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Minimanual

do Jornalismo
Humanizado

Parte VI:
Aborto
A ONG Think Olga lança manual online,
em formato pocket, com conjunto
de regras básicas para evitar erros
clássicos na abordagem de notícias
relacionadas a grupos minorizados.
Nesta edição, escrita pela jornalista Nina
Neves com consultoria de conteúdo da
Anis - Instituto de Bioética, o Minimanual
de Jornalismo Humanizado traz exemplos
práticos e diretos para jornalistas
e veículos de comunicação que desejam
pautar a questão do aborto no Brasil
sem reproduzir preconceitos e visões
limitadas sobre as mulheres que
passam pelo procedimento ou apoiam
a descriminalização, podendo tratar
Minimanual do Jornalismo Humanizado o assunto de maneira séria e como
Parte VI: Aborto
a questão de saúde pública que é.

23 de novembro de 2017
thinkolga.com

3
Introdução

Aborto é um tema polêmico e 1. Dar visibilidade aos serviços fosse a única parte responsável Brasil, 4,7 milhões de mulhe-
delicado, é fácil que vire um tabu existentes e às informações corre- por uma gravidez indesejada, res já fizeram aborto ao menos
dentre as pautas jornalísticas. Este tas: promover acesso à informação inclusive –, como criminosa e uma vez na vida, de acordo
minimanual está aqui para ajudar sobre o aborto não é crime. Há como pessoa sem direito a uma com a Pesquisa Nacional do
a tratar do assunto de maneira documentos da Organização Mun- vida sexual ativa), que propagam Aborto de 2016. A Pesquisa
humana e sensível – o que não dial de Saúde e do Ministério da preconceitos e reforçam estig- também revelou que o aborto
quer dizer com sentimentalismo. Saúde abertos ao acesso (veja em mas. É comum ver reportagens é um evento comum da vida
Informações básicas, a seguir). que assumem um tom dramá- reprodutiva de mulheres de
Os veículos de comunicação têm Lembre-se que jornalistas têm o tico e relatam o aborto como todas as classes sociais e níveis
um papel central na virada necessá- dever de ir em busca do conheci- um grande trauma – trata-se de educacionais, mas as mulheres
ria do ponto de vista sobre o aborto: mento e repassá-lo à população. uma experiência muito pessoal e negras e indígenas, com menor
precisam deixar de tratá-lo como que pode ser traumática, mas é escolaridade e que vivem no
um tema de polícia para passar a 2. Buscar fontes que falem de fundamental saber que a origem Norte, Nordeste e Centro-Oeste
encará-lo como problema de saúde um ponto de vista humanizado: disso está na criminalização do apresentaram taxas de aborto
pública e cuidado das mulheres. é fundamental priorizar espe- procedimento. Se fosse legali- mais altas e, portanto, estão
É ao quebrar tabus, circular infor- cialistas que trabalham regular- zado, seria um processo menos mais sujeitas aos riscos de
mações sobre o corpo, os direitos mente com o tema, instituições pesado, arriscado e sofrido, um aborto ilegal e inseguro.
e a lei que vamos sensibilizar mais e profissionais de saúde e do contaria com a segurança dos
pessoas pela descriminalização do direito e organizações da socieda- serviços legais e o acolhimento Precisa ficar mais do que claro
aborto para que nenhuma mulher de civil, incluindo as feministas, das redes de apoio formais ou que esta é uma decisão reprodu-
precise morrer ou ser presa por com a preocupação de dar voz informais. Afinal de contas, o tiva central à vida das mulheres:
tomar uma decisão reprodutiva e centralidade às mulheres. aborto não é menos praticado 500 mil realizam abortos por
necessária à sua vida. por ser um crime. O que muda é ano no Brasil. É importante
Manter a criticidade ao produzir quem consegue um aborto seguro que, enquanto comunicado-
Como jornalistas, é importante conteúdo é imprescindível para ou inseguro na ilegalidade. res, consigamos nos aproximar
sabermos que temos importân- não cair na reprodução de noções dessas pessoas e não façamos
cia crucial em dois pontos de hegemônicas (como colocar a mu- Considerando toda a população eco à criminalização, ao precon-
partida ao tratar do assunto: lher como irresponsável – como se feminina entre 18 e 39 anos no ceito e à tortura psicológica.

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1 Informações básicas
Antes de mais nada, é preciso saber da situação 1.2 Ação pela descriminalização hoje
atual do aborto no Brasil: quando é legalizado,
Com o objetivo de sobre o assunto, leia
quando não é e quais são as condições de
descriminalizar uma prática a matéria Há uma ação pela
encontrar o serviço, para que a comunicação
tão recorrente na vida das descriminalização do aborto no
com a população seja correta, clara e objetiva.
brasileiras, foi protocolada Brasil – o que isso quer dizer?
uma ação no Supremo Tribunal
Federal aproveitando o último Uma outra petição foi
1.1 Crime 8 de março, Dia Internacional adicionada no dia 23 de
Três anos de prisão: esta mulheres aos 40 anos já tenha da Mulher. Enquanto a ação novembro. Dessa vez em nome
é a pena que uma mulher feito pelo menos um aborto. tramita, foi feito um pedido de da estudante de 30 anos e
que tenha feito aborto pode Por ser um crime que medida liminar, o que significa mãe de dois filhos Rebeca
ser condenada a cumprir. culpabiliza quem mais precisa um pedido de urgência, Mendes Silva Leite, que pediu
Quem a ajudou pode pegar de apoio, é primordial que identificando o risco da saúde o direito de interromper
quatro anos na cadeia. Com jornalistas não exponham uma pública e das mulheres, para uma gestação indesejada
exceção de casos em que o mulher que abortou há menos que se impeça qualquer prisão de maneira legal e segura.
aborto é legalizado (gravidez de oito anos, caso tenham em flagrante por aborto, ou o No dia 29 de novembro,
em decorrência de estupro; acesso a uma dessas histórias. andamento de processos em o STF informou que o
único meio de salvar a vida O prazo de oito anos é definido curso. Essa é a situação da pedido foi negado. Para
da mulher grávida; ou feto pela própria lei penal como luta pela descriminalização do saber mais sobre o assunto,
anencéfalo – sem cérebro), o o prazo de prescrição para o aborto atualmente, em outubro leia #PelaVidadeRebeca -
aborto é considerado crime no crime, ou seja: o prazo até de 2017. Para saber mais Perguntas frequentes.
nosso país. Ainda assim, ele o qual uma mulher poderá
é praticado por milhares de ainda ser denunciada e punida
mulheres anualmente, por um por um aborto. Preservar a
simples fato: é uma questão identidade dessa pessoa até
de saúde e escolha da vida que tenham passado os oito
das brasileiras. A estimativa anos é um ato ético, humano e
é de que uma em cada cinco que preserva a vida da mulher.

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1 Informações básicas Parágrafo fixo:
Uma sugestão para facilitar a explicação e sempre informar
as mulheres sobre seus direitos nas matérias sobre aborto é
ter um parágrafo fixo sobre as situações legais. Ele sempre
se repetirá, para que não restem dúvidas sobre isso.
1.3 Aborto legal Oferecemos aqui uma opção de explicação objetiva
Em três circunstâncias, como não havia nenhum serviço sobre aborto legal para o jornalista dar ctrl+c ctrl+v
mencionado anteriormente, em atividade e apenas quatro e replicar nas suas matérias que abordem o tema:
é considerado legal abortar: contavam com serviços fora
Atualmente, as mulheres têm garantido por lei
caso seja a única maneira de das capitais. Mesmo nas
o direito de fazer um aborto em serviço público
salvar a vida da mulher; se é localidades onde ele era de saúde nas seguintes situações: gravidez em
uma gravidez em decorrência oferecido precariamente, as decorrência de um estupro; gestação que represente
de um estupro; ou caso a mulheres ainda enfrentavam risco para a vida da mulher; ou caso a mulher esteja
mulher esteja grávida de imensas barreiras morais grávida de um feto com anencefalia.
um feto com anencefalia. e religiosas para serem
Em tese, todos os serviços atendidas. Por isso, não,
de saúde do Brasil deveriam não é simples conseguir
oferecer o aborto legal. No um aborto nem mesmo nos Exemplo do uso deste recurso em duas matérias
entanto, o Censo do Aborto casos permitidos em lei. que abordam a lei do feminicídio:
Legal, realizado pela Anis O estudo Estupro no Brasil:
– Instituto de Bioética, uma radiografia segundo os PM mata ex-mulher no Centro de SP; 3º
mostrou que, em todo o dados da Saúde, do IPEA,
caso de feminicídio em 2 dias na capital
país, em 2013, existiam estima que 7% das vítimas
apenas 37 serviços que de violência sexual ficam https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/pm-mata-ex-mulher-no-centro-de-sp-3-caso-de-feminicidio-em-2-dias-na-capital.ghtml

realizavam o aborto em grávidas, o que significa que


caso de gravidez decorrente 3182 mulheres grávidas
Mais de 30% das mulheres assassinadas
de estupro; 30 declararam poderiam fazer um aborto
realizar o aborto em caso de legal (considerando os quase
em SP foram mortas pelo marido
anencefalia e 27 declararam 40 000 estupros anuais). https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/272-mulheres-foram-assassinadas-em-sp-ate-junho-quase-metade-pelos-maridos.ghtml

fazê-lo em caso de risco Esse número é duas vezes


de morte para a mulher. maior que os 1667 abortos Parágrafo que foi repetido nas matérias:
Em sete estados do país, legais realizados em 2015.
De acordo com a Lei do Femicídio, de março de 2015,
considera-se que há razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolve: violência doméstica e familiar
e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

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1 Informações básicas
1.4 Aborto e estupro 1.5 Abortamento seguro
Ao pautar ou produzir funcionarem corretamente, Vale destacar que o aborto uma cirurgia odontológica.
histórias de aborto legal evitando expor a vítima de só é um procedimento Diferentemente do que
em casos de gravidez violência sexual também perigoso quando realizado vem à mente quando
decorrente de estupro, à violência institucional. de forma insegura e falamos do procedimento,
vale sempre ressaltar Outro lembrete nesse clandestina. Segundo ele pode ser simples e
que não é necessário caso: o estupro pode ser a Organização Mundial não-cirúrgico. O método
que a vítima faça um cometido pelo próprio de Saúde (OMS) no não-invasivo mais usado é a
Boletim de Ocorrência parceiro, infelizmente, documento Abortamento combinação de misoprostol
nem obtenha mandato e esses casos devem ser seguro: orientação técnica e mifepristone, que tem
judicial para ter seu direito igualmente atendidos. e de políticas para sistemas 95% de eficácia e, com
garantido. A palavra da Estupro é sexo não de saúde, disponível na orientação adequada, pode
mulher é suficiente para consentido, e ter internet, o aborto com ser utilizado com mínima
que um médico possa um relacionamento medicamentos é o principal intervenção médica.
realizar um aborto legal. amoroso não concede método não invasivo O misprostol é conhecido
É importante reforçar acesso irrestrito ao recomendado, com estudos no Brasil como Citotec e
estas informações para corpo da mulher por indicando que pode ser o único utilizado por aqui,
pressionar os serviços a parte do parceiro. mais seguro do que dar já que o mifepristone não
à luz ou se submeter a é comercializado no país.

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2 Aborto não é palavrão
Aborto é a interrupção da gravidez, só isso. 2.2 Tipos de aborto
Ele pode acontecer de forma voluntária ou
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica
espontânea. É importante ter este simples
dois métodos seguros:
ponto de partida para desmistificar a palavra,
para que ela deixe de ser utilizada para julgar e • Aborto com medicamentos: realizados em unidades de
criminalizar a mulher e passe a ser tratada como uma mulher que realize a saúde com equipamentos
uma questão de saúde pública. Abortar é uma interrupção da gestação no específicos, por meio da
decisão reprodutiva e não precisa ser um tabu. início, esteja bem de saúde, retirada do conteúdo uterino
informada e esclarecida, com um pequeno aparelho
pode fazer o aborto com de aspiração a vácuo (AMIU),
medicamentos e em casa, manejado por um médico, ou
sem a presença de médicos curetagem, que é a raspagem
2.1 Conceitos ou enfermeiros, por via da parede intrauterina.
Enquanto conceito, é Do ponto de vista legal, oral ou introduzindo na
importante estar ciente das o aborto está definido no vagina doses repetidas do Pode-se dizer que há ainda
dimensões médica, legal Código Penal Brasileiro no medicamento indicado; um terceiro tipo, que é o
e moral que circulam na título de crimes contra a aborto inseguro: aquele
sociedade em torno do termo: pessoa e capítulo de crimes • Aborto por procedimento realizado pelas mulheres
contra a vida. Ou seja, é médico: as informações do na ilegalidade, com
Do ponto de vista médico, em regra um crime, a não Ministério da Saúde dão medicamentos desconhecidos
significa a interrupção de ser nas três situações em conta de dois métodos, e de qualidade duvidosa, em
uma gestação. Por vezes, é que não é penalizado. esses são os termos que o clínicas ilegais ou sozinhas,
um procedimento médico de jornalista encontrará em com agulhas de crochê e
tamanha importância que Do ponto de vista moral, é uma suas pesquisas: AMIU e outros meios precários e
pode ser a única maneira de questão que causa intensa curetagem. Ambos são perigosos à sua vida.
salvar a vida de uma mulher controvérsia por ser definido
em risco — isso explica porque por alguns códigos religiosos
é uma necessidade de saúde como um pecado ou uma grave
e um cuidado médico. ofensa a princípios de fé.

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3 Uso de termos
Algumas palavras precisam de cuidado especial
para não propagarem noções equivocadas, Chile: Câmara aprova aborto em
impressões errôneas e preconceitos. caso de risco para mãe, estupro
e “inviabilidade” do feto
3.1 Mulher
É frequente ver matérias se referirem às mulheres grávidas O erro do título é repetido no texto da matéria:
ou até que fizeram um aborto como mães. Isso está
errado: não é porque houve um processo de concepção
A cláusula que permite o aborto caso de risco de vida
que a mulher assumiu um papel de maternidade e para a mãe foi a aprovada com maior número de votos,
que, automaticamente, pode ser chamada de mãe. com 67 votos a favor e 47 contra
É muito escandaloso e apelativo falar em “uma mãe
de família tirando uma criança”. É importante jamais http://veja.abril.com.br/mundo/chile-camara-aprova-aborto-em-caso-de-risco-para-mae-estupro-e-inviabilidade-do-feto/

dizer coisas como “a mãe abortou”, já que essa


declaração assume que toda mulher em um processo
de gravidez é mãe. A recomendação é sempre tratar
por mulher, pessoa, cidadã, ou até mesmo o termo
composto, mulher gestante ou mulher grávida.
Uso da palavra mãe no texto da matéria:

Exemplos do uso errôneo da palavra mãe que devem ser No entanto, relatava a reportagem, havia quem
substituídos por mulher ou algum dos sinônimos citados acima: considerasse que, ao autorizar o aborto em caso de
estupro, os legisladores cuidavam então da saúde
mental da mãe

Mãe é acusada de abortar e esconder http://veja.abril.com.br/blog/reveja/8216-eu-era-contra-o-aborto-ate-que-descobri-que-meu-filho-iria-nascer-muito-doente-8217/


o feto em Cuiabá
http://www.folhamax.com.br/policia/mae-e-acusada-de-abortar-e-esconder-o-feto-em-cuiaba/126851

Embora tenha usado o termo feto de maneira adequada,


o termo mãe foi empregado erroneamente aqui.

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3 Uso de termos
3.2 Embrião e feto
Mulher é presa em flagrante após abortar
Outro erro comum é falar em criança, bebê ou filho
bebê de cinco meses
quando se trata de aborto. Embrião e feto são as palavras
corretas neste caso e elas se referem a diferentes
estágios de desenvolvimento gestacional. A discussão O erro do título é repetido no texto da matéria:
sobre essa diferença foi um debate muito importante
em um momento no Brasil em que se discutia sobre
Uma mulher de 26 anos foi presa em flagrante após
o uso de tecnologias reprodutivas, como fertilização abortar um bebê de cinco meses com o auxílio de
in vitro, e pesquisas com células tronco. Embrião foi comprimidos proibidos. Ela foi detida pela Delegacia
definido como o conjunto de células que se forma de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e pode ser
após a concepção, estágio que dura algumas semanas. condenada a até três anos de reclusão
Após a 9ª semana, e até o fim da gestação, passa-
http://www.tribunapr.com.br/noticias/seguranca/mulher-e-presa-em-flagrante-apos-abortar-bebe-de-cinco-meses/
se a falar em feto. Quando a mulher escolheu seguir
com a gravidez adiante, pode-se falar em futuro filho,
considerando que ele se torna filho quando nasce.

Exemplos do uso errôneo:

Após aborto, jovem enterrou bebê em Relator da redução da idade penal defende
caixa com flores e rosário dentro aborto de bebê com tendência criminosa
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/07/1659628-relator-da-reducao-da-idade-penal-defende-aborto-de-bebe-com-ten-
dencia-criminosa.shtml
O erro do título é repetido no texto da matéria:

A adolescente de 17 anos, que abortou um bebê de cinco


meses e enterrou nos fundos da casa onde morava no
bairro Guanandi, em Campo Grande, fez uma espécie de
“sepultamento” da criança

https://www.campograndenews.com.br/cidades/capital/apos-aborto-jovem-enterrou-bebe-em-caixa-com-flores-e-rosario-dentro

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3 Uso de termos
3.3 Pró-vida Exemplos do uso de pró-vida:

O termo “pró-vida” a vida das mulheres que é


costuma estar associado afetada pela insegurança Depois de deixar sua posição “pró-vida” clara durante
ao movimento que se da ilegalidade. a corrida eleitoral, o presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, deu o primeiro passo de seu mandato
coloca como a favor da No jornalismo, o termo é contra o aborto
vida do feto, ou seja usado majoritariamente
contra o aborto. Existe, para se referir ao grupo de http://veja.abril.com.br/mundo/medida-retomada-por-trump-dificulta-abortos-em-paises-pobres/

especialmente nos Estados pessoas do “movimento


Unidos, uma resistência pró-vida”, mas a O termo poderia ter sido substituído por “contra
ao termo pró-vida e uma repetição do termo para a legalização do aborto” sem perder sentido.
tentativa de reformular identificar este grupo, sem
os dois lados da escolha explicações adicionais ou
pensando que não é uma questionamentos, enfatiza
questão de ser pró-vida erroneamente a ideia de
ou contra vida, mas pró- que uma mulher que faz
escolha e anti-escolha. um aborto não é pró-vida.
Até porque a luta pela Um bom caminho pode Isso criou problemas políticos ao congressista, já que
descriminalização do ser falar em pró-escolha ele era “pró-vida” nos Estados Unidos, ou seja, um
aborto é (pró-vida) pela e anti-escolha, ou, de político que abomina a possibilidade de abortar fetos
no país
vida das mulheres. Quando maneira direta, a favor
contrários à legalização do da legalização do aborto http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2017-10-06/deputado-hipocrisia-amante-abortar.html

aborto se colocam como e contra a legalização do


pró-vida, desconsideram aborto, por exemplo. Aqui o termo foi seguido de explicação, que
é uma alternativa que ajuda a esclarecer o
contexto e traduz o real significado.

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4 Uso de Imagens
É muito importante não usar imagens de mulheres com barrigão para
ilustrar conteúdos que tratam de aborto. Essas não são as mulheres
que abortam. Nesse estágio avançado de gestação o processo de
assumir a maternidade já se encontra em outro momento.

http://correiodaparaiba.com.br/cidades/saude-cidades/zika https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/abor- http://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2017/06/ http://epoca.globo.com/tempo/filtro/noticia/2016/02/em-acao-


-pode-aumentar-abortos-clandestinos-na-pb/ to-ate-o-terceiro-mes-nao-e-crime-decide-turma-do-stf/ projeto-de-lei-quer-mostrar-fetos-vitimas-de-estupro-para contra-aedes-aegypti-ministro-defende-aborto-em-casos-de-
-evitar-aborto.html microcefalia.html

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4 Uso de Imagens
Também usar imagens de bebês ou fetos para ilustrar matérias
sobre aborto não é adequado. Ao falar sobre aborto, o foco não
deve ser o desenvolvimento do feto, mas a decisão reprodutiva da
mulher e suas possibilidades, ou impossibilidades, no país hoje.

http://veja.abril.com.br/saude/cfm-defende-liberacao-do http://veja.abril.com.br/brasil/stj-condena-padre-por-bar- http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,E- http://ultimosegundo.ig.com.br/igvigilante/2016-02-05/paises-


-aborto-ate-3o-mes-de-gestacao/ rar-aborto-por-meio-de-habeas-corpus/ MI12149-10571,00.html com-surto-de-zika-virus-devem-autorizar-aborto-diz-onu.html

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4 Uso de Imagens
Possíveis imagens respeitosas:
O mais respeitoso e frutífero é usar imagens que mostrem
acolhimento e que o aborto é uma escolha somente da mulher,
lembrando que é um fato comum à vida de milhares de brasileiras.

https://www.geledes.org.br/e-hora-de-falar-sobre-aborto- https://www.geledes.org.br/apos-estupro-e-pedido-de-abor- http://catarinas.info/florianopolis-participa-do-dia-interna- http://catarinas.info/nos-mulheres-plurais/


com-disposicao-para-o-dissenso/ to-negado-menina-de-10-anos-da-luz/ cional-de-luta-pela-descriminalizacao-do-aborto/

Ilustração que inspira luta e Fotografia que inspira Fotografia de cartaz com Apenas uma ilustração ou pintura
união pela descriminalização. acolhimento. uma mensagem simples de uma figura feminina comum,
e lúcida: “Respeite as que olha sem medo para o leitor,
minas. Aborto seguro”. é bastante válida também.

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5 Atenção aos dados
Os dados sobre aborto são autoexplicativos: eles 5.2 Quem aborta 5.3 O preço da
provam quão comum é o procedimento na vida das
mulheres. Vale recorrer a dados de fontes confiáveis
O perfil da mulher que descriminalização
para exemplificar isso sempre que possível. Claro,
aborta é comum: 67% têm para a saúde pública
filhos, 88% declaram ter
por ser criminalizado e estigmatizado, dados É um mito dizer que a
religião, sendo que 56% são
sobre aborto são de difícil acesso e em geral legalização do aborto custaria
católicas, 25% evangélicas ou
subnotificados, mas é possível se aproximar mais caro aos cofres públicos: o
protestantes e 7% professam
da realidade por meio de algumas fontes. sistema público de saúde gasta
outras religiões. Isso significa
mais com curetagem e com as
que 2,6 milhões de mulheres
internações por complicações
católicas já fizeram aborto
decorrentes do aborto clandestino
ao longo da vida. Mulheres
do que gastaria se o aborto fosse
de todas as classes sociais
legalizado no Brasil. No Sistema
5.1 O aborto é um evento comum e níveis educacionais estão
Único de Saúde (SUS), o número
na vida reprodutiva das brasileiras entre as que abortam, mas
de curetagens pós-aborto ou
as negras e indígenas, com
As mulheres que abortam são cidadãs comuns, puerpério se manteve nos últimos
menor escolaridade e que
em geral casadas, que já têm filhos e declaram anos (190 mil em 2013, 187 mil
vivem no Norte, Nordeste e
seguir uma fé cristã, segundo a Pesquisa em 2014 e 181 mil em 2015).
Centro-Oeste apresentaram
Nacional do Aborto (PNA), desenvolvida O tratamento de complicações
taxas mais altas e, por
pela Anis – Instituto de Bioética. causadas por aborto inseguro
isso, são também as mais
E são centenas de milhares: 1 em cada 5 mulheres exige mais intervenções que a
vulneráveis aos riscos.
até os 40 anos no Brasil. A PNA 2016 mostrou realização de abortos seguros e
que mais de meio milhão de mulheres fez um consome importantes recursos
aborto em 2015 (quase uma mulher por minuto). em saúde, como leitos, bolsas
A clandestinidade submete todas elas a graves de sangue, medicamentos,
riscos à saúde e à vida. Cerca de metade delas salas de cirurgia, anestesia
precisou ficar internada depois do procedimento. e médicos especialistas.

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5 Atenção aos dados Fontes confiáveis
Uma lista curta, mas confiável, de fontes de dados
e de especialistas para ter sempre na manga:
5.4 Acesso ao aborto legal
em caso de estupro
O aborto é um direito em caso de estupro, mas cerca DADOS: Aborto e Racismo
de 7% dos casos de violência sexual reportados ao SUS • Pesquisa Nacional do Aborto • Instituto Odara
resultaram em gravidez em 2011 e 67,4% das mulheres (PNA), desenvolvida pela • Criola
que passaram por esse sofrimento não tiveram acesso Anis – Instituto de Bioética; •G eledés - Instituto
ao serviço de aborto legal na rede pública de saúde, • Data SUS: óbitos por da Mulher Negra
segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas abortamento; complicações
Aborto e Saúde
Econômicas Aplicadas (Ipea), com base em dados do por abortamento; IPEA
•C omissão de Violência Sexual
Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e Interrupção da Gestação
do SUS. Isso quer dizer que mais de dois terços de VOZES:
Prevista em Lei (Febrasgo)
mulheres que ficaram grávidas em decorrência de um Aborto e Religião
• Global Doctors for Choice
estupro tiveram negado um direito previsto em lei. • Católicas pelo Direito
• Rede Feminista de Saúde
de Decidir
• Evangélicas pela Aborto e Pesquisa
Igualdade de Gênero • ANIS - Instituto de Bioética
• IPAS
Aborto e Feminismo
• Grupo Curumim Aborto e Política
5.5 Interpretação crítica das informações • CFEMEA • Anistia Internacional
Por meio dos dados é fácil compreender que mulheres de
• Frente pela Legalização • Observatório de
todas as classes sociais e níveis educacionais estão entre
do Aborto e contra a Sexualidade e Política
as que abortam, mas sabemos que morrem ou sofrem
Criminalização das Mulheres
sequelas graves aquelas que não podem pagar por um Aborto e Justiça/Direitos
• SOS CORPO
acompanhamento apropriado. Ou seja, é fundamental • Nudem da Defensoria Pública
• Redeh – Rede de
acessar os dados e saber interpretá-los diante do nosso do Estado de São Paulo
Desenvolvimento Humano
contexto social para compreender de que realidade • PFDC (Procuradoria Federal dos
estamos falando: é sempre importante considerar Direitos do Cidadão) do MPF
recortes de classe e raça. Vale fazer uma reflexão sobre
como o aborto aparece como um sintoma de diversos
problemas que temos na sociedade hoje, como violência A Global Health Strategies e o Instituto Patrícia Galvão
de gênero, sucateamento da saúde pública, falta de se colocam à disposição para compartilhar informações,
acesso a informações sobre saúde e intolerância. dados e agendar entrevistas com especialistas sobre o tema.

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6 Cobertura de denúncias
6.1 Denúncia médica
É um cenário muito comum de cometeu um crime e por estar O Código de Ética Médica das pessoas e, de maneira ainda
criminalização da mulher: o numa situação fragilizada, a também veda aos médicos a mais sensível, é condição de
profissional de saúde liga para paciente raramente conseguirá revelação de dados de que possibilidade do exercício do
a polícia e denuncia ou diz ser responsabilizar seu delator. tenham conhecimento em direito à saúde, livre do risco de
obrigado a denunciar a pessoa razão do exercício da profissão, sofrer estigma ou discriminação.
que fez um aborto e chegou ao O Código Penal estipula pena de salvo exceções legais – que
serviço de saúde em busca de detenção de três meses a um ano incluem a notificação obrigatória O procedimento conhecido
ajuda. Se for fazer uma cobertura para quem revele segredo ao qual de doenças para vigilância como AMIU (Aspiração
jornalística de um caso assim, tenha tido acesso em razão de epidemiológica, por exemplo, Manual Intrauterina), que
esteja ciente de que o médico profissão, e cuja revelação possa situações bem diferentes é o esvaziamento do útero
cometeu um crime e é mais provocar dano a outrem – como do caso de uma mulher em por aspiração, é realizado de
importante dar visibilidade a é o caso de informação de saúde sofrimento pós-aborto. Como se maneira igual tanto para abortos
isto do que a quem abortou. conhecida por médico que possa não fosse suficiente, as regras espontâneos quanto para abortos
levar a uma persecução penal. da profissão são especialmente provocados e é algo que ocorre
É comum que o delator seja claras em estipular que o no dia a dia das maternidades
justamente o médico que a Já o Código Civil estabelece, em médico é impedido de revelar brasileiras. Ou seja, a equipe
atendeu e a quem a mulher seu artigo 144, que ninguém segredo que possa expor médica não precisa nem tem
confiou sua vida e seu corpo. pode ser obrigado a depor paciente a processo penal. como saber, a não ser que a
O Código Penal, o Código Civil sobre fato a cujo respeito deva Mais crucial ainda que as paciente demonstre ou fale, que
e o Código de Ética Médica guardar segredo por razão de regras da medicina ou da lei se trata de um aborto provocado.
são claros em identificar casos profissão, desconstituindo a civil ou penal, o respeito ao
assim como uma grave infração. compreensão errônea de que sigilo é dever constitucional dos
Ao denunciar uma mulher, a suspeita de um crime deve médicos: a confidencialidade
um médico está infringindo levar o médico a ocupar função de informações de saúde é
também o sigilo médico, mas de delator – isto vale para garantia essencial de proteção
por culpa, por pensar que você, jornalista, também. à intimidade e à vida privada

30 31
6 Cobertura de denúncias
6.2 A questão do enfoque Exemplo de enfoque equivocado no Profissão
Conteúdos jornalísticos que denunciam casos de Repórter sobre Aborto Clandestino de 2014:
morte de mulheres em decorrência de um aborto
clandestino frequentemente se focam nos motivos O Profissão Repórter investigou o que
que levaram a mulher a abortar – era muito jovem,
leva essas mulheres a fazer um aborto
já tinha filhos para cuidar e sustentar, não teve
apoio do outro progenitor, teve medo de perder http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2014/10/uma-em-cada-cinco-brasileiras-ate-40-anos-fez-pelo-menos-um-aborto-ilegal.html

o emprego, não queria engravidar, etc. – quando


o mais importante é focar no real motivo de “A senhora pode contar focar nas emoções e desviar
suas mortes: a ilegalidade do procedimento. Os como era a relação com sua o debate sobre o fato central
questionamentos devem estar mais voltados ao que filha?” pergunta a repórter que levou essa moça a morrer:
causa as complicações e mortes das mulheres que aos 12 minutos à mãe de a ilegalidade do aborto.
abortam, que é o fato de não ser um procedimento Jandira, uma mulher que
de saúde disponível legalmente para as cidadãs. morreu em decorrência de Na sequência, outro repórter
A partir desta mesma lógica não é construtivo ou aborto. Retratar a dor da vai à casa de uma personagem
esclarecedor mostrar a emoção ou o sofrimento perda de uma vítima de aborto que ele soube que tentou
de quem abortou ou de familiares de mulheres clandestino pode ser uma abortar, mas desistiu. Tendo
mortas por complicações posteriores ao aborto. faca de dois gumes e por isso uma conduta equivocada, ele
é um recurso que precisa bate à porta da casa e quem
ser bem avaliado, utilizado atende é o marido. Diante do
com cautela. Se por um lado constrangimento, o repórter
pode ajudar na defesa da tenta se explicar. Por sorte,
descriminalização por mostrar o cônjuge sabia da tentativa
os prejuízos emocionais e de aborto, mas esta mulher
familiares da clandestinidade, poderia ter sido exposta pelo
por outro lado pode também amadorismo desta abordagem.

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6 Cobertura de denúncias Esta matéria, já citada anteriormente pelo uso da palavra
mãe no título, quando deveria dizer mulher, é um exemplo
de diversos equívocos de enfoque do tema:

Exemplo da divulgação de informações relevantes de interesse Mãe é acusada de abortar e esconder


público no Profissão Repórter sobre Aborto Legal de 2017: o feto em Cuiabá
Já nos primeiros minutos, o programa expõe com clareza como
se encontram as condições do aborto no País. As informações http://www.folhamax.com.br/policia/mae-e-acusada-de-abortar-e-esconder-o-feto-em-cuiaba/126851

divulgam os direitos da mulher e como são encontrados entraves


Dá visibilidade a uma denúncia médica, sem questioná-la
por parte dos funcionários que deveriam facilitar o aborto
nem apontar o crime cometido pelos profissionais de saúde.
legal. Este é um bom exemplo de como tratar do tema.
Ela também não sinaliza a posição de fragilidade da mulher
que precisava de assistência, expondo-a ainda mais:

A mulher deu entrada no hospital sob a alegação de ter tido


um aborto espontâneo (...) Os médicos que a atenderam,
porém, desconfiaram de que ela tomou medicamento para
induzir o parto

Usa de detalhes sórdidos para falar de um aborto


clandestino sem questionar a ilegalidade:

“Chegamos lá, tinha esse colchão e uma tesoura em cima da


pia, também cheio de sangue, que deve ter sido usado para
https://globoplay.globo.com/v/6099676/programa/
cortar o cordão, porque, pelo que o médico disse, o corte
foi bem rente ao umbigo. Temos certeza que ela não fez isso
No entanto, aos 12 minutos, o programa entrevista uma mulher sozinha”
sobre sua história. A abordagem, que mostra o lugar onde o
aborto foi realizado e a dor que passa essa moça por ter realizado
o procedimento sem apoio do serviço público de saúde, pode Estigmatiza a mulher que recorre a um aborto:
desviar a atenção do debate sobre a necessidade da legalização
do aborto, por focar nas emoções (assim como o exemplo Quando chegamos, os vizinhos se assustaram, porque disseram
acima, da morte por complicações de aborto clandestino). que ela não teria condições de ter cometido o crime, porque
sempre foi muito tranquila (...) Além da investigação
Assim, é sempre importante evidenciar que o que causou policial, o conselho tutelar também vai realizar uma
morte, sofrimento, perda de vidas humanas, foi o fato do aborto representação no Ministério Público Estadual (MPE) para
ter sido feito na clandestinidade, não a decisão da mulher. que a mulher fique temporariamente afastada dos filhos”
Lembrando que o aborto só é clandestino porque ainda é crime.

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6 Cobertura de denúncias
Mulher é presa em flagrante após abortar
bebê de cinco meses
Bom trabalho!
http://www.tribunapr.com.br/noticias/seguranca/mulher-e-presa-em-flagrante-apos-abortar-bebe-de-cinco-meses/
Sabemos que aborto é um tema de difícil
abordagem, tanto pela dificuldade de encontrar
Outro claro exemplo de erros, esta matéria já dados, informações e personagens quanto por
no título fala em bebê quando devia mencionar ser polêmico, por isso oferecemos algumas
feto, mas além disso, comete outras falhas: orientações ao longo deste Minimanual
e estamos à disposição para apoiar e
Fala da prisão em flagrante de uma mulher que deveria ajudar na sua produção de conteúdo.
receber cuidado e auxílio sem mencionar isso bem
como sem questionar a criminalização do aborto: Começar a retirar o aborto do lugar de tabu é
essencial para que as informações circulem, as
Uma mulher de 26 anos foi presa em flagrante após histórias apareçam, mais pessoas se envolvam e
abortar um bebê de cinco meses com o auxílio de as mulheres, especialmente, percebam que todas
comprimidos proibidos. Ela foi detida pela Delegacia são diretamente afetadas pela criminalização
de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e pode ser da prática. Falar de aborto deve ser um tema de
condenada a até três anos de reclusão
saúde da mulher, não uma questão de cadeia. Os
profissionais da comunicação brasileira, ou seja,
você e eu, têm um papel fundamental nesta luta.
Propaga uma informação equivocada sobre o
medicamento utilizado (ver o item 1.4 Abortamento
seguro em Informações básicas) e não questiona o
crime cometido pelo médico que denunciou a mulher:

De acordo com o delegado, o remédio escolhido foi


o Misoprostol Cytotec, que é altamente agressivo e
coloca em risco, inclusive, a vida da mãe. “Tanto que
ela passou mal após o uso e entrou em contato com o
namorado, que a levou ao hospital. O médico de plantão
a atendeu, perguntou o que tinha acontecido e entrou
em contato com a delegacia”, explicou

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