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Tanto a prática como a teoria partiam do princípio de que Pelo conjunto de medidas, verifica-se que a política
não há ganho para um Estado sem prejuízo de outro. Como mercantilista pressupunha uma ampla intervenção do
alcançar o ganho? Atraindo para si a maior quantidade Estado, seja assumindo diretamente certas atividades
possível do estoque mundial de metais preciosos e tratando econômicas, seja criando condições favoráveis a
de retê-lo. Isso deveria ser alcançado por uma política de determinados grupos para alcançar os objetivos visados.
proteção dos produtos do país através de uma série de Não se tratava de uma política absurda, como poderia
medidas: reduzir pela tributação elevada, ou proibir a parecer por sua obsessão pelos metais preciosos. Pelo
entrada de bens manufaturados estrangeiros e facilitar o contrário, era coerente com as possibilidades de ação dos
ingresso de matérias-primas; inversamente, proibir a saída Estados nacionais em via de criação e crescimento, em um
de matérias-primas produzidas no país e estimular a período no qual a moeda metálica tinha uma grande
exportação de manufaturados quando estes concorressem importância para consolidar o Estado.
vantajosamente no mercado internacional.
O "EXCLUSIVO" COLONIAL
Qual o significado e o papel das colônias nesse contexto? normas e práticas que afastassem os concorrentes da
exploração das respectivas colônias. Esse conjunto de
Elas deveriam contribuir para a autossuficiência da normas e práticas, criado de acordo com as concepções
metrópole, transformando-se em áreas reservadas de cada mercantilistas, constituía o sistema colonial. Seu eixo básico
potência colonizadora, na concorrência internacional com consistia no "exclusivo" metropolitano, segundo a
as demais. Para isso, era preciso estabelecer uma série de
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expressiva linguagem da época, ou seja, na exclusividade do um sistema centralizado e dirigido, combinado com
comércio externo da colônia em favor da metrópole. concessões especiais. Essas concessões representavam, no
fundo, a participação de outros países no usufruto da
Tratava-se de impedir ao máximo que navios estrangeiros exploração do sistema colonial português.
transportassem mercadorias da colônia, sobretudo para
vender diretamente em outros países da Europa. Resumindo todo esse longo processo de oscilações do
Inversamente, procurava-se também impedir que "exclusivo" colonial, podemos dizer que houve uma fase de
mercadorias, em especial as não produzidas na metrópole, relativa liberdade comercial de 1530 até 1571, data em que
chegassem à colônia em navios desses países. Em termos o Rei Dom Sebastião decretou a exclusividade dos navios
simplificados, buscava-se deprimir, até onde fosse possível, portugueses no comércio da Colônia, coincidindo, aliás, a
os preços pagos na colônia por seus produtos, para vendê- medida com os anos iniciais da grande expansão da
los com maior lucro na metrópole. Buscava-se também economia açucareira. O período da chamada união das
obter maiores lucros da venda na colônia, sem duas Coroas (1580-1640), quando o rei da Espanha ocupou
concorrência, dos bens por ela importados. O "exclusivo" também o trono de Portugal, caracterizou-se por
colonial teve várias formas: arrendamento, exploração crescentes restrições à participação de outros países no
direta pelo Estado, criação de companhias privilegiadas de comércio colonial, visando especialmente a Holanda, que
comércio, beneficiando determinados grupos comerciais estava em guerra com a Espanha. Mesmo assim, há notícias
metropolitanos etc. de um tráfego regular e direto entre o Brasil e Hamburgo
na Alemanha, por volta de 1590.
Tomando agora o caso português, que nos interessa de
perto, seria equivocado pensar que os preceitos Após o fim do domínio espanhol, com a aclamação de Dom
mercantilistas foram aplicados sempre consistentemente. João IV como rei de Portugal, seguiu-se uma breve fase de
Se insistimos em lhes dar grande importância, é porque eles "livre comércio", com pouca regulamentação e ausência de
apontam para o sentido mais profundo das relações controle sobre o mercado colonial de importação. Mas, em
Metrópole-Colônia, embora não contem toda a história 1649, passou-se a um novo sistema de comércio
dessas relações. Curiosamente, a aplicação mais centralizado e dirigido, por meio de frotas. Com capital
consequente da política mercantilista só se deu em meados obtido principalmente de cristãos-novos, foi criada a
do século XVIII, sob o comando do Marquês de Pombal, Companhia Geral do Comércio do Brasil. A companhia
quando seus princípios já eram postos em dúvida no resto deveria manter uma frota de 36 navios armados para
da Europa Ocidental. comboiar navios mercantes que saíam do Brasil e aqui
chegavam, duas vezes por ano; em troca, usufruiria do
A Coroa lusa abriu brechas nesses princípios, monopólio das importações de vinho, farinha, azeite de
principalmente devido aos limites de sua capacidade de oliva e bacalhau e do direito de estabelecer os preços para
impô-los. Não estamos falando apenas da existência do esses artigos. A partir de 1694, a companhia foi
contrabando, pois o contrabando era uma quebra pura e transformada em órgão governamental.
simples das regras do jogo. Estamos falando sobretudo da
posição de Portugal no conjunto das nações europeias. Os Entretanto, a criação da empresa não impediu concessões
portugueses estiveram na vanguarda da expansão feitas por Portugal à Holanda e especialmente à Inglaterra.
marítima, mas não tinham os meios de monopolizar seu Em poucas palavras, a Coroa buscava a proteção política
comércio colonial. Já durante o século XVI, as grandes inglesa, dando em troca vantagens comerciais. Um bom
praças comerciais não se situavam em Portugal, mas na exemplo disso é o tratado imposto por Cromwell em 1654,
Holanda. Os holandeses foram importantes parceiros em que se garantia aos ingleses o direito de negociar com a
comerciais de Portugal, transportando sal e vinho colônia brasileira, exceto no tocante aos produtos
portugueses e açúcar brasileiro, em troca de produtos monopolizados pela Companhia Geral do Comércio. O
manufaturados, queijos, cobre e tecidos. Obtiveram com sistema de frotas só foi abandonado em 1765, quando o
isso muitas facilidades. Marquês de Pombal resolveu estimular o comércio e
restringir o crescente papel dos ingleses. Isso se fez através
Posteriormente, ao longo do século XVII, a Coroa seria da criação de novas companhias (Companhia do Grão-Pará
levada a estabelecer relações desiguais com uma das novas e Maranhão; Companhia de Pernambuco e Paraíba), que
potências emergentes: a Inglaterra. Dessas condições representaram as últimas expressões nítidas da política
resulta que o "exclusivo" colonial luso oscilou de acordo mercantilista no Brasil.
com as circunstâncias, ficando entre a relativa liberdade e
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A GRANDE PROPRIEDADE E A MONOCULTURA DE EXPORTAÇÃO
Dissemos que o sentido mais profundo da colonização, pelo plantation. Derivavam, sim, do fato de que de um lado
menos até a descoberta dos metais preciosos, foi dado pela apareciam diretamente interesses privados; de outro, a
grande propriedade, onde se cultivava predominantemente principal instituição responsável pela organização geral da
um gênero destinado à exportação, com base no trabalho vida na Colônia. Daí, por exemplo, o contínuo interesse do
escravo. A expressão da língua inglesa plantation, de uso governo português na produção de alimentos e as
cada vez mais corrente, sintetiza essa descrição. resistências opostas pelos proprietários rurais a utilizar
terras com esse objetivo menos rentável.
A afirmativa de que a plantation foi a forma básica da
colonização portuguesa no Brasil se tornou clássica a partir A concepção definidora da colonização pela grande
dos trabalhos de Caio Prado Júnior. Em anos mais recentes, empresa monocultura escravista, adaptada aos interesses
ela vem sendo criticada por historiadores como Francisco da Metrópole, é um modelo cujo valor consiste em dar as
Carlos Teixeira da Silva e Ciro Flamarion Cardoso. Teixeira linhas básicas de entendimento de um sistema que
considera que o projeto "plantacionista" era assumido pela caracterizou o Brasil na Colônia e deixou suas marcas após
classe dominante colonial, mas a Coroa sempre se a Independência.
preocupou em diversificar a produção e garantir o plantio
de gêneros alimentícios para consumo na própria Colônia. Que marcas são essas?
Cardoso assinala que a obsessão com o conceito de
A grande propriedade, a vinculação com o exterior através
plantation fez com que se deixassem de lado alguns fatos
de uns poucos produtos primários de exportação, a
importantes da complexa realidade econômico-social
escravidão e suas consequências.
brasileira. Assim, não se deu o necessário relevo às áreas
geográficas periféricas e houve uma excessiva redução da O contraste com a história dos Estados Unidos é revelador.
estrutura social a senhores, em um pólo, e escravos, em Destaquemos aqui o fato de que as condições do clima e
outro, esquecendo-se a importância dos brancos e outras não permitiram a instalação no nordeste dos
ignorando-se a existência de um campesinato, ou seja, de Estados Unidos - a Nova Inglaterra - de uma colonização do
pequenos proprietários, na sociedade rural. tipo plantation. Estabeleceram-se ali pequenos
proprietários que produziam, a princípio, para a sua
A crítica é significativa, especialmente porque rediscute
subsistência e depois, pouco a pouco, para as plantações
concepções assentes, com novos elementos e outro ângulo
escravistas do sul do país e para a área das Antilhas. A
de visão. Ela chama a atenção para o fato de que o Brasil
produção não foi a típica da plantation, mas bastante
colonial não foi só açúcar, ouro, grande propriedade e
diversificada - madeiras, cereais, manufaturados -, e, o que
escravos, mas parece-nos excessivo dizer que o projeto de
é mais importante, os lucros tenderam a se concentrar na
colonização de tipo plantation fosse um empreendimento
colônia. Foi a partir desse núcleo, não sem enormes abalos,
sobretudo da classe dominante colonial - senhores de
que os Estados Unidos se diferenciaram em termos
engenho, lavradores de cana e de fumo, comerciantes
socioeconômicos, políticos e culturais do que viria a ser o
exportadores - e não da Coroa portuguesa.
Terceiro Mundo latino-americano.
Por certo, havia diferenças entre essas duas esferas, mas
elas não nasciam de um desinteresse da Coroa pela
ESTADO E IGREJA
As duas instituições básicas que, por sua natureza, estavam garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia, dotá-la de
destinadas a organizar a colonização do Brasil foram o uma administração, desenvolver uma política de
Estado e a Igreja Católica. Embora se trate de instituições povoamento, resolver problemas básicos, como o da mão-
distintas, naqueles tempos uma estava ligada à outra. Não de-obra, estabelecer o tipo de relacionamento que deveria
existia na época, como existe hoje, o conceito de cidadania, existir entre Metrópole e Colônia. Essa tarefa pressupunha
de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado, o reconhecimento da autoridade do Estado por parte dos
independentemente da religião. A religião do Estado era a colonizadores que se instalariam no Brasil, seja pela força,
católica e os súditos, isto é, os membros da sociedade, seja pela aceitação dessa autoridade, ou por ambas as
deviam ser católicos. coisas.
Em princípio, houve uma divisão de trabalho entre as duas Nesse sentido, o papel da Igreja se tornava relevante. Como
instituições. Ao Estado coube o papel fundamental de tinha em suas mãos a educação das pessoas, o "controle
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das almas" na vida diária, era um instrumento muito eficaz Corte. Na Colônia, o controle sofreu outras restrições. De
para veicular a ideia geral de obediência e, em especial, a um lado, era muito difícil enquadrar as atividades do clero
de obediência ao poder do Estado. Mas o papel da Igreja secular - aquele que existe fora das ordens religiosas -,
não se limitava a isso. Ela estava presente na vida e na disperso pelo território; de outro, as ordens religiosas
morte das pessoas, nos episódios decisivos do nascimento, conseguiram alcançar maior grau de autonomia. A maior
casamento e morte. O ingresso na comunidade, o autonomia das ordens dos franciscanos, mercedários,
enquadramento nos padrões de uma vida decente, a beneditinos, carmelitas e principalmente jesuítas resultou
partida sem pecado deste "vale de lágrimas" dependiam de de várias circunstâncias. Elas obedeciam a regras próprias
atos monopolizados pela Igreja: o batismo, a crisma, o de cada instituição e tinham uma política definida com
casamento religioso, a confissão e a extrema-unção na hora relação a questões vitais da colonização, como a indígena.
da morte, o enterro em um cemitério designado pela Além disso, na medida em que se tornaram proprietárias de
significativa expressão "campo-santo". grandes extensões de terra e empreendimentos agrícolas,
as ordens religiosas não dependiam da Coroa para sua
Na história do mundo ocidental, as relações entre Estado e sobrevivência.
Igreja variaram muito de país a país e não foram uniformes
no âmbito de cada país, ao longo do tempo. No caso Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da
português, ocorreu uma subordinação da Igreja ao Estado própria Igreja, quando havia oportunidade, por um
através de um mecanismo conhecido como padroado real. caminho individual. Exemplo célebre é o de alguns padres
O padroado consistiu em uma ampla concessão da Igreja de participantes da Inconfidência Mineira, que se dedicavam a
Roma ao Estado português, em troca da garantia de que a grandes lavouras, a trabalhos de mineração, ao tráfico de
Coroa promoveria e asseguraria os direitos e a organização escravos e diamantes. A presença de padres pode ser
da Igreja em todas as terras descobertas. O rei de Portugal constatada praticamente em todos os movimentos de
ficava com o direito de recolher o tributo devido pelos rebelião, a partir de 1789, prolongando-se após a
súditos da Igreja conhecido como dízimo, correspondente a independência do Brasil até meados do século XIX.
um décimo dos ganhos obtidos em qualquer atividade.
Cabia também à Coroa criar dioceses e nomear os bispos. As razões dessa presença estão pouco estudadas. O
historiador José Murilo de Carvalho, analisando a época
Muitos dos encargos da Coroa resultavam, pelo menos em imperial, contrastou o procedimento conservador dos
tese, em maior subordinação da Igreja, como é o caso da magistrados com o comportamento rebelde dos padres.
incumbência de remunerar o clero e construir e zelar pela Sugeriu que a rebeldia destes tinha origem em sua extração
conservação dos edifícios destinados ao culto. Para social, nas dificuldades de ascensão na carreira, na atuação
supervisionar todas essas tarefas, o governo português mais próxima à população. De qualquer forma, seria
criou uma espécie de departamento religioso do Estado: a engano estender a todo o clero essa característica de
Mesa da Consciência e Ordens. rebeldia, visível mas excepcional. Na atividade do dia-a-dia,
silenciosamente e às vezes com pompa, a Igreja tratou de
O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado cumprir sua missão de converter índios e negros, e de
pelo fato de que a Companhia de Jesus até a época do inculcar na população a obediência aos seus preceitos,
Marquês de Pombal (1750-1777) teve forte influência na assim como aos preceitos do Estado.
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rei, tinha muito peso na decisão uma burocracia por ele A montagem da administração colonial desdobrou e
escolhida, formando um corpo de governo. Mesmo a enfraqueceu o poder da Coroa. Por certo, era na Metrópole
indefinição das fronteiras entre o público e o privado não que se tomavam as decisões centrais, mas os
foi completa; pelo menos no reinado de Dom João IV (1640- administradores do Brasil tinham de improvisar medidas,
1656), uma série de medidas foram tomadas, diante de situações novas, e ficavam muitas vezes se
principalmente no âmbito fiscal, com o objetivo de equilibrando entre as pressões imediatas dos colonizadores
estabelecer limites à ação do rei. O "bem comum" surgia e as instruções emanadas da distante Lisboa.
como uma ideia nova que justificava a restrição aos
poderes reais de impor empréstimos ou se apossar de bens
privados para seu uso.
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As Câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios. procuraram garantir o direito de organizar expedições para
Arrecadavam tributos, nomeavam juízes, decidiam certas escravizar os índios, e as do Rio de Janeiro e Bahia muitas
questões, julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias vezes estabeleceram moratória para as dívidas dos
verbais, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes senhores de engenho e combateram os monopólios
incluídos no seu patrimônio. Elas foram controladas, comerciais. Graças ao seu enraizamento na sociedade, as
sobretudo até meados do século XVII, pela classe Câmaras Municipais foram o único órgão que sobreviveu
dominante dos proprietários rurais e expressavam seus por inteiro e até se reforçou, após a Independência.
interesses. As Câmaras de Belém e São Paulo, por exemplo,