 1
Divindade não identificada.
1042
Ilha no Helesponto ao largo da costa troiana.
1043
Diod. Sic., V, 83 , 4.
1044
Hdt., VII, 197.
1045
Macr. , I, 12, 25 .
1046
Var., L. , V, 165.
1047
Da divindade Hora Quirina somente se conhece o nome e que exortava a prática de
boas acções (cf. Plut., Mor. , IV, 20, 46).

386
Do Ornamento

não acreditaríamos se não víssemos outras semelhantes no nosso tempo em


alguns lugares, contribuem, também, muitíssimo para a nobreza da área,
contanto que sejam fruto do engenho humano. Há quem diga que a arte dos
homens conseguiu em Bizâncio que as serpentes sejam inofensivas e os cor-
vos não voem para o interior das muralhas; e não se ouçam cigarras nos
campos napolitanos; e que Creta não tolere corujas 1048 ; que nenhuma ave
infeste o templo de Aquiles na ilha de Borístenes 1049 ; que em Roma nem
mosca nem cão entre no templo de Hércules no fórum Boário. Valerá a pena
referir que em Veneza, nos nossos tempos, nenhum tipo de mosca entra no
palácio oficial dos Censores? E em Toledo, não verás no mercado público
senão uma só mosca e mesmo essa assinalada por uma brancura notável.
Seria longo prosseguir no encalço de numerosíssimas coisas deste
género, que se lêem nos livros. E não tenho muito a dizer sobre se é a arte
ou a natureza que as produz. Como faremos? Será a natureza ou a arte que
produz aquilo que se diz: que do túmulo de Bébrice, rei do Ponto, surge um
loureiro; se dele se corta alguma coisa e se leva para dentro do navio, nunca
mais cessarão as contendas, até que se atire fora 1050? Que no santuário de
Vénus em Pafo não chove no altar e que em Tróade os restos dos sacrificios
deixados cerca da estátua de Minerva não apodrecem? Que, se do túmulo de
Anteu for retirado um pedaço de terra, as chuvas se precipitam do céu até
que o buraco seja tapado? Mas há quem afirme que isso só é possível gra-
ças à arte das imagens, já há muito em desuso, que os astrónomos declaram
não desconhecerem.
Lembro-me de que o autor da Vida de Apolónio 105 1 diz que, na Babiló-
nia, os magos fixaram na cobertura da basílica real quatro aves douradas a
que eles chamavam línguas dos deuses; tinham o poder de conquistar os âni-
mos da multidão para o amor do rei. E um autor sério como Josefo também
declara ter visto um certo Eleazar que, na presença de Vespasiano e seus
filhos, libertou instantaneamente um possesso aplicando-lhe uma argola nas
narinas; e afiança que Salomão compôs poemas para mitigar as doenças 1052 •
E segundo Eusébio de Pânfilo, o deus egípcio Serápis, que entre nós se
chama Plutão, revelou os símbolos com que se expulsam os demónios e

1048
Plin., Nat., X, 76.
1049
Plin., Nat., X, 78.
1050
Plin., Nat., XVI, 239.
1051
Filóstrato(c. 160-245 d. C.) é o autor grego da Vida de Apolónio de Tiana , filósofo pita-
górico do séc. I d. C.
1052
Joseph. , A. 1., Vlll, 46-47.

387
Livro Sexto

mostrou de que forma os demónios, tomando a figura de animais, nos ata-


cam 1053 • E Sérvio refere que houve homens acostumados a proteger-se com
certas fórmulas contra os ataques da má sorte, de tal modo que nem sequer
podiam morrer senão depois de libertados desse poder mágico 1054 • Se isto é
verdade, facilmente serei levado a crer nisto que lemos em Plutarco: que
houve uma estátua em Pelene 1055 que, quando o sacerdote a tirava do tem-
plo, fosse qual fosse o lado para que a voltasse, enchia de terror e grande
perturbação todas as coisas, e que devido a esse temor, não havia olhos que
pudessem olhar para ela. Mas considere-se que estas narrativas são para
divertir o leitor.
Quanto aos aspectos que contribuem para embelezar a área, como é o
caso da delimitação do perímetro, do alteamento, aplanamento, consolidação
e outras acções, não mais tenho a dizer senão que se consulte o que foi dito
nos livros primeiros e terceiro 1056 • Será a mais considerada aquela área que,
como advertimos, for sequíssima, uniforme, consolidada e perfeitamente ade-
quada e expedita para a função a que se destina; e contribuirá maravilhosa-
mente para tudo isso, se for pavimentada com um revestimento, do qual
falaremos, quando tratarmos do muro 1057 • E será ainda muito importante
aquilo que aconselhava Platão: que a dignidade do lugar se tornará mais
imponente se lhe puseres um nome célebre 1058 • Este argumento foi muito do
agrado do imperador Adriano, como o provam os nomes que atribuiu às
salas da sua vil/a de Tíbur: Liceu, Canopo, Academia, Tempe e outros do
mesmo género 1059 •

1053
Euseb., Prep., IV, 23.
1054
Serv., A., IV, v. 694.
1055
Cidade situada na Acaia, a sul do golfo de Corinto.
1056
Ver Livro I, cap. 7, e Livro III, cap. 3.
1057
Ver Livro VI, caps. 8 e I O.
1058
PI., Lg., IV, 704a.
1059
Liceu - ·escola de Atenas onde ensinou Aristóteles; Canopo - porto egípcio a oriente de
Alexandria, onde existia um templo dedicado a Serápis; Academia - escola onde ensi-
nou Platão, situada a seis estádios de Atenas; Tempe - vale da Tessália, entre o Olimpo
e o Ossa, onde Apolo era objecto de culto especial (a via principal que o percorria diri-
gia-se a Delfos).

388
Do Ornamento

CAPÍTULO V

Embora, em grande parte, se tenha tratado da compartimentação no


livro primeiro, voltaremos a ela muito concisamente da forma que se segue.
Em todas as coisas o principal ornamento é a ausência de tudo aquilo que
não é adequado. Será, pois, adequada a compartimentação que não seja nem
descontínua, nem desarticulada, nem composta de partes que não se harmo-
nizam entre si; e não será constituída por muitos membros, nem demasiado
pequenos, nem excessivamente grandes, nem demasiado discordantes e dís-
pares, nem como que arrancados do resto do corpo e dispersos; mas serão
todos delimitados de acordo com a sua natureza e utilidade e com a função
a que se destinam, e distribuídos por ordem, número, tamanho, posição,
forma, de tal modo que nenhuma parte do conjunto da obra nos pareça ter
sido realizada sem alguma necessidade, sem muita comodidade, sem uma
concinidade das partes que seja muito agradável. Na verdade, se toda a com-
partimentação concorrer para estes requisitos, nela não só existirá mas tam-
bém brilhará a graça e o esplendor dos ornamentos; se não se satisfizer a
esses requisitos, não poderá sem dúvida alguma salvaguardar nenhuma espé-
cie de dignidade. É por isso que toda a configuração dos membros do edifi-
cio deve ser definida e realizada segundo uma espécie de compromisso entre
a necessidade e a comodidade, de tal forma que não só faculte a existência
destas ou de outras partes, mas também contribua para que sejam dispostas .
da melhor forma pela ordem, lugar, junção, colocação e por essa mesma
configuração em virtude da qual as partes existem.
Em torno do muro e da cobertura a ornamentar, terás muito espaço
onde podes aplicar as importantíssimas dádivas da natureza, a perícia na
arte, o empenho do artífice e o poder do engenho. Ora se porventura te for
dada a possibilidade de imitar o venerando Osíris, que dizem ter edificado
dois templos de ouro, um para Júpiter celeste outro para Júpiter régio 1060, ou
de ergueres um templo de um bloco de pedra maior do que a imaginação
humana pode conceber, como aquele que Semíramis mandou trazer dos
montes da Arábia e que tinha de vinte côvados 1061 de largo em qualquer face
e cento e cinquenta de comprido 1062 ; ou se te for proporcionado um tamanho

1060
Cf. Diod. Sic. , I, 15, 3.
1061
Uma vez que o côvado equivale a 0,4432 m, o volume do bloco é de 20 x 20 x 150
côvados 3 = 5111,04 m3 •
1062
Diodoro Sículo (Il,ll,4) dá as dimensões de 130 pés em comprimento e 25 em largura,
equivalentes a, respectivamente, 38,48 m e 7,40 m.

389
Livro Sexto

de pedras tal que com um só bloco possas fazer uma parte completa de toda
a obra, como dizem que era a capela do templo de Latona no Egipto, com
quarenta côvados de largo na fachada, e era talhada de uma só pedra, e
coberta também de outro bloco inteiro 1063 : isso com toda a certeza contribui-
ria grandemente para a admiração da obra, e tanto mais se a pedra for
estrangeira e transportada por um caminho difícil, como diz Heródoto que
era aquela que foi trazida da aldeia de Elefantina 1064 , que tem uma fachada
com mais de vinte côvados de largo, quinze de altura 1065 , e foi arrastada até
Sais numa viagem de vinte dias 1066 • Inserir-se-á, ainda de forma mais
extraordinária nos princípios da ornamentação, se alguma pedra digna de
admiração for colocada em lugar nobre e assinalável. No Egipto, o santuário
da ilha de Quémis é digno de admiração não tanto por ser coberto de uma
só pedra, como pelo facto de uma pedra de tantos côvados ter sido colocada
sobre muros tão altos 1067 . Contribuirá ainda para o ornamento a raridade e a
elegância da própria pedra, como por exemplo se for daquele tipo de már-
more com que, segundo dizem, o imperador Nero construiu o templo da
Fortuna na domus aurea, tão puro, branco e translúcido que, sem nenhuma
porta estar aberta parecia haver uma luz metida lá dentro 1068 .
Em suma, todos os processos deste tipo darão o seu contributo. Mas,
quaisquer que sejam os materiais, serão inadequados se não forem observa-
das, na sua disposição, a ordem e a proporção exactas. Com efeito, todas as
coisas devem ser reduzidas, uma a uma, ao número 1069 , de tal modo que se
correspondam entre si: as iguais às iguais, as da direita às da esquerda, as

1063
Hdt., II, 155.
1064
Aldeia do alto Nilo, próxima da primeira catarata junto à nascente, distanciada de Sais,
no delta do mesmo rio, cerca de um milhar de quilómetros.
1065
Equivalentes, respectivamente, a 8,86 m e a 6,65 m.
1066
Heródoto (II, 275) afirma que as dimensões são de 18 4/5 côvados (8,33 m) em com-
primento e 5 côvados (2,22 m) em altura.
1067
Hdt., II, 91.
1068
A domus aurea, mandada construir por Nero, desde o monte Palatino até ao Esquilino,
era conhecida pela sua extravagância construtiva e está descrita em Suetónio (Nero , 31),
Tácito (Ann., XV, 42) e Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 163), bem como, no Quattro-
cento, em Flávio Biondo (Romae instauratae libri III, III, 43). Cf. Caye-Choay, 2004,
p. 290, n. 60.
1069
Numerus (número) é um conceito polissémico, pois tanto se refere a uma quantidade,
que pode ser expressa por numeração Romana, como a uma qualidade, definida no
âmbito das teorias platónica e pitagórica. Alberti refere-se, no texto, a ambas, pois
advoga tanto ângulos precisos com linhas iguais, como correspondências simétricas.

390
Do Ornamento

de cima às de baixo; nada deve ser misturado que desordene os materiais ou


o seu arranjo; tudo deve ser igualado por referência a ângulos precisos com
linhas iguais.
Sucede às vezes que um material ordinário, tratado com arte, confere
mais graça do que em outro lugar um material nobre amontoado desordena-
damente. Quanto a um muro de Atenas que Tucídides diz ter sido feito pre-
cipitadamente até com estátuas roubadas aos túmulos, quem afirmará que é
belo precisamente por estar repleto de restos de estátuas 1070? Pelo contrário é
agradável observar os muros dos edificios rústicos dos Antigos erguidos com
pedra irregular miúda e entulho, quando estão construídos com fiadas regu-
lares, com cores distintas, alternadamente branco e negro, a ponto de, tendo
em conta a modéstia da obra, nada lhes faltar 1071 • Mas provavelmente estes
aspectos têm mais a ver com a parte do muro que se chama revestimento do
que com a construção de verdadeiros muros. Além do mais todos os recur-
sos serão distribuídos de tal forma que nada seja começado senão segundo o
que a arte e a razão destinarem, nada se acrescente senão em conformidade
com os princípios da obra iniciada, nada seja abandonado como concluído
que não tenha sido trabalhado e acabado com o maior grau de empenho e
cuidado 1072 •
Mas o principal ornamento do muro e da cobertura, sobretudo da abó-
bada, será o próprio revestimento (abro sempre excepção no respeitante às
colunas). O revestimento será de vários tipos: reboco simples, reboco com
estuque, pintura, azulejo, ladrilho 1073 , vidro e outros mistos, compostos des-
tes materiais.

1070
Thuc., I, 93.
1071
As casas rurais da Toscana, construídas com fiadas alternadas, são bastante raras na
contemporaneidade. Cf. Portoghesi, 1966, p. 4 71 , n. 6.
1072
O controlo total da obra, a partir da sua concepção pelo arquitecto, é advogado por
Alberti.
1073
O revestimento com sectilia (placas recortadas ou ladrilhos) diverge do feito com tesse-
rae (tésseras ou mosaicos): no primeiro caso trata-se de placas com diversas formas
geométricas, que são cortadas ou serradas em função do lugar previsto que irão ocupar
e, no segundo, são pequenos cubos justapostos, de forma a constituírem um desenho
(cf. Vitrúvio, VII, 1, 3), sendo ambos susceptíveis de formarem composições decora-
tivas.

391
Livro Sexto

CAPÍTULO VI

Devíamos falar aqui dos revestimentos : quais são e como se fazem.


Mas, porque se fez menção de enormes pedras que é necessário deslocar,
este ponto aconselha-nos a referir primeiro de que modo se movem blocos
tão grandes e se colocam nos lugares mais dificeis 1074 • Refere Plutarco que
Arquimedes puxou, pelo meio do fórum de Siracusa, com umas rédeas e
com a mão, um navio de mercadorias carregado, como se fosse um
jumento 10 75 : oh que engenho matemático! Mas nós trataremos apenas daquilo
que se aplica às nossas necessidades práticas; no final faremos uma exposi-
ção sumária que permita às mentes doutas e perspicazes aperceberem-se cla-
ramente desta matéria.
Na leitura de Plínio descobri o seguinte: um obelisco foi transportado
de Focos para Tebas, por um canal do Nilo, metendo navios carregados de
tijolo por debaixo da pedra e a seguir esvaziando os navios para receberem
e sustentarem a carga da pedra a transportar 1076 • No historiador Amiano Mar-
celino, descubro o seguinte: um obelisco foi transportado do rio Nilo sobre
um navio de trezentos remadores e, colocado sobre rolos, foi arrastado do
terceiro marco da cidade na porta Ostiense até ao Circo Máximo 1077 ; para o
erguer, trabalharam muitos milhares de homens, estando todo o circo cheio
de máquinas feitas com traves altíssimas e cordas muito compridas 1078 • Lê-se

1074
Em contraste com a modema análise e concepção estrutural, desenvolvida cientifica-
mente a partir do trabalho de Galileu (cf. Heyman, 1998), Alberti descreve, até ao final
do cap. 8, conhecimentos de estabilidade afiliados às Quaestiones Mechanicae, atribuí-
dos a Aristóteles e em circulação nos sécs. XV e XVI, onde a linguagem geométrica se
articula com uma visão das máquinas como sendo um artificio da natureza. Além disso,
aqueles conhecimentos também se associam aos do tratado de Vitrúvio (X, 1-9), que tra-
tam dos princípios da mecânica e do estudo das máquinas usados em estaleiro de obra.
1075
Plut., Marc., XIV, 13.
1076
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 67-68) afirma que o transporte se fez de Néctebis para
Fenice, o que sugere que Tebas e Focos são formas corrompidas daquelas localidades.
Este obelisco foi colocado em Alexandria, no séc. III a. C. , pelo rei Ptolemeu II Fila-
delfo.
1077
O Circus Maximus, que foi simultaneamente uma arena e um hipódromo, situava-se
entre a colina Palatina e a Aventina, na antiga Roma, e apresentava-se com um formato
rectangular com cantos arredondados, tendo chegado a atingir as dimensões de, aproxi-
madamente, 650 m por 125 m (cf. Homblower- Spawforth, 1996, pp. 332-3).
1078
Amm. Marc., XVII, 14-15. Este obelisco, que pertenceu ao templo de Ramsés II em
Kamak, foi transportado para Roma e colocado no Circo Máximo em 357, no tempo do
imperador Constâncio II. Posteriormente, foi transposto em 1588, a pedido do Papa
Sisto V, para a praça São João de Latrão por Domenico Fontana em 1590.

392
Do Ornamento

em Vitrúvio que Quérsifron e seu filho Metágenes transportaram colunas e


arquitraves para Éfeso, usando o expediente dos cilindros com que os Anti-
gos mandam aplanar a área 1079 • Fixou e selou com chumbo em cada extre-
midade das pedras uma ponta de ferro saliente que servisse de eixo às rodas;
e em ambos os lados encaixou rodas nesses eixos, tão largas que as pedras
ficassem penduradas nos eixos de ferro; a seguir com o rodar das rodas as
pedras foram postas em movimento e transportadas. Dizem que o egípcio
Quéfren 1080 , para construir uma pirâmide, que era uma obra com mais de
seis estádios de altura 1081 , transportou os enormes blocos de pedra fazendo
rampas 1082 • Escreve Heródoto que, Quéops filho de Rasmita, naquela pirâ-
mide, em cuja construção tinha sido empregado o esforço de centenas de
milhares de homens durante muitos anos, deixou ficar degraus da parte de
fora para que os enormes blocos fossem movidos com pequenos troncos e
máquinas adequadas 1083 • Além disso, também deixaram escrito que, em
outros lugares, enormes arquitraves de pedra foram postas em cima de altas
colunas da seguinte maneira. Ao meio do comprimento da arquitrave colo-
cavam por baixo dois toros transversais, de pequeno tamanho, juntos um do
outro; depois em uma das extremidades da arquitrave amontoavam cestos
cheios de areia, sob cuja pressão a outra extremidade que não tinha contra-
peso, se elevava e libertava do peso o toro desse lado; a seguir, transferindo
os cestos e amontoando-os alternadamente na extremidade já elevada e colo-
cando toros mais altos desse lado em que o espaço para a colocação era
mais amplo, conseguiam que a pedra subisse gradualmente por si própria 1084 •
Deixamos estes exemplos aqui reunidos de forma muito resumida para que
se possam estudar mais profundamente lendo os próprios autores.
Tendo ainda em conta o propósito desta obra, é necessário retomar bre-
vemente uns tantos princípios que têm a ver com esta questão. Não insisto
aqui em explicar que é da natureza do peso exercer uma pressão contínua,
tender obstinadamente para baixo, resistir com todas as forças a ser levan-
tado, a não sair do lugar senão vencido ou por um peso maior que o supere
ou por uma força contrária mais poderosa. Nem repito que há vários tipos
de movimento: centrífugo, centrípeto, circular, e que umas coisas são trans-

1079
Vitrúvio, X, 2, 11-12.
108
° Faraó da IV dinastia, no séc. XXVI a. C. (cf. Hdt., II, 127).
1081
Equivalente a 1,11 km.
1082
Plin., Nat. , XXXVI, 80-81.
1083
Quéops (c. 2620-2597 a. C.), filho de Rasmita, foi o responsável pela construção da
pirâmide (cf. Hdt., II, 124-125).
1084
Descrição do princípio de funcionamento dos braços da alavanca para levantar pesos.

393
Livro Sexto

portadas, outras arrastadas, outras empurradas, ou se deslocam por modos


idênticos a estes. Do exame destes assuntos trataremos pormenorizadamente
em outro lugar.
Para já fique assente o seguinte: que os pesos em espaço nenhum se
movem facilmente senão quando estão a descer - neste caso movem-se
por si mesmos - e nunca se movem mais dificilmente do que onde estão a
subir - é a própria natureza que resiste; entre estes dois há um movimento
intermédio, que partilha da natureza de cada um deles: é aquele que nem se
põe em movimento por si mesmo nem resiste a obedecer, como quando é
puxando em fundo plano e absolutamente liso. Todos os restantes movimen-
tos são mais fáceis ou mais dificeis na medida em que se aproximam mais
do primeiro ou do segundo tipo.
De que modo se podem mover pesos descomunais, parece que é a pró-
pria natureza que em grande parte no-lo tem mostrado. Com efeito, podemos
ver que os pesos colocados em cima de uma coluna erguida oscilam ao
menor impulso e que, quando começam a mexer-se, nenhuma força pode
detê-los completamente. Além disso também podemos observar que as colu-
nas redondas, os aros das rodas e os objectos giratórios facilmente se movem
e dificilmente param se se põem a girar; mas não será fácil fazê-los andar,
arrastá-los sem os fazer rodar. Também está à vista que os maiores pesos dos
navios se movem com um ligeiro impulso pelas águas estagnadas, se insisti-
res em puxá-los; se, porém, lhes derem um encontrão, por maior e súbito
que seja o choque, não se moverão; pelo contrário movem-se com um cho-
que instantâneo e um rápido impulso certas coisas que de outro modo não
sairiam do lugar sem a força máxima dos pesos; também no gelo as coisas
pesadas seguem sem nenhuma resistência quem os puxa; apercebemo-
-nos igualmente de que estão prontas a balançar dentro de certo espaço aque-
las coisas que estão penduradas por uma corda muito comprida. Será impor-
tante ter em conta estes princípios e imitá-los; trataremos deles sucintamente.
A base da zorra 1085 para transporte de uma carga deve ser absolutamente
sólida e uniforme. Quanto mais larga for, tanto menor será o atrito sobre o
terreno subjacente; quanto mais estreita for, tanto mais ágil será, mas abrirá
sulcos e enterrar-se-á no terreno. Se a base da zorra tiver ângulos servir-
-se-á deles como de grampos para se prender ao terreno e impedir o movi-
mento. Se o terreno for escorregadio, firme, uniforme, constante, sem baixos
nem altos, sem estar semeado de obstáculos, não haverá certamente peso
que resista ou recuse a seguir para lá, excepto apenas na medida em que o

1085
Veículo sem rodas para transporte de cargas.

394
Do Ornamento

peso é, por sua natureza, muito amigo do seu repouso e como que pregui-
çoso e teimoso. Arquimedes, considerando factos porventura semelhantes a
estes e indo mais alto buscar a razão das coisas que aqui registámos, parece
ter sido levado a dizer que se lhe fosse dado o ponto de apoio de tão grande
mole, sem dúvida alguma poderia voltar o mundo ao contrário 1086 •
Na preparação da zorra e do terreno, alcançaremos facilmente aquilo
que aqui pretendemos da seguinte maneira. Estenderemos no chão troncos
proporcionais à dimensão da carga em número, espessura e robustez, densos,
sólidos, iguais entre si, nem rugosos, nem nodosos. Entre a zorra e o terreno
convém haver algum meio que tome o caminho escorregadio. Isso consegue-
-se com sabão ou sebo ou amurca ou, porventura, com uma lavadura de
argila. Há ainda outra forma de tomar o chão escorregadio, que consiste em
USí;lr rolos dispostos transversalmente. Neste caso, se forem muito numero-
sos, dificilmente serão mantidos em linhas paralelas e na direcção determi-
nada, alinhados em função do caminho a percorrer, o que é absolutamente
necessário para que não perturbem a carga, a derricem e desviem para o
lado, e prossigam em pleno acordo no mesmo objectivo; se forem muito
poucos, ou aí serão esmagados e rachados sob o peso da carga e, uma vez
desfeitos, impedirão o andamento ou se enterrarão e fixarão penetrando
como que através de uma lâmina por uma linha única com que atingem a
superfície subjacente do terreno, ou por outra linha igualmente única com
que atinge a zorra sobreposta com a respectiva carga. O corpo do rolo é
composto de vários círculos iguais entre si unidos uns aos outros; e entre os
matemáticos afirma-se que um círculo não pode tocar uma linha recta em
mais que um ponto: por isso, nós chamamos lâmina do rolo à linha sobre a
qual, e é uma só, recai a pressão do peso originado pelo rolo. A estas difi-
culdades se providenciará utilizando madeira densa e traçando e corrigindo
as linhas servindo-nos de um esquadro.

CAPÍTULO VII

Mas como além destes há outros meios comprovados pelo uso, como as
rodas, as roldanas, o parafuso e as alavancas, deles devemos tratar em por-
menor los?.

1086
Plut., Marc. , XIV, 12.
1087
No Profigorum ab enumera libri III (III), Alberti cita o tratado desaparecido De moti-
bus ponderis, de sua autoria, com "proposições extraordinárias" sobre o deslocamento
de pesos.

395
Livro Sexto

As rodas são, em muitos aspectos semelhantes aos rolos; pois exercem


pressão na perpendicular sobre um único ponto. Mas têm esta diferença
entre si: os rolos são mais ágeis ao passo que as rodas são mais ronceiras
por causa do atrito dos eixos. Uma roda tem três partes: a circunferência
exterior do círculo, que é a maior, o eixo ao meio e o círculo onde o eixo é
introduzido como numa braçadeira; outros chamar-lhe-iam, porventura, pólo;
nós, se nos é permitido, chamar-lhe-emos asseda 1088 , uma vez que em umas
máquinas é fixo ao passo que em outras se movimenta. A roda desliza com
mais atrito se gira em volta de um eixo grosso; mas não aguentará o peso,
se girar em tomo de um eixo delgado. A circunferência exterior das rodas,
se for estreita, enterra-se no chão, como dissemos a propósito dos rolos; se
for larga, vacila para um lado e para o outro e dificilmente obedece se, por-
ventura, tem de rodar para a direita ou para a esquerda. A asseda, se for
mais larga do que o necessário, patina provocando desgaste; se demasiado
apertada, oferece excessiva resistência. O contacto entre o eixo e a asseda
deve ser liso; com efeito, o eixo faz o papel de caminho e a asseda o de
carro de carga. Os rolos e as rodas devem ser de olmeiro ou de azinho; os
eixos de azevim ou de pilriteiro ou melhor ainda de ferro; a melhor asseda
é feita de uma liga de bronze com uma terça parte de estanho.
As roldanas são rodas pequenas. A alavanca segue os princípios dos
raios das rodas . Mas quaisquer que sejam os meios deste género - quer
enormes_rodas postas em movimento por homens que são introduzidos den-
tro delas e as fazem andar, quer cabrestantes ou parafusos, nos quais a ala-
vanca é o mais importante, quer roldanas, ou outros instrumentos do mesmo
género - o sistema de funcionamento de todos eles resulta dos princípios da
balança. Dizem que Mercúrio 1089 era tido por divino principalmente porque,
sem fazer nenhum gesto com a mão, mas apenas com palavras, de tal
maneira exprimia o que dizia que era plenamente compreendido 1090 • Eu,
embora duvide poder conseguir o mesmo efeito, todavia tentaremos, na

1088
No original axecla (asseda), que em vernáculo e no vocabulário religioso tem o signi-
ficado de adepto, acólito ou daquele que faz parte da comitiva de alguém. Neste sen-
tido, a braçadeira acompanha o eixo da roda.
1089
Na mitologia Romana, Mercúrio era uma divindade mediadora entre os deuses e os
mortais, e o "patrono da circulação de pessoas, bens e palavras e das suas atribuições"
(Homblower - Spawforth, 1996, p. 962).
1090
Apesar das dificuldades, Alberti apenas utilizará no tratado palavras sem ilustrações, o
que sugere, à semelhança do eloquente mensageiro de Júpiter, que também traz as novi-
dades (cf. Livro III, cap. 2).

396
Do Ornamento

medida das nossas forças 1091 • Na verdade optei por falar destes aspectos, não
como matemático mas como operário e não mais do que o estritamente
necessário.
Para ilustrar o que disse, imagina que tens nas tuas mãos um dardo.
Gostaria que considerasses nele três lugares a que eu chamo "pontos": duas
extremidades, a do ferro e a das penas; o terceiro ponto é o meio da
haste 1092 • Eu chamo raios aos intervalos entre esses três pontos, que vão do
meio da haste às extremidades. Não discuto a razão disso; mas a experiên-

.3
2

-4
.3
*'. . .-.. . . CíiJ
&nU ""'J"""Tuwu'IIU"!II"'S:'IIIIulll"
.
~
2..
-
:L.

Dois dardos com pontos de apoio alternativos e diferentes braços de alavanca.

cia manifestá-la-á. Com efeito, se houver uma correia situada a meio do


dardo e o peso das penas for igual ao do ferro, ambas as extremidades do
dardo se manterão em contrabalanço e equilíbrio; se, porém, a extremidade
do ferro for mais pesada, a das penas sobe. Haverá, no entanto, um certo
ponto do dardo, màis próximo da extremidade mais pesada, onde os pesos
de novo se equilibrarão se deslocares a correia para esse ponto 1093 ; este será

1091
No original: Jd ego etsi verear posse assequi, tamen pro viribus conabimur (Orlandi,
1966, pp. 481 e 483). Neste passo, para reforçar a sua capacidade de persuasão somente
por meio de palavras, Alberti não estabelece a concordância entre o sujeito e o verbo,
dado que salta da primeira pessoa do singular para a primeira do plural. Esta autonomia
na composição literária do tratado, pela utilização da figura de estilo da anacolutia, que
não abdica do Eu tratadístico, sugere uma atenuação da importância da contribuição do
autor face à eloquência de Mercúrio e, simultaneamente, faz um apelo ao empenho do
leitor.
1092
Ao qual está presa uma correia para imprimir maior impulso no lançamento.
1093
Neste caso, os momentos das forças em presença estarão em equilíbrio.

397
Livro Sexto

o ponto que marca a extensão em que o raio maior supera o raiO menor,
tanto quanto o seu peso for superado pelo maior.
Com efeito, os investigadores que se debruçaram sobre estes aspectos
descobriram que raios desiguais se equilibram com pesos desiguais, contanto
que o resultado que se obtém da soma do raio e do peso seja, no lado
direito, correspondente ao do lado esquerdo. Se, pois, o ferro tiver três par-
tes de peso e as penas duas partes, o raio que vai da correia ao ferro terá
necessariamente duas partes de comprimento e o outro raio, da correia às
penas, três partes; daí resulta que, quando o resultado cinco de um lado cor-
responder ao resultado cinco do outro lado, uma vez obtida a igualdade da
soma dos raios e dos pesos, os dois lados ficam equilibrados e equivalen-

Suspensão de um peso por um cabo.

398
Do Ornamento

tes 109\ se os resultados da soma não forem iguais, então leva a melhor o
lado em que a soma é mais elevada.
Não deixo de referir o seguinte. Se a partir da mesma correia se esten-
derem raios iguais, quando se puserem em movimento as suas extremidades,
eles definirão no ar círculos iguais; se, porém, os raios forem desiguais, des-
creverão círculos também desiguais.

Suspensão de um peso por um cabo e uma roldana móvel.

1094
Uma alavanca está em equilíbrio quando a soma de todos os seus momentos, que se
definem pelo produto das massas pelas distâncias, é nula. Consequentemente, os
momentos é que devem ser iguais e não a soma dos raios e dos pesos.

399
Livro Sexto

Dissemos que as rodas são constituídas por círculos 1095 • Ficou, pois,
demonstrado que, se duas rodas contíguas, fixadas num único eixo, são
movidas por um só e mesmo movimento, de tal forma que movendo-se uma
delas a outra não fique parada e que, ficando uma delas parada, a outra não
se mova, do comprimento dos raios em cada uma deduziremos qual é a res-
pectiva força 1096 • Deve-se medir o comprimento do raio a partir do ponto
central do interior do eixo. Se estes aspectos ficarem bem compreendidos,
toma-se evidente todo o fundamento desta espécie de máquinas, principal-
mente das rodas e da alavanca.
Nas roldanas há um pouco mais a considerar. De facto, não só o cabo
passado pela roldana mas ainda as próprias rodas desempenham na roldana
a função de um caminho no qual existe um movimento intermédio que,
como dissemos, se situa entre o mais dificil e o mais fácil, porque não sobe
nem desce, mas procura persistentemente o equilíbrio do seu centro.
Ora, para que entendas o que isso é na prática, toma uma estátua com
mil libras de peso. Se esta, amarrada por um cabo, for pendurada de uma
árvore, é certo que esse cabo simples sustentará o total do peso de mil
libras 1097 • Amarra à estátua uma roldana e faz passar por ela o cabo pela
qual estava pendurada a estátua e volta a ligá-la ao tronco de modo a que a
estátua fique de novo pendurada. É claro que o peso da estátua fica pendu-
rado de um cabo duplo e que a roldana vai postar-se ao meio da corda
devido à força de equilíbrio. Continua: acrescenta ainda ao tronco outra rol-
dana e faz passar também por ela o mesmo cabo. Pergunto-te: qual será a
porção de peso que sustentará a parte do cabo puxada para cima e depois
passada por esta outra roldana? Quinhentas libras, dirás tu. Daí não deduzes
tu que a esta roldana não lhe pode ser transmitido pelo cabo um peso infe-
rior ao que ela tem? Terá, pois, um peso de quinhentas libras. Não irei mais
longe. Até aqui julgo que ficou bem demonstrado que as roldanas dividem o
peso ao meio e que um peso menor põe em movimento pesos maiores. As
reduções de peso serão tantas quantas forem as dobragens do cabo; daqui se
segue que, quantas mais roldanas se utilizarem, tanto mais dividido será o
peso e mais comodamente repartido em partes, mas será deslocado com
mais lentidão.

1095
Cf. Livro VI, cap. 6.
1096
Plut., Marc., XIV, 8.
1097
Equivalente a 332 kg.

400
Do Ornamento

CAPÍTULO VIII
Falámos da roda e da roldana e da alavanca. Agora gostaria que com-
preendesses que um parafuso consta de anéis que em si recebem o peso a
sustentar. Se estes fossem anéis completos e não interrompidos de modo a
que o fim de um se unisse ao princípio de outro, sem dúvida alguma o peso
movido por eles não subiria nem desceria, mas seria arrastado à volta do
círculo sempre no plano horizontal.

Suspensão de um peso por um cabo, uma roldana fvca


e outra móvel, com um segmento do cabo fixo ao solo.

401
Livro Sexto

Por isso, o peso é impelido pela força de uma alavanca a deslizar pelos
planos inclinados do anel. E, ainda, se os anéis tivessem uma circunferência
muito pequena e fossem muito próximos do seu centro, o peso seria sem
dúvida movido por uma alavanca mais pequena e por forças mais leves.
Não calarei agora aquilo que julguei que não era oportuno dizer. Se tu,
na medida em que a mão e a arte do operário forem capazes de o conseguir,
preparares as coisas de forma que a zorra de carga não seja mais ampla do
que um ponto e se mova em pavimento tão estável que com o seu movi-
mento não faça sulco no pavimento, garanto-te que moverás o navio de
Arquimedes e conseguirás tudo o mais que quiseres. Mas disso falámos em
outro lugar 1098 •
Os processos que acabamos de expor são, cada um de per si, podero-
síssimos para mover um peso. Ora, se todos forem associados num só, tor-
nar-se-ão extraordinariamente mais poderosos. Na Germânia verás por toda a
parte jovens que, para se divertirem no gelo, deslizam sob a acção de um
ligeiro impulso, apoiados em socos de ferro estreitos e polidos na sola sendo
o deslizar acompanhado de uma tal velocidade de movimento que não se
deixa vencer nem sequer por uma ave em voo picado 1099 . Mas, como os
pesos ou são arrastados ou empurrados ou transportados, talvez seja opor-
tuno possibilitar a seguinte definição: os pesos são arrastados por uma corda,
empurrados por uma alavanca, transportados por rodas e outros meios idên-
ticos. De que modo podemos usar todos estes processos ao mesmo tempo,
está ao alcance dos nossos olhos. Mas em todos os processos desta natureza
é necessário haver um elemento fixo e muito firme que, mantendo-se ele
imóvel, permita que o resto se movimente. Se o peso for arrastado, é neces-
sário haver um peso maior ao qual se liguem as cordas dos mecanismos. Se
não houver um peso desse calibre, enterre-se bem fundo uma estaca de ferro
de três côvados 1100 , resistente, em solo compacto ou consolidado por troncos
transversais. Na extremidade saliente da estaca enrola as amarras das polés e
do cabrestante. Se, ·porém, o solo for arenoso, estendam-se no chão traves
muito compridas, inteiras, nas quais se devem fixar os trilhos, e liguem-se as
amarras às extremidades da mesma maneira que a uma estaca.

1098
Ver Livro VI, cap. 6.
1099
Este passo tem sido considerado como evidência das viagens ao norte da Europa com
o cardeal de Bolonha, Niccolo Albergati (1357-1430) para, em representação do papa
Martinho V, estabelecer a paz entre a França e a Inglaterra. Nos Livros II, cap. II; III,
cap. 15; V, cap. 17 e VI, cap. II também há notícias destas viagens. Cf. Mancini, 1882,
p. 98; Portoghesi, 1966, pp. 488-9, n. I.
11 00
Equivalente a 1,33 m.

402
Do Ornamento

Vou dizer uma coisa com que os inexperientes não estarão de acordo, se
a não compreenderem totalmente: é mais fácil puxar ao longo de um plano
dois pesos do que só um. Far-se-á assim. Movido o primeiro peso até ao
limite da extremidade do trilho subjacente, travá-lo-ei com cunhas pequenas
até que fique preso firmemente e, uma vez assim travado, ligar-lhe-ei o
maquinismo com que se deve puxar o segundo peso. Far-se-á com que, pelo
mesmo trilho, um peso em movimento seja vencido por outro igual mas
parado.

Equipamento de elevação composto por um poste, cabos, roldanas e cabrestante.

Se o peso tiver de ser puxado para o alto, usaremos com toda a facili-
dade um poste ou um mastro de um navio a que não falte solidez. Assim o
havemos de erguer. Apoiaremos a extremidade inferior numa estaca ou em
qualquer outra coisa fixa; na extremidade superior prender-se-ão pelo menos
três cordas: estender-se-á uma para a direita, outra para a .esquerda e a ter-
ceira para a frente ao longo do comprimento do poste; a seguir fixar-se-ão
no chão, a alguma distância do poste, as roldanas ou o cabrestante, e esta
corda, a da frente, será puxada fazendo-a passar pelas roldanas e pelo
cabrestante, elevando-se na extremidade superior, de um e outro lado, como
se fossem rédeas, para que se fixe onde queremos e se incline para o lado

403
Livro Sexto

conveniente à colocação da carga. As cordas laterais, se não houver pésos


superiores onde se amarrem, fixar-se-ão desta maneira. Abrir-se-á uma cova
quadrada profunda; ao meio do fundo estender-se-á um tronco; a este atar-
-se-ão cordas de forma a emergirem acima do solo; sobre o tronco colo-
car-se-ão pranchas no sentido transversal; depois encher-se-á a cova de terra
e recalcar-se-á; a terra tornar-se-á ainda mais pesada, se a molhares. Todo o
resto se prepara como dissemos em relação aos trilhos dos mecanismos de
tracção horizontal: assim, na extremidade superior do poste e no próprio
peso a transportar fixar-se-ão polés e na extremidade inferior um cabrestante
ou algo parecido, que tenha a força de uma alavanca.
Em todos estes mecanismos, para o seu bom uso, devem ter-se em
conta as seguintes observações: para transportar pesos muitíssimo grandes
usem-se meios deste tipo, mas não pequenos ou sem robustez. Numa corda,
num raio e em toda a espécie de meio que usamos para mover pesos, lon-
gura significa fraqueza; na verdade a longura está naturalmente associada a
delgadeza; e, pelo contrário, a grossura obtém-se da curteza. Se as cordas
forem finas duplicar-se-ão por meio de roldanas; se muito grossas empre-
guem-se também roldanas grandes, para que não sejam cortadas pelo gume
do tirante de uma roda muito pequena. Introduzam-se eixos de ferro, com
uma grossura não inferior à sexta parte do raio da roldana, nem superior à
oitava parte do diâmetro.
Uma corda molhada está menos sujeita a incendiar-se, o que de facto
pode acontecer por causa do atrito e do movimento; também é mais expedita
para fazer girar as roldanas; e, além disso, desfaz-se menos. É mais vanta-
joso humedecê-la com vinagre do que com água e com água do mar do que
com água doce 1101 ; sendo molhada com água doce, deteriora-se muito
depressa sob a acção do sol escaldante. Nas cordas as voltas são mais segu-
ras do que os nós. Em todas as situações deve precaver-se que uma corda
não corte outra. Os antigos usavam uma régua de ferro, à qual ligavam os
nós principais das cordas e dos cabos. Usavam uma tenaz de ferro para
agarrar um peso, sobretudo de pedra. A forma da tenaz resultava da letra X,
com as hastes inferiores recurvadas para dentro por meio das quais apertava
tenazmente o peso como se fosse um caranguejo. As duas extremidades
superiores possuíam argolas; uma corda enfiada e enlaçada nessas argolas
apertava a tenaz quando era puxada.

1101
No original aqua a/bula, proveniente de Álbula, localidade próxima do Tibre, ac~ual­
mente designada Bagni, onde brota água termal de um grupo de nascentes sulfurosas
com propriedades medicinais, mencionadas por Suetónio (Nero , 31 ; Aug., 82), Plínio-o-
-Antigo (XXXI, 2, 6, 1O) e Vitrúvio (VIII, 3, 2).

404
Do Ornamento

Vimos que nas pedras de grandes dimensões, sobretudo nas das colunas,
foram deixados, no meio da superfície, aliás desbastada e polida, botões
salientes como se fossem asas nas quais se pudessem fixar os laços das cor-
das para não deslizarem. Os Antigos usam também, sobretudo nas comijas,
engastes 1102 (assim lhes chamo eu) que se fazem assim. Abre-se uma cavi-
dade na pedra, em proporção com o seu tamanho, com a forma de uma
bolsa vazia, com a abertura mais estreita e, para dentro, com o fundo mais
largo (vimos engastes com a profundidade de um pé). Enchem-na com
pequenas cunhas de ferro 1103 , duas das quais, uma de cada lado, terminam
em forma da letra D 1104 • Estas cunhas introduzem-se nos lados do engaste

Em cima: tesoura para elevar pesos.


Em baixo: ferros de luva para elevar pedras de grandes dimensões.

1102
Referência a impleola, no sentido de impleo (encher): os engastes são enchidos com fer-
ros de luva.
1103
Ou ferros de luva.
1104
Referência à letra grega delta (D).

405
Livro Sexto

para encher os espaços interiores. A cunha do meio, a última e ser introdu-


zida, preenche o espaço vazio entre cada uma das outras cunhas 1105 •
As orelhas de cada cunha ficam salientes da cavidade. Pelos buracos
das orelhas faz-se passar uma cavilha de ferro à qual se junta uma asa resis-
tente onde se prende o calabre.
Nós prendemos do modo seguinte as colunas, as ombreiras das portas e
de outros elementos do mesmo género que se devem colocar em posição
vertical. Fizemos um aro 1106 de ferro ou de madeira tendo em conta o peso
a suportar, muito resistente, em proporção com a grandeza do peso, com o
qual cingimos a coluna agarrada pelo ponto mais adequado e, servindo-nos
de um martelo leve, apertámo-la e reforçámo-la com cunhas finas e alonga-
das; finalmente aplicámos ao aro as chamadas amarras de cordas. Deste modo
nem lesaremos a pedra com os ferimentos dos engastes nem as arestas da
mesma pedra cingindo-a com cordas grossas. Acrescente-se que esta maneira
de amarrar é de todas a mais· fácil, a mais adequada e a mais segura.
Muitos aspectos relacionados com a utilização destes mecanismos serão
explicados mais em pormenor noutro lugar. Mas aqui cumpre apenas dar a
entender que as máquinas são como seres vivos com mãos poderosíssimas e
que deslocam um peso quase do mesmo modo que nós próprios o desloca-
mos. Por esse motivo, é necessário imitar com as máquinas as mesmas ten-
sões dos membros e dos músculos que fazemos apoiando-nos, empurrando,
puxando, transportando 11 07 • Chamo a atenção para uma coisa: seja como for
que decidas deslocar grandes pesos convém que o faças lentamente, com
cautela, em tempo adequado, por causa dos vários imprevistos e irreparáveis
acidentes e dos perigos que em trabalhos deste género, ao contrário do que
se esperaria, é costume ocorrerem mesmo com os mais experientes. E não
será tão grande o louvor e o reconhecimento do teu trabalho se, sob o teu
desígnio, correr bem a obra que empreendeste, quanto sobejará a hostilidade
e a reprovação da tua imprudência, quando correr mal. Sobre estes aspectos
baste o que até aqui foi dito. Agora vou voltar aos revestimentos.

11 05
Desde o período que se inicia com "Enchem-na", até ao que termina com "das outras
cunhas", seguiu-se, na tradução, a pontuação constante na editio princeps de Florença
de 1485, reeditada por Hans-Karl Lücke (1975), e não a versão de Orlandi (1966,
p. 497), na medida em que aquela salvaguarda, de forma mais adequada, a coerência
sintáctica da frase .
11 06
Livro X, cap. 17.
1107
Dado que Alberti assume o princípio pitagórico de que "[ ...] a natureza é absolutamente
igual a si mesma em todas as coisas" (Livro IX, cap. 5; Pseudo-Pitágoras, in Aurea
verba, 52), o binómio máquina-ser vivo, ao imitar as tensões da natureza, tem subja-
cente um raciocínio analógico idêntico ao da relação edificio-corpo. Cf. Foucault, 1981 ,
pp. 37-38.

406
Do Ornamento

CAPÍTULO IX
Em todos os revestimentos convém aplicar não menos que três camadas
de massa de cal e areia 1108 • A função da primeira é agarrar-se muito forte-
mente à superficie e fixar no muro a aplicação das restantes camadas; a fun-
ção da última é fazer sobressair a beleza dos acabamentos, das cores e das
linhas; a fu!lção das intermédias é corrigir os defeitos de uma e evitar os da
outra. Os defeitos são estes. Se as últimas camadas, aplicadas sobre as
outras, forem agressivas e, por assim dizer, corrosivas dos muros, como de
facto convém serem as primeiras, devido à sua agressividade abrir-se-ão em
inúmeras fendas à medida que secam. Se, porém, forem mais macias, como
convém que sejam as últimas, não se agarrarão ao muro com tenacidade e
desagregam-se.
Quanto mais numerosas forem as camadas de cal e areia, tanto mais
brilhante será o polimento e tanto mais resistirão ao envelhecimento. Entre
os antigos vimos alguns que aplicaram até nove camadas. Destas, as primei-
ras devem ser necessariamente muito ásperas, de areia fóssil e barro cozido
não muito triturado, mas em fragmentos com alguns d~dos e às vezes com
um palmo de espessura. Nas camadas intermédias é melhor a areia fluvial,
porque tem menos tendência para abrir fendas. Convém que também estas
sejam ásperas; porque as que se acrescentam às camadas lisas não aderem.
A última de todas será polidíssima, a imitar mármore, isto é, terá em vez de
areia pedra branquíssima reduzida a pó. É suficiente dar a esta camada a
espessura de meio dedo; com efeito, é mais dificil de secar se lhe juntarmos
uma mais espessa. Vimos alguns que, por poupança, aplicaram a última
camada com uma espessura não superior à da sola dos sapatos. As camadas
intermédias serão depois calculadas conforme se encontrem mais próximas
das primeiras ou das últimas.
Nas montanhas rochosas encontram-se veios muito semelhantes ao ala-
bastro translúcido, por sua natureza muito friáveis, que não são nem már-
more nem gesso, mas algo entre os dois. Esta pedra, esmagada e misturada
em vez de areia, produzirá maravilhosamente reflexos luminosos de már-
more branco.
Vêem-se com frequência pregos cravados nas paredes para fixar os
revestimentos. O tempo ensinou que os melhores de todos são os de bronze.
Merecem acordo geral aqueles que, abrindo pequenos orificios ao longo da

11 08
Cf. Vitrúvio, VII, 3-4.

407
Livro Sexto

parede na junção de cada camada, espetaram, com a ajuda de um martelo de


madeira, em vez de pregos pedaços de pedra dura que ficam salientes.
O muro quanto mais recente for mais áspero será, e tanto mais firme-
mente fixará o reboco. Por isso, se aplicares uma primeira camada, embora
leve, à medida que fores construindo e enquanto a obra ainda está fresca, ela
oferecerá uma adesão tenaz e indestrutível às camadas que aplicares por
cima dela. A melhor altura para se aplicar qualquer espécie de revestimento
é depois de soprarem os ventos meridionais 1109 • Aplicada durante a época do
vento boreal 111 0 e durante o rigor do frio ou do calor, sobretudo a última
camada, de repente começa a estalar.
Há dois tipos de revestimento: rebocado e ensamblado. O gesso ou a
cal são rebocados. Mas o gesso não se pode utilizar senão em lugares extre-
mamente secos: a humidade que ressuma de uma parede velha é inimiga de
todo e qualquer revestimento. A pedra, o vidro e outro material do mesmo
género são placados. São estas as espécies de revestimentos rebocados: cal
simples, com relevos, com pinturas; dos revestimentos ensamblados há as
seguintes espécies: com placas, com embutidos, com tesselas. Trataremos
primeiro dos rebocos.
A cal será preparada da seguinte maneira. Será posta a amolecer durante
muito tempo num reservatório tapado, com água límpida em abundância; a
seguir, será desbastada com uma enxó de ferro , tal como se desbasta a
madeira. Será sinal de que está amolecida quando, ao desbastá-la, o instru-
mento não embater contra bocados de pedra. Pensa-se que não está ainda
suficientemente madura antes de passarem três meses. Para merecer a tua
aprovação deve ser dúctil e viscosa; com efeito, se o instrumento sair seco,
será indício de que não tem força e está ressequida 1111 • Quando lhe mistura-
res areia ou algum material moído, remexe-a com força uma e outra vez
durante muito tempo; e dá-lhe de novo a volta até fazer uma espécie de
espuma 11 12 • Os Antigos pisavam no tabulacho a cal com que rebocariam a
última camada e preparavam esta mesma mistura de tal modo que não impe-
disse a colher de deslizar durante a aplicação.
Sobre uma camada já aplicada, meio seca e ainda fresca, aplica-se
outra; e procurar-se-á que todas as camadas sequem ao mesmo tempo de
modo uniforme. Os revestimentos tomam-se mais compactos quando se lhes

1109
Austro. Cf. Livro III, cap. 16.
111 0
Vento do norte.
1111
Vitrúvio, VII, 2, 2.
111 2
Plin., Nat., XXXVI, 174.

408
Do Ornamento

bate com um maço e com varas enquanto estão frescos. A última camada
cuidadosamente esfregada com cal pura dará o brilho de um espelho; se,
depois de completamente seca a untares com uma mistura líquida de cera,
mástique e um pouco de azeite, e aqueceres a parede assim untada com car-
vões em brasa proveniente de uma bacia, para que absorva a untura, vencerá
o mármore em brilho. Nós sabemos por experiência que os revestimentos
deste tipo se tornam imunes às fendas se, durante a aplicação do reboco,
corrigires imediatamente as fissuras que aparecerem com molhos de rebentos
de hibisco 1113 ou de espasto 1114 cru.
Mas se te preparares para aplicar o reboco durante a canícula ou em
lugar muito quente, tritura e desfaz em bocadinhos cordas velhas e mistura-
os na massa. Além disso o reboco ficará também bem polido se o aspergi-
res moderadamente durante o polimento com sabão branco dissolvido em
água morna; se o molhares demasiado perde o brilho.
Os relevos fixam-se com muita facilidade com a ajuda de moldes. Estes
extraem-se de objectos esculpidos derramando sobre eles gesso húmido.
Quando os moldes secarem imitarão a superficie do mármore se forem unta-
dos com o unguento de que falamos. São dois os géneros deste tipo de rele-
vos: um saliente, outro achatado e rebatido 1115 • Num muro direito admitem-
-se sem incómodo relevos salientes; todavia, no tecto das abóbadas são mais
convenientes os relevos rebatidos: efectivamente os salientes, se estão pen-
dentes, facilmente se despegam por força do seu próprio peso e, caindo,
constituem um perigo para os habitantes 1116 • Com razão se aconselha que,
onde se prevê a acumulação de muito pó, não uses comijas lavradas e
salientes mas planas e achatadas para que se limpem da forma mais conve-
niente 1117 •
Dos revestimentos pintados uns são feitos a fresco e outros a seco. Para
os frescos será conveniente qualquer cor natural tirada da pedra, da terra,
dos minerais e de outras substâncias do mesmo género. Pelo contrário, todas
as cores artificiais, e principalmente aquelas que postas ao fogo se alteram,
requerem superfícies muito secas e odeiam a cal, a lua e o Austro. Uma
nova invenção: com óleo de linhaça as cores que queiras aplicar tomam-se

1113
Planta que ocorre sob a forma de arbusto lenhoso, nativo das regiões tropicais e sub-
tropicais, cultivado para a extracção de fibras.
1114
Mineral carbonático cristalino de fácil clivagem (cf. Vitrúvio, VII, 3, 2 e Plínio-o-
-Antigo, Nat., XIX, 26-30).
1115
Em alto e meio-relevo ou baixo-relevo.
111 6
Vitrúvio, VII, 3, 3.
111 7
Vitrúvio, VII, 3, 4.

409
Livro Sexto

eternas contra todas as injúrias do tempo e do clima, contanto que seja seco
e sem o mínimo de humidade o muro em que o óleo é aplicado 111 8; no
entanto, tenho provas de que os pintores antigos usavam na pintura das
popas dos navios cera líquida em vez de goma. Também vi em edifícios dos
Antigos cores de pedras preciosas aplicadas ao muro, se entendo bem este
facto, com cera ou talvez com betume branco, cores essas que com o tempo
chegaram a um tal grau de dureza que nem o fogo nem a água as conse-
guem apagar; dir-se-ia que isso é vidro derramado por cima da pintura. Tam-
bém me apercebi de que houve alguns que, usando a flor láctea da cal, fixa-
ram as cores, sobretudo as vítreas, a uma parede ainda fresca. E quanto a
rebocos são estes os dados.

CAPÍTULO X

Os revestimentos de placas ensambladas, sejam simples ou sejam lavra-


das, seguem ambas o mesmo princípio. É motivo de admiração o grande
cuidado que os Antigos puseram no corte e no polimento das placas de már-
more. Eu vi placas de mármore com mais de quatro côvados de compri-
mento, dois de largo, com a espessura de apenas meio dedo 111 9 e unidas em
linha ondeante para enganar melhor os observadores.
Plínio escreve que os Antigos deram preferência à areia etiópica para
cortar os mármores; em segundo lugar vinha a índica; mas a mais macia era
a egípcia e deste modo era superior às nossas areias 1120 • No entanto, diz que
num baixio do Mar Adriático se encontrou uma areia que foi usada pelos
Antigos 11 21• Nós extraímos das praias de Putéolos uma areia que não é a de
menor utilidade para este efeito. A areia angulosa tirada de qualquer torrente
é útil 11 22 ; quanto mais grossa é a areia, tanto mais largas são as incisões que
produz e tanto mais penetrantes são as suas mordeduras; pelo contrário,

1118
O óleo de linhaça, obtido por amassadura da semente do linho, usado como aglutinante
para os pigmentos de cor, foi inicialmente introduzido nos países do norte da Europa.
1119
Equivalentes, respectivamente, a 177,28 cm, a 88,64 cm e a 0,93 cm.
1120
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 9) refere que o corte da pedra, se bem que seja auxi-
liado pelo ferro , na realidade é efectuado pela areia que, nos movimentos de vai e vem,
se comprime na fenda de corte.
11 21
Plin., Nat., XXXVI, 51.
1122
Provavelmente originada a partir da brecha, rocha de agregação composta de fragmen-
tos angulosos e irregulares aglutinada por cimento natural. Cf. Portoghesi, 1966, p. 506,
n. I.

410
Do Ornamento

quanto mais levemente desbasta, tanto mais conveniente é para o polimento.


O polimento começa com uma acção que é mais lamber do que morder.
A areia de Tebas é indicada para esfregar e polir os mármores. Também se
recomendam as pedras de amolar 1123 • Chamam esmeril a uma pedra cujo pó
é o melhor que há 1124 • Também é muito útil a pedra-pomes para os últimos
acabamentos 1125 • A espuma do estanho abrasado e o alvaiade queimado e
sobretudo a argila de Trípoli e qualquer outra da mesma espécie, contanto
que sejam triturados e reduzidos a miudíssimos corpúsculos mais pequenos
que átomos e ainda mais corrosivos, são extremamente úteis.
Para manter as placas no seu lugar, se elas forem grossas, fixam-se na
parede pregos ou espigões de mármore salientes; de seguida aplicam-se as
placas sem mais nada; se, porém, forem mais finas, após a segunda camada
do revestimento usa-se, em vez de cal, cera, pez, resina, mástique e toda a
espécie de gomas, tudo amalgamado numa massa líquida, e lentamente
aqueça-se a placa para que não estale devido ao mau trato repentino do
fogo. Na colocação das placas será de louvar se da sua ensambladura e da
sua sequência resultar concinidade para o olhar 1126 • Com efeito, as manchas
devem corresponder às manchas, as cores às cores e tais elementos a tais
elementos, para que uns aos outros confiram beleza. É notável a astúcia dos
Antigos que poliam até ao máximo do brilho as partes mais próximas da
vista e poupavam trabalho nas ·partes que se situariam à distância e em pon-
tos elevados 1127 • E até em alguns sítios colocavam placas que nem sequer
estavam polidas, porque dificilmente os observadores mais atentos olhariam
para lá.
Os ladrilhos e os mosaicos têm em comum a seguinte característica: em
ambos imitamos a pintura servindo-nos das variadas cores das pedras, do
vidro ou das conchas, combinando-as em disposição apropriada. Diz-se que
Nero foi o primeiro que instituiu o uso de cortar as conchas perolíferas e

1123
Vitrúvio, VII, 4, 5.
1124
O esmeril é uma mistura de corindo e magnetite, contendo epinélio, granada e hematite,
usado correntemente como abrasivo.
1125
Plin., Nat., XXXVI, 53-54.
1126
As ensambladuras dos paramentos das paredes exteriores da igreja de Santa Maria
Novella, bem como no Santo Sepulcro da capela Rucellai, em Florença, exibem finas
incrustações trabalhadas em mármore, que contribuem para o "[ ... ] prazer da seme-
lhança e dissemelhança dos ornamentos" (Livro IX, cap. 9).
11 27
Processo similar é utilizado na representação de alçados em desenho de arquitectura,
onde as partes mais distantes apresentam linhas menos expressivas do que as mais pró-
ximas.

411
Livro Sexto

misturá-las nos revestimentos 1128 • Têm entre si a seguinte diferença: nos


ladrilhos usamos grandes pedaços de placas, os maiores que é possível; nos
mosaicos inserem-se pequenos rectângulos não maiores do que favas: com
efeito, quanto mais pequenos forem tanto mais difusos são os reflexos de luz
que espalham, dado que as superficies das tesselas reflectem em várias
direcções a luz recebida 11 29 ; e dif~rem ainda neste aspecto: uma massa de
gomas é o meio mais cómodo para fixar os ladrilhos, ao passo que para as
tesselas é mais vantajoso utilizar cal depois de se lhe misturar pó finíssimo
de pedra tiburtina.
Há quem determine que na colocação dos mosaicos se deve molhar
uma e outra vez a cal com água a ferver a fim de que, despojada dos ardo-
res do sal, se tome mais mole e mais dúctil. Noto que as pedras muito duras
dos ladrilhos foram desbastadas na roda de amolar. Nos mosaicos fixa-se o
ouro ao vidro utilizando cal de chumbo: não há vidro que se tome mais
fluido do que esta cal.
Quase tudo o que acabamos de dizer a respeito dos revestimentos se
aplica à construção dos pavimentos de que prometemos falar; excepto o
facto de que não aceitam revestimentos pintados e muito menos em relevo;
a não ser que se tome por revestimento pintado o facto de podermos tingir
a massa de várias cores e espaços delimitados por cercaduras de mármore a
imitar uma pintura. A massa tinge-se com ocre queimado, com fragmentos
de barro cozido, com basalto, escória do ferro 11 30 e outros materiais seme-
lhantes. Uma vez revestido o pavimento, quando secar far-se-á o polimento.
Este faz-se do seguinte modo. Com uma corda arrasta-se e volta-se a arras-
tar de um lado para o outro ao longo do pavimento uma pedra dura ou,
ainda melhor, uma placa de chumbo de cinco libras de peso com a superfi-
cie inferior plana, tendo-se espalhado areia muito áspera e água, até que o
pavimento fique bem liso à força de ser raspado. Não estará alisado se os
ângulos e as linhas das tesselas não estiverem nivelados entre si. Se o pavi-
mento, depois de colocado, levar uma camada de óleo, principalmente de
óleo de linhaça, adquire uma película vidrada. É muito bom regá-lo com
amurca; além disso, também a água em que se tenha apagado a cal será
muito conveniente se for aspergida uma e outra vez.

11 28
Conjuntamente com ouro e pedras preciosas (cf. Suet., Nero, 31 ).
1129
Cf. Vitrúvio (VII, 3, 7) sobre a difusão de "nítidos esplendores, através das cores pin-
tadas sobre os últimos acabamentos".
11 30
A obtenção da pigmentação negro-de-fumo a partir de carvão vegetal ou de borras de
vinho não é descrita por Alberti (cf. Vitrúvio, VII, 10, 1-4).

412
Do Ornamento

Em todos os revestimentos que referimos evitar-se-á a abundância


excessiva da mesma cor e da mesma forma, concentradas no mesmo lugar
mais do que é razoável e dispostas desordenadamente; evitar-se-á também
que haja espaços vazios entre as juntas; tudo será disposto e ligado com o
maior rigor de tal modo que todas as partes do trabalho se apresentem igual-
mente perfeitas.

CAPÍTULO XI
Também a cobertura tem os seus encantos e as suas belezas nos reves-
timentos dos vigamentos, das abóbadas e dos terraços. Chegaram até aos
nossos dias os travejamentos do pórtico de Agripa com traves de bronze de
quarenta pés 1131 : é um trabalho em que não saberás se deves admirar mais o
aparato ou o engenho de quem o fez 1132 • Noutro lugar referimos que a
cobertura de cedro do templo de Diana resistiu durante muitos anos 1133 • Plí-
nio recorda que Salance, rei da Cólquida, depois de derrotar Sesóstris, rei do
Egipto, tinha traves de ouro e de prata 11 34 • Vêem-se também templos cober-
tos com placas de mármore; como no templo de Jerusalém onde se conta
que havia placas grandíssimas resplandecentes com um brilho intenso de tal
maneira que, para quem de longe contemplava a cobertura, lhe parecia um
monte coberto de neve 1135 • Catulo foi o primeiro em Roma a dourar as
telhas de bronze do Capitólio; 1136 descobri que depois o Panteão de Roma foi
coberto com escamas de bronze douradas 1137; e que o sumo pontífice Honó-
rio, no tempo do qual Maomé implantou nova religião e novos ritos no
Egipto e na Líbia, mandou cobrir toda a basílica de São Pedro com placas
de bronze 1138 • A Germânia brilha com as suas telhas vidradas 1139 •

11 31
Correspondente a 11,82 m.
11 32
Estes travejamentos do pórtico do Panteão de Agripa foram substituídos por madeira-
mentos no papado de Urbano Vlll, tendo o bronze sido utilizado no baldaquino de São
Pedro em Roma em 1624 (cf. Portoghesi, 1966, pp. 510-1, n. 1).
11 33
Cf. Livro II, cap. 7, onde se refere um templo a Diana na Hispânia com características
semelhantes.
11 34
Plin., Nat., XXXIII, 52.
11 35
Joseph., B. I. , V, 223 .
11 36
Plin., Nat., XXXIII, 57.
11 37
Plin., Nat., XXXIV, 13.
11 38
No pontificado de Honório I (625-638).
1139
As figuras de metáfora e de metonímia são combinadas para rematar, de forma sinté-
tica, o parágrafo.

413
Livro Sexto

Utilizamos o chumbo por toda a parte: é um trabalho que contribui para


a longevidade e principalmente para a graça e, no que respeita a custos, não
são excessivos; mas há nele algumas desvantagens. Com efeito, se for apli-
cado sobre cimento, pelo facto de não respirar pelo lado de baixo, mas
aquecendo mais do que convém por causa do aquecimento das pedras em
que assenta, aí acaba por derreter com o ardor do sol. Vem aqui a propósito
uma coisa que se pode experimentar: um recipiente de chumbo não derrete
ao lume se estiver cheio de água; deite-se-lhe dentro uma pedra e imediata-
mente derreterá ao entrar em contacto com ela e abrirá um furo. A isso
acrescente-se que, onde não tenha grampos em grande número e muito fir-
mes que fixem as lâminas, facilmente será varrido pelos ventos. Acresce
também que ~m pouco tempo o chumbo é deteriorado e carcomido pelos
sais da cal, sendo mais seguro aplicá-lo na madeira a não ser que haja
perigo de incêndio; mas também neste caso há a desvantagem dos pregos,
principalmente os de ferro , porque com o sol aquecem muito mais que as
pedras e com a ferrugem corroem tudo à sua volta 1140 • Por isso, nas abóba-
das é necessário espetar grampos e cavilhas de chumbo, onde se soldem as
placas das telhas com um ferro em brasa. É também necessário cobrir a
superficie subjacente com uma leve camada de cinza de salgueiro passada
por água e misturada com argila branca 1141 • Os pregos de bronze aquecem
menos e causam menos danos do que a ferrugem.
O chumbo deteriora-se com os excrementos das aves; por isso deve-se
providenciar que não tenham pousos onde se possam acolher comodamente
voando para lá; ou então deve ser usada em substituição uma matéria mais
espessa nos lugares onde os excrementos caem e se acumulam. No cimo do
templo de Salomão - refere Eusébio - estenderam-se correntes nas quais
estavam penduradas quatrocentas vasilhas de bronze, para que com o baru-
lho delas as aves fugissem 1142 •
Nas coberturas também se ornamentam as cumeeiras, as cal eiras e os
ângulos 1143 • Usam-se para isso bolas, flores , estátuas, bigas e outros orna-
mentos do mesmo teor, dos quais falaremos separadamente em lugar pró-
prio. Agora, porque de facto estão aqui compreendidos todos os tipos de
ornamentos em geral, nada mais me ocorre senão dizer que aqueles que se
ajustam bem a cada edificio devem ser aplicados nos lugares adequados.

1140
O texto refere-se às consequências das eflorescências calcárias nos paramentos das pare-
des exteriores, bem como aos efeitos da corrosão nos materiais construtivos.
1141
Para impermeabilizar a cobertura.
11 42
Esta referência encontra-se em Josefo (B. 1. , V, 224) e não em Eusébio de Pânfilo.
11 43
Ângulos refere-se aos rincões e aos larós dos telhados.

414
Do Ornamento

CAPÍTULO XII

Os ornamentos das aberturas trazem muito encanto e dignidade ao edi-


ficio mas apresentam dificuldades não só graves mas também numerosas,
que não se podem acautelar senão com grande diligência do construtor e
custos pesados. Com efeito, precisa-se de pedras de grandes dimensões, sem
defeito, iguais entre si, de primeira escolha e raras: as quais nem facilmente
se encontram, nem se transportam, se alinham, se trabalham, se assentam
absolutamente a nosso gosto. Dizia Cícero que os arquitectos negavam a
possibilidade de se erguerem as colunas de modo perfeitamente perpendi-
cular; o que é totalmente indispensável nas aberturas, não só por uma ques-
tão de solidez mas também de beleza 1144 • Existem ainda outros inconvenien-
tes; mas a todos daremos providência na medida em que o nosso engenho
for capaz.
Por sua natureza uma abertura é para dar passagem; mas às vezes
adossa-se uma parede a outra parede como se se juntasse uma pele a uma
veste e simula-se uma espécie de abertura não para dar passagem mas obs-
truída pela parede oposta: a isto, por tal motivo, se chamará, não sem pro-
priedade, "abertura falsa". Este tipo de ornamento, como a maior parte dos
outros ornamentos, foi inventado primeiramente pelos carpinteiros para dar
solidez ao edifício e diminuiu os custos; imitando essa técnica, os canteiros
conferiram aos edificios uma beleza notável.
Qualquer destes ornamentos será mais belo se for constituído na sua
ossatura por uma única pedra. Estará em segundo lugar quando tiver todas
as partes dispostas de tal maneira que não seja visível a linha em que se faz
a sua junção.
Os Antigos erguiam os grandes blocos das colunas e das restantes par-
tes da ossatura, mesmo nas aberturas falsas, e assentavam-nas nas suas
bases, antes de levantarem a parede, uma medida sem dúvida prudente; com
ela ficava mais fácil usar as máquinas e mais desimpedidamente se pro-
curava definir a posição vertical. Uma coluna colocar-se-á na posição verti-
cal da forma seguinte. Na base, na parte inferior e na parte superior da
coluna, marca-se o centro das respectivas circunferências; no centro da base
fixa-se com chumbo uma cavilha de ferro; perfura-se o centro da parte infe-
rior da coluna, até ao ponto em que possa conter dentro de si a cavilha que
ressalta da base; no cimo da máquina marca-se um ponto a partir do qual o

1144
Cic., Verr., I, 51, 133.

415
Livro Sexto

fio-de-prumo caia sobre o centro da cavilha da base. Feito isto, não será
dificil puxar a parte inferior do poste da coluna de modo que o seu centro
assente perpendicularmente no ponto marcado.

Colunas adossadas com meio diâm etro de ressalto.

Aprendi nas obras dos Antigos que os mármores menos duros se podem
aplainar com as mesmas ferramentas com que se desbasta a madeira. E tam-
bém seguiram a prática de aparelhar as pedras ainda toscas desbastando só
as extremidades e os rebordos das pedras que seriam ensambladas uma às
outras; só depois de concluir o trabalho, aplainavam e alisavam a parte que
ficava em bruto: creio que o faziam para expor aos perigos das máquinas
pedras com o mínimo de gastos que era possível. Na verdade, teriam muito
maior prejuízo com uma pedra limpa e completamente acabada, se devido a
algum acidente se fizesse em pedaços, do que com uma pedra apenas come-
çada. Acrescente-se que davam muita atenção a cada fase: um é o tempo de
construir, outro o de revestir, outro o de polir.

416
Do Ornamento

Há dois tipos de aberturas falsas: um é aquele que está adossado à


parede de tal modo que uma parte fica escondida e outra sobressai da
parede; o outro tipo é aquele em que todo o corpo das colunas sai solto
da parede e manifestamente pretende imitar um pórtico. Por tal motivo
chama-se ao primeiro tipo "adossado", ao segundo "independente" 1145 • Nas
aberturas falsas adossadas as colunas serão ou redondas ou rectangulares . As
colunas devem ser salientes não mais nem menos do que metade do seu diâ-
metro 11 46 ; as rectangulares nem mais do que um quarto do seu lado, nem
menos que um sexto. Nas aberturas falsas independentes as colunas em
nenhum caso se devem separar da parede mais do que toda a base e um
quarto e nunca menos do que é preciso para que toda a coluna e a base
estejam fora do muro. Naquelas que estão separadas do muro por uma base
e um quarto, deve corresponder-lhes uma coluna quadrangular 1147 saliente do
muro.

,.
?
~
_I
_j
......
... I J i I 11 _l

~T
I I I
~ 1 J I I
~
I
r ,- I I I
j I I I
~-- l I I I
-
Pilastras adossadas com ressaltos entre um quarto
e um sexto da sua largura.

1145
No original proeminens (adossado) e nuncupetur (independente).
11 46
Como se pode verificar no templo Malatestiano em Rimini.
1147
Isto é, um pilar quadrangular.

417
Livro Sexto

Ainda nas aberturas falsas independentes não deve prolongar-se uma


arquitrave contínua ao longo da fachada do muro, mas· será interrompida em
ângulos rectos e ao nível das colunas, a fim de que as extremidades das tra-
ves interiores que ressaltam do muro se prolonguem até assentar nos capitéis
de cada uma das colunas. As comijas, que ornamentam a arquitrave do
muro, também ornamentarão a toda a volta essas extremidades prolongadas.
Nas aberturas falsas adossadas poderás, à tua escolha, ou usar uma argui-
trave contínua e comijas não interrompidas em toda a volta do edifício, ou
imitar as soluções das aberturas falsas independentes simulando o ressalto e
a saliência das traves interiores.

Entablamento articulado com pilastras com ressaltos entre um quarto


e um sexto da sua largura.

Acabamos de falar dos ornamentos que pertencem às partes dos edifí-


cios comuns a todos eles; das partes que não são comuns a todos, falar-se-á
no livro seguinte 11 48; pois este já tem dimensão suficiente. Mas uma vez que

1148
Os ornamentos abrangem todo o campo da arte edificatória, tanto no que se refere aos
descritores da edificatória, como ao género dos edificios.

418
Do Ornamento

este livro tomou à sua conta examinar aqueles aspectos que dizem respeito
aos ornamentos dessas partes, nada se descuide que contribua para esse
objectivo.

CAPÍTULO XIII
Em toda a arte edificatória o principal ornamento consiste sem dúvida
nas colunas 1149 : na verdade, várias colocadas em conjunto ornamentam um
pórtico, um muro ou todo o tipo de abertura; e mesmo isoladas não são
desagradáveis à vista; elas, com efeito, ornamentam as encruzilhadas, os tea-
tros, as praças, sustentam os troféus, servem de monumento 11 50 , têm graça,
proporcionam dignidade. É dificil dizer quantos gastos os Antigos aplicaram
neste domínio, porque era o de maior distinção. Uns, não se contentando
com o mármore de Paros, da Numídia, de alabastro ou outro semelhante,
juntaram-lhe a habilidade dos mais insignes artistas e fizeram com que as
colunas fossem repletas de relevos e imagens, como os que dizem que havia
no templo de Diana em Éfeso, em número superior a cento e vinte 11 51• Outros
acrescentaram-lhes bases e capitéis de bronze e revestidos de ouro, como os
que em Roma no duplo pórtico 1152 se construíram no consulado de Octá-
vio 1153 , aquele que obteve o triunfo por ter vencido Perseu; uns tiveram colu-
nas de bronze maciço, outros revestiram-nos de prata. Mas passemos adiante.
As colunas devem ser redondas e bem torneadas. Descobri que os
arquitectos Teodoro e Tolo que nas suas oficinas em Lernnos tinham prepa-
rado uns eixos e equilibravam de tal modo as colunas neles penduradas que
uma criança com um impulso em movimento circular as fazia andar em
redor 1154 • Uma história da Grécia.

1149
Neste capítulo o desenho do perfil e da barriga do fuste da coluna é descrito de forma
autónoma e não assimilado à parede. Cf. Livro I, cap. I O.
1150
No sentido de eternizar a rememoração para a preservação da cidade e para a memória
dos homens (cf. Cic., Catil., 3, 26).
1151
As colunas do templo de Ártemis em Éfeso, construído no séc. VI a. C., eram ornadas
no imoscapo por altos-relevos (cf. Plin., Nat., XXXVI, 95).
11 52
Cf. Plin. , Nat., XXXIV, 13.
11 53
Gneu Octávio, cônsul em 167 a. C., mandou construir o Porticus Octavia, situado entre
o teatro de Pompeio e o circo Flamínio em Roma, em 168 a. C., para comemorar a
vitória naval sobre Perseu, rei da Macedónia. Plínio-o-Antigo (Nat., XXXIV, 13), afirma
que este pórtico também era designado, de corintio, devido aos capiteis erri bronze que
apresentava.
11 54
Os nomes dos arquitectos citados por Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 90) são os de
Zmílis, Teodoro e Reco.

419
Livro Sexto

Mas voltemos ao assunto. Numa coluna temos em conta as linhas com-


pridas, ou seja, o eixo e o perfil; as linhas mais curtas são os diâmetros dos
círculos que rodeiam a coluna que são diferentes em vários pontos. Destes
círculos os mais importantes são o da superfície plana que se situa na extre-
midade superior da coluna e o da superfície igualmente plana que se situa
na extremidade inferior: a esta mesma chamamos planta.

Colunas adossadas pela dimensão da sua base.

O eixo é uma linha recta que passa pela medula da coluna e vai desde
o centro do círculo superior até ao centro do círculo inferior: esta mesma
linha chama-se mediatriz da coluna. Nesta linha axial estão os centros de
todos os círculos. O perfil é a linha que vai da circunferência exterior do
círculo superior até ao ponto oposto situado na circunferência inferior e que

420
Do Ornamento

delimita a extensão de todos os diâmetros que passam pela espessura da


coluna; e por esse motivo não é única e recta, como o eixo, mas composta
em parte por muitas linhas rectas, em parte por muitas curvas, como a
seguir explicaremos.

Entablamentc articulado com colunas destacadas e respectivas pilastras.

Os diâmetros dos círculos que é preciso medir situam-se em cinco pon-


tos ao longo da coluna. São estes os nomes desses pontos: saliência, reen-
trância, barriga 1155 • As saliências são duas: uma no cimo da coluna, outra em

1155
O termo grego entasis (Vitrúvio, III, 3, 13) é evitado para descrever o aumento do diâ-
metro a meio da coluna para corrigir as distorções ópticas e sugerido, em alternativa, o
termo venter (barriga), em sintonia com a relação edifício-corpo.

421
Livro Sexto

baixo. Chamam-se assim porque ressaltam e sobressaem. As reentrâncias,


também duas, sucedem-se imediatamente a seguir às saliências, tanto no alto
da coluna como em baixo. São assim chamadas porque por meio .delas as
saliências recuam para dar solidez à coluna. O diâmetro da barriga tira-se ao
meio do comprimento da coluna. Chama-se assim porque aí a coluna parece
inchar ligeiramente. Voltando às saliências, elas diferem entre si: a que se
situa em baixo é formada por um filete 1156 e uma curvatura que se retrai
desde o filete até ao corpo da coluna; a saliência que se situa na parte supe-
rior da coluna, além do filete e dessa curvatura oblíqua, tem ainda um cola-
rinho.
Prometi que queria, quanto de mim depende, expressar-me em latim e
de maneira tal que fosse entendido. Por isso, toma-se necessário forjar pala-
vras quando as de uso comum não são suficientes; e convém tomar as seme-
lhanças dos vocábulos de coisas não dissemelhantes. Entre nós, Toscanos,
chama-se nastro 1157 a uma fita muito fina com que as raparigas prendem e
seguram o cabelo; por isso, se nos é permitido, chamemos n·astro (filete) à
faixa que, como uma espécie de régua curva cinge o tornozelo <,la coluna
como se fosse um anel. E chamaremos colarinho ao anel que, por cima do
filete, circunda a volta superior da coluna, como se fosse um· cordel enro-
lado.
Finalmente a linha do perfil 1158 obtém-se assim. No pavimento ou numa
parede aplanada, lugar este a que chamo quadro 1159, Inscreve-se uma linha
recta do mesmo comprimento que há-de vir a ter a coluna que os operários
hão-de extrair da rocha: esta linha chama-se eixo. Dividimos então o eixo
em determinadas partes, conforme o exigirem .a proporção da futura obra e
a variedade das colunas, acerca da qual se falará em seu lugar 11 60 ; em fun-
ção da medida dessas partes traça-se o diâmetro da planta inferior, diâmetro
que, nesse quadro, desenharemos na extremidade inferior do eixo com uma
pequena linha transversal de modo a fazer um ângulo recto de cada lado.
Dividimos este diâmetro em vinte e quatro partes; atribuímos uma parte à

1156
Moldura saliente rectangular.
1157
No original nextrum , diminutivo de nextrulum, derivado do vulgar nastro, com o signi-
ficado de fita estreita e comprida que não passa a largura de um palmo, equivalente, em
vernáculo, a filete ou listei. Cf. Grazzini eta/ii, 1612, fl . 17; Zubov, 2001, p. 94, n. 42.
1158
Os termos finitor linea (linha do perfil) correspondem, no âmbito da concepção tripar-
tida da concinnitas, à finitio, isto é, à delimitação da coluna.
1159
Equivalente ao finitorium para medir as proporções tridimensionais da figura humana.
Cf. De statua, 9.
1160
Livro VII, cap. 7.

422
Do Ornamento

altura do filete: com uma linha pequena desenhamos no mesmo quadro essa
altura. Ainda das mesmas vinte e quatro parcelas da planta tomamos três e a
essa altura colocamos no eixo o centro da reentrância mais próxima e por

LL' I I •• ,,, •••

14

III h ii h h li i h li h IIIi

J
Método para determinar a linha do perfil de uma coluna.

423
Livro Sexto

este centro fazemos passar uma linha paralela à planta em ângulo recto com
o eixo. Portanto, esta será a linha do diâmetro da reentrância inferior, cujo
comprimento se tomará um sétimo mais curto que o da linha do diâmetro da
planta. Assinaladas estas duas linhas, isto é, o diâmetro da reentrância e o
filete, traçamos uma linha curva com a parte convexa voltada para o eixo, e
com uma curvatura tão suave e agradável quanto possível, desde a extremi-
dade do nastro (filete) até à extremidade da reentrância. O início desta cur-
vatura terá a quarta parte de um pequeno círculo cujo raio seja a altura do
filete. Depois disso dividimos toda a extensão do eixo em sete partes iguais
e assinalamos essas divisões com pontos.
No quarto ponto a começar da planta, situarei o centro da barriga, pelo
qual deves fazer passar o diâmetro, cujo comprimento será igual ao diâme-
tro da reentrância inferior. A seguir serão definidas a reentrância superior e
a saliência da seguinte forma . Com efeito, tendo em conta o tamanho da
coluna acerca do qual discorremos em lugar próprio 11 6 \ o diâmetro do cír-
culo superior será deduzido do diâmetro da planta inferior e, no quadro, será
desenhado na extremidade inferior do eixo. Quando este diâmetro tiver sido
desenhado, dividi-lo-emos em doze parcelas; uma destas parcelas completa
será ocupada pelo colarinho e pelo nastro (filete) da saliência superior, da
maneira que se segue: o colarinho ocupará dois terços desta duodécima
parte, e o resto será para o nastro (filete). Por baixo desta saliência haverá
uma reentrância, cujo centro distará do centro do círculo superior da saliên-
cia uma parte e meia dessas doze partes 11 62 ; e o diâmetro dessa reentrância
será uma nona parte mais pequeno do que o diâmetro maior da saliência.
Depois disto será traçada uma linha curva, com o mesmo traçado que usa-
mos na curvatura inferior. Finalmente, depois de marcar no quadro as saliên-
cias, as reentrâncias, as curvaturas oblíquas e o diâmetro da barriga, tra-
çar-se-á uma linha recta desde a extremidade da reentrância superior e
igualmente da inferior até à extremidade do diâmetro com que assinalamos
a barriga. E assim com estes registos que fizemos está composta a linha que
se chama perfil. Seguindo o formato desta linha, dobra-se uma tábua fina
com a qual os canteiros podem captar e determinar o contorno e os limites
da coluna. A superfície inferior do fuste, se a coluna for bem torneada, for-
mará ângulos rectos, um de cada lado, com a mediatriz tirada, por meio do

1161
Livro VII, cap. 6.
1162
Correspondendo proporcionalmente a 12,5% do diâmetro do círculo superior da saliên-
Cia.

424
Do Ornamento

radiómetro, do centro do círculo que se situa na superfície inferior da


coluna.
Não encontrámos estas coisas nos escritos dos Antigos, mas com dili-
gência e estudo tomámos nota delas a partir das construções dos melhores
arquitectos. O que se segue diz respeito, em grande parte, às proporções dos
delineamentos desta espécie e será muitíssimo importante e de extraordinário
agrado para os pintores 11 63 •

11 63
Este último parágrafo destaca a importância das proporções dos delineamentos do sis-
tema da coluna no ordenamento albertiano.

425
LIVRO SÉTIMO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS
SAGRADOS 1164

CAPÍTULO I

issemos que a arte edificatória consta de várias partes e que umas

D dessas partes - como a área, a cobertura e outras similares - são


aquelas que abrangem todo o género de edificios, qualquer que ele
seja, e que outras são aquelas em que os edificios se distinguem entre si.
Até aqui, tanto quanto parecia ser pertinente para o nosso propósito, fizemos
uma resenha dos .ornamentos das primeiras partes; impõe-se, agora, que
falemos dos ornamentos das segundas. Este tratado terá tanta utilidade que
nem mesmo os pintores, os mais solícitos seguidores das coisas belas, de
nenhum modo afirmarão que o podem dispensar 11 65 ; dará também tanta satis-
fação que (para não dizer mais) ninguém se arrependerá de o ter lido.
Mas gostaria que não me desaprovasses se, tendo novos fins em vista,
tratarmos a questão segundo novos princípios. Os princípios e o método tor-
nam-se claros com toda a exactidão a partir da divisão, do traçado ou des-
crição. Efectivamente, assim como numa estátua fundida de uma mistura de
bronze, ouro e prata, o fundidor considera o aspecto do peso, e o escultor o
dos delineamentos, e talvez procurem outra coisa em outros aspectos, assim
também nós em outro lugar dissemos que estas partes da Arte Edificatória
deviam ser distribuídas de modo a apresentarem uma ordem bastante ade-
quada e expedita para inventariarmos o que aí era importante para essa

1164
O título Liber Septimus Qui Sacrorum Ornamentum Jnscribitur, também pode ser tradu-
"zido, face aos conteúdos que apresenta, por "Livro Sétimo: Omamento dos Edificios do
Culto" .
11 65
Ao afinnar a importância do discurso em arquitectura para a pintura, Alberti estabelece
uma relação biunívoca entre ambas as artes, dado que no Livro II, cap. I , refere-se
também à relevância da pintura na fonnação do arquitecto, anteriormente à formulação
de Vasari (1550) sobre a unidade das arti dei disegno .

427
Livro Sétimo

matéria. Agora definiremos uma partição que acima de tudo satisfaça à


beleza e à dignidade dos edificios mais do que à sua utilidade e solidez 11 66 ;
embora todos os requisitos deste género estejam de tal modo associados que,
onde houver alguma deficiência, todo o mais não merece aprovação 11 67 •
Há, pois, edificios públicos e edificios privados; e tantos os públicos
como os privados podem ser sagrados ou profanos. Em primeiro lugar trata-
remos dos edificios públicos.
Com grandes cerimónias religiosas edificaram os Antigos as muralhas
das cidades, dedicando-as a uma divindade sob cuja protecção haviam de
estar; e consideravam que não houve razão humana com que alguém
pudesse moderar suficientemente os interesses dos mortais de modo a evitar
que os conflitos e a perfidia se desenvolvessem entre os homens; e que uma
cidade, por negligência dos seus cidadãos ou por inveja dos vizinhos, estava
sempre, como um navio no mar alto, sujeita aos infortúnios e exposta aos
perigos. É por isso que, na minha interpretação, costumavam contar nas suas
fábulas que Saturno 11 68 , para atender às coisas dos homens, tinha outrora
colocado à frente das cidades heróis e semi-deuses, por cuja sabedoria fos-
sem protegidas, visto que necessitamos, para nos proteger, não só de mura-
lhas mas também, muito, da ajuda dos deuses 11 69 • Mas os Antigos afirmam
que Saturno procedeu deste modo porque, assim como não pomos à frente
dos rebanhos uma ovelha, mas o pastor, assim também se entendesse que à
frente dos homens deve ser posto um género de ser humano que seja supe-
rior em sabedoria e virtude. Por isso as muralhas são dedicadas aos deuses.
Outros afirmam que a providência de Deus Óptimo e Máximo 1170 fez com
que fossem atribuídos génios favoráveis não só às almas dos homens mas
também aos povos. Por isso, eram certamente tidas como sagradas as mura-
lhas dentro das quais se reuniam em conjunto e se protegiam os cidadãos; e
quando estavam para tomar uma cidade sitiada, para não parecer que tinham
agido contra o culto das religiões evocavam, por meio de uma fórmula

11 66
A venustas, a utilitas e a firmitas vitruvianas são invocadas por Alberti ao iniciar a sis-
tematização da coluna.
11 67
Ver Livro VI, cap. 1.
11 6
M Deus itálico da agricultura, identificado com Crono que, na mitologia grega, é o filho
mais novo de Úrano (o Céu) e de Geia (a Terra). Em sua honra celebravam-se, em
Roma, as Saturnais.
11 69
Na mitologia clássica a ajuda dos deuses é indispensável para a realização das acções
humanas, como é atestado na formação da região em torno de Roma. Cf. Verg. A., VIII,
v. 319.
1170
Optimi et maximi dei universaliza a designação dada a Júpiter como Deus Optimus et
Maximus, o deus soberano da religião do Estado romano .

428
O Ornamento de Edificios Sagrados

sagrada, os deuses tutelares dessa cidade, para que estes não se fossem
embora contrariados 117 1•
Quem duvidará de que o templo é um edificio religioso, entre outros
motivos, principalmente porque acima de tudo nele se celebra a acção de
graças e a adoração devidas aos deuses benfeitores do género humano? Esta
piedade é uma parte principal da justiça; e a própria justiça quem não estará
de acordo que é por si mesma um dom divino? 1172 E há também uma parte
da justiça análoga à anterior e muito importante em dignidade e muitíssimo
agradável e como que sagrada para os deuses, pela qual gozamos do bem da
paz e da tranquilidade com os homens, na medida em que queremos que a
cada um seja retribuído segundo o que merece. Por esse motivo, associare-
mos à religião a basílica onde se administra a justiça 1173 •
E que dizer dos monumentos aos feitos dignos de serem consagrados à
eternidade e confiados à posteridade? Se não estou errado, eles enquadram-
-se nos princípios da justiça e da religião. Devemos, pois, falar das mura-
lhas, e dos templos, e da basílica, e dos monumentos se, antes de abordar-
mos estes aspectos, referirmos brevissimamente algumas questões que não
devem ser omitidas acerca das próprias cidades.
Contribuirá fortemente para a beleza do território e da área da cidade, a
abundância de edificios distribuídos e situados nos lugares mais adequados.
Platão aprovava um território e uma área divididos em doze circunscrições e
em cada uma delas implantava um templo ou um santuário 1174 • Nós devemos
acrescentar os cruzeiros, os julgados mesmo de juízes menores, e as guarni-
ções, e os campos de corridas, e os espaços de jogos, e, por fim, outros
espaços que condigam com estes, contanto que o território floresça de todos
os lados em abundância de casas.
Há, sem dúvida, cidades muito grandes e outras mais pequenas, como
as povoações fortificadas e os pequenos povoados. Nos escritores antigos

1171
Plin., Nat., XXVII, 18; Serv., A., II, v. 231.
1172
No mundo romano a pietas é entendida como o "sentimento do dever" em relação à
família (Verg., A., VI, 405-407; X, 825-826), à veneração ao divino (Cic., N. D., I, 115-
-116) e à lealdade ao Estado ( Cic., Rep., VI, 16), o que permite distinguir o justo do
injusto.
11 73
Se bem que, para Alberti (Livro VII, cap. 14), a basílica cristã se associe aos " [ ...]
ornamentos que são devidos aos templos", a sua conformação assumirá a forma das
basílicas judiciais pagãs, dado que estas respondem às necessidades de acolher grandes
multidões (Livro VII, cap. 3).
11 74
Platão (Lg., V, 745c; VIII, 848d) sugere que as doze partes sejam iguais no sentido de
as melhores terras serem pequenas e vice-versa. Esta divisão em doze circunscrições
segue a tradição pitagórica implementada por Hipódamo de Mileto ( cf. Hoepfner-
-Schwandner, 1994, p. 306).

429
Livro Sétimo

encontra-se uma opinião S<:?gundo a qual as cidades situadas na planície não


são antigas e por isso gozam de menos prestígio: explicam que foram cons-
truídas muito depois do dilúvio. Mas, certamente, às cidades convêm mais
os lugares planos e abertos, e às povoações fortificadas os íngremes e mais
dificeis. Eu gostaria que partilhassem estes aspectos: que os lugares planos
se elevassem numa ligeira colina por causa do asseio e os montanhosos
tivessem uma área plana e nivelada por causa das ruas e dos edificios.
Parece que Cícero antepôs a Roma a cidade de Cápua pelo facto de não
estar alcandorada em colinas e não ser interrompida por vales, mas sim
ampla e muito plana 1175• Alexandre desistiu de construir uma cidade na ilha
de Faros '"176 , num lugar aliás protegido e muito cómodo, porque entendia que ·
no futuro não teria um espaço muito amplo 1177 •
Julgo que não devo omitir aqui o seguinte: o ornamento de uma cidade
evidencia-se notavelmente quando há nela um grande número de cida-
dãos 1178 • Lemos que Tigranes 1179, quando fundou a cidade de Tigranocerta 1180
promulgou um édito a obrigar uma enorme quantidade de homens, muito
nobres e ilustres, a deslocarem-se para ela com todas as suas riquezas, e
aquelas que não fossem levadas para lá seriam confiscadas sendo encontra-
das em outro lugar 11 81• O mesmo farão espontaneamente os habitantes das
regiões limítrofes e dos países estrangeiros, ao pensarem que nesse lugar
levam uma vida extremamente saudável e faustosa entre pessoas honestas e
de bons costumes.
Mas o principal ornamento será proporcionado às cidades pela situação,
traçado, configuração, colocação das vias e do fórum e, além disso, de cada
um dos edificios, de tal modo que todas as coisas estejam bem preparadas e
distribuídas em função do uso, da dignidade, da comodidade de cada uma
delas. Com efeito, se não houver ordem, absolutamente nada haverá que se
apresente cómodo, ou agradável ou digno.
Platão dizia que uma República de bons costumes e bem constituída
deve impedir com leis que as delícias das nações estrangeiras sejam trazidas
para essa sociedade, ou que algum cidadão com menos de quarenta anos

1175
Cic., Agr., II, 96.
1176
Ilha no porto de Alexandria conhecida, na Antiguidade, pelo seu farol de navegação.
1177
Curt., IV, 8.
1178
Neste passo, Alberti refere-se provavelmente ao esplendor da Roma antiga, que chegou
a ter um milhão de habitantes. Ver nota n.0 8.
11 79
Rei da Arménia, sobrinho de Mitridates, derrotado por Pompeio em 66 a. C. .
°
11 8
Cidade fundada na Arménia c. de 77 a. C., cuja localização exacta se desconhece (Plin.,
Nat. , VI, 26-27).
1181
Plut., Luc., XIV, 6 e XXVI, I.

430
O Ornamento de Edificios Sagrados

viaje fora do país; e os estrangeiros que viessem para a cidade por causa da
virtude, quando a seu tempo estivessem imbuídos dos bons costumes,
deviam voltar para o seu país 11 82 • Isso, sem dúvida, porque o contacto com
esses estrangeiros pode fazer com que os cidadãos desaprendam dia a dia a
antiga sobriedade dos antepassados e comecem a odiar os bons costumes de
antigamente; razão única pela qual as cidades se tomam as mais degradadas.
Plutarco refere que os habitantes de Epidamno 11 83, dando-se conta de que os
seus cidadãos se tomavam desonestos devido ao comércio com os !lírios e
que as revoluções são suscitadas nas cidades pelos maus costumes, temendo
isso, escolhiam todos os anos, de entre toda a multidão dos cidadãos, um
acima de todos sério e circunspecto, que fosse à Ilíria 11 84 e comprasse e
negociasse tudo aquilo que cada um dos seus concidadãos lhe encomen-
dasse. Em suma, todas as pessoas experientes estãe de acordo em ordenar
que se teÍJ.ha absolutamente todo o cuidado, com a máxima diligência, para
que a cidade não se deixe corromper pela mistura de elementos estranhos.
Eu, todavia, não sou da opinião de que se devem imitar aqueles que
excluem todo o género de estrangeiros.
Entre os Gregos por tradição assegurava-se aos países aliados, mas não
inimigos, que, se algum dia se dirigissem para o seu território, não seriam
recebidos no interior da cidade nem afastados dela por inospitalidade, mas
estabeleciam não longe das muralhas um mercado onde os estrangeiros se
pudessem· abastecer se procurassem o que lhes era necessário, e os cidadãos
estivessem livres da ameaça do perigo. E a mim merecem-me aprovação os
Cartaginenses: nem deixavam de receber os estrangeiros, nem permitiam que
tivessem todas as coisas em comum com os cidadãos; os estrangeiros tinham
acesso ao fórum por uma determinada via, mas às partes mais secretas da
cidade, aos estaleiros e a outras similares, nem sequer vê-las lhes era coh-
cedido.
Nós, tendo em conta estas advertências, dividiremos a área da cidade de
modo a que não só os estrangeiros tenham uma zona habitual distinta, que
seja adequada a eles e não incómoda para os cidadãos, mas também estes
mesmos habitem adequada e comodamente entre si, segundo o ofício e a
dignidade de cada um.

1182
PI. , Lg., XII, 950d.
1183
Porto da costa da Ilíria, hoje designado por Durres, na Albânia.
1184
A Ilíria significava, para os Gregos, os territórios da Macedónia, do Epiro, e das cida-
des gregas do Mar Adriático e, para os Romanos, toda a área oriental dos Alpes até ao
golfo de Valona.

431
Livro Sétimo

Para que a cidade seja agradável, contribui extraordinariamente que as


várias oficinas dos artesãos ocupem várias ruas e zonas, em lugares que lhes
são apropriados: os cambistas, os pintores, os ourives, junto do fórum; a
seguir as lojas de especiarias, de vestuário e, finalmente, as que se conside-
ram mais dignas; nos lugares mais afastados, a sujidade e os maus cheiros
das coisas imundas, sobretudo as estrumeiras dos curtumes, afastem-se e
levem-se para o lado norte, porque aí são raros os ventos que sopram para
dentro da cidade ou são tão fortes que mais limpam, do que trazem, os
maus cheiros. Haveria, talvez, a quem agradasse que as vizinhanças dos
nobres estivessem livres e limpas de toda a escória do povoléu. Outros pre-
feririam que todas as regiões da cidade estivessem de tal modo apetrechadas
que em qualquer parte se encontrasse ao dispor tudo aquilo que as necessi-
dades exigem e que, por tal motivo, não recusassem que, misturadas com os
palácios dos mais nobres, existissem intercaladas lojas de comércio 11 85• Mas,
quanto a estes aspectos, baste o que até aqui se disse. Na verdade, uma
coisa se deve à utilidade, outra à dignidade 11 86 • Volto ao assunto.

CAPÍTULO II

Para as muralhas, os Antigos, sobretudo os povos da Etrúria, preferiam


a pedra talhada de grandes dimensões; Atenas, segundo diz Temístocles,
usou o mesmo tipo no Pireu 11 87 • Visitam-se ainda antigas cidades fortifica-
das, tanto na Etrúria como em Vilúmbria 11 88 e nos Hémicos 11 89, construídas
com pedra irregular e de grandes dimensões, obra que me merece a maior
aprovação: com efeito, apresenta a dureza de uma antiguidade muito austera,
que serve de ornamento às cidades. E eu gostaria que o muro da cidade
fosse de tal maneira que o inimigo, ao vê-lo, se enchesse de medo e a
seguir debandasse desencorajado.
Contribuirá para a majestade das muralhas um fosso muito largo e pro-
fundo , de lados escarpados, delimitado por um muro, como dizem que era o

11 85
Neste passo, sugere-se tanto um zonamento urbano selectivo, por actividades, em fun-
ção da sua dignidade, da sua acessibilidade ao fórum e do seu impacto ambiental, como
usos mistos de comércio e de habitação em áreas urbanas distintas.
1186
Cic., Off., II, 9-10.
11 87
Thuc., I, 93, 5.
1188
Vilúmbria, parte marítima da Úmbria, situada entre os Apeninos e o Mar Tirreno.
1189
Antiga população do Lácio meridional.

432
O Ornamento de Ediflcios Sagrados

de Babilónia, com cinquenta côvados de largura e cem de profundidade 11 90 •


Acrescentará essa majestade a altura e a espessura das muralhas, como
lemos tê-las construído Nino, Semíramis, Tigranes 11 9 1 e vários outros que
foram propensos à magnificência.
Nas torres e nos caminhos de ronda das muralhas de Roma, vimos pavi-
mentos coloridos de mosaicos e muros belissimamente rebocados. Mas nem
tudo é adequado a todas as cidades. O luxo das comijas e dos revestimentos
não é apropriado às muralhas, mas em lugar de comijas ressairão da mura-
lha algumas pedras um pouco desbastadas, muito compridas, colocadas com
régua e nível. Em vez de revestimento, embora a rudeza da fachada por si
mesma arrogante e como que ameaçadora venha a ter vantagens, contudo eu
preferia que as pedras ficassem de tal modo unidas nos seus ângulos e
linhas comuns que a construção não fosse deslustrada por fendas em lado
nenhum. Com toda a facilidade o conseguiremos usando uma régua dórica à
qual, dizia Aristóteles 1192, deve ser semelhante a Lei: pois, sendo de chumbo,
era flexível. Como os Dórios tinham no seu ambiente pedras muito duras e
dificeis de trabalhar, para poupar na despesa e no trabalho aparelhavam os
blocos, não em ângulos rectos, mas dispunham-nos em fiadas irregulares, de
modo a que cada um ocupasse o seu encaixe; por tal motivo, sendo muito
trabalhoso rodar a pedra até ocupar os espaços adequados e o encaixe apro-
priado, aplicavam esse género de régua flexível rodeando o ângulo e os
lados da pedra a ser colocada e, uma vez dobrada a régua, serviam-se dela
como de um esquadro com que tacteassem os intervalos das pedras já colo-
cadas e usassem os espaços onde pudessem consolidar a pedra a ser unida e,
. .
a seguu, a encaixassem.
Gostaria que, em sinal de reverência, se traçasse no interior do pomé-
rio 1193 uma via larga ao longo da muralha e se consagrasse à liberdade

1190
Equivalentes, respectivamente, a 22,16 me a 44,32 m. Heródoto (I, 178, 3) refere-se a
um "fosso profundo e largo, cheio de água; segue-se-lhe uma muralha, com cinquenta
côvados régios de espessura, e duzentos de altura" (trad. de J. R. Ferreira, 2002) o que,
de acordo com achados arqueológicos é um exagero. Alberti reduz para metade aquela
altura (cf. Strab., XVI, l, 5; Diod. Sic., II, 7, 4).
119 1
Rei da Arménia, que reinou de 95 a. C. a 55 a. C., no estado mais influente a Este da
República Romana.
11 92
Aristóteles (Eth. Nic., 1137b), refere uma régua lésbica e não dórica: "A regra do que
é indefinido é também ela própria indefinida, tal como acontece com a régua de
chumbo utilizada pelos construtores de Lesbos. Do mesmo modo que esta régua se
altera conforme a pedra e não permanece sempre a mesma, assim também a lei terá de
adaptar-se às mais diversas circunstâncias" (trad. de A. C. Caeiro, 2004).
1193
O pomerium correspondia a um espaço sagrado livre de edificações, i.e. non aedifi-
candi, para cada lado das muralhas etruscas e romanas (cf. Var., L., VI, 34).

433
Livro Sétimo

pública, via que ninguém possa impedir com um fosso, uma parede, uma
cerca, ou com uma plantação.
Passo aos templos. Tenho informação de que os primeiros fundadores
de templos foram, na Itália, o Pai Jano e, por isso, os Antigos costumavam
invocar sempre o deus Jano nos sacrificios 1194 ; há quem diga que Júpiter foi
o primeiro que em Creta dedicou templos e por tal motivo Júpiter era o
deus principal entre aqueles que tinham culto 1195 ; afirmam que na Fenícia
um certo Usone foi o primeiro a erigir estátuas ao Fogo e ao Vento e a
construir-lhes templos 1196 ; outros afirmam que, quando Dionísio fez a sua
expedição à Índia, não havendo nesse tempo cidades algumas nessas regiões,
acrescentou templos às fortalezas que fundou e lhes transmitiu um culto reli-
gioso regular 11 97 ; outros afirmam ainda que na Acaia 1198 os primeiros a cons-
truir templos foram Cécrops 1199 em honra de Ops 1200 e os Arcádios 1201 em
honra de Júpiter. Contam também que Ísis, a quem chamam deusa legisla-
dora, porque foi a primeira de entre a raça dos deuses que ensinou a viver
segundo as suas leis, fez um templo para Júpiter e Juno seus pais e instituiu
sacerdotes 1202 •
Mas não se sabe ao certo como é que nessa época era um templo em
cada um desses povos; eu facilmente me deixarei convencer de que era
como aquele que havia na acrópole em Atenas 1203 ou como o que havia no
Capitólio em Roma 1204 • Sendo já a cidade florescente, os templos tinham

11 94
Jano é o antigo deus romano dos inícios e das passagens, representado por dois rostos
em sentidos opostos que vigiavam as entradas e saídas e a quem eram dedicados a pri-
meira hora do dia e o primeiro mês do ano.
1195
Diod. Sic., V, 72, 1.
1196
Euseb., Prep., I, 10.
11 97
Arr. , Anab., VIII, 7; Diod. Sic., II, 38, 5.
1198
Acaia designava a região noroeste do Peloponeso. Após 146 a. C. aquele termo passou
a denominar toda a Grécia submetida a Roma.
11 99
Rei mítico de Atenas que estabeleceu diversos cultos religiosos.
1200
Deusa romana da abundância de acordo com a tradição relativa às divindades agrárias.
1201
Habitantes do planalto central do Peloponeso.
1202
Diod. Sic. , I, 15, 2.
1203
A arte grega somente podia ser conhecida de Alberti por transmissão oral, dado que não
havia, à época, registos fidedignos , que apenas começaram a ser difundidos após os tra-
balhos de Winckelmann (1764).
1204
Vitrúvio (II, 3, 1 e 5) descreve o templo do Capitólio como aerostilo, i.e. "com as colu-
nas mais distanciadas entre si do que convém", não se podendo utilizar neles "epistílios
de pedra ou de mármore, pois têm de se colocar traves de madeira inteiriças; o aspecto

434
O Ornamento de Ediflcios Sagrados

uma cobertura de palha e colmo 1205 : era assim que consideravam dever ser
expressa a ancestral parcimónia dos antepassados. Mas como a opulência
dos reis e dos outros cidadãos os persuadia a dignificar-se a si e à sua
cidade com a grandeza dos edifícios, pareceu vergonhoso que as moradas
dos deuses fossem superadas pelas casas dos mortais em algum elogio da
sua beleza; e em breve tempo chegou-se ao ponto de o Rei Numa 1206 , em
uma cidade frugalíssima, atribuir quatro mil libras de prata para os alicerces
de um só templo. Eu louvo vivamente o propósito deste príncipe, na medida
em que teve em vista a dignidade da cidade, e na medida em que contribuiu
para o culto dos deuses, aos quais devemos tudo.
Embora alguns que têm sido considerados sábios fossem de opinião de
que é inaceitável fazerem-se templos para os deuses. Segundo estes, diz-se
que Xerxes 1207 pôs fogo aos templos da Grécia, porque encerravam os deu-
ses, para os quais todas as coisas deviam estar acessíveis e para os quats o
próprio mundo é como um templo 1208 • Mas volto ao meu propósito.

CAPÍTULO III

Em toda a arte edificatória nada há em que seja necessário maior enge-


nho, cuidado, empenho, diligência, do que na construção e ornamentação de
um templo. Admito que um templo bem cuidado e bem ornamentado é, sem
dúvida alguma, o maior e principal ornamento de uma cidade. É bem certo
que um templo é a morada dos deuses. Ora se adornamos e aprontamos
luxuosamente habitações para os reis e os hóspedes ilustres, que faremos nós
para os deuses imortais, que queremos estejam presentes quando invocados
para o sacrificio e ouçam as nossas preces e súplicas? Mas, sendo certo que
os deuses não dão importância a estas coisas efémeras que os homens tanto

destes templos é escancarado, aplanado, baixo, largo, e os seus frontões são ornamenta-
dos com imagens de terracota ou com estátuas de bronze dourado, segundo o costume
etrusco [.. .]".
1205
Sobre as coberturas de palha e colmo na Antiguidade veja-se Rykwert, 1981 , pp. 141 et
seq ..
1206
Numa Pompílio é o segundo rei lendário de Roma (715-673 a. C.), a quem se atribui a
criação da maior parte dos cultos religiosos romanos. Cf. Plut., Num.; Liv., I, 18-21.
1207
Rei da Pérsia (486-465 a. C.), filho de Dario I, que reprimiu revoltas na Babilónia e no
Egipto, mas que não conseguiu submeter a Grécia, tendo sido derrotado na batalha de
Salamina (480 a. C.).
1208
Cic., Lg., II, 1O, 26; Hdt., II, 131.

435
Livro Sétimo

prezam, deixam-se todavia mover pela pureza de alma e pela veneração da


sua divindade. Não há dúvida de que para o culto divino é muito importante
dispor de templos que maravilhosamente enlevem o espírito e o detenham
com a beleza e a admiração que provocam. Asseveravam os Antigos que a
piedade se cultiva somente quando os templos dos deuses se enchem 1209 •
Por tais motivos, gostaria que no templo haja tanta beleza que não seja
possível imaginar, em qualquer outro lugar, algum aspecto mais ornamen-
tado; e desejo que em todos os pormenores seja de tal modo cuidado que
quem entra estremeça estupefacto de admiração pela sua imponência, e difi-
cilmente se coíba de exclamar em voz alta que é digno de Deus aquele lugar
que contempla 1210 •
Diz Estrabão que os Milésios construíram um templo que, devido à sua
grandeza, ficou sem tecto 1211 • Isso eu não louvo 1212 • Os Sâmios gloriavam-se
de estar no seu território o maior templo de todos 1213 • Não negarei que se
devem construir templos que dificilmente possam ser aumentados; mas gos-
taria que os construísses de forma a poderem ser ornamentados. O orna-
mento não tem limites, e mesmo nos templos pequenos resta sempre alguma
coisa que parece poder e dever ser acrescentada. No que me diz respeito,
gosto dos templos que, em proporção com o tamanho da cidade, não seja
preciso serem maiores; sinto-me chocado com a vastidão dos tectos.
Mas acima de tudo pretendo que nos templos haja o seguinte: que tudo
aquilo que se oferece aos olhos seja de tal género que não decidas com faci-
lidade se são dignos de maior louvor o engenho e as mãos dos artífices ou
o zelo dos cidadãos em preparar e proporcionar materiais raríssimos e pre-
ciosíssimos, e se isso contribui mais para a beleza e o esplendor ou para a
sua perpétua duração. A este propósito deve-se prestar a maior atenção, uma

1209
Para invocar a devoção ao divino Alberti refere-se à congregação dos fiéis e à beleza
dos templos, anteriormente mencionadas na obra Profugiorum ab aerumna libri III
(1, pp. 4-5): "[ ... ] quando si frequentano e' luoghi sacrati a Dio [con ... ] una gracilità
[ ... ] piena".
1210
Rykwert et a/ii (1988, p. 391 , n. 38) interpretam esta declaração como um eco da
exclamação de Justiniano ao entrar em Santa Sofia, conforme relatado por Procópio em
555: "Salomão, superei-te".
1211
Trata-se do templo de Apolo em Dídime, situado a 16 km a sul de Mileto (Strab. , XIV,
I, 5).
1212
À semelhança do que Alberti descreve nas Intercenales (I - Virtus/Fatum et Fortuna), a
admiração ou a reprovação das obras de arquitectura revela-se como um combate entre
desejos, informados pela virtus, e a matéria conformada pela fortuna.
1213
Sobre o santuário de Hera, a maior de todas as deusas olímpicas, na ilha de Samos,
situada na costa sul da Ásia Menor (Jónia), veja-se Estrabão (XIV, I, 14), Heródoto
(III, 60) e Plínio-o-Antigo (Nat., V, 135).

436
O Ornamento de Edificios Sagrados

e outra vez, não só na construção das restantes obras públicas e privadas,


mas sobretudo na dos templos; convém que gastos tão avultados estejam
mais que protegidos contra acidentes funestos, para que não pereçam.
E somos de opinião que o prestígio conferido aos templos pela sua antigui-
dade 1214 não é menor do que a imponência que lhe é dada pelo ornamento.
Mas os Antigos, advertidos pelos ensinamentos dos Etruscos 1215 , não
consideravam que se deviam construir templos a todos os deuses em todos
os lugares. Com efeito, julgaram que deviam ser colocados dentro da cerca
das muralhas os deuses que presidem à paz, ao pudor, às artes liberais;
aqueles, porém, que incitavam aos prazeres, às brigas, aos incêndios, como
Vénus, Marte e Vulcano, entendiam que deviam ser colocados fora 1216 ; no
meio da cidade e na cidadela, situavam Vesta, Júpiter, Minerva, que Platão
dizia serem os guardiães das cidades 1217 ; no fórum, implantavam Palas deusa
dos artesãos, Mercúrio, que os mercadores festejavam no mês de Maio, e
Ísis; na orla marítima, Neptuno; nos altos montes, Jano. A Esculápio 1218 eri-
giram um templo na ilha Tiberina 1219 , porque pensavam que os doentes
necessitavam, antes de mais, de água; dizia Plutarco que costumavam cons-
truir templos a este deus em outros lugares fora da cidade, sob o pretexto de
que aí o ar é mais salubre 1220 •
Além disso, consideravam que, aos vários deuses, eram devidas formas
variadas de templos 1221 • Assim, aprovaram o templo redondo do sol e do Pai
Líber; dizia Varrão 1222 que o templo de Júpiter devia elevar-se, sem tecto,

1214
O valor de antiguidade das obras do passado, ao ser comparado ao valor dado pelo
ornamento, assume dimensões universais, por vezes contraditórias, relativas à conserva-
ção e à protecção do património edificado conforme foi, posteriormente, advogado por
Riegl (1905).
1215
A Disciplina Etrusca consistia numa prática religiosa, realizada pelos arúspices, orien-
tada para a previsão e a adivinhação, baseada na análise de eventos meteorológicos,
bem como no exame das vísceras dos animais sacrificados e do seu comportamento,
com o objectivo de indicar regras de conduta futuras .
1216
Vitrúvio (1, 7, I).
1217
Pl., Lg., 745b.
1218
Deus da medicina.
1219
Ilha situada num meandro do rio Tibre quando este passa por Roma.
1220
Plut., Mar., IV, 20, 94.
1221
Para Vitrúvio (1, 2, 5) os diferentes templos cumpriam "um princípio, que em grego se
diz thematismos, segundo costume ou naturalmente", onde as ordens arquitectónicas
deviam variar de acordo com os deuses a quem os templos .eram dedicados.
1222
Var., L., V, 66. Vitrúvio (I, 2, 5) refere que "quando se levantam edificios sem telhado
e hipetros a Júpiter Relâmpago, ao Céu, ao sol e à Lua; de facto, vemos o aspecto do
céu e as obras destes deuses presentes no mundo aberto e luminoso".

437
Livro Sétimo

porque o deus faz germinar as sementes de todas as coisas. Faziam o tem-


plo de Vesta, que consideravam ser a Terra, em forma redonda, à seme-
lhança de uma bola 1223 • Para os deuses celestes alteavam os edificios acima
da terra; para os infernais, construíam-nos abaixo da terra; para os terrestres,
em posição intermédia.
Sou também levado a conjecturar que para diferentes práticas de sacri-
ficios inventaram diferentes edificios para templos. Na verdade uns derrama-
vam sangue nos altares, outros sacrificavam com vinho e bolos, a outros
agradavam-lhes cada dia novos ritos . Em Roma a lei de Postúmio proibia
que se aspergisse uma pira funerária com vinho; e por tal motivo diziam que
os Antigos não costumavam fazer libações com vinho, mas com leite 1224 . Na
ilha Hiperbórea, no Oceano, onde se diz que nasceu Latona 1225, havia uma
cidade régia consagrada a Apolo, cujos cidadãos eram todos citaristas, por-
que todos os dias louvavam o deus com o canto 1226 • Em Teofrasto, o sofista,
leio que, no istmo de Corinto, costumavam imolar uma formiga a Neptuno
e ao Sol. Para os Egípcios não era lícito, dentro da cidade, aplacar os deu-
ses com outras coisas senão com preces; e, por tal motivo, construíram fora
da cidade os templos de Saturno e de Serápis, porque lhes sacrificavam ani-
mais.
Por seu lado, os nossos antepassados serviram-se muitas vezes das basí-
licas para uso sacrificial. E isso, não só porque a princípio era costume
serem convocados e reunirem-se nas basílicas dos assuntos privados, mas
também porque nelas estava colocado, com a maior imponência, um altar
diante da tribuna e à volta dos altares dispunha-se um coro com grande
beleza; o resto da basílica, como a nave e o pórtico, estava aberto ao povo
que passeava ou assistia ao sacrificio. A isso acrescia que a voz do pontífice
que falava ao povo ouvia-se melhor numa basílica com tecto de madeira, do
que num templo em abóbada. Mas destes aspectos trataremos em outro
lugar 1227 •
Venha a propósito aquilo que dizem: que a V érius, a Diana, às Musas,
às Ninfas e às deusas mais delicadas, devem ser dedicados templos que imi-
tem a graciosidade virginal e a florida tenrura da idade; a Hércules, a Marte

1223
Ov., Fast. , VI, 249.
1224
Esta lei .foi promulgada pelo segundo rei de Rom.a, Numa Pompílio, devido à escassez
de vinho. Cf. Plin., Nat., XIV, 88.
1225
Na mitologia romana era a deusa da noite clara, a mãe de Apolo e Diana.
1226
Diod. Sic. , II, 47, 2-3 .
1227
Ver Livro- V, cap. 9.

438
O Ornamento de Edificios Sagrados

e aos maiores deuses devem-se construir tais templos que proporcionem


mais autoridade. pela sua gravidade, do que graça pela sua beleza 1228 • Final-
mente, o lugar onde situares o templo, deve ser frequentado , afamado e,
como dizem, altivo e isento de todo o contágio das coisas profanas. Por tal
motivo, terá em frente uma ampla e imponente praça, será circundado de
largas calçadas, ou melhor, de praças imponentíssimas, de modo a poder ser
contemplado nitidamente de onde se quiser.

CAPÍTULO IV

As partes de um templo são o pórtico e a cela 1229 interior; mas em rela-


ção a estas há grandes diferenças entre os templos. Porque há templos cir-
culares, outros quadrangulares, e por fim outros poligonais 1230 • Que a natu-
reza se compraz principalmente nas formas circulares, a julgar por aquilo
que existe, nasce ou se produz com os seus delineamentos, está à vista de
todos. O globo terrestre, os astros, as árvores, os animais e os seus ninhos,
e outras coisas do mesmo género, porque hei-de referir que a natureza quis
que todas elas fossem circulares? E também vemos que a natureza se com-
praz nas formas hexagonais. As abelhas e as vespas e quaisquer outros
insectos aprenderam a construir nos seus teatros somente celas hexagonais.
Com um círculo definiremos uma área circular 123 1• Em quase todos os
templos quadrangulares, os Antigos 1232 tiveram em vista produzir uma área
tal que o comprimento fosse uma vez e meia a sua largura; outros construí-
ram-na tal que a largura fosse superada em um terço pelo comprimento;

1228
Vitrúvio (1, 2, 5).
1229
Designação do santuário dos templos antigos.
mo Cf. Vitrúvio (III, 2).
1231
Apesar do Panteão e dos templos perípetros de Roma e de Tivoli serem conhecidos
pelos humanistas do Renascimento, a informação sobre templos circulares na Antigui-
dade era escassa e foi transmitida pelos enciclopedistas medievais, nomeadamente por
Rabano Mauro, Isidoro de Sevilha e Vicente de Beauvais (cf. Rykwert et a/ii, 1988,
p. 392, n. 58), o que sugere um elevado grau de inovação por parte de Alberti, ao pro-
por um programa de planta centralizada, como se verificou na igreja de São Sebastião
em Mântua.
1232
Ao enumerar as partes dos templos, Alberti baseia-se em exemplos da Antiguidade pagã
(cf. Plin., Nat., XI, 71), mas a sua forma global corresponde à da basílica judicial.

439
Livro Sétimo

outros quiseram que o comprimento tivesse o dobro da largura. Nas áreas


quadrangulares o maior defeito de deformidade é se houver algum ângulo
que não seja recto.
Os Antigos usavam um número de seis, ou oito, ou até de dez ângulos.
Todas estas áreas devem inscrever os seus ângulos na circunferência do cír-
culo. De facto é do círculo que se tiram correctamente os ângulos: pois o
raio de um círculo fornecerá o lado de um hexágono. Ora se, a partir do
centro, traçares linhas rectas que cortem ao meio cada um dos lados de um
hexágono, é óbvio que desse modo podes fazer um dodecágono. Então, a
partir do dodecágono, também é óbvio de que modo podes construir um
quadrângulo e um octógono; embora para traçar um octógono exista outra
forma mais prática. Na verdade, uma vez traçado um quadrilátero de lados
iguais e ângulos rectos, faço passar diâmetros por cada um dos ângulos do
quadrilátero e traço raios a partir do ponto de intersecção de modo a cortar
ao meio os lados do quadrângulo; esse meio, que se situa entre as duas sec-
ções feitas no lado, será o lado do octógono. Ainda a partir do círculo fare-
mos um decágono: traçaremos dois diâmetros de um círculo que se intersec-
tem formando ângulos iguais; dividiremos então em duas partes iguais
qualquer um de dois semidiâmetros; depois, a partir do ponto desta divisão,
levaremos uma linha recta em diagonal até ao extremo do outro diâmetro.
Tirando-se a esta linha, assim traçada, um quarto de todo o diâmetro, o que
restar será o lado do decágono.
Aos templos acrescentam-se capelas 1233 ; mas em uns, muitas; em outros,
poucas. Nos templos quadrangulares em parte nenhuma se construirá, em
geral, senão uma capela, e essa no lugar mais interior de modo a oferecer-
-se de frente a quem entra, logo desde a porta. Ou, se se acrescentarem tam-
bém nos lados, isso far-se-á decorosamente em áreas quadrangulares que
tenham de comprimento o dobro da largura; e nos lados não se há-de pôr
mais do que uma, ou, se aprouver acrescentar várias, convém que sejam em
número ímpar. Em áreas circulares e multiangulares, se assim é permitido
dizê-lo, será muito cómodo acrescentar o número de capelas. Em proporção
com os lados, ou serão acrescentadas capelas em cada um deles, ou, alter-

1233
O termo tribunal (plataforma semicircular sobreelevada reservada aos magistrados), que
em vulgar apresenta o significado de tribuna ou capela, é utilizado por Alberti para
sugerir que a forma dos templos religiosos deriva das basílicas judiciais e não dos tem-
plos pagãos. Bluteau ( 1712-28) esclarece, no verbete tribuna, que neste espaço se colo-
cava o tribunal, ou cadeira Pontifical, como ocorria na Igreja de Santa Cecília e noutras
igrejas antigas de Roma.

440
O Ornamento de Edificios Sagrados

nadamente, um lado ficará livre e o outro terá uma capela. Nas áreas cir-
culares será muito fácil acrescentar seis ou até oito capelas. Em áreas de
muitos lados, deve-se procurar que os ângulos não sejam entre si mutua-
mente desiguais e dissemelhantes.
Por sua vez a capela ou será rectangular, ou será traçada em forma de
semicírculo. Ora se a capela tiver de ser uma só na extremidade do templo,
será de preferir uma capela cujo espaço termine em semicírculo; a seguir
vem a quadrangular. Porém, quando as capelas forem numerosas e pegadas,
nesse caso contribuirá para a beleza se as quadrangulares se misturarem
alternadamente com as semicirculares, e corresponderem entre si as que
estão frente a frente.
A abertura da capela será assim estabelecida. Quando, em áreas rectan-
gulares, tiver de haver uma só capela, dividirei a largura do templo em qua-
tro partes, e destas destinarei duas à abertura da capela; ou, se nos agradar
um espaço mais amplo, dividirei a largura em seis partes e delas destinarei
quatro partes à abertura. Deste modo, os ornamentos das colunas que se
devem usar, as janelas e outras coisas do mesmo género, serão muito mais
comodamente colocados nos seus lugares. Se, porém, colocares várias cape-
las em tomo da área, será legítimo fazer as laterais com o mesmo tamanho
da capela-mor. Mas eu gostaria que, tendo em vista a sua dignidade, a
capela-mor fosse uma duodécima parte maior que as restantes. Há ainda este
aspecto importante relativamente aos templos quadrangulares: estará certo, se
a capela-mor tiver todos os lados iguais; mas nas outras convém que as
linhas traçadas da direita para a esquerda tenham o dobro do comprimento
daquelas que se estendem no sentido da profundidade 1234 •
A parte sólida dos muros, isto é, a ossatura do edifício que nos templos
separa as aberturas das várias capelas, faça-se de tal forma que em nenhum
sítio seja menor do que um quinto da largura do espaço vazio, e em nenhum
sítio mais largo do que um terço ou, onde pretenderes que as capelas sejam
muito fechadas, do que metade. Nas áreas circulares, se o número de cape-
las for seis, farás com que tais separadores, isto é, a ossatura e a parte sólida
da parede, tenham metade da abertura; mas, se houver oito aberturas, farás
com que tenham metade da largura das capelas, sobretudo nos templos
muito grandes; se o número de ângulos for grande, far-se-á um separador
com um terço da largura da capela.

1234
Assim, a capela principal terá formato quadrangular e as restantes uma forma rectangu-
lar, com largura dupla da profundidade.

441
Livro Sétimo

Em alguns templos devem fazer-se, de ambos os lados, frente a frente,


não capelas mas pequenas celas, à velha maneira etrusca 1235 • Será esta a sua
proporção. Tomavam uma área, cujo comprimento, dividido em seis partes,
excedia num sexto a largura; atribuíam duas partes do comprimento à lar-
gura do pórtico, que fazia de vestíbulo do templo; dividiam o resto em três
partes, que eram atribuídas a cada uma das três larguras das celas. Dividiam,
por sua vez, a própria largura do templo em dez partes; destas, destinavam
três partes às celas situadas do lado direito e outras tantas às celas do lado
esquerdo; deixavam quatro partes à ala central. Na extremidade do templo
acrescentavam uma capela e outra às celas centrais de cada lado. Junto das
aberturas das celas faziam muros que mediam a quinta parte do espaço
vazto.

CAPÍTULO V

Até aqui tratámos das áreas interiores. Nos templos quadrangulares, o


pórtico situar-se-á na frontaria, ou igualmente na frontaria e no tardoz, ou
apoiará a cela em seu redor 1236 • Onde houver uma capela saliente, não se
acrescentará um pórtico.
Nos templos quadrangulares, o pórtico da frontaria não deve ser em
parte nenhuma mais pequeno do que a largura total do templo, e em parte
nenhuma será mais profundo do que um terço do comprimento. Nos pórticos
laterais dos templos, as colunas ficarão distantes dos muros da cela o espaço
do intercolúnio. No tardoz, o pórtico imitará aquele que quiseres de entre os
que referimos.

1235
O templo etrusco apresenta proporções muito diferentes das indicadas na Antiguidade
Clássica. Com efeito, para Vitrúvio (III, 3, 5 e IV, 7, 1) o templo construído segundo o
modo etrusco é aerostilo e "o lugar onde se deverá levantar o templo será dividido no
seu comprimento em seis partes, tirando-se uma delas e atribuindo-se o resto à largura.
Depois o comprimento será _dividido ao meio, reservando-se a parte interior para os
espaços das celas e deixando-se o lado que estiver junto ao frontispício para a disposi-
ção das colunas. Quanto à largura, será dividida em dez partes". Ao divergir deste sis-
tema de proporções, Alberti toma as ruínas da Basílica de Maxêncio em Roma como
modelo do templo etrusco - Etruscum sacrum - para conceber a igreja de Santo André
em Mântua (cf. Krautheimer, 1963, pp. 333 et seq.; Hersey, 1994, pp. 216-223 ; Taver-
nor, 1998, pp. 176-178).
1236
Vitrúvio (III, 2, 3-7) caracteriza, de forma idêntica, os templos prostilos (com colunas
na frontaria) , anfiprostilos (com colunas na frontaria e no tardoz) e perípetros (com
colunas em volta da cela).

442
O Ornamento de Edificios Sagrados

Rodearemos os templos circulares com um pórtico a toda a volta, ou


colocaremos um pórtico apenas na frontaria. Em ambos os casos a medida
da profundidade do pórtico será calculada como a dos templos quadrangula-
res. Mas os pórticos da frontaria em nenhuma parte serão senão quadrangu-
lares: a sua profundidade terá a largura total da área interior, ou menos um
oitavo, ou, finalmente, não será em nenhum caso inferior a um quarto.
Em <···> subia-se ao templo <···> por uma escadaria de cem degraus.
Entre os Hebreus a lei dos antepassados dizia: "Deveis ter uma só cidade
principal e sagrada em lugar vantajoso e cómodo; nela deveis construir um
único altar, de pedras brancas e resplandecentes, não talhadas pela mão do
homem, mas colectícias; o acesso ao templo não se faça através de degraus;
na verdade, um só povo, consagrado a uma só religião, num só sentir e num


c • •
Interpretação de Cosimo Bartoli do Templo Etrusco de Alberti.

443
Livro Sétimo

só propósito, será protegido e defendido por um só Deus" 1237 • Eu não aprovo


nenhum destes dois aspectos: um é contrário à conveniência e à comodi-
dade, sobretudo daqueles que em grande número frequentam os templos,
como é o caso das velhas e dos debilitados; o outro é completamente con-
trário à majestade do templo. Em outras paragens vimos isto: desde a
recente geração dos nossos pais foram construídos edificios sagrados, diante
de cujos portais se sobem alguns degraus para o vestíbulo, e daí se descem
outros para o pavimento do edificio sagrado; não direi que tal prática fosse
despropositada, mas não sei por que motivo foi instituída.
Na minha opinião, a área do pórtico e de todo o templo, uma vez que
isso contribui grandemente para a sua imponência, deve ser sobreelevada e
sobressair do restante nível da cidade. Mas, assim como num ser vivo, a
cabeça, o pé, e qualquer outro membro devem ter relação com os restantes
membros e com todo o resto do corpo, assim também num edificio, e muito
em especial num templo, todas as partes do corpo devem ser conformadas
de modo a que se correspondam entre si, e assim, tomada qualquer uma
delas, por essa mesma sejam dimensionadas convenientemente todas as res-
tantes partes 1238 • Verifico que a maioria dos melhores arquitectos da antigui-
dade estabeleceu assim a altura deste pódio a partir da largura do templo.
Na verdade, dividiram a largura em seis partes e atribuíram uma parte à
altura do pódio. Houve também alguns que quiseram que a esse pódio fosse
atribuída a sétima parte da largura nos templos maiores e a nona parte nos
templos muito grandes.
Por sua natureza o pórtico consta de um muro inteiro e contínuo; nos
restantes lados é aberto e dá passagem através de aberturas patenteadas.
Deve-se, pois, considerar qual o tipo de aberturas que se quer usar. Há um
género de colunata em que as colunas são postas em menor densidade e um
pouco distantes entre si; há outro, onde são dispostas de forma mais densa e
com maior proximidade umas das outras. Nos dois casos há inconvenientes.
Com efeito, nas menos densas, se for usada uma trave, esta rebenta devido
à extensão dos intervalos; se for usado um arco, não é fácil colocá-lo sobre
as colunas. Nos intervalos em que se usam arcos mais densos, impedem-se

1237
Cf. l Rs l : 6-7, sobre a edificação do templo e a construção do palácio de Salomão.
Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 392, n. 67.
1238
A generalização a todo o ser vivo da relação edificio-corpo é proposta por Alberti,
enquanto para os tratadistas do Renascimento italiano, como para Vitrúvio (III, 1, l ),
essa relação é estabelecida somente com o corpo humano: "nenhum templo poderá ter
esse sistema [de comensurabilidade] sem conveniente equilíbrio e proporção e se não
tiver uma rigorosa disposição como os membros de um homem bem configurado". Cf.
Caye-Choay, 2004, p. 331 , n. 48.

444
O Ornamento de Edificios Sagrados

as passagens, as vistas e a luz. Por tal motivo, foi inventado um terceiro


género, intermédio, elegante, que acautele os inconvenientes desses sistemas,
sirva à comodidade e seja melhor que os outros.
Poderíamos contentar-nos com estes três géneros de colunata; mas a
sagacidade dos artífices acrescentou-lhes mais dois géneros, acerca dos quais
é esta a minha opinião: faltando porventura o número de colunas proporcio-
nais ao tamanho da área, eles desviaram-se da solução intermédia, a melhor,
para imitar a disposição de colunas menos densas; pelo contrário, sendo de
sobejo a abundância de colunas, foi bastante do seu agrado dispô-las de
forma mais compacta. Assim, enumeram-se cinco tipos de intervalos, que
nos agrada designar deste modo: ampliado, compacto, elegante, subam-
pliado, subcompacto 1239 • Além disso, julgo que, quando porventura não havia
pedra comprida em abundância em algum lugar, o arquitecto foi obrigado a
fazer a obra com colunas mais curtas; e assim empreendido o trabalho, aper-
cebendo-se de que não resultava suficientemente para a beleza da obra, colo-
cou muretes sob as colunas, a fim de obter uma altura da obra razoável.
Com efeito, pelo estudo e observação dos edificios, descobriu que as colu-
nas dos pórticos não têm beleza, se não atingirem certas proporções de
altura e de espessura.
No que diz respeito a estas proporções aconselham o seguinte. Façam-
-se os intercolúnios em número ímpar; não se coloquem colunas senão em
número par; faça-se mais larga que as restantes a abertura do meio que está
de frente para a porta; onde os intercolúnios têm de ser mais estreitos,
empreguem-se colunas mais finas; nos intervalos mais largos, usem-se colu-
nas mais grossas. Portanto, a espessura das colunas será regulada pelos
intervalos e os intervalos pelas colunas, em particular segundo as leis
seguintes. Nas obras compactas, os intervalos não serão mais estreitos do
que uma espessura e meia da coluna; nas obras ampliadas, não terá mais
que três espessuras e três oitavos de uma coluna; nas obras elegantes, terá
duas espessuras e um quarto; nas obras subcompactas, serão atribuídas duas
espessuras, e nas subampliadas três. Em cada uma destas classes, os interva-
los que ficarem ao meio far-se-ão mais largos, de modo a excederem os res-
tantes em uma quarta parte. Assim eles nos aconselham 1240 •

1239
Vitrúvio (III, 3, 1-13) designa estes tipos de interco1únios, respectivamente, de areosti1o
(h = 8 d; L não é especificado), picnosti1o (h= 1O d; L= 1 1/ 2 d), eusti1o (h = 9 1/2 d;
L= 2 1/ 4 d), diastilo (h= 8 1/ 2 d; L= 3 d) e sisti1o (h= 9 1/ 2 d; L= 2 d), onde h representa
a altura das colunas e L o intercolúnio, medidos em função do diâmetro d das colunas.
1240
De acordo com as especificações de Vitrúvio (III, 3, 1-13) para os intercolúnios.

445
Livro Sétimo

Nós, porém, pelas dimensões dos edificios antigos, advertimos que as


aberturas do meio não foram colocadas em toda a parte segundo estas pro-
porções. De facto, nas colunatas ampliadas nenhum dos melhores arquitectos
as colocou acrescentando um quarto, e a maioria deles apenas uma duodé-
cima parte: decisão prudente, não fosse a trave, devido ao seu excessivo
comprimento, ceder e quebrar. Finalmente, nas outras classes de intercolú-
nio, muitos não as fizeram com mais de um sexto, e até, não muito poucos,
com mats de um sétimo, sobretudo nas aberturas que designamos "ele-
gantes".

CAPÍTULO VI

Uma vez determinados os intervalos, devem levantar-se as colunas nas


quais se sustentem as coberturas. É muitíssimo diferente se são levantadas
colunas ou pilares, se são usados arcos ou traves nas aberturas 1241 • Os arcos
e os pilares são obrigatórios nos teatros, e nas basílicas também não se des-
prezam os arcos; mas nas construções mais imponentes dos templos, em
parte alguma se vêem a não ser pórticos de arquitrave. É deles que devemos
falar a seguir.
As partes dos sistemas de colunas são 1242 : o pedestal e sobre ele a base,
sobre a base a coluna, depois o capitel, a seguir a arquitrave, sobre a argui-
trave as traves ou o friso, com o qual ou se cobrem ou terminam as extre-
midades das traves; no lugar mais alto fica a cornija.
Penso que se deve começar pelos capitéis, pois é neles que são maiores
as variações dos sistemas de colunas. Aqui peço àqueles que copiarem esta
minha obra, que refiram os números que serão mencionados, não com sím-
bolos, mas com os nomes latinos com todas as letras, assim: doze, vinte,
quarenta, etc., e não XII, XX, XL 1243 • A necessidade ensinou a colocar capi-

1241
Se bem que Alberti proponha destinos diferentes para as colunatas e para as arcadas, a
sua génese é semelhante, na medida em que um arco é considerado como sendo uma
arquitrave curva (cf. Livro III, caps. 6 e 13; Livro VII, cap. 15).
1242
A sistematização dos diferentes sistemas de colunas (columnationes) é elaborada a par-
tir das suas partes e não da sua organização tipológica, como refere Vitrúvio para as
ordens arquitectónicas.
1243
Esta precaução de Alberti sobre a fidelidade das cópias do tratado não foi suficiente
para garantir uma reprodução fidedigna do manuscrito original, como atesta o escrupu-
loso trabalho de reedição crítica elaborado por Orlandi (1966), a partir de quatro
manuscritos que apresentam diversas discrepâncias e lacunas, provavelmente deixadas
pelo seu autor para serem resolvidas posteriormente.

446
O Ornamento de Edificios Sagrados

téis sobre as colunas de modo a que nestes assentassem conjuntamente os


troncos das arquitraves; mas este lenho tosco e quadrado tinha algo de feio .
Por isso, a princípio, em Doro (se acreditarmos que tudo é devido aos Gre-
gos), houve homens que imaginaram que se podia modelar ao tomo algo
que parecesse uma espécie de taça redonda colocada por baixo de uma
tampa quadrangular; e, porque essa taça parecia demasiado atarracada, ele-
varam-na colocando-lhe por baixo um gargalo um pouco mais alto. Os
Jónios, observando os edificios dos Dórios, aprovaram a taça nos capitéis,
mas desaprovaram a nudez das taças e a junção do gargalo; por esse motivo,
acrescentaram uma casca de árvore, que, pendurada de ambos os lados e
envolvendo-os a toda a volta, revestisse os lados das taças. Seguiram-lhes as
pegadas os Coríntios, graças à invenção de Calímaco 1244 , a quem agradara
muito, não as taças de forma rebaixada, como as dos Jónios, mas um vaso
muito alto, coberto de folhas a toda a volta, junto de um túmulo de uma
donzela - onde por baixo nascera uma planta de acanto - ao vê-lo assim
revestido. Foram, por conseguinte, inventados três géneros de capitéis, que a
prática dos especialistas aceitaria: o dórico - embora eu saiba por experiên-
cia que este mesmo género estava em uso entre os Etruscos mais antigos -
o dórico, repito, o jónico e o coríntio 1245 •
E qual pensas tu que foi a causa disso? Encontra-se com frequência um
certo número de capitéis, diferentes dos outros, que foram trabalhados com
grande cuidado e requinte por aqueles que se esforçaram por inventar coisas
novas; todavia, não se apresenta nenhum que com que razão possas preferir
aos outros, excepto um a que chamo itálico 1246 , para não dizermos que rece-
bemos tudo dos estrangeiros. Com efeito, ao festivo dos capitéis coríntios
alia as delícias dos jónicos e no lugar das ansas 1247 , colocou volutas 1248 pen-
dentes: obra agradável e muitíssimo digna de aprovação.

1244
Escultor grego exímio no trabalho em mármore (cf., Vitrúvio, IV, 1, 10).
1245
Para a origem dos capitéis, segundo Vitrúvio, veja-se o tratado De architetura: para o
dórico - IV, 3, 4 e 7, 2; para o jónico - III, 5, 5 e para o corintio - IV, 1, 1. Alberti
(Livro I, cap. 10), no entanto, propõe uma derivação distinta e mostra a sua preferência
pelo sistema da coluna toscano em relação ao dórico.
1246
O capitel itálico é utilizado na fachada do templo Malatestiano em Rimini.
1247
O termo ansarum, significa ansas ou asas, a que correspondem dois caulículos no
capitel coríntio. Cada par destas asas deu origem a uma voluta pendente no capitel
itálico.
1248
Bluteau ( 1712-1728) elucida que as volutas representam cascas de árvores retorcidas e
enroscadas em linhas espirais, e a sua designação deriva do latim volvere, com o signi-
ficado de rodear, torcer, enroscar.

447
Livro Sétimo

Foi assim que instituíram colunas que contribuíssem para a elegância da


obra. Aos capitéis dóricos disseram que eram devidas colunas cuja espessura
inferior, tomada sete vezes, fosse igual ao seu comprimento que vai do cimo
até à base; nos capitéis jónicos quiseram que a espessura inferior tomasse a
nona parte do seu comprimento; ao passo que, sob os capitéis coríntios,
colocaram uma coluna com o comprimento igual a oito vezes a sua espes-
sura.
Sob todas as colunas consideraram que deviam ser colocadas bases,
iguais entre si em altura mas diferentes nos delineamentos. Que mais direi?
Os Antigos divergiram entre si em quase todos os delineamentos das partes;
mas convergiram em grande parte quanto à teoria das colunas. Na verdade,
tanto os Jónios, como os Coríntios, como os Dórios aprovaram os delinea-
mentos da coluna, dos quais falámos no livro anterior 1249 ; e também estive-
ram de acordo em imitar a natureza, de modo a considerarem que os fustes
das colunas deviam ser mais delgados no cimo do que na base 1250 • Alguns
disseram que as colunas deviam ser na base um quarto mais grossas do que
no cimo; outros, porque entendiam que as coisas vistas de longe parecem
tanto mais pequenas quanto mais afastadas estão do olhar, muito sabiamente
consideraram, por isso, que as colunas mais compridas deviam ser menos
delgadas no cimo do que eram as colunas mais curtas; e, acerca disso, assim
instituíram:
A espessura inferior da coluna, quando esta atingir quinze pés de com-
primento 1251 , deve ser dividida em seis partes e, rejeitada uma dessas partes,
as restantes cinco devem ser atribuídas à espessura superior. Os Antigos con-
sideraram que uma coluna de quinze a vinte pés deve ser aparelhada de tal
maneira que, de treze partes do pé do fuste, onze sejam dadas à extremidade
superior; as colunas de vinte a trinta pés devem ter sete partes em baixo,
seis em cima; daí até quarenta pés, de quinze partes da espessura inferior da
coluna, serão atribuídas treze à espessura superior e as duas restantes serão
desprezadas; finalmente, até cinquenta pés, a coluna deverá ter de espessura
junto da base oito pés, e no cimo sete 1252 • A partir daí, esta dedução deve ser

1249
Ver Livro VI, cap. 13.
1250
O diâmetro inferior e superior da coluna designa-se, respectivamente, de imoscapo (imo
scapus) e de sumoscapo (summo scapus).
125 1
Equivalente a 4,44 m.
1252
As proporções entre a espessura superior e a inferior da coluna, em relação à sua altura,
mostra uma afiliação a escalas expressas por números inteiros, ao contrário de Vitrúvio
(III, 3, 12) que, para colunas até 20 pés de altura, propõe uma ratio de 5 1/ 2 I 6 1/z, equi-
valente à proporção de 11113 sugerida por Alberti, enquanto para colunas até 40 pés de

448
O Ornamento de Edificios Sagrados

calculada de tal forma que quanto mais alta for a extremidade superior da
coluna, tanto mais grossa fique 1253 •
Por conseguinte, nestes aspectos todas as colunas são coincidentes. Mas
nós, observando as dimensões dos edificios, descobriremos que os nossos
Latinos não respeitaram absolutamente estas medidas.

CAPÍTULO VII

Retomarei, pois, acerca dos delineamentos das colunas, quase o mesmo


que expusemos no livro anterior 125\ não sob a mesma perspectiva, mas de
forma igualmente útil 1255 • Das colunas que os Antigos usaram habitualmente
nos edificios públicos, tomarei uma de dimensões intermédias entre as maio-
res e as mais pequenas: fixo essas dimensões em trinta pés. Nesta coluna
divides o maior diâmetro da planta em nove partes iguais, das quais darás
oito partes ao maior diâmetro do ressalto superior. Assim, a proporção des-
ses diâmetros será de nove para oito, à qual se chama proporção sesquioi-
tava 1256 ; usarei da mesma proporção de modo a que em baixo o diâmetro da
reentrância inferior esteja para o diâmetro da planta: nove partes da planta
para oito da reentrância. Farei ainda o maior diâmetro do ressalto superior
proporcional à reentrância superior, numa proporção sesquisétima 1257 •

altura aquele advoga uma ratio de 6 1/ 2 I 7 112 , que corresponde à proporção de 13/15
admitida por este último autor.
1253
Para respeitar as regras de correcção óptica, como pode ser verificado em Vitrúvio (III,
3, 11; IV, 4, 2), na medida em que as rationes aumentam, progressivamente, de 5/6
para alturas de colunas até 15 pés, até ao limite de 7/8 para colunas até 50 pés de
altura. Assim, à medida que a altura das colunas aumenta, também a relação entre o
sumoscapo e o imoescapo também se amplia, compensando o efeito de profundidade
"pois estes cálculos são aplicados nas espessuras por causa da visão ocular subindo em
altura" (Vitrúvio, III, 3, 13).
1254
Ver Livro VI, cap. 13.
1255
A descrição das proporções das partes que constituem o sistema da coluna pode ser
obtida por meio de operações exclusivamente geométricas, como mostrou March (1999,
pp. 259-270) ao analisar o sistema proporcional do templo Malatestiano, em Rimini, não
sendo, por isso, necessária a manipulação de fracções numéricas nem o conhecimento
do ponto decimal, introduzido inicialmente por Simon Stevin em 1585, mas que
somente foi plenamente aceite, a partir de 1691, após o estabelecimento da notação sim-
plificada de Modema (cf. Dantzig, 1970, p. 223).
1256
Ver Livro IX, cap. 5.
1257
Proporção de oito para sete.

449
Livro Sétimo

•,

.A.

Base dórica: A plinto, B toro, D filetes, com escócia intercalar.

Passo aos delineamentos das partes em que há diferenças. As partes das


bases são as seguintes: o plinto, os toros, as escócias. O plinto é uma parte
quadrangular colocada na extremidade inferior; dou-lhe a designação de
latastrum 1258 , porque se prolonga em todos os lados com a mesma largura.
Os toros são os colarinhos grossos da base, um dos quais sustenta a coluna,
e o outro assenta no plinto. A escócia é uma reentrância, a toda a volta, que
é comprimida entre os toros como numa roldana 1259 •
Todo o cálculo das medidas foi deduzido a partir do diâmetro da extre-
midade inferior da coluna; e foram os Dórios que, no princípio, assim as
instituíram. Com efeito, deram à altura da base metade do diâmetro da
extremidade inferior da coluna; nessa base quiseram que todos os lados do
plinto tivessem de largura a medida do diâmetro completo da extremidade
inferior da coluna e mais uma parte do mesmo diâmetro, não superior a
metade, nem inferior a um terço. Dividiram a altura da base em três partes,
das quais atribuíram uma parte à altura do plinto. A altura total da base era,
pois, o triplo da altura do plinto, e a largura do plinto era também o triplo
da altura da base. Excluído o plinto, dividiram o que restava da altura na
base em quatro partes, das quais destinaram a de cima ao toro superior.
A altura que fica no meio, entre o toro por cima e o plinto por baixo, divi-

1258
Latastrum deriva de latus, que tem o significado, em sentido tisico, de largo, extenso,
vasto, com struere que significa construir, levantar, erigir. É transposto para vernáculo
como plinto (cf. Vitrúvio, III, 3; 2-7; III, 4, 5; III, 5, 1-2), de uso corrente, para signi-
ficar a base sobre a qual assenta a coluna. Cf. Portoghesi, 1966, pp. 568-569, n. I.
1259
A base dórica de Alberti corresponde, nas suas proporções globais, à base ática de Vitrú-
vio (III, 5, 2), mas este não especifica a altura do plinto, nem a dos filetes da escócia.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 570, n. 1.

450
O Ornamento de Edificios Sagrados

diram-na ainda em duas partes, das quais atribuíram a inferior ao toro infe-
rior e vazaram a superior para a escócia que está comprimida entre ambos
os toros. A escócia consta de um canal vazado e de dois filetes que rodeiam
os bordos do canal. Ao filete deram a sétima parte e vazaram o resto.

Base jón ica.

Dissemos que, em toda a construção, se deve velar para que assente em


base consistente tudo aquilo que se coloca por cima 1260 • Não será consistente
se o fio-de-prumo, caindo da base de uma pedra colocada por cima, encon-
trar debaixo de si ar e espaço vazio. Por isso, ao vazarem os canais das
escócias, tomavam precauções para que, ao fazê-lo, não atingissem as linhas
verticais das partes que deviam ser construídas por cima. Os toros sobres-
saíam metade da sua altura e mais um oitavo: além disso o círculo maior do
toro mais largo correspondia, na vertical, à linha exterior na base do plinto.
Isto os Dóricos.
Os Jónios aprovaram a altura da base dórica, mas duplicaram as escó-
cias e acrescentaram dois anéis intermédios entre elas. Assim, fizeram bases
com a altura do semidiâmetro da extremidade inferior da coluna e dividiram
essa altura em quatro partes, atribuindo uma delas à altura do plinto e dando
onze à largura do plinto. A altura total da base tinha, pois, quatro partes, e
a largura onze. Uma vez traçada a base, dividiram o resto da altura em sete
partes e deram duas delas à altura do toro inferior; e dividiram ainda a
altura que restava além do toro e do plinto, em três partes, das quais atri-

1260 Ver Livro III, cap. 11.

451
Livro Sétimo

buíram a de cima ao toro superior, as duas do meio às duas escócias e aos


anéis que estão comprimidos entre os dois toros.
A medida das escócias e dos anéis era a seguinte. Dividiram o espaço
entre os toros em sete partes, dando uma a cada anel e destinando as res-
tantes a porções da escócia iguais entre si. Nos toros observaram os mesmos
ressaltos que os Dórios; ao fazer a cavidade das escócias tiveram o cuídado
de não atingir as linhas verticais das partes colocadas por cima. Mas fizeram
os filetes com um oitavo das respectivas escócias.
Outros encontraram a seguinte solução: excluído o plinto, a altura da
base devia ser dividida em dezasseis partes, a que chamamos módulos; qua-
tro deviam ser atribuídos ao toro inferior, três ao toro superior, três e meio
à escócia inferior, três e meio também à superior, e dois módulos intermé-
dios aos anéis. Isto, pois, os Jónios.
Por seu lado os Coríntios aprovaram a base jónica e igualmente a
dórica, usando ora uma ora outra; mas nada acrescentaram ao sistema de
colunas, à excepção do capitel. Refere-se que os Etruscos puseram nas bases
não um plinto quadrangular, mas sim redondo. Em parte nenhuma encontrá-
mos nas obras dos Antigos esse género de base; mas notámos o seguinte:
que, nos templos circulares, os Antigos costumavam colocar no pórtico, em
toda a extensão que rodeava esse templo, bases com um plinto corrido 126 1,
de modo a haver um soco contínuo, como que sujeito a todas as colunas,
com a mesma altura que era devida aos plintos. Creio que o fizeram por
considerarem que as formas quadrangulares não ligam bem com as circula-
res. Também vimos que alguns dirigiram as linhas dos ábacos para o centro
do templo; aos que fizeram o mesmo nas bases, talvez não os censures, mas
não hão-de merecer aprovação suficiente 1262 •
Mas, com a graça de Deus, agradará intercalar aqui umas poucas coisas. As
molduras do ornato são estas: a faixa, o ressalto, a rudentura, o cordão, o
caveto, a gola, a onda 1263 • Toda a moldura é um delineamento que sobressai

1261
Ver Livro lll, cap. 2; Livro Vlll, cap. 3.
1262
Este desenho das linhas dos ábacos, que se verifica em templos com planta circular,
como sucede com o templo de Vesta em Tivoli, não é compatível com uma geometria
quadrangular na base das colunas, o que sugere a adopção de um purismo geométrico
na sua composição.
1263
A terminologia das molduras apresenta acentuada variabilidade relativamente às deriva-
das, em vernáculo, a partir de Vitrúvio. Estas baseiam-se, em grande parte, na termino-
logia grega, rejeitada por Alberti, que reinventa novos termos em latim. Assim, o
degrau, o equíno, o canalículo, a gola reversa e a gola direita, apresentam, de acordo
com Alberti, respectivamente as seguintes designações: o ressalto (gradus), a rudentura
(rudens), o caveto (canaliculus) , a gola (gulula) e a onda (undula) .

452
O Ornamento de Edificios Sagrados

e forma uma saliência; mas isso segundo linhas diferentes. Com efeito, o
delineamento da faixa imita a letra L; a faixa é o mesmo que o filete, mas
mais larga. O ressalto é uma faixa muito saliente. Hesitei se não devia
chamar hera à rudentura: na verdade adere à medida que se estende; e
o delineamento da sua saliência é como a letra C ligada a seguir à letra
L assim Z. E o cordão é uma rudentura reduzida. Esta letra C, quando se
liga em posição invertida à letra L, assim ~, formará um caveto. Mas se se
ligar um S a seguir à letra L, assim ~' chama-se gola: pois imita a gola
de um homem. Se, porém, a seguir à letra L se acrescenta um S deitado e
em posição invertida, assim ~' chamar-se-á onda, devido à semelhança da
inflexão 1264 •
Estas molduras podem ainda ser simples ou esculpidas nos intervalos.
Na faixa esculpem-se conchas, volutas e mesmo inscrições; no ressalto, den-
tículos, cuja norma é que tenham de largura metade da altura e que o inter-
valo vazio entre os dentículos meça dois terços da sua largura. Faz-se a
rudentura com óvulos ou reveste-se às vezes de folhagem; e uns usaram
óvulos inteiros, outros truncados na parte superior. No cordão fazem-se con-
tas como que ligadas por um fio. A gola e a onda não se cobrem senão com
folhas. O filete em toda a parte fica sempre sem ornamento.
Na junção das molduras, a norma é que as que estão por cima sejam
mais salientes do que as de baixo 1265• Os filetes separam as molduras umas
das outras; servem eles de moldura ao cimácio (cimácio é o delineamento
superior de qualquer moldura); além disso, têm a função de evidenciar, com
a sua superficie lisa, os relevos das partes esculpidas. Têm de largo um
sexto da moldura a que se juntam, quer sejam dentículos, quer óvulos; nas
golas fazem-se com a largura de um terço.

CAPÍTULO VIII

Volto agora aos capitéis. Os Dórios fizeram o capitel com a mesma


altura da base e dividiram toda essa altura em três partes: deram a primeira

1264
Esta transformação de uma escrita alfabética numa pictográfica, no âmbito de uma cul-
tura textual ainda manuscrita, sugere que Alberti se recusa a apresentar desenhos para
ilustrar o tratado.
1265
Para rematar claramente as fachadas (fin itio) e proteger os paramentos exteriores da
chuva (necessitas) .

453
Livro Sétimo

ao ábaco 1266 ; a segunda ocupou-a a taça 1267 ; ao colar do capitel, que fica sob
a taça, foi destinada a terceira parte.
O ábaco tinha de largura em todos os lados um diâmetro completo e
mais um sexto do raio da extremidade inferior da coluna. São estas as par-
tes do ábaco: o cimácio e o plinto; aqui o cimácio é uma gola: esta mede
dois quintos do ábaco. O rebordo da taça passava pelas linhas exteriores do
ábaco. A fim de ornamentarem a taça, uns rodeavam a parte inferior dela
com três pequenos anéis, outros com uma gola; este ornamento não ocupava
mais que um terço da taça. O diâmetro do colar, isto é, a parte inferior do
capitel - norma observada em todos os capitéis - não excedia o da coluna.
Uns, como inferimos dos delineamentos dos edificios, fizeram o capitel
dórico com a altura da metade e até de um quarto do diâmetro da extremi-
dade inferior da coluna, e dividiram a totalidade da altura do capitel em
onze partes, das quais atribuíram quatro ao ábaco, quatro à taça e três ao
colar; seguidamente dividiram o ábaco em duas partes iguais, das quais a
superior era a gola, a inferior a faixa; e dividiram ainda a taça em duas par-
tes iguais, das quais destinaram a inferior quer aos anéis, quer à gola que
cinge a taça por baixo. Ao colar afixaram rosas, e outros, folhas em
relevo 1268 • Isto os dórios.
Faremos assim um capitel jónico. A totalidade da altura do capitel será
igual ao raio da extremidade inferior do fuste da coluna. Divide essa altura
do capitel em dezanove módulos. Darás, pois, três módulos ao ábaco, quatro
ao córtex 1269 , seis à taça; os seis inferiores que restam, deixa-os para as
volutas que o córtex forma, caindo de ambos os lados. A largura do ábaco
em qualquer dos lados será igual ao diâmetro do sumoscapo da sua coluna.

1266
Operculum significa, em latim clássico, tampa ou cobertura (cf. Cic. , N. D., II, 136;
Cat., 10, 4; Var., L. , V, 167); Vitrúvio (III, 5, 3) designa a parte superior do capitel
jónico de abacus (ábaco), com a forma de um dado, onde se apoia a arquitrave. Na
ordem dórica Vitrúvio (IV, 3, 3) chama plinthum (plinto) a este dado.
1267
O termo lanx, provavelmente derivado da terminologia de Virgílio (A., VIII, 284) com
o significado de taça (sagrada) é aceite, mas recusado o equivalente de Vitrúvio (X,
3, 4), que utiliza o diminutivo /ancula na acepção de prato único da balança romana.
1268
Este capitel foi adoptado nas pilastras do primeiro piso do palácio Rucellai em Flo-
rença, considerado por Fréart de Chambray (1650, p. 28) como sendo pouco clássico.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 577, n. 3.
1269
De acordo com a relação edificio-corpo, Alberti refere-se a cortex, que apresenta o
significado de camada mais externa de órgãos animais, que apresentam uma organiza-
ção aproximadamente concêntrica.

454
O Ornamento de Edificios Sagrados

A largura do córtex, que vai da fronte ao occipício 1270 do capitel, será igual
à do ábaco. O comprimento do córtex prolongar-se-á para os lados e ficará
suspenso, enrolando-se em caracol. O umbigo do caracol 1271 que fica à
direita distará do correspondente umbigo da esquerda vinte e dois módulos,
e distará doze módulos da última linha superior do ábaco.

À Esquerda: Capitel jónico - de frente, de perfil e em planta.


À Direita: Capitel dórico - duas variantes.

Traça o caracol da maneira seguinte. Descreve um círculo pequeno no


ponto central do umbigo, cujo raio ocupe um módulo: na volta superior
marca um ponto e do outro lado marca igualmente outro ponto, por baixo,

1270
Occiput (occipício) corresponde à parte póstero-inferior do capitel; apresenta um signi-
ficado semelhante ao occipital da cabeça.
1271
Umbilicus cocleae significa o centro (olho) da espiral. Bluteau ( 1712-28), no verbete
voluta, elucida que "leaõ Bautista Alberto chama às volutas conchas, pela semelhança
que tem com a do caracol".

455
Livro Sétimo

na volta inferior. Então, coloca nesse ponto superior a haste fixa do com-
passo e desloca a haste mó~el a- partir da linha que divide o ábaco do cór-
tex; e desce inclinando-a para a parte exterior do capitel até que faça um
semicírculo completo e fique no lado oposto debaixo do centro do círculo
pequeno. Aí, fecha o compasso e coloca a haste fixa, por baixo, naquele
ponto inferior do círculo pequeno, e desloca a haste móvel a partir da espi-
ral iniciada até aqui descrita, e sobe para dentro até atingires o rebordo
superior da taça: assim, com dois semicírculos desiguais terás executado
uma espiral completa 1272 • A seguir retoma o mesmo género de traçado e liga

Capitel coríntio: secção e planta.

1272
A construção geométrica da espiral desta voluta é simplificada por Alberti, dado que
fixa os centros dos semicírculos que a compõem em dois pontos (o superior e o infe-
rior) do umbigo do caracol, enquanto Vitrúvio (III, 5, 5-8) descreve-a por quartos de
círculo com centros variáveis.

456
O Ornamento de Edificios Sagrados

o caracol, isto é, a curvatura da linha traçada, ao olho, ou seja, ao círculo


pequeno.
O rebordo 1273 da taça expandir-se-á de tal maneira que, nos dois lados
da fronte do capitel, sobressaia fora do córtex dois módulos; o fundo da
taça, porém, será igual ao diâmetro da extremidade superior da coluna. As
contracturas das volutas, que nos lados do capitel unem as volutas anteriores
às posteriores, serão de dimensões reduzidas até ao limite da altura da taça
e mais um módulo. Ao ábaco juntar-se-á como ornamento um cimácio de
uma gola com um só módulo. Na espessura do córtex será aberto um canal
com a profundidade de meio módulo. A largura do filete junto do canal será
de um quarto do módulo. No meio da fronte do capitel esculpir-se-ão, no
canal, folhagens e frutos. As partes da taça que sobressaem nas frontes do
capitel, são talhadas com óvulos e sob os óvulos dispõem-se pérolas. As

Capitel coríntio.

1273
Alberti utiliza o termo labrum que, em consonância com a relação edifício-corpo, signi-
fica lábio.

457
Livro Sétimo

contracturas dos lados entre as volutas revestem-se de escamas ou de folha-


gem. Tal é, pois, o capitel jónico.
Nos capitéis coríntios, a sua altura ocupa dois raios da extremidade
inferior da coluna. Toda essa altura é dividida em sete módulos. A espessura
do ábaco toma um módulo, o vaso ocupa os restantes; o diâmetro do
fundo 1274 é igual ao da coluna na extremidade superior, excluídas as saliên-
cias; o seu rebordo superior é igual à dimensão do diâmetro inferior da
coluna 1275 •
A largura do ábaco preenche dez módulos; mas as diagonais cruzam-se
a um módulo e meio de cada lado. Os ábacos dos outros capitéis são for-
mados por linhas rectas; os ábacos dos capitéis coríntios inflectem para den-
tro até que as inflexões distem entre si a medida do diâmetro do fundo do
vaso. O cimácio do ábaco terá um terço da altura deste; os seus delinea-
mentos serão como aqueles que usamos nos sumoscapos das colunas.
Um filete e um cordão. revestem o vaso, e entre ambos brotam duas
séries de folhas; a cada série são atribuídas oito folhas. O comprimento das
folhas da primeira série é de dois módulos; as da segunda série elevam-se
igualmente à altura de dois módulos; os restantes módulos são atribuídos aos
caulículos que emergem das folhas e sobem até à altura do vaso. Os caulí-
culos são em número de dezasseis: quatro deles entrelaçam-se em cada face
do capitel, dois do lado direito ligados num único laço, dois do lado
esquerdo ligados em outro laço, estendendo-se de tal maneira que os das
pontas ficam pendentes por baixo dos ângulos do ábaco imitando um cara-
col, ao passo que os do meio, no centro da fronte do capitel, se ligam uns
aos outros pelas extremidades superiores, enrolando-se também em espiral.
Por cima dos caulículos do meio, emerge do vaso uma flor conspícua, não
excedendo a espessura do ábaco. A espessura do rebordo do vaso aparece
em toda a volta onde os caulículos a não encobrem; esse elemento mede um
módulo. As espirais das folhas são divididas em cinco dedos ou, se aprou-
ver, em sete. As extremidades das folhas caem meio módulo para diante.
Tanto nas folhas deste género de capitéis como em todo o relevo é belíssimo
que os traçados dos delineamentos sejam talhados com profundidade. Deste
género são, pois, os capitéis coríntios.

1274
Do vaso.
1275
A descrição do capitel coríntio segue, de forma mais clara mas não coincidente, a apre-
sentada por Vitrúvio (IV, l, 8-12). Veja-se, nesta edição, a Introdução - A Recepção Da
Arte Edificatória.

458
O Ornamento de Edificios Sagrados

Os Itálicos juntaram aos seus todos os ornamentos que encontraram nos


outros capitéis 1276 ; com efeito, têm o mesmo estilo de vaso, de ábaco, de
folhas e de flor, que os Coríntios; mas, em vez de caulículos, possuem asas
salientes por baixo dos quatro ângulos do ábaco, as quais preenchem dois
módulos inteiros. A fronte do capitel, que sem isso seria nua, tomou os
ornamentos dos capitéis jónicos: com efeito, o caveto desagua nas volutas
das ansas e, à semelhança da taça, tem o rebordo do vaso ornamentado com
óvulos. Tem também pérolas espalhadas por baixo 1277 •

Capitel itálico (compósito) .

1276
Luca Pacioli (1978, pp. 122-123), na obra De divina proportione [Tratatto deli' Archi-
tettura], exprimiu o seu desagrado por Alberti ter dado o nome de itálico ao capitel que
é, normalmente, conhecido por compósito: "El nostro Leon Batista in quelli tali luoghi
dici italico more, chiamandole italiche e per verun modo li dici tuscane, che certo non
fia senza grandissima ammirazione, conciosiaché sempre da quella !ui e suoi sempre ne
sono stati onorati. Pero diro con !'apostolo: laudo vos sed in hoc non laudo [Hei-de
louvar-vos, mas nisto não vos louvo, cf. I Cor II: 22]".
1277
O capitel itálico ou compósito proposto por Alberti resulta do estudo das ruínas de
Roma, como sugere o comentário: "não encontrámos estas coisas nos escritos dos Anti-
gos, mas com diligência e estudo tomámos nota delas a partir das construções dos
melhores arquitectos" (Livro VI, cap. 13).

459
Livro Sétimo

Além dos referidos, há muitos capitéis compostos com os mesmos deli-


neamentos, acrescentando umas partes ou eliminando outras. Mas os enten-
didos não os aprovam 1278 •

cc
R'

"""'
~jl
~
J I [

~
J
Jl

~ ?"il

Capitel compósito: secção e planta.

Até aqui, os capitéis; a não ser que falte acrescentar que era costume
estender, sobre o ábaco do capitel, outro ábaco quadrangular mais pequeno e
oculto na obra, a fim de que o capitel parecesse que respirava e que não
estava esmagado sob o peso da arquitrave, e para que, durante a construção,
corressem menos perigo as partes da obra mais graciosas e mais franzinas 1279 •

1278
De acordo com Portoghesi (1966, p. 587, n. 2) este passo é uma autocrítica aos capi-
téis compósitos do templo Malatestiano em Rimini.
1279
Esta referência evidencia a mestria de Alberti ao unificar a prática com a teoria edifi-
catória, na medida em que cruza a evanescência de uma experiência sensível ("a fim de
que o capitel parecesse que respirava"), com um sentimento de perenidade ("há muitos
capitéis compostos com os mesmos delineamentos").

460
O Ornamento de Edificios Sagrados

CAPÍTULO IX

Colocados os capitéis, assenta-se neles a arquitrave 1280 , na arquitrave as


traves e as tábuas, e outros elementos do mesmo género que digam respeito
à construção da cobertura. Em todos estes elementos, tanto os outros como
os Jónios divergem muito dos Dórios, embora em alguns haja convergência.
Com efeito, aparelham a arquitrave de tal forma que querem que a largura
inferior não exceda o diâmetro superior da coluna, ao passo que fazem a lar-
gura superior da arquitrave com a mesma dimensão do diâmetro inferior da
coluna.
Chamamos cornijas àquelas partes superiores que são salientes por cima
das traves 1281• Nestas observaram também o que dissemos ser necessário em
todas as saliências 1282 : que quanta fosse a sua altura, tanta seria a saliência
em relação ao muro; e tiveram o cuidado de colocar as cornijas com a incli-
nação de uma décima parte; isso porque tinham descoberto que essas partes
pareciam inclinadas para trás, quando se colocavam em posição plana 1283 •
Aqui de novo peço aos que copiarem este texto, e peço-lhes uma e
outra vez, que refiram os números, que forem utilizados, não pelos seus sím-
bolos, mas pelas suas palavras completas, para que não sejam deturpados
pelos erros.
Os Dórios fizeram, pois, a arquitrave com uma espessura não inferior
ao raio da extremidade inferior da coluna. Na arquitrave existem três faixas,
e por debaixo da primeira faixa superior dispunham-se algumas réguas

1280
Enquanto Alberti utiliza o tenno trabs, que significa "trave", Vitrúvio (II, 8, 9) usa o de
epystilium, com o significado de "o que se coloca sobre a coluna". De acordo com
Rykwert et a/ii (1988, p. 393 , n. 88), o tenno arquitrave, ou trave principal, somente
entrou no vocabulário arquitectónico no De partibus aedium, lexicon utilissimum, de
Francesco Maria Grapaldi, publicado primeiramente em Panna em 1494.
1281
O tenno entablamento, introduzido em vernáculo a partir do francês, entablement, é
designado por Alberti como trabeatio, totius coronices ou contignatio (para aludir ao
material lenhoso que está na origem do sistema da coluna) ou, ainda, como somatório
das três partes que o compõem, isto é, da trabs (arquitrave), bem como da fascia, fas-
cia regia ou tignum (faixa, friso ou tábua) e, por último, da carona (comija).
1282
Ver Livro VII, cap. 7.
1283
Vitrúvio (III, 5, 9), ao referir-se às compensações ópticas, reporta uma problemática
semelhante: "com efeito, quanto mais alto sobe a visão do olho, menos perfeitamente
ela corta a espessura do ar: perdida assim a acuidade através do espaço vertical e pri-
vada de forças , reenvia aos sentidos uma incerta quantificação de módulos".

461
Livro Sétimo

pequenas cravadas, de cada uma das quais pendiam seis cavilhas espetadas
na parte inferior, a fim de fixarem as traves, cujas extremidades ressaltam do
muro ao nível das réguas: isso para que as traves não recuassem para den-
tro. Dividiram a altura total da arquitrave em doze módulos, pelos quais
módulos são calculadas as medidas das molduras que se seguem. À primeira

~~~·i I I I I 1rn

Entablamento dórico: secção e alçado.

faixa inferior atribuíram quatro módulos; à faixa mais próxima desta, que é
a do meio, atribuíram seis; para a superior restaram dois módulos. E dos
seis módulos da faixa do meio, o módulo superior foi dado às réguas e
outro às cavilhas pendentes por baixo delas. O comprimento das réguas era
de doze módulos.

462
O Ornamento de Edificios Sagrados

Os espaços que ficaram livres entre as extremidades das réguas mediam


dezoito módulos.
Nas arquitraves assentam as traves, cujas extremidades, cortadas em
ângulo recto, sobressaem meio módulo do lado de fora. A largura das traves
será igual à altura da arquitrave, mas à altura acrescenta metade da sua lar-
gura, o que faz com que chegue aos dezoito módulos. Ao longo da altura da
fronte das traves marcam-se com o prumo três sulcos rectilíneos, equidistan-
tes entre si, abrindo-os em esquadria, até atingirem um módulo na aber-
tura 1284 • De ambos os lados, porém, desbasta-se a linha dos bordos até ter de
fundo meio módulo. Quando a obra é elegante, enchem-se os espaços livres
entre as traves com painéis tão largos como altos; e colocam as traves de
modo a assentarem perpendicularmente na solidez da coluna própria. As
extremidades das colunas são meio módulo salientes em relação aos painéis.
As perpendiculares dos painéis condizem com a faixa inferior da arquitrave
colocada por baixo. Nestes painéis esculpem-se cabeças de vitelos, pratos,
ou rosetas e elementos do mesmo género. Nas traves e nos painéis, em vez
de cimácio, coloca-se em cada um a correspondente faixa, com a largura de
dois módulos.
Feito isto, acrescenta-se em cima um plúteo 1285 com a espessura de dois
módulos; os seus delineamentos são um caveto. Sobre o plúteo - é essa a
minha interpretação - estende-se um pavimento com a espessura de três
módulos. Os seus ornamentos são - se não erro - traçados à imitação dos
seixos que, nos pavimentos, emergem da massa de cimento. Sobre isso colo-
cam mútulos com a mesma largura das traves e com a mesma espessura do
pavimento; e dispõem-se de tal modo que a cada um corresponde por baixo
uma trave; e prolongam-se até terem seis módulos de saliência; as suas fron-
tes devem ser cortadas a prumo. Nos mútulos aplica-se um cimácio de gola
com três quartos de módulo. Nos espaços, que vistos de baixo parecem sus-
pensos entre os mútulos, esculpem-se rosetas e acantos.
Em cima dos mútulos coloca-se a comija da obra e ocupa quatro módu-
los. A comija é formada por uma faixa e um cimácio de gola. A gola ocupa
um módulo e meio. Se nesse lugar deve ser colocado um frontão na obra,

1284
Alberti apresenta a formação das frontes das traves e dos painéis, designados na termi-
nologia vitruviana por tríglifos e métopas, mas não se refere à dificuldade de os dispor,
no sistema dórico, numa situação angular, resolvida por Vitrúvio (IV, 3, 5), com a colo-
cação de "meias métopas com uma largura equivalente a meio módulo". Cf. Portoghesi,
1966, pp. 590-1 , n. 6.
1285
Pluteus apresenta, para Vitrúvio (IV, 1, 1; V, 1, 5 e 10: 6, 7: 10, 4), o significado de
balaustrada ou murete e, para Alberti, o de pequena faixa.

463
Livro Sétimo

todas as cornijas devem ser retornadas no próprio frontão e em cada urna


delas será ajustada, segundo ângulos pré-definidos, cada urna das partes do
mesmo género, de maneira que correspondam exactamente na perpendicular
e as linhas de urnas confinem com as das outras. O frontão e as primeiras
cornijas diferem no seguinte: no frontão coloca-se urna goteira em algum
sítio no lugar mais alto - trata-se de facto de um cirnácio de onda, nos tem-
plos dóricos com a espessura de quatro módulos - , ao passo que nas corni-
jas que hão-de ter frontão não se coloca goteira, mas sim naquelas que não
hão-de ter frontão. Mas dos frontões trataremos mais tarde. Isto, pois, os
Dórios.
Os Jónios estabeleceram sabiamente que se devia implantar urna arqui-
trave mais grossa sobre colunas mais altas; o que se observará não sem ade-
quação também nos templos dóricos. Por tal motivo, propuseram as seguin-
tes definições: quando a coluna chegar até aos vinte pés 1286 de altura, a
arquitrave terá urna de treze partes da coluna; se, porém, chegar aos vinte e
cinco então a espessura da arquitrave terá a duodécirna parte do compri-
mento da coluna; se, finalmente, o comprimento da coluna cheg&r aos trinta
pés, dê-se à arquitrave a décima parte desse comprimento. Finalmente, daí
em diante seguir-se-á a mesma progressão 1287 •
A arquitrave jónica consta de três faixas, além do cirnácio. Dividiram-
-na em nove partes; destas deram ao cirnácio duas partes - o delineamento
do cirnácio era urna gola - ; dividiram de novo o espaço que ficava abaixo
do cirnácio em doze módulos, dos quais deram três à faixa inferior, quatro à
do meio, e atribuíram os restantes cinco módulos à faixa superior que fica
imediatamente sob o cirnácio. Houve quem não atribuísse cirnácio às faixas,
e houve quem atribuísse; destes, alguns colocaram urna gola com um quinto
da sua faixa, outros um cordão com um sétimo. Nas obras dos Antigos
encontrarás, além disso, delineamentos transpostos ou compostos de vários
estilos de obras, que não deves condenar inteiramente 1288 ; mas, de entre
todas, parece terem aprovado maximamente a arquitrave em que não existem
mais que duas faixas; a qual eu julgo ser dórica, tirando as réguas e as cavi-
lhas. Assim a executaram. Dividiram a altura total em nove módulos, dos
quais deram ao cirnácio um módulo e dois terços; a seguir deram à faixa do
meio três módulos e o terço do outro módulo; à faixa inferior deram os dois

1286
Equivalente a 5,92 m.
1287
Veja-se Vitrúvio (lll, 5, 8) sobre a disposição dos epistílios.
1288
Vitrúvio (1, 2, 6) proíbe este tipo de recombinações na medida em que "o decoro
exprime-se segundo o costume".

464
O Ornamento de Edificios Sagrados

módulos restantes 1289 • O cimácio teve no topo, em metade do seu espaço, um


caveto com um filete, na outra uma rudentura. Aí, à faixa do meio foi dada,
como cimácio, um cordão, sob a rudentura, com um oitavo do total da faixa;
e à faixa inferior foi dado um cimácio de gola com um terço da sua altura.

Entablamento jónico: secção e alçado.

Sobre a arquitrave colocaram as traves ; mas as suas extremidades não


eram visíveis como nos templos dóricos; com efeito, cortaram-nas a prumo
pelo corpo da arquitrave e cobriram-nas com um painel contínuo, a que

1189
Para as arquitraves com duas faixas a soma dos módulos perfaz somente sete (septem)
e não nove (novem) módulos.

465
Livro Sétimo

chamo faixa régia 1290 . A largura deste painel tem a mesma medida que a
espessura da arquitrave que lhe fica por baixo. Aí costumavam esculpir
vasos e objectos necessários ao sacrificio, ou cabeças de bois dispostas a
intervalos; e dos cornos pendem réstias de frutos ou de produtos da terra.
Por cima desta faixa régia colocaram um cimácio de gola, o qual tinha de
altura não mais que quatro módulos e não menos que três.

Entablamento coríntio: secção e alçado.

1290
Também conhecida por friso.

466
O Ornamento de Edificios Sagrados

Por cima disso, colocaram ripas para o pavimento, salientes até fazerem
um ressalto com a espessura de quatro módulos. Nelas uns esculpiram den-
tículos à imitação das traves cortadas, outros deixaram-nas contíguas sem
nenhum entalhe a separá-las. Sobre as ripas colocaram algo como um pavi-
mento, ou uma base transversal, com a espessura de três módulos, da qual
saíam os mútulos, e ornamentaram esse espaço com óvulos e sobre isso
colocaram mútulos cobertos frontalmente e por baixo com faixas de painéis.
A altura da faixa que serve de fachada ocupa quatro módulos; a que cobre
o fundo dos . mútulos tem de largura seis módulos e meio. Para cima da
fachada dos mútulos vieram as telhas, com uma espessura de dois módulos;
o seu ornato é uma gola, ou uma rudentura. No topo, uma onda com três
módulos ou, onde aprouver, quatro. Sobre esta onda, tanto os Jónios como
os Dórios esculpiam cabeças de leões que vomitavam as águas recolhi-
das 1291 • Precaviam que a água que caía não molhasse quem entrava ou o
interior do templo; por isso, tapavam as bocas das cabeças que ficavam por
cima das entradas 1292 •
Os Coríntios nada acrescentaram às arquitraves e aos travejamentos,
excepto, se é certa a minha interpretação, o facto de porem mútulos não
cobertos nem cortados a prumo, como faziam os Dórios, mas lisos e traça-
dos segundo o delineamento de uma onda; e deviam distar entre si tanto
quanto se salientavam para fora da parede. No resto seguiram os Jónios. Até
aqui tratámos do sistema das colunas arquitravadas; do sistema das colunas
em arcadas diremos a seguir, quando tratarmos da basílica.
No respeitante a sistemas de colunas, há algumas coisas que não devem
passar despercebidas. Com efeito, foi descoberto que as colunas postas ao ar
livre parecem mais delgadas do que aquelas que se colocam em recinto
fechado; e quanto maior for o número das estrias, tanto mais grossas pare-
cem as colunas. Por tal motivo, aconselham o seguinte: faz as colunas angu-
lares mais grossas ou aumenta-lhes o número de estrias, porque, estando ao
ar livre, a sua circunferência se torna à vista mais delgada que as outras 1293 •

129 1
Referência às gárgulas da cobertura.
1292
Cf. Vitrúvio (III, 5, 15).
1293
Cf. Vitrúvio (III, 3, 11) também se refere às compensações ópticas destas colunas:
"E até as colunas angulares deverão ser executadas mais espessas a quinquagésima
parte do diâmetro modular, porque cortadas em volta pelo ar, parecem mais gráceis aos
que as contemplam. Pois o que falta aos olhos deverá ser contrabalançado pelo racio-
cínio".

467
Livro Sétimo

tn1llJlrh
r-·

~ 24
f\ 1\ lJ
1\ i\ 2%

1\ 1\1\ Zl

1\1\ I\ I\ 20

1\Í\ ~I\
~
\I\ 1\1\
1\f\ f\,\
1\1\ 1\:\ 1

1\~ I\ i\
\r\ 1\\
f\\ :\I\
i\I\ 1\1\1\
I\1\1\1\1\ 11
1\ i\1\i\1\ r-
10
[\ !\[\\1\ 9
1\ [\I\\ I\ 8
\ ,\i\,\1\ 7
\ \t\1\
'
- \ 1\\1\1\ ~

- 1\ \\f\1\ 4

- 1\ \1\f\1\
1\ \1\1\1\
J
1

\l\1\

w
I

~""' '-L-

Métodos utilizados para traçar as caneluras das colunas.

Mas as colunas estriam-se com caneluras traçadas em linha recta do


topo ao arranque ou com caneluras em tomo da coluna. Entre os Dórios as
caneluras eram vazadas em linha recta: os arquitectos chamaram estrias a
estas caneluras. Ainda entre os Dórios o número de estrias era de vinte;
entre os restantes, de vinte e cinco. Os restantes separavam as caneluras com

468
O Ornamento de Edificios Sagrados

um filete intercalado; e é feito com não mais que um terço, nem menos que
um quarto da abertura da canelura. E são vazadas segundo o delineamento
de um semicírculo. Por seu turno, os Dórios, eliminando o filete, traçam
estrias simples ou, às vezes, planas, ou antes vazam não mais que um quarto
do círculo e terminam em aresta as incisões contíguas 1294 • A grande maioria
enche com uma rudentura a terça parte das estrias que está na secção infe-
rior da coluna, para que esteja mais protegida do choque e dos maus tratos.
A estria que é traçada em linha recta ao longo do comprimento da coluna,
do topo ao arranque, faz com que a coluna pareça, a quem a vê, ser mais
grossa do que na realidade é.

Diversos intercolúnios dóricos 1295 •

1294
As caneluras sem filete entremeado designam-se de aresta viva e as com filete interca-
lado de aresta morta.
1295
Note-se que os desenhos dos intercolúnios da edição de Bartoli (1550) são apresentados
em diferentes escalas métricas.

469
Livro Sétimo

A estria que se enrola em tomo da coluna terá vanas formas; mas


quanto menos se desviar da linha vertical, tanto mais grossa parecerá a
coluna. As estrias, em geral, não davam mais de três voltas e, em parte
nenhuma, menos de uma volta inteira. Seja qual for a espécie de estria que
traçares, convém que ela se prolongue de alto a baixo em linha contínua e
paralela, para que as suas ranhuras se correspondam. A ponta do esquadro
fornecerá a medida da ranhura. Está nos matemáticos que as linhas traçadas,
de qualquer ponto situado na circunferência de um semicírculo, para as
extremidades do diâmetro formam nesse ponto um ângulo recto. Vazados,
pois, os lados das estrias, o sulco deve ser levado tão fundo até que o
ângulo do esquadro atinja livremente o limite. Contudo, uma vez estriadas
quaisquer extremidades de ambos os lados, deve-se deixar um intervalo con-
veniente com que se distingam os sulcos das estrias em relação aos filetes
próximos que cingem a coluna em volta. Acerca destes elementos, tratámos
até aqui.

••

Diversos intercolúnios jónicos.

470
O Ornamento de Edificios Sagrados

Contam que em Mênfis 1296 havia em redor do templo colossos 1297 de


doze côvados 1298 em vez de colunas 1299• Em outros lugares colocaram colu-
nas totalmente revestidas de gavinhas enroladas e repletas de pássaros e de
relevos. Mas para a majestade dos templos é mais conveniente uma coluna
limpa e simples.
Reúnem-se aqui algumas medidas que tomarão muito mais fácil o tra-
balho do artista ao dispor as colunas numa obra. Com efeito, considera-se o
número de colunas que haverá na obra e desse número deduz-se o sisterria
da sua colocação. Assim, nas obras dóricas, para começar por estas, se hou-
verem de ser quatro, dividir-se-á a frente da área em vinte e sete partes; se
houverem de ser seis, dividir-se-á em quarenta e uma partes; se forem oito,
dividir-se-á em cinquenta e seis. Destas partes dar-se-ão duas ao diâmetro de
cada coluna. Nas obras jónicas, porém, onde se devem colocar quatro colu-
nas, dividir-se-á a frente da área em onze partes e meia; onde se hão-:-de
colocar seis, dividir-se-á em dezoito partes; se se devem colocar oito colu-
nas, dividir-se-á em vinte e quatro partes e meia: dessas partes, dar-se-á uma
ao diâmetro da coluna 1300 •

CAPÍTULO X
Há quem aprove o pavimento e os espaços interiores do templo quando
se entra subindo algum degrau; e exigem que o lugar onde deve ser colo-
cado o altar do sacrifício seja geralmente mais elevado. Outros deixavam as
entradas e as passagens das celas laterais absolutamente abertas e completa-
mente desimpedidas, sem nenhuma parte do muro a pôr-se diante; outros
colocavam no meio .duas colunas, tirando as suas proporções das arquitraves
e dos ornamentos do pórtico do qual há pouco falámos; o resto do espaço

1296
Capital do antigo Egipto, localizada a 25 km a sul do Cairo, onde estava situado o tem-
plo de Hefesto, o deus do fogo na mitologia grega, identificado na religião egípcia
como Ptah, o deus criador, patrono dos artesãos, especialmente dos escultores.
1297
Estátuas de grandes dimensões .
1 29
~ Equivalente a 5,32 m.
1299
Cf. Hdt., II, 153.
1300
A modulação dos intercolúnios prescreve a dimensão local dos elementos arquitectóni-
cos de menores dimensões. Esta modulação, para Vitrúvio (I, 2, 2), corresponde à ordi-
natio (ordenação), uma das seis partes que constituem a arquitectura, i.e. à "justa pro-
porção na medida das parte.s da obra consideradas separadamente e, numa visão de
totalidade, a comparação proporcional tendo em vista a comensurabilidade".

471
Livro Sétimo

livre que aí havia sobre as cornijas, deixavam-no para colocar estátuas e


candelabros; outros impediam as passagens da abertura fazendo um muro
saliente de cada lado das capelas.
Quem pensa que se devem erguer muros grossíssimos do templo para
lhe conferir imponência, engana-se. Não verdade, quem não há-de censurar
um corpo cujos membros são mais volumosos do que basta? Acrescente-se
que se retira a vantagem da luz com a espessura das paredes laterais. No
panteão, um extraordinário arquitecto, necessitando de uma parede grossa,
usou apenas da ossatura, rejeitou os restantes complementos, e esses espa-
ços, que os imperitos teriam preenchido, ele ocupou-os com nichos e aber-
turas, e desse modo diminuiu a despesa, evitou o inconveniente das cargas e
conferiu elegância à obra 1301 •
O muro deve ter uma espessura em proporção com a coluna, de tal
modo que no muro a proporção da altura com a espessura seja a mesma que
nas colunas. Observei que, nos templos, os Antigos costumavam dividir a
frente da área em doze partes ou, quando quiseram que a obra fosse muito
robusta, em nove, e que dessas partes deram uma à espessura do muro.
Nos templos circulares, alguns tomaram três quartos do seu diâmetro, a
grande maioria dois terços, ninguém menos de metade e com essas medidas
erguiam o muro interior até à abóbada. Mas os mais peritos dividiram o perí-
metro dessa área circular em quatro partes e endireitaram uma dessas linhas
e ergueram o muro interior com esse comprimento, que correspondia a uma
proporção de onze para quatro 1302 • Isso foi imitado pela maioria em edifícios
quadrangulares, fossem templos ou quaisquer outras obras com abóbada.
Todavia, onde deve haver celas ao longo do muro de um e outro lado
da área, às vezes elevaram o muro com uma altura igual à largura da área,
porque assim a amplidão do espaço parecia mais larga ao olhar. Mas nos

130 1
No Panteão de Roma, nota Alberti, estão resolvidas simultaneamente as dimensões da
necessidade (diminuição das cargas e despesas), da comodidade (nichos e aberturas),
bem como da beleza (elegância).
1302
Possivelmente ocorreu um lapso, que Alberti queria a todo custo evitar (cf. Livro VII,
cap. 6), na transcrição da proporção II/4 (undecim ad quattuor) a partir do manuscrito
original, visto que a relação 1r d/4 (onde d representa o diâmetro da área circular)
é equivalente a cerca de 1I/I4 d (undecim ad quattuordecim). Comunicação do Prof.
Lionel March, Junho 20IO. Assinale-se que Arquimedes (II, 2-3) apresenta o primeiro
algoritmo para estimar, de forma aproximada, o valor de 1r e Luca Pacioli ( I99I, pp.
II3-II5) refere este resultado para estabelecer todos os géneros de colunas na medida
em que "a área de um círculo está para o quadrado do seu diâmetro como II para I4"
(cf. trad. ingl. de Berggren et a/ii, 2004, p. 9). Assim, nos templos circulares, a altura
do· muro interior até à abóbada, que correspondia à rectificação de um quarto de cir-
cunferência, era equivalente a 11114 d.

472
O Ornamento de Edificios Sagrados

templos circulares a altura interior do muro não será a mesma que a exte-
rior: com efeito, o fim da parte interior do muro proporcionará o arranque
da abóbada, ao passo que a parte exterior convém que se eleve até debaixo
da goteira. Portanto, esta parte ocupará um terço da altura da abóbada que
assenta nos muros, caso o tecto seja feito em degraus; se, pelo contrário, o
tecto for feito em linhas rectas e em duas águas, então o muro do lado de
fora ocupará metade da altura da abóbada. Nos templos será muitíssimo van-
tajoso um muro de tijolo, mas será decorado com ornatos de revestimento.
Sobre o ornamento dos muros dos edificios sagrados variaram as opi-
niões. Em Cízico 1303 , houve quem ornamentasse o muro de um santuário
com pedras polidas e distinguisse as juntas com ouro maciço. Na Élide, o
irmão de Fídias 1304 aplicou no templo de Minerva um revestimento de cal
amassada com açafrão e leite. Os reis do Egipto coroaram o túmulo de Osi-
mandias 1305 , no qual estavam sepultadas as concubinas de Júpiter, com um
círculo de ouro, que tinha de espessura um côvado e de perímetro trezentos
e sessenta e cinco côvados 1306 , onde foram esculpidos os dias do ano, um
por cada côvado.
Isto fizeram esses; outros, o contrário. Cícero, imitando Platão, conside-
rou que os seus concidadãos deviam ser admoestados pela lei a aprovarem
nos templos, antes de mais, a brancura, pondo de lado a variedade e os
encantos dos ornamentos 1307 ; todavia - diz ele - sê tu o modelo 1308 .
Pela minha parte, facilmente serei persuadido de que aos entes supre-
mos e bons agrada muitíssimo a pureza e a simplicidade, tanto a da cor
como a da vida 1309 ; e não convém ter nos templos coisas que afastam os
espíritos da meditação da religião para as várias seduções e amenidades dos
sentidos. Mas penso assim: tanto nas coisas públicas como nos edificios

1303
Plin., Nat., XXXVI, 98. Cízico foi uma colónia grega fundada pelos Coríntios em 756
a. C. que se localizava no actual Mar de Mármara, célebre pelo templo, de grandiosas
dimensões, financiado por Adriano (imperador em 117-138 d. C.), e cujos mármores, à
medida que a cidade declinava, foram removidos e usados para a construção em Cons-
tantinopla.
1304
Paneno (c. 448 a. C.), pintor que executou os frescos do templo de Minerva na Élide,
cidade do Peloponeso próxima de Olímpia, bem como ajudou o seu irmão Fídias a pin-
tar o templo de Zeus em Olímpia.
1305
"O nome de Osimandias, dado por Diodoro, é possivelmente uma deturpação de
Ousirmaâtrê, primeiro nome de Ramsés II (1279-1212)". Caye-Choay, 2004, p. 349,
n. 106.
1306
Equivalentes, respectivamente, a 0,44 m e a 161 ,77 m.
1307
PI. , Lg., XII, 956 a; Cic., Lg., II, 18, 45 .
1308
Cic. , idem e II, 6, 14.
1309
Dictum de Alberti para justificar a moderação no ornamento como na vida.

473
Livro Sétimo

sagrados, contanto que em nenhum aspecto te afastes da gravidade, é louvá-


vel aquele que quiser que o muro e o tecto e o pavimento sejam requinta-
díssimos, com toda a arte, e o mais elegantes que é possível e, acima de
tudo, no que depende de ti, para ficar.
Por tal motivo será muito vantajoso ter nas áreas cobertas um revesti-
mento interior de mármore, de cerâmica, quer seja em placas, quer enta-
lhado; no exterior será aprovado, à maneira dos Antigos, um revestimento de
cal com figuras em relevo. Em ambos os casos, procurar-se-à que às figuras
e aos painéis sejam atribuídos suportes e lugares aptos e muito convenientes.
E sobretudo no pórtico confiavam às pinturas, belissimamente, as memórias
dos grandes feitos. No interior do templo prefiro ter quadros pintados a ter
frescos executados nos próprios muros; deleitar-me-ei antes com figuras em
relevo do que com quadros, a não ser, porventura, que sejam do género
daqueles dois que César, quando ditador, adquiriu por oitenta talentos para
ornamentar o templo de Vénus genitrix 1310 • Com não menos prazer de espí-
rito contemplarei uma boa pintura - na verdade, pintar mal não é pintar, mas
sujar o muro - do que lerei uma boa história. Ambos são pintores: aquele
que pinta com palavras, e aquele que ensina uma coisa com o pincel 1311 ; o
resto é idêntico e comum a ambos. Em ambos é necessário o maior engenho
e uma incrível diligência.
Mas eu gostaria que nos templos, tanto no muro como no pavimento,
nada houvesse que não tenha o sabor da pura sabedoria. Sei que no Capitó-
lio havia leis escritas em placas de bronze, com as quais regiam o império,
e que essas leis, tendo o templo ardido, foram restauradas em número de
três mil pelo Imperador Vespasiano 1312• No limiar do templo de Apolo Délio
recordam que havia versos em que se ensinavam os homens a saber que
mistura de ervas deviam usar contra todos os venenos. Pela nossa parte con-
sideramos que se devem colocar advertências com que nos tomemos mais
justos, mais modestos, mais frugais, mais ornados de toda a virtude e mais
agradáveis aos deuses; tais são aquelas que se lêem: "Sê como queres pare-
cer"; "ama e serás amado"; e outras semelhantes 1313 • Acima de tudo gostaria

1310
Ao Forum lulium presidia o templo dedicado a esta deusa, antepassada mítica e protec-
tora da gens lu/ia, com relevos esculpidos na fachada para rememorar a vitória de Júlio
César sobre Pompeio em Farsalo. Plin., Nat., VII, 126; XXXV, 136.
1311
Este é o tema de Ut pictura poesis (como na pintura, assim na poesia) de Horácio (Ars,
361), transposto implicitamente por Alberti para: "como na poesia, assim na pintura".
Cf. Caye-Choay, 2004, p. 350, n. II O.
1312
Cf. Suet., Ves., 8, 5.
1313
Esta preferência de Alberti por frases lapidares manifesta-se na sua obra Sentenze pita-
goriche, oferecida aos seus sobrinhos no Natal de 1462 e que "condensa o seu pensa-
mento moral sob a forma de frases memorizáveis" (Paoli, 2004, p. 92).

474
O Ornamento de Edificios Sagrados

que o pavimento fosse repleto de linhas e figuras relacionadas com a música


e a geometria, de tal modo que de todos os lados sejamos incitados ao culto
do espírito.
Os Antigos costumavam colocar, tanto nos templos como nos pórti-
cos, coisas raríssimas para sua ornamentação. Como aquela de Hércules,
que trouxera da Índia antenas de formigas e as colocou no seu templo 1314 ,
como a de Vespasiano que pôs coroas de cinamomo no Capitólio, e a de
Augusta 1315 que implantou uma raiz enorme de cinamomo numa taça de
ouro no templo principal do Palatino 1316 • Em Termo 1317 , na Etólia, que Filipe
devastou, dizem que nos pórticos do Templo havia mais de quinze mil
armas e mais de duas mil estátuas para ornamentação, que todas, segundo
Políbio 131 8, Filipe mandou quebrar, excepto aquelas que tinham nome ou efi-
gie de deuses. E talvez não se deva dar mais importância ao número destas
coisas do que à sua variedade. Na Sicília houve alguns que começaram a
fazer estátuas de sal: é Solino quem o afirma 1319 • E, diz Plínio, houve quem
fizesse uma estátua de vidro 1320 • Na verdade, coisas raríssimas como estas
são muito apropriadas para provocar a admiração da natureza e do engenho
humano. Mas das estátuas trataremos em outro lugar 1321 •
Adossam-se colunas às paredes e inserem-se entre as aberturas. Aqui a
sua proporção não é a mesma que no pórtico. Notei que, nos templos muito
grandes, porque as colunas não correspondiam a tamanha dimensão da obra,
prolongaram as extremidades das abóbadas até que a flecha 1322 , nos seus
arcos, excedesse a terça parte do raio; este expediente, além disso, contri-
buiu para a beleza da obra: um sistema de abóbada que se eleve para o alto
é mais ágil, por assim dizer, e mais desenvolto.
Penso que é importante não omitir aqui o seguinte. Nos sistemas de
abóbada, as cabeças dos arcos devem ser feitas pelo menos com um tamanho

1314
Templo de Hércules na cidade de Eritreia na Ásia Menor. Plin., Nat., XI, III.
1315
Lívia Augusta, mulher do imperador Octaviano Augusto e mãe do sucessor deste,
Tibério.
1316
Plin., Nat., XII, 94.
1317
Termo era um centro político e religioso da Confederação da Etólia, situada no centro
oeste da Grécia, que nunca chegou a ter o estatuto de cidade.
1318
Polyb., V, 8-9.
1319
Sol., 5, 19
1320
Plin., Nat., XXXIV, 66 et seq ..
132 1
Livro VII, cap. 17.
1322 o termo saggita (flecha), é interpretado como sendo a distância, na vertical, entre a
linha de nascença do arco até ao intradorso da pedra de fecho .

475
Livro Sétimo

superior ao diâmetro, que é tanto quanto as saliências das comijas ocupam


na perspectiva de quem olha, de modo a que não possam ser vistas de meio
do templo 1323 •

CAPÍTULO XI
Para que a cobertura dos templos seja imponente e duradoura, eu gosta-
ria que fosse em abóbada. Não sei qual é a fatalidade que faz com que não
se encontre quase nenhum templo célebre que não tenha desabado em ruínas
por acção do fogo. Lemos que Cambises 1324 incendiou todos os templos que
havia no Egipto e levou o ouro e os adornos para Persépolis 1325 ; Eusébio
refere que o oráculo de Delfos foi três vezes incendiado pelos Trácios 1326 ;
também encontro em Heródoto que Amásis 1327 o restaurou quando, pela
segunda vez, ardeu por si mesmo 1328 ; em outro lugar lemos que foi incen-
diado por Flégias 1329 nos tempos em que Fénix 1330 inventou algumas letras
para os seus cidadãos, e de novo quando foi incendiado no reinado de
Ciro 133 1, poucos anos antes da morte de Sérvio Túlio, rei dos Romanos;
consta, finalmente, que foi incendiado por aqueles anos em que nasceram
Catulo 1332 , Salústio e Varrão, luminares do engenho e do saber. Reinando

1323
São propostos dois critérios complementares para o dimensionamento da altura das abó-
badas: o primeiro, mais ágil e desenvolto, é relativo à necessitas, bem como à venustas ;
o segundo, respeitante somente à visualização da superficie semicilíndrica das abóbadas,
reporta-se exclusivamente à venustas.
1324
Cambises, filho mais velho de Dario I que ascendeu ao trono em 530 a. C. e conquis-
tou o Egipto.
1325
Residência dos reis persas.
1326
Euseb., Prep. , IV, 2, 8.
1327
Amásis, faraó do Egipto a partir de 570 a. C ..
1328
Hdt., II, 180.
1329
Flégias, herói epónimo dos Flégias, povo da Tessália, o seu nome vem já referido na
c
Ilíada. A lenda diz que Flégias tentou incendiar o templo de Apolo para se vingar de
este lhe ter assassinado a filha por causa da sua infidelidade.
mo Fénix, epónimo e fundador dos Fenícios, considerados os inventores do alfabeto, que
deixaram na bacia do Mediterrâneo numerosas inscrições epigráficas.
133 1
Ciro o Grande (c. 600-c.530 a. C.) foi o primeiro rei persa a unificar os territórios da
Ásia Central.
1332
Catulo (c. 84-c. 54 a. C.), poeta elegíaco romano, considerado o mais grego dos auto-
res latinos.

476
O Ornamento de Ediflcios Sagrados

Sílvio Postúmio 1333 , as Amazonas incendiaram o templo de Diana em


Éfeso 1334 ; de novo foi incendiado no tempo em que Sócrates, em Atenas,
bebeu a cicuta 1335 • E em Argos 1336 lemos que foi destruído pelo fogo o tem-
plo, por aquele ano em que Platão nasceu em Atenas, reinando Tarquínio em
Roma 1337 . Que dizer dos sagrados pórticos em Jerusalém? Que dizyr do tem-
plo de Minerva em Mileto? Que dizer do templo de Serápis em Alexandria?
E que direi eu do Panteão de Roma, do santuário de Vesta e do templo de
Apolo, onde há memória de terem ardido os livros Sibilinos 1338 ? Contam que
quase todos os restantes templos desabaram neste tipo de ruína. Escreve
Diodoro que somente aquele que era dedicado a Vénus na cidade de Érice
permaneceu ileso até ao seu tempo 1339 •
Dizia César que Alexandria foi imune aos incêndios quando ele próprio
a sitiou, porque era construída com abóbadas 1340 • A abóbada tem, contudo,
os seus ornamentos. Entre os Antigos, os arquitectos transpunham para a
ornamentação das abóbadas esféricas os mesmos ornamentos que os ourives
faziam nas taças dos sacrificios; ao passo que nas abóbadas de berço e nas
de ângulo imitavam os ornamentos que costumavam usar nas mantas dos
leitos. Por tal razão, vêem-se motivos quadrangulares e octogonais e outros
do mesmo género espalhados pela abóbada, traçados com ângulos iguais
entre si, separados por raios e círculos, de forma que nada mais se pode
acrescentar à sua beleza.
E venha a propósito o seguinte. Não passaram a escrito o modo como
faziam os ornamentos das abóbadas, sem dúvida alguma imponentíssimos,
que vemos em muitos lados e no Panteão, feitos entalhando caixotões. Nós

1333
Irmão de Ascânio, rei de Alba, a quem sucedeu no poder no séc. VI a. C .. Os seus des-
cendentes reinaram em Alba até à fundação de Roma.
1334
Éfeso, cidade da Ásia Menor, fundada por colonos jónios e, posteriormente, suplantada
por Mileto.
1335
Correspondente ao ano de 399 a. C ..
1336
Argos: cidade do Peloponeso.
1337
Referência incerta dado que Platão nasceu cerca de 429 a. C., i.e. um século após os
Tarquínios estarem no poder em Roma, e o santuário de Hera em Argos foi destruído
pelo fogo em 423 a. C. (cf. Thuc., IV, 133, 2).
1338
Os Livros Sibilinos, que continham recolhas de oráculos e exerceram grande influência
na religião romana, foram destruídos no incêndio do templo do Capitólio em 83 a. C ..
Uma nova colecção de livros foi feita, a partir de várias fontes, para os substituir. Eram
consultados em caso de desgraça, prodígio ou acontecimento extraordinário.
1339
O templo de Vénus em Érice situava-se na parte ocidental da Sicília (Diod. Sic., IV,
83, 3).
1340
Pseudo-César, De Bel/o Alexandrino, 1.

477
Livro Sétimo

conseguimos fazê-los sem grande trabalho nem despesa 1341 • Desenham-se os


delineamentos das futuras formas no cimbre da armação, sejam eles qua-
drangulares, ou hexagonais, ou octogonais; seguidamente, encho, com tijolo
cru aplicado com argila em vez de cal até à profundidade estabelecida, as
partes que eu pretendo que fiquem vazadas. Assim, uma vez feitos estes
montículos no dorso da calota, construo por cima uma abóbada com tijolo e
cal, empregando todo o cuidado para que as suas partes mais delgadas
encaixem, bem unidas e bem firmes, nas partes mais grossas e mais sólidas.
Fechada assim a abóbada, enquanto retiramos a armação, tiramos da estru-
tura sólida da abóbada esses montículos de argila que eu no princípio colo-
cara: desse modo, ressaltam as gravuras dos caixotões segundo o traçado
prévio, como se pretendia.
Volto ao assunto. A mim agrada-me muito o que escreve Varrão: em
<···> foi pintada na abóbada a representação do firmamento e havia, além
disso, uma estrela móvel e um raio, que indicava qual era a hora do dia e
que vento então soprava no exterior 1342 • Em suma, este tipo de coisas agrada
muito.
Afirmam que os frontões conferem tanta imponência aos edificios que
julgam que as etéreas moradas de Júpiter, posto que aí nunca chova, não
podem, salvaguardada a beleza, carecer de frontão 1343 • Os frontões são ados-
sados às coberturas da seguinte maneira. Da largura do frontão, medida
junto das comijas, toma-se nem mais que uma quarta parte, nem menos que
uma quinta, à qual se eleva o vértice, isto é, o ângulo superior da cumeeira.
Nas extremidades inferiores das goteiras do frontão e no alto da cumeeira,
colocam-se pequenos dados para pôr estátuas; os dados que ficam nos ângu-
los extremos das goteiras terão de altura a medida da altura da comija, des-
contada a faixa régia. Mas o dado colocado ao meio da curileeira do frontão
excederá os dados dos ângulos em uma oitava parte.

1341
Referência à igreja de Santo André em Mântua, que apresenta, à semelhança do Panteão
em Roma, caixotões nas abóbadas de berço. Contudo, não se tem conhecimento de que
o método descrito por Alberti tenha sido usado por Luca Fance) li, o arquitecto residente
em obra.
1342
Varrão (R. , III, 5, 17) refere-se a uma construção abobadada, um tholo, para um viveiro
de pássaros em Casino, construído à semelhança da Torre de Ventos de Atenas que,
para além de cata ventos, também funcionava como relógio de sol e relógio de água.
Cf. Caye-Choay, 2004, p. 353, n. 117.
1343
Cf. Cícero (de Orat., III, 46, 180): " [.. .] ainda que o Capitólio se tivesse levantado no
céu, onde não pode haver chuva, dá a impressão que sem a sua cobertura não poderia
manter a sua majestade" (cf. trad. esp. de J. J. lso, 2002).

478
O Ornamento de Edificios Sagrados

Dizem que foi Butades 1344 o primeiro que ensinou a colocar máscaras
de argila avermelhada, para fins ornamentais, nas extremidades das telhas
das coberturas; depois, acostumaram-se a colocar máscaras de mármore em
todas as telhas.

CAPÍTULO XII

Nos templos, as aberturas das janelas devem ser pequenas e no alto,


através das quais não se veja senão o céu, e através das quais os que fazem
o sacrificio, ou os que rezam, em vão distraiam as suas mentes das coisas
divinas. O temor, que é suscitado pela penumbra, por sua natureza faz cres-
cer nos espíritos a devoção; e, em grande parte, a austeridade está associada
à majestade. Acrescente-se que as chamas que são devidas aos templos, e
que são o que temos de mais divino para o culto e ornamento da religião,
esmaecem quando a luz é excessiva.
Por tal motivo, precisamente, os Antigos contentavam-se, em geral, só
com a abertura da porta. Mas, pela minha parte, eu aprovarei o lugar onde
haja uma entrada para o templo completamente luminosa, e o interior da
nave de modo nenhum soturno 1345 • Onde, porém, estiver situado o altar, gos-
taria que o lugar ostentasse mais majestade que beleza. Tomo às aberturas
para a luz.
Convém recordar o que dissemos em outro lado, que a abertura é for-
mada pelo vão, pelas ombreiras e pelo lintel 1346 • Os Antigos não usaram, em
partes nenhuma, portas e janelas senão quadrangulares. Mas primeiro vamos
às janelas. Todos os melhores arquitectos, tanto os jónicos, como os dóricos
como os coríntios, fizeram as ombreiras das portas mais delgadas no topo
uma décima quarta parte que em baixo 1347 • Ao lintel deram a espessura que
acharam no topo da ombreira; e em ambos fizeram linhas ornamentais seme-
lhantes; e as juntas uniam-se perfeitamente; e nivelaram a comija superior

1344
Butades (c. 600 a. C.), escultor lendário de Sícino, uma ilha do Mar Egeu, é conside-
rado o primeiro ceramista grego em argila (Plin ., Nat. , XXXV, 152).
1345
A luz nas igrejas de São Sebastião e de Santo André em Mântua é selectivamente
filtrada para o interior seja, na primeira, por meio de óculos situados nos topos dos
braços seja, na segunda, por um lanternim (ombrelone) na fachada, bem como por jane-
las termais situadas nas paredes das capelas laterais.
1346
Livro III, cap. 6.
1347
Vitrúvio (IV, 6, 2).

479
Livro Sétimo

da porta, que protege o lintel, pelo topo dos capitéis das colunas, que estão
no pórtico 1348 • Em suma, nisto todos observaram o que dissemos.
No resto, porém, divergem muito uns dos outros. Com efeito, os Dórios
dividiram toda essa altura da porta em treze partes, das quais deram à altura
do vão da abertura, a que os Antigos chamaram " lume" 1349 , deram, digo, dez
partes; à largura cinco, e uma à ombreira. Isto os Dórios. Por seu lado, os
Jónios dividiram em quinze partes a altura total que está nivelada pelo topo

Porta dórica.

1348
Vitrúvio (IV, 6, 1).
1349
Lumen - ·o mesmo que luz ou vão.

480
O Ornamento de Edifícios Sagrados

dos capitéis das colunas, das quais deram à altura do vão doze partes, à lar-
gura seis, à ombreira uma. Os Coríntios dividiram-na em dezassete partes,
das quais foram dadas sete à largura do vão e fizeram a altura do lume com
o dobro da sua largura, e a ombreira da porta tinha a sétima parte da largura
do vão. Em cada vão, o lado, isto é a ombreira 1350 , era uma arquitrave.
E se não estamos em erro, os Jónios compraziam-se com uma argui-
trave ornada com três faixas, os Dórios com uma sem réguas nem cavilhas.

J
~· ~
~
S" -- ' ~

:"l..~

~
ll!F ~

-
li&
"
/1
-

= -
III
1- ,,•
~-
.
.
r
.
r
.
~~
-

'
..
' I I I I l
I
...... I I

'
I I I

Porta jónica.

1350
Antipagimentum é o termo utilizado também por Vitrúvio (IV, 6, I) para significar
ombreira ou guarnição.

481
Livro Sétimo

E, para ornamentação, cada um acrescentou na arquitrave do lintel, em


grande parte, as suas ornamentações das cornijas. Mas os Dórios não colo-
caram na arquitrave extremidades das traves com três sulcos 135 1, de forma a
verem-se, mas, em vez disso, uma faixa régia com a largura da ombreira que
sustenta a porta; à faixa acrescentaram um cimácio de gola, e sobre ele um
ressalto simples de um plúteo e, neste, óvulos, depois mútulos cobertos com
o seu cimácio, e uma onda no lugar mais alto, tomando as medidas destas
partes a partir daquelas que referimos acima nos entablamentos dóricos 1352 •
Pelo contrário, os Jónios não colocaram a faixa régia que puseram nas
arquitraves, mas em vez da faixa usaram um festão corpulento de ramos
frondosos, cingido por uma correia, com a mesma espessura da arquitrave
menos um terço; acima disso, um cimácio, dentículos, óvulos e um ressalto
espesso de mútulos cobertos por uma faixa com o seu cimácio frontal e a
onda superior. Além disso, acrescentaram a cada uma das extremidades da
ombreira, abaixo do ressalto espesso dos mútulos cobertos, acrescentaram,
repito, orelhas pendentes, para as chamar assim, derivando o nome da seme-
lhança que têm com os cães de caça bem providos de orelhas. O delinea-
mento dessas orelhas era a forma de S maiúsculo, que nas extremidades se

enrolava numa curvatura de volutas, deste modo: ~; a espessura dessas


orelhas na parte superior era igual à altura do festão, e na parte inferior as
orelhas eram um quarto mais estreitas; o comprimento das orelhas pendia
até ao nível superior do vão 1353 •
Os Coríntios transpuseram, do pórtico para as portas, todo o trabalho do
sistema de colunas. Também as portas são ornamentadas, sobretudo nos
lugares que ficam a céu aberto, com um pequeno pórtico, implantado - para
não repetir isso em outro lugar - do seguinte modo. Uma vez colocadas as
ombreiras e o lintel, ajustam de cada lado uma coluna adossada e às vezes
também saliente. As bases das colunas distam entre si o suficiente para con-
terem nesse espaço toda a obra das ombreiras. O comprimento das colunas
com os capitéis tem a mesma medida que vai do ângulo exterior da base da
direita até ao ângulo exterior da esquerda. Sobre estas colunas colocam-se a
arquitrave, a faixa, as cornijas e o frontão consoante as proporções do pór-
tico, do qual tratámos acima em seu próprio lugar 1354 • •

1351
Ou seja, de acordo com Vitrúvio, triglifos.
1352
Livro VII, cap. 9.
1353
Vitrúvio (IV, 6, 4).
1354
Livro VII, cap. 9.

482
O Ornamento de Edificios Sagrados

Alguns, em vez da arquitrave, juntaram às ombreiras das portas os


ornamentos das comijas, com o que tomaram mais amplo o vão da porta:
obra mais adequada à delicadeza dos edificios privados, sobretudo das jane-
las, do que conveniente à majestade dos templos. Nas portas muito grandes
dos templos, sobretudo naquelas em que não há outras aberturas, a altura do
vão divide-se em três partes: uma, a de cima, deixar-se-á para servir de
janela, e ornamenta-se com uma rede de bronze; o resto é dado aos batentes
da porta.
Os batentes têm os seus sistemas de elementos. Entre esses elementos o
principal é o gonz9. É duplo o seu sistema. Com efeito, ou se fixam na
ombreira da porta grampos de ferro e cavilhas, ou do ângulo do batente sai
um peme em cuja ponta se apoia e roda o batente. Os batentes dos templos,
porque são feitos de bronze para durarem mais e têm um peso enorme,
rodam com mais segurança num peme do que em grampos.
Não refiro aqui as portas que li nos historiadores e nos poetas, revesti-
das de ouro, marfim e estátuas, tão pesadas que eram abertas por uma mul-
tidão de homens e incutiam terror com o seu estrépito. Nestas eu louvo a
sua facilidade de abrir e fechar.
Portanto, na ponta do peme da extremidade inferior colocar-se-á um
suporte feito de uma amálgama de bronze e estanho; e vazar-se-ão por den-
tro tanto o suporte como também a ponta do peme onde está fixado o
batente à maneira de uma cápsula, a imitar o delineamento côncavo de uma
taça, até albergarem dentro de si, em mútua compressão, uma esfera de ferro
bem arredondada e bem polida. Na extremidade superior do peme, que está
no topo do batente, haverá uma peça fêmea de bronze inserida no lintel;
além disso, o peme penetrará num anel de ferro absolutamente ·limpo e
polido. Assim se fará com que o batente em ponto nenhum seja perro e se
mova à vontade com um leve impulso.
Em cada porta haverá dois batentes gémeos, um dos quais roda sobre
uma ombreira da porta e o outro sobre a outra; e a sua espessura terá um
duodécimo da sua largura. Os ornamentos dos batentes são faixas em
número de três, duas ou mesmo uma só," como se quiser, as quais, fixadas
nos batentes, os rodearão a toda a volta. Se forem duplas e dispostas umas
sobre as outras como em degrau, ocuparão ambas em conjunto não mais que
um quarto, nem menos que um sexto da largura do batente; e a primeira
faixa fixada por cima será um quinto mais larga do que a que lhe fica por
baixo. Se as faixas forem triplas, então receberão os delineamentos da argui-
trave jónica. Se, porém, a faixa em volta do batente for só uma, medirá de
um quinto a um sétimo. Nas faixas a linha interior será uma gola.

483
Livro Sétimo

O comprimento do batente dividir-se-á em faixas transversais, de tal


modo que os espaços superiores ocupem dois quintos da altura total do
batente 1355 •

,
Porta coríntia.

Nos templos, as janelas ornamentam-se como as portas; mas os seus


vãos, uma vez que ocupam a parte superior do muro próxima e debaixo da
abóbada, e uma vez que com os seus ângulos confinam com a curvatura da

1355
Vitrúvio (IV, 6, 4-5).

484
O Ornamento de Edificios Sagrados

abóbada, por tal motivo têm um arco por cima ao contrário do que sucede
nas portas. Têm, pois, de largura o dobro da altura. Dividem a totalidade da
largura com duas colunetas intercaladas, que seguem as proporções usadas
no pórtico. Mas aqui as colunas são, em quase todos os templos, quadran-
gulares 1356 •
Os delineamentos dos nichos, em que se colocam quadros e estátuas,
tomam os delineamentos das portas. Preenchem de altura um terço do muro.
Nas janelas dos templos colocavam no vão, em vez de batentes contra
as chuvas e o ímpeto dos ventos, placas finas de alabastro translúcido, fixas,
ou uma rede de bronze ou de mármore. Tapavam os buracos da rede, não
com vidro quebradiço, mas com uma pedra transparente, trazida principal-
mente de Segóvia, uma cidade da Espanha, ou também de Boulogne de
França. Essa pedra é uma lâmina, raramente maior que um pé, de gesso
translúcido e muitíssimo puro 1357, ao qual a natureza concedeu o condão de
não sofrer o envelhecimento.

CAPÍTULO XIII

Depois disto, é matéria que virá a propósito dos templos, estabelecer, no


lugar mais digno, o altar onde farão os sacrifícios; sem dúvida o lugar ade-
quado será diante da tribuna. Os Antigos construíram o altar com a altura de
seis pés, com a largura de doze, e sobre ele colocavam uma estátua. Se con-
vém ou não, espalhar no interior do templo vários altares para o sacrifício,
é questão que deixo ao juízo de outros.
Entre os nossos antepassados, nos inícios da nossa religião, os melhores
homens reuniam-se para a comunhão da ceia, não para saturarem o corpo de
manjares, mas para se afeiçoarem à mansidão em mútua convivência e,
saciados de bons conselhos, voltarem para casa desejosos da virtude. Aí,
pois, mais libadas do que tomadas as coisas que eram dispostas para a ceia
no meio da maior frugalidade, fazia-se também uma leitura e um sermão

1356
Referência à janela das termas de Diocleciano, em Roma (actualmente igreja de Santa
Maria degli Angeli e dei Martiri), conhecida por "janela termal ou de Diocleciano", que
aparece, entaipada e substituída por um óculo, nas capelas laterais da igreja de Santo
André em Mântua. Este tipo de janela, que foi utilizado, no séc. XVI, por Palladio nas
suas vil/as, bem como nas igrejas de San Giorgio Maggiore e de ll Redentore, em
Veneza, difundiu-se na segunda metade do séc. XIX no seio do sistema das Beaux-Arts.
1357
Selenite, variedade transparente e incolor de gesso.

485
Livro Sétimo

acerca das coisas divinas. E a vontade de todos empenhava-se ardentemente


na salvação comum e no culto da virtude. Finalmente cada um, conforme as
suas possibilidades, oferecia para a comunidade um tributo, como que
devido à piedade, e uma oferenda de beneméritos; esse dinheiro era distri-
buído pelo sacerdote àqueles que necessitavam de ajuda. Deste modo, entre
eles, como entre irmãos amantíssimos, todas as coisas eram comuns 1358 •
Depois desse tempo, quando os príncipes tornaram lícito fazê-lo em
público, eles não se desviaram muito da prática tradicional dos seus pais,
mas sendo mais numeroso o povo que se reunia, passaram a usar de uma
libação mais reduzida. A partir dos comentários dos Santos Padres é possí-
vel ver, a cada passo, que sermões usavam, nesses tempos, os eloquentes
bispos. Em suma, nesse tempo era único o altar diante do qual se reuniam
para celebrar, por cada dia, um único sacrificio.
Seguiram-se os nossos tempos, que oxalá nenhum homem sério, sem
ofensa para os bispos, considerasse dignos de serem censurados 1359 : como,
para salvaguardar a sua dignidade, eles concedem ao povo a possibilidade de
os verem apenas nas calendas do princípio do ano, a tal ponto encheram
tudo de altares 1360 e às vezes <···> não digo mais 136 1. Isto afirmo: entre os

1358
A frugalidade do cristianismo primitivo é reivindicada por Alberti e, implicitamente, cri-
ticada a ostentação da igreja do seu tempo, já exposta na obra Pontifex escrita em 1437.
Tanto o humanismo, que evocava os deuses e deusas da Antiguidade pagã, como o
humanismo cristão, que se opunha ao desregramento e avidez que se haviam apossado
do clero e da Igreja, estão presentes nas referências ao culto do divino que encontramos
no tratado. Além disso, ainda na esfera deste humanismo, acreditava-se profundamente
nos dogmas de base do cristianismo, que nunca aparecem mencionados em toda a
sua obra literária, o que sugere que para Alberti não havia uma diferença substancial
entre a religião antiga e a nova (cf. Cardini-Regoliosi, 2007a, p. 297; Paoli, 1999,
pp. 114-115).
1359
A figura de estilo da preterição, utilizada por Alberti, sugere que não quer falar de coi-
sas sobre as quais está, indirecta ou directamente, a referir-se e onde somente a leitura
do conjunto permite a plena identificação do seu sentido. Na edição de Theuer (1912)
adverte-se que este passo alude à xenofobia e ao nepotismo do Papa Calisto III (1455-
-1458), o primeiro dos Bórgias a assumir o trono de São Pedro após o pontificado de
Nicolau V, com o qual Alberti manteve relações profissionais e pessoais (cf. Rykwert
et alii, 1988, p. 396, n. 144).
1360
A adesão às práticas religiosas do cristianismo primitivo, que promovia a congregação
unitária dos fiéis, contrasta com a cultura religiosa do tempo de Alberti, que sugeria a
sua fragmentação pelos altares dos deuses menores, i.e. dos santos.
1361
A acção censória da Inquisição portuguesa colocou o De re aedificatoria na Index
expurgatoria de 1581 e a Inquisição espanhola na Index expurgatoria de 1584, o que

486
O Ornamento de Edificios Sagrados

mortais, nada se pode encontrar e nem sequer imaginar, que seja mais con-
digno e mais santo do que o sacrificio. Eu, porém, julgo que não é tido por
sensato ninguém que queira que as coisas mais dignas se banalizem, postas
à disposição com excessiva facilidade.
Há ainda outros géneros de ornamentos, não fixos, com os quais se
adorna o sacrificio; há também ainda outros, cuja ordenação depende do
arquitecto, com os quais se dignificam os templos. Pergunta-se qual é a mais
bela de todas as coisas: se uma praça animada pela juventude a divertir-se,
o mar cheio de navios, um campo cheio de soldados e bandeiras vitoriosas,
um fórum cheio de senadores vestidos de toga, e outras coisas do mesmo
género, ou um templo resplandecente com o brilho das suas luzes 1362 . Mas
gostaria que as luzes dos templos tivessem majestade; coisa que não existe
nas chamazinbas das velas que agora usamos. Não nego que terão alguma
beleza se forem dispostas segundo uma certa aparência de delineamentos, se
forem espalhadas em castiçais ao longo das linhas das cornijas; mas muito
me agradam os Antigos que acendiam nos candelabros grandes conchas com
chamas perfumadas.
O comprimento do candelabro dividia-se em sete partes. Duas destina-
vam-se à base; a base, triangular, era mais comprida em <-··> do que larga, e
em baixo mais larga do que no topo em <··->. O fuste do candelabro era ele-
vado por meio de taças sobrepostas umas em_ cima das outras para aparar as
gotas de azeite. No topo punha-se uma concha cheia de gomas e madeiras
perfumadas. Consignaram por escrito a quantidade de bálsamo, gasta pelo
orçamento público, que os imperadores mandaram queimar em cada dia de

dificultou a sua difusão na península Ibérica. Com efeito, os exemplares em castelhano


do De re aedificatoria que estão conservados em colecções particulares espanholas ou
em bibliotecas públicas, como as de Santa Cruz de Valladolid ou da Biblioteca Nacio-
nal em Madrid, aparecem com páginas inteiras rasuradas, nomeadamente as relacio-
nadas com a distribuição e a organização dos altares nos templos ( cf. Rivera, 1991,
p. 48). Também os exemplares que se conservam nas bibliotecas portuguesas, como a
do Departamento de Matemática da Faculdade e Ciências e Tecnologia da Universidade
de Coimbra, se apresentam com este passo riscado (cf. Moreira, 1991, p. 314).
1362
Na obra Profugiorum ab aerumna libri III (1, p. 7), escrita em 144111442, ao descrever
a cúpula da Catedral de Florença como um templo resplandecente que contribui para a
"tranquilidade da alma", Alberti mostra a sua intenção de discorrer sobre o ornamento
dos edificios sagrados: "Deixemos a forma e a descrição deste templo. Não pergunte-
mos que cargas deverão suportar os elementos que sustêm as massas ou de que maneira
satisfatória deverão ser ornamentadas as partes destinadas a agradar e a serem admira-
das. Haverá lugar para as discutir algures".

487
Livro Sétimo

festa nas maiores basílicas de Roma: essa cifra é de quinhentas e oitenta


libras.
Até aqui falou-se dos candelabros. Passo aos restantes ornamentos com
que se embelezam os templos. Lemos que Giges 1363 ofertou a Apolo Pítio
seis crateras de ouro maciço com trinta mil pesos 1364 ; e que em Delfos 1365
havia taças maciças de ouro e prata, cada uma das quais com a capacidade
de seis ânforas 1366 . Também houve aqueles que deram mais valor às mãos
e à invenção dos artífices do que ao ouro. Em Sarnas 1367 , no templo de
Juno 1368 , dizem que havia uma cratera de ferro coberta de relevos em toda a
volta, com que outrora Esparta tinha presenteado Creso 1369 , de tal dimensão
que continha trezentas ânforas 1370 • Também tenho conhecimento de que os
habitantes de Sarnas enviaram a Delfos como oferenda uma trípode de ferro,
na qual estavam esculpidas, com admirável arte, cabeças de animais, a qual
era sustentada por colossos ajoelhados, com a altura de sete côvados 1371 •
Maravilhoso também o seguinte: o egípcio Psamético 1372 construiu, para o
deus Ápis, um templo omamentadíssimo de colunas e de vários relevos, e
no interior uma estátua do deus Ápis, que girava a cada momento voltando-
-se para o sol. E ainda o seguinte mais digno de admiração: no templo de
Diana em Éfeso, estava pendurada uma flecha de Cupido, sem que absoluta-
mente nenhum nó a segurasse.
Sobre coisas como estas, nada tenho a estabelecer, senão que devem ser
colocadas em lugar próprio e conveniente, para que sejam vistas com admi-
ração e dignidade.

1363
Giges, rei da Lídia (c. 680-645 a. C.) e fundador da dinastia dos Mérmnadas, começou
a exploração das minas de ouro na região de Pactolo, afluente do rio Hermo que desa-
gua no Mar Egeu.
1364
Cratera (krâter) entre os Gregos denomina um vaso de volumosas dimensões, seme-
lhante a uma ânfora, para misturar água e vinho. Cf. Hdt., I, 14.
1365
Trata-se do Oráculo de Delfos dedicado a Apolo Pítio, situado na encosta sul do monte
Pamaso, acima do golfo de Corinto.
1366
Seis ânforas equivalem a cerca de 167 litros de capacidade. Hdt., I, 70.
1367
Cidade situada na ilha de Samos, no leste do Mar Egeu, próxima da costa da Ásia
Menor.
1368
Juno, deusa romana assimilada a Hera, a mais importante de todas as deusas olímpicas,
era considerada a protectora das mulheres.
1369
Rei da Lídia (560-547 a. C.).
1370
Aproximadamente 78 hectolitros.
1371
Equivalente a 3,10 m.
1372
Rei egípcio c. de 656 a. C..

488
O Ornamento de Edificios Sagrados

- CAPÍTULO XIV

É sabido que, a princípio, a basílica 1373 era um lugar onde os principais


cidadãos se reuniam, sob um edificio coberto, para administrar a justiça.
A este lugar, para lhe conferir dignidade, acrescentou-se uma tribuna; depois
disso, para que se tomasse mais ampla, não sendo suficientes os primitivos
espaços cobertos, acrescentaram-se vastos pórticos de um e outro lado com
acesso ao interior, primeiro um, a seguir mesmo dois. Alguns acrescentaram
ainda, ao longo da tribuna, uma nave transversal, a que chamamos "causí-
dica" 1374, porque aí se movimentam as multidões dos oradores e os advoga-
dos. E ligaram estas naves entre si com um traçado semelhante à letra T.
Além disso, julga-se que foram acrescentados pórticos voltados para o exte-
rior por causa dos serviçais 1375 • Em suma, a basílica é formada pela nave e
pelos pórticos.
Ora a basílica, que tem algo da natureza do templo, reivindicará para si,
em grande parte, os ornamentos que são devidos aos templos. Todavia, ser-
vir-se-á deles de maneira a mostrar que preferiu imitar os templos a igualá-
-los. À maneira dos templos, será sobreelevada; mas à altura do pódio, que
é devida aos templos, tira-se uma oitava parte, com a qual lhe cede em
dignidade por motivo de veneração. Além disso, os restantes elementos, que
serão utilizados para ornamentação, de nenhum modo terão aquela austeri-
dade que têm aqueles que se usam nos templos. Além do mais há esta dife-
rença entre a basílica e o templo: aquela, devido à frequência de litigantes
quase amotinados, e por causa da necessidade de reconhecer e assinar
documentos, deve ser o mais transitável que é possível para o vaivém, e

1373
Termo de origem grega que designava, em Atenas, a residência do arconte e, em Roma,
edificio público destinado a tribunal, a bolsa de comércio e a lugar de passeio exterior-
mente guarnecido por lojas e que, a partir do séc. IV d. C., passa a ser destinado ao
culto cristão. Vitrúvio (V, 1, 4-10) descreve a sua múltipla funcionalidade e não atribui ,
como Alberti, a basílica unicamente à administração da justiça.
1374
O termo chalcidicum, utilizado por Vitrúvio (V, 1, 4) com o significado de sala com
colunas na extremidade de uma basílica, palavra de origem helenística originada pro-
vavelmente de Cálcis, cidade da Eubeia, é transformada em causidicus que significa
advogado de profissão (cf. Cic., Or. , 30; de Orat., I, 202; Gros, 2001-2002, pp. 123-
-135) . A designação dada à nave causídica na arquitectura cristã é, no entanto, de
transepto, derivada do inglês transept (c. 1542), formada sobre os termos em latim
trans + septum (para além+ recinto). Cf. Webster, 1996, p. 2009.
1375
Ver Livro V, cap. 2.

489
Livro Sétimo

muito bem iluminada com aberturas. Merecerá, de facto, aprovação se esti-


ver de tal maneira preparada que quem chegar à procura dos seus patronos
ou dos seus clientes os encontrem à primeira vista.

Planta basilical sem nave causídica.

Por tais motivos, aqui, assim como se exigem colunas mais espaçadas
assim também vêm muito a propósito as arcadas; e também não se recusam
os entablamentos.
Mas daremos a seguinte definição de basílica: a basílica é uma nave
muito ampla e muito transitável, cingida, sob a cobertura, de pórticos inte-

490
O Ornamento de Ediflcios Sagrados

riores. Com efeito, consideramos que aquela que for desprovida de pórticos
tem mais a ver com as funções de cúria e de senado do que com as de basí-
lica. E da cúria falaremos em seu lugar 1376 •

Alçado interno da nave com as ordens dórica e jónica sobrepostas.

As basílicas devem ter uma área 1377 de tal modo concebida que o seu
comprimento seja o dobro da largura. Convirá também que tenha uma nave
central, sem dúvida, e uma causídica livre e transitável 1378 • Mas se, despro-

1376
Ver Livro VIII, cap. 9.
1377
Ou planta.
1378
Dado que a nave causídica forma um falso transepto em vez de uma cruz latina, isso
significa que Alberti não assume integralmente o simbolismo religioso da iconografia
cristã. No entanto, ao conotar a basílica com os ornamentos dos templos, mas não com
os cultos pagãos que lhes estão associados, Alberti sugere a reabilitação do espaço basi-
lical pela alteração do seu destino, conservando, na essência, a sua forma, o que levou
Pio II (Commentarii, II, 32), noutro contexto, a definir o templo Malatestiano, em
Rimini, como sendo pagão.

491
Livro Sétimo

vida de nave causídica, tiver apenas um pórtico simples de cada lado, este
deve ser definido do seguinte modo. Dividir-se-á a largura da área em nove
partes, das quais cinco serão atribuídas à nave central e duas a cada um dos
pórticos. O comprimento será igualmente dividido em nove partes: uma será
dada à profundidade de tribuna, ao passo que duas serão atribuídas à aber-
tura da tribuna 1379 •

Planta basilical com nave causídica.

1379
Vitrúvio (V, 1, 2-3).

492
O Ornamento de Edificios Sagrados

Se, além do pórtico, se houver de acrescentar uma causídica, então a


largura da área será dividida em quatro partes: duas serão atribuídas à nave
central e uma a cada um dos pórticos 1380 . Por sua vez, o comprimento será
dividido como se segue: a profundidade da tribuna tomará para si, no ponto
da curvatura para dentro, a duodécima parte do comprimento; ao passo que
a abertura do intervalo tomará duas vezes a duodécima parte e mais metade
dela. A largura da causídica tomará para si a sexta parte do comprimento da
área.
Se, porém, houver de ter simultaneamente nave causídica e pórtico
duplo, a largura será dividida em dez partes; das quais darás quatro à nave
central; ao passo que os pórticos ocuparão três partes do lado direito e três
do lado esquerdo, sendo divididos os espaços entre si, metade para cada
lado. Mas o comprimento será dividido em vinte partes; das quais uma e

I o

Alçado interno da nave com as ordens jónica e coríntia sobrepostas.

1380 Diversos autores têm argumentado que o templo de Santo André em Mântua não apre-
sentava inicialmente transepto, sendo a nave rematada por uma abside ou capela, à
semelhança de uma planta basilical com nave causídica ( cf. Krautheimer, 1969; Hersey,
1994). Tavemor (1994, pp. 386-388) corrobora esta argumentação, ao estimar o número
de tijolos necessários para construir este templo, com e sem transepto, ao certificar que,
naquele primeiro caso, seria preciso uma quantidade dupla de tijolos da mencionada
pelo patrono da obra, o Marquês Ludovico Gonzaga.

493
Livro Sétimo

meia será atribuída à curvatura da tribuna; enquanto à abertura da própria


tribuna serão atribuídas três partes e um terço. À nave causídica não serão
dadas, na totalidade, mais do que três partes.
As paredes das basílicas não serão grossas, como as dos t~mplos : na
verdade, não se levantam para sustentarem as cargas das abóbadas, mas as
traves e as telhas das coberturas. Tenham, pois, a espessura da vigésima
parte da sua altura. A altura do muro na fachada terá uma vez e meia o
espaço da largura 138 1, e em parte nenhuma mais que isso.

Planta basilical com colunatas emparelhadas e nave causídica.

1381
Alberti refere-se a latitudo spatii mas não indica se esta dimensão se refere à largura da
fachada ou do espaço interno da basílica. Presume-se que seja em relação à primeira,
dado que se está a referir à "altura do muro na fachada".

494
O Ornamento de Edificios Sagrados

Nos ângulos das naves erguer-se-ão os pilares dos muros, estendendo-se


no alinhamento das colunatas do muro, de modo a não ocuparem menos que
duas espessuras da parede, nem menos que três. Há ainda quem, ao meio do
comprimento, construa entre as colunas um pilar em cada série por motivos
de solidez. A sua largura terá três espessuras de uma coluna, ou no máximo
quatro 1382 •

Alçado interno da nave com as ordens jónica, coríntia e compósita sobrepostas.

O sistema das colunas não terá, de forma alguma, a austeridade que tem
aquele que se usa nos templos. Por tal motivo, se usarmos um sistema de
colunas com entablamento assim raciocinaremos. Se as colunas forem corín-
tias, tira-se-lhes a duodécima parte da sua espessura; se jónicas, tira-se uma
décima parte; se forem dóricas, a nona parte. Nos ajustamentos dos capitéis,
da arquitrave, das bandas, das cornijas e de outros elementos semelhantes,
há-de continuar-se a imitar os templos.

1382
Não confundir com o motivo Serliano para aberturas de três vãos apoiados em quatro
colunas.

495
Livro Sétimo

CAPÍTULO XV

No sistema de colunas com arcadas devem usar-se colunas quadrangu-


lares 1383 • Com efeito, nas redondas a obra será defeituosa, pela simples razão
de que a cabeça do arco não assenta em cheio colocada sobre a parte maciça
da coluna, mas ficará pendente no vazio tanto quanto a área do quadrado
excede o círculo nele inscrito. Para corrigirem 'este defeito, os especialistas
antigos sobrepuseram aos capitéis das colunas ainda outro ábaco quadrilá-
tero, umas vezes com a altura de um quarto do diâmetro da sua coluna, com
um delineamento em onda 1384 • A largura deste quadrângulo acrescentado era
igual, na parte inferior, à extensão máxima do capitel, ao passo que no topo
as saliências eram iguais à altura: desta forma, as faces e os ângulos do arco
encontravam um apoio mais fácil e mais firme.
Os sistemas de colunas, tal como os de entablamento, são diversos den-
tro de cada tipo. Com efeito, uns são ampliados, outros compactos, etc. Nos
compactos a altura do vão da abertura terá sete vezes a metade da sua lar-
gura; nos ampliados, a altura terá cinco vezes a terça parte da sua largura;
nos subampliados, essa largura será a metade da altura; nos subcompactos,
terá um terço.
Dissemos em outro lugar que o arco é uma arquitrave encurvada 1385 • Por
isso, serão atribuídos aos arcos os mesmos ornamentos que se usarem nas
arquitraves se assentarem sobre colunas. Além disso, quem quiser que a obra
seja muito ornamentada, deve traçar linhas rectas contínuas ao longo da
parede por cima da parte superior do dorso do arco e formará a arquitrave,
as faixas 1386 e as cornijas como aquelas que se entende que devem ser usa-
das no sistema de colunas com a mesma altura. Mas como umas basílicas
são rodeadas por um pórtico, outras por dois, por tal razão variará a forma
como as cornijas assentam nas colunas e nos arcos. Efectivamente, nas que
são cingidas por um só pórtico, a elevação das cornijas atingirá cinco nonos
ou até quatro sétimos da altura total do muro; ao passo que naquelas em que
há duplo pórtico, as cornijas elevam-se a não menos que um terço, nem a
mais que três oitavos.

1383
Na terminologia contemporânea estas colunas são designadas por pilares.
1384
Ou de gola direita.
1385
Livro III, cap. 6.
1386
No paramento da parede, situado por cima da colunata dos Hospital dos Inocentes
(1421-55), em Florença, de Brunelleschi, está desenhado um conjunto de faixas que
visualmente se apoia nos fechos dos arcos.

496
O Ornamento de Edificios Sagrados

Além disso, para servir de ornamento, mas também por utilidade, apli-
car-se-ão ao muro, por cima das primeiras comijas, outras colunas, princi-
palmente quadrangulares 1387 , que assentam no meio do centro das colunas
principais colocadas por baixo. Importa que, salvaguardada a solidez da
ossatura, e acrescida a imponência da obra, se alivie em grande parte a
carga e a despesa do muro. A esta colunata superior juntam-se ainda comi-
jas salientes, conforme a natureza da obra exigir 1388 •
Acrescente-se que, nas basílicas com dois pórticos, se colocam coluna-
tas umas em cima das outras, em número de três do tecto até ao chão; nas
outras, apenas duas. Onde puseres três colunatas, o espaço do muro que está
sobre as colunas até Iao travejamento da cobertura será dividido em duas
partes, e por esse ponto serão demarcadas as segundas comijas. Entre as pri-
meiras e as segundas comijas conservar-se-á o muro intacto e omamentar-
-se-á com figuras em baixo-relevo; por seu lado, o muro que está entre
as segundas e as terceiras comijas será perfurado de janelas e deixará entrar
a luz.
E, ao longo dos intervalos superiores das colunatas, far-se-ão has basíli-
cas janelas uniformes e correspondentes umas às outras. A sua largura não
será mais estreita do que três quartos do intervalo que há entre as colunas.
A altura das janelas ocupará vantajosamente o dobro da largura. Se as jane-
las forem quadrangulares, o lintel ficará ao nível do topo das colunas,
excluindo o capitel; se, porém, as próprias janelas forem arqueadas, será per-
mitido elevar o dorso do arco quase até debaixo da arquitrave e também
será permitido utilizar um arco abatido, como se quiser, mas que ele não
ultrapasse a altura da coluna mais próxima.
Sob as janelas colocar-se-á um plúteo com um cimácio de gola ou de
óvulos. Os vãos das janelas serão ocupados por uma malha reticulada, mas
não tapados com as lâminas de gesso usadas nos templos. Convém que
tenham alguma coisa que quebre e intercepte os ventos agrestes, que emba-
tem contra as janelas, e as chuvas incómodas, para que não provoquem
nenhum dano. Por outro lado, é necessário que respirem sem interrupção e
com toda a liberdade, não vá o pó, levantado pela grande quantidade de pés,
prejudicar os pulmões e os olhos. Aí, pois, merecem a minha aprovação as
lâminas finas de bronze ou de chumbo, pintadas, por assim dizer, com mui-
tos furos, pelos quais a luz possa penetrar, e o ar com o movimento da brisa
se purifique.

1387
Se adossadas às paredes são designadas por pilastras.
1388
À semelhança do que se verifica no Coliseu de Roma.

497
Livro Sétimo

O travejamento será muito belo, se o tecto interior for aplanado à seme-


lhança de uma superfície uniforme e sendo as tábuas perfeitamente ajusta-
das. E serão traçados grandes círculos com dimensões adequadas, misturados
com figuras poligonais; os caixotões serão separados individualmente,
tomando os delineamentos dos elementos das cornijas, principalmente a
gola, os óvulos, as pérolas e as folhagens entrelaçadas; far-se-ão os bordos
dos caixotões, cingidos a toda a volta de bandas de pedras preciosas, com
uma saliência adequada e visível, e entre as flores resplandeçam também os
insignes acantos; os espaços interiores serão embelezados pelo engenho dos
pintores até atingirem toda a elegância e beleza.
Plínio dizia que o ouro se colava à madeira com "leucóforo", uma
massa obtida assim 1389 : misturam-se seis libras de ocre vermelho do Ponto,
dez libras de ocre amarelo brilhante; deita-se-lhe mel da Grécia; e não se
aplica na obra antes de passarem doze dias. Mastigue dissolvido em óleo de
linhaça e misturado com ocre vermelho de Elba bem queimado proporciona
uma cola absolutamente indestrutível.
A altura da porta nas basílicas tem por referência o pórtico. Se no exte-
rior se acrescentar um pórtico em lugar do vestíbulo, terá a mesma altura e
a mesma largura que o pórtico do interior. O vão, as ombreiras e outras
medidas das portas serão obtidas dos templos; mas a basílica não é conside-
rada digna de ter batentes de bronze: serão, pois, feitos de madeira de
cipreste, cedro, e outras do mesmo género, e serão ornamentadas com pitões
de bronze; toda essa obra será consolidada tendo em vista a sua resistência
e duração, mais do que o prazer. Ou se, por fim, se deve atender um pouco
à beleza, fixem-se, não pequenas peças embutidas com que imitamos pintu-
ras, mas antes relevos ligeiramente salientes 1390 , que ornamentem a obra e se
conservem facilmente.
Também tentaram construir basílicas circulares. Nestas, a altura ao meio
da calote é igual ao diâmetro total da basílica. Os pórticos, as colunatas, as
portas, as janelas e outros elementos do mesmo género são definidos com as
mesmas proporções das basílicas poligonais. Até aqui, sobre esta matéria.

1389
Nesta citação, foi usada uma versão corrupta de Plínio-o-Antigo (Nat., XXXV, 36) dado
que Alberti confunde mel (mel) com a terra grega de Meios (uma das ilhas das Cícla-
des) que apresenta, como o sinope (terra de Sinope-cidade costeira do Mar Negro) ou
ocre vermelho, uma cor natural mas com pigmento branco (melinum), já referida por
Vitrúvio (VII, 7, 2-3). Cf. Caye-Choay, 2004, p. 346, n. 151.
1390
Baixo-relevos.

498
O Ornamento de Edificios Sagrados

CAPÍTULO XVI

Passo aos monumentos. Agrada-me aqui, para satisfação do espírito, ser


um pouco mais interessante do que tenho sido até aqui, enquanto todo o
nosso discurso se ocupava dos números das medidas. Mas serei, quanto pos-
sível, conciso e breve no que vou dizer.
Como os nossos antepassados, depois de vencerem com valor e força os
inimigos, continuassem a alargar as fronteiras do império, implantavam este-
las e marcos, com que indicassem o percurso da vitória e tornassem o terri-
tório, obtido com as armas, marcado e distinto do dos inimigos. Daqui nas-
ceram os marcos, as colunas e outros sinais de acontecimentos a serem
reconhecidos. Depois disso, mostrando-se gratos para com os deuses, pronti-
ficaram-se a atribuir uma parte do saque às coisas sagradas e confiaram à
religião as manifestações da alegria pública. Daí os altares, os pequenos
templos, e outros monumentos do mesmo género que se inseriam na mesma
finalidade. Determinaram que era necessário terem em vista o seu nome e a
sua celebridade, e empenharam-se em que o seu vulto fosse conhecido e as
suas virtudes proclamadas entre o género humano. Daí que tenham sido
inventados os despojos, as estátuas, as inscrições e os troféus, coisas que
contribuíam para celebrar a sua fama. Seguiram-oos, depois, não só aqueles
que socorreram a pátria em alguma situação, mas também os que gozavam
de prosperidade e riqueza, na medida em que lhes foi possível demonstrá-lo
por meio dos seus bens.
Mas na concretização desse objectivo, foi diverso o que a cada um
agradou. Os marcos do pai Baco, que ele implantou como sinal da sua via-
gem aos confins da Índia, eram pedras dispostas a curta distância e árvores
gigantescas cujos troncos estavam enlaçados pelas heras 139 1• Em Lisima-
quia 1392 havia um altar enorme que os argonautas erigiram durante a sua
expedição. Pausânias 1393 colocou nas margens do rio Híparis, no Ponto, uma
cratera de bronze, com a espessura de seis dedos, que tinha a capacidade de
seiscentas ânforas 1394 . Alexandre, nas margens do rio Acesines 1395 , além do

1391
Curt., VII, 9, 15.
1392
Cidade marítima da Trácia, próxima do estreito dos Dardanelos.
1393
Político e general que comandou as forças gregas na batalha de Plateias em 479 a. C ..
1394
A que corresponde uma capacidade de cerca de 20 000 litros e uma espessura de
II cm. Cf. Hdt., IV, 81.
1395
Rio da Índia conhecido actualmente como Chenaub.

499
Livro Sétimo

Oceano, erigiu doze altares, feitos de um bloco quadrado enorme; e junto do


Tánais 1396 circundou com um muro todo o espaço que ocupar~ com o seu
acampamento: obra até uns sessenta estádios 1397 • Dario, tendo montado o
acampamento junto dos Odrísios 1398 nas margens do rio Artesco, mandou
que cada soldado lançasse uma pedra para formar montículos, a fim de que
os vindouros, ao vê-los, os admirassem, grandes em número e em tama-
nho 1399 • Comandando Sesóstris 1400 o exército, honrava aqueles que lhe resis-
tiam corajosamente, erigindo uma coluna onde estavam gravadas inscrições
magnificentíssimas; contra aqueles, porém, que tivessem cedido sem com-
bate, esculpia os órgãos femininos em monumentos de pedras e de colu-
nas 140 1• Jasão 1402 erigia para si mesmo templos em cada uma das regiões que
percorresse; todos eles foram destruídos por Parménion 1403 , para que aí não
fosse célebre o nome de ninguém, senão o de Alexandre.
Estas coisas construíram eles durante as suas expedições. Mas, logo que
alcançaram a vitória e restabeleceram a paz, passaram a proceder assim. No
templo de Palas Laboriosa 1404 suspenderam os grilhões com que os Esparta-
nos tinham sido acorrentados. Os Enianos 1405 não só guardaram, mas tam-
bém adoraram como divindade, a pedra com que o Rei dos Inaquienses foi
ferido e morto pelo rei Fémio. Os Eginetas 1406 consagraram no templo os
esporões dos navios arrebatados aos inimigos. Augusto, imitando-os,
enquanto vencedor do Egipto fabricou quatro colunas com os esporões dos
navios, que depois o imperador Domiciano colocou no Capitólio. Júlio
César, tendo vencido os Cartaginenses numa batalha naval, a estas acrescen-
tou duas, uma nos Rostros 1407 , outra diante da Cúria 1408 • Mas hei-de eu refe-
rir aqui as torres, os templos, os obeliscos, as pirâmides, os labirintos, e
outros monumentos do mesmo género que os historiadores recolheram?

1396
Actualmente é o rio Don.
1397
Equivalente a 11 ,08 km.
1398
Grupo étnico mais possante da Trácia central (Thuc., II, 96).
1399
Hdt., IV, 92.
1400
Rei lendário do Egipto a quem foram atribuídas conquistas em África e na Ásia.
140 1
Hdt., II, 102.
1402
Tirano de Feras, cidade da Tessália, no séc. IV a. C.
1403
General e conselheiro de Filipe II da Macedónia e de Alexandre Magno (séc. IV a. C.).
1404
Templo de Atenas.
1405
Povo da Tessália central.
1406
Habitantes da ilha de Egina no golfo com o mesmo nome, entre a Ática e a Argólida.
1407
Tribuna na qual falavam os oradores no Fórum, omamen·ada com os esporões (rostra)
em bronze dos navios capturados na batalha de Âncio no ano de 383 a. C ..
1408
Sede do Senado Romano.

500
O Ornamento de Edificios Sagrados

O desejo de se celebrizarem em obras deste género chegou ao ponto de


fundarem cidades com o seu nome e o dos seus, a fim de passarem à pos-
teridade. Alexandre, para não falar de outros, além daquelas que construiu
com o seu nome, edificou ainda a cidade de Bucéfala 1409 com o nome de um
quadrúpede. Mas, em minha opinião, a obra mais adequada de todas foi a de
Pompeio: tendo posto Mitridates em fuga, no lugar onde o tinha derrotado,
aí mesmo fundou a cidade de Nicépolis, situada na Arménia Menor. Mas
parece que Seleuco 141 0 os venceu a todos: na verdade, fundou três Apameias
em honra da sua esposa, cinco Laodiceias em honra de sua mãe, nove
Selêucias em sua própria honra, e dez Antioquias em honra de seu pai.
Outros colheram o fruto da celebridade não tanto pela magnitude da
despesa, como pela novidade de algumas invenções. César semeou uma flo-
resta com as bagas do loureiro que levara no seu triunfo e consagrou-a aos
futuros triunfos. Em Ascalão, na Síria, houvera um templo insigne, no qual
foi colocada uma estátua de Dércetis 1411 , com rosto humano e a extremidade
do corpo em forma de peixe, porque aí se teria atirado a um lago; e acres-
centou-se que seria sacrílego um Sírio que comesse peixe do lago 141 2 • Junto
do lago Fúcino 14 13 , os Mutínios 141 4 fizeram uma Medeia Angícia 1415 com
figura de serpente, porque, com a sua ajuda, tinham sido libertados do opró-
brio das serpentes. Muito semelhante a estas é a Hidra de Hércules, lo 1416 e
. a Hidra de Lema 14 17, e as representações que os antigos poetas pintaram nos
seus versos. Estas representações merecem-me a maior aprovação, contanto
que ostentem alguma coisa que tenha sabor a virtude: como aquilo que
esculpiram no Sepulcro de Osimandias 14 18 • De pé está um juiz e um grupo
de dignitários vestidos de trajes sagrados; do seu pescoço pende sobre o
peito a verdade, movendo a cabeça para baixo com os olhos fechados; no
meio está uma pilha de livros e esta inscrição: "Estes são os verdadeiros
remédios do espírito" 14 19 •

1409
Cavalo de Alexandre Magno.
14 10
Seleuco I, rei da Síria (312-281 a. C.).
1411
Deusa síria relacionada com a Afrodite grega.
14 12
Cf. Diod. Sic., II, 4, 2-3 .
1413
Fúcino, lago do centro da Itália que somente se conseguiu drenar no séc. XIX.
1414
Habitantes de Mútina, actual Modena.
1415
Divindade da população que antigamente habitava o lago Fúcino.
1416
Jovem de Argos sacerdotisa de Hera Argiva.
1417
A Hidra também tinha a designação de fera de Lema.
1418
Identificado como Ramsés II do Egipto.
1419
Diod. Sic. (I, 49, 3).

501

'
Livro Sétimo

Mas, se não erro, o mais egrégio foi o uso de estátuas. Na verdade, ser-
vem de ornamento para os edificios sagrados e profanos, públicos e priva-
dos, e asseguram uma extraordinária memória tanto das pessoas como dos
acontecimentos. E, certamente, quem quer que tenha sido essa pessoa de
grande engenho que inventou as estátuas, julgam que nasceram juntamente
com a religião e proclamam que foram os Etruscos os inventores das está-
tuas 1420 • Outros pensam que foram os Telquines 1421 de Rodes os primeiros a
fabricar estátuas de deuses; e escrevem que elas, consagradas a cerimónias
mágicas, costumavam trazer nuvens, chuvas e outras coisas semelhantes, e
transformavam as formas dos seres vivos, à sua vontade 1422 • Na Grécia
Cadmo 1423 , filho de Agenor, foi o primeiro que consagrou estátuas dos deu-
ses num templo. Em Aristóteles lemos que as primeiras a serem postas em
Atenas, no fórum, foram em honra de Hermedoro e de Aristogíton, porque
eles tinham sido os primeiros a acabar com a tirania 1424 • O historiador
Arriano recorda que, tendo sido elas levadas por Xerxes, Alexandre as
trouxe de Susa e as restituiu aos Atenienses 1425 • Em Roma, dizem que era
tamanha a abundância de estátuas, que se dizia que lá havia um segundo
povo, o de pedra. Ramsés, um rei muito antigo do Egipto, erigiu estátuas de
pedra em honra de Vulcano com a altura de vinte e cinco côvados 1426 •
O Egípcio Sesóstris erigiu uma estátua para si e para sua esposa com a
altura de trinta e dois côvados 1427 • Amásis 1428 fez em Mênfis uma estátua
jacente: o seu tamanho era de quarenta e sete pés, e na sua base erguiam-se
outras duas, com a altura de vinte pés 1429 • No túmulo de Osimandias, foram
colocadas três estátuas, uma obra admirável de Mémnon 1430 , talhadas num só
bloco de pedra; uma delas, sentada, era tão grande que o seu pé excedia sete

142
° Cf. De statua, op. cit..
1421
Os Telquines são os génios de Rodes com poderes mágicos, representados sob a forma
de seres anfibios, meio marinhos, meio terrestres.
1422
De acordo com Diodoro Sículo (V, 55, 2), estas transformações aplicam-se aos próprios
Telquines.
1423
Fundador mítico da cidade de Tebas na Beócia.
1424
Ambos foram executados por tentarem, sem sucesso, matar o tirano Hípias em 514
a. C.. Cf. Plin., Nat., XXXIV, 17.
1425
Arr., Anab., III, 16, 7-8.
1426
De acordo com Heródoto (II, 176) a estátua tinha setenta e cinco pés de altura, equiva-
lente a 22,20 m, isto é, aproximadamente o dobro da altura sugerida por Alberti. Cf.
Portoghesi, 1966, p. 655, n. 8.
1427
Equivalente a 14,18 m. Cf. Hdt., II, 110; Diod. Sic., I, 57, 5.
1428
Faraó do Egipto em 570 a. C.
1429
Hdt. , II, 176.
143
° Cf. Diod. Sic. (1, 47, 3-4).
502
O Ornamento de Edificios Sagrados

côvados 1431 ; e além da mão do artista e do tamanho da pedra, o que é de


admirar, não havia em tão grande massa fissura ou mancha. E como não
havia pedras que satisfizessem as dimensões pretendidas, os que lhes suce-
deram decidiram fundir estátuas de bronze com cem côvados. Mas, adian-
tando-se a todos, Semíramis, tendo falta de pedra e ambicionando algo de
mais grandioso do que aquilo que poderia obter com o bronze, esculpiu em
um monte da Média, que se chama Bagistano, numa pedra com dezassete
estádios 1432 , a sua efígie a ser venerada com oferendas por cem homens 1433 •
Acerca das estátuas penso que, de maneira nenhuma, devo preterir
aquilo que lemos em Diodoro: que os estatuários egípcios costumavam ser
tão dotados de arte e engenho que, de várias pedras postas em diversos
lugares, conseguiam executar um só corpo de uma estátua, reunindo as res-
pectivas partes segundo um plano de tal modo bem definido que parecia
terem sido feitas num só lugar pelo mesmo artista. Dizem que com esta téc-
nica admirável foi erigida em Samos a estátua de Apolo Pítio, metade da
qual era obra de Télecles, ao passo que a parte restante foi realizada em
Éfeso por Teodoro 1434 •
Admitamos que estas coisas tenham sido ditas para recrear o espírito;
gostaria, porém, que, embora venham muito a propósito desta matéria, se
considerasse que foram aqui referidas como que tomando-as de empréstimo
ao livro que se segue, quando tratarmos dos monumentos dos particulares,
onde tinham todo o cabimento. Com efeito, como os particulares dificil-
mente suportassem ser superados pelos príncipes em magnificência de gas-
tos, porque também eles ardiam em avidez de glória, e desejavam forte-
mente, de qualquer modo ao seu alcance, difundir a celebridade do seu
nome, por esse motivo não olharam a despesas, tanto quanto a sua fortuna
lhes permitia; e não pouparam meios para conseguir o que estava em poder
dos artistas e podia ser alcançado com as forças do engenho. Por isso, por-
fiando igualar-se aos grandes reis na elegância dos delineamentos e no
decoro da obra, conseguiram, na minha opinião, que os não devamos colo-
car muito depois daqueles nesta matéria; por isso, ficarão para o próximo
livro. Isto prometo: quando as leres, verás que tais coisas darão prazer. Mas
não omitamos aquilo que tem a ver com este livro.

1431
Equivalente a 3,10 m.
1432
Equivalente a 3,14 km.
1433
Diod. Sic. (II, 13, 2).
1434
Télecles e Teodoro são dois escultores, filhos de Reco, um arquitecto de Samos, activos
c. 550-c. 520 a. C .. Cf. Hdt., III, 60; Diod. Sic., I, 98, 5-6.

503
Livro Sétimo

CAPÍTULO XVII

Há quem sustente que não se devem colocar estátuas nos templos. Diz-
-se que o rei Numa, seguindo a doutrina dos Pitagóricos, proibiu que se
pusesse nos templos qualquer estátua 1435 • Daí que Séneca se risse de si
mesmo e dos seus concidadãos. "Na verdade- diz ele- brincamos às bone-
cas, como crianças" 1436 ; mas os que foram instruídos pelos nossos maiores
argumentam deste modo, apelando à razão: quem será tão estúpido que não
entenda que os deuses não devem ser representados com os olhos, mas com
a mente? 1437 E é certo que é absolutamente impossível haver quaisquer for-
mas, com as quais seja lícito imitar ou representar, no todo ou na mínima
parte, uma realidade tão grande. E não havendo, em suma, absolutamente
nenhuma forma feita com a mão com que o alcancemos, alguns são de opi-
nião que é conveniente que cada homem represente no seu espírito, acerca
do primeiro princípio das coisas e da inteligência divina, a imagem que mais
se adeqúe às capacidades do seu engenho. Assim, pois, de mais bom grado
hão-de venerar a majestade do altíssimo nome 1438 •
Outros pensam diversamente. Com efeito, dizem que foi atribuída aos
deuses aparência humana com o excelente e sábio desígnio de que os espí-
ritos ignorantes se converteriam da sua vida depravada mais facilmente onde
estivessem presentes as estátuas das quais se aproximavam, crendo que se
aproximavam dos deuses. Outros ofereceram as imagens daqueles que
tinham sido beneméritos da humanidade, e que acharam que deviam ser
recordados no número dos deuses, a fim que, sendo colocados em lugares
sagrados e visitados, os vindouros os venerassem e se inflamassem, com o
desejo de glória, na imitação da virtude.
Mas é muito importante, sobretudo nos templos, ver que estátuas deve-
mos colocar, em .que lugares, com que frequência, e de que matéria são

1435
Por considerar que era ímpio ligar coisas superiores às inferiores e dar uma forma
humana ou animal aos deuses. Cf. Plut., Num., 8, 13; Euseb., Prep., IX, 6.
1436
Esta citação não corresponde integralmente ao que Séneca (Ep., 24, 13; 115,8) afirmou,
se bem que o sentido seja semelhante.
1437
Esta orientação está presente no tratamento da luz no interior dos templos, principal-
mente em relação aos contrastes de luz e sombra e ao equilíbrio entre luz natural e arti-
ficial (Livro VII, cap. 12), bem como nos sistemas proporcionais assentes em conso-
nâncias musicais (Livro IX, caps. 5 e 6), como sinais inteligíveis de uma harmonia
cosmológica.
1438
Cf. Religio, in Intercenales, I; Livro VII, cap. 13.

504
O Ornamento de Edificios Sagrados

feitas. A minha opinião é que não devem ser como as estátuas ridículas do
deus espantalho nas hortas, nem como a dos guerreiros no pórtico e outras
assim, nem devem ser colocadas em lugar acanhado e ignóbil. Mas primeiro
trataremos da matéria, depois do resto.
Os Antigos - diz Plutarco - faziam as estátuas de madeira, como em
Delos a de Apolo, e como a de Júpiter, que era feita de vide e se manteve
incorrupta durante muitos anos, na cidade de Populónia 1439 , e como a de
Diana de Éfeso, que uns dizem que era de Ébano 1440 , e Muciano 1441 de vide.
Peiras, que edificou o templo de Juno Argólica e consagrou como sacerdo-
tisa a sua filha, de um tronco de pereira fez uma estátua de Júpiter.
Houve quem proibisse que se fizessem estátuas de pedra, alegando que
é dura e selvagem. Rejeitavam igualmente o ouro e a prata, porque era pro-
veniente de terra infecunda e estéril e porque tinha uma cor doentia 1442 • Na
verdade, diz o poeta: "Júpiter estava de pé, mal coberto no seu estreito tem-
plo, e na sua mão direita tinha um raio de barro cozido" 1443 • Entre os Egíp-
cios houve quem julgasse que deus era ígneo, e que habitava no fogo etéreo,
e que não podia ser compreendido pela inteligência do homem; por tal
motivo quiseram que as estátuas dos deuses fossem de cristal. Outros consi-
deram que as estátuas dos deuses se fazem, com toda a propriedade, de
pedra negra, alegando que essa cor era incompreensível; outros, por fim,
dizendo que era a cor que convinha aos astros.
Eu, no entanto, tenho dúvidas quanto à matéria de que devem ser feitas
as estátuas dos deuses. Dir-me-ás, sem dúvida, que deve ser digníssima a
matéria com que se faça um deus; mas muito próximo do mais digno está o
que é raro. Todavia, tal não sou eu que queira fazer estátuas de sal, como
refere Solino que os Sicilianos costumavam fazer, ou de vidro, como diz Plí-
nio 1444 • Nem, igualmente, de ouro puro ou de prata: não como eles, porque
o rejeitaram sob pretexto de ter nascido de terra estéril e ser de cor doentia.
São muitas as razões que me levam a isso; entre as quais a seguinte: eu pró-

1439
Cidade etrusca com acesso ao mar situada no promontório sobre Porto Baratti.
1440
Plin., Nat., XVI, 213.
1441
Licínio Muciano, cultor de ciências da natureza e de geografia sobre a Ásia Menor,
muito citado por Plínio-o-Antigo como fonte de ocorrências milagrosas, foi cônsul nos
anos 52, 70, e 75 d. C. (cf. Williamson, 2005).
1442
Euseb., Prep., III, 8.
1443
Ov., Fast., I, v. 201-202.
1444
Ver Livro VII, cap. 10. Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 66) menciona estátuas em vidro
e em obsidiana.

505
Livro Sétimo

prio me persuadi de que é importante para o culto religioso que as estátuas,


que apresentamos para serem adoradas em lugar dos deuses, sejam muito
semelhantes aos próprios deuses, tanto quanto se pode conseguir. Penso,
pois, que quanto à sua duração devem ser imortais, na medida em que é
possível, sendo feitas por mortais. Ou qual direi ser o motivo pelo qual os
Antigos davam tanto valor à opinião recebida dos antepassados sobre coisas
desta natureza, a ponto de considerarem que em determinado lugar a ima-
gem pintada do deus ouvia as preces e os votos dos justos, ao passo que,
em outro lugar, a estátua do mesmo deus, colocada na proximidade, os
ouvia menos? Mais ainda, se mudares de lugar as estátuas que o vulgo
venerava muito, não encontrarás quem continue a acreditar neles ou lhes
confie os seus votos, como se eles fossem esbanjadores. É, pois, necessário
que as estátuas tenham lugares fixos, a elas consagrados como sua proprie-
dade e sejam os mais dignos.
Dizem que em lugar algum, segundo a memória dos homens, foi vista
uma obra elegante em ouro 1445 , como se o príncipe dos metais desdenhasse
ser embelezado com disfarces artísticos. Assim sendo, não é condigno fazer
em ouro as estátuas dos deuses, que nós desejamos sejam as mais condig-
nas. Acrescente-se que, levados pela cobiça, lhes roubarão não apenas a
barba de ouro, mas mais ainda fundirão integralmente os deuses na sua tota-
lidade, se forem de ouro.
Muito me agradará que sejam de bronze, a não ser que me deixe sedu-
zir pela brancura de um mármore absolutamente puro. Mas haverá no bronze
a vantagem da perenidade que me leva a preferir o bronze, contanto que
façamos as estátuas com tais características que maiores sejam os motivos
para detestarem o crime, se as destruírem, do que o proveito se as fundirem
para outros usos. Serão assim aquelas que, com o trabalho do martelo ou da
fundição, revestirmos de uma fina lâmina, como se fosse a pele.
Escrevem os Antigos que fizeram uma estátua de marfim de tal dimen-
são que mal cabia sob o tecto do templo 1446 • Não o louvo; é preciso que a
estátua seja adequada quanto à dimensão da forma e do traçado e à propor-
ção das partes. E talvez, nas barbas e nas sobrancelhas, os rostos mais seve-
ros dos grandes deuses não condigam bem com a suave efigie das donzelas.
Além disso a raridade de deuses aumentará, se não estou enganado, a sua
veneração.

1445
Cf. De pictura (II, 49).
1446
As estátuas de Zeus em Olímpia e a de Atena Parténia de Fídias são exemplos a citar.

506
O Ornamento de Edificios Sagrados

No altar vtra muito a propósito colocar duas ou não mais que três.
O número das restantes será distribuído pelos nichos nos lugares mais ade-
quados. Peço com insistência que, na medida em que possas consegui-lo do
artista, cada um dos deuses, dos heróis, exprima a sua vida e costumes, na
sua compleição e na sua atitude. Consideram belo, mas eu não quero que
tenha gestos de pugilista ou de actor de teatro; mas gostaria que no seu
rosto e em todo o aspecto do corpo, revele a graça e a majestade digna de
um deus aos que dele se aproximam, de tal modo que pareça, com um
aceno da cabeça e com a mão, acolhê-los com toda a benevolência, e que-
rer espontaneamente atender as suas súplicas.
Estabeleço que, nos templos, devem ser postas estátuas deste género e,
as restantes, destinadas aos teatros e aos edificios profanos.

507
LIVRO OITAVO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS
PÚBLICOS PROFANOS

CAPÍTULO I

m outro lugar explicámos que os ornamentos são de extrema importân-

E cia para a arte edificatória 1447 ; e é bem sabido que os ornamentos não
são devidos por igual a todos os edificios. Na verdade tens de trabalhar
com toda a arte e empenho para que tomes omamentadíssimos os edificios
sagrados, sobretudo os públicos: estes são, efectivamente, preparados para os
deuses, ao passo que os profanos não o são senão para os homens; por isso,
é de toda a conveniência que os menos dignos cedam aos mais dignos;
serão, no entanto, embelezados com as partes dos ornamentos que lhes são
próprias.
No livro anterior tratámos de como devem ser os edificios sagrados
públicos. Segue-se que inventariemos os profanos. Explicaremos, por isso,
que ornamento deve ser atribuído a cada um.
A minha opinião é que a via é uma obra eminentemente pública: com
efeito, é preparada não só para os cidadãos, mas também para comodidade
dos estrangeiros. Mas, como há viajantes que se deslocam por terra e outros
por água, é necessário falar destes dois aspectos. Gostaria que retomasses
aquilo que dissemos em outro lugar: que há vias militares e outras não mili-
tares 1448 ; e, além disso, que uma via dentro da cidade deve ser diferente da
que vai através do campo 1449 •
A via militar que vai através do campo será muito bem ornamentada
pelo próprio campo por onde passa, se ele estiver cultivado, semeado, abun-
dando em quintas, estalagens, e em amenidade e abundância de recursos; se

1447
Ver Livro VI, cap. 2.
1448
Ver Livro IV, cap. 5.
1449
Ver Livro VIII, cap. 6.

509
Livro Oitavo

oferecer à vista ora o mar, ora os montes, ora um lago, ora um curso de
água ou nascentes, ora a aridez de uma escarpa ou de uma planície, ora um
bosque e um vale 1450 • Também servirá de ornamento se não se apresentar
muito inclinada, nem íngreme, nem imunda, mas, por assim dizer, vaga-
bunda e plana, e absolutamente desimpedida.
Para conseguirem estes requisitos, que coisa houve que os nossos maio-
res não tenham feito? Não me refiro às vias construídas com uma camada
de seixo muito duro e pavimentadas com um amontoado de pedras enormes
até ao centésimo marco miliário. Pavimentaram a Via Ápia de Roma até
Brundísio. Vêem-se a cada passo, em todas as vias militares, rochedos cor-
tados a pique, montes desventrados, colinas trespassadas, vales nivelados à
custa de despesas incalculáveis e de obras prodigiosas 1451 • Tudo isso serve a
utilidade mas também o embelezamento.
Além disso, será proporcionado um ornamento muito conveniente se os
viandantes depararem com ocasiões frequentes para encetarem conversas
sobre assuntos particularmente interessantes 1452 • "Um companheiro conversa-
dor - dizia Labério - serve de veículo durante a viagem" 1453 • E, na verdade,
não pouco a conversa nos alivia do cansaço da caminhada. Por tal motivo,
eu que sempre manifestei grande apreço pela prudência dos nossos maiores
em outras decisões, rendo-lhes o maior louvor na seguinte deliberação -
embora com essa invenção, de que falaremos adiant~, tivessem em perspec-
tiva coisas maiores do que favorecerem os que iam de viagem: "Não sepul-
tarás - diz a Lei das Doze Tábuas - nem cremarás ninguém dentro da
cidade" 1454 • Depois disso, por um antigo decreto do Senado, proibiram que
alguém fosse sepultado no interior das muralhas da cidade, excepto as ves-
tais e o imperador 1455 , porque não estavam sujeitos às Leis 1456 • Aos Valérios
e aos Fabrícios - diz Plutarco - era-lhes lícito, a título honorífico, serem

1450
Ver Livro IV, cap. 5 e o Livro V, cap. 17.
1451
Cf. Prólogo.
1452
A conversação em viagem é "uma espécie de luz subsidiária da beleza e como que o
seu complemento" (Livro VI, cap. 2).
1453
AuJo Gélio (XVII, 14) compara Publílio Siro (cf. Sententiae, 104) a Décimo Labério,
mas a citação (Facundus comes in via pro vehiculo est) deve-se ao primeiro (cf. Macr. ,
II, 7, 11 ). Portoghesi, 1966, pp. 666-667, n. 2.
1454
Cf. Cic., Lg., II, 22, 55 - 26, 64. Sobre outras referências de Alberti à Lei das XII
Tábuas veja-se o Livro IV, cap. 5 e o Livro VIII, cap. 2.
1455
Durante a República Romana o título de imperador identificava-se, normalmente, com o
de comandante vitorioso a quem era atribuído um triunfo e no Império com o poder
supremo.
1456
Cf. Serv., A., II, v. 206.

510
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

sepultados no fórum; mas os seus descendentes, mal aproximavam a tocha


da pira, de imediato a levavam para outro lugar, mostrando que lhes era
lícito fazer isso, mas não queriam 1457 . Colocavam, pois, no campo os túmu-
los dos seus, em lugares adequados e conspícuos ao longo da via; e, na
medida em que os seus recursos e as mãos dos artífices o possibilitavam,
faziam tudo para que os sepulcros fossem carregados de ornamentos. Salien-
tavam-se, portanto, construídos com os ornamentos mais requintados, não
faltavam colunas em abundância; resplandeciam os revestimentos; brilhavam
as estátuas, os relevos e os quadros; contemplavam-se os rostos traçados no
bronze ou no mármore com uma arte finíssima. Quanto eles, homens sapien-
tíssimos, contribuíram com este costume para o bem da República e para os
bons costumes, não há motivo para que me alongue a explicá-lo. Tocarei
apenas nos aspectos que digam respeito à nossa matéria. De facto, que pen-
sas tu? Os viajantes, se algumas vezes passavam pela Via Ápia ou por qual-
quer outra via militar, ao vê-las maravilhosàmente cheias de grande abun-
dância de túmulos, acaso não se deleitavam grandemente, quando se lhes
deparava um, e outro, e ainda outro, e mais outro sepulcro, ornamentadís-
simos, onde reconheciam as inscrições e as efigies de homens ilustres?
E então? De tantos testemunhos da memória do passado, acaso não se ofe-
recia a ocasião para que, recordando os feitos de homens insignes, não só
aliviassem o cansaço da viagem conversando sobre isso, mas também
aumentassem a glória da cidade 1458 ? Mas, de facto, isso era o menos impor-
tante. O que mais devia ser apreciado era que isso contribuía maravilhosa-
mente para o bem, e a incolumidade da pátria e dos cidadãos. Entre as prin-
cipais razões que levaram os ricos a recusar a Lei Agrária, o historiador
Apiano assegura que foi o facto de considerarem uma impiedade que os
· túmulos dos seus maiores passassem a ser propriedade de estranhos 1459 • Por-
tanto, quantos bens patrimoniais pensamos nós que chegaram aos bisnetos
graças só à veneração e respeito da caridade, ou da piedade, ou da religião,
bens que um jogador de dados e os esbanjadores teriam perdido? Acres-
cente-se que isso era um ornamento do nome e da posteridade, tanto para as
famílias como também para a cidade, com o que eram incitados uma e outra

1457
Plut., Popl., 23, 6.
1458
A implantação de sepulcros ao longo das vias participava, à semelhança da sua pavi-
mentação e do seu traçado sobre as mais diversas paisagens, da sua ornamentação com
o objectivo de amenizar a viagem com uma finalidade cívica.
1459
A Lei Agrária, promulgada em 133 a. C. por Tibério Graco, estipulava a distribuição de
terras públicas - ager publicus- pela plebe. Cf. App., Hist., XIII, 10.

511
Livro Oitavo

vez a preferirem Imitar as virtudes 1460 dos homens mais homenageados.


E que mais dizer? Com que olhos poderiam ver, se tal acontecesse, um ini-
migo insolente e grosseiro dentro dos túmulos dos seus familiares? Quem
seria tão cobarde e tão pusilânime que não se inflamasse de imediato no
desejo de vingar a pátria e a honra? E a desonra, ou a piedade, ou a dor
provocada por tal afronta, quanta fortaleza não lançaria no espírito dos
homens?
Portanto, os Antigos merecem os nossos louvores. Não me atreverei,
todavia, a censurar os nossos contemporâneos que fazem enterros dentro da
cidade em lugares sacratíssimos, contanto que não introduzam o cadáver no
templo, onde os senadores e os magistrados se reúnem junto do altar para
implorar aos deuses, com o que às vezes sucede que a pureza do sacrificio
é contaminada pelo mau cheiro de uma atmosfera de corrupção 1461 • Quanto
mais comodamente o faziam aqueles que instituíram a cremação dos cor-
pos 1462.

CAPÍTULO II

Em relação às questões fundamentais dos sepulcros, convém não omitir


aqui aquilo que parece necessário dizer-se. Estão muito próximos de serem
considerados obras públicas, porque pertencem à religião. "Seja lugar sagrado
-diz a lei - aquele onde depositas o corpo de um homem" 1463 • E nós decla-
ramos isso mesmo: que as leis dos sepulcros são do domínio da religião. Por
conseguinte, uma vez que a religião se deve antepor a todas as coisas, con-

1460
Virtude apresenta o significado de excelência e acção relacionada com um propósito
cívico.
1461
Pio II proibiu a sepultura de cadáveres na catedral de Pienza, c_om projecto de Bernardo
Rossellino, sob a possível orientação de Alberti. No entanto, este não é reconhecido
pelo Papa como arquitecto, mas como um "descobridor de antiguidades", enquanto o
primeiro é considerado merecedor de "uma distinção especial entre todos os arquitectos
do nosso tempo" (Cf. Commentarii, trad. ingl. de F. A. Gregg, 1959, IX, p. 288, XI,
p. 316; Smith, 1992, pp. 98-129; Rykwert eta/ii, 1988, p. 399, n. 12).
1462
A antiga prática da cremação dos corpos, defendida como medida higiénica, somente
foi reavivada no séc. XIX, mas foi condenada pela Santa Inquisição que, em 1886 no
pontificado de Leão XIII, a considerou ímpia (cf. Mancini, 1887, pp. 72-73). A nobreza
romana, a partir do séc. I a. C., começou a substituir a inumação pela cremação de
cadáveres, adoptada no Império a partir dos sécs. I e II d. C. (cf. Plin., Nat., VII, 187).
1463
Cic., Lg., II, 22, 55-56.

512
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

sidero que, antes de passar aos edificios públicos profanos, se deve falar dos
sepulcros, embora pertençam ao domínio jurídico privado.
Quase em parte nenhuma existiu gente tão selvagem que não sentisse
que devia haver alguns princípios quanto [em relação] aos sepulcros,
excepto não sei que Ictófagos 1464 , dos quais, oriundos do mais extremo da
barbárie da Índia, dizem que tinham o costume de lançar ao mar os seus
defuntos, afirmando que pouco interessava que se desfizessem na terra, na
água ou no fogo 1465 • Os Albanos também consideravam que era sacrilégio
cuidar dos defuntos 1466 . Os Sabeus 1467 tinham por estrume os corpos dos
defuntos; e despejavam nas estrumeiras até mesmo os reis. Os Trogloditas
amarravam a cabeça do morto aos pés e levavam-no à pressa a sepultar
entre risos e graçolas e, sem terem em conta o lugar, atiravam-no à terra e
na cabeceira colocavam um como de cabra 1468 . Mas ninguém que seja civi-
lizado lhes dará sua aprovação.
Outros, tanto no Egipto, como na Grécia, edificavam túmulos, não só
ao corpo mas também ao nome dos amigos, cuja piedade não há ninguém
que não louve. Julgo, porém, que devem ser ouvidos em primeiro lugar
aqueles sábios que, na Índia, diziam que os mais notáveis de todos os monu-
mentos eram os que, confiados à posteridade, se conservariam em memória
dos homens, ou aqueles sábios que celebravam as exéquias dos homens mais
admirados não de outra maneira senão cantando os seus louvores; mas por
causa daqueles, que lhes sobrevivem, estabeleço que também se deve ter o
corpo em conta. Acrescente-se que é evidente que os túmulos muito contri-
buem para a posteridade de um nome 1469 •
Os nossos antepassados, para agradecerem àqueles que tivessem pres-
tado notáveis serviços à República, com o seu sangue e a sua vida, e para
incitarem os outros a almejar idêntica glória na virtude, costumavam consa-
grar-lhes publicamente não só estátuas mas também túmulos. A muitos,
porém, dedicaram estátuas, túmulos a poucos, talvez porque entendiam que

1464
Ou comedores de peixe, uma das tribos da Gedrósia que habitavam as margens do Mar
Vermelho, a quem Camões (Lusíadas, IV, 65, l-2) chama de "gentes incógnitas e estra-
nhas".
1465
Diod. Sic., III, 19, 6.
1466
Strab., XI, 4, 8.
1467
Antiga tribo da Arabia Felix (Arábia Ditosa) cujo nome deriva da sua capital: Sabá.
1468
Diod. Sic., III, 33, 2.
1469
À semelhança do que sucede no templo Malatestiano em Rimini, com os sarcófagos de
Sigismondo e de lsotta Malatesta na frontaria, bem como com os túmulos de homens
ilustres nas arcadas das paredes laterais.

513
Livro Oitavo

aquelas desapareciam devido às intempéries e ao passar dos anos; ao passo


que a santidade dos túmulos - diz Cícero - está no próprio chão que coisa
alguma pode destruir ou mover: pois assim como com o passar dos anos
tudo o resto se extingue, assim também os túmulos se tomam mais sagra-
dos 147o .
Na verdade, consagraram os túmulos tendo em vista, se me não engano,
proteger, com o temor dos deuses e a religião, aquele cuja memória confia-
vam à construção e à estabilidade do solo, a fim de que o túmulo se con-
servasse sem ser violado, mesmo pela mão do homem. Daí a determinação
da lei das Doze Tábuas, que não permitia apoderar-se, por usucapião, do
vestíbulo ou da entrada para o túmulo 1471 • Acrescente-se, ainda, a lei, que
impunha uma pena grave, se alguém violasse um túmulo ou destruísse ou
partisse uma coluna do túmulo 1472 •
Finalmente, em todos os povos de bons costumes houve uns ordena-
mentos dos túmulos. Foi tão grande em Atenas o cuidado dos túmulos que
se algum governante fosse negligente em honrar com um túmulo os caídos
na guerra, era condenado à morte. Entre os Hebreus era proibido por lei que
se deixasse insepulto até mesmo um inimigo. Muitas coisas se referem
acerca dos géneros de exéquias e de túmulos, que não vem a propósito
expor; como aquilo que se conta sobre os Citas 1473 : que durante o banquete
costumavam comer os defuntos para os homenagearem 1474 ; e que outros cria-
vam cães para que devorassem os mortos. Mas, acerca disto, baste o que até
aqui se disse.
Quase todos aqueles que quiseram uma república bem constituída nas
suas leis, procuraram, em primeiro lugar, que não se fizessem exéquias nem
funerais muito sumptuosos. Pela lei de Pítaco 1475 não era permitido colocar
em cima de um montículo de terra outra coisa além de uma colunata de não

147
° Cic., Phil. , IX, 14.
1471
Cic., Lg. , II, 24, 61.
1472
Cic., Lg. , II, 26, 64. Assim, para os Romanos a arquitectura tumular era, sob o ponto
de vista da protecção jurídica, mais restritiva quando comparada com a da restante
arquitectura.
1473
Conjunto de tribos nómadas que habitavam antigamente a Cítia, que abrangia parte do
Sudeste da Europa e do Sudeste da Ásia, desde o Norte do Mar Negro até ao Mar Arai,
ao Sul da Sarmácia.
1474
Plin., Nat., VI, 53 e VII, 9.
1475
Cf. Cic., Lg., II, 26, 66. Trata-se de uma lei de Demétrio de Falérios, passada em Ate-
nas (317-315 a. C.), no âmbito da legislação para regularizar contratos e títulos de pro-
priedade, bem como para restringir abusos, e não de uma lei promulgada por Pítaco,
um legislador da ilha de Lesbos.

514
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

mais de três côvados de altura 1476 : consideravam que não devia haver distin-
ção de sorte naquilo em que a natureza era comum a todos, mas tudo seria
comum tanto para a plebe como para os mais ricos. Deste modo, eram
cobertos com simples terra segundo o costume tradicional; e, segundo a sua
interpretação, era assim que estava certo porque o corpo, que vinha da terra,
devia ser depositado na terra como no regaço de sua mãe. Deterrhinaram os
Antigos que ninguém fizesse um túmulo que empregasse mais trabalho do
que o que levam dez homens a construí-lo em três dias 1477 • Todavia, foram
os Egípcios que, acima de todos, construíram os túmulos com mais requinte.
Com efeito, proclamavam que erravam os homens que edificavam casas
luxuosíssimas, sendo elas uma estalagem de um brevíssimo tempo, ao passo
que, em comparação, eram negligentes para com os túmulos onde haviam de
repousar durante muitíssimo tempo.
Mas, para mim, afigura-se verosímil que os povos durante a Antigui-
dade instituíram o seguinte. No lugar onde o cadáver era enterrado, a prin-
cípio colocavam, para o assinalar, uma pedra ou talvez uma árvore 1478 - esta
foi muito do agrado de Platão nas suas Leis - e depois começaram a cons-
truir por cima e em redor, para impedir que um animal selvagem, escavando
e desenterrando, fizesse alguma coisa repugnante. Em seguida, ao voltar a
face do ano, em que viam o campo florido ou carregado de frutos, como
estava no dia em que os seus deixaram esta vida, surgiam, certamente, no
seu espírito, as saudades dos entes queridos que tinham perdido; e, recor-
dando ao mesmo tempo os seus ditos e os seus feitos, dirigiam-se a esse
lugar e honravam com as coisas com que podiam a memória do defunto. Foi
talvez daqui que nasceu o costume de, tanto os outros povos como sobre-
tudo os Gregos, honrarem com oferendas os túmulos dos beneméritos da
pátria. Aí se juntavam - diz Tucídides - em trajos festivos e traziam as pri-
mícias dos seus frutos 1479 • Consideravam esta acção a mais piedosa e de
todas a mais sagrada, a ponto de a realizarem mesmo em cerimónia pública.
O que faz com que eu possa prosseguir nesta conjectura: a partir daí insti-

1476
Equivalente a I ,33 m.
1477
Platão (Lg., XII, 958e) refere que "Não levantem nenhum túmulo que leve mais do que
o trabalho de cinco homens em cinco dias" (cf. trad. esp. de 1. M. Pábon - M. F.
Galiano, 2002).
1478
Platão (Lg., XII, 947e) menciona que "plantarão à volta um bosque de árvores deixando
livre uma extremidade com a finalidade de que por este lado, que ficará perpetuamente
desembaraçado de terra, possa ser ampliada a sepultura para os que forem sendo enter-
rados" (cf. trad. esp. de 1. M. Pábon - M. F. Galiano, 2002).
1479
Thuc., II, 34.

515
Livro Oitavo

tuíram ainda colocar nas sepulturas não só túmulos ou colunetas, com o pro-
pósito de cobrir ou assinalar, mas também templos para terem onde fazer
essa cerimónia com dignidade. Por isso, procuraram que esses templos fos-
sem perfeitamente adequados e ornamentados em todos os pormenores.
Mas entre os Antigos foram vários os lugares onde se situavam estes
túmulos em lugar público. Platão era de parecer que um homem se deve
comportar de tal modo que, nem vivo nem morto, em nenhum aspecto se
tome pesado para a comunidade humana; e, por tal motivo, decretou que se
enterrasse não só fora da cidade, mas ainda em nenhum outro lugar que não
fosse um campo absolutamente estéril 1480 • Houve quem, imitando-o, desig-
nasse um lugar fixo para os túmulos, ao ar livre e segregado da comunidade
humana; a esses aprovo-os inteiramente.
Outros, pelo contrário, guardavam em casa os cadáveres embalsamados
em gesso ou em sal. O rei Miquerino do Egipto sepultou a sua filha num
boi de madeira e conservou-a junto de si no palácio real; e todos os dias
mandava que em sua honra celebrassem as cerimónias fúnebres 148 1 aqueles
que presidiam aos mistérios 1482 • Sérvio refere que os Antigos costumavam
colocar nos montes mais altos e mais visíveis os túmulos consagrados aos
homens mais importantes e mais nobres 1483 • Os Alexandrinos, no tempo do
historiador Estrabão, tinham recintos e jardins destinados à sepultura dos
corpos 1484 • Em época mais recente, a dos nossos pais, construíam-se capelas
anexas aos templos maiores para sepulturas 1485 • E em todo o Lácio se vêem
os jazigos das famílias construídos debaixo da terra, com umas separadas,
ao longo da parede, nas quais depositavam os restos dos corpos crema-
dos 1486 ; e conserva-se uma breve inscrição ao padeiro, ao barbeiro, ao cozi-
nheiro e ao massagista e a outros que viviam nessa família. Quando, porém,
sepultavam crianças pequeninas, encerravam na uma, para consolação das
mães, os seus retratos gravados em gesso. Colocavam nos túmulos as ima-

1480
PI., Lg., XII, 958d-e. De acordo com Ritter (1985, p. 346) Platão adoptou o costume
dos Egípcios de não utilizar terra fértil para sepultar cadáveres.
148 1
Parentare significa oferecer um sacrifício aos parentes falecidos. Os Parenta/ia eram as
festas religiosas de todas as almas que ocorriam anualmente em Roma em 13-21 de
Fevereiro. Neste período os templos estavam encerrados e não se celebravam casamen-
tos.
1482
Hdt., II, 129-130.
1483
Serv., A., II, v. 849.
1484
Strab., XVII, I, 10.
1485
À semelhança do que sucede com o templo de Santa Maria Novella em Florença.
1486
Cf. Fumo (2008, pp. 931-946).

516
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

gens, em mármore, dos antepassados, sobretudo dos homens livres. Isto


dizem eles.
Mas nós - onde quer que tenham instituído que o corpo dever ser
sepultado - não desaprovaremos aqueles que colocam os túmulos à memória
de alguém em lugares de maior dignidade.
Além disso, são estes os aspectos que nos agradam em monumentos
desta natureza: a forma da obra e o epitáfio. Eu não terei facilidade em
dizer qual foi a forma de edificar que os Antigos consideraram mais con-
digna do que as outras. O sepulcro de Augusto em Roma foi construído com
pedra de mármore quadrada e coberto de árvores, com uma fronde perpe-
tuamente verdejante 1487 ; no topo erguia-se uma estátua. Na ilha Tirina 1488 ,
não longe da Carmânia 1489 , a sepultura de Eritras 1490 era um enorme túmulo
plantado de palmeiras silvestres 149 1• A sepultura de Zarina, rainha dos Sacos,
era uma pirâmide de três lados e no vértice uma estátua colossal de ouro 1492 •
O túmulo de Artaqueu 1493 , prefeito de Xerxes, foi efectuado com terra amon-
toada por todo o exército.
Mas parece-me ver que aquilo que todos primeiro procuraram foi serem
diferentes dos restantes no delineamento, não porque desaprovassem as
obras dos outros, mas para que, com a novidade da sua invenção, os levas-
sem a olhar para si. E, com a difusão do costume de construir túmulos e
inventando-se com entusiasmo dia a dia novos delineamentos, chegou-se a
um ponto em que nada mais se pode imaginar que eles não tenham usado e
belissimamente levado à perfeição. E, finalmente, todos os aspectos são de
tal forma que merecem a mais alta aprovação. Mas, de toda a multidão de
pormenores, chamamos a atenção para este: que uns não se preocuparam
com mais nada senão em embelezar aquilo que continha o corpo; ao passo
que outros procuraram construir alguma coisa mais, à qual confiassem, com
muita beleza, os epitáfios e a fama das proezas realizadas. Por isso, os pri-

1487
De acordo com Estrabão (V, 3, 8) este sepulcro é coberto de álamos.
1488
A ilha a que se refere o texto é a de Ogyris no Mar Vermelho, à distância de dois mil
estádios de Carmânia, conhecida actualmente por Mazira ou Maceira. Cf. Strab., XVI,
3, 5; Plin., Nat., VI, 153.
1489
Região da Pérsia, actualmente Quirman.
1490
Rei da Ásia Meridional que deu origem à designação de Mar da Eritreia (Mar Ver-
melho).
149 1
Strab., XVI, 3, 5.
1492
Diod. Sic., II, 34, 3-5.
1493
Foi um dos súbditos de Xerxes encarregue de abrir o canal através do monte Atos em
480 a. C. (cf. Hdt., VII, 22).

517
Livro Oitavo

rneiros contentaram-se apenas com um esquife de mármore ou acrescenta-


ram-lhe, por cima, urna capela, do tamanho que o rito local exigisse, ao
passo que os segundos construíram, por cima, em obra grandiosa, urna
coluna, urna pirâmide, ou um mausoléu, ou coisa do mesmo género, não
com o intuito principal de guardar o corpo, mas muito mais para conservar
o nome e a memória do defunto.
Em Asso, na Tróade, dissemos que havia urna pedra, a pedra-sarcófago,
que consome os corpos rapidamente 1494 • Em solo constituído por entulho e
caliça, os humores do corpo desaparecem rapidamente. Não darei segui-
mento a estes pormenores.

CAPÍTULO III

Urna vez que estão apresentados os túmulos construídos pelos Antigos,


vejo agora que em uns lugares se edificaram capelas, em outros pirâmides,
em outros colunas, em outros urna obra diferente, corno os mausoléus e coi-
sas do mesmo género. Penso que é minha obrigação falar de cada urna des-
sas edificações em particular; e começarei pelas capelas.
Gostaria que estas capelas fossem corno que miniaturas dos templos.
E não recusarei, se tu lhe acrescentares linhas colhidas nos vários tipos de
edificios que quiseres, contanto que contribuam para a sua beleza e também
para a sua perenidade. Se há vantagem em construir em matéria nobre ou,
antes, vulgar estes monumentos que desejamos que sejam eternos - não se
sabe ao certo, por causa dos estragos dos saqueadores. Mas a ornamentação
dá grande prazer: corno dissemos em outro lugar 1495 , nada há melhor para
conservar as coisas e confiá-las à posteridade.
Dos túmulos, que sem duvida foram do maior esplendor, de tão emi-
nentes imperadores corno G. César e Cláudio 1496 , nada mais vemos no nosso
tempo ter subsistido do que urna pequena pedra quadrada de dois côva-
dos 1497 , em cada um deles, nas quais se conservam os seus nomes. De facto,
se me não engano, se fossem gravadas em pedra maiores já teriam desapa-
recido há muito tempo roubadas juntamente com os restantes ornamentos e
quebradas. Em outros lugares vêem-se outros túmulos vetustíssirnos, que

1494
Ver Livro II, cap. 9 (cf. Plin., Nat., XXXVI, 131).
1495
Ver Livro VI, cap. 2 e Livro VII, cap. 17.
1496
Cf. Suet., Aug., 100; C/., 45; Nero, 9.
1497
Equivalente a 88,64 cin.

518
O Ornamento de Edifícios Públicos Profanos

ninguém violou porque são feitos em aparelho reticulado 1498 ou em pedra


inútil para outras utilizações, de tal forma que conseguiram facilmente esca-
par às mãos dos gananciosos. Daí que eu pense ser meu dever aqui avisar
aqueles que pretendem que os seus túmulos sejam muito duradouros, de que
construam, sem dúvida, com pedra não frágil, mas não de tal modo bela que
alguém ou facilmente os deseje ou com destreza os surripie.
Além disso julgo que se deve observar neles uma certa medida em fim-
ção da dignidade de cada um, de tal modo que mesmo nos reis censuro a
pródiga insolência dos gastos. E, certamente, reprovo aquelas obras prodi-
giosas que os Egípcios construíram para si e que desagradam aos próprios
deuses, visto que nenhum deles foi sepultado em túmulos tão faustosos .
Outros, porventura, louvarão os nossos Etruscos que não ficaram muito atrás
dos Egípcios na magnificência de obras similares; e entre outros Porsena,
que construiu perto da cidade de Clúsio 1499 um sepulcro para si em pedra
lavrada, em cuja base, com a altura de cinquenta pés, havia um labirinto
absolutamente inextricável 1500 ; e sobre ele erguiam-se cinco pirâmides, uma
em cada ângulo e uma no meio, cujo comprimento na base media setenta e
cinco pés; e no topo havia um aro de bronze, do qual pendiam, ligadas por
cadeias, campainhas que, agitadas pelo vento, repercutiam o som até muito
longe; e em cima dessa mesma construção erguiam-se outras quatro pirâmi-
des, com a altura de cem pés, e ainda sobre estas outras incríveis, não só
pelo seu tamanho mas também pelo traçado. Essas construções prodigiosas e
inadequadas a qualquer utilidade, não serão bastante aplaudidas por mim.
Aprovaram o túmulo de Ciro e consideraram que a sua moderação
devia ser preferida à ostentação das obras de uma grandeza desmedida.
Efectivamente, junto de Pasárgadas 15 0 1 erguia-se uma cela abobadada muito
pequena, em pedra lavrada, com uma pequena porta com menos de dois pés.
No interior, em atenção à sua dignidade régia, o corpo de Ciro estava depo-
sitado numa uma de ouro. Esta edícula era rodeada por um vergel plantado
de toda a espécie de árvores de frutos e ao largo verdejava aquele lugar com
um prado refrescante, e não faltavam por todo o lado a roseira e flores em
abundância, e tudo era perfumado, risonho, ameno. E com isto condizia um

1498
Cf. Livro III, cap. 6.
1499
Actualmente conhecida por Chiusi.
1500
Ver Livro IV, cap. 3, onde se refere o labirinto etrusco. Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI,
91) afirma que a altura de 50 pés se reporta a todo o monumento e não somente à base.
1501
Cidade fortificada persa em ruínas, fundada por Ciro, o Grande, conhecida actualmente
por Darabgerd. Cf. Plin., Nat., VI, 116.

519
Livro Oitavo

epitáfio assim escrito: "Eu sou aquele homem, Ciro, filho de Cambises, que
vos lembrais de ter construído o império dos Persas. Não há, pois, razão
para que invejes que esta cela me albergue" 1502 .
Mas volto de imediato às pirâmides. Alguns povos fizeram, porventura,
pirâmides triangulares, todos outros quadrangulares. Aprouve-lhes que tives-
sem de altura tanto como de largura. Louva-se aquele que, em certo lugar,
traçou as arestas das pirâmides de maneira que não projectassem sombras.
A maior parte edificou todas estas pirâmides com pedra aparelhada, alguns
também com tijolos.
Havia colunas edificatórias 1503 , por toda a parte usadas nos edifícios, e
havia outras de modo nenhum aptas, devido ao seu tamanho, para usos civis
na construção, mas inventadas apenas para servir de comemoração e de
marco para a posteridade.

~I

Pedestal de coluna comemorativa.

1502
Arr., Anab., VI, 29, 4-8.
1503
Entenda-se colunas estruturais portantes.

520
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

As partes da coluna são as seguintes. Em vez de um pedestal e de uma


base, erguem-se degraus a partir do próprio pavimento do solo; sobre eles,
um dado 1504 quadrado; sobre este eleva-se mais outro dado, algo menor que
o primeiro; em terceiro lugar vem a base da coluna; a seguir a própria
coluna; sobre ela o capitel; no lugar mais alto, uma estátua colocada sobre
um apoio. Há quem tenha colocado, entre o primeiro e o segundo dado, uma
espécie de plinto, no lugar do apoio, para que a obra tenha uma beleza mais
sublime.
Os delineamentos de todas estas partes serão calculados, tal como nas
obras dos templos, a partir do diâmetro da parte inferior da coluna; mas essa
base, quando a obra for de grandes dimensões, terá um único toro, não
vários como as demais colunas. Dividir-se-á, pois, a espessura da base em
cinco partes: darás duas ao toro, e três ao plinto. O comprimento do plinto,
em qualquer lado, terá cinco quartos do diâmetro da coluna 1505 •
Os dados, nos quais assenta a base, têm as seguintes partes. Na extre-
midade superior, há-de ressaltar um cimácio que é devido a todas as partes
da estrutura; na inferior haverá um soco: é assim que eu chamo, por seme-
lhança, à moldura saliente em forma de degraus, ou de onda, ou de gola,
que é própria de uma base de qualquer elemento. Mas acerca de um dado de
este tipo, devem ser ditas algumas coisas, que omitimos no livro anterior
destinando-as a este lugar.
Eu disse que sucedeu pensar-se que se deviam construir muretes 1506 sob
as colunas 1507 • Como pretendessem, depois de fazer os muros, ter passagens
mais livres, retiraram as partes intermédias e deixaram tanto do murete sob
as bases das colunas, quanto fosse bastante para as sustentar. A isso que
assim restou nós chamamos dado. Este murete teve como ornamento na
extremidade superior um cimácio de gola, ou de onda, ou algo semelhante.
Do mesmo modo, na extremidade inferior correspondia-lhe um soco seme-

1504
Em geral de forma paralelepipédica.
1505
Cf. Livro VII, cap. 5. Alberti utiliza, principalmente nos Livros VII e VIII, uma
notação arcaica para expressar as relações numéricas como resultado da multiplicação
de fracções com o numerador igual à unidade: diam etro columnae dimidium dimidii
quinquies (cinco vezes a metade da metade do diâmetro da coluna), ou seja, cinco quar-
tos do diâmetro da coluna. Isto deve-se à necessidade de operacionalizar, de forma
repetitiva e expedita, à semelhança do que propõe Vitrúvio, aquelas relações por meio
de compasso, evitando-se os correspondentes cálculos numéricos (cf. Carpo, 2003,
p. 451).
1506
Partes emergentes das fundações. Ver Livro III, cap. 5.
1507
Ver Livro I, cap. lO e Livro VII, cap. 5.

521
Livro Oitavo

lhante. Por conseguinte, cingiram o dado com estes dois ornamentos; e fize-
ram esse cimácio com a altura de um quinto ou de um sexto da altura do
dado; quanto ao dado, fizeram-no com uma largura em parte nenhuma infe-
rior à largura da base da coluna, para evitar que o plinto construído por
cima ficasse pendurado no vazio. Outros, por uma questão de solidez, acres-
centaram à largura do murete um oitavo do plinto. Além disso, a altura do
dado mais pequeno, descontando o cimácio e o soco, ou era igual à sua lar-
gura, ou um quinto superior. Portanto, entre os mais requintados, não só
houve muretes, como também se encontram dados.
Volto às colunas 1508 • Sob a base da coluna colocar-se-á o dado, que,
como dissemos, deve corresponder em dimensões adequadas à referida base.
Este dado terá como cimácio uma cornija completa, de preferência jónica 1509 ,
cujas linhas, como te recordas, são as seguintes: na extremidade inferior
uma gola, depois um ressalto, depois uma rudentura, depois uma saliência
de mútulos coberta, por último, na extremidade superior, uma onda. Em
baixo, porém, no próprio dado estende-se uma onda invertida, com cordões
e filete em ordem inversa. O dado que fica por debaixo deste será traçado
igualmente com linhas equivalentes; de tal modo que nada do que se cons-
trói sobre ele fique suspenso no vazio; mas, desde o nível do pavimento,
elevar-se-ão em direcção a ele três ou cinco degraus com alturas e proprie-
dades diferentes entre si. Estes degraus conjuntamente serão iguais no total
da altura a não mais que um quarto nem menos que um sexto do dado colo-
cado por cima deles. Neste dado abrir-se-á uma portinha, onde serão embu-
tidos ornamentos dóricos ou j6nicos, como aqueles que referimos nos tem-
plos. No dado superior gravar-se-ão inscrições e esculpir-se-á um amontoado
de despojos da batalha. Se entre estes dois dados se intercalar algum orna-
mento, terá de altura um terço da sua largura; e esse espaço será ocupado
por relevos embutidos, como por exemplo deusas aplaudindo, a Vitória, a
Glória, a Fama, a Abundância, e outras representações do mesmo género. Há
quem tenha revestido o dado superior com bronze dourado.
Concluídos os dados e a base, levantar-se-á a coluna. A sua altura
medirá sete vezes o seu diâmetro. Se a coluna for muito grande tornar-se-á,
na extremidade superior, mais delgada que na inferior, não mais do que uma
décima parte; nas colunas mais pequenas seguiremos o que expusemos no
livro anterior 1510 • Há quem tenha levado a altura da coluna até aos cem pés

1508
Entenda-se colunas comemorativas.
1509
Ver Livro VII, cap. 9.
°
15 1
Cf. Livro VII, cap. 6.

522
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

e revestido toda a sua superfície com esculturas em relevo e com a narração


de factos históricos. E no interior talharam degraus em caracol, pelos quais
se pode subir até ao cimo 1511 • A uma coluna deste género aplicaram um capi-
tel dórico, eliminando o colar por cima do ábaco do capitel. Nas colunas
mais pequenas assentam-se a arquitrave e os ornamentos da faixa e da

Proporções de colunas comemorativas.

cornija talhados em quadrado; nas muito grandes omitem-se esses ornamen-


tos: dificilmente se encontravam blocos de pedra de tão grandes dimensões
e não era fácil colocá-los sobre a obra.

151 1
Como sucede com a coluna de Trajano, em Roma, concluída em 113 d. C., de 38
metros de altura e, no seu interior, com uma escada em caracol de 185 degraus, que dá
acesso a uma plataforma.

523
Livro Oitavo

Em ambas se porá na extremidade superior alguma coisa que sirva de


base onde se colocará uma estátua. Se esse apoio acaso for um dado qua-
drado, então os seus ângulos não deverão exceder a parte sólida da coluna;
se, pelo contrário, for redondo, o seu tamanho não sairá fora das linhas
desse quadrado. O tamanho da estátua será a terça parte da coluna. E quanto
a colunas ficamos por aqui.
Quanto ao mausoléu 1512, os Antigos costumavam traçar os seguintes
delineamentos. Em primeiro lugar elevava-se uma área 1513 quadrada, alteada
à maneira da dos templos. Depois erguia-se um muro com não menos do
que a sexta parte nem mais do que a quarta do comprimento da área. Os
ornamentos ou eram embutidos à parede apenas em cima e em baixo e ainda
nos ângulos; ou, além disso, sobressaíam colunatas adossadas ao longo da
parede. Se as colunas não eram postas senão nos ângulos, então a altura
total do muro, excluindo os degraus do soco, dividia-se em quatro partes;
das quais se destinavam três à coluna, incluindo o capitel e a base, ao passo
que a parte de cima se destinava aos restantes ornamentos, isto é à argui-
trave, à faixa e à cornija. Por sua vez esta parte de cima subdividia-se em
dezasseis módulos: à arquitrave destinavam-se cinco módulos, à faixa outros
cinco, seis à cornija com a sua onda. O espaço que ficava sob a arquitrave
até ao soco do pedestal dividia-se em vinte e cinco partes; das quais se des-
tinavam três à altura do capitel, duas à base; o comprimento da coluna
preenchia a parte intermédia restante. Em ângulos deste género faziam-se
sempre colunas quadrangulares. A base era formada de um único toro; esta
constituía metade da altura da base. Na parte inferior, no lugar do filete a
coluna tem os mesmos delineamentos da sua saliência, como no sumoscapo.
A largura da coluna nestas obras constituía a quarta parte do seu compri-
mento.
Quando, porém, o muro era preenchido por uma fila de colunas, então
as colunas que se assentavam nos ângulos tinham de largura uma sexta parte
do seu comprimento; ao passo que as restantes colunas ao longo do muro
e os seus ornamentos eram tiradas dos delineamentos dos templos. Entre
estas colunatas e aquelas imediatamente anteriores há esta diferença: naque-
las, sob a arquitrave estende-se, de um ângulo ao outro, ao longo de todo o
muro, uma base em baixo e no cimo um colarinho e um filete ; isso não

1512
O termo moles, que significa edifício de grandes dimensões, é utilizado por Alberti para
se referir a mausoleum , tomando como referência a Mole Adriana, transformada no
período medieval no Castell Sant 'Angelo (cf. Portoghesi, 1966, p. 690, n. l ).
1513
O termo area apresenta o significado de plano ou de planta.

524
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

acontece quando sobressaem várias colunas adossadas, embora tenha havido


quem, como nos templos, tenha feito o delineamento da base à volta de
toda a obra.

l
t
Proporções do mausoléu.

No interior deste perímetro quadrangular formado pelas paredes, erguia-


-se uma estrutura circular e bem visível, sobressaindo acima das paredes, já
colocadas, não menos que metade do seu diâmetro nem mais que dois ter-
ços. E a largura desta estrutura circular ocupava não menos que metade do
diâmetro maior dessa área quadrangular nem mais que cinco sextos; a maior
parte das estruturas circulares ocuparam três quintos. E repetiam estruturas
circulares nas quadradas, e alternadamente num segundo quadrado uma
segunda estrutura circular, da maneira que eu disse, sobrepondo-as até à
quarta estrutura. E como ornamento usavam os delineamentos que referimos
até aqui.
Não faltavam ao longo do próprio mausoléu degraus muito úteis, e
capelas para o culto, e colunatas sobressaindo do muro para o céu, e entre
as colunas a beleza das estátuas e as inscrições distribuídas e colocadas nos
lugares apropriados.

525
Livro Oitavo

CAPÍTULO IV

Mas passo de imediato às inscrições. O seu uso foi múltiplo e variado


entre os Antigos. Com efeito, usaram-nas não só nos túmulos, mas também
nos edificios sagrados e ainda nas habitações privadas. Gravavam nos fron-
tões do templo - diz Símaco - os nomes dos deuses a quem os dedica-
vam 1514 • Os nossos compatriotas tinham o costume de gravar nas capelas a
quem e em que ano se fazia a dedicação. O que é muito do meu agrado 151 5 •
E não deixe de vir a propósito o que se segue. Tendo o filósofo Crates
chegado a Cízico, encontrou por toda a parte estes versos gravados nas habi-
tações particulares: "Hércules, o valentíssimo herói filho de Júpiter, aqui
habitava: que nenhum mal entre nesta casa" 1516 ; ele, escarnecendo, acon-
selhou a que gravassem antes: "Aqui habita a pobreza"; na verdade, ela
afastará todo o género de monstro com mais prontidão e eficácia do que
Hércules.
Mas as inscrições ou serão escritas, as que se chamam epigramas, ou
serão assinaladas com símbolos e imagens. Platão ordenava que nos sepul-
cros não se escrevessem mais de quatro versos 1517 • Do mesmo modo diz
[Propércio] :

"Tu, no meio da coluna, insere um poema em minha homenagem,


mas breve, tal que um recoveiro apressado, vindo da cidade con-
siga ler sem parar" 1518 •

E, sem dúvida, a prolixidade excessiva, tanto em outros casos, como


sobretudo neste, é extremamente enfadonha. Ou se, enfim, for mais prolixo,
seja totalmente elegante, erudito, e contenha algo que mova o espírito à pie-

1514
Aurélio Símaco, Relationes ad principes, III, 7.
1515
Os frisos do Sagrado Sepulcro que Alberti projectou para a família Rucellai, em Flo-
rença, bem como as fachadas do Tempio Malatestiano , em Rimini, e da igreja de Santa
Maria Novella, em Florença, apresentam, nas incisões epigráficas, letras romanas
maiúsculas geometricamente desenhadas que foram adoptadas, tanto pelos copistas
como pelos arquitectos do Renascimento, como modelo.
15 16
Diog. Laert. , VI, 50.
15 17
Platão (Lg., XII, 958e) refere que não se devem erguer pilares de pedra com uma
dimensão maior da que seja necessária para apoiar um elogio, constituído por não mais
de quatro versos heróicos, sobre a vida do defunto.
1518
Prop., IV, 7, v. 83 et seq ..

526
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

dade, à misericórdia, à gratidão, e que ninguém se arrependa de ter lido, e


que ajude a fixá-lo na memória e a recitá-lo. Elogia-se o de Omenea:

"Se os cruéis destinos permitissem resgatar as almas,


eu de bom grado, querida Omenea, daria a minha pela tua;
mas agora fugirei do que me resta, da luz e dos deuses,
para te seguir, por morte intempestiva, através do Estige" 1519 .

E em outro lugar diz ele:

"Ninguém me faça as exéquias.


Porque, ainda vivo, voo nas bocas dos homens doutos" 1520 .

No sepulcro daqueles que tombaram nas Termópilas, os Lacedemónios


tinham gravado:

"Estrangeiro, comunica aos Lacedemónios que nós aqm Jazemos,


seguindo as suas ordens" 1521 •

E não desdenharemos, se tiver algum chiste maravilhoso deste género:

- Olá, viandante, aqui o marido e a esposa não discutem.


Perguntarás quem somos: não o direi.
- Mas di-lo-ei eu: este é Bélbio o gago e chama-me Brébia Pepa.
- Ó mulher, mesmo morta dizes parvoíces?"

Coisas deste género são muito agradáveis.


Fixavam no mármore grandes letras de bronze dourado. Os Egípcios
usavam símbolos da forma seguinte. Com um olho significavam a divin-
dade t 522 ; com um abutre, a natureza; com uma abelha, o rei; com um cír-
culo, o tempo; com um boi, a paz; e assim por diante. E diziam que cada
povo conhece apenas as suas próprias letras e que um dia sucederá que
desapareça o conhecimento delas, como entre nós, Etruscos. Por toda a
Etrúria, vimos sepulcros exumados das ruínas das cidades e das necrópoles,

1519
Cf. Corpus Jnscriptionum Latinarum, VI, 12652.
1520
Epitáfio do poeta Énio (Cic., Tusc., I, 17). Cf. com a última frase da Saudação de
Ângelo Poliziano ao apresentar, nesta edição, o De re aedificatoria a Lourenço de
Medieis.
1521
Hdt., VII, 228.
1522
A adopção do olho alado com o mote Quid tum mostra o fascínio de Alberti pela
escrita hieroglífica.

527
Livro Oitavo

com inscrições em letras etruscas, como todos estão convencidos. Os carac-


teres imitam os Gregos e também os Latinos; mas ninguém entende o que
significam. Portanto, afirmam que aos restantes povos sucederá que o
mesmo igualmente aconteça; ao passo que o género de escrita que os Egíp-
cios usavam nestes casos pode facilimamente ser interpretado em todo o
mundo pelos especialistas, apenas aos quais vale a pena serem comunicadas
coisas da maior importância.
Imitando os Egípcios, a maioria dos povos esculpiu nos sepulcros coi-
sas variadas. No túmulo de Diógenes, o Cínico, erigiu-se uma coluna sobre
a qual puseram um cão de mármore de Paros. O sepulcro de Arquimedes em
Siracusa, abandonado devido à sua antiguidade, coberto de silvas e desco-
nhecido dos seus próprios cidadãos, gloriava-se Cícero de o ter descoberto
por conjectura a partir de um cilindro e de uma esférula que tinha visto
esculpida numa coluna que sobressaía do silvado 1523 • No sepulcro de Osi-
mandias, rei do Egipto, estava esculpida uma mãe num bloco de pedra de
vinte côvados 1524, com três diademas reais na cabeça com que mostrava ser
filha, esposa e mãe de reis 1525 • No sepulcro de Sardanapalo 1526 , rei da Assí-
ria, colocaram uma estátua sua com as m:ãos a bater palmas em gesto de
aplaudir e por baixo tinham escrito: "Fundei Tarso e Anquíale em um só
dia; mas tu, forasteiro, vá! come e bebe com alegria e júbilo, visto que tudo
o resto que aos homens pertence não é digno disto, ou seja, do aplauso" 1527 •
Em conclusão, são deste género os caracteres e os símbolos que os Antigos
usavam.
Pelo contrário aos nossos latinos agradou-lhes exprimir, esculpindo a
história, os feitos dos seus mais ilustres heróis. Daí as colunas, daí os arcos
triunfais, daí os pórticos cheios de história, pintada ou esculpida. Mas a
estas partes gostaria que confiasses apenas a memória dos acontecimentos de
maior dignidade e importância. Sobre este assunto, ficamos por aqui.
Já falámos das vias terrestres. Os percursos aquáticos gozarão dos mes-
mos ornamentos que se aprovarem para as vias terrestres. Mas uma vez que
nas marítimas e, em parte, também nas vias terrestres, são erigidas torres de
vigia, é delas que se impõe tratar.

1523
Cic., Tusc., V, 64-65.
1524
Equivalente a 8,86 m.
1525
Diod. Sic., I, 47, 5.
1526
O mesmo que o rei assírio Assurbanipal.
1527
Tarso é a capital da Cilícia e Anquíale uma cidade desta região da Ásia Menor. Strab.,
XIV, 5, 9.

528
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

CAPÍTULO V

As torres de vtgta constituem um ornamento importante, quando se


situam em lugares adequados e se constroem com os delineamentos conve-
nientes. E, se também não forem muito espaçadas, oferecer-se-ão ao longe
como algo digno de se ver. Não louvo, todavia, a época recente de há cerca
de 200 anos, que foi dominada pela doença da construção de torres mesmo
em cidades minúsculas: parece que não houve pai de família que pudesse
dispensar a sua torre; daí surgiram por toda a parte florestas de torres 1528 . Há
quem julgue que o espírito humano muda por influência do movimento dos
astros. Há cerca de 300 ou 400 anos foi tão forte o fervor religioso que os
homens não pareciam ter nascido para outro fim senão para construir edifi-
cios sagrados. Digo apenas isto: em Roma, por estes dias, observámos acima
de dois mil e quinhentos edificios sagrados, apesar de mais de metade deles
terem ruído. O que significa aquilo que vemos: que à porfia toda a Itália se
renova. Quantas cidades, que agora são de mármore, víamos, quando éramos
crianças, totalmente construídas de tábuas 1529 !
Volto às torres de vigia. Não refiro aqui o que lemos em Heródoto: que
em Babilónia havia no meio de um templo uma torre de vigia cuja base
media de lado nada menos que um estádio e que era constituída por oito
construções sobrepostas umas às outras 1530 • Louvo uma obra destas nas tor-
res de vigia: de facto, as construções aí empilhadas na vertical contribuem
para a graciosidade e a solidez, visto que o encadeamento de umas nas
outras se insere nas abobadas de tal modo que os muros ficam perfeitamente
consolidados.
Uma torre de vigia ou será quadrangular ou redonda. Em ambas a altura
deve ser proporcional à largura. A quadrangular, quando se pretende que seja
esguia, terá de largura um sexto da altura; a redonda terá de altura quatro

1528
Tanto as cidades de Bolonha e de Florença, onde as suas torres aluíram devido a guer-
ras, catástrofes e renovações urbanas, bem como a de S. Giminiano, que conservou
catorze torres com diferentes alturas, exemplificam esta "doença da construção de tor-
res".
1529
À semelhança de Suetónio (Aug., 28, 4), que refere que Octaviano Augusto embelezou
de tal maneira Roma que se podia gabar de ter legado, para a posteridade, uma cidade
de mármore onde havia uma de tijolos.
1530
Heródoto (1, 181) refere-se a um zigurate, construção característica da arquitectura reli-
giosa assíria e babilónica citada na Bíblia como torre de Babel, e não a uma torre de
VIgia.

529
Livro Oitavo

vezes o seu diâmetro. A que se pretende que seja muito encorpada, se for
quadrangular, terá de largura não mais que um quarto da altura; se for
redonda, terá de altura três vezes o seu diâmetro. À espessura do muro darás
nada menos que quatro pés, se a torre tiver até quarenta côvados de altura;
se tiver até cinquenta côvados, nesse caso dar-lhe-ás cinco pés; e até sessenta
côvados, darás seis pés 1531 ; e a partir daí prossegue com igual proporção 1532 •

_I l ]
""'; r
ri:.>

""" =
~

'E"' ~

I I 1
~ " .r
I
\
'=
F= ~ ~ F- l,l
!
i

~ .~ ~ _8 J
--

Pisos inferiores de um edificio em torre.

Nas torres de vigia lisas e simples são obrigatórios estes princípios. Mas
há quem lhes tenha acrescentado a meio da altura um pórtico exterior com
colunas independentes do muro; e há quem tenha lançado um pórtico em
caracol à volta da torre; e há quem a tenha cingido toda com pórticos como
se fossem coroas 1533 ; e quem a revestisse toda de animais esculpidos. Nestes

1531
A que corresponde, respectivamente, 1,18 m até 17,73 m de altura; 1,48 m até 22,16 m,
e 1,78 m até 26,59 m.
1532
Isto é, a uma relação de um para quinze.
1533
À semelhança da Torre de Pisa que, no primeiro e no último piso, é ornamentada com
uma sucessão de pórticos cegos e, nos restantes, por pórticos abertos.

530
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

casos, a proporção das colunatas não se afastará das restantes obras públicas;
contudo, será lícito tender para o adelgaçado 1534 , por causa do peso da cons-
trução.

Pisos superiores de um edificio em torre.

Mas quem quiser fazer uma torre segunsstma contra a violência das
intempéries e de aspecto muito agradável, há-de sobrepor às estruturas qua-
dradas estruturas redondas e, a seguir, quadradas às redondas 153 S, e há-de
diminuir progressivamente a obra, de modo que vá adelgaçando segundo a
proporção das colunas. Descreverei que é a que julgamos ser a mais conve-
niente.

1534
Ou com esbelteza, i.e. com uma figura alta e delgada que dilui, de forma aparente, o
peso real do edificado.
1535
Assim, a .variabilidade geométrica aumenta a resistência estrutural.

531
Livro Oitavo

Começa-se por erguer a partir da plataforma um basamento quadrangu-


lar. A sua altura ocupará a décima parte do total da altura que há-de haver
na obra desde o vértice superior até à extremidade inferior. A largura terá
um quarto dessa mesma altura. Aos muros, em cada um dos lados do basa-
mento, serão adossadas duas colunas ao meio e uma em cada ângulo, tendo
cada uma delas ornamentos distintos, como acabámos de dizer em relação
aos sepulcros. Neste tipo de basamento assentará uma espécie de capela qua-
drada, cuja largura terá duas vezes a altura do basamento; e terá de altura
tanto como de largura. E adossar-se-ão a ela, exteriormente, colunas como
aquelas que dissemos em relação aos templos. No terceiro, quarto e quinto
patamar, juntar-se-ão, a seguir, capelas redondas. Estas capelas serão, pois,
em número de três, e nós, por analogia com as canas, chamar-lhes-emos
nós 1536 • Por conseguinte a altura de cada um dos nós será igual à largura,
acrescida da sua duodécima parte, a qual queremos ter por basamento. A lar-
gura será tomada da capela quadrada inferior, que assenta no primeiro basa-
mento, do seguinte modo. Divide-se o lado dessa capela quadrada em doze
partes 1537 ; destas, rejeitando uma parte, dar-se-á o que restar ao primeiro nó
a seguir. Divide ainda em doze partes o diâmetro desse primeiro nó, e des-
sas partes darás onze ao segundo nó. E, usando igual proporção, farás com
que o terceiro nó seja uma décima parte mais delgado que o segundo. Com
esta progressão conseguiremos aquilo que a maior parte dos mestres da
Antiguidade recomendaram em relação às colunas: que o fuste seja, na
extremidade inferior, uma quarta parte mais grosso que no vértice. Aos nós
serão adossadas colunas ornamentadas, não mais do que oito nem menos do
que seis. Então, em cada nó e nos lugares convenientes da capela, serão
abertas janelas e nichos com os ornamentos que lhes são apropriados. O vão
da janela não terá mais que metade do intercolúnio. Neste género de torre
de vigia, o sexto patamar da obra, o mais alto, que assentará sobre o terceiro
nó, como acabei de dizer, será uma estrutura quadrada; e a sua altura, bem
como a sua largura, será estabelecida de tal modo que não tenha mais do
que dois terços do diâmetro do nó superior 1538 • Como ornamento terá
somente pilastras adossadas aos pilares que sustentam à abóbada. Haverá
ainda uma arquitrave, capitéis e outros ornamentos do mesmo género. Mas,

1536
Analogia biológica utilizada para sugerir o crescimento orgânico e em altura de uma
torre.
1537
Ver Livro VII, cap. 5.
1538
As ilustrações de Bartoli sobre os edifícios em torre não seguem as proporções indica-
das no texto por Alberti.

532
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

ao meio dos muros, abrir-se-ão passagens de maneira a formarem uma


encruzilhada. No sétimo e último patamar levantar-se-á um pórtico redondo
aberto em toda a volta, com colunas lisas e independentes. O comprimento
das colunas, incluindo os seus ornamentos, será igual ao diâmetro da área do
pórtico. Por sua vez o diâmetro terá três quartos da largura da capela que
lhe fica por baixo. Sobre esta colunata circular colocar-se-á uma cobertura
esférica 1539 .
Nas capelas rectilíneas e quadradas, erguer-se-ão acrotérios 1540 nas extre-
midades dos ângulos. O seu tamanho será igual à altura da comija, da faixa
e da arquitrave que lhe ficam por baixo. Na primeira capela quadrada que
assenta no basamento inferior, o vão terá cinco oitavos do total da sua lar-
gura medida pelo lado de fora.
Mas entre os Antigos foi muito admirada a invenção do rei Ptolemeu
junto da ilha de Faros 1541 , o qual, para facilitar a navegação nocturna, orde-
nou que houvesse archotes suspensos no alto de uma torre de vigia, bem
visíveis e continuamente em movimento, para que as chamas, ao longe, não
fossem tomadas por estrelas 1542 • Contribuirão perfeitamente para o mesmo
efeito também as imagens em movimento que mostram de que lado da terra
sopra o vento 1543 ou em que zona do céu se encontra o sol e que parte do
dia percorreu. Sobre estes aspectos, fica o que até aqui foi dito.

CAPÍTULO VI

A seguir entraremos na cidade. Mas, visto que, não só dentro mas tam-
bém fora da cidade, há vias, como é o caso das que levam ao templo, à
basílica ou ao espectáculo, muito mais importantes do que podem ser por
sua própria natureza, por isso mesmo tratemos delas em primeiro lugar.

1539
Em rigor semiesférica.
1540
Pequena base de apoio colocada na ponta e sobre as extremidades laterais dos frontões
para suportar elementos ornamentais.
154 1
Faros era uma ilha do porto de Alexandria, no Egipto, onde estava situado o Farol, uma
das sete maravilhas do mundo antigo.
1542
Plin., Nat. , XXXVI, 83 ; Strab., XVII, I, 6-10 e Sol. 32, 43 et seq..
1543
À semelhança do que reporta Vitrúvio (1, 6, 4) sobre a torre de ventos em Atenas, feita
por Andronico de Cirro, que colocou no topo "um tritão de bronze estendendo com a
mão direita uma vara e engendrado de maneira a dar a volta com o vento, parando na
direcção da brisa e apresentando a vara como um ponteiro sobre a figura do vento a
soprar".

533
Livro Oitavo

Lemos que Heliogábalo pavimentou as vias mais largas e mais impor-


tantes com pedra da Macedónia e com pórfiro 1544 • Os historiadores louvam
uma via por onde em Bubastes 1545 , cidade egípcia, se ia para o templo: com
efeito, passava pelo fórum e estava calcetada com pedras excelentes; a sua
largura media quatro pletros 1546 ; de ambos os lados havia árvores verdejan-
tes 1547 • Refere Aristeu que em Jerusalém havia graciosas passagens, mais ele-
vadas, pelas quais caminhavam com toda a dignidade os magnates e as per-
sonalidades mais importantes; a principal razão disso era que, transportando
objectos sagrados, não ficassem impuros com o contacto dos profanos 1548 •
É bem conhecida em Platão a via de Cnossos 1549 à gruta e ao templo de
Júpiter através de bosques de ciprestes 1550 • Sei com certeza que em Roma
havia, entre outras, duas vias deste género muito dignas de admiração: uma
da porta à basílica de São Paulo, com cerca de cinco estádios 1551 ; outra da
ponte à basílica de São Pedro, com dois mil e quinhentos pés, coberta de
um pórtico de colunas de mármore e uma protecção de chumbo. Estes orna-
mentos são maravilhosamente adequados a este género de vias. Mas volto às
vias militares.
O começo e como que o término, tanto das vias exteriores à cidade
como das interiores, são para as terrestres uma porta e para as marítimas, se
não erro, um porto. A não ser porventura que a via seja subterrânea, como
aquelas que dizem que havia em Tebas no Egipto, pelas quais os reis faziam
sair os exércitos, sem que os habitantes dessem por isso; e também como
aquelas que sei ter havido em grande número em Preneste no Lácio, cava-
das debaixo da terra, com uma técnica magnifica, desde o cimo da monta-
nha até à planície: escreveram que em uma delas pereceu Mário, derrotado
num cerco 1552 • No autor da Vida de Apolónio achei uma via digna de ver
lembrada. Com efeito - diz ele - uma mulher meda, na Babilónia, fez pas-
sar uma via larga, construída de pedra e cimento, por debaixo do leito do

1544
S.H.A., Heliogab. , 24, 6. O texto original apresenta Lacedemónia e não Macedónia.
O pórfiro verde ou pedra da Lacedemónia é actualmente designado por serpentina.
Cf. Portoghesi, 1966, p. 707, n. 3.
1s4s Cidade situada no braço oriental do delta do Nilo, actualmente com o nome de Tel-
Basta (Hdt., II, 138).
1 46
s O pletro é uma medida de comprimento grega-egípcia equivalente a cerca de 35,8 m.
1 47
s Hdt., II, 138.
1548
Aristeu, VII, 105.
1 49
s Cidade-estado mais poderosa de Creta cuja autoridade se estendeu sobre toda a ilha.
Isso PI., Lg., I, 625b. O cipreste era uma árvore protegida pelos deuses e que expressava a
súplica divina.
155 1
Equivalente a 923,43 m.
Jss 2 Plut., Mar. , 46, 9 e Strab., V, 3, 11.

534
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

rio, pela qual podia ir a pé enxuto, desde o palácio real a outra casa situada
na outra margem do rio 1553 • Mas seja-nos permitido não acreditar em tudo o
que dizem os historiadores gregos.
Volto ao assunto. As portas serão ornamentadas do mesmo modo que os
arcos de triunfo, sobre os quais falaremos a seguir. O porto será ornamen-
tado por pórticos que se prolongam em volta sobre um basamento rústico,
de largas dimensões, e por um templo proeminente, frequentado e digno de
admiração, e diante do templo a amplidão de uma praça larga, e nas entra-
das colossos como aqueles que há um pouco por toda a parte em vários
lugares, mas sobretudo em Rodes 1554 e em <···>, onde dizem que Herodes 1555
mandou colocar três maiores que os de Rodes 1556 . Nos historiadores celebra-
-se o molhe do porto de Samos, que dizem que tinha de altura 20 órgias e
cerca de dois estádios de extensão pelo mar dentro 155 7 • Serão estes, portanto,
os ornamentos do porto, se forem feitos com arte e com gosto e com mate-
riais não vulgares.
E uma via dentro da cidade, além de que deve ser bem pavimentada e
limpíssima, será belissimamente ornamentada por pórticos de delineamentos
semelhantes e por casas de ambos os lados, alinhadas ao cordel e ao nível.
Mas, as partes da via que devem ser ornamentadas de forma extraordinária,
são as seguintes: a ponte, as praças, o fórum, o anfiteatro. Na verdade, o
fórum é uma praça mais ampla; e o anfiteatro não é mais que um fórum
rodeado de degraus.
Começarei, pois, pela ponte, visto que é uma parte essencial da via 1558 •
As partes da ponte são os pilares, os arcos e o pavimento. São ainda partes
da ponte o meio da via por onde circulam os animais de carga e, de ambos
os lados, os passeios por onde passam os cidadãos e nos bordos os parapei-

1553
Philostr. , V A., I, 25.
1554
Plin., Nat., XXXIV, 41.
1555
Rei da Judeia de 37 a 4 a. C ..
1556
Diodoro Sículo (XIII, 75, 1), como Homero (II. , II, 656), referem-se a três cidades na
ilha de Rodes - Lindo, Ieliso e Carneiro - mas não está claro a qual delas Alberti se
reporta.
1557
Hdt., III, 60. As medidas gregas de comprimento apresentavam relações relativamente
estáveis, baseadas nas proporções do corpo humano, mas variavam de dimensão de
acordo com a localização e a época. Assim, uma órgia correspondia a 6 pés e um está-
dio a 600 pés (cf. Hdt. , II, 149, 1), mas a dimensão do pé variava de 29,6 cm, para
o pé ático, até 33,3 cm para o pé de Egina (cf. Homblower-Spawforth, 1996, pp. 942-
-943). Consequentemente, a altura para o porto referido por Alberti pode variar de
35,6 m a 39,8 m, e o comprimento, de 355 ,2 m a 399,6 m.
1558
Ver Livro IV, cap. 6.

535
Livro Oitavo

tos; em algumas pontes há ainda o tecto: como em Roma na ponte de


Adriano, a mais notável de todas, obra, ó deuses, digna de ser lembrada,
cujo esqueleto 1559 , por assim dizer, eu costumava contemplar com admiração.
Com efeito, aí houvera um tecto suportado por quarenta e duas colunas de
mármore, com um travejamento, uma cobertura de bronze, um ornamento
magnífico.

Ponte coberta.

Faremos a ponte como fazemos uma via larga. Os pilares serão iguais
entre si, em número e dimensão. À sua espessura dar-se-á um terço do vão.
No prolongamento dos pilares serão construídas proas contra a força da

1559
Antinomia utilizada por Alberti, dado que "costumava contemplar com admiração" a
ponte de Adriano, apesar de se referir a esta com o termo cadaver que, no âmbito da
relação edificio-corpo, é entendido como esqueleto. É provável que esta alusão de
Alberti se relacione com o colapso daquela ponte em 1450. Cf. Caye - Choay, 2004,
p. 397, n. 69.

536
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

água, de tal modo que acrescentem à obra metade da largura da ponte; e


hão-de emergir até ficarem acima das cheias. Do mesmo modo se há-de pro-
longar a popa; todavia, não haverá inconveniente se ela for menos pontia-
guda e como que romba. Será bom que da proa e da popa, por uma questão
de firmeza, se elevem para o alto contrafortes, a fim de sustentarem os lados
da ponte; a espessura deles em baixo não terá menos de dois terços da lar-
gura do pilar. Os arcos dos vãos ficarão fora da água em todas as suas
extremidades; os seus delineamentos serão tomados da arquitrave jónica ou,
melhor ainda, da dórica; e, nas grandes pontes, terão de espessura não
menos do que a décima quinta parte do total do vão. No parapeito da ponte,
para maior solidez, colocar-se-ão, usando um cordel e um nível, dados qua-
drados nos quais, se se quiser, se levantarão colunas para sustentar um tecto.
A altura dos parapeitos, incluindo o soco e o cimácio, será de quatro pés. Os
espaços entre os dados encher-se-ão com uma balaustrada. Os dados e a
balaustrada terão por cimácio uma gola ou, melhor ainda, uma onda, pro-
longada por toda a linha do parapeito. Ao cimácio corresponderá em baixo
um soco idêntico. Os passeios que forem acrescentados, ao longo do meio
da via da ponte do lado do parapeito, para as mulheres e os peões, serão
mais elevados, um e até mesmo dois degraus acima da via do meio, que por
causa dos animais é pavimentada com pederneira 1560 • A altura das colunas,
incluindo os ornamentos, será igual à largura da ponte.
As praças e o fórum diferem apenas na dimensão. Ou seja, as praças
são um fórum pequeno 156 1• Ordenava Platão que as praças tivessem espaços
onde as amas durante o dia se reunissem com as crianças e estivessem jun-
tas. Isso para que - segundo creio - as crianças se tomassem mais robustas
ao ar livre e as amas mais bem arranjadas, por desejo de elogios, e errassem
menos por negligência, sob o olhar de tantas observadoras. Sem dúvida ser-
virá de ornamento tanto para as praças como para o fórum, se houver um
pórtico elegante, sob o qual os anciãos, passeando ou sentando-se, ou dur-
mam a sesta ou satisfaçam entre si a mútuas obrigações. Acrescente-se que
a presença dos mais velhos afastará a juventude, que se diverte e exercita,
em espaços mais amplos, de todo o desregramento e ligeireza própria de
uma idade propensa à libertinagem.

1560
Nome vulgar de sílex, variedade de quartzo, de cor cinzenta ou castanha.
1561
A dimensão local e a global do edificado são reciprocamente confrontadas, para se
sublinhar a relação de contiguidade entre arquitectura e urbanística: assim como a casa
é uma pequena cidade, também a praça é um pequeno fórum (vide Livro I, cap. 9 e
Livro V, cap. 14).

537
Livro Oitavo

Há o fórum dos cambistas, o fórum da hortaliça, o fórum do gado, o


fórum da madeira e outros do mesmo género, para os quais são requeridos
um lugar na cidade e ornamentos próprios. Mas convém que o fórum dos
cambistas seja de todos <···> e o mais notável.

rm l1l1 .

D III l! D a 11 11 a
11
n

8
&1
11 a
a
I!

11 ~

D li ""
li Iii :
g IIII
::
a 11 =
D

8
li1
m
a
D
li
Iii
11
8
D a 11 u 11 ai D a

WJU!J
Planta do fórum.

Os Gregos construíam o fórum em quadrado, rodeavam-no de pórticos


duplos de grandes dimensões, ornamentavam-nos com colunas e arquitraves,
e num andar superior faziam galerias 1562 . Entre nós, em Itália, a largura
do fórum tinha dois terços do comprimento; e porque, segundo um velho
costume, aí se assistia aos espectáculos dos gladiadores, as colunas eram

1562
Vitrúvio, V, I, I.

538
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

dispostas no pórtico de forma mais espaçada. E em redor do pórtico con-


centravam-se as lojas dos cambistas e por cima, sobre o travejamento, pre-
paravam-se as sacadas e as dependências que serviam para recolher os
impostos públicos. Isto faziam os Antigos.

Alçado do f órum.

Pela nossa parte, também recomendaremos um fórum cuja área ocupe


dois quadrados. Convém que o pórtico e as c~mstruções em volta correspon-
dam em dimensões exactas à área descoberta, a fim de que esta não pareça
mais vasta se os edificios em redor forem mais baixos, ou mais estreita se
estiver rodeada de um acervo de edificios demasiado altos. Será muito ade-
quada a altura dos edificios que tenha um terço da largura do fórum, ou
nunca menos que dois sétimos. Eu gostaria que a altura dos pórticos supe-
rasse em um quinto a sua largura. Por sua vez a largura será igual à altura
das colunas 1563 . Os delineamentos da colunata serão tornados da basílica;
mas neste caso as comijas, a faixa e a arquitrave em conjunto terão um
quinto da coluna. Se, porém, for vantajoso construir urna segunda colunata
sobre o primeiro travejamento, as colunas deverão ser um quarto mais del-
gadas e mais curtas do que as primeiras; e à maneira de sapata estender-
-se-á por baixo um basarnento, cuja altura tenha metade da sapata inferior.

1563
Cf. o Hospital dos Inocentes de Brunelleschi em Florença.

539
Livro Oitavo

Além disso, construíram arcos na embocadura das vias, porque eles são
um grande ornamento não só do fórum mas também das praças. Com efeito,
o arco é uma espécie de porta sempre aberta. Eu julgo que o arco foi inven-
tado por aqueles que propagaram o império. Na verdade- diz Tácito- esses
mesmos, segundo um velho costume, ampliavam também o pomério. Foi
isso o que, segundo dizem, Cláudio fez. Por isso, aumentada a cidade, con-
sideravam que, por uma questão de utilidade, as antigas portas deviam ser

Arco de triunfo: planta e alçado .

540
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

conservadas 1564 , entre vanos motivos , talvez também para que estivessem
mais protegidos, em situações adversas, contra a violência dos ataques dos
inimigos. Depois, uma vez que o arco se encontrava em lugar frequentadís-
simo, por essa razão expunham aí os despojos tomados ao inimigo e as
insígnias da vitória. A seguir começou-se a ornamentar o arco e a juntar-lhe
as inscrições, as estátuas e a história.
O lugar mais apto para se construir um arco será onde a via desembo-
car na praça ou no fórum ; e sobretudo a via real (assim designo a via que
dentro da cidade é de todas a mais importante). De facto, o arco terá, tal
como a ponte, três passagens: a do meio para os soldados; uma de cada lado
pelas quais as mães e os familiares acompanham o exército vencedor que
volta para saudar os deuses pátrios e com ovações aplaudem e festejam.
Quando edificares um arco, a linha da área que está no sentido da via terá
metade da linha que corta a via transversalmente da direita para a esquerda;
e o comprimento desta linha transversal não terá menos de 50 côvados 1565 •
Esta obra é muitíssimo semelhante às pontes; mas os arcos constam
apenas de quatro pilares, três aberturas, e não mais. Um oitavo da linha
mais curta da área, a que está no sentido da via, reserva-se para aquele lado
da área que está voltado para o fórum, e um oitavo também para o lado pos-
terior, de tal modo que esse oitavo seja ocupado pelos dados em que se
erguem as colunas dos arcos 1566 • Por sua vez, a outra linha da área, aquela
que é mais longa, isto é, a que intercepta transversalmente a via, será divi-
dida em oito módulos, dos quais dois serão atribuídos ao vão do meio, um
a cada um dos pilares, e também um a cada um dos vãos laterais. Os lados
dos pilares do meio, que são erguidos a prumo até sustentar o arco do vão
do meio, terão de altura dois módulos e um terço. A mesma proporção será
a dos lados que se devem erguer nos dois vãos laterais: serão ordenados em
relação aos seus espaços mediante uma dimensão idêntica.
Os vãos das passagens terão uma abóbada de berço. Os ornamentos que
se estendem na parte superior dos pilares por baixo do arco e da abóbada
imitarão um capitel dórico; mas, em lugar de taça e ábaco, terão cornijas
salientes de talha coríntia ou mesmo jónica; e sob a cornija, à maneira de
gargalo, terá uma faixa independente; a seguir, terá um colarinho e um
filete, que se acrescentam na extremidade superior das colunas. Estes orna-

1564
Tac. Ann., XII, 23 , 2. Neste caso, a expansão refere-se à conquista da Britânia.
1565
Equivalente a 22,16 m.
1566
Os arcos de Constantino e de Septímio Severo, em Roma, bem como o de Octaviano
Augusto, em Fano, apresentam uma organização compositiva semelhante.

541
Livro Oitavo

mentos reunidos em conjunto terão no total um nono da altura do pilar. Por


sua vez esta nona parte será dividida em nove partes mais pequenas, das
quais serão dadas à comija as cinco superiores, três à faixa e uma ao cola-
rinho e ao filete. A arquitrave encurvada, isto é, o arco que se verga diante
da fachada, terá de espessura nem menos que a duodécima parte do vão
nem mais que a décima.
Ao meio das faces das pilastras serão adossadas colunas normais inde-
pendentes e serão colocadas de tal modo que a extremidade superior do
fuste esteja ao nível do vértice do vão; de comprimento medirão tanto como
a largura do vão do meio. Sob a coluna pôr-se-á uma base, um dado e um
soco; e sobre a coluna um capitel, quer seja jónico ou coríntio, e sobre ele
uma arquitrave, uma faixa e uma comija, jónica ou coríntia. Cada um destes
elementos será preparado segundo os delineamentos que lhes são adequados,
dos quais tratámos acima.
Sobre as colunatas deste género elevar-se-ão os panos do último muro
construído por cima, até acrescentarem à obra mais metade da parte que vai
do extremo inferior da base ao extremo superior da linha da sua cornija.
A altura deste muro acrescentado por cima será dividida em onze partes:
destas, a parte superior será reservada para as comijas simples, sem terem
por baixo nem faixa nem arquitrave, e em baixo será reservada uma parte e
meia para o soco, que terá como ornamento uma onda reversa com um terço
da sua altura. Nas extremidades das arquitraves que ressaltam da obra para
prender as colunas, colocar-se-ão estátuas independentes; debaixo dos seus
pés terão um dado com a mesma espessura da coluna no imoscapo. A altura
das estátuas terá na totalidade, incluindo o dado, oito das onze partes do
muro. Finalmente, no parapeito superior da obra, sobretudo do lado voltado
para o fórum, dispor-se-ão quadrigas e estátuas maiores, animais e outras
figuras do mesmo género. Por baixo delas, em vez do soco onde assentem,
pôr-se-á um murete três vezes mais alto do que a comija, próxima e contí-
gua, que lhe fica por baixo. A altura das estátuas que forem colocadas neste
último lugar, o mais alto, excederão em tamanho as primeiras estátuas que
tínhamos posto por cima das colunas, não mais que a sexta parte nem
menos que décima oitava.
Ao longo dos paramentos dos muros gravar-se-ão, em lugares apropria-
dos, inscrições e histórias em baixo relevo 1567 , em áreas definidas tanto por

1567
No tratado De pictura (II, 53), Alberti afirma que cada pintor deve conceber a historia
a partir da literatura ou de lendas para compor as figuras humanas.

542
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

um círculo como por um quadrado. Na passagem, no interior do muro, onde


assenta a abóbada central, fica bem disporem-se histórias do meio para
cima; ao passo que do meio para baixo não ficam bem por causa da suji-
dade.
Nos pilares, em vez do soco, põe-se por baixo deles um degrau não
mais alto que um côvado e meio 1568 , a fim de que o eixo das rodas não os
danifique; e terá uma chanfradura em forma de onda reversa. A onda medirá
um quarto da altura do soco. Também acerca desta matéria, baste o que até
aqui se disse.

CAPÍTULO VII

Passo aos espectáculos. Conta-se que Epiménides 1569 , aquele que dormiu
durante cinquenta e sete anos num túmulo, como os Atenienses construíssem
o lugar dos jogos, invectivou os cidadãos dizendo: "Ignorais de quantas des-
graças há-de ser causa este lugar: quando o soubésseis, despedaçá-lo-íeis
com os dentes" 1570 • E não me atrevo a censurar os pontífices e os mestres
dos bons costumes se deliberadamente proibiram a prática dos espectáculos.
Louvam Moisés que instituiu que todo o seu povo se reunisse num só tem-
plo para as solenidades e que celebrassem entre si banquetes em ocasiões
estabelecidas. Que outra coisa direi eu que ele tinha em vista senão que pre-
tendia, com as assembleias e a comunhão dos cidadãos, suavizar os seus
ânimos e tomá-los mais receptivos à fruição da amizade. Assim, penso que
os nossos maiores instituíram os espectáculos nas cidades· não mais pela
festa e divertimento do que pela sua utilidade. E, de facto, se ponderarmos
atentamente a questão, ocorrem-nos muitos motivos por que uma e outra vez
se lamente que um costume tão nobre e útil tenha caído em desuso há tanto
tempo. Na verdade, tendo em conta que de entre os espectáculos uns estão
ordenados para os prazeres da paz e do ócio, outros para os propósitos da
guerra e da acção, em uns exercita-se e alimenta-se sem dúvida o vigor e
a força do engenho e da mente, em outros fomenta-se extraordinariamente a

1568
Equivalente a 66,48 cm.
1569
Poeta e profeta cretense do séc. VII a. C ..
1570
Diógenes Laércio (1, 109 e 114) refere-se a Muníquia em Atenas e à profecia de Epi-
ménides relativa ao desconhecimento dos seus habitantes sobre os malefícios que esta
colina lhes traria.

543
Livro Oitavo

robustez e a firmeza do espírito e do corpo; em ambos reside o caminho


seguro e constante que conduz grandemente à salvação e à glória da pátria.
Dizem que os Árcades, porque tinham uma vida austera e dura, inven-
taram os jogos para mitigar os ânimos dos cidadãos; depois que os abando-
naram, diz Políbio que endureceram tanto os seus ânimos que toda a Grécia
os tinha por execráveis. Mas, aliás é antiquíssima a memória dos jogos e
vários são aqueles que se diz terem sido os seus inventores. Efectivamente,
dizem que Dionísio foi o primeiro que instituiu a dança e os jogos. Des-
cubro também que Hércules foi o inventor dos combates 1571 • Dizem, ainda,
que as Olimpíadas foram inventadas pelos Etólios 1572 e pelos Epeus 1573
depois do regresso de Tróia. Referem que, na Grécia, Dionísio Leneu 1574 , o
primeiro a inventar os coros das tragédias, foi também o primeiro que cons-
truiu um lugar para os espectáculos. Na Itália, Lúcio Númio 1575 foi o pri-
meiro que realizou jogos teatrais no seu triunfo, duzentos anos antes do
principado de Nero 1576 • Da Etrúria mudaram-se para Roma os actores, as
corridas de cavalos foram importadas de Túrios e quase toda a restante
variedade de jogos foi também importada da Ásia para Itália 1577 •
Eu facilmente acreditarei que aquela virtuosa geração, que cunhava em
bronze a figura de Jano, assistia aos jogos de pé, sob uma faia ou sob um
olmeiro. Diz Ovídio:

"Tu, Rómulo, foste o primeiro a realizar os jogos emocionantes,


Quando aos homens sem mulher agradou a Sabina raptada:
Nesse tempo nem do teatro de mármore pendiam os véus,
Nem o palco estava avermelhado com o líquido açafrão.
Aí, as ramagens, que os bosques do Palatino ofereciam,
Eram dispostas com simplicidade, a cena não tinha arte.
Em degraus feitos de relva sentava-se o povo,
Cobrindo as cabeleiras hirsutas uma ramagem qualquer" 1578 •

1571
De acordo com São Jerónimo (Temporum liber, p. 57), Hércules foi o primeiro a ven-
cer uma luta livre.
1572
Habitantes do noroeste da Grécia, uma região entre a Tessália e o Golfo de Corinto.
1573
Possivelmente os descendentes de Epeus, o soldado grego que construiu o cavalo de
Tróia e participou na invasão da cidade (Verg. , A., II, 264). Cf. Rykwert et a/li, 1988,
p. 402, n. 105.
1574
Epíteto de Baco. Cf. Did. Sic., IV, 5.
1575
Na verdade, Lúcio Múmio, pretor e pró-consu1 romano (153-2 a. C.).
1576
Cf. Plin., Nat., XXXVI, 36.
1577
Tac., Ann., XIV, 21.
1578
Ov., Ars, I, 101-108.

544
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Dizem, todavia, que foi Iolau, filho de Hípsicles, o primeiro que na ilha
da Sardenha, ao receber da parte de Hércules as Tespíades, colocou em
degraus os assentos construídos 1579 •
Mas, segundo um velho costume, a princípio os teatros faziam-se de
madeira. Aliás foi por esse motivo que criticaram Pompeio, por ter cons-
truído o lugar do espectáculo não, como antes, em degraus efémeros, mas
sim duradouros 1580 • Depois chegou a haver em Roma três teatros muito gran-
des e vários anfiteatros, entre outros, aquele que tinha lotação para mais
de duzentas mil pessoas, e o circo máximo 158 1, o maior de todos: todos
estes edificios eram notáveis pela sua pedra lavrada e pelas suas colunas de
mármore. Acrescente-se que, não contentes com isso, erigiram lugares de
espectáculo em mármore e vidro e com uma abundância incrível de estátuas.
O lugar de espectáculos com mais lotação até esse tempo, situado em Pia-
cenza, uma cidade da Gália Cisalpina, ardeu durante a guerra de Octa-
viano 1582 . Mas sobre isto, basta o que se disse até aqui.
De entre os espectáculos, uns têm como finalidade a cultura, outros a
utilidade. Os que estão ligados à cultura e dão prazer são a poesia, a música,
o teatro; os que têm como finalidade a actividade da guerra são a luta, o
pugilato, o cesto 1583 , os lançamentos, as corridas de carros, e outros treinos
de armas que Platão ordenava que se fizessem todos os anos, porque contri-
buem magnificamente para a salvação da República e glória da cidade 15 84 .
Para estes espectáculos requerem-se edificios diferentes. Com efeito,
uns são aqueles em que se representam os poetas cómicos, os trágicos e
outros, e a estes lugares chamaremos teatros devido à sua dignidade; outros
são aqueles em que a juventude bem-nascida se exercita em carros, bigas ou
quadrigas, e a este lugar chamar-se-á circo; outros, finalmente, nos quais se
fazem caçadas, estando os animais encerrados nesse espaço, a que se cha-
mará anfiteatro.

1579
Did. Sic., IV, 29, 1. O pai de lolau é, na verdade, Íficles (cf. Sol., 1, 61).
1580
O teatro de Pompeio, construído em 55 a. C. , foi o primeiro teatro não efémero de
Roma. Cf. Plut., Pomp., 42.
1581
O Circo Máximo foi iniciado com Tarquínio I (616 a. C.-579 a. C.) e concluído sob
Tarquínio II (578 a. C.-535 a. C.) com a capacidade máxima de 190 000 espectadores
(cf. Liv., VIII, 26; Suet., Jul. , 39 e Plin., Nat., VII, 21; XXXVI, 71).
1582
Tácito (Hist., II, 21) refere-se a este lugar para espectáculos como um "belíssimo anfi-
teatro, situado extramuros". Cf. trad. fr. de P. Wuilleumier- H. Le Bonniec, 1987-1992.
1583
Caestus é uma espécie de luva, usada pelos pugilistas, formada por uma correia
de couro guarnecida de bolas de chumbo ou de ferro e enrolada em volta das mãos e
braços.
1584
Pl. , Lg., VII, 796d et seq ..

545
Livro Oitavo

Os edifícios dos espectáculos imitam um exército com as suas alas dis-


postas em ordem de combate; e constam de uma área central, onde os acto-
res, os pugilistas, os carros e outros actuam, e dos degraus onde os especta-
dores se sentam. Mas diferem no traçado da área. De entre eles, aquele cuja
forma é semelhante à lua em quarto minguante, chama-se teatro. Quando,
porém, prolongar os seus flancos, chamar-se-á circo, porque nele as bigas e
as quadrigas circulam em tomo das metas à compita 1585 • Além disso, nestes
lugares também havia combates navais, sendo trazida água ora de um rio ora
de um aqueduto. Há quem diga que os Antigos costumavam exercitar-se,
entre as espadas e os rios, num jogo semelhante, e por esse motivo os jogos
se chamavam circenses. E dizem que o inventor desses jogos foi um certo
Mónago na Hélide da Ásia, que eu não sei quem é 1586 • Chamavam cávea à
área compreendida entre dois teatros unidos frontalmente; esta mesma obra
chama-se anfiteatro.
É indispensável, antes de mais, arranjar para os edifícios dos espectá-
culos lugares extremamente salubres, para evitar que nos façam mal os ven-
tos pesados, os raios do sol e outros inconvenientes que registámos no pri-
meiro livro. E sobretudo é necessário que o teatro esteja inteiramente
afastado e protegido do sol, porque no mês de Agosto o povo procura os
poetas e os sombrosos e fagueiros prazeres do espírito. Com efeito, um raio
do sol que incidisse no interior do recinto do edifício cozeria os corpos, que
facilmente cairiam doentes devido ao aquecimento excessivo dos humo-
res 1587 • É também necessário que o lugar seja sonoro e de modo algum
surdo 1588 ; e convém que tenha pórticos, ou unidos ao edifício ou muito pró-
ximos, nos quais o povo se possa abrigar da chuva repentina e da intempé-
rie. Platão recomendou a localização do teatro dentro da cidade, e as corri-
das de cavalos fora da cidade.
As partes do teatro são as seguintes 1589 : o semicírculo, livre, da área
central 1590 , a céu aberto, e em tomo desta área os degraus dos assentos, e
diante da cena um palco elevado onde se dispõe tudo aquilo que faz parte
da peça, e na parte mais alta do recinto um pórtico e as coberturas, para que

1585
Jsid., XV, 2, 33 .
1586
Cf. Flávio Biondo, 1531 , Roma e instauratae libri III, III, 21.
1587
Vitrúvio, V, 3, 2.
1588
No âmbito da relação edificio-corpo, é recomendado acondicionamento acústico com
tempos de reverberação adequados a uma boa audição.
1589
Se bem que apresente uma diferente terminologia, de origem helenística, o teatro
romano é plenamente descrito por Vitrúvio (V, 6, 1-9).
1590
Ou seja, a orquestra reservada para· os senadores e convidados ilustres.

546
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

a voz difusa seja contida e se tome mais sonora. Mas os teatros gregos eram
diferentes dos latinos, porque aqueles, fazendo os coros e os dançarinos
actuar na área central, necessitavam de um palco mais pequeno; os nossos,
porque representavam a peça no palco com todos os actores, por esse
motivo optaram por ter um palco mais amplo 159 1•
Todos coincidiram em começar por inscrever um semicírculo na área e
em prolongar as pontas do semicírculo; mas uns usaram linhas rectas, outros
curvas. Os que usavam linhas rectas prolongavam-nas mantendo-as equidis-
tantes entre si, até acrescentarem às pontas do semicírculo um quarto do seu
diâmetro. Por sua vez, os que usavam linhas curvas traçavam um círculo
completo e tiravam à circunferência completa do círculo a sua quarta parte;
portanto, destinavam ao teatro o que restava.

Planta do teatro.

1591
Cf. Vitrúvio, V, 7, 1-2.

547
Livro Oitavo

Uma vez definidos os limites da área, preparavam-se os degraus para os


assentos. Começava-se por estabelecer que altura se queria que tivessem;
definia-se, a partir da sua altura, a medida da superficie que ocupariam em
baixo. Quase todos faziam os teatros com o mesmo comprimento da área
central. Com efeito, tinham-se apercebido de que nos teatros mais baixos as
vozes se dispersavam e dissipavam e nos muito altos faziam eco e eram
dificeis de ouvir. Entre os mais requintados houve quem desse à altura do
teatro quatro quintos dessa área. Da altura da totalidade da obra, os degraus
nunca ocuparam menos que metade ou mais que dois terços. Nos degraus
dos assentos uns deram à altura a metade da largura 1592 ; outros, dois quintos
da largura.
Nós descreveremos aquela obra que, sob todos os aspectos, considera-
mos a mais perfeita e a mais digna de aprovação. As fundações extremas
dos degraus, isto é, as fundações dos muros em que termina o patamar supe-
rior de degraus, serão lançadas a uma distância do centro do semicírculo
igual ao raio da área central mais um terço. Os primeiros degraus da subida
não começarão a partir do pavimento da área central, mas aí, para começo
inicial, isto é, inferior, dos degraus, erguer-se-á um muro, nos grandes tea-
tros, que tenha de altura um nono do raio da área central, de tal modo que
os degraus dos assentos subam a partir desse ponto; nos teatros mais peque-
nos, porém, erguer-se-á um muro não inferior a sete pés.
Serão colocados degraus com a altura de um pé e meio, e com a pro-
fundidade de dois pés e meio 1593 • Por debaixo dos degraus construir-se-ão
passagens em abóbada, iguais entre si e com as mesmas medidas, umas diri-
gidas para a área central, outras para que se possa subir daí para os degraus
superiores; e serão em número e dimensões que a amplidão do teatro exigir.
Mas de entre elas, sete serão passagens principais dirigidas para o centro e
inteiramente desimpedidas; e as suas entradas estarão à distância de interva-
los iguais; e uma dessas passagens, situada ao meio do perímetro do semi-
círculo, será mais aberta que as restantes, a que eu chamo a abertura régia,
porque através dela passa a via régia; de igual modo, haverá uma passagem
na extremidade direita do diâmetro e outra na extremidade esquerda. Cons-
truir-se-ão ainda vias intermédias, duas de um lado do semicírculo e duas do
outro lado; entre estas haverá outras passagens mais pequenas em dimensão
e na quantidade que o perímetro do teatro suportar.

1592
Vitrúvio (V, 6, 3) refere-se à relação da altura para a largura dos degraus numa faixa
que varia de 1/2 para 2h
1593
A que em vernáculo correspondem, respectivamente, as dimensões dos espelhos e dos
cobertores dos degraus.

548
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Nos grandes teatros, os Antigos dividiam o conjunto dos degraus dos


assentos em três partes e em cada divisão faziam em toda a volta um degrau
com o dobro da profundidade dos restantes, que separasse os degraus supe-
riores dos inferiores com uma espécie de pequeno patamar intercalado, para
a circulação em redor. Portanto, nestas secções, por assim dizer, confluíam
as subidas através das abóbadas subjacentes aos degraus. Em alguns teatros,

Alçado do teatro.

549
Livro Oitavo

dei-me conta de que os mais ilustres arquitectos e os mestres mais engenho-


sos providenciavam que de ambos os lados de cada uma das passagens prin-
cipais se acrescentassem escadas interiores, por umas das quais os mais
sôfregos e ágeis corressem até ao cimo por uma rampa íngreme e rápida de
degraus contínuos, ao passo que outras escadas se apresentassem mais
comedidas, e tivessem patamares intercalados e reentrâncias, pelas quais as
matronas e os anciãos subissem em passo lento e pudessem descansar à
medida que subiam. Isto acerca dos degraus.
Além disso, em frente da entrada no teatro, preparava-se um espaço
alteado, onde se movessem os actores mascarados que representavam a peça.
E em certos lugares havia o costume de os anciãos e os magistrados se sen-
tarem separados da plebe, em lugar reservado e honroso, por exemplo na
própria área central, colocando cadeiras de ornato gracioso; nesse caso fazia-
-se um palco tão amplo que não o desejassem muito maior os actores, os
músicos e aqueles que formavam os coros. A área desse mesmo palco pro-
longava-se até ao centro do hemiciclo e tinha de altura não mais de cinco
pés, para que os senadores pudessem ver, ao nível do solo, todos os gestos
dos actores, perfeitissimamente. Nos lugares em que não era costume que a
área central fosse ocupada pelos magistrados, mas se destinava toda aos dan-
çarinos e aos cantores, fazia-se a área do palco mais pequena, mas elevava-
-se mais, às vezes até cerca de seis côvados 1594 .
Em ambos os casos, porém, esta parte era ornamentada com colunas e
andares postos uns sobre os outros à imitação das casas; e, em lugares ade-
quados, tinha portas de batentes, uma ao meio, como que a porta régia, com
os ornamentos da dos templos, e, perto, outras por onde os actores em cena
pudessem entrar e sair, como o exigissem os actos da peça 1595 • E, como no
teatro se representavam três géneros de poetas, o trágico, em que eles narra-
vam as desgraças dos tiranos, o cómico, em que davam a conhecer os cui-
dados e preocupações dos pais-de-família, o satírico em que cantavam a
amenidade do campo e os amores pastoris, não faltava onde, por meio de
um maquinismo giratório, se pudesse apresentar num instante um cenário
pintado e aparecesse ou um átrio ou uma choupana ou até um bosque, con-
soante convinha ao género de peça que se representava 1596 . Eram, pois,
assim, a área, os degraus e os palcos dos artistas cénicos.

1594
Equivalente a 2,65 m.
1595
À semelhança do Septizonium, um edifício em ruínas situado na parte sudoeste do
monte Palatino em Roma, em que a fachada se apresentava"· com três pisos porticados.
1596
Cf. Vitrúvio (V, 6, 9) e o Livro IX, cap. 4.

550
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Dissemos que uma das partes principais do teatro é o pórtico, inventado


para amplificar as vozes e os sons. Situava-se ao cimo dos degraus e pelas
aberturas das suas colunatas contemplava a área central do teatro. É dele que
vamos falar.
Com os filósofos tinham aprendido que o ar, percutido pela voz ou fen-
dido pelo som, se move em ondas sucessivas, tal como a água se move em
círculos quando alguma coisa emerge de repente; e entendiam que, assim
como na cítara, assim também nos convales, sobretudo cobertos de arvoredo,
o som e a voz se tomam muito mais sonoros e claros, quando os círculos
das ondas, por assim dizer, inchados, chocaram com algum obstáculo que
detenha os raios da voz que saem do centro, como acontece com uma bola
atirada contra um muro, e os repele de si e, com esta rejeição, os círculos
fiquem mais densos e mais reforçados 1597 .
Foi por isso que originariamente estabeleceram que os teatros deviam
ser construídos em círculo. E para que a voz não esbarrasse em nenhum
obstáculo que impedisse de, em livre fluxo, atingir as partes mais altas do
teatro, colocaram os degraus de tal modo que uma mesma linha recta fosse
tangente a todas as suas arestas 1598 ; e no ponto mais alto dos degraus, o que
é muito importante, acrescentaram um pórtico, que, como acabei de dizer,
estava voltado para a área central do teatro, e cuja frente estivesse comple-
tamente desimpedida nas suas aberturas, ao passo que a parte de trás desse
mesmo pórtico, oposta às aberturas dos intercolúnios, estivesse totalmente
obstruída por uma parede contínua.
Além disso, debaixo das colunatas, erguiam ainda, à maneira de emba-
samento da obra, um parapeito murado, onde se concentrassem os círculos
expandidos das vozes que o ar condensado no pórtico recebia brandamente
e, em vez de as reflectir integralmente com o máximo impulso, as amplifi-
cava. Além disso, não só para fazer sombra, mas também para favorecer as
vozes, estendiam por cima um toldo temporário como céu do teatro, o qual,
forrado de estrelas e esticado, cobria com a sua sombra, lá do alto, junta-
mente a área central, os degraus e os espectadores 1599 •

1597
Referência a um entendimento analógico relativamente à sobreposição de ondas sono-
ras, já descrita de forma semelhante por Vitrúvio (V, 3, 6-7), bem como por Boécio
(Mus., I, 14).
1598
Cf. Vitrúvio, V, 3, 4.
1599
O toldo era apoiado por 240 cordas que confluíam radialmente para o seu interior e se
apoiavam no mesmo número de traves verticais de madeira adossadas, pelo exterior, à
parede superior do anfiteatro. Cf. Plin., Nat., XIX, 23.

551
Livro Oitavo

Mas este pórtico exigia muita técnica. Com efeito, para o sustentar só a
ele, construíam-se por baixo outras colunatas e outros pórticos que davam
para a parte exterior do teatro; nos teatros muito grandes faziam-se dois,
para evitar que, quando havia chuva tocada pelo vento e mau tempo, se
molhassem aqueles que passavam por esses pórticos. As aberturas e as colu-
natas desses primeiros pórticos construídos na parte inferior não eram como
aquelas que referimos em relação aos templos e às basílicas, mas de obra
sólida e de muro firmíssimo, com um traçado tirado dos arcos de triunfo.
Por isso, devemos falar primeiro desses pórticos de baixo, que se fazem para
sustentar os de cima.
A disposição das aberturas nestes pórticos é tal que, diante de cada
passagem que dá para a área central do teatro, seja colocada uma abertura.
É também necessário que estas aberturas sejam acompanhadas por outras em
séries determinadas. E é conveniente que as aberturas correspondam umas às
outras em altura, largura e em todos os delineamentos e ornamentos. Tam-
bém é preciso que ao longo de toda a extensão do mesmo pórtico a largura
seja igual ao vão da abertura entre os pilares. É ainda conveniente que esses
pilares murais tenham metade do vão na abertura. Todos estes aspectos
devem ser cuidadosamente tratados com toda a atenção e diligência. As
colunas não se aplicam como arcos de triunfo, salientes e isentas, mas ados-
sadas ao meio da frente dos pilares; sob as colunas colocam-se dados com
um sexto da altura da colunata. Seguem-se os restantes ornamentos como
nos templos. A altura, porém, incluindo todos os ornamentos das colunas e
da cornija, terá metade da linha de prumo dos degraus interiores.
Terá, portanto, duas séries de colunatas do lado de fora; a abóbada da
segunda colunata ficará ao nível do ponto mais alto dos degraus; por refe-
rência a essa altura será nivelado também o pavimento do pórtico que eu
disse que estava voltado para o interior da área central do teatro. O traçado
da área do teatro imita o vestígio deixado pela pata de um cavalo 1600 •
Concluídas essas estruturas, constrói-se por cima o pórtico superior.
A sua fachada e colunata não receberão a luz do exterior, como nos pórti-
cos, que acabámos de descrever, colocados por baixo dele, mas antes, como
anteriormente dissemos, estará voltado para a área central do teatro. Chama-
remos barreira de circunvalação 1601 a esta obra, uma vez que ela é feita para
que as vozes não se dispersem, mas pelo contrário se concentrem e sejam
devolvidas em estado de maior plenitude.

1600
A relação edificio-corpo é utilizada para propor o traçado da área do teatro.
1601
O termo circumvallatio, utilizado por Alberti, também designa a linha defensiva fortifi-
cada, utilizada para sitiar povoações encasteladas.

552
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

A altura desta barreira de circunvalação terá três meios da altura da pri-


meira colunata exterior. Terá as seguintes partes: um muro colocado sob as
colunas - a esta parte chamaremos embasamento e o muro terá, nos teatros
muito grandes, não mais que um terço do total da altura da barreira de cir-
cunvalação que vai dos degraus superiores do teatro até a cobertura do seu
tecto, e nos mais pequenos não menos que um quarto; sobre este muro
assentarão as colunas e terão de comprimento, incluindo as bases e os capi-
téis, metade da altura total da barreira de circunvalação; sobre estas colunas
virão situar-se os ornamentos e juntamente, à imitação das basílicas, erguer-
-se-á o pano do muro construído sobre as colunas, o qual muro ocupará em
altura a sexta parte que resta do total da barreira de circunvalação.

Secção do teatro.

553
Livro Oitavo

As colunas aqui serão independentes, tirando o seu traçado das da basí-


lica. Serão iguais em número as colunas que no pórtico exterior são adossa-
das e serão colocadas nos mesmos raios. Chamo raios às linhas rectas traça-
das do centro do teatro para cada uma das colunas exteriores. Num muro da
barreira de circunvalação que esteja colocado sob as colunas, ao qual cha-
maremos embasamento, abrir-se-ão cavidades correspondentes, na perpendi-
cular, às passagens inferiores do teatro e em lugares idênticos e equivalentes
a estes serão moldados nichos onde, se assim aprouver, se hão-de pendurar
vasos de bronze invertidos, a fim de que a voz, batendo neles quando aí
chegar, se tome mais sonora. Neste ponto não seguirei a teoria de Vitrúvio

o
o
o
o
c.
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o
o

o
o
o

.
o
o

Planta e secção do circo.

554
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

formada a partir das divisões dos músicos 1602 ; de acordo com as teorias des-
tes, mandava dispor ao longo do teatro vasos que ressoassem as vozes fim-
damentais, os médios, as vozes agudas e as consonâncias: coisa muito fácil
de dizer, mas quanto é dificil de por em prática, sabem-no aqueles que expe-
rimentaram 1603 . Não desprezaremos, contudo, o que aconselha Aristóteles:
quaisquer vasos, vazios, e também os poços contribuem para que a voz res-
soe 1604.
Volto ao pórtico da barreira de circunvalação. Este pórtico tem um
muro posterior compacto que fecha a barreira em toda a volta, para que as
vozes que aí chegam não se dispersem; na superficie exterior do teatro vol-
tada para quem entra aplicar-se-ão colunas como ornamento, correspondentes
em número, altura, alinhamento perpendicular e outros aspectos semelhantes,
às colunas inferiores que por baixo delas estão colocadas nas fachadas dos
pórticos.
Por aquilo que foi dito fica claro em que aspectos os grandes teatros
diferem dos mais pequenos. Com efeito, naqueles o pórtico exterior em
baixo é duplo, ao passo que nestes é simples; nestes, ainda, não se eleva na
obra senão um segundo pórtico exterior, naqueles acrescenta-se um terceiro.
Também se diferenciam no facto de, em alguns teatros pequenos, não se
usar o pórtico interior, construindo-se apenas uma barreira de circunvalação
com uma parede e comijas, de modo que aqui são as comijas que têm a
função de reforçar as vozes, função que nos grandes teatros cabe à barreira
de circunvalação e seu respectivo pórtico; enquanto, nos grandes teatros é
colocado um pórtico superior duplo.
Além disso, nos teatros, em vez de cobertura, revestem-se os pavimen-
tos a céu aberto e inclinam-se de tal modo que as pingas da chuva deslizem
para os degraus; mas as correntes das chuvas recolhidas através dos pátios
serão absorvidas entre os ângulos dos muros e levadas por canais ocultos
para cloacas invisíveis .. Em tomo da comija exterior mais alta ajustam-se
apoios e mútulos, nos quais, para embelezar os jogos públicos, sejam encai-

1602
Principalmente a partir do tetracórdio, i.e., da escala musical de quatro notas ligadas por
um intervalo de quarta perfeita. Ver Livro IX, cap. 5.
1603
Vitrúvio (1, I, 13; V, 4, 1; V, 5, 6) segue, para projectar os vasos acústicos, as regras
de Aristóxenes (c. 370 a. C.), um discípulo de Aristóteles que, ao contrário dos pitagó-
ricos, não se refere ao número mas à experiência auditiva. Cf. Caye-Choay, 2004,
p. 409, n. 95.
1604
Arist., [Pr.], XI, 8. Alberti não aceita as propriedades sonoras dos vasos acústicos suge-
ridos por Vitrúvio dado que não podem ser aferidas com fidedignidade .

555
Livro Oitavo

xados mastros de navios que recebam e segurem as cordas e as correias do


toldo estendido por cima 1605 •
Mas, visto que a mole gigantesca da construção necessita de ser erguida
a uma altura razoável, a espessura do muro deve ser concluída de modo
conveniente para suportar tal peso. Far-se-á, portanto, um muro exterior nas
primeiras colunatas com a espessura de uma décima quinta parte do total da
altura que a obra há-de ter. Por sua vez, o muro intercalado entre ambos os
pórticos, que separa um pórtico do outro, terá de espessura, quando os pór-
ticos são duplos, menos um quarto que o muro exterior. A seguir, os muros
que se construírem por cima destes, terão de espessura menos a duodécima
parte que os que lhe ficam por baixo.

CAPÍTULO VIII

Sobre estes aspectos, ficamos por aqui. Falámos dos teatros; segue-se a
exposição sobre o circo e os anfiteatros. Todos os seus aspectos derivaram
dos teatros: de facto, o circo quase não é senão um teatro prolongado nos
flancos por linhas paralelas, mas por sua natureza não possui pórticos adja-
centes; o anfiteatro, por sua vez, consta de dois teatros unidos entre si, em
circunferência contínua, pelos flancos dos degraus. E diferenciam-se no facto
de o anfiteatro ter a área central desprovida de palcos e absolutamente
desimpedida. Assemelham-se, todavia, sobretudo nos degraus, e ainda no
pórtico, e nas passagens, e em outros aspectos do mesmo género.
Tenho para mim que o anfiteatro foi originariamente construído para as
caçadas e que por tal motivo os fizeram redondos, para uma fera aí encer-
rada e perseguida, não encontrando nenhum canto onde se pudesse refugiar,
mais facilmente fosse acossada pelos concorrentes. Atiravam-se lá para den-
tro aqueles que das formas mais extraordinárias combatiam com os animais
mais ferozes. Uns, com um salto e a ajuda de uma lança, elevando-se no ar
enganavam um touro que investia; outros, revestindo-se de uma armadura
feita de pontas de canas, expunham-se aos ursos para se defrontaram com
eles; outros, por dentro de uma jaula perfurada de muitas aberturas, provo-
cavam um leão esquivando-se com rápidas inflexões do corpo; outros desa-
fiavam-no, confiados numa capa e numa maça de ferro; finalmente, se um

1605
Como sucede no Coliseu de Roma. Cf. Plin., Nat., XIX, 23.

556
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

qualquer descobria por seu engenho algum expediente para enganar, ou se


distinguia pela firmeza da sua coragem ou da sua força para enfrentar as
feras , apresentava-se ao perigo, decidido a conquistar ou os prémios ou a
glória. Descubro também que nos teatros e anfiteatros os imperadores costu-
mavam espalhar frutos entre o povo e soltar pequenas aves, com que se pro-
vocavam as lutas pueris dos que as tentavam apanhar.
Embora a área central do anfiteatro seja circundada por dois teatros uni-
dos, todavia não será inteiramente oblonga - o que sucederia se os prolon-
gamentos dos braços de ambos os teatros se integrassem na obra - mas terá
uma linha de largura deduzida do comprimento segundo uma proporção fixa.
Houve entre os Antigos quem desse à largura sete oitavos do comprimento.
Seguiram os restantes aspectos como no teatro: com efeito, usaram em volta
um pórtico exterior e, na parte inferior dos degraus, igualmente um pórtico
a que chamámos barreira de circunvalação.
Segue-se o circo. Contam que foi instituído por imitação das realidades
do céu : pois, à semelhança das moradas do céu 1606 , tem doze portas de
entrada; à semelhança do número dos planetas, tem sete marcos colocados
em destaque; e as extremidades estão situadas à distância, a oriente e a oci-
dente, com longo intervalo entre si, onde as bigas e as quadrigas disputam a
corrida, circulando pelo espaço do meio do circo, como o sol e a lua pelo
Zodíaco; à semelhança do número das horas, os jogos completavam-se com
vinte e quatro lançamentos de presentes ao povo; os concorrentes dividiam-
se em quatro facções e cada uma tinha as vestes de sua cor: o verde que
simbolizava a estação do ano que se cobre de erva; a vermelha, o ar incan-
descente do Verão; o branco, a palidez do Outono; o escuro, a tristeza do
Inverno.
Nos circos a área central não estava desimpedida como no anfiteatro,
nem ocupada pelos palcos como nos teatros; ao longo da linha longitudinal
que dividia a largura da área em duas pistas, isto é, em duas metades,
erguiam-se marcos em lugares apropriados, onde os concorrentes, quadrúpe-
des ou homens, davam a volta. Os marcos primários eram três. O do meio
era o mais importante de todos ; era quadrangular e alto, adelgaçando-se pro-
gressivamente; e, por se adelgaçar desta forma, chamavam-lhe obelisco. Os
outros dois marcos ou eram colossos ou cristas de pedra com os rastros
erguidos para o ar, de acordo com a forma que os artificies lhes tivessem
dado para lhes conferir beleza e graciosidade. Entre dois marcos intercala-

1606
Referência aos doze signos do Zodíaco.

557
Livro Oitavo

varn-se ou colunas ou marcos mais pequenos, dois de um lado e dois do


outro.
Descubro nos historiadores que em Roma o circo máximo tinha três
estádios de comprimento, e um de largura 1607 • No nosso tempo está comple-
tamente destruído e não há a mais pequena conjectura de corno terá sido.
Mas, em outros lugares, descubro, pelas dimensões das obras que os Antigos
costumavam fazer a área central do circo com urna largura não inferior a
sessenta côvados 1608 e com um comprimento sete vezes maior que a largura.
A largura dividia-se em duas partes iguais entre si por urna linha que se pro-
longava no sentido do comprimento, na qual se colocavam os marcos da
seguinte forma. Dividiam o comprimento em sete partes: atribuíam urna à
volta em que os concorrentes, vindos do espaço da pista da direita, entravam
na pista esquerda contornando o último marco; a seguir dispunham outros
marcos ao longo da mesma linha, de tal modo que, no sentido longitudinal
do circo, ficassem entre si à distância de espaços iguais e ocupassem cinco
sétimos do total do comprimento. De um marco até ao outro construía-se
urna espécie de soco com urna altura não inferior a seis pés 1609 , que dividia
as pistas urna da outra, a fim de que, se os cavalos em competição, quer
atrelados quer isolados, saíssem do seu percurso, não tivessem por onde
atravessar a linha divisória. E acrescentavam aos flancos do circo, de ambos
os lados, degraus com não mais que um quinto nem menos que um sexto do
total da largura da área central; e os degraus começavam a partir do soco,
corno nos anfiteatros, para segurança dos espectadores, a fim de não incor-
rerem em algum perigo provocado pelos animais.
Entre as obras públicas contam-se os parques onde a juventude se exer-
cita com a bola 1610 , o salto e no uso das armas, ao passo que os anciãos
se revigoram passeando ou, se estão doentes, andando de liteira. "Ao ar livre
- dizia o médico Celso - fazemos exercício mais comodamente do que em
lugar coberto" 1611 • Mas, para que o pudessem fazer mesmo com sombra,
acrescentavam pórticos para fecharem a área a toda a volta. E uns pavimen-
tavam essa mesma área com mármore e mosaico, outros ofereciam ao olhar

1607
As dimensões sugeridas por Alberti para o Circo Máximo são, aproximadamente, de
555 m por 185 m mas, de acordo com Dionísio de Halicamasso (Antiquitates Romanae,
III, 68), que escreveu no ano 7 a. C., media o equivalente a cerca de 621 m por 118 m.
1608
Equivalente a 26,40 m.
1609
Equivalente a 177,6 cm.
1610
Ver Livro V, cap. 3 sobre outra referência aos jogos de bola.
1611
Ce/s., I, 2, 6.

558
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

um ambiente verdejante 1612, enchendo-a de murta, de zimbro, de limoeiros e


ciprestes 1613 •
Esta obra tinha de três lados pórticos simples e muito amplos, de
maneira a excederem os pórticos do fórum em dois nonos 1614 • No quarto
lado, voltado a sul, fazia-se um pórtico duplo muito espaçoso. Na fachada
tinha colunas dóricas com a altura da largura do pórtico. Mandavam fazer as
colunas interiores, com que separavam o pórtico da frente do pórtico inte-
rior, um quinto mais altas do que as primeiras, para suportarem a cumeeira
e dividir o tecto em duas águas. E, precisamente por tal motivo, foi conve-
niente que fossem jónicas, porque as jónicas por sua natureza são mais altas
do que as dóricas. Mas não vejo porque é que nestes pórticos não era lícito
fazer a cobertura nivelada na horizontal de ambos os lados: seria, sem .
dúvida, condizente com a graciosidade da obra 16 15•
Em ambas as colunatas era assim que se definia a espessura das colu-
nas. Nas dóricas, a espessura da extremidade inferior da coluna tinha o
dobro da décima quinta parte da sua altura, incluindo o capitel e a base; nas
jónicas, porém, e nas coríntias, davam à espessura da coluna, na extremi-
dade inferior, uma parte e meia das oito do fuste. Os restantes aspectos defi-
niam-se como nos templos. À parede exterior do pórtico acrescentavam-se
salas de reuniões soleníssimas, onde os cidadãos e os filósofos pudessem
debater as questões mais importantes 16 16 • Mas, entre estas, umas eram salas
de Verão, outras de Inverno. Com efeito, no lado em que sopravam o Bóreas
e o Aquilão 16 17, proporcionavam salas de Verão; mas de Inverno procuravam
ter um sol risonho protegido dos ventos. Por tal motivo, as salas de Inverno
estavam fechadas lateralmente por paredes maciças; ao passo que as de
Verão, tirando o muro que de ambos os lados sustentava as coberturas, esta-
vam patentes ao Bóreas por meio de janelas ou outras colunatas, tinham vis-
tas livremente para o mar, os montes, um lago e quaisquer outras amenida-

.•
1612
Vitrúvio (V, 9, 5) refere como o ar "suavizado e rarefeito entre plantas", que circula nos
jardins dos pórticos do poscénio, favorece uma visão clara e nítida.
1613
A descrição dos parques corresponde à da palestra feita por Vitrúvio (V, 11 ), excepto no
que se refere aos espaços de apoio que este relata de acordo com a tradição helenística.
16 14
Este edifício era designado por Vitrúvio (VI, 7, 5) de xystos que, segundo a terminolo-
gia grega, é "um pórtico de ampla largura, no qual os atletas se exercitavam nos tem-
pos de Inverno".
1615
Vitrúvio, IV, 2, 1; 7, 5.
1616
Vitrúvio, V, 11 , 2.
16 17
Vitrúvio, V, 9, 2; 11, 1-2.

559
Livro Oitavo

des e deixavam entrar a luz na medida do possível. Por sua vez, ao pórtico
do parque do lado direito e também ao do lado esquerdo acrescentavam
outras salas protegidas dos ventos exteriores em toda a volta, de modo a que
recebessem do céu da área central o sol da manhã e o da tarde. Os delinea-
mentos destas salas eram variados. Com efeito, umas estendiam-se em hemi-
ciclo, outras em linhas rectas, e todas correspondiam, em proporções ade-
quadas, à área e ao pórtico.
A largura do total da obra tinha metade do comprimento. A largura divi-
dia-se em oito partes e davam-se à área central a céu aberto seis partes e
uma a cada pórtico. Quando estendiam a sala em hemiciclo, então o seu diâ-
metro tinha duas vezes a quinta parte da área a céu aberto. Mas o muro pos-
terior do pórtico dava acesso, através de aberturas, à próxima sala. A altura
desta sala em hemiciclo, nas grandes obras, era igual à largura; nas mais
pequenas nunca tinha menos do que cinco vezes a quarta parte da largura.
Sobre a cobertura do pórtico, junto da fachada do hemiciclo e da sala,
sobressaíam as aberturas das janelas, pelas quais entrava o sol no hemiciclo
e o espaço "era iluminado abundantemente. Se, porém, se juntavam salas rec-
tangulares, então eram duas vezes mais largas que o pórtico e ao compri-
mento dava-se também o dobro da largura. (Chamo aqui comprimento à
extensão que se prolonga paralelamente ao pórtico. Portanto, para quem
entra na sala, o seu comprimento prolonga-se da direita para a esquerda, se
ela estiver situada da direita para a esquerda, ... ) 161 8 •
Entre as obras públicas inclui-se também o pórtico judicial dos juízes
menores, que era construído como se segue. A sua amplidão dependia da
importância da cidade e do lugar, mas nunca era pequeno; ao pórtico esta-
vam ligados vários compartimentos contíguos em série, nos quais eram
resolvidas as demandas por decisão dos juízes sentados em tribunal.
Os edificios de que falei até aqui pareciam-me ser públicos no mais alto
grau, porque estes são frequentados livremente por plebeus e patrícios. Mas
há também alguns edificios públicos que não são acessíveis a não ser aos
cidadãos mais importantes e aos que gerem a vida do Estado, como é o caso
do comício, da cúria e do senado. É destes que nos propomos falar.

1618
Passo corrompido.

560
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

CAPÍTULO IX
Platão determinava que o comício se realizasse num templo. Em Roma
havia um lugar específico dedicado aos comícios. Em Ceráunia 1619 havia um
bosque frondoso consagrado a Júpiter onde os Aqueus se reuniam para deli-
berar acerca das questões do Estado. Muitas outras cidades tomavam delibe-
rações no fórum. Aos Romanos não era lícito reunir o senado senão em
lugar consagrado pelos áugures. Depois possuíram cúrias; Varrão dizia que
estas eram de dois tipos: uma onde os sacerdotes tratavam das coisas divi-
nas; outra onde o senado dirigia as humanas 1620 • Não sei ao certo o que é
específico de cada uma delas, mas podemos conjecturar que a primeira era
mais parecida com um templo e a segunda com uma basílica.
Por conseguinte, a cúria sacerdotal era em abóbada, a senatorial coberta
por travejamento. Em ambas, os conselheiros interpelados terão de usar da
palavra e, por isso, é necessário ter em conta as vozes. Por tal motivo, é

Planta da cúria sacerdotal.

1619
Ceráunia é uma região montanhosa do Epiro, situada actualmente no sudoeste da
Albânia.
1620
Var. , L. , V, 155; VI, 46.

561
Livro Oitavo

necessano ter presente que não deve permitir que a voz se expanda dema-
siado para o alto, sobretudo na abóbada, para que não ressoe com muita
dureza ao ouvido. Por motivos de beleza e em primeiro lugar de utilidade,
aplicar-se-ão cornijas aos muros. Registei, a partir das obras dos Antigos,
que se fizeram cúrias quadrangulares 1621 •

Secção da cúria sacerdotal com tecto abobadado.

Nas cúrias em abóbada o muro tem uma altura igual à largura da


fachada, menos um sétimo. São cobertas por uma abóbada de berço. De
frente para quem entra evidencia-se a tribuna, cuja flecha tem uma terça
parte da corda 1622 • A largura da porta ocupa em abertura a sétima parte do
muro. A cerca de metade da altura do muro e mais um oitavo da mesma
metade, sobressaem cornijas salientes com friso, arquitrave e colunas, que

1621
Referência à Curia Julia , a antiga sede do Senado romano, com planta quadrangular,
inau~urada em 29 a. C. e transformada em 630, no pontificado de Honório -I, na igreja
de Sant 'Adriano a! Foro .
1622
Dado que a tribuna tem uma flecha igual a um terço da corda, isso significa que a cúria
sacerdotal deve ser coberta por uma abóbada com arco abatido e não por uma abóbada
de berço, como se verifica na ilustração apresentada por Bartoli (1550).

562
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

uns puseram em grande quantidade, outros em menor número, consoante


lhes agradou que estivessem concentradas ou dispersas, tornando do pórtico
dos templos as proporções da colunata. Sobre as cornijas, à direita e à
esquerda, hão-de colocar-se no muro, em nichos, estátuas e outros ornamen-
tos adequados ao culto. Mas na fachada da obra, a igual altura dos nichos,
abria-se urna janela que tinha de largura o dobro da altura, com duas caiu-
netas intercaladas, para que nelas assentasse o Iintel. Deste género será, pois,
a cúria pontifical.
A cúria senatorial será feita corno se segue. A largura da área terá dois
terços do comprimento; a altura, até às arquitraves da cobertura, será igual à
largura e mais urna quarta parte. Em redor do muro aplicam-se cornijas da
seguinte maneira: a altura do muro, desde o travejamento, será dividida em
nove partes, das quais urna será destinada a urna parte sólida que sirva de
soco e de pedestal onde se erguem as colunas. Esta parte sólida do muro
será ocupada pelos espaldares dos assentos. O que fica por cima dela será
dividido em sete partes; destas, darás quatro partes inteiras à primeira colu-
nata; sobre esta, colocar-se à outra, na qual se seguirão e fixarão a argui-
trave régia e os ornamentos.

Planta da cúria senatorial.

563
Livro Oitavo

As colunatas, tanto as primeiras como as segundas, terão bases, capitéis,


cornijas e outros elementos do mesmo género, como dissemos que se exi-
gem nas basílicas. Os intercolúnios no muro da direita e também no da
esquerda serão em número ímpar e de preferência cinco; os espaços serão
iguais entre si. Nas fachadas, porém, os intercolúnios não serão mais de três,
dos quais o do meio será um quarto mais largo do que os restantes. Em
cada intervalo, seja das colunas seja dos mútulos, que está por cima da cor-

Secção da cúria senatorial com tecto plano.

nija do meio, fazem-se janelas: na verdade convém que as cunas deste


género sejam muito iluminadas. Por debaixo das janelas colocar-se-ão para-
peitos, como dissemos em relação às basílicas 1623 • E os ornamentos das jane-
las, que lhes devem servir de fachada no cimo do muro, não excederão as
alturas das colunas próximas, excluindo os capitéis. A altura do vão das
janelas dividir-se-á em onze partes; seis destas partes serão dadas à largura.

1623
Ver Livro VII, cap. 15.

564
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Ora se, eliminadas as colunas, em vez de capitéis se preferir utilizar


mútulos, nesse caso usaremos os delineamentos que os Jónicos usariam nas
portas. Aqui como aí haverá orelhas pendentes. Esta é a proporção dos
mútulos. Terão de largura o que teria nas colunatas o sumoscapo da coluna,
sem a saliência do colarinho e do filete. A parte pendente medirá o mesmo
que mediria a altura do capitel coríntio, excluindo o ábaco. A saliência desse
mútulo não excederá o cimácio da arquitrave régia.
Em vários lugares tiveram algumas obras tanto por necessidade como
por prazer, as quais recebiam ornamentos e conferiam à cidade maior digni-
dade. Referem que era belíssimo o bosque da Academia, arrasado por Sula
para construir uma trincheira contra os Atenienses 1624 • Alexandre Severo jun-
tou às suas termas um bosque, às de Antonino acrescentou piscinas excep-
cionais 1625 • Os habitantes de Agrigento construíram, pela vitória de Zélon
contra os Carquedónios, uma piscina com sete estádios, com a profundidade
de vinte côvados 1626 , pela qual cobravam um tributo 1627 • Em Tivoli recorda
<···> que havia uma biblioteca pública famosa. Pisístrato 1628 foi o primeiro
que em Atenas pôs livros à disposição do público; Xerxes levou essa quan-
tidade de livros para a Pérsia 1629 ; Seleuco 1630 restituiu-a. Os Ptolemeus, reis
do Egipto, tinham uma biblioteca com setecentos mil volumes 163 1• Mas por-
quê admirar o que é público? Descubro que na biblioteca dos Gordianos 1632
havia sessenta e dois mil livros. No território de Laodiceia 1633 , no templo de
Némesis 163 \ era famosa a maior escola de médicos, que tinha sido fundada
por Zêuxis 163 5 • Em Cartago escreve Apiano que havia estábulos de trezentos
elefantes, e igualmente estábulos de quatro mil cavalos, uma doca com capa-

1624
App., Hist., XII, 5, 30.
1625
S.H.A ., Sev. , 24, 5-6. Alexandre Severo foi imperador romano de 222 a 235 d. C..
1626
Equivalente a 1,29 km de comprimento e a 8,86 m de profundidade.
1627
Trata-se de Gélon, tirano de Siracusa, e não de Zélon. Diodoro Sículo (XIll, 82, 5)
reporta a vitória de Gélon sobre os Cartagineses em Hímera, situada na província de
Agrigento na Sicília, em 400 a. C., tomando-se, a partir de então, senhor de toda a ilha.
1628
Tirano de Atenas no séc. VI a. C ..
1629
No primeiro saque de Atenas, durante invasão persa de 480 a. C .. Cf. Gel., VII, 17.
1630
General de Alexandre Magno, fundador da dinastia dos Slêucidas na Síria.
1631
Ao tempo de César (cf. Strab., Xlll, I, 54).
1632
Gordiano I e II foram imperadores de Roma por um mês em 238 d. C. e Gordiano III
de 238 a 244 d. C..
1633
Cidade da Frígia, situada na Ásia Menor.
1634
Deusa da justiça e da noite que desce sobre os mortais para os castigar da sua arro-
gância, nomeadamente da sua insolência em adivinhar o futuro tendo em conta factos
passados.
1635
Zêuxis de Tarento (c. séc. II a. C.), esculápio grego que comentou os trabalhos de
Hipócrates. Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 404, n. 152.

565
Livro Oitavo

cidade para duzentos e vinte navios, e um arsenal, e celeiros, e outras insta-


lações para se guardar e conservar a forragem do exército 1636 • Diz-se que a
cidade do sol, à qual chamam Tebas, possuía cem estábulos públicos de tão
grande amplidão que em cada um se podiam ter a coberto duzentos cavalos.
Na ilha de Cízico, na Propôntida 1637 , havia dois portos; no meio estava a
doca seca, sob cujas coberturas se tinham duzentos navios. No Pireu, havia
um arsenal, obra célebre de Fílon 1638 , e um ancoradouro notável para qua-
trocentos navios. Dionísio 1639 construiu uma doca seca junto do porto de
Siracusa, repartida por cento e sessenta edificios, em cada um dos quais
coubessem dois navios, e um arsenal no qual, em poucos dias, reuniu mais
de cento e vinte mil escudos e uma incrível quantidade de espadas. Em
Giteu erguia-se a doca dos Espartanos com mais de cento e quarenta está-
dios 1640 • Por conseguinte, descubro que em vários povos existiam várias
construções deste género. Mas sobre como devem ser, nada de importante
tenho a referir, senão que aquilo que neles tem em vista a utilidade se tome
dos edificios privados, mas aquilo que se pretende que tenha em mira a
solenidade e os ornamentos, isso se tire das normas dos edificios públicos.
Não deixarei de referir o seguinte. Nas bibliotecas os ornamentos serão,
acima de tudo, os livros, muitos e os mais raros, principalmente os que se
colhem da ilustre e douta antiguidade. Ornamento serão também os instru-
mentos matemáticos, tanto outros como aqueles que se assemelham ao que
dizem ter feito Posidónio 164 1, nos quais se moviam os sete planetas em
movimentos próprios; como também aquele de Aristarco 1642 que, segundo se
afirma, numa placa de ferro feita com arte e beleza, possuía um mapa da
terra e as suas províncias. E Tibério muito justamente consagrou nas biblio-
tecas os retratos dos poetas antigos 1643 •

1 6
63 App., Hist., VIII, 14, 95-96.
1637
O Mar de Mármara, situado entre o Helesponto e o Bósforo, era designado antigamente,
pelos Gregos, de Propôntida.
1638
Arquitecto ateniense que escreveu sobre as proporções dos templos sagrados e sobre o
arsenal que existiu no porto do Pireu (cf. Vitrúvio, VII, Pre., 12 e 17).
1639
Dionísio I foi tirano de Siracusa de 405 a 367 a. C. .
1640
Tanto Estrabão (VIII, 5, 2) declara que o porto de Giteu dista 240 estádios de Esparta,
como Pausânias (III, 21, 5) afirma que está à distância de 30 estádios de Augeias mas,
contudo, ambos são omissos quanto à dimensão daquele ancoradouro.
164 1
Posidónio de Apameia (c. 135-c. 51 a. C.), filósofo estóico grego que advogava o
método hipotético-dedutivo para a explicação causal do cosmos.
1642
Matemático e astrónomo de Samos que, de acordo com Vitrúvio (IX, 8, 1), "descobriu
o quadrante côncavo ou hemisférico, assim como o quadrante circular plano".
1643
Suet., Tib., 70, 2.

566
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Parece-me que levei a cabo quase tudo aquilo que dizia respeito à orna-
mentação dos edifícios públicos. Falámos dos edifícios sagrados, falámos
dos profanos, falámos dos templos, do pórtico, das basílicas, dos monumen-
tos, das vias, do porto, das praças, do fórum, da ponte, do arco de triunfo,
dos espaços para as corridas, das cúrias, das salas de reunião, dos parques,
e outras obras do mesmo género, de tal modo que, além das termas, de nada
mais nos resta tratar.

CAPÍTULO X

Houve quem desaprovasse as termas, porque julgava que amoleciam o


corpo; outros de tal modo as aprovaram que se lavavam sete vezes por dia.
Para tratar os corpos por meio do banho, os nossos antigos médicos cons-
truíram termas dentro da cidade de Roma à custa de gastos incríveis. Entre
outros, Heliogábalo mandou construir termas em muitos lugares, mas não
cedeu tomar banho senão uma vez em cada uma, que depois de se lavar
destruía, a fim de não ter os banhos por hábito 1644 •
Pela minha parte ainda não sei ao certo se as termas são um edifício
privado ou público. Sem dúvida que, quanto nos é dado ver, é uma mistura
de ambos. Existem nas termas muitos aspectos tirados dos edifícios privados
e muitos tomados dos públicos. A obra das termas, necessitando de uma área
vastíssima, não ocupará as partes da cidade mais frequentadas nem as mais
isoladas 1645 : pois aí vão os anciãos e as matronas para fazerem a sua higiene.
As áreas cobertas das termas são rodeadas por praças e as praças cer-
cadas por um muro alto; não se dá acesso às praças senão nuns pontos defi-
nidos e convenientes, sob as áreas cobertas há um átrio central amplíssimo e
imponente, como se fosse o centro do edifício, com celas segundo o deli-
neamento do templo a que chamámos Etrusco 1646 • A entrada no átrio faz-se
pelo vestíbulo principal, cuja fachada se estende voltada a sul. Quem entra
pelo vestíbulo dirige-se para Norte. A seguir a este grande vestíbulo, há
outro mais estreito, vestíbulo ou antes passagem para o átrio grande. Do

1644
S. H. A., Heliogab., 30, 7.
1645
Este critério de localização teria de ser compatibilizado com a implantação de aque-
dutos, que tinham como principal finalidade, em meio urbano, abastecer as fontes
públicas.
1646
Ver Livro VII, cap. 4.

567
Livro Oitavo

átrio para norte, apresenta-se uma saída aberta e larga para uma área a céu
aberto. Do lado direito da área descoberta e também do lado esquerdo tem-
-se um pórtico muito espaçoso e ao pórtico juntam-se, do lado de trás, os
banhos frios .

• • • • • • • •
IJ
• • • • • • 11

• •
• •
• •
• •
Q

11 •
• a

• •
• a

• •
• •
• D

• •
• •
• • • • • ..

Planta do pátio (xystus) como lugar de passagem porticado 1647 •

Voltemos ao átrio principal. Na extremidade direita desse átrio, estende-


-se, voltada a nascente, uma passagem em abóbada, espaçosa e larga, pro-
vida de três celas de cada lado, iguais entre si e simétricas. Depois desta
passagem, oferece-se de imediato uma área descoberta, à qual eu chamo

1647
Note-se que a planta das termas é descrita, verbis solis, de forma rigorosa, enquanto a
ilustração da planta do xystos se deve à interpretação de Bartoli (1550).

568
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Planta das termas.

xisto 1648 , cercada de pórticos. Mas, de entre estes, o pórtico que se abre no
lado oposto à desembocadura da passagem tem por trás dele uma ampla
sala; por sua vez, o pórtico que pelo lado da frente recebe o sol meridiano,
tem igualmente os mesmos banhos a que chamámos frios; o pórtico tem
ainda, contíguo a si, um vestiário anexo à área grande descoberta 1649 ; o pór-
tico que está em frente a este, do lado oposto, tem por detrás os banhos
quentes, os quais devem receber o sol do lado sul, através das aberturas das
janelas. Em lugares apropriados, junto dos cantos dos pórticos do xisto, há
ainda vestíbulos mais pequenos, cómodos para quem entra e sai pela praça
exterior que circunda as áreas cobertas das termas. Tal, por conseguinte, é a
série dos elementos que se estenderá na extremidade direita do átrio; em
frente , na extremidade esquerda do átrio, voltada a poente, corresponderá
igualmente: uma passagem provida de celas iguais em grupos de três e ime-

1648
Ver Livro I, cap. 9 e Livro VIII, cap. 8.
1649
Área mencionada no parágrafo anterior.

569
Livro Oitavo

diatamente a seguir uma área de xisto descoberta semelhante, incluindo sala


de reuniões nos pórticos e vestíbulos nos cantos.
De novo saio para o vestíbulo principal de todo o edificio, que disse-
mos que está voltado a sul. À direita deste vestíbulo sucedem-se, ao longo
de uma linha traçada para nascente, três compartimentos; e à esquerda tam-
bém três em série, ao longo de uma linha traçada para poente, de tal modo
que umas sejam para uso das mulheres e as outras, dos homens. Nos pri-
meiros compartimentos despiam as vestes, no segundo ungiam-se. Alguns,
para aumentar o espaço, acrescentaram um quarto compartimento de cada
lado; isso talvez para que aí se recebessem os familiares e os acompanhan-
tes vestidos. Para estes compartimentos balneares entrava o sol do lado sul
por grandes janelas.
Entre estes compartimentos e as celas que dissemos que ficavam pega-
das aos lados das passagens interiores, as quais passagens se estendem do
átrio para a área do xisto rodeada de pórticos, deixava-se um espaço a céu
aberto, por onde entrava a luz no lado das celas interiores adjacentes à pas-
sagem que vem do átrio.
Todo o perímetro da área coberta era circundado, como disse, de praças
muito espaçosas, que eram suficientes para corridas próprias dos jogos. Nem
lhes faltavam os marcos nos lugares convenientes, para que os concorrentes
dessem a volta. Na praça sul, que se estende diante do vestíbulo, a extensão
da área prolongava-se em hemiciclo para sul; em tomo deste hemiciclo ele-
vavam-se degraus à imitação do teatro; e erguia-se um muro para resguardar
do vento sul. Um muro exterior contínuo mantinha essas praças cercadas e
fechadas como se fosse uma praça fortificada. Juntavam-se à cerca salas de
reunião imponentes, tanto em hemiciclo como em rectângulo, voltadas em
redor para os edificios principais das termas. Nestas salas os cidadãos apa-
nhavam a seu bel-prazer sol e sombra, de um lado de manhã, de outro de
tarde, conforme as vicissitudes das suas horas. Além disso, sobretudo a
norte, para lá da cerca maior do muro dispunham-se áreas descobertas,
pouco largas, mas compridas, terminadas por uma linha ligeiramente
dobrada em arco. Essas áreas eram rodeadas por um pórtico arqueado,
fechado na parte posterior por um muro, e nada mais se enxergava senão um
pouco do céu que aí a área descoberta deixava entre o muro da cerca e o
pórtico arqueado. Era um refúgio de Verão: com efeito o sol, por causa da
estreiteza da área e da altura das paredes, aí penetrava apenas no solstício de
Verão. Nos ângulos da cerca maior havia vestíbulos e capelas, nas quais,
como alguns dizem, as matronas, depois de se purificarem, aplacavam os
deuses.

570
O Ornamento de Edificios Públicos Profanos

Este era, portanto, o conjunto das partes de que as termas constavam.


Os delineamentos dessas partes tomavam-se daquelas obras que acima refe-
rimos, e também daquelas de que a seguir iremos falar, consoante essas par-
tes correspondiam mais àquelas ou a estas, isto é, às construções públicas ou
às privadas; e a área da totalidade da obra tinha em quase todas mais de
cem mil pés quadrados 1650 •

1650
Equivalente a mais de 8761,6 m 2 • Esta descrição resulta da observação das ruínas das
termas imperiais, como as de Caracala (212-217 d. C.) que, ainda hoje, são utilizadas
como cenário para grandes eventos culturais. Cf. Rykwert et ai/i, 1988, p. 405, n. 162.

571
LIVRO NONO: 0 ORNAMENTO DE EDIFÍCIOS
PRIVADOS

CAPÍTULO I

onvém recordar que de entre os edificios privados uns são urbanos

C outros rústicos; e destes uns são usados pelos pobres e outros pelos
ricos. Trataremos da ornamentação de todos eles. Mas, antes de mais,
não omitiremos alguns aspectos que dizem respeito a esta matéria.
Entre os nossos antepassados, vejo que aos mais prudentes e sensatos
lhes agradou vivamente a sobriedade e a parcimónia, tanto nos restantes
aspectos, públicos e privados, como em especial na arte edificatória, e que
consideravam que todo o luxo devia ser banido do meio dos cidadãos e
reprimido; e detecto que, com todo o zelo e diligência, proveram a esta
matéria com advertências e leis. Por isso Platão aprova aqueles que sancio-
naram o que em outro lugar dissemos 1651 : que ninguém introduzisse pinturas
mais esplendorosas do que aquelas que houvesse no templo pintadas pelos
Antigos; e proibiu que o templo fosse ornamentado por outra pintura que
não fosse uma só que um pintor tivesse realizado num só dia 1652 ; e, da
mesma maneira, ordenava que fizessem as estátuas dos deuses apenas de
madeira ou de pedra e que deixassem o bronze e o ferro para uso da guerra
de que são instrumento. Demóstenes preferia os costumes dos antigos Ate-
nienses aos costumes do seu tempo: "Com efeito - diz ele - deixaram-nos
edificios públicos, e sobretudo templos, tantos e tão magníficos e ornamen-
tados que não restou nenhuma possibilidade de serem superados. Pelo con-
trário, construíram os edificios privados com tal sobriedade que mesmo as

1651
Ver Livro VII, cap. 1O.
1652
Platão (Lg., XII, 956b) refere que, para ornamentar os templos, nenhum tema é mais
adequado do que as aves e figuras análogas, que um pintor realiza num só dia. Ver
Livro VIII, cap. 2.

573
Livro Nono

casas dos homens mais ilustres não diferiam muito das casas dos cidadãos
mais humildes; por tal razão conseguiram, entre os mortais, vencer a inveja
com a glória." 1653 Mas nem sequer estes pareciam merecer o elogio dos
Lacedemónios 1654 se porventura tivessem ornamentado a cidade mais com a
obra do operário do que com a glória dos seus feitos; e que os que mere-
ciam ser louvados eram eles, que tinham ornado a cidade mais com a
virtude do que com a construção. Entre os Lacedemónios, uma lei de
Licurgo 1655 não permitia que as coberturas fossem trabalhadas senão com a
machada, e as portas senão com a serra 1656 • Agesilau 1657 , ao ver que na Ásia
as traves das casas eram quadradas, riu-se e perguntou se lá fariam as traves
redondas se elas tivessem nascido quadradas. E sem dúvida com razão: pois
considerava que, segundo a sobriedade dos seus antepassados, uma casa pri-
vada devia ser construída tendo em vista a necessidade e a utilidade e não a
beleza e o prazer. No tempo de César evitava-se, entre os Germanos, cons-
truir edifícios com muito apuro, sobretudo no campo, a fim de que daí não
surgisse entre os cidadãos motivo de discórdia, por cobiça da propriedade
alheia 1658 • Em Roma, Valério 1659 , tendo uma casa altíssima no Esquilino, dei-
tou-a abaixo para evitar a inveja e edificou-a em plano raso 1660 •
Portanto, esta sobriedade foi seguida por aquela boa geração, pública
e privadamente, enquanto os bons costumes o permitiram. Depois, com o
crescimento do império cresceu tanto o luxo em quase todos, excepto em
Octaviano - de facto, sentia-se molestado por uma edificação demasiado
sumptuosa; e foi ao ponto de até mandar destruir uma casa de campo cons-
truída com demasiada profusão 166 1 - cresceu tanto, repito, o luxo na cidade,

1653
Demóstenes, III. a Olíntíca, 25-26. Nestas peças de oratória Demóstenes pronunciou-se
contra Filipe II da Macedónia a propósito das ameaças contra Olíntia, cidade da Calcí-
dica, que pretendia aproximar-se de Atenas.
1654
Antiga designação grega para os Espartanos, usada por Homero.
1655
Licurgo (c. 390-c. 325 a. C.), legislador e governante de Esparta.
1656
A frugalidade dos instrumentos de trabalho acompanha a moderação no ornamento. Cf.
Plut., Lyc. , 13, 3.
1657
Agelisau (c. 444-360 a. C.), rei de Esparta desde 399 a. C .. Cf. Plut., Mor. , III, 16, 210
e; Lyc., 13, 5.
1658
O que César (Gal., VI, 22) refere é que os Germanos, devido ao seu nomadismo, evi-
tam "que tenham demasiado cuidados na construção das casas para se protegerem do
frio" (cf. trad. esp. de V. G. Yebra - H. E. Sobrinho, 1996).
1659
Públio Valério Publícola foi cônsul em 509-507 e em 504 a. C ..
1660
Plut., Publ., X, 3-6. A casa está situada na colina Vélia do Palatino e não no Esquilino
(cf. Cic., Rep., II, 53 ; Liv., II, 7; Portoghesi, 1966, p. 780, n. 5).
1661
Suetónio (Aug., LXXII, 3) relata que Octaviano Augusto mandou demolir várias casas
de campo luxuosas mandadas construir pela sua neta Júlia.

574
O Ornamento de Edificios Privados

que entre os demais houve alguém da família dos Gordianos que construiu
uma casa na via Prenestina, com duzentas colunas com o mesmo fuste e
igual tamanho, cinquenta das quais recorda que eram mumídicas, cinquenta
claudianas, cinquenta simíades, cinquenta tisteias 1662 • E que dizer em relação
àquilo que Lucrécio menciona?
Pela casa havia estátuas de ouro
Que na mão direita seguravam tochas acesas
Para darem luz aos banquetes nocturnos 1663 •

A que propósito vem tudo isto? A fim de que, com o exemplo deles, eu
fundamente aquilo mesmo que em outro lugar dissemos: que agrade aquilo
que é à medida da dignidade de cada um 1664 • E se me ouvires, prefiro que,
nos edificios privados, aos mais ricos falte alguma coisa que contribua para
o ornamento, a que os mais pobres e mais poupados critiquem o luxo dos
ricos em algum aspecto. Todavia, uma vez que todos estamos de acordo em
que devemos deixar aos vindouros fama de sabedoria e poder - por tal
motivo, como dizia Tucídides 1665 , construímos em grande para podermos
parecer grandes aos vindouros -; uma vez que ornamentamos as nossas
casas não menos para dignificar a pátria e a nossa família do que a nossa
magnificência - quem negará que esse é o dever de um homem bom? -,
agradará, sem dúvida, aquele que quiser que tenham o maior esplendor as
partes que sejam maximamente públicas, ou as que hão-de, antes de mais,
obsequiar os hóspedes: como é o caso da fachada do edificio, do vestíbulo
e de outros elementos do mesmo género. E, embora declarando que devem
ser censurados aqueles que excedem os limites, considero, todavia, dignos
de maior censura aqueles que edificarem com tão grandes gastos que as suas
obras não possam ser ornamentadas, do que aqueles que ambicionarem um
ornamento com um pouco mais de despesa.
Mas eu assim determino: quem quiser advertir correctamente no verda-
deiro e certo ornamento dos edificios há-de entender, sem dúvida alguma,
que ele não se obtém nem depende das riquezas que se gastam, mas sobre-
tudo da riqueza do engenho. Segundo creio, quem for sensato não há-de

1662
S.H. A., Gor. , 32, 2. As ruínas desta casa são conhecidas actualmente como Vil/a dei Tre
Imperatori.
1663
Lucr. , II, 24-26.
1664
O sentido de proporcionalidade e de conveniência fundamenta a dignidade na arte edi-
ficatória. Ver Livro V, cap. 14.
1665
Thuc. , I, 10, 2.

575
Livro Nono

querer ser notoriamente diferente dos outros no arranjo das suas casas priva-
das; e tomará cuidado para não provocar, com a pompa e a ostentação, a
inveja de ninguém. Quem for prudente, há-de querer, pelo contrário, não ser
superado por ninguém no que respeita à diligência do construtor e aos méri-
tos do seu discernimento e da sua sagacidade; pelo que, há-de ser extraordi-
nariamente bem comprovada a partição, toda ela, e a concordância dos deli-
neamentos, que são o principal e o primeiro género de ornamentação. Mas
volto ao assunto.
A residência do rei e a daquele que, numa cidade livre, for senador,
pretoriano ou consular, será de todas a primeira que deves desejar que seja
a mais imponente. Dissemos acima como é que nestas residências, na parte
mais conveniente, será ornamentado aquilo que é público. Para já, porém,
comecemos a fazer compor os ornatos que se destinam apenas ao uso pri-
vado. Gostaria que o vestíbulo se apresentasse, de acordo com a dignidade
de cada um, com a maior majestade e esplendor. Seguir-se-á um pórtico
muito bem iluminado; e não faltarão espaços magníficos. Enfim, da imitação
dos edifícios públicos, tomarão tudo o resto que, tanto quanto a situação o
permita, possa contribuir para o seu esplendor e nobreza; usando de uma tal
sobriedade de elementos que evidencie ter preferido de longe agarrar a
beleza a ir atrás de qualquer ostentação. Por tal motivo, assim como no livro
anterior, em relação aos edificios públicos, os profanos cederam aos sagra-
dos o primeiro lugar em dignidade, tanto quanto foi justo, assim também
neste livro os privados facilmente se deixarão vencer pelos públicos em todo
o tipo de requinte e abundância de ornamentos. Não se admitam portas de
bronze ou de marfim, coisa que se contava entre as acusações feitas a Car-
vílio 1666 ; não hão-de resplandecer os caixotões do tecto com muito ouro e
vidro; não hão-de brilhar todas as coisas com mármore do Himeto 1667 e de
Paros 1668 : pois tudo isso é próprio dos templos; mas usará com requinte das
coisas modestas e com moderação das coisas requintadas 1669 • Contentar-se-á
com o cipreste, o lárice, o buxo. Rebocará com molduras de estuque e

1666
Carvílio, que foi cônsul em 293 e 272 a. C., é que acusou o ditador Camilo de ter por-
tas de bronze na sua casa, o que contribuiu para o seu exílio em 380 a. C .. Cf. Plin.,
Nat., XXXIV, 13.
1667
Colina situada a Este de Atenas, conhecida pela extracção de mármore branco.
1668
Ilha das Cíclades reconhecida pela pureza do mármore branco.
1669
Ao advogar o requinte das coisas modestas e a moderação das coisas requintadas,
Alberti assume o princípio da masserizia.

576
O Ornamento de Ediflcios Privados

revestirá com afrescos muito simples. Fará as comijas com pedra de luna 1670
ou antes de Tivoli 1671 •
Não abdicará, todavia, nem proscreverá inteiramente os elementos mais
belos, mas dispô-los-á nos lugares mais dignos, quais jóias numa coroa, com
toda a parcimónia. Mas se nos agradar definir toda a questão, em poucas
palavras, assim ordenarei: é necessário que os edifícios sagrados sejam
arranjados de tal forma que nada mais se possa acrescentar à sua majestade
nem à admiração da sua beleza; por sua vez, os edifícios privados devem
ser de tal forma que nada se lhes possa tirar que esteja estreitamente unido
à sua exímia dignidade. Aos restantes edifícios, como é o caso dos edificios
públicos profanos, penso que se deve reservar um lugar ao meio entre
ambos.
Por conseguinte, nos ornamentos privados conter-se-á com grande aus-
teridade; no entanto, na maior parte dos edificios usará de uma certa liber-
dade. Com efeito, se uma coluna for mais fina em todo o fuste ou um pouco
mais inchada no bojo 1672 , ou mais adelgaçada no estreitamento do que per-
mite a norma exacta dos edificios públicos, não se há-de considerar defeito
nem se desaprovará contanto que isso nada tenha de tosco ou disforme.
Mais ainda, aquilo que não é permitido nos edificios públicos, isto é, que se
aparte da austeridade e da lei, cuidadosamente deliberada, dos delineamen-
tos, isso mesmo contribui às vezes para tomar agradável os edifícios priva-
dos. E como caía belissimamente aquilo que os mais engenhosos costuma-
vam fazer nas portas das salas de banquete, adossando de ambos os lados
enormes estátuas de escravos, que sustentavam o lintel sobre a cabeça 1673 , e
pondo nos pórticos colunas, que ora reproduziam troncos de árvores com os
nós aparados ou feixes amarrados com uma tira de couro, ora helicoidais,
em forma de palmeira e com ramagens em relevo e cobertas de pássaros e
de <···> 1674 , ora ainda, quando pretendiam que a obra fosse muito robusta,
colocando uma coluna quadrada junto da qual sobressaía meia coluna
redonda de um lado e outra meia do outro 1675 ; além disso, pondo-lhes em
cima, em vez de capitéis, cestos cheios de cachos e frutos pendentes, ou

1670
A pedra de Luna, extraída junto à antiga cidade e porto de Luna na Etrúria, é um már-
more branco de qualidade, conhecido como mármore de Carrara.
167 1
Travertino que se extrai próximo de Tivoli.
1672
Ou barriga (venter).
1673
As cariátides ou os atlantes conforme o género.
1674
Na editio princeps regista-se rivulus que significa canal, riacho ou fio de água.
1675
Este género de coluna, embora apresente muitos precedentes clássicos, era mais comum
na arquitectura bizantina e preto-renascentista do que na greco-romana. Cf. Rykwert et
a/ii, 1988, p. 406, n. 19.

577
Livro Nono

uma palmeira com os ramos superiores verdejantes, ou novelos de cobras


enteadas com vários nós, ou águias a bater as asas, ou rostos das Górgones
com serpentes lutando entre si! Longo seria enumerar outros motivos seme-
lhantes.
Com estes processos, o autor do projecto 1676 manterá, na medida do
possível, as formas mais adequadas de cada uma das partes, traçando,
segundo a arte, as medidas das linhas e dos ângulos, de maneira que não
pareça que pretendeu defraudar a obra da adequada concinidade dos seus
membros, mas antes brincar com os visitantes num divertimento de beleza
ou, melhor, diverti-lo com a graça do invento 1677 • E como as salas de ban-
quete, as passagens e outros compartimentos são uns de acesso geral, outros
reservados e absolutamente íntimos: naqueles pôr-se-á ao serviço do esplen-
dor do fórum, com a pompa <···> pública da cidade, pompa em nada odiosa;
ao passo que, nos espaços mais recônditos, ser-lhe-á permitido algum
excesso, a seu gosto.

CAPÍTULO II

Mas, como as residências privadas são umas urbanas e outras não urba-
nas, consideremos qual é o ornamento que condiz com cada uma delas.
Entre as casas urbanas e uma casa de campo, além do que já dissemos nos
livros anteriores 1678 , há ainda estas diferenças: os ornamentos das urbanas
devem, em comparação com as outras, ter um sabor a austeridade, ao passo
que às casas de campo se concedem todos os atractivos da festa e da ame-
nidade. Outra diferença é que nas residências urbanas é inevitável, por

1676
O termo artifex é usado tanto para designar o autor do projecto (Livro IX, cap. 5),
como para referir os artífices (Livro IV, cap. 1) como, por vezes, para designar o encar-
regado da execução da obra (Livro X, cap. 7).
1677
Esta licenciosidade, que anuncia a arquitectura pós-renascentista, está presente em Fran-
cisco de Holanda (1955, pp. 69-71) nos Diálogos de Roma, onde atribui a Miguel
Ângelo o comentário: "[ .. .] os poetas e os pintores têm poder para ousarem, digo ousa-
rem o que lhes aprouver [.. .]. E daqui tomou licença o insaciável desejo humano a lhe
aborrecer alguma vez mais um edificio com suas colunas e janelas e portas que outro
fingido de falso grotesco, que as colunas tem feitas de crianças que saem por gomos de
flores , com os arquitraves e fastígios de ramos de murta, e as portadas de canas e dou-
tras coisas, que muito parecem impossíveis e fora de razão, o que tudo até é mui
grande, se é feito de quem o entende".
1678
Ver Livro V, caps. 14 e 18.

578
O Ornamento de Edificios Privados

impostçao do vizinho, que tenhas moderação em muitas coisas que na casa


de campo levamos por diante com maior liberdade 1679 • É preciso evitar que
a altura da casa seja muito mais elevada do que permite a coesão com a
casa do vizinho. Também os pórticos adoptarão a medida da sua largura de
acordo com o traçado dos muros comuns. A espessura e a largura dos muros
em Roma não se determinavam à vontade de cada um: pois segundo uma lei
antiga não era permitido construir um muro mais grosso <···> 1680 • Júlio César,
para evitar os perigos de desmoronamento, determinou que em lugar
nenhum dentro da cidade se erguesse um muro acima <··-> 168 1• Uma casa de
campo não está sujeita a estas leis. Em Babilónia imputava-se aos cidadãos
à conta de mérito o facto de habitarem em prédios de quatro andares 1682 •
O orador Élio Aristides 1683, fazendo o elogio de Roma num discurso lauda-
tório, proclamou diante da assembleia do povo que era admirável que tives-
sem sobreposto casas muito altas a casas muito altas: adulação lisonjeira;
mas ele elogiava mais a grandeza do povo do que a natureza das constru-
ções. Dizem que Tiro superou Roma na altura das casas e, por tal motivo,
um dia pouco faltou para que toda a cidade desabasse por causa dos tremo-
res de terra 1684 •
Contribuirá para a comodidade e ainda para a beleza dos edificios se
não houver necessidade de subir ou descer mais do que é razoável. E tem
razão a advertência daqueles que afirmam que as escadas são um elemento

1679
Trata-se de uma situação semelhante ao que sucedeu com o palácio Rucellai, em Flo-
rença, que agrupa uma série de pequenos edifícios existentes mas que, face às dificul-
dades na aquisição de uma propriedade vizinha por Giovanni Rucellai , acabou por
resultar numa obra inacabada para a qual chegaram a estar previstos catorze módulos na
fachada, dos quais apenas foram concluídos cinco. Somente dois séculos depois é que
foram acrescentados mais dois módulos, ficando aquela fachada incompleta até aos dias
de hoje. Cf. Tavemor, 1998, pp. 95-96.
1680
Segundo a legislação, a espessura máxima seria de um pé e meio (44,4 cm) para supor-
tar a carga de um piso. Cf. Vitrúvio, II, 8, 17.
168 1
De acordo com Estrabão (V, 3, 7), a altura dos muros foi limitada por Octaviano
Augusto a 70 pés (20,68 m) como medida preventiva para que não caíssem para a via
pública, enquanto Aurélio Victor (1911, 13) informa que Trajano, devido às cheias do
Tibre e aos terramotos, a reduziu para 60 pés ( 17,73 m).
1682
Heródoto (1, 180, 3) somente relata que "A cidade propriamente dita compõe-se de um
sem número de casas de três e quatro andares, separadas por vias rectilíneas, tanto as
transversais que conduzem ao rio como as outras" (cf. trad. de J. R. Ferreira, 2002).
1683
Élio Aristides (117-189 d. C.; VIII, 6), orador grego cuja obra mais conhecida é o
Encomium Romae.
1684
Strab., XVI, 2, 23.

579
Livro Nono

perturbador dos edifícios 1685 . Vejo que os Antigos chamaram muito a atenção
para o atravancamento que elas provocam. Mas, na casa de campo, nenhuma
necessidade obriga a sobrepor edifícios uns aos outros. Com efeito, numa
extensão de terreno mais ampla, disporá de espaços perfeitamente adequados
para que os edifícios se sucedam uns aos outros ao mesmo nível; isso
mesmo me agradará muito nas cidades, contanto que seja possível.
Há ainda um género de edifício privado que requer ao mesmo tempo a
dignidade das residências urbanas e o apraz'ível da casa de campo; nos livros
anteriores passámos adiante deste aspecto, deixando-o para este lugar. São
eles as quintas urbanas 1686 , que eu considero não deverem desmerecer a
nossa atenção. Contribuirá para a brevidade, que é a minha grande preo-
cupação, explicarmos em conjunto o que é que convém a cada um destes
géneros. Mas antes de mais devo deter-me a referir alguns aspectos acerca
dessa mesma quinta.
As máximas dos Antigos: "Quem adquiriu um campo, venda a casa
da cidade", "Quem tem no coração a vida da cidade, não precisa da do
campo", talvez pretendam afirmar que a casa de campo tem mais vantagens.
Gozemos - dizem os médicos - do ar mais livre e puro que puder ser. Isto
será proporcionado - não o nego - por uma casa de campo situada num
ermo em lugar elevado. Por outro lado as obrigações dos compromissos
urbanos e cívicos solicitam o pai de família a estar presente com muita fre-
quência no fórum, na cúria ou nos templos. Será a casa da cidade a propor-
cionar-te a possibilidade de o conseguires muito facilmente. Mas aquela é
inimiga dos negócios, esta da saúde 1687 • Os generais costumam deslocar os
acampamentos, para evitar que os maus cheiros sejam gravemente preju-

1685
Esta questão será resolvida no âmbito da cultura arquitectónica barroca, que tira partido
dos meios de circulação para a composição espacial do edificado.
1686
Referência a hortus que significa, literalmente, horto ou jardim e, por metonímia, casa
com jardim, a que corresponde, neste caso, o termo quinta urbana, com o sentido de
uma propriedade urbana com casa de habitação e com alguma forma de produção agrí-
cola. Plínio-o-Antigo (Nat., XIX, 4, 50) relata que, nas Leis das XII Tábuas, hortus era
usado para referir casa de campo (vi/la) : "Na Lei das XII Tábuas nunca se emprega a
palavra vi/la, mas com esse significado aparece sempre a palavra hortus, e em vez de
hortus diz-se heredium" (trad. de F. Carrilho, 2008). Posteriormente, Tatti (1561, p. 79)
informa que "Lo horto, o nelle città, o nelle ville e grandemente necessario, cosi a com-
modo delle cose a mangiare, come anco a diletto et a utilità à della vita nostra", o que
sugere que, no séc. XVI, aquele termo não se limita à propriedade rural, mas também
é extensível à urbana, à semelhança do que propõe Alberti.
1687
As questões de salubridade e higiene da casa de campo são abordados na obra I libri
de/la famiglia (IIl, pp. 198 et seq.).

580
O Ornamento de Edificios Privados

diciais. Que pensas tu que há-de suceder com uma cidade em que tanta
acumulação de lixo, conservada durante tanto tempo, há-de exalar os seus
vapores em todas e de todas as direcções? Sendo assim, sustento que de
todas as construções que se fazem tendo em mira a comodidade, a principal
e a mais saudável é a quinta urbana, que nem impede a participação nos
assuntos da cidade nem deixa de estar resguardada da impureza do ar.
Procurava Cícero que Ático 1688 lhe adquirisse quintas em lugar frequen-
tado. Mas eu não as quero tão frequentadas que nunca me seja permitido
estar diante da entrada sem toga. Gostaria que estivesse garantida aquela
comodidade que em Terêncio <··-> dizia gozar:
"Que eu não me enfade nem da casa de campo nem da cidade" 1689 •
E com muita graça em Marcial:
"A quem me perguntar que faço eu morando no campo
responderei em poucas palavras:
Janto, bebo, canto, jogo, tomo banho, ceio, descanso,
Depois leio, invoco Apolo e fatigo a Musa." 1690

Agrada a vizinhança da cidade e um refúgio acessível, onde seja lícito


fazer por prazer aquilo que apetece. Dar-te-á companhia a proximidade da
cidade, a frequência do caminho, a amenidade da região. Com estas con-
dições, a edificação será agradável se em toda a sua fachada, antes de mais,
se oferecer aprazível à vista dos que saem da cidade, como se atraísse e
aguardasse a visita dos que vêm até si. Por esse motivo gostaria dela um
pouco alteada; e gostaria que em direcção a esse lugar subisse uma ladeira
com um ligeiro declive, de tal forma que enganem os transeuntes, a ponto
de não se aperceberem de ter subido senão quando olham de cima o campo
em volta. Não faltarão, tendo em vista o prazer mas também o uso, os espa-
ços do prado floridos em redor, o campo cultivado muito soalheiro, as fres-
quíssimas sombras das florestas, as limpidíssimas fontes, os regatos, as pisei-

1688
Cic., Att., XII, 23, 3.
1689
Alberti atribui a Terêncio um verso (Ne ulla me aut villae aut urbis sacietas teneat -
"Que eu não me enfade nem da casa de campo nem da cidade"), que não corresponde
ao verso 472 da comédia Eunuchus deste autor (neque agri neque urbis odium me
umquam percipit- "nunca me aborreço nem do campo nem da cidade" (trad. de A. P.
Couto, 1996).
1690
Anthologia latina, sive Poesis latinae supplementum, ed. Bücheler-Riese, I, I, Leipzig:
Teubner, p. 98, n. 26, v. I, 7 e 4. Neste caso, "o epigrama é erroneamente atribuído a
0

Marcial". Cf. Portoghesi, 1966, pp. 792-793, n. 2.

581
Livro Nono

nas e tudo o mats que em outro lugar dissemos ser próprio das casas de
campo 169 1.
Além disso, será muito do meu gosto que toda a fachada e o conjunto
das construções, o que em qualquer edificio contribui para a beleza, sejam
luminosos e bem visíveis de todos os lados. Receba de um céu limpidíssimo
muita luz, muito sol, muita brisa salutar. Em nenhum sítio quero que se veja
alguma coisa que, com a sua imagem desagradável, seja chocante. Tudo sor-
ria e se congratule com a chegada do hóspede. Quem entra em casa fique na
dúvida se, para prazer do espírito, quer ficar onde está ou prosseguir para
outras partes que o atraem com o seu encanto e esplendor. Das áreas rec-
tangulares passe-se às redondas, das redondas de novo às angulares, e destas
a outras que não são totalmente redondas nem são limitadas por linhas
totalmente rectas 1692 . E quando te dirigires para o seio mais íntimo da casa,
não haverá lugar onde seja necessário descer degraus; pelo contrário, até ao
mais recôndito compartimento chega-se por um acesso ao nível do solo ou a
um pequeno desnível.

CAPÍTULO III

Mas como as partes dos edificios são muito diferentes entre si, por
natureza e na aparência, penso que devo tratar de tudo aquilo que noutro
lugar deixámos de lado reservando-o para este. Há partes que se fazem ou
redondas ou rectangulares: contanto que correspondam convenientemente ao
seu uso, pouco importa; mas importa muito quais são as suas dimensões e
em que lugares se devem dispor. É necessário que umas sejam maiores,
como é o caso do seio da casa 1693 ; outras necessitam de uma área menor,
como é o caso do quarto e todos os compartimentos interiores; outras são
médias, como é o caso da sala de jantar e do vestíbulo. Já em outro lugar
dissemos qual é o sítio adequado que cada membro deve ocupar numa

169 1
Ver Livro V, cap. 17.
1692
À semelhança de Le Corbusier no séc. XX, Alberti sugere, para uma efectiva apropria-
ção da casa pelos seus utentes, sequências espaciais divers ificadas .
1693
No Livro V, cap. 17, Alberti, ao aplicar às partes do edifício as designações dos órgãos
do corpo humano, esclarece o que entende por "seio da casa": "De todas as partes a
mais importante é aquela que se julga poder chamar-se pátio ou átrio e a que nós cha-
maremos 'o seio da casa'".

582
O Ornamento de Edificios Privados

casa 1694 • Não há razão para me referir às áreas e ao modo como diferem
entre si; com efeito, muitas variam em função da vontade de cada um e das
diversas condições dos lugares onde se vive.
Os Antigos juntavam às suas casas um pórtico ou uma sala de reuniões,
ambos nem sempre com linhas rectas mas encurvadas à maneira do tea-
tro 1695 . Ao pórtico acrescentavam, quase todos, um vestíbulo redondo. Daí
havia uma passagem para o seio da casa e mais aquilo que em seu lugar
dissemos. Se prosseguir falando dos seus delineamentos, serei demasiado
prolixo. São estes, porém, os aspectos que vêm a propósito.
Se a área for redonda, terá as dimensões dos delineamentos dos tem-
plos; com uma pequena diferença: a altura dos muros deve ser aqui mais
elevada do que nos templos; a seguir verás porque é assim. Se for rectangu-
lar, nesse caso haverá aspectos em que é diferente daquilo que dissemos em
relação aos edificios sagrados e aos profanos; no entanto, terá alguns em
comum com o senado e com a cúria. Segundo um velho costume corrente
entre os Antigos, o átrio ou terá de largura dois terços do comprimento, ou
o próprio comprimento terá cinco terços da largura, ou ainda sete quintos da
largura. Em qualquer dos casos parece que os Antigos determinaram elevar
o muro a uma altura tal que tivesse quatro terços do comprimento da
área 1696 • Nós, a partir das dimensões das suas obras, detectámos que as áreas
quadrangulares requeriam no muro uma altura quando se fazia uma abóbada,
outra quando se usava o entablamento. De igual modo se deve proceder de
uma forma nos grandes edificios, de outra nos pequenos. De facto, não é
igual, em ambos os casos, a proporção dos intervalos, desde o ponto central
do raio de quem olha até às alturas mais altas que se vêem 1697 . Mas disso
falámos em outro lugar 1698 •

1694
Ver Livro V, cap. 17.
1695
Prenúncio das soluções que serão encontradas na cultura arquitectónica europeia, carac-
terizada por linhas e superfícies curvas, bem como pelas suas transformações.
1696
As proporções de 2/3 e 3/5 , para as relações entre a largura e o comprimento dos
átrios, já se encontram em Vitrúvio (VI, 3, 3).
1697
O tratado de Vitrúvio (III, 5, 9; VI, 3, 5) revela uma consciência, explicitada por "uma
constante proporcional de grandeza", de que as proporções são afectadas pela escala do
edificado, a fim de se introduzir um sistema de compensações ópticas, para obras colos-
sais ou que se encontrem em lugares muito altos, à semelhança do que sugere Alberti.
1698
Ver De/la pittura, I, 7: "Qui soglio io appresso ad i miei amici dare simile regola:
quanto a vedere piu razzi occupi, tanto ti pare quel che si vede maggiore, e quanto
meno razzi, tanto minore. E questi razzi estrinsici cosi circuendo la superfície che I'uno
tocchi l'altro, chiuggono tutta la superfície quasi come vertici ad una gabbia, e fanno
quanto si dice quella pirramide visiva [...]".

583
Livro Nono

Definimos os tamanhos das áreas a partir do tecto, os do tecto a partir


do comprimento das traves que são necessárias para a cobertura. Direi que
um tecto é médio quando é suficiente uma árvore média e traves médias
para o sustentar.
E além destas que vimos, passando-as em revista, há muitas outras
dimensões e correspondências de perfeitíssima concinidade, que tentaremos
expor, sucinta e clarissimamente, do modo que se segue. Se o comprimento
da área for o dobro da sua largura, então nas áreas cobertas por traveja-
mento a altura será igual à largura acrescida de mais um meio. Nas áreas
cobertas por abóbada acrescentarás ao muro um terço da largura. Isto nos
edificios de média dimensão.
Nos grandes edificios, porém, se forem cobertos por abóbada, então a
altura terá, de cima a baixo, cinco quartos da largura; naqueles que são
cobertos por travejamento, sete quintos. Se o comprimento for triplo da lar-
gura, nesse caso, se a cobertura se fizer por travej amento, acrescentar-se-ão
três quartos de largura; se se fizer uma abóbada, a altura será igual à largura
mais metade. Mas se o comprimento da área for o quádruplo, nas coberturas
por abóbada a altura receberá metade do comprimento, nas coberturas por
travejamento dividir-se-á a largura em quatro partes e destas darás sete
partes à altura. Se o comprimento da área for o quíntuplo, a altura será
como quando for o quádruplo, acrescentando-se um sexto da própria altura.
Se o comprimento for o sêxtuplo, far-se-á como no caso anterior, acrescen-
tando-se, porém, não a sexta parte, como aí, mas a quinta parte. Se a área
tiver os lados iguais, a altura do muro, nos casos em que a cobertura se faz
por abóbada, excederá a largura como quando o comprimento é o triplo
da largura; nas coberturas por travejamento, porém, a altura não excederá a
largura.
E, mais ainda, nas áreas de grande dimensão será lícito rebaixar o
muro, contanto que a largura supere a altura em um quarto. Naquelas em
que o comprimento excede a largura em um nono, far-se-á com que a altura
seja igualmente superada pela largura em um nono; usaremos esta proporção
apenas nos travejamentos. Quando o comprimento tiver quatro terços da lar-
gura, darás à altura do muro o total da largura mais um sexto, no caso das
coberturas se fazerem por travejamento; se, porém, se fizerem por abóbada,
faça-se com que a altura do muro tenha o total da largura mais a sexta parte
do comprimento. Quando se der ao comprimento três meios da largura,
então, nos travejamentos, a altura do muro não excederá a largura da área
em um sétimo; nas abóbadas, porém, acrescentarás um sétimo da linha mais
comprida que delimita a área. Se, finalmente, as relações entre as linhas da

584
O Ornamento de Edificios Privados

área forem de cinco para sete, ou de três para cinco, e outras semelhan-
tes 1699 , relações requeridas pelas imposições do lugar, ou pela variação do
projecto, ou pela natureza dos ornamento, então somar-se-ão ambas as linhas
e dar-se-á um meio à altura 1700 •
Não omitirei aqui o seguinte: em nenhuma parte se devem fazer átrios
tão compridos que tenham o dobro da largura; nunca os aposentos tão com-
pridos que tenham de largura menos um terço que de comprimento. No
entanto, nos pórticos o comprimento deve ter o triplo, o quádruplo e outras
dimensões mais longas, mas que não excedem o sêxtuplo da largura.
No muro haverá as aberturas das janelas e as das portas. Se se abrir
uma janela no muro da largura, a qual é naturalmente mais curta do que o
comprimento da área, então far-se-á apenas uma. Mas será colocada de tal
modo que nela a linha da largura seja mais curta do que a linha da altura,
ou, inversamente, a sua largura seja mais ampla do que a altura, que é um
género de janela que se diz "deitada" 170 1• Se, portanto, a largura for, como
nas portas, mais reduzida 1702 , então farás com que o vão da abertura seja, na
horizontal, uma parte do total do muro interior, nem mais do que um terço,
nem menos do que um quarto. E a linha inferior da abertura estará à dis-
tância do pavimento não mais do que quatro nonos do total da altura, nem
menos do que dois nonos. O comprimento da abertura terá três meios de lar-
gura. Portanto, assim se fará, se na abertura a linha da largura for mais curta
do que a da altura. Se, porém, a abertura for mais comprida na horizontal e
mais curta na vertical, então darás à amplitude da abertura nem menos do
que metade nem mais do que dois terços do total da linha do muro. A altura
far-se-á de modo semelhante, ocupando ou metade ou dois terços da largura.
Mas hão-de intercalar-se dois colunelos para sustentar o lintel 1703 •

1699
March ( 1996, pp. 61-62) sugere que Alberti utiliza, nas suas obras construídas, conver-
gências racionais para representar quantidades incomensuráveis, como sucede com a
relação 7:5, que é uma aproximação de vT:T, cuja relação é geradora da série de núme-
ros ad quadratum . Com efeito, dado que 7 2 = 49 é aproximadamente proporcional a
52 = 25 na relação de 2: l , consequentemente 7:5 é uma aproximação de v'2:T.
1700
Estas proporções são descritas por numerais romanos e não árabes. Ver Livro IX, cap. 6.
1701
Ou janela jacente.
1702
Trata-se, neste caso, de uma janela vertical.
1703
A medalha comemorativa do templo Malatestiano em Rimini, datada de 1450, atribuída
a Matteo de 'Pasti, mostra, numa das faces , a fachada deste templo com uma janela tri-
pla, em conformidade com a descrição de Alberti, com três vãos separados por dois
colunelos ou mainéis. Cf. Tavemor, 1998, p. 58. Cf. Portoghesi, 1966, pp. 800-l , n. l .

585
Livro Nono

Mas se as janelas houverem de ser feitas no muro mais comprido, então


far-se-ão várias e em número ímpar. Vejo que os nossos antepassados apro-
varam neste caso o número ternário; e far-se-ão do modo seguinte. Divide-
-se o total da linha mais longa do muro em partes, nem mais do que sete,
nem menos do que cinco, das quais tomarás três e destinarás uma para cada
janela. À altura do vão darás sete quartos ou nove quintos da largura. Mas
se agradar um maior número de janelas, então, uma vez que essa obra par-
ticipa da natureza dos pórticos, irão buscar-se a eles, e sobretudo aos do tea-
tro, as dimensões das aberturas que dissemos em lugar oportuno 1704 •
As aberturas das portas far-se-ão como dissemos que devem ser as do
senado ou da cúria 1705 •
Ornarás as janelas com obra corintia, a porta principal com obra jónica,
as portas das salas de banquete, dos aposentos e de outros espaços do
mesmo género, com obra dórica.
Fica por aqui o que dissemos quanto aos traçados, no que têm a ver
com o assunto.

CAPÍTULO IV

Além disso não devem ser esquecidos alguns ornamentos que podes
aplicar aos edifícios privados. Os Antigos representavam nos pavimentos do
pórtico labirintos rectangulares ou redondos, onde as crianças se exercita-
vam 1706 • Vimos também em alguns pátios representada uma erva serpeante,
com vergônteas ondulantes espalhadas em toda a volta; também se vê quem
tenha representado em mosaico de mármore tapetes estendidos no chão dos
quartos; outros espalharam grinaldas e festões. Louvaram a invenção do
famoso Oso, que fez um pavimento em Pérgamo onde surgiam as sobras de
um banquete: obra, ó deuses, de nenhum modo despropositada num cená-
culo 1707 • Sou de opinião que procedeu muito bem Agripa 1708 , que revestiu
pavimentos com cacos de barro 1709 •

1704
Ver Livro VII, cap. 7.
1705
Ver Livro VII, cap. 9.
1706
Plin., Nat. , XXXVI, 84.
1707
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXVI, 60) refere-se a Soso e não a Oso.
1708
Vipsânio Agripa (c. 64- 12 a. C.), genro de Octaviano Augusto e construtor do primeiro
Panteão em Roma, em 27-25 a. C., durante o seu terceiro consulado.
1709
Plin., Nat., XXXVI, 189.

586
O Ornamento de Edificios Privados

Odeio a sumptuosidade. Deleita-me aquilo que o engenho guindou à


beleza e à elegância. Nos revestimentos dos muros nenhuma representação
pictórica será mais agradável e mais apreciada do que aquela que reproduza
uma colunata de pedra. Tito César ornamentou o pórtico, onde costumava
passear, com pedras polidas da Fenícia, cujo brilho permitia ver todas as
coisas como num espelho 1710 . O imperador Antonino Caracala 1711 representou
no pórtico a gesta e os triunfos de seu pai 1712 ; o mesmo fez também
Severo 1713 • Agátocles 17 14 , porém, representou os seus próprios feitos, não os
de seu pai. Entre os Persas, uma antiga lei não permitia que se representasse
ou esculpisse senão a matança de animais abatidos pelos seus reis. E não há
dúvida de que será com a maior conformidade que se representarão e apli-
carão, tanto nos pórticos como nas salas de banquete, os feitos corajosos dos
cidadãos e dignos de memória, bem como os seus vultos. Gaio César 1715 ,
com a aprovação de todos, pôs no seu pórtico as estátuas de todos aqueles
que tinham engrandecido a república. Esses merecem também a minha apro-
vação; mas não gostaria que o muro estivesse sobrecarregado de imagens ou
de estátuas, ou completamente coberto e ocupado de narrativas históricas.
Nas pedras preciosas e sobretudo nas pérolas pode-se verificar o seguinte: se
se amontoam umas com as outras, perdem o brilho. Gostaria, portanto, que
em lugares definidos, apropriados e convenientes, haja suportes de pedra dis-
postos ao longo dos muros, onde se coloquem não só estátuas, mas ainda
quadros como aqueles que Pompeio levou no seu triunfo, nos quais se viam
pintados os louvores dos feitos por ele cometidos na terra e no mar 17 16 • Ou
antes gostaria aí estivessem as histórias que os poetas inventaram para os
bons costumes, como a de Dédalo, que pintou nas portas do templo de
Cumas 17 17 o voo do Ícaro 1718 •

1710
O patrono da obra não foi Tito Flávio Vespasiano mas o seu irmão Domiciano, impera-
dor de 81 a 96 d. C., que revestiu as colunas com pedra fengítica, um tipo de alabas-
tro fosforescente proveniente da Capadócia e não da Fenícia. Cf. Suet., Dom., 14, 4;
Portoghesi, 1966, p. 802, n. 3.
1711
Antonino Caracala: imperador de 211 a 217 d. C ..
1712
S.H.A., M. Ant., 9, 6.
17 13
S.H.A., Sev. , 25, 6.
17 14
Agátocles: tirano da Sicília após a morte de Alexandre Magno. Cf. Cic., Verr., II, 4, 122.
17 15
Suetónio (Aug. , 31 , 5) relata que se trata de Octaviano Augusto.
17 16
App., Hist., XII, 17, 117; Plut. , Pomp., 45 , 2-4.
17 17
Cumas foi uma antiga colónia grega fundada, cerca de 750 a. C., na Campânia, por
colonos de Cálcis, na Eubeia.
17 18
Verg., A., VI, v. 14.

587
Livro Nono

E como a pintura é variada como a poética - uma relata a gesta memo-


rável dos grandes príncipes, outra os costumes dos cidadãos privados, outra
a vida agrícola 1719 - a primeira, que possui majestade, emprega-se nas obras
públicas e nas das pessoas muito importantes; a segunda aplicar-se-á nos
muros dos cidadãos privados para servir de ornamento; a última convirá
sobretudo às quintas, porque de todas é a mais aprazível. Recreamos o espí-
rito grandemente quando vemos a amenidade dos lugares, os portos, as pes-
carias, as caçadas, as piscinas, os jogos campestres, a paisagem florida e
frondosa. Venha aqui a propósito o uso de Octaviano que, para ornamentar a
sua casa, colocava ossos enormes, nunca vistos, de animais gigantescos 1720 •
Os Antigos costumavam aplicar nas grutas e nas criptas um reves-
timento propositadamente áspero, embutindo pedacinhos de pedra-pomes ou
de espuma de pedra tiburtina, à qual Ovídio chama pedra-pomes viva 1721 •
E vimos alguns que aplicaram ocre verde para imitar a lanugem de uma
gruta com musgo. Agradou-me muito aquilo que vimos numa gruta, onde
brotava uma nascente de água: um revestimento feito de conchas variadas e
de ostras marinhas, umas invertidas outras deitadas, unidas entre si em fun-
ção da diversidade das suas cores, com um efeito verdadeiramente graciosís-
Simo.
Onde se unem às esposas, aconselham que não pintes senão os mais
dignos e formosos rostos humanos; dizem que isso tem muita importância
nos filhos concebidos pelas mulheres e no aspecto futuro da prole 1722 •
A quem tem febre faz muito bem contemplar nascentes de água e regatos
pintados. Pode-se fazer a seguinte experiência: se, às vezes durante a noite,
deitado na cama, não te vier o sono, então quando insistires em evocar men-
talmente as águas límpidas das nascentes, dos rios ou dos lagos que viste
em qualquer parte, de imediato se humedece aquela secura das insónias e o
sono insinua-se furtivamente, até que adormeças docemente.

17 19
A divisão por géneros, antecessora do conceito de tipologia, já tinha sido adoptada tanto
por Vitrúvio (IV, 2, 2), para se referir ao facto de "cada coisa ter a ver com o que lhe
é próprio", como por Aristóteles (Metaph. , V, 28), no sentido de se reportar ao sujeito
ou objecto ao qual se atribuem diferenças específicas, que contribuem para a sua carac-
terização.
1720
Suet., Aug., 72, 3. Esta colecção foi reunida na sua casa em Capreae (Capri).
172 1
Ov., Met., III, v. 159.
1722
Cf. Dionísio de Halicamasso, Tratado da Imitação (ed. por R. M. R. Fernandes, Lisboa,
INIC, 1986, p. 52): "Conta-se que um camponês, feio de aspecto, tinha receio de se tor-
nar pai de filhos semelhante a ele. O mesmo medo ensinou-lhe a arte de ter filhos boni-
tos. Juntou imagens belas e habituou a mulher a contemplá-las. Depois, quando a ela se
uniu, conseguiu gerar a beleza das imagens." (Nota do Tradutor).

588
O Ornamento de Edificios Privados

Haverá jardins, plantas aprazíveis, o pórtico da quinta, onde possas des-


frutar do sol e igualmente da sombra. Haverá também uma área agradabilís-
sima. Brotarão fios de água inesperadamente em uns tantos lugares. Plantas
de folha perene bordejarão os caminhos. Numa parte abrigada farás uma
cerca de buxo; este, com efeito, em lugar aberto, com vento e sobretudo
com a humidade do mar, ressente-se e definha. Há, porém, quem exponha a
murta em lugar soalheiro, dizendo que ela se desenvolve na estação estival.
Mas afirma Teofrasto que a murta, o loureiro e a hera rejubilam com a som-
bra e por tal motivo é de opinião que se devem plantar a curta distância,
porque a sombra recíproca evita os calores do sol 1723 • Nem faltarão ciprestes
revestidos de heras. Além disso, os círculos, os semicírculos e as figuras que
se utilizam nas áreas dos edifícios, serão delimitados por ramos de loureiro,
de limoeiro, de junípero dobrados e entrelaçados. Fíteon de Agrigento 1724
tinha na sua casa particular trezentos vasos de pedra, cada um dos quais
tinha de capacidade cem ânforas. Nas quintas, tais vasos servem de orna-
mento diante das fontes. Os Antigos implantavam videiras junto das colunas
de mármore para cobrirem os caminhos da quinta. A espessura dessas colu-
nas tinha a décima parte do comprimento em obra coríntia. As filas das
árvores dispõem-se, como dizem, em quincunce 1725 , a cordel, a intervalos
iguais e com ângulos correspondentes. Tornará a quinta verdejante com
ervas raras e que são apreciadas pelos médicos. Entre os Antigos havia
o grato costume de os feitores saudarem os seus senhores escrevendo os
nomes deles no chão com buxo ou ervas perfumadas. Com a roseira fará
uma sebe, entrelaçará as avelaneiras e as romãzeiras. Contudo diz o poeta:

"Produza o espinheiro pilritos e abrunhos, e o carvalho e a azi-


nheira
Favoreçam o rebanho com muita bolota e o senhor com muita
sombra" 1726 .

Mas talvez estes versos convenham mais a uma exploração frutícola do


que a uma quinta. Pelo contrário aqui não se reprovará aquela máxima que

1723
Theophr. , H. P , I, 10, 8.
1724
Trata-se uma personagem não identificada. Provavelmente trata-se Fintias, o tirano de
Agrigento na Magna Graecia, que fundou a cidade com o seu nome c. 280 a. C.. Cf.
Diod. Sic., XXII, 2, 1-4; Polyb., IX, 27; Rykwert et alli, p. 408, n. 62.
1725
Plantação de espécies arbóreas de modo equidistante, dispostas em quadrado, com uma
no centro, como nas quinas de um dado.
1726
Hor. , Ep., I, 16, 9-1.

589
Livro Nono

se atribui a Demócrito 1727 : com pouca prudência age aquele que faz uma
cerca com pedra ou com um muro de pedra 1728 : pois é necessário tomar pre-
cauções contra o desaforo dos que saltam. Não reprovo as estátuas burlescas
espalhadas pela quinta, contanto que nada tenham de obsceno. Em suma
assim serão as quintas.
A casa urbana nas suas partes interiores em nada cederá às casas de
uma quinta, no que diz respeito ao ambiente alegre dos aposentos e das
salas de jantar. Mas nas partes exteriores, como o pórtico e o vestíbulo, não
buscará tanto ar festivo que pareça esquecer-se da gravidade. Todavia, con-
vém que o pórtico dos cidadãos mais importantes seja em arquitrave, e os
de média condição em arco; em ambos ficará bem uma cobertura em abó-
bada. Os ornamentos, formados pela arquitrave e pelas comijas, que se colo-
cam sobre as colunas, ocuparão um quarto da altura da colunata. No caso de
se sobreporem às primeiras colunatas, as segundas serão um quarto mais
curtas que as primeiras; mas no caso de se colocar por cima uma terceira
série de colunas, estas serão um quinto mais curtas do que aquelas que lhes
ficam por baixo. Em cada uma delas, os dados e os plintos que se põem por
baixo das colunas, terão uma quarta parte da respectiva coluna. Quando se
contentar com apenas uma colunata, acomodar-se-á às normas dos edificios
públicos profanos.
O frontão das residências privadas não será feito de modo a aspirar em
algum aspecto à imponência do templo 1729 • Todavia, o vestíbulo será dignifi-
cado com uma fachada um pouco mais elevada e com a imponência de um
frontão. O resto do muro será coroado de ambos os lados com uma crista
não muito elevada. E sobretudo contribuirá para a elegância, que os ângulos
principais do edificio se elevem sobre uma crista algo mais majestosa. Não
merecem a minha aprovação aqueles que encimaram as residências de cida-
dãos privados com sacadas e ameias; estes elementos são próprios de uma
fortaleza ou antes dos tiranos da cidade, e estranhos a cidadãos pacíficos e a
uma sociedade bem ordenada, uma vez que significam ou medo incutido ou
agravo planeado. Uma varanda na fachada do edificio proporcionará elegân-
cia, se não for muito grande nem muito longa nem disforme.

1727
Demócrito de Abdera (c. 460-370 a. C.), filósofo grego pré-socrático, precursor da teo-
ria atómica da matéria e defensor de uma ética da moderação.
1728
Col. , Rust., XI, 3, 2.
1729
Tanto são propostos diferentes partidos arquitectónicos para a casa urbana, em função
do estatuto social do seu destinatário, como são sugeridas distintas hierarquias do edifi-
cado à escala urbana, em função da sua carga simbólica, tendo sempre por base a ana-
logia casa-cidade (cf. Livro I, cap. 9; Livro V, cap. 2).

590
O Ornamento de Edificios Privados

CAPÍTULO V

Agora, como prometemos fazer 1730, passo aos aspectos de que constam
todos os géneros de beleza e de ornamentos, ou melhor dizendo, que dima-
nam do princípio universal da beleza. É sem dúvida uma pesquisa dificil.
Com efeito, qualquer que seja aquela coisa única que se impõe definir e
identificar a partir do número total da suas partes e da sua natureza, quer
deva ser considerada comum a cada uma das partes, de forma exacta e idên-
tica, ou deva ser tal que reúna várias coisas num só conjunto e num só
corpo e as mantenha em coesão firme e estável e em harmonia - a essa
coisa é muito semelhante aquilo que aqui procuramos, seja o que for - sem
dúvida alguma tem de manifestar necessariamente a essência e como que
a seiva de todas as coisas às quais é inerente ou com as quais se mistura; a
ser de outra forma, entrariam em conflito e dissipar-se-iam em virtude da
sua discórdia e desunião 1731 • Sendo tal pesquisa e identificação nada evidente
e nada fácil em outras coisas, então naquelas de que vamos falar é extraor-
dinariamente confusa e complexa: tantas são as partes de que consta a arte
edificatória e tão variados são os géneros de ornamentos de que cada uma
delas exige ser considerada digna. Mas nós, segundo o nosso propósito,
prosseguiremos esta questão na medida das nossas capacidades, não repe-
tindo como é que, a partir do número das partes, se obtém um conhecimento
sólido no conjunto, mas começaremos desde já a expor o que é importante
para esta questão, registando o que é aquilo que por sua ·natureza produz a
beleza.
Somos advertidos pelos mais experientes de entre os Antigos 1732 , como
em outro lugar dissemos 1733 , que o edificio é como um animal e que para
definir os seus limites é necessário imitar a natureza. Investiguemos, pois,
qual é a razão por que, nos corpos produzidos pela natureza, uns se dizem
mais belos, outros menos belos, ou mesmo feios. É evidente, por aqueles
que se contam no número de belos, que nem todos são de tal modo que em
nada se diferenciem imediatamente entre si; pelo contrário, precisamente

1730
Ver Livro VI, cap. 3.
173 1
A procura intrínseca da beleza do objecto arquitectónico é o que Alberti ~e propõe
investigar. Por outras palavras, a arquitectura é autónoma e não se subordina a nenhum
outro saber.
1
m Cf. Vitrúvio (III, I, 9).
1733
Ver Livro I, cap. 9; Livro IV, cap. 3; Livro VII, cap. 5.

591
Livro Nono

pelo facto de não serem coincidentes, precisamente por isso sentimos que há
qualquer coisa impressa ou infusa neles, em virtude da qual podemos decla-
rar que, sendo alguns muito diferentes, são todavia igualmente muito belos.
Darei um exemplo. Alguém desejará uma rapariga magra por causa de seu
ar tenro. No poeta cómico, uma personagem prefere <-·-> a todas as raparigas
porque essa era mais maneável e cheia de sumo 1734 • Talvez te agrade a for-
mosura de uma esposa que não imite em magreza os doentes, nem os luta-
dores campestres na grossura dos seus membros, mas tanto nela se encontre
quanto, salvaguardada a beleza, possa ser acrescentado aos primeiros e
tirado aos segundos. Porquê assim? O facto de preferires uma ou outra, não
implica que aches que as restantes não são de aspecto graciosas e dignas,
mas qualquer coisa pôde fazer com que essa agrade mais em comparação
com as restantes: o objecto da minha pesquisa não é a natureza dessa coisa.
Não é uma opinião, mas sim um princípio inato no espírito, que fará
com que possas emitir um juízo acerca da beleza 1735 . É evidente que assim
é, visto que não há ninguém que, ao ver coisas feias, disformes, obscenas,
nesse mesmo instante não sinta aversão e repugnância. De onde surge e se
revela este sentimento do espírito, também não é objecto da minha investi-
gação a fundo; mas ponderemo-lo, na medida em que tem a ver com esta
questão, a partir das coisas que se nos apresentam espontaneamente. Com
efeito, nas formas e figuras dos edificios há, sem dúvida, algo de excelente
e perfeito por natureza que desperta o espírito e no mesmo instante é sen-
tido. Creio, na verdade, que a forma, o decoro, a beleza e outros quaisquer
conceitos semelhantes consistem naquilo que se for eliminado ou mudado,
no mesmo passo se deterioram e perecem 1736 . Convencidos deste facto, não
será longo enumerar as coisas que se podem tirar, aumentar e mudar, sobre-
tudo nas formas e nas figuras. Todo o corpo consta de partes determinadas
e próprias, das quais, realmente, se tirares alguma, ou reduzires uma maior
ou menor, ou transferires para lugares inadequados, sucederá que se dete-
riora aquilo que neste corpo estava de acordo com o decoro.

1734
Terêncio (Eun ., v. 315-316) relata como o amante da sua personagem Pânfila descreve
a amada: calor verus, corpus solidum et succi plenum.
1735
O aparente paradoxo, presente na teoria arquitectónica de Alberti, é de como a partir de
uma concepção inatista se constrói o processo criativo na concepção em arquitectura,
que é constantemente confrontado com as raízes do pensamento clássico sobre a teoria
universal da beleza.
1736
Também Cícero (Or:, 232), ao apresentar as provas da importância da prosa rítmica,
esclarece que se mudarmos a ordem das palavras numa frase bem construída ficará tudo
deteriorado.

592
O Ornamento de Edificios Privados

A partir disto podemos estabelecer, para não continuar mais longamente


com outros aspectos deste género, que são três as principais noções em que
se condensa na totalidade aquele princípio que buscamos: número, aquilo a
que chamamos delimitação, e disposição. Mas há qualquer coisa mais em
virtude da qual, a partir da junção e ligação dessas três noções, resplandece
maravilhosamente toda a face da beleza: e nós dar-lhe-emos a designação de
concinidade e dela mesma dizemos que é filha de toda a graça e decoro.
Além disso, é função e objectivo da concinidade ordenar as partes, que de
outro modo são, por natureza, distintas entre si, segundo uma norma tão per-
feita que umas correspondam ao ornamento das outras 1737 •
Segue-se daqui que, quando pela vista, pelo ouvido ou por qualquer
outro modo nos chegam ao espírito coisas bem proporcionadas, imediata-
mente as sentimos. Com efeito, desejamos o que é óptimo por natureza e
aderimos com vontade àquilo que é óptimo 1738 • Nem a concinidade tem
maior vigor no conjunto do corpo ou nas suas partes do que em si mesma e
na natureza; de tal modo que entendo que ela é consorte do espírito e da
razão. E tem domínios larguíssimos onde se exercite e floresça 1739 . Abarca
toda a vida do homem e todos os seus princípios e rege toda a natureza.
Com efeito, tudo aquilo que a natureza apresenta diante de nós, tudo isso é
governado pela lei da concinidade. E não há maior empenho da natureza do
que fazer com que sejam absolutamente perfeitas as coisas que produz.
O que de modo algum se conseguiria sem a concinidade: pois desapareceria
a suprema concórdia das partes, que tanto se deseja. Mas quanto a isso, fica
dito até aqui.
Admitidas estas noções, podemos formular a seguinte definição: a
beleza é a conformidade e a aliança de todas as partes no conjunto a que
pertencem, em função do número determinado, da delimitação e da disposi-
ção observada, tal como exigir a concinidade, isto é, o princípio absoluto e
primeiro da natureza. A arte edificatória segue de modo especial esta mesma
concinidade; com ela reivindica para si decoro, graça e prestígio: e é res-
peitada.

1737
Sobre as afinidades dos conceitos de numerus, finitio , collocatio e de concinnitas com
os oriundos da cultura clássica, bem como medieval veja-se, nesta edição, a Introdução
- As Leituras da Arte Edificatória.
1738
Santo Tomás de Aquino (Compendium theologicum, 151) refere que "[ ...] para que a
alma humana possa ser levada à perfeição completa em relação à sua finalidade, tem de
ser perfeita na sua natureza" (cf. trad. de D. O. Moura, 1966).
1739
Cf. Plot., I, 6, 1.

593
Livro Nono

Tendo os nossos maiores aprendido da própria natureza que era assim


tudo aquilo que até aqui dissemos e não duvidando de que, desprezando-o,
nada conseguiriam que contribuísse para o louvor e a glória, impuseram-se a
si mesmos, com toda a razão, imitar a natureza como a melhor artífice de
formas 1740 • Por isso, na medida em que o esforço humano foi capaz, coligi-
ram as leis de que a natureza se servia na produção das suas obras e trans-
puseram-nas para os seus princípios edificatórios. Observando, portanto, o
que a natureza costuma fazer em relação a um corpo no seu conjunto e a
cada uma das suas partes isoladamente, compreenderam, a partir dos pri-
mórdios das coisas 1741 , que os corpos não constam sempre de proporções
idênticas - o que faz com que se produzam uns corpos delgados, outros
grossos, outros intermédios; e observando que um edificio, como vimos nos
livros anteriores, é muito diferente de outro em relação ao seu fim e à sua
função, viram que era necessário variá-los nos mesmos termos 1742 •
Por conseguinte, ensinados pela natureza, descobriram três modos de
ornar a casa e puseram-lhes nomes tirados daqueles povos que gostaram de
uns ou de outros, ou, talvez, como se diz, os tenham inventado. Um deles
era mais compacto e mais apto para o esforço e para durar: a este chama-
ram dórico; o outro era fino, muito elegante: chamaram-lhe coríntio; ao
intermédio, porém, que era uma espécie de composição de ambos, chama-
ram-lhe jónico. Tais foram as suas invenções em relação a um corpo no seu
conjunto. Depois disto, tendo advertido que aquelas três noções que temos
vindo a referir - número, delimitação, disposição - eram fundamentais para

1740
Para uma análise da ideia de na~ureza na obra de Alberti veja-se Paoli ( 1999).
1741
Os primórdios das coisas - primordia rerum - foram referidos por Lucrécio (1, 265 et
seq.) para argumentar que pequenas partículas invisíveis - os átomos - são a causa do
nascimento, desenvolvimento e destruição de todas as coisas. A questão que se coloca é
de como podemos acreditar na existência de coisas que não vemos? Lucrécio responde
dizendo que percebemos o efeito do vento mas não as suas partículas, e que existem
muitas coisas que não vemos mas que as percebemos pelos outros sentidos, como sejam
os cheiros, o calor, o frio e os sons. De forma semelhante, para Alberti o número, a
delimitação e a disposição são fundamentais para se alcançar a excelência em arquitec-
tura mas, dado que os corpos não constam sempre de proporções idênticas, a questão
que também se coloca é de C<?mo sabemos que alcançamos a beleza?
1742
Atente-se que o conceito de officium (função), utilizado por Alberti (Livro IX, cap. 5)
em relação aos edificios, é aplicado, na Antiguidade Clássica, aos seres humanos, na
medida em que se refere a dever, o que somente é compreensível na medida em que o
autor está empenhado em mostrar que as formas edificadas, como os seres humanos,
conforme sugere Onians (1971 , pp. 100-01), podem ser sujeitos a regras de moralidade.

594
O Ornamento de Edificios Privados

alcançar a beleza, descobriram como deviam usá-las, analisando obras da


natureza, deduzindo daí os seus princípios, segundo penso.
Em relação ao número, compreenderam primeiro que há números pares
e números ímpares 1743 • Usam de ambos; mas dos pares em uns lugares, dos
ímpares em outros. Seguindo a natureza, nunca dispuseram em parte alguma
em número ímpar os ossos do edificio, isto é as colunas, os ângulos e outros
elementos do mesmo género. De facto , não encontrarás nenhum animal, que
se sustente ou mova em pés ímpares. Pelo contrário, em nenhuma parte
puseram aberturas em número par; é claro que observaram isso mesmo na
natureza, uma vez que os animais têm de ambos os lados ouvidos, olhos,
narinas, aos. pares, mas ao meio aparece uma só boca ampla.
Entre os números pares e os ímpares alguns são não só mais familiares
à natureza do que outros, mas também mais célebres entre os sábios 1744 ; foi
destes que os arquitectos 1745 se serviram na composição das partes dos edifi-
cios, acima de tudo porque têm em si qualquer coisa que os faz considerar
merecidamente os mais dignos 1746 • Efectivamente, todos os filósofos afirmam
que a natureza consta de um princípio ternário. E quanto ao quinário,
quando considero tantas coisas, tão variadas e tão admiráveis que contêm
em si este número ou que dele participam, como é o caso das mãos dos
homens, com razão o considero divino e merecidamente digno de ser consa-
grado aos deuses das artes e antes de mais a Mercúrio. E com o septenário
sabemos que se delicia extraordinariamente o supremo artífice do universo,
Deus, que colocou no firmamento os sete planetas e conformou o homem,
que pretendeu que fosse as suas delícias, de tal maneira que o ser concebido
e formado, o crescer e ser confirmado, e as fases do mesmo tipo, tudo isso

1743
Jsid., III, 3, 1.
1744
As propriedades místicas atribuídas aos numerais, a que os humanistas do Quattrocento
aludem, estão presentes desde a Antiguidade Clássica. Virgílio (Ec/., VIII , 75) já se
referia ao temor supersticioso que os Romanos experimentavam em relação aos núme-
ros pares, como às propriedades mágicas atribuídas, desde a Antiguidade grega, aos
ímpares: "o número ímpar apraz a Deus" (numero deus impare gaudet).
1745
Isto é, os artífices dos projectos.
1746
PI. , Ti. , 35b. Note-se que, de acordo com a tradição pitagórica, Alberti não menciona os
números um e dois, dado que são considerados a nascente dos restantes. Além disso, os
números não só apresentavam qualidades extranuméricas, mas também eram visualiza-
dos como figuras geométricas triangulares, quadradas, pentagonais, hexagonais , hepta-
gonais e suas combinações, o que estabelecia uma correlação entre aritmética e geome-
tria, cara aos cultores da matemática no Renascimento. Cf. Nicómaco de Gerasa, 1960,
pp. 243-244; Boet., Arith., II, 7-16.

595
Livro Nono

reduziu ao número septenário. Os Antigos - diz Aristóteles - punham nome


à criança nascida, antes do sétimo dia após o seu nascimento, como se antes
disso não fosse destinada a sobreviver 1747 • Com efeito, tanto o gérmen na
matriz, como a criança nascida correm muitos perigos dentro de sete dias
desde o seu nascimento. Ainda entre os números ímpares celebram o número
nove em cujo número estão as esferas que a engenhosa natureza implantou
no firmamento 1748 • Além disso, também nos naturalistas consta que a natu-
reza costuma usar da nona parte de um número inteiro em muitas coisas,
principalmente nas maiores. Com efeito, a nona parte do ciclo anual do sol
é cerca de quarenta dias. Dizia Hipócrates que neste número de dias se for-
mava o feto no útero 1749 • Também verificámos a cada passo que o período
de convalescença da maior parte das doenças mais graves termina a partir
do quadragésimo dia. Nesse mesmo dia, deixam de ter menstruação as mães
que conceberam um filho, se for macho, e, após o parto de um filho macho,
começam de novo a tê-la. E afirmam que, também antes do quadragésimo
dia, não se vê a mesma criança nem rir nem derramar lágrimas, quando está
acordado, referindo, porém, que, enquanto dorme, faz ambas as coisas.
Sobre os números ímpares falámos até aqui.
De entre os números pares houve filósofos que, consagrando o número
quaternário, o dedicaram à divindade 1750 e por meio dele quiseram prestar-
-lhe os juramentos mais solenes. E, entre pouquíssimos, designaram como
perfeito o senário porque é a soma de todos os seus divisores inteiros 175 1•
Está à vista que o octonário desempenha um papel importante na natureza.
Excepto no Egipto, vemos que não sobreviviam as crianças que nasciam de
oito meses. Mais ainda, se uma grávida dava à luz aos oito meses e o feto
estava morto, dizem que a seguir morria também a mãe. Além disso se a
mãe tiver relações carnais no oitavo mês da gravidez, a criança ficará cheia
de um líquido viscoso e a sua pele tornar-se-á repugnante, escamosa e abso-
lutamente hedionda. Aristóteles considerava que o número dez era tido pelo
mais perfeito de todos 1752 , talvez, como se pensa, porque o seu quadrado é
formado pela soma dos seus primeiros quatro cubos consecutivos 1753 •

1747
Arist., H. A., VII, 12, 588 a 8.
1748
Arist., Cael., I, l, 268 a.
1749
Hippoc., Epid., II, 6, 4.
175
° Cf. Alberti, Religio, in Intercenales.
1751
Isto é, 6 = I + 2 + 3. Cf. Vitrúvio (III, l , 6).
1752
Arist., Metaph ., I, 5, 5.
1753
Ou seja I 02 = P + 23 + 33 + 4 3• Cf. Vitrúvio (III, l, 5).

596
O Ornamento de Edificios Privados

Por isso os arquitectos usaram a cada passo estes números; mas em


relação aos números pares que destinavam a uma abertura, não foram além
do número dez, e, em relação aos ímpares, além do número nove, sobretudo
nos templos. Segue-se agora que devemos falar da delimitação.
A delimitação é, para nós, uma certa correspondência entre as linhas
com que se medem grandezas. Uma delas é a do comprimento, a segunda a
da largura e a terceira a da altura. O princípio da delimitação deduz-se, da
forma mais conveniente, das obras em que nos apercebemos e conhecemos
que a natureza se apresenta à nossa contemplação e admiração. E, na ver-
dade, afirmo uma e outra vez a máxima de Pitágoras 1754 : "É certíssimo que
a natureza é absolutamente igual a si mesma em todas as coisas." 1755 Assim
é de facto.
Os números, pelos quais se faz com que a concinidade das vozes se
tome agradabilíssima aos ouvidos, são os mesmos que fazem com que os
olhos e o espírito se encham de um prazer maravilhoso 1756 • O princípio da
delimitação será tirado inteiramente da música, na qual estes números são
utilizadíssimos e, além disso, daquilo em que a natureza ofereça por si
mesma algo notável e digno. Mas não irei além do que diz respeito à acti-
vidade do arquitecto. Deixemos pois de lado o que pertence às escalas dos
sons e aos princípios dos tetracordes 1757 ; o que tem a ver com a nossa obra
é o seguinte.

1754
Atribui-se a Pitágoras uma série de descobertas que marcam o início, pelo menos no
Ocidente, da aplicação da matemática ao fenómeno fisico e estético que constitui a
música. Terá sido através de experiências acústicas com cordas de diferente compri-
mento que Pitágoras estabeleceu a relação entre os 4 primeiros números inteiros e os
intervalos musicais de oitava, quinta e quarta (e suas somas). Mais tarde seria ampla-
mente utilizado para este tipo de ensaios o monocórdio, instrumento rudimentar for-
mado por uma só corda, uma caixa de ressonância, uma régua graduada ou kanon e
cavaletes móveis. (Nota do Tradutor).
1755
Pseudo-Pitágoras, in Aurea verba, 52.
1756
Encontramos em Santo Agostinho (De musica) e em Boécio (Mus.) afirmações muito
semelhantes a esta. Facto revelador de que as reflexões que se seguirão, acerca das -pro-
porções dos intervalos musicais, longe de se apoiarem unicamente nos autores Antigos,
citados explicitamente, entroncam numa longa tradição filosófica e estética que se foi
aprofundando não só na Antiguidade (Arquitas, Ptolemeu) mas também ao longo da
Idade Média (Boécio, Cassiodoro, etc.). (Nota do Tradutor).
1757
Modelo base da teoria musical da Grécia Antiga, o tetracorde é um conjunto de 4 notas.
Os seus limites, inferior e superior, formam entre si uma 4.a (Diatessaron) e são fixos .
As 2 notas intermédias são móveis, podendo variar consoante o género do Tetracorde:
Enarmónico, Cromático ou Diatónico. Cf. Vitrúvio (V, 4, 3-7). (Nota do Tradutor).

597
Livro Nono

Dizemos que a harmonia é uma consonância agradável aos ouvidos. Os


sons dividem-se em graves e agudos. Um som grave ressoa a partir da corda
mais comprida, e os agudos a partir das cordas mais curtas. As várias dife-
renças destes sons produzem as várias harmonias que os Antigos, tendo em
conta a comparação entre as cordas consoantes, reuniram num conjunto de
números fixos 1758 • As designações das consonâncias são as seguintes: dia-
pente, que é o mesmo que sesquiáltera 1759 ; diatessaron, que é o mesmo que
sesquitércia 1760 ; e, ainda, diapason, que é a consonância dupla 176 1; e diapa-
son-diapente que é a consonância tripla 1762 • A estas acrescentaram o tom, que

1758
As comparações são feitas em termos do comprimento de uma corda e a altura de um
som, o que permite estabelecer uma quantificação aritmética das relações entre dois ou
mais sons e, consequentemente, transformar uma proporção hannónica numa aritmética
e v1ce-versa.
1759
Diapente: palavra grega que significa através de cinco (pente), ou seja intervalo de
quinta (perfeita). Sesqui: palavra latina que significa um e meio. Se acrescentarmos a
uma corda metade do seu comprimento, obtendo o todo mais metade (sesquiáltera), ela
passará a soar a um intervalo de quinta (diapente) abaixo (mais grave) em relação à
corda original (dó ' -fá). Inversamente, se dividirmos uma corda em três partes iguais,
duas dessas partes soarão uma quinta acima (mais agudo) em relação à corda original
(dó'-sol'). Desta forma a sesquiáltera ou diapente corresponde a uma proporção de 2:3 .
(Nota do Tradutor).
1760
Diatessaron: intervalo de quarta (perfeita). Se acrescentarmos a uma corda um terço do
seu comprimento, obtendo o todo mais um terço (sesquitércia), ela passará a soar a
um intervalo de quarta (diatessaron) abaixo (mais grave) em relação à corda original
(dó'-sol). Inversamente, se dividirmos uma corda em quatro partes iguais, três dessas
partes soarão uma quarta acima (mais agudo) em relação à corda original (do'-fá ' ).
Desta forma a sesquitércia ou diatessaron corresponde a uma proporção de 3:4. (Nota
do Tradutor).
1761
Diapason deriva da expressão grega dia pasôn chordôn suymphonia, que significa
«consonância de todas as cordas»; no sentido habitual é o mesmo que oitava. Se acres-
centarmos a uma corda todo o seu comprimento, obtendo o dobro (dupla), ela passará
a soar a um intervalo de oitava (diapason) abaixo (mais grave) em relação à corda
original (dó'-dó). Inversamente, se dividirmos uma corda em duas partes iguais, cada
uma dessas partes soará uma oitava acima (mais agudo) em relação à corda original
(dó'-dó"). Desta forma a dupla ou diapason corresponde a uma proporção de 1:2. (Nota
do Tradutor).
1762
Diapason-diapente representa o intervalo de oitava mais quinta ou décima segunda. Se
acrescentarmos a uma corda duas vezes o seu comprimento, obtendo o triplo (tripla),
ela passará a soar a um intervalo de oitava mais quinta (diapason-diapente) ou 12."
abaixo (mais grave) em relação à corda original (dó'-FÁ). Inversamente, se dividirmos
uma corda em três partes iguais, uma dessas partes soará uma oitava mais quinta ou
12. 3 acima (mais agudo) em relação à corda original (dó'-sol"). Desta forma o diapa-
son-diapente ou tripla corresponde a uma proporção de 1:3. (Nota do Tradutor).

598
O Ornamento de Edificios Privados

também se diz sesquioitavo 1763 • Estas consonâncias que referimos obtêm-se


por comparação das cordas entre si, da forma seguinte. A sesquiáltera foi
assim designada porque, neste caso, a corda maior em comprimento contém
a totalidade da corda menor mais metade. Com efeito, o que os Antigos
diziam com "sesqui" nós entendemo-lo que era dito com o significado de
"e ainda mais"; é o que se passa em "sesquiáltera". Portanto, à corda maior
dá-se o número ternário, à menor, o binário 1764 . Designou-se por sesquitércia
a consonância na qual a corda maior contenha a totalidade da menor e ainda
mais uma terça parte dela: portanto, dará o número quatro à maior, e o três
à menor 1765 • Por sua vez, na consonância que se chama diapason têm-se
números que estão entre si numa relação dupla, como dois para a unidade e
o todo para a metade 1766 • Na consonância tripla, os números estão entre si
como três para a unidade ou como um todo para a sua terça parte 1767 ; na
consonância quádrupla o número quatro está igualmente para a unidade
como o todo para a sua quarta parte 1768• Finalmente, os números mustcats,

1763
Os autores Gregos definem o tom como sendo o intervalo pelo qual a quinta é maior
do que a quarta. Isto é, a diferença entre uma quinta (2 :3) e uma quarta (3:4) -
2:3/3:4=8 :9. Se acrescentarmos a uma corda um oitavo do seu comprimento, obtendo
o todo mais um oitavo (sesquioitava), ela passará a soar a um intervalo de um tom
(2." Maior) abaixo (mais grave) em relação à corda original (dó'-sib). Inversamente, se
dividirmos uma corda em nove partes iguais, oito dessas partes soarão um tom acima
(mais agudo) em relação à corda original (dó'-ré '). Desta forma o tom ou sesquioitava
corresponde a uma proporção de 8:9. Chamamos a atenção para o facto de o tom não
ser uma consonância para os Gregos, já que da explicação de Alberti pode resultar esse
equívoco. (Nota do Tradutor).
1764
Isto é, estabelece-se uma relação de 2:3 , que corresponde a uma quinta. (Nota do Tra-
dutor).
1765
Forma de exprimir a relação de 3:4, que corresponde a uma quarta. (Nota do Tradutor).
1766
Isto é, os que equivalem à razão de 1:2, que corresponde a uma oitava. (Nota do Tra-
dutor).
1767
Ou seja, a consonância de oitava mais quinta ou 12.", cuja razão é de 1:3. (Nota do
Tradutor).
1768
Disdiapason : palavra grega que significa dupla oitava. Se acrescentarmos a uma corda
três vezes o seu comprimento, obtendo o quádruplo (quádrupla) ela passará a soar a um
intervalo de duas oitavas (disdiapason) abaixo (mais grave) em relação à corda original
(dó ' -DÓ). Inversamente, se dividirmos uma corda em quatro partes iguais, uma dessas
partes soará duas oitavas acima (mais agudo) em 'relação à corda original (dó-dó").
Desta forma, a quádrupla ou disdiapason corresponde a uma proporção de 1:4. Fazia
parte das consonâncias estabelecidas pelos pitagóricos. Alberti não a incluíu na primeira
enumeração que delas fez, embora aí tenha, algo dubiamente, referido o tom. (Nota do
Tradutor).

599
Livro Nono

para os reunir numa síntese, são os seguintes: o um, o dois, o três e o qua-
tro 1769 • É também, como disse, o tom, no qual a corda maior comparada com
a menor, lhe é superior em um oitavo da menor.
Os arquitectos usam todos estes números de forma extremamente ade-
quada; não só tomam dois de cada vez, como para dispor o foro, as praças
e as áreas ao ar livre, onde se consideram apenas duas dimensões, a da lar-
gura e a do comprimento; mas também usam três de cada vez como na dis-
posição das salas públicas, do senado, da cúria e outros espaços do mesmo
género, onde comparam entre si o comprimento e a largura e querem que a
ambas as medidas corresponda a altura de acordo com a harmonia.

CAPÍTULO VI

É disso que devemos falar. Primeiro das áreas em que se associam duas
dimensões uma à outra. Há áreas pequenas, outras mais amplas e outras
médias 1770 • A mais pequenas de todas é a área quadrada, cujos lados, sejam
quais forem, são iguais entre si e cujos ângulos são todos rectos 177 1• A mais
próxima desta é a sesquiáltera 1772 ; ainda entre as áreas pequenas enumerar-
-se-á a sesquitércia 1773 . Portanto, as áreas pequenas exigem esses três géne-
ros de correspondências a que nós chamamos simples 1774 • Às áreas médias

1769
Os intervalos de oitava, quinta, quarta, 12." e dupla oitava derivam de razões formadas
com os números l , 2, 3 e 4 e todos eles eram considerados consonantes, tanto na Gré-
cia Antiga como na Idade Média. Além disso, a teoria pitagórica observou que a soma
dos 4 primeiros números inteiros é igual a I O unidades (I + 2 + 3 + 4 = I 0), unidades
essas que podem ser representadas por I O pontos equidistantes formando um triângulo

equilátero- a chamada tetractys pitagórica. :::. (Nota do Tradutor).


1770
As áreas pequenas, médias e amplas referem-se à sua geometria rectangular e não à sua
dimensão.
1771
A proporção de I : I. Em termos musicais seria o equivalente ao uníssono (dó' -dó' ).
(Nota do Tradutor).
1772
A proporção de 2:3. Em termos musicais a quinta perfeita. (Nota do Tradutor).
1773
A proporção de 3:4. Em termos musicais a quarta perfeita. (Nota do Tradutor).
1774
As proporções são listadas em função da sua complexidade e não do seu valor absoluto:
para a diapente ou sesquiáltera temos a correspondência ou proporção 3/2, para a dia-
tesseron ou sesquitércia 4/3, para a diapason ou dupla 2/l , para a diapason diapente ou
tripla 3/l, para a disdiapason ou quádrupla 4/1 e para o tom ou sesquioitava 9/8.

600
O Ornamento de Edificios Privados

convêm igualmente três correspondências. A melhor de todas é a dupla 1775 ; a


mais próxima desta é a que se compõe de uma sesquiáltera duplicada 1776 •
Ora, esta produz-se da maneira seguinte. Dado o termo menor da área, por
exemplo quatro, produz-se a primeira sesquiáltera: passará a seis; a esta
acrescentas-lhe ainda a metade de seis: passará a nove. Este comprimento
maior excederá o menor no dobro mais um tom do dobro. Pertencerá tam-
bém às áreas médias aquela que dispuseres tomando duas vezes a sesquitér-
cia 1777 , produzida da mesma forma que a anterior. Por conseguinte, em resul-
tado dessa ampliação, a linha menor será neste caso nove e a mais longa
dezasseis. Portanto, a linha maior é o dobro da menor menos um tom. Nas
áreas mais amplas a proporção deduz-se da forma seguinte. Ou se junta uma
dupla com uma sesquiáltera, e resulta uma tripla 1778 ; ou se junta a uma dupla
uma sesquitércia e os termos extremos passam a ser o três e o oito 1779 ; ou
tomam-se de modo a que as medidas estejam na razão de quatro para
um 118o ·
Falámos das áreas mais pequenas, onde os números estão numa razão
de igualdade, ou de dois para três ou de três para quatro; e também das
áreas médias onde os números estão na razão de um para dois, ou de qua-

1775
A proporção de 1:2. Em termos musicais a oitava. (Nota do Tradutor).
1776
Ou seja, em termos musicais, duas quintas sobrepostas (dó'-sol', sol'-ré" ) que vão for-
mar uma nona (dó '-ré"), intervalo um tom maior que a oitava (dó'-dó" ). Temos assim
a soma de duas sesquiálteras ou quintas: 2/3 x 2/3 = 4/9. Este intervalo de nona (4:9) é
um tom (8:9) maior que a oitava (1:2): 4/9 : l/2 = 8/9. (Nota do Tradutor).
1777
Ou seja, em termos musicais, duas quartas perfeitas sobrepostas (dó' -fá', fá'-sib') que
vão formar uma sétima menor (dó'-sib'), intervalo com menos um tom que a oitava
(dó'-dó"). Temos assim a soma de duas sesquitércias ou quartas: 3/4 x 3/4 = 9/16.
Este intervalo de sétima menor (9: 16) é um tom menor que a oitava ( 1:2)
1/2: 9/16 = 16118 = 8/9. (Nota do Tradutor).
1778
Ou seja, em termos musicais, uma oitava mais uma quinta perfeita (dó ' -dó", dó" -sol" )
que vão formar uma 12." (dó'-sol"). Temos assim a soma de uma dupla com uma ses-
quiáltera: 1/2 x 2/3 = 2/6 = 1/3. (Nota do Tradutor).
1779
Ou seja, em termos musicais, uma oitava mais uma quarta perfeita (dó ' -dó ", dó " -fá" )
que vão formar uma 11.3 (dó' -fá'). Temos assim a soma de uma dupla com uma ses-
quitércia: l/2 x 3/4 = 3/8. Pitágoras, assumindo uma visão puramente matemática, rejei-
tou a ll.a como consonância porque a sua razão não é formada apenas com os núme-
ros 1, 2, 3 e 4 da tetractys, ao contrário das outras consonâncias. Ptolemeu admitiu-a
entendendo que uma consonância mais a oitava seria sempre uma consonância. Note-se
que Alberti, embora fale dela aqui, também não a incluiu na sua listagem das conso-
nâncias, nem sequer a referiu à parte como fez com o tom. (Nota do Tradutor).
1780
Em termos musicais, duas oitavas (dó-dó"). Temos assim a soma de uma oitava com
outra: 1/2 x 1/2 = 1/4. (Nota do Tradutor).

601
Livro Nono

tro para nove, ou de nove para dezasseis. Finalmente, referimos as mais


amplas onde estão numa razão de um para três ou de um para quatro ou de
três para oito.
Co-associaremos, por assim dizer, três a três todas as dimensões de um
corpo aos números que ou nasceram com as próprias harmonias ou foram
tomados de outra origem, segundo um critério exacto e definido. Nas har-
monias há números de cujas correspondências são constituídas as propor-
ções, como na dupla, na tripla e na quádrupla. Com efeito, a dupla obtém-
-se a partir de uma simples sesquiáltera a que se acrescenta a sesquitércia, a
exemplo do seguinte. Admita-se que o termo menor da dupla é dois; a par-
tir deste número produzo o número três por meio da sesquiáltera, e a partir
do número três obtém-se, por meio da sesquitércia, o número quatro, que
por sua vez é o dobro em relação a dois. Ou igualmente assim. Admita-se o
três como termo menor; produzo a sesquitércia: passa a quatro; acrescento a
sesquiáltera: obtém-se o número seis que, em relação a três, constitui uma
dupla 1781• E também a tripla se compõe de uma dupla e de uma sesquiáltera,
formando um conjunto. Admita-se que o termo menor é o dois; aplicando-
-lhe uma dupla, passará a quatro; junto-lhe a sesquiáltera: obtém-se o
número seis; este número seis correspondente ao triplo de dois. Ou igual-
mente isto assim. Dado o dois como termo menor, tomo a sesquiáltera:
passa a três; faço o dobro de três: obtemos um seis que é o triplo do termo
menor. A quádrupla produz-se com ampliações semelhantes àquelas com que
se forma a dupla acrescentando outra dupla. Com efeito, a quádrupla obtém-
-se pela duplicação da dupla, que é o que chamam disdiapason; e faz-se
do seguinte modo. Admita-se que neste caso o termo menor é o dois;
duplico-o e passa a diapason, que corresponde a uma proporção de quatro
para dois; duplico o diapason e passa a bisdiapason, que corresponde a uma
proporção de oito para dois. Esta quádrupla forma-se também acrescentando
à dupla a sesquiáltera e a sesquitércia em conjunto. Fica claro como isso se

1781
Se tomarmos a oitava como referência, ela pode-se decompor em dois intervalos con-
sonantes desiguais: uma quarta e uma quinta. Podemos colocar o intervalo menor
(quarta) na parte grave e o maior (quinta) na aguda ou colocar a quinta na parte grave
e a quarta na parte aguda. Combinando estas duas divisões obtemos a sequência numé-
rica 12:9:8:6, considerando a oitava (1:2), a quinta (2 :3) e a quarta (3 :4) e tendo por
referência o comprimento total da corda (12). Trata-se de uma oitava (6: 12) que inclui
uma 4." e uma 5.", quer seja considerada numa ou noutra direcção - 6:8:12 ou 12:9:6.
Contém igualmente duas quartas, 12:9 e 8:6, separadas por um tom (9:8). (Nota do Tra-
dutor).

602
O Ornamento de Edificios Privados

faz pelo que se diz a seguir. Para que esta explicação seja mais clara, dada
uma dualidade, por exemplo, por meio da sesquiáltera passa a três, que, por
sua vez por meio da sesquitércia, passa a quatro; finalmente o quatro passa
a oito por meio de uma dupla. Ou assim: dado o número três, obtém-se por
duplicação o seis; adiciona-se-lhe a sua metade: passa a nove; a nove adi-
ciona-se a sua terça parte: passa a doze, que é o quádruplo em relação a
três, seu termo menor 1782 •
Destes números que temos referido usam os arquitectos não de modo
confuso e desordenado, mas em correspondência recíproca com a harmonia
musical 1783• Assim, alguém que quer erguer as paredes porventura numa
área, cujo comprimento é duplo em relação à largura, não deve usar, nesse
caso, as proporções de que se compõe a área tripla, mas sim as que consti-
tuem a dupla. Proceder-se-á da mesma forma na área tripla: usará também
as proporções que integram a área tripla, e igualmente numa área quádrupla
não usará outras proporções que não as próprias. E, assim, definirá as
dimensões em relação aos três elementos com os números que referimos, da
forma como entender que serão mais adequados à sua obra.
Na definição das medidas há proporções inatas que não se podem
determinar de forma alguma por meio dos números, mas se conseguem
representar mediante raízes e potências. As raízes são os lados dos quadra-
dos dos números; as potências das raízes são as áreas dos mesmos qua-
drados. Da elevação das áreas nascem os cubos. O primeiro dos cubos, cuja
raiz é a unidade, foi consagrado à divindade pelo facto de que, produzido
todo ele a partir da unidade, também ele mesmo é uno. Dizem, além disso,
que o cubo é, de todas as figuras, o único perfeitamente estável, constante e
inabalável 1784 em qualquer das faces.

1782
A 12." (1:3) e a oitava dupla (1:4), podem-se decompor em intervalos de oitava (1 :2) e
quinta (2:3). Quando se combinam as razões 3:4:6:12 obtém-se uma oitava dupla (3:12)
formada por uma oitava entre as duas notas mais graves (6: 12), uma s.• a seguir (4:6),
que também forma uma 12.• com o som mais grave (4:12), e uma quarta no topo (3:4).
(Nota do Tradutor).
1783
Do discurso de Alberti resulta com clareza que o objectivo final da aplicação da teoria
das proporções musicais à arquitectura é a procura da concinidade, entendida num sen-
tido vasto de harmonia universal. A música era vista como um símbolo audível de uma
ordem cosmológica, a manifestação palpável da ordem matemática do universo. As har-
monias musicais regiam, para os pitagóricos, o movimento dos planetas que produziam
a chamada musica mundana, ou música das esferas, não audível. (Nota do Tradutor).
1784
Vitrúvio (V, Pre., 4).

603
Livro Nono

Mas se a própria unidade não é um número mas a nascente 1785 dos


números que se contém a si mesma e se derrama, talvez seja legítimo dizer
que o primeiro número é a dualidade 1786 • Desta raiz produz-se uma área
igual a quatro; elevando-se esta área a uma altura igual à da raiz, realizar-
-se-á um cubo igual a oito. A partir deste género de cubo obtêm-se os prin-
cípios constitutivos da delimitação dos cubos. Com efeito, oferece-se aqui,
em primeiro lugar, o lado do cubo, que se designa raiz cúbica; a área de
uma face é quatro, e o volume do cubo é oito. A estes elementos junta-se a
linha que vai de um ângulo da área ao ângulo oposto, e que, traçada em
linha recta, divide essa área em duas partes iguais, pelo que se chama dia-
gonal. Ignora-se qual seja o número da sua medida; mas consta que é a raiz
de uma área igual a oito. Vem a seguir também a diagonal do cubo que
temos a certeza que é a raiz do número doze 1787 • Finalmente, vem a linha
maior de um triângulo rectângulo cujos lados menores são aqueles que con-
têm o ângulo recto: um destes lados é a raiz de uma área igual a quatro, ao
passo que o outro é a raiz de uma área igual a doze. Por sua vez, a terceira
linha maior, subtensa a um ângulo recto, é a raiz do número dezasseis 1788 •
Portanto as proporções de números e medidas, que acabámos de referir, são
inerentes 1789 à defmição das diagonais. O uso destes elementos consiste em
atribuir a linha mais curta à largura da área e a mais comprida, correspon-
dente a esta, ao comprimento, ao passo que as médias devem ser atribuídas
à altura. Mas às vezes permutar-se-ão, tendo em conta a comodidade dos
edifícios 1790 •

1785
A palavra utilizada por Alberti é scaturigo, que significa o borbulhão da água que
nasce, a nascente, que se relaciona, neste contexto, com a emanação de origem neo-pla-
tónica.
1786
Para Boécio (Arith., I, 7) cada número é metade da soma do seu antecedente com o seu
consequente, mas somente a unidade não apresenta antecedente, por isso é igual a
metade do seu consequente e geradora de todos os restantes números.
1787
O cubo apresenta 2 unidades de aresta, o que origina uma medida de 18 nas diagonais
das faces e outra de v'12 nas diagonais do cubo. Cf. as proposições II, 10; XIII, 14 e
15 dos Elementos de Euclides.
1788
Alberti reporta-se a um triângulo rectângulo, com catetos iguais a ..f4 e v'12 e hipote-
nusa igual a v'16, retornando, em parte, a valores inteiros (2 e 4).
1789
Os sistemas de proporções que envolvem raízes e potências de números, referidos como
correspondentiae innatae, são inerentes à geometrização da arte edificatória, enquanto
os derivados com números inteiros originam-se a partir de intervalos musicais o que
sugere, no primeiro caso, uma autonomia disciplinar e, no segundo, uma equivalência
de estatuto entre a arte edificatória e a música, ao tempo uma das sete artes liberais.
1790
Ver Livro IX, cap. 3.

604
O Ornamento de Edificios Privados

É agora que devemos falar de uma forma de delimitação não inerente


às harmonias musicais e aos corpos, mas tomada de outra proveniência e
que servirá para associar as dimensões em grupos de três. Com efeito, sobre
as três dimensões a utilizar na obra existem fórmulas muito proveitosamente
tiradas não só dos músicos, mas também dos geómetras e ainda dos mate-
máticos, que convirá examinar. Os filósofos chamaram-lhes mediedades 179 1•
O cálculo das mediedades é diverso e complexo; mas, segundo os sábios são
três os modos principais de calcular as mediedades, tendo todos como objec-
tivo final que, dados os termos extremos, se obtenha um número médio cor-
respondente a ambos os extremos dados, segundo uma proporção determi-
nada, isto é, por assim dizer, segundo uma certa relação de parentesco.
Nesta exposição consideramos três: dois, um dos quais, de um lado, se
designa termo maior e outro, do lado oposto que se designa termo menor; e
um terceiro, o intermédio, que corresponde a ambos segundo a relação recí-
proca dos intervalos que separam este termo médio de ambos os extremos.
Das três mediedades que os filósofos mais aprovaram, a mais fácil de
encontrar é aquela que se designa como aritmética 1792 • Com efeito, dados os
termos extremos, ou seja, o maior de um lado, um oito por exemplo, e o
menor do lado oposto, por exemplo um quatro, juntas ambos numa soma: o
resultado é doze. Uma vez dividida esta soma em duas partes, tomarei uma
delas: terá seis unidades. Os matemáticos estabelecem que o número seis é,
neste caso, a mediedade que, entre os termos dados, o quatro e o oito, dista
de ambos com um intervalo igual.
A segunda mediedade é a geométrica 1793 ; calcula-se assim. Multiplica-se
o termo menor, por exemplo quatro, pelo maior, por exemplo nove. Desta

1791
Alberti trata a seguir a questão das divisões proporcionais (mediedades). No caso da
música foram classificadas e desenvolvidas por Arquitas de Tarento (séc. IV a. C.).
(Nota do Tradutor).
1792
Na divisão aritmética, 12:9:6 por exemplo, o segundo termo (9) excede o terceiro (6)
na mesma quantidade que o primeiro (12) excede o segundo (9): ou seja, a- b = b- c
ou 12 - 9 = 9 - 6. Se tomarmos como referência um intervalo de oitava (12 : 6 = 2 : I)
teremos o intervalo menor (quarta, 12 : 9 = 4 : 3) na parte grave e o maior (quinta,
9 : 6 = 3 : 2) na aguda. Nesta proporção o intervalo entre os termos maiores é mais
pequeno e o intervalo entre os termos menores é maior. (Nota do Tradutor).
1793
Na divisão geométrica o primeiro termo está para o segundo assim como o segundo
está para o terceiro. Isto é, a proporção entre o primeiro e o segundo é reproduzida
entre o segundo e o terceiro. Se considerarmos um intervalo de duas oitavas 12:3, tere-
mos uma divisão em dois intervalos iguais, oitavas neste caso - 12:6:3 - em que
a/b = b/c ou 12/6 = 6/3, isto é b =..faC. Se quiséssemos dividir a oitava desta forma,
obteríamos dois trítonos, intervalos muito dissonantes, que a dividiriam em duas partes
iguais. (Nota do Tradutor).

605
Livro Nono

multiplicação obtém-se o resultado de trinta e seis unidades; a raiz, como


dizem, deste resultado, isto é, a medida do lado, tomada tantas vezes quan-
tas vezes contém a unidade, completará um área igual a trinta e seis. Por-
tanto, essa raiz será seis: com efeito, multiplicada por seis dará trinta e seis
de área. É muito dificil determinar esta raiz por meio dos números, seja qual
for o caso, mas demonstra-se muitíssimo bem por meio de linhas 1794 • Não é
aqui lugar para referir essa questão.
A terceira mediedade, chamada musical 1795 , é um pouco mais compli-
cada do que a aritmética; todavia determina-se muito bem por meio de
números. Nesta mediedade, a proporção que há entre o menor e o maior dos
termos dados, é necessário que exista, na mesma relação, entre as distâncias
do termo menor ao médio e do médio ao maior, de acordo com o exemplo
seguinte. Admitamos que são dados os seguintes termos: o menor, trinta; o
maior, sessenta. Neste caso estão entre si numa relação dupla. Tomo, pois,
números que não podem ser mais pequenos numa relação dupla: são eles, de
um lado, o um, do lado oposto o dois; adiciono-os: a soma é três. A seguir
divido em três partes todo o intervalo que há entre o maior termo dado, ses-
senta, e o menor, trinta; cada uma dessas três partes será dez; por isso acres-
centarei ao termo menor uma dessas partes, ou seja, dez: a soma é quarenta.
Esta é a mediedade musical que procuramos, a qual, em relação ao termo
maior, está ao dobro da distância que o termo médio está em relação ao
menor. Foi com toda esta proporção que estabelecemos que o maior dos
extremos corresponde ao menor.
Os arquitectos descobriram muitos aspectos importantíssimos, tanto
acerca do edificio como um todo, como acerca das partes da obra, que seria
longo prosseguir. Mas serviram-se das mediedades principalmente para ele-
var a medida da altura.

1794
Referência ao enunciado de Euclides (VI, 8) cuja solução tira das condições expostas
uma verdade geométrica: "[ ... ] se num triângulo rectângulo traçarmos uma perpendi-
cular do ângulo recto até à base, a linha assim traçada é a média geométrica entre os
segmentos da base" (cf. trad. ingl. de T. L. Heath, 1928, vol. 2, pp. 78-79).
1795
Na divisão harmónica, ou musical como lhe chama Albert·, o primeiro termo excede o
segundo por uma fracção de si mesmo que é igual à fracção do segundo termo pela
qual ele excede o terceiro. Nesta proporção o intervalo entre os termos maiores é maior
e o intervalo entre os termos menores é menor. Se tomarmos como referência um inter-
valo de oitava 12:6, teremos o intervalo maior (quinta) na parte grave e o menor
(quarta) na aguda - 12: 8 : 6 - em que (a- b)/a = (b- c)/c ou (12- 8)112 = (8- 6)/6.
(Nota do Tradutor).

606
O Ornamento de Edificios Privados

CAPÍTULO VII

Mas será interessante compreender o modo de construir as colunas e a


sua dimensão, dimensão que os Antigos distinguiram em três géneros, em
função da diversidade dos três corpos da coluna 1796 • Observando o homem
atentamente, pensaram que deviam fazer as colunas à semelhança dele.
E assim, tirando as medidas a um homem que descobriram que de um lado
ao outro é um sexto da sua altura e do umbigo aos rins a décima parte.
Advertindo nisso, os nossos intérpretes dos textos sagrados, afirmam que
arca do dilúvio foi feita segundo a configuração do homem 1797 •
É provável que tenham construído as colunas segundo dimensões tais
que umas mediam o sêxtuplo da base, outras o décuplo. Mas, advertidos
pelo sentido da natureza, inato no espírito, com o qual dissemos que se sen-
tiam as concinidades, de que não ficava bem, num caso, tanta grossura e, no
outro, tanta delgadeza, abdicaram dessas duas medidas. Por fim, considera-
ram que aquilo que procuravam estava entre estes dois excessos. Por tal
motivo imitando principalmente os matemáticos, juntaram essas duas medi-
das extremas numa só e dividiram a soma ao meio; e descobriram que o
número que distava de seis e de dez em espaços iguais, era o número oito;
pareceu bem; e, assim, pelo mesmo motivo, atribuíram ao comprimento da
coluna oito vezes o diâmetro da base e chamaram jónicas a essas colunas.
No entanto, utilizaram o mesmo género dórico de colunas, que se
reserva para os edificios mais volumosos, da mesma maneira que o jónico.
Com efeito, adicionaram o menor daqueles termos, que era seis, ao termo
médio estabelecido para as colunas jónicas, que era oito; e feita a soma deu
catorze. Esta soma foi dividida em partes iguais e daí resultou o número
sete; com este número construíram as colunas dóricas de modo a que as
bases dos fustes tivessem um sétimo do seu comprimento. Construíram
ainda as mais delgadas, a que chamaram coríntias, juntando o termo médio,
o jónico, com o termo maior, e dividindo ao meio a soma de ambos.

1796
O termo ordem, somente empregue a partir do séc. XVI, para estimar as dimensões das
colunas, não é o utilizado por Alberti mas o de genus, que apresenta o significado de
género, espécie, classe ou categoria. Cf. Livro IX, cap. 5.
1797
"O comprimento do corpo humano, a partir do topo da cabeça à sola dos pés, é seis
vezes a sua largura de lado a lado, e dez vezes a sua profundidade ou espessura,
medindo de trás para a frente [...]. E, por conseguinte, a arca foi feita com 300 côva-
dos de comprimento, 50 de largura, e 30 de altura" (Santo Agostinho, De civitate Dei,
XV, 26, trad. de J. D. Pereira, 1993).

607
Livro Nono

O número das jónicas era oito, o número do termo maior era dez, os quais
reunidos numa soma deram como resultado o número dezoito, cuja metade é
nove. E, assim, atribuíram nove vezes o diâmetro do imoscapo ao compri-
mento das colunas coríntias, oito vezes às jónicas, sete vezes às dóricas 1798•
E sobre esta questão fica dito até aqui.
A seguir devo falar da disposição das colunas. A disposição diz respeito
ao lugar e à posição. E sente-se onde foi mal feita, mais do que se com-
preende, de imediato, como deve ser executada convenientemente. Na ver-
dade, a disposição depende em grande parte da faculdade de apreciar
implantada pela natureza no espírito do homem e, em grande parte também,
condiz com os princípios da delimitação. Todavia, para a questão de que se
trata, baste esta espécie de géneros.
Dispostas no devido lugar, mesmo as partes mais pequenas que se espa-
lham pela obra oferecem beleza ao olhar; colocadas em lugar impróprio, não
digno de elas e inconveniente diminuem de valor, mesmo sendo belas, e,
sendo menos belas, são criticadas 1799 • Eis um exemplo de que é assim
mesmo nas obras da natureza: se por acaso um cachorro tiver implantada na
cabeça uma orelha de burro ou se alguém se apresentar com um pé muito
grande ou com uma mão gigantesca e outra muito pequena, esse será sem
dúvida disforme. E ter um olho esverdeado, outro negro, nem mesmo nos
jumentos se aprova: a tal ponto faz parte da natureza que o que está à
direita corresponda, em perfeita semelhança, ao que está à esquerda.
Por isso, antes de mais estaremos atentos a que todas as coisas, mesmo
as mais pequenas, sejam dispostas com o nível e o cordel e de acordo com
os números, a forma e as figura, de tal modo que as da direita correspon-
dam inteiramente às da esquerda, as de cima às de baixo, as próximas às
próximas, as iguais às iguais, para ornamento do corpo de que hão-de ser
partes. E, mais ainda, as estátuas e os quadros, e tudo o mais que de notá-
vel se aplicar, é necessário que se ajustem de tal forma pareçam inatas nas
posições mais adequadas do lugar e como que gémeas. Os Antigos deram
tanta importância a esta correspondência de igualdade que, mesmo na colo-
cação dos mármores, quiseram que correspondessem entre si em quantidade,
qualidade, cercadura, posição e cores.
Há um facto notável entre os Antigos, no qual me acostumei a admirar
a superioridade da sua arte: ao colocar estátuas em outros lugares, mas
sobretudo nos frontões dos templos, procuraram que aquelas que aí eram

1798
A mediedade aritmética é utilizada para gerar as alturas dos géneros de colunas.
1799
Quint., Jnst., VIII, 3, 18 e XI, l, 3.

608
O Ornamento de Edificios Privados

colocadas não destoassem em algum aspecto do delineamento ou da matéria


daquelas que eram colocadas do lado oposto. Com efeito, vemos as bigas e
as quadrigas, as estátuas dos cavalos, dos condutores e dos que os assistem,
serem de tal modo semelhantes umas às outras que podemos assegurar que
eles nisso superaram a natureza, em cujas obras não vemos nem sequer um
nariz semelhante a outro nariz 1800 •
Por conseguinte até aqui tratámos do que é a beleza, de que partes
consta, e quais foram as proporções e qual a delimitação que os nosso maio-
res usaram na disposição.

CAPÍTULO VIII

A seguir reuniremos algumas advertências breves, mas essenciais, que é


necessário observar como se fossem leis, não só relativamente à ornamenta-
ção e ao embelezamento mas também no que diz respeito à arte edificatória
no seu todo. Virá a propósito disso mesmo aquela promessa que fazíamos de
reunir tudo numa espécie de epílogo 1801 • Em primeiro lugar, já que déssemos
que se devem evitar todos os defeitos de deformidade, por isso mesmo dare-
mos a conhecer sobretudo os mais graves. Há defeitos que derivam da deli-
beração e da mente, por exemplo, a formulação de um juízo e o acto de
escolher, há outros que derivam das mãos, como aqueles que são praticados
durante o trabalho dos artífices. Os erros de deliberação e julgamento, bem
como as primeiras imperfeições são, por sua natureza, pelo momento em
que ocorrem e em si mesmos mais graves e, assim, depois de cometida a
imperfeição, são muito menos corrigíveis do que os restantes. É por estes
que começaremos.
Tem-se como defeito se, para construir a obra, escolheres uma região
insalubre, túrbulenta, infecunda, infeliz, funesta, sujeita e exposta a males
não só patentes mas também ocultos. Será também defeito se atribuíres à

1800
Santo Agostinho (De civitate Dei, XXI, 8, 71-80, trad. de J. D. Pereira, 1995) toma
uma posição diametralmente oposta "[ ... ] uma vez que a própria raridade das coisas é o
que as torna admirável [.. .]", o que sugere que Alberti se aproxima do ideal clássico de
correspondências recíprocas e daquilo que pode ser, pela sua natureza, predicado de
muitas coisas. Cf. Arist. , lnt., 7, 17-39).
1801
Isto sugere que o Livro X não será conclusivo dado que se reporta, principalmente, às
regras de reparação dos edificios, bem como a questões de hidrául ica e não procura
fazer uma síntese dos Livros anteriores.

609
Livro Nono

área uma dimensão inadequada e desajustada; se juntares uns aos outros


membros que não se harmonizam entre si nem para o uso nem para a como-
didade dos habitantes; se não se proveu ao estatuto de cada um, nem a toda
a família constituída por filhos , criados, matronas 1802 , raparigas, nem às
comodidades das casas da cidade e do campo, nem igualmente aos hóspedes
e visitantes; se fizeres as partes do edifício demasiado grandes ou excessiva-
mente pequenas, ou mais recatadas do que basta, ou excessivamente juntas,
ou demasiado separadas, ou muito mais ou muito menos do que a necessi-
dade exigir; se faltarem aposentos onde suportes sem incómodo nuns o
calor, noutros o frio; se não houver lugares reservados onde te exercites e
divirtas quando tens saúde, e outros onde os doentes e os que não se sentem
bem estejam ao abrigo das agressões do clima e das estações; acrescenta,
ainda, se não estiver munida e segura contra a injúria dos homens e as des-
graças imprevistas; se o muro for tão estreito que não seja capaz de se sus-
tentar a si e à cobertura, ou mais largo do que exige a sua solidez; se as
coberturas altercam entre si, por assim dizer, por causa das suas goteiras,
se despejam a violência das águas contra a parede pela passagem dentro,
se os construíres excessivamente altos ou demasiado baixos; se os vãos
das aberturas deixarem entrar os ventos adversos, as chamas molestas, o sol
importuno ou se, pelo contrário, sendo muito estreitas, metem em casa uma
escuridão odiosa; se não pouparem a ossatura da parede; se as curvas dos
corredores estiverem atravancadas, se forem chocantes os aspectos feios e
imundos; e outros defeitos do mesmo género, que nos livros anteriores
explicámos como devem ser.
No entanto, entre os defeitos dos ornamentos, os que se devem odiar
acima de tudo serão, como nas obras da natureza, se acaso de permeio se
meter algum pela ordem inversa, estropiado, excessivo ou, em algum
aspecto, disforme. Com efeito, se isso, na natureza, é reprovável e conside-
rado um monstro, como não será no arquitecto que tenha usado partes da
obra de forma inconveniente? E partes são as linhas, os ângulos, a exten-
são 1803 e outros elementos assim, que ele usa para as suas formas. Por isso,
é correcta a afirmação daqueles que dizem que não se encontra defeito

1802
Matrona indica mulher respeitável pela sua condição e idade, como eram, na sociedade
antiga, as irmãs do senhor ou da senhora da casa que nunca tinham casado sendo, por
isso, uma designação mais abrangente do que as de mulher casada ou de mãe de famí-
lia. Comunicação do Prof. A. M. do Espírito Santo, Maio de 2009.
1803
A palavra extensio registada em Vitrúvio (VII, Pre., 11) como extentio, com o signifi-
cado de traçado de uma linha, é utilizada por Alberti.

610
O Ornamento de Edificios Privados

algum de deformidade mais repugnante e mais detestável do que misturar de


permeio ou ângulos, ou linhas, ou superficies que, em número, grandeza e
posição, não foram diligente e minuciosamente comparadas entre si, igu(\la-
das e compaginadas. E quem não contestará energicamente aquele que, à
imitação de uma serpeante minhoca, sem que nenhuma necessidade o impo-
nha, conduza as linhas do muro ora para um lado ora para o outro, de forma
desordenada e irreflectida, umas compridas, outras minúsculas, com ângulos
desiguais e compaginação informe, e, sobretudo na mesma área, de um lado
um ângulo obtuso, do lado oposto um agudo 180\ de forma confusa, por
ordem desconcertante, segundo um plano não previamente pensado nem apu-
rado.
E será defeito ter traçado a obra de tal forma que, embora não esteja
muito mal no que respeita aos princípios dos alicerces, antes pelo contrário,
todavia seja tal que, havendo falta de ornamentos, impossibilite qualquer
modo de tomar a sua beleza mais apurada, porque com nada se preocuparam
nos muros senão com que sustentassem as coberturas, e em parte nenhuma
deixaram onde se possam distribuir, adequada e elegantemente, quer a dig-
nidade de umas colunas, quer o esplendor de umas estátuas, quer a beleza
de uns quadros ou de uma pintura, quer o luxo de uns revestimentos. Quase
em afinidade com este defeito está o facto de, se podias com os mesmos
gastos fazer com que tudo isso fosse cheio de beleza e de encanto, não te
haveres esforçado inteiramente para o conseguires.
Não há dúvida de que é nas formas e nas configurações dos edificios
que reside algo de excelente e perfeito por natureza, que desperta o espírito
e de imediato é sentido se está presente 1805 , mas, se está ausente, grande-
mente se sente a sua falta. E sobretudo os olhos são por natureza avidíssi-
mos de beleza e concinidade, e nisso mostram-se exigentes e muito dificeis.
E não sei porque é que mais exigem o que falta do que aprovem o que há.
Procuram continuamente o que se pode acrescentar ao brilho e ao esplendor;
e ofendem-se se não virem patente tanto de arte, trabalho e engenho, quanto
julgam que teria sido providenciado e realizado por um arquitecto muito cui-
dadoso, perspicaz e diligente. E mais ainda, às vezes não conseguem expli-
car o que é que os fere, excepto que não têm como saciar inteiramente o
desmedido desejo de contemplar beleza.

1804
Na construção em silharia os ângulos agudos devem ser evitados para que não se veri-
fique o seu colapso devido à fragmentação dos silhares quando estes, após o descim-
bramento, ficam sujeitos às pressões das cargas.
1805
Ver Livro II, cap. I e cap. 3.

611
Livro Nono

Sendo assim, é sem dúvida um dever esforçarmo-nos com todo o zelo,


empenho e diligência, para que, naquilo que está ao nosso alcance, sejam
ornadíssimos os edificios que construímos e sobretudo aqueles que todos
desejam que sejam ornamentados. A esse género pertencem os públicos e em
primeiro lugar os sagrados: não há homem que possa suportar que estes se
perfilem ao alto despidos de ornamentos.
Será também defeito se acrescentares nos edificios privados os orna-
mentos que são reservados aos públicos ou, pelo contrário, aplicares aos
públicos os que são devidos aos privados, sobretudo se forem excessivos no
seu género; se forem efémeros, procedendo como aqueles que aplicam umas
lambuzadelas de pintura, fúteis, caducas e fétidas: os edificios públicos
devem ser eternos.
E certamente é grave o defeito que vemos em alguns ineptos, que, mal
a obra está começada, a embelezam e enchem com o disfarce da pintura e
os relevos da escultura; daí resulta que tudo isso desapareça antes de a obra
estar concluída. Deve-se acabar a obra, antes de a vestir; a última coisa a
fazer é ornamentá-la; a ocasião do tempo e das coisas bem como a possibi-
lidade de o fazer hão-de oferecer-se por si mesmas quando puderes levá-lo a
cabo com toda a comodidade e sem nenhum impedimento.
Mas bem gostaria eu que os ornamentos que vieres a aplicar fossem tais
que na sua execução se possam empregar várias mãos de artífices media-
nos 1806 • Se, porém, agradarem ornamentos mais belos e requintados, como as
estátuas e os quadros, da qualidade das de Fídias ou de Zêuxis, esses, por-
que são tidos por mais raros, serão colocados em lugares também mais raros
e da máxima dignidade. Não louvo Déjoces, o célebre rei dos Medos que
cingiu a cidade de Ecbátana com sete muralhas e as distinguiu pelas cores,
sendo umas púrpuras, outras azuis, outras cobertas de prata, outras doura-
das 1807 • Odeio também Calígula que tinha uma cavalariça de mármore, uma
manjedoura de marfim 1808 • Tudo o que Nero edificava era recoberto de ouro,
matizado de pedras preciosas 1809 • Mais louco era Heliogábalo, que revestiu

1806
É sugerida uma mão-de-obra medianamente qualificada para a execução da obra, o que
está em consonância com o princípio da mediedade: o que tem de ser excelente é a sua
concepção. Cf. Portoghesi, 1966, p. 846, n. 1.
1807
Cf. Hdt. (I, 98, 5). Esta técnica de colorir os muros, originária da Mesopotâmia, era
conseguida com tijolos cobertos com pigmentos coloridos obtidos a partir de metais
preciosos, onde cada cor tinha uma associação com uma divindade.
1808
Suet., Cal., 55, 3.
1809
Suet., Nero, 31, 2.

612
O Ornamento de Edificios Privados

o pavimento de ouro, lamentando que o não pudesse fazer com electro 18 10 •


E devem, sem dúvida, ser censurados esses ostentadores de obras, ou
melhor, de demência, que esbanjam os recursos dos mortais e o suor dos
homens naquilo que nem o uso nem a finalidade da obra começada exigiam,
ou que não será dignificado por nenhuma admiração do talento ou recomen-
dado pela graciosidade da invenção.
Por conseguinte, para se evitarem estes defeitos, aconselho repetida-
mente que, diante de modelos feitos à escala, antes de iniciares a obra, não
só ponderes contigo mesmo, mas também consultes os peritos 1811 • Gostaria
que, a partir desses modelos, revisses duas, três, quatro, sete, dez vezes, ora
interrompendo ora retomando 1812, todas as partes da futura obra, até não
haver em toda ela, desde as mais profundas raízes até à telha mais alta, nada
nem escondido nem à vista, nem grande nem pequeno, que não tenhas pen-
sado muito contigo mesmo e durante muito tempo, que não tenhas determi-
nado bem e destinado a que coisas, em que lugares, ordem e proporção con-
vém ou é melhor juntá-lo ou delimitá-lo.

CAPÍTULO IX

Por conseguinte, um arquitecto prudente procederá da forma seguinte.


Depois de se preparar, dará início à obra com diligência: informar-se-á das
propriedades e natureza do terreno onde vai situar o edificio; e aprenderá,
pelos velhos edifícios e pelos usos e costumes dos habitantes, o que é que,
naquele clima em que deve edificar, valem contra as intempéries a pedra, a
areia, a cal, a madeira da região ou mesmo a importada de outros lugares.
Estabelecerá a largura, a altura e os primeiros assentamentos dos alicerces e
dos baseamentos. Examinará o género e a qualidade dos materiais que são
convenientes para o muro, os invólucros, o enchimento, as juntas e a ossa-
tura. Examinará também o que é conveniente para as aberturas, a cobertura,
o revestimento, o pavimento ao ar livre, para o interior da obra. E determi-

1810
Electrum - liga metálica composta por quatro partes de ouro e uma de prata. S.H.A .,
Heliogab., 31 , 8; Plin., Nat., XXXIII, 80.
1811
Ver Livro II, caps. 1-3.
1812
Esta síntese de advertências breves sobre o De re aedificatoria, remata com a defesa de
um contínuo processo de reflexão em acção para a elaboração do projecto e execução
da obra.

613
Livro Nono

nará previamente os lugares, as vias, os meios com que desviará, afastará e


canalizará tudo o que for transbordante, nocivo e imundo, como são os
esgotos das águas pluviais, as fossas de secagem das áreas, as protecções
para impedir a humidade; como são ainda os meios que anulam ou vencem
a violência, o ímpeto, o dano dos desabamentos, das águas impetuosas, dos
ventos furiosos. Em suma, definirá tudo; nada deixará a que não prescreva
como que a sua lei e a sua medida. Quase todos estes aspectos, embora
pareça que dizem respeito à solidez e ao uso, acima de tudo, todavia têm tal
importância por si mesmas que, se forem menosprezadas, arrastarão consigo
um enorme defeito de deformidade.
São essencialmente estes os princípios que contribuem para a elegância
do ornamento. O processo de ornamentar a obra deve ser rigoroso e, além
disso, expedito, não a sobrecarregando por toda a parte com elementos que
dão nas vistas, não os amontoando, não os concentrando num só lugar, mas
distribuindo-os e colocando-os com tanta precisão, tão adequadamente e tão
a propósito, que, quem os alterar, sinta que foi perturbada toda a sensação
agradável de concinidade. Além disso, não deve haver, em qualquer parte da
obra, nada mal cuidado e sem arte; não pretendo, todavia, que tudo seja
igualmente trabalhado com um ornato exímio e carregado de riquezas, mas
sim que se use não mais a profusão do que a variedade 1813 • Dos elementos
mais importantes, porá uns nos lugares principais, colocará outros no meio
entre os menos belos e ainda outros entre os mais insignificantes. Nessa dis-
posição evitará associar os mais reles aos mais preciosos, os mais miudinhos
aos mais grandiosos, os mais vastos e amplos aos mais acanhados e estrei-
tos ; mas os que forem dissemelhantes entre si, e não quase iguais no seu
género, serão harmonizados pela conformação da arte, de tal maneira que,
quando uns ostentem gravidade e majestade, outros apresentem um aspecto
alegre e festivo.
A disposição e a ordem de todos os ornamentos devem compor-se de
tal modo que não só concorram entre si para embelezar a obra, mas que
nem sequer pareça que uns sem os outros se podem manter por si mesmos
ou conservar suficientemente a sua própria dignidade. Convirá que em cer-
tos lugares se misturem de permeio alguns ornamentos mais desleixados, a
fim de dar aos mais requintados um brilho mais luminoso. Evitar-se-á, abso-
lutamente, destruir as proporções dos delineamentos. Isso aconteceria se se

1813
A elegância do ornamento baseia-se no princípio da variedade mas não do seu excesso,
que deve ser evitado, como é referido no Livro I, cap. 8.

614
O Ornamento de Edificios Privados

misturassem ornamentos dóricos aos coríntios, como já disse, ou jónicos aos


dóricos e assim por diante 1814 •
A cada série serão dadas as suas partes, para que nada se espalhe de
modo descontínuo e confuso, mas tudo seja colocado em seus próprios e
adequados lugares. Os elementos do meio corresponderão aos do meio da
outra série, e igualmente os que se encontram a igual distância dos do meio.
Todos serão dimensionados, ligados e ajustados pelas linhas, pelos ângulos,
pelo traçado, pela coesão, pelo enlaçamento, não ao acaso, mas segundo um
critério exacto e definido e apresentar-se-ão de tal forma que o olhar, como
que deslizando livre e suavemente, percorra as cornijas, as reentrâncias e
toda a face interior e exterior da obra, aumentando o seu prazer com o pra-
zer da semelhança e dissemelhança dos ornamentos; e de tal forma que,
quem observar a obra, não pense que a contemplou demasiado tempo por a
ter observado e admirado uma e outra vez, se não a olhar de novo, vol-
tando-se para trás, à medida que se afasta; e, por mais que procure, em parte
nenhuma de toda a obra encontre alguma coisa que não seja igual, corres-
pondente e que não contribua com todas as proporções para o seu esplendor
e beleza 1815 •
Por conseguinte, obras desta natureza serão concebidas e examinadas à
escala; e é necessário que, com a ajuda das próprias maquetes 1816, planeemos
e preparemos não só o que se vai construir, mas também o que será usado
durante a construção, a fim de que, começada a obra, não sejamos forçados
a hesitar, a variar, a interromper, mas que, tendo uma visão de conjunto de
todo o plano, com uma espécie de explicação breve e circunspecta, seja sufi-
ciente tudo aquilo que é adequado e útil, uma vez procurado, reunido e pre-
parado. É portanto destas coisas que o arquitecto deve tratar, usando a sua
faculdade de planear e ajuizar.
Não vem a propósito voltar aos erros dos operários; mas levará os ope-
rários a que usem correctamente o prumo, o cordel, a régua e o esquadro.
Há tempos próprios para edificar, para interromper e para retomar a obra
oportunamente; utilizará e reunirá os materiais limpos, em bom estado, sem
mistura, sólidos, intactos, úteis, apropriados, resistentes, colocá-los-á nos
lugares e nos sítios próprios e adequados, de modo a que estejam ao alto,
deitados, pousem de frente, de lado, quer ao ar livre ou a coberto, conforme
exige a natureza e o uso de cada um.

1814
Ver Livro VII, cap. 9.
18 15
O processo criativo em arquitectura organiza-se pelo estabelecimento de uma reiterada
interface entre uma fenomenologia do desejo com uma ontologia do tempo. Veja-se
nesta edição a Introdução - As Leituras da Arte Edificatória.
1816
Ver Livro II, cap. l e Livro IX, cap. lO.

615
Livro Nono

CAPÍTULO X

Mas, para que o arquitecto possa dar boa conta de si e do seu oficio no
planeamento, preparação e execução de tudo isso, há alguns aspectos que de
modo nenhum deve descuidar 1817 • Deve pensar qual é a natureza do encargo
que recebe, qual o compromisso que assume, em que conta quer que o
tenham, qual a dimensão do trabalho, com a parte de glória, de recompensa,
de reconhecimento e de fama que alcançará no futuro se desempenhar cor-
rectamente a sua função; e pelo contrário, se der início a alguma coisa de
forma incompetente, impensada e irreflectida, quanta crítica e quanto ódio
terá de enfrentar, e quão maligno, quão evidente, patente, assíduo, será o
testemunho da sua estultice, que proporcionará ao género humano.
A arquitectura é uma coisa grandiosa e não está ao alcance de todos
acercarem-se de uma coisa tão grande. Quem ousar declarar-se arquitecto é
necessário que seja dotado de um alto engenho, de acérrimo estudo, de exce-
lente saber, da máxima prática e, acima de tudo, de uma capacidade de ajui-
zar e de planear, séria e autêntica. Em relação à arte edificatória, o primeiro
de todos os méritos é ajuizar bem o que é conveniente 1818 • Com efeito, edi-
ficar é próprio da necessidade; edificar para haver comodidade derivou tanto
da necessidade como da utilidade; mas edificar de modo que os amigos da
sumptuosidade aprovem e os da sobriedade não rejeitem não procederá
senão da perícia de um artífice douto, reflectido e muito ponderado.
Além disso, fazer construções que parecem cómodas para o uso e que,
sem dúvida, se podem executar de acordo com um projecto e um orçamento,
não é mais apanágio de um arquitecto do que de um operário manual; mas
conceber previamente e estabelecer, com a mente e com a faculdade de ajui-
zar, aquilo que será perfeito e absoluto de todos os pontos de vista, só é
próprio de um engenho como aquele que procuramos. Portanto, é necessário
que pelo engenho invente, pela prática conheça, pela faculdade de ajuizar
seleccione, pela de planear organize, pela arte realize aquilo que empreende.
Garanto que o alicerce de todas essas acções é a prudência e a maturidade
de análise; as restantes qualidades, humanidade, bondade, modéstia, probi-
dade, não as desejo mais nele do que nos outros homens que se dedicam a
qualquer oficio: quanto a essas, julgo que quem não as possui nem sequer é

1817
Vitrúvio (1, 1-17), ao contrário de Alberti, define no início do De architectura o que é
o arquitecto e qual a formação que deve ter para executar as tarefas que lhe competem.
1818
Cic., Or., 21 , 70; Quint., lnst., XI, I, 8.

616
O Ornamento de Edificios Privados

digno de ser considerado homem. Mas deve evitar a leviandade, a obstina-


ção, a jactância, a intemperança e outros vícios que diminuam a simpatia
entre os cidadãos e aumentem o ódio.
Além disso, gostaria que procedesse como se faz nos estudos das letras.
Ninguém julgará que aplicou trabalho suficiente às letras, se não tiver lido e
examinado todos os autores, mesmos os não bons, que tenham escrito na dis-
ciplina que frequenta. Assim, no seu caso, observará com a máxima diligên-
cia quantas obras houver, aprovadas pela opinião e pelo consenso dos
homens, onde quer que se encontrem, fará um desenho, anotará as propor-
ções, há-de querer, em sua casa, reduzi-las à escala e a maquetes; e exami-
nará e voltará a examinar a ordem, os lugares, os géneros e as proporções de
cada uma das coisas que usaram sobretudo aqueles que construíram as obras
mais grandiosas e mais imponentes, dos quais consta terem sido os homens
mais insignes, visto que foram eles os gestores de tão grandes orçamentos.
No entanto, não se impressionará com a vasta amplidão das obras a
ponto de se contentar com isso [obra grande - disse um homem célebre - é
aquela que faz um camponês] 18 19 , mas em primeiro lugar examine, em qual-
quer obra, aquilo que, em virtude de um artificio bem pensado e profundo
ou inventado, for raro e admirável; e habituar-se-á a que consigo nada seja
aprovado a não ser o que for inteiramente belo e digno de ser admirado por
causa do engenho que revela; e tomará para si, para imitar, tudo aquilo que
em qualquer parte merecer aprovação; aquilo, porém, que entender que
podia tomar-se muito mais requintado, tratá-lo-á com arte e reflexão para o
corrigir e emendar; e, mais ainda, tudo aquilo que não for totalmente mau,
esforçar-se-á, com as capacidades do seu engenho, por o tomar melhor.
E sempre com perspicaz e apaixonada investigação, aspirando a coisas
maiores, exercitará e aumentará o seu engenho; e desse modo recolherá e
reunirá no seu espírito todas as propriedades, não só as dispersas e como
que disseminadas, mas também as ocultas, por assim dizer, nos recônditos
santuários da natureza, as quais aplicará na suas obras com admirável bene-
ficio do seu louvor e glória. Há-de também regozijar-se por dar a conhecer
algo, que admiremos, tirado do seu engenho: talvez como a invenção
daquele que construiu um edificio sagrado sem utilizar instrumentos de
ferro 1820 ; ou como a daquele que em Roma fez transportar um colosso sus-

1819
Interpolação sugerida por Orlandi ( 1966, p. 857).
1820
Referência ao grande templo de Jerusalém mandado construir por Salomão: "Na cons-
trução do templo só se empregaram pedras lavradas na pedreira; deste modo, durante os
trabalhos de construção, nenhum ruído se ouvia, nem de cinzel, nem de qualquer outra
ferramenta" (I Rs 1: 6-7). Cf. Rykwert et a/li, 1988, p. 41 O, n. 118.

617
Livro Nono

penso em posição vertical, operação em que - isso também vem a propósito


- fez trabalhar vinte e quatro elefantes; ou como a daquele que de uma mina
fez um labirinto, ou um templo, ou qualquer coisa útil para usar e sem que
ninguém o esperasse 182 1•
Referem que Nero teve ao seu serviço arquitectos prodigiosos, aos quais
nada vinha à mente senão o que dificilmente os homens pudessem levar a
cabo 1822 • Não os aprovo de modo algum; quanto a mim, gostaria que os
arquitectos se dispusessem de maneira a mostrarem que, em todas as coisas,
pretenderam sempre reservar o papel mais importante para a utilidade e a
sobriedade. E, mais ainda, embora um arquitecto faça tudo em função do
ornamento, todavia de tal modo o há-de preparar que não se possa negar
que fez isso tendo em mira, antes de mais nada, a utilidade. Eu darei a
minha aprovação, se às novas invenções não faltarem os princípios, mais
que aprovados, das obras antigas, e a estas as novas descobertas do engenho.
Por isso, despertará deste modo as forças do seu engenho no uso e no
manejo daquelas coisas que contribuem para alcançar, com muito louvor,
este saber; e não só julgará que é seu dever possuir a competência sem a
qual não será quem declara ser por profissão, mas também se munirá do
conhecimento e do cultivo de todas as artes liberais, quanto venha a propó-
sito, e tomar-se-á preparado e apetrechado a ponto de não necessitar de mais
ou maiores ajudas nesse aspecto; e por sua iniciativa decidirá nunca dispen-
sar, nunca cessar o estudo, até sentir-se absolutamente igual àqueles a cujos
louvores nada mais se pode acrescentar. E no caso de haver em qualquer
parte alguma coisa, útil sob algum ponto de vista, que possa alcançar com a
sua arte e engenho, não se dará por satisfeito se não se apossar dela e a
compreender inteiramente e, na medida das suas forças, não fizer com que,
em si, esse mesmo aspecto digno de louvor seja levado ao extremo da
beleza e da perfeição no seu género.
De entre as artes liberais são estas as que são úteis, ou melhor as que
são absolutamente necessárias ao arquitecto: a pintura e a matemática. Não
me preocupa se é um especialista nas restantes. Não darei ouvidos a quem
disser que o arquitecto deve ser jurisconsulto porque durante a construção se
lida com direitos relativamente ao desvio das águas, à regulação de limites,
ao anúncio das obras e a muitos outros aspectos que estão definidos na lei.
Não exijo nele uma ciência perfeita dos astros, por ser conveniente que

1821
Se bem que, para Alberti, o trabalho do arquitecto seja uma actividade em tudo análoga
à procura da virtude, o mesmo deve contribuir, de forma interventiva, para o aprofun-
damento da cultura material do seu tempo.
1822
Cf. Suet., Nero , 31; Tac. , Ann., XV, 39-43 .

618
O Ornamento de Edificios Privados

construa as bibliotecas viradas a norte e os banhos a poente. Nem direi que


deve ser músico, por se aplicarem nos teatros vasos de ressonância; ou
retor 1823 porque é útil explicar ao empreiteiro o que há-de fazer. Relativa-
mente a essas coisas de que há-de falar, o pensamento, a experiência, a
reflexão, a diligência, hão-de proporcionar-lhe aquilo que dirá de modo ade-
quado e ajustado ao assunto, e com prudência; na eloquência é isso o prin-
cipal e o fundamental.
Não pretendo que não tenha língua; não pretendo que os seus ouvidos
sejam completamente surdos à harmonia. Será bastante que não edifique em
terreno público ou alheio; que não tire a luz; que, respeitando o estabele-
cido, não lese ninguém em matéria de goteiras, condutas de água, caminhos;
que conheça os ventos, de que parte sopram e os seus nomes. Mas se for
mais instruído, não recusarei. Contudo, não poderá desconhecer a pintura e
a matemática mais do que o poeta as palavras e as sílabas; e não sei se
basta conhecê-las apenas medianamente 1824 •
Acerca de mim declaro o seguinte: com muitíssima frequência me ocor-
reram à mente muitas ideias de obras, que nesse momento me mereciam
toda a minha aprovação; ao reduzi-las a linhas, dava-me conta de erros pre-
cisamente naquela parte que mais me tinha agradado e que bem precisavam
de correcção; quando examinei de novo os desenhos e comecei a pô-los em
proporção, descobri a minha negligência e censurei-a; finalmente, ao fazê-los
à escala e em maquete 1825 , sucedeu-me, às vezes, revendo cada um deles,
que me apercebi de que me tinha enganado nas contas. Mas não pretendo
ser Zêuxis na pintura, ou Nicómaco 1826 nos números, ou Arquimedes nos
ângulos e nas linhas. Basta que ele conheça os elementos de pintura que nós
escrevemos 1827 e tenha adquirido em matemática o saber que, em termos de

1823
Rector é um mestre de retórica, um professor.
1824
Os saberes enciclopédicos sugeridos por Vitrúvio (1, I, 4-13) para o arquitecto são
ultrapassados e proposta uma forma de saber mais operativa, baseada na pintura e na
matemática, bem como na sua tríplice relação entre ângulos, números e linhas, o que
significa que o desenho e os sistemas proporcionais são entendidos como instrumentos
inovadores e criativos da arte edificatória.
1825
Ver Livro II, cap. I.
1826
Zêuxis de Heracleia, pintor grego do séc. V a. C. cujas obras eram celebradas por imi-
tarem a natureza (cf. Alberti, Della pittura, III, 56); Nicómaco de Gerasa, matemático e
musicologista grego que viveu no séc. II d. C. e escreveu dois livros sobre a teoria pita-
górica dos números , bem como sobre a Introdução à Aritmética.
1827
Referência aos E/ementa picturae (in Opere Volgari, org. de A. Bonucci, 1843-1849,
vol. III, pp. I 08-129), que se reportam a uma sistematização de regras para o traçado
de figuras, elaborada a pedido do seu amigo Teodoro Gaza, escritas provavelmente entre
1450-1455. Cf. Arfanotti, 2007a, pp. 238-241 ; Caye-Choay, 2004, p. 462, n. 110.

619
Livro Nono

ângulos, números e linhas em conjunto, foi concebido para fins práticos,


como é o caso das coisas que se ensinam acerca da medição dos pesos, das
superfícies e dos corpos, a que eles chamam podismata e embada 1828 . Com
estas artes, juntando-lhes empenho e diligência, o arquitecto alcançará reco-
nhecimento, riqueza, fama e glória.

CAPÍTULO XI

É bom não omitir aqui mais um ponto que diz respeito ao arquitecto:
não deves, por tua iniciativa, prometer a tua obra aos que proclamam que
têm intenção de construir; fazem isso à porfia por leviandade e ambição de
glória, mais do que convém. De facto , não sei se não deves esperar o pedido
uma e outra vez; é preciso que confiem em ti espontaneamente aqueles que
manifestem vontade de utilizar o teu discernimento 1829 • Porque hei-de eu,
sem receber nenhum beneficio em troca, apresentar-me por minha iniciativa
para explicar as minhas excogitações valiosas e úteis, para que um ou outro
incompetente confie em mim? Que eu, com os meus conselhos te tome mais
experiente nesta matéria, em que te posso aliviar de um grande dano ou
contribuir grandemente para a tua comodidade e teu prazer, ó deuses!, isso
merecerá um prémio não pequeno 1830 • É próprio de um homem ponderado

1828
Termos de origem grega, evitados ao longo do tratado, que significam, respectivamente,
espaçamento e módulo de medida. Podismatus, que corresponde ao termo grego podis-
mus e ao latino pedatura , apresenta o sentido de medição de terrenos feita em pés ou
passos (cf. Blume et a/ii, 1848-52, p. 247), e embater está registado em Vitrúvio (1, 2,
4; IV, 3, 3), com o significado de elemento de construção, equivalente ao módulo do
templo dórico.
1829
Apesar de Alberti prestar serviços aos príncipes das pequenas signorias absolutistas que
dominaram, em meados do Quattrocento, o cenário político italiano, esta postura ética
revela uma independência em relação à encomenda, somente exequível numa situação
onde o arquitecto funciona como intermediário entre o promotor da obra, em geral um
reputado mecenas, e o responsável pela sua construção.
1830
A interferência das corporações de artesãos que gravitavam à volta do estaleiro de obra,
como se verificou com Brunelleschi na construção da cúpula da Catedral de Florença,
que foi preso no final dos trabalhos, pela congregação da Arte dei maestri de pietre,
sob o pretexto de não ter pago a respectiva quota anual, somente pôde ser ultrapassada,
no contexto da cultura construtiva do Quattrocento, pela escolha selectiva e mútua, mas
assimétrica, entre cliente e arquitecto.

620
O Ornamento de Edificios Privados

manter a dignidade; basta fornecer um conselho seguro e uns delineamentos


correctos.
Mas se acaso assumires que queres ser o encarregado e o executor da
obra, então dificilmente poderás e evitar que todos os defeitos e erros, sejam
eles cometidos por imperícia ou negligência, se atribuíam exclusivamente a
ti. Essas funções devem ser confiadas a assistentes 183 1 sagazes, circunspectos,
rigorosos, que se ocupem, com inteligência, empenho e assiduidade, daquilo
que é necessário executar 1832 •
Gostaria também que, na medida do possível não tivesses contactos
senão com os magnates das cidades, opulentos e amantíssimos destas coi-
sas 1833 ; quando executada para pessoas indignas dela, a obra envilece. Em
que medida pensas tu que pode contribuir para a tua glória a autoridade de
homens importantíssimos a quem, acima de todos, deves servir? Eu porém
- além do facto de que, não sei como, quase todos nós parecemos às vezes
aos olhos do povo agir com mais inteligência e discernimento, do que na
realidade, devido ao contacto com a inteligência e o discernimento dos ricos
- sou um daqueles que deseja que ao arquitecto se concedam pronta e abun-
dantemente os materiais que se exigem para a realização da obra. Os de
menos posses, como podem menos, também querem menos. A isto acres-
cente-se o que é fácil de ver: embora seja igual o engenho e a perícia do
artífice do projecto em dois lugares diferentes numa obra idêntica, todavia,
em virtude do valor e da superioridade dos materiais de que uma das obras
é feita, haverá mais beleza acumulada numa do que na outra.
Finalmente recomendo que em parte nenhuma empreendas nada por
mera ambição de glória, sobretudo nada de insólito e nunca visto. Tudo o
que for apresentado aos olhos do público deve ser examinado e analisado
em pormenor. Mandar construir por mão alheia aquilo que inventaste com o
teu próprio engenho, é uma situação penosa, e utilizar arbitrariamente
dinheiros alheios, quem não entende que jamais em parte nenhuma há-de
estar livre de questiúnculas?
Além disso, desejo ardentemente que afastes para bem longe de ti um
defeito com que muitas vezes se faz com que nenhuma das grandes obras se

I MJI Os assistentes são designados de adstritores, um termo que não consta no léxico latino,
provavelmente derivado de adstructor, isto é, daqueles que sabem fazer construções
lógicas. Cf. Rykwert eta/li, 1988, p. 410, n. 125.
1832
Ver, nesta edição, a Introdução - As Leituras da Arte Edificatória para uma descrição
dos assistentes nas obras construídas de Alberti .
1 33
M Referência à experiência que teve com os patronos das obras, como sucedeu, entre
outros, com Ludovico Gonzaga em Mântua, com Sigismondo Malatesta em Rimini,
com Giovanni Rucellai em Florença e com Federigo di Montefeltro em Urbino.

621
Livro Nono

livre de erros extremamente censuráveis: quantos não há que não pretendam


ser emendadores, guias, directores da tua vida, da tua arte, dos teus costu-
mes e hábitos. Por causa da brevidade da vida e da grandeza da obra, quase
nunca sucederá que uma obra de grandes dimensões possa ser terminada por
aquele que a empreendeu. Mas nós, atrevidos, que lhes sucedemos, esfor-
çamo-nos por inõvar alguma coisa e gloriamo-nos disso; daí resulta que as
obras, que outros começaram bem, sejam deformadas e mal concluídas. Na
verdade sou de opinião que nos devemos ater às determinações que madura-
mente idealizaram 1834 • Pode, com efeito, ter movido, esses primeiros constru-
tores da obra, algum motivo que, se o perscrutares demorada e diligente-
mente e reflectires acertadamente, também não te escapará 1835 •
Finalmente, seja o que for que decidas empreender, aconselho-te que
não o faças senão por conselho ou, melhor, por mandado dos mais compe-
tentes: assim, velarás muitíssimo bem pelos interesses da edificação e por ti
mesmo, livrando-te dos ataques dos teus detractores.
Tratámos dos edificios públicos, tratámos dos privados, tratámos dos
sagrados, tratámos dos profanos, quanto à utilidade, quanto à dignidade,
quanto ao prazer. Agora resta dizer de que modo se pode corrigir e restaurar
se algum defeito se tiver infiltrado no edificio, por imperícia e negligência
do arquitecto, pelos estragos do tempo e dos homens, ou pelos acasos fimes-
tos e imprevistos. Ó literatos, favorecei estes estudos.

1834
Ver Livro II, cap. I.
1835
A experiência de construir no construído, não demolindo obras anteriores, como suce-
deu no templo Malatestiano, em Rimini, e na igreja de Santa Maria Nove/la, em Flo-
rença, são testemunhos desta orientação de Alberti.

622
LIVRO DÉCIMO: 0 RESTAURO DE OBRAS

CAPÍTULO I

e a seguir devemos tratar da correcção dos defeitos das obras, impõe-

S -se que consideremos quais e de que natureza são os defeitos que


podem ser corrigidos pela mão do homem. Assim, com efeito, também
os médicos consideram que a maior parte do remédio depende do conheci-
mento da doença 1836 •
Tanto nos edificios públicos como nos privados há defeitos como que
congénitos e inatos que vêm do arquitecto e há outros que são trazidos de
outra proveniência; e de entre estes há uns que podem ser corrigidos pela
arte e pelo engenho e outros que de modo nenhum podem ser emendados.
Têm origem no arquitecto defeitos da natureza daqueles que mostrámos no
livro anterior, como que apontando-os a dedo 1837 • Na verdade, uns são os
vícios do espírito; outros os da mão: do espírito são a selecção, a comparti-
mentação, a distribuição, a delimitação desordenadas, dispersas e confusas;
os defeitos de mão, por sua vez, são a preparação, a recolha, a colocação, a
combinação, de forma negligente e discorde, defeitos em que caem facil-
mente os precipitados e os negligentes.
Os defeitos de outras proveniências julgo que dificilmente se podem
enumerar, tantos e tão variados são. Entre os quais está aquele que dizem os
ditados: "tudo é vencido pelo tempo" 1838 ; "insidiosos e extremamente pode-

1836
Hipócrates (c. 460-370 a. C.), considerado um modelo de excelência na medicina oci-
dental, foi o primeiro esculápio a argumentar que as doenças não são originadas por
causas divinas mas específicas, bem como a rejeitar a superstição e as práticas mágicas
na cura de doenças e a alegar que é por meio da observação que se faz o diagnóstico
para se alcançar o prognóstico evolutivo das enfermidades (cf. Hippoc., Morb. Sacr.), à
semelhança do que Alberti advoga, sob o ponto de vista processual, para o restauro das
obras de arquitectura.
1837
Ver Livro IX, cap. 9.
1838
Ver Livro IX, cap. 10.

623
Livro Décimo

rosos são os tormentos da idade"; e "os corpos não podem opor-se às leis da
natureza, sem suportarem a velhice"; de tal modo que alguns consideram o
próprio céu mortal porque é um corpo. Sentimos como o ardor do sol, a
frescura da sombra, as chuvas e os ventos são poderosos. Atingidos por
estes tormentos vemos como abre fendas e amolece mesmo o sílex mais
duro e das altas quebradas são arrancadas e lançadas pela tempestade enor-
mes rochedos, a ponto de desabarem juntamente com uma grande parte do
monte. A isto acrescenta os estragos causados pelos homens. Ó deuses! Às
vezes não posso deixar de me enfurecer, quando vejo que por inércia de
alguns (para não usar um termo odioso: por avidez) são destruídas coisas
que um inimigo bárbaro e em fúria poupou devido à sua extrema dignidade
ou que o tempo pertinaz, destruidor das coisas, faci lmente permitia que fos-
sem eternas 1839 • Acrescenta os perigos repentinos dos incêndios, acrescenta
os raios, os terramotos, o ímpeto e as inundações das águas e as muitas coi-
sas inauditas, inesperadas, inacreditáveis, que a força prodigiosa da natureza
cada dia pode provocar, pelas quais o plano bem desenvolvido do arquitecto
é adulterado e subvertido.
Dizia Platão que a ilha de Atlante, não menor que o Epiro, tinha desa-
parecido da vista 1840 • Os historiadores transmitiram-nos que Bura e Hélice
foram destruídas, a primeira por uma fenda, a segunda pelas ondas 184 1; que
o paul de Tritão desapareceu num instante 1842 ; e que, pelo contrário, em
Argos 1843 surgiu subitamente o paul de Estinfalo 1844 ; que em Terâmenes de
repente cresceu uma ilha com águas quentes; e que no mar, entre Tirésia e
Tera irrompeu uma chama que abrasou e incendiou todo o mar durante qua-
tro dias completos e que a seguir emergiu uma ilha de doze estádios 1845 , na
qual os Ródios edificaram um templo a Neptuno Protector 1846 ; e que noutro

1839
Para uma descrição da concepção do tempo em Alberti, como cosa preziosissima, veja-
-se I libri de/la famiglia, III, pp. 178-179.
1840
PI. , Ti., 25d.
184 1
Cidades da Acaia no golfo de Corinto. Strab., I, 3, 18.
1842
Desapareceu devido a um terramoto e actualmente é um lago da Tunísia. Cf. Strab.,
XVII, 3, 20.
1843
Cidade situada no norte da Arcádia, a região central do Peloponeso, a 5 km do mar.
1844
Heródoto (VI, 76) reporta que esse "lago lança-se por uma fenda escondida para reapa-
recer em Argos" (trad. J. R. Ferreira - D. F. Leitão, 2000). A população local mantém
a ideia de que ainda existia, no século passado, uma corrente subterrânea que passava
nesse lugar (cf. How- Wells, 1912).
1845
Equivalente a 2,22 km.
1846
Estas ilhas situam-se no arquipélago das Cíclades, no sul do Mar de Creta. Cf. Strab.,
I, 3, 16; Plin. , Nat., II, 102; Justino, XXX, 4; Daubney, 1826, pp. 227-233.

624
O Restauro de Obras

lugar os ratos se multiplicaram de tal forma que se seguiu a peste 1847 ; e que
os Hispanos mandaram uma embaixada a Roma para pedir auxílio contra os
estragos dos coelhos 1848 • E reunimos muitos fenómenos semelhantes a estes
naquela obra que tem por título Teogénio 1849 •
Mas nem todos os defeitos que têm outras proveniências são tais que
não possam ser corrigidos. Se houver algum defeito derivado do arquitecto,
nem sempre é tal que possa ser corrigido. O que é defeituoso de origem e
profundamente disforme sobre todos os aspectos não é susceptível de cor-
recção. As coisas que se encontram num estado tal que de modo nenhum
podem ser melhoradas, a não ser que se alterem todas as suas linhas, essas
não têm mais correcção do que serem demolidas para se fazerem de novo.
Mas não insisto nesta questão.
Nós prosseguiremos com aquelas que se podem, correctamente e
manualmente, tomar mais cómodas; e, em primeiro lugar, as públicas. Des-
tas a maior e a mais vasta é a cidade, ou melhor, a região da cidade 1850 •
A região, onde um arquitecto negligente tiver construído a cidade, permitirá
acaso 1851 que os defeitos sejam corrigidos. Com efeito, ou não estará bem
protegida contra as incursões repentinas dos inimigos, ou estará situada num
clima desagradável e pouco salubre e não haverá em abundância aquilo que
é preciso para uso corrente. É disso, pois, que trataremos.
Da Lídia 1852 para a Cilícia há um caminho muito estreito entre os mon-
tes, obra da natureza, a ponto de se poder dizer que ela quis fazer aí a porta
da região. Nas embocaduras do desfiladeiro, às quais os Gregos chamam
"Pylai" 1853 , há também um caminho que pode ser guardado por três soldados
armados, sendo o caminho interrompido por muitas ribeiras sinuosas que
provêm do sopé dos montes 1854 • No Piceno há gargantas semelhantes a esta,

1847
De acordo com Estrabão (III, 4, 8) este fenómeno ocorreu na Hispânia.
1848
Strab., II, 2, 6.
1849
Diálogo estóico, com uma função catártica, sobre aquilo que nos pertence e a indife-
rença a tudo o que está submetido aos ditames da fortuna , escrito provavelmente em
1435 e 1436 (cf. Paoli, 2004, p. 69; Alberti, Opere Volgari , II, 1966).
1850
Ver Livros III, IV e IX.
1851
Acaso tem a ver com fortuna , termo que perpassa todo o texto de Alberti.
1852
Região situada na actual Turquia ocidental.
1853
Isto é, "Portas".
1854
A localização deste passo é incerta. Provavelmente, trata-se de Pylae Ciliciae (Portas da
Cilícia), que cruza os Montes Tauro, a cadeia montanhosa no sul da actual Turquia,
atravessada por Alexandre Magno em 333 a. C., antes da batalha de Isso contra Dario
III (Polyb., XII, 17).

625
Livro Décimo

às quais o povo chama Fossumbrónias 185 5, e vanas em outros lugares. Mas


entradas como estas, fortificadas pela natureza, não se encontram em toda a
parte quando se quer.
Parece, todavia, que em grande parte podemos imitar a natureza; foi
isso que fizeram os antigos com muito saber em yários lugares. Com efeito,
para fortificarem a região contra as incursões dos inimigos, assim procede-
ram. Dos feitos dos príncipes mais famosos referirei muito brevemente aquilo
que vem a propósito. Junto do Eufrates, Artaxerxes manteve o inimigo à dis-
tância com um fosso de setenta pés 1856 de largura e dez mil passos de com-
primento 1857 . Os Césares, entre os quais Adriano, construíram ao longo da
Britânia, uma muralha com oitenta milhas 1858 , para separar os bárbaros do
território romano; Antonino também construiu ao longo da mesma ilha um
muro de terra coberto de relva 1859 ; depois dele, Severo 1860 cruzou a ilha de
um ao outro lado do oceano com uma trincheira com cento e vinte e dois
mil passos 186 1• Na Margiana, uma região da Índia, Antíoco Sóter, no lugar
onde fundou Antioquia 1862, circundou o perímetro da região com uma mura-
lha de mil e quinhentos estádios de extensão 1863 • Sesoósis também construiu
uma muralha, do lado do Egipto voltado para a Arábia, desde Pelúsio 1864 até
à cidade do sol, a que chamam Tebas 1865 , através de lugares desertos, igual-
mente com mil e quinhentos estádios. Sendo Nérito uma península, situada
junto de Lêucade, transformaram-na numa ilha, cortando o istmo e fazendo
passar o mar pelo meio 1866 • Pelo contrário, os Calcidenses e os Beócios
construíram um dique no Euripo 1867 , para juntarem a Eubeia à Beócia a fim
de se socorrerem uma à outra 1868 • Nas margens do rio Oxo 1869 , Alexandre

1855
Cidade próxima de Urbino, junto ao rio Metauro.
1856
Ou seja, 20,72 m.
1857
Equivalente a 14,78 km.
1858
Equivalente a 118,2 km.
1859
Designada muralha de Antonino. Cf. S.HA ., Ant. Pius, 5, 4.
1860
Imperador de Roma de 193-211 d. C.
1861
Construída em 208-211 d. C. e conhecida, ainda hoje, por muralha de Adriano com
180,56 km de extensão. Cf. S.HA ., Hadr. , 2, 2; Ant. Pius, 5, 4; Sev. , 18, 2.
1862
Actualmente situada no Turquistão russo. Cf. Strab., XI, 1O, 2.
1863
Equivalente a 277,03 km.
1864
Cidade situada na extremidade oriental do delta do Nilo.
1865
Ou Heliópolis. Cf. Diod. Sic., I, 57, 4.
1866
A oeste do golfo de Corinto. Strab., X, 2, 9.
1867
Estreito entre a ilha de Eubeia e a costa da Beócia.
1868
Diod. Sic., XIII, 47, 3.
1869
Rio da Ásia que nasce no Cáucaso indiano e desaguava no Mar Arai, hoje em vias de
desaparecimento.

626
O Restauro de Obras

fundou seis cidades fortificadas para evitar terem de procurar auxílio longe
quando eram atacadas subitamente por inimigos 1870 • Chamam-se Tirses 187 1 às
cidades fortificadas com uma trincheira alta, muito semelhantes a castelos,
que utilizavam a cada passo para impedir a entrada dos inimigos. Os Persas,
construindo cachoeiras, embaraçavam o rio Tigre 1872 para evitar que navio
algum pudesse subi-lo hostilmente; Alexandre destruiu-as, dizendo que eram
obra de um espírito frouxo e aconselhou-os a confiarem antes no valor das
suas forças 1873 • Houve quem, inundando a região, a tenha tornado semelhante
à Arábia 1874 , da qual se diz que estava bem protegida pelo Eufrates, com
pauis e pântanos, contra as incursões dos inimigos 1875 • Em suma, com tais
fortificações, guarneceram a sua região contra o inimigo. Com estas mesmas
técnicas, fizeram com que a região dos inimigos fosse mais vulnerável.
Em lugar oportuno 1876 dissemos amplamente quais são as coisas que tor-
nam o clima penoso: se tu as passares em revista, verás que pertencem às
seguintes categorias. Com efeito, lançam-se contra nós ou um sol excessivo,
ou sombras geladas, ou ventos violentos, ou a terra exala vapores nocivos
ou virão do próprio clima as coisas que trazem consigo um mal pernicioso.
De facto, julga-se que o clima dificilmente pode ser corrigido pelas
técnicas dos homens, a não ser que seja útil o que está escrito: que às vezes
foram extintas pestes terríveis aplacando os deuses, ou satisfazendo os seus
avisos, como o prego fixado pelo cônsul. Contra o sol e os ventos, aos habi-
tantes das aldeias ou das casas de campo não faltará o que as possa ajudar;
mas não temos por averiguado o que pode ser suficientemente útil para toda
a região; embora eu não negue que em grande parte podem ser corrigidos os
defeitos que são trazidos pela brisa, quando suceder que sejam eliminados os
vapores nocivos que vêm do chão. Por isso, não há motivo para continuar a
discorrer sobre se é por causa da violência do sol ou pelo calor concebido
nas suas entranhas que a terra exala dois tipos de vapores, a saber: um bafo
que, elevado no ar, devido ao arrefecimento se condensa em chuvas e neves;
e uma exalação seca que faz com que, segundo se pensa, se ponha em
movimento a impulsão dos ventos 1877 • Aqui baste-nos saber que ambos ema-

187
° Curt., VII, 10, 15.
1871
Na editio princeps "Tyrses" corresponde a uma transliteração do termo grego 'tupmÇ.
1872
Rio da Mesopotâmia.
1873
Arr., Anab., VII, 7, 7.
1874
Referência à Arábia Deserta.
1875
Ver Livro VI, cap. 4.
1876
Ver Livro I, cap. 3.
1877
Idem.

627
Livro Décimo

nam da terra. E, assim como em relação aos corpos dos animais que exalam
vapores, sentimos que têm o mesmo cheiro que o corpo de que provém, um
cheiro pestífero de um animal pestilento, um agradável de um bem cheiroso,
e assim por diante (às vezes também nitidamente acontece que, embora o
suor . e a exalação por sua própria natureza não sejam molestos, todavia
impregnados pelo fedor das vestes cheiram horrivelmente), assim também
em relação à terra: na verdade, um campo que não está bem coberto de água
nem totalmente seco, mas fica lamacento, esse, por razões várias, espalha
bafos e exalações pestilentas e nocivas.
E vem a propósito o seguinte. Onde o mar é profundo, sentimos que as
águas são frias, em outros lugares, porém, se tornam quentes. Dizem que
isso acontece porque o calor do sol não consegue imergir profundamente e
penetrar além de uma certa profundidade: e assim como um ferro em brasa
e incandescente, se acaso o mergulhares em azeite e o azeite for pouco, de
imediato levantará fumos violentos e agitados; mas se o azeite for muito, o
ferro flutuará, apagar-se-á e não fará fumo: <···> 1878 •
Mas nós continuemos a falar desta matéria com a brevidade com que
começámos. Tendo secado um paul junto de uma certa povoação, como por
tal motivo tivesse surgido uma epidemia, escreve Sérvio que Apolo, consul-
tado, mandou secá-lo completamente 1879 • Em Tempe havia água estagnada
numa grande extensão: Hércules, abrindo um canal, drenou-a e queimou a
Hidra, como dizem, no lugar de onde a irrupção das águas devastava uma
cidade próxima; a seguir dizem que fez com que fossem tapados os buracos
das águas que transbordavam, depois de secar a água supérflua e adensar o
solo 1880 • Um dia o Nilo subira mais que o normal e do lodo nasceram mui-
tos e variados animais; quando o solo secou, apodreceram; daí derivou uma
enorme peste. No sopé do monte Argeu - diz Estrabão - há uma cidade,
Mazara, que abunda em águas: se, no Verão, não há para onde fluam, por
esse motivo o ar toma-se insalubre e pestilento 188 1• Além disso, no norte da
Líbia e na Etiópia não chove, razão pela qual os lagos se tomam lodosos; e
por esse motivo abundam não só os animais nascidos desta podridão, mas
sobretudo uma enorme quantidade de gafanhotos 1882 •

1878
Porthogesi (1966, p. 876, n. 1) sugere que esta lacuna se possa ler como: "cosi avviene
dei raggi solari nell'acqua marina" (como é o caso da luz solar na água do mar).
1879
Serv., A., III, v. 701. A povoação é Camarina situada na costa meridional da Sicília.
1880
Diod. Sic., IV, 18, 6.
188 1
A cidade de Mazara situa-se na Capadócia, na zona central da Turquia. Estrabão (XII,
2, 7) refere escassez de água e terrenos arenosos na região.
1882
Strab., XVII, 3, 10.

628
O Restauro de Obras

Contra estes fedores e contra o grande número de apodrecimentos, é


muito útil utilizar ambos os remédios de Hércules 1883 : uma vez aberto um
canal, para evitar que a permanência da água estagnada transforme o solo
num lodaçal, seguidamente expor-se-á ao sol; segundo a nossa interpretação
foi destas fogueiras que Hércules se serviu. E seria útil encher esse espaço
com pedra, terra ou areia. De que modo essas bacias de águas estagnadas se
podem facilmente encher de areia fluvial, será dito em seu lugar 1884 • Diz
Estrabão que, no seu tempo, Ravena costumava ser atingida por um mau
cheiro hediondo porque era inundada muitas vezes pelo mar, e que, todavia,
o ar não era pestilento 1885 • E causa admiração que assim fosse; a não ser
acaso - coisa que dizem acontecer nas cidades da Venécia - que isso suceda
porque os pauis circunfluentes, agitados pelos ventos e pela maré, nunca
estão em repouso. Dizem que em Alexandria a situação era muito seme-
lhante; mas aí, durante o verão, as cheias do Nilo arredaram este defeito 1886 •
Por conseguinte, a natureza ensina-nos o que devemos fazer. Convirá de
facto ou secar a região ou inundá-la dirigindo para ela ribeiros, cursos de
água ou as águas do mar, ou por fim, retirando a terra, cavar até ao interior
da nascente. E sobre esta matéria, ficamos por aqui.

CAPÍTULO II

Agora, se faltar alguma coisa necessária ao nosso uso, devemos tomar


providências para que não falte. Não vou repetir mais longamente quais são
as nossas necessidades: comida, vestuário, casa, e acima de tudo água. Tales
de Mileto 1887 disse que a água é o princípio das coisas e da agregação

1883
Isto é, drenar e queimar, como sucedeu com a cidade de Tempe.
1884
Ver Livro X, cap. 13
1885
Strab., V, 1, 7.
1886
Strab., XVII, 1, 3.
1887
Tales de Mileto (c. 624-546 a. C.) foi o engenheiro, geómetra e astrónomo grego, fim-
dador da escola iónica, referido por Aristóteles (Metaph., I, 3) como o primeiro cultor
da filosofia natural e da cosmologia que considerava a água como "[ ... ] primeiro prin-
cípio. Por isso chega a afirmar que a terra descansa na água; e foi provavelmente con-
duzido a esta ideia, porque observava que a humidade alimenta todas as coisas [.. .]" (cf.
trad. esp. de P. Azcárate, 2007). Alberti abre o Livro X, que remata o tratado, relacio-
nando este "primeiro princípio" com a ars aedificatoria.

629
Livro Décimo

humana 1888 • Aristobulo 1889 diz ter visto mais de mil aldeias abandonadas em
<···> porque o rio Indo tinha mudado de curso 1890 • Pela minha parte não
negarei que a água é para os seres vivos como que o sustento do calor e o
alimento da vida. Mas porque falar de plantas? Porque falar das outras coi-
sas que os mortais utilizam? Assim, penso que tudo aquilo que cresce e
medra na terra se reduzirá a nada se lhe tirares a água 1891 • Junto do Eufrates
afastam-se os animais da pastagem porque engordam demasiado em prados
mais fecundos do que basta; consideram que a causa disso é a exuberância
de humidade. Afirmam que no mar se desenvolvem corpos gigantescos
essencialmente porque a água proporciona uma grande abundância de ali-
mento. Lembra Xenofonte que, em sinal de dignidade, se concedia aos reis
da Lacónia terem um lago diante do palácio em frente da porta 1892 • Nas núp-
cias, nas expiações e, por fim, em quase todas as cerimónias usamos a água
segundo um rito antiquíssimo. ·
Todos estes factos são a prova de quanto os nossos antepassados valo-
rizavam a água. Mas quem poderá negar que a sua abundância grandemente
serve e ajuda o género humano de muitos modos, de tal maneira que em
parte nenhuma se deve considerar suficiente, senão quando abundar em
muita quantidade para todos os usos? Começaremos, portanto, pela água,
visto que dela, como se diz, "usamos em boa e má saúde".
Os Masságetas, abrindo o rio Araxe em vários pontos, irrigaram a
região 1893 • O Tigre e o Eufrates foram levados para Babilónia porque estava
edificada numa região seca. Semíramis levou até à cidade de Ecbátana um
aqueduto, tendo perfurado um monte de vinte e cinco estádios 1894 de altura
com um canal de quinze pés de largura 1895 • Um rei Árabe levou a água
desde o rio Coro da Arábia até aos lugares desertos e áridos onde esperava
Cambises, fazendo um aqueduto, se acreditamos em tudo o que diz Heró-
doto, com peles de touros 1896 • Em Samos, entre outras obras extraordinárias,

1888
Vitrúvio, Vlll, Pre., I.
1889
Aristobulo participou na campanha de Alexandre Magno e escreveu uma história do
seu reinado, onde registou dados geográficos e botânicos sobre a Índia. Cf. Strab.,
XV, I, 17.
1890
Strab., XV, 1, 9.
1891
Cf. Vitrúvio (Vlll, 3, 28).
1892
Xen. , Lac. , XIV, 6.
1893
Ver Livro X, cap. 7. Cf. Hdt., I, 201, 1-4. O rio Araxe corre entre a Arménia e a
Pérsia.
1894
Equivalente a 4,62 km.
1895
Equivalente a 4,44 m.
1896
Hdt., III, 9, 3.

630
O Restauro de Obras

admiravam um canal com setenta estádios de comprimento 1897 , que passava


através de um monte com cento e cinquenta órgias de altura 1898 • Em
Mégara 1899 admiravam também uma galeria, uma obra com a altura de vinte
pés 1900 , por onde era levada a água de uma fonte. Mas, a meu ver, a cidade
de Roma superou facilmente todas as cidades, não só pela magnitude das
suas obras, mas também pela técnica de condução das águas e pela abun-
dância das águas conduzidas 190 1•
Nem sempre estarão acessíveis rios ou fontes de onde possas trazer a
água. Alexandre mandou escavar poços ao longo do mar e da costa do golfo
Pérsico, para abastecer de água a armada 1902 • Pressionado por Cipião junto
da cidade de Cila - diz Apiano - Aníbal fez poços no meio dos Campos,
porque não havia água, e assim proveu à necessidade dos soldados 1903 •
Acrescente-se que nem toda a água que se encontra é própria para o con-
sumo das pessoas. Com efeito - além de que se encontram umas quentes,
outras frias, e além de que uma são doces, outras ácidas, outras amargas,
outras puríssimas, outras limosas, viscosas, gordurosas, resinosas, outras que
tomam duras como seixos as coisas que se mergulham nela, outras que no
mesmo curso correm em parte transparentes, em parte turvas, e, em outro
lugar, no mesmo leito são aqui doces, ali salgadas e amargas - há ainda
outros aspectos, dignos de menção, em que as águas diferem muito entre si,
pela sua natureza e efeitos, que contribuem muito para a salvação ou a ruína
dos homens. E seja-nos lícito também referir alguns prodígios divertidos a
respeito das águas.
A fonte de Arsínoe na Arménia rasga a roupa que nela se lava 1904 •
A fonte de Diana em Camerina não se mistura com o vinho 1905 • Em Debre,
cidade dos Garamantes, há uma fonte que é fria de dia e quente de noite 1906 •

1897
Equivalente a 12,93 km
1898
Dado que a órgia é uma medida grega que oscila entre 1,78 m a 1,99 m, então a altura
do monte referido por Alberti, pode variar de 267 m a 298,5 m.
1899
Cidade-estado grega situada na parte norte do istmo de Corinto.
1900
Equivalente a 5,92 m.
190 1
Cf. Fron ., Aq., Proémio.
1902
Na expedição, do sul da Índia ao Tigre, comandada por Nearco (cf. Pearson, 1960,
cap. 5).
1903
App., Hist., VIII, 7, 40. Cila situa-se no norte da actual Tunísia.
1904
Várias cidades têm a designação de Arsínoe, sendo provável que A1berti se refira à
situada na Cilícia, a pequena Arménia.
1905
Sol. , 5, 16.
1906
Sol. , 29, 1.

631
Livro Décimo

Em Segesta 1907 , o rio Helbeso de repente começa a ferver no meio do seu


curso 1908 • No Epiro existe uma fonte sagrada que apaga os objectos a arder
que nele se mergulham e incendeia os que estão apagados 1909 • Em Elêusis 19 10
uma fonte dança ao som das trombetas. Os animais de fora do país mudam
de cores se beberem a água do rio Indo 19 11• Se as ovelhas beberem de uma
fonte que há na costa do Mar Vermelho, de imediato mudam a lã em cor
preta 19 12• Em Laodiceia também nascem de cor cinzenta os quadrúpedes con-
cebidos junto de algumas fontes 1913 • Na região de Gádara 19 14 há uma água
que se for provada pelo rebanho, este perde pêlo e as unhas. Junto do Mar
Hircano 191 5 há um lago e quem se lavar nele apanha sarna e só se cura com
azeite. Em Susa há uma água que faz cair os dentes 1916 • Junto do pântano
Gelónio existe uma fonte que toma as mulheres estéreis e outra que depois
as toma fecundas 19 17 ; e em Quios, uma que toma as pessoas insensatas 19 18; e
em <···>, uma que não só bebida, mas até somente provada, faz rir até mor-
rer 19 19 • E em <..·>, uma que mata se apenas te lavares 1920 • E na Arcádia, junto
a Nonácris, há um tipo de água, aliás puríssimo, mas tem um efeito corro-
sivo tão grande, que não pode ser contida em nenhum recipiente de
metal 192 1• Pelo contrário há águas que fazem bem à saúde: as de Putéolos, de
Siena, as de Volterra, de Bolonha e outras que são famosas em toda a Itália.
Mas o prodígio maior é aquele que contam a respeito da Córsega: jorra uma
água que endireita os ossos partidos e que cura os piores envenenamen-
tos 1922 • Em < ..·> 1923 há águas que comunicam engenho e com capacidades

1907
Cidade da Sicília ocidental.
1908
Sol. , 5, 17.
1909
Sol., 7, 2. A fonte localiza-se junto ao templo de Júpiter Dodoneu.
191
° Cidade da Sicília, actualmente designada de Cefalú. Cf. Sol. 5, 20.
1911
Plin., Nat., VI, 70.
1912 Sol. , 33, I.
1913
Vitrúvio, VIII, 3, 14; Plin., Nat., VIII, 73 .
1 14
9 Região da Palestina.
19 15
Ou Mar Cáspio.
1916
Vitrúvio, VIII, 3, 23 . Susa é a capital da Susiana, uma província persa.
1917
Sol. , 5, 21. O pântano Gelónio localiza-se na Sicília.
1918
Vitrúvio, VIII, 3, 22. Quios é uma ilha do Mar Egeu.
19 19
Plin., Nat., XXXI, 2, 16.
192
° Cf. Vitrúvio, VIII, 3, 15.
1921
Plin. , Nat., II, 231.
1922
Solino (4, 6) refere-se à Sardenha e não à Córsega.
1923
O elevado número de lacunas que estão presentes no Livro X, provavelmente deixadas
por Alberti e não por indecisão ou erro dos copistas, sugere que se trata de uma obra
por acabar.

632
O Restauro de Obras

divinatórias. Na Córsega há igualmente uma fonte que serve para os olhos:


se algum ladrão negar em público sob juramento ter cometido um furto e
lavar os olhos nessa fonte, fica cego. Sobre isto fica dito. De resto, em cer-
tos lugares não se encontrará de forma nenhuma, nem pura nem impura. Por
isso, por toda a Apúlia 1924 se habituaram a recolher a água em cisternas e a
conservá -la.

CAPÍTULO III

Sobre a questão da água, há quatro aspectos importantes: encontrá-la,


conduzi-la, seleccioná-la, conservá-la. Destes aspectos é que devemos tratar.
Mas antes impõe-se fazer algumas considerações que dizem respeito à utili-
zação das águas em geral.
Julgo que a água não se pode deter senão num recipiente; e estou de
acordo com aqueles que, levados por este facto, afirmam que o mar é uma
espécie de recipiente imenso e, usando o mesmo símile, entendem que um
rio é também um recipiente muito alongado 1925 • Mas há uma diferença: nos
rios as águas, não sendo usada nenhuma força extrínseca, por sua própria
natureza fluem e movimentam-se; as águas do mar facilmente repousariam
se não fossem agitadas pela impulsão dos ventos. Não seguirei aqui as dis-
cussões dos filósofos : se as águas procuram o mar como lugar de repouso,
ou se são os raios da lua que fazem com que alternadamente o mar suba e
desça; em nada contribuem para a nossa explicação. Não devemos passar
adiante daquilo que vemos com os nossos olhos: que a água por natureza
procura os lugares mais baixos; e não permite que em parte alguma haja ar
mais abaixo de si própria; e que lhe repugna misturar-se com corpos mais
leves ou mais pesados do que ela; e que deseja encher todas as formas das
concavidades para onde escorre; e quanto mais a impedires de usar as suas
forças, tanto mais pertinazmente se debate em contrário e resiste; e não des-
cansa pelo meio até conseguir, conforme as suas forças, o lugar almejado; só
fica contente quando alcança as posições onde pode repousar; rejeita mistu-
rar-se com todos os restantes elementos; o cimo da sua superfície, ao nível

1924
Região da Itália meridional banhada a sul pelo Mar Jónio e a norte e a oeste pelo
Adriático.
1925
Aristóteles (Ph., IV, 212 a 15-18) confirma: "[.. .] quando um 'dentro' se move e muda
de lugar em algo que se move, como um barco num rio, usa o que o cinge mais como
um recipiente do que como lugar" (cf. trad. esp. de G. R. de Echandía, 1995).

633
Livro Décimo

correspondente à altura, alinha pelo recipiente e pela extremidade dos seus


bordos.
Em Plutarco recordei um aspecto que também diz respeito à água. Per-
guntava ele se, de uma cova feita na terra, a água goteja como o sangue
numa ferida, ou se antes conflui, como o leite gerado pouco a pouco conflui
aos seios de uma ama 1926 • Há quem afirme que as águas que correm perenes,
não se derramam a partir de um recipiente onde são concebidas, mas a cada
momento, nos lugares donde dimanam, são geradas do ar, não todo, mas
daquele que é mais propenso a tomar-se vapor: dizem que a terra, e sobre-
.tudo os montes, são como uma esponja cheia de orificios pelos quais o ar
apanhado se toma espesso devido ao frio e se condensa; que isto se demons-
tra, entre outros indícios, pelo facto de, tal como julgam, se ver que os
maiores rios nascem dos maiores montes. Há outros que não aquiescem de
modo algum à autoridade destes. Com efeito, entre muitos rios, porque é
que o Piramo 1927 - perguntam eles - rio não pequeno (pois é navegável) não
nasce dos montes mas no meio de uma planície? Por isso, talvez não deva
ser refutado quem disser que a terra bebe as águas das chuvas que, devido
ao seu peso e subtileza, penetram e escorrem para os lugares vácuos. Com
efeito, vê-se que carecem absolutamente de água as regiões onde as chuvas
são muito raras. Dizem que Líbia deriva de Lipigia, porque aí raramente
chove e não tem água. Em suma, quem negará que se encontram águas
ubérrimas onde mais chove?
Vem a propósito destas considerações o facto de vermos que, quando
alguém escava um poço, as águas não lhe aparecem antes de descer ao nível
de um rio. Em Volscónio 1928, cidade montanhosa da Etrúria, num poço pro-
fundíssima - desceram, com efeito, a duzentos e vinte pés 1929 antes de atin-
girem alguns veios - não se encontrou água antes de se chegar ao nível das
nascentes que em seus lugares brotam da encosta do monte. Entenderás que
isso mesmo acontece nos poços de montanha em quase todos os lugares.
Temos como certo que uma esponja se impregna da humidade do ar; e
com isso fazemos um instrumento de medição com que avaliamos a pressão
e a secura dos ventos e do ar. Ora eu não negarei de modo nenhum que o
orvalho nocturno do ar é atraído por uma terra leve ou espontaneamente se

1926
Plut., Mar. , 18, 7.
1927
Rio da Cilícia.
1928
Orvieto, cidade localizada na região italiana do sudeste da Úmbria e situada num
cabeço plano de tufo vulcânico. Cf. Porthogesi, 1966, p. 889, n. 3.
1929
Equivalente a 65,12 m.

634
O Restauro de Obras

introduz pelos seus poros e se pode facilmente converter em água. Todavia,


não tenho uma opinião bem definida sobre o que devo afirmar, tão variados
são os factos que encontro sobre esta matéria nos escritores e tantas e tão
diversos são aqueles que se oferecem espontaneamente quando penso nisso.
E consta, de facto, que em muitos lugares, em consequência de um ter-
ramoto ou espontaneamente, irromperam e brotaram nascentes durante muito
tempo e cessaram em tempos diversos, de tal modo que umas se eclipsaram
durante o Verão, outras durante o Inverno; e que, depois de terem secado, as
nascentes de novo transbordaram com abundância de água; e que as águas
das nascentes emanaram, doces, não só da terra, mas também do meio das
ondas do mar. Afirmam também que as plantas são fonte de água. Em certa
ilha, perto daquelas que se chamam Afortunadas 1930 , dizem que crescem
umas canas do tamanho de uma árvore, das quais se espreme um suco
amargo das que são negras, ao passo que as brancas destilam uma água
puríssima, muito boa para beber 193 1• É prodigioso, nas montanhas da Armé-
nia, aquilo. que descreve Estrabão, sem dúvida um autor sério: que se encon-
tram animais vermiformes nascidos na neve, que estão cheios de uma água
óptima para beber 1932 • Em Fiésole, e também em Urbino, apesar de serem
cidades serranas, quando se cava, de imediato aparece água; e isso de facto,
porque aí os terrenos são pedregosos e porque as pedras estão ligadas por
argila. Há também glebas que no interior da sua camada contêm uma água
puríssima.
Assim sendo, não é fácil nem muito claro o conhecimento da natureza.

CAPÍTULO IV

Volto ao assunto. Encontrarás águas ocultas mediante certos indícios. Os


indícios serão propiciados pela forma e aspecto do lugar e pelo tipo de terra
onde procuras a água e ainda por alguns expedientes que a esperteza dos
homens descobriu. A natureza comporta-se de tal maneira que um lugar que
seja recurvado e semelhante a uma concavidade parece ser como um reci-
piente preparado para conter água. Onde o sol é muito forte, não há ou são
poucas as águas que se encontram, porque aí os humores são secados pelos

1930
Ilhas Canárias.
1931
Sol. , 56, 15 e Plin. , Nat., VI, 202-204.
1932
Strab., XI, 14, 4 .

635
Livro Décimo

seus raios; ou se algumas aparecerem nas planícies, serão pesadas, viscosas


e salobras. Nas encostas dos montes voltadas a norte e onde a sombra é
muito opaca, a água será pronta a surgir. Os montes que estiverem durante
muito tempo cobertos de neve terão águas em abundância. Dei-me conta de
que os montes que têm no cimo um prado plano nunca têm falta de água.
E descobrirás que quase todos os rios não nascem senão em lugares deste
género. Dei-me também conta de que as nascentes não brotam senão onde,
em baixo e em volta, haja um terreno compacto e firme e em cima esteja
situada uma planície, ou sejam cobertos por terra espessa e solta; se reflec-
tires nisso, não negarás que a água armazenada brota como quando se parte
o bojo de um recipiente. Daí resulta que uma terra mais compacta propor-
cione menos águas e essas só à superficie, ao passo que uma terra mais
solta dá mais água, mas só em profundidade.
Plínio refere que em alguns lugares a água surgiu porque a floresta foi
cortada. Flávio Josefo refere que Moisés, peregrinando pelo deserto e cor-
rendo o perigo da sede, descobriu por conjectura, ao ver um terreno herboso,
veios de águas 1933 • Tendo Emílio o exército junto do monte Olimpo e
sofrendo os soldados de falta de água, encontrou-a advertido pela verdura
das florestas 1934 • A uns soldados que andavam à procura de água, uma rapa-
riga ainda pequena mostrou, na Via Colatina 1935 , uns veios que eles segui-
ram, cavando, e puseram a descoberto uma nascente ubérrima, e à nascente
juntaram uma edícula e pintaram uma memória do evento 1936 •
Se a terra, ao ser calcada pelos passos, ceder facilmente e se pegar aos
pés, indica que há água por baixo. São indícios mais evidentes de haver
água por baixo os lugares onde nascem e medram plantas que gostam de
água ou que a água produz: salgueiros, canaviais, juncos, heras e aquelas
que não podem atingir o seu próprio tamanho senão nutridas por muita
água 1937 • Uma terra que alimente videiras frondosas ou principalmente uma
que produza sabugueirinho 1938 e trevo silvestre, diz Columela que propor-
ciona um bom solo e águas doces 1939 • Além disso, a abundância de rãs e de
minhocas, os mosquitos e as catervas de vermes alados pequeníssimos, indi-
cam que há água oculta por baixo nos lugares onde se aglomeram voando.

1933
Joseph., A. I. , III, 3.
1934
Plut., Aem., 14, 1.
1935
Via de 16 km de extensão que ligava Roma a Colácia (Collatia) , no Lácio.
1936
Fron ., Aq., 10, 3-4.
1937
Vitrúvio, VIII, 1, 3.
1938
Plin., Nat., XVIII, 34.
1939
Col., Rust., II, 2.

636
O Restauro de Obras

Os expedientes que a perspicácia do engenho procurou conhecer são os


seguintes. Os vedores deram-se conta de que todo o resto da terra mas prin-
cipalmente os montes são constituídos por camadas, como as páginas, umas
mais compactas, outras mais ralas, outras mais grossas, outras mais finas.
E deram-se conta de que nos montes estas camadas são sobrepostas e amon-
toadas umas sobre as outras, de tal modo que as séries no exterior dos empi-
lhamentos e as linhas das suas junções se apresentam colocadas horizontal-
mente da esquerda para a direita, ao passo que no interior, as camadas vão
baixando obliquamente em direcção ao centro do monte, sendo toda a super-
fície superior inclinada de modo uniforme, mas com um traçado e um
avanço não continuados até ao interior. Com efeito, de cem em cem pés 1940
mais ou menos, as camadas que caem em descida oblíqua param por
degraus; e a seguir, com a interrupção de cada série, as camadas avançam,
por degraus sucessivos, de ambos os flancos para o centro do monte.
Com estas observações, esses homens agudos de engenho facilmente
compreenderam que as águas, quer as geradas quer as das chuvas, eram
recolhidas através das intercamadas e das interjunturas das páginas 1941 , com
o que o interior do monte ficava cheio de água. Daí tiraram argumento para,
escavando o monte na parte inferior, irem buscar as águas ocultas, princi-
palmente ao lugar onde convergem as descidas dos degraus e as linhas das
camadas: o lugar mais favorável é onde os músculos dos montes, juntando-
-se um ao outro, formam alguma cavidade.
Além disso descobriram que as camadas são entre si diferentes e diver-
sas por natureza para reter ou facultar águas 1942 • Com efeito, as pedras ver-
melhas quase sempre são aguacentas, mas costumam enganar, porque as
águas se perdem pelos interstícios em que abunda tal género de pedra; e
toda a pedra de sílex, suculenta e vivaz, que se encontra partida no sopé do
monte e é muito dura, também facilmente proporciona água; a terra fina
também propicia abundância de água, mas tem mau sabor; o saibro

1940
Equivalente a 29,60 m.
1941
A propósito da analogia que Alberti estabelece entre as interjunturas das páginas (inter-
pacturas paginarum) e as camadas de afloramentos do terreno, cabe citar a "Livraria do
Mondego", situada no vale do Mondego em Penacova, formada por uma crista quartzí-
tica com formas que lembram lombadas de livros inclinados nas prateleiras de uma
estante. Esta "livraria", que é o resultado de as camadas ordovícicas do quartzito armo-
ricano se apresentarem quase verticalizadas, devido a processos geotectónicos, mostra
como a sua estratificação se pode alterar radicalmente e registar visivelmente a história
da terra, à semelhança do que sucede com as páginas de um livro.
1942
Vitrúvio, VIII, I, 2.

637
Livro Décimo

macho 1943 e a areia chamada carbúnculo 1944 proporcionam águas seguras,


muito saudáveis e perenes; o contrário sucede com a argila: porque é muito
densa, de si mesma não deixa sair a água, mas retém a adventícia; no saibro
encontram-se águas muito ténues e limosas e depositas em lugar profundo;
da argila emana uma água leve, mas mais doce que as restantes; do tufo,
uma água mais fria; da terra negra, uma mais límpida; o cascalho, se é
muito solto, escava-se sem a expectativa garantida; quando, porém, começar
a ser mais denso, escava-se mais fundo, não inteiramente sem alguma garan-
tia; Em ambos os casos, quando for encontrada, é boa de sabor.

Método para localizar veios de água.

Revelaram também que o próprio lugar, onde está o veio subjacente, foi
conhecido usando uma técnica. Com efeito, são estas as suas instruções.
Num dia limpo de manhã ao raiar do dia deita-te ao comprido no chão de
barriga para baixo e apoia o queixo no solo; a seguir observa as proximida-
des em volta em todas as direcções. Se em algum ponto vires que há uns
vapores a elevarem-se e a encresparem-se no ar, como num Inverno muito
frio costuma ondular a respira'Ção das pessoas, considera que aí não falta
água 1945 • Mas, para teres a certeza, escava nesse lugar uma vala profunda
com a largura de quatro côvados 1946 ; coloca dentro dela ao pôr-do-sol quer
um tijolo há pouco tirado do fomo, quer um velo de lã engordurada 1947 , quer
um recipiente de barro cru, quer um vaso de bronze invertido e bem untado

1943
Ver Livro II, cap. 10.
1944
Variedade de pozolona. Ver Livro II, cap. 12.
1945
Vitrúvio, VIII, I, 1.
1946
Equivalente a I, 77 m.
1947
Um experimento semelhante é descrito por Nicolau de Cusa, in Idiota de Staticis Expe-
rimentis, pela medição do peso de um pedaço de lã, primeiro ressequida e depois
húmida, para se aferir a densidade do ar. Cf. Cus a, 1996, 179.

638
O Restauro de Obras

de azeite, e cobre a vala com tábuas e por cima tapa-as com terra. Se no dia
seguinte de manhã o tijolo subiu muito de peso, se a lã estiver encharcada,
se o vaso de barro estiver húmido, se houver gotas suspensas agarradas ao
vaso de bronze, e igualmente se uma candeia lá encerrada tiver consumido
menos azeite, ou se, fazendo aí uma fogueira, a terra fumegar: sem dúvida
alguma não faltarão águas 1948 •
Em que estação mais convenha fazer isso, não explicaram suficiente-
mente. Mas encontro nos escritores o seguinte: durante o período da caní-
cula a terra e os corpos enchem-se de humidade - do que resulta que
durante esses dias as árvores fiquem muito húmidas sob a casca com a exu-
berância de água; além disso, durante essa estação, nos seres humanos solta-
-se o ventre e, por causa da excessiva humidificação dos corpos, grassam as
febres com frequência -; as águas, também durante essa estação, sobem
mais do que é costume. Teofrasto pensava que a causa deste fenómeno era
que então sopravam os austros, que por sua natureza são húmidos e nevoei-
rentes 1949 • Aristóteles afirmava que a terra era obrigada pelo fogo que está
misturado nas suas entranhas a expelir vapores 1950 • Se é assim, nesse caso
convêm quer as estações em que este fogo é mais forte ou for menos com-
primido pela abundância de humidade, quer as estações em -que a terra não
fica completamente mirrada e ressequida. Quanto a mim aprovo para esse
efeito a estação da primavera nos lugares mais secos e a do Outono nos
mais sombrios.
Assim pois, com a esperança confirmada por estes indícios que disse-
mos, IniCiaremos a escavação.

CAPÍTULO V

Haverá escavações de duas espécies: uma será um poço em profundi-


dade, outra, uma mina em comprimento. Os que fazem um poço às vezes
correm perigo. Isso acontece ou por causa da exalação de um vapor nocivo,
ou por desmoronamento dos lados do poço. Entre os Antigos, os escravos
condenados por algum crime eram mandados para as minas de metais, onde
depressa morriam devido à pestilência do ar. São estes os nossos conselhos

1948
Cassiod., Var., III, 53.
1949
Theophr., Vent., II, 16-37.
1950
Arist., Mete., I, 3, 340 b 25.

639
Livro Décimo

contra os vapores. Movimentemos o ar com uma ventilação contínua, e use-


mos candeias acesas para que, se acaso o vapor for leve, seja consumido
pelas chamas, se mais pesado, nesse caso tenham os cavadores essa forma
de serem avisados para fugirem a tempo desse mal nocivo: com efeito, por
acção dos vapores pesados, a chama apaga-se. Se, porém, os vapores se tor-
narem mais pesados e persistirem, cava - dizem eles - de ambos os lados,
à direita e à esquerda, respiradouros pelos quais essa força maligna escape
livremente 195 1•
Contra o perigo de desmoronamento conduz a obra da seguinte forma.
Em primeiro lugar, no chão onde decidires escavar o poço, assenta uma
coroa de mármore ou de material muito sólido, tão grande como queres que
seja a amplitude do poço. Essa será a base da construção da obra 1952 • Sobre
ela constróis as paredes do poço, com três côvados 1953 de altura, e deixa
secar. Quando tiver secado, escava o interior do poço e tira o entulho que lá
houver. Sucederá que, quanto mais fores aprofundando a escavação, tanto
mais a estrutura construída penetra e tende para o fundo. Tu a seguir,
ampliando tanto a escavação como a estrutura, atingirás a profundidade que
quiseres. Há quem pretenda que a parede do poço seja construída sem arga-
massa, para não obstruir os veios 1954 • Outros mandam fazer uma parede tri-
pla, para que a água brote do fundo mais límpida.
Mas é muitíssimo importante o lugar onde escavas. Com efeito, visto
que a terra tem camadas diferentes umas das outras, sucede que às vezes as
águas das chuvas estão armazenadas logo na primeira camada mais densa,
por debaixo da terra que se foi amontoando. Desprezaremos essa água, por-
que é impura. Pelo contrário, às vezes sucede que, continuando a escavar
mais fundo depois de encontrar água, ela desaparece e perde-se de vista.
Isso acontece porque se furou o fundo do recipiente em que estava armaze-
nada. Por tal motivo, agradam-me muito aqueles que terminam o poço com
uma construção como a que se segue. Como se fossem fazer uma pipa,
guarnecem o interior do poço escavado com aros de madeira e com tábuas,
com uma dupla couraça de protecção, de tal modo que entre uma e outra
medeia o espaço de um côvado 1955 ; e nesse intervalo que fica entre as duas
couraças, despejam uma massa de cascalho grosso, ou melhor, de pedaços

195 1
Vitrúvio, VIII, 6, 13, e Plin., Nat., XXXI, 49.
1952
Vitrúvio, VIII, 6, 14-15.
1953
Equivalente a 1,33 m.
1954
Vitrúvio (VIII, 6, 13) recomenda que a parede do poço seja revestida com assa struc-
tura , i.e. com pedra seca, sem argamassa.
1955
Equivalente a 44,32 cm.

640
O Restauro de Obras

de sílex ou de mármore, misturados com cimento; e deixam que entre estas


formas de protecção, a obra seque e endureça. Esta obra desempenha o
papel e a função de um recipiente intacto, de cujo fundo e não de outro
lugar flua uma água muito leve e pura.
Se fizeres uma mina, observar-se-ão as mesmas medidas, que mencio-
námos, de protecção aos cavadores contra os vapores. Para que nada lhes
caia sobre a cabeça, reforce-se a mina com estacaria e abóbada. Mas ao
longo da mina abram-se respiradouros, uns na vertical, outros em oblíquo,
não apenas para impedirem os vapores nocivos, mas sobretudo para haver
saídas mais fáceis para retirar e escoar o entulho da obra -que for sendo cor-
tado e arrancado.
Se, à medida que procuram água, não se proporcionarem torrões mais
húmidos e as suas ferramentas não penetrarem com mais facilidade, será
defraudada a esperança de encontrar água.

CAPÍTULO VI

Encontradas as águas, gostaria que não se pusessem sem critério ao dis-


por das pessoas; mas visto que na cidade se deseja água em abundância não
só para beber, mas também para lavar, como para os jardins, os correeiros,
os pisoeiros, os esgotos, e também para que abunde em grande quantidade,
sobretudo em casos súbitos de incêndio, a melhor de todas deve ser selec-
cionada para beber; as restantes, por sua vez, serão atribuídas como convier
a cada utilização.
Teofrasto afirmava que a água quanto mais fria for tanto melhor é para
as plantas 1956 • Além disso, a água barrenta e turva, sobretudo a que escorre
de um terreno fértil, consta que toma um campo mais vigoroso. Os cavalos
não gostam de águas muito puras, engordam com as limosas e as mornas.
Os pisoeiros apreciam as águas mais em bruto. Nos médicos encontro o
seguinte: que é dupla a necessidade de água para cGnServar a vida dos mor-
tais; a primeira, para saciar a sede, a segunda para conduzir para as veias,
como se fosse um veículo, os alimentos que se tomam enquanto se come, a
fim de que, a seguir, seja levado para os membros um suco depurado e
cozido. E dizem que a sede é uma espécie de apetite de líquido, principal-

1956
Theophr., H. P , II, 6, 1.

641
Livro Décimo

mente frio . E pensam que as águas frias, sobretudo depois das refeições,
revigoram o estômago de quem passa bem de saúde; porém, um pouco mais
geladas, provocam indisposição mesmo nos mais fortes, batem com força
nas vísceras, abalam os nervos e com a sua crueza extinguem a capacidade
de digerir.
O rio Oxo - diz <···> - é insalubérrimo para beber, porque está sempre
turvo 1957 • Apoderam-se dos habitantes de Roma umas febres graves, provo-
cadas tanto pela instabilidade do bar, como pelos vapores nocturnos do rio,
e ainda pelos ventos pós-meridianos: estes, à nona hora do dia 1958 quando os
corpos mais fervem de calor, sopram gelados e contraem as veias. Mas em
minha opinião não só as febres, senão ainda quase todas as doenças malig-
nas provêm das águas do Tibre que todos bebem quase sempre turvas. E é
por isso que os médicos antigos aconselham que usemos vinagre de cebola
albarrã 1959 para curar as febres romanas. Volto ao assunto.
Investiguemos qual é a melhor água. Em relação às águas Celso, o
médico, estabeleceu o seguinte: a água mais leve é a pluvial, em segundo
lugar a da fonte, em terceiro a da ribeira, em quarto a do poço, por fim
aquela que se liquefaz a partir da neve ou do gelo; destas a mais pesada é
a que provém do lago; mas a pior de todas é a do pântano 1960 • No sopé do
monte Argo, a cidade de Mazara abunda em águas, aliás boas, mas no Verão
são insalubres e pestilentas, porque não têm para onde correr 196 1•
Todos os peritos estão de acordo em dizer que a água é por sua natu-
reza um corpo impermisto e simples, ao qual é inerente a frialdade e a
humidade. Por isso, diremos que a melhor água é aquela que em nada é
alheia e desviada da sua natureza. Por tal motivo, se não for isenta de toda
a mistura de placidez e de toda a deficiência no sabor ou no cheiro, sem
dúvida alguma será muito prejudicial à saúde, obstruindo todas as vias inte-
riores de arejamento, como dizem, entupindo as veias, e bloqueando e sufo-
cando os sopros, ministros da vida. É por isso que dizem que a chuva, uma
vez que. é formada por tenuíssimos vapores condensados, é justamente a
melhor de todas as águas, contanto que não tenha o defeito de apodrecer
facilmente, quando armazenada, e de adquirir mau cheiro, e de, tomando-se

1957
Plut., A/ex., 57, 5-7.
1958
Isto é, às 3 da tarde.
1959
A cebola albarrã é uma planta nativa das costas mediterrâneas utilizada para fins medi-
cinais. Cf. Plin., Nat., XX, 97.
1960
Ce/s., 11, 18.
196 1
Ver Livro X, cap. 1.

642
O Restauro de Obras

mais gorda, provocar pnsao de ventre. Disseram que isso acontece porque
são absorvidas das nuvens e estas se formam a partir de águas muito dife-
rentes e diversas, reunidas numa só mistura, como é o caso da água do mar,
no qual conflui todo o género de nascentes; e nada se pode encontrar tão
apto e propenso à corrupção como a mistura confusa de elementos disseme-
lhantes. O sumo de várias espécies de uvas misturado num só é incapaz de
envelhecimento." Entre os Judeus existiu uma lei muito antiga, que proibia
que se semeassem sementes que não fossem escolhidas e simples, indicando
que a natureza domina totalmente a mistura de elementos dissemelhantes 1962 .
São de opinião diferente aqueles que concordam com Aristóteles e pensam
que os vapores absorvidos da terra se condensam primeiro, por acção do
frio , numa espécie de cerração, numa zona da atmosfera que é gélida, e
depois chovem sob forma de gotas 1963 •
Teofrasto dizia que as árvores de cultivo apanhavam doenças mais
depressa que as selvagens: estas, enrijecidas por uma dureza indomável,
resistiam mais tenazmente aos ataques fortuitos; aquelas, porém, devido à
sua brandura revelavam-se mais incapazes de resistir por terem sido domes-
ticadas pela disciplina a obedecer 1964 • Eles pensam que o mesmo se passa
com as águas: quanto mais brandas as tomares, tanto mais passíveis ficam,
para usar as suas palavras. E afirmam que daí vem que essas águas, fervidas
e domesticadas pelo lume, arrefecem muito mais depressa e de novo fervem
muito mais depressa. Mas quanto à água da chuva, basta.
Não há ninguém que não aprove que a mais próxima da água da chuva
é a das nascentes. Mas os que preferem os rios às nascentes replicam assim:
que outra coisa diremos que é um rio, senão a exuberância e a confluência
de várias nascentes num só conjunto e num só leito amadurecido pelo sol,
pelo movimento e pelos ventos? Argumentam que um poço também é uma
nascente mas mais profunda. Mas, se não negarmos que os raios do sol têm
alguma influência nas águas, toma-se evidente qual da água destas nascentes
é a mais crua; a não ser, porventura, que aceitemos que nas entranhas da
terra se movimenta um sopro ígneo que aquece as águas subterrâneas. As
águas dos poços - diz Aristóteles - ficam tépidas no Verão depois do meio-
-dia 1965 • Há quem assevere que as águas dos poços no Verão são frescas,
mas parecem geladas por comparação com o ar quente. Portanto, contra a

1962
Cf. Lev. 19: 19.
1963
Arist., Mete., I, 9, 346 b 20-347 a 12.
1964
Theophr., H. P , III, 2, l.
1965
Arist., [Pr. ], XXIV, 2.

643
Livro DéCimo

opinião inveterada de muitos pode-se fazer a experiência de que as águas


tiradas do poço há pouquíssimo tempo não deixem humidade se o recipiente
com que foram tiradas for um vidro bem limpo e não besuntado por qual-
quer sujidade.
Mas, embora de entre os primeiros princípios, que constituem todas as
coisas, se diga, segundo a doutrina dos pitagóricos, que principalmente dois,
o calor e o frio, são machos, e embora a natureza e propriedade. do calor
seja penetrar, dissolver, quebrar, arrebatar para si o líquido e alimentar-se
dele, ao passo que é próprio do frio, comprimir, apertar, reduzir à dureza e
dar forma - todavia de ambos procede de certo modo, sobretudo nas águas,
um efeito quase igual, se forem excessivos e mais assíduos do que o nor-
mal: com efeito, ambos provocam desgastes quase iguais das partes mais
frágeis, do que resulta o seco das queimaduras. Daí vem que digamos que as
árvores são queimadas pelo calor e também que as mesmas são queimadas
pelo frio. Isso de facto porque, uma vez corroídas e consumidas pelo gelo
ou pelo sol as partes mais moles, o que vemos é madeira áspera e resse-
quida abandonada. Assim, da mesma forma, as águas tomam-se com o sol
viscosas, com o gelo encinzadas.
Mas, entre as águas aprovadas, há ainda outra diferença. Na verdade, é
muito importante, em relação às águas provenientes do céu, saber em que
estação do ano, em que hora do dia, em que chuvas, com que vento, as
recolheste, e também em que lugar as armazenaste e há quanto tempo estão ·
armazenadas. Julgam que as águas provenientes do céu depois do solstício
de Inverno são mais amargas. Afirmam que a água recolhida durante o
Inverno é mais doce do que aquela que se recolhe no Verão. As primeiras
chuvas depois da canícula são amargas e pestilentas: de facto, são impregna-
das por uma mistura de terra queimada. E dizem que a terra sabe a amargo,
precisamente porque foi queimada pelo sol. É por isso que preferem a água
que se recolhe nos telhados do que a do chão e consideram que não é insa-
lubre outra que se recolhe nos telhados depois de lavados pela primeira
chuva.
Os médicos que escreveram em língua púnica 1966 afirmam o seguinte: a
chuva que cair durante o Verão acompanhada de trovões é impura e nociva
por ser salsuginosa. Teofrasto considera que a chuva nocturna é melhor do

1966
Alberti refere-se, sem dúvida, a Avicena (980-1037), e a outros médicos que escreveram
em árabe. Língua púnica ou cartaginesa, falada numa parte do Norte de África na Anti-
guidade, é pois a língua árabe falada em toda a África Setentrional no tempo de Alberti
e, por sinédoque, a língua árabe em geral. (Nota do Tradutor).

644
O Restauro de Obras

que as diurnas 1967 • Destas consideram mais salubre a que cair quando sopra
o Aquilão 1968 • Columela diz que a água pluvial não será muito má se for
conduzida por canais de barro para uma cisterna coberta: a céu aberto e ao
sol, facilmente apodrece 1969 • Conservada em recipiente de madeira está
sujeita a estragar-se.
As ágüas das nascentes também diferem entre si. Hipócrates conside-
rava as melhores de todas aquelas que jorram no sopé dos montes 1970 • Além
disso, os Antigos classificavam as nascentes. De tal maneira que considera-
vam em primeiro lugar entre as melhores aquela que estiver voltada a norte
ou ao nascente equinocial; em último lugar, porém, a nascente voltada a sul;
próximas das melhores consideram aquelas que estejam voltadas ao nascer
do sol no Inverno; e nem sempre desprezam totalmente as que estão volta-
das a poente.
Um lugar habitualmente molhado de orvalho abundante e levíssimo dará
águas muito suaves. Com efeito, o orvalho não se espalha senão em lugares
tranquilos, limpos e de àr temperado. Teofrasto pensava que a água estava
impregnada de terra da mesma maneira que nos frutos a seiva da videira e
das árvores, os quais sabem todos à terra que sugaram e às que estiverem
junto às suas raízes 1971• Os Antigos disseram que havia tantas qualidades de
vinhos quantas são as glebas da terra onde está plantada a videira. Os
vinhos de Pádua - dizia Plínio - sabem ao salgueiro com que eles casavam
as videiras 1972 • Para purgar o ventre sem perigo, Catão ensina a tratar as
videiras com heléboro, lançando molhos dessa erva junto das raízes quando
se faz a ablaqueação 1973 • É por isso que julgam que se devem preferir as
águas que irrompem de uma rocha viva às que borbotam de uma terra lama-
centa. Mas consideram que são superiores a todas, as águas que brotam de
uma terra que, se a deitares numa bacia e á amassares com água, para fazer
lama, abrandando o movimento, de imediato fica consistente e não deixa a
água com cor, sabor e cheiro de algum modo impuro. Pela mesma razão
Columela considerava as melhores águas as que se preCipitam através dos

1967
Theophr. , C. P, II, 2, 4.
1968
Vento de nordeste.
1969
Col. , Rust., I, 5, 2.
1970
Hippoc., Aer., VII, 10.
1971
Cf. Vitrúvio, VIII, 3, 26; Theophr. , H P, IX, 4.
1
m Plin., Nat., XIV, 110.
1973
O he1éboro é uma planta nativa da Europa, Mediterrâneo e Ásia, altamente tóxica,
usada antigamente em veterinária e, supostamente, para curar doenças mentais. Cat.,
Agr. , 114, 1-2.

645
Livro Décimo

rochedos porque não se deixam impregnar de nenhuma mistura de elemen-


tos adventícios 1974 •
Mas nem toda a água que corra através de rochedos é de tal qualidade
que mereça a minha incondicional aprovação. Com efeito, se correr por um
leito escuro e com margens muito sombrias e altas, encruece; se, pelo con-
trário, corre por um leito aberto, então facilmente dou o meu assentimento a
Aristóteles: uma vez consumida a parte mais leve pelo calor do sol, a água
toma-se mais densa.
Os escritores preferem o Nilo a todos os rios pelos motivos seguintes:
em primeiro lugar porque desce por um curso longo e porque atravessa ter-
renos puríssimos e não impregnados de nenhum dos males da podridão ou
infectados pelo contágio de algum suco nocivo, ou porque se dirige para
norte, ou porque corre em leito cheio e limpo. As águas que vão por um
curso mais longo e mais lento, não se deve negar que se tomam menos
cruas devido ao movimento, mais subtis devido ao cansaço e por isso bem
purificadas, tendo largado durante o percurso a sua carga de sujidade.
Além disso, os Antigos foram unânimes em concordar com o seguinte:
que a água não é apenas da mesma qualidade que a terra, como ainda agora
dizíamos, onde estava depositada como no útero matemo, mas também se
toma da mesma qualidade do solo por onde corre e também da qualidade do
suco das ervas que regar; não tanto porque as banha fluindo, como princi-
palmente porque mistura a si os suores dessa terra em que medra erva pes-
tilenta. Daí dizerem que as ervas degeneradas produzem águas sem dúvida
alguma insalubres. Sentirás às vezes que a chuva cheira mal e que acaso é
amarga. Dizem que isso acontece por contágio do lugar de onde esse suor
antes se evaporou. Afirmam também que o suco terrestre, onde é digerido e
amadurecido pela natureza, toma doces todas as coisas, e que, pelo contrá-
rio, onde não é digerido, toma amargo tudo aquilo a que se mistura.
Acaso dirás que as águas que correm para norte são melhores porque
são mais frias: com efeito, fogem precipitadamente dos raios do sol e antes
são iluminadas do que abrasadas por ele. Ao contrário são as que se dirigem
para sul: de facto, essas por si mesmas atiram-se como que para dentro das
chamas. Dizia Aristóteles que o sopro ígneo, misturado pela natureza nos
corpos, é repelido pelo vento Bóreas 1975, porque é gelado, e recolhe-se para
dentro para não desaparecer, com o que as águas se tomam mais cozidas; e
consta que esse mesmo sopro é dissipado pela chama do sol.

1974
Columela (Rust., 1, 5, 2) afirma, no entanto, que a água da chuva é a mais saudável.
1975
Vento de norte.

646
O Restauro de Obras

Dizia Sérvio, seguindo a opinião dos peritos, que os poços e as nascen-


tes de águas não emitem vapor debaixo de coberturas 1976• Isso sucede porque
essa exalação ténue quando é largada não consegue romper, atravessar e
remover o ar denso e pesado contido entre a parede e a cobertura; ao ar
livre e desimpedido sopra mais fluidamente, e dissolve-se e purifica-se como
a respiração. É por isso que aprovam um poço ao ar livre, mas não um
coberto por um edificio. Nos restantes aspectos requer-se nos poços quase
tudo que se exige nas nascentes.
O poço e a nascente têm afinidades de parentesco e em nada diferem
excepto no movimento do fluxo. Todavia, encontrarás com frequência poços
cujos veios se movem com um largo fluxo; e afirmam que não pode haver
águas completamente isentas de movimento: água parada, seja onde for, é
insalubre. Mas se em cada hora se tirar muita água de um poço, este tomar-
-se-á precisamente por isso como uma nascente subterrânea. Pelo contrário,
se a nascente não extravasar, mas se mantiver quieta, essa será mais um
poço pouco profundo do que uma nascente. Há quem considere que não há
águas nenhumas, contínuas e perenes, como dizem, que não se movam para
o fluxo da corrente de água mais próxima. Aprovo plenamente.
Para os jurisconsultos a diferença entre um lago e um pântano está em
que o lago tem águas perenes, ao passo que o pântano águas transitórias e
acumuladas durante o Inverno 1977 • Há lagos de três espécies: um, de facto ,
estático, por assim dizer, o qual, contentando-se com as suas águas, se con-
tém dentro dos seus limites, nunca extravasa; outro, progenitor de um rio,
vaza as suas águas; um terceiro, que recebe as águas que lhe vêm de outro
lugar e as deixa sair através de uma ribeira. O primeiro parece-se com um
pântano; o segundo é muito semelhante a uma nascente; o terceiro, se estou
certo, é um rio alargado nesse lugar. Portanto, não é necessário repetir
aquilo que dissemos sobre a nascente e o rio 1978 •
Deve acrescentar-se o seguinte: as águas, qualquer que seja a sua quali-
dade, cobertas por uma ·sombra, são mais frias e mais claras, mas mais cruas
do que aquelas que o sol ilumina; pelo contrário, as mais cozidas pelo sol
tomam-se salinosas e viscosas. Em ambos os casos, a sua profundidade é
útil para suportar, sem incómodo, num lado os calores ardentes, no outro os
frios intensos.

1976
Serv. , A., VII, v. 84.
1977
Ulp., XLIII, 14, 3-4; Var., L., V, 25.
1978
Ver Livro X, cap. 2.

647
Livro Décimo

Finalmente consideram que nem sempre um pântano deve ser abomi-


nado de todos os pontos de vista. Com efeito, onde abundam as enguias
acham que há águas não totalmente inutilizáveis. Dizem que é péssima a
água dos pântanos que alimentar sanguessugas, que estagnar com uma pelí-
cula sobre a superfície, que provocar náusea com o mau cheiro, que tiver
uma cor baça ou esverdeada, que durante muito tempo conserva a conden-
sação no recipiente, que se tome viscosa, peganhenta e pesada, que demore
a secar quando lavas as mãos. .
Mas, para resumir sumariamente o que foi dito acerca das aguas, é pre-
ciso que a água seja levíssima, límpida, fina, transparente. A estas qualida-
des deve acrescentar-se o que afloramos no livro primeiro 1979 • Além disso, se
durante alguns meses deres de beber ao gado e o lavares com a água que
dissemos ser melhor que as outras, terás ocasião de avenguar qual está de
boa saúde nos membros e em toda a compleição do corpo, .e, pelo estado do
fígado, ficarás a saber se está bem. Com efeito, tudo o que lesa, dizem que
lesa com o tempo; ·e podem sem dúvida lesar mais gravemente os males que
se sentem mais tardiamente.

CAPÍTULO VII
Finalmente, depois de encontrada e aprovada a água, deve-se prover a
que seja transportada da maneira mais adequada e posta a uso da forma
mais conveniente que é possível. Há duas maneiras de transportar a água: ou
se desvia por •uma ,conduta, ou se força por meio de canos. Em ambos os
casos a água não se moverá a não ser que o lugar para onde é levada seja
mais baixo do que o ponto de onde iniciou o movimento. Mas há uma dife-
rença: a água desviada por condutas tem de descer de forma contínua, ao
passo que a que é metida nos' canos pode subir um pouco em alguma parte
do percurso. É disso que devemos falar. Portanto é necessário referir antes
alguns aspectos a propósito desta matéria.
Os que investigaram estes aspectos dizem que a terra é esférica, embora
numa grande parte, eriçada de montes e também numa parte grande reves-
tida de mar; mas, num globo de tal grandeza, mal se sente a aspereza e
passa-se o mesmo que num ovo que, embora sendo áspero, todavia não se
notam as suas saliências pequeníssimas em relação à grandeza do seu con-

1979
Ver Livro I, cap. 4.

648
O Restauro de Obras

tomo; e consta de facto que o círculo maxtmo da terra mede <:··> está-
dios 1980 ; e não se encontra nenhum monte tão alto nem uma água tão pro-
funda, cuja perpendicular exceda quinze mil côvados 198 1 - nem mesmo o
Cáucaso 1982 , cujo cimo é iluminado pelo sol até à terceira hora da noite 1983 •
Situa-se na Arcádia o monte mais alto de todos, o Cileno 1984 : os que medi-
ram a sua perpendicular asseguram que não excede _vinte estádios 1985 •
E acham que o mar deve ser considerado como um borrifo semelhante ao
orvalho estival num fruto 1986 •
Há quem diga por graça que o criador do mundo se serviu da cavidade
do mar como de um selo quando no princípio formou os montes. A isto
acrescentam os· geómetras um aspecto que vem notavelmente a propósito da
nossa questão: que uma linha recta tangente ao globo terrestre, se a partir do
ponto de tangência .for prolongada em comprimento mil passos 1987 , será tal
que a distância que há entre essa linha e o círculo máximo da terra não
excederá dez dedos 1988 ; por tal motivo a água não se move na conduta, mas
fica estagnada, se de oito em oito estádios 1989 a conduta não tiver o fundo
mais abaixo um pé 1990 completo do que o lugar de onde for feito o corte na

1980
Vitrúvio (1, 6, 9) refere o resultado dos cálculos de Eratóstenes de Cirene, feitos por
métodos geométricos, como sendo de duzentos e cinquenta e dois mil estádios, isto é,
próximo da estimativa actual de 40 075 km. Portoghesi (1966, p. 918, n. 1) informa que
foi encontrado um códice com aquele valor, mas que não foi incluído no texto por se
suspeitar ter sido aposto posteriormente à sua feitura, dado que estava escrito em nume-
ração árabe.
198 1
Equivalente a 6,65 km.
1982
Na cordilheira do Cáucaso, localizada entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, situa-se o
Monte Elbrus, com cerca de 5,64 km de altitude, a montanha mais alta da Europa, à
qual provavelmente Alberti se refere.
1983
Arist., Mete., I, 13, 350 a 33.
1984
Actualmente monte Killini, situado a oeste de Corinto e localizado na parte central do
Peloponeso.
1985
Equivalente a 3,69 km.
1986
Alberti, ao rematar o tratado, intensifica o uso de metáforas literárias para tomar o
texto, que se centra em questões técnicas de hidráulica e de restauro de obras, mais per-
suasivo.
1987
Equivalente a 1,48 km.
1988
Equivalente a 18,5 cm. Cf. os Ex ludis rerum mathematicarum, ou jogos matemáticos,
onde Alberti (2002, pp. 58-59) apresenta um método geométrico para nivelar e regula-
rizar os cursos de água.
1989
Equivalente a 1,48 km.
1990
Equivalente a 29,6 cm.

649
Livro Décimo

margem 199 1 (lugar este que os jurisconsultos chamam incile 1992 , assim cha-
mado a partir da incisão 1993 da pedra ou da terra, que se faz para desviar a
água). Se, porém, nesse espaço de oito estádios 1994 a conduta se inclinar
mais de seis pés 1995 , consideram que o curso de água, devido à sua rapidez,
se toma dificil para os navios 1996 •
Para discernir se, a partir da sanja, o fundo da conduta escavada para
servir de canal de derivação está mais baixo e qual é a sua inclinação na
descida, foram inventados instrumentos e uma técnica extremamente útil. Os
operários, desconhecedores dessa técnica, sabem-no por experiência usando
uma bola que colocam dentro do canal: se esta rolar, consideram que o
espaço estará inclinado quanto basta. Os instrumentos dos peritos são o
nível, o esquadro e outros semelhantes que são formados por um ângulo
recto. Esta é uma técnica pouco comum; mas nós explicá-la-emos apenas na
medida em que se aplica à prática. Faz-se com o olhar e uma mira; nós a
ambos chamamos~lhes pontos.
Se no lugar por onde a água deve ser levada a planície for rasa, haverá
duas formas de dirigir o olhar. Com efeito, colocar-se-á uma espécie de mar-
cos e de limites, a pequenos intervalos ou a espaços mais longos entre si.
Quanto mais próximos forem os pontos extremos do intervalo, tanto menos
a direcção do olhar se afastará da curvatura da terra; e quanto mais distan-
tes forem os intervalos, tanto mais se achará que a curvatura da terra e o
solo estão em declive em relação à linha horizontal do nível. Far-se-á com
que por cada mil passos 1997 o desnível seja de dez dedos 1998 •

1991
Para a embocadura da conduta.
1992
Em português sanja, i.e. abertura ou dreno para escoar águas. Cf. Ulp., XLIII, 21, 5.
1993
Com esta explicação, Alberti pretende fazer derivar incile do verbo incido que em latim
significa cortar.
1994
Equivalente a 1,48 km.
1995
Equivalente a 1,78 m.
1996
Alberti propõe que a inclinação das condutas varie entre um a seis pés por oito está-
dios, equivalente a 0,20 e a 1,2 m por km, enquanto Vitrúvio (VIII, 6, 1) recomenda
um valor não menor do que um quarto de dedo por cem pés, o que corresponde a
0,2 m por km ou, noutra interpretação dos antigos manuscritos do De architectura, de
meio pé por cada cem pés, correspondente a 5 m por km. Em qualquer dos casos, a
indicação de Alberti é mais precisa e conservadora, quando comparada com os resul-
tados sugeridos por Vitrúvio (cf. Callebat, 1973, pp. 27 e 146-147, in Vitrúvio, VIII,
6, 1).
1997
Equivalente a 1,48 km.
1998
Equivalente a 18,5 cm.

650
O Restauro de Obras

Método para estimar alturas em planície rasa.

Se, porém, a planície não for rasa, mas no meio houver uma elevação
do terreno, ainda aqui haverá duas formas: uma, consiste em determinar a
altura do lado da sanja, a outra em determinar a mesma altura do lado do
emissário. Chamo emissário ao local destinado ao uso, aonde se quer que a
água chegue, para daí sair livremente ou para determinados usos. Aí as altu-
ras determinam-se espaçando os degraus das medições. Digo aqui degraus,
por semelhança com os degraus pelos quais subimos ao templo 1999 • Uma das
suas linhas é o raio produzido pela vista de quem olha para uma altura igual
à da vista- isso faz-se com a ajuda de um nível e também de esquadros -;
a outra linha é a que cai perpendicularmente da vista do medidor quando
esta olha para os seus pés. Em tais degraus regista a partir da perpendicular
qual das alturas é superior, se do lado em que sobes para o vértice da sanja
ou se, pelo contrário, do lado do emissário 2000 •
A segunda forma consistirá em traçar uma linha da sanja até ao cume
da elevação que se ergue no meio e a partir daí traçar também uma linha em
direcção ao emissário e registar pelos métodos dos geómetras os ângulos
formados, que se correspondam entre si. Mas esta forma é ligeiramente mais
dificil de entender e não suficientemente segura de executar. Num grande
intervalo, um erro de ângulo, que seja cometido na vista do observador,
embora seja pequeno, tem todavia muitíssima influência no resultado.

1999
O "primeiro princípio" de Tales de Mileto é, assim, associado com os degraus do tem-
plo. Ver nota n.0 1887.
2000
Sobre o processo de medição das alturas vejam-se os Ex ludis rerum mathematicarum,
ou jogos matemáticos, onde Alberti (2002, pp. 31-36) descreve diversos métodos para
medir a altura de uma torre por meio de triangulações.

651
Livro Décimo

Mas com esta forma serão consentâneos .alguns procedimentos que,


como a seguir diremos, podemos utilizar muito oportunamente na determi-
nação das direcções se a água tiver de ser levada até a cidade, atrav.essando
um monte. Isso far-se-á da seguinte maneira.
No cume do monte, no lugar de onde · melhor se veja de um lado a
sanja, do outro emissário, desenharás no cpão aplanado um círculo com dez
pés de lado 2001 : este círculo chama-se horizonte. No centro do círculo fixa-se
uma estaca de tal modo que fique na vertical. Feito isto, o artífice responsá-
vel anda à volta pelo lado de fora do .círculo, procurando em que lugar a
linha de mira, dirigida para. o outro limite da conduta de água, encontra esse
mesmo limite e toca na base a estaca fixada no centro do círculo. Determi-
nado, portanto, e conhecido esse lugar no horizonte do círculo o artífice
assinalará esta linha de direcção que intersecta de ambos os lados a circun-
ferência do círculo traçado: Esta linha será, obviamente, o diâmetro do pró-
prio círculo, uma vez que, passando pelo centro, intersecta a circunferência
em dois pontos. Se esta mesma linha, prolongada em linha recta a partir dos
dois pontos de mira opostos, se dirigir de um lado para a sanja do outro
para o emissário, encontrar-se-á, com este traçado, o percurso em linha recta
da conduta de água; se porém essa mesma linha não se dirigir de um lado
para a sanja do outro para o emissário, mas o diâmetro que está voltado
para a sanja e o diâmetro que está voltado para o emissário s~ dirigirem
para direcções diferentes, então a partir da intersecção, feita ao centro junto
da estaca, tomar-se-á claro em que medida são diferentes entre . si essas
direcções. Nós servimo-nos esplendidamente da ajuda desse círculo para
registar e desenhar os mapas das cidades e das províncias, bem como para
fazer galerias subterrâneas. Mas disto falaremos em outro lugar 2002 •
Por conseguinte, qualquer que seja o canal por onde a água é levada,
quer em pouca quantidade para beber, quer em muita para uso da navega-
ção, usaremos os alinhamentos que até aqui descreverell)os. Mas os traba-
lhos de preparação de um canal não são os mesmos em maior abundância de
água que em menor. Nós aqui trataremos, como começámos, da água para
beber e depois, em seu lugar, da água para navegar.
A obra de um canal ou é de alvenaria ou de escavação. Há duas espé-
cies de canais: aqueles que passam por um campo raso e aqueles que atra-
vessam o interior de um monte. Em qualquer caso, onde se encontrar pedra,

200
I Equivalente a 2,96 m.
2002
Referência à Descriptio urbis Romae (pp. 173-183), Qem como aos Ex ludis rerum
mathematicarum (pp. 64-69).

652
O Restauro de Obras

ou tufo, ou barro mais denso, ou algo parecido, que não embeba a água, não
é necessária uma obra de construção; onde, porém, o fundo e os lados não
forem consistentes, nesse caso haverá uma construção de alvenaria. Se o
mesmo canal passar pelas entranhas da terra, então escavar...se-á pelos pro-
cessos que acima referimos. Nos túneis abrir-se-ão, de cem em cem pés 200\
poços de ventilação, e a escavação será consolidada por uma obra de alve-
naria, conforme a consistência do terreno exigir 2004 •

Métodos para estimar alturas com elevação do terreno.

Nos Marsos vimos poços no emissário do lago Fúcino construídos com


uma elegante obra de tijolo cozido, de uma profundidade incríveP005 • Na
cidade de Roma, no ano quatrocentos e quarenta e um da sua fundação, não

2003
Equivalente a 29,60 m.
2004 Vitrúvio (VIII, 6, 3) sugere que estes poços ou respiradouros devem estar afastados 120
pés (35,46 m).
2005 Referência ao emissário do Lago Albano. Cf. Suet., C/. , 20.

653
Livro Décimo

havia aquedutos de alvenaria 2006 ; depois disso, as coisas chegaram a tal


ponto que até rios suspensos foram trazidos. E dizem que nesse tempo
houve em Roma condutas em alvenaria <···>, com cujos caudais todas as
casas tinham água em abundância 2007 .
Mas a princípio começaram por construir condutas subterrâneas. O que
tinha as suas vantagens: com efeito, estando a obra oculta expunha-se menos
aos estragos; além disso, pelo facto de não estarem expostas às geadas nem
ao calor da canícula, forneciam águas melhores para consumo e mais fres-
cas; e também não eram facilmente interceptadas pelas incursões inimigas.
Depois, tendo em vista as delícias da vida, para terem água jorrando nas
fontes dos jardins e nos banhos, começaram a trazê-la em arcadas, uma
construção em alguns lugares com a altura de mais de cento e vinte pés 2008 ,
com uma extensão de sessenta mil passos 2009 . Isso tinha também as suas
vantagens: efectivamente, não só em outros lugares, mas principalmente no
Transtêvere, moíam o grão com água do aqueduto; quando os inimigos o
destruíram, trataram de fazer moinhos em barcos no rio Tibre 20 10 ; acrescente-
-se que a abundância de águas toma o aspecto e o ar da cidade mais puros
e mais limpos. Os arquitectos acrescentaram ainda coisas que contribuíam,
com a extraordinária graça de objectos em movimento, para os passatempos
dos cidadãos; com efeito, diante das saídas do emissário, umas estatuetas de
bronze que andavam à roda representavam os jogos e o cortejo do triunfo;
graças ao movimento da água ouviam-se também instrumentos musicais e a
concinidade de vozes muito sonoras e suaves 201 1•
Cobriam os canais de alvenaria com uma abóbada um pouco mais
grossa, para que o sol não amomasse a água e aplicavam no interior o
revestimento que mandámos usar nos pavimentos, com uma espessura não
inferior a seis dedos 201 2 •
As partes de um canal de alvenaria são as seguintes. Na sanja introduz-
-se uma comporta; a seguir dispõem-se reservatórios ao longo do percurso
do canal; onde se encontrar um terreno mais proeminente, escava-se uma

2006
Fron., Aq., 4, l.
2007
Frontino (Aq., 64, 2) regista nove aquedutos na cidade de Roma.
2008
Equivalente a 35,52 m.
2009
Equivalente a 88,65 km.
20 10
Este procedimento estava em uso no tempo de Alberti, dado que as cidades por onde
passa o Tibre, que nasce na Toscana, atravessa a Úmbria e o Lácio e desagua no Mar
Tirreno, estavam sujeitas às incursões inimigas.
2011
Cf. Vitrúvio, X, 8, 1-6.
2012
Equivalente a 11 ,1 cm. Ver Livro VI, cap. 1O.

654
O Restauro de Obras

galeria; no lugar mais afastado junto do emissano, acrescenta-se o cálix.


Estas partes são assim definidas por um jurisconsulto 201 3 • O canal é um lugar
escavado em toda a sua extensão; as comportas são a parte que se aplica à
sanja para desviar a água; os reservatórios são os depósitos que recebem a
água pública; a galeria é um lugar alçado nas margens, de cima do qual se
observa a água 20 14 ; o cálix é a parte extrema do canal onde a água é distri-
buída.
Todas estas partes devem ser construídas com paredes sólidas, e um
fundo muitíssimo estável e com um revestimento intacto e sem fugas. Nas
embocaduras da comporta colocar-se-á uma porta que possa excluir a cor-
rente mais turva quando se fecham os dois batentes, e permita, sem o impe-
dimento da água, reparar a obra à vontade se houver desmoronamento em
algum sítio. Na parte inferior aplicar-se-á um crivo de bronze, para que a
água, deixando para trás as folhas, os ramos e todo o entulho de corpos caí-
dos, corra mais límpida.
A cem pés 201 5 da comporta constrói um reservatório, e cem pés adiante
outro reservatório ou uma galeria com a largura de vinte pés 20 16 , o compri-
mento de trinta 2017 , e afundada no canal cerca de quinze pés 20 18 : isso de tal
modo que as misturas de terra arrancadas e arrastadas pelo ímpeto da cor-
rente, encontrando um lugar para repousar um pouco, de imediato se depo-
sitem, e introduzam no canal uma água mais purificada.
O cálix regulará o débito da água a distribuir, em função do ímpeto da
corrente e da posição do cano por onde sai. Com efeito, a água aumentará o
débito na medida em que for recolhida numa torrente longa e rápida ou na
medida em que for levada por um canal mais desimpedido e com uma pres-
são mais elevada; a morosidade da conduta faz perder o débito de distribui-
ção. O cano colocado na horizontal e em linha recta terá um débito regular;
descobriram que o cano por onde se faz sair a água se desgasta com a mic-
ção da água, por assim dizer, e nenhum género de metal resiste mais forte-
mente do que o ouro. Até aqui dissemos como se desvia a água por meio de
uma obra não só de escavação, mas também de alvenaria.

201 3
Ulp., XLIII, 21 , 3-5.
20 14
Ulp., XLIII, 21 , 3.
20 15
Equivalente a 29,60 m.
20 16
Equivalente a 5,92 m.
20 17
Equivalente a 8,88 m.
20 18
Equivalente a 4,44 m.

655
Livro Décimo

Além disso, a água poderá ser forçada a correr através de canos de


chumbo ou melhor de barro: com efeito os médicos garantem que os de
chumbo provocam lesões intestinais. O bronze terá o mesmo defeito. Os
peritos afirmam que aquilo que se bebe e se come é mais saboroso em reci-
piente de barro: declararam que sem dúvida a terra é o lugar natural de
repouso tanto da água como dos recursos que a terra produz. Os tubos de
madeira em algum tempo impregnam a água de urna cor e um sabor desa-
gradáveis. É conveniente que os tubos sejam muito resistentes. Os recipien-
tes de cobre provocam elefantíase 201 9, cancro, dor de fígado e de baço.
Num cano o diâmetro interior terá não menos de quatro vezes a espes-
sura da sua parede. Os tubos encaixam uns nos outros mediante juntas em
forma de cálice 2020 • Serão alisados com cal viva amassada com azeite e pro-
tegidos por uma construção muito sólida e consolidados com uma densa
acumulação de pesos, sobretudo onde passa por um espaço em curva, onde
desce mais baixo e volta a subir, ou onde as mudanças de direcção em curva
se tomam mais estreitas. De facto, devido ao peso da pressão da água e ao
volume e ímpeto da corrente, os canos facilmente seriam arrancados e des-
pedaçados. Para evitarem esse risco, os peritos utilizavam, sobretudo nos
joelhos, uma pedra viva, principalmente vermelha, perfurada para esse
efeito. Vimos mármores com mais de ~oze pés 2021 de comprimento, vazados
do cimo à base do trajecto por um buraco com a largura de um palmo; por
conjectura e pelos indícios da própria pedra compreendemos que fizeram
essa obra com um trado de cobre e areia.
Para evitar esse risco de arrancamento, retardarás a velocidade da água
com curvas, não em cotovelo, mas suavemente dobradas, de tal modo que
inflictam ora para a direita ora para a esquerda, ora subam ora desçam alter-
nadamente. A tudo isso se acrescentará que deve . haver pontos, com a fun-
ção de comporta e de reservatório, tanto para Clarificar a água como para
que, se algum defeito ocorrer, haja uni lugar acessível para o corrigir facil-
mente. Mas não se colocará um reservatório no percurso mais baixo de um
vale, nem onde a água seja forçada a subir sob pressão, mas pôr-se-á onde
o curso conserve uma uniformidade permanente 2022 •

20 19
Referência ao escorbuto, dado que a oxidação do cobre, que tanto pode ocorrer lenta-
mente a frio, como rapidamente a quente, anula as propriedades terapêuticas do ácido
ascórbico.
2020
Plin., Nat., XXXI, 31.
202 1
Equivalente a 3;55 m.
2022
Vitrúvio, VIII, 6, 7.

656
O Restauro de Obras

Mas se acaso a conduta deve ser levada de modo a atravessar um pân-


tano ou um lago, com pequeníssimo gasto far-se-á deste modo. Arranja
traves de azinheira e ao longo do comprimento d<t cada trave abrirás um
sulco largo e profundo à medida de um cano; e nesse sulco ajusta os canos,
alisa-os com cal e aii].arra-os com fios de cobre; depois disto, dispondo atra-
vés do lago jangadas em linha, une as traves umas às outras pelas respecti-
vas extremidades e liga-as do modo seguinte. Arranja tubos de chumbo
iguais às traves em espessura, com um comprimento tal que se dobrem com
muita facilidade onde for necessário. Encaixarás estes tubos (seja-me permi-
tido chamar-lhes assim) nos canos, e untarás as juntas com cal amassada
com azeite e amarrá-los-ás com fios de bronze; desta forma constrói e
estende a obra das traves suspensa das jangadas, até chegar de uma margem
à outra, colocando as suas extremidades em seco uma em cada margem.
Depois, onde o lago for mais profundo, deixa que nesse sítio a madeira das
traves, por ti preparada para os canos, desça com a ajuda de cordas para o
fundo suave e uniformemente, acompanhada do restante aparelho. Sucederá
então que a tubagem de chumbo se dobra quanto é necessánio, e a estrutura
das traves assenta perfeitamente no fundo do lago.
Por conseguinte, preparadas as condutas, no primeiro lançamento de
água nos canos, lançarás ao mesmo tempo cinza a fim de calafetar as juntas
se houver algumas insuficientemente seladas. Deixarás ir a água pouco a
pouco para evitar que, sendo lançada aos borbotões, deixe em cada golfada
entrar ar nas canalizações. É incrível a força da natureza quando este ar é
posto sob pressão e comprimido num espaço estreito. Encontro nos livros de
medicina que num homem os ossos da tíbia estalaram estrondosamente por
erupção do vapor armazenado. Os hidráulicos forçam as. águas a saltar acima
do recipiente, comprimindo o ar entre duas colunas de água.

CAPÍTULO VIII
Passo às cisternas. A cisterna é uma espécie de recipiente maior não
dissemelhante do reservatório. É, pois, indispensável que, no fundo e em
todos os seus lados, seja bem construída, sólida e estável. E também serão
duas as espécies de cisternas: uma em que a água sirva para beber, outra
para diferentes usos, por exemplo para os incêndios. Nós, seguindo um
velho hábito, chamaremos à primeira "a potável", assim como os Antigos
chamavam à baixela "a alimentícia"; à segunda, porém, que é preparada para

657
Livro Décimo

conter águas de qualquer espécie, e que vale pela sua capacidade, chamar-
-lhe-emos "a armazenária" 2023. É muito importante se uma cisterna "potável"
proporciona água pura ou impura. Em ambas as cisternas é necessário velar
por que a água seja correctamente recebida, correctamente armazenada e
correctamente distribuída.
Está à vista que a água é lançada na cisterna por condutas que a trazem
de um rio ou de uma nascente; e em toda a parte houve o costume de reco-
lher as chuvas das coberturas ou do pátio. Mas a mim agradou-me muito a
invenção de um arquitecto que, num penedo, vasto e liso, que se elevava rio
ponto mais alto de um monte, talhou uma cova circular com dez pés de pro-
fundidade 2024, a qual por uma espécie de cornija traçada em redor, recolhia
do vértice nu daquele monte toda a chuva que caía No lugar em baixo, no
sopé do monte, em chão plano, construiu uma cisterna "armazenária" com
tijolos e argamassa acessível de todos os lados, com a altura de trinta
pés 2025 , a largura de quarenta e o comprimento de quarenta 2026 ; e distribuía
pelos canos a água da chuva que recolhia nela por uma conduta subterrânea
vinda da cova lá de cima. Com efeito, essa cova estava situada num ponto
muito mais elevado do que a cobertura da cisterna "armazenária".
Se pavimentares a cisterna com cascalho ou areia pluvial graúda bem
lavada, por exemplo até à altura de três pés 2027, ela proporcionará água pura,
natural e fresca; quanto mais grosso for esse pavimento, tanto mais límpida
será a água.
Às vezes a água das cisternas escapa-se pelos interstícios de uma
"armazenária" mal construída e cheia de fendas. De facto, é muito dificil
conter a água dentro do cárcere das paredes, a não ser que a construção seja
muito sólida e sobretudo feita de pedra de boa qualidade. E antes de mais
convém que a obra esteja absolutamente seca antes de se encher de água:

2023
Note-se que escarius deriva de esca (comida, alimento), e por isso significa "alimentí-
cio, o que tem a ver com os alimentos", tanto o que se come, como a baixela em que
se serve. Assim, por analogia com argentum escarium (Ulp., XXXIV, 2, 19, 12), que
tem o significado de baixela de prata, Alberti forma os neologismos cisternam potoriam
(cisterna potável, isto é, de água para beber) e cisternam capaquiam (cisterna "armaze-
nária"), isto é, destinada a armazenar água de qualquer espécie, possivelmente derivada
por Alberti de càpax, que contém ou pode conter, que tem capacidade de armazenar,
que armazena.
2024
Equivalente a 2,96 m.
2o2s Equivalente a 8,88 m.
2026
Equivalente a 11 ,84 m.
2027
Equivalente a 88,6 cm.

658
O Restauro de Obras

com efeito, esta, com o seu peso, exerce pressão e evapora-se pelos pontos
húmidos e, encontrando poros, limpa-os gotejando por eles, até que acaba
por escorrer livremente como por tubos mais largos. Os nossos antepassados
para acudirem a este inconveniente, aplicavam várias camadas de argamassa
sobretudo nos ângulos das paredes, e com extremo cuidado revestiam a obra
com uma capa de estuque. Mas nada melhor para impedir aqui as fugas de
água do que a argila introduzida entre a parede da cisterna e o lado do
fosso, e muito adensada como uma pisa intensa. Nós ordenamos que numa
obra deste género se use argila sequíssima e reduzida a pó.
Há quem pense que, se obturares perfeitamente um recipiente de vidro
cheio de sal, usando para isso cal amassada em azeite, para que nem gota de
água penetre no recipiente, e o introduzires na cisterna de modo a ficar mer-
gulhado no meio das águas, sucederá que essas águas apodrecem sem
demora. Alguns acrescentam ainda prata viva. Julgam outros que se introdu-
zires um recipiente de barro, novo, cheio de vinagre forte, bem tapado, como
dissemos, rapidamente a água mucosa se renova. Dizem que a cisterna e o
poço se tomam mais limpos pondo lá peixes: de facto os peixes, segundo se
julga, comem e consomem o musgo da água e a humidade da terra.
Repete-se uma antiga máxima de Epígenes 2028 : a água que, uma vez
apodrecida 2029 , se purificar com o tempo e renovar, não voltará a apodrecer.
A água que começar a apodrecer, se for intensamente agitada e uma e outra
vez remexida e movimentada, perderá o mau cheiro. Consta que o mesmo
acontece ao vinho e também ao azeite. Tendo Moisés - diz Josefo - che-
gado a um lugar deserto, e não havendo mais nada senão um poço de água
amarga e suja, mandou tirar alguma; tendo um soldado executado a ordem,
remexendo a água e agitando-a, ela tomou-se potável 2030 • Há a certeza de
que as águas se purificam fervendo-as e destilando-as. As águas nitrosas 203 1
e amargas dizem que se suavizam misturando-lhes farinha de cevada, de
modo que se tomam bebíveis dentro de duas horas.
Mas, além disso, para que nas cisternas "potáveis" se propicie uma
água mais pura, será de lhes associar um poço fechado a toda a volta pela
sua própria parede, colocado em lugar conveniente, com um fundo mais

202
M Provavelmente trata-se de Epígenes de Rodes, autor de livros de agricultura, citado por
Varrão (R., lll, 1), Columela (Rust., I, 7, 9) e Séneca (Nat., I, 7, 3)
2029
Plínio-o-Antigo (Nat., XXXI, 34) apresenta septies e não semel, isto é, sete e não uma
vez. Cf. Portoghesi, 1966, p. 936, n. I.
2030
Joseph., A. 1. , III, 8.
2031
Cf. Vitrúvio, VIII, 3, 5, e Plin, Nat., XXXI, 59.

659
Livro Décimo

abaixo que o da cisterna. Este poço terá nos lados janelos fechados com
pedra porosa ou pedra-pomes, para que a água da cisterna não penetre nele,
a não ser depois de deixar para trás as misturas mais grossas e de estar bem
limpa. Perto de Tarragona em Espanha encontra-se púmice branco, cheio de
pequeníssimos poros, pelos quais a água sai gotejando limpíssima. Será tam-
bém filtrada se obstruíres o janelo por onde há-de passar, com um recipiente
atravessado todo ele por muitos orificios e depois enchido de areia fluvial, a
fim de que a água penetre através da areia finíssima. Em Bolonha possuem
um tufo arenáceo de cor fulva 2032, através do qual a água destila, levíssima,
gota a gota.
Há quem faça pão com água do mar, apesar de nada existir mais pro-
penso a provocar doenças do que ela: tão grande força têm as filtragens que
referimos para a tomar salubre. A água marinha - diz Solino - toma-se doce
se for filtrada por argila 2033 • E é certo que perde o sal, quando é filtrada uma
e outra vez por areia fina de uma torrente. Se tiveres um recipiente de barro
bem fechado imerso no mar, encher-se-á de água doce 2034 • E vem aqui a pro-
pósito o seguinte: a água ficará de imediato límpida se esfregares uma
amêndoa sobre o rebordo e a margem da água do recipiente onde puseram
água turva do rio Nilo. É suficiente o que foi dito.
Se algum dia as condutas de tubos começarem a ficar obstruídas com
lodo, introduz no tubo um bugalho ou uma bola feita de cortiça presa por
um fio ténue e muito comprido. Quando a água que corre pela conduta fizer
chegar a bola à sua extremidade inferior, a este fio ténue prende outro mais
resistente e depois uma corda de esparto. A seguir, puxando de um lado e do
outro a corda, serão varridas as coisas que provocavam o entupimento.

CAPÍTULO IX

Passamos agora às restantes questões. Dissemos que o alimento e o ves-


tuário são uma necessidade dos moradores. Será a agricultura a proporcioná-
-los 2035 • Não pertence ao nosso objectivo tratar das suas técnicas; no entanto,
vêm do arquitecto algumas soluções que são úteis ao agricultor. Por exem-

2032
Tipo de arenito com propriedades filtrantes.
2033
Trata-se de uma citação de Plínio-o-Antigo (Nat., XXXI, 70).
2034
Arist., Mete., II, 3, 359 a l-3, e S. H. A., VIII, 2, 590, a 27; Plin. , XXXI, 37.
2035
Ver Livro V, cap. 15.

660
O Restauro de Obras

plo, quando um campo, devido à sua aridez ou ao excesso de água e às


inundações, não é de modo algum apto para o cultivo. É bom tecer algumas
brevíssimas considerações sobre estes aspectos.
É assim que plantarás uma vinha num prado que seja húmido. Abrirás,
de nascente para poente, covas de linhas rectas e equidistantes, com a maior
fundura possível e a largura de nove pés 2036 , à distância de quinze pés 2037
entre elas; e acumularás nos intervalos a terra que tirares das covas de tal
modo que o declive da terra receba o sol do lado sul. Com estes montículos
feitos à mão a videira ficará mais protegida e será mais produtiva.
Pelo contrário, é assim que farás um prado numa colina que seja árida.
Na parte mais alta abrirás um fosso sobre o comprido, não de drenagem mas
de retenção da água 2038 , com as margens niveladas e iguais entre si. Para ela
desviarás a água das nascentes mais próximas. Esta água, transbordando dos
lados em corrente uniforme, regará o campo situado abaixo. No campo de
Verona, coberto de seixos arredondados e por isso escalvado e quase com-
pletamente estéril, em alguns lugares fizeram, graças a uma irrigação fre-
quente, com que se criasse uma camada de erva e crescesse um prado ferti-
líssimo.
Para que num paul cresça uma floresta, revolverás o campo com o
arado e extirparás pela raiz toda a erva; depois disso lança à terra bolota de
carvalho. Com esta sementeira, esse lugar encher-se-á de grande abundância
de plantas, que em grande parte absorverão a água em excesso. Além disso,
com o crescer das raízes e o acumular de folhas caducas e de ramos, o solo
eleva-se de dia para dia. Se também mandares para lá as águas lamacentas
das cheias para que assentem, criarás à superficie uma crosta. Mas sobre
estes aspectos falaremos em outro lugar.
Se, porém, uma região for atormentada por inundações como as que
vimos sofrer a Gália junto do rio Pó 2039 , e como são as de Veneza e outras,
é necessário reflectir sobre essa questão: as cheias devastam ou devido ao
excesso de água, ou ao seu movimento ou a ambas as coisas.
Junto do lago Fúcino, Cláudio perfurou um monte e desviou o excesso
de água para o rio Ripe 2040 • E, talvez também por esse motivo, M. Cúrio 2041

2036
Equivalente a 2,66 m.
2037
Equivalente a 4,44 m.
2038
Perpendicularmente ao declive.
2039
Isto é, a Gália Cisalpina.
2040
O rio chamava-se Líris, hoje Garigliano. Cf. Tac., Ann., XII, 56.
204 1
Mânio Cúrio Dentato foi cônsul e censor no séc. III d. C.

661
Livro Décimo

derivou o lago Velino a fim de que ele corresse para o rio Nare 2042 . E vemos
igualmente que o lago de Némi 2043 foi derivado, através de um monte perfu-
rado, para o lago de Laurente; e graças a isso ficaram livres das águas aque-
les amenos jardins e o pomar abaixo do lago do Némi. César decidiu fazer
muitos canais junto de llerda 204 \ para desviar uma parte do rio Sícoris 2045 •
O Erimanto 2046 , que os habitantes encurvaram com vários meandros para
regar o campo, consome-se de tal forma que, já sem nome, lança no mar o
resto da água 2047 . Ciro ramificou o Ganges fazendo numerosos canais; diz
Eutrópio 2048 que eram quatrocentos e sessenta; e ficou reduzido a tal exigui-
dade que se atravessava a pé enxuto. Junto do túmulo de Aliates 2049 em Sar-
des (que foi construído na maior parte pelas escravas) existe o lago
Coloo 2050 feito artificialmente para receber as cheias. Méris 205 1 escavou na
Mesopotâmia, acima da cidade de <···>, um lago com o perímetro de trezen-
tos e sessenta estádios 2052 , a profundidade de cinquenta côvados 2053 , a fim de
receber as águas do Nilo quando ele transbordasse mais violentamente 2054 •

2042
Ver Livro II, cap. 9. Cf. Cic., Att., 15, 5. O desvio do lago Velino para o rio Nare,
afluente do Tibre, hoje conhecido por Nera, foi realizado para sanear a planície palu-
dosa de Rieti.
2043
Ver Livro V, cap. 12, sobre as operações de recuperação de um dos navios afundados
neste lago em 1447, orientadas por Alberti.
2044
Cidade da Hispânia Terraconense, hoje Lérida.
2045
César (Civ., I, 61 , I) mandou fazer os canais para abrir uma passagem a vau no rio que
hoje é conhecido por Serge, um afluente do Ebro.
2046
Rio da Arcádia conhecido hoje por Diminiza.
2047
Curt., VIII, 9.
2048
Historiador da segunda metade do séc. IV d. C. que publicou um resumo da história de
Roma, o Breviarium ab urbe condita.
2049
Aliates: Rei lídio (c. 610-540 a. C.), pai de Creso e fundador do império lídio, cujo
túmulo assenta numa base de pedras e o resto é feito de terra amontoada (Hdt., I, 93).
205
° Conhecido por lago Giges, hoje Marmara Gõlü. Trata-se de um rio perene e não de um
lago artificial que se localiza a norte da necrópole onde se identificou o túmulo de Alia-
tes (cf. Strab., XIII, 4, 7).
205 1
Provavelmente Amenemhet III, faraó da XII dinastia do Egipto.
2052
Equivalente a 66,49 km.
2053
Equivalente a 22, 16 m.
2054
Frase indecifrável que, de acordo com a conjectura de Caye - Choay (2004, p. 501 , n.
135), é induzida por Heródoto (II, 149-150). Este afirma que o lago Méris se situa "no
interior das terras" (mesogaian) e daí Alberti ter referido a Mesopotâmia. No entanto,
de acordo com os comentários de Lloyd (1975, p. 134) ao Livro II de Heródoto, não
existem evidências literárias ou arqueológicas de que os trabalhos de engenharia da XII
dinastia estejam associados ao lago Méris, situado a 80 km do Cairo.

662
O Restauro de Obras

Nas margens do Eufrates, para ele não arrastar as casas da cidade, além dos
diques que o refreavam, acrescentaram ainda alguns lagos para receberem a
violência do rio. Acrescentaram-lhe também enseadas escavadas, de enorme
extensão, a fim de oporem, como um espécie de açude, as suas águas para-
das e tranquilas às águas sublevadas do rio 2055 .
Acabámos, pois, de falar das águas, dos casos onde são em excesso e,
em parte, onde são funestas. Se, porem, algum aspecto faltou a esta matéria,
falaremos dela a seguir quando tratarmos do rio e do mar.

CAPÍTULO X

Segue-se que os víveres que uma região não pode proporcionar aos seus
habitantes, devem ser recebidos de fora comodamente, na medida do possí-
vel. Para este fim contribuem os caminhos e as vias, que devem ser tais que
possam transportar os produtos necessários com a maior facilidade e como-
didade nas estações próprias.
Quanto aos caminhos - assunto que aflorámos em seu lugar - são dois
os seus géneros: o terrestre e o aquático 2056 . Para que uma via não seja
lamacenta nem danificada pelas carroças, é preciso, além dos aterros, de que
falámos em outro lugar, fazer com que apanhe muito sol, muito vento, e o
mínimo de sombra 2057 • Num bosque de Ravena, pelo facto de terem arran-
cado árvores, e alargado a via, e deixado entrar o sol, ela fez-se, já no nosso
tempo, de estragadíssima que estava, extremamente cómoda. O mesmo efeito
se pode ver debaixo das árvores que estão ao longo do caminho: aí o solo,
por causa da sombra, demora mais a secar, formando-se, devido ao atrito
dos cascos dos animais, poças que, recolhendo a chuva, estão sempre com
água e ampliam o seu tamanho.
As vias aquáticas são de duas espécies: uma, que se pode regular, como
um rio e um canal de água; a outra, que não se pode, como é o caso do
mar. E parece-me poder afirmar que nos rios há os mesmos defeitos que
num recipiente, onde acaso o fundo e os lados não sejam aptos, nem intac-
tos nem apropriados. Com efeito, sendo necessária uma enorme quantidade

2055
Heródoto (I, 185-186) assinala que estas obras foram feitas pela rainha Nitócris.
2056
Ver Livro IV, caps. 5, 7 e 8.
2057
Ver Livro IV, cap. 5.

663
Livro Décimo

de água para transportar os rravios, se ela não estiver contida por margens
firmes, irromperá e, devastando o campo, derramar-se-á a larga distância e
espalhar-se-á, de tal modo que perturbará o uso dos caminhos até mesmo
dos terrestres. Além disso se o fundo for muito oblíquo (quem duvida?) a
corrente que avança precipitadamente repelirá um navio que vai no sentido
contrário. Acrescente-se que, se houver alguma saliência ou escolho que se
eleve do fundo, impedirá a passagem. Quando transportaram o obelisco 2058
do Egipto para Roma, compreenderam que o Tibre é melhor que o Nilo para
a navegação: este sem dúvida espraia-se por um espaço amplo; aquele é
mais poderoso devido à sua grande profundidade 2059 . E para o transporte dos
navios não necessitamos mais da abundância das águas do que da sua pro-
fundidade; embora também a largura seja importante para este tipo de uso:
pois as águas ficam mais lentas devido às margens.
Sempre que o rio não tiver .um fundo estável, não terá também margens
minimamente sólidas. Quase todos os fundos são estáveis, excepto aquele
tipo que dissemos ser aprovado para as obras dos edifícios, isto é, aquele
que, devido à sua solidez, resiste ao próprio ferro 2060 ~ E será totalmente
móvel aquele que estiver assente em margens de argila, em terreno plano,
em solo de seixos redondos que rolam. Um rio que tenha margens instáveis,
terá também um leito rugoso e impedido pela acumulação de escombros ·e
troncos ou pedras, e pela massa de detritos que se atravessam no rio. Serão
totalmente instáveis e mutáveis a cada momento as margens formadas pelos
depósitos aluviais. Desta labilidade das margens resultam os fenómenos que
se contam acerca dos rios Menandro 206 1 e Eufrates: aquele, porque passa
pelo meio de um solo instável, cada dia faz numerosos meandros novos 2062 ;
o Eufrates muitíssimas vezes obstrui com os destroços das margens os
canais por onde é desviado 2063 .
A este tipo de defeitos das margens proviam os nossos antepassados,
em primeiro lugar, com a construção de diques. O modo de construir os
diques tem por referência os processos seguidos nas outras construções: é

2058
Ver Livro VI, cap. 6.
2059
Amm. Marc., XVII, 4.
2060
Ver Livro III, cap. 2.
2061
Rio da Ásia situado na Frígia, hoje Turquia, a sul de Izmir e a este da antiga cidade
Grega de Mileto.
2062
Plin. , Nat., V, 11 e Sol., 40, 8.
2063
Plin. , Nat., V, 84 e Sol., 37, 1.

664
O Restauro de Obras

importante a linha segundo a qual é traçado ou com que tipo de trabalho é


construído ou reforçado. Um dique que segue uma linha recta ao longo do
rio não será de facto espedaçado pela corrente das águas; mas um dique que
o rio encontra de través, se for fraco, será derrubado ou, se for baixo, será
submerso. O dique que aí não for derrubado, crescerá dia-a-dia a partir do
fundo : pois nesse ponto concentrará os sedimentos transportados e, acumu-
lando-os no leito, elevar-se-á como que para atingir altura suficiente e, aban-
donando aí as coisas que não consegue levar ou empurrar, desvia-se noutra
direcção. Se derrubar o dique devido à sua força e à sua massa, então usará
das propriedades a que já nos referimos 2064 , encherá os espaços vazios,
expulsará o ar, arrastará tudo o que se lhe opõe; mas, à medida que perde o
ímpeto da corrente e vai deslizando insensivelmente, depositará tudo aquilo
que é pesado e dificilmente se deixa levar. Daí resulta que, nos pontos de
ruptura dos diques, a inundação que se faz em direcção a um campo, deixa
uma camada alta de areia mais grossa, ao passo que a seguir se encontrará
um acrescento de terra, mais leve e mais lamacento. Se, porém, a cheia pas-
sar por cima do dique e o submergir, então o solo talado pelo ímpeto das
águas velozes será removido, e os pedaços arrancados serão levados pelo
fluxo. Todavia, se a corrente da água não for de encontro a um dique late-
ral nem a um transversal, mas a um curvado em função da inflexão do pró-
prio rio e da sua largura, exercerá pressão sobre ambas as margens e des-
truirá não menos aquela de onde provém do que aquela contra a qual
embate. De facto , um obstáculo encurvado tem as mesmas características
que um transversal; por isso suportará os mesmos embates que são maléfi-
cos para os transversais e será desgastado pelos mesmos desabridos refluxos,
que serão tanto mais violentos e nefastos quanto aí, por assim dizer, entra-
rem em ebulição os redemoinhos mais velozes e mais turbulentos. Os sorve-
douros e os redemoinhos das águas são o trado de uma corrente, e a ele não
há dureza que possa resistir durante muito tempo. Pode-se ver, não só em
relação às pontes, como elas estão assentes na parte inferior num leito
cavado e profundo, mas também em relação aos lugares de uma corrente de
água que são estreitados pelas margens, onde as águas se despenham de fau-
ces estreitas para espaços mais largos, como a água, caindo e derramando-
-se, devora e consome em redor tudo o que de margens ou de fundo encon-
tra. Ouso dizer que a Ponte de Adriano em Roma é a obra rriais resistente
de todas as que os homens construíram; todavia, as cheias levaram-me a

2064
Ver Livro X, cap. 3.

665
Livro Décimo

duvidar de que possa resistir durante muito mais tempo 2065 • Com efeito, os
troncos e os ramos, que a cheias arrancaram do campo, sobrecarregam de
maus tratos os pilares todos os anos e obstruem, em grande parte, as embo-
caduras dos arcos. Por tal motivo, sucede que as águas sobem e que, depois,
abruptos e nefastos turbilhões se precipitam do alto e confluem; por isso,
arruínam a popa dos pilares e abalam toda a obra 2066 . Sobre as margens, foi
dito até aqui.
Agora, acerca do fundo do rio. Na Mesopotâmia, Nitócris - escreve
Heródoto - retardou, por meio de um canal curvo e tortuoso, o curso exces-
sivamente veloz do Eufrates 2067 • Mas, além disso, acresce que o fundo se
conserva durante mais tempo onde a corrente for mais lenta. Isso é de certo
modo como se alguém desça de um monte íngreme, não pelo caminho mais
em declive, mas ora pela direita, ora pela esquerda. E que a velocidade
excessiva de um rio depende da inclinação do seu leito, é um facto bem
assente.
O curso de uma corrente de água demasiado veloz ou, pelo contrário,
preguiçosa, em ambos os casos é desvantajoso para a sua utilização: a pri-
meira abala as margens, a segunda facilmente se cobre de ervas e facilmente
se converte em gelo. Quem estreitar um rio, tomará porventura mais ele-
vado o nível das águas, e quem escavar o leito terá as águas mais fundas .
A técnica e o fim de escavar, de retirar os obstáculos e de limpar, são quase
os mesmos; disso falaremos a seguir 2068 • Mas a escavação será inútil se,
abaixo desse ponto em direcção ao mar, não se seguir um fundo igualmente
rebaixado de acordo com os mesmos cálculos do fluxo da corrente.

2065
Ver Livro VIII, cap. 6. A ponte de Adriano sobre o rio Tibre em Roma, conhecida
como ponte de Sant 'Angelo ou ponte Élio (Pons Aelius), foi concluída em 134 d. C.
(Cass. Dio, LXIX, 23). No tempo de Alberti, em 1450, verificou-se o seu colapso
devido ao grande influxo de peregrinos, bem como aos efeitos das cheias, o que sugere
que Alberti, por volta desta data, estava a concluir o manuscrito do De re aedificatoria.
2066
Ver Livro V, cap. 6.
2067
Heródoto (1, 185) relata que o povoado assírio de Ardericos chega, devido às sinuosi-
dades do Eufrates, a ser banhado em três pontos e quem se deslocava do Mediterrâneo
para a Babilónia, por aquele rio, gastava três dias a fazer a viagem.
2068
Ver Livro X, cap. 12.

666
O Restauro de Obras

CAPÍTULO XI

Passo aos canais. Deve-se pretender que não haja falta de águas em
abundância, ou que os usos, para os quais foi destinada, não tenham entra-
ves. Para que não falte água, há dois meios: o primeiro, que onde é desviada
corra abundantemente; o segundo, que uma vez recolhida se conserve
durante muito tempo. Desvia-se por meio de um canal segundo os processos
que acima foram ditos. Alcançaremos com empenho e diligência que não
seja dificultado o uso da água já trazida, porquanto será muitas vezes puri-
ficada e os detritos serão eliminados.
Mas dizem que um canal de água é um rio adormecido e são-lhe devi-
das todas as condições que se exigem para um rio e, antes de mais, a soli-
dez e consistência do fundo e das margens, para que não absorva as águas
que nele são lançadas ou as perca pelos interstícios. E convém que seja mais
profundo do que largo: isso não só tendo em conta a navegabilidade, como
ainda para que seja menos evaporado pelo sol; criará menos vegetação.
Foram dirigidos muitos canais do Eufrates para o Tigre, pelo facto de
aquele ter um leito mais elevado 2069 . A Gália, região de Itália situada no
curso inferior do rio Pó e do Ádige, é toda ela navegável através dos seus
canais: isso foi facilitado pela planície. Quando Ptolemeu navegava - diz
Diodoro - para fora do Nilo, abria um canal, que depois de navegar man-
dava fechar 2070 .
Os remédios para os defeitos dos canais serão estes: coacção, limpeza,
e comportas. Os rios são coagidos por meio de diques. Traça a linha do
dique de tal forma que aperte e estreite as margens, não de repente, mas
pouco a pouco. Quando houveres de dirigir um rio de desembocaduras aper-
tadas para baixios mais largos, deixa-o ir, não por um lanço abrupto, mas
por um canal alongado de tal modo que a seguir, espraiando as suas águas,
recupere a anterior largura, a fim de não provocar prejuízos, por causa do
desmando da liberdade repentina, com turbilhões e redemoinhos turbulentos.
O rio Mela confluía no Eufrates. Levado porventura pela ambição de
fama, o rei Ariárates 2071 obstruiu o rio e inundou toda a região. Não muito

2069
Arr. , Anab., VII, 7, 3.
2070
Trata-se de Ptolemeu II Filadelfo, rei do Egipto (285-246 a. C.), que uniu, sem solução
de continuidade e de forma segmentada, a foz do Nilo em Pelúsio ao golfo Arábico,
evitando assim que o Egipto fosse inundado. Cf. Diod. Sic., I, 33, 11.
2071
Ariárates, rei da Capadócia, descendente de Ciro, o Grande.

667
Livro Décimo

depois, a mole da água retida irrompeu em tão grandes turbilhões e com


tanto ímpeto que arrastou consigo muitos terrenos cultivados; e devastou em
grande parte a Galácia e a Frígia. O senado multou em trezentos talentos a
insolência desse homem 2072 . E vem a propósito isto que também lemos.
Tendo Ificrates 2073 posto cerco à cidade de Estinfalo, tentou suster a água do
rio Erasino 2074 que entra por baixo do monte e ressurge no terreno da Argó-
lida, acumulando aí uma enorme quantidade de esponjas; mas, advertido por
um aviso de Júpiter, desistiu 2075 .
Sendo isto assim, é conveniente fazer as seguintes advertências. Cons-
trói a obra do dique com a maior resistência possível. A resistência será
dada pela solidez dos materiais, do método da construção e da sua amplidão.
Na parte onde a água, passando por cima do dique, se precipita, não cons-
truas o lado exterior a pique, mas deixa-o descer ligeiramente inclinado,
para que a água corra suavemente e sem fazer redemoinho. Mas, se ao cair
começar a escavar, imediatamente enche o sítio escavado, não com materiais
miúdos, mas com pedregulhos grandes, inteiros, estáveis, angulosos. Tam-
bém é útil atirar para lá feixes de ramagens, para que a água ao cair não vá
para o fundo senão depois de quebrada e extenuada.
Em Roma vemos o Tibre em grande parte coarctado por obra de alve-
naria. Semíramis, não se contentando com uma obra em tijolo, acrescentou-
-lhe em cima um reboco de asfalto com a espessura de quatro côvados 2076 ;
e, mais ainda, construiu em cima do dique muros ao longo de muitos está-
dios tão altos que igualavam a altura das muralhas da cidade 2077 • Estas são
obras régias. Nós contentar-nos-emos com um dique de terra, como aquele
de lama com que se contentou Nitócris na Assíria 2078 ; e também como
aquele com que vemos, como que suspensos no ar, os maiores rios nas
Gálias, a ponto de às vezes superarem em altura os cumes das cabanas 2079 •
Basta, de facto, se as pontes forem reforçadas com obra de alvenaria.

2072
Cf. Strab., XII, 2, 8.
2073
Ificrates, general ateniense do séc. IV a. C.
2074
Rio da Arcádia que desagua no Golfo de Argos, próximo da cidade de Lema, e nasce
no planalto de Estinfalo ao pé do monte Cilene.
2075
Strab., VIII, 8, 4.
2076
Equivalente a I,77 m.
2077
Diod. Sic., II, 7, 3-5 .
2078
Hdt., I, 185.
2079
Referência ao rio Loire, que corre entre diques laterais, iniciados no séc. XII, não só
para suster as águas, devido ao seu caudal irregular, mas para se conquistar terreno para
o cultivo. Cf. Fossier, 2004, p. 28.

668
O Restauro de Obras

Há quem aprove na construção dos diques o uso de leivas arrancadas de


um prado herboso: eu também aprovo. Com efeito, com o entrelaçar das raí-
zes entre si, colam-se umas às outras, contanto que sejam reforçadas por
meio de um calcamento vigoroso. É necessário que toda a congérie do
dique, e sobretudo a parte roçada pelas águas, seja endurecida por um espes-
samento impenetrável e indissolúvel. Há quem entrelace no dique varas de
vime: obra firme, sem dúvida, mas efémera por natureza. Pois sendo as
varas facilmente putrescíveis, sucede que uns fiozinhos de água ocupam os
espaços da madeir'l apodrecida e, infiltrando-se, alargadas as passagens dos
orifícios, transformam-se em canais cada vez maiores. Isto, porém, será
menos de temer se usarmos varas ainda verdes.
Outros plantam ao longo da margem, em séries compactas, salgueiros,
olmos, choupos, e outras árvores que gostam da água. Isto tem a sua vanta-
gem; mas subsiste o defeito que dizíamos a respeito das varas. Na verdade,
às vezes propagam-se buracos e galerias pelos troncos das árvores mortas,
corroídos pelo caruncho. Outros - solução que me agrada mais que todas -
plantaram na margem arbustos e toda a espécie de ervas que vive dentro de
água, umas férteis em raízes, outras em ramos. Neste género, as principais
são o nardo céltico 2080 , o junco, a cana e sobretudo o vítex 208 1• Com efeito,
este desenvolve raízes numerosas e prolíficas, e propaga-se por meio de
fibras vivazes e muito compridas; pelo contrário, eleva-se com ramos baixos
e flexíveis, que brincam com as águas e não as incomodam; e o que é
extraordinariamente útil é que esta planta, ávida de água, expande-se conti-
nuamente ao longo do rio sob as águas.
Onde, porém, o dique for construído ao longo da corrente, é necessário
que a margem seja absolutamente nua e limpa, a fim de que nenhum obstá-
culo perturbe o deslizar suave da corrente. Por sua vez, onde o dique se
opuser ao rio, com uma inflexão, para que aí resista com mais força será
reforçado com um contraforte. Mas, se todo o volume do rio tiver de ser
desviado ou sustido por um obstáculo transversal, então durante o Verão,
quando a água for mais baixa no leito a descoberto, faz um gabião, unindo
troncos de carvalho muito compridos, e ensambla e prende bem o gabião
com ganchos; e coloca os troncos em linha recta ao longo do leito de modo

2080 Planta aromática referida por Plínio-o-Antigo (Nat., XIV, 107), nativa da Europa e do
Oeste da Ásia, usada em perfumaria e no fabrico de incenso.
208 1 Designação comum às árvores e aos arbustos da família das labiadas, nativa de regiões
tropicais e temperadas, que tanto fornecem madeira utilizável, como são cultivadas para
fins ornamentais.

669
Livro Décimo

que recebam de frente a corrente da água; espeta no fundo do leito, na


medida em que o solo o permita, estacas muito afiadas na ponta, aplicadas
nos orificios abertos para o efeito no gabião; consolidando o gabião, guar-
nece-o com um pavimento de tábuas transversais alternadas e enche-o de
uma grande quantidade de pedras, e aglutina-as com cal; ou, quando a des-
pesa o não permitir, liga-as com feixes de junípero entrançados entre si. Daí
resultará que as correntes não possam abalar a enormidade do peso das
pedras nem a firmeza do gabião. Mas, se continuarem a sapar a estrutura
por acção dos redemoinhos, servirá e contribuirá para o fim pretendido:
efectivamente fará com que, exercendo pressão e afundando-se, o próprio
peso procure aí um lugar de repouso firmíssimo. Todavia, se o rio mantiver
sempre tal profundidade que não permita colocar estes gibões, então usare-
mos os processos que em seu lugar referimos para erguer os pilares das pon-
tes 2os2.

CAPÍTULO XII

A costa marítima será consolidada por diques, mas não com os mesmos
que se usam nos cursos de água. Com efeito, as correntes dos rios não cau-
sam prejuízos da mesma forma que as ondas do mar.
Na verdade, dizem que o mar, de sua própria natureza, é calmo e tran-
quilo, mas que é agitado e impelido pela pressão dos ventos, e que. é por
isso que as fileiras das ondas se levantam e atacam a praia; nesse lugar, se
alguma coisa se lhes atravessa no caminho, sobretudo áspera e rugosa, elas
com todo o seu peito embatem nesse lugar e, uma vez rebentadas, voltam a
erguer-se e voltam a quebrar; e assim, precipitando-se do ·alto, abalam a
praia, e com incessantes ataques escavam e demolem tudo quanto se lhes
opõe. Indício de que isto assim acontece são as profundidades do fundo que
se encontram junto das rochas marítimas.
Se pelo contrário a praia, em declive fácil e baixo, se apresentar sub-
missa às vagas, não tendo por isso o mar agitado com quem combater em
luta acesa, depõe os seus ímpetos e detém-se, refluindo em ondas suaves; e
se, do revolver das areias, arrancou e levou consigo alguma coisa, entretanto
deposita-a e deixa-a em lugar mais calmo; a partir disso, apercebemo-nos de
que as praias, que se estendem assim, nasceram de uma costa baixa que vai

2082
Ver Livro IV, cap. 6.

670
O Restauro de Obras

entrando pelo mar dia a dia. Onde, porém, o mar encontrar um promontório
e a seguir se deslocar em linha curva para uma enseada ou um golfo, aí
desata a correr apressado ao longo da praia e arrepia caminho; daí resulta
que em lugares deste género haja a cada passo canais escavados e prolonga-
dos diante da praia.
Outros declaram que é próprio da natureza do mar inspirar e expirar, e
notaram que o homem nunca expira da vida senão em maré descendente,
como se de per si este argumento manifestasse que o sopro e o movimento
do mar têm alguma afinidade com a nossa vida de homens 2083 • Mas, acerca
disto, basta o que até aqui foi dito.
É evidente que o fluxo e refluxo do mar varia de lugar para lugar.
O Mar de Cálcis 2084 alterna o seu fluxo seis vezes ao dia 2085 • Junto de Bizân-
cio não há mudança senão na saída do Ponto para a Propôntida. Pela sua
própria natureza o mar incessantemente rejeita de si para as praias tudo
aquilo que foi trazido pelos rios . Os corpos que se deslocam por serem
movidos param quando lhes é dado um lugar de repouso.
Mas, como em quase todas as praias observamos uma grande quanti-
dade de areia ou pedras que o mar rejeita, apraz-me referir aquilo que
encontro nos filósofos 2086 • Em outro lugar dissemos que a areia é produzida
pelo lodo que o sol adensar e depois o calor reduzir a pequeníssimos cor-
púsculos 2087 • Afirmam que as pedras são geradas pela água do mar. Com
efeito, dizem que, com o sol e o movimento, a água aquece, seca e a seguir
se torna espessa, evaporando as partes mais leves, e que atinge tal espessura
que, se o mar algum dia repousar um pouco, insensivelmente se reveste de
uma película mucosa e muito betuminosa; e que depois esta película se
rompe e desagrega; e que com os últimos movimentos e colisões de novo se
conglomeram em glóbulos e se tornam em algo muito parecido com espon-
jas; e que estes glóbulos são trazidos para a praia, onde aglutinam e agre-
gam a si as areias para ali movidas; essas areias agregadas secam por acção

2083
Cf. Plínio-o-Antigo (Nat., II, 220).
20
1!4 Cidade da Eubeia que controlava o canal de Euripo, tendo sido destruída parcialmente
por Roma em 146 a. C.
2085
De acordo com Estrabão (IX, 2, 8), o Mar de Cálcis alterna o seu fluxo sete vezes ao
dia.
2086
Entenda-se filosofia natural, no sentido de estudo objectivo da natureza e do universo
tisico, conforme foi inicialmente desenvolvido, entre outros, por Leucipo, Demócrito e
Aristóteles. ·
2087
Ver Livro II, cap. 12.

671
Livro Décimo

do sol e tornam-se mais densas reunidas umas às outras, e com o tempo


endurecem, até se tornarem pedras. Isto dizem eles 2088 •
Nós, todavia, vemos que na foz dos rios por toda a parte as praias cres-
cem, sobretudo se forem rios que corram através de terrenos solúveis e neles
confluam várias torrentes. São esses que na foz junto da praia do mar, de
um lado e do outro, acumulam grande quantidade de areias e de pedrinhas
e assim aumentam a praia. Que assim é, manifestam-no o Istro 2089 , e o
Fásis 2090 , e outros rios, e principalmente o Nilo. Os Antigos chamaram ao
Egipto a casa do Nilo 209 1 e asseveram que outrora esteve coberto pelo mar
até aos pântanos de Pelúsio 2092 . Referem, ainda, que uma grande parte de
terreno da Cilícia foi acrescentada pelo rio 2093 • Aristóteles afirma que o
movimento das coisas é incessante e que com o passar do tempo há-de suce-
der que o mar e as montanhas troquem de lugar. Daí o poeta:
"O tempo porá à luz do dia tudo o que está debaixo da terra,
Enterrará e ocultará tudo o que reluz" 2094 •

Volto ao assunto. A onda tem em si a seguinte propriedade: arremetendo


contra um muro colocado no seu percurso, ataca-o, qual inimigo, com o
aríete, e eleva-se às alturas, ao passo que, ao afastarem-se, as águas repeli-
das escavam tanto mais as areias quanto de mais alto caem. A esse propó-
sito pode-se ver a quanto maior profundidade o mar toma assento junto das
rochas e dos escolhos, onde se dá a rebentação, do que onde as águas não
encontram obstáculos, deslizando pela praia suave e lisa.
Assim sendo, é necessário perícia e perspicácia de engenho, para coagir
a força e os ímpetos do mar. O mar iludirá em grande parte as técnicas e a
mão do homem, e dificilmente será vencido pelas suas forças. Será útil o

2088
Isto é, os filósofos da escola jónica.
2089
O Istro é o nome dado pelos Gregos ao baixo Danúbio.
2090
O Fásis percorria a Arménia e desaguava no Mar Euxino. Actualmente parte dele é
designado de Rioni e desemboca no Mar Negro.
2091
Tanto Heródoto (II, 5) como Estrabão (I, 2, 29) referem-se ao Egipto como sendo um
"dom do Nilo" (Nili donum) e não a "casa do Nilo" (Nili domum) , no sentido de ser
uma região com baixa pluviosidade que beneficiava da presença do rio, com a nascente
muito afastada da foz, para irrigar e fertilizar os campos vizinhos. Cf. Caye - Choay,
2004, p. 509, n. 161.
2092
Cidade situada no delta do Nilo.
2093
Trata-se de uma planície aluvionar formada por detritos do rio Piramo. Cf. Strab., I, 3, 7.
2094
Horácio (Ep., I, 6, 24-25) usa apricum, que designa "grande dia", em vez de apertum,
que tem o significado de "à luz do dia". Cf. Portoghesi, 1966, p. 963, n. 3.

672
O Restauro de Obras

terrapleno, que em outro lugar dissemos que se devia utilizar na construção


das pontes 2095 .
Mas se as circunstâncias exigirem que, para proteger um porto, se deva
prolongar um molhe pelo mar dentro, começaremos pela terra firme e fora
da água, e com acrescentos sucessivos prolongaremos a obra pelo mar den-
tro; e procuraremos acima de tudo que sejam colocados em solo muitíssimo
estável; e, onde quer que se coloquem, deve-se amontoar uma enorme
acumulação de pedras muito grandes, de tal modo que o molhe esteja em
ligeiro declive em direcção às ondas, para que a massa das ondas, que
investe, e, por assim dizer, a sua ameaça, se extingam e, não encontrando
nada com que lute, com todo o seu peito, recuando, não se precipite mas
deslize massivamente. Assim, a onda em refluxo receberá as vagas que atrás
dela investem imediatamente antes e retardá-las-á 2096 •
A foz dos rios parece relacionar-se com o sistema dos portos, uma vez
que nesse lugar os navios se refugiam das tempestades. Antes de mais gos-
taria que a foz fosse protegida e estreitada contra as vagas do mar. Dizia
Propércio:
"Ou és vencido ou vences, esta é a roda do amor" 2097 •

Aqui acontece o mesmo. Com efeito, a foz ou é superada permanente-


mente pelo mar, tenazmente incessante, e obstruída pela areia, ou pelo con-
trário vence graças à constância do seu ímpeto e à obstinação de vencer. Por
isso será muito do meu agrado se, sendo a água em abundância, fizeres com
que o rio se lance no mar por duas derivações distintas. Isso não apenas
para que, variando os ventos, os navios deparem com um acesso mais fácil,
mas também para que, se a violência das tempestades se opuser ou uma das
saídas for por acaso obstruída pelo sopro do Austro 2098 , as cheias mais alte-
rosas transbordem para o campo, mas haja uma saída por onde desagúem no
mar livremente. Acerca deste assunto, foi dito até aqui.
Segue-se a limpeza. César 2099 mostrou o maior empenho na limpeza do
Tibre: estava cheio de entulho atirado lá para dentro. Não longe do Tibre,

2095
Ver Livro IV, cap. 6.
2096
Vitrúvio (V, 12, 2-6) já se refere à construção de molhes, ao lançamento de espigões e
à construção sobre estacaria para suster as ondas e/ou contrabalançar o ímpeto do mar
aberto.
2097
Prop., II, 8, 8.
2098
Vento de sul.
2099
Suetónio (Aug., 30, 1) relata que foi Octaviano Augusto que mandou alargar e dragar o
leito do Tibre para prevenir inundações.

673
Livro Décimo

tanto dentro como fora da cidade, elevam-se montes feitos dos cacos tirados
do rio 2100 . Não me lembro de ter lido com que meios retiraram de um rio
tão impetuoso tão grande quantidade de matéria; mas julgo que usaram com-
portas, com as quais, encerrando o rio em duas partes e secando a água,
extraíram os obstáculos.
As comportas far-se-ão assim. Prepararás traves aparelhadas em linha
recta, e de alto a baixo, ao longo do comprimento do lado, farás dois sulcos,
um de cada lado, com a profundidade de quatro dedos 2 101 e com a largura de
uma tábua daquelas que há-de ser necessário usar; e prepararás tábuas de
igual comprimento entre si, e também de igual espessura. Depois de estarem
preparadas as tábuas, espeta as traves que referimos de modo que fiquem em
posição vertical a uma distância entre si calculada pelo comprimento das
tábuas preparadas. Uma vez colocadas e consolidadas as traves, introduz as
extremidades das tábulas de maneira a desceram ao longo dos sulcos das
traves até ao fundo: a este tipo de obra chamam vulgarmente cataratas 2 102 •
Tu acrescenta tábuas umas às outras e comprime-as para que fiquem bem
encaixadas. Depois dispõe, em lugares aptos e convenientes, uma bomba em
espiraF 103 , sacos, sifões, alcatruzes 2 104 e todo o instrumento para tirar água, e
emprega mão-de-obra muito numerosa, e de imediato, com um trabalho sem
repouso nem interrupção, esvazia a água da comporta. Se verte água em
algum sítio, tapa o buraco com trapos. A obra resultará à medida dos teus
desejos.
Entre este tipo de comporta e outro que usámos para construir as pon-
tes, há esta diferença. A comporta das pontes permanecerá estável e durante
muito tempo, não só até que os pilares sejam concluídos, mas também até
que depois de construídos sejam consolidados; ao passo que esta aqui utili-
zada é temporária, e logo a seguir, retirado a lodo, deve ser removida e
mudada de lugar. Aconselho o seguinte: com esta comporta, quer limpes o
rio quer o desvies do seu curso, toma cuidado para que não te batas com

2100
Trata-se do monte Testácio, com cerca de um quilómetro de perímetro, situado próximo
do porto fluvial e do Fórum Boário, formado pot fragmentos de ânforas originárias das
Hispânias, que se foram acumulando principalmente ao longo dos sécs. II-III d. C.
2101
Equivalente a 7,4 cm.
2102
No original cataractas, i.e. comportas verticais para regular a altura num curso de água.
Cf. Plin., Nat., V, 54.
2 103
Vitrúvio (X, 6, I) descreve o método do parafuso, também conhecido por parafuso de
Arquimedes para elevar a água. Cf. Diod. Sic. , V, 37, 3.
2 104
Cf. Vitrúvio, X, 4, 4.

674
O Restauro de Obras

toda a massa e violência das águas no mesmo lugar, mas leva a obra até ao
fim por meio de acrescentos e em etapas sucessivas.
Resistirão com mais solidez as obras que se fizerem contra a massa e o
ímpeto das águas se f?rem construídas em arco com o dorso lançado contra
o peso da pressão da água. Escavarás uma torrente se construíres um obstá-
culo transversal de modo a que a água se eleve para o alto e seja forçada a
atingir grande volume. Conseguirás com isso que a água, passando por cima
do obstáculo, com a sua queda rebaixe o leito e, mais uma vez, quanto mais
fundo cavares no curso inferior do rio, tanto mais o seu leito será escavado
em direcção à nascente. Precipitando-se do alto continuamente, a água abala
e remexe o solo e leva-o consigo.
Também limparás da seguinte maneira um ribeiro e um canal, levando
os bois para dentro deles. Fecha a comporta para que a água suba; depois
força o gado para que, com repetidos e acelerados movimentos, tomem a
água lamacenta; imediatamente a seguir abre a comporta para que a água se
despeje precipitadamente e limpe o fundo. Se no rio houver por acaso qual-
quer objecto imerso ou espetado, além dos outros meios que os operários
conhecem, há um muito prático que consiste em trazer um barco carregado
e amarrá-lo firmissimamente a esse objecto que é preciso arrancar, quer seja
uma estaca outra coisa qualquer. Com isso far-se-á com que o barco, aligei-
rado da sua carga, arranque pela base o objecto a que estava ligado. Será
conveniente que, à medida que o barco se eleva, se rode a estaca como se
fosse uma chave. Na região de Preneste 2 105 vimos uma argila húmida, na
qual se alguém espetasse uma vara ou uma espada não mais fundo que um
côvado 2 106 , não havia força com que se pudesse arrancá-la puxando à mão;
se, porém, se rodasse a vara à medida que se puxava, como quem usa um
trado, facilmente saía. Em Génova 2 107 , um escolho oculto sob as águas difi-
cultava a entrada do porto. No nosso tempo encontrou-se um homem dotado
de técnica e natureza admiráveis, que o diminuiu, e abriu muito a entrada do
porto. Corre o boato que ele costumava demorar debaixo de água e estava
durante uma hora sem vir à superficie para respirar.
Tirarás o lodo do fundo com uma rede de apanhar ostras revestida de
um saco: encher-se-á quando é puxada. Tirá-lo-ás também, onde o mar for
baixo, com um instrumento designado "cabrilha" 2 108 • Faz-se assim. Prepara

2105
Situada nos Apeninos a 37 km a sudoeste de Roma.
2106
Equivalente a 44,32 cm.
2107
Cidade onde nasceu Alberti.
2108
No original palatia, que significa pequena cábrea para levantar pesos.

675
Livro Décimo

duas barcaças. Numa delas fixarás um eixo na popa, no qual como numa
balança jogue uma antena muito longa, numa extremidade da qual, a que se
eleva fora da barcaça, é presa uma pá com a largura de três pés 2109 e o com-
primento de seis 211 0 • Os operários, mergulhando-a, retiram o lodo e deposi-
tam-no na outra barcaça preparada para isso. A partir destes princípios
fazem-se outros instrumentos muito semelhantes e mais úteis, que seria
longo continuar aqui a descrever. Até aqui fica dito acerca destas coisas.
Seguem-se as comportas. A água pode-se conter por meio de cataratas
ou de batentes de portas 2111 ; em ambos os casos as couceiras de pedra dos
pilares devem ser de construção muito sólida. Levantaremos o peso das
comportas sem riscos para os homens usando rodas dentadas no fuso de
rotação, rodas que movemos como num relógio, engrenando os dentes de
outro fuso para essa operação e para produzir movimento.
Mas o mais cómodo de tudo será uma porta que ao meio tenha um fuso
rotativo colocado verticalmente. Ao fuso será aplicada uma porta quadrangu-
lar e estende-se como num navio de carga se estende a vela quadrada, que
pode ser rodada ora por um braço ora por outro em direcção à proa ou à
popa. Mas os braços dessa porta não serão iguais: um será um pouco mais
curto do que o outro cerca de três dedos 2112 • Assim será possível ser aberta
por uma criança e de novo fechar-se por si mesma, porque o lado maior é
supenor em peso.
Constrói duas comportas, cortando o rio em dois lugares, deixando entre
elas um espaço que comporte o comprimento de um navio: de tal modo que,
se o navio houver de subir, quando entrar lá, a comporta inferior seja
fechada e se abra a superior; se, porém, o navio houver de descer, fecha-se
a comporta superior e abre-se a inferior. Deste modo o navio será levado a
favor da corrente da água com a parte por aqui libertada. O resto da água
será conservado na comporta superior.
Não omito um aspecto que tem a ver com as vias, para não voltarmos
a estas questões. Para evitar que os bairros e as superficies da cidade sejam
submersos pela elevação das ruas, ao longo dela faz as vias bem limpas e
bem varridas, não sobrepondo e acumulando entulhos, que é um mau cos-
tume, mas antes retirando e aplanando em volta.

2109
Equivalente a 88,8 cm.
2110
Equivalente a 1,78 m.
211 1
Para regular a altura das águas as cataratas articulam-se verticalmente e os batentes de
portas horizontalmente. Cf. Plin., Nat., V, 54; Cic., Verr. , IV, 94.
2112
Equivalente a 5,55 cm.

676
O Restauro de Obras

CAPÍTULO XIII

Agora exporei o mais concisamente que puder outros pormenores que


são susceptíveis de serem reparados. Em alguns lugares a região tomou-se
mais quente por ter sido irrigada, em outros, pelo contrário, tomou-se mais
fria. Em Larissa, a planície da Tessália estava coberta de água estagnada e
inerte 211 3; por tal motivo tinham um ar denso e quente. Desde então, drenada
a água e secada a planície, a região tomou-se tão fria que depois disso não
sobreviveu nenhuma das oliveiras, que antes cresciam em grande número
por toda a parte. O contrário sucedeu em Filipos 2 11 4 : aí conta Teofrasto que,
drenada a água e secado o lago, passaram a ter menos frio 211 5.
Atribuem a causa destes fenómenos à pureza e à impureza do ar que aí
se respira. Na verdade, o ar denso move-se mais devagar, mas declaram que
conserva durante mais tempo as marcas impressas pelo gelo ou pelo calor
intenso; e que, por sua vez, o ar rarefeito é propenso à formação de gelo e
rapidamente é afectado pelas variações de temperatura. E dizem que um
campo inculto e abandonado proporciona um ar denso e inclemente.
Onde crescer uma floresta tão densa que aí nem o sol nem os ventos
penetrem, de certeza que o ar será mais áspero. No lago Avemo, as grutas
estavam rodeadas de uma tal densidade de florestas que a exalação sulfurosa
matava as aves que sobrevoavam através das suas estreitas entradas. César,
desbastando as florestas, tomou esse lugar, de pestilento, em ameno 2116 •
Em Livomo, cidade marítima da Toscana, eram atormentados, durante
os períodos de canícula, por febres gravíssimas: construída uma muralha em
frente do mar, os habitantes começaram a passar bem. Escreve Varrão que,
como tivesse o seu exército em Córcira 2117 e a cada passo morressem solda-
dos, mandou fechar todas as janelas voltadas para os austros, e que desse
modo salvou o seu exército 2118 • Em Murano, uma célebre cidade de Veneza,
raramente são atingidos pela peste, embora a metrópole vizinha seja infes-
tada com frequência e gravemente. Julgam que isso acontece devido à

211 3
Plin., Nat., XVII, 30; Strab., IX, 5, 19.
2114
Filipos: cidade situada na parte oriental da Macedónia, fundada por Filipe II em 356
a. C. e abandonada no séc. XIV após a conquista otomana.
2115
Theophr., C. P , V, 14, 5.
2116
Serv., A., III, v. 442. César refere-se a Octaviano Augusto.
2117
Córcira: Ilha do Mar Jónico hoje conhecida por Corfú.
2118
Var. , R., I, 4, 5.

677
Livro Décimo

grande quantidade de vidreiros: com efeito, é indubitável que o ar é grande-


mente purificado pelo fogo. E a prova de que o fogo tem aversão aos vene-
nos está na observação de que os cadáveres dos animais venenosos não pro-
duzem vermes como os dos outros animais, porque a natureza do veneno é
matar e rapidamente extinguir toda a força vital; mas esses mesmos cadáve-
res, se forem atingidos por um raio, então produzem vermes, pelo facto de
o seu veneno ter sido extinto pelo fogo . Nos cadáveres dos animais não nas-
cem vermes senão por acção de uma espécie de força ígnea da natureza, que
provoca a humidade favorável ao fogo que é próprio do veneno extinguir
quando vence, mas quando é vencido pelo fogo, nada pode.
Se arrancares as ervas venenosas da horta e sobretudo a cebola albarrã,
sucederá que as boas plantas absorvam esse mau nutriente da terra e infec-
tem com ele os alimentos. Será bom opor a floresta, sobretudo o pomar, aos
ventos nocivos. É muito importante a sombra das folhas sob a qual respiras
a brisa. Dizem que uma floresta de resinosas faz muito bem aos tísicos e
àqueles que recuperam forças depois de uma longa doença. Passa-se o con-
trário com as árvores de folha amarga: pois estas proporcionam brisas insa-
lubres.
Se houver um lugar estagnado, pantanoso, húmido, convém torná-lo
aberto e bem iluminado. Com efeito, os maus cheiros e os insectos nocivos
que pululam serão rapidamente eliminados pela secura e pelos ventos. Em
Alexandria há um lugar público onde, e apenas lá, se depositam os lixos da
cidade e os entulhos. E já ergueram um monte tão alto que propiciam
grande felicidade aos marinheiros para rumarem em direcção ao porto. Com
tanto mais utilidade se atulharão, por meio de uma lei, lugares baixos e con-
cavidades deste género! Em Veneza, no meu tempo 2 11 9 , com os lixos da
cidade - medida a que dou toda a aprovação - ampliaram os espaços pelos
pântanos dentro. Os que cultivam o campo junto dos pântanos egípcios - diz
Heródoto - para evitarem a enorme quantidade de mosquitos e de moscas
pernoitam em torres altíssimas 2120 • Em Ferrara, nas margens do rio Pó, os
mosquitos não aparecem muito dentro da cidade, mas fora são execráveis
para os não acostumados. A mosca não mora em lugar sombrio, frio e ven-
toso, sobretudo onde encontrar janelas muito elevadas. Há quem diga que as
moscas não entram onde estiver enterrada uma cauda de lobo; e que uma
cebola albarrã pendurada afasta os animais venenosos 2 12 1•

2119
Trata-se da estadia que Alberti fez nesta cidade durante a juventude.
2120
Hdt., II, 95 .
2121
Ver Livro X, cap. 15.

678
O Restauro de Obras

Os nossos antepassados usavam vanos remédios contra a violência do


calor; entre estes agradavam-lhes o pórtico 2122 e os lugares abobadados, os
quais não recebiam a luz senão pelo cimo da cúpula. Agradavam-lhes tam-
bém as salas com janelas amplas e não voltadas a sul, as quais, acima de
tudo, recebessem de lugares cobertos brisas umbrosas 2123 • Metelo, filho de
Octávia, irmã de Augusto, assombreou o Fórum cobrindo-o com toldos, para
que os litigantes lá estivessem salubremente 2 124 •
Mas compreenderás que a brisa vale mais para refrescar do que a som-
bra se lançares um toldo sobre as ruas de modo que as brisas cheguem
menos . Plínio recorda que se costumavam construir nas casas receptáculos
de sombras 2 125 ; não descreveram como eram; mas, como quer que fossem ,
deve-se imitar neles a natureza. É possível observar o seguinte: quando
bocejas com a boca aberta, então deitas fora ar quente; mas quando sopras
com os lábios apertados, então o ar que sai vem ligeiramente frio. Assim,
num edifício, a brisa é morna quando vem de um espaço amplo, sobretudo
banhado pelo sol; quando, porém, conflui através de uma passagem mais
estreita e sombria, aí é mais veloz e mais fresca. A água a ferver arrefece se
passar num tubo através de água fria; o mesmo princípio se observa em
relação à brisa. Perguntam porque é que os que andam ao sol não se bron-
zeiam, mas parados bronzeiam-se: é óbvio que com o andamento se movi-
mentam as brisas que retiram aos raios do sol a sua força.
Ainda para que a sombra seja por si mesma fresca, será útil acrescentar
uma cobertura a outra cobertura e um muro a outro muro; e quanto mais
distarem entre si, tanto mais a sombra será superior ao calor, na medida
em que esse lugar, assim coberto e rodeado em toda a volta, aquece menos.
O intervalo entre os dois muros tem quase o mesmo efeito que teria um
muro de igual espessura; mas ainda mais importante é que esse muro mais
lentamente se despoja do calor acumulado pelo sol e durante mais tempo
conserva o frio trazido de fora; entre as paredes duplas que referimos, a
temperatura do ar mantém-se constante. Nos lugares onde batem os ardores
do sol, um muro construído de púmice receberá menos aquecimento e
menos o conservará.

2122
Estes lugares são criptopórticos iluminados com janelas de "boca de lobo", i.e. onde as
ombreiras formam uma ângulo diedro reentrante. Cf. Portoghesi, 1966, p. 976, n. 1.
2123
Ver Livro VIII, cap. 10.
2124
Trata-se, de facto, de Marco Cláudio Marcelo (42-23 a. C.), que foi edil de Roma em
23 a. C. . Cf. Plin., Nat., XIX, 24.
2 125
Plin., Nat., II, 115.

679
Livro Décimo

Se as portas dos aposentos tiverem portadas, isto é, se forem fechadas


com portadas exteriores e também interiores, de modo que entre as primei-
ras e as segundas se encerre no meio o ar num espaço de um côvado 2 126 ,
far-se-á com que quem fala lá dentro não possa ser escutado por quem está
do lado de fora.

CAPÍTULO XIV

Agora, devendo-se edificar em lugar demasiado frio, usaremos o fogo; é


variado o uso do fogo; mas de todos o mais cómodo será aquele que se tem
numa lareira ampla e resplandecente. Efectivamente, se o lume se obtiver de
uma lareira fumosa e de abóbadas baixas, produzirá um ar viciado que faz
chorar os olhos e embacia a vista.
Acrescente-se que o aspecto das chamas e da luz é uma companhia
muito festiva, como dizem, para os anciãos que conversam à lareira. Mas no
meio da chaminé deve haver por cima uma portada de ferro transversal que
tu, quando todo o fumo desaparecer e as brasas brilhantes de incandescência
começarem a sustentar o calor, rodarás e fecharás a chaminé, para que
nenhum sopro exterior de vento se possa introduzir por essa abertura.
Um muro de sílex ou de mármore não só é frio mas também húmido:
de facto, com o seu frio condensa o ar e transforma-o em gotas de água.
Um muro de tufo e também um de tijolo são mais convenientes depois de
ter secado completamente. Quem pernoitar entre paredes húmidas e sobre-
tudo abobadadas sofrerá graves enfermidades, com dores e febre e corri-
mento do nariz. Encontram-se alguns que por tal motivo perderam a visão,
entorpeceram dos nervos e decaíram da mente e do espírito a ponto de
enlouquecerem. Todavia, para os muros secarem mais rapidamente, devem
deixar-se aberturas através das quais passem correntes de ar.
Para a saúde, o melhor de todos é o muro que se faz com tijolo cru,
posto a secar durante dois anos. Um reboco de gesso, devido à sua espes-
sura, toma o ar insalubre e prejudicial para os pulmões e para o cérebro. Se
o muro for revestido de madeira, sobretudo de abeto ou de choupo, o lugar
será mais salubre e bastante quentinho no Inverno, e de Verão não será
muito quente; mas será acaso infestado de ratos e percevejos. Isso evitar-se-á

2126
Equivalente a 44,32 cm.

680
O Restauro de Obras

se encheres de canas os espaços vazios entre os muros ou se obstruíres


todos os esconderijos e refúgios para os animais. Tapar-se-ão muitíssimo
bem com argila, lapíli 2127 e amurca misturada: todo esse género de animais,
que nasceram da putrefacção, tem horror ao azeite.

CAPÍTULO XV

Mas, ao incidirmos nestes assuntos, apraz-me referir aqui alguns casos


que lemos em autores sérios. Deve pretender-se que o edificio esteja livre de
todo o mal. Os Eteus sacrificavam a Hércules por ele os ter livrado dos
mosquitos, e os Meliuntas por lhes ter afastado as lagartas das vinhas. Os
Eólios sacrificavam a Apolo por causa de uma grande quantidade de ratos.
Foi sem dúvida um grande beneficio; mas não disseram de que modo o con-
seguiram.
No entanto encontro em alguns o seguinte. Os Assírios afugentavam os
animais venenosos pendurando na padieira da porta uma alforreca 2128 , uma
cebola e uma cebola albarrã <-··>: "Expulsarás as serpentes de tua casa - diz
Aristóteles - com o cheiro da arruda 2 129" . E, se deitares carne numa panela,
apanharás uma enorme quantidade de vespas que lá entrarem. E com enxo-
fre e orégão colocado em cima dos formigueiros exterminarás as formigas.
Sabino Tiro escreveu a Mecenas que as eliminava tapando os formigueiros
com lodo marinho ou com cinza 2130 • "Tratam-se com toda a eficácia - diz
Plínio - com heliotrópio". Outros pensam que elas temem a água com barro
moído deitada nos formigueiros.
Nos Antigos há testemunhos de que entre certas coisas e animais há por
natureza violentas inimizades inatas, até ao ponto de um procurar infligir
ao outro ruína e destruição; é por isso que a doninha fugirá com o cheiro
a chamusco do fel queimado, e as serpentes com o cheiro do leopardo.
E dizem: se aplicares um percevejo à cabeça da sanguessuga quando ela se

2 121
Fragmentos sólidos de rocha constituídos por lava vulcânica, com dimensão de 5 mm a
5 cm, de formato anguloso ou arredondado . Ver Livro III, cap. 16.
2128
Plin., Nat., IX, 154; XVIII, 359; XXXII, 102.
2129
Planta de odor muito forte, com aplicações medicinais. Cf. Arist., H. A., IX, 6, 4, 612
a 29.
2130
Plin. , Nat., XIX, 177-178.

681
Livro Décimo

agarra pertinazmente aos membros de um homem, imediatamente se soltará


e cairá sem forças. E que, inversamente, com o fumo de uma sanguessuga
queimada se arranca e expulsa o percevejo dos seus mais profundos escon-
derijos. Quem aspergir um pó recolhido na ilha de Tânato 2131 que se situa na
Bretanha, imediatamente afugentará todas as serpentes 2132 . O mesmo efeito,
dizem os historiadores, tem a terra que se recolhe em várias outras terras e
sobretudo na ilha de Ébuso 2133 . A da ilha de Gauloen 2134 dos Garamantes
mata os escorpiões e as serpentes 2135 • Estrabão: na Líbia, por medo dos
escorpiões, costumam esfregar os pés da cama com alho quando se vão dei-
tar 2136.
Saserna 2137 descreve com estas palavras como se devem matar os perce-
vejos. "Conserva em água um pepino serpentino, e despeja-a onde quiseres;
não há percevejo que se aproxime. Ou esfrega na cama fel de boi misturado
com vinagre". Outros mandam enlodar os esconderijos com borras de vinho.
"A raiz do azinha - diz Plínio - é adversa aos escorpiões" 2138 • E, contra os
insectos nocivos deste tipo e acima de tudo contra as serpentes, tem o freixo
uma força extraordinária 2139 . As folhas do feto não albergam as serpentes.
Serão desbaratadas queimando-se cabelo de mulher, ou corno de cabra ou de
veado, ou serradura de cedro, ou resina de gálbano 2140 ou de amieiro ou de
hera verdejante, e junípero. Os que se esfregam com semente de junípero
são totalmente imunes às mordeduras das serpentes. A erva-moira-sonífera
inebria as áspides com o seu cheiro, e elas adormecem de modo a ficarem
sem sentidos 2141 .
Contra as lagartas mandam pôr nas hortas uma caveira de égua pendu-
rada numa estaca. Os plátanos são adversos aos morcegos. Se aspergires
água fervida com flor de sabugueiro, matarás todas as moscas. O resultado

213 1
Ilha do distrito de Kent em Inglaterra.
2132
Sol., 22, 8.
2133
Sol. , 23, 11. Ébuso é a actual Ibiza.
2134
Este nome significa ilha das embarcações.
2135
Sol., 29, 8.
2 136
Strab., XVII, 3, 11.
2137
Nome de pai e filho cujo trabalho perdido no séc. I a. C., sobre agricultura, foi criti-
cado por Varrão (R., I, 2, 22-28) por ser considerado sem importância.
2138
Plin., Nat., XXIV, 13.
2139
Plin., Nat., XVI, 64 e Col. , Rust., VI, 17, 4.
2140
Planta, proveniente da Síria, que proporciona uma resina e um óleo volátil. Cf. Plin.,
Nat., XII, 126.
2141
Plin., Nat., XXI, 182 e XXIV, 148.

682
O Restauro de Obras

será ainda mais pronto com heléboro. Além disso a mosca matar-se-á com
água fervida com heléboro-negro. Um dente de cão sepultado, como se diz,
num aposento, com a respectiva cauda e as patas, afasta a praga das moscas.
As osgas não suportam o cheiro do açafrão. O fumo de tremoços queimados
mata os mosquitos. Os ratos serão mortos pelo cheiro do acónito 2142 , mesmo
de longe. Ainda os ratos e igualmente os percevejos odeiam os fumos de
vi trio lo.
As pulgas desaparecem todas se borrifares o lugar com água fervida de
coloquíntida ou também de tribal o-aquático 2143 ; se o borrifares com sangue
de bode, acorrerão todas aos molhos. Afugentam-se com o cheiro de brás-
sica, e ainda mais com o da espirradeira. Com recipientes largos cheios de
água, distribuídos pelo pavimento, facilmente morrerão as pulgas que ousam
andar aos saltos. As traças afugentam-se com absinto, com a semente do
anis e com o cheiro da sabina 2144 . Declaram que não é atacada pelas traças
uma peça de roupa que estiver pendurada numa corda.
Mas, sobre isto, basta o que foi dito; que talvez tenha sido mais do que
o seriíssimo leitor teria desejado 2 145 • Mas, se não for alheio à correcção dos
defeitos dos lugares, dar-me-ás a tua vénia; embora, contra a impertinência e
à odiosa pertinácia destas pragas molestíssimas, nada haja que pareça poder
resultar o bastante.

CAPÍTULO XVI

Volto ao assunto. É surpreendente por que motivo é assim: se revestires


a parede do pátio com tapeçarias tecidas de lã, terás um lugar aquecido; se
de linho, tornar-se-á mais fresco. Se o lugar for demasiado húmido, faz cloa-
cas e covas e enche-as de púmice ou de cascalho, para que a água não apo-
dreça; depois, pavimenta o solo com carvão, com uma camada da altura de

2 142
Planta, geralmente venenosa, nativa das regiões temperadas do hemisfério norte e culti-
vada para fins ornamentais.
2143
Plin., Nat., XXII, 27.
2144
Arbusto, com folhas verde-escuras, muito difundido na Europa.
2145
Cf. com o modo irónico com que Alberti se refere às superstições descritas no Livro
III, cap. 13.

683
Livro Décimo

um pé 2146 e sobre isso estende saibro, ou melhor ainda e mais comodamente,


ladrilhos côncavos 2147; por cima faz o pavimento.
Será muito proveitoso se houver circulação de ar debaixo do pavimento.
Mas contra os ardores do sol e contra o rigor do Inverno contribuirá perfei-
tissimamente se, além do mais, o solo não for húmido, mas seco. Escava a
área do cenáculo à profundidade de doze pés 2148 e faz o soalho; um revesti-
mento aplicado ao pavimento do lado de dentro propiciará um ar muitíssimo
mais fresco do que poderias crer, de tal modo que, mesmo calçados de bor-
zeguins2149, os pés arrefecem, não se tendo acrescentado ao pavimento nu
outro material além das tábuas. No alto, sobre a cabeça, faz em abóbada a
cobertura desse cenáculo. Ficarás surpreendido como é fresco no Verão e
quente no Inverno.
Se acaso acontecer aquilo de que se queixa o poeta numa sátira, que lhe
tira o sono a passagem das carroças nas curvas apertadas das ruas, e atroa
nos ares a confusão da récua a patinhar, e atormentado por tal estrépito sofre
o doente 2150 , aprendemos, numa carta de Plínio-o-Moço, como se obvia a
este incómodo, nestas palavras: "Junto fica o aposento da noite e do sono:
nada sentes, nem as vozes dos escravos, nem o murmúrio do mar, nem o
movimento das tempestades, nem a luz dos relâmpagos, nem mesmo o dia,
a não ser abrindo as janelas de tão alto e retirado esconderijo. A razão disso
é a passagem situada no meio que separa o muro do aposento do muro do
jardim, e assim anula, com o espaço intermédio vazio, todo o ruído" 2151 .
Passo aos muros. Os defeitos dos muros são os seguintes: ou abrem
fendas, ou se desagregam, ou se fracturam os seus ossos, ou se desviam da
linha recta do prumo. Várias são as causas destes males, vários também os
remédios. Umas das causas são manifestas, outras ocultas, e não se sabe o
que é conveniente fazer senão depois de causado o estrago. E além desses

2 146
Equivalente a 29,6 cm.
2147
Na editio princeps, publicada em versão fac-similada por Hans-Karl Lücke (1975),
lê-se tubulos, que é traduzido por "ladrilhos côncavos", e não tabu/os, como por gralha
se lê na edição crítica de Orlandi (1966, p. 987). Numa das suas acepções, tubulus
significa "tubo", "cano" (cf. Vitrúvio, VIII, 6, 8) e tubulos (ac. do plural de tubulus)
significa também, segundo a Prosodia de Bento Pereira ( 1697), "ladrilhos furados, côn-
cavos". Dado que se trata de obter um sub-pavimento que escoe toda a espécie de
humidade, optou-se por este sentido dado por Bento Pereira.
2148
Equivalente a 3,55 m.
2149
Espécie de bota alta com atacadores.
215
° Cf. Juvenal, III, v. 236-238.
2151
Plínio-o-Moço, Epistulae Liber, II, 17, 22.

684
O Restauro de Obras

há outros que não são de forma alguma ocultos, mas a inércia dos homens
convenceu-os de que talvez não tenham tanta importância para a ruína das
obras como de facto têm.
No muro essa causa será patente: por exemplo, quando for mais estreito
do que é preciso, quando tiver juntas não apropriadas, quando repleto de
aberturas prejudiciais, quando finalmente os seus ossos não estiverem bas-
tante protegidos conta as injúrias das intempéries. Os males que são ocultos
e sucedem inesperadamente são os seguintes: os tremores de terra, os raios,
e toda a instabilidade do solo e da natureza. Mas, em primeiro lugar, aquilo
que mais prejudica todas as partes das obras é a negligência e a incúria dos
homens.
A figueira-brava - disse um autor - é um aríete silencioso para os
muros; e é inacreditável se eu disser quanto eram enormes as pedras que vi
abaladas e deslocadas pela força e pela cunha de uma raizinha nascida entre
as fendas 2152 : se alguém a tivesse arrancado então quando era tenrinha, a
obra, livre dessa praga, teria perdurado.
Dou a minha total aprovação aos Antigos que constituíam, a expensas
do estado, grupos de trabalhadores para cuidarem e olharem pelas obras
públicas. Os que Agripa deixou adscritos a esta função eram cerca de duzen-
tos e cinquenta; os que deixou César, quatrocentos e sessenta 2 153 . E consa-
graram à obra os quinze pés 2154 de terreno mais próximos em volta dos
aquedutos, para que esse espaço ficasse desocupado e as raízes das árvores
que crescessem não destruíssem as abóbadas ou os pilares. Isso mesmo
parece terem pretendido os privados nas obras que desejavam fossem eter-
nas. Com efeito, nos seus monumentos funerários escreviam quantos pés de
terreno consagravam ao culto 2 155 : uns, quinze 2 156 ; outros, vinte 21 57 .
Mas, para não voltar a esta matéria 215 8, julgam que as árvores se elimi-
nam e extinguem se, durante os dias em que o sol entra na constelação da
canícula, lhes fizerem uma incisão com um pé de altura 2159 e um buraco
através da medula, por onde introduzam um óleo a que chamam petróleo,
misturado com pó de enxofre, ou se as aspergirem abundantemente com

2152
Ver Livro III, cap. 8.
2 153
Fron ., Aq., 116, 3-4.
2 154
Equivalente a 4,44 m.
2155
Ver Livro VIII, cap. 2.
2156
Equivalente a 4,44 m.
2 157
Equivalente a 5,92 m.
2 158
Ver Livro II, cap. 4.
2159
Equivalente a 29,6 cm.

685
Livro Décimo

água fervida com cascas de favas queimadas. "Extirparás uma floresta - diz
Columela - pisando flor de tremoço em suco de cicuta durante um dia e
aspergindo-o nas raízes" 2160 • "A árvore atingida pelo fluxo menstrual perde a
ramagem" - diz Solino 2161 • Outros dizem que morre. Atingidas pela raiz de
pastinaca as árvores morrem - diz Plínio 2162• Agora volto ao assunto anterior.
Se o muro for demasiado estreito, então aplicaremos um segundo muro
feito de novo, de tal modo que constituam um só, ou, para evitar despesas,
intercalaremos apenas ossos, isto é, pilares ou colunas fortes. Um muro
aplica-se a outro da seguinte maneira. No muro antigo fixam-se em vários
lugares liadouros 2163 de pedra resistente proveniente de pedra vivaz. Estes
liadouros salientes serão encaixados de tal modo que entrem a fazer parte do
novo muro que se está a erguer e façam a ligação como que entre dois
revestimentos. E este novo muro não se construirá senão com pedra de boa
qualidade.
Levantarás um pilar ao longo da altura do muro da seguinte forma.
Marcarás a vermelho no muro antigo a dimensão que há-de ter o pilar.
Depois disso, farás no muro, começando a partir do próprio alicerce, uma
abertura que seja um pouco mais larga que o perfil traçado no muro e que
marcaste a vermelho. A abertura, porém, não será muito alta. Depois, com a
maior diligência, será tapada a abertura com pedra aparelhada em camadas
iguais. Por este processo, far-se-á com que aquela parte do muro que foi
deixada dentro do traçado a vermelho seja preenchida pela espessura do
pilar e o muro será consolidado. A seguir, de forma idêntica àquela com que
colocaste a primeira parte do pilar, acrescenta as restantes partes até ao
limite superior da obra. Quanto aos muros estreitos, fica dito.
Onde, porém, faltarem ligações usaremos grampos de ferro, ou melhor,
de bronze. Mas é preciso ter cautela para que os ossos não sejam debilita-
dos com ferimentos 2164 •
Mas se, por acaso, o peso de um desabamento de terra exerce pressão
sobre um lado do muro ou o deteriorar por causa da humidade, abre ao

2160
Col., Rust., VII, 5, 7-8.
2 16 1
Sol., 1, 54-55 e Plin., Nat., VII, 64.
2 162
Plínio-o-Antigo (Nat., IX, 155 e XXXII, 25) confunde um peixe (trygon pastinaca) com
uma planta, a pastinaca marítima (echinophora spinosa). Cf. trad. fr. de M. A. de
Grandsagne, 1832; Caye - Choay, 2004, p. 512, n. 209.
2 163
Os liadouros são pedras deixadas num pano de parede, com a cabeça saliente na direc-
ção do eixo maior, para fazerem a amarração com outra parede.
2 164
Alberti retoma a analogia edificio-corpo.

686
O Restauro de Obras

longo do muro um fosso com a largura que as circunstâncias exigem e cons-


trói semicírculos que possam aguentar a pressão do peso da terra desabada e
em vários sítios acrescenta narinas, pelas quais a humidade, pingando,
escorra e seja eliminada. Ou fixa no solo traves que com as suas cabeças,
por meio de um liadouro, agarrem e escorem o muro pressionado pela terra
aluída; engancha estas traves com outras transversais e a seguir lastra-as
com entulho. Será uma boa solução, pois a terra acumulada tornar-se-á com-
pacta antes de o nervo da madeira dar de si.

CAPÍTULO XVII

Volto aos defeitos que não se podem prever mas se podem corrtgtr
depois de produzidos. Às vezes uma fenda no muro ou um desvio das suas
linhas resultará da abóbada, porque os arcos empurram os muros ou porque
não aguentam o excesso das cargas colocadas em cima deles. Mas quase
todos os defeitos graves deste tipo vêm apenas das fundações; aliás percebe-
remos pelos indícios se resultam de outro lado ou das fundações.
A fissura do muro, para começar por ela, indicará que a causa do
defeito está sob a zona para onde ela se inclinar de baixo para cima. Se,
porém, a fissura não se inclinar para nenhum lado, mas subir em linha recta
e se alargar na parte superior, observaremos as séries das pedras de ambos
os lados. Elas revelarão que não é sólida a fundação sob a zona em que se
afastam da linha horizontal. Mas se, na parte superior, o muro estiver ileso
e a partir de baixo se abrirem várias fendas e, à medida que sobem, se se
tocarem pelos bordos e pelas extremidades, então indicam que os cunhais
dos muros são firmes, mas que o defeito se situa ao meio do comprimento
do alicerce. Se, pelo contrário, houver apenas uma fenda desse tipo, indicará
um movimento ocorrido nos cunhais tanto mais quanto ela for mais aberta
na parte superior.
Por conseguinte, quando for necessário reparar as fundações, abre junto
do muro um poço estreito mas fundo, em função do tamanho da obra e da
firmeza do solo, até encontrares terreno sólido e firme; escavando nesse
lugar a base do muro, faz de imediato um enchimento de pedra assente no
seu devido lugar e deixa endurecer. Quando tiver endurecido, abre em outro
sítio outro poço semelhante, reforça o muro da mesma maneira e deixa
secar. Desta forma, de poço em poço, reforçarás o alicerce. Mas se não se
oferecer um solo estável como desejavas, então - abrindo poços em lugares

687
Livro Décimo

determinados, situados, de um lado e do outro, a pouca distância dos ângu-


los, junto das raízes do muro de ambos os lados, isto é, na área que fica sob
a cobertura e na área que fica fora do lado oposto - enterrar-se-ão estacas
no solo muito juntas e colocar-se-ão em cima delas, ao longo do muro, tra-
ves firmíssimas em toda a sua extensão. Depois disso, far-se-ão passar atra-
vés das raízes do muro traves transversais mais grossas e muito resistentes,
de tal modo que assentem nos apoios das estacas e sustentem o muro no seu
dorso, como se fossem pontes ou jugos 2165 •
Em todas as reparações que acabámos de referir deve-se ter o cuidado
de que a nova obra que se acrescenta tenha algum ponto fraco e não con-
siga aguentar, durante muito tempo e bem, a carga recebida. Com efeito,
toda a mole do muro convergiria na parte mais fraca, apoiando-se nela.
Se as fundações foram abaladas ao meio do muro, e as partes superio-
res se mantêm ilesas, então marcarás com vermelhão na face do muro um
arco tão amplo quanto a situação exigir, isto é, de tal modo que abranja
debaixo de si toda a parte abalada. Então, começando por qualquer extremi-
dade do arco, abre na parede um buraco não maior do que é preciso para
nele caber uma pedra do arco; a esta pedra chamámos em outro lugar
aduela; coloca esta aduela com o mesmo alinhamento com que se pro-
longará um raio traçado do centro desse círculo 2 166 . Depois desse, abre o
próximo buraco contíguo e tapa-o com uma aduela semelhante, e a seguir
conclui o arco repetindo esta operação. Este propósito será alcançado sem
pengo.

2165
Vasari (1550, p. 316) relata que a loggia junto ao palácio Rucellai em Florença, situada
na via della Vigna, foi igualmente objecto de um processo de restauro, dado que "[... ]
nos seus cunhais alguns arcos apresentam um traçado imperfeito [... ] o que mostra cla-
ramente que, para além dos conhecimentos, é necessário ter uma grande prática e um
bom discernimento, coisa que não se alcança se não se exercita manualmente". Esta
observação de Vasari sugere que Alberti não teria uma cabal compreensão dos proces-
sos construtivos em obra, o que não pode ser confirmado face aos levantamentos recen-
temente efectuados para o restauro do palácio Rucellai. Conforme assinala Bracciali -
Succi (2006, p. 70), os tirantes que foram encontrados nos sistemas de suporte dos
arcos abatidos mostram que foram seguidos, escrupulosamente, os princípios que Alberti
(Livro III, cap. 13) estipulou sobre o seu reforço estrutural: "nos [arcos] abatidos,
porém, fixamos na extensão dos muros, nos dois lados, uma cadeia de ferro, ou algo
que tenha a força de um tirante, e recomendamos que a sua extensão não seja mais
curta do que é preciso para completar o tamanho da volta que falta no arco", o que
somente seria possível de ser descrito com um conhecimento obtido in situ .
2166
Ver Livro III, cap. 13 sobre a construção de arcos.

688
O Restauro de Obras

Se em algum lugar há colunas e ossos debilitados, assim os hás-de


reparar. Sob a arquitrave da obra constrói um arco resistente com pedaços de
barro cozido e gesso, sobrepondo-lhe pilares também de gesso preparados
para este efeito, de tal modo que o arco que se colocar em último lugar
ocupe totalmente as antigas aberturas; e faça-se esta construção com a
máxima rapidez, sem nenhuma interrupção da obra. É da natureza do gesso
aumentar de volume à medida que seca. Por isso, esta construção mais
recente sustentará aos seus ombros, quanto de si depender, a carga recebida
do antigo muro ou abóbada. Tu, tendo tudo preparado, retira de lá a coluna
danificada e no seu lugar coloca uma intacta.
Se te agradar apoiar a obra em madeira e sustentá-la em pilares, coloca
por baixo balanças feitas de traves e carrega o braço mais comprido com
cestos de areia 2 167• Elevarão o peso pouco a pouco, equilibradamente sem
nenhum abanão. E, se uma parede se afastar da perpendicular, implanta pos-
tes de tal maneira que fiquem estreitamente pegados ao muro. A cada um
deles junta-lhes escoras de madeira muito resistentes com os pés afastados
do muro; então, com alavancas ou cunhas, empurra-os para que exerçam
pressão sobre o muro. Assim, empurrando o muro mediante esta repartição
de esforços, ele será restituído à posição vertical. Se isso não for possível,
assentarás os apoios das traves em solo firme , e untarás as traves com pez e
azeite, para que não se danifiquem com o contacto da cal; depois acrescenta
contrafortes de pedra aparelhada, de tal modo que revistam os apoios
embreados.
Sucederá porventura que um colosso ou uma capela se inclinem com
toda a sua base para um dos lados: nesse caso levantá-los-ás pelo lado que
se afunda, ou saparás o lado que se eleva. Ambas as operações são audacio-
sas. Em primeiro lugar, com traves e toda a espécie de grampos, prende e
cinge bem não só a base, mas também tudo aquilo que se possa desagregar
com o movimento. Eis um modo prático de cingir: elevaremos as gaiolas
bem ajustadas por meio de cunhas 2168 , metendo-lhes por baixo uma trave à
maneira de uma alavanca, aquilo a que chamámos "balança". Saparás por
meio de uma escavação feita lentamente; assim se fará. Começarás ao meio
do lado por debaixo das raízes do alicerce, e aí cavarás, em direcção ao
fundo, uma abertura não muito larga, mas de uma altura tal que consigas
guarnecê-la de silhares de assentamento muito resistentes, colocados por
baixo. Ao construir por debaixo esta estrutura, não encherás a abertura com-

2 167
Ver Livro VI, cap. 6.
2 168
Ver Livro VI, cap. 8.

689
Livro Décimo

pletamente até cima, mas deixarás alguns palmos vazios, que ocuparás com
cunhas fortes não muito espaçadas entre si. Com idêntica obra se há-de
escorar a seguir o lado da capela que queiras rebaixar um pouco mais.
Quando essa estrutura receber o peso da capela, tu deves ir retirando bem e
com muita cautela as cunhas: restituirás o muro inclinado à sua linha per-
pendicular. Depois, os intervalos que ficarem vazios entre as cunhas, hás-de
preenchê-los com cunhas de pedra muito resistente.
Em Roma, na basílica maior de São Pedro, tinha eu concebido um
plano assim, porque os muros laterais, afastando-se da linha perpendicular
para cima das colunas, ameaçam fazer ruir as coberturas 2 169 • Decidira eu cor-
tar e remover cada uma das partes inclinadas do muro que se apoiasse sobre
qualquer coluna; e refazer perpendicularmente com silharia a parte do muro
que fosse retirada, deixando, à medida que ia construindo, de um lado e do
outro presas de pedra e esperas fortíssimas, pelas quais a parte restaurada se
ligasse à estrutura. Finalmente, na cobertura, a arquitrave a que devesse ser
retirada a parte inclinada do muro, seria confiada às cábreas erguidas sobre
a cobertura, com os pés apoiados de ambos os lados na parte mais estável
da cobertura e do muro. Depois, faria o mesmo sucessivamente em todas as
colunas em que a situação o exigisse. A cábrea é um instrumento náutico
formado por três traves, cujas cabeças se fixam e amarram unindo-se em
conjunto, e cujos pés se dispõem em triângulo. Usamos esta máquina como-
dissimamente para elevar cargas, servindo-nos de roldanas e de um sarilho 2170 •
Indo aplicar de novo um revestimento a uma parede velha ou a um
pavimento, primeiro lava-a com água limpa e caia-a com um pincel, usando
a flor líquida da cal misturada com pó de mármore. Assim agarrará bem o
reboco.
Não progredirá uma fenda de um pavimento ao ar livre se amassares
em óleo, principalmente de linho, cinza passada ao crivo e a despejares na
dita fenda. Para este efeito será muitíssimo útil argila bem amassada em cal
viva e cozida no forno e imediatamente regada com azeite, tendo sido a
fenda previamente limpa de todo o pó. Isso far-se-á com uma vassoura de
penas e com muitas assopraduras de um fole.
E não desprezemos a elegância da obra 21 71 • Se acaso os muros forem de
uma altura descomunal, aplica-lhe cornijas ou secções pintadas que dividam

2169
Ver Livro I, cap. 1O.
217
° Cf. Livro VI, cap. 8.
2 17 1
Ao rematar o Livro X sobre o restauro de obras, Alberti refere-se à finalidade da res
aedificatoria: Et operis etiam elegantiam non negligamus.

690
O Restauro de Obras

a altura em lugares apropriados. Se, porém, o muro for demasiado comprido,


acrescenta-lhe de cima a baixo colunas não muito frequentes, mas mediana-
mente distanciadas. O olhar deter-se-á e demorará nos lugares de repouso
que se lhe oferecem, onde pode fixar-se e ofender-se menos com a vas-
tidão 2172 •
Venha aqui também a propósito o seguinte. Muitos edifícios, porque
estão situados num lugar muito baixo ou porque estão cingidos de paredes
mais baixas do que a razão pede, por tal motivo parecerão mais pequenos e
mais acanhados do que na realidade são; pelo contrário, muitos deles, depois
de terem sido alteados, com a construção de um pavimento ou de um muro,
pareceram a partir daí muito maiores do que pareciam antes. E com abertu-
ras mais apropriadas ou com uma porta colocada em lugar mais indicado, e
com janelas abertas numa parte mais alta do muro, é opinião geral que
as salas de jantar e os aposentos se tomaram mais imponentes e mais ele-
gantes.

2 172
Cf. o Livro IX, cap. 9, onde Alberti estabelece uma correspondência entre uma feno-
menologia do desejo com uma ontologia do tempo, comparável à descrição da cúpula
de Santa Maria de/ Fiare, em Florença, na obra Profugiorum ab aenumera libri 111 (1,
p. 3 et seq.) aonde, ao percorrer este "tiempo maximo", aquele acordo contribui para a
tranquilidade da alma.

691
ANEXOS
ABREVIATURAS 2173

AUTORES E OBRAS ANTIGAS

Amm. Marc. AMIANO MARCELINO [Ammianus Marcel!inus]

App. APlANO
Hist. Historia Romana [História Romana]

Arist. ARISTÓTELES
Cael. De caelo [Sobre o Céu]
de An. De Anima [Da Alma]
Eth. Nic. Ethica Nicomachea [Ética a Nicómaco]
H. A. Historia Animalium [História dos Animais]
Int. De interpretatione [Da Interpretação]
Metaph. Metaphysica [Metafisica]
Mete. Meteorologica [Meteorologia]
Oecon. Oeconomica [Os Económicos]
Ph. Physica [Física]
Pol. Politica [Política]
[Pr.] Problemata [Problemas]
Rh. Rhetorica [Retórica]

Arr. ARRIA NO
Anab. Anabasis [Anábase I História de Alexandre]

2173
As abreviaturas utilizadas nesta edição referem-se ao nome do autor e ao título da obra,
seguidos do número do livro, em letra romana, e do capítulo e das suas subdivisões em
numeração árabe. As excepções referem-se a citações de Alberti, que comparecem
somente com a anotação do Livro e do capítulo (cap.) quando se cita o De re aedifica-
toria, bem como de Vitrúvio, cujo nome se apresenta por extenso mas sem a indicação
do título do tratado De architectura. Em relação aos restantes casos também se omite o
título do trabalho, desde que na respectiva entrada somente esteja registada ou . exista
uma obra por autor e não se originem ambiguidades.

695
Anexos

Boet. B oÉCIO [Anicius Manlius Seuerinus Boetius]


Arith. De Institutione Arithmetica [Instituição Aritmética]
Int. Top. Arist. Interpretatio Topicorum Aristotelis [Interpretação dos
Tópicos de Aristóteles].
Mus. De Institution e Musica [Tratado de Música]

Caes. C ÉSAR [Caius Julius Caesar]


Civ. De .Bel/o Ciuili [A Guerra civil]
Gal. De Bel/o Gallico [A Guerra das Gálias]

Cassiod. CASSIODORO [Flauius Magnus Aurelius Cassiodorus]

Cass. Dia D1o CÁSSIO [ Cassius Di o]

Cat. CATÃ0-0-CENSOR [Marcus Porcius Cato]2 174


Agr. De Agri Cultura [Da Agricultura]

Ce/s. C ELSO [Aulus Cornelius Celsus ]

Cic. CíCERO [Marcus Tullius Cicero]


A c. Academica [Académica]
Agr. De Lege Agraria [Da Lei Agrária]
Att. Epistulae ad Atticum [Cartas a Ático]
Arch. Pro Archia [Defesa de Árquias]
Brut. Brutus [Bruto]
Cati/. ln Catilinam [As Catilinárias]
Di v. De Diuinatione [Da Adivinhação]
ln v. De Inuentione [Da Invenção Retórica]
Lg. De Legibus [As Leis]
N. D. De Natura Deorum [A Natureza dos deuses]
Off. De Ojjicüs [Dos Deveres]
Or. Orator [O Orador]
de Oral. De Oratore [Do orador]
Phil. Philippicae [Filípicas]
Rep. De Republica [A República]
Top. Topica [Tópicos]
Tusc. Tusculanae Disputationes [Tusculanas]
Verr. ln Verrem [Verrinas]

2174
Mencionado no tratado de Alberti, excepto no Livro II, cap. 11 , por Catão.

696
Abre viaturas

Col. COLUMELA [Lucius lunius Moderatus Columella]


Rust. De Re Rustica [A agricultura]

Curt. QUINTO CúRCIO [Quintus Curtius Rufus]

Diod. Sic. DIODORO SíCULO

Diog. Laert. DióGENES LA ÉRCIO

Enn. ÉNIO [Quintus Ennius]


Ann. Annales [Anais]

Eur. EURÍPIDES
Hec. Hecuba [Hécuba]

Euseb. EUSÉBIO DE PÃNFILO [Eusebius Pamphili]


Prep. Preparatio Evangelica [Preparação Evangélica]

Fest. FESTO [Sextus Pompeius Festus]

Fron. FRONTINO [ SextusJulius Frontinus]


Aq. De Aquis Vrbis Romae [Os Aquedutos de Roma]

Gel. AuLO ÜÉLIO [Aulus Gellius]

Hdt. HERÓDOTO

Hes. HESÍODO
Op. Opera et Dies [Os Trabalhos e os Dias]

Hippoc. HIPÓCRATES
A e r. De Aeribus, Aquis, Locis [Dos Ares, das Águas, dos Lugares]
Epid. Epidemiae [As Epidemias]
Morb. sacr. De Morbo Sacro [Sobre a Doença Sagrada]

Hom. HOMERO
1!. !lias [Ilíada]

Ho r. HORÁCIO [Quintus Horatius Flaccus]


Ars Ars Poetica [Arte Poética]
Ep. Epistulae [Epístolas]
Carm. Carmina [Odes]
S. Sermones [Sátiras]

Isid. ISIDORO DE SEVILHA [Jsidorus Hispa/ensis]

697
Anexos

Joseph. FLÁVIO JosEFO [Flauius Iosephus]


A. I. Antiquitates Iudaicae [Antiguidades Judaicas]
B. I. Bellum Iudaicum [A Guerra dos Judeus]

Li v. TITO LíYIO [ Titus Livius]

Lua LUCRÉCIO [Titus Lucretius Carus]

Ma cr. MACRÓBIO [Ambrosius Theodosius Macrobius]

Mart. MARCIAL [Marcus Valerius Martialis]


Ep. Epigrammata [Epigramas]

O v. OvíDIO [Publius Ouidius Naso]


Ars Ars AmatO!' ia [Arte de Amar]
Fast. Fasti [Fastos]
Met. Metamorphoses [As Metamorfoses]

Philostr. FILOSTRATO
V. A. Vi ta Apollonii [Vida de Apolónio]

PI. PLATÃO
Lg. Leges [As Leis]
Phd. Phaedo [Fédon]
Resp. Respublica [República]
Ti. Timaeus [Ti meu]

Plaut. PLAUTO [Titus Maccius Plautus]


Mil. Miles Gloriosus

Plin. PLÍNIO-O-ANTIGO [Caius Plinius Secundus] 2 175


Nat. Natura/is Historia [História Natural]

Plot. PLOTINO

Plut. PLUTARCO
A em. Aemilius Paulus [Emílio Paulo]
A/ex. Alexander [Alexandre]
Luc. Lucullus [Luculo]
Lyc. Lycurgus [Licurgo]

21 75
Mencionado no tratado de Alberti por Plínio.

698
Abreviaturas

MaJ: Marius [Mário]


Marc. Marcellus [Marcelo]
MOI: Mora/ia [Obras Morais]
Num . Numa [Numa]
Pomp. Pompeius [Pompeio]
Popl. Poplicola [Valéria Poplícola]
Rom. Romulus [Rómulo]
Sol. Solon [Sólon]
Thes. Theseus [Teseu]

Polyb. POLÍBIO

Mela POMPÓNIO MELA [Pomponius Mela]

Prop. PROPÉRCIO [ Sextus Propertius]

Quint. QUINTILIANO [Marcus Fabius Quintilianus]


Inst. Institutio Oratoria [Instituição Oratória]

S.H.A . ESCRITORES DA HISTÓRIA IMPERIAL


[Scriptores Historiae Augustae]
Ant. Pius Antoninus Pius [Antonino Pio]
M. Ant. Marcus Aurelius Antoninus (Caracalla) [Caracala]
GOJ: Gordiani Tres [Os Três Gordianos]
H a dr. H adrianus [Adriano]
Heliogab. Antoninos Heliogabalus [Heliogábalo]
Se v. Alexander Severus [Alexandre Severo]
Ta c. Tacitus [Tácito]

Sen. SÉNECA [L. Annaeus Seneca]


Ep. ~ Epistulae ad Lucilium [Cartas a Lucílio]
Ben. De Beneficiis [Dos Benefícios]
Ira De Ira [Da Ira]
Nat. Naturales Quaestiones [Questões Naturais]

Serv. SÉRVIO [Seruius Honoratus]


A. Commentarii in Aeneidos Libras [Comentários à Eneida]

Sol. SOLINO [ Caius Julius Solinus]

Strab. ESTRABÃO

Suet. SUETÓN IO [ Caius Suetonius Tranquillus]


Aug. Augustus [Augusto]

699
Anexos

lu/. Julius [Júlio César]


Cal. Caligula [Calígula]
C/. Claudius [Cláudio]
Dom. Domitianus [Domiciano]
Nero Nero [Nero]
Tib . Tiberius [Tibério]
Ves. Vespasianus [Vespasiano]

Ta c. T ÁCITO [Publius (?) Cornelius Tacitus ]


Ag. Agrícola [Vida de Gneo Júlio Agrícola]
Ann. Annales [Anais]
Hist. Historiae [Histórias]

Ter. T ERÊNCIO [Publius Terentius Af er]


Eun. Eunuchus [O Eunuco]

Theophr. T EOF RASTO


Caus. pi. De Causis Plantarum [Das Causas das Plantas]
Hist. pi. Historia Plantarum [História das Plantas]
Vent. De Ventis [Dos Ventos]

Thuc. TucíDIDES

Ulp. ULPIANO [Domitius Vlpianus]

Var. VARRÃO [Marcus Terentius Varro]


L. De Lingua Latina [A Língua Latina]
R. Res Rusticae [Trabalhos do Campo]

Veget. V EGÉCIO [Flauius Vegetius Renatus]

Verg. VIRGÍLIO [Publius Vergilius Maro]


A. Aeneis [Eneida]
Ecl. Eclogae [Éclogas I Bucólicas]
G. Georgica [Geórgicas]

Xen . XENOFONTE
An. Anabasis [Anábase I Retirada dos Dez Mil]
La c. Respublica Lacedaemoniorum [República dos Lacedemónios I
I Constituição de Esparta]
Oec. Oeconomicus [Económico]

700
BIBLIOGRAFIA DE AUTORES ANTIGOS

Amiano Marcelino (1968-1999) Histoires. Ed. e trad. fr. de G. Sabbah, J. Fontaine


et a/ii. Paris: Les Belles Lettres.
Apiano ( 1985) Historia romana III: Guerras civiles. Livros III-V. Trad. esp. e notas
de A. S. Royo, rev. de A. G. Guerra. Madrid: Editorial Gredos.
Apiano (1994) Historia romana I. Intr., trad. esp. e notas de A. S. Royo, rev. de
A. B. Pajares. Madrid: Editorial Gredos. Madrid: Editorial Gredos.
Aristeu (1976) Lettre d 'Aristée à Philocrate. lntr. , trad. fr. e notas de A. Pelletier.
Paris: Cerf.
Aristóteles (1994) Metafisica. Intr., trad. esp. e notas de T. Calvo. Madrid: Editorial
Gredos.
Aristóteles (1995) Física. lntr. , trad . esp. e notas de G. R. de Echandía, rev. de
A. B. Pajares. Madrid: Editorial Gredos.
Aristóteles (1996) Acerca de/ Cielo, Meteorológicos. Intr., trad. esp. e notas de
M. Candel - D. Riaiío. Madrid: Editorial Gredos.
Aristóteles ( 1998) Política. Edição bilingue. Trad. port. de A. C. Amaral - C. de
C. Gomes. Lisboa: Editorial Vega.
Aristóteles (1998) Retórica. Trad. port. e notas de M. A. Júnior, P. F. Alberto - A.
do N. Pena. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Aristóteles (2001) Da Alma (De Anima). Trad. port. e notas de C. H. Gomes. Lis-
boa: Edições 70.
Aristóteles (2004) Ética a Nicómaco . Trad. port. e notas de A. C. Caeiro. Lisboa:
Quetzal Editores.
Aristóteles (2004) Problemas. Trad. esp. de E. S. Millán. Madrid: Editorial Gredos.
Aristóteles (2004) Os Económicos. Intr. , notas e trad. port. de D. F. Leão. Lisboa:
Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Aristóteles (2006) História dos Animais. Livros I-IV. Intr., trad. port. e notas de
M. de F. S. e Silva. Consultaria científica de C. Almaça. Lisboa: Centro de
Filosofia da Universidade de Lisboa e Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Aristóteles (2007) Metafisica. Intr. de M. Candel e trad. esp. de P. Azcárate. 1.3 edi-
ção em 1943 . Madrid: Espasa Calpe, S.A ..

701
Anexos

Arquimedes (1880) Archimedis Opera Omnia cum Commentariis Eutocii. Ed. por
L. H. Heiberg, vol. 1. Leipzig: B. G. Teubner.
Arriano (1927) L 'Jnde . Trad. fr. de P. Chantraine. Paris: Les Belles Lettres.
Arriano (1982) Anabasis de Alejandro Magno . I-VIII. Trad. esp. e notas de A. G.
Guerra, intr. de A. B. García, rev. de A. P. Jiménez (2 vols.). Madrid: Edito-
rial Gredos.
Aulo Gélio (1967-98) Nuits Attiques. Ed. e trad. fr. de R. Marache - Y. Julien.
Paris: Les Belles Lettres.
Aurélio Símaco (2000) Cartas. Livros I-IV. Intr. , trad. esp. e notas de J. A. V. Gal-
lego. Madrid: Editorial Gredos.
Aurelius Victor, Sextus ( 1911) Epitome de Caesaribus, ed. Franz Pichlrnayr, Leip-
zig: Teubner.
Boécio (1891) Librum Aristotelis de interpretatione commentaria minora. ln eun-
dem librum Commentaria majora. PL, LXIV. Paris: J.-P. Migne.
Boécio (2005) Tratado de Musica . Intr., trad. esp., notas e apêndices de S. V. Gil-
lén. Madrid: Ediciones Clásicas.
Boécio (2006) Boethian Number Theory. A Translation of the De Instituione Arith-
metica. Trad. ingl., intr. e notas de M. Masi . Amsterdam: Editions Rodopi,
B.V.
Cassiodoro (1973) Variae . Ed. A. J. Fridth. Turnhout: Brepols.
Catão-o-Censor (1975) L 'Agriculture. Ed. e trad. fr. de G. Serbat. Paris: Les Belles
Lettres.
Celso (1995) Médicine [De medicina]. Ed. e trad. fr. de G. Serbat. Paris: Les Bel-
les Lettres.
Censorino (2007) The Birthday Book (De die nata/i) . Trad. ingl. de H. N. Parker.
Chicago: University of Chicago Press.
César, J. (1985) Comentários a la Guerra Civil. Trad. esp., intr. e notas de A. E.
González. Madrid: Alianza Editorial.
César, J. (1995) Guerra Civil. Ed. e trad. esp. de J. Calonge. Madrid: Editorial
Gredos.
César, J. (1996) Guerra de las Galias. Livros V-VIL Trad. esp. de V. G. Yebra e
H. E. Sobrinho. Madrid: Editorial Gredos.
Cícero, M. T. (1825) Académica. Tip. Rollandiana.
Cicero, M. T. ( 1929) Orations Pro Quinctio. Pro Roscio Amerino. Pro Roscio
Comoedo. On the Agrarian Law. Trad. ingl. de J. H. Freese. Nova Iorque:
Harvard University Press.
Cícero, M. T. (1948) Livro dos Oficias de Marco Tu/lia Ciceram: o qual tornou em
linguagem o Infante D. Pedro I Marco Tu/lia Ciceram. Edição critica, segundo
o ms. de Madrid, prefaciada, anotada e acompanhada de glossário por J. Piel.
Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis.
Cícero, M. T. (1949) On lnvention. The Best Kind of Orator. Topics. Trad. ingl. de
H. M. Hubbell. Nova Iorque: Harvard University Press.

702
Bibliografia de Autores Antigos

Cícero, M. T. (1976) Discussioni tusculane, in Opere politiche e filosofiche. Org. de


N. Marinone, vol. II. Turim: UTET.
Cícero, M. T. (1987) Brutus. Intr., trad. port. e notas de J. S. M. Fernandes. Tese
de Mestrado em Literatura Latina. Lisboa: Faculdade de Letras da Universi-
dade de Lisboa.
Cícero, M. T. (1990) Discursos !. Verrinas: Discurso Contra Q. Cecilia. Primera
Sesión. Segunda Sesión (Discursos I e II) . Intr., trad. esp. e notas de J. M. R.
Prieto. Intr. geral de M. R.-P. Marquez, rev. de F. T. Rodríguez. Madrid: Edi-
torial Gredos.
Cícero, M. T. (1990) Discursos II. Verrinas: Segunda Sesión (Discursos III-V) . Intr. ,
trad. esp. e notas de J. M. R. Prieto. Intr. geral de M. R.-P. Marquez, rev. de
F. T. Rodríguez. Madrid: Editorial Gredos.
Cícero, M. T. (1990) As Catilinárias. Intr., trad. port. e notas de S. T. Pinho. Lis-
boa: Edições 70.
Cícero, M. T. (1996) Cartas I (J-16ID) Cartas a Atico. Trad. esp. e notas de
M. R.-P. Marquez, rev. de J. A. C. Rodriguez. Madrid: Editorial Gredos.
Cícero, M. T. (1996) Cartas II (162-426) Cartas a Atico. Trad. esp. e notas de
M. R.-P. Marquez, rev. de J. A. C. Rodriguez. Madrid: Editorial Gredos.
Cícero. M. T. (1997) La Invención Retórica. Trad. esp., intr. e notas de S. Núiíez.
Madrid: Editorial Gredos.
Cícero, M. T. (1999a) Sobre la Adivinación, Sobre e! Destino, Tim eo. Intr. , trad.
esp. e notas de Á. Escobar. Madrid: Editorial Gredos.
Cícero, M. T. (1999b) Em defesa do poeta Arquias. Int. , trad. port. e notas de
M. I. R. Gonçalves. Mem Martins: Inquérito.
Cícero, M. T. (1999c) On lhe Commonwealth and On the Laws. Intr. e trad. ingl.
de J. E. G. Zetzel. Londres: Cambridge University Press.
Cícero, M. T. (2000) Dos Deveres (De Officiis). Trad. port. de C. H. Gomes. Lis-
boa: Edições 70.
Cícero, M. T. (2001) E! Orador. Intr. , trad. esp. e notas de E. S. Salor. Madrid:
Alianza Editorial.
Cícero, M. T. (2002) Sobre el Orador. Trad. esp., intr. e notas de J. J. Iso. Madrid:
Editorial Gredos.
Cícero, M. T. (2003) Cicero s Topica. Ed., intr. , comentários e trad. ingl. de T. Rei-
nhardt. Oxford: Oxford University Press.
Cícero, M. T. (2004) Da Natureza dos Deuses. Intr., trad. port. e notas de P. B. Fal-
cão. Lisboa: Nova Vega.
Cícero, M. T. (2005) Disputaciones Tusculanas . Intr. e trad. esp. de A. Medina.
Madrid: Editorial.
Cícero, M. T. (2006a) Topica. Trad. ingl. , intr. e comentários de T. Reinhardt. Lon-
dres : Oxford University Press.
Cícero, M. T. (2006b) Discursos VI. Filipicas. Intr. e trad. esp. de M. J. M. Jimé-
nez. Madrid: Editorial Gredos.

703
Anexos

Cícero, M. T. (2008) Tratado da República . Trad. port. de F. Oliveira. Lisboa:


Círculo de Leitores.
Columela (2004) Libra de Los Arboles. La Labranza, Livros I-V. Trad. esp. de J. I.
G. Armendáriz. Madrid: Editorial Gredos.
Cornélio Nepos (1992) Oeuvres [Vitae]. Texto estabelecido e trad. fr. de A.-M.
Guillemin, rev. e correcção de P. Heuzé - P. Jal. Paris: Les Belles Letres.
Demóstenes (1970) Las Tres Olintiacas. Trad . esp. e notas de P. M. Balague.
Madrid: Bosh Casa Editorial.
Dio Cássio (1925) Roman History. Vol. VIII, Livros 61-70. Trad. E. Carey- H. B.
Foster. Nova Iorque: Harvard University Press.
Diodoro Sículo (2001) Biblioteca Historica. Livros /-//1. Trad. esp. de F. P. Alasá.
Madrid: Editorial Gredos.
Diodoro Sículo (2004) Biblioteca Historica. Livros IV- VIII. Trad. esp. de J. J. T.
Esbarranch. Madrid: Editorial Gredos.
Diógenes Laércio (2007) Vidas de los Filósofos Ilustres. Trad. esp., intr. e notas de
C. G. Gual. Madrid : Alianza Editorial.
Dionísio de Halicarnasso (1937) Roman Antiquities (Antiquitates Romanae). Vol. I,
Livros 1-2. Trad. ingl. de E. Cary. Nova Iorque: Harvard University Press.
Dionísio de Halicarnasso (1939) Roman Antiquities (Antiquitates Romanae). Vol. II,
Livros 3-4. Trad. ingl. de E. Cary. Nova Iorque: Harvard University Press.
Élio Aristides (1981-1983) Die Romrede des Aelius Aristides. Ed. R. Klein. 2 vols ..
Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft.
Énio (1985) The Annals of Quintus Ennius. Ed. e trad. ingl. de O. Skutsch. Oxford:
Oxford University Press.
Estrabão (1965) Geografia da Ibéria. Trad. port. de J. Cardoso. Porto: Centro de
Estudos Humanísticos, Universidade do Porto.
Estrabão (1966-1996) Géographie. Ed. e trad. fr. de G. Aujac, F. Lasserre
- R. Baladié. Vols. 1-9, Livros I-XII. Paris: Les Belles Lettres.
Estrabão (1992) Geografia. Livros III-/V. Intr., trad. esp. e notas de M. J. Meana
- F. Pifí.ero, rev. de C. S. Aybar. Madrid: Editorial Gredos.
Estrabão (2001) Geografia. Livros V-VII. Intr., trad. esp. e notas de J. V. Tejada
- J. G. Artal. Madrid: Editorial Gredos.
Estrabão (2001) Geografia. Livros VIII-X Intr. , trad. esp. e notas de J. Torres ·
Esbarranch .. Madrid: Editorial Gredos.
Estrabão (2003) Geografia. Livros XI-XIV. Intr. , trad. esp. e notas de M. P. H. Gar-
cía-Bellido. Madrid: Editorial Gredos.
Euclides (2002) Euclid's Elements. Trad. ingl. de T.L. Heath. Santa Fe, New
Mexico: Green Lion Press.
Eurípides (2004) Duas tragédias gregas: Hécuba e Troianas. Trad. port. e intr. de
C. Werner. São Paulo: Martins Fontes.
Eusébio de Pânfilo (1974-1991) La Préparation évangélique. Ed. e trad. fr. de
E. des Places et a!. Paris: Éditions du Cerf.

704
Bibliografia de Autores Antigos

Festo (1913) Epitoma de verborum significatu Verri Flacci [Do significado das
palavras]. Ed. M. W. Lindsay. Leipzig: Teubner. Ver Bibliotecha Latina na
www no endereço: http: /www. romaetema.org/fabulae/bib-it-htm. Consultado
em 19-03-2006.
Filóstrato (1958) Vie d 'Appolonios de Tyane in Romans grecs et latins. Trad. fr. de
P. Grimal. Paris: Gallimard, pp. 1031-1338.
Flávio Josefo (1975-7) Guerre des Juifs. Ed. e trad. fr. de A. Pelletier. Paris: Les
Belles Lettres.
Flávio Josefo (1990-5) Les Antiquités Juives. Ed. e trad. fr. de E. Nodet et a/ii.
Paris: Éditions du Cerf.
Frontino (1944) Les Aqueducts de Rome. Ed. e trad. fr. de P. Grimal. Paris: Les
Belles Lettres.
Heródoto (1988) História. Trad. e intr. de M. da G. Kury. Brasília: Universidade de
Brasília.
Heródoto (1989) Le storie. La Lídia e la Persia. Livro I. Intr. de D. Asheri. Texto
e notas de D. Asheri, trad. de V. Ante1ami. Fondazione Lorenzo Valla/Amoldo
Mondadori.
Heródoto (2001) Histórias. Livro IV. Trad. port., intr. e notas de M. de F. S. Silva
- C. Abranches Guerreiro. Lisboa: Edições 70.
Heródoto (2002) Histórias. Livro I. lnt. Geral de M. H. da Rocha Pereira. Trad.
port., intr. e notas de J. R. Ferreira - M. de F. S. Silva. Lisboa: Edições 70.
Hesíodo (2005) Teogonia. Trabalhos e Dias. Trad. port., intr. e notas de A. E.
Pinheiro - J. R. Ferreira. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Higino Gromático (1971) De limitibus constituendis. ln Corpus Agrimensorum
Romanorum. Ed. de C. Thulin. Stuttgart: Teubner.
Hipócrates (1923) Prognostic. Regímen in Acute Diseases. The Sacred Disease. The
Art. Breaths. Law. Decorum. Physician (Ch. 1). Dentition. Trad. ingl. W. H. S.
Jones. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.
Hipócrates (1988) Affections. Diseases 1. Diseases 2. Trad. ingl. de Paul Potter.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.
Hipócrates (1996) Airs, eaux, places. Ed. e trad. fr. de J. Jouanna. Paris: Les Bel-
les Lettres.
Homero (2005) Ilíada. Intr. e trad. port. de F. Lourenço. Lisboa: Cotovia.
Horácio (1863) The Works of Horace. Trad. ingl. de C. Smart - T. A. Buckley.
Nova Iorque: Harper & Brothers.
Horácio (1934) Epítres. Ed. e trad. fr. de F. Villeneuve. Paris: Les Belles Lettres.
Horácio (2001) Arte Poética. Trad. port. de R. M. R. Fernandes. Mem Martins:
Editorial Inquérito.
Horácio (2008) Odes. Intr., notas e trad. port. de J. B. Macedo. Lisboa: Livros
Cotovia.
Isidoro de Sevilha (1981-1986) Etymologiarum sive originum libri XX. Ed. de
M. W. Lindsay. Oxford: Oxford University Press.

705
Anexos

Jerónimo, São (1844- 1865) Commentaria in Epístola ad Philemonem. PL, XXVI.


Paris: J.-P. Migne.
Jerónimo, São (2005) The Chronicle of St. Jerome. Trad. ingl. de R. Pearse. Dispo-
nível na www no endereço: http ://www.tertullian .org/fathers/jerome_chroni-
cle 00 eintro.htm. Consultado em 25-04-2007.
Justino (1833) Historiarum Philippicarum ex Torga Pompeio. Libras XLVI. Vol. I,
Paris: C. L. F. Panckoucke.
Juvenal (1991) Th e Satires. Trad . ingl. de N. Rudd, intr. e notas de W. Barr.
Oxford: Oxford University Press.
Lucrécio (2003) La Naturaleza. Trad. esp. de F. S. Gavilán. Madrid : Editorial
Gredos.
Macróbio (1937) Saturnales . Ed. e trad. fr. de H. Bomecque - F. Richard. Paris:
Gamier.
Marcial (2000) Epigramas. Intr. e notas de C. de S. Pimentel, trad. port. do Livro
dos Espectáculos de D. F. Leão, trad. dos Livros I II de J. L. Brandão, trad.
de P. S. Ferreira do Livro III. Vol. I. Livros I-III. Lisboa: Edições 70.
Marcial (2001) Epigramas. Intr. e notas de C. de S. Pimentel, trad. de D. F. Leão
et alü. Vol. III. Livros VII-IX. Lisboa: Edições 70.
Nicómaco de Gerasa (1960) Introduction to Arithmetic. Trad. ingl. de M. L.
D'Ooge. Winnipeg: St. John's College Press.
Nicómaco de Gerasa (1994) Th e Manual of Harmonics of Nicomachus the Pytha-
gorean. Trad. ing. e comentários de F. R. Levin. Grand Rapids: Phanes Press.
Ovídio (1924) Tristia. Ex Ponto . Trad. ingl. de A. L. Wheeler, rev. de G. P. Goold.
Nova Iorque: Harvard University Press.
Ovídio (1988) Fastos. Intr., trad. esp. e notas de B. S. Ramos, rev. de A. R. de
Elvira. Madrid: Editorial Gredos.
Ovídio (2006) Arte de Amar. Trad. port., intr. e notas de C. A. André. Lisboa:
Livros Cotovia.
Ovídio (2006) Amores. Trad. port., intr. e notas de C. A. André. Lisboa: Livros
Cotovia.
Ovídio (2006) Metamorfoses. Trad. port. , intr. e notas de D. Lucas Dias. Livros
I-VII. Lisboa: Vega.
Ovídio (2008) Metamorfoses. Trad. port. , intr. e notas de D. Lucas Dias. Livros
VIII-XV. Lisboa: Vega.
Paládio [Aemilianus Palladius] ( 1990) Tratado de Agricultura. Medicina Veterina-
ria. Poema de los Injertos. Intr., trad. esp. e notas de A. M. Casas, rev. de I.
Illán. Madrid: Editorial Gredos.
Pausânias (1926) Description of Greece. Vol. II. Livros 3-5. Trad. ingl. de W. H. S.
Jones - H. A. Ormerod. Nova Iorque: Harvard University Press.
Pausânias (1955) Description of Greece. Vol. V. Trad. ingl. e ed. de R. E. Wycher-
ley. Harvard: Harvard University Press.

706
Bibliografia de Autores Antigos

Platão (1992) Diálogos Vol. VI: Filebo. Timeo. Critias. Intr., trad. esp. e notas de
M. Á. Durán - F. Lisi, rev. de M. L. Salvá. Madrid: Editorial Gredos.
Platão (1993) Ménon. Trad. port. de E. R. Gomes . Lisboa: Edições Colibri.
Platão ( 1996) República. Trad . port. de M. H. R. Pereira. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian.
Platão (2002) Leyes . Trad. esp ., intr. e notas de J. M. Pábon - M. F. Galiano.
Madrid: Alianza Editorial.
Platão (2004) Leis. Vol. I. Livros I-III. Intr. , trad. port. e notas de C. H. Gomes.
Lisboa: Edições 70.
Plauto (1997) Miles gloriosus . Ed, de M. Hammond, A. W. Mack, W. Moskalew.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.
Plínio-o-Antigo (1832) Histoire Naturelle de Pline. Trad. fr. de M. A. J. de Grand-
sagne. Vol. 14. Paris: C. L. F. Panckoucke.
Plínio-o-Antigo (1855) The Natural History. Trad. ingl. e ed. de J. Bostock - H. T.
Riley. Londres: Taylor and Francis.
Plínio-o-Antigo (1947-1972) Histoire Naturelle. Ed. e trad. fr. de J. André, J. Beau-
jeau, A. Emout et ai .. Paris: Les Belles Lettres.
Plínio-o-Antigo (1995) Historia Natural. Livros I-II. Trad. esp. e notas de A. Fon-
tán -A. M. Casas et a/ii. Intr. geral de G. Serbat, rev. de M. L. Arribas e de
E. dei B. Sanz. Madrid: Editorial Gredos.
Plínio-o-Antigo (1998) Historia Natural. Livros III- VI. Trad. esp. e notas de A.
Fontán, I. G. Arribas, E. dei B. Sanz e M. L. Arribas, rev. de L. A. H. Miguel
e de F. M. Cano. Madrid: Editorial Gredos.
Plínio-o-Antigo (2003) Historia Natural. Livros VII-XI. Trad. esp. e notas de E. B.
Sanz, I. G. Arribas, A. M. M. Casas, L. A. H. Miguel e M. L. Arribas.
Madrid: Editorial Gredos.
Plínio-o-Moço (1969) The Letters of the Younger Pliny. Trad. Ingl. e intr. de B.
Radice. Londres: Penguin Books Ltd ..
Plotino (1991) The Enneads. Trad. ingl. de S. MacKenna. Londres: Penguin Books.
Plutarco (1878) Plutarch 's Morais . Trad. de AA.VV. , rev. de W. W. Goodwin, intr.
de R. W. Emerson. 5 Volumes. Boston: Little, Brown, and Co ..
Plutarco (1931) Mora/ia. Trad. de F. C. Babbit. Loeb Classical Library, vol. 3.
Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.
Plutarco (193 8-41) Vidas Paralelas. (Lícurgo, Cícero, Demóstenes, Lisandro, Peló-
pidas, Péricles, Sólon, Valério Poplícola). Trad. port. de A. Lobo Vilela. Lis-
boa: Edições Inquérito.
Plutarco (2000) Vidas Paralelas I. (Teseo, Romulo, Licurgo, Numa). Intr., trad. esp.
e notas de A. P. Jiménez, rev. de A. M. Díez. Madrid: Editorial Gredos.
Plutarco (2007a) Vidas Paralelas III (Cario/ano, Alcibiades, Paulo Emilio, Timo-
leon, Pelopidas, Marcelo). Trad. esp. de Pelópidas-Marcelo por P. Ortiz, de
Coriolano-Alcibíades e Timoleón-Paulo Emílio por A. P. Jiménez. Madrid:
Editorial Gredos.

707
Anexos

Plutarco (2007b) Vidas Paralelas IV (Aristides, Caton. Filopemén, Flaminio. Pirro,


Mario). Intr., trad. esp. e notas de J. M. G. Hermida- Ó. M. García. Madrid:
Editorial Gredos.
Plutarco (2007c) Vidas Paralelas V (Lisandro, Si/a, Nicias, Craso, Cimón, Lúculo).
Trad. esp. e notas de D. D. H. de la Fuente. Madrid: Editorial Gredos.
Plutarco (2007d) Vidas Paralelas VI. (Alejandro, César, Agesi/ao, Pompeyo, Sertó-
rio, Éumenes) . Trad. esp. e notas de J. B. Cavero. Madrid: Editorial Gredos.
Políbio (1923) Histories, III. Livros V-VIII. Trad. ingl. de W. R. Paton. Nova Ior-
que: Harvard University Press.
Políbio (1985) História . Trad. port. de M. G. Kury. Brasília: Editora da UnB.
Pompónio Mela (1988) Corographie. Ed. e trad. fr. de A. Silberman. Paris: Les
Belles Lettres.
Propércio (2002) Elegias. Trad. port. de A. A. Nascimento (Livro 1), M. C. Pimen-
tel (Livro II), P. F. Alberto (Livro III), J. A. S. Campos (Livro IV). Texto
latino e intr. de P. Fedeli e coord. de A. A. Nascimento. Assis: Ed. da Acca-
demia Properziana del Subasio; Lisboa: Centro de Estudos Clássicos da Facul-
dade de Letras.
Pseudo-Aristóteles (1966) De plantis. Ed. de O. Apelt. Leipzig: Teubner.
Pseudo-Pitágoras (1962) I versi aurei di Pitagora. Trad. it., intr. e notas de
A. Farina. Nápoles: Libreria scientifica.
Publílio Siro (2003) Sententiae. ln As Sententiae de Publílio Siro. Intr., trad. port. e
notas por M . P. C. Martins. Tese de Mestrado. Aveiro: Universidade de Aveiro.
Quinto Cúrcio (1947-48) Histoire d'A/exandre /e Grand. Ed. e trad. fr. de H. Bar-
don. Paris: Les Belles-Lettres.
Quintiliano (1975-1980) Institution oratoire. Ed. e trad. fr. de J. Cousin. Paris: Les
Belles-Lettres.
Scriptores Historiae Augustae (1965) Ed. E. Hohl., Bibliotheca Scriptores Graeco-
rum et Romanorum Teubneriana. Lipsiae in aedibus B. G. Teubneri.
Séneca, L. A. (1907) Natural Questions [Quaestiones Naturales]. Ed. de A. Gercke.
Leipzig: Teubner.
Séneca, L. A. (1927) Des bienfaits (De beneficiis). Ed. e trad. fran. de F. Préchac.
Paris: Les Belles Lettres.
Séneca, L. A. (1991) Cartas a Lucílio. Trad. port. de J. A. S. Campos. Lisboa: Fun-
dação Calouste Gulbenkian.
Séneca, L. A. (1999) Dialoghi. Ed. e trad. it. de P. Ramondetti. Turim: UTET.
Sérvio ( 1881-1902) Vergilii carmina commentarii. , Ed. de G. Thilo - H. Hagen.
Leipzig: Teubner.
Solino (1847) Polyhistor. Ed. e trad. fr. de M. A. Agnant. Paris: Panckoucke.
Suetónio (1975) Os Doze Césares. Trad. port. de J. G. Simões. Lisboa: Editorial
Presença.
Tácito (1842) Vida de Gneo Júlio Agrícola. Trad. port. e notas de J. M. C. de
Lacerda. Lisboa: Imprensa nacional.

708
Bibliografia de Autores Antigos

Tácito (1986) Anafes. Livros XI-XVI. Trad. esp. e notas de J. L. Moralejo, rev. de
L. R. Fernández. Madrid: Editorial Gredos.
Tácito (1987-1992) Histoires. Ed. e trad. fr. de P. Wuilleumier- H. Le Bonniec.
Paris: Les Belles-Lettres.
Teofrasto (1975) De ventis. Ed. , intr., trad. e comentários de V. Courant - V. L.
Eichenlaub. Notre Dame: University of Notre Dame Press.
Teofrasto (1976-1990) De causis plantarum. Ed. de B. Einarson - G. Link: Lon-
dres-Cambridge (Mass.): Harvard University Press.
Teofrasto (1988) Historia de las Plantas. Intr. , trad. esp. e notas de J. M. D.-R.
López, rev. de J.-F. González Castro. Madrid : Editorial Gredos.
Terêncio (1996) O Eunuco . Intr., trad. port. e notas de A . P. Couto. Lisboa: Edi-
ções 70.
Tertuliano (1844-1865) De carne Christi. PL, II. Paris: J.-P. Migne
Tito Lívio (1953-1972) Histoire de Rome [Ab urba condita libri]. Ed. e trad. fr. de
J. Romilly. Paris: Les Belles Lettres.
Tito Lívio (1999) História de Roma (Ab Vrbe Condita). Livro I. Intr., trad. port. e
notas de P. F. Alberto. Lisboa: Editorial Inquérito.
Tucídides (1987) História da Guerra do Peloponeso. Trad. port. de M. G. Kury.
Brasília: Editora UnB.
Ulpiano (1979) Digeste [Digesta]. in Corpus juris civilis. Ed. de H. Hulot et a/ii.
Reimpressão da edição de 1803, Metz: Behmer et Lamort. Aalen: Reprint
Scientia Verlag.
Varrão ( 1985) De Língua Latina. Ed. de Goetz - Schoel, 191 O. Leipzig: Teubner.
Varrão (1988) La Lengua Latina. Libras VII-X e Fragmentos. Trad. esp. e notas de
L. A. H. Miguel, rev. de P. M. S. Martínez. Madrid: Editorial Gredos.
Varrão (1990) De lingua Latina. Int., trad. esp. e notas de M.-A. M. Casquero.
Edição bilingue. Barcelona: Antrophos ; Madrid: Ministerio de Educación y
Ciência.
Varrão (1994) L 'Économie rurale. Livro I. Ed. e trad. fr. de J. Heurgon. Paris: Les
Belles Lettres. Ed. e trad. fr. (Livros II e III) de C. Guiraud. Paris: Les Belles
Lettres.
Varrão ( 1998) La Lengua Latina. Libras V- VI. Trad. esp. e notas de L. A. H.
Miguel, rev. de P. M. S. Martínez. Madrid: Editorial Gredos.
Vegécio (1996) Epitome of Military Science. Trad. ingl., notas e intr. de N. P. Mil-
ner. Liverpool: Liverpool University Press.
Vegécio (2009) Compêndio da Arte Militar. Trad. port. de J. G . Monteiro - J. E.
Braga, estudo intr., comentários e notas de J. A. Monteiro, pref. de M. H. da
R. Pereira. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Virgílio (1990) Bucólicas. Geórgicas. Apéndice Virgiliano. Intr., trad. esp. e notas
de T. A. Recio- A. Soler, intr. de J. L. Vidal, rev. de J. González, J. L. Mora-
lejo e de E. del Barrio. Madrid: Editorial Gredos.

709
Anexos

Virgílio (1996) Bucólicas. Intr., trad. port. e notas de M. I. R. Gonçalves. Lisboa:


Editorial Verbo.
Virgílio (2003) Eneida. Trad. port. de L. Cerqueira (cantos I a IV), C. A. Guerreiro
(cantos VII e VIII), A. A. A. Sousa (cantos X e XI) e P. F. Alberto (cantos IX
e XII). Lisboa: Bertrand Editora.
Vitrúvio (1556) De Architectura. Trad. ital. de Mons. Daniele Bárbaro. Veneza.
Vitrúvio (1582) Marco Vitruvio Pollión, De Architectura. Trad. cast. de M. de
Urrea. Alcalá de Henaes: Juan Gracián.
Vitrúvio (1973) De L 'Architecture. Livre III. Edição bilingue. Trad. fr. comentada
de L. Callebat. Paris: Les Belles Lettres.
Vitrúvio, M.P. ( 1999) De L 'Architecture. Livre II. Edição bilingue. Trad. fr. de
L. Callebat - P. Gross. Paris: Les Belles Lettres.
Vitrúvio, M.P. (2006) Tratado de Arquitectura. Trad. port. , intr. e notas de M. J.
Maciel. Lisboa: 1ST Press.
Xenofonte (1984) Obras Menores I La República De Los Atenienses. Hierón. Age-
si/ao. La República de los Lacedemonios. Los lngresos Públicos. E/ Jefe de la
Caballeria. De la Equitación. De la Caza. Intr., trad. esp. e notas de O. G.
Tuí'íón, rev. de A. P. J. - J. A. L. Férez. Madrid: Editorial Gredos.
Xenofonte (1999) Económico. Trad. port. de A. A. L. Almeida. São Paulo: Livraria
Martins Fontes.
Xenofonte (1999) Anabasis. Ed. e trad. esp. de C. Varias. Madrid: Cátedra.

710
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A universalidade e a sofisticação literária, acompanhada de uma reflexão filo-


sófica e disciplinar aprofundada, fizeram de Alberti um dos autores do Quattrocento
mais comentados, tanto na área literária como artística.
A exegese da sua obra tem-se desenvolvido, de forma crescente, desde o séc.
XVI, pelos seus contemporâneos, até aos dias de hoje, onde as suas obras estão tra-
duzidas em línguas que vão do italiano ao inglês, passando pelo espanhol e pelo
francês - os idiomas tradicionais para a hermenêutica albertiana - até ao alemão,
russo, polaco, checo e, mais recentemente, ao japonês.
A bibliografia contemporânea sobre Leon Battista Alberti é, por isso, muito
extensa e está em contínua actualização. As obras de Bensimon (1997, pp. 277-
-324), Borsi (1989, pp. 266-278), Gado! (1969, pp. 245-257), Naredi-Rainer (1992,
pp. 87-91), Paoli (1999, pp. 223-282) e Schlosser (1996, pp. 157-163) fornecem
uma listagem recente das obras de e sobre Alberti .
A Société Internationale Leon Battista Alberti (SILBA)2 176 possibilita uma pes-
quisa criteriosa e de grande amplitude sobre as principais fontes bibliográficas rela-
tivas a Alberti mas, mesmo assim, não exaustiva. Em particular, o sítio na www do
Prof. Michael Paoli , que apresenta uma listagem dos textos críticos publicados
desde 1995, revela-se essencial para uma consulta que está sendo constantemente
actualizada, desde 2006, por Francesca Garibotto 2177 •
Também a revista Albertiana, publicada desde 1998 pela SILBA e com o
patrocínio do Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, possibilita um fórum multi-
disciplinar que promove o diálogo entre as diversas tradições culturais nacionais,
que têm dado novo impulso à recepção da vasta obra de Alberti no âmbito, mais
alargado, dos estudos humanísticos.
Além disso, em anos recentes, temos assistido a um incremento notável de
acontecimentos à volta da obra de Albérti, principalmente a partir da exposição rea-

2176
Ver o endereço na www: http://www.silba.msh-paris.fr. Consultado em 24-10-2005.
2177
Ver o endereço na intemet: http://alberti.wordpress.com/presentazione/about/. Consultado
em 12-09-2009.

711
Anexos

lizada em Mântua em 1994, a que se seguiram as comemorações do VI centenário


do seu nascimento, realizadas em 2004.
O trabalho elaborado recentemente por Cardini et a/ii (2005) faz um levanta-
mento, não exaustivo, das fontes bibliográficas utilizadas por Alberti mas, mesmo
assim, ainda suficientemente abrangente para uma identificação das principais cita-
ções presentes na sua vasta obra literária que se apoiou tanto em autores antigos
greco-romanos, como medievais e contemporâneos (cf. Alberti, c. 1445, De equo
animante, pp. 204-207).
Assinale-se, ainda em fase de publicação, a Edizione Nazionale delle Opere di
Leon Battista Alberti a cargo de Cardini et a/ii, realizada no âmbito do Comitato
Nazionale VI centenario de/la nascita di Leon Battista Alberti, Ministerio per i
Beni e /e Attivitá Cultura/i de Itália e que se constitui numa referência de base à
sua obra escrita.
Nesta edição em língua portuguesa do De re aedificatoria, apresentamos as
fontes bibliográficas utilizadas na Introdução e nas Notas, que possibilitam, a par-
tir de referências cruzadas, lançar pistas para o aprofundamento dos temas que
abordamos para esta edição.

712
OBRAS DE ALBERT/

Alberti, L. B. (c. 1424-1434) "Leon Battista Alberti, Philodoxeos fabula": Rinasci-


mento, II, 1977, 17, pp. 111-234. Ed. crítica de de L. C. Martinelli.
Alberti, L. B. (c. 1428-1432) De Commodis literarum atquae incommodis. Avanta-
ges et inconvénients des lettres. Trad. fr. de C. Carraud - R. Lenoir, pref. de
G. Tognon, apres. e notas de C. Carraud, 2004. Grenoble: Éditions Jérôme
Millon.
Alberti, L. B. (1430) Rime - Poemes, suivi de "La Protesta - Protestation ". Ed.
crítica, intr. e notas de G. Gorni; trad. fr. de M. Sabbatini, 2002. Paris: Belles
Lettres.
Alberti, L. B. (c. 1430-1440) Intercenales. Dinner Pieces. Trad. ingl. de D. Marsh,
1987. Binghamton: Centre for Medieval and Early Renaissance Studies, State
University of New York.
Alberti, L. B. (1433) I libri della famiglia. Org. de R. Romano, A. Tenenti - F.
Furlan, 1994. Roma: Nuova Universale Einaudi. Disponível na www no
endereço: http://www.liberliber.it/biblioteca/a/alberti/index.htm. Consultado em
23-02-2006.
Alberti, L. B. (1435) Grammatichetta. Grammaire de la tangue toscane. Précédé de
Ordine delle Laettere I Ordre des lettres. Ed., intr. e notas de G. Patota, trad.
fr. de L. Vallance, 2004. Paris: Les Belles Lettres.
Alberti, L. B. (c. 1435-36) Della pittura. Ed. de L. Malle, 1950. Florença: Sansoni.
Alberti, L. B. (c. 1435-1436) Theogenius . ln Opere Volgari, vol. II, org. de G.
Grayson, 1966. Bari: Laterza. .
Alberti, L. B. (1437) Pontifex. Edizione Nazionale delle Opere di Leon Battista
Alberti, org. de A. Piccardi, 2007. Florença: Edizioni Polis tampa.
Alberti, L. B. (1437) De iure (Du droit). Apresentação de F. Furlan e ed. critica de
C. Grayson. Trad. fr. de P. Caye, 2000. Albertiana. Vol. III, pp. 157-191.
Alberti, L. B. (1438) Vil/a. Ed. e intr. in C. Grayson, Studi su L. B. Alberti, 1988.
Florença: Olschki.
Alberti, L. B. (1438) Vita Anonima. ln Leon Battista Alberti -Antologia. Ed. de J.
M. Rovira e trad. esp. de A. Coroleu, 1988, pp. 153-165. Barcelona: Ediciones
Península.

713
Anexos

Alberti, L. B. (1438) Uxoria (Proemium ad Petrum de Medieis) . ln Opere Volgari,


org. de C. Grayson, Bari, II, 1960-1973 , pp. 302-5.
Alberti, L. B. (1440) Grammatica de/la língua toscana. ln Opere Volgari , vol. III,
Colecção "Scrittori d 'ltalia", org. de C. Grayson, 1973. Bari: Laterza.
Disponível na www no endereço: http ://www.liberliber.it/biblioteca/a/alberti/
lindex.htm. Consultado em 23-02-2006.
Alberti, L. B. (c. 1441 -1442) Profugiorum ab aerumna libri III. De/la tranquilità
dell'animo . Org. de G. Ponte, 1988. Génova: Casa Editrice Tilgher. Disponível
na www no endereço: http: //www.liberliber.it/biblioteca/a/albertilindex.htm.
Consultado em 23-02-2006.
Alberti, L. B. (c. 1441-1444) De pictura. Org. de C. Grayson, 1980. Bari: Laterza.
Disponível na www no endereço: http ://www.liberliber.it/biblioteca/a/alberti/
/index.htm. Consultado em 23-02-2006.
Alberti, L. B. (1444) Momus. Trad. ingl. de S. Knight. Texto em latim editado por
V. Brown - S. Knight, 2003 . Londres: Harvard University Press.
Alberti, L.B . (1444) Mamo o de! Príncipe. Trad. esp. de P. M. Reinón, ed. e intr.
de F. Jarauta, 2002. Co-edição do Consejo General de la Arquitectura Técnica
de Espana, Presidencia Región de Murcia e Caja de Ahorros del Mediterraneo:
Valencia.
Alberti, L. B. (c.1445) De equo animante. L e Cheval Vivant. Trad. fr. de J.- Y.
Boriaud, rev. de F. Furlan, org. de C. Grayson, 1999. Albertiana, Vol. II,
pp. 191-235.
Alberti, L. B. (1450) Descriptio urbis Romae. Ed. crítica, trad, fr. e comentário de
M. Fumo e M. Carpo, 2000. Paris: Droz.
Alberti, L. B. (c.l450) Ex ludis rerum mathematicarum. Trad . fr. de P. Souffrin
com o título Divertissements Mathématiques, 2002. Paris: Seuil.
Alberti, L. B. (c. 1450-1455) "Elementa Picturae ". ln Opere Volgari, org. de
A. Bonucci, 1843-1849, vol. III, pp. 108-129. Florença: Tipografia Galileiana.
Alberti, L. B. (c.l466) De componendis cifris. Trad. fr. de M. Fumo. ln Leon Bat-
tista Alberti. Actas do Congres International, org. de F. Furlan, P. Laures e
S. Matto, Paris, 10-15 de Abril de 1995. Paris: J. Vrin, pp. 703-725.
Alberti, L. B. (1472) II Testamento di Leon Battista Alberti. Ed. de E. Bentivoglio
e transcrição critica de G. Crevatin, 2005. Roma: Gangemi Editore.
Alberti, L. B. (1485) De re aedificatoria. Ed. fac-símile da editio princeps de
Hans-Karl Lücke, 1975. München: Prestei Verlag.
Alberti, L.B. (1485) L 'Architettura di Leon Batista Alberti. Trad. do De re aedifi-
catoria para a língua Florentina de Cosimo Bartoli. Veneza, 1565. Fac-símile
ed. por Arnaldo Fomi Editore, 1985.
Alberti, L. B. (1485) De Re Aedificatoria ó Los Diez Libras de Arquitectura.
Madrid: Alonso Gomez, 1582. Fac-símiles da trad. para esp. do De re aedifi-
catoria assistida por F. Lozano. Oviedo: Colegios Oficiales de Aparejadores y
Arquitectos Técnicos, 1975. Valência: Albatroz Ediciones, 1977.

714
Obras de Alberti

Alberti, L. B. (1485) The Ten Books of Architecture. Trad. ingl. do De re aedifica-


toria de Giacomo Leoni, 1726 e 1755, com o título The architecture of Leon
Batista Alberti in ten books. Londres: Edward Owen. Reimpresso, em 1986,
em Nova Iorque: Dover Publications.
Albetti, L. B. (1485) L 'architecture et l 'Art de bien bastir du Seigneur Leon Bap-
tiste Albert, Gentilhomme Florentin, divisée en dix livres traduicts de Latin en
François par deffunct Ian Martin, Parisien . Paris: Jacques Kerver. 1553.
Alberti, L. B. (1485) Della Architettura Libri Dieci di Leon Battista Alberti. Tra-
duzione di Cosimo Bartoli. Con Note Apologetiche de Stefano Ticozzi, 1833 .
Milão: Vicenzo Ferrario. Ed. em fac-símile por Elibron Classics Replica Edi-
tion, 2006. Nova Iorque: Adamant Media Corporation.
Alberti, L. B. (1485) Deli 'Arte Edificatória. ln Opere Volgari di Leon Batt. Alberti.
Tomo IV, pp. 187-371. Org. de A. Bonucci, 1847. Florença: Tipografia Gali-
leiana.
Alberti, L. B. (1485) L 'Architettura - De Re Aedificatoria. Intr. e notas de P. Por-
thoguesi, edição de texto em latim e trad. para it. de G. Orlandi, 1966. Milão:
Il Polifilio.
Alberti, L. B. (1485) On the Art of Building. Trad. ingl. do De re aedificatoria de
Rykwert, J., Leach, N. e Tavemor, R., 1988. Cambridge, Massachusetts: MIT
Press.
Alberti, L. B. (1485) L 'art d'édifier. Trad. fr. do De re aedificatoria de P. Caye
- F. Choay, 2004. Paris: Éditions du Seuil.
Alberti, L. B. (1960-1973) Opere Volgari. Org. de G. Grayson. Bari: Laterza.

715
REFERÊNCIAS CRÍTICAS E LITERÁRIAS

AA. VV. (1729) Diccionario de la lengua castellana, en que se explica e/ verda-


dero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos
de hablar, los proverbias o refranes, y otras cosas convenientes a/ uso de la
lengua [...]. Compuesto por la Real Academia Espano/a. Tomo segundo. Que
contiene la letra C. Madrid: Imprenta de Francisco dei Hierro.
AA. VV. (1983) Macmillan Encyclopaedia of Architects. Ed. A. Placzek. Nova Ior-
que: Macmillan.
AA. VV. (2001) Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Academia de
Ciências de Lisboa. Lisboa: Verbo.
AA. VV. (2004) "Parecer Sobre o Anteprojecto de Revisão do Regulamento Geral
das Edificações Urbanas (RGEU)". Lisboa: Ordem dos Arquitectos.
Academia Brasileira de Letras (2009) Vocabulário Ortográfico da Língua Portu-
guesa. 5. 3 edição. São Paulo: Global Editora.
Agostinho, Santo (1886) "The Letters": Confessions and Letters of St. Augustin
With a Sketch of His Life and Work. Vol.1 . Ed. de P. Schaff, trad. ingl. de
J. G. Cinningham, pp . 219-593. Nova Iorque : the Christian Literature Co ..
Edição de 2004, por Kessinger Publishing Co.
Agostinho, Santo (1895-1911) Epistulae. Ed. de A. Goldbacher. Viena-Leipzig:
Tempsky-Freytag.
Agostinho, Santo (1991) Cidade de Deus. Vol. 1. Trad. port., pref. e nota biográfica
de J. D. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Agostinho, Santo (1993) Cidade de Deus. Vol. 2. Trad. port., pref. e nota biográfica
de J. D. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Agostinho, Santo (1995) Cidade de Deus. Vol. 3. Trad. port., pref. e nota biográfica
de J. D. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Agostinho, Santo (2000) Confissões. Trad. port. e notas de A. do Espírito Santo,
J. Beato e M. C. de C. - M. de S. Pimentel. Edição bilingue: Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Agostinho, Santo (2006) De musica: traité de la musique. Trad. fr. de MM. Thé-
nard e Citolieux, pref. de A.-1. Bouton-Touboulic. Paris: Editions du Sandre.

717
Anexos

Agostinho, Santo (2007) Trindade (De Trinitate). Trad. port. de A. do Espírito


Santo et a/ii, int. e notas de J. M. da S. Rosa. Prior Velho: Paulinas Editora.
Algarotti, F. (1756) Saggio sopra L 'architettura. Edição a cargo de A. B. Mazzotta,
2005 . Milão : Edizioni 11 Polifilo.
Amo, J. A. (1988) La Teoria de la Arquitectura en los Tratados - A lberti. Madrid :
Tebas Flores.
Andersen, W. (2004) "How not to Take Sides. Leon Battista Alberti-Renaissance
Man?": Common Knlowledge, vol. 10, 2, pp. 198-2 13.
Anderson, S. de M. (2006) Sophia de Mello Breyner - Jorge de Sena. Correspon-
dência 1959-1978. Lisboa: Guerra e Paz.
Aquino, Santo Tomás de (1966) Compêndio de Teologia . Trad. port. de D. O.
Moura. Porto Alegre: EDIPURS .
Aquino, Santo Tomás de (2001-2006) Suma Teológica (Summa Theologica). Vols. I
a IX. Coordenação geral de C. -J. P. de Oliveira et alii. Edição bilingue latim-
português. São Paulo: Ed. Loyola.
Arfanotti, E. (2007a) "Epístola ad amicum di Battista Alberti, relativa agli Ele-
menta picture". ln Corpus Epistolare e Documentaria di Leon Battista Alberti,
org. por P. Benigni, R. Cardini - M. Regoliosi. Florença: Edizioni Polistampa,
pp. 238-241.
Arfanotti, E. (2007b) "Lettera di Lodovico Gonzaga a Battista Alberti per chiedere
in prestito il manoscrito di Vitruvio. Mantova, 13 dicembre 1459". ln Corpus
Epistolare e Documentaria di Leon Battista Alberti, org. por P. Benigni, R.
Cardini - M. Regoliosi. Florença: Edizioni Polistampa, pp. 266-272.
Arfanotti, E. (2007c) "Lettera di Battista Alberti a Lodovico Gonzaga, circa il pro-
getto di rifacimento della chiesa di Sant' Andrea. [Mantova, 20/22 ottobre
1470]". ln Corpus Epistolare e Documentaria di Leon Battis ta Alberti, org.
por P. Benigni, R. Cardini - M . Regoliosi. Florença: Edizioni Polistampa,
pp. 351-355.
Argan, G. C. (1974) "II Tratato De re aedificatoria" . ln Convegno Internazionale
Indetto ne/ V Centenario de Leon Battista A lberti. Roma: Academia Nazionale
dei Lincei, pp. 43-54.
Aristeu (1962) Lettre d 'Aristée à Philocrate. Texto em francês e grego. Paris: Édi-
tions du Cerf.
Asheri, D. , Lloyd, A. - Corcella, A. (2007) A Commentary on Herodotus Books
I-IV. Ed. por O. Murray - A. Moreno. Oxford: Oxford University Press.
Assurnpção, T. L. d' (1895) Diccionario dos termos d'Architectura, suas definiçõese
noções historicas, com um índice remissivo dos termos correspondentes em
francez. Lisboa: José Bastos.
Balbus, J. (1487) Catholicon. Consulta da edição ac Hermanni Liechtenstein Colo-
niensis (Venetiis): http://gallica2.bnf.fr/ark:/ 12148/bpt6k59055f. Consultado em
24-02-2006.
Baldi, B. (1824) Vita e fatti di Federigo di Montef eltro. Vol. III. Roma: Salvioni.

718
Referências Críticas e Literárias

Baldi, B. (1859) Cronica de' matematici. ln Versi e Pras i di Bernardino Baldi. Org.
e notas de Da Filippo - Filippo-Luigi Polidori . Florença: Felice le Monier.
Barbaro, D. (1567) I dieci libri dell'architettura di M. Vitruvio, tradotti et com-
menta/i. Veneza. 1." ed. em 1556; 2.a ed. em 1567. Edição fac-símile com intr.
de M. Tafuri e estudo de M. Morresi, 1997. Milão: Edizioni 11 Polifilo.
Barilli, R. ( 1969) " La retorica di Cicerone": Verri , pp. 203-232.
Baron, H. ( 1988) "Leon Battista Alberti as an Hei r and Cri ti c of Florentine Civic
Humanism", in H . Baron, ln Sew-ch of Florentine Civic Humanism: Essays on
the Transition from Medieval to Modern Thought, Vol. I. Princeton, New Jer-
sey: Princeton University Press, pp. 258-278.
Barreiros, G . (1561) Chorographia de alguns lugares que estam em hum caminho,
que fez Gaspar Barreiros o anno de M.D.XXXXVI. começãdo na cidade de
Badajoz em Castella, te á de Milam em Italia, alguas outras obras ... . Repro-
dução diplomática do texto da 1.a edição ao qual andam juntas outras obras do
mesmo A. : Censuras de Gaspar Barreiros sobre quatro livros[ ... ]; Commenta-
rius de ophira regione[ ... ]; Garsias Men esius eborensis praesul, quum Lusita-
niae regis inclyti legatus[ ... ] ora tio nem habuit. 1968, vol. 5. Coimbra: Acta
Universitatis Conimbrigensis.
Barros, J. (1536) Gramática da Língua Portuguesa: Cartinha: Gramática: Diálogo
em Louvor da Nossa Linguagem: Diálogo da Viciosa Vergonha . lntr. de M. L.
C. Buescu. Fac-símile, 1971. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa.
Barros, J. (1988a) Asia. Década I. Intr. de António Baião. Fac-símile da ed. de
1932 da Imprensa da Universidade de Coimbra. Lisboa: Imprensa Nacional-
-Casa da Moeda.
Barros, J. ( 1988b) As ia. Década II. Nota Prévia de Luís Filipe Lindley Cintra. Fac-
-símile da ed. de 1932 da Imprensa da Universidade de Coimbra. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Bartoli C. (1550) L 'Architettura di Leon Battista Albert i tradotta in língua floren-
tina ... con l 'aggiunta de disegni. Florença: Lorenzo Torrentino.
Beaulieux, C. ( 1927) Histoire de L 'Orthographe Française I. Paris: Librairie
Ancienne Honoré Champion.
Bekker-Nielsen, T. (2004) Th e Roads of Ancient Cyprus. Copenhague: Museum
Tusculanum Press.
Benigni, P., Cardini, R.-Regoliosi, M. (2007) Corpus Epistolare e Documentaria de
Leon Battista Alberti. Florença: Edizioni Polistampa.
Benigni, P. et a/ii (2008) La Vita e ii Mondo di Leon Battista Alberti. Atti dei Con-
vegni internazionali dei Comitato Nazionale VI centenário della nascita di
Leon Battista Alberti. Ingenium n. 0 11. Florença: Leo S. Olschki.
Benvenuti, A. T. (2007) "Alberti a Ferrara". ln Alberti e la Cultura dei Quattro-
cento, org. de R. Cardini - M . Regoliosi . Florença: Edizioni Polistampa,
pp. 267-291.

719
Anexos

Berggren, L., Borwein, J. - Borwein, P. (2004) Pi: A Source Book. Nova Iorque:
Springer - Verlag.
Bertolini, L. (2006) "Chronologie de la vie de Leon Battista Alberti". ln Alberti -
humaniste, architecte, org. de F. Choay - M. Paoli. Com a ajuda de L. Bos-
chetto e M. Paoli. Trad. fr. de A. Maccabioni. Paris: École Nationale Supé-
rieure des Beaux-Arts, Musée du Louvre Éditions, pp. 269-272.
Betts, R. J. (1993) "Structural Innovation and Structural Design in Renaissance
Architecture": Journal of the Society of Architectural Historians, vol. LII, 1,
pp. 5-25.
Biondo, F. (1531) De rama trivmphante libri decem [... ]. Romae instauratae libri
III, Italia Illvstrata [... ]. Basileia: Officina Frobeniana. Ver Monumenta Ger-
maniae Histórica, disponível na www em: http://www.mgh-bibliothek.de/cgi-
binlblondus2 .pl?seite=-11. Consultado em 20-09-2007.
Biondo, F. (2005) Italy Illuminated. Vol. I, Livros I-IV. Ed. e trad. ingl. de J. A.
White. Nova Iorque: Harvard University Press.
Black, R. (1985) Benedetto Accolti and the Florentine Renaisssance. Cambridge:
Cambridge University Press.
Blondel, L. S.-F. (1685) L 'architecture français e des batiments particuliers [.. .].
Paris: Veuve et Clouzier, P. Auboüin, J. Villery, P. Emery.
Blume, F., Lachman, K. - Rudorff, A. (1848-52) Die Schriften der romischen Feld-
messer. 2 Vols. Berlim: G. Reimer.
Bluteau, R. (1712-28) Vocabulario Portuguez e Latino. Coimbra, Lisboa, Colégio
das Artes, Pascoal da Sylva, Joseph Antonio da Sylva, Patriarcal Officina da
Musica.
Boccaccio, G. (2006) Decameron. Trad. port. de U. T. Rodrigues. Lisboa: Relógio
D'Água.
Bonifácio, H. M. P. (1989) "Mateus do Couto (tio)", in J. F. Pereira (dir.) e P.
Pereira (coord.), Dicionário da Arte Barroca em Portugal. Lisboa: Editorial
Presença, pp. 142-143 .
Bõninger, L. (2008) "Da 'Commentatore' ad Arbitro della sua Famiglia: Nuovi Epi-
sodi Albertiani". ln Benigni et a/ii, La Vita e il Mondo di Leon Battista
Alberti. A.tti dei Convegni internazionali dei Comitato Nazionale VI centenário
de/la nascita di Leon Battista Alberti. Ingenium n. 0 11 . Florença: Leo S. Ols-
chki, pp. 397-423 .
Bonucci, A. (1847) Opere Volgari di Leon Batt. Alberti. Tomo IV. Florença: Tipo-
grafia Galileiana.
Borsi, F. ( 1989) Leon Battista Alberti, The Complete Works. Trad. ital. de R. F.
Carpanini da edição de 1986, Electa, Milão . Londres e Milão: Faber and
Faber/Electa.
Borsi, F. - Borsi, S. (2006) Alberti. Une biographie intellectuelle. Trad. ital. de K.
Bienvenu. Paris: Editions Hazan.
Borsi, S. (2004) Leon Battista Alberti e l 'antichità romana . Florença: Edizioni I
/
Polistampa.

720
Referências Críticas e Literárias

Bougart, F. (200 1) "Incastellamento". ln Encyclopaedia of Middle Ages. Ed. de A.


Vauchez, B. Dobson - M. Lapidge. 2 vols. Londres : Routledge. Pp. 720-721.
Bracciali, S. - Succi, C. (2006) "Palazzo Rucellai: restauro como Atto Conoscitivo.
2 11 cantiere di restauro degli interni". ln Restaurare Leon Battista Alberti-Il
Caso di Palazzo Rucellai, org. de S. Bracciali. Florença: Libreria Editrice Fio-
rentina, pp. 58-78.
Bracciolini, P. (144 7 -48) De varie tale fortuna e. Ed. de Ou ti Merisalo, 1993. Hel-
sínquia.
Brandão, A. P. (1964) Retrato de um Arquitecto Renascentista. Lisboa: [s.n.].
Brandão, C. A. L. (2000) Quid Tum ? O Combate da arte em Leon Battista Alberti.
Belo Horizonte : Editora UFMG.
Bruni, L. (1995) " De interpretatione recta", in M . P. Gonzaléz, Leonardo Bruni y su
tratado de interpretatione recta. Texto latino e trad. esp. de M. P. González.
Cuadernos de Filologia Clásica-Estudios Latinos, 8. Madrid: Servicio de Publi-
caciones-Universidad Complutense, pp. 193-233 .
Bruni, L. (1996) Opere letterarie e politiche. Ed. de Paolo Viti. Turim : UTET.
Bucer, M. (1988) Opera latina . Tomo IV. Leiden: Brill. Cit. in Hoven, 2006, p. 18.
Budé, G. (1557) Opera Omnia. Bâle. Cit. in Hoven, 2006, p . 18.
Burke, P. (2000) E/ Renacimiento Europeu. Centros y Periferias. Trad. ingl. de M .
C . Mena. Barcelona: Editorial Crítica, S. L. .
Burckhardt, J. (1987) Architecture of the ltalian Renaissance. E. P. Murray, trad.
ingl. de J. Palmes. Chicago: Chicago University Press.
Burckhardt, J. (1991) A Cultura do Renascimento em Itália . l.a edição em 1860.
Trad. port. da edição de 1869 por V. L. Sarmento e F. A . Corrêa. Brasília:
Editora Universidade de Brasília.
Burns, H . ( 1998) "Leon Battista Alberti". ln Storia deli 'Architettura Italiana-II
Quattrocento, org. de F. P. Fiare. Milão: Electa, pp. 114-165.
Brusatin, M. (2002) Histoire de la ligne. Trad. fr. de A. Guglielmetti. Paris: Flam-
manon.
Bury, J. B. (2000) "The ltalian Contribution to Sixteenth Century Portuguese Archi-
tecture, Military and Civil". ln K. J. P. Lowe, ed., Cultural Links between Por-
tugal and Italy in the Renaissance. Oxford : Oxford University Press, pp. 77-
-107.
Calvo, F. (1992) "Projecto" in R. Romano, dir. Enciclopédia Enaudi. Vol. 25, Cria-
tividade- Visão, trad. port. de M . Bragança. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, pp. 58-100.
Calzona, A. (2008) "Leon Battista Alberti e 1' Architettura: Un Rapporto Com-
plesso" in Benigni et a/ii, La Vila e i/ Mondo di Leon Battista Alberti. Atti dei
Convegni internazionali de/ Comitato Nazionale VI centenário de/la nascita di
Leon Battista Alberti. Ingenium n. 0 11. Florença: Leo S. Olschki, pp. 471-515.

721
Anexos

Calzona, A. , Fiore, F. P., Tenenti, A. - Vasoli , C. (2007) Leon Battista Alberti -


Teorico delle Arti e Gli Impegni Civili dei 'De Re Aedificatoria '. Actas da
Conferência Internacional do Comitato Nazionale VI centenario della nascita
di Leon Battista Alberti. Florença: Leo S. Olschki.
Calzona, A. , Connors, J, Fiore, F. - Vasoli, C. (2009) Leon Battista Alberti - Archi-
tetture e Committenti. Actas da Conferência Internacional do Comitato Nazio-
nale VI centenario della nascita di Leon Battista Alberti. Ingenium n.0 12.
Florença: Leo S. Olschki.
Camões, L. V. (1996) Os Lusíadas. Ed. org. por E. P. Ramos. Porto: Porto Editora.
Capela, J. V. (1991) "O Município de Braga de 1750 a 1834, O Governo e a
Administração Económica e Financeira": Bracara Augusta, vol. XLI, 91/92,
Ano de 1988/89. Braga: Câmara Municipal de Braga.
Carita, H. (1999) Lisboa Manuelina e a Formação de Modelos Urbanísticos da
Época Moderna (1495-1521). Lisboa: Livros Horizonte.
Cardini, R. (2004) Mosaici. Il 'nemico' dell'Alberti. Collana Humanística , 6. Roma:
Bulzoni.
Cardini, R. (2005) "Alberti o della scrittura come mosaico". ln Leon Battista
Alberti. La Biblioteca di un Umanista, org. de R. Cardini com a colaboração
de L. Bertolini - M. Regoliosi. Florença: Mandrágora, pp. 91-94.
Cardini, R. (2007) "Biografia, Leggi e Astrologia in un Nuovo Reperto Albertiano".
ln Leon Battista Alberti Umanista e Scrittore. Filologia, Esegesi, Tradizione.
Florença: Edizioni Polistampa, pp. 21-189.
Cardini, R. , Bertolini, L. - Regoliosi, M. (2005) Leon Battista Alberti. La Biblio-
teca di un Umanista. Florença: Mandragora.
Cardini, R. - Regoliosi, M. (2007a) Alberti e la Cultura de/ Quattrocento . Flo-
rença: Edizioni Polistampa.
Cardini, R. - Regoliosi, M. (2007b) Alberti e la Tradizione. Per lo "Smontaggio "
dei "Mosaici " Albertiani. Florença: Edizioni Polistampa.
Cardoso, J. (1569-70) Dictionarium latinolusitanicum & vice versa lusitanicolati-
num cum adagiorum fere omnium iuxta seriem alphabeticam perutili exposi-
tione. Coimbra: Edição João de Barreira.
Carpo, M. (2001a) Architecture in the Age of Printing. Trad. ingl. de S. Benson.
MIT Press: Cambridge Massachusetts.
Carpo, C. (2001b) "How Do You Imitate a Building That You Have Never Seen?
Printed Images, Ancient Models, and Handmade Drawings in Renaissance
Architectural Theory": Zeitschrifl for Kunstgeschichte, 64 Bd., H. 2. , pp. 223-
-233.
Carpo, M. (2003) " Drawing with Numbers: Geometry and Numeracy in Early
Modem Architectural Design": The Journal of the Society of Architectural
Historians, vol. 62, 4, pp. 448-469.
Carriere, J.-C. (2007) Entrevista a Einstein. Trad. port. de J. E. Espadeiro, rev. de
M. C. N. de Jesus. Lisboa: Quetzal Editores.

722
Referências Criticas e Literárias

Carrilho, F. (2008) A Lei das XII Tábuas. Coimbra: Almedina.


Carvalho, J. A. de (2004) "A retórica da cortesia: Corte na Aldeia (1619) de Fran-
cisco Rodrigues Lobo, fonte da Epítome de la eloquencia espano/a ( 1692) de
Francisco José Artiga": Península. Revista de Estudos Ibéricos, 1, pp. 423-
441.
Casini , S. (2003) "C. Cioni, G. P. Vieusseux e 1'Edizioni Bonucci delle opere Vol-
gare dell' Alberti (1834-1849)": Albertiana, vol. VI, pp. 242-250.
Casteleiro. J. M. et a!ii (2009) Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Porto: Porto Editora.
Castiglione B. (1968) II Cortegiano [1528]. 2.a ed. de G. Ghianassi. Florença: San-
soo!.
Castro, L (1985) "Vidas de Santos de um Manuscrito Alcobacense (Colecção Mís-
tica de Fr. Hilário da Lourinhã, Cod. Ale. CCLXVI/Antt 2274)": Revista Lusi-
tana, Nova Série, Sep. n.0 4 e 5. Lisboa, Centro de Estudos Geográficos,
85 pp.
Caye, P. (2004) "La P1ace du Livre X dans le De Re Aedificatoria": Albertiana,
vol. VII, pp. 23-40.
Caye, P. - Choay, F. (2004) Trad . fr. anotada do De re aedificatoria de L. B.
Alberti: L 'art d 'édifier. Paris: Éditions du Seuil.
Chemov, B. A. ( 1982) "lntroduction". ln A. Plazek, ed., Macmillan Encyclopaedia
of Architects. Nova Iorque: Macmillan, pp. XV-XVI.
Choay, F. ( 1992) L 'A llégorie du Patrimoine. Paris: Éditions du Seuil.
Choay, F. (1996) La Reg/e et le Modele. Paris: Seuil.
Choay, F. (2000) "La traduction du De re aedificatoria". ln Renaissance Society of
América (Comunicação apresentada em 23 de Março). Policopiado. Florença,
8 pp ..
Choay, F. (2006) Le De re aedificatoria et l 'institutionalisation de la société. Patri-
moine: que! enjeu de société? L 'évo lution du concept de patrimoine. Saint-
Etienne: Publications de l'Université de Saint-Étienne.
Collart, J. (1963) "Ana1ogie et anomalie": Entretiens sur l'Antiquité Classique, vol.
9, Varron. Genebra: Fundação Hardt, pp. 117-140.
Collavo, L. (2007) "La Ricezione dell' Alberti nel Trattato di Vincenzo Scamozzi.
Prologo Metodologico all' Anal is i dell 'Influsso Albertiano nella Struttura Argo-
mentativa De L' Idea Della Architettura Universale ". ln Leon Battista Alberti
Umanista e Scrittore. Filologia, Esegesi, Tradizion e, org. de R. Cardini - M.
Regoliosi. Florença: Edizioni Polistampa, pp. 669-736.
Conceição, M. T. (2008) Da Cidade e Fortificação em Textos Portugueses (1540-
-1640). Dissertação de Doutoramento em Arquitectura. Coimbra: Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Courtine, J.-F. (2004) "Res, Ens". ln Vocabulaire européen des philosophies: Dic-
tionnaire des intraduisibles, org. de B. Cassin. Paris: Ed. Seuil I Le Robert,
pp. 1076-1087.

723
Anexos

Couto-o-Velho, M. do (1631) Tractado De Architectura Que leo o Mestre, e


Archit[ ect]o Mattheus do Couto o velho No anno de 1631 [Manuscrito]. BNL,
Res., Cod. 946.
Crocus, C. (1534) "Colloquium puerilium formulae" : Humanística Lovaniensia, vol.
41, 1992, ed. de J. Ijsewijn et a/ii, pp. 1-85 .
Croiset, A. - Croiset, M . (1887-1899) Histoire de la litterature grecque. 5 vols.
Paris: Thorin.
Cruz e Silva, A. D. da (1910) O hissope: poema heroi-comico. Pref., rev. e anot. de
A. A. Gomes. Coimbra: F. França Amado.
Cunha, C. - Cintra, L. (2000) Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lis-
boa: Edições João Sá da Costa.
Cusa, N. de (1979) De la docte ignorance. Trad. fr. de Moulinier e intr. de A. Rey.
Paris: Ed. de la Maisnie.
Cusa, N. de (1996) Idiota de Staticis Experimentis (Nicho/as of Cusa on Wisdom
and Knowledge). Trad. ingl. de J. Hopkins. Minnesota: The Arthur J. Banning
Press.
Dantzig, T. (1970) Número : A Linguagem da Ciência . Trad. port. de S. G. de Paula.
Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Daubney, C. (1826) A Description of Active and Extint Volcanos with Remarks on
Their Origin, Th eir Chemical Phaenomena, and the Character of their Pro-
ducts. Londres: W. Phillips, George-Yard, Lombard Street; J. Parker, Oxford.
Davidsohn, R. (1978) Storia di Firenze. Vol. 5. Florença: Sansoni Editore.
De Sanctis, F. ( 1965) Storia de !la letteratura italiana. Florença: Editore Salani.
Deswarte, S. (1992) Ideias e Imagens em Portugal na Época dos Descobrimentos.
Lisboa: Difel.
D'Onofrio, C. (1989) Visitiamo Roma nel quattrocento : la città degli Umanisti.
Roma: Romana Società Editrice.
Dodds, G. - Tavemor, R. (2002) Body and Building. Cambridge, Massachusetts :
MIT Press.
Druet, P. (1976) La civilization de l'écriture. Paris: Fayart.
Eco, U. (1986) "A Linha e O Labirinto: As Estruturas do Pensamento Latino". ln
A Civilização Latina, org. de G. Duby. Trad. port. de I. St. Aubyn. Lisboa :
Publicações D. Quixote, pp. 23- 48 .
Eco, U. (1993) "Sobreinterpretação dos Textos". ln Interpretação e Sobreinterpreta-
ção, org. de S. Collini. Trad. port. de M . S. Pereira. Lisboa: Editorial Pre-
sença, pp. 45-62.
Eisenmann, P. (1989) "Architecture as a Second Language: The Texts of Between".
ln Restructuring Architectural Theory, org. de M. Diani - C. Ingraham. Evas-
ton, Ill.: Northwestem University Press, pp. 69-73 .
Emout, A. - Meillet, A. (1951) Dictionnaire Ety mologique de la Langue Latine.
Histoire des Mots. Tomos I e II. Paris: Librairie C. Klincksieck.

724
Referências Críticas e Literárias

Estaço, G. (1625) "Trattado da linhagem dos Estaços, naturaes d'Evora .. ." . Com-
pilado conjuntamente com "Varias antiguidades de Portugal". Página de rosto
ornamentada. 52 p.: il..Texto em duas colunas, com notas marginais. Lisboa :
Pedro Craesbeeck.
Fenna, D. (1998) Elsevier 's Encyclop edic Dictionary of Measures. Amesterdão:
Elsevier Science B.V..
Ferguson, W. K. (1948) The Renaissance in Historical Tought. Five Centuries of
lnterpretation. Boston et a/ii: The Riverside Press Cambridge.
Ferreira, F. L. (1732) Notícias da vida de André de Resende. Publicadas, anotadas
e aditadas por A. B. Freire, 1916. Lisboa : Arquivo Histórico Português.
Feuer-Toth, R. (1971) "The apertionum ornamenta of Alberti and the architecture of
Brunelleschi": Acta Historiae Artium XXIV, pp. 147-152.
Fichet, F. (1979) La Théorie Architecturale à L 'Age Classique. Essai d 'anthologie
critique. Bruxelas: Pierre Mardaga.
Ficino, M. (1482) Theologia Platonica. Trad. fr. de R. Marcel, 3 vols., 1965-1970.
Paris: Les Belles Lettres.
Ficino, M. (1561) Commentarium in Convivium Platonis. De Amare. Edição bilin-
gue in "Marsile Ficin- Commentaire sur le Banquet de Platon, de L'Amour".
Trad. fr. anotada por P. Laurens, 2002. Paris: Les Belles Lettres.
Ficino, M. (1576) Opera omnia. Intr. de P. O. Kristeller e pref. de M. Sancipriano.
Fac-símile, 1983, 2 vols. Turim: Bottega d'Erasmo.
Figueiredo, F. de (1932) "Angelo Poliziano e D. João II". ln A Épica Portuguesa
no Século XVI. Gaia: Edições Pátria, pp. 38-52.
Filarete-António Averlino dito o Filarete (1462-64) Trattato di architettura. Trans-
crito por A. M. Finoli e L. Grassi, intr. e notas por L. Grassi. Reeditado em
1972. Milão: Edizioni Il Polifilo.
Fonseca, F. V. P. da (2001) Glossário Etimológico das Crónicas Portuguesas dos
Portugaliae Monumenta Historica. Lisboa: [s.n.].
Fontana, D. (1590) Della trasportatione dell'obelisco vaticano et delle fabriche di
nostro signore papa Sisto V falte da! cavallier Domenico Fontana. Roma:
Domenico Bafa.
Fossier, R. (2004) "Rural economy and demographic growth", in The New Cam-
bridge Medieval History, Vol. 4, ed. por D. Luscombe - J. Riley-Smith. Cam-
bridge: Cambridge University Press, pp. 11-46.
Foucault, M. (1981) As Palavras e as Coisas. Trad. port. de S. T. Muchail. São
Paulo: Martins Fontes.
Foucault, M. (1997) Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Trad. port. de L. M. P.
Vassallo. Petrópolis: Vozes.
Fréart de Chambray, R. ( 1650) Paralléle de l'architecture antique et de la
moderne: avec un recuei! des dix principaux auters qui ont écrit des cinq
Ordes; savoir, Palladio, et Scamozzi, Serlio et Vignola, D. Barbara et Cata-

725
Anexos

neo, L. B. Alberti et Viola, Bullant et Lorme, comparez entre eux [... ]. Paris.
Disponível em versão electrónica na edição da BNF: http ://gallica.bnf.fr/ark: /
/ 12148/bpt6k856532. Consultado em 14-02-2005.
Furlan, F. (2003) Studia Albertiana. Lectures et Lecteurs de L. B. Alberti. Turim:
Nino Aragno Editore e Paris: J. Vrin.
Fumo, M. (2008) "L'Elaboration du vocabulaire technique d 'Alberti dans !e De re
aedificatoria: l'example de la description des tombes (Livre 8, 1-4)". ln Leon
Battista Alberti-Teorico delle Arti e Gli Jmpegni Civili de! "De Re Aedificato-
ria ", org. de A. Calzona, F. P. Fiore, A. Tenenti - C. Vasolini. Mântua: Leon
S. Olschki, pp. 931-946.
Gado!, J. (1969) Leon Battista Alberti, Universal Man of the Early Renaissance.
Chicago - Londres: The University of Chicago Press.
Garin, E. (1972) "II pensiero di Leon Battista Alberti: Caratteri e contrasti": Rinas-
cimento, 12, pp. 3-20.
Garin, E. (1974) "11 pensiero di L. B. Alberti nella cultura del Rinascimento". ln
Convegno Jnternazionale Jndetto nel V Centenario de Leon Battista Alberti.
Roma: Academia Nazionale dei Lincei, pp. 21-41.
Garin, E. (1994) Idade Média e Renascimento . Trad. port. de I. T. Santos - H. S.
Shooja. Lisboa: Editorial Estampa.
Ghini, G. (1992) Museo delle Navi Romane- Santuario di Diana- Nemi. Ministero
per i beni culturali e ambientali. Roma: lstituto Poligrafico e Zecca dello
Stato.
Giontella, V. (20 1O) L ' Arte di Costruire. Edição ital. anotada de De re aedificato-
ria . Turim: Bollati Borighieri editore.
Góis, D. (1949-1955) Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel. Ed. de D. Lopes . 4
vols . ( l.a ed. 1566-1567). Coimbra: Universidade de Coimbra.
Gomes, P. (2005) Os Conimbricenses. Lisboa: Guimarães Editores Lda.
Gomes, P. V. (1992) A Confissão de Cyrillo. Lisboa: Hiena Editora.
Gomi, G. ( 1998) "Antichi Edito ri e Copisti Deli' A1berti Volgare, e Que! Che se ne
Riçava": Albertiana, vol. I, pp. 153-182.
Grafton, A. (1997) Commerce with the Classics. Ann Harbor: The University of
Michigan Press.
Grafton, A. (2001) Leon Battista Alberti Master Builder of the Jtalian Renaissance.
London: Penguin Books.
Grassi, G., Patetta, L. et a/ii (2005) Leon Battista Architetto. Org. de G. Grassi -
L. Patetta. Florença: Banca CR.
Grayson, C. (1973) Opere Volgari. Vol III. Bari: Laterza.
Grayson, C. (1998a) "Introduzione". ln Ceci! Grayson - Studi su Leon Battista
Alberti, org. de P. Claut. Ingenium n. 0 1. Florença: Leo S. Olschki. 1998,
pp. 1-6.
Grayson, C. (1998b) "The Composition of L. B. Alberti's 'Decem libri de re aedi-
ficatoria ' ". ln Ceci! Grayson - Studi su Leon Battista Alberti, org. de
P. Claut Ingenium n.0 1. Florença: Leo S. Olschki, pp. 173-192.

726
Referências Críticas e Literárias

Grayson , C. (1998c) "An Autograph Letter from Leon Battista Alberti to Matteo
de'Pasti - November 18, 1454". ln Ceci! Grayson - Studi su Leon Battista
Alberti, org. de P. Claut. lngenium n. 0 1. Florença: Leo S. Olschki. 1998 ,
pp . 157-167.
Grayson, C. (1998d) Ceci/ Grayson - Studi su Leon Battista Alberti. Org. de
P. Claut. lngenium n. 0 1. Florença: Leo S. Olschki.
Grazzini, A. F. et a/ii (1612) Vocabolario degli Accademici de/la Crusca. Veneza.
Edição fac -simile, 1987. Florença: Le Lettere. Disponível na internet:
http://vocabolario.signum.sns.it. Consultado em 14-07-2006.
Gros, P. (200 1-2002) "Chalcidicum, le mot et la chose": OCNUS, Quaderni de/la
scuola di specializzazione in archeologia- Bolonha , vol. 9-10, pp. 123-135.
Grout, D. J. - Palisca, C.V. (2001) História da Música Ocidental. Trad. port. de A.
N. Faria, revisão de J. S. de Almeida e revisão técnica de A. Latino. Lisboa :
Gradiva.
Guarini, G. (1737) Architettura Civile. Turim. 2 vols. lnt. de N. Carboneri, notas e
apêndice de B. T. la Greca, 1968. Milão: Edizioni 11 Polifilo.
Heath, T. L. (1928) A History of Greek Mathematics. Oxford: Clarendon Press.
Herbulot, F. (1997) "O Tradutor Dilacerado". ln Tradutor Dilacerado, Reflexões de
Autores Franceses Contemporâneos sobre Tradução, org. de G. Jorge, trad.
port. de C. Salgueiro et a/ii. Lisboa: Edições Colibri, pp. 103-112.
Hersey, G. L. (1994) "A lberti e il tempio etrusco. Postille a Richard Krautheimer",
in J. Rykwert - A. Angel, Leon Battista Alberti. Cata/logo de/la mostra
Palazzo Te. Milão : Olivetti e Electa, pp. 216-223.
Hersey, G. L. (2004) "The Colosseum: The Cosmic Geometry of a Spectaculum":
Chora: !ntervals in the Philosophy of Architecture, vol. 4, ed. A. Pérez-
-Gómez-S . Parcell. Montreal e Kingston: McGill-Queen's University Press,
pp. 103-126.
Heyman, J. (1998) Structural Analysis. A Historical Approach. Cambridge: Cam-
bridge University Press.
Hoepfner, W. - Schwandner, E. L. (1994) Haus und Stadt im Klassischen Grie-
chenland, 2.3 Ed .. Munique: Deutscher Kunstverlag.
Holanda, F. ( 1955) Diálogos de Roma - Da Pintura Antiga. Lisboa: Livraria Sá da
Costa-Editora.
Hollingsworth, M. (2002) El Patronazgo Artistico en la Itália de! Renacimiento. De
1400 a Principias dei Siglo XVI. Trad. esp. de B. J. Garcia. Madrid: Ediciones
Akal.
Hornblower, S. - Spawforth, A. (1996) The Oxford Classical Dictionary. Oxford:
Oxford University Press.
Hoven, R. (2006) Lexique de la prose /atine de la Renaissance. Dictionary of
Renaissance Latin from prose sources. Colaboração de L. Grailet, trad. ingl. de
C. Maas, e revisão de K. Renard- Jadoul. Leiden-Bonston: Brill.
How, W. W. - Wells, J. A. (1912) Commentary on Herodotus. Oxford: Oxford Uni-
versity Press.

727
Anexos

Howard, D. - Longhair, M. (1982) "Harmonic Proportion and Palladio 's Quattro


Libri": Journal of the Society of Architectural Hiscorians, vol. 41, pp. 116-43 .
Humphrey, J. W. , Oleson, J. P. - Sherwood, A. N . (1998) Greek and Roman Tech-
nology: A Sourcebook. Londres: Routledge.
Ifrah, G. (1994) Histoire Universelle des Chiffres. L 'Intelligence des Homm es
Racontée par les Nombres et le Calcul. 2 vols. Paris: Robert Laffont.
Jones, O. (1856) Th e Grammar of Ornament. Londres: Studio Editions.
Judd, C.C. (2000) Reading Renaissance Music Th eory, Hearing with the Eyes.
Cambridge: Cambridge University Press.
Kanerva, L. ( 1998) Defining the Architect in Fifteenth-Century ltaly, Exemplary
Architects in L.B. Alberti s De Re Aedificatoria. He1sinkia : The Finish Aca-
demy of Science and Letters.
Kipfer, B. A. (1992) Roget s 2Js' Century Thesaurus in Dictionary Form . Nova Ior-
que: Del Publishing.
Koselleck, R. (2004) Futures Past. Trad. ingl. e intr. de K. Tribe. Nova Iorque :
Columbia University Press.
Kostof, S. (1977) The Architect. Chapters in the History of the Profession. N.Y. :
Oxford Univeristy Press.
Kostich-Lefebvre, G. A. (2005) Regia: Leon Battista Alberti and the theory of
region in architecture (lta ly). Dissertação de Ph.D .. Ann Arbor: ProQuest
Leaming Company.
Krautheimer, R. (1969) "Alberti's Templum Etruscum", in R. Krautheimer, Studies
in Early Christiam, Medieval and Renaisssance Art. Nova Iorque: New York
University Press, pp. 333-342.
Krautheimer, R. (1995) "Alberti et Vitruve", in R. Krautheimer, Ideo/ogie de L 'Art
Antiqúe. Trad. fr. de A. Girord. Paris: Gérard Monfort Éditeur, pp. 89-100.
Kristeller, P. O. (1990) "The Modem System of the Arts". ln P. O. Kristeller,
Renaissance Thought and the Arts, Princeton: Princeton University Press,
pp. 163-227.
Kunstvereinmm, W. (1968) 50 years Bauhaus. Catálogo da Exposição organizada
pelo Governo da República Federal Alemã. Londres: Royal Academy of Arts.
Landino, C. (1481) Comento sopra la Comedia. Edizione Nazionale dei Commenti
Dantes chi. Ed. org. de P. Procaccioli, 2001, 4 vols .. Roma: Editore Salemo.
Landino, C. (1974) Scritti critici e teorici. 2 vols. Roma: ed. R. Cardini.
Laugier, M.-A. (1999) Ensayo sobre la arquitectura. Ed. de L. M. Rubio; trad. esp.
de M. V. Martínez - L. M. Rubio. Madrid: Akal Editores.
Lausberg, H. (1993) Elementos de Retórica Literária. Trad. de M. M. Rosado Fer-
nandes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Le Corbusier (1927) "Ou en est l'architecture?": L 'Architecture Vivante, vol. 5, 17,
Outono-Inverno, pp. 7-11.
Le Corbusier (1929) Oeuvre Complete. Vol. 1, 1910-29. 10a ed., 1999. Basel: Bir-
kaüser.

728
Referências Críticas e Literárias

Le Corbusier (2005) Le Modular, Modular 2. Basel: Birkhauser.


Le Corbusier - Saugnier (1923) Vers une Architecture. Paris: Les Editions
G. Crês 2178 •
Le Corbusier- Villeneuve, J. (1943) La Charte d'Athenes. Paris: Librairie Plon 2 179 •
Lefevre d'Étaples, J. (1972) The Prefactory Epistules of Jacques Lejevre d'Étaples
and Related Texts. Ed. de E. F. Rice . Nova Iorque-Londres. Cit. in Hoven,
2006, p. 18.
Leoni, G. (1726 e 1755) The architecture of Leon Batista Alberti in ten books.
Trad. ingl. do De re aedificatoria. Londres: Edward Owen.
Loos, A. (2006) Ornamento e Crime. Trad. port. de L. Marques. Lisboa: Livros
Cotovia.
Lobo, F. R. ( 1992) Corte na Aldeia. Fixação do texto, intr. e notas de J. A. de Car-
valho. Lisboa: Presença.
L'Orme, P. (1568) Le premier tome de l 'architecture. Paris: Federic Morei.
Lourenço, F. (2005) "Introdução à Ilíada de Homero" in Homero, Ilíada. Lisboa:
Livros Cotovia, pp. 7 a 28.
Lozano, F. (1582)2 180 De Re Aedificatoria ó Los Diez Libras de Arquitectura de
Leon Baptista Alberto, traduzido de Latim em Romance. Madrid: Alonso
Gómez. Fac-símiles da editio princeps. Oviedo: Colegios Oficiales de Apareja-
dores y Arquitectos Técnicos, 197 5; Valência: Albatroz Ediciones, 1977.
Lücke, H.-K. (1975) Faksimile da editio princeps do De Re aedificatoria de Leon
Battista Alberti. München: Prestei Verlag.
Lücke, H.-K. (1975, 1976 e 1979) Index Verborum do De Re aedificatoria de Leon
Battista Alberti. Vols. I, II e III. München: Prestei Verlag.
Lücke, H.-K. (1994) "Alberti, Vitruvio e Cicerone", in J. Rykwert- A. Angel, Leon
Battista Alberti. Catallogo della mostra Palazzo Te. Milão: Olivetti e Electa,
pp. 70- 105.
Macedo, J. (c. 171 O) Antídoto da Língua Portuguesa, offerecido ao mui alto, e
muito poderoso rey, dom Joaõ Quinto, nosso senhor. Amsterdam: Em casa de
Miguel Diaz, Impressor y Mercador de Libros.
Machado, C. W. (1793) Algumas reflexões sobre as inconveniências da Architectura
escritas aos 21 de Junho de 1793 aos 45 annos da m/ vida. Manuscrito. Lis-
boa: Academia Nacional de Belas Artes.

2178
Somente a 1." edição desta obra assinala os nomes de Le Corbusier-Saugnier como
autores. Nas restantes edições comparece unicamente o nome de Le Corbusier.
2179
Obra de autoria colectiva cuja redacção se atribui sobretudo a Le Corbusier (cf. Smet,
2007' pp. 188-189).
2180
A autoria desta tradução tem sido, incorrectamente, atribuída a Francisco Lozano e deve
ser imputada ao cosmógrafo real Rodrigo Zamorano, autor da versão espanhola dos seis
primeiros livros da Geometria de Euclides (cf. Morales, 1995, p. 142).

729
Anexos

Machado, C. W. (2002) Tratado de Arquitectura & Pintura. Edição fac-símile da


Collecção de Memorias, Relativas às Vidas dos Pintores, e Escultores, Archi-
tectos, e Gravadores, que estiverão em Portugal recolhidas, e ordenadas por
Cy rillo Volkmar Ma chado, Pintor ao Serviço de S. Magestade. O SENHOR
D. JOÃO VI. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian.
Machado, D. B . (1741-1759) Bibliotheca Lusitana, Historia, Critica e Chronolo-
gica. Facsimile da ed. de Lisboa Occidental, Offic. de Antonio Isidoro da Fon-
seca, 1741-1759. Coimbra: Atlantida Editora, 1965-67.
Magalhães, J. R . (1993) "Os régios protagonistas do poder". ln História de Portu-
gal, org. de José Matoso, vol. III. Lisboa: Círculo de Leitores, pp. 513-573 .
Magrini , S. et alii (2006) " Leon Battista Alberti : la biblioteca di un umanista ".
Biblioteca Laur~nciana, Florença. Exposição Virtual na www no endereço:
http:llwww.bml.firenze.sbn.it I Albertilindex.html. Consultado em 12-02-2006.
Maingueneau, D. - Cossutta, F. (1995) " L' analyse des di scours constituants": Lan-
gages, vol. 117, pp. 112-125.
Malmesbiriensis, W. (1887- 9) Mona chi de gestis regum anglorum libri quinque.
Ed. W. Stubbs, 2 volms .. Londres: HMSO.
Mancini, G. (1882) Vita di Leon Battista Alberti. Fac-símile da edição de G . S .
Sanzoni, Florença, publicada por Elibron Classics, 2003. Boston: Adamant
Media Corporation.
Mancini , G. (1887) "Leonis XIII Edita a Santa Romana et Universali Inquisitione
Feria IV Die XIX MAil MDCCCLXXXVI De Humana Corpora Cremandi":
Pontificis Maximi Acta . Vol. VI. Roma: Ex typographia Vaticana, pp. 72-73.
Manetti, A. (1970) The Life of Brunelleschi. Ed. de H. Saalman e trad. ingl. de C.
Engass. Londres: University Park.
Manetti, G. (1966) On the Dignity of Man . Trad. ingl. B. Murchland. Nova Iorque:
Frederick Ungar Publishing Co.
Manetti, G. (1995) Vita Nico/ai V Summi Pontificis. Ed., trad. esp. e intr. de J. M.
Montijano Garcia. Málaga: Servicio de Publicaciones de la Universidad de
Málaga.
Marani, P. C. (1994) " Leonardo e Leon Battista Alberti". ln Leon Battista Alberti.
Catallogo dei/a mostra Palazzo Te, org. de J. Rykwert- A. Angel. Milão: Oli-
vetti e Electa, pp. 358-365.
March, L. (1996) " Renaissance mathematics and architectural proportion in Alber-
ti 's De re aedificatoria": Architectural Research Quartely , vol. 2, pp. 54-65.
March, L. (1998) Architectonics of Humanism. Essays on Number in Architecture.
Londres: Academy Editions.
March, L. ( 1999) " Proportional design in L. B . Albert i 's Tempio Malatestiano,
Rimini": Architectural Research Quarterly, vol. 3, pp. 259-270.
Mariani-Zini, F. (2004) "Leggiadria". ln Vo cabulaire européen des philosophies:
Dictionnaire des intraduisibles, org. de B. Cassin. Paris: Ed. Seuil I Le Robert,
pp. 704-710.

730
Referências Criticas e Literárias

Martelli , M. ( 1965) Studi Laurenziani. Florença: Olschki .


Mateus do Couto-o-Velho (163 l) Tractado De Architectura que leo o Mestre
Archi. o Mateus do Couto o Velho [Manuscrito]. Cod. 851-1500. Lisboa: Biblio-
teca Nacional, 2001.
Martini, F. di G. (c. 1485) Trattato di architettura. Apres. de L. Firpo, intr., trans-
crição e notas de P. C. Marani . Edição fac-símile, 1994, 3 vols. Florença:
Giunti Gruppo Editoriale.
Mazzini , D. - Martini, S. (2004) Villa Mediei a Fiesole. Leon Battista Alberti e tl
prototipo di villa rinascimentale. Florença: Centro Di.
McEvedy, C. - Jones, R. (1985) Atlas of World Population History . Harmons-
dsworth: Penguin.
McEwen, I. K. (2003) Vitruvius. Writing the Body of Architecture. Cambridge, Mas-
sachusetts: MIT Press.
McLaughlin, M. M. ( 1995) Literary Imitation m the Italian Renaissance. The
Theory and Practice of Literary Imitation m Italy from Dante to Bembo.
Oxford: Clarendon Press.
Michelet, J. (1895) Histoire de France. Tome septieme. Renaissance. Paris: Emest
Flammarion.
Migne, J.-P. (1844-1865) Patrologia Latina [PL]. Disponível em versão electrónica
em http://pld.chadwyck.com. Consultado em 15-03-2007.
Mikó, Á. (2004) "11 De re aedificatoria e la corte di re Mattia Corvino": Nuova
Corvina, 16, pp. 71-76.
Milizia, F. (1768) Levite de' piu celebri architetti d 'ogni nazioni e d'ogni tempo.
Roma: Stamparia di Paolo Giunchi Komarek. Trad. ingl. E. Cresy, 1826, The
lives of most celebrated architects, ancient and modern, 2 vols .. Londres : J.
Taylor, Architectural Library.
Milizia, F. (1781a) Memorie degli Architetti Antichi e Moderni. Bolonha. Reeditada
em 1826 in Opere complete di Francesco Milizia risguardanti !e belle arti,
tomos 4-5 . Bolonha: Stamperia Cardinali e Frulli.
Milizia, F. (1781b) Principi di Archittetura Civile. 2 vol. Veneza: Bassano. Reedi-
tada em 1826 in Opere complete di Francesco Milizia risguardanti !e bel/e
arti, tomos 6-8. Bolonha: Stamperia Cardinali e Frulli.
Mirandola, G . P. della (1486) Discurso sobre a Dignidade do Homem. Trad. port.
de M. de L. S. Ganho. Edição Bilingue, 2001. Lisboa: Edições 70.
Mitrovic, B. ( 1998) "Paduan Aristotelianism and Daniele Barbaro 's Commentary on
Vitruvius' De Architectura": Sixteenth Century Journal, vol. 29, 3, pp. 667-
-688.
Mitrovic, B. (2005) Serene Greed of the Eye. Leon Battista Alberti and the Philo-
sophical Foundations of Renaissance Architectural Theory. Berlim: Deutscher
Kunstverlag.
Moneo, R. (2004) Inquietud Teórica y Estrategia Proyectual en la Obra de Ocho
Arquitectos Contemporaneos. Barcelona: Actar.

731
Anexos

Morales, A. J. ( 1995) "El cosmógrafo Rodrigo Zamorano, Traductor de Alberti al


espano!" : Annali di Architettura, 7, pp. 141-146.
Moreda, S. L. (2000) " Sobre el Significado de Concinnitas": EMERITA. Revista de
Ling üística y Filologia Clásica - LXVIII 1, pp. 73-86.
Moreira de Sá, A. (1 956) "Oração que fez Francisco de Melo nas cortes que se
fizerão na cidade d 'Evora nas varandas aos xx dias de Junho de 1535", in
André de Resende, Oração de Sapiência (Oratio pro Rostris), trad. de M. P.
de Meneses e intr. e notas de A. Moreira de Sá. Lisboa : Instituto de Alta Cul-
tura, pp. 154-7.
Moreira, R. (1982) "Um tratado português de arquitectura do séc. XVI (1576-
-1579)", in H. Carita - R. Araújo, coord., Universo Urbanístico Português
1415-1 822., 1998. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, pp. 353-398.
Moreira, R. (1987) "A Escola de Arquitectura do Paço da Ribeira e a Academia de
Matemáticas de Madrid", in P. Dias, II Simpósio Luso-Espanhol de História de
Arte sobre "As Relações Artísticas Entre Portugal e Espanha na Época dos
Descobrimentos" . Coimbra: Livraria Minerva. pp. 65-77.
Moreira, R. (1989) "Tratados de Arquitectura", in J. F. Pereira, dir. , e P. Pereira,
coord., Dicionário da Arte Barroca em Portugal. Lisboa: Editorial Presença,
pp. 492-494.
Moreira, R. (1991) A Arquitectura do Renascimento no sul de Portugal. A enco-
menda régia entre o Moderno e o Romano. Dissertação de Doutoramento. Lis-
boa: FCSH-UNL.
Moreira, R. (1995) "Arquitectura: Renasci mento e Classicismo", in P. Pereira, ed.,
História da Arte Portuguesa, vo l. II. Lisboa: Círculo de Leitores, pp. 302-375 .
Morley, N. (1996) Metropolis and Hinterland. Th e city of Rome and the Italian
Economy 200 B.C.-A.D. 200. Cambridge: Cambridge University Press.
Morresi, M. (1997) "Le Due Edizioni dei Commentari di Daniele Barbara", in D.
Barbara, I dieci libri deli 'architettura di M. Vitruvio, tradotti e commentati
(1567). Edição fac-símile com intr. de M. Tafuri, 1997. Milão : Edizioni 11
Polifilo, pp. XLI-LVIII.
Morrow, G. R. (1960) Plato 's Cretan City. A historical interpretation of the Laws.
Princeton, N.J.: Princeton University Press.
Moura, V. G. ( 1995) Divina Comédia de Dante Alighieri. Trad. port. e notas. Venda
Nova: Bertrand.
Naredi-Rainer, P. von ( 1992) AI/geme ines Künstlerlexicon. Munique-Leipzig.
Núfiez, J. F. (1991) Trad. esp. do De re aedificatoria de L. B. Alberti. Madrid: Edi-
ciones Akal, S.A. .
Oechslin, W. (1987) "Les Cinq Points d ' une Architecture Nouvelle". Trad. fr. de W.
Wang. Assemblage, 4, pp. 82-93.
O ' Gorman, J.F. (1984) "Review of Macmillan Encyclopaedia of Architects": Jour-
nal of the Society of Architectural Historians, vol. 43 , 1, pp. 78-74.

732
Referências Críticas e Literárias

Onians, J. (1971) "Alberti and <l>IAAPETH. A Study in Their Sources" : Journal of


the Warburg and Courtauld Institutes , vol. 34, pp. 96-114.
Orlandi, G. (1966) Trad. it. do De R e Aedificatoria: L 'Architettura. Milão : Il Poli-
filio .
Orlandi, G. (1974) "Discussione" in Convegno Internazionale Indetto nel V Cente-
nario de Leon Battista Alberti. Roma: Academia Nazionale dei Lincei,
pp . 287-288.
Orta, G. de (1891) Coloquios dos simples e drogas da India. Ed. dirigida e anotada
pelo Conde de Ficalho, vol. 1. Lisboa: Imprensa Nacional.
Ortiga, J. (2005) Nota sobre Bens Patrimoniais. Moscavide: Agência Eclésia. Dis-
ponível na www no endereço: http: //www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia .
.pl?&id=18772. Consultado em 12-03-2009.
Pacioli, L. (1978) "De Divina Proportione [Tratatto deU ' Architettura)", in A. Brus-
chi et alü, " Scritti rinascimentali di architettura: Patente a Luciano Laurana,
Luca Pacioli, Francesco Colonna, Leonardo Da Vinci, Donato Bramante, Fran-
cesco Di Giorgio, Cesare Cesarino, Lettera a Leone 10". Milão: Edizioni Il
Polifilo. Pp. 85-144.
Pacioli, L. (1991) La Divina Proporción. Trad. esp. de J. Calatrava, intr. de A. M .
Gonzáles. Madrid: Ediciones Akal.
Pagliara, P. N. (1997) "Eredità medievali in pratiche costruttive e concezioni strut-
turali del Rinascimento" in G. Simoncini ed., Presenze medievali nell 'architet-
tura di età modena e contemporanea. Milão: Guerini e Associati, pp. 32-48.
Palladio, A. (1570) I Quattro Libri dell'Archittectura. Veneza. Trad. ingl. de A. K.
Placzek, 1965. Nova Iorque: Dover Publications, Inc ..
Palmieri, M. (1475) "De temporibus suis", in J. Tartinius ed., 1748, Rerum Italica-
rum Scriptores I. Florença, S. 237-277.
Paoli, M . (1999) L'Idée de Nature chez Leon Battista Alberti (1404-1472) . Paris:
Honoré Champion Éditeur.
Paoli, M . (2000) "Une bibliographie inédite de L. B. Alberti due à Giovanni Cinelli
et trois notes sur la fortune albertienne au XVIIc siecle": PR.I.S.M.J., 3, pp.
291-305.
Paoli, M . (2004) Leon Battista Alberti. 1404-1472. Besançon: Les Éditions de
L'Imprimeur.
Paoli , M. (20 1O) "Prolégomenes sur !e concept de 'Renaissance ': la chose, l 'idée,
!e mot, la majuscule". ln La Renaissance? Des Renaissances?(VJJI•-XVI• sie-
cles), apresentação de M.- S. Masse e intr. de M . Paoli . Paris : Klincksieck,
pp. 29-54.
Pardo, V. F. ( 1984) Storia deli' Urbanística. Da! Trecento a! Quattrocento. Roma-
Bari: Laterza.
Patetta, L. (2004) "Alberti e il Disegno": ll Disegno di Architettura, 28, pp. 3-7.

733
Anexos

Patetta, L. (2005) Teoria e Pratica. Appunti sul pensiero e sulle opere di Leon Bat-
tista Alberti. ln G. Grassi - L. Patetta, orgs ., Leon Battista Architetto , pp. 91-
-151. Florença: Banca CR.
Payne, A. A. (1999) Th e Architectural Treatise in the Italian Renaissance. Archi-
tectural ln vention, Ornam ent, and LiterQ/y Culture. Cambridge: Cambridge
University Press.
Pellegrini, P. (1990) L 'Architettura. Ed. crítica de G. Panizza. Milão : Edizioni Il
Poli filo.
Pereira, B. (1697) Prosodia in vocabularium bilingue, Latinum, et Lusitanum
digesta [... ] Septima editio aucti01: et locupletior ab Academia Eborensi.
Évora: Tipografia da Academia.
Pereira, B. (1697) Thesouro da lingua portugueza. Évora: Tipografia da Academia.
Pereira, F. A. B. (1992) História da Arte Portuguesa. Época Moderna (1500-1 800) .
Lisboa: Universidade Aberta.
Pereira, M. H. da R. (2000) Romana. Coimbra: Universidade de Coimbra.
Pereira, M. H. da R. (2002) Estudos de História da Cultura Clássica. Vol. II - Cul-
tura Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Pereira, V. S. (2002) "As Cartas-Perfácio de André de Resende: Retórica e Mensa-
gem", in S. T. Pinho, N. C. Castro - Z. S. Ventura, orgs. , Congresso Interna-
cional do Humanismo Português. Lisboa : Centro de Estudos Clássicos,
pp. 275-293.
Petrarca, F. (c.l345) Le familiari. Ed. de Vittorio Rossi, 1997. Florença: Le Lettere.
Pevsner, N. (1942) "The Term 'Architect' in the Middle Ages": Speculum , vol. 17,
4, pp. 549-562.
Piccardi, A. (2007) " Storia e Interpretazione del Pontifex". ln Pontifex, Edizione
Nazionale delle Opere di Leon Battista Alberti, org. de A. Piccardi. Florença:
Edizioni Polistampa, pp. 43-114.
Pieti, D. (1538) Leo Battista Albertis Florentinus de Architectura .... Trad. ital.
incompleta do De re aedificatoria. Reggio Emilia: Biblioteca Panizzi, Mss.
Vari G3 .
Pigman, G. W. (1982) "Barzizza's Treatise on Imitation": Bibliotheque d'Huma-
nisme et Renaissance, vol. 44, pp. 341-352.
Pio II (1959) Pius II Memoirs of Renaissance Pape. The Comentaries of Pius II.
Trad. ingl. de F. A. Gregg. Nova Iorque: G. P. Putman 's Sons.
Pio II ( 1984) Commentarii. Ed. de A. Van Heck, 2 vols. Vaticano : Biblioteca Apos-
tólica Vaticana.
Placzek, A. (1982) "Foreword", in A. Plazek ed. , Macmillan Encyclopaedia of
Architects. Nova Iorque: Macmillan.
Poliziano, A. (1553) Opera Omnia. Bâle. Cit. in Hoven, 2006, p. 18.
Pommier, É. (2003) Winckelmann, inventeur de l'histoire de l'art. Paris: Éditions
Gallimard.
Ponte, G. (1991) Leon Battista Alberti. Umanista e Scrittore. Génova: Tilgher.

734
Referências Críticas e Literárias

Ponte, P. da (1992) Poesias (Xograres & trobadores) . Ed. de S. Panunzio. Vigo:


Galaxia.
Portoghesi, P. ( 1966) "Introduzione", in L. B. Alberti, L 'A rchitettura. Milão: II Poli-
filio , pp. XII-XLVII .
Quatremere de Quincy, A. (1788-1832) Dictionnaire de l 'architecture, Encyclopédie
méthodique de Panckoucke. 3 Vols. Paris : Veuve Agasse.
Resende, A. (1534) Oratio pro rostris. Trad. port. de Miguel Pinto de Meneses,
intr. e notas de A. Moreira de Sá. 1956. Lisboa : Instituto de Alta Cultura.
Resende, A. (1783) "História da antiguidade da cidade de Évora". ln A. Resende
(1963), Obras Portuguesas. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, pp. 1-69.
Resende, A. (1963) Obras Portuguesas. Prefácio e notas de J. P. Tavares. Lisboa:
Livraria Sá da Costa Editora.
Resende, A. ( 1996) As Antiguidades da Lusitânia. Intr., trad. e coment. de R.M.
Rosado Fernandes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Rhenanus, B. ( 1886) Briefwechsel. Ed. de A . Horawitz - K. Hartfelder. Leipzig.
Nieuwkoop.
Riegl, A. (1905) Le Cu/te Modern e des Monum ents. Trad. fr. de D. Wieczorek,
1984. Paris : Éditions du Seuil.
Rinaldi , R. (2002) "Me/ancho/ia Christiana ". Studi Sul/e Fonti di Leon Battista
Alberti. Florença: Olschki Editore.
Rinckii, G. F. (1841) "Prolegomena ad Aemilium Probum", in Aemilius Probus de
Excellentibus Ducibus Exterarum Gentium Carne/li Nepotis Quae Supersunt.
Ed. e intr. de C. L. Roth. Basileia: Schweighauseriani. Pp. I-CLXII.
Ritter, C. (1985) Platos "Gesetze ". Reimpressão. Aalen: Scientia-Verlag.
Rivera, J. (1991) Prólogo. De re aedificatoria. Trad. esp. de J. F. Núiíez. Madrid:
Ediciones Akal, S.A..
Rodrigues, F. de A. (1875) Diccionario Technico e Historico de Pintura, Esculp-
tura, Architectura e Gravura . Lisboa: Imprensa Nacional.
Ruão, C. (2006) "O Eupalinos Moderno ". Teoria e Prática da Arquitectura Reli-
giosa em Portugal (1 550-1640) . 3 vo1s. Tese de Doutoramento. Coimbra:
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Ruskin, J. (1849) The seven lamps of architecture. Ed. de G. Allen de 1880, reedi-
tada em1989. Mineola: Dover.
Ruskin, J. (1851) The stones of Venice. Ed. de J. G. Links de 1960, reeditada em
2008. Nova Iorque: Da Capo Press.
Ruskin, J. (1997) Las Siete Lámparas de la Arquitectura. Trad. esp. de C. Burgos.
Barcelona: Ad litteram.
Ruskin, J. (2000) La Piedras de Venecia. Trad. esp. de M. Pia, intr. de F. Jaurata.
Valência: Consejo General de la Arquitectura Técnica de Espana.
Rykwert, J. ( 1981) On Adam 's H ouse in Paradise. Cambridge, Mass .: MIT Press.
Rykwert, J. - Angel, A. ( 1994) Leon Battista Alberti. Cata/logo de/la mostra
Palazzo Te . Milão: Olivetti/Electa.

735
Anexos

Rykwert, J., Leach, N. - Tavemor, R. (1988) Trad. ingl. anotada do De re aedifi-


catoria: On the Art of Building. Cambridge, Massachusetts: MIT Press.
Said, E. W. ( 1978) Orientalism. Londres: Routledge & Kegan Paul Ltd.
Saalman, H. (1959) "Early Renaissance Architectural Theory": The Art Bulletin,
vol. 41, pp. 89-99.
Santos, R. (1968-1970) Oito Séculosa de Arte Portuguesa. 3 vols. s/d. Lisboa:
Empresa Nacional de Publicidade.
Santos, R. de M. ( 1998) Viatico Viennese. La storiografia critica di Julius von
Schlosser e la metodologia filosofica di Benedetto Croce. Roma: Apeiron Edi-
tori.
Saraiva, A. J. - Lopes, O. (2000) História da Literatura Portuguesa . Porto: Porto
Editora.
Scalzo, M. (1999) "La Facciata Albertiana di Santa Maria Novella a Firenze". ln C.
Gallico et a/ii, Leon Battista Alberti Architettura e Cultura. Actas do Con-
gresso Internacional. Mântua, 16-19 de Novembro de 1994. Florença: Leo
S. Olschki, pp. 265-283.
Scamozzi, V. ( 1615) L 'ide a deli 'architettura universale. 2 vols, fac-símile, 1982.
Veneza: Arnaldo Fomi Editare.
Schlosser, J. von (1938) "11 non artista: Leon Battista Alberti", in J. Von Schlosser,
Xenia, Saggi sul/a storia de/lo stile e de/ linguaggio nell 'arte figurativa, 1929.
Bari: Laterza, pp. 9-46.
Schlosser, J. von (1996) La Littérature artistique. Trad. fr. de J. Chavy, ed. de P. di
P. Stathopoulos et a/ii e pref. de A. Chastel. Paris: Flammarion.
Schõn, D. (1985) The Design Studio. An Exploration of its Traditions and Poten-
tials. Londres: RIBA Publications Limited.
Seppilli, A. (1990) Sacralità deli 'acqua e sacrilegio dei ponti. Palermo: Sellerio.
Sérlio, S. (1537) Regale generali di architettura sopra /e cinque maniere degli edi-
fici (. ..) con gli esempi de l/e antichità che, per la magiar parte, concordano
con la dottrina di Vitruvio . Veneza.
Sérlio, S. (1600) Tutte L'Opere d'Architettura et Prospetiva. Impresso pelos Her-
deiros de Francesco de Franceschi. Veneza.
Sérlio, S. (1996) Sebastiano Ser/ia on Architecture. Vol. I. Livros I-IV de Tutte
L 'Opere D 'Architettura et Prospetiva. Trad, ingl. e comentários de V. Hart -
P. Hicks. New Haven: Yale University Press.
Silva, A. M. (1789) Diccionario da Língua Portuguesa composto pelo padre
D. Rafael Bluteau, reformado e acrescentado por António Morais Silva, natu-
ral do Rio de Janeiro. Lisboa: Off. de Simão Thaddeo Ferreira.
Silva, A. M. (1961) Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa. Lisboa:
Editorial Confluência, 10.3 edição. 2 Vols ..
Silva Dias, J. S. da (1969) A Política Cultural da Época de D. João III. Vol. I.
Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos. Universidade de Coimbra.

736
Referências Críticas e Literárias

Silva Dias, J. S. da ( 1985) "O cânone filosófico conimbricense": Cultura, História


e Filosofia , vol. IV, pp. 257-370.
Siza, Á . (1994) Escrits. Ed. Caries Muro. Barcelona: Edicions UPC.
Siza, Á. ( 1997) Oração de Petição do Grau. ln Doutoramento H ono ris Causa de
.Álvaro Siza e Brian Scarllet, 2003 , p. 11 . Coimbra: Universidade de Coimbra.
Siza, Á . (2000) Imaginar a Evidência. Lisboa: Edições 70.
Smet, C. de (2007) Vers une Architecture du Livre. Le Corbusier: édition et mise
en pages 1912-1965. Baden: Lars Müller Publishers.
Smith, C. ( 1992) Architecture in the Culture of Early Humanism. Ethics, Aesthetics,
and Eloquence 1400-1470. Nova Iorque: Oxford University Press.
Smith, W. ( 1867) A Dictionary of Greek and Roman biography and mythology.
3 vols. Ed. por W. Smith. Boston: Little, Brown and Company.
Solá-Morales, I. (1996) Topographies of Contemporary Architecture. Trad. ingl. de
G. Thompson. Cambridge, Massachusetts: MIT Press.
Spade, P. V. (1994) "Five Texts on the Medieval problem of Universais: Porphiry,
Boethius, Abelard, Duns Scotus, Ockham ". Trad. ingl. e org. de P. V. Spade.
lndianapolis-Cambridge.
Stevens, G. (1998) The Favored Circle. The Social Foundations of Architectural
Distinction. Cambridge, Massachusetts: MIT Press.
Tafuri, M. (1995) Sobre el Renacimiento. Principias, Ciudades, Arquitectos. Trad.
do ital. para esp. de M. P. Bald. Madrid: Ediciones Cátedra, S.A..
Tatti, G. (1561) De/la Agricoltura. Lvcchese libri cinqve. [...] libri cinque. Ne quali
si contengono tutte le cose appartenenti ai bisogno de/la vil/a, tratte da gli
antichi - da moderni scrittori. Con le figure delle biaue delle piante, de gli
anima/i & deli e herbe cosi medicina/i, come com uni & da mangiare [... ].
Veneza.
Tavares, D. (2004) Leon Baptista Alberti-teoria da arquitectura. Porto: Dafne Edi-
tora.
Tavares, J. P. (1963) "Prefácio", in A. Resende, Obras Portuguesas. Lisboa: Livra-
ria Sá da Costa Editora, pp. IX-X.
Tavemor, R. (1994) "I Gonzaga comrnitenti dei progetti albertiani per San Sebas-
tiano e Sant' Andrea a Mantova e per la tribuna della Santissima Annunziata a
Firenze", in J. Rykwert - A. Angel ed., Leon Battista Alberti. Cata/logo de/la
mostra Palazzo Te. Milão: Olivetti e Electa, pp. 382-391.
Tavemor, R. (1998) On Alberti and the art of building. New Haven e Londres: Yale
University Press.
Tenenti, A. (2002) "Riflessioni sul Pensiero Religioso di Leon Battista Alberti", in
F. Furlan, P. Laures - S. Matton, Leon Battista Alberti. Actes du Congres
International de Paris, 10-15 de Abril de 1995. Paris: J. Vrin, pp. 305-315.
Teodoro, F. P. di (2005) "Recensioni. L'art d' édifier". Trad. do latim, apresentada e
anotada de P. Caye e F. Choay, Albertiana, vol. VIII, pp. 258-266.

737
Anexos

Ticozzi, S. (1833) "Ai Lettori. Vita di Leon Battista Alberti", in S. Ticozzi ed.,
De/la Architettura Libri Dieci di Leon Battista Alberti. Traduzione di Cosimo
Bartoli. Milão : Vicenzo Ferrario. Fac-símile por Elibron Classics Replica Edi-
tion, 2006. Nova Iorque: Adamant Media Corporation, pp. VII-XIX.
Tortelli, G. (1493) De Orthographia. Ed. Pyrrbus Pincius. Georgius Valia. Veneza:
Filippo Pinzi. BN.
Tos i, R. (1991) Dizionario deli e Sentenze La tine e Greche. Milão: RCS Rizzoli
Libri.
Tournikiotis, P. ( 1999) The Historiography of Modem Arquitecture. MIT Press.
Cambridge, Massachusetts: MIT Press.
Trachtenberg, M. (200 1) "Architecture and Music Reunited: A New Reading of
Dufay's Nuper Rosarum Flores and the Cathedral of Florence" : Renaissance
Quarterly, vol. 54, 3, pp. 741-754.
Van Eck, C. (2000) "Architecture, Language and Rhetoric in Alberti's De re aedifi-
catoria", in G. Clarke - P. Crossley, orgs. , Architecture and Language - Cons-
tructing Jdentity in European Architecture, c. 1000- c.J650 . Cambridge: Cam-
bridge University Press, pp. 72-81.
Vasari, G. (1550) Le Vite de' piu eccellenti architetti, pittori, et scultori italiani, da
Cimabue, insino a' tiempi nostri. Florença. Org. de Jacopo Recupero, 1963,
Roma: Editrice Italiana di Cultura. Trad. esp. de L. Bellosi - A. Rossi, Las
Vidas de los Más Excellentes Arquitectos, Pintores y Escultores Italianos desde
Cimabue a Nuestros Tiempos . 2002. Madrid: Ediciones Cátedra.
Vasari, G. (1568) Le vite dei piu eccellenti pittori, scultori e architettori. Florença:
Giunti . Ed. G. Milanesi, vol. 2, 1906. Florença. Disponível em http://www.
pelagus.org/it/libri/LE_ VITE_ DE%27_ PIU%27 _ ECCELLENTI_PITTORI,_SC
ULTORI,_E_ARCHITETTORI,_di_ Giorgio_ Vasari_1.html. Consultado em
15-03-2007.
Vatovec, C. V. (1979) Luca Fancelli, architetto: epistolario gonzaghesco. Florença:
Alínea Editrici.
Velez, A. (c. 1599) Index totius artis. ln Emmanuelis Aluari e Societate Iesu De
institutione grammatica libri tres. Antonii Vellesii ex eadem Societate Jesu in
Eborensi Academia Praefecti studiorum opera aucti & illustrati.. Évora:
Emmánuel de Lyra.
Venturi, R. (2000) Complexity and Contradiction in Architecture. Ed. de Nova Ior-
que: The Museum of Modem Art; Chicago: The Graham Foundation for
Advanced Studies in Fine Arts.
Verdelho, T. (2003) "O dicionário de Morais Silva e o início da lexicografia
modema": in História da língua e história da gramática - actas do encontro.
Braga: Universidade do Minho, pp. 473-490.
Vidler, A. (2008) Histories of the lmmediate Present. Inventing Architectural
Modernism . Cambridge, Massachusetts: MIT Press.

738
Referências Críticas e Literárias

Viggiani, C. (2006) "Un ingegnere Romano di epoca tardorepubblicana: Lucio Coe-


ceio Aucto". ln actas do I. o Convegno Nazionale di Storia deli 'ingegneria,
Tomo II, Nápoles, pp. 785-796.
Vilela, J. S. (1982) Francisco de Holanda- Vida, Pensamento e Obra . Lisboa: Ins-
tituto de Cultura e Língua Portuguesa.
Viollet-le-Duc, E.-E. (1995) Dictionaire d'architecture . Intr. e notas de P. Boudon-
-P. Deshayes. Bruxelas: Pierre Mardaga.
Viollet-le-Duc, E.-E. (1863-1876) Entretiens sur l 'architecture. Ed. de 1995, 2 Vols.
Bruxelas: Pierre Madraga.
Vives, J. L. (1947) lntroducción a la sabiduría. ln Obras Completas. Tomo I.
Madrid: Aguilar, pp. 1205-1257.
Wallis, R. T. (1972) Neoplatonism. Londres: Duckworth.
Wakulenko, S. (2005) "As Fontes dos Commentarii Collegii Conimbricensis": Phi-
losophica, 26. pp. 229-228 .
Warren, C. (1973) "Brunelleschi's dome and Dufay's motet": The Musical Quar-
terly, vol. 59, pp. 97-105.
Webster, N. ( 1996) Webster s Encyclopedic Unabridged Dictionary of the English
Language. Nova Iorque: Random House Value Publishing, Inc ..
Williamson, G. (2005) "Mucianus and a Touch of the Miraculous: Pilgrimage and
Tourism in Roman Asia Minor" in J. Elsner - I. Rutherford, eds., Pilgrimage
in Graeco-Roman and Early Christian Antiquity: Seeing the Gods. Oxford:
Oxford University Press, pp. 219-252.
Wittkower, R. (1949) Architectural Principies in the Age of Humanism. Londres:
Academy Editions.
Wolf, G. (2000) "Body and Antiquity in Alberti 's Art Theoretical Writings". ln
Antiquity and its /nterpreters, org. de A. Payne, A. Kuttner - R. Smick. Cam-
bridge: Cambridge University Press, pp. 93-118.
Wright, C. (1994) "Dufay's 'Nuper rosarum flores', King Solomon's Temple, and
the Veneration of the Virgin": Journal of the American Musicological Society,
vol. 47, 3, pp. 395-441.
Wycliffe, J. (1388) New Testament. Ed. de W. R. Cooper, 2002. Londres : British
Library Pub1ishing.
Zarlino, G. (1558) Le /nstitutioni Harmoniche. Veneza: Da Fino.
Zubov, V. P. (2000) "La théorie architecturale d 'Alberti. 1. Introduction générale -
2. Les analogies organiques": Albertiana, vol. III, pp. 13-82. Ed. de F. Choay,
F. Furlan e P. Souffrin. Posfácio e nota biográfica de D. Bayuk e trad. para fr.
de R. Feldman da tese de doutoramento apresentada em 1946 na Academia de
Arquitectura, Moscovo.
Zubov, V. P. (2001) "La théorie architecturale d'Alberti. 3. La terminologie esthéti-
que d' Alberti": Albertiana, vol. IV, pp . 87-98. Ed. de F. Choay, F. Furlan e
P. Souffrin. Trad. para fr. de R. Feldman da tese de doutoramento apresentada
em 1946 na Academia de Arquitectura, Moscovo.

739
Anexos

Zubov, V. P. (2002) "La théorie architecturale d 'Alberti. La théorie architecturale


d'Alberti et la théorie antique de l'eloquence": Albertiana, vol. V, pp. 91-108.
Ed. de F. Choay, F. Furlan e P. Souffrin. Trad. para fr. de R. Feldman da tese
de doutoramento apresentada em 1946 na Academia de Arquitectura, Moscovo.

740
AS EDIÇÕES IMPRESSAS DA ARTE EDIFICATÓRIA 2181

Leonis Baptistae Alberti de re aedificatoria incipit [ ... ] Florentiae accuratissime


impressum opera Magistri Nico/ai Laurentii Alamani. Anno salutis millesimo
octuagesimo quinto quarto calendis januarias, 1485.
Leonis Baptistae Alberti, [... ] libri de re aedificatoria decem [ ... ] Paris: Berthold
Rembolt, 1512.
De Re aedificatoria libri decem Leonis Baptistae Alberti[ ... ] Recens summa diligen-
tia capitibus distincti [.. .] per Eberhardum Tappium Lunensem . Estrasburgo:
Giacomo Cammerlander, 1541.
I Dieci Libri de l'Architettura di Leon Battista degli Alberti, [... ] novamente de la
latina ne la volgar lingua con malta diligenza tradotti [por Pietro Laura].
Veneza: Vicenzo Valgrisi, 1546.
L 'Architettura di Leon Batista Alberti, tradotta in lingua florentina da Cosimo Bar-
to/i [... ] con la aggiunta de disegni. Florença: Lorenzo Torrentino, 1550.
L 'A rchitecture et l'art de bien bastir du seigneur Leon Baptiste Albert,[ ... ] divisée
en dix livres. Traduicts de latin en françois par deffunct Jean Martin, parisien.
Paris: Robert Masselin para Jacques Kerver, 1553.
L 'Architettura, trad . de Cosimo Bartoli e de La pittura, trad. de L. Domenichi .
Mondovia: Lionardo Torrentino, 1565.
L 'Architettura di Leon Batista Alberti, tradotta in lingua florentina da Cosimo Bar-
to/i [.. .] con la aggiunta de disegni. Veneza: Francesco Francheschi, 1565.
(reimpressão da edição de 1550).
Los Diez Libras de Architectura de Leon Baptista Alberto traduzidos de Latin en
Romance. Trad. assistida por Francisco Lozano. Madrid: Alonso Gómez, 1582
(reimpressa em 1640).
The architecture ... in Ten Books. Of Painting in Three Books. And of Statuary in
One Book. Translated into Italian by Cosimo Bartoli. And Now First into
English ... by James Leoni, Venetian Architect. Londres: Thomas Edlin, 1726,
3 vols. (reimpresso em 1739 e 1955).

2181
As citações às edições do De re aedificatoria comparecem com a indicação do tradutor
e/ou do comentador, bem como da data de publicação.

741
Anexos

De/la Architettura, de/la Pittura e de/la Statua, di Leon Batista Alberti. Traduzione
di Cosimo Bartoli. Bolonha: Instituto della Scienza, 1782.
I dieci libri di Architettura di Leon Batista Alberti, tradotti in italiano da Cosimo
Bartoli. Nuova edizione diligentemente correta e confrontata coll'originale
latino, ed arricchita di nuova rivacati dalle misure medesime assegnate
dali 'autore. Roma : Giovanni Zempel, 1784.
Los diez libras de architectura. Segunda edition en Cas1ellano, corregida por D. R.
B .. Madrid: Joseph Franganillo, 1797.
I dieci libri d 'Architettura, ossia deli' Arte di edificare [ .. .] scritti in compendio ed
illustrati con note [ ... ] da B. Orsini. Perugia: Cario Baduel, 1804, 2 vols.
De/la architettura libri dieci. Traduzione di Cosimo Bartoli con note apologetiche
di Stefano Ticozzi, e trenta tavole in rame disegnate ed incise da Constatino
Gianni. Milão: 1833, 2 vols.
Deli 'Arte Edificatoria. ln Opere Volgari di Leon Batt. Alberti, per la piu parte ine-
dite e tratte dagli autografi, annotate e illustrate da! dott. Anicio Bonucci [... ],
vol. 4. Florença: Galileiana, 1847 pp. 187-371.
Zehn Bücher über die Baukunst. ln Deutsche übertragen, eingeleitet und mil
Anmerkungen und Zeichnungen versehn von Max Theuer. Viena: H. Heller,
1912.
Desat Knig 'o Zodcestve, Perevodie V P Zoubo v. Klassiki Teorii Architektury. Mos-
covo, 1935 (texto), 1937 (comentários).
Ten Books on Architecture by Leone Battista Alberti, ed. J. Rykwert. Londres: Alec
Tiranti, 1955 (reimpressão anotada da edição de 1755).
Deset Knih o Stavitelstvi, trad. e edição de A. Otoupalik; pref. de V. Matousek.
Praga, 1956. Státni Nakladetelství Krásné Literatury, Hudby a Umeni.
Ksiag Dziesiec o Stztuce Budowania, trad. de K. Dziewonski. Varsóvia: Paustwowe
Wydawnictwo Naukowe, 1960.
L 'Architettura. De Re aedificatoria, texto latino e trad. de Giovanni Orlandi. Intr. e
notas de Paolo Portoghesi [... ] - Milão: Edizioni II Polifilo, 1966- 2 vols.
De re aedificatoria, fac-símile da editio princeps, ed. de H.-K. Lücke, tomo IV do
Alberti Index, Leon Battista Alberti, De re aedificatoria, Florença, 1485. Index
verborum de H.-K. Lücke. Munique: Prestei. 1975-1979.
Kenchikuron, trad. para japonês de H. Aikawa. Tóquio: Chüôkôron bijutsu shuppan,
1982.
On the art of building in ten books, trad. de J. Rykwert, N. Leach e R. Tavemor e
intr. de J. Rykwert. Cambridge (Mass.), Londres: MIT press, 1988.
Leon Battista Alberti De Re Aedificatoria, trad. de J. F. Núfiez e Prólogo de
J. Rivera. Madrid: Ediciones Akal, S.A., 1991.
L 'art d'édifier, trad. apres. e notas de Pierre Caye - Françoise Choay. Paris: Seuil,
2004.
L' Arte di Costruire, edição, notas e glossário de V. Giontella. Turim: Bollati
Borighieri editore, 201 O.

742
~

lNDICES REMISSIVOS
ÍNDICE 0NOMÁSTIC0 2182

Abelardo, P., 57 Andersen, W., 38, 124


Abundância (deusa da), 522 Anderson, S. de M., 73
Academia Brasileira de Letras, 46 Andronico de Cirro, 533
Adad-Guppi (rainha-mãe), 384 Aníbal, 209, 257, 307, 385, 631
Adriano (imperador), 191 , 388, 473 , 626 Anninger, A., 127
Adriano III (papa), 204 Anquises, 330
Afonso Henriques (D .), 45 Anteu, 387
Afrodite, 501 Antígono I, 161
Agátocles, 587 Antíoco Sóter, 626
Agenor, 502 Antonino Caracala (imperador), 587
Agesilau, 574 Antonino Pio (imperador), 565, 626
Agostinho (Santo), 29, 281, 378, 597, 607, 609 Antoninos (gens), 241
Agríopas, 272 Anúbis, 227
Agripa, 413, 586, 685 Apiano, 154, 312,346, 511 , 565, 566, 587 , 631
Alamani , N., 19 Ápis, 488
Alasá, F. P., 293 Apolo, 140, 162, 178, 179, 336, 388, 436, 438,
Albergati, N., 402 474, 476, 477, 488, 503 , 505, 581, 628, 681
Alberti , A., 331 Apolónio de Tiana, 387, 534
Alberti , B., 135 Aquiles, 387
Alberto, P. F., 22 , 192 Arfanotti, E., 71 , 81, 619
Albizzi, 17 Argan, G. C. , 123
Alexandre Magno, 152, 153, 195, 294, 341, Ariárates, 667
384, 430, 499, 500, 501' 502 , 565 , 587, Aristarco, 566
625, 627, 630, 631 Aristeu, 534
Alexandre Severo (imperador), 565, 587 Aristobulo, 630
Algarotti, F., I 02, I 03 Aristogíton, 502
Aliates (rei da Lídia), 662 Aristóteles, 40, 43, 55 , 57, 58 , 65, 68, 114,
Alighieri, D., 17, 108 137, 147, 150, 152, 153, 197, 208, 247,
Álvares, B., 94 281, 289, 330, 363, 367, 388, 392, 433 ,
Amásis, 476, 502 502 , 555 , 588, 596, 609, 629, 633, 639,
Amenemhet III, 662 643, 646, 649, 660, 67 1, 672, 681; pseudo,
Amiano Marcelino, 179, 294, 392, 664 208
Amigues, S., 207 Aristóxenes, 555
Ámon, 288, 325 Arquelau, 201

"" A numeração em itálico remete para o tratado de Alberti, a restante para a Introdução e Notas .

745
Anexos

Arquimedes, 392, 395, 402, 472, 528, 6 /9, 674 Biondo, F. , 20, 51 , 347, 390, 546
Arquitas de Tarento, 597 , 605 Black, R., 125
Arriano, 283 , 294, 295, 296, 318, 341 , 434, Blondel, L. , 101
502, 520, 627, 667 Bluteau, R. , 30, 60, 66, 96, 440, 447, 455
Artaqueu, 5/ 7 Boa Deusa, 386
Artaxerxes, 626 Boccaccio, 32
Artemísia (rainha da Cária), 192 Boécio, 43 , 44, 172, 551 , 595, 597
Artemísio, 419 Bonifácio, H. M. P., 94
Ascânio, 4 77 Bõninger, L., 236
Asiti, 241 Bonucci, A. , 49, 50, 53 , 108, 619
Assumpção, L. d ', 61 Borromini, 86
Atena, 56, 506 Borsi , F., 25, 70, 86, 88, I 08, 123, 711
Ático, 58/ Boscán, J., 99
Átila, 204 Bostock, J. , 353
Attavante (dos Attavanti), 77 Bou llant, J. , 10 I
Augusta (mulher de Octaviano Augusto), 475 Bracciali , S. , 265, 688
Aulo Gélio, 201 , 510, 565 Bracciolini, P., 20, 38
Aurélio Símaco, 526 Braga, J. E. , 342
Aurélio Victor, 579 Bramante, D ., 94
Avicena, 644 Brandão, A., 52
Azcárate, P., 68, 629 Brandão, C. , 52
Brébia Pepa, 527
Baco, 499, 544 Breyner, S. de M ., 73
Balbus, J. , 69, 228 Brunelleschi, F., 21 , 33 , 268, 269, 496, 539 ,
Baldi, B., 90 620
Barbaro, D., 89, 90, 101 Bruni, L. , 41
Baron, H., 114 Brusatin, M ., 63
Barreiros, G., 60, 62, 64 Bucer, M ., 44
Barros, J. de, 46, 61 , 62, 64, 226 Buckley, T. A. , 27
Bartoli, C. , 31, 51, 53 , 54, 79, 80, 81 , 82, 98, Burckhardt, J., 3 1, 49, 124, 125, 126, 383
101 , 443, 469, 532 , 562, 568 Burke, P., 69, 125
Barzizza, G. , 119 Bums, H. , 26, 56
Beaulieux, C., 76 Bury, J. B ., 84
Beauvais, V de, 439 Busíris, 293
Bébrice, 387 Butades, 479
Bekker-Nielsen, T. , 301
Bélbio, 527 Cadrno, 502
Bellosi, L. , 18 Caeiro, A. A. A., 433
Ben Sirac, 69 Calígula, 153, 191 , 612
Benigni, P., 165 Calímaco, 447
Bensimon, N., 711 Calisto III (papa), 486
Bentham, J., 352 Callebat, L., 215, 650
Benvenuti, A. T., 51 Calvo, F., 67
Berggren, L., 472 Calvo, T., 55
Bernoulli, J. , 234 Calzona, A., 70, 123
Bertolini, L. , 71 , 124 Cambises, 476, 520, 630
Betts, R. J., 233 Camões, L. de, 16, 30, 45, 62, 285, 513
Bilac, 0 ., 53 Campos, J. A. S., 36, 119

746
Índice Onomástico

Capela, J. V , 96 Ciro, 476, 519, 520, 662, 667


Caprarola, C. di, 332 Cláudio, 191 , 195, 201, 518, 540, 661
Cardini, R., 29, 117, 118, 124, 227, 486, 712 Cneu Octávio, 419
Cardoso, J. , 30 Collart, J. , 47
Carita, H., 188 Collavo, L. , 93
Carpo, M., 20, 76, 77, 80, 81, 169, 235 Columela, 199, 237, 359, 367, 590, 636, 645,
Carriere, J.-C. , 66 646, 659, 682, 686
Carrilho, F. , 301, 580 Conceição, M. T., 61
CaJVílio, 576 Constâncio II (imperador), 392
Casini, S., 49 Constantino, 117, 227, 541
Casquero, M.-A. M. , 32 Comélio Nepos, 365
Cassiodoro, 597, 639 Comélio SuJa, 162, 201, 565
Casteleiro, J. M., 46 CoJVino, M., 77
Castiglione, B., 99, I 00 Cossutta, F. , 118
Castro, 1., 45 Coulomb, C. A., 234
Cataneo, P., I OI Courtine, J.-F. , 39
Catão-o-Censor, 31 , 197, 198, 199, 200, 201, Couto, A. P., 581
202, 206, 210, 219, 223 , 228, 239, 245, Couto, S. de, 57
246, 256, 356, 360, 367, 454, 645, 696 Crates, 285, 526
Catulo, 413, 476 Creso, 488, 662
Caye, P. , 25, 39, 51 , 52, 53, 79, 132, 207, 234, Crocus, C. , 31
258 , 285, 314, 322, 326, 336, 390, 444, Crono, 428
473 , 474, 478, 498, 536, 555 , 619, 662, Cumas, 587
672, 686 Cupido, 488
Cécrops, 434 Cusa, N. de, 58, 638
Celso, 355, 370, 558, 642
Cennini, B., 80 D' Onofrio, C., 20
Censorino, 294, 295 Dantzig, T. , 449
Cérbero, 313 Dario I, 214, 435, 4 76, 500
Cerdà, 1., I 13 Dario III, 625
Ceres, 272, 384 Daubney, C., 624
César: pseudo, 4 77 David, 195, 322
Chambray, F. de, 82, I OI, I 02, 454 De Sanctis, F. , 162
Chemov, B. A., 121 Décimo Labério, 510
Choay, F., 20, 24, 31 , 35, 36, 39, 43, 51 , 52, Dédalo, 62, 138, 290, 587
53, 67, 69, 79, 80, 86, 106, 123, 131 , 137, Déjoces, 295, 612
207, 234, 258, 285, 314, 322, 326, 336, Delorme, P., 94, 101
390, 444, 473, 474, 478, 498, 536, 555, Deméter (deusa), 384
619, 662, 672, 686 Demétrio de Faleros, 514
Cícero, 19, 27, 29, 30, 39, 43 , 53, 56, 60, 61 , Demétrio I, 161
69, I 17, 119, 136, 140, 150, !55, 163, 173, Demócrito, 590, 671
187, 224, 226, 235, 287, 288, 293, 378, Demóstenes, 573, 574
415, 419, 429, 430, 432, 435 , 454, 473, Dércetis, 501
478, 489, 510, 512, 514, 527, 528, 574, Deswarte, S. , 83, 85
581 , 587, 592, 616, 662, 676 Deus Óptimo e Máximo, 428
Cíniras, 272 Diana, 204, 209, 241 , 386, 413 , 419, 438, 477,
Cioni , C., 49 488, 505, 631
Cipião, 631 Dias, D. L. , 112

747
Anexos

Dinócrates, 153, 384 Eusébio de Pânfilo, 141, 195, 197, 241, 283,
Dio Cássio, 666 387, 388, 414, 434, 476, 504, 505
Diodoro Sículo, 138, 141 , 156, 162, 197, 214, Eutrópio, 662
225, 273, 280, 281, 283, 284, 285 , 286, Eva, 42
287, 293 , 295 , 320, 325 , 386, 389, 433,
434, 438, 473 , 477, 501, 502, 503 , 513, Fabrícios (gens), 510
517, 528, 535, 545, 565, 589, 626, 628, Falcão, P. B., 29, 43, 192
667, 668, 674 Fama (deusa da), 522
Diógenes Laércio, 528, 543 Fancelli, L., 70, 71, 4 78
Dionísio (deus), 283 , 287, 384, 434, 544 Fauna (deusa da), 386
Dionísio de Halicamasso, 294, 588, 704 Fémio, 500
Dionísio I (tirano de Siracusa), 566 Fénix (filho e Agenor), 476
Dolabela, 312 Ferguson, W. K. , 126
Domiciano (imperador), 500, 587 Fergusson, J., 383
Fernandes, R. M . R., 27, 163
Druet, P., 76
Dufay, G., 33, 34 Fernando, (D.), 30
Ferreira, F. L., 83, 84
Durán, M. Á., 66
Ferreira, J. R., 198, 433 , 579, 624
Festo, 325
Echandía, G. R. de, 633
Feuer-Toth, R., 377
Eco, U., 27, 28, 73
Fibonacci, 113
Eisenman, P., 117
Ficino, M. , 58, 59
Eleazar, 387
Fídias, 473, 506, 612
Élio Aristides, 579
Figueiredo, F. de, 127
Emílio Escauro, 309
Filarete, 45, 70, 75, 86, 87, 204, 336
Emílio Probo, 365
Filipe II (da Macedónia), 475, 500, 677
Engel, A., 72
Fílon, 566
Énio, 37, 117, 136, 266, 527
Filóstrato, 387, 535
Epaminondas, 296, 385
Fiore, F. P., 123
Epígenes, 659
Fíteon (de Agrigento), 589
Epiménides, 543
Flávio Josefo, 195, 196, 286, 322, 339, 366,
Erastótenes de Cirene, 649
385, 386, 387, 413, 414, 636, 659
Ercole II (duque de Ferrara), 92 Flávio Vespasiano, 243, 387, 474, 475
Eritras, 517 Flávio Vopisco Tácito, 381
Emout, A., 373 Flégias, 162, 476
Esculápio, 227, 336, 437 Fonseca, J. , 45
Espírito Santo, A. M. do, 29, 42, 378, 610 Fontana, D., 392
Estaço, G., 84, 85 Fortuna (deusa da), 162, 390
Estaço, S., 84 Fossier, R. , 668
Estrabão, 153, 157, 162, 193, 209, 285, 288, Foucault, M., 41, 352, 406
289, 433 , 436, 513, 516, 517, 528, 533 , Francheschi, F., 80
534, 565, 566, 579, 624, 625, 626, 628, Frank!, P., 383
629, 630, 635, 662, 668, 671, 672, 677, 682 Frontino, 21, 167, 226, 631, 636, 654, 685
Étaples, L. d' , 44 Furlan, F., 123
Euclides, 604 Fumo, M., 20, 169, 235, 516
Eugénio IV (papa), 20, 204
Euríalo, 147 Gado!, J., 122, 711
Eurípides, 318, 327 Gaio, 301

748
Índice Onomástico

Gaio Graco, 324 Hera, 436, 477, 488, 501


Gaio Mário, 162 Herbulot, F. , 62
Galeno (de Pérgamo), 160 Hércules, 162, 387, 438, 475 , 501, 526, 544,
Galiano, M. F. , 515 545, 628, 629, 681
Galileu, 392 Herénio Fílon, 197
Galrào, J., 66 Hermedoro, 502
Garci a de Orta, 203 Herodes, 322, 535
García, J. M . M., 326 Heródoto, 141, 150, 151, 191 , 225, 241, 281,
Garibotto, F., 711 284, 286, 295, 297, 307 , 319, 384, 386,
Garin, E., 114, 123 390, 393, 433, 435, 436, 471, 476, 488 ,
Garlandia, J. de, 68 499, 500, 502, 503 , 516, 517, 527, 529,
Gavilán, F. S. , 266 534, 535 , 579, 612, 624, 630, 662, 663,
Gaza, T., 619 666, 668, 672, 678
Geia, 428 Herrera, J. de, 85
Geliào, 14 7 Hersey, G. L., 316, 442, 493
Gélio Táxio, 197 Hesíodo, 198, 290
Gélon , 565 Heyman, J., 234
Ghini , G. , 347 Hidra de Hércules, 501, 628
Giges, 488 Hidra de Lema, 501
Gillén , S. V. , 44 Hierào de Siracusa, 160
Giocondo da Verona (fra), 19 Higino Gramático, 332
Giontella, V., 51 , 53 , 80 Hipérbio, 14 7
Glaucópis, 149 Hipócrates, 150, 152, 155, 157, 596, 623 , 645
Glória (deusa da), 522 Hipódamo de Mileto, 281, 429
Gnatào, 319 Hípsicles, 545
Gneu Gélio, 197 Hircano, 322
Góis, D. de, 84 Hoepfner, W., 429
Góis, M., 57 Holanda, F. de, 578
Gomes, C. H., 40 Hollingsworth, M. , 71
Gomes, E. R. , 56 Homero, 149, 272, 535, 574
Gomes, P. V., I 05 Honório I (papa), 413, 562
Gonzaga, L. , 71, 72, 81, 493 , 621 Hook, R., 234
Gordianos (imperadores), 565 Hora, 386
Gomi, G. , 49 Horácio, 27, 28, 46, 48, 163, 192, 474, 589,
Grafton, A., 25, 123, 141 , 197 672
Grandsagne, M. A., 686 Homblower, S., 179, 392, 396, 535
Grapaldi, F. M., 461 How, W. W. , 624
Grassi , G., 123 Howard, D., 88
Grayson, C., 49, 50, 71, 72, 122, 194, 234 Humphrey, J. W. , 174
Grazzini , 422
Gregg, F. A. , 20, 512 Ícaro, 138, 587
Guarini, G. , 86, I 02 I ficrates, 668
Ifrah, G., 76
Heath, T. L. , 606 lo, 501
Hefesto, 4 71 Iolau, 545
Heliogábalo (deus), 193 Isidoro de Sevilha (Santo), 257, 439, 546, 595
Heliogábalo (imperador), 193, 534, 567, 612 Ísis, 43 7
Henrique (cardeal D.), 84, 127 Iso, J. J., 173 , 478

749
Anexos

Jano, 386, 434, 43 7, 544 Líber, 437


Jasão, 500 Licurgo, 342, 574
Jeanneret, P. , 110, III , 11 2, 113 Lindsay, M. W, 325
Jerónimo (São), 42, 544 Lionello d' Este, 373
João II (D.), 77, 127 Lisi, F., 66
João III (D.), 15, 30, 84, 127 Lívia Augusta, 475
Jones, 0 ., I 09 Lívio Druso, 324
Jones, R. , 121 Lloyd, A. 8 ., 662
Judd, C. C. , 88 Lobo, F. R. , I 00
Júlio Capitolino, 178 Lodo li , C. , I 02
Júlio César, 28, 153, 188, 209, 280, 283, 284, Longhair, M. , 8
290, 298, 305, 306, 340, 341 ' 342, 343 , Loos, A., 41 , 377
345 , 474, 477, 500, 501 ' 51 8, 545, 565 , Lopes, Ó., 62
574, 579, 662, 673, 677, 685 Lozano, F. , 31, 53 , 94, 97, 729
Júlio Materno, 22 7 Lucílio, 119, 365
Juno, 434 , 488, 505 Lúcio António, 346
Júpiter, 140, 192, 209, 227, 228, 286, 325, Lúcio Coceio Auto, 193
386, 389, 428 , 434, 437, 473, 478, 505, Lúcio Múmio, 544
526, 534, 561 ' 632, 668 Lúcio Tarúcio, 226
Justiniano, 436 Lücke, H.-K., 35, 43 , 66, 73 , 78 , 123 , 131 ,
Justino, 624 406, 684
Juvenal, 684 Lucrécio, 38, 210, 266, 379, 575, 594
Luís, (D.), 30
Kanerva, L., 37 Lusitano, V. , 6
Khan, L. , 184
Kipfer, 8. A., 52 Macedo, J. de, 30
Koselleck, R. , 126 Machado, C. W. , 104, 105
Kostof, S., 69 Maciel, J. M., 29
Krautheimer, R., 24, 37, 42, 442, 493 MacKenna, S., 58, 59
Kristeller, P. 0 ., 40, 49, 68 Macróbio, 386, 51 O
Kun stvereinrnm, W., I 79 Magalhães, J. R. , 100
Kury, M. G., 150 Magrini, S., 11 7
Maingueneau, D., 118
L' Orme, P. de, 88 Malatesta, 1., 513
Labieno, 290 Malatesta, S., 120, 513 , 621
Landino, C. , 17, 18, 25 , 51 , 108, 124 Mancini, G. , 35, 50, 83, 88, 90, 402
Latona, 179, 438 Manetti, A., 71
Laugier, M.-A., I 04 Manetti , G., 192, 326
Laurens, P., 59 Mânio Cúrio Dentato, 661
Lauro, P., 51 Maomé, 413
Lausberg, H., 27 Marani, P. C., 21
Le Bonniec, H., 545 Marcelo, 395
Le Corbusier, 37, 109, 110, III , 112, 113, 114, March, L., 89, 449, 585
115, 377, 582, 729 Marcial, 331 , 362, 392, 534, 581 , 634
Lefaivre, L., 234 Marco António, 346
Leitão, D. F., 624 Marco Aurélio, 179
Leneu, 544 Marco Cláudio Marcelo, 679
Leucipo, 671 Mariani-Zini, F. , 99

750
Índice Onomástico

Mariote, E., 234 Mónago, 546


Marques, L., 41 Moneo, R., 116
Marte, 227, 437, 439 Montefeltro, F. di, 75, 135, 621
Martelli , M., 135 Monteiro, J. G., 342
Martinho V (papa), 222, 402 Morais, C. A. de, 127
Martini, F. G., 72, 75 Morales, A. J., 729
Martini , S., 70, 354 Moreda, S. L., 33
Masi, M., 172 Moreira, R., 30, 61, 62 , 77, 85, 92, 94, 100,
Mateus do Couto-o-Velho, 93, 94, 95 , 96, 97, 487
98, 99, 100 Morley, N., 20
Matuta, 386 Morresi , M ., 90
Mauro, R., 439 Morrow, G. R., 289
Mausolo (rei da Cária), 192 Moura, D. 0 ., 593
Mazzini , D., 70, 354 Muciano, 505
McEvedy, C. , 121 Muthesius, H., 36
McLaughlin, M. M., 35
Mecenas, 192, 681 Nabucodonosor, 195
Naredi-Rainer, P., 711
Medeia Angícia, 501
Navier, C., 234
Medieis, G. de, 354
Nearco, 341, 631
Medieis, L. de, 17, 70, 77, 85, 108, 127, 135,
Némesis, 565
527
Neptuno, 385, 437, 438, 624
Medina, A. , 56
Nero, 193, 196, 212, 303, 390, 4ll, 544, 612,
Megástenes, 296
618
Meillet, A., 373
Nerva, 179
Melo, F. de, 30
Nicepso, 227
Memmo, A., 102
Nicolau V (papa), 123, 169, 182, 192, 318 ,
Mémnon, 502
326, 373 , 486
Menes, 307
Nicómaco, 44, 595, 619
Mercúrio, 227, 396, 437, 595
Nigrigéneo, 332
Méris, 662
Nino, 196, 433
Metágenes, 393
Nitócris, 307, 384, 663, 666, 668
Metelo, 679
Numa Pompílio, 25 1, 280, 295, 386, 435, 438,
Michelet, J., 126, 725
504
Michelozzi, N., 135 Núfiez, J. F. , 31 , 51, 52
Michelozzo, B., 354
Miguel Ângelo, 578 O ' Gorman, J. F., 121
Miguel, L. A. H., 28 Octávia (irmã de Octaviano Augusto), 679
Mikó, Á., 77 Octaviano Augusto, 60, 116, 193 , 286, 346,
Milizia, F., I 03 , I 04 381, 475 , 500, 517, 529, 541, 545, 574,
Milner, N . P., 199 579, 586, 587, 588, 673, 677, 679
Minerva, 385, 387, 437, 473 , 477 Oechslin, W., 110, III
Minerva Médica, 166 Oleson, J. P., 174
Miquerino, 241 , 516 Oliveira, C.-J. P. de, 29, 55
Mirandola, P. della, 58 Oliveira, M., 47, 48
Missirini, M. , I 08 Omenea, 527
Mitridates, 201, 430, 501 Onians, J., 594
Mitrovic, B., 54, 90 Ops, 434
Moisés, 543, 636, 659 Orídion, 386

751
Anexos

Orlandi, G., 22, 31 , 44, 53 , 64, 72, 73, 77, 8 1, Pitágoras, 57, 115, 233, 597, 60 I; pseudo, 57,
86, 131, 241, 326, 333, 397, 406, 446, 6 17, 406, 597
628, 684 Placzek, A., 12 1
Ortiga, J. (D.), 47 , 48 Platão, 56, 58, 66, 68, 11 2, 141 , 160, 170, 190,
Osimandias (Ramsés II ), 473, 501, 502 , 528 204, 235, 281' 286, 287, 289, 296, 304,
Oso, 586 388, 429, 430, 431 ' 437, 473, 477, 515,
Otão (imperador), 192 516, 526, 534 , 537, 545, 546, 561, 573,
Ovídio, 112, 151 , 386, 43 8, 505 , 544, 588 595 , 624
Plauto, 139, 198
Pábon, J. M., 515 Plínio-o-Antigo, 46, 147, 152, 153, 156, 158,
Pacioli , L. , 459, 472 159, 168, 177, 192, 196, 197, 198, /99 ,
Palas, /49, 386, 43 7, 500 20 1, 203 , 205, 208, 209, 210, 212, 214,
Palladio, 45 , 77 , 88 , 94, I OI, I 05 , 180, 181, 215, 219, 220, 223 , 225, 228, 232, 240,
304, 485 241 , 257, 258 , 272, 274, 275, 284, 304,
Palmieri, M., 373 309, 343, 353, 367, 381 , 385, 387, 390,
Panaenus, 4 73 392, 393 , 404, 408, 409, 410, 411 ' 41 3,
Paoli , M., 20, 21, 83 , 85, 123, 132, 474, 486, 419, 429, 430, 436, 43 8, 439, 473, 474,
594, 625, 711 475, 479, 498, 502, 505, 512, 514, 517,
Pardo, V. F., 20 518 , 519, 533 , 535 , 544, 545 , 551 ' 556,
Parménion, 500 576, 580, 586, 613, 624, 632, 635, 636,
Pasti , M. de', 70, 71 , 72, 194, 585 640, 642, 645, 656, 659, 660, 664, 669,
Patetta, L., 79, 123, 138 671, 674, 676, 677, 679, 681, 682, 683 ,
Paton, W. R., 339 686, 698
Pausânias, 174, 264, 499, 566 Plínio-o-Moço, 167, 684
Payne, A., 19 Plotino, 58, 59, 593
Pearson, L. I., 631 Plutão, 387
Pedro (D.), 69 Plutarco , 64, 117, 156, 157, 25 1, 280, 293 ,
Pedro (São), 169, 486 294, 295, 304, 365, 384, 386, 388, 392,
Peiras, 505 395, 400, 430, 431 ' 435 , 437, 504, 505,
Pellegrini, P., 91 , 291 510, 511 ' 534, 545 , 574, 587, 634, 636, 642
Pereira, B., 30, 46, 48, 66, 97, 684 Políbio, 339, 475, 544, 589, 625
Pereira, F. A. B., 126 Policleto, 35
Pereira, J. D., 607, 609 Polícrates, 153
Pereira, M. H. da R., 37, 190, 382 Poliorcetes, 16 1
Pereira, V. S., 84 Poliziano, Â., 17, 18, 44, 51 , 73, 85, 108, 127,
Perseu, 419 135, 527
Petosíris, 227 Pompeio, 157, /92, 193, 290, 430, 474, 501 ,
Petrarca, F. , 20 545, 587
Pevsner, N., 68 Pompeio Festo, 319, 325
Philander, G., 76 Pompónio Mela, 162, 225, 284, 286, 384, 385
Picardi, A., 331 Ponen~ 381 , 384, 519
Piccolomini, E. S .. Ver Pio II (papa) Portoghesi, P., 35, 73 , 77, 147, 161 , 169, 191,
Piei, J., 69 197, 204, 241, 260, 268, 269, 301 , 332,
Pieti, D. , 80 370, 378, 391, 402, 410, 413 , 450, 454,
Pinheiro, A. E., 198 460, 463 , 502 , 510, 524, 574, 581, 585 ,
Pio II (papa), 20, 491 , 512 587, 6 12, 62 ' 634, 649, 659, 672, 679
Pisístrato, 565 Posidónio, 566
Pítaco, 514 Procópio, 436

752
Índice Onomástico

Propércio, 526, 673 Saalman, H., 8 1


Protogénio, 197 Sabino Tiro, 681
Psamético, 20 I, 488 Salance, 413
Ptah, 471 Sa lomão, 34, 117, 195, 387, 414, 436, 444,
Ptolemeu I, 285, 533 6 17
Ptolemeu II Filadelfo, 392, 667 Salor, E. S., 56, 61
Ptolemeu, Cláudio, 597, 601 Salústio, 136, 476
Ptolemeus (reis do Egipto), 565 Sanchuniathon, 197
Publílio Siro, 51 O Sangallo, A. da, 332
Públio Valério Publícola, 574 Sangallo, G. da, 94
Santos, R. de M., 124
Quéfren, 393 Santos, R. dos, 92
Quéops, 393 Sanzio, R., 58
Quérsifron, 241, 393 Saraiva, A. J. , 62
Quincy, Q. de, 106 Sardanapalo, 528
Quintiliano, 39, 65 , 119, 279, 608, 616
Sasema, 682
Quinto Cúrcio, 195, 294, 295, 303, 304, 341,
Saturno, 147, 197, 227, 283, 428, 438
430, 499, 627, 662
Saúde (deusa da), 336
Saugnier, 37, 109, 112, 113, 114, 115,377, 729
Ramsés II : ver Osimandias, 392, 473, 501 , 502
Scalzo, M. , 32
Rasmita, 393
Scamozzi , V , 92, 93 , I OI
Reco, 419, 503
Scarllet, B. , 16
Regoliosi, M., 29, 117, 124, 486
Schinkel , K. F., I 08, 383
Reinhardt, T., 39
Schlosser, J. von, 83 , 123, 124, 711
Reinón, P. M., 119
Schmarsow, A. , 383
Resende, A. de, 15, 27, 30, 81, 83, 84, 85 , 132
Schõn, D., 67
Rhenanus, 8 ., 31
Schwandner, E.-L. , 429
Riegl , A. , 437
Sciena, B ., 94
Riley, H. T., 353
Rinaldi, R., 29 Seleuco I, 179, 501 , 565
Rinckii, G. F., 365 Semíramis, 196, 295, 389, 433, 503, 630, 668
Ritter, C., 516 Semprónio Graco, 307
Rivera, J., 487 Séneca, 27, 36, 117, 119, 304, 324, 504, 659
Ródope, 192 Seppilli, A., 28
Rodrigues, A., 61 Septímio Severo (imperador), 541 , 626
Rodrigues, F. de A., 31 , 60, 64, 67 Serápis, 387, 388, 438, 477
Rómulo, 28, 280, 294, 544 Serbat, G., 370
Rosselino, 8 ., 70, 124 Sérlio, S., 80, 91, 92, 94, I OI, I 05
Rossi, A., 18 Sérvio, 159, 224, 266, 319, 388, 429, 476, 510,
Roth, A. , 110 516, 628, 647, 677
Ruão, C., 94, 100, 127 Sesoósis, 626
Rucellai (família), 526 Sesóstris, 284, 413, 500, 502
Rucellai, G. , 579, 621 Sforza, F., 75
Rudd, N ., 324 Sherwood, A. N ., 174
Ruskin, J. , 106, 107 Silva Dias, J. S. da, 30, 57
Rykwert, J., 31 , 35, 51 , 52 , 53 , 54, 72, 140, Silva, (D.) M. da, 99
147, 193, 214, 218, 226, 241, 283 , 316, Silva, F. S. da, 247
435 , 436, 439, 444, 461 , 512, 544, 565, Silva, M., 27
577, 589, 617, 621 Sílvio Postúmio, 438, 477

753
Anexos

Simões, G. , 132 Theuer, M., 51 , 54, I 08, 486


Sixto V (papa), 392 Thulin, C., 705
Siza, Á. , 16, 67, 116, 118, 120, 374 Tibaldi, P. , 91
Smart, C., 27 Tibério Graco, 511
Smet, C., 110, 729 Tibério Júlio César Augusto, 198, 475 , 566
Smith, C., 45 , 125, 512 Ticozzi , S., 51, 108
Soares, B. A., 96 Tífon, 160
Sobrinho, H. E., 574 Tigranes, 430, 433
Sócrates, 287, 477 Timeu, 235
Solá-Morales, I. , 128 Tito Flávio Vespasiano (imperador), 196, 296,
Solino, 22, 386, 475, 505, 533 , 545, 631, 632 , 587
635, 660, 664, 682, 686 Tito Lívio, 22, 117, 192, 285, 304, 366, 386,
Sólon, 280 435 , 545 , 574
Spade, P. V. , 58 Tolo, 419
Spaw forth, A., 179, 392, 396, 535 Tomás de Aquino (Santo), 29, 55, 593
Stevens, G., 121 , 126 Torralva, D. de, 92
Stevin, S., 449 Torrentino, L. , 51, 79, 80
Succi, C., 265, 688 Tortelli, G., 20
Suetónio, 32, 153, 188, 191 , 193, 244, 295, Tosi, R., 132
390, 404, 412, 474, 518 , 529, 545 , 566, Tóxio, 147
574, 587, 588, 612, 618, 653 , 673 Trachtenberg, M., 34
Sulpitius, G., 19 Trajano (imperador), 179, 332, 347, 523 , 579
Trasão, 14 7
Táci to, 142, 179, 192, 212, 296, 303, 390, 540, Trebónio, 312
54 1, 544, 545 , 618, 661 Trifinquio (ciclope), 147
Tafuri, M., 123, 192 Tucídides, 141, 159, 283, 298, 314, 391 , 432,
Tales de Mileto, 629 477, 500, 515, 575
Tarquínio : referência incerta, 477
Tarquínio I, 168, 192, 545 Ulpiano, 301, 363, 647, 650, 655, 658
Tarquínio II, 545 Úrano, 428
Tatti, G., 580 Urbano VIII (papa), 413
Tavares, D., 48, 52, 132 Usone, 434
Tavares, J. P., 84
Tavemor, R., 70, 117, 123, 213 , 442, 493 , 579, Valérios (gens}, 510
585 Valia, L., 141
Teixeira, J. , 127 Van de Velde, H., 36
Télecles, 503 Van Eck, C., 66
Temístocles, 432 Varrão, 22, 28, 32, 45, 47, 48 , 62, 153, 161 ,
Témnio, 386 197, 198, 208, 244, 245, 264, 266, 274,
Tenenti , A., 123 285, 293, 295, 304, 356, 357 , 363 , 366,
Teodorico, 167 368, 386, 433 , 437, 454, 476, 478, 561,
Teodoro, 419, 503 647, 659, 677, 682
Teofrasto, 141, 147, 152, 157, 197, 198, 200, Vasari, G., 17, 18, 51, 71, 76, 79, 98, 108,
201 , 202, 203, 206, 207, 258, 438, 589, 123, 126, 3 18, 427, 688
639, 641 , 643 , 644, 645, 677 Vasconcelos, D. M., 84
Terêncio, 119, 319, 581, 592 Vasconcelos, F. M ., 127
Tertuliano, 42 Vasoli, C. , 123
Teseu, 280 Vatovec, C. V., 71

754
Índice Onomástico

Vegécio, 199, 297, 298, 341 , 342, 343 538, 546 , 547 , 548, 550, 551 ' 555, 559 ,
Velez, A., 30 566, 579, 583 , 588, 591 , 596, 603 , 61 O,
Venturi, R. , 25 , 31, 115 616, 619, 620, 630, 632 , 636, 637, 638 ,
Vénus, 227, 386, 387, 437, 438, 477; genitrix, 640, 645 , 649, 650, 653 , 654, 656, 659,
474 673 , 674, 684, 695
Verdelho, T. , 27 Vulcano, 159, 43 7, 502
Vero, 179
Vesta, 147, 197, 437, 438, 477 Warren, C., 33, 34
Vidler, A., 383
Webster, N., 52, 489
Vieusseux, G. P., 49
Wells, J. A., 624
Viggiani, C., 193
White, J. A., 20
Vilela, J. S., 83, 85
Williamson, G. , 505
Villeneuve, J., 110
Wittkower, R. , 32, 88
Vinci, L. da, 21, 98, 304
Wolf, G., 378
Vinhola, J. B., 94, 101, 105
Wõlffiin, H., 383
Viollet-le-Duc, E.-E., 106, I 07
Worringer, W. , 383
Virgílio, 46, 132, 162, 228, 267, 330, 363, 428,
429, 454, 587, 595 Wright, C. , 33
Viterbo, S., 127 Wuilleumier, P., 545
Vitória (deusa da), 522 Wycliffe, J., 52
Vitrúvio, 19, 23 , 25 , 26, 27, 29, 32, 34, 35, 36,
37, 38, 40, 46, 53 , 54, 56, 65 , 68, 70, 76, Xenofonte, 139, 156, 318, 330, 340, 342, 354,
77, 82, 85 , 86, 89, 90, 91 , 93 , 94, 101 , 103, 630
105 , 109, 114, 143 , 145, 146, 148, 153, Xerxes, 191, 435, 502, 51 7, 565
155, 156, 158, 161, 166, 168, 170, 171 ,
174, 177, 197, 198, 200, 202, 203 , 205 , Yebra, V. G., 574
207, 210, 212, 214, 215 , 219, 223, 224,
233 , 238, 240, 241 ' 248 , 250, 253 , 263 , Zamorano, R. , 729
266, 267, 270, 272, 274, 275, 276, 279, Zarina, 51 7
291 ' 292, 296, 298, 299, 300, 302, 324, Zarlino, G., 88
332, 335, 336, 344, 348, 354, 357, 360, Zé1on, 565
361 , 363, 365, 371 , 374, 379, 381 , 382, Zenodaro, 196
384, 391, 392, 393 , 404, 407, 408, 409, Zeus, 56, 179, 473, 506
411 , 412, 421, 434, 437, 439, 442, 444, Zêuxis de Heracleia, 612, 619
445 , 446, 447, 448, 449, 450, 452, 454, Zêuxis de Tarento, 565
456, 458, 461, 463, 464, 467, 471 , 479, Zmílis, 419
480, 481 ' 482, 484, 489, 492, 498, 533 , Zubov, V. P., 54, 122, 422

755
~

INDICE DE LUGARES 218 3

Abruzos, 222 Assíria, 307, 384, 528, 668


Acaia, 160, 434 Asso, 518
Acesines (rio), 499 Atenas, 378, 477, 502, 514, 565 ; academia de,
Ádige (rio), 667 388, 565; acrópole, 385, 434; muralhas de,
Ádria, 236 391 , 432 ; portos de, 314; templo de Palas
Afortunadas (ilhas), 635 Atena, 386
África, 257, 302 Atlante, 624
Agrigento, 290, 565 Atos (monte), 384
Alatro, 168 Áulide, 214
Alba, 212, 219 Avemo (lago), 193 , 677
Alexandria, 477, 629, 678; biblioteca de, 565;
templo de Serápis, 438, 477 Babilónia, 293 , 303, 534, 579, 630; basílica
Álgido (monte), 159 real , 387; jardins, 273 ; muralhas de, 196,
Alpes, 153, 205, 233 296, 433 ; templo de Apolo, 178; templo de
Âncio, 296 Belo, 195; torre de vigia, 529
Andro (ilha), 203 Bagistano (monte), 503
Anquíale, 528 Baias, 288
Antioquia, 50 I, 626 Bélgica, 212, 272
Apameia, 501 Benevento, 228
Apeninos, 225 Beócia, 626
Apúlia, 156, 633 Biblo, 283
Arábia, 159, 214, 225 , 389, 626, 627, 630 Bisseio, 290
Araxe (rio), 630 Bizâncio, 387, 671
Arcádia, 632, 649 Bolonha, 632, 660; torre, 242
Argeu (monte), 628 Bolsena, 212
Argo (monte), 642 Borístenes: templo de Aquiles, 387
Argólida, 668; templo de Juno, 505 Bósforo, 159
Argos, 4 77, 624 Boulogne,,485
Arménia, 631, 635 Bretanha, 682
Arménia Menor, 50 I Britânia, 153, 626
Arsínoe (rio), 631 Brundísio, 51 O
Artesco (rio), 500 Bubastes: via do templo, 534
Ascalão, 50 I Bucéfala, 50 I
Ásia, 179, 214, 218, 224, 379, 544, 546, 574 Bura, 624

2183
Citados no tratado de Alberti.

757
Anexos

Cádiz, 349 Ecbátana, 295, 612, 630


Cairo, 296, 318 Éfeso, 393, 503, 505; templo de Diana, 204,
Cálcis, 160 241, 413, 419, 477, 488
Camerina, 63 I Egipto, 150, 159, 225, 241, 246, 284, 286,
Campânia, 159, 213 288, 302, 318, 390, 413 , 476, 500, 502,
Cápua, 159, 430 513, 516, 534, 565, 596, 626, 664, 672;
Cária, 192 pirâmide de Quéops , 393; sepulcro de
Carmânia, 517 Osimandias, 473, 501 , 502, 528; templo
Cartago, 565 de Ámon, 288, 325; templo de Latona, 390
Cáspio (monte), 286 Elba (ilha), 498
Cassandreia, 214 Elefantina, 390
Cáucaso, 649 Elêusis, 632
Ceráunia, 159, 561 Élide: templo de Minerva, 473
Chipre, 220, 272 Enoe (ilha), 153
Cidade do Sol, 293 Epidamno, 431
Cila, 631 Epiro, 159, 624, 632
Cileno (monte), 649 Erasino (rio), 668
Cilícia, 625, 672 Érice: templo de Vénus, 477
Cimolos, 357 Erimanto, 662
Cíngolo, 290 Éritra, 160
Cirene, 203 Esmirna, 3 12
Citro, 201 Espanha, 159, 218, 485, 660
Cízico, 214, 526; santuário, 473 Esparta, 488
Cízico (ilha), 566 Esquilino, 574
Clazómenas, 288 Estige (rio), 527
Clúsio: sepulcro de Porsena, 519 Estinfalo, 624, 668
Cnossos, 534 Etiópia, 159, 628
Coloo (lago), 662 Etólia, 475
Cólquida, 156, 413 Etrúria, 336, 382, 432, 527, 544, 634
Córcira, 677 Eubeia, 203 , 626
Corinto, 438 Eufrates (rio), 384, 626, 630, 663, 664, 667
Coro (rio), 630 Eunosto, 386
Córsega, 632, 633 Euripo, 626
Creta, 159, 387, 434; santuário de Diana, 386;
sepulcro de Júpiter, 140 Faenza, 214
Crotona, 159 Faros (ilha), 288, 294, 430, 533
Fásis (rio), 672
Debre, 631 Fenícia, 434
Dedália, 225 Fidenas, 219
Delfos, 488; oráculo de, 476; templo de Apolo, Fiésole, 635
162, 488 Filipos (cidade da Macedónia), 677
Delos, 159, 505 Florença, 214, 237
Dolíolos, 386 Focos (cidade egípcia), 392
Doro, 447 Fossumbrónias, 626
França, 485
Ebro (rio), 159 Frígia, 668
Ébuso (ilha), 682 Fúcino (lago), 501, 653, 661

758
Índice de Lugares

Gábios: região dos, 212 Lácio, 516, 534


Gádara, 632 Lacónia, 630
Galácia, 159, 668 ·Lamone (rio), 214
Gália, 153, 179, 197, 214, 219, 661 , 667; Laodiceia, 50 I, 565, 632
Cisalpina, 363, 545 Larissa, 677
Gálias, 159, 220, 280, 283 , 298, 668 Laurente {lago), 662
Ganges (rio), 662 Lemnos (ilha), 159, 419
Lesbos, 258
Garda (lago), 209
Lêucade, 626
Gauloen (ilha), 682
Leuctres, 385
Gelónio, 632
Líbia, 151, 159, 302, 413, 628 , 634, 682
Génova, 675
Lídia, 625
Germânia, 272, 302, 402, 413
Ligúria, 212, 272
Giteu, 566
Lisimaquia, 499
Grécia, 283 , 380, 381 , 419, 435 , 498, 502,
Livomo, 677
513 , 544 Locros, 159
Lucânia, 213
Halicamasso, 294 Lucínio (monte), 168
Hebron, 385 Lucrino (lago}, 228
Helbeso (rio), 632 Lusitânia, 286
Hélice, 624
Hémicos (montes), 159, 168, 432 Macedónia, 195, 534
Hidaspe (rio), 159 Malevento, 228
Himeto (monte), 576 Mar Adriático, 41 O
Híparis (rio), 499 Mar de Cálcis, 671
Hiperbórea, 438 Mar Hircano, 632
Hispânia, 153, 257; templo de Diana, 209 Mar Negro, 153 , 161
Hispânias, 245, 302 Mar Vermelho, 632
Margiana, 626
Ilerda, 662 Marselha, 272
Ilíria, 431 Mazara, 628, 642
Média, 503
Índia, 156, 203, 209, 225, 281, 283, 285, 287,
Mégara, 631
434, 475, 499, 513, 626
Mela (rio), 667
Índico (oceano), 341
Menandro (rio), 664
Indo (rio), 630, 632
Mênfis, 285, 293, 471, 502; muralhas de, 297;
Inglaterra: muralha de Adriano, 626; muralha
ponte, 307
de Antonino, 626
Méroe, 384
Ístria, 213 Mesopotâmia, 662, 666
lstro (rio), 672 Mestre: torre de, 236
Itália, 151, 288, 363, 529, 544, 667 Mileto: templQ de Minerva, 477
Morello (monte), 237
Jerusalém: edificíos públicos, 241; muralhas Murano, 677
de , 296; passagens sacras, 534; pórticos
sagrados, 477; templo de, 195, 386, 413; Nare (rio}, 213, 662
templo de Salomão, 414; túmulo de David, Némi: lago, 347, 662; vil/a de Júlio César, 188
322 Nérito (península), 626
Jope, 284 Nicépolis, 501

759
Anexos

Nilo (rio), 296, 307, 318, 392, 628, 629, 646, Ravena, 629, 663 ; templo, 167
660, 662, 664, 667, 672 Reno (rio), 153
Nínive, 293 Riéti (lago), 213
Nonácris, 632 Rimini , 220
Numídia, 381 , 419 Ripe (rio), 661
Rodes: templo de Orídion, 386
Olimpo, 156 Rodes (ilha), 502, 535
Oropo, 214 Roma, 159, 160, 162, 167, 179, 192, 193, 196,
Óstia: canal navegável , 193; porto de Cláudio, 212, 2 13, 2 19, 223 , 257 , 295 , 303 , 312,
191 ; termas de, 381 381 , 430, 438, 4 77, 488 , 502, 51 O, 529,
Oxo (rio), 626, 642 536, 544, 579 , 617, 625 , 631 , 642 , 654,
668; aquedutos, 653 ; Basílica de Maxêncio,
Pádua, 645 169; Basílica de São Paulo, 534; Basílica
Pafo: santuário de Vénus, 387 de São Pedro, 175, 204, 413 , 534, 690;
Palatino (monte), 475 , 544 Capitólio, 162, 413 , 434, 474, 475 , 500;
Palimbrota, 296 Circo Máximo, 392, 545, 558; Comícios,
Pantos, 386 242 ; Cúria, 500, 561 ; Domus aurea , 390;
Paros (ilha), 419, 528, 576 Fórum, 511 , 679 ; Fórum Argentário, 241 ;
Pártia, 179 Fórum Boário, 387; mausoléu dos Antoni-
Pasárgadas: sepulcro de Ciro, 519 nos (conhecido como Castell Sant 'Angelo),
Pelene, 388 241 ; muralha Aureliana, 299, 433 ; muralha
Pelúsio, 626, 672 de Tarquínio, 168; oblisco de Latrão, 392,
Pera, 161 664; Panteão, 413 , 472 , 477 ; ponte de
Pérgamo, 586 Adriano (ou de Sant 'Angelo), 536, 665 ;
Persépolis, 476 porta de Jano, 386; pórtico de Agripa, 413 ;
Pérsia, 179, 565 pórtico de Octávio, 419; residência de Júlia,
Pérsico (golfo), 631 574; residência de Octaviano Augusto, 588;
Perúsia, 168, 292, 346 residência d Valério, 574; residência dos
Piacenza: teatro de, 545 Gordianos, 575; Rocha Tarpeia,' 242; Ros-
Piceno, 212, 290, 625 tros, 500; santuário de Vesta, 477; sepulcro
Piramo (rio), 634 de Octaviano Augusto, 517; teatro de Pom-
Pireu, 20 I, 432, 566 peio, 192, 545; templo da Boa Deusa, 386;
Pirgo, 272 templo de Apolo, 477; templo de Diana,
Plateias, 298 386; templo de Esculápio, 437; templo de
Pó (rio), 661, 667, 678 Fauna, 386; templo de Hércules, 387; tem-
Ponto, 387, 499, 671 plo de Hora, 386; templo de Jano, 437;
Populónia, 209~ 505 templo de Júpiter no Capitólio, 192; templo
Pozzuoli, 214 de Latona, 169; templo de Matuta, 386;
Preneste, 534, 675 templo de Vénus genitrix, 474; templo de
Privemo, 302 Vespasiano, 243; termas de Antonino, 565;
Propôntida, 566, 671 termas de Heliogábalo, 567; termas de
Próquida (ilha), 160 Severo, 565; Transtêvere, 654; via Ápia,
Putéolos, 276, 410, 632; gruta de Sejano, 193 217, 51 O, 511; via Cola tina, 636; via Por-
tuense, 302; via Prenestina, 575; via 'fibur-
Quémis: santuário da ilha de, 390 tina, 311
Quersoneso, 288
Quiana (rio), 214 Sabina, 245
Quios (ilha), 203, 632 Salemo, 224

760
Índice de Lugares

Samos, 488, 503; canal, 630; porto de, 535; Terracina: porto de Adriano, 191
teniplo de Juno, 488 Tessália, 677
Sardenha, 225, 545 Tiberina (ilha), 437
Sardes: túmulo de Aliates, 662 Tibre (rio), 346, 642, 654, 664, 668, 673
Segesta, 632 Tíbur [Tivoli] , 213 , 275; vil/a Adriana, 388
Segóvia, 485 Tigranocerta, 430
Sele (rio), 213 Tigre (rio), 627, 630, 667
Selêucia, 179, 50 I Tirésia (ilha), 624
Selinunte, 138 Tirina (ilha): sepulcro de Eritas, 517
Síbaris, 162 Tiro, 288, 295 , 579
Siboli, 366 Tivoli , 565, 577, Ver Tíbur
Sicília, 384, 475 Toledo: mercado público, 387
Sícoris (rio), 662 Toscana, 214, 223, 233 , 272, 290, 312, 363 ,
Siena, 232, 312, 632 677
Siracusa, 150, 160, 392, 566; sepulcro de Trácia, 192
Arquimedes, 528 Trasimeno, 385
Síria, 273 , 501 Trípoli, 411
Sono de Eubúsio (ilha), 385 Tróade, 214, 387, 518
Susa, 502, 632 Tróia, 209, 385, 544
Túrios, 544
Talge (ilha), 286 Túsculo, 244
Tânagra, 386
Tánais (rio), 195, 500 Úmbria, 212; santuário antigo, 167
Tânato (ilha), 682 Urbino, 635
Tarragona, 660 Útica, 209
Tarso, 528
Tauro (monte), 285 , 289 Vaticano, 169
Tebaida, 193 Veios, 232
Tebas (Beócia), 220, 411; templo de Vénus, Velino (lago e monte), 222, 662
386 Venécia, 629
Tebas (Egipto), 246, 392, 534, 566, 626 Véneto, 212
Tebe, 293 Veneza, 236, 661 , 677; Basílica de São Mar-
Tempe, 628 cos, 169; fórum, 204; Palácio público dos
Téneaos (ilha), 386 Censores, 387
Tera (ilha), 624 Verona, 222, 306
Terâmenes, 624 Vilúmbria, 432
Termo: templo de, 475 Volscónio [Orvieto], 634
Terrnópilas, 527 Volterra, 290, 632

761
ÍNDICE DE CONCEITOS E MATÉRIAS 2184

Abertura, 148, 175, 178- 83 , 185, 231 , 244, Aqueduto, 546, 630, 654, 685
248, 255 , 259, 334, 338, 351, 415 , 444, Arco, 164, 182, 244, 255, 263 , 262- 67,
475 , 560, 597, 680, 686, Ver Descritores da 268- 70, 312, 349, 485 , 496, 497, 675, 688;
edificatória; como ornamento, 419; da cha- abatido, 165, 264, 265, 31 O, 497; apontado,
miné, 364; da tribuna, 492 ; das torres, 265; 165, 264; de triunfo, 540-43; de volta per-
de escadas, 321 ; de iluminação, 361 ; de feita, 164, 182, 264, 31 O
pórticos, 552; de verão e de inverno, 3 71; Área, 147, 163-65, 169, 174, 177, 232, 335,
dimensões da, 181- 82, 441 , 483 , 562, 585; 441 , Ver Descritores da edificatória; a céu
dos intercolúnios, 551 ; e despesa, 472; em aberto, 334, 568; aberturas da, 183; adapta-
arco de triunfo, 541 ; em colunatas, 446; em ção da cobertura, 177; ampla, 60 I,
número impar, 595; no templo, 479; orien-
tação da, 300, 569; ornamento da, 181 , 602 ; aterro, 274; central do teatro, 551 ,
415- 19; panorama da, 335; régia, 548 552; coberta, 474, 567, 569, 584; como
Abóbada, 148; altura da, 584; áreas cobertas parte da região, 385; configuração da, 163 ;
com, 584; armação da, 270; de ângulo, 177, consolidação da, 169; da basílica, 491 ; da
267, 269, 477 ; de berço, 177, 266, 267, cidade, 290, 429, 431 ; da frontaria, 472 ;
269, 477; do cenáculo, 684; e areia de delimitação da, 147, 163, 164, 189; do
jazida, 224; e cal branca, 219; em casa pomério, 345; do pórtico, 533 ; em declive,
urbana, 590; em espaços quadrangulares, 237; embelezamento da, 388; implantação
583 ; em mina, 641; esférica de aresta, 268; da, 166, 167, 168, 226; média, 600, 60 I;
esférica regular, 267; excesso de car~a , 687; nivelada, 430; ornamentação da, 385 ;
géneros de, 266-71 ; nos templos, 183 pequena, 600, 60 I ; perímetro da, 249; total
Acrotério, 533 de construção, 147; traçado da, 227
Água, 138- 39, 147, 155- 56, 157, 629- 39; Arquitecto: aprendizado do, 618; condição do,
achamento de, 63 5-41 ; arrnanezamento de, 137- 38, 141 ; definição de, 138; patronos
657-60; como princípio das coisas e da do, 620-22; retrato do, 613- 15
agregação humana, 629; escoamento de, Arquitectura, 137, 140, 616
193, 307- 8, 313, '384, 614, 628- 29, 652, Arte edificatória, 140-41, 145, 210, 346, 379,
667- 70; fornecimento de, 185, 648- 57; 381 , 419, 427- 28, 435, 509, 573, 591 , 593,
pureza da, 151 , 631 - 33, 642, 644-48, 657, 609, 616
659; regulação da, 661 - 76; uso da, 184, Artes: origem das, 379
340, 641-43 , 652- 54 Artes liberais, 282, 335, 351 , 437, 618
Anfiteatro, 535, 545-46, 556, 557, 558 Artífices, 138, 142, 280, 2g1, 380, 383, 389,
Aparelho, 244-45 , 248 , 250, 252, 270, 519, 436, 445 , 488, 511 , 594, 595, 609, 612,
657 616, 621, 652

2184
Citados no tratado de Alberti .

763
Anexos

Autoridade: da técnica, 139, 384; do Estado, vilínea, 262; da cidadela, 328; da cisterna,
3 17; do templo, 439; dos cidadãos, 282; dos 658; de arcos múltiplos, 177; de bronze,
nossos maiores, 504, 51 O, 543 536; de duas águas, 263 ; de palha e colmo,
435; de pedra, 259; displuviada, 177; do
Barreira: de circunvalação, 552, 554, 555, 557 pórtico, 560; do teatro, 546; do templo,
Basílica, 169, 204, 260, 324, 331 , 38 7, 413 , 476; escorrimento de águas, 178; esférica,
438, 446, 467, 491, 489- 92, 496- 98 , 533; exterior, 176; géneros de, 258; inclina-
533- 34, 539, 552-54, 561 , 564; e adminis- ção da, 178; interior, 176; material da, 258;
tração da justiça, 429; parede da, 494 nivelamento da, 559; ornamento da, 176,
Beleza (pulcritude). Ver Concinidade, Harmo- 413- 14; pavimento da, 272; por abóbada,
nia, Número, Delimitação, Disposição ; 584; por travejamento, 584; recolhimento
dimensões da, 373- 609; e capacidade inata, das chuvas, 658; rectilínea de madeira, 259;
378, 592, 607; e prazer, 565; finalidade da, revestimento da, 271, 275; semiesférica,
377 , 593 ; natural, 170-72, 194, 378, 381, 177; solidez da, 189; sustentação da, 173 ,
389, 428, 445 , 471 - 90; princípio universal 182, 244, 446, 61 O; travejamento da, 176,
da, 591, 592; regras da, 422, 448- 71 , 498, 497; utilidade da, 176
540, 583- 86, 595- 608; relações com a Coluna, 173, 406, 416-25, 446-71 , 559, 577,
comodidade, 377, 616; relações com a 607-8; base da, 173- 76, 448, 450- 52; como
necessidade e a utilidade, 137, 138, 141 , memória, 193, 385, 419, 499, 500, 520-25;
147, 171 , 283 , 574; relações com a sobrie- delineamento da, 449; diâmetro da, 450,
dade, 616 608; dimensão da, 448, 464; estrias e cane-
Biblioteca, 366, 371, 565-66, 619 luras da, 468- 70; perfil da, 422- 25; proce-
dência da, 174; sistema da, 446, 452, 467,
Capacidade inata. Ver Beleza (pulcritude), Edi- 482, 495-96
ficação; e vontade de edificar, 140 Comodidade. Ver Trindade, Organização tripar-
Capitel, 173- 75, 446-47, 453-60, 577; compó- tida; dimensões da, 279- 371
sito, 460; coríntio, 448, 458 ; dórico, 448, Compartimentação, 147, 170-73, 321 , 389, Ver
453- 54; itálico, 459 ; jónico, 448, 454-58 Descritores da edi ficatória
Casa. Ver Cidade, Residência; como cidade, Comunicação interactiva, 195, 236, Ver Peritos
170, 321, 352; seio da, 361, 582, 583 Concinidade. Ver Beleza (pulcritude), Delimita-
Castrametação, 16 1, 290, 339-46 ção, Disposição, Harmonia, Número; defini-
Cidade: acampamentos e, 339; área da, 284; ções da, 190, 376, 377, 380, 389, 411 , 578,
cidadela da, 328; do rei , 318, 320; do 584, 593, 597, 607, 611 , 614, 654; dimen-
tirano, 318, 320, 324; forma da, 292; forti- sões da, 591-606
ficada (Tirses), 627; muralhas da, 297-300; Conservação: de edificios, 193, 233, 261 , 275,
portas da, 300; região da, 284; vias da, 374, 625, 690, Ver Demolição, Memória
301 - 4 Consonâncias musicais. Ver Harmonia; diapa-
Cidadela, 325- 29, 340, 344, 346 son (consonância dupla), 598; diapason-dia-
Circo, 545-46, 557- 58 pente (consonância tripla), 598; diapente
Clima, 148-52, 157- 60, 288- 92 1 314, 353, (sesquiáltera), 598; diatessaron (sesquitér-
362, 627, 663 , 677- 78, Ver Região, Saúde, cia), 598; tom (sesquioitavo), 598
Ventos Constelações: Capricórnio, 227; e signos do
Cobertura, 138, 148, 154, 177, 190, 202, 219, Zodíaco, 557; Escorpião, 227; Leão, 199,
300, 476-79, 613, Ver Descritores da edifi- 227; Libra, 227; Plêiades, 277; Sagitário,
catória; acesso à, 183; adossamento de fron- 227; Touro, 199; Virgem, 227
tões, 478 ; arquitraves da, 563 ; carenada, Construção, 25, 111 , 145, 146, 147, 163, 167,
177; carga da, 148; colapso da, 690; como 168, 182, 185, 187, 195, 197, 232, 640,
protecção, 146; construção da, 258- 73 ; cur- 658, Ver Enchimento, Madeira, Material

764
Índice de Conceitos e Matérias

(processos), Material (produtos), Pedra (de Desenho , 173 , 183, 189, 222 , 234; à escala,
construção); argamassa da, 255; cal e areia 188, 189, 6 17, 6 19
da, 223 ; consistência da, 451; da casa, 352; Destino, 476, 527, Ver Fortuna; das coisas,
da cidadela, 326; da cobertura, 461 ; de abó- 227 ; do Estado, 281 ; dos inimigos, 295
badas, 268, 270; de alicerces, 202, 238 ; de Dignidade: da basílica, 489 ; da capela, 441 ; da
arcos, 238; de colunata, 242; de diques, casa, 362; da cidade, 289, 293 , 302, 432,
664; de escadas, 183; de esgotos, 312; de 435 , 565; da coluna, 419 , 611; da forma ,
muralhas, 296, 297 ; de muros, 209, 298 ; de 377; da justiça, 429 ; da obra, 321 ; da
pontes, 305, 310, 673; de vias, 312; do região, 384; da residência urbana, 369, 580;
porto, 315; dos alicerces, 192; dos esgotos, do ambiente, 365 ; do edificio, 166, 168,
382; dos pavimentos, 412 ; dos revestimen- 170, 192, 284, 415, 428 ; do lugar, 184, 332,
tos, 277, 391; em tijolo, 215; faseamento 388; do ornamento, 430, 612, 614; do tem-
da, 254; insensatez da, 380; peso da, 531 ; plo, 331; do vestíbulo, 576; dos aposentos
reboco da, 249; resistência da, 181 ; revesti- dos princípes, 323; dos bispos, 486; dos
mentos, 257; · rural, 353 ; sazonalidade da, cidadãos, 282, 363, 431 , 519, 575; dos edi-
226, 277, 416; solidez da, 218 , 319 ficios sagrados, 576, 577; dos magnates,
Convento, 333- 35 534; dos membros do edificio, 171 ; dos
Correcção (de defeitos), 187, 278, 619, 623, moradores, 321 ; dos sepulcros, 517; dos
625, 683 teatros, 545; régia, 519, 630; religiosa, 488,
Costume, 172, 275, 374, 460, 515, 517, 526, 516; valor da, 137, 140, 141 , 383, 389, 621 ,
538, 54~ 545, 573, 583, 613, 658 622, 624
Cúria, 331 , 337- 38, 491 , 560- 65, 567, 580, Discurso: valor do, 317, 375, 579
583, 586, 600 Disposição, 146, 178, 182, 189, 195, 310, 325,
383 , 390, 411, 445 , 552, 593 , 594, 608 ,
Defeito, 142, 148, 157, 178, 196, 203 ,, 205 , 609, 614, Ver Concinidade
210, 224, 237 , 240, 248, 253 , 259 , 261 , Diversidade: do ser humano, 279, 283 , 317,
262 , 278, 313, 347, 407, 496, 577, Ver Cor- 509, Ver Géneros de edificios
recção (de defeitos); de concepção, 172,
187, 188, 237, 440, 609, 625 ; de execução, Editicação: aptidão para a, 187- 96; capacidade
609, 615 para a, 140; como génese da comunidade,
Delimitação, 147, 163 , 164, 593 , 594, 280; domínio da, 320; e sustentabilidade,
597-609, 623, Ver Concinidade; e medieda- 158, 162, 196; gastos da, 162; necessidade
des, 605; e música, 597 da, 171 ; perfeita, 378; sumptuosidade da,
Delineamento, 142, 145- 85 , 258, 309, 321 , 574, 587; variação da, 379
347, 373, 425 , 427 , 439, 448 , 450, 452, Edificado: como testemunho do construído,
453, 454, 458, 460, 467, 478, 482 , 483 , 145, 275
485 , 496, 498, 517, 521 , 524, 525, 529, Edificio-corpo. Ver Casa (seio da), Ligamentos,
535, 537, 539, 542, 552, 560, 565, 567, Membros, Ossatura, Pele; caracol, 243, 455,
571 , 576, 577, 583, 609, 614, 621 ; do tem- 457, 458, 523, 530; coração da cidadela,
plo, 524 329; córtex, 454, 455, 456, 457; fronte, 89,
Delos: templo e oráculo de Apolo, 140 455, 457, 458, 459, 463 ; lábios das abertu-
Demolição de edificios, 188, 233, 374, 625, ras, 231, 244; occipício, 455; orelha, 406,
Ver Conservação 482, 565; relação, 142, 147, 170, 258, 262,
Descritores da edificatória, 147, 382, 383, 427, 444, 591 - 92; umbigo do caracol, 455
Ver Abertura, Área, Cobertura, Comparti- Elogio (da arte edificatória), 137, 140, 187,
mentação, Parede, Região 194, 378, 384, 616
Desejo: desmesurado de edificar, 190, 192- 94, Embada, 620
384, 436, 518- 19, 575, 621 Embelezamento, 383- 91, 407- 24, 573- 90

765
Anexos

Enchimento, 232, 239, 248 , 250-51 , 255 , 256, Géneros de edifícios: militares, 139, 296, 297,
613; cal não diluída, 253 ; das abóbadas, 299, 319, 325, 339-46; mosteiros, 333; pri-
268; das fundações, 241 , 243 , 277 ; de barro sionais, 351 - 52; privados, 170, 225 , 273 ,
e pedra, 276; de caliça e pedra, 269 ; de 312, 352- 71 , 373, 483 , 566, 567, 623 ; pro-
cascalho, 311 ; de pedra, 687; de pedra fanos , 509- 33 ; públicos, 170, 180, 203,
miúda, 309; dos alicerces, 240; dos muros, 217, 223 , 225 , 241 , 273 , 286, 312, 335,
218, 244, 257; espécies de, 250 338, 350, 351, 373, 387, 428 , 449, 509,
Entablamento, 461-67, 490, 495 ; coríntio, 467; 560, 565, 566, 567, 573 , 576, 577, 590,
dórico, 461-64, 482; jónico, 464-67, 482 612, 623 ; rurais, 353, 355; rústicos, 391 ,
Escultura, 467, 502- 3, 522- 23 , 528, Ver Esta- 573; sagrados, 294, 329, 332, 331 - 37,
tuária; de animais, 530; de cabeças de ani- 428- 507, 509, 529, 576, 577, 612; sepul-
mais, 488; de moldura, 453; de painéis, crais, 510-20; urbanos, 533- 71 , 578
463; de. rosetas e acantos, 463 ; delinea- Glória: ambição de, 621 ; da cidade, 139, 511 ,
mento da, 427; do capitel, 457; em relevo, 545; do arquitecto, 172, 195,229, 616, 617,
409 ; relevos da, 612 620, 621 ; do edificado, 382; dos antepassa-
Esgoto, 178, 185, 190, 237, 312- 13, 329, 355, dos, 513 ; dos autores da obra, 187; na ocu-
382, 614, 641 pação, 284
Gravidade: da casa urbana, 590; do ornamento,
Estatuária, 189, 224, 472, 475 , 499, 609; como
614; do templo, 439, 474
ornamento, 502; como peso, 400; do tem-
plo, 485, 504-7; dos deuses, 206; em aber-
Harmonia, 231 , 619, Ver Beleza (pulcritude),
turas, 181; em nichos, 563; em tectos, 176;
Concinidade, Consonâncias Musicais; com a
evocativa, 513; fundida, · 427; na coluna,
natureza, 191; da variedade de sons, 172;
524; no arco de triunfo, 541; no frontão,
das partes, 362; de linhas e ângulos, 170; e
478, 608; no pórtico, 587; para prender as
proporcionalidade, 605 ; fundamento da
colunas, 542; restos de, 391
beleza (pulcritude), 194, 591; musical, 598,
602, 603 ; na arte edificatória, 597-600
Fama: da região, 385; do arquitecto, 616, 620;
Hieróglifo, 527, 528
do patrono, 141 ; para os vindouros, 575
História da arte edificatória, 379- 83
Família: constituição da, 61 O; dignidade da,
Honra: divina, 434, 502; do arquitecto, 141 ;
140; habitar com qualidade, 163 ; lazer da, em residências privadas, 140; régia, 516;
163, 361; mãe de, 369; matrona de, 332, valor da, 140, 194, 500, 501 , 512, 514
365, 550, 567, 570, 610; necessidades da, Hospícios, 336--37
369; pai de, 322, 362, 529, 550, 580; pes-
soas e bens da, 353; rural, 368 Ilustrar o Dere aedificatoria: problemática de,
Felicidade, 159, 333, 678, Ver Fortuna 234, 263, 326, 397
Fortificações, 139, 161 , 292- 300, 302, 315, Inteligibilidade textual: necessidade da, 145,
319- 20, 328, 334, 341 , 345, 432- 34, 570; 266, 373, 375, 422
da cidadela, 328- 29; dos portos, 346 Intercolúnio, 182, 442, 444-46, 532, 551 , 564
Fortuna: de Roma, 162; incremento da, 229;
recursos de, 380; vicissitudes da, 226 Janela, 147, 178-80, 183, 312, 321 , 335, 357,
Fórum, 204, 319, 321 , 331, 432, 437 , 487, 362, 441 , 483 , 497, 498, 532, 559, 563,
534, 535, 537, 538-39, 559, 578, 580 564, 569, 570, 585, 678, 684, 691; dos tem-
Frugalidade, 381, 435, 485, Ver M,oderação plos, 479, 484; número impar, 586; ornato
Fundações, 232, 235 , 231-43 , 277, 548, 687; da, 586
abalo de, 688 ; de colunas, 242; de muros,
253- 55; de pontes, 307- 8; parede e muro Lei: Agrária, 511 ; das XII tábuas, 30 I, 51 O; de
de, 243; raízes das, 234; reparação de, 687; Júlio César, 579; de Licurgo, 574; de
traçado das, 233 Pítaco, 514; de Postúmio, 438

766
Índice de Conceitos e Matérias

Letras. Ver Discurso; valor das, 145, 228, 334, Material (produtos). Ver Enchimento, Madeira,
617 , 622 Material (processos), Pedra (de construção);
Liberdade: de concepção, 577, 579 alabastro , 220, 485 ; alcatrão, 347; areia,
Ligamentos, 231, 250, 25 1- 53, 255- 58, 259, 629, 638, 658, 660, 665 , 671 ; argila, 218 ,
262-63 , 268 220, 225 , 235, 242, 256, 299 , 329, 350,
Luz, 147, 154, 178- 80, 303 , 332, 334, 367, 358, 360, 367, 370, 395, 411 , 414, 478 ,
370, 390, 472, 497, 560, 570, 679; compa- 635 , 638, 659, 664, 675, 681, 690; bronze,
nhia da, 680; do exterior, 552; excessiva, 174, 246, 256, 261 , 272, 309, 347, 364,
4 79; reflexos de, 412; subsidiária da beleza, 396, 413 , 483 , 485, 506, 554, 573, 639 ,
378 656; cal , 219-23, 239, 249, 253 , 274, 297,
329, 407, 408, 412, 473 , 656, 659, 690 ;
Madeira, 197, Ver Material (processos), Mate- chumbo, 252, 256, 272, 347, 412, 414, 656;
rial (produtos); abeto, 197, 203 , 204 ; álamo, estanho, 256, 396, 411 ; estuque, 220, 249,
202, 207; a~omo , 203 ; amoreira, 203, 206; 576, 659; ferro, 174, 246, 256, 261 , 300,
azinheira, 203, 206; bordo, 203, 206; buxo, 397, 402, 406, 414, 483 , 573, 628, 680;
206; carvalho, 202, 203 , 205, 207 ; cedro,
gesso, 220, 22 1, 358, 408, 485 , 680, 689;
203; cerejeira, 207 ; choupo, 206; cipreste,
ladrilho, 411 , 684; mármore, 174, 213 , 216,
203 , 204; ébano, 203 , 206; ésculo, 202 ;
220, 224, 239, 246, 249, 253 , 358, 390,
espécies de, 202; faia, 203, 205 ; figueira,
407, 410, 416, 485 , 608 , 640, 641, 680,
206; freixo, 198, 206; hera, 207; jujuba,
690; mosaico, 411, 412, 433; pedra-pomes,
206; lariço, 204, 206; lódão, 206; loureiro,
268 , 299 , 329, 411 , 588, 660; pez, 200,
207; nogueira, 203 , 206; oliveira, 203, 205;
256, 689; saibro, 215 , 235, 239, 350, 357,
olmeiro, 198, 202, 203, 206; palmeira, 206;
638, 684; sílex, 213 , 219, 232, 239, 311 ,
pessegueiro egípcio, 206; pícea, 204, 206;
624, 637, 641, 680 ; telha, 178, 257, 259 ,
pinheiro, 197, 204; pinheiro bravo, 203 ;
272- 76, 329, 413, 467; tijolo, 170, 215- 18,
plátano, 207; robustez e resistência, 207;
241 , 245, 252, 255 , 268, 273, 345, 350,
sabugueiro, 206; salgueiro, 206; sobreiro,
473 , 478, 658, 668, 680 ; tufo, 239, 276,
203 ; sorve ira, 206; terebinto, 206; tília, 198,
299, 358, 680; vidro, 216, 219, 410
206, 207; zambujeiro, 203 , 205
Maquete ou modelo à escala, 188- 91 , 195, Medicina, 155, 363, 367, 379, 580, 657
613, 615, 617, 619 Mediedade, 605- 6
Máquina: alavanca, 396, 400, 402; bate-esta- Membro, 147, 170, 171 , 262 , 321, 361 , 369,
cas, 238, 305; cábrea, 690; cabrestante, 396, 381 , 389, 406, 444, 472, 578, 582, 610, Ver
402, 403, 404; como ser vivo, 406; de arre- Edificio-corpo
messo, 299, 344, 345; de assédio, 292, 296, Memória, 141 , 163 , 437, Ver Conservação,
297, 299, 327; parafuso, 396; polé, 402; Demolição, Monumento
roda, 396, 400; roldana, 396, 400, 403 , 404, Moderação, 171 , 192, 519, 575; construtiva,
690; sarilho, 690 176, 178, 179, 244, 260, 264, 274; de mate-
Matemáticas, 234, 395- 97 , 566, 605, 618- 20; riais e gastos, 168, 187, 188, 192, 472, 519,
aritmética, 143, 605, 606 ; geometria, 143, 573, 575, 577; de ornamentos, 435, 473 ,
234, 475, 605; necessidade das, 618 479, 487, 519, 577
Material (processos), 196, 223- 25, 231, 272, Módulo, 452, 454-59, 462-67, 524, 541
390, Ver Madeira, Material (produtos), Moldura, 452- 53, 462, 521, 576; caveto, 452,
Pedra (de construção); acabamento do, 383, 463 , 465; cordão, 452, 458, 464-65; faixa ,
407, 410-12; aparelhamento do, 142, 196, 452, 454, 461-67, 478 , 482 , 483, 496,
20{}-202, 21 O, 215, 22{}-21 ; deslocação dó, 523- 24, 533 , 539, 541-42; gola, 452- 54,
309, 392- 93, 615 ; escolha do, 142, 225- 26, 457, 463-67, 482, 483 , 463-67, 521 , 537,
240, 253 , 311 , 383; preservação do, 541 ; onda, 452, 464, 467 , 482, 496,
20{}-202, 21 O, 221 , 224 521 - 22, 524, 537, 542; orelha, 482, 565 ;

767
Anexos

ressalto, 452, 467, 482, 522; rudentura, 452, edificatória; altura da, 166, 175, 472, 494,
465 , 467, 469, 522 579, 583, 606; apoios da, 169; construção
Monumento como memória, 139, 499- 500, da, 169, 209, 245- 58, 265, 268, 350; con-
513, Ver Coluna como memória trafortes da, 168; espessura da, 175, 494,
530, 556, 579, 610; fiada de pedras, 249,
Natureza: acorde da, 593- 97 ; apreço com a, 250, 258, 268, 269, 302 ; fiada de tijolos,
191 ; beleza (pulcritude) da, 376--81 , 383, 252; largura da, 472; ornamento da, 389,
439, 594, 608; desgaste da, 246, 247, 271 ; 407- 13, 526--28, 542; paramento da, 244,
força da, 191, 624, 670- 73 ; imitação da, 248, 251; restauro da, 683- 91
170, 381, 591 , 593 , 594, 595, 607, 617 ; Pavimento, 177, 183 , 189, 259, 272, 274- 77,
imperfeições da, 61 O 586, 684; ao ar livre, 613 ; apoios do, 277;
Navio, 139, 143, 288, 293 , 313- 15, 328, assentamento do, 276; construção do, 276;
346--49, 350, 566, 627, 650, 664, 673 , 676 da cobertura, 272, 274; de terraços, 202;
Necessidade. Ver Trindade; dimensões da, declive do, 311; desgaste do, 311; em cis-
145- 278 ternas, 658 ; espessura do, 654; · fenda em,
Número, 137, 142, 165, 180, 181 , 182, 184, 690; interior, 274; ladrilho em, 218; revesti-
189, 245 , 268, 300, 306, 321 , 338, 358, mento do, 311
389, 390, 395, 445 , 458 , 461 , 469, 471 , Pedra (de construção), 209- 14, 393, 404, 405,
475 , 499, 554, 555, 564, 607, 591 - 607 , 406, 407, 412, 416, 485, Ver Material (pro-
608, 611, Ver Concinidade cessos), Material (produtos) ; aparelhar a,
416; bloco de, 168, 211 , 214, 327, 351 ,
Organização tripartida, 278, 375, Ver Trindade 389, 392, 393, 415 , 433 , 50~ 523, 528; cor
Orientação (de posição), 171, 180, 354, 360, da, 411 ; de grande dimensão, 415, 432,
363 , 371, 570 523; deslocamento de, 392, 393; dureza da,
Ornamento, 376; a coluna como, 419; a pintura 433 ; união de, 433
como, 588 ; abertura falsa, 415, 417; ade- Pele, 231 , 244, 275 , 415 , 506
quação do, 389; como adorno, 377; como Peritos. Ver Comunicação interactiva; parecer
disfarce, 612 ; como luz, 378; da casa, 575 ; de, 172, 182, 190, 219, 326, 328, 613 , 642,
da cidade, 147, 287; da cobertura, 414; da 647
região, 385; das aberturas, 415 ; de edifícios Perspectiva, 189; aiinhamentos de, 303; e des-
privados, 586; de edificios públicos profa- locamento sequencial , 303 ; rectificação da,
nos, 509- 71; de edifícios sagrados, 476
427- 507; de torres e muros, 300; defeitos Piedade: dos pontífices, 333 ; e justiça, 429; e
do, 610; do muro e da cobertura, 389, 391 ; sacralidade do lugar, 325; nos sepulcros,
dos edificios, 181 , 206, 278, 382; e beleza 513 ; nos templos, 436
(pulcritude), 377, 591 ; e concinidade, 593; e Pintura, 363,4 12, 573, 611 , 612, 61 9; a fresco,
delineamento, 576; e invenção, 383; elegân- 408- 10; a óleo, 409; como ornamentação,
cia do, 390; estatuária como, 612; falta de, 257 ; de mosaicos, 411 ; e literatura, 4 74;
611; integridade do, 415 ; mão-de-obra e, enfeites de, 189; necessidade da, 618;
612; moderação no, 577; nas colunatas, suporte para a, 206; variedade na, 588
590; semelhança e dissemelhança do, 615 ; Plano (projecto), 172, 183, 326, 503, 611, 615,
variedade dos, 591 624, 690
Ossatura, 177, 244, 248, 250, 251, 253 , 257, Podismata, 620
415, 441, 472, 497, 610, 613 Ponte, 139, 191, 309, 304-12, 315, 535- 37,
665 ; de madeira, 246, 300, 304; de pedra,
Paisagem, 301, 323, 360, 362, 369, 510, 588 306; espessura dos pilares, 309; levadiça,
Palestra, 163, 335 328; passagem de cargas, 309; pavimenta-
Parede (muro), 138, 147, Ver Descritores da ção da, 310

768
Índice de Conceitos e Matérias

Porta, 181 , 180- 81, 183, 321, 323, 326, 356, ficios , 582-86~ de linhas, 142; dos capitéis,
366, 479, 534, 676, 691; aberta, 540; corín- 453- 58; exacta, 146, 377, 390; mediedades,
tia, 481, 482; da basílica, 498; da cidade, 605-6
354; da cúria, 562; da região, 625 ; decu-
mana, 343; dórica, 480; fixação da, 483 ; Região, 146, 147, 14~-63 , 236, 384, 609, 629,
interior, 366; jónica, 481; quintana, 343; 677, Ver Descritores da edificatória; da
régia, 550 cidade, 284-90, 625- 28
Pórtico, 140, 357, 382, 417, 442-46; 475, 534, Religião cristã: crítica do luxo, 487; primitiva,
559, 556- 60, 567; colunado, 248; com 485
arcos, 265; com portal , 321; da basílica, Residência : arrecadações da, 361; comodidade
438, 489, 493 , 496, 497; da casa, 170, 320, da, 353; compatibilização de actividades,
335, 362, 369, 583; da casa de campo, 360, 366; de família, 330; disposição dos com-
361; da casa urbana, 590; da cúria, 563; da partimentos, 366; do rei, 576; do tirano,
quinta, 589; da residência do rei , 576; da 324-25; dos magnates, 330; géneros de,
torre de vigia, 530, 533; das termas, 568, 330; instalações privadas e comuns, 337;
569; do cárcere, 352; do fórum, 537, 538; quinta urbana, 580-82, 590; real, 322- 25;
do senado, 338; do teatro, 546, 555, rural (vi/la) , 353-68; segregação das entra-
550-55; do templo, 442, 444, 446, 471 , das da, 322; urbana, 353, 368- 71, 578- 80,
590
480, 482, 485; dos edificios privados, 577;
Revestimento, 224, 245 , 249, 256, 258, 271 ,
fundações do, 242; na residência dos princí-
275 , 276, 407- 14, 433 , 654, 655, 684, 686;
pes, 323; no centro da cidade, 335; no
adesão do, 256 ; conservação do, 690; das
porto, 3 15; ornamentação do, 419, 475; uso
paredes, 587; de argamassa, 275 ; de con-
do, 320
chas, 588; de grades e esteiras, 257; de
Porto, 139, 191, 315, 313- 16, 346, 349; como
pedra, 275, 276; de tijolo, 275; géneros de,
porta, 534; foz do rio e, 673; ornamentação
391 ; ornato de, 473 ; placado, 408 ; rebo-
do, 535; protecção do, 673; reparação do,
cado, 408
315; vias do, 315
Posição, 380, 389, 608 , 611; da canalização,
Saberes, 137, 163, 231, 280, 291 , 374, 376,
655; da cidade, 284, 287, 289; da cidadela,
476, 6 16, 618, 619, 626
326; da coluna, 406; 41 5, 608; da madeira Salubridade, 149, 150, 289, 312, 369, Ver
nas portas, 206; da parede, 41 5; da trave, Água, Clima, Região, Ventos
674; das aduelas, 264, 271; das molduras, Saúde, 149, 151 , 152, 154, 155, 162, 171, 176,
453 ; das muralhas, 327; das ombreias da 229, 255, 289, 297, 318, 336, 337, 340,
porta, 406; de aberturas, 181; de alinha- 368, 370, 580, 610, 630, 632, 642, 648, 680
mento, 234; de ângulos e áreas, 232; do Sepulcro, 510-20, 527- 28; domínio jurídico
acampamento, 339, 340; do lintel como do, 513; e religião, 512;_ inscrições em, 526;
coluna, 244; do lugar, 325; dos ligamentos, ornamentos do, 511
25 I; e correcção óptica, 461; na comparti- Sítio, 349, 411, 657, 668, 687; com bloqueio
mentação, 171 de passagem, 345 ; com entulho, 307; com
Prazer: da beleza (pulcritude), 137, 140, 171, forte pluviosidade, 249; da área, 163;
330, 581 dureza do terreno, 235 ; em cotovelo, 304;
Projecto, 153 , 189, 190, 282, 578, 585, 616, favorável à implantação, 289 ; fixação do,
621 146; imagem do, 582; sem águas estagna-
Proporção, 166, 172, 174, 380, 442; concini- das, 236; variação do clima, 149
dade da, 190; consonâncias musicais, Sociedade, 330, 430, 590, Ver Edificação como
597- 606; das colunas, 449- 52, 607- 8; das génese da comunidade; hierarquia da,
colunatas, 531 ; das partes, 170, 506; de edi- 280-84, 317- 19

769
Anexos

Solidez, 167, 168, 182, 188, 189, 219, 237 , 202, 238, 241 ; pedregoso, 635; plano, 241,
242, 245 , 253 , 255, 259, 260, 264, 269 , 326, 328, 369, 664; público, 619; puríssimo,
276, 277, 300, 306, 307, 319, 327, 331, 646; saibroso, 238; salubre, 287 ; sólido,
343, 348, 360, 363, 375, 403 , 415 , 422, 232, 237, 308 ; solúvel, 672
428, 463 , 495, 497, 522, 529, 537, 610, Tradição, 172, 209
614, 664, 667, 668, 675 , Ver Necessidade Trindade, 137, 148, 170-72

Teatro, 180, 374, 446, 545- 56; celas do, 439; Utilidade. Ver Comodidade, Trindade
estatuária do, 507; grego, 547; latino, 547
Templo, 162, 163 ; aberturas do, 479 ; abóbadas Variedade, 165, 172, 182, 190, 212, 278, 279,
do, 183; alicerces do, 192; altar do, 485; 422, 473, 6 14
área do, 169; batentes do, 483 ; circular,
Ventilação, 147, 171, 178- 80, 185, 371 , 640,
443, 452 , 472 , 473 ; cobertura do, 476 ;
679, 684; poços de, 653 ; respiradouros de,
degraus do, 184; entrada de cadáveres, 512;
641
estatuária no, 504; face à basílica, 489 ;
Ventos. Ver Clima; Aquilão (nordeste), 152,
forma do, 437-42 ; frontaria do, 472 ; fron-
314, 354, 367, 559, 645 ; Austro (sul), 152,
tões do, 526, 608 ; géneros de, 331 - 32;
249, 269, 277 , 291 , 314, 355, 357, 409,
janelas do, 484, 485 ; majestade do, 471 ,
639, 673 , 677; Bóreas (norte), 289, 291 ,
483 , 487; muros do, 472; origem do,
314, 367, 559, 646; Coro (noroeste), 152;
434-35; ornamento do, 435-45 , 475 , 488;
pinturas no, 474; porta do, 483 ; pureza e de África (sudoeste), 224; Favónio (oeste),
simplicidade, 473 ; quadrangular, 442 , 472 ; 198; Noto (sul), 362
sobreelevação, 444 Verdade: como remédio do espírito, 50 I ; na
Tempo: destrutor, 190, 271 , 623; e contempla- natureza, 333
ção da obra, 615; produtivo, 190, 254, 617, Vias, 297, 300-303, 509- 10, 533- 37, 663- 70,
619; sazonal, 197- 200, 272, 276, 277, 323 , 676; ao longo da muralha, 433; Lei das XII
360, 363, 370 tábuas e largura das, 30 I; militares, 30 I,
Termas, 138, 381 , 382, 567- 70 511 ; seguras, 302; terrestre, fluvial , lacustre,
Terreno, 148, 176, 228, 232, 233, 235, 237, marítima, 326
238, 243, 395, 613 , 654 ; aspecto do, 147; Vício, 617 ; combate ao, 331 , 335; da ignorân-
cedência do, 243; consistência do, 653 ; cul- cia, 379; da mão, 623 ; do espírito, 623
tivado, 668; deslizante, 342; elevação do, Virtude, 485 , 512; como embelezamento, 382;
167, 651; elevado, 320; escorregadio, 311, como ornamento, 474, 574; culto da, 486;
394; fecundo, 285 ; fértil, 641 ; firme, 235, dos antepassados, 499, 513; dos pontífices,
236, 242, 636, 687; herboso, 636; instabili- 333; luta pela, 331, 335; na cidade, 431; na
dade do, 238; marcação do, 226; pantanoso, natureza, 333; valor da, 163, 501, 504

770
Esta edição DA ARTE EDIFICATÓRIA
foi composta, impressa e encadernada
para a Fundação Calollsle G11lbenkian,
nas oficinas da Imprensa Portuguesa.
A tiragem é de 1500 exemplares

Março de 2011

Depósito Legal n. 0 322622/11

ISBN 978-972-31-1 374-7


EDIÇÕES DA FUNDAÇÃO
CALOUSTE GULBENKIAN

Textos Clássicos

Próximas publicações:

A Metafísica dos Costumes, 2• Edição


- lmmanuel Kant

A Essência do Cristianismo, 4• Edição


- Ludwig Feuerbach

Textos Filosóficos
-Marco Túlio Cícero

O Federalista, 2• Edição
- A lexander Hamilton
-James Madison
-John Jay

Você também pode gostar