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DIREITO CIVIL

GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018


Organizado por Valdir Monteiro Oliveira Júnior

Sumário
1.LEI DE INTRODUÇÃO AS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO E INTRODUÇÃO..........................................................4
1A. Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Fontes do direito.
Complexidade do ordenamento jurídico. Diálogo entre as fontes normativas. Direito Civil Constitucional.
Eficácia dos tratados internacionais para o Direito Civil........................................................................................4
2A. Hermenêutica jurídica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos. Abertura
do sistema: princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. A tese de estado de coisas
inconstitucional.....................................................................................................................................................8
2.PESSOAS NATURAIS...............................................................................................................................................14
5A. As pessoas naturais. Direitos da personalidade. A dignidade da pessoa humana e seus corolários no âmbito
do Direito Civil. Teoria do Mínimo Existencial. O direito ao nome. Hipóteses de mutabilidade do nome civil.
Nome social.........................................................................................................................................................14
3A. Capacidade Civil. Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A proteção dos interesses dos
incapazes e o papel do MP. Aspectos Materiais e processuais. Interdição, tutela e curatela...............................18
15A. Domicílio da Pessoa Natural e Sede da Pessoa Jurídica. Eleição de Foro nos Contratos..............................27
8A. Direito à liberdade de expressão e direitos da personalidade. Direito à privacidade e à intimidade. Direito à
imagem. Direito ao esquecimento. O discurso de ódio (hate speech).................................................................28
13A. Bioética e biodireito. Começo e fim da personalidade. Nascituro. Evolução dos direitos do nascituro.
Doação de órgãos e tecidos.................................................................................................................................30
1C. A técnica de reprodução humana assistida. Alteração de sexo. Pesquisa científica em seres humanos........33
9C. Direito à origem genética. Direito de morrer. Direito ao corpo vivo..............................................................35
3.PESSOAS JURÍDICAS..............................................................................................................................................39
12A. Pessoas jurídicas. Associações e fundações. Desconsideração da personalidade social e jurídica.
Desconsideração inversa da pessoa jurídica. Aspectos materiais e processuais. Entidades despersonificadas.. .39
4.BENS..................................................................................................................................................................... 42
4A. Os Bens. Classificações. O Patrimônio. Bens Inapropriáveis. Bens Impenhoráveis. Bem De Família.........42
5.FATOS JURÍDICOS..................................................................................................................................................53
6A. Fatos jurídicos, atos jurídicos e negócios jurídicos. Elementos e requisitos. Manifestação e interpretação das
declarações de vontade. Condição, termo e encargo..........................................................................................53
9A. Negócios jurídicos. Defeitos e invalidades. Equilíbrio econômico, onerosidade e revisão contratual...........54
10A. Forma e prova dos atos jurídicos. Das modalidades dos atos jurídicos, da evicção e dos vícios redibitórios.
............................................................................................................................................................................ 58
11A. Atos ilícitos. Os ilícitos civis praticados por pessoas jurídicas. A Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção).
Vedação ao comportamento contraditório. Dever de mitigar as perdas.............................................................61
7A. Da prescrição e da decadência......................................................................................................................66
6.DIREITO DAS OBRIGAÇÕES....................................................................................................................................70
4B. A boa-fé no direito civil. Boa-fé objetiva e suas funções. A ética nas relações obrigacionais. Deveres laterais
de conduta...........................................................................................................................................................71
1B. As obrigações quanto às suas modalidades...................................................................................................74
9B. Extinção das obrigações. Inadimplemento. Liquidação das obrigações, juros e correção monetária. Cláusula
penal e perdas e danos. Multa cominatória. Adimplemento substancial. Princípio da justiça contratual. A
evolução da responsabilidade pessoal para a patrimonial..................................................................................78
1
10B. Das obrigações por declaração unilateral de vontade.................................................................................79
7A. Do enriquecimento ilícito e do pagamento indevido.....................................................................................82
7.CONTRATOS..........................................................................................................................................................83
2B. Dos contratos em geral. Novos princípios do direito dos contratos...............................................................84
14B. Teoria da imprevisão, caso fortuito e força maior. Contrato de seguro.......................................................86
5B. Compra e venda e suas cláusulas especiais. Promessa de compra e venda e direito real do promitente
comprador...........................................................................................................................................................90
7B. A locação no Código Civil e na legislação especial. Mútuo e comodato........................................................92
3B. Representação, mandato e prestação de serviços.........................................................................................95
4C. Da fiança, do depósito e da corretagem. Contrato de transporte terrestre e aéreo......................................96
15B. O marco civil da internet e demais formas de regulação do ciberespaço. Contratos eletrônicos.
Responsabilidade civil nas redes sociais. Bullying e cyberbullying.......................................................................99
8.RESPONSABILIDADE CIVIL...................................................................................................................................101
5C. Da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico e paisagístico..........................................................................................................101
8C. Responsabilidade civil extracontratual. Dano material, moral e estético. Dano à pessoa. Danos sociais.
Caracterização e quantificação. Aspectos materiais e processuais. Dano moral coletivo..................................104
9.DIREITO DE EMPRESA.........................................................................................................................................106
15C. Das sociedades dependentes de autorização oficial. Das sociedades simples e da sociedade cooperativa.
Sociedades nacionais e estrangeiras..................................................................................................................106
10C. Da transformação, da incorporação, da fusão e da cisão das sociedades. Da sociedade limitada e da
sociedade anônima...........................................................................................................................................108
3C. O condomínio no Código Civil e na legislação especial. O estabelecimento empresarial. A sociedade em
conta de participação. Responsabilidade dos administradores das sociedades simples e empresárias............112
10.DIREITOS REAIS.................................................................................................................................................115
2C. Posse e propriedade. Aquisição, efeitos, perda e limitações constitucionais. Propriedade rural e
propriedade urbana. Acesso à terra e direito de moradia. Conflitos entre posse e propriedade. Função social da
posse e da propriedade.....................................................................................................................................116
12B. Direitos reais de garantia e suas modalidades. Registro e efeitos relativos a terceiros.............................121
6C. Do direito de superfície, servidões, usufruto, uso e habitação....................................................................124
6B. Usucapião e suas modalidades. Parcelamento do solo urbano. Regularização fundiária............................130
13C. Dos direitos de vizinhança.........................................................................................................................135
11.DIREITO DE FAMÍLIA..........................................................................................................................................137
11B. Casamento e união estável. Regimes de bens. A situação do companheiro no Código Civil. A união estável,
seus reflexos patrimoniais e correlações com o instituto do casamento. Uniões estáveis concomitantes.
Concubinato. Dissolução da sociedade e dos vínculos conjugais. A permanência ou extinção do instituto da
separação..........................................................................................................................................................137
7C. Relações de família e princípio da solidariedade. Igualdade e liberdade nas relações entre cônjuges e
companheiros. Filiação e da guarda dos filhos. Conceito contemporâneo de família. Novas modalidades de
família. Famílias homoafetivas, poliafetivas e monoparentais. Família natural, extensa e ampliada. Família
composta e família mosaico. Famílias simultâneas e redes familiares. Abandono afetivo e seus efeitos civis.. 142
11C. Reconhecimento de filhos e adoção. Adoção por casais homoafetivos. Convenção da Haia Relativa à
Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 1993. Estado de filiação e
direito à origem genética. Filiação biológica e não biológica. Adoção à brasileira. Atuação do Ministério Público
no processo de adoção. Parto anônimo. Ação vindicatória de filho..................................................................145

2
1C. Reconhecimento da paternidade. Homoparentalidade. Multiparentalidade. Parentalidade socioafetiva.
Parentalidade alimentar. Alienação parental.....................................................................................................147
12C. Poder familiar: conceito, exercício, suspensão e extinção. O poder familiar e os direitos próprios da criança
e do adolescente...............................................................................................................................................149
8B. Alimentos. Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 1956. Cooperação
jurídica internacional e atuação do Ministério Público Federal.........................................................................151
12. DIREITO DAS MINORIAS E DOS VULNERÁVEIS..................................................................................................154
14A. Dignidade da pessoa humana e proteção à mulher. Igualdade material e seus reflexos no Direito Civil.
Violência doméstica e seus aspectos civis. Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).......................................154
13B. Direitos do idoso. Proteção pessoal e patrimonial do idoso. Proteção integral e obrigação de prestar
alimentos. Acesso ao amparo assistencial e à justiça. Atuação do Ministério Público.......................................156
14C. Proteção dos grupos vulneráveis no âmbito do Direito Privado. Índios, quilombolas e povos tradicionais.
Igualdade Racial. Igualdade de gênero..............................................................................................................159

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1.LEI DE INTRODUÇÃO AS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO E INTRODUÇÃO
1.1. Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Fontes do direito.
Complexidade do ordenamento jurı ́dico. Diálogo entre as fontes normativas. Direito Civil Constitucional. Eficácia
dos tratados internacionais para o Direito Civil. (1.a)
1.2 Hermenêutica jurı ́dica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos. Abertura do
sistema: princı ́pios, cláusulas gerais e conceitos jurı ́dicos indeterminados. A tese de estado de coisas
inconstitucional. (2.a)

1A. Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Fontes do direito.
Complexidade do ordenamento jurídico. Diálogo entre as fontes normativas. Direito Civil Constitucional. Eficácia
dos tratados internacionais para o Direito Civil.

Renata Muniz

I. Decreto-Lei nº 4.657/1942. LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)

A LIND (antiga LICC) contém normas de sobredireito ou de apoio, sendo considerada um Código de Normas, por
ter a lei como tema central, tratando sobre:

1) Vigência das normas - o início da vigência observa uma etapa prévia, que é o processo de criação da lei,
passando por três fases: elaboração, promulgação e publicação. A lei nasce com a promulgação, porém, apenas
começa a vigorar com sua publicação. A vigência é qualidade temporal da norma. Segundo o art. 1º da LINDB,
salvo disposição contrária, começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. Quando
admitida no exterior, a sua obrigatoriedade se inicia 3 meses após oficialmente publicada. Ocorrendo nova
publicação de texto durante a vacatio legis, para correção de erros materiais ou falha de ortografia, o prazo da
obrigatoriedade começa a correr da nova publicação – art. 1º, §3º, da LINDB. Ademais, destaca-se que, como é
característica da lei a continuidade, caso não se destine à vigência temporária, vigorará até que outra a
modifique ou revogue. O Direito Brasileiro não admite o dessuetudo, que é a revogação da lei pelos costumes A
ab-rogação consiste na revogação total da lei, por sua vez, a derrogação atinge parte da norma, apenas. A
revogação pode se dá expressamente (via direta) ou tacitamente (via oblíqua). A repristinação é a restauração
da norma revogada pela revogação da norma revogadora. Vedação de sua existência no ordenamento, por força
do § 2o. do art. 2º da LINDB. A diferença entre repristinação e efeito repristinatório pode ser dita quanto à
origem. A repristinação é legal, enquanto o efeito repristinatório é judicial, do controle de constitucionalidade.
Ademais, no efeito repristinatório, por ser a norma posterior inconstitucional, não há, em verdade, revogação, o
que ocorre na repristinação.

2) Obrigatoriedade da norma - o art. 3º da LINDB consagra o princípio da obrigatoriedade, sobre o qual ninguém
se escusa de cumprir a lei, alegando não a conhecer. São três as teorias que buscam justificar o preceito: (1)
teoria da presunção legal; (2) teoria da ficção legal; (3) teoria da necessidade social: defendida por Beviláqua, é a
mais aceita, vez que sustenta a obrigatoriedade da lei, devendo ser cumprida por todos, não por motivo de um
conhecimento presumido ou ficto, mas por razão de interesse público. Inclusive, a publicação oficial objetiva o
conhecimento, neutralizando a ignorância.

3) Integração da norma – em virtude da impossibilidade de prever toda e qualquer situação e pela existência de
situações não previstas de modo específico, não podendo o juiz deixar de proferir decisão pela omissão legal, o
juiz se valerá dos mecanismos destinados a suprir as lacunas da lei analogia, costumes e princípios gerais de
direito. A doutrina moderna contesta a obrigatoriedade de aplicar os métodos de colmatação na exata ordem do
art. 4º, diante da força normativa e coercitiva dos princípios, notadamente daqueles de índole constitucional
(Tepedino e Tartuce). Analogia. é a aplicação de uma norma próxima ou de um conjunto de normas próximas,

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não havendo uma norma prevista para um determinado caso concreto. Não se pode confundir a aplicação da
analogia com a interpretação extensiva, na qual o sentido do texto é ampliado. Costumes. São as práticas e usos
reiterados com conteúdo lícito e relevância jurídica. Costumes segundo a lei - não são hipóteses de lacunas no
sistema, pois o próprio ordenamento é que remete aos costumes. Nesses casos, não há integração, mas sim
subsunção. Costumes na falta da lei (praeter legem) - aplicados quando a lei for omissa, sendo denominado
costume integrativo. Ex: juiz se vale dos costumes para aceitar a indenização por dano moral quando do depósito
do cheque antes da data - STJ. Costumes contra a lei - Não é aceito no direito brasileiro. Princípios gerais do
direito: são normas que se encontram na consciência dos povos e são universalmente aceitas, mesmo não
escritas. Equidade. Trata-se o uso do bom-senso, a justiça do caso particular, mediante a adaptação razoável da
lei ao caso concreto. Equidade legal - aquela cuja aplicação está prevista no próprio texto legal. Ex: art. 413 do
CC/2002, que estabelece a redução equitativa da multa ou cláusula penal como um dever do magistrado.
Equidade judicial - presente quando a lei determina que o magistrado deve decidir por equidade o caso
concreto.

4) Interpretação - Interpretar é descobrir o sentido da norma, determinar o seu conteúdo e delimitar o seu exato
alcance. No início do século XIX, com o racionalismo jurídico, acreditava-se que a interpretação não seria
necessária porque os Códigos previam todos os conflitos. Hoje, entende-se que toda norma deve ser
interpretada. O novo Código Civil estabelece um sistema aberto, no qual se fazem presentes diversos conceitos
vagos (conceitos jurídico indeterminados e cláusulas gerais). Classificação: Quanto às fontes, a interpretação
poderá ser: a) jurisprudencial ou judicial; b) doutrinária; c) autêntica; d) administrativa; e) leiga, realizada por
qualquer pessoa do povo. Quanto aos meios, a interpretação poderá ser: a) gramatical ou literal, b) lógica; c)
histórica; d) sociológica, ou teleológica; e) sistemática. A LINDB (art. 5º) determina que em toda atividade
interpretativa sejam considerados os fins sociais visados pela lei, optando nitidamente pela afirmação de uma
finalidade social do direito, revelando que o legislador considera primordial valores sociais sobre os individuais.
Quanto ao resultado da atividade interpretativa: a) declarativa ou estrita: é aquela que conclui que a fórmula
verbal da norma coincide com a mens legis; b) ab-rogante: é a interpretação que leva à conclusão de que a
norma foi revogada. Não é o intérprete que a revoga, ele apenas reconhece a revogação; c) retificadora
(corretiva): tem-se que adaptar a norma para que a interpretação não leve a um absurdo. d) restritiva: constata-
se que o legislador se utilizou de uma fórmula ampla em demasia para traduzir a mens legis. Então, o intérprete
restringe o significado dos termos usados e chega à conclusão que a lei disse mais do que queria; e) extensiva ou
ampliativa: entende-se que o sentido da lei foi insuficientemente traduzido pelo envoltório verbal.

5) Aplicação da lei no tempo: a regra é a elaboração das leis para valer no futuro. É comum na situação de
modificada a lei por outra e já havendo formação de relações jurídicas na vigência da lei anterior, pode se
instaurar conflito. Para solucionar a questão, utilizam-se dois critérios: (1) o das disposições transitórias: são
elaboradas pelo legislador, no próprio texto normativo, destinadas a evitar e a solucionar conflitos que poderão
surgir. (2) irretroatividade das normas: princípio que visa assegurar a certeza e estabilidade do ordenamento,
preservando situações consolidadas. No entanto, não tem caráter absoluto, sendo a retroatividade exceção (art.
5º, XXXVI, CF e LINDB). Para tanto, acolheu-se a teoria subjetiva de Carlo Francesco Gabba, a qual respeita o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, de modo que a regra é a aplicação da lei nova aos casos
pendentes e aos futuros, apenas podendo ser retroativa para atingir fatos já consumados, pretéritos quando: (a)
não ofender o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada; (b) quando o legislador mandar aplica-la,
expressamente, ainda que não utilize a palavra “retroatividade”. Em contrapartida, Paul Roubier propõe a teoria
objetiva, de que deve ser imposta a nova lei, imediatamente. Observa-se inexistir direito adquirido contra a
Constituição. A doutrina efetuou uma clássica distinção entre retroatividade máxima (quando a lei nova ataca a
coisa julgada e os fatos consumados), média (quando a lei nova atinge os efeitos pendentes de ato jurídico,

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verificados antes dela), e mínima (Retrospectividade, segundo Canotilho) quando a lei nova atinge apenas os
efeitos dos atos anteriores, produzidos após a data em que ela entra em vigor.

6) Aplicação da lei no espaço - Pela LINDB, serão solucionados os conflitos decorrentes da aplicação espacial de
normas, que devem ser estudados no Direito Internacional Privado. Mas vale registrar que o Brasil adota o
princípio da territorialidade moderada, admitindo-se a aplicação, em certos casos, de lei estrangeira.

7) Disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público A Lei 13.655/18
acrescentou novas regras na LINDB referentes à aplicação do direito público, com o objetivo de neutralizar
supostos fatores de distorção da atividade jurídico-decisória pública dos órgãos de controle do Poder Público. Em
síntese, os novos artigos: consagram alguns novos princípios gerais a serem observados pelas autoridades nas
decisões baseadas em normas indeterminadas (arts. 20 e21); conferem aos particulares o direito à transição
adequada quando da criação de novas situações jurídicas passivas (art. 22); estabelecem o regime jurídico para
negociação entre autoridades públicas e particulares (art. 23); criam a ação civil pública declaratória de validade,
com efeito erga omnes, para dar estabilidade a atos, contratos, ajustes, processos e normas administrativas (art.
24); impedem a invalidação de atos em geral por mudança de orientação (art. 25); - disciplinam os efeitos da
invalidação de atos em geral, para torná-los mais justos (art. 26); - impedem a responsabilização injusta de
autoridade em caso de revisão de suas decisões (art. 27); impõem a consulta pública obrigatória para a edição de
regulamentos administrativos (art. 28); determinam a compensação, dentro dos processos, de benefícios ou
prejuízos injustos gerados para os envolvidos (art. 29) e determinam a atuação das autoridades administrativas
para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas
administrativas e respostas a consultas” (art.30). Uma das principais criticas às novas regras consiste na
utilização de termos abertos, passíveis de ampla margem para interpretações e subjetivismos. O MPF se
posicionou pelo veto integral do projeto de lei, nos termos da NT conjunta nº01/18, sob pena de desfazer o
vigente sistema de controle, responsabilização e ressarcimento por atos lesivos ao erário e ao interesse
público. Em outras palavras, a nova lei conduz à impunidade. Para a PGR, a alteração à lei de improbidade
administrativa está sendo feita por mudança na LINDB por este Projeto de Lei, de modo a negar efetiva aplicação
da LIA (Lei 8.429/92), que é o principal instrumento jurídico de defesa dos princípios constitucionais contidos no
artigo 37 da CF. Sob a nova lei, dificilmente haverá prevenção, repressão e ressarcimento de danos ao erário por
atos de improbidade administrativa, contrariando os anseios da sociedade brasileira.

II. Fontes do Direito

a) fontes formais, diretas ou imediatas – lei (fonte primária), analogia, costumes e pelos princípios gerais de
direito (fontes secundárias). O direito brasileiro tem tradição Civil-law, de origem românico-germânica, tendo a
lei como principal fonte, apesar de está sofrendo forte influência da Common Law, com a teoria dos precedentes
adotada pelo CPC/15. b) As fontes não formais, indiretas ou mediatas - doutrina e pela jurisprudência, que não
geram por si só a regra jurídica, mas acabam contribuindo para a sua elaboração.

III. Complexidade do Ordenamento Jurídico

Bobbio destaca ser a complexidade de um ordenamento jurídico derivada do fato de que a necessidade das
regras de conduta numa sociedade é tão grande que não há qualquer poder ou órgão em condições de satisfazê-
la sozinho. Além disso, justifica-se a complexidade nas normas de ordem moral, social, religiosa, costumeira
(pluralismo pós- moderno), inclusive pela existência de normas antecedentes, caracterizando o ordenamento
pela diversidade ideológica, sociológica e filosófica, isto é, deriva a multiplicidade das fontes. Conflitos
normativos: por ser o ordenamento uma unidade sistêmica, alguns critérios são utilizados para a solução das
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antinomias: critério cronológico, critério da especialidade e critério hierárquico. Classificação das antinomias: (1)
Quanto aos critérios envolvidos: (a) antinomia de 1º grau: trata do conflito de normas que cinge apenas um dos
critérios no caso. (b) antinomia de 2º grau: as normas válidas que estão de encontro envolve situação em que há
dois dos critérios presentes. (2) Quanto à possibilidade de solução: (a) antinomia aparente: pode ser resolvida a
partir dos critérios de solução expostos acima; (b) antinomia real: é situação que não permite a resolução
conforme os critérios. Exs: -Norma especial anterior e geral posterior: prevalece a especial anterior, em razão da
prevalência do critério da especialidade. Caso de antinomia aparente de segundo grau; - Norma superior anterior
e inferior posterior: prevalece o critério hierárquico, de modo que a norma superior anterior é que se aplica.
Antinomia aparente de segundo grau; - Norma geral superior e norma especial inferior: inexiste regra nesse
sentido, configurando-se a antinomia real. Porém, como se soluciona? Há duas correntes: 1ª. Corrente – Bobbio.
Opta-se pelo hierárquico, uma vez que uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária
especial, sob prejuízo de se comprometer os princípios fundamentais do ordenamento. 2ª. Corrente – Diniz. Não
é possível estabelecer uma regra, preferindo quaisquer dos critérios em detrimento do outro. Assim, há liberdade
de se preferir qualquer um, sem prevalência específica e de observância obrigatória. Notar que há “forças” entre
os critérios, sendo o cronológico considerado o mais fraco entre eles.

IV. Diálogo entre as fontes normativas

A tese do Diálogo das Fontes foi desenvolvida na Alemanha, por Erick Jayme, e no Brasil, por Claudia Lima
Marques. Tal tese surge da concepção de que os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas, em parte
inseridos na LINDB, não são mais suficientes. Nesse ponto, Claudia Lima Marques entende que, o diálogo das
fontes deve ser entendido como a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas,
leis especiais e gerais, de origem internacional e nacional, que possuem campos de aplicação convergentes.
Diálogo das Fontes é um novo paradigma de interpretação do sistema jurídico. [...] “diálogo” em virtude das
influências recíprocas, “diálogo” porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo
caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes pela
fonte prevalente ou mesmo a opção por ter uma solução flexível e aberta, de interpenetração, ou a solução
mais favorável ao mais fraco da relação. Ex: O CPC/15 dialoga com o direito material e traz normas
principiológicas (como a boa fé objetiva), evidenciando a necessidade de compreensão do sistema de forma
aberta (Cristiano Chaves).

V. Direito Civil Constitucional

Trata-se de postura metodológica e interpretativa que busca ler todas as relações civis sob o ângulo dos valores,
princípios e regras da Constituição. Aliás, nesse contexto pode-se fazer a seguinte distinção: a) constituição-
inclusão; b) constituição- releitura. A primeira diz respeito à inclusão na Constituição de temas que antes não
estava lá, como ocorre em relação ao direito do consumidor. Já a segunda, diz respeito à postura interpretativa
de reler toda ordem jurídica a partir da Constituição. A dignidade da pessoa humana, fundamento da República
(CF, art. 1º, III), e a solidariedade social (CF, art. 3º, III), passam a ser invocadas com frequência. Poderíamos,
talvez, resumir a tendência que se observa nos estudos de direito civil em duas palavras: repersonalização e
despatrimonialização.

VI. Eficácia dos Tratados Internacionais para o Direito Civil

Com o advento da constitucionalização do Direito Civil e com a forma de incorporação dos tratados
internacionais no ordenamento, criou-se um movimento de convencionalização do Direito Civil , em respeito aos
direitos humanos. É que as normas de direito civil, assim como o ordenamento jurídico como um todo – precisam
7
se harmonizar, mantendo uma compatibilidade vertical, tanto com a Constituição, quanto com os tratados de
direitos humanos. Assim, detectada uma eventual incompatibilidade da norma infraconstitucional com um
tratado de direitos humanos, ocorre a suspensão de sua eficácia, respeitando a própria especialidade da
convenção. Essa conclusão foi adotada em 2008 pelo STF, no RE 466.434/SP, entendendo que o Pacto San José da
Costa Rica, aprovado antes da EC 45, foi acolhido com status supralegal no ordenamento jurídico interno, abaixo
apenas da CF. Com isso, o STF deliberou que as normas da CADH estão acima da norma do Código Civil sobre a
prisão do depositário infiel, afastando a eficácia da legislação infraconstitucional (S.V 25). Outro caso é o da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e seu protocolo, ratificados pelo Brasil, em 2008, com
status de emenda constitucional, que serviu de fundamento para edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência
(Lei 13.146/15), revolucionando o regramento das incapacidades.

2A. Hermenêutica jurídica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos. Abertura
do sistema: princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. A tese de estado de coisas
inconstitucional

Leonardo Ferreira Mendes 09/09/18

I. Hermenêutica Jurídica. A constitucionalização do Direito Civil e a influência dos direitos humanos.

Durante a vigência do Código Civil de 1916, antes da promulgação da Constituição da República de 1988,
encarava-se o Código Civil como diploma de centralidade na regência da vida privada. 1 À Constituição eram
relegados assuntos atrelados ao funcionamento e à estruturação do Estado, de modo que apenas as relações
jurídicas que tivessem o Estado como parte recebiam incidência constitucional. 2
O Código Civil anterior tinha como centralidade axiológica a defesa da propriedade e da segurança
jurídica. Primava pelos interesses patrimoniais, deixando de lado os existenciais 3.
Desde Konrad Hesse, a Constituição deixou de ser encarada como mera folha de papel descritiva das
forças reais de poder e passou a representar a norma hierarquicamente superior do ordenamento jurídico.
Essa mudança na centralidade normativa, por si só, promoveu importantes mudanças no modo de
interpretar o Código Civil de 1916, dando-lhe, em certa medida, cara nova. 4 Mas, por conta dos valores que
inspiraram sua criação, tem-se que suas normas possuíam pequena abertura semântica, de modo que esta
pequena elasticidade hermenêutico-normativa dificultava a perfeita adequação da codificação privatista à
Constituição da República de 1988.5
Constata-se que a axiologia constitucional, que tem como núcleo (ou "valor-fonte" 6) a dignidade da
pessoa humana, impôs à antiga lógica privatista a necessidade de readequação de seus institutos a essa nova
pauta valorativa. A propriedade deixa de possuir fim em si mesma, ao passo em que se adota a formulação
kantiana de dignidade humana e de ser humano como fim e nunca como meio. 7 A propriedade passa a contar
com um perfil instrumental de promoção a esta dignidade. 8
De tudo quanto exposto, tem-se que aquele intérprete agarrado tão-somente aos métodos

1
MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. p. 67/68. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2ª ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p. 63/87.
2
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24ª ed. rev. atual. [S.l.]: Malheiros Editores, [ca. 2005]. p. 43.
3
MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. passim . In: FACHIN, Luiz Edson
(Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 87/114.
4
RAMOS, Carmem Lucia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. p. 16/17. In: FACHIN, Luiz Edson
(Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 03/29.
5
SANSANA, Maureen Cristina. Cláusulas gerais no Código Civil de 2002. Superação do rigorismo formal e criatividade na atividade
judiciária. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2606, 20 ago. 2010. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/17226>. Acesso em: 5
abr. 2011.
6
MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. p. 71. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2ª ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p. 63/87.
7
Trata-se da chamada "fórmula do objeto", pela qual Kant defende que o ser humano deve ser encarado sempre como fim, e nunca como
meio para um fim. Cf.: KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. HOLZBACH, Leopoldo. [São
Paulo]: Martin Claret, 2006. p. 68.
8
CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. p. 32/33. In: FACHIN, Luiz Edson
(Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 31/56.
8
hermenêuticos clássicos9 com muita frequência chegará a conclusões interpretativas inconstitucionais e
dissonantes dos valores irradiados pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Não se quer dizer com isso que
tais métodos carecem de importância. Apenas que são insuficientes.
A interdisciplinaridade entre Direito Civil, Direito Constitucional e Direitos Humanos torna-se, dessa feita,
imprescindível. Tais constatações, ao passo que trazem maior complexidade ao processo hermenêutico, levam o
intérprete a verdadeiras encruzilhadas, conclusões hermenêuticas que, a primeira vista, parecem todas corretas.
Uma importante ferramenta para eleição da interpretação mais adequada, principalmente no que tange às
normas abertas, se encontra na teoria dos princípios, na técnica de ponderação de interesses e nas teorias da
eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

II. Abertura do sistema: princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.

Toda estrutura de engenharia legislativa verificável no Código Civil de 2002 tem como idealizador Miguel
Reale10 e, como base filosófica, o culturalismo, a historicidade e sua teoria tridimensional dinâmica.
Miguel Reale entendia o ser humano como um ser cultural, situado em determinado contexto histórico.
Desta forma, o Direito, sendo uma pauta de condutas humanas, é também um elemento cultural. As normas
jurídicas devem ser compreendidas de acordo com o contexto histórico-social que visam regular, uma vez que,
para o autor, "a história está para a espécie humana como a memória está para o indivíduo, como cerne de sua
personalidade"11.
É basicamente nesta premissa básica que se situa a teoria tridimensional do Direito nos moldes
propugnados por Reale: o Direito é elemento complexo, situado na História, composto não apenas de normas,
mas também de fatos e valores. “Eis aí, portanto, através de um estudo sumário da experiência das estimativas
históricas, como os significados da palavra Direito se delinearam segundo três elementos fundamentais: - o
elemento valor, como intuição primordial; o elemento norma, como medida de concreção do valioso no plano da
conduta social; e, finalmente, o elemento fato, como condição da conduta, base empírica da ligação
intersubjetiva, coincidindo a análise histórica com a da realidade jurídica fenomenologicamente observada.” 12
Na análise da nomogênese jurídica 13, Reale assevera que o fenômeno poderia ser descrito como um facho
de luz, representativo dos valores, que incide sobre os fatos. Os fatos, por sua vez, levam à reflexão desse feixe de
valores, em várias possibilidades de normatização, as quais sofrem a influência do Poder, que elege uma dessas
possibilidades normativas.14 A escolha normativa realizada pelo Poder constitui um modelo jurídico, "uma
estrutura normativa da experiência destinada a disciplinar uma classe de ações, de forma bilateral atributiva" 15.
O Poder, na visão de Reale, não representa uma estrutura de escolhas arbitrárias, uma vez que está
vinculado ao meio histórico, cultural e normativo em que se insere. Nesse diapasão, as escolhas do Poder estão
também vinculadas aos valores daquela sociedade.
A norma é criada para ter um mínimo de perenidade, de modo a conservar um mínimo de previsibilidade
e segurança jurídica. No entanto, retornando à ideia de historicidade do viver humano, verifica-se que os fins
sociais almejados e as demandas de determinada estrutura social não são estáticas ao longo do tempo.
A princípio é possível uma mudança de interpretação da norma jurídica, mudança de seu conteúdo
semântico. No entanto, existe um ponto em que o texto da norma não permite elasticidade hermenêutica
suficiente a adequá-la ao novo contexto, momento em que deve se dar a retirada da norma jurídica. 16 É por esse
motivo que a tridimensionalidade propugnada por Reale é dinâmica.
Foram essas constatações que levaram Reale a empregar na construção do Código Civil de 2002 a técnica
legislativa da abertura sistêmica, por intermédio de normas veiculadoras de cláusulas gerais, conceitos jurídicos
indeterminados e princípios. Pode-se observar tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Código Civil o
emprego de tais técnicas de engenharia legislativa, as quais permitem ao aplicador do Direito uma maior justiça
9
Métodos gramatical, teleológico, sistemático e histórico.
10
MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". p. 88. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO,
Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 87/168.
11
REALE, Miguel. Horizontes do direito e da história. 3ª ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 04.
12
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 509. Destaques do autor.
13
Processo de nascimento de uma norma jurídica.
14
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 552 seq.
15
Id. ibid. p. 554.
16
Id. ibid. p. 562/564.
9
ao amoldar determinada norma jurídica geral e abstrata a um caso concreto, por conta de termos normativos
semanticamente abertos.
Nas palavras de Judith Martins-Costa, percebe-se na atual codificação material um sistema aberto ou de
janelas abertas, em virtude da linguagem que emprega, permitindo a constante incorporação e solução de novos
problemas, seja pela jurisprudência, seja por uma atividade de complementação legislativa.
Os três princípios fundamentais do Código Civil de 2002 são, segundo Miguel Reale, os princípios da
eticidade, da socialidade e da operabilidade. 17 O princípio da eticidade visa incluir valores éticos nas normas do
Código Civil, através de normas com abertura semântica, que demandam o diálogo do Código com outros
sistemas, em especial, da moral.
A diretriz da eticidade acaba, portanto, tendo a meta de promover a adequação axiológica entre o sistema
de Direito Civil e os valores socialmente prestigiados. Em entendimento semelhante, Gerson Luiz Carlos Branco
apregoa que "Tal princípio trata do reconhecimento da relação bipolar e dialética entre a realidade e o direito, a
força que a moral social, o poder social possuem e os efeitos que provocam sobre o direito." 18
O princípio da socialidade tem como função básica extirpar das relações privadas a supremacia da ideia
individualista que impregnava o Código de 1916. Dessa feita, é exigido agora que, nos moldes constitucionais, a
propriedade e, consequentemente, os contratos, não se amoldem apenas aos interesses egoísticos dos
proprietários e contratantes.19 A propriedade e seu principal instrumento de circulação devem atender a uma
função social, amoldando-se aos interesses da coletividade. 20 Nesses termos, uma propriedade não ocupada, em
área urbana, mantida assim por interesses especulativos, não atende à sua função social. O direito de
propriedade não possui fim em si mesmo, devendo atender à diretriz constitucional de respeito à sua função
social.
Já o princípio da operabilidade mira a simplificação da aplicação do Código Civil, aproximando-o da
realidade social que visa regular. Conforme sintetizado por von Jhering, "O direito é feito para ser operado" 21. É
com esta ideia que o princípio da operabilidade permeia todo o sistema do Código Civil de 2002: o código é um
todo lógico, estruturado de forma sintética 22, e deve ser interpretado de maneira que seja facilitada sua aplicação.
Um exemplo foi o tratamento dado aos institutos da prescrição e da decadência, antes de conceituação e
diferenciação truncadas23. Outro efeito de referida diretriz é o emprego de cláusulas gerais, conceitos jurídicos
indeterminados24 e princípios de modo a possibilitar a perpetuação do Código frente à dinâmica da História e da
cultura.
O conceito jurídico indeterminado “descreve conduta e sanção, mas a aplicação da regra passa pela
análise do juiz sobre o texto, que contém expressão vaga e imprecisa.” 25 Pode ser citada como exemplo as
disposições do art. 1.136, IV do Código Civil26, uma vez que, embora as sanções estejam especificadas no
parágrafo segundo do referido dispositivo, a situação normatizada traz expressões vagas e imprecisas, cujo

17
REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Revista de Direito Privado 9, p. 9 ss, jan. – mar. 2002. apud MARQUES, Cláudia Lima.
Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. rev. atual. ampl. incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: RT,
2006.
18
BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O culturalismo de Miguel Reale e sua expressão no novo Código Civil. p. 63. In: Id. ibid. p. 1/85.
19
REALE, Miguel. ibid. loc. cit.
20
BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O culturalismo de Miguel Reale e sua expressão no novo Código Civil. p. 65. In: MARTINS-COSTA, Judith;
BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p.1/85.
21
MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". p. 93. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO,
Gerson Luiz Carlos. ibid. p. 87/168.
22
MARTINS-COSTA, Judith. O novo código civil brasileiro: em busca da "ética da situação". p. 96. In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO,
Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 87/168.
23
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: introdução e teoria geral. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 113.
24
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 121.
25
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Direito Civil: introdução e teoria geral. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. p. 93.
26
Código Civil. Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...)
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e
segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
(...)
§ 2o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou
na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos
que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes,
deliberar sobre a cobrança da multa.
10
sentido dependem de atividade interpretativa do aplicador da norma diante do caso concreto.
As cláusulas gerais, por seu turno, possuem um grau de indeterminação ainda maior, uma vez que a
norma se limita a apontar um valor, sem, no entanto, descrever qualquer fato ou mesmo uma consequência
jurídica.27 Um exemplo de dispositivo que contém cláusula geral é o art. 187 28 do Código Civil, que apesar de
qualificar como ilícito o exercício de um direito que atente contra a boa-fé, não traz o significado de boa-fé nem
tampouco diz quais são as consequências pela desobediência a esta norma. Deve o aplicador da norma, neste
caso, verificar se há (in)adequação da situação fática ao valor prestigiado e criar a solução que melhor atenda ao
caso concreto. Ou, nas palavras de Perlingieri, "Legislar por cláusulas gerais significa deixar ao juiz, ao intérprete,
uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato." 29
São exemplos de cláusulas gerais constantes do Código Civil de 2002 :
- Função social do contrato - art. 421 do CC.
- Função social da propriedade - art. 1.228, § 1. do CC.
- Boa-fé - arts. 113, 187 e 422 do CC.
- Bons costumes - arts. 1 3 e 1 8 7 do CC.
- Atividade de risco - art. 92 7, parágrafo único, do CC.
As cláusulas gerais têm um sentido dinâmico, o que as diferencia dos conceitos legais indeterminados,
construções estáticas que constam da lei sem definição. Assim, pode-se afirmar que quando o aplicador do direito
cumpre a tarefa de dar sentido a um conceito legal indeterminado, passará ele a constituir uma cláusula geral.
Segue-se com tal premissa o posicionamento de Karl Engisch, para quem a cláusula geral não se confunde com a
idéia de conceito legal indeterminado, eis que a primeira "contrapõe a uma elaboração ' casuística' das hipóteses
legais. ' Casuística' é aquela configuração da hipótese legal (enquanto somatório dos pressupostos que
condicionam a estatuição) que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria".
Multifacetárias e multifuncionais, as cláusulas gerais podem ser  basicamente de três tipos, a saber: 
a) disposições de tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas
situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso da
restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato  às regras, contratuais ou legais, que têm sua
fonte no princípio da  liberdade contratual; 
b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular,  com base em um princípio,
hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a regulação da responsabilidade civil por
culpa;
c) de tipo extensivo, caso em que servem para  ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a
expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios e regras próprios de outros
textos normativos. É  exemplo o art. 7º do Código do Consumidor e o parágrafo 2º do art. 5º da Constituição
Federal, que reenviam o aplicador da lei a outros conjuntos normativos, tais como acordos e tratados
internacionais e diversa legislação ordinária.
Seja qual for o tipo da cláusula geral, o que fundamentalmente a caracteriza é a sua peculiar estrutura
normativa, isto é, o modo que conjuga a previsão ou hipótese normativa  com as conseqüências jurídicas que lhe
são correlatas.
Já os princípios são normas que “contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento
ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada direção a seguir” 30. Por serem normas
axiológicas, não há uma medida pré-estabelecida exata para sua aplicação. São na realidade mandatos de
otimização: o valor perseguido deve ser garantido na máxima medida possível, de modo concertado com outros
princípios prestigiados pelo sistema 31. Podem ser citados como exemplos os princípios da eticidade, da
socialidade, da operabilidade, da função social e da boa-fé objetiva, sendo que aqueles três primeiros são os
27
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. ibid. loc. cit.
28
Código Civil. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
29
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. Trad. CICCO, Maria Cristina De. 3ª ed. rev. e ampl.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 27.
30
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e
pós-positivismo). p. 31. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas. 2ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 01/48.
31
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. ed. atual.
até a EC. n. 57/2008. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 55/56.
11
princípios inspiradores do Código Civil.
Consigne-se que muitas das cláusulas gerais são princípios, mas não necessariamente. Ilustrando, a
função social do contrato é princípio contratual; ao contrário da cláusula geral de atividade de risco, que não é
princípio da responsabilidade civil. Ora, a adoção do sistema de cláusulas gerais pelo Código Civil de 2002 tem
relação direta com a linha filosófica adotada por Miguel Reale.
Em que pese o fato do Código Civil de 2002 ter sido publicado quase três décadas após sua criação, tem-
se que ainda assim tal Codex realizou verdadeira inovação na ordem jurídica, modernizando o chamado “Direito
Privado”. Tal se deve à técnica legislativa já referida, que permite sejam suas normas constantemente
reinterpretadas de maneira consentânea com o contexto histórico-social que visam regular.

III. A tese de estado de coisas inconstitucional

O Estado de Coisas Inconstitucional - ECI foi inicialmente adotado pela Corte Constitucional da Colômbia
(CCC), por meio da Sentencia de Unificación – 559 em 1997 no caso de desrespeito generalizado e estrutural a
direitos previdenciários. No ano seguinte, em 1998, a mesma Corte reconheceu, na Sentencia de Tutela – 153, o
ECI em virtude da situação do sistema prisional colombiano, cuja superlotação e violação sistemática de direitos
dos presos era fruto da omissão de diversas autoridades no Estado. Depois disso, a técnica já teria sido
empregada em mais oito oportunidades naquela Corte. Existe também notícia de utilização da expressão pela
Corte Constitucional do Peru.
O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando se verifica a existência de um quadro de violação
generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente
das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação
do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional. Ante
a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de
políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para
superação do estado de inconstitucionalidades.
Em síntese, são três os pressupostos do Estado de Coisas Inconstitucional:
1) a constatação de um quadro não simplesmente de proteção deficiente, e sim de violação massiva,
generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta a um número amplo de pessoas;
2) a falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas, orçamentárias e até judiciais,
verdadeira “falha estatal estrutural”, que gera tanto a violação sistemática dos direitos, quanto a perpetuação e
agravamento da situação;
3) a superação dessas violações de direitos exige a expedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a
um órgão, e sim a uma pluralidade destes — são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o
ajuste das existentes, alocação de recursos, etc. Constata-se a formação de um litígio estrutural que é aquele que
afeta um número expressivo de pessoas e exige remédios de diversos tipos, sob a coordenação do Poder
Judiciário.
Diante disso, para enfrentar um litígio dessa espécie, a Corte terá que fixar remédios estruturais voltados
à formulação e execução de políticas públicas, o que não seria possível por meio de decisões mais tradicionais. A
Corte adota, portanto, uma postura de ativismo judicial estrutural diante da omissão dos Poderes Executivo e
Legislativo.
Importante destacar que o juiz não chega a detalhar as políticas, e sim a formular ordens flexíveis, cuja
execução será objeto de monitoramento contínuo, por exemplo, por meio de audiências públicas periódicas, com
a participação de setores da sociedade civil e das autoridades públicas responsáveis. Os remédios flexíveis são
modelados pelas cortes para serem cumpridos, deixando margens de criação legislativa e de execução a serem
esquematizadas e avançadas pelos outros poderes. Em vez de supremacia judicial, as cortes devem abrir e manter
o diálogo com as demais instituições em torno das melhores soluções. O ativismo judicial é estrutural, mas pode e
deve ser dialógico.
Por fim, em 2015, houve a propositura da ADPF 347 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que
requereu o reconhecimento, pelo STF, do “Estado de Coisas Inconstitucional” na situação do sistema penitenciário
brasileiro. Com o reconhecimento do ECI deveria o STF interferir na formulação e implementação de políticas
públicas, determinar alocações orçamentárias e ordenar interpretação vinculante do processo penal, visando a
melhoria das condições desumanas dos presídios brasileiros, bem como buscando a redução da superlotação dos

12
presídios. A maior parte dos nove pedidos cautelares do requerente na ADPF 347 dizia respeito ao poder-dever
dos juízes criminais e de execução criminal de contribuir para a redução da superlotação, inclusive abrandando os
requisitos legais de concessão de benefícios prisionais e ainda abatendo o tempo de prisão caso o preso tenha
cumprido a pena em condições desumanas.
O Plenário reconheceu que no sistema prisional brasileiro realmente há uma violação generalizada de
direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas
cruéis e desumanas.
Diante disso, o STF declarou que diversos dispositivos constitucionais, documentos internacionais (o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis,
Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais estão
sendo desrespeitadas.
Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas
legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera
ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação.
No julgamento da medida cautelar, o STF não deferiu a maior parte dos pedidos, tendo, por maioria,
decidido somente:
1) pela aplicabilidade imediata do artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do artigo
9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, devendo os juízes e tribunais realizar audiências de custódia, no prazo
máximo de 90 dias, permitindo o comparecimento do preso em até 24 horas da prisão;
2) deferir a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário
Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos
contingenciamentos;
3) conceder cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados, e especificamente ao Estado
de São Paulo, que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional.
De forma específica, pode-se visualizar os pedidos e a decisão do STF da seguinte forma:

O STF deveria obrigar que os juízes e tribunais do país:


a) quando forem decretar ou manter prisões INDEFERIDO. O STF entendeu que seria
provisórias, fundamentem essa decisão dizendo desnecessário ordenar aos juízes e Tribunais que
expressamente o motivo pelo qual estão aplicando a fizesse isso porque já são deveres impostos a todos
prisão e não uma das medidas cautelares os magistrados pela CF/88 e pelas leis. Logo, não
alternativas previstas no art. 319 do CPP; havia sentido em o STF declará-los obrigatórios, o
que seria apenas um reforço.
b) implementem, no prazo máximo de 90 DEFERIDO.
dias, as audiências de custódia;
c) quando forem impor cautelares penais,
aplicar pena ou decidir algo na execução penal, INDEFERIDOS. O STF entendeu que seria
levem em consideração, de forma expressa e desnecessário ordenar aos juízes e Tribunais que
fundamentada, o quadro dramático do sistema fizessem isso porque já são deveres impostos a
penitenciário brasileiro; todos os magistrados pela CF/88 e pelas leis. Logo,
não havia sentido em o STF declará-los obrigatórios,
d) estabeleçam, quando possível, penas o que seria apenas um reforço.
alternativas à prisão;
e) abrandar os requisitos temporais INDEFERIDOS. O Plenário entendeu que o
necessários para que o preso goze de benefícios e STF não pode substituir o papel do Legislativo e do
direitos, como a progressão de regime, o livramento Executivo na consecução de suas tarefas próprias.
condicional e a suspensão condicional da pena, Em outras palavras, o Judiciário deverá superar
quando ficar demonstrado que as condições de bloqueios políticos e institucionais sem afastar,
cumprimento da pena estão, na prática, mais porém, esses poderes dos processos de formulação
severas do que as previstas na lei em virtude do e implementação das soluções necessárias. Nesse
quadro do sistema carcerário; sentido, não lhe incumbe definir o conteúdo próprio

13
f) abatam o tempo de prisão, se constatado
que as condições de efetivo cumprimento são, na
dessas políticas, os detalhes dos meios a serem
prática, mais severas do que as previstas na lei. Isso
empregados.
seria uma forma de "compensar" o fato de o Poder
Público estar cometendo um ilícito estatal.
O STF deveria obrigar que o CNJ:
g) coordene um mutirão carcerário a fim de O Tribunal julgou prejudicada a cautelar
revisar todos os processos de execução penal em desse pedido, e concedeu, reajustando, cautelar de
curso no País que envolvam a aplicação de pena ofício para que se determine à União e aos Estados,
privativa de liberdade, visando a adequá-los às e especificamente ao Estado de São Paulo, que
medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f” acima encaminhem ao Supremo Tribunal Federal
expostas. informações sobre a situação prisional
O STF deveria obrigar que a União:
h) libere, sem qualquer tipo de limitação, o DEFERIDO.
saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional
(FUNPEN) para utilização na finalidade para a qual
foi criado, proibindo a realização de novos
contingenciamentos.

O MPF entendeu, sucintamente nesse ADPF, que embora reconheça a importância dos pedidos e do tema
tratado na ADPF, as medidas cautelares pleiteadas são muito “abrangentes e generalizadas”. Segundo a vice-
procuradora, Ela Wiecko, o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária exige o cumprimento de regras
no sistema prisional nacional que não são observadas pelos estados. “Simplesmente descontingenciar, deixar uma
liberdade total para os estados, significa abrir a porta para o descomprometimento com a obediência a essas
normas e tornar esse estado de coisas ainda mais inconstitucional”, afirmou.

Questões anteriores do MPF:

Questão 6, do Concurso 29 - O “estado de coisas inconstitucional” autoriza a intervenção do STF quando


presentes três pressupostos: situação de violação generalizada de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade
reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a situação; a superação das transgressões exigir a
definição e implementação de políticas públicas pelo STF.
Gabarito: Incorreta.

2.PESSOAS NATURAIS
2.1 As pessoas naturais. Direitos da personalidade. A dignidade humana e seus corolários no âmbito do Direito
Civil. Teoria do mı ́nimo existencial. O direito ao nome. Hipóteses de mutabilidade do nome civil. Nome social.
(5.a)
2.2 Capacidade civil. Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A proteção dos interesses dos
incapazes e o papel do Ministério Público. Aspectos materiais e processuais. Interdição, tutela e curatela. (3.a)
2.3 Domicı ́lio da pessoa natural e sede da pessoa jurı ́dica. Eleição de foro nos contratos. (15.a)
2.4 Direito à liberdade de expressão e direitos da personalidade. Direito à privacidade e à intimidade. Direito à
imagem. Direito ao esquecimento. O discurso de ódio (hate speech). (8.a)
2.5 Bioética e biodireito. Começo e fim da personalidade. Nascituro. Evolução dos direitos do nascituro. Doação
de órgãos e tecidos. (13.a)
2.6 A técnica de reprodução humana assistida. Alteração de sexo. Pesquisa cientı́fica em seres humanos. (1.c)
2.7 Direito à origem genética. Direito de morrer. Direito ao corpo vivo. (9.c)

14
5A. As pessoas naturais. Direitos da personalidade. A dignidade da pessoa humana e seus corolários no âmbito do
Direito Civil. Teoria do Mínimo Existencial. O direito ao nome. Hipóteses de mutabilidade do nome civil. Nome
social.

Renata Muniz

PESSOAS NATURAIS

Personalidade jurídica é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras,
é o atributo para ser sujeito de direito. Adquirida a personalidade, o ente passa a atuar, na qualidade de sujeito
de direito (pessoa natural ou jurídica), praticando atos e negócios jurídicos dos mais diferentes matizes. Se toda
pessoa natural (física) possui o atributo da personalidade32, o mesmo não acontece com a capacidade jurídica33,
atributo relacionado à possibilidade de o indivíduo praticar, por si, atos jurídicos.

Individualização da pessoa natural: Pelo nome: prenome, sobrenome e agnome: sinal que distingue pessoas de
uma mesma família (Júnior, Neto). Pelo estado: O estado da pessoa é a soma de suas qualificações. Seus aspectos
podem ostentar caráter individual, familiar e político. Pelo domicílio: domicílio é a sede jurídica da pessoa. É o
local onde responde por suas obrigações. Espécies: necessário ou legal e voluntário. Muda-se o domicílio,
transferindo a residência com a intenção manifesta de mudá-lo (art. 74, CC).

DIREITOS DA PERSONALIDADE:

Com a constitucionalização do Direito Civil, todos os postulados da dignidade da pessoa humana são
transplantados para o direito privado, principalmente no capítulo do CC que trata dos direitos da personalidade,
que estão para o código assim como os direitos fundamentais estão para a Constituição. Enunciado nº 274, na IV
Jornada, CJF: “ Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da
dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se
aplicar a técnica da ponderação”. De outro giro, os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa e à
sua dignidade (art. 1º, III, da CF/88) e alcança também as pessoas jurídicas, que possuem direitos da
personalidade por equiparação, conforme art. 52 do Código Civil. Ex: Honra objetiva, nome e imagem.

Características dos direitos da personalidade: a)Inatos – se a dignidade da pessoa humana é intrínseca à


personalidade humana, e a personalidade é reflexo da dignidade da pessoa humana, logo a personalidade é
intrínseca, ou seja, já nasce com a pessoa. b)Intransmissíveis
c)Irrenunciáveis ou indisponíveis (disponibilidade relativa – aspectos patrimoniais – ex.: Big Brother, contrato de
exploração de imagem, etc.); d)Imprescritíveis e impenhoráveis; e)Vitalícios.

A doutrina associa os direitos da personalidade a 5 grandes ícones colocados em prol da pessoa no CC:
1. Vida e integridade físico-psíquica, estando o segundo conceito inserido no primeiro, por uma questão
lógica.
2. Nome da pessoa natural ou jurídica, com proteção específica constante entre os artigos 16 a 19, do CC,
bem como na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
3. Imagem, classificada em imagem-retrato – reprodução corpórea da imagem, representada pela
fisionomia de alguém; e imagem-atributo – soma de qualificações de alguém ou repercussão social da imagem.
4. Honra, com repercussões físico-psíquicas, subclassificada em honra subjetiva (autoestima) e honra
objetiva (repercussão social da honra). A honra significa tanto o valor moral íntimo do homem, como a estima
dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento, ou consciência, da
própria dignidade pessoal.
5. Intimidade, sendo certo que a vida privada da pessoa natural é inviolável, conforme previsão expressa do

32
Sobre começo e fim da personalidade, vide subponto 13a.
33
Sobre capacidade civil, vide subponto 3a.

15
art. 5º, X, da CF/88: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral, decorrente da sua violação.

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SEUS COROLÁRIOS NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL. TEORIA DO MÍNIMO
EXISTENCIAL.

A dignidade humana penetra nas relações jurídicas públicas e privadas e pode gerar pretensões positivas e
negativas diante dos poderes públicos e de particulares. Daniel Sarmento identifica alguns elementos desse
princípio:

a) Valor intrínseco da pessoa – A ideia de valor intrínseco da pessoa postula que o ser humano nunca pode ser
tratado como apenas um meio, mas sempre como um fim em si. Ela implica também que a dignidade é
ontológica, e não contingente, pois não depende das características pessoais ou dos atos que cada indivíduo
tenha praticado: todos possuem a mesma dignidade. O valor intrínseco é incompatível com a instrumentalização
do ser humano para fins do Estado, de coletividades ou de terceiros.
b) Autonomia - A autonomia consiste no direito dos indivíduos de fazerem as suas escolhas de vida e de agirem
de acordo com elas (autonomia privada), bem como de participarem da formação da vontade coletiva da sua
comunidade política (autonomia pública). A premissa básica, em ambos os casos, é a de que as pessoas devem
ser tratadas como agentes, capazes de tomar decisões e com o direito de fazê-lo. A autonomia deve ser
compreendida como liberdade positiva, e não apenas negativa. A liberdade negativa consiste na ausência de
impedimento externo à ação do agente. Já a liberdade positiva, em sua melhor leitura, corresponde à
possibilidade real de o agente decidir e agir em conformidade com a sua escolha
c) O reconhecimento – que diz respeito à identidade individual e coletiva das pessoas, nas instituições, práticas
sociais e relações intersubjetivas. Direito ao reconhecimento é o direito a ter sua identidade respeitada,
independentemente da concepção de vida que a pessoa adote, da opção sexual, da raça, etc. Esse respeito tem
que ser das pessoas e das instituições públicas.
d) O mínimo existencial – que envolve a garantia das condições materiais indispensáveis para a vida digna. O
mínimo existencial é outro componente essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, que visa a
assegurar a todos as condições materiais básicas para a vida digna. A sua proteção corresponde a um “piso” para
a atuação do Estado na seara da justiça social, e não a um “teto”. O direito ao mínimo existencial é titularizado
por todas as pessoas naturais, inclusive estrangeiros. Ele não se estende, contudo, às pessoas jurídicas, ao
contrário do que já afirmou o STJ. Tal direito é dotado de eficácia horizontal, vinculando em alguma medida os
particulares. O direito ao mínimo existencial não se limita à garantia das condições necessárias para a
sobrevivência física. Ele abrange também prestações de natureza sociocultural ligadas à dignidade, como, por
exemplo, o acesso ao ensino básico. Envolve, ademais, uma faceta ecológica, atinente às condições ambientais
sem as quais não há vida digna. mínimo existencial possui dimensões negativa e positiva. A dimensão negativa
impede os atos tendentes a privar os indivíduos de bens e valores essenciais para uma vida digna. Já a dimensão
positiva lastreia
a exigibilidade de direitos prestacionais básicos. O mínimo existencial é judicialmente exigível. Quando está em
jogo o atendimento de necessidades materiais básicas, a proteção à dignidade
humana sobrepuja a tutela dos princípios contrapostos da separação dos poderes e da democracia, justificando
plenamente a intervenção jurisdicional. A doutrina e jurisprudência dominantes afirmam que as prestações
ligadas ao mínimo não se sujeitam sequer à “reserva do possível”.

Destaca Maria Celina Bodin de Moraes: “Sob essa ótica, as normas do direito civil necessitam ser interpretadas
como reflexo das normas constitucionais. A regulamentação da atividade privada (porque regulamentação da vida
cotidiana) deve ser, em todos os seus momentos, expressão da indubitável opção constitucional de privilegiar a
dignidade da pessoa humana humana. Em conseqüência, transforma-se o direito civil: de regulamentação da
atividade econômica individual, entre homens livres e iguais, para regulamentação da vida social, na família, nas
associações, nos grupos comunitários, onde quer que a personalidade humana melhor se desenvolva e sua
dignidade seja mais amplamente tutelada. A transformação não é de pequena monta. Ao invés da lógica
proprietária da lógica produtivista, empresarial (era uma palavra, patrimonial), são os valores existenciais que,

16
porque privilegiados pela Constituição, se tornam prioritários no âmbito do direito civil.”34

O DIREITO AO NOME. O direito ao nome é um direito da personalidade, previsto atualmente no art. 16 do CC/02.
O nome, além de ser um atributo dos indivíduos que permite a identificação no âmbito da comunidade em que
vivem, possui a função de conferir segurança ao seu portador, possibilitar o desempenho adequado da
comunicação social e revestir o indivíduo de um caráter de status social, contribuindo, pois, para a formação da
honra privada do indivíduo.

Elementos do nome. “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
Em sua composição destacam-se o prenome (nome de batismo) e o sobrenome, também conhecido como
apelido familiar ou patronímico, e que se caracteriza por indicar a origem familiar, motivo pelo qual não pode ser
livremente escolhido, sendo adquirido com o nascimento e transmissível por sucessão. Os pais têm liberdade de
escolha apenas em relação ao prenome, não importando se simples ou composto. Importante é que não pode
expor a pessoa ao ridículo, ou seja, a liberdade de escolha não é ilimitada e arbitrária. Além dos elementos acima
destacados, podem-se também empregar outras partículas, como o agnome (“júnior”, “filho”, “neto”,
“sobrinho”...), que em geral apontam para o grau de parentesco ou de geração, permitindo a identificação dos
sujeitos que recebem o mesmo nome e pertencem à mesma família. Enquanto todo sujeito deve ser registrado
com prenome e sobrenome, o uso do agnome, assim como os axiônimos, não é obrigatório. Aqueles distinguem
parentes, e estes são colocados adiante do prenome, indicando uma forma de tratamento cortês (Senhor, Vossa
Excelência) ou ainda a existência de títulos de nobreza, títulos acadêmicos, eclesiásticos, ou qualificações de
dignidade oficial (ministro, desembargador, senador, prefeito). O pseudônimo, também conhecido como
codinome ou heterônimo, distingue-se dos elementos anteriores por ser escolhido pelo próprio indivíduo, que
abraça uma designação normalmente destinada a sua identificação em atividade de cunho artístico, literário,
jornalístico ou cultural. Di Cavalcanti (Emiliano de Albuquerque Melo) e Sílvio Santos (Senor Abravanel) são
exemplos de pseudônimos reconhecidos, cuja proteção está assegurada pelo art. 19 do CC/02, da mesma forma
que se dá ao nome.

Apelidos. Há ainda quem faça uso de apelidos na identificação da pessoa natural. Neste particular deve-se ter
cuidado com o sentido do termo, uma vez que se está diante de uma palavra polissêmica, que tanto pode ser
utilizada como sinônimo de sobrenome (=apelido familiar), como no sentido de cognome, isto é, algo que serve
de aposto permitindo o reconhecimento do indivíduo (alcunha, epíteto ou vulgo). Se com o passar do tempo tais
designações se tornarem públicas e notórias, podem substituir o próprio prenome ou serem incorporadas ao
nome existente, tornando-o composto, como nos exemplos de Luís Inácio {Lula) da Silva e Acelino (Popó) Freitas,
conforme disposto no art. 58 da LRP. Neste artigo da Lei de Registros Públicos reside o princípio da
imutabilidade relativa do nome civil

HIPÓTESES DE MUTABILIDADE DO NOME CIVIL. Embora o art. 58 da Lei de Registros Públicos determine que o
prenome será definitivo, a regra da imutabilidade do nome não é absoluta, existindo diversas hipóteses que
permitem alterações, dentre as quais, vale citar as mais comuns: (a) registro do nome expõe seu portador ao
ridículo (art. 55, LRP); (b) prenome registrado com erro gráfico evidente (art. 110, LRP); (c) alteração fundada na
coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime (parágrafo único, art. 58, LRP); (d)
substituição por apelidos públicos notórios (art. 58. LRP); (e) Adoção (art. 1.627, CC/02 e art. 47, § 5o ECA); (f)
casamento ou divórcio (art. 1-565, §§ Io e 2o).

Alteração pela via administrativa. Segundo disposto no art. 56 da Lei de Registros públicos, o interessado, no
primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador, alterar o nome, desde
que não prejudique os apelidos de família. Expirado esse prazo decadencial, não será mais possível qualquer
alteração pela via administrativa. Trata-se da única possibilidade de modificação imotivada do nome civil.

Alteração do nome na jurisprudência. A tradicional regra da imutabilidade do nome tem sido flexibilizada ao
longo do tempo pela jurisprudência, para além das exceções previstas na Lei.
Busca-se a funcionalização de tal regra através da constatação de que o que deve ser protegido é o nome através
34
Sobre a constitucionalização do direito civil vide subponto 3a.
17
do qual o indivíduo é reconhecido no meio em que vive (prenome de uso), ainda que não seja este o nome que
consta do seu registro, respeitados o devido processo legal (a alteração só pode ser procedida por sentença) e o
interesse de terceiros.

NOME SOCIAL. Regulamentação: Decreto 9.278/18, que regulamenta a Lei n. 7.116/83 para utilização do nome
social na carteira de identidade; Decreto 8.727/16 que dispõe sobre o uso na administração federal; Portaria
PGR/MPU nº 7/18 sobre o uso do nome social pelas pessoas transgênero usuárias dos serviços, pelos membros,
servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados, no âmbito do Ministério Público da União; Portaria Conjunta
TSE nº 1/18 que regulamenta a inclusão do nome social no cadastro eleitoral.

Conceito - é “a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida”. O
uso do nome social tem relação direta com os elementos da dignidade da pessoa humana da autonomia e do
reconhecimento.

STF. ADI 4275/DF, 01.03.18 (Info 892). O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a
expressão de gênero. A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e,
como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. A pessoa não deve provar o que
é, e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente
procedimental. Com base nessas assertivas, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em
ação direta de inconstitucionalidade para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da
Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/1973. Reconheceu aos transgêneros, independentemente da cirurgia de
transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à alteração de
prenome e gênero diretamente no registro civil.

3A. Capacidade Civil. Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A proteção dos interesses dos
incapazes e o papel do MP. Aspectos Materiais e processuais. Interdição, tutela e curatela.

Renan Lima

CAPACIDADE CIVIL: “É a medida da personalidade”. Divide-se em: i) capacidade de direito (de gozo ou capacidade
jurídica) e; ii) capacidade de fato (ou de exercício).

i) capacidade de direito ou de gozo: Dispõe o art. 1º do CC que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na
ordem civil”. Conclui-se, assim, que toda pessoa, sem distinção, possui capacidade de direito. Em outras palavras,
basta ser pessoa, isto é, ter personalidade, para possuir a capacidade jurídica.
Nos termos do art. 2º do CC, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
ii) capacidade de fato ou de exercício: É a aptidão para exercer, pessoalmente, os atos da vida civil. A capacidade
de fato é verificada quando a pessoa não apresenta nenhuma hipótese de incapacidade prevista no ordenamento
jurídico.
Quando a pessoa reúne a capacidade direito e a capacidade de fato, diz-se que ela possui “CAPACIDADE CIVIL
PLENA”. Em síntese: CAPACIDADE PLENA = CAPACIDADE DE DIREITO (GOZO) + CAPACIDADE DE FATO (EXERCÍCIO).

Atenção: não se deve confundir capacidade com legitimação. A capacidade é a medida da personalidade, ao
passo que a legitimação é a pertinência subjetiva para a prática de determinado ato jurídico. Algumas pessoas
possuem capacidade jurídica plena para os atos da vida civil, mas podem estar impedidas de praticar
determinados atos jurídicos em razão de sua posição em relação a certas pessoas, certos bens ou certos
interesses. Exemplos: dois irmãos, ainda que maiores e capazes, não têm legitimidade para casar entre si (art.
1521, inciso IV, do Código Civil). Ademais, o tutor não pode adquirir bens ou doar bens do tutelado (art. 1749 do
CC).

A capacidade como direito fundamental: Conforme Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto,
“hoje podemos falar não só do direito fundamental à personalidade, como podemos ir além: falar no direito
fundamental à capacidade civil. Capacidade civil tem a ver com autodeterminação, escolha dos próprios rumos,
18
decisões sobre aspectos existenciais e patrimoniais da própria vida. A capacidade civil sempre foi negada, em
maior ou menor grau, àqueles que se comportavam de modo diferente do modelo padrão”. Por isso, sustentam
os autores que o direito civil atual busca enxergar essas pessoas, outrora invisíveis em razão do rótulo da
incapacidade. Além disso, a preocupação do direito civil atual deixa de ser meramente com a questão da gestão
patrimonial e passa a ter como foco a mais ampla proteção da pessoa (concepção personalista do Direito Civil).
Não se busca, porém, de uma proteção que anula, mas uma proteção que decorre da dignidade humana (art. 1º,
inciso III, da CF) e que visa promover, dentro das possibilidades reais, a autonomia da pessoa.
Vale lembrar, a propósito, que de acordo com Daniel Sarmento, a dignidade humana pode ser decomposta em
quatro elementos básicos: i) valor intrínseco da pessoa; ii) autonomia; iii) mínimo existencial; e iv)
reconhecimento.

INCAPACIDADES: São circunstâncias previstas em lei que restringem a capacidade de fato (de exercício). É
relevante enfatizar que a capacidade de direito não sofre restrição, mas apenas a capacidade de fato. Dividem-se
em: a) incapacidade absoluta e; b) incapacidade relativa.
Incapacidade absoluta: Circunstância que, na concepção do legislador, retira completamente o discernimento
necessário para exercer, pessoalmente, os atos da vida civil, como celebrar um negócio jurídico. Deve ser uma
circunstância relevante, pois, uma vez verificada, a pessoa somente poderá exercer os atos da vida civil por meio
de representante (“O absolutamente incapaz deve ser representado”).
Atualmente, após a profunda mudança operada pela Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência), a única hipótese de incapacidade civil absoluta estabelecida no Código Civil é a menoridade, assim
prevista no art. 3º do CC:

“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os


menores de 16 (dezesseis) anos”.
Verifica-se, portanto, que o critério etário é o único utilizado hoje pelo legislador para definição da incapacidade
absoluta. Desse modo, de acordo com o Código Civil, somente os menores de 16 (dezesseis) anos, chamados de
menores impúberes, são considerados absolutamente incapazes.
A consequência da incapacidade absoluta é a nulidade do ato praticado. Em outras palavras, os atos praticados
por absolutamente incapazes são nulos, nos termos do art. 166, inciso I, do CC.

Obs: A previsão do art. 166, inciso I, do CC não pode ser interpretada de maneira extremamente rigorosa e
dissociada do contexto social vivenciado. Diariamente, crianças e adolescentes realizam pequenos negócios
jurídicos, que são os chamados atos socialmente típicos, como a compra de um refrigerante na lanchonete da
escola, o pagamento da passagem do transporte coletivo e a compra de um gibi. Uma exegese desproporcional
do referido dispositivo ocasionaria a nulidade de todos esses atos. Por essa razão, a doutrina defende a aplicação
da “Teoria do Ato-Fato”, pela qual esses pequenos negócios jurídicos, quando praticados por incapazes, são
considerados válidos, quando socialmente aceitos, realizados de boa-fé e desde que não haja prejuízo às partes.

Obs: Restitutio in integrum: Cuidado com essa expressão, pois é comum encontrar julgados dando a ela o sentido
de “reparação integral” de danos. No que se refere à capacidade, porém, ela tem definição específica. O chamado
benefício de restituição, segundo Clóvis Bevilaqua, consistia no benefício conferido aos menores ou incapazes em
geral para permitir a invalidação de um negócio jurídico e a restituição do valor pago, simplesmente em razão da
alegação de prejuízo. Em síntese, tal instituto conferia um direito ao incapaz de, a posteriori, alegar prejuízo para
invalidar o negócio validamente celebrado. Esse benefício não é mais admitido desde o CC/16.

Obs: O ausente não é mais tratado como absolutamente incapaz pelo CC/2002, como era pela codificação
anterior. Atualmente, a ausência gera um longo processo de gestão patrimonial, que passa pela abertura de
sucessão provisória e provoca a declaração de morte presumida, com a consequente sucessão definitiva, caso o
ausente não reapareça (arts. 22 a 39 CC/2002).

Incapacidade relativa: A incapacidade relativa ocorre quando, por circunstância legalmente prevista, presume-se
que o discernimento não se faz presente no grau necessário para a prática do ato. O relativamente incapaz deve
ser assistido, ou seja, deve praticar os atos da vida civil juntamente com seu assistente.

19
As hipóteses de incapacidade relativa estão previstas no art. 4º do Código Civil, modificado pela Lei Brasileira de
Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/2015):

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação


Lei nº 13.146, de 2015)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015).

Verifica-se que a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) promoveu
modificações profundas na Teoria das Incapacidades. Com efeito, o estatuto incorporou as ideias constantes na
Convenção de Nova York sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Cumpre relembrar que a referida
convenção, bem como seu protocolo facultativo, foram incorporados na ordem brasileira em conformidade com o
rito previsto no art. 5º, § 3º da CF/88 e, por isso, possuem status equivalente de EC.
A Convenção como princípios a igualdade plena das pessoas com deficiência e a sua inclusão com autonomia.
Por isso, a modificação mais significativa diz respeito ao atual inciso III do art. 4º do CC. Pela nova redação, as
pessoas que, por CAUSA TRANSITÓRIA OU PERMANENTE, não puderem exprimir sua vontade, são consideradas
RELATIVAMENTE INCAPAZES. O objetivo, segundo Flávio Tartuce, foi a plena inclusão das pessoas com algum tipo
de deficiência, tutelando a sua dignidade humana.

Obs: O pródigo não é um mero gastador. A prodigalidade consubstancia uma forma grave de transtorno
psicológico. Trata-se de uma compulsão. O pródigo padece de grave desvio comportamental, por gastar
imoderadamente o seu patrimônio (sua fazenda), podendo reduzir-se à completa miséria. O vício em jogo pode
levar à prodigalidade. A proteção jurídica do pródigo, embora antiga, encontra hoje inspiração na “teoria da
proteção jurídica do patrimônio mínimo” (ou estatuto jurídico do patrimônio mínimo), desenvolvida por Luiz
Edson Fachin. Segundo tal doutrina, o indivíduo deve, na perspectiva da dignidade da pessoa humana, ter um
patrimônio mínimo resguardado pelas normas civis, para que possa viver dignamente. A mesma teoria inspira
normas de proteção do bem de família ou daquelas que evitam a execução completa do patrimônio de uma
pessoa.

QUADRO COMPARATIVO – MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI Nº 13.146/2015.

Antes da Lei nº 13.146, de 2015 Após a Lei nº 13.146, de 2015


Art. 3º São absolutamente incapazes
de exercer pessoalmente os atos da
vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou Art. 3ª São absolutamente incapazes de
Absolutamente
deficiência mental, não tiverem o exercer pessoalmente os atos da vida civil
incapazes
necessário discernimento para a os menores de 16 (dezesseis) anos.
prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa
transitória, não puderem exprimir
sua vontade.
Relativamente Art. 4º São incapazes, relativamente Art. 4º São incapazes, relativamente a
incapazes a certos atos, ou à maneira de os certos atos ou à maneira de os exercer:
exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de
I - os maiores de dezesseis e dezoito anos;

20
menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados II - os ébrios habituais e os viciados em
em tóxicos, e os que, por deficiência tóxico;
mental, tenham o discernimento III - aqueles que, por causa transitória ou
reduzido; permanente, não puderem exprimir sua
III - os excepcionais, sem vontade;
desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.
IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação
índios será regulada por legislação especial.
especial.

QUADRO COMPARATIVO – INCAPACIDADE ABSOLUTA X RELATIVA

INCAPACIDADE ABSOLUTA INCAPACIDADE RELATIVA


NULO - não podendo ser suprida a
nulidade nem por vontade das
Negócio jurídico: ANULÁVEL - pode ser ratificado.
partes. Não é ratificada.
Art. 166, inciso I, do CC.
Subsidiária, nos termos do art. 928
do CC:

“Art. 928. O incapaz responde pelos Em regra subsidiária (art. 928 do CC).
prejuízos que causar, se as pessoas Poderá ser solidária se menor de 18 anos
por ele responsáveis não tiverem emancipado (En. n. 41 da I Jornada de
Responsabilidade
obrigação de fazê-lo ou não Direito Civil).
civil:
dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização
prevista neste artigo, que deverá ser
equitativa, não terá lugar se privar
do necessário o incapaz ou as
pessoas que dele dependem.
Não corre a prescrição contra o
absolutamente incapaz, conforme
198, inciso I, do CC.
Assim, apesar de o débito alimentar,
Prescrição: Incide a prescrição.
no que toca as prestações vencidas,
prescrever em 2 anos, para os
absolutamente incapazes não corre a
prescrição.
Por representação (substitui a Por assistência (auxilia a vontade do
Vontade:
vontade do representado). assistido, confirmando a validade do ato).

IMPACTOS DA LEI Nº 13.146/2015:


O art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em prol da inclusão, estabelece que a pessoa com deficiência
tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais
pessoas. Eventualmente, quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.
De acordo com Flávio Tartuce, “entre vários comandos que representam notável avanço para a proteção da
dignidade da pessoa com deficiência, a nova legislação altera e revoga alguns artigos do Código Civil (arts. 114 a
116), trazendo grandes mudanças estruturais e funcionais na antiga teoria das incapacidades, o que repercute
diretamente para institutos do Direito de Família, como o casamento, a interdição e a curatela.
Em suma, não existe mais, no sistema privado brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade.
Como consequência, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os

21
menores não são interditados. Todas as pessoas com deficiência, das quais tratava o comando anterior, passam
a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil, o que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua
dignidade. Merece destaque, para demonstrar tal afirmação, o art. 6º da Lei 13.146/2015, segundo o qual a
deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: a) casar-se e constituir união estável; b)
exercer direitos sexuais e reprodutivos; c) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a
informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; d) conservar sua fertilidade, sendo vedada a
esterilização compulsória; e) exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e f) exercer o
direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas.
Em suma, há uma expressa inclusão plena das pessoas com deficiência. Eventualmente, e em casos excepcionais,
tais pessoas podem ser tidas como relativamente incapazes em algum enquadramento do novo art. 4º do Código
Civil. Cite-se, a título de exemplo, a situação de um deficiente que seja viciado em tóxicos, podendo ser tido como
incapaz como qualquer outro sujeito.
A nova redação dessa norma passa a enunciar as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir vontade, o que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de
incapacidade absoluta. Agora a hipótese é de incapacidade relativa.
Verificadas as alterações, parece-nos que o sistema de incapacidades deixou de ter um modelo rígido, passando a
ser mais maleável, pensado a partir das circunstâncias do caso concreto e em prol da inclusão das pessoas com
deficiência, tutelando a sua dignidade e a sua interação social”.

MAIORIDADE E EMANCIPAÇÃO: Segundo Washington de Barros Monteiro, a maioridade é atingida no primeiro


instante do dia em que se completa os 18 anos. Sucede que, por meio da emancipação, é possível a antecipação
da capacidade civil plena.
Emancipação é o ato jurídico que antecipa os efeitos da maioridade e da consequente capacidade civil plena.
Com a emancipação o menor deixa de ser incapaz e passa a ser civilmente capaz. Todavia, ele não deixa de ser
menor, inclusive para efeitos penais.
Segundo o Enunciado 530, da VI Jornada de D. Civil, “a emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto
da Criança e do adolescente. Assim, um menor emancipado não pode tirar carteira de motorista, entrar em locais
proibidos para crianças ou ingerir bebidas alcoólicas. Tais restrições existem diante de consequências que surgem
do campo penal, e a emancipação envolve fins civis e privados”.
Em nosso sistema, existem três hipóteses ou espécies de emancipação: i) voluntária; ii) judicial; ou iii) legal.

Emancipação voluntária:
A emancipação voluntária está prevista no art. 5º, parágrafo único, inciso I, primeira parte, do Código Civil.
Trata-se da emancipação concedida por ato dos pais, ou por um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente da homologação do juiz, em caráter irrevogável, e desde que o adolescente tenha
pelo menos dezesseis anos completos. É a emancipação voluntária parental. A emancipação voluntária
consubstancia um direito potestativo dos pais. É recomendável, contudo, que o adolescente participe do ato,
tomando ciência do ato emancipatório.
Emancipação judicial:
A emancipação judicial está prevista no art. 5º, parágrafo único, inciso I, segunda parte, do Código Civil.
Trata-se daquela concedida por ato do juiz a adolescente sob tutela, ouvido o tutor, desde que o menor tenha
pelo menos dezesseis anos completos. Quem emancipa o adolescente tutelado não é o tutor, mas o juiz. Quem
faz o pedido é o adolescente, representado pelo tutor ou por um curador (nomeado pelo juiz), mas sempre
ouvido o tutor.
Emancipação legal:
As hipóteses de emancipação legal, como a própria expressão sugere, derivam diretamente da lei. São, em
síntese, fatos que a lei atribui o efeito de emancipar. Estão previstas no art. 5o, parágrafo único, incisos II a V, do
Código Civil:
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função

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deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Obs: À luz do Código Civil de 2002, a capacidade núbil no Brasil, isto é, a idade mínima para casar, é de 16 anos
tanto para o homem quanto para a mulher. Na atual disciplina legal da matéria, entre os 16 e os 18 anos é
necessária autorização dos representantes legais ou do juiz para o casamento. O que emancipa nesta hipótese
não é a autorização, mas o próprio casamento.
Ainda que o casal venha a se divorciar posteriormente, a emancipação decorrente do casamento permanece, pois
o ato do divórcio tem efeitos para o futuro. Logo, por projetar efeitos prospectivos, o divórcio não implica o
retorno à situação de incapacidade. Diferente, porém, é a hipótese de invalidação do casamento, em que a
sentença opera efeito retroativo, restituindo o estado anterior, salvo na hipótese de putatividade (Zeno Veloso,
Flávio Tartuce e Simão).
Há hipóteses especiais previstas no Código que autorizam o casamento abaixo da idade núbil (art. 1.520).

A PROTEÇÃO DOS INTERESSES DOS INCAPAZES E O PAPEL DO MP:


O Ministério Público atua na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e
individuais indisponíveis (art. 176 do CPC 2015). Dispôs o artigo 178 do novo CPC que o Ministério Público será
intimado para, no prazo de 30 dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou nos
casos em que envolvam interesse público ou social, interesse de incapaz e nos litígios coletivos pela posse de
terra rural ou urbana.
É dever institucional do MP atuar na proteção dos interesses dos capazes, sendo obrigatória sua intervenção nos
processos judiciais que discutam tais direitos/interesses. De acordo com o art. 698 do NCPC, o MP intervirá em
processos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação, bem
como nas ações de alimentos, quando houver interesse de incapaz, devendo ser ouvido previamente à
homologação de acordo.

INTERDIÇÃO, TUTELA E CURATELA:


Interdição:
Destaca o Prof. Fredie Didier que o CPC-2015 alterou profundamente o procedimento da interdição. Em razão
disso, promoveu expressamente a revogação de artigos do Código Civil. Sucede que a Lei n. 13.146/2015 alterou a
redação de artigos do Código Civil relacionados à interdição que o CPC-2015 havia revogado. Ou seja, a Lei de
Inclusão modificou artigos do CC que o novo CPC havia revogado. Nesse ponto, a desatenção legislativa é
evidente.
Quatro são os dispositivos afetados: arts. 1.768, 1.769, 1.771 e 1.772 do Código Civil; todos eles revogados pelo
CPC-2015 e alterados pela Lei n. 13.146/2015.
Interdição, segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, é o meio pelo qual se busca a declaração de que
determinado sujeito é parcial ou totalmente incapaz de praticar atos da vida civil, em virtude da perda de
discernimento para a condução de seus próprios interesses.
Segundo o art. 1767 do CC, podem ser interditados aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; aqueles que por outra causa duradoura não
puderem exprimir a sua vontade, os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos, os
excepcionais sem completo desenvolvimento mental, os pródigos. O art. 1779 do CC também permite a
interdição do nascituro se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
O processo de interdição se desenvolve por meio de um procedimento de natureza constitutiva, considerando-se
que a decretação da interdição, além de declarar a incapacidade do interditando, cria uma nova situação jurídica.
A competência para esse processo é o do foro do local do domicílio do interditando (art. 46 do NCPC). Sendo o
interditando criança ou adolescente, aplica-se o art. 147 do ECA, sendo competente o foro do domicílio dos pais
ou responsável ou, na ausência destes, o foro onde se encontre a criança ou o adolescente.

Tutela: é conceituada como uma série de poderes e encargos que a Lei impõe a um terceiro, para que cuide,
proteja, tenha responsabilidade e ainda, administre os bens do menor que perdeu os pais, seja pela morte ou
pela decretação de ausência, bem como nos casos da decadência do poder familiar, como dispõe claramente o
dispositivo 1.728 do Código Civil de 2002.
Requisitos da Tutela: Diante do exposto pelo art. 1.728 do CC, os requisitos para o exercício da tutela são que os

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pais tenham falecido ou ainda, quando julgados como ausentes ou também no caso de os pais perderem o poder
familiar.
Também no caso de abandono dos pais ou de um deles, ou quando se encontrarem em local incerto e não sabido,
o art. 1.638, II, CC preceitua a perda do poder familiar, sendo cabível o instituto da tutela, conforme aduz o art.
1.728, II do Código Civil de 2002.
“Art. 1.741. Incumbe ao tutor, sob a inspeção do juiz, administrar os bens do tutelado, em proveito deste,
cumprindo seus deveres com zelo e boa-fé.”
“Art. 1.755. Os tutores, embora o contrário tivessem disposto os pais dos tutelados, são obrigados a prestar
contas da sua administração.”
Espécies de tutela previstas no CC:
a) Testamentária: a nomeação à tutela pode ser decidida pelos pais, em testamento.
Art. 1729, § Único: A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento.
É permitido a qualquer dos pais nomearem tutor por meio de testamento. Importante frisar, todavia, que o
ordenamento jurídico veda a possibilidade do testamento conjunto, ou seja, aquele realizado por duas pessoas ou
mais, devendo, então, a nomeação dos tutores, se por ambos os pais, ser realizada em testamentos diversos.
A incoerência deste ato conjunto se dá pelo testamento ser ato formal personalíssimo, unilateral e gratuito,
tornando-se manifesta a impossibilidade deste, consoante determinação expressa pelo art. 1.863 (CC/02).
O art. 1.735, III, possibilita aos pais, ao invés de nomear um tutor para os cuidados do filho, a exclusão expressa
do mesmo, por alguma razão que seja plausível, para o exercício da tutela. Todavia, mesmo que haja a indicação
pelos pais do pupilo, a aceitação para o exercício da tutela dependerá de anuência judicial (CPC 1.187).
b) Legítima: Quando não for realizada a nomeação da tutoria pelos pais, serão convocados os parentes
consanguíneos da pessoa menor.
Art. 1731: Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, por esta
ordem:
I) aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;
II) aos colaterais até terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais
velhos aos mais moços(...)
Contudo, ocorre que o juiz não é obrigado a declinar a tutoria ao familiar mais próximo na linha consanguínea, e
sim de acordo com o melhor interesse da criança, ou seja, será designado o tutor efetivamente do pupilo em
desamparo, quando da existência de vínculo afetivo daquele para com este, como já mencionado anteriormente.
c) Dativa: É uma espécie de tutela que deriva de sentença proferida judicialmente, consagrada a uma pessoa
estranha, quando da não existência de tutor nomeado em testamento pelo pai ou mãe do pupilo, quando não
haja também, familiar em linha consanguínea próxima, ou ainda, quando excluídos ou escusados do exercício do
poder da tutela.
Para a condição de tutela dativa, o tutor nomeado deverá ser pessoa idônea e residir no mesmo domicílio do
pupilo.
Da Incapacidade do Exercício de Tutela: O art. 1.735 do Código Civil de 2002 elencou pessoas dais quais não tem
capacidade para o exercício da tutela. Poderá ser exonerado do cargo de tutor, caso exerça alguns dos
impedimentos previstos no referido dispositivo.
Prestação de contas: ao final do exercício tutelar, deverá o tutor prestar contas da administração dos bens do
pupilo ao magistrado. A lei nega ao tutor legitimidade para praticar atos que colidam com os interesses do pupilo.
A prestação de contas é um dever que se impõe a todos os que gerem bens alheios, não podendo ser liberado de
tal prestação.
A prestação será feita em juízo, com a participação do Ministério Público, contendo a descrição do ativo e a
justificação do passivo, dispensando-se a apresentação de documentos atinentes a despesas de pouca monta. A
lei exige a apresentação de balanços anuais para controle do juiz. Contudo, a prestação de contas em juízo só se
dá de dois em dois anos, quando tutor deixar de exercer a tutela, ou quando o juiz requerer.
Dispõe o art. 1.749 que ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade:
I - adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes
ao menor; II - dispor dos bens do menor a título gratuito; III - constituir-se cessionário de crédito ou de direito,
contra o menor.
A anulação poderá ser realizada nas alienações quando o menor entre dezesseis e dezoito anos, ausente a
anuência, ou a assistência de tutor, e ao livre-arbítrio de autorização judicial. Cabem ainda as seguintes ações: a

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ação de prestação de contas, quando omitir-se a tanto o tutor; a ação de cobrança judicial, quando reconhecidos
créditos a seu favor na prestação de contas feita pelo tutor; e a ação de indenização, nos casos previstos no art.
1753, “caput” e art. 1753, § 3º do CC.
Tanto o Ministério Público quanto o tutelado possuem legitimidade para a alegação das nulidades. O menor pode
fazer através de seu comparecimento espontâneo ao Juiz ou através de seu procurador. Poderá ainda, ser feita
pelos pais, mesmo que os mesmos não exerçam poder familiar, ou, até mesmo, por parentes ou qualquer
interessado que tenham alguma relação com o tutelado, seja de guarda ou poder familiar.
Cessação da tutela: Como a tutela é um instituto de caráter assistencial e protetivo, só se justifica enquanto o
tutelado precisar de proteção. Assim, a tutela extingue-se com a maioridade ou emancipação. Dispõe o art. 1.764
que cessa a condição de tutelado: I - ao expirar o termo, em que era obrigado a servir; II - ao sobrevir escusa
legítima; III - ao ser removido.
Igualmente, será o tutor dispensado de sua função se expirado o prazo em que era obrigado a servir, de dois anos
no mínimo; se sobrevier escusa legítima e ao ser removido, por negligente, prevaricador ou por ter se tornado
incapaz.
O tutor é obrigado a permanecer nessa função por dois anos, no mínimo, prazo que poderá ser prorrogado. Se
exercido o prazo estabelecido e não solicitada a exoneração, o tutor é automaticamente reconduzido.

Curatela: é um encargo exercido por alguma pessoa com a finalidade de proteger e administrar a vida e os bens
de outrem que não se encontra em condições físicas ou mentais de cuidar de seus próprios interesses. Sua
natureza é essencialmente assistencial, como no caso da tutela. Para seu estabelecimento é necessário um
procedimento judicial.
Assim, a curatela visa proteger as pessoas incapazes, arroladas no artigo 1.767 do Código Civil, como os enfermos
ou deficientes mentais; os que não puderem exprimir sua vontade; os deficientes mentais, os ébrios habituais e
os viciados em tóxicos; os excepcionais sem completo desenvolvimento metal e, por fim, os pródigos.
Importante ressaltar, que esse instituto tem finalidade protetiva, mas, além disso, também tem finalidade
assistencial. Por este motivo, a curatela assemelha-se à tutela. Ambas têm a mesma natureza e fins idênticos,
tanto que aplica-se à curatela as regras da tutela, respeitadas as peculiaridades individuais contempladas no
artigo 1.774 do Código Civil.
Observar que os poderes do curador são mais restritos do que os do tutor.
Com relação ao casamento, cabe ao curador representar o curatelado, competindo-lhe dar autorização para o
casamento. No entanto, somente os pródigos e os sujeitos à curatela relativa podem casar, segundo Maria
Berenice Dias.
Para o casamento, é necessário o pleno discernimento para os atos da vida civil, sendo nulo (CC 1.548) ou
anulável (CC 1.550 IV) o casamento contraído por alguém incapaz para manifestar de modo inequívoco o
consentimento. Mesmo nulo o casamento, mister reconhecer ou o casamento como putativo ou, ao menos, a
existência de união estável.
Reza o art. 1768 do CC que o processo de curatela pode ser promovido: I - Pelos pais ou tutores; II- Pelo cônjuge,
ou por qualquer parente; III - Pelo Ministério Público; IV - Pela própria pessoa.
Importante mencionar que o art. 1768, consta como revogado pelo art. 1072, inc. II do NCPC, Lei n. 13.105/2015,
passando a vigorar a partir de 1 ano da data de sua publicação oficial (art. 1045). Dessa forma, essa alteração
permanecerá em vigor por pouco tempo. Essa matéria será tratada pelo NCPC nos arts. 747 a 758.
O Ministério Público segundo o art. 1769 somente promoverá o processo que define os termos da curatela:
I – Nos casos de deficiência mental ou intelectual;
II – Se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo
antecedente;
III – Se, existindo, forem menores ou incapazes as pessoas mencionadas no inciso II.
O Ministério Público terá legitimidade ativa nos casos de deficiência mental ou intelectual e nos demais casos que
constam dos incisos do art. 1769. Esse artigo foi alterado pelo Estatuto da Pessoa com deficiência.
Quando a ação é movida pelo Ministério Público, é necessária a nomeação de um representante ao interditando.
A presença do Ministério Público é sempre indispensável por se tratar de ação de estado. Se a ação for proposta
pelos outros legitimados, o agente ministerial atua como defensor do interditando.
Na situação do incapaz estar em entidade assistencial, seus dirigentes não têm legitimidade para ingressar com
ação de interdição, mas é possível que alguém ligado ao estabelecimento seja nomeado seu curador, pois o

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encargo da curatela pode ser exercido por quem não detenha vínculo de parentesco com o curatelado.
Necessário mencionar que o art. 1769, consta como revogado pelo art. 1072, inc. II do NCPC (Lei n. 13.105/2015),
passando a vigorar a partir de 1 ano da data de sua publicação oficial (art. 1045). Em consequência, a matéria
tratada pelo NCPC no art. 748, dispondo que o Ministério Público só promoverá interdição no caso de doença
mental grave: a) se as pessoas designadas nos incisos I, II e III do art. 747 não existirem ou não promoverem a
interdição e b) se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas nos incisos I e II do art. 747.
Não sendo autor do processo de interdição o MP participará do processo como fiscal da ordem jurídica, nos
termo do art. 752, § 1º do NCPC. Trata-se de intervenção obrigatória, sendo somente dispensada tal participação
quando o Ministério Público for o autor da ação.
Segundo o novo diploma legal, a curatela passa a ser uma medida extraordinária, restrita a atos relacionados aos
direitos de natureza patrimonial e legal (art. 85-A).
Dispõe o § 1º do referido artigo que a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade,
ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
O § 3º prevê que no caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar
preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.
Note-se que a lei não diz que se trata de uma medida “especial”, mas sim “extraordinária, o que reforça a sua
excepcionalidade”. A curatela é uma medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às
circunstâncias de cada caso e deve durar o menor tempo possível.
Merece destaque a previsão de “curatela compartilhada” constante do art. 1775-A do CC, alterado pelo novo
diploma estatutário: “na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela
compartilhada a mais de uma pessoa”.
Ao comentar o instituto a Nota Técnica n. 01/2016 da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, informa
que o instituto da curatela ainda subsiste, mas sofreu alterações que não podem ser ignoradas e deve ser
utilizado apenas em casos extremos e de forma restrita. Como alternativa, foi criado o instituto da Tomada de
Decisão Apoiada que precisa ser mais difundido, ter a sua adoção incentivada, e deve, necessariamente, ser
aprimorado ante a dificuldade de sua implementação, atualmente exclusiva por meio judicial, mas se trata de
medida de apoio não invasiva quanto ao reconhecimento da capacidade civil.
A Lei Brasileira de inclusão deve ser aplicada em sua integralidade, garantindo-se inclusive a revisão de processos
de interdição anteriores à sua vigência e adotando-se medidas para aprimorar e ampliar a utilização do instituto
da Tomada de Decisão Apoiada.

TOMADA DE DECISÃO APOIADA:


De acordo com Nelson Rosenvald: o art. 116 da Lei n. 13.146/15 cria um tertium genus em matéria de modelos
protetivos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Além dos tradicionais institutos da tutela e curatela surge a
Tomada de Decisão Apoiada (art. 1.783-A, com 11 parágrafos).
Esse instituto concretiza o art. 12.3 do Decreto n. 6.949/09 (Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência), que assim dispõe: “Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o
acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal”.
Tutela e curatela são instituições protetivas da pessoa e dos bens dos que detêm limitada capacidade de agir –
seja pela idade ou pela submissão a prévio processo de incapacitação –, evitando os riscos que essa carência
possa impor ao exercício das situações jurídicas por parte de indivíduos juridicamente vulneráveis. Contudo, por
mais que o legislador paulatinamente procure reformar esses tradicionais mecanismos de substituição – de forma
a adequá-los ao modelo personalista do direito civil constitucional –, pela própria estrutura, tutela e curatela são
medidas prioritariamente funcionalizadas ao campo estritamente patrimonial.
A tomada de decisão apoiada é um modelo jurídico que se aparta dos institutos protetivos clássicos na estrutura
e na função. Dispõe o art. 1.783-A: “A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência
elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para
prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações
necessários para que possa exercer sua capacidade”.
Na tomada de decisão apoiada, o beneficiário conservará a capacidade de fato. Mesmo nos específicos atos em
que seja coadjuvado pelos apoiadores, a pessoa com deficiência não sofrerá restrição em seu estado de plena
capacidade, apenas será privada de legitimidade para praticar episódicos atos da vida civil. Assim, esse modelo
poderá beneficiar pessoas deficientes com capacidade psíquica plena, porém com impossibilidade física ou

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sensorial (v.g. tetraplégicos, obesos mórbidos, cegos, sequelados de AVC e portadores de outras enfermidades
que as privem da deambulação para a prática de negócios e atos jurídicos de cunho econômico).
Desde janeiro de 2016 houve uma gradação tripartite de intervenção na autonomia do indívudo: a) pessoas sem
deficiência terão capacidade plena; b) pessoas com deficiência se servirão da tomada de decisão apoiada, a fim
de que exerçam a sua capacidade de exercício em condição de igualdade com os demais; c) pessoas com
deficiência qualificada pela curatela em razão da impossibilidade de autogoverno serão interditadas.
A tomada de decisão apoiada não surge em substituição à curatela, mas lateralmente a ela, em caráter
concorrente, jamais cumulativo. Em razão dessa forçosa convivência, paulatinamente a doutrina terá que
desenvolver critérios objetivos para apartar a sutil delimitação entre o âmbito de aplicação de cada uma dessas
medidas. Desde já é possível cogitar das zonas cinzentas em que concorrem todos os pressupostos legais para a
incapacitação judicial, porém, antes que se inicie o processo de curatela, o vulnerável delibera por requerer a
tomada de decisão apoiada. Em quais hipóteses a tomada de decisão apoiada será mais adequada? Deve-se
recordar que a tomada de decisão apoiada visa garantir a autonomia e a dignidade da pessoa. Portanto, a
curatela ficará cada vez mais reservada aos casos graves, em que não haja possibilidade fática de concessão da
tomada de decisão apoiada.
A participação do Ministério Público, na qualidade de fiscal da ordem jurídica (art. 179, CPC/15) também será
decisiva se houver conflito de interesses entre o beneficiário e os apoiadores. Como se extrai do § 6º , do art.
1.783-A, “Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de
opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a
questão”. Na vertente da boa-fé objetiva, os apoiadores exercerão os deveres de proteção, cooperação e
informação perante a pessoa com deficiência e, em caso de dissenso, advertirão o magistrado sobre o conflito de
interesses. Atos danosos ao interesse do beneficiário poderão motivar a
incidência do § 7º , do art. 1783-A: “Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir
as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público
ou ao juiz”. Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de
seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio (§ 8º, art. 1783-A).
Acresça-se a isso, a possibilidade de invalidação de todos os atos praticados em conflito de interesses, seja por
iniciativa do Ministério Público, do próprio beneficiário, ou mesmo de seus sucessores.

Obs: Ler o art. 1.783-A do CC e a Lei Brasileira de Inclusão.

Jurisprudência relacionada ao assunto:


- São constitucionais o art. 28, § 1º e o art. 30 da Lei 13.146/2015, que determinam que as escolas privadas
ofereçam atendimento educacional adequado e inclusivo às pessoas com deficiência sem que possam cobrar
valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas para cumprimento dessa
obrigação. STF. Plenário. ADI 5357 MC- Referendo/DF, Rel. Min. Edson Fachin, (INFORMATIVO 829-STF do Dizer o
Direito).

- SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. INCLUSÃO DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA COMO BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA FARMÁCIA POPULAR DO BRASIL COM A DISPONIBILIZAÇÃO
DE FRALDAS. GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SAÚDE PLENA. DIREITO
FUNDAMENTAL (Informativo de Teses Jurídicas do MPF n. 36, de 09/06/2016 – TESE 285).

OBS 1: Recomenda-se a leitura da Lei n. 134.146/2015, pois no resumo foram destacados apenas os pontos mais
importantes tratados pela doutrina.
OBS 2: Não foram encontradas questões acerca dessa tema nas provas anteriores do MPF.

15A. Domicílio da Pessoa Natural e Sede da Pessoa Jurídica. Eleição de Foro nos Contratos.

Anderson Rocha Paiva

Conceito: domicílio a sede jurídica da pessoa, onde se presume deva ser ela encontrada para os efeitos do direito.

Domicílio da pessoa natural


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O domicilio da pessoa natural é o lugar onde ela se estabelece com ânimo definitivo (art. 70, CC). Dois elementos:
a) objetivo: ato de fixação em determinado local; b) subjetivo: o ânimo definitivo de permanência.
Domicílio para fins profissionais (art. 72, CC): relações concernentes à profissão = lugar onde esta é exercida.
Pluralidade de domicílios (art. 71, CC). Estabelecimento de várias residências onde alternativamente se viva:
Domicílio = qualquer dos lugares.
Domicílio aparente ou ocasional: lugar onde a pessoa se encontra, quando não se constatem no caso os
elementos do domicílio (art. 33, CC)
Transferência de domicílio (art. 74, CC): o lugar do domicílio muda quando se alteram seus elementos = mudança
de residência + clara manifestação do ânimo de mudar

Domicílio da pessoa jurídica:


1. De direito privado. O domicílio da pessoa jurídica de direito privado é o lugar da sua sede, ou seja, o
estabelecimento onde ela responde por suas obrigações, indicado no seu estatuto, contrato social ou ato
constitutivo equivalente (art. 75, §4º, CC). Não obstante, cada estabelecimento tem por domicílio o lugar onde
está fixado, relativamente aos atos ali praticados (art. 75, §1º, CC).
2. De Direito público (art. 75, I, II e III, CC): União = DF; Estados = respectiva capital; Município: lugar onde
funcione a administração municipal; DF = lugar onde funcione a administração distrital, vedada a divisão do DF se
revista de inegável relevância na definição da competência no processo civil, em matéria de domicílio de pessoas
jurídicas de direito pública há certo afastamento entre os dois conceitos, vez que não raras vezes a pessoa jurídica
de direito público pode ser demandada em local estranho ao que o CC indica como domicílio do ente:

Espécies de domicílio:
1) Voluntário: é o convencional, definido a partir da vontade do sujeito para valer para seu negócios em geral;
2) Legal ou necessário: é o domicílio imposto pela lei, tendo em conta a condição especial de certas pessoas. CC.
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. O incapaz tem por
domicílo o do representante ou assistente; o servidor, o lugar onde exerce permanentemente suas atividades
(assunção em cargo ou função transitoriamente e demissível ad nutum não altera o domicílio originário); o
domicílio do militar é onde serve e, sendo Marinha ou Aeronáutica, o local do comando a que esteja subordinado.
O marítimo, que é o que emprega a vida em viagens marítimas, tem seu domicílio no lugar onde esteja registrado
o navio. Preso = domicílio onde cumpre pena. Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro,
alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito
Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.
3) De eleição ou foro de eleição: é o lugar indicado para que seja aquele onde devam ser dirimidas questões
especificamente a respeito de determinado negócio jurídico. Decorre do acordo entre as partes de um contrato.
CC. Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram
os direitos e obrigações deles resultantes.
Cumpre lembrar que, no que tange ao domicílio de eleição ou foro de eleição (designação mais afeta ao direito
processual), a eleição de um lugar onde se exercitem direitos e obrigações do contrato tem o efeito de determinar
a competência relativa em razão do territorial: CPC. Art. 63.  As partes podem modificar a competência em razão
do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.§ 1 o A eleição de
foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio
jurídico.§ 2o O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

8A. Direito à liberdade de expressão e direitos da personalidade. Direito à privacidade e à intimidade. Direito à
imagem. Direito ao esquecimento. O discurso de ódio (hate speech).

Camila Lauton

A Liberdade de expressão consiste no direito de manifestar, sob qualquer forma, ideias e informações de
qualquer natureza. Abrange a produção intelectual, artística, cientifica e de comunicação. Encontra-se no rol dos
direitos fundamentais do artigo 5º da CF/88 (incisos IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem; e IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença). O STF já assentou que a liberdade de expressão
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engloba a livre manifestação do pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica. Diante da
existência de diversos dispositivos assegurando a liberdade de expressão, pode-se dizer que a Carta de 88
conferiu uma espécie de “prioridade” para essa garantia. Assim, embora não haja hierarquia entre direitos
fundamentais, a liberdade de expressão possui uma posição preferencial (preferred position) em relação aos
demais direitos. Isso significa que o afastamento da liberdade de expressão é excepcional, e o ônus argumentativo
é de quem sustenta o direito oposto. O Min. Roberto Barroso cita 5 motivos principais pelos quais a liberdade de
expressão ocupa um lugar privilegiado tanto no ordenamento jurídico interno como nos documentos
internacionais. São eles: (a) a liberdade de expressão desempenha uma função essencial para a democracia, ao
assegurar um livre fluxo de informações e a formação de um debate público robusto e irrestrito, condições
essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o autogoverno democrático; (b) a proteção da
liberdade de expressão está relacionada com a própria dignidade humana, ao permitir que indivíduos possam
exprimir de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de mundo, bem como terem acesso às dos demais
indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial; (c)
este direito está diretamente ligado à busca da verdade. Isso porque as ideias só possam ser consideradas ruins
ou incorretas após o confronto com outras ideias; (d) a liberdade de expressão possui uma função instrumental
indispensável ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de participar do debate público, o de reunir-se, de
associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; (e) a liberdade de expressão é garantia essencial para
a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de condição para a criação e o avanço do
conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação.
Duplo aspecto da liberdade de expressão. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto:
positivo e negativo. O positivo é a livre possibilidade de manifestação de qualquer pessoa e permite a
responsabilização nos termos constitucionais. É a liberdade com responsabilidade. O negativo proíbe a ilegítima
intervenção do Estado por meio de censura prévia. As duas facetas da liberdade de expressão englobam o direito
de se expressar e o direito dos demais receberem a manifestação do pensamento de outrem. O artigo XIX da
DUDH diz que a liberdade de expressão e opinião inclui o direito de, sem interferência, ter opiniões e de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Censura consiste no ato estatal de direcionamento ou vedação da expressão de determinadas ideias. A vedação a
censura abrange tanto atos estatais quanto de particulares. Eventuais danos causados pela liberdade de
expressão devem ser solucionados mediante arbitramento de indenização. A vedação a censura vem corroborar a
livre circulação de ideias que fortalece a democracia. Deve ter cuidado com a censura indireta que é forma sutil
de censura consistente no uso desproporcional de sanções cíveis e penais na defesa do direito à honra
supostamente atingido, bem como na inércia no combate a ataques jornalistas ou a meios de comunicação, com
o fim de desestimular a liberdade de expressão. As principais consequências da censura indireta são o efeito
inibidor e a autocensura. Caso da Corte IDH envolvendo censura: Tristán Donoso vs Panamá, 2009.
Ofensa ao princípio democrático. A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a
liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus
poderes para silenciar e punir seus críticos. Numa democracia representativa, a liberdade de expressão e a
participação política se fortalecem em ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das
diversas opiniões sobre todos os assuntos e governantes, que nem sempre — tratando da liberdade de expressão
e da liberdade de imprensa — serão “estadistas iluminados”. É necessário o exercício da política de desconfiança
na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática para o livre exercício dos direitos de
sufrágio e oposição. Além disso, não existe fiscalização sem informação. Todas as opiniões são possíveis em
discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita,
robusta e aberta”. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as
opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também as duvidosas, exageradas,
condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como aquelas não compartilhadas pelas maiorias. Não cabe ao Poder
Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de
divulgação de notícias ou no controle do juízo de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação
de programas humorísticos a que tenham acesso os indivíduos.
Casos envolvendo liberdade de expressão no STF. Marcha da Maconha, Biografias, Humor nas eleições, caso do
diretor que mostrou as nádegas ao público, etc.

Os direitos da personalidade são os direitos inerentes à pessoa humana e a sua dignidade. Essa é a chamada

29
corrente jusnaturalista dos direitos da personalidade (direitos inatos, isto é, direitos originários, inerentes à
pessoa humana). Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são
expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da
dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se
aplicar a técnica da ponderação. Os direitos da personalidade, em regra, são indisponíveis. Há, na verdade, uma
indisponibilidade relativa. Os direitos da personalidade são indisponíveis e irrenunciáveis. Contudo, existe uma
fatia dos direitos da personalidade que revelam aspectos patrimoniais e são disponíveis e renunciáveis, como, por
exemplo, os direitos morais do autor. Os direitos da personalidade costumam ser divididos pela doutrina civilista
em dois grandes grupos: (a) direitos à integridade física, que englobam o direito à vida, o direito ao próprio corpo
e o direito ao cadáver; (b) direitos à integridade moral, rubrica sob a qual se abrigam, entre outros, os já
mencionados direitos à honra, à imagem, à privacidade e o direito moral do autor.

Direito à privacidade e à intimidade. O direito à privacidade consiste na faculdade de se optar por estar só e não
ser perturbado em sua vida particular, formando uma esfera de autonomia e exclusão dos demais e evitando que,
sem o consentimento do titular ou por um interesse público, nela se intrometam terceiros. O direito à privacidade
engloba o direito a intimidade. A intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato intimo de uma pessoa,
enquanto que a privacidade é mais ampla. A proteção da privacidade pode ser compreendida por meio da teoria
dos círculos concêntricos: a vida privada em sentido estrito, o círculo da intimidade e o círculo do segredo. A
teoria parte do pressuposto de que a proteção da intimidade depende da conduta do próprio titular, que, a partir
das escolhas pessoais, decide o que vai partilhar ou não com o público. O artigo 21 do CC, em consonância com o
comando constitucional (art. 5º, X, da CF/88) dispõe que a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a
esta norma. O direito á privacidade, no entanto, convive com o direito à informação e com a liberdade de
imprensa.

Direito à honra e à imagem. O direito à privacidade desdobra-se no direito à honra e à imagem. O direito à honra
consiste na preservação da reputação de determinada pessoa perante a sociedade (honra objetiva) ou da
dignidade e autoestima de cada um (honra subjetiva). Note-se que a pessoa jurídica possui apenas honra
objetiva. O direito à imagem consiste na faculdade de controlar a exposição da própria imagem para terceiros. O
STF tratou do direito à imagem ao analisar a exposição de pessoas algemas, decidindo que constituiria uma
“Infâmia social”.
Caso Lebach na Alemanha. O caso tratou da proibição da edição de documentário por empresa de televisão
alemã sobre uma chacina ocorrida em Lebach na iminência da soltura de um dos criminosos. O Tribunal
Constitucional Alemão decidiu que a exibição do documentário anos depois do ocorrido seria inadmissível face a
ameaça à sua reintegração à sociedade, devendo ser protegida a imagem e intimidade.
O direito ao esquecimento surge como desdobramento do direito à privacidade. Consiste na faculdade de se
exigir a não publicização de fato relacionado ao titular, cujo interesse público se perdeu com a passagem do
tempo. O direito ao esquecimento possui duas facetas: a de não permitir a divulgação e a de buscar a eliminação
do fato registrado. O STJ reconheceu o direito ao esquecimento no caso Chacina da Candelária. O direito ao
esquecimento não é passível de invocação diante de fatos históricos ou domínio público, cuja importância faz
prevalecer o direito a memória. Tem enunciado Jornada de Direito Civil que diz que a tutela da dignidade da
pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. O direito ao esquecimento tem sua
origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à
ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas
assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a
finalidade com que são lembrados. O direito ao esquecimento não pode gerar censura, por isso deve haver
ponderação.

O discurso de ódio consiste na manifestação de valores discriminatórios que ferem a igualdade, ou de


incitamento a discriminação, violência ou a outros atos de violação de direitos de outrem. Citar o Caso Ellwanger
do STF, em que se debateu os limites da liberdade de expressão e o seu alcance no caso de obras antissemitas.
STF decidiu que a liberdade de expressão não abarca o direito à incitação ao racismo. No Brasil, adota-se uma
visão da liberdade de expressão com limites explícitos (vedação ao anonimato, direito de resposta, indenização) e

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implícitos (ponderação com os demais direitos). A liberdade de expressão não é um fim em si mesmo, mas sim
um instrumento que possibilita o exercício e fortalecimento de diversos outros direitos.

13A. Bioética e biodireito. Começo e fim da personalidade. Nascituro. Evolução dos direitos do nascituro. Doação
de órgãos e tecidos.

Aureo Bezerra Neto 15/09/2018

ORIGEM
O progresso científico e tecnológico mostrou que os paradigmas atuais interrompem a resolução dos problemas
sociais, sendo necessário repensar o próprio modo de entender a sociedade. Diante da necessidade de novos campos
do saber, surgiu a bioética e o biodireito.
BIOÉTICA
A bioética é o ramo da ética filosófica, que busca a humanização da medicina e seu desenvolvimento científico.
Assim, através dos seus princípios próprios, questiona e problematiza os avanços da ciência frente às questões sociais
que envolvem a vida e, com isso, aproxima as técnicas biotecnológicas da humanidade, visando à proteção da
biodiversidade, em particular, o homem e a sua descendência.
Em relação aos princípios retro mencionados:
I) Autonomia - Exige-se que sejam assegurados nas pesquisas o consentimento livre e esclarecido dos
indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes;
II) Beneficência - A ponderação entre riscos e benefícios, sejam atuais ou potenciais, individuais ou coletivos,
comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
III) Justiça - A relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos e minimização do ônus
para os sujeitos vulneráveis, garantindo a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua
destinação sócio-humanitária;
IV) Não maleficência - A garantia de que danos previsíveis serão evitados.
Como a Bioética se insere no ramo filosófico, não possui força coercitiva para regular os avanços relativos a
biomedicina, recorrendo ao Direito para garantir a proteção do ser humano com dignidade diante dos conflitos jurídicos
que surgiram com tal avanço, com a finalidade precípua de proteger a vida, sem desacelerar o progresso da ciência.
À título de exemplo, podemos citar a reprodução humana medicamente assistida, auxiliando pessoas com
dificuldades de reprodução; a clonagem terapêutica, que emprega a criação e a utilização de embriões especificamente
para pesquisa, cujo escopo é desvendar a cura de doenças e, futuramente, gerar órgãos para reposição; o
transexualismo, que visa adequar o sexo físico ao psíquico, a fim de amenizar o sofrimento psicológico e a dignidade do
transexual.
No final do século XX, há quem defenda que o nascimento da quarta geração de direitos humanos, como Paulo
Bonavides, resultante da globalização dos direitos humanos, correspondendo aos direitos de participação democrática
(democracia direta), direito ao pluralismo, bioética e limites à manipulação genética, fundada na defesa da dignidade
da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado. Por outro lado, há autores que
consideram à bioética direito fundamental de sexta dimensão.

BIODIREITO
O biodireito é um novo campo de atuação jurídica, que surgiu em razão da necessidade de respostas às
questões bioéticas postas pelas Ciências da vida e seus respectivos avanços, estabelecendo um liame entre o Direito e a
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Bioética, garantindo a vida e a dignidade da pessoa humana. Assim, cabe à Constituição Federal apontar os limites da
manipulação da vida, determinando os valores e os direitos fundamentais que que devem ser preservados.
É uma matéria multidisciplinar, relacionando-se, além da bioética, com o direito civil (v.g. direitos da
personalidade; a reprodução humana assistida e suas repercussões no âmbito do direito de família), direito ambiental
(v.g. a disciplina Organismos Geneticamente Modificados - OGM), direito penal (v.g. aborto eugênico; eutanásia; a
liberação ilegal de organismos geneticamente modificados é crime previsto no art. 27 da Lei de Biossegurança - Lei
11.105/2005) e o direito constitucional, especialmente no artigo 5º, inciso IX, que proclama a liberdade da atividade
científica como um dos direitos fundamentais. No âmbito do direito internacional, foi criada a Carta de Direitos
Fundamentais da Europa, do ano 2000, cujo art. 3.º assegura o direito à integridade física e mental do ser humano.
Em relação ao direito civil, objeto do presente estudo, não há disciplina expressa sobre bioética e o biodireito.
Apesar das disposições dos artigos 13 e 14, não há tratamento detalhado sobre os temas, apenas consta na exposição
dos motivos a diretriz para transferir para a legislação especial as questões que ainda estiverem em processo de estudo,
ou que por sua natureza complexa, envolvam temas que extrapolam esse código, como a bioética, biodireito e o direito
eletrônico.
O Enunciado n.2 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, prevê que "sem prejuízo
dos direitos da personalidade o Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana,
que deve ser objeto de um estatuto próprio". Nesse sentido, entrou em vigor no Brasil a Lei de Biossegurança (Lei
11.105/2005) para nortear esse tema. O artigo 5º da referida lei foi alvo do importante caso julgado pelo STF no
tocante às células-tronco embrionárias, pois prevê a possibilidade de utilização de células embrionárias para fins
terapêuticos. O STF decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a
dignidade da pessoa humana. (ADI 3510, ajuizada no ano 2005 pelo ex-PGR, Dr. Cláudio Fonteles, e julgada no ano
2008)
COMEÇO E FIM DA PERSONALIDADE. NASCITURO. EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DO NASCITURO.
A respeito do início da personalidade, enuncia o art. 2.º do Código Civil que "A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". A respeito disso
há três principais teorias:
- Teoria natalista: A personalidade civil somente começa com o nascimento com vida. Assim, o nascituro não pode ser
considerado pessoa, não possuindo direitos, mas mera expectativa de direitos.
- Teoria da personalidade condicional: A personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os nascituros
possuem direitos, os quais, entretanto, ficam sujeitos à condição suspensiva do nascimento com vida. Há críticas a essa
teoria por se tratar, em tese, da teoria natalista explicada de forma diferente.
- Teoria concepcionista: A personalidade civil inicia já na concepção, sendo o nascituro pessoa humana, sujeito de
direitos. É a teoria acolhida na doutrina e que prevalece na jurisprudência. Reforça essa teoria a Lei nº
11.804/2008 (Lei dos Alimentos Gravídicos) – que garante direito ao recebimento de alimentos, pela gestante, em
valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez – e a Lei nº 11.105/2005 (Lei de
Biossegurança) – à medida que afirma a impossibilidade da utilização de embriões para fins científicos e terapêuticos.
Consigne-se que a conclusão pela corrente concepcionista consta do Enunciado n. 1, do Conselho da Justiça
Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I Jornada de Direito Civil, e que também enuncia
direitos ao natimorto, cujo teor segue: “Art. 2.º A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no
que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”. Tal corrente também é adotada
pela Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu art. 4.1, reconhecida pela Corte Interamericana no Caso
AtraviaMurillo e outros Vs Costa Rica. Foi também foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
3510 (Lei de Biossegurança).

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O fim da personalidade da pessoa natural dá-se com a morte, conforme art. 6.º do CC, configurada quando há
morte cerebral (morte real), ou seja, o cérebro para de funcionar, como disciplina no art. 3º da Lei 9.434/1997, que
trata da morte para fins de remoção de órgãos para transplante. É necessário um laudo médico atestando o óbito do
indivíduo devidamente registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Ainda assim, alguns direitos
permanecem (lesão à honra ou imagem do de cujus) gerando direito à indenização. Pode-se afirmar, portanto, que o
morto ainda tem resquícios da personalidade civil.
Doação de órgãos e tecidos

A doação de órgãos e tecidos, no Brasil, é regulada pela Lei 9.434/97, com algumas derrogações pelo
Código Civil de 2002.

De acordo com o art. 14 do CC, é possível, com objetivo científico ou altruístico (doação de órgãos), a
disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, podendo essa disposição ser
revogada a qualquer momento. A retirada post mortem dos órgãos deverá ser precedida de diagnóstico de morte
encefálica e depende de autorização de parente maior, da linha reta ou colateral até o 2º grau, ou do cônjuge
sobrevivente, mediante documento escrito perante duas testemunhas. (art. 4.º da Lei 9.434/97 e Lei 10.211/01).

Em relação aos incapazes, o art. 9º, §6º, da Lei 9.434/97 afirma que o indivíduo incapaz, com
compatibilidade imunológica comprovada, quando não haja risco a sua saúde, pode fazer doação em casos de
transplante de medula óssea, desde que haja o seu próprio consentimento, bem como de ambos os pais ou
responsáveis legais e autorização judicial. O Enunciado n. 402 da V Jornada de Direito Civil foi aprovado
corroborando tal entendimento.

Sobre os direitos do paciente, o art. 15 do CC determina que ninguém pode ser constrangido a submeter-
se, sob risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica, consagrando o princípio da beneficência ou
da não maleficência, em que se deve buscar sempre o melhor para o indivíduo que está sob cuidados médicos.
Decorrem do crescente reconhecimento da autonomia da vontade e da autodeterminação, reflexos da dignidade
da pessoa humana. Frente a isso, duas situações merecem analise:

A primeira, em que um paciente está à beira da morte, necessitando de uma cirurgia. Ainda que seja uma
intervenção de alto risco, deve ser feita, sob pena de responsabilização do médico nas esperas civil, penal e
administrativa. Assim dispõe o Novo Código de Ética Médica (art. 41 da Resolução1.931/09 do CFM) e o Código
Civil (art. 95 1 do CC)

Na segunda situação, o mesmo paciente com risco de morte possui convicções religiosas, negando-se a
realizar a intervenção cirúrgica. Nesse ponto, há divergências: Para Tartuce, a intervenção deve ocorrer, eis que o
direito à vida deve prevalecer sobre o direito à liberdade, especialmente quando ligada a opção religiosa. De
forma contrária decidiu o Enunciado n. 403 na V Jornada de Direito Civil, que afirma que o direito à
inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da CF aplica-se também à pessoa que se nega a
tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da
falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo
representante ou assistente; b)manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga
respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante".

Em 12 de março de 2004, pelo Decreto nº 5.017 o Brasil internalizou em seu ordenamento jurídico o
“Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças” (Protocolo de
Palermo - 2000), que trata, além de outros assuntos, do tráfico de pessoas para fins de remoção de órgãos. Mas
esse protocolo não abordou suficientemente o tema.

Diante disso, foi realizada uma Reunião de Cúpula em Istambul, entre abril e maio de 2008, com dezenas
de representantes de entidades médicas e científicas de todo o mundo, dando origem à “Declaração de Istambul

33
sobre Tráfico de Órgãos e Turismo de Transplante” (Declaração de Istambul) onde são sugeridas estratégias
para aumentar número de doadores legais, evitar o tráfico de órgãos e o turismo de transplante. Essa declaração
trata não apenas do tráfico de pessoas para remoção de órgãos, como também sobre o tráfico dos órgãos em si,
separado do doador, o que não foi abordado no Protocolo de Palermo.

A Declaração define o comércio de transplantes como “uma política ou prática segundo a qual um órgão
é tratado como uma mercadoria, nomeadamente sendo comprado, vendido ou utilizado para obtenção de
ganhos materiais”, rejeitando a coisificação do corpo humano, impedindo que os órgãos sejam tratados como
objetos em uma prateleira de comércio global.

Importante destacar que, em nosso ordenamento jurídico, a Lei 13.344 de 2016 incluiu o art. 149-A ao
CP, dispondo sobre o crime de tráfico de pessoas para fins de remover órgãos, tecidos ou partes do corpo; o
dispositivo está no mesmo sentido que o Protocolo de Palermo, na medida em que não trata do tráfico apenas de
órgãos ou partes do corpo.

1C. A técnica de reprodução humana assistida. Alteração de sexo. Pesquisa científica em seres humanos.

Samara Dalloul

Técnica de reprodução humana assistida: implantação artificial de espermatozóides ou embriões humanos no


corpo da mulher. Pode ser por inseminação artificial (IA), quando há introdução mecânica do esperma no canal
vagina; ou por fertilização in vitro (FIV), quando a concepção é laboratorial e o embrião é implantado no útero.
Ambas as modalidades podem se concretizar de forma homóloga (utiliza-se de material genético do próprio
cônjuge ou companheiro, com a sua expressa anuência) ou heteróloga (em que o sêmen é de terceiro); sempre
a título gratuito. Presunção per is est (art. 1597 CC), presume-se que o filho é do marido da mulher.
Planejamento familiar: Lei 9.263/06 (Pol. Nac. Direitos Sexuais e Reprodutivos). Antecipação do feto anencéfalo é
permitida pois não há possibilidade de vida (STF, ADPF 54). Aborto antes dos 3 meses não é crime (STF, HC
124.306, voto Barroso). Aborto eugênico é quando o feto tem alguma deformidade (não é permitido).
(IA) INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA – material genético do pai e da mãe, do próprio casal que pretende
ter o filho. É tido como filho mesmo que falecido o marido; mas não vai herdar nada, porque só é herdeiro quem
seja pessoa (já esteja concebido ao tempo da morte) – é a única hipótese de filho que não vai herdar – mas pode
deixar herança por testamento; disposição em favor de prole eventual, mas esse filho tem que nascer até 2 anos
após a morte (art. 1800, §4º).
(IA) INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA – o material genético não é do marido, é de 3º, mas o marido
consente e autoriza, ele será o pai sócio afetivo; o pai é o pai cultural, e não o pai genético. A criança não pode
ajuizar ação de paternidade, mas pode ajuizar ação de conhecimento de origem genética, onde se declara quem
é o seu ascendente, mas esse não se torna o seu pai, não gerando qualquer direito. STJ (2015) tem reconhecido
possibilidade a casais homossexuais.
O útero humano não pode ser comercializado, não existe barriga de aluguel; o que existe é gestação de
substituição (ou cessão de útero), que tem que ser gratuita, de parente até 2º grau, e que a mãe original não
tenha condições de engravidar (Resolução do Conselho Federal de Medicina).
(FIV) FERITILIZAÇÃO IN VIRTO SEGUIDA DE TRANSFERÊNCIA DE EMBRIÕES – fecundação do óvulo em
laboratório.
(FIV) TRANSFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE GAMETAS – coleta de óvulos e espermatozóides que são colocados
dentro das trompas de falópio.
(FIV) TRANSFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE ZIGOTOS – coleta de óvulos e espermatozóides que são colocados em
uma trompa artificial e, após verificada fecundação, o zigoto é transferido à trompa natural.
EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO – já foi concebido, congela o óvulo já fecundado. Vai ter sucessão, mesmo que a mãe
coloque este embrião na barriga anos após a morte do pai, pois o filho foi concebido antes da abertura da
sucessão. (Na Alemanha é proibida a utilização de embrião excedentário, só pode a fecundação imediata).

DA ALTERAÇÃO DE SEXO
O transexual e o direito à mudança de seu registro civil de nascimento. Prevalecia antiga orientação
jurisprudencial em permitir redesignação do estado sexual e do nome no caso de cirurgia de redesignação sexual.
34
sem qualquer referência ao status anterior da pessoa. Tal entendimento foi modificado pelo STF ao julgar ADI
4275 da PGR e o RE 670.422 (Rep Geral) em mar/18, entendendo, com fundamento na dignidade humana e
liberdade de autodeterminação, o direito dos transexuais a substituírem o prenome e sexo no registro civil,
independentemente da realização de cirurgia de transgenitalização ou autorização judicial (direito de ser
reconhecido pela maneira que desejar). A ação foi proposta por Deborah Duprat para dar int. conforme ao art. 58
da Lei 6.015/73 (Lei de Reg Públicos). Segundo Deborah Duprat o não reconhecimento do direito dos transexuais
à troca de prenome e sexo correspondente à sua identidade de gênero viola preceitos fundamentais da
Constituição como os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação
odiosa (art. 3º, inciso IV), da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade e da privacidade (art. 5º, caput, e inciso X).
Em janeiro o provimento 7832018 do CNJ já autorizava os cartórios a realizarem este procedimento aos maiores
de 18 anos.
Opinião Consultiva 24 (Costa Rica) da Corte IDH -  a mudança de nome e a menção a sexo em registro civil de
acordo com a identidade de gênero autopercebida são garantias protegidas pela Convenção Americana de
Direitos Humanos. Princípio 3 de Yogyakarta – não se pode forçar a realização de tratamento ou cirurgia como
condição para reconhecimento da identidade de gênero.
O MPF ajuizou ação civil pública junto à Justiça Federal da 4ª Região em 2001 para que os transexuais passassem
a ter direito à cirurgia pelo SUS. A ação foi extinta sem julgamento de mérito em primeira instância, e julgada
procedente pelo TRF 4. Sete anos depois da ação, a Portaria do Ministério da Saúde nº 1.707, de 19 agosto de
2008, dispôs que a cirurgia para mudança de sexo (transgenitalização) faria parte da lista de procedimentos do
Sistema Único de Saúde (SUS).
Caso orientação sexual na Corte Interamericana – Atala Riffo.

PESQUISA CIENTÍFICA EM SERES HUMANOS


Direito à integridade física – ESPÉCIE DE DIREITO DA PERSONALIDADE
As partes do corpo humano, vivo ou morto, integram a personalidade humana, caracterizando coisa extra
commercium, vedando-se todo e qualquer ato de disposição a título oneroso (199 §4º CF e 1º Lei 9434/97).
Entretanto, admitem-se atos de disposição de partes do corpo humano, vivo ou morto, a título gratuito, se não
causar prejuízo ao titular e tendo em vista um fim terapêutico, altruístico ou científico (13 e 14 CC).
Atualmente, no Brasil, as diretrizes gerais para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos estão
traçadas na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, cujo conteúdo revela absoluta sintonia com o
ordenamento jurídico brasileiro (CF, CC, CP, ECA, etc.) e, também, com documentos internacionais elaborados e
divulgados com o objetivo de assegurar a proteção dos interesses dos sujeitos de pesquisas e da coletividade
como um todo.
O primeiro documento internacional contendo recomendações sobre os aspectos éticos que deveriam nortear
a realização de pesquisas envolvendo seres humanos foi o Código de Nuremberg, elaborado após a divulgação
das atrocidades ocorridas nos campos de concentração nazistas. Tal documento, datado de 1947, apontou para a
necessidade de consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa, bem como de realização de testes
prévios em animais, para a ponderação de riscos e para o esclarecimento sobre o processo e responsabilização
do pesquisador em caso de danos causados ao sujeito.
Atividades que envolvam OGM relacionadas à manipulação de organismos vivos SÃO VEDADAS A PESSSOAS
FÍSICAS EM ATUAÇÃO AUTÔNOMA E INDEPENDENTE (apenas entidades de direito público ou privadas e com
AUTORIZAÇÃO DA CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biosseguraça).
É proibido (art. 6º da Lei 11.105): Engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião
humano; Clonagem humana.
A permissão de utilização de células tronco embrionárias em pesquisas e estudos científicos pela Lei de
Biossegurança (art. 5º) foi objeto da ADI nº 3510 (j. 29.05.2008, Relator Min. Ayres Britto), tendo o STF
entendido que a norma não constitui um desprestígio da vida, mas sim a reverência a seres humanos que sofrem
com males incuráveis, em uma manifestação do CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. O Tribunal aduziu que o
embrião “in vitro” não detém quaisquer terminações nervosas, falecendo da potencialidade de desenvolvimento
para a vida independente.
Enunciado 401 do CJF:Art. 13. Não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso de material
biológico para fins de pesquisa científica, desde que a manifestação de vontade tenha sido livre e esclarecida e
puder ser revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a pesquisa científica e o respeito

35
aos direitos fundamentais.

9C. Direito à origem genética. Direito de morrer. Direito ao corpo vivo.


Aureo Bezerra Neto 31/08/2018

DIREITO À ORIGEM GENÉTICA

O direito ao conhecimento da origem genética ou biológica emerge das relações de família.

Qualquer pessoa tem direito a conhecer sua origem genética, uma vez que lhe é reconhecido o direito à
ancestralidade, como um verdadeiro direito da personalidade. Não há existência de lapso temporal, por se tratar
de um direito da personalidade e, como tal, imprescritível.

A herança genética constitui elemento substancial que individualiza o ser humano das demais pessoas,
simbolizando a sua dimensão absoluta na vida em sociedade.

Em nosso ordenamento jurídico, vale recordar que já houve proibição de reconhecimento de filhos biológicos,
quando prevaleceu a filiação dita ilegítima (extraconjugal).

A Constituição Federal de 1988 proclamou o estatuto único da filiação, vedando qualquer discriminação aos
filhos. Com isso, todos os filhos passaram a merecer idêntico tratamento, não mais havendo distinção entre filhos
do casamento (que traziam consigo a presunção pater is est) e os filhos extramatrimoniais.

Atualmente, o reconhecimento do direito à identidade biológica/genética para o ser humano, sujeito de direitos
e deveres, assume relevância na atual conjuntura em que se desenvolvem os valores sociais e, especialmente, a
ciência da medicina genética e biotecnologia.

A busca pelo conhecimento da ascendência biológica do indivíduo é um direito personalíssimo, fundamental para
a plena estruturação da sua integridade psíquica.

A partir da dignidade humana, o STF reconheceu a existência de um direito fundamental da pessoa de conhecer a
sua origem genética (descobrir a identidade do próprio pai) - RE 363889, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal
Pleno, julgado em 02/06/2011.

Diante das avançadas técnicas de engenharia genética, a prova mais efetiva é a realização de exame de DNA dos
envolvidos, o que traz certeza quase absoluta quanto ao vínculo biológico. Destaque-se que a jurisprudência do
STJ tem entendido que o direito à verdade biológica é um direito fundamental, amparado na proteção da pessoa
humana (STJ, REsp 833.712/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. 17.05.2007, DJU 04.06.2007, p.
347).
Há forte tendência material e processual em apontar a relativização da coisa julgada, particularmente nos casos
envolvendo ações de investigação de paternidade julgadas improcedentes por ausência de provas em momento
em que não existia o exame de DNA. Nesse sentido, doutrinariamente, dispõe o Enunciado n. 109 do Conselho da
Justiça Federal, da I Jornada de Direito Civil, que: "A restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputadas
improcedentes por insuficiência de prova não deve prevalecer para inibir a busca da identidade genética pelo
investigando". Na mesma linha o Superior Tribunal de Justiça tem decisões no sentido da possibilidade de
relativização da coisa julgada material em situações tais (REsp 226.436/PR, Data da decisão: 28.06.2001, 4ª
Turma, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04.02.2002, p. 370). O STF confirmou a tendência de mitigação
da coisa julgada (RE 363.889 – Inf. 622).

No que concerne à adoção, à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e, considerando a
compreensão legal observada no dispositivo 48 da Lei nº 12.010/09, o direito do adotado à identidade genética é
essencial para a garantia da sua historicidade pessoal, bem como para o pleno desenvolvimento e proteção da
sua integridade psíquica.
36
Vale registrar também que "As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para
fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular"
(Enunciado n. 405 – V Jornada de Direito Civil).

Por fim, anote-se recentíssimo e importante julgado do STF decidindo que a paternidade socioafetiva não exime
de responsabilidade o pai biológico (data do julgamento: 21/09/2016). Por maioria de votos, os ministros
negaram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 898060, com repercussão geral reconhecida, em que um pai
biológico recorria contra acórdão que estabeleceu sua paternidade, com efeitos patrimoniais,
independentemente do vínculo com o pai socioafetivo.

Até pouco tempo, no âmbito das relações de parentesco a jurisprudência dos tribunais superiores era no sentido
de que o indivíduo deveria optar pela paternidade socioafetiva ou pela paternidade biológica, realizando uma
verdadeira "escolha de Sofia". No entanto, diante do precedente adrede, o STF mudou a orientação a respeito do
tema, passando a admitir a coexistência simultânea destes dois vínculos, relativizando portanto, a chamada
"escolha de Sofia". O STF adotou a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. Tal entendimento do
STF se coaduna com a chamada Teoria da pluripaternidade/multipaternidade ou "teoria tridimensional do direito
de família". Aliás, na jurisprudência pátria há diversas decisões nesse sentido, sendo a multiparentalidade um
caminho sem volta do Direito de Família Contemporâneo, consolidando-se as novas teorias e os princípios
constitucionais nesse campo do pensamento jurídico.

DIREITO DE MORRER

É possível vislumbrar o direito à vida digna (dignidade da pessoa humana), a partir da intelecção do art. 1º, III, da
Constituição da República, como o pressuposto lógico da personalidade humana e, consequentemente, dos
próprios direitos da personalidade. Enfim, é verdadeira cláusula geral de proteção da personalidade.
Por outro lado, a partir de uma leitura civil-constitucional, especialmente da cláusula geral da dignidade humana,
é fácil notar que o direito à morte digna é o reverso da moeda do direito à vida digna. Noutras palavras, ao
direito de viver com dignidade haverá de corresponder como espelho invertido o direito de morrer dignamente.
Até mesmo porque uma morte digna há de ser a consequência natural de toda e qualquer vida digna.

Sendo assim, é de se defender o reconhecimento de um direito à morte digna, como consectário da própria
dignidade humana.

A morte completa o ciclo vital da pessoa humana. É o fim da sua existência, ou seja, a existência da pessoa
natural termina com a morte (artigo 6º, CC). A morte corresponde ao término das funções vitais do indivíduo. O
efeito jurídico principal da morte é a cessação da personalidade e, naturalmente, dos direitos da personalidade.
O ordenamento jurídico brasileiro (nesse sentido: Lei 9.434/97 – Lei de transplante de órgãos) adota o conceito
de morte encefálica que consiste na completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro. Trata-se da
paralisação irreversível das funções cerebrais em decorrência da destruição do cérebro superior e do tronco
encefálico.

O dever do Estado de proteger a vida, decorrente da dimensão objetiva desse direito fundamental, levou várias
legislações no mundo a combaterem a eutanásia e a assistência ao suicídio, o que implica a negação de um
direito à própria morte.

Sobre o tema, é preciso distinguir os seguintes conceitos:

Ortotanásia é deixar que o paciente siga seu caminho natural para a morte sem aumentar-lhe a vida de forma
artificial, ou seja, apenas o acompanhamento para que a morte seja menos sofrível possível e de forma natural.
Há quem denomine a ortotanásia de eutanásia passiva ou indireta, mas não há proximidade com a eutanásia,
pois consiste na desistência, pelo médico, do uso de medicamentos e terapias, pois não há esperança de reversão
do quadro clínico nos pacientes terminais.

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Distanásia é o ato de prolongar a vida do paciente seja por drogas de qualquer tipo para esse fim, seja por meio
de aparelhos de forma inútil, uma vez que a morte já é uma sentença e não uma possibilidade.

Eutanásia é o ato de diminuir o tempo de vida do paciente, forçando-lhe de alguma forma, a morte.
Não se pode confundir as diretivas antecipadas com a eutanásia (que, nada mais é, do que uma morte piedosa,
sem sofrimento, por relevante valor moral), com a mistanásia (conhecida como eutanásia social e muito comum
em hospitais brasileiros quando, diante de um acidente, por exemplo, o médico tem de escolher qual dos
pacientes será atendido primeiro) e com a ortotanásia (que é a eutanásia por omissão, apenas cometida pelo
médico que deixa de prolongar o inevitável processo de morte do paciente, por meios artificiais, que poderiam
protrair aquela situação fática).

Lado outro, as diretivas antecipadas se põem em contraposição à distanásia, que é o prolongamento artificial do
processo (natural) de morte, ainda que à custa do sofrimento do paciente. É a continuação, por intervenção da
Medicina, da agonia, mesmo sabendo que, naquele momento, não há chance conhecida de cura. Enfim, é uma
verdadeira obstinação pela pesquisa científica, pela tecnologia e tratamento médico, olvidando o direito do
paciente à sua dignidade intangível, mesmo no momento da morte.

O direito brasileiro, através do Código Penal, mantém a eutanásia no âmbito da ilicitude, olvidando todos os
demais aspectos da controvérsia.

DIREITO AO CORPO VIVO

Em síntese, pode-se afirmar que os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade
(art. 1º, III, da CF/1988).

De um modo geral, os direitos da personalidade são divididos em três grandes grupos. O primeiro deles está
relacionado ao direito à integridade física, englobando o direito à vida e ao corpo, vivo ou morto. O segundo
grupo é afeito ao direito à integridade intelectual, abrangendo a liberdade de pensamento e os direitos do autor.
Por fim, há o direito à integridade moral, relativo à liberdade política e civil, à honra, ao recato, ao segredo, à
imagem e à identidade pessoal, familiar e social.

O Código Civil dedicou proteção ao aspecto físico da personalidade nos arts. 13 a 15, aludindo à tutela jurídica do
corpo vivo (art. 13) e do corpo morto (art. 14) e ao livre consentimento informado do paciente (art. 15).
O direito à integridade física concerne à proteção jurídica do corpo humano, isto é, à sua incolumidade corporal,
incluída a tutela do corpo vivo e do corpo morto, além dos tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e
individualização.

Assim, o direito ao corpo diz respeito à proteção destinada à vida humana e à integridade física, englobando o
corpo vivo, bem assim como o cadáver (direito ao corpo morto).

Portanto, correlato ao direito à vida, reconhece-se, também, o direito à integridade física.

O direito à integridade física, por sua amplitude, compreende o direito ao corpo vivo e às suas partes integrantes.
Em relação ao art. 13 do Código Civil, cuida-se de visível proteção do corpo vivo, reconhecendo a possibilidade
(ampla) do titular dele dispor, desde que não cause diminuição permanente da integridade física e não gere
ofensa aos bons costumes.

O corpo, como projeção física da individualidade humana, também é inalienável, embora se admita a disposição
de suas partes, seja em vida, seja para depois da morte, desde que, justificado o interesse público, isso não
implique mutilação, e não haja intuito lucrativo.

I. VIOLAÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA

38
Por isso, a violação da integridade física é suficiente para a caracterização do dano estético, independentemente
da existência, ou não, de sequelas permanentes. Essa proteção dedicada à pessoa humana tem início desde a
concepção, estendida até a morte, representada pela paralisação da atividade cerebral, circulatória e
respiratória. É o chamado direito ao cadáver, que é desdobramento do direito ao corpo humano.

II. A QUESTÃO DOS TRANSPLANTES E A PROTEÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA

As partes do corpo humano, vivo ou morto, integram a personalidade humana, caracterizando coisa extra
commercium, vedando-se todo e qualquer ato de disposição a título oneroso (arts. 199, §4º, CF e 1º Lei 9434/97).
Entretanto, admitem-se atos de disposição de partes do corpo humano, vivo ou morto, a título gratuito, se não
causar prejuízo ao titular e tendo em vista um fim terapêutico, altruístico ou científico.

Logo, é possível juridicamente a disposição gratuita de partes destacáveis do corpo humano, renováveis (leite,
sangue, medula óssea, pele, óvulo, esperma, fígado) ou não, para salvar a vida ou preservar a saúde do
interessado ou de terceiro ou para fins científicos ou terapêuticos.

Sendo ato de extrema responsabilidade, a autorização para o transplante, revogável até a intervenção cirúrgica,
deverá ser dada pelo doador, por escrito e diante de testemunhas, especificando o tecido, o órgão ou parte do
corpo a ser retirada.

Quando se tratar de transplantes entre pessoas vivas, permite-se ao donatário (rectius, dador) escolher o
beneficiário do transplante (o destinatário do órgão), desde que se trate de pessoa da própria família. Com isso,
evita-se um eventual caráter pecuniário do ato, obstando um comércio de órgãos humanos. Aliás, é exatamente
por isso que se exige do médico, antes de realizar o transplante entre vivos, a comunicação da realização do
procedimento ao Promotor de Justiça da comarca do domicílio do doador.

Bem diverso é o tratamento emprestado pelo legislador ao transplante de órgãos post mortem. No transplante
após a morte veda-se que se escolha o beneficiário, delineando um caráter altruístico118 ao ato, impondo-se
obediência à fila de espera criada por lei (Lei nº 9.434/97, art. 2º e parágrafo único, e Decreto no 2.268/97, art.
24), com o escopo de garantir a universalização da saúde e a igualdade de chances (CF/88, arts. 3º, 5º e 196),
mantidas pelas Centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos – CNCDOs, nos diferentes estados da
federação.

III. TRANSEXUALIDADE

O transexual tem direito (constitucionalmente garantido) à integridade física e psíquica e, por conta disso, poderá
submeter-se à cirurgia de readequação sexual, independentemente de autorização judicial. Pensar de forma
diversa seria negar-lhe o direito à própria felicidade, condenando a conviver com uma desconformidade físico-
psíquica, que, sem dúvida, afeta o seu direito a uma vida digna.

IV. A PROIBIÇÃO DE PRÁTICA PELO TITULAR DE ATO DE DISPOSIÇÃO QUE IMPLIQUE DIMINUIÇÃO PERMANENTE
DA INTEGRIDADE FÍSICA

A regra geral do sistema jurídico é a possibilidade de prática de ato de disposição dos direitos da personalidade
quando não gerar diminuição permanente da integridade física. Ou seja, o titular cuida da sua integridade física,
apenas não podendo exceder os limites toleráveis. Enfim, a autonomia privada da pessoa está presente no
âmbito dos direitos da personalidade, devendo-se reconhecer a esses direitos, de forma geral, uma certa
liberdade jurídica de exercício, não apenas na forma negativa, como tradicionalmente se pensava, mas também
ativa ou positiva.

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A tutela jurídica da integridade física do corpo vivo, malgrado admita como regra atos de disposição pelo titular,
impede a prática de condutas que gerem diminuição permanente da integridade física, salvo quando houver uma
exigência médica.

A fórmula utilizada pelo citado dispositivo legal indica que, não havendo redução permanente da integridade
física, é possível a prática de diferentes atos de disposição corporal – como decorrência da autonomia privada.

Exemplificativamente, nota-se a possibilidade de utilização de tatuagens, piercings e do chamado bodyart,


conforme a manifestação cultural e estética de cada pessoa. Por motivos ligados ao padrão interno de beleza, por
homenagem a determinadas pessoas, por maneira de expressão de posicionamentos pessoais, enfim por
qualquer razão é possível ao ser humano se tatuar ou colocar piercings. Aliás, não se olvide que diversas
comunidades indígenas, de há muito, conferiam alto valor às tatuagens. Em recente julgado, o STF entendeu que
“A opção pela tatuagem relacionar-se-ia, diretamente, com as liberdades de manifestação do pensamento e de
expressão (CF, art. 5°, IV e IX)” (RE 898450/SP, rel. Luiz Fux, 17.8.2016).

Por fim, há doutrinadores que sustentam a impropriedade do dispositivo legal em referência, ao impor a
exigência médica como um fator necessário para o ato de disposição permanente da integridade física.

Vale, aqui, a lembrança de que a pessoa que se dedica aos esportes marciais, como o MMA, enfrentando golpes
certeiros em seu corpo, pode sofrer (e, ordinariamente, sofre!) diminuição permanente da integridade física, sem
qualquer exigência médica. Noutro exemplo, a pessoa que se submete a uma cirurgia plástica estética, retirando
uma costela, para fins exclusivamente de embelezamento, também diminuiu a sua integridade física sem
necessidade terapêutica. Outrossim, já se encontram mulheres que amputam o dedo mínimo do pé para que
possam usar salto alto, sem desconforto.

Ademais, a prática de atos de disposição não permanentes da integridade física não pode estar simplesmente
autorizada, como decorre da leitura do texto legal. Com efeito, há de se indagar da legitimidade do ato em
relação à dignidade do titular, não se levando em conta, apenas, a duração temporal da intervenção no corpo
humano. Bastaria imaginar o caso da implantação de microchips subcutâneos para controle de empregados para
concluir pela ilegitimidade da conduta (conquanto a intervenção física não seja permanente).

3.PESSOAS JURÍDICAS
3.1 Pessoas jurı ́dicas. Associações e fundações. Desconsideração da personalidade social e jurı ́dica.
Desconsideração inversa da pessoa jurı ́dica. Aspectos materiais e processuais. Entidades despersonificadas. (12.a)

12A. Pessoas jurídicas. Associações e fundações. Desconsideração da personalidade social e jurídica.


Desconsideração inversa da pessoa jurídica. Aspectos materiais e processuais. Entidades despersonificadas.

Felipe Pazzola

I. Das pessoas jurídicas. Das associações e das fundações. Entidades despersonificadas

A pessoa jurídica (ou abstrata, moral, coletiva ou fictícia), salvo a fundação (reunião de patrimônio), nasce
como decorrência do fato associativo (corporação). Pessoa jurídica é o grupo de pessoas ou de bens (fundação),
criado na forma da lei e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins comuns. O empresário
individual é pessoa física (o fato de ele ter CNPJ não descaracteriza isso, é apenas ficção tributária). Tanto é que o
patrimônio do empresário individual é o próprio patrimônio da pessoa física. Diferentemente, a EIRELI é pessoa
jurídica. Embora não sejam pessoas jurídicas, o ordenamento confere proteção a algumas entidades
despersonalizadas (personalidade formal), a exemplo do condomínio, da massa falida, nascituro e espólio. Por sua
vez, personalidade judiciária é a possibilidade de os entes despersonalizados figurar na relação processual como
se fossem pessoas. Esse mesmo raciocínio tem sido aplicado pelo STJ a alguns órgãos públicos independentes na
defesa de seus interesses institucionais (Súmula 525: "A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica,
apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos
institucionais"). Aliás, o próprio MP é um órgão que possui ampla capacidade processual. ESPÉCIES DE PESSOA
40
JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO: associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e
empresas individuais de responsabilidade limitada – EIRELI (a doutrina aponta que o correto seria empresário, na
medida em que empresa é atividade). Apesar de o Enunciado 286 do CJF/STJ, da IV Jornada de Direito Civil, dispor
que “Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua
dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”, o STJ tem admitido a reparação do dano moral
à pessoa jurídica, especialmente por violação à sua imagem (honra objetiva, reputação social). V. Súmula 227 do
STJ e art. 52 do CC. Pessoa jurídica não tem honra subjetiva (não possui autoestima). O CC firma a natureza
constitutiva (e não declaratória) do registro da pessoa jurídica, com eficácia ex nunc. A aquisição da personalidade
da pessoa jurídica só se dá a partir do registro (diferente da pessoa natural, cujo registro tem efeito declaratório).
Às vezes, é necessário também autorização do Poder Executivo (se faltar, a pessoa jurídica é inexistente). As
pessoas jurídicas não registradas funcionam como sociedades despersonificadas (sociedade em comum -
irregulares ou de fato - e sociedade em conta de participação). Podem até ter capacidade processual, mas não são
pessoas jurídicas; por isso, os sócios respondem pessoalmente (no caso da sociedade em conta de participação,
apenas os ostensivos).

TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA: a) corrente negativista (Planiol e Duguit):
nega o reconhecimento da pessoa jurídica como sujeito de direito, dizque não há pessoa jurídica porque ela seria
um patrimônio coletivo ou um condomínio, grupo de pessoas físicas reunido. b) corrente afirmativista: reconhece
a pessoa jurídica como sujeito de direito; várias subdivisões: b.1) a Teoria da Ficção (desenvolvida por Savigny, a
partir do pensamento de Windscheid) sustenta que a pessoa jurídica seria um sujeito com existência ideal, fruto
da técnica jurídica, sem atuação social; b.2) Pela Teoria da Realidade Objetiva ou Organicista (Gierke e Zitelman), a
pessoa jurídica seria um organismo social vivo; b.3) segundo a Teoria da Realidade Técnica (adotada pelo CC), a
pessoa jurídica é personificada pelo direito, mas tem atuação social, na condição de sujeito de direito. Para Maria
Helena Diniz, o nome correto seria Teoria da Realidade das Instituições Jurídicas.

FUNDAÇÕES: diferentemente das outras espécies de pessoa jurídica, é especial porque não decorre da
reunião de indivíduos, não é agrupamento humano. Decorre de patrimônio que se personifica. Resulta do
destacamento de um patrimônio. Toda fundação tem finalidade ideal (religiosa, moral, cultural ou de assistência),
ou seja, finalidade não econômica. Obs.: por também perseguirem finalidade ideal, as ONGs, devem se constituir
sob a forma de fundação ou associação. Requisitos para se constituir uma fundação de Direito Privado: a)
afetação de bens livres; o instituidor destaca bens do patrimônio dele; b) constituição por escritura pública ou
testamento; c) elaboração do estatuto da fundação (diretamente pelo instituidor ou, mediante delegação, por um
terceiro; ambos devem submeter o estatuto à aprovação do MP, com recurso ao juiz; se o terceiro não elaborar o
estatuto, o MP elabora subsidiariamente, com submissão à aprovação do juiz); d) registro da Fundação no
Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. IO MP Estadual tem a precípua função fiscalizatória das fundações. Se a
fundação for interestadual, a fiscalização caberá aos MP estaduais respectivos. Fundação do DF é fiscalizada pelo
MPDFT, e não pelo MPF (ADI 2794). Alteração do estatuto da fundação privada: a fundação privada prestigia
interesses sociais, havendo regras específicas para alteração de seu estatuto (deliberação por 2/3 dos
representantes, não contrariar a finalidade da fundação e aprovação pelo MP). Destino do patrimônio quando a
fundação privada acaba: tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o
prazo de sua existência, o MP, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu
patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada
pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

ASSOCIAÇÕES: entidades de direito privado, formadas pela união de indivíduos, objetivando finalidade
não econômica (finalidade ideal, assim como as fundações; a diferença entre elas é que a associação decorre da
união de indivíduos). Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. Exemplos: associação de
moradores de bairro, ONG, clube recreativo (finalidade lúdica). O ato constitutivo de uma associação é o estatuto,
registrado no CRPJ. A associação pode ter receita, que deve ser investida nela, mas não há o objetivo de partilhar
lucros entre seus conselheiros e presidência. Compete privativamente à assembleia geral da associação: a)
destituir os administradores; b) alterar o estatuto. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá
instituir categorias com vantagens especiais. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não
dispuser o contrário. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em

41
procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.

II Desconsideração da personalidade social e jurídica. Desconsideração inversa da pessoa jurídica. Aspectos


materiais e processuais.

Histórico: Salomon x Salomon Co (1897 – Inglaterra) / embora tenha surgido na Inglaterra, o Direito
Norte Americano desenvolveu a teoria da desconsideração da personalidade (Doutrina da Agency). No Direito
Comparado, o instituto foi formado sob a égide da Disregard of Legal Entity. No Brasil, surge notadamente pelo
CDC, sendo que o CC/2002 apresentou delineamento geral.

Conceito: quando a pessoa jurídica é utilizada de forma abusiva, ignora-se sua proteção para atingir o
patrimônio dos sócios. Em regra, a personalidade jurídica é acompanhada de 2 atributos (autonomia patrimonial
e limitação da responsabilidade), os quais são afastados pela desconsideração. De acordo com Pablo Stolze: “o
rigor terminológico impõe diferenciar as expressões: despersonalização, que traduz a própria extinção da
personalidade jurídica, e o termo desconsideração, que se refere apenas ao seu superamento episódico, em
função de fraude, abuso ou desvio de finalidade.” Em outras palavras, a desconsideração é momentânea, ao passo
que a despersonalização não, representando a extinção da pessoa jurídica.

Figuras similares: 1) teoria dos atos ultra vires: excesso por parte do administrador pode gerar a
desconsideração da personalidade jurídica, não se confundindo com a própria desconsideração (vide ponto 3.C);
2) redirecionamento da execução: no direito tributário/trabalho é permitido que uma execução seja
redirecionada para pessoa jurídica diversa contida dentro de um mesmo grupo econômico; 3) ampliação do polo
passivo: objetiva aumentar o polo passivo.

Teorias Maior (objetiva e subjetiva) e Menor: pela teoria menor (menos cautela), basta que a
personalidade seja obstáculo ao pagamento dos débitos (CDC, Direito Ambiental, Direito Tributário, Direito do
Trabalho); pela teoria maior (maior cautela), a personalidade será desconsiderada apenas pela manipulação
fraudulenta ou abusiva: o CC/2002 exige abuso da personalidade (caracterizado pelo desvio de finalidade) ou a
confusão patrimonial. A propósito, há quem sustente que, no Direito do Trabalho, aplica-se a teoria mínima
(menos requisitos do que a teoria menor). Na Teoria Maior, a mera insolvência da pessoa jurídica não será motivo
para desconsiderar a personalidade jurídica. A Teoria Maior se subdivide em: 1) objetiva (exige prova inequívoca
de abuso ou fraude, a intenção por si só não é suficiente para a desconsideração) e 2) subjetiva (necessidade de
se comprovar a intenção de fraudar). O CC/2002 adotou a Teoria Maior Objetiva. No entanto, há quem entenda
que foram adotadas ambas: ““(...) Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível
a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da
Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da
personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da
Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da
pessoa jurídica e os de seus sócios” (REsp 970.635/SP, TERCEIRA TURMA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado
em 10/11/2009, DJe 1/12/2009). No âmbito do Direito Administrativo, o STJ reconhece a possibilidade com base
no interesse público (fraudes em licitações, por exemplo), havendo previsão na Lei de Defesa de Concorrência, na
Lei Anticorrupção e na Lei de Abastecimento Nacional de Combustíveis.

Teoria Invertida (Desconsideração Inversa): “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica


denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens
pessoais, com prejuízo a terceiros” (E 283 CJF). Não se confunde com a Teoria Indireta: aplicável em situações de
grupos econômicos em que há divisão formal entre várias pessoas jurídicas pertencentes a uma mesma
sociedade empresária que se comporta como uma só. Também não se confunde com a Teoria Expansiva: objetiva
o patrimônio do sócio oculto.

Teoria Invertida Teoria Indireta Teoria Expansiva


(Desconsideração Inversa)
Atinge o patrimônio da pessoa jurídica Grupos Econômicos Sócio Oculto (figura do “testa de
transferido fraudulentamente ou com funcionando com unidade ferro”, “laranja”)
42
abuso pelo sócio (principal aplicação: (várias pessoa jurídica)
direito de família)

Aspectos processuais: o CPC/2015 previu o incidente de desconsideração da personalidade jurídica


como hipótese de intervenção de terceiros, cabível a pedido da parte ou do MP, quando lhe couber intervir no
processo. Suspenderá o curso do processo. Se a desconsideração for pleiteada na inicial, o incidente não irá
ocorrer. No âmbito do CDC, sustenta-se a possibilidade de concessão de ofício em razão da hipossuficiência
(ordem pública). A decisão interlocutória que resolver o incidente de desconsideração será passível de agravo de
instrumento ou agravo interno.

Pressupostos da desconsideração: 1) constituição regular da pessoa jurídica (do contrário, os sócios já


responderão ilimitadamente / a sociedade em conta de participação é um contrato, não será desconsiderada /
também não é possível desconsiderar a personalidade do empresário individua (pessoa física) /EIRELI é pessoa
jurídica, podendo ser desconsiderada); 2)abuso ou fraude (apenas na teoria maior); 3) prejuízo a 3º (interesse de
agir); 4) excepcional (a regra é proteger a personalidade).

Casuística: 1) REsp 1.024.394/RS: sócios moravam no imóvel que pertencia à sociedade empresária,
razão pela qual a desconsideração foi afastada, pois estaria diante de uma verdadeira entidade familiar. Se esse
imóvel fosse levado a hasta pública, os sócios ficariam sem moradia, o que viola a dignidade da pessoa humana.
De toda forma, o bem de família poderá ser atingido se presente alguma das hipóteses da Lei 8.009/90. 2)
Enunciado 282 CJF: “O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para
caracterizar abuso da personalidade jurídica.” 3) Existem pessoas jurídicas de direito privado que não possuem
fins lucrativos e também podem ser alvo de desconsideração da personalidade jurídica (a desconsideração é
possível em todas as pessoas jurídicas, não apenas as sociedades). 4) Morte do sócio não é motivo para
desconsiderar a personalidade jurídica. 5) Não se deve respeitar o limite de quotas do sócio no caso de
desconsideração porque a sociedade temporariamente deixou de existir.

4.BENS
4.1 Os bens. Classificações. O patrimônio. Bens inapropriáveis. Bens impenhoráveis. Bem de famı ́lia. (4.a)

4A. Os Bens. Classificações. O Patrimônio. Bens Inapropriáveis. Bens Impenhoráveis. Bem De Família.

Renan Lima

OS BENS.
Bem é o interesse juridicamente tutelado pela norma. Bens jurídicos constituem as utilidades, materiais ou
imateriais, com expressão econômica ou não, que podem ser objeto de direitos subjetivos.
Embora nem todo bem seja material, o Livro II cuida dos bens que podem ser alcançados pelos sentidos.
Enquanto o Código Civil anterior não fazia distinção entre coisa e bem, o atual, em sua Parte Geral, emprega
apenas o vocábulo bem, compreendendo nesse sentido, os objetos materiais e imateriais. Porém, há controvérsia
doutrinária sobre a diferenciação entre coisa e bem. Para Pablo Stolze, o conceito de coisa está restrito apenas à
materialidade, mas o bem tem conceito mais amplo, abrangendo os bens corpóreos e os imateriais. Para Cristiano
Chaves, coisa é todo objeto material susceptível de valor, enquanto bem também abrange o que não for
suscetível de apreciação econômica.

CLASSIFICAÇÕES:

bens corpóreos: possuem existência material;


bens incorpóreos: possuem existência abstrata, não são tangíveis. Os bens incorpóreos não contam com a tutela
possessória (Súmula 228 do STJ), e não são susceptíveis de aquisição pela usucapião nem são objeto de tradição.
bens imóveis são os que não podem ser transportados de um lugar para outro sem alteração de sua substância;
*Os bens imóveis são subdivididos em: imóveis por natureza (o solo e tudo que se lhe incorporar de forma
natural), por acessão física artificial (tudo que o homem incorporar ao solo permanentemente) ou por acessão
intelectual (são os que o proprietário intencionalmente destinam e mantém no imóvel para exploração industrial,
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aformoseamento e comodidade) e por definição legal (os direitos reais sobre imóveis e as ações que os
asseguram e o direito à sucessão aberta).
Cuidado: En. 11 CJF/STJ: não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão
intelectual, não obstante a expressão “tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”, constante da
parte final do art. 79 do CC.

bens móveis: são os passíveis de deslocamento, sem alteração de sua substância.


*Os bens móveis são subdivididos em: móveis por natureza (podem ser transportados sem qualquer dano, por
força própria), por antecipação (eram imóveis, mas foram mobilizados por uma atividade humana) por
determinação legal (energias com valor econômico, direitos reais sobre objetos móveis e as ações
correspondentes) e semoventes (são os que se movem de um lugar para outro, por movimento próprio, como é o
caso dos animais).

*Diferenças entre os bens móveis e imóveis: os bens imóveis só podem ser adquiridos por escritura pública, salvo
excepcionalidade do art. 108 do CC, registrada no Cartório de Imóveis, enquanto os móveis o são pela tradição; os
prazos para aquisição dos bens imóveis pela usucapião são mais dilatados do que os prazos dos móveis; os bens
imóveis de incapazes não podem ser alienados ou gravados com ônus reais pelos representantes ou assistentes
sem autorização judicial, ouvido o MP; a alienação ou a oneração dos bens imóveis por pessoas casadas, ao
contrário dos móveis, independentemente do seu valor, exige outorga do cônjuge, exceto quando o regime de
bens do casamento for a separação convencional de bens ou a participação final nos aquestos (DESTAQUE: art. 73
do CPC/15 : ressalva a exigibilidade de consentimento de ambos os cônjuges quando o regime patrimonial
adotado for o de separação absoluta de bens, dispensando a citação em ação que verse sobre direito real
imobiliário também quando adotado este regime. A inovação mais importante consta do último parágrafo, que
estende à união estável as mesmas regras); enquanto os bens móveis podem ser objeto de mútuo, os imóveis
prestam-se ao comodato; a hipoteca é a garantia real, de regra, destinada aos bens imóveis, ao contrário do
penhor, que á garantia real dos móveis.

Os navios e aeronaves são bens móveis especiais ou sui generis, apesar de serem móveis pela natureza ou
essência, são tratados pela lei como imóveis, necessitando de registro especial e admitindo hipoteca, justamente
porque pode recair também sobre navios e aviões, pelo seu caráter acessório e pelo princípio de que o acessório
deve seguir o principal, a hipoteca, direito real de garantia, pode ser bem móvel ou imóvel.

Bens fungíveis são os que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade;
Bens infungíveis: não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Essa
característica resulta da própria natureza do bem ou da vontade das partes.
Bens consumíveis: são os que por causa do seu consumo implica destruição imediata;
Bens inconsumíveis: são os que proporcionam reiteradas utilizações sem que se retire sua utilidade.
Obs: Admite-se que seja considerada consumível uma coisa por estar destinada à alienação: é a chamada
consuntibilidade jurídica ou consumibilidade de direito. A vontade humana pode tornar inconsumível uma coisa
que, pela sua própria natureza, seria consumível, como ex. um automóvel.

Bens divisíveis: são os que podem se partir em porções reais e distintas, formando cada qual um todo ideal e
perfeito, sem alteração de suas qualidades essenciais, inclusive valor econômico;
Bens indivisíveis: são aqueles que, se partidos, deixam de formar um todo perfeito, desvalorizando-se ou
perdendo as qualidades essenciais do todo. Obs: A indivisibilidade pode decorrer por sua natureza, por
determinação legal ou por vontade das partes.
Bens singulares: são os que, embora reunidos, podem ser considerados de per si, independentemente das
demais que a compõem;
*Os bens singulares podem ser: a) simples, referindo-se àqueles que formam um todo homogêneo, cujas partes,
unidas pela natureza ou pelo engenho humano, não precisam de determinação de lei; b) compostas, que são
aquelas coisas formadas pela conjunção de coisas simples que, em consequência, perdem autonomia.

Bens coletivos ou universais: são aqueles agregados a um conjunto, por várias coisas singulares, passando a

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formar um todo único, possuidor de individualidade própria, distinta de seus componentes.
*Os bens coletivos são divididos em: a) universalidades de fato, são os bens singulares, corpóreos e homogêneos,
ligados entre si pela vontade humana e que tenham utilização unitária ou homogênea, sendo possível que tais
bens sejam objeto de relações jurídicas próprias; b) universalidade de direito, são os bens singulares, tangíveis ou
não, a que uma ficção legal, com o intuito de produzir certos efeitos, corresponde a uma unidade individualizada.

Bens reciprocamente considerados:


Bens principais: são os que existem de maneira autônoma e independente, de forma concreta ou abstrata.
Bens acessórios: são os cuja existência e finalidade depende do bem principal.

Pertenças (art. 93 do CC): Novidade do CC/02 "São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se
destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro".
Obs: Diferentemente das pertenças, as partes integrantes são bens que se unem ao principal, formando um todo,
desprovidas de existência material própria, embora mantenham sua utilidade.
En. 535, da VI Jornada de Direito Civil: Para a existência de pertença, o art. 93 do CC não exige elemento subjetivo
como requisito para o ato de destinação.

Espécies de bens acessórios:


a) frutos: são as utilidades produzidas com periodicidade pela coisa principal, cuja percepção mantém intacta a
substância do bem. Podem ser naturais (proveem da força animal ou vegetal da natureza), industriais (decorrem
da atuação humana) e civis (utilidades que o bem principal produz periodicamente, sem perder a sua substância
como os rendimentos), e quanto ao estado em que se encontrem podem ser pendentes (ligados à coisa principal,
ainda não foram colhidos), percebidos (separados do principal), percipiendos (deveriam, mas não foram colhidos)
e consumidos (foram colhidos e não existem mais). Obs.: Segundo o art. 1215 do CC, os frutos naturais e
industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

b) produtos: são as utilidades que podem ser retiradas da coisa alterando sua substância, diminuindo a
quantidade e levando até o seu esgotamento;

c) Benfeitorias: são acessórios introduzidos pelo homem em um bem móvel ou imóvel, visando a sua
conservação, melhoramento ou embelezamento. Dividem-se em: necessárias, indispensáveis à conservação das
coisas; úteis, aumentam ou facilitam o uso da coisa; ou voluptuárias, destinadas a tornar a coisa mais formosa,
servindo para o mero deleite.

Bens públicos: são aqueles cujo titular é uma pessoa jurídica de direito público. Podem ser de uso comum
(admite a utilização por qualquer pessoa, indiscriminadamente, a título gratuito ou oneroso); especial (utilizados
pelo poder público para suas próprias instalações); e dominical ou dominial (integram o patrimônio disponível
estatal) – Obs.: Os terrenos de marinha são considerados bens dominicais, podendo ser objeto de ocupação por
particulares.
Atenção: Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de
direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

b) particulares: são todos os bens que não pertencem às pessoas de direito público.

Obs.: para muitos estudiosos do Direito, na classificação de bens, está superada a dicotomia público e privado
apontada. Surge o conceito de bem difuso, sendo seu exemplo típico o meio ambiente, protegido pelo art. 225 da
CF e pela Lei 6.938/1981,visando à proteção da coletividade, de entes públicos e privados – Bem ambiental como
um bem difuso, material ou imaterial, cuja proteção visa assegurar a sadia qualidade de vida das presentes e
futuras gerações.

O PATRIMÔNIO:
Entre os civilistas da nova geração, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald conceituam o patrimônio como
"o complexo de relações jurídicas apreciáveis economicamente (ativas e passivas) de uma determinada pessoa.

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Ou seja, é a totalidade dos bens dotados de economicidade pertencentes a um titular, sejam corpóreos (casa,
automóvel etc.) ou incorpóreos (direitos autorais)". Constitui uma universalidade jurídica (art. 91, CC),
abrangendo os direitos reais e os obrigacionais. Patrimônio, portanto, é a constituição econômica da pessoa
natural ou jurídica, caracterizando-se por sua conversibilidade em dinheiro. Nele se incluem bens móveis e
imóveis, créditos, dívidas. O dano moral ou material sofrido, que se enquadre nas condições geradoras de direito
à indenização, produz crédito econômico que integra o patrimônio da vítima. No rol dos bens que se incluem na
noção de patrimônio, Clóvis Beviláqua relacionou: a posse, os direitos reais, os intelectuais, os obrigacionais e as
relações econômicas do Direito de Família.
Pela própria definição de patrimônio, dele não participam os chamados direitos da personalidade, como o direito
à honra e à integridade física, por não possuírem valor econômico. Também não se incluem os direitos de família
puros ou pessoais, que não têm implicações econômicas, diferentemente dos direitos de família de conteúdo
econômico, como os relativos aos alimentos, que fazem parte do patrimônio das pessoas.
O patrimônio de alguém pode ser considerado apenas pelo acervo de bens e de créditos, quando é chamado
patrimônio bruto, ou então, descontando-se deste último o conjunto de débitos, quando se tem o patrimônio
líquido. A aplicação de um conceito ou de outro varia em função da matéria em questão.

Para Pontes de Miranda, além do patrimônio geral, que abrange todos os direitos, pretensões, ações e exceções
patrimoniais, haveria os patrimônios separados, como o da cota de herança.

Não obstante a importância do conceito de patrimônio para as mais diversificadas relações jurídicas, o Código
Civil de 2002 não cuidou de sua definição. Pensam alguns que o patrimônio é emanação da personalidade
(AubryetRau ) e, como esta é intransmissível, aquele também o seria. Além disto, há juristas que incluem no
conceito de patrimônio a capacidade ou aptidão para a aquisição de bens, cujas qualidades são, por natureza,
intransmissíveis. Assim, são consequências naturais e necessárias desta ideia central as seguintes características
derivadas: a) não cessibilidade do patrimônio. Pode, sem dúvida, uma pessoa alienar todos os seus bens, sem,
todavia, ceder o seu patrimônio, porque este compreende também a capacidade de adquirir novos direitos. Entre
vivos a cessão do patrimônio implicaria o aniquilamento da personalidade; b) indivisibilidade do patrimônio. Do
mesmo modo que a personalidade é indivisível, o patrimônio, sua emanação, também o é. Frise-se, ademais, não
se admitir a pluralidade de patrimônios numa mesma pessoa, uma vez que se fosse facultado ao sujeito, a seu
critério, separar bens do seu patrimônio e com eles formar patrimônios separados, estes poderiam ser ocultados
dos seus credores, facilitando a fraude contra credores e a fraude à execução.

Teoria do patrimônio mínimo:


Procurando-se valorizar um mínimo patrimonial, para que a pessoa tenha direito a uma vida digna, com a
chamada tendência de personalização do Direito Civil e de valorização da pessoa humana, ao lado da teoria da
despatrimonialização (uma vez que a pessoa é tratada antes do patrimônio, perdendo o patrimônio o papel de
ator principal e se tornando mero coadjuvante), assentou-se a célebre tese do Estatuto Jurídico do Patrimônio
Mínimo, de Luiz Edson Fachin, Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Com base na Constituição Federal (art. 1º, inc. III), que erige a dignidade da pessoa humana em princípio
essencial ao Estado Democrático de Direito, no qual se funda a República Federativa, prospera em nosso meio
jurídico a citada teoria do patrimônio mínimo, segundo a qual toda pessoa tem direito ao domínio de bens
materiais, que torne possível a sua sobrevivência digna.
O instituto do bem de família, objeto da Lei nº 8.009/90 e arts. 1.711 a 1.722 do Código Civil, guardou sintonia
com esta orientação. Isso porque o patrimônio mínimo, formado por móveis e utensílios por ex., não é suscetível
de penhora nas execuções judiciais. Igualmente o imóvel residencial da entidade familiar, excetuadas as
decorrentes de algumas dívidas, como a de alimentos e a de impostos, taxas ou contribuições incidentes sobre o
prédio. Na dívida alimentícia, a Lei nº 13.144, de 06.07.2015 alterou o inciso III do art. 3º da Lei nº 8.009/1990
para resguardar a meação do cônjuge ou companheiro quando a responsabilidade pela dívida for apenas de um
deles (mas se a dívida é comum ao casal, não prevalece a proteção ao bem de família). O art. 548 do Código Civil,
afinado também com a filosofia do patrimônio mínimo, veda a doação de todos os bens, quando não restarem
meios de subsistência, como pensão ou aposentadoria de valor suficiente. Como as necessidades essenciais
variam entre os indivíduos, não há como se relacionar exaustivamente o conteúdo do patrimônio mínimo.

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BENS INAPROPRIÁVEIS:
A doutrina, a par das classificações já apontadas, registra aquela atrelada à comercialidade do bem – Bens no
comércio e Bens fora do comércio (extra commercium).
De modo genérico, todos os bens podem ser apropriados e alienados, a título oneroso ou gratuito. Há, no
entanto, exceções à regra geral, constituindo o que se convencionou denominar de bens fora do comércio ou
bens inalienáveis (pela impossibilidade de serem negociados). Tais bens são aqueles que não podem ser
transferidos de um patrimônio para outro, pois são insuscetíveis de apropriação.
A doutrina registra três espécies de bens extra commercium:

a) os inapropriáveis por natureza (a extracomercialidade é absoluta), os quais englobamos bens de uso inexaurível
(res communesomnium), como a água corrente, o ar atmosférico e a luz solar. Não são passíveis de posse
exclusiva pelo homem, dada a sua inesgotabilidade (Paulo Nader excepciona no caso de se tornarem raros).
b) os legalmente inalienáveis, apesar de susceptíveis de apropriação pela sua natureza, têm sua comercialização
vedada por lei. No ordenamento jurídico brasileiro são bens legalmente inalienáveis: os bens públicos (CC, art.
100); os bens pertencentes às fundações (CC, arts. 62 a 69); os bens dos menores (CC, art. 1.691); (b.4) o bem de
família convencional (CC, art. 1.711); o terreno onde se edificou condomínio de andares (Lei nº 4.591/64, art. 3º);
as terras ocupadas pelos índios, por estarem caracterizadas como bem público da União; os lotes rurais
remanescentes de loteamentos já inscritos, quando tiverem área inferior ao módulo fixado para a respectiva
região (Lei nº 4.947/66); a herança de pessoa viva (CC, art. 426).
c) inalienáveis por ato de vontade são aqueles colocados fora do comércio por declaração de vontade. O gravame
com a cláusula de inalienabilidade, por atos de liberalidade, implica a impenhorabilidade e incomunicabilidade. O
bem que entrar no lugar do inalienável ficará gravado com igual cláusula, como prevê o § 2º do art. 1.848 do
Código Civil.

Atenção.: O corpo humano é, ou não, coisa fora do comércio? Segundo o Prof. Cristiano Chaves, o corpo morto
mantém sua natural característica de direito da personalidade (no âmbito físico), motivo pelo qual somente será
possível ao titular dispor, ainda em vida, de seu corpo para depois da morte, dentro de certos limites, conforme a
finalidade almejada, em consonância com o que dispõe o art. 14 do CC. Frise-se que o ato de disposição do corpo
humano, inclusive do corpo morto, necessariamente, será gratuito, vedado o intuito lucrativo (art. 199, § 4º, da
CF e art. 1º da Lei nº 9.434/97) Para Maria Helena Diniz: o “direito às partes separadas do corpo vivo ou morto
integra a personalidade humana”, motivo pelo qual as considera coisas extra commercium. Como as partes
separadas acidental ou voluntariamente do corpo são consideradas coisas (res), passam para a propriedade do
seu titular, ou seja, da pessoa da qual se destacaram, que delas poderá dispor, gratuitamente, desde que tenham
em vista um fim terapêutico ou humanitário”.

Os terrenos que servem para os cemitérios públicos (que são objeto de concessões públicas) também constituem
bens fora do comércio, motivo pelo qual os monumentos tumulares erigidos neles não podem sofrer penhora.

BENS IMPENHORÁVEIS:

Quanto aos bens que estão protegidos da penhorabilidade, constam eles do rol do art. 833 do CPC/15, que não
utiliza mais a expressão "bens absolutamente impenhoráveis", mas apenas bens "impenhoráveis", em um sentido
de relativização ou abrandamento, pela retirada do superlativo, o que veio em boa hora. Conforme previsão do
caput do citado artigo 833, são impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de
elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as
pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas
ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional
liberal, ressalvado o §2º;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou

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úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou
assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária,
vinculados à execução da obra.

O parágrafo 1º, no entanto, destaca que a impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao
próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
A norma ressalta ainda que o disposto nos incisos IV e X acima não se aplicam à hipótese de penhora para
pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes
a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, §8º, e no art.
529, §3º do diploma processual civil.
Incluem-se ainda nos bens impenhoráveis do inciso V do artigo 833, os equipamentos, os implementos e as
máquinas agrícolas pertencentes à pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens
tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam
por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.

BEM DE FAMÍLIA:
O exemplo mais contundente da proteção ao patrimônio mínimo da pessoa humana é, sem dúvida, a proteção ao
bem de família (Lei nº 8.009/90 e CC, arts. 1.711 a 1.722).
O bem de família pode ser conceituado como o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, decorrente
de casamento, união estável, entidade monoparental, ou entidade de outra origem, protegido por previsão legal
específica. Duas são as formas de bem de família previstas no ordenamento jurídico brasileiro: *Bem de família
voluntário ou convencional – com tratamento no Código Civil de 2002 entre os seus arts. 1.711 a 1.722; e *Bem
de família legal – regulado pela Lei 8.009/1990.

Bem de família voluntário ou convencional: O bem de família convencional ou voluntário pode ser instituído
pelos cônjuges, pela entidade familiar ou por terceiro, mediante escritura pública ou testamento, não podendo
ultrapassar essa reserva um terço do patrimônio líquido das pessoas que fazem a instituição (art. 1.711 do CC). A
proteção poderá ainda abranger valores mobiliários, cuja renda seja aplicada na conservação do imóvel e no
sustento da família. A instituição do bem de família convencional deve ser efetuada por escrito e registrado no
Cartório de Registro de Imóveis do local em que ele está situado (art. 1.714 do CC).
Com a instituição do bem de família convencional ou voluntário, o prédio se torna inalienável e impenhorável,
permanecendo isento de execuções por dívidas posteriores à instituição. Entretanto, tal proteção não prevalecerá
nos casos de dívidas com as seguintes origens (art. 1.715 do CC):
a) dívidas anteriores à sua constituição, de qualquer natureza;
b) dívidas posteriores, relacionadas com tributos relativos ao prédio, caso do IPTU (obrigações propter rem ou
ambulatórias); c) despesas de condomínio (outra típica obrigação propter rem ou ambulatória), mesmo
posteriores à instituição.
Destaque-se que essas são as exceções relativas ao bem de família convencional, não se confundido com aquelas
previstas para o bem de família legal (art. 3.º da Lei 8.009/1990).
Obs: A extinção do bem de família convencional não afasta a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990.
A dissolução da sociedade conjugal, por divórcio, morte, inexistência, nulidade ou anulabilidade do casamento,
não extingue o bem de família convencional.
Por fim, enuncia o art. 1.722 do CC que se extingue o bem de família convencional com a morte de ambos os
cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela.
Obs: O Ministério Público e o bem de família convencional: No ordenamento anterior não havia previsão de
intervenção do Ministério Público com relação ao bem de família. Com o advento do Código Civil de 2002, no

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entanto, o Parquet passou a ter atuação no bem de família convencional, consoante previsão expressa dos arts.
1.717 e 1.719 . Assim, a falta de intimação do órgão do Ministério Público para quese manifeste (livremente)
sobre o pedido relacionado ao bem de família conduz à fatal nulidade do processo. Como se verifica, não se
subordinou a atuação ministerial em matéria de bem de família à presença de incapazes ou disposição de última
vontade.
Bem de família legal

Já a Lei 8.009/1990 traça regras específicas quanto à proteção do bem de família legal, prevendo em seu art. 1.º
que “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.
Isso justifica a Súmula 205 do STJ, segundo a qual a Lei 8.009/1990 tem eficácia retroativa, atingindo as penhoras
constituídas antes da sua entrada em vigor.
Em regra, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel for utilizado para residência ou
moradia permanente da entidade familiar, não sendo admitida a tese do simples domicílio (art. 5.º, caput, da Lei
8.009/1990). No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, editou a Súmula 486 do STJ, com o seguinte teor: “É
impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com
a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.
Os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos estão excluídos da impenhorabilidade (art. 2.º). A
penhorabilidade dos veículos de transporte atinge as vagas de garagem com matrícula própria, segundo a Súmula
449 do STJ (“A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família
para efeito de penhora”). A súmula merece críticas por causa do princípio da gravitação jurídica (o acessório
segue o principal).
Nas situações concretas de imóvel locado, a impenhorabilidade atinge também os bens móveis do locatário,
quitados, que guarneçam a sua residência (art. 2.º, parágrafo único, da Lei 8.009/1990).
O art. 3.º da Lei 8.009/1990 consagra exceções à impenhorabilidade, a saber:
a) Créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias CUIDADO: esse
dispositivo foi REVOGADO EXPRESSAMENTE pelo art. 46 da Lei Complementar 150/2015 , que regulamentou os
direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos. Para Flávio Tartuce, a inovação veio em boa hora, pois a tutela
da moradia deve, de fato, prevalecer sobre os créditos trabalhistas de qualquer natureza.
b) Pelo titular do crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel, no limite
dos créditos e acréscimos decorrentes do contrato.
c) Pelo credor de pensão alimentícia, seja ela decorrente de alimentos convencionais, legais (de Direito de
Família) ou indenizatórios (nos termos do art. 948, II, do CC). A respeito dos alimentos indenizatórios, a questão
não é pacífica. Cumpre anotar que o STJ não inclui entre tais débitos alimentares os honorários advocatícios (Info
n. 469). OBS: esse inciso foi alterado pela Lei 13.144, de 6 de julho de 2015, passando a mencionar a proteção dos
direitos, sobre o bem de família, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal,
observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida. Em suma, em casos tais as dívidas alimentares
não têm o condão de quebrar a impenhorabilidade do bem de família. Essa proteção da meação do cônjuge e do
companheiro já era retirada das regras relativas ao regime de bens.
d) Para a cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em relação ao imóvel familiar.
Quando há menção às contribuições relativas ao imóvel, segundo a jurisprudência, estão incluídas as dívidas
decorrentes do condomínio, mas não se aplica no caso de dívidas de associações de moradores em condomínios
fechados de casas (STJ, Info 510).
e) Para a execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
O STJ tem afastado a penhora do bem de família nos casos de hipoteca oferecida por membro da entidade
familiar, visando garantir dívida de sua empresa individual (interpretação restritiva) Obs.: A norma não alcança os
casos em que a pequena propriedade rural é dada como garantia de dívida. Sustenta-se pelo STJ que tal
propriedade encontra proteção contra a penhora no art. 5º, XXVI da CF/88, dispositivo que deve prevalecer na
espécie.
f) No caso de o imóvel ter sido adquirido como produto de crime ou para a execução de sentença penal
condenatória de ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
g) Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação de imóvel urbano, exceção que foi

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introduzida pelo art. 82 da Lei 8.245/1991. (STF, RE407.688/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 08.02.2006 entendeu
pela constitucionalidade desta exceção em controle difuso, sendo seguido, após, pelo STJ, em sede de incidente
de recursos repetitivos, Info n. 552, 2014), com a edição em seguida da Súmula 549-STJ: É válida a penhora de
bem de família pertencente a fiador de contrato de locação (STJ. 2ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe
19/10/2015).
O Superior Tribunal de Justiça entendeu recentemente que o rol das exceções à proteção do bem de família é
meramente exemplificativo (numerus apertus). A proteção da citada impenhorabilidade não pode prevalecer nos
casos em que o devedor atua de má-fé, alienando todos os seus bens e fazendo restar apenas o imóvel de
residência (STJ, REsp 1.299.580/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.03.2012).

Destaque importante: Além de todas essas hipóteses, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido também que
"o fato do terreno encontrar-se desocupado ou não edificado são circunstâncias que sozinhas não obstam a
qualificação do imóvel como bem de família, devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída"
(tese número 10, publicada na Ferramenta Jurisprudência em Teses, Edição n. 44). Trata-se do que se pode
denominar bem de família vazio. Todas essas interpretações extensivas do texto legal mantêm relação direta com
a metodologia do Direito Civil Constitucional, segundo a qual se deve analisar os institutos privados de acordo
com os direitos fundamentais e os princípios constitucionais, encartados na CF/1988.

COMPILADO DOS PRECEDENTESComo se viu, o tema ‘bem de família’, e sua (im)penhorabilidade, possui boa
carga jurisprudencial, com vários enunciados de súmulas e entendimentos jurisprudenciais (recentes):
*Bem de família – Súmulas
Súmula 205-STJ: A Lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência.
Súmula 364-STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a
pessoas solteiras, separadas e viúvas. Importante
Súmula 449-STJ: A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de
família para efeito de penhora. Importante
Súmula 486-STJ: É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a
renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. Importante - Pela Lei
8.009/90, somente seria impenhorável o imóvel próprio utilizado pelo casado ou pela entidade familiar para
moradia permanente. O STJ, por meio de uma interpretação teleológica e valorativa, amplia a proteção.
Súmula 549-STJ: É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação (STJ. 2ª Seção.
Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015). Importante
Súmula: 560-STJ:A decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art. 185-A do CTN, pressupõe
o exaurimento das diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o
pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do
executado, ao Denatran ou Detran. (aprovada em 9/12/2015, DJe 15/12/2015).

*Bem de família – Informativos (Dizer o Direito):


Bem adquirido com produto do crime é penhorável mesmo que tenha havido extinção da punibilidade pele
cumprimento do sursis processual:
Na execução civil movida pela vítima, não é oponível a impenhorabilidade do bem de família adquirido com o
produto do crime, ainda que a punibilidade do acusado tenha sido extinta em razão do cumprimento das
condições estipuladas para a suspensão condicional do processo. Aplica-se, no caso, a exceção prevista na
primeira parte do inciso VI do art. 3º da Lei nº 8.009/90 ("por ter sido adquirido com produto de crime"). A Lei nº
8.009/90 permite a penhora do bem de família adquirido com produto de crime sem que para isso precise existir
condenação na esfera criminal. - STJ. 4ª Turma. REsp 1.091.236-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 15/12/2015
(Info 575)

Desconsideração da personalidade jurídica e impenhorabilidade do bem de família dos sócios:


A desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária falida que tenha sido decretada em
decorrência de fraude contra a massa falida não implica, por si só, o afastamento da impenhorabilidade dos bens
de família dos sócios. Em outras palavras, o simples fato de ter sido decretada a desconsideração da
personalidade jurídica, por si só, não permite que seja penhorado o bem de família pertencente aos sócios, salvo

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se os atos que ensejaram a desconsideração também se ajustarem às exceções legais previstas no art. 3º da Lei
n. 8.009/90. Tais exceções devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo, por analogia ou esforço
hermenêutico, apanhar situações não previstas em lei, de modo a superar a proteção conferida à entidade
familiar. STJ. 4ª Turma. REsp 1.433.636-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/10/2014 (Info 549).

Possibilidade de penhora de bem de família por má-fé do devedor:


A renúncia ao bem de família é válida? O devedor pode oferecer seu bem de família para ser penhorado? Em
regra, NÃO. O STJ possui diversos julgados afirmando que a proteção conferida ao instituto de bem de família pela
Lei 8.009/90 é uma norma cogente, uma questão de ordem pública. Logo, não se admite que o titular desse
benefício renuncie à sua proteção. Exceção: não se deve desconstituir a penhora de imóvel sob o argumento de
se tratar de bem de família na hipótese em que, mediante acordo homologado judicialmente, o executado tenha
pactuado com o exequente a prorrogação do prazo para pagamento e a redução do valor de dívida que contraíra
em benefício da família, oferecendo o imóvel em garantia e renunciando expressamente ao oferecimento de
qualquer defesa, de modo que, descumprido o acordo, a execução prosseguiria com a avaliação e praça do
imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.461.301-MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 5/3/2015 (Info 558).

Executado que aliena o bem de família pratica fraude à execução?


Existe fraude à execução quando o devedor, ciente de que existe execução contra si proposta, aliena o bem de
família? O tema é polêmico, havendo decisões do STJ nos dois sentidos:SIM.*mais recente*STJ. 3ª Turma. REsp
1364509/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/06/2014 (Info 545). NÃO.STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp
255.799/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17/09/2013. STJ. 4ª Turma. REsp 976.566/RS, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/04/2010.

Penhora do bem de família e garantia de dívida:


É possível a penhora do bem de família para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real
pelo casal ou pela entidade familiar (inciso V do art. 3º). A exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90, que
deve ser interpretada restritivamente, somente atinge os bens que foram dados em garantia de terceiros. STJ. 3ª
Turma. REsp 1.115.265-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 24/4/2012.
Penhora do bem de família para pagamento de pensão alimentícia:
A impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90 não pode ser oposta ao credor
de pensão alimentícia decorrente de vínculo familiar ou de ato ilícito. STJ. 4ª Turma, AgRg no AREsp 516272-
SP,Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 03/06/2014; STJ. 3ª Turma, REsp 1305090-PR, Rel. Min. Ricardo Villas
BôasCueva, julgado em 28/08/2015.Obs.: A impenhorabilidade do bem de família é oponível às execuções de
sentenças cíveis decorrentes de atos ilícitos, salvo se decorrente de ilícito previamente reconhecido na esfera
penal.STJ.4ª Turma,REsp 1327853/RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 27/08/2014.

Bem de família ocupado por familiar:


Se o executado possui um único imóvel residencial, mas quem mora nele é um parente (ex: filho), mesmo assim
esse imóvel será considerado como bem de família, sendo impenhorável. Em outras palavras, constitui bem de
família, insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda que o
proprietário nele não habite. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.216.187-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em
14/5/2014 (Info 543).
Impenhorabilidade do imóvel em nome da sociedade empresária, mas no qual reside o sócio:
A impenhorabilidade do bem de família no qual reside o sócio devedor não é afastada pelo fato de o imóvel
pertencer à sociedade empresária. STJ. 4ª Turma. EDcl no AREsp 511.486-SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em
3/3/2016 (Info 579).

Bem de família e imóvel rural:


Tratando-se de bem de família que se constitua em imóvel rural, é possível que se determine a penhora da fração
que exceda o necessário à moradia do devedor e de sua família. STJ. 2ª Turma. REsp 1.237.176.486-SP, Rel. Min.
Eliana Calmon, julgado em 4/4/2013 (Info 521).

Momento em que a impenhorabilidade deve ser arguida:

51
A impenhorabilidade do bem de família é questão de ordem pública, dela podendo conhecer o juízo a qualquer
momento, antes da arrematação do imóvel, desde que haja prova nos autos. Logo, mesmo que o devedor não
tenha arguido a impenhorabilidade no momento oportuno, é possível sua alegação desde que antes da
arrematação do imóvel. STJ. 4ª Turma. REsp 981.532-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/8/2012.

Hipóteses de penhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente:


Segundo o STJ, as exceções à impenhorabilidade do bem de família, previstas no art. 3º, da Lei 8.009/90, devem
ser interpretadas restritivamente. STJ. 4ª Turma, REsp.997.261-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
4/9/2012.

*Demais julgados (Jurisprudência em teses – STJ):


Os integrantes da entidade familiar residentes no imóvel protegido pela Lei n. 8.009/90 possuem legitimidade
para se insurgirem contra a penhora do bem de família. REsp 1377344/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, TERCEIRA TURMA, Julgado em 26/02/2015,Publicado em 08/04/2015

A proteção contida na Lei n. 8.009/1990 alcança não apenas o imóvel da família, mas também os bens móveis
indispensáveis à habitabilidade de uma residência e os usualmente mantidos em um lar comum. AgRg no REsp
606301/RJ,Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, Julgado em 27/08/2013,DJE 19/09/2013; AREsp
568373/RJ,Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, Julgado em 02/02/2015,Publicado em
10/02/2015

A exceção à impenhorabilidade prevista no artigo 3º, II, da Lei n. 8.009/90 abrange o imóvel objeto do contrato de
promessa de compra e venda inadimplido.REsp 1440786/SP,Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
Julgado em 27/05/2014,DJE 27/06/2014; AREsp 710721/SC,Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA,Julgado em 19/06/2015,Publicado em 24/06/2015

É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívidas oriundas de despesas
condominiais do próprio bem.REsp 1401815/ES,Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, Julgado em
03/12/2013,DJE 13/12/2013; AREsp 579772/SP,Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA,Julgado em
30/03/2015,Publicado em 07/04/2015

O fato do terreno encontrar-se desocupado ou não edificado são circunstâncias que sozinhas não obstam a
qualificação do imóvel como bem de família, devendo ser perquirida, caso a caso, a finalidade a este atribuída.
REsp 1417629/SP,Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, Julgado em 10/12/2013,DJE
19/12/2013;AREsp 053812/RS,Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Julgado em 30/04/2015,Publicado
em 05/05/2015
Afasta-se a proteção conferida pela Lei n. 8.009/90 ao bem de família, quando caracterizado abuso do direito de
propriedade, violação da boa-fé objetiva e fraude à execução. AgRg no AREsp 689609/PR,Rel. Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA,Julgado em 09/06/2015,DJE 12/06/2015; REsp 1494394/SP,Rel. Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,Julgado em 13/08/2015,Publicado em 28/08/2015

A impenhorabilidade do bem de família hipotecado não pode ser oposta nos casos em que a dívida garantida se
reverteu em proveito da entidade familiar.AgRg nos EDcl no REsp 1463694/MS,Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, TERCEIRA TURMA,Julgado em 06/08/2015,DJE 13/08/2015; AREsp 296696/SP,Rel. Ministro ANTONIO
CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA,Julgado em 15/06/2015,Publicado em 03/08/2015

A impenhorabilidade do bem de família não impede seu arrolamento fiscal. AgRg no REsp 1492211/PR,Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,Julgado em 18/12/2014,DJE 03/02/2015

A preclusão consumativa atinge a alegação de impenhorabilidade do bem de família quando houver decisão
anterior acerca do tema. AgRg no AREsp 635815/SP,Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Julgado em
19/05/2015,DJE 27/05/2015; AREsp 726235/RS,Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA,Julgado em 25/06/2015,Publicado em 04/08/2015

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É possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da
vigência da Lei n. 8.245/91, que acrescentou o inciso VII ao art. 3º da Lei n. 8.009/90.AgRg nos EDcl nos EDcl no
AgRg nos EDcl no REsp 771700/RJ,Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RS), Julgado em 28/02/2012,DJE 26/03/2012; AREsp 325417/RS,Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA,
QUARTA TURMA,Julgado em 31/08/2015,Publicado em 09/09/2015

A impenhorabilidade do bem de família é questão de ordem pública, razão pela qual não admite renúncia pelo
titular.AgRg nos EDcl no REsp 1463694/MS,Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA,Julgado
em 06/08/2015,DJE 13/08/2015

A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da


publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão
declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns,
ou da demonstração de má-fé do adquirente. REsp 1.424.275-MT, DJe 16/12/2014 - Info 554 STJ/2015

Questões anteriores do MPF:


(MPF/PROCURADOR DA REPÚBLICA/26ºCPR) Assinale o item verdadeiro:
a) bens de uso comum do povo são, por suas características e destinação, titularizados pelas pessoas politicas,
não podendo ser geridos por pessoas da administração pública indireta.
b) As terras tradicionalmente ocupadas por indígenas são bens de uso comum do povo, inalienáveis,
imprescritíveis e indisponíveis, só podendo ter sua destinação alterada mediante autorização prévia do Congresso
Nacional.
c) Os terrenos de marinha são bens dominicais, podendo ser, nessa condição, objeto de ocupação por
particulares, mediante pagamento de prestação anual calculada com base no valor do domínio pleno do bem.
d) Os bens públicos de uso especial destinam-se à prestação de serviços públicos ou à satisfação de necessidades
internas da Administração, não podendo ser, em qualquer hipótese, consumidos por particulares.

GAB. C
Obs.: As terras ocupadas pelos índios são bens da União (Art. 20, XI, CF)
Quanto aos terrenos de marinha: Art. 20. São bens da União (BENS DOMINICAIS): VII - os terrenos de marinha e
seus acrescidos;
ADCT. Art. 49. A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no
caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que
dispuserem os respectivos contratos.
§ 1º - Quando não existir cláusula contratual, serão adotados os critérios e bases hoje vigentes na legislação
especial dos imóveis da União.
§ 2º - Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicação de outra modalidade de
contrato.
§ 3º - A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de
segurança, a partir da orla marítima.

(MPF/PROCURADOR DA REPÚBLICA/26ºCPR) Relativamente aos bens ou coisas, e correto afirmar que:


a) As Res Divini luris do Direito Romano eram as coisas consagradas aos deuses superiores.
b) O termo bem, no nosso direito atual, refere-se a uma espécie de coisa, embora, usualmente, possa designar
toda e qualquer coisa.
c) As pertenças, tanto no Código Civil de 1916 como no atual, foram definidas no capitulo que trata dos bens
principais e acessórios.
d) A denominação coisa fungível e infungível surgiu apenas na Idade Moderna.

GAB. B – Cf. concepções de bem vs. coisa.


Obs.: *As res divini iuris, eram res nullius, ou seja, não pertenciam a alguém, elas compreendiam: as res sacrae,
que se destinavam aos cultos, as res religiosae, que eram coisas dedicadas aos deuses manes, as res sanctaeque

53
possuíam caráter religioso, mas não eram dedicadas aos deuses.
*Pertenças, novidade do CC/2002 e não pressupõe subordinação ao bem principal ou acessório;
*A classificação dos bens fungíveis e infungíveis surgiu na Idade média. Cf. Doutrinas de Paulo Nader e Cristiano
Chaves.

(MPF/PROCURADOR DA REPÚBLICA/28ºCPR) Assinale a alternativa correta


a) A ordem legal de nomeação do curador de interdito tem caráter absoluto.
b) O mútuo feneratício não é mais contemplado no sistema jurídico brasileiro.
c) Os bens acessórios são objetos corpóreos que podem ou não seguir o bem principal.
d) A reserva mental ilícita, conhecida do declaratário, equipara-se, quanto aos efeitos, à simulação.

GAB. D – A alternativa C foi considerada errada - princípio da gravitação jurídica.

5.FATOS JURÍDICOS
5.1 Fatos jurı ́dicos, atos jurı ́dicos e negócios jurı ́dicos. Elementos e requisitos. Manifestação e interpretação das
declarações de vontade. Condição, termo e encargo. (6.a)
5.2 Negócios jurı ́dicos. Defeitos e invalidades. Equilı ́brio econômico, onerosidade e revisão contratual. (9.a)
5.3 Forma e prova dos negócios jurı ́dicos. Modalidades de negócios jurı ́dicos, evicção e vı ́cios redibitórios. (10.a)
5.4 Atos ilı ́citos. Os ilı ́citos civis praticados por pessoas jurı ́dicas. A Lei nº 12.843/2013 (Lei Anticorrupção).
Vedação ao comportamento contraditório. Dever de mitigar as perdas. (11.a)
5.5 Prescrição e da decadência. (7.a)

6A. Fatos jurídicos, atos jurídicos e negócios jurídicos. Elementos e requisitos. Manifestação e interpretação das
declarações de vontade. Condição, termo e encargo.

Leonardo Ferreira Mendes 15/09/18

Fato jurídico em sentido amplo é todo acontecimento, natural ou humano, apto a criar, modificar ou
extinguir relações jurídicas. Nem todo fato material é fato jurídico, porque fato jurídico é apenas aquele
relevante para o direito.
O fato jurídico em sentido amplo divide-se em fato jurídico em sentido estrito (que, por sua vez,
subdivide-se em ordinário e extraordinário), ato-fato e ação humana (essa bifurca-se em ato jurídico em sentido
amplo e ato ilícito).
O fato jurídico em sentido estrito é todo acontecimento natural relevante para o direito. São fatos da
natureza, que não dependem da vontade do homem. Podem ser ordinários, que são os comuns (nascimento,
morte natural, decurso do tempo, p. ex.), ou extraordinários, os quais têm carga de imprevisibilidade ou
inevitabilidade (p. ex., inesperado furacão no litoral que causa efeitos jurídicos).
Ato-fato jurídico é uma categoria intermediária, tem algo do fato da natureza e algo da ação do homem.
No ato-fato, embora o comportamento derive do homem e deflagre efeitos jurídicos, é desprovido de
voluntariedade e consciência em direção ao resultado jurídico existente. Ex.: uma pessoa, ao contemplar um
quadro num museu, tem uma micro-hemorragia no nariz e espirra sangue na obra-prima. Realizou um
comportamento humano voluntário? É ato ou fato jurídico? Ato reflexo é voluntário ou não? Isso é um ato
(provém do homem) ou é um fato (provém da natureza)? Há comportamentos que estão entre o fato e o ato,
que são o ato-fato.
As ações humanas também são fatos jurídicos e subdividem-se em ato jurídico em sentido amplo e ato
ilícito. Ato jurídico em sentido amplo é toda ação humana voluntária e lícita que deflagra efeitos na órbita
jurídica. O ato jurídico em sentido amplo sofre uma subdivisão: ato jurídico em sentido estrito (ato não
negocial, é um simples comportamento humano voluntário e consciente, cujos efeitos estão previamente
determinados em lei; não há autonomia negocial ou livre iniciativa; são meros atos materiais, comportamentos
humanos, atos reais, atos da vida, atos de comunicação; p. ex., percepção de um fruto, apropriando-se dele) e
negócio jurídico (dotado da liberdade na escolha de seus efeitos, fruto da autonomia privada, embora a
autonomia hoje esteja limitada por valores constitucionais, já que foi reconstruída a partir da
constitucionalização do direito civil; p. ex., testamento, contrato).
As duas principais teorias que explicam o negócio jurídico são a voluntarista (o núcleo do negócio
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jurídico é a vontade interna, a intenção do declarante; influenciou fortemente o CC/02) e a objetiva ou da
declaração (o núcleo do negócio jurídico é a vontade externa que se declara). Ocorre que as duas vontades têm
que ser consideradas, o negócio é o que se pensa e o que se declara. As teorias se conjugam. Se o que foi
declarado não correspondeu ao pensado, é porque houve um vício de vontade (erro, dolo, etc.).
O art. 112, do CC, estatui que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nela
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
Plano da existência do negócio jurídico: pressupostos existenciais ou elementos constitutivos do
negócio jurídico. São eles: manifestação de vontade (soma da vontade interna com a vontade externa que se
declara), agente, objeto e forma (oral, escrita, ou linguagem mímica).
Obs.: A forma é pressuposto de existência, mas a forma prescrita em lei é requisito de validade (negócio
ad solemnitatem); ex.: na compra e venda de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos (atribuído pelas
partes contratantes e não o valor arbitrado pela Administração Pública, com finalidade tributária), o negócio é
solene, exige escritura pública como requisito de validade. Se a forma for exigida para prova do negócio
(matéria de processo civil), este é denominando ad probationem.
O silêncio: em regra, não traduz manifestação de vontade. Excepcionalmente, pode gerar efeitos
jurídicos (art. 111 do CC).
Plano da validade do negócio jurídico: pressupostos de validade são pressupostos de qualidade do
negócio jurídico, a fim de que ele tenha aptidão para gerar efeitos, nada mais são do que os pressupostos de
existência qualificados.
Para ser válido o negócio, a manifestação de vontade tem que ser totalmente livre e de boa fé (sem os
defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação moral, lesão, estado de perigo, simulação e fraude contra
credores), o agente tem que ser capaz e legitimado, o objeto tem que ser lícito (compatibilidade com a lei e com
o padrão médio de moralidade), possível e determinado (ou ao menos determinável) e a forma deve ser
prescrita ou não defesa em lei.
A invalidade é gênero, a nulidade e a anulabilidade são espécies.
Plano da eficácia do negócio jurídico: os elementos que interferem na eficácia jurídica do negócio são
chamados de acidentais, porque podem ou não ocorrer. São eles: condição, termo e modo ou encargo.
Condição: acontecimento futuro e incerto que subordina a eficácia do negócio jurídico. Deve ser
estipulada pelas partes, não pode ser imposta por lei. Pode ser suspensiva ou resolutiva, não pode ser ilícita. A
condição meramente potestativa é ilícita, porque deriva do exclusivo arbítrio de uma das partes. A
simplesmente potestativa também depende da vontade de uma das partes, mas alia-se a fatores circunstanciais
que a amenizam, por isso não é ilícita.
Termo: acontecimento futuro e certo que interfere na eficácia jurídica do negócio. Diferentemente da
condição suspensiva, o termo inicial suspende apenas o exercício, mas não os direitos e obrigações decorrentes
do negócio.
Modo ou encargo: ônus que se atrela a uma liberalidade. O encargo não suspende a aquisição nem o
exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição
suspensiva.

9A. Negócios jurídicos. Defeitos e invalidades. Equilíbrio econômico, onerosidade e revisão contratual.

Felipe Pazzola

Ato jurídico e Negócio Jurídico


Diferentemente dos fatos jurídicos naturais, os atos jurídicos (sentido amplo) derivam de uma atuação
do ser humano ou da exteriorização de sua vontade, produzindo efeitos reconhecidos pelo direito (fato jurídico
humano voluntário). São aqueles que, derivando da exteriorização da vontade do agente, se dirigem à obtenção
de um resultado jurídico concreto (não vedado por lei). Elementos caracterizadores do ato jurídico em sentido
amplo: a) ato humano de vontade; b) exteriorização da vontade pretendida; c) consciência dessa exteriorização
de vontade; d) que essa vontade exteriorizada dirija-se à obtenção de resultado permitido (não proibido) pela
ordem jurídica. Dividem-se os atos jurídicos em: ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico (a diferença reside
notadamente na possibilidade de regular as consequências no negócio). Enquanto o ato jurídico em sentido
estrito (ou ato não-negocial) tem consectários previstos em lei, afastando, em regra, a autonomia privada (neles
a intenção está em segundo plano, ganhando realce a consequência desejada), o negócio jurídico (ou ato
55
negocial) é manifestação mais evidente da autonomia privada, permitindo ao particular regula por si os próprios
interessesNo ato jurídico sentido estrito, os são ex lege, sem considerar a vontade do agente; ao contrário dos
negócios jurídicos (efeitos ex voluntate). Aplicam-se as regras dos negócios jurídicos (dada a maior
complexidade e riqueza estrutural) aos atos jurídicos lícitos não negociais (em sentido estrito), 185 CC.

A invalidade do negócio jurídico


No plano da validade do negócio jurídico, estão incluídas as hipóteses de nulidades (166 e 167) e de
anulabilidades (171). As nulidades e as anulabilidades são espécies do gênero invalidade do negócio jurídico
(desconformidade com o ordenamento jurídico), dependendo de expressa previsão legal (“ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”). Desatendidos os requisitos de
validade, o negócio jurídico será inválido e, portanto, eivado de nulidade ou anulabilidade. Para que seja válido,
o negócio jurídico deve ter (104, CC): I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei. IV – vontade livre e consciente (doutrina). Ou seja, os elementos de
validade são os elementos de existência (manifestação da vontade, agente, objeto e forma) adjetivados.
NULIDADE ANULABILIDADE
Fundamenta-se em razões de ordem Fundamenta-se em razões de ordem
pública
Pode ser declarada de ofício pelo juiz, a Somente poderá ser invocada por aquele a quem
requerimento do MP, aproveite, não podendo ser
Não é suscetível de confirmação É suscetível de confirmação ou redução
Não convalesce pelo passar do tempo Prazo decadencial de 4 anos
Não produz efeitos Produz efeitos, eqto não for anulado
Reconhecida mediante ação meramente Reconhecida mediante ação desconstitutiva,
declaratória (sujeita a prazo decadencial)
Admite conversão substancial Admite sanação pelas próprias partes
ex: simulação ex: agente incapaz relativamente, erro, dolo,
coação, estado de perigo, lesão, ou fraude
A simulação (167): nulidade
A simulação é a declaração enganosa de vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente
indicado. Há um descompasso entre a declaração de vontade e o verdadeiro resultado objetivado pelas partes.
A simulação revela-se como o intencional e propositado desacordo entre vontade declarada (tornada exterior) e
a vontade interna (pretendida concretamente pelo declarante), fazendo com que seja almejado um fim diverso
daquele afirmado. Aparenta-se um negócio jurídico que, na realidade, não existe ou oculta-se, sob uma
determinada aparência, o negócio verdadeiramente desejado. Duas espécies de simulação: absoluta e relativa.
A simulação absoluta tem lugar quando o ato negocial é praticado para não ter eficácia: não há nenhum
negócio, mas mera aparência (ex: compromisso de compra e venda de imóvel fictício celebrado pelo locador,
apenas para possibilitar uma ação de despejo). Na simulação relativa, oculta-se um outro negócio (que fica
dissimulado), existindo intenção do agente, porém a declaração exteriorizada diverge da vontade interna. Em
ambas as hipóteses, a simulação gera nulidade do negócio jurídico, não produzindo efeitos. A simulação é causa
de nulidade negocial (167). Entretanto, quando se tratar de simulação relativa, subsistirá o negócio dissimulado,
se for válido na substância e na forma.
Quando a simulação não gera prejuízo a terceiros (inexistindo prejudicados) e não frauda a lei, diz-se
tratar de simulação inocente ou tolerável (ex: escritura que conste que o preço foi pago em moeda, quando foi
pago com cheque já compensado). Discute-se se a simulação inocente é ou não causa de invalidade do negócio
jurídico. Apesar da ausência de disposição legal, somente havendo prejuízo de terceiros ou infringência à lei,
poderá se consubstanciar a simulação (que será, portanto, necessariamente maliciosa).

Defeitos do negócio jurídico


As hipóteses em que o negócio jurídico esteja inquinado de algum vício são chamadas de defeitos do
negócio jurídico, que podem se apresentar sob a forma de vícios do consentimento (de vontade) ou vícios
sociais. Os vícios de consentimento dizem respeito a hipóteses nas quais a manifestação de vontade do agente
não corresponde ao íntimo e verdadeiro intento do agente. Ou seja, detecta-se mácula na vontade declarada,
exteriorizando divergência entre a vontade que se percebe e o real desejo do declarante. São vícios de vontade
o erro, o dolo, a coação, a lesão e o estado de perigo. Nos vícios sociais, a vontade é exteriorizada em
conformidade com a intenção do agente, mas há uma deliberada vontade de prejudicar terceiro ou burlar a lei,

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motivo pelo qual o vício não é interno, mas externo, de alcance social. A fraude contra credores é ex. de vício
social. Defeitos do n.j.: vícios do consentimento (vontade): erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo (DECLE) +
Vício social: fraude contra credores. Simulação não é mais defeito do n.j., como era no CC/1916, pois ela não é
mais causa de anulabilidade, mas sim de nulidade.

a) Erro ou ignorância (138 a 144):


A pessoa tem uma falsa visão sobre as circunstâncias elementares do n.j. Erro = falsa noção. Ignorância
= completo desconhecimento.
Para o CC, erro e ignorância se equivalem, gerando anulabilidade do n.j. Erro é vício subjetivo,
diferente do vício redibitório, que é vício objetivo. No erro, a coisa não é aquela que você quer, no vício
redibitório a coisa é a aquela desejada, mas não funciona. No CC/1916, além de substancial o erro deveria ser
escusável (desculpável, qualquer um poderia cair nesse erro) para poder gerar anulabilidade, mas o CC/02
abandonou o critério da escusabilidade do erro, passando a adotar a cognoscibilidade (não se olha apenas para
quem declara a vontade, mas também para quem recebe a declaração de vontade). Para anular o n.j., o erro
tem de ser substancial e a outra parte tem de ter condição de perceber que o declarante da vontade age em
erro – diretriz da eticidade e da socialidade – derivação da boa-fé objetiva e da teoria da confiança. Princípio da
conservação do n.j. (144): o erro não anula quando a parte que ganhou com o erro do outro se prontifica a
realizar o n.j. do modo que a outra parte queria.
b) Dolo (145 a 150)
É todo artifício ou ardil empregado por uma das partes, ou por terceiro, com o fito de induzir outrem à
prática de um ato. Não é necessário que haja prejuízo para aquele que, induzido em erro, manifesta a vontade
através do dolo. Basta que o artifício, o ardil, utilizado tenha sido suficiente para fazer o agente celebrar negócio
que, em condições regulares, não celebraria. (Erro – tem que gerar prejuízo para anular o negócio X Dolo –
anula independente de ter ou não causado prejuízo). Enquanto no erro há uma (espontânea) falsa impressão
das circunstâncias do negócio, no dolo tem-se vício de consentimento em que o agente é induzido a se
equivocar em virtude de manobras ardilosas e maliciosas perpetradas por outrem. Ou seja, o erro é provocado
por terceiro. Para a anulação do negócio por dolo de terceiro é preciso que a parte a quem aproveite o dolo
tivesse (ou devesse ter) conhecimento do mesmo. A parte ludibriada, ainda q o negócio subsista (ex: por falta
de conhecimento da parte em favor de quem aproveite), terá ação de reparação de danos contra o terceiro.
c) Coação (151 a 155)
Coação é toda a pressão física ou moral exercida contra alguém, de modo a forçar a prática de um
determinado negócio jurídico, contra a sua vontade, tornando defeituoso o negócio. É a coação fator externo
apto a influenciar a vítima no sentido de realizar, efetivamente, o negócio que a sua vontade (interna e livre)
não deseja. Enquanto no erro o declarante se engana sozinho, espontaneamente, e no dolo é levado a se
equivocar, por força de manobras ardilosas, na coação o agente sofre intimidação moral: ou pratica o ato ou
sofrerá as consequências decorrentes da ameaça que lhe é imposta. A coação é dividida em 2 tipos distintos: 1)
coação física, a chamada vis absoluta, caracterizada por uma pressão resultante de uma força exterior suficiente
para tolher os movimentos do agente, fazendo desaparecer sua vontade; 2) coação moral, também dita vis
compulsiva, caracterizada pela existência de uma ameaça séria e idônea de algum dano (de ordem material ou
moral), a ser causado ao declarante ou a pessoa afetivamente ligada a ele, viciando a sua vontade. Enquanto na
hipótese de vis absoluta (coação física) o negócio é inexistente, porque não há qualquer declaração de vontade
(nem mesmo qualquer vontade na vítima), no caso da coação moral ( vis compulsiva) o negócio é anulável,
porque houve um vício, defeito, na declaração de vontade, decorrente da coação sofrida, uma vez que não se
tolheu por completo a liberdade volitiva. Não são anulam o negócio jurídico por coação a ameaça de exercício
regular de direito e o temor reverencial (153). Também não constitui defeito a ameaça a um mal impossível ou
remoto, assim como de mal evitável ou menor do que o ato extorquido. A coação exercida por terceiro somente
será causa de anulabilidade do ato se o beneficiário dela tivesse ou devesse ter ciência (154).
d) Lesão (157)
Configura-se a lesão quando alguém obtém lucro exagerado, desproporcional, aproveitando-se da
falta de malícia (inexperiência) ou da situação de necessidade do outro contratante. Prende-se à ideia de justiça
contratual. É sempre um prejuízo resultante da exagerada desproporção das prestações existentes nos negócios
jurídicos. Lesão CC: anulabilidade / Lesão CDC: nulidade. A lesão ocorre no momento da gênese do contrato, e
leva à sua anulabilidade. Por sua vez, a onerosidade excessiva ocorre no decorrer do contrato, gerando a

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revisão. É possível conservar o negócio “se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida
concordar com a redução do proveito.”
e) Estado de perigo (156)
O estado de perigo é a projeção do estado de necessidade do direito penal na seara negocial
(novidade do CC/2002). Caracteriza-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se,
ou pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação onerosamente
excessiva. O estado de perigo ocorre no momento em que se declara a vontade, assumindo obrigação
excessivamente onerosa, por conta da necessidade de salvar a si ou a alguém a quem se liga por vínculo afetivo.
Na coação moral, a ameaça ou violência é oriunda de pessoa interessada na prática do ato (uma das partes do
negócio ou terceiro). No estado de perigo, a ameaça provém de simples circunstância fática, que exerce
contundente influência sobre a vontade do agente que declarará a vontade. Na lesão, a necessidade é
econômica. No estado de perigo, busca-se salvar uma vida. Tem de demonstrar o dolo de aproveitamento da
pessoa que contrata com a outra que age sobre o estado de perigo. Na coação, o próprio coator cria o perigo,
faz a ameaça. No estado de perigo, a pessoa que se aproveita não cria o perigo, mas se aproveita da situação.
f) Fraude contra credores (158 a 165): vício social
A alienação fraudulenta de bens é o gênero do qual se apresentam como espécies a fraude contra
credores (ou fraude pauliana), a fraude de execução e a alienação de bem penhorado. A fraude contra credores
é o artifício malicioso empregado pelo devedor com o fito de impor prejuízo ao credor, impossibilitando-o de
receber o crédito, pelo esvaziamento ou diminuição do patrimônio do devedor. Exige-se que o passivo do
devedor tenha se tornado superior ao ativo, por conta de atos praticados pelo titular com o propósito de lesar o
seu credor. Na fraude pauliana, o devedor dilapida, maliciosamente, o seu patrimônio, reduzindo-o à
insolvência, de modo a prejudicar credores. Seus elementos caracterizadores são: a) a diminuição ou
esvaziamento do patrimônio do devedor, até a sua insolvência (elemento de índole objetiva, chamado de
eventus damni); b) o intuito malicioso do devedor de causar o dano (elemento de cunho subjetivo, nominado de
consilium fraudis). O credor somente logrará invalidar a alienação se provar a má-fé do terceiro adquirente, isto
é, a ciência deste da situação de insolvência do alienante. No entanto, presume-se a má-fé do adquirente em
hipóteses nas quais a insolvência for notória ou quando houver motivo para ser conhecida por ele. São
hipóteses em que se presume o ânimo fraudulento: a) na transmissão gratuita de bens (158, ex: doação); b) na
remissão (perdão) de dívidas; c) na celebração de contratos onerosos do devedor com terceiros (159) em casos
nos quais a insolvência seja notória, pública; d) na antecipação de pagamentos (162); e) no pagamento de dívida
ainda não vencida, por colocar alguns dos devedores em posição desfavorável, quebrando a igualdade (162); f)
na outorga de direitos preferenciais a um dos credores (163), como a instituição de hipoteca ou penhor em
favor de um dos credores.
O reconhecimento da fraude contra credores será realizado por meio de ação pauliana ou ação
revocatória, que possui natureza desconstitutiva, submetida ao prazo extintivo (decadencial) de 4 anos, comum
às ações anulatórias do negócio jurídico por defeito (178). A natureza da sentença pauliana, segundo o
entendimento tradicional da doutrina (anulabilidade do negócio), é constitutiva negativa (desconstitutiva). No
entanto, há posição doutrinária (mais moderna) entendendo que o ato praticado em fraude contra credores é
plenamente válido, preenchendo os requisitos do plano da validade, apenas sendo ineficaz em relação ao
credor do alienante, uma vez que não poderá lhe ser objetado, permitindo-lhe buscar no patrimônio do terceiro
adquirente o bem alienado em fraude, de modo a assegurar seus direito creditícios (posição defendida por
Yussef Said Cahali, Alexandre Câmara e Dinamarco). Assim, a sentença pauliana não anularia o ato, mas tão
somente retira a sua eficácia em relação ao credor. Tal solução não é a adotada pelo sistema jurídico de direito
positivo, que, nitidamente, opta pela anulabilidade do negócio celebrado com fraude contra credores. A
legitimidade ativa para a ação pauliana é daquele que já era credor ao tempo da prática do ato de alienação,
enquanto a legitimidade passiva recai não somente sobre o devedor que fraude o interesse do credor, mas, por
igual, sobre aquele que com ele celebrou o negócio e os terceiros adquirentes que hajam procedido com má-fé
(161), formando um litisconsórcio passivo necessário, em razão da natureza da relação jurídica. A fraude contra
credores não poderá ser discutida nos embargos de terceiros – e em nenhuma outra ação porque o negócio
fraudulento é válido e originariamente eficaz, somente, podendo ser desconstituído por decisão judicial, capaz
de lhe retirar a eficácia nociva ao credor. Súmula 195 STJ “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico,
por fraude contra credores”.
FRAUDE CONTRA CREDORES FRAUDE NA EXECUÇÃO
Instituto de direito material Instituto processual

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Interesse puramente particular Interessedo particulare do Estado
Constitui defeito do negócio jurídico, sendo atacável Não constitui defeito do negócio jurídico, gerando
apenas pelo interessado, com sanção civil apenas a sua ineficácia em relação ao credor
Não constitui crime Constitui crime e ato atentatório à dignidade da
Justiça
Atos praticados são anuláveis, segundo o CC Atos praticados são ineficazes em relação ao
(embora alguns entendam credor lesado
Exige ação pauliana para o seu reconhecimento Dispensa a ação pauliana, podendo ser conhecida
de ofício
Exige elemento objetivo (dano) e subjetivo (conluio Exige apenas o elemento objetivo (dano)
fraudulento)

Conversão substancial do negócio jurídico


Além de admitir a ratificação dos negócios jurídicos anuláveis (172) e a redução dos negócios jurídicos
acometidos de nulidade parcial (184), admite-se a conversão substancial dos negócios jurídicos (170). Trata-se
de hipótese de acolhimento do princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos (princípio da
fungibilidade). A conversão substancial é o meio jurídico por meio do qual, respeitados certos requisitos,
transforma-se um negócio jurídico inválido absolutamente (nulo) em outro, com o intuito de preservar a
intenção das partes. Não se trata de medida de correção de invalidade absoluta do negócio jurídico (até porque
a nulidade é insanável). Na verdade, não se convalida a nulidade do negócio. Aproveita-se a vontade declarada
para a formação de um ato, a princípio nulo, transformando-o em outro, para o qual concorrem os requisitos
formais e substanciais, sendo perfeitamente válido e eficaz. Tão somente autoriza o aproveitamento (pelo juiz)
da vontade emitida para a celebração de um negócio, que é nulo, para que produza efeitos em outra espécie
negocial, desde que a finalidade perseguida esteja respeitada (v.g., contrato de compra e venda de imóvel sem
escritura pública, converte-se em promessa de compra e venda, no qual essa formalidade não é necessária). A
conversão aplica-se aos negócios jurídicos nulos, uma vez que os anuláveis podem ser convalidados pela simples
manifestação de vontade das partes interessadas. Admite-se, no entanto, a conversão do negócio anulável, nas
hipóteses em que não seja possível a sua ratificação, como nos casos de anulabilidade por incapacidade relativa
do agente. A conversão, tratando-se de aproveitamento de ato nulo, demanda reconhecimento judicial, se
presentes os seus pressupostos. Somente o juiz pode declarar o aproveitamento da vontade manifestada em
negócio nulo. Legitimidade: partes e terceiros interessados, não podendo ser invocada por quem deu causa à
nulidade tampouco ser conhecida ex officio.

Equilíbrio econômico, onerosidade e revisão contratual


A necessidade de manutenção do equilíbrio econômico do contrato guarda relação com a função
social do contrato (não é um fim em si mesmo) e com o princípio da boa-fé objetiva, mitigando o pacta sunt
servanda diante do desequilíbrio contratual. Nesse sentido, a cláusula rebus sic stantibus (o negócio deve ser
mantido se presente o estado das coisas estipuladas) é implícita nos contratos de execução continuada ou
diferida, objetivando manter a avença nos termos em que a negociação inicialmente se pautou. A alteração do
cenário econômico e social sob o qual o n.j. foi pactuado pode ensejar a revisão contratual, inclusive para que, a
depender da hipótese, o princípio da manutenção dos negócios jurídicos seja prestigiado. Diante da oneração
excessiva de uma das partes, o CC/2002 possibilita que a alteração das circunstâncias seja suscitada pelo
contratante prejudicado por meio da Teoria da Imprevisão. No caso do CDC, é possível que a onerosidade
imposta ao consumidor (ainda que não superveniente nem imprevisível) seja combatida pela Teoria da Base do
Negócio Jurídico. Ou seja, a onerosidade excessiva é circunstância necessária nas duas teorias, sendo que, na
revisão decorrente da imprevisão, será necessária a ausência de previsibilidade da situação ao passo que, na
base (ou base objetiva). Na onerosidade excessiva do consumidor será suficiente. Por sua vez, no âmbito do
Direito Empresarial, considerando a incidência mais forte da autonomia privada, bem como a complexidade
inerente à atividade empresarial, a teoria da imprevisão deve ser aplicada com mais cautela. Enunciado 25 CJF:
“A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do
objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a
alocação de riscos por eles acordada.” Requisitos da Teoria da imprevisão: a) contrato de execução continuada
ou diferida; b) fato superveniente; C) acontecimento extraordinário e imprevisível; d) onerosidade excessiva da
prestação de uma das partes; e) vantagem extrema para outra parte. Em regra, o devedor terá o ônus de provar
a vantagem obtida pela outra parte. O vínculo contratual poderá ser revisto ou resolvido. O CC/2002
estabeleceu um sistema aberto no qual o magistrado terá liberdade para julgar, segundo seu prudente arbítrio,

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conhecimento e experiência, após a análise peculiar de cada caso. Ponderando a cláusula rebus sic stantibus e o
pacta sunt servanda, prestigiando a conservação do n.j., o CC/2002 estabelece que “a resolução poderá ser
evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

10A. Forma e prova dos atos jurídicos. Das modalidades dos atos jurídicos, da evicção e dos vícios redibitórios.

Gilberto Batista Naves Filho 29/09/18

Da forma do ato jurídico: é o conjunto de requisitos que devem ser preenchidos como condição à
validade do ato. Em regra, os atos têm forma livre (princípio da liberdade das formas), mas pode haver imposição
de forma especial para se atingir maior segurança jurídica ao ato. A forma do ato pode ser feita por testamento,
escritura pública, escrito particular ou termo judicial. Art. 166 do CC: “É nulo o negócio jurídico quando: (...) IV -
não revestir a forma prescrita em lei”. Art. 110 do CC/02: “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu
autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento”.
Da prova do ato jurídico: é o conjunto de elementos pelos quais se objetiva demonstrar juridicamente
um ato jurídico. Será dispensada quanto aos fatos notórios (de conhecimento da cultura geral, ex.: março tem 31
dias) e aos fatos incontroversos (presunção absoluta ou confessado pelas partes). Se o ato tiver forma
determinada, deve-se comprová-lo a partir dela (ex: escritura pública); se não, pode-se comprovar com confissão,
documento, testemunha, presunção ou perícia (art. 212, CC/02).
OBS.: Presunção é a ilação que se extrai de um fato conhecido para se chegar a um desconhecido. Não se
confunde com indício que é meio de chegar a uma presunção. As presunções podem ser legais (iuris) ou comuns
(hominis). Legais são as que decorrem da lei, como a que recai sobre o marido, que a lei presume ser pai do filho
nascido de sua mulher, na constância do casamento. Comuns ou hominis são as que se baseiam no que
ordinariamente acontece, na experiência de vida. Presume-se, por exemplo, embora não de forma absoluta, que
as dívidas do cônjuge são contraídas em benefício da família. Há dois tipos de presunção legal, a absoluta e a
relativa. Quando a norma jurídica estabelece uma presunção absoluta, ela está tornando certo fato (o presumido)
insuscetível de contraprova. A presunção desse tipo, na verdade, não prova o negócio jurídico, mas o considera
existente para todos os efeitos de direito. E, quando a norma estabelece uma presunção relativa, ela está apenas
distribuindo o ônus probatório. A presunção simples é admissível como meio de prova unicamente nas hipóteses
em que o fato é passível de comprovação por testemunhas (CC, art. 230).
OBS.: Em relação à perícia, em determinadas hipóteses, a recusa em a ela se submeter pode acarretar
presunção relativa em desfavor da parte (por exemplo, recusa de exame de DNA ordenada pelo juiz, conforme
art. 232, CC).

3. Das modalidades dos atos jurídicos: A estrutura do ato é composta por elementos essenciais, de validade
e acidentais. Os elementos essenciais, que se situam no plano de existência do ato, são objeto, vontade, sujeito e
forma. Os elementos de validade são capacidade, livre consentimento, respeito à forma e objeto lícito, possível e
determinado. Por fim, os elementos acidentais são aqueles que se situam no plano de eficácia, e são chamados
de “modalidades dos atos”. São eles:
a) Condição: evento futuro e incerto, que condiciona a aquisição e o gozo do direito (suspensiva) ou que
permite desde já a aquisição e o gozo do direito, extinguindo-se pela sua implementação (resolutiva). Pode ser
lícita ou ilícita; possível ou impossível (física ou juridicamente); e ainda causal (quando deriva do acaso, evento
fortuito), potestativa (da vontade de um dos negociantes) ou mista (da vontade de um dos agentes e de outra
circunstância).
OBS.: São ilícitas as condições contrárias à lei, à ordem pública, aos bons costumes, as que privarem de
todo efeito o negócio jurídico (denominadas perplexas), bem como as que o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes (puramente potestativas). Exemplo da última: se eu quiser, se eu permitir etc.
A condição ilícita leva à invalidação do negócio jurídico (art. 123).
OBS.: Exemplo de condição casual é a ocorrência de tempestade. Exemplo de condição potestativa (aqui
se trata da condição meramente ou simplesmente protestativa, e não da condição puramente protestativa,
vedada pelo art. 122) é a realização de uma viagem. Exemplo de condição mista é a doação que será feita se o
donatário se casar com beltrana.

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b) Termo: evento futuro e certo que subordina a eficácia do negócio jurídico, sem prejudicar a aquisição de
direitos. O termo pode ser determinado (certo) ou indeterminado (incerto), conforme haja certeza ou não quanto
à data de sua ocorrência. Exemplo do primeiro é quando se afirma que o contrato tem eficácia até o dia 10 de
novembro. Exemplo do segundo é a morte.
Em virtude de o termo poder ser certo ou incerto, Cristiano Chaves prefere conceituar termo como o
evento futuro e inevitável (podendo ser certo ou incerto).
Art. 131 do CC: O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

c) Encargo: é cláusula acessória pela qual se impõe um ônus ao beneficiário de uma liberalidade, como nas
doações, heranças e promessas de recompensa. Exceto se for imposto como condição suspensiva, o encargo não
suspende a aquisição nem o exercício do direito. O encargo é coercitivo, de modo que o beneficiário pode ser
constrangido a cumpri-lo, sob pena de anulação da liberalidade.
CC
Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo
determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.

OBS.: os elementos acidentais são em regra admitidos nos negócios de natureza patrimonial e vedados no
direito de família e direitos personalíssimos. Segundo Cristiano Chaves, os elementos acidentais são vedados no
casamento, adoção, reconhecimento de filhos, emancipação, regime de bens no casamento, aceitação e renúncia
de herança, etc.

4. Da evicção: Evicção (derivada de evincere, ser vencido) é a perda da coisa em virtude de sentença judicial
que a atribui a outrem em decorrência de causa pré-existente ao contrato. Funda-se no princípio da garantia.
Somente se aplica aos contratos onerosos e também para as aquisições em hasta pública (mediante os quais se
transfere a propriedade, a posse ou o uso). Pode assim ocorrer em ações petitórias e possessórias.
Há três personagens: o alienante, que responde pelos riscos da evicção, o evicto (adquirente que perde o
bem) e o evictor (terceiro reivindicante e vencedor da ação). A responsabilidade do alienante é de natureza
objetiva (independe de dolo ou culpa). STJ: tem entendido que a evicção pode estar presente em casos de
apreensão administrativa, não decorrendo necessariamente de uma decisão judicial.
No que concerne à pessoa que responde em casos envolvendo a evicção de bem arrematado, parece
mais correto o entendimento que afirma a responsabilidade imediata é do devedor (réu), que é o primeiro
beneficiado com a arrematação. Assim, o credor (autor) tem responsabilidade subsidiária, por ser beneficiado
indiretamente. Todavia, a questão não é pacífica, pois há quem entenda pela responsabilidade imediata do credor
e subsidiária do devedor (MHD e Venosa).
OBS.: A exclusão da responsabilidade pela evicção (no contrato) deve ser feita de forma expressa e não se
aplica àquele que não sabia do risco ou não o assumiu, reembolsando o valor pago. Se a evicção parcial for
considerável rescisão do contrato ou abatimento; se não for considerável, cabe só perdas e danos. Perda da coisa
diante de uma decisão judicial ou ato administrativo de apreensão que a atribui a um terceiro. STJ – apreensão de
vínculo pelo DETRAN (REsp. 259726/RJ). Não há necessidade de trânsito em julgado da decisão (REsp.
1332112/GO).

Questões processuais da evicção: A denunciação da lide não é obrigatória para exercer evicção (STJ).
NOVO CPC: Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: I - ao alienante
imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os
direitos que da evicção lhe resultam;(...) § 1o O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a
denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida. § 2o Admite-se uma única
denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial ou quem
seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denunciado sucessivo promover nova denunciação, hipótese em
que eventual direito de regresso será exercido por ação autônoma.

Jurisprudência: Para que o evicto possa exercer os direitos resultantes da evicção, na hipótese em que a
perda da coisa adquirida tenha sido determinada por decisão judicial, não é necessário o trânsito em julgado da
referida decisão. O direito que o evicto tem de cobrar indenização pela perda da coisa evicta independe, para ser

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exercitado, de ele ter denunciado a lide ao alienante na ação em que terceiro reivindicara a coisa. STJ. 4a Turma.
REsp 1.332.112-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/3/2013 (Info 519).

Caracteriza-se evicção a inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada de


veículo objeto de negócio jurídico de compra e venda. Caso concreto: foi vendido um carro, mas, antes que
pudesse ser transferido à adquirente, houve um bloqueio judicial sobre o veículo. Foi necessário o ajuizamento de
embargos de terceiro para liberação do automóvel, sendo, em seguida, desfeito o negócio. Neste caso,
caracterizou-se a evicção, gerando o dever do alienante de indenizar a adquirente pelos prejuízos sofridos. STJ. 3ª
Turma. REsp 1.713.096-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2018 (Info 621).

5. Dos vícios redibitórios: são aqueles ocultos que desvalorizam a coisa ou as tornam impróprias ao uso.
CC. Seção V. Dos Vícios Redibitórios. Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode
ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o
valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

Não há que se confundir o vício redibitório com o erro. No caso de vício redibitório o problema atinge o
objeto do contrato, ou seja, a coisa. No erro o vício é do consentimento, atingindo à vontade (arts. 138 a 144).
Para proteção daquele que recebeu a coisa com estes vícios são previstas as ações edilícias: ação quanti
minoris ou estimatória (faz jus ao abatimento no preço) e a ação redibitória (faz jus à devolução do valor pago +
perdas e danos). Só as perdas e danos exigem culpa ou dolo.
Aplicação o princípio da conservação do contrato, ou seja, a resolução do contrato é o último caminho a
ser seguido.
Jurisprudência: 1) Em caso de vício redibitório no veículo comprado, o banco no qual foi realizado o
financiamento terá responsabilidade civil e o contrato de arrendamento mercantil poderá ser rescindido? 1) Se foi
feito com um banco qualquer, não vinculado à concessionária de veículos (“banco de varejo”): NÃO; 2) Se foi feito
com um banco vinculado à concessionária (“banco de montadora”): SIM. STJ. 3a Turma. Rel. para Acórdão Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/11/2014 (Info 554).
2) No caso de vício oculto em coisa móvel, o adquirente tem o prazo máximo de 180 dias para perceber o
vício (§ 1o do art. 445) e, se o notar neste período, tem o prazo de decadência de 30 dias (a partir da verificação
do vício) para ajuizar a ação redibitória (STJ, Info 554, 2014).
3)O saneamento de vício redibitório limitador do uso, gozo e fruição da área de terraço na cobertura de
imóvel objeto de negócio jurídico de compra e venda – que garante o seu uso de acordo com a destinação e
impede a diminuição do valor –, afasta o pleito de abatimento do preço. João comprou apartamento no último
andar do edifício, estando previsto no contrato que ele poderia fazer construções na cobertura. Por ter comprado
a cobertura, ele pagou 25% a mais. Ocorre que, depois que o prédio ficou pronto, João não pode realizar
nenhuma construção na cobertura porque isso foi negado pelo Município sob o argumento de que o prédio já
teria alcançado o limite máximo de altura previsto para aquela localidade. Diante disso, João ajuizou ação de
abatimento de preço contra a construtora. Três anos após o ajuizamento, houve uma mudança nas regras
municipais e o limite de altura dos prédios naquela localidade aumentou. Com isso, passou a ser permitido que
ele construísse na cobertura. João não terá mais direito ao abatimento do preço. STJ. 4ª Turma. REsp 1.478.254-
RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/8/2017 (Info 610).
4)DIREITO CIVIL. VÍCIO DE CONSENTIMENTO (ERRO). VÍCIO REDIBITÓRIO. DISTINÇÃO. VENDA CONJUNTA
DE COISAS. ART. 1.138 DO CC/16 (ART. 503 DO CC/02). INTERPRETAÇÃO. TEMPERAMENTO DA REGRA. – O
equívoco inerente ao vício redibitório não se confunde com o erro substancial, vício de consentimento previsto na
Parte Geral do Código Civil, tido como defeito dos atos negociais. O legislador tratou o vício redibitório de forma
especial, projetando inclusive efeitos diferentes daqueles previstos para o erro substancial. O vício redibitório, da
forma como sistematizado pelo CC/16, cujas regras foram mantidas pelo CC/02, atinge a própria coisa,
objetivamente considerada, e não a psique do agente. O erro substancial, por sua vez, alcança a vontade do
contratante, operando subjetivamente em sua esfera mental. (REsp 991.317/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2009, DJe 18/12/2009)

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11A. Atos ilícitos. Os ilícitos civis praticados por pessoas jurídicas. A Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção). Vedação
ao comportamento contraditório. Dever de mitigar as perdas.

Atualizado por Victor Nunes em 10/2018

Atos Ilícitos. Os ilícitos civis praticados por pessoas jurídicas.


Ato ilícito é o comportamento humano voluntário, contrário ao direito, e causador de prejuízo de
ordem material ou moral. São elementos componentes do ato ilícito: a) ação humana (positiva ou negativa); b)
contrariedade ao direito ou ilicitude (violação de dever jurídico preexistente); e c) prejuízo (material ou moral).
Ato ilícito: elemento objetivo – antijuridicidade (conduta contrária ao ordenamento jurídico).
Neminem laedere = ninguém pode prejudicar os outros; elemento subjetivo – imputabilidade (discernimento). Só
é  capaz de cometer ato ilícito a pessoa que tem condições de entender a antijuridicidade de sua conduta
(ação/omissão).
O que delimita a responsabilidade civil não é o grau de culpa, mas sim a extensão do dano (944). O
direito civil não está preocupado em punir o causador do dano, mas sim em indenizar a vítima. O que interessa é
a extensão do dano, e não a culpa da vítima. Mas o juiz pode reduzir a indenização se o grau de culpa for mínimo
(944 p.u.).O dispositivo serve apenas para reduzir a indenização no caso de culpa mínima.Não vale para aumentá-
la no caso de dolo, já que o máximo da indenização é pela extensão do dano, não importando o dolo.
A culpa no direito civil é culpa lato sensu, abrange dolo e culpa, sem distinguir entre culpa mínima ou
máxima (salvo 944 p.u. q reduz a indenização por culpa mínima).
O art. 186 do CC traz cláusula geral de ilicitude subjetiva (exige culpa).
O art. 187 representa cláusula geral de ilicitude objetiva, pois o ato ilícito por abuso de direito
independe de culpa.
Ato ilícito: subjetivo (186) > requer culpa, é sempre ilegal (viola formalmente uma norma,
antijuridicidade na origem, já nasce ilícito); objetivo (187) > não importa a existência ou não de culpa, basta que a
conduta seja censurável; não há ilegalidade (não viola uma norma, a pessoa tem o direito subjetivo), há
ilegitimidade (apesar de não violar formalmente uma norma viola materialmente as exigência éticas do
ordenamento jurídico). Hoje não mais se pode dizer que tudo que não é proibido é permitido; entre o proibido e
o permitido existe o abuso; o ato é jurídico na origem e antijurídico na prática, quem define o abuso de direito é o
juiz, e não a lei, porque ele é uma cláusula geral (norma intencionalmente vaga, aberta).
O CC/02, inovando em relação ao antecessor, consagrou expressamente a teoria do abuso de direito:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (187). A postura legal do abuso de direito
permite afirmar que se trata da imposição de limites éticos ao exercício de direitos subjetivos. Não há direito
absoluto em nosso sistema jurídico, devendo todo exercício de direito respeitar os fins sociais e econômicos,
observando a boa- fé. Para o reconhecimento do abuso de direito, não é preciso que o agente tenha a intenção de
prejudicar terceiro, bastando que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econômica ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
O exercício regular do direito, a legítima defesa e o estado de necessidade são causas excludentes da
ilicitude, conforme previsão do art. 188 do CC/02.

A Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção).


A lei anticorrupção brasileira destina-se à responsabilizar pessoas jurídicas pelos ilícitos cometidos contra a
administração pública nacional ou estrangeira (art. 1º da LAC). O art. 26 da Convenção das Nações Unidas contra
a Corrupção (Convenção de Mérida) determina que o Estado adotará as medidas que sejam eficazes,
independente da responsabilização das pessoas físicas pelo delito, em consonância com seus princípios jurídicos,
a fim de estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nas práticas de corrupção.
O parágrafo único do art. 1º da Lei 12.846/13 coloca submetidas à Lei qualquer pessoa não natural, independente
da forma organização adotada, ainda que exista apenas de fato. Em relação à responsabilização da pessoa jurídica
não se perquire elemento subjetivo do agente, ou da entidade, bastando que fique constatado um dos atos
irregulares descritos no art. 5º da lei, realizados no interesse ou benefício da pessoa jurídica, para gerar o efeito
jurídico de imposição das sanções previstas na lei. A lei anticorrupção também aplica-se aos atos lesivos
praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no
exterior (art. 28).
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A interpretação que parece mais consentânea com a ratio legis e com os artigos 1º e 3º é a de que o ato corrupto
deve ter sido praticado por agente que de algum modo representava o interesse da empresa envolvida na prática
corrupta. Exige-se assim, para a responsabilização por corrupção, que se demonstre que a prática irregular
ocorreu por obra de pessoa ou órgão que tenha alguma relação representativa com a pessoa jurídica. Então,
basta que a pessoa aja como representante da pessoa jurídica, não importando se é seu procurador, empregado,
dirigente, administrador ou sócio. A Lei traz assim para as pessoas jurídicas o dever de prevenir atos de corrupção
entre seus colaboradores e representantes.
O regime de responsabilidade da Lei 12.846/13 é duplo, pois foram criadas as instâncias de responsabilização
judicial e administrativa, as quais são independentes porque, em princípio, há distinção na autoridade
competente e nas sanções aplicáveis, ou seja, existem duas esferas de responsabilidades, uma representando o
controle administrativo e a outra o controle judicial (art. 18). A Lei, inclusive, vai além e afirma a independência
de suas instâncias de responsabilidades com relação aos casos de competência do CADE, do Ministério da Justiça
e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica; bem como dos
casos que envolvam atos de improbidade administrativa e ilícitos em geral contra normas de licitação (artigos 29 e
30).
Malgrado existam na LAC duas esferas de responsabilidade bem definidas (administrativa e judicial), com
competências e sanções diferentes, há a possibilidade de se instaurar o que chamamos de intersecção entre
instâncias, pois as sanções do controle administrativo poderão ser levadas e aplicadas na esfera de
responsabilização judicial, a partir da provocação do Ministério Público, quando houver omissão das autoridades
competentes para promover a responsabilização administrativa. Com efeito, nas hipóteses em que houve
intersecção de instâncias em razão de omissão, as sanções previstas no art. 6º (multa e publicação extraordinária
da decisão condenatória) são transferidas com exclusividade para a esfera judicial, de modo que, uma vez
instaurado o processo judicial, não poderá mais a autoridade administrativa abrir processo administrativo visando
a aplicar as mesmas sanções do art. 6º, pois, deste modo, estaria ocorrendo uma afronta ao ne bis in idem.
A quem se aplicam as regras da Lei 12.846/2013? (art. 1º, parágrafo único)
1) às sociedades empresárias (sejam elas personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou
do modelo societário);
2) Sociedades simples (sejam elas personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou do
modelo societário)
3) Fundações;
4) Associações (de entidades ou pessoas);
5) Sociedades estrangeiras (que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro).
Obs: aplica-se a Lei às referidas pessoas jurídicas mesmo que elas sejam constituídas apenas de fato e mesmo que
sejam temporárias.
Qual é o tipo de responsabilidade aplicável à pessoa jurídica? A Lei 12.846/2013 prevê responsabilidade
OBJETIVA, tanto na esfera administrativa quanto na esfera civil. A responsabilidade da pessoa jurídica é
independente da responsabilidade das pessoas físicas.
Essa autonomia implica no fato de que pessoa jurídica pode ser responsabilizada independentemente da
responsabilização das pessoas físicas assim como a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a
responsabilidade individual (questão objetiva do 28CPR).
Qual é o tipo de responsabilidade das pessoas físicas? Responsabilidade SUBJETIVA. O art. 3º, §2º da lei fala
expressamente que “os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos NA
MEDIDA DA SUA CULPABILIDADE”. Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica mesmo que tenha havido (art.
4º): a) alteração contratual; b) transformação;c) incorporação;d) fusão ou cisão societária. Atente-se que nesses
casos a sucessora só responde pela multa e reparação integral do dano, apenas até o limite do patrimônio
transferido (art. 4º, §1º)
EXCEÇÃO: se houver simulação ou fraude.
Medida semelhante pode-se dizer que ocorre com pessoa jurídica que, no momento em que praticou o ato lesivo,
integrava um mesmo grupo econômico (ex: sociedades coligadas, consórcio etc.). As demais pessoas jurídicas que
integram este complexo também sofrerão as sanções previstas na Lei 12.846/2013, mas somente quanto à multa
e a reparação integral do dano causado (art. 4º, §2º)
Atendo-se aos aspectos civis da lei, o Capítulo VI passa a tratar da responsabilização judicial. Nesse aspecto, utiliza
do mesmo módulo de condutas previstas para a responsabilização administrativa, qual seja, o art. 5º. Mas, as

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consequências pela violação no âmbito administrativo (art. 6º) e civil( art. 19) são de aplicação concomitante.
Portanto, se a pessoa jurídica praticar algum dos atos lesivos previstos no art. 5º, o ente público deverá tanto
instaurar um processo administrativo para apurar o fato quanto ajuizar uma ação conta ela.
Quem poderá ajuizar a ação pedindo a responsabilização judicial da pessoa jurídica? (art. 19).
1) o ente público contra quem foi praticado o ato lesivo (União, Estado/DF, Município); para Ronaldo Pinheiro de
Queiroz, apesar da omissão da lei, também são partes legítimas as entidades da administração indireta
(autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista) ou
2) o Ministério Público.
Essa legitimação, segundo Ronaldo Pinheiro, é concorrente e disjuntiva, pois não há necessidade de um
legitimado pedir autorização ao outro e nem há obrigatoriedade de litisconsórcio. Por outro lado, quando a
pessoa jurídica é omissa na instauração da responsabilização administrativa, o MP se torna um legitimado
exclusivo para a ação judicial, momento em que, além das sanções tipicamente judiciais, levará a juízo as duas
sanções administrativas não cuidadas na esfera própria.
COMPETÊNCIA: A) em razão da pessoa – será da justiça estadual residualmente e da justiça federal se implicar das
hipóteses do art. 109 da CF. Lembrar, nesse ponto, que, se o MPF for autor no exercício de suas atribuições
constitucionais e legais, estará atraída a competência federal (STJ, CC 100.300- PI); B) ato lesivo contra a
administração pública estrangeira (art. 109, III da CF) – será competência da justiça federal em razão da matéria
porque trata-se de causa fundada em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo
internacional.
Obs.: Cabe ao MPF e não ao MPE fazer o controle da Administração Pública Federal razão porque a omissão da
CGU na tarefa atribuída a ela pelo art. 9º deve ser feita pelo MPF.
PROCEDIMENTO: Conforme o art. 21 da lei, o rito processual a ser adotado na responsabilização judicial será o da
ação civil pública. Assim, não haverá defesa preliminar prévia ao recebimento da ação como na LIA.
CUMULATIVIDADE DA AÇÃO DE IMPROBIDADE COM A LEI ANTICORRUPÇÃO: Dr. Ronaldo Pinheiro defende essa
cumulação numa mesma ação desde que observados os requisitos do Código de Processo Civil, "não há óbice
nenhum na cumulação na ação de improbidade administrativa de pedidos de condenação por infrações à Lei
Anticorrupção. Requisitos para tanto: 1) compatibilidade entre os pedidos; 2) identidade de competências e 3)
identidade de procedimentos. Quanto a identidade de procedimentos, o CPC de 1973 (art. 292) exigia aplicação
do rito ordinário e nisso não se compatibilizaria com LIA que possui garantia maior para a defesa. Portanto,
defendia ser melhor compatibilizar a LAC com a LIA. Restando apenas uma grande preocupação com o elemento
subjetivo, pois como na LAC a responsabilidade da empresa é objetiva não há preocupação de provar o dolo e
culpa. Já na LIA seria necessário tratar a questão em capítulos diferentes na petição porque, embora a narrativa
fática seja a mesma, as consequências são diferentes. Logo, defendia o autor a possibilidade de cumulação, mas
somente o caso concreto indicaria a melhor estratégia.
Hoje, com a entrada em vigor do NCPC talvez esse celeuma tenha sido solucionado com o art. 327, §2º que,
consagrando o princípio da adequação, admite cumulação mesmo com procedimentos distintos desde que a
parte opte pelo procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas
previstas nos procedimentos especiais que não sejam incompatíveis com o procedimento ordinário.
O art. 19, por sua vez, traz as sanções que podem ser aplicadas à pessoa jurídica isolada ou cumulativamente. São
elas: I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente
obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial
de suas atividades; III – dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios,
subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou
controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
O Ministério Público ou a Advocacia Pública (órgão de representação judicial) do ente público poderá requerer ao
juiz a indisponibilidade dos bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da
reparação integral do dano causado, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé (§4º).
Além dessas sanções trazidas no art. 19 da lei, a sentença que julgar procedente a ação de responsabilização
judicial condenará a pessoa jurídica à obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor
será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença (art. 21, parágrafo único). Essa
reparação inclusive não pode ser afetada pelo acordo de leniência feito na esfera administrativa (art. 16, §3º).
INTERSECÇÃO ENTRE INSTÂNCIAS: Este é o nome que o Dr. Ronaldo Pinheiro dá a hipótese do art. 20, segundo a
qual, ocorrendo omissão da autoridade competente para promover a responsabilização administrativa, o

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Ministério Público poderá ajuizar ação de responsabilização judicial (portanto, com as sanções cominadas no art.
19), mas também pedir nessa ação a aplicação das sanções da esfera administrativa do art. 6º. Segundo ele, o
fundamento dessa intersecção eventual e subsidiária é o controle constante da Administração pelo Ministério
Público. Alerta ainda mais que o efeito prático dessa medida é, além de evitar a impunidade, a preclusão das
medidas da esfera administrativa porque transferidas para uma nova esfera. De responsabilização. Do contrário,
teríamos “bis in idem” na hipótese de pedido das medidas administrativas na via judicial e também na
administrativa por um mesmo fato.
A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas na Lei 12.846/2013, não adotar
providências para a apuração dos fatos será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da
legislação específica aplicável (art. 27).
Assim como a multa (sanção administrativa), o perdimento de bens direitos ou valores aplicados com fundamento
na Lei 12.846/2013 serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas.
PRESCRIÇÃO: as infrações previstas na lei anticorrupção prescrevem em 5 anos contados da data da ciência da
infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Mas nas duas esferas,
a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração (art.
25).
POLÊMICAS:
INDEPENDÊNCIA ENTRE LEI ANTICORRUPÇÃO E LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: o Dr. Ronaldo Pinheiro
afirma que há semelhança em, pelo menos, quatro sanções dessa lei: 1) multa; 2) perdimento de bens, direitos ou
valores; 3) proibição de receber recursos financeiros e 4) repartição integral do dano. Mas a lei garante autonomia
sendo necessário, portanto, uma interpretação cuidadosa do dispositivo.
Obs. 1: Quanto à multa alega o Procurador da República que não há problema na cumulação uma vez que na LAC
ela é administrativa e na LIA é judicial e, mais, a base de cálculo delas são diferentes sendo de 0,1% na a 20%
sobre o faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo ou 6 mil a
60 milhões na LAC enquanto na LIA corresponde ao valor do acréscimo patrimonial, dano ao erário ou
remuneração percebida indevidamente pelo agente, a depender da espécie de improbidade. A partir disso, o
Procurador da República defende cumulatividade da multa penal, civil, da LAC, TCU e Lei de Licitações. Dr. Márcio
Cavalcante em sua exposição é mais receoso e afirma que, apesar da boa intenção da lei, trata-se de um diploma
que ainda apresenta diversos pontos polêmicos e de redação confusa.
Obs2.: Ainda segundo o supracitado Procurador, quanto à reparação integral do dano, ambas tem origem judicial
e podem ser aplicadas autonomamente, mas sua execução material será única. Utiliza como fundamento para
tanto a natureza recompositiva das sanções. Isso porque dentro do microssistema de corrupção não pode ser
admitido dinheiro a maior que o retirado. Ex.: Se a corrupção envolveu 1 milhão, a execução tem limite de 1
milhão. Posso ter vários títulos nessas diversas esferas, mas a execução material é apenas uma. No momento em
que o sujeito devolve o total da dívida em uma dessas esferas, sua obrigação com o Estado estará extinta sob
pena de enriquecimento indevido do Estado. Ademais, não se trata de pena, mas dever de fazer retornar o
patrimônio público ao status quo ante.
VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO.
(venire contra factumproprium non potest)
Verifica-se em situações nas quais uma pessoa, durante determinado período de tempo, se comporta
de tal maneira que gera expectativas justificadas para outras pessoas que dependem deste seu comportamento, e
em determinado momento, simplesmente, atua em sentido contrário à expectativa gerada pelo seu
comportamento. É requisito para a configuração do venire o investimento da parte contrária na situação gerada
pela expectativa ou comportamento anterior. A figura não se confunde com o aforismo turpitudinem suam
allegans non auditor, segundo o qual, ninguém pode alegar a própria torpeza. Enquanto o venire tutela a
confiança e as justas expectativas, o segundo objetiva reprimir a malicia e a má-fé.
Enunciado 362:“A vedação do comportamento contraditório (venire contra factumproprium)
funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do CC”.
A mais conhecida decisão envolvendo ovenire, proferida pelo STJ, envolveu um caso de contrato de
compromisso de compra e venda. O marido celebrou o negócio sem a outorga uxória, o que, na vigência do
CC/1916, era motivo de nulidade absoluta do contrato. A esposa, entretanto, informou em uma ação que
concordou tacitamente com a venda. Dezessete anos após a sua celebração pretendeu a nulidade, o que foi
afastado justamente pela presença de comportamentos contraditórios entre si (REsp 95.539/SP). O STJ também

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aplicou o conceito para afastar a negativa do locatário em pagar o aluguel devido, alegando que o promitente
comprador não serie legítimo locador (AgRg nos EDcl nos Edcl no Ag 704.933)
Outra hipótese lembrada pelo Prof. Cristiano Chaves está no art. 150 da Lei Civil, que obsta a
alegação de dolo recíproco, afinal, quando ambas as partes procedem dolosamente, não podem invocar a
anulabilidade do negócio. O CPC/15 trouxe previsão expressa: art. 5º - aquele que de qualquer forma participa
do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Especificamente, para a proibição da venire contra factum proprium ou proibição de
comportamentos contraditório, pode ser a tese extraída do art. 276 do CPC/15 - Quando a lei prescrever
determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu
causa. Veja-se que o dispositivo se traduz basicamente na ideia de que a parte que deu causa à nulidade não
poderá alegá-la.
*Cuidado: Cláusula de Estoppel: De origem anglo-saxônica, grosso modo, consiste na mesma proibição de
comportamento contraditório do venire, mas é aplicada a tratados internacionais.
Atenção: para o STJ, o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função
social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma
determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em abuso de direito encartado na
máxima nemo potest venire contra factumproprium(STJ, EDcl no REsp 1143216/RS, Min. Luiz Fux).
DEVER DE MITIGAR AS PERDAS.
Trata-se do dever imposto ao credor de mitigar suas perdas, ou seja, o próprio prejuízo. Sobre a
tese foi aprovado o En. nº 169 na III Jornada de Direito Civil: “princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a
evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Esta redação foi inspirada no art. 77 da Convenção de Viena de 1980,
sobre venda internacional de mercadorias, que ostenta a seguinte redação: “A parte que invoca a quebra do
contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela
compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode
pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída”. O
exemplo legal desta figura pode ser visto nos arts. 769 e 771, ambos do CC/02.
Ex: Um contrato de locação de imóvel urbano em que houve inadimplemento - Nesse negócio há um
dever por parte do locador de ingressar, tão logo lhe seja possível, com a competente ação de desejo, não
permitindo que a dívida assuma valores excessivos.
Obs.: O mesmo argumento vale para os contratos bancários e financeiros em que há descumprimento. Não pode
a instituição financeira permanecer inerte, aguardando que, diante da alta taxa de juros prevista no contrato, a
dívida atinja montantes astronômicos. Se assim agir, como consequência da violação da boa-fé, os juros devem
ser reduzidos.
Para o STJ, o dever de mitigar as perdas é consectário direto dos deveres conexos à boa-fé, o encargo
de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento
desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória,
comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade (STJ, REsp
1325862/PR).
IMPORTANTE: O princípio da boa-fé objetiva, e seus corolários, já foi aplicado diversas vezes no STJ no âmbito
processual penal, incluindo-se a figura do Venire contra factumproprium non potest, como o do Duty to
mitigate the loss(STJ, HC 143.414, HC 206.706, HC 137.549).

7A. Da prescrição e da decadência.

Aline Morais

DA PRESCRIÇÃO. CONCEITO – Perda da pretensão de exigir de alguém, judicialmente, um comportamento devido


ao descumprimento de uma prestação. Atinge apenas direitos subjetivos, patrimoniais (com conteúdo
econômico) e relativos (exigíveis de pessoas determinadas). Relaciona-se com ações condenatórias. Funda-se no
interesse privado e, portanto pode ser renunciada (expressa ou tacitamente), após sua consumação, bem como
suspensa ou interrompida. É instituto binário, pois extingue e consolida relações jurídicas (prescrição aquisitiva)
pelo passar do tempo. Não fulmina o direito de ação, nem o direito material. É matéria de mérito (por se referir à
relação juridica subjacente) e de ordem pública, podendo ser conhecida de ofício, mas no CPC 2015, em face dos
princípios da vedação à decisão surpresa e da cooperação, deve-se dar oportunidade às partes para se
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manifestarem, antes do reconhecimento.
Marco inicial - via de regra: violação do direito subjetivo patrimonial e relativo (surgimento da pretensão). O STJ
adota, em determinados casos, a teoria da actio nata – definindo o marco inicial como a data do conhecimento
da violação (súmula 229) ou da extensão dos danos. CDC também adota essa teoria. Marco final – ultimo dia do
prazo previsto em lei (para ajuizamento). Art. 189 do CC, “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a
qual se extingue, pela prescrição”.
Prazos definidos em lei – não podem ser alterados por vontade das partes - e contados em anos (regra). No CC,
concentram-se em dois artigos, fruto do princípio da operabilidade
Art 205 CC– prazo geral e máximo do código. (Exs.: Ação de sonegados e Ação de petição de herança); Art. 206
CC– prazos especiais/específicos. (1 ano – Ex.: Cobrança de seguro; 2 anos – Execução de alimentos; 3 anos – Ex.:
Reparação de dano moral ou material; 4 anos – Prestação de contas de tutor; 5 anos – Cobranças em geral) Regra
de transição: Art. 2.028 do CC : transcorrida mais da metade do prazo – vale lei anterior; se menos da metade –
valem novos prazos com início na entrada em vigor do CC/2002.
CARACTERÍSTICAS – 1 conhecível de ofício; 2 renunciável – expressa e tacitamente; judicial e extrajudicialmente
– não pode ser de forma antecipada, nem prejudicar credores; 3 prazos de ordem pública – inalteráveis pela
vontade das partes, vedando a renúncia antecipada; 4 alegável em qualquer tempo ou grau de jurisdição
(monocrático e tribunais) e, nas instâncias extraordinárias desde que prequestionada (exceto no caso do efeito
translativo, expansivo ou devolutivo profundo dos recursos – possibilidade de conhecer todas as materias e julgar
com fundamento diferente do alegado pelo recorrente); 5 possibilidade de suspensão e interrupção.
Na suspensão, o prazo (não judicial, em regra) volta a correr quando cessada a causa que lhe originou. Ex: entre
marido e mulher durante o casamento (exceção: usucapião familiar); contra ausente do país, por serviço público;
militar em Guerra; pendência de condição suspensiva.
Na interrupção o prazo (judicial, em regra) recomeça a ser contado do zero. Ex: despacho de citação; protesto
cautelar; ato judicial que constitui em mora. Pode ocorrer mais de uma vez, se judicial, respeitado o limite da
legislação. Nas extrajudiciais – protesto cambial e confissão de dívida – vale a regra da interrupção única (art 202
CC).
PRAZOS: No Art. 202, incs. II e III, CC – há dualidade de interrupções da prescrição – nos casos de protesto
(judicial ou extrajudicial) a citação para o procedimento definitivo (ação para cobrança, por exemplo) não
perde o efeito interruptivo . O inciso III do art. 202, ao admitir que o protesto cambial interrompe a prescrição,
prejudicou a Súmula 153 do STF, que dizia exatamente o contrário. Notificação extrajudicial não interrompe a
prescrição, porque o inciso V trata apenas de ato judicial. Quando a prescrição é interrompida por ato judicial,
retoma-se o prazo com o trânsito em julgado.
Caso fortuito e força maior podem levar à interrupção/suspensão da prescrição. Há um brocardo latino que
afirma não correr prescrição nesses casos.
Processo extinto sem julgamento de mérito, com citação valida, interrompe a prescrição exceto se houve desídia
do autor (art 485, II e III CPC/2015)
Não corre prescrição contra absolutamente incapaz.
A prescrição intercorrente, via de regra, é inadmitida no Direito Civil, visto a morosidade do sistema não ser
responsabilidade do autor que não pode ser prejudicada. Há exceções para evitar o prejuízo do réu: autor age
com culpa na paralisação do processo por tempo suficiente para que ocorresse a prescrição. STF determina a
extinção com resolução do mérito, pela prescrição, após intimação do autor; ação rescisória parada por 5 anos e
na Lei de Execução Fiscal. .

DA DECADÊNCIA. CONCEITO – Também chamada de caducidade é a perda de um direito potestativo (poder de


produzir efeitos jurídicos, na esfera de terceiros – dever de sujeição -, apenas com a manifestação da vontade)
pelo seu não exercício no prazo previsto em lei. Não exige prestação de terceiro. Relaciona-se com ações
constitutivas.
CARACTERÍSTICAS – 1 de interesse público – eficácia erga omnes, a manifestação de vontade, atinge toda a
coletividade; 2 irrenunciável – decorre do interesse público, não está na esfera de disponibilidade do particular; 3
alegável em qualquer tempo e grau de jurisdição, exigindo para os tribunais superiores prequestionamento ou
decorrência do efeito translativo dos recursos; 4 prazos que não se suspendem ou interrrompem – exceções: art
208 CC (contra absolutamente incapaz) e art 26 §2ºCDC (causa que obstam); 5 obrigatório reconhecimento de
ofício (já que não há possibilidade de renúncia).

68
PRAZOS: mais curtos e espalhados pelo CC. P. ex., o prazo de 4 anos para o exercício do direito potestativo de
anular o contrato (desconstituir a relação jurídica) por erro, dolo ou vício de vontade (art. 178 do CC), em dias,
meses e anos.
CLASSIFICAÇÃO: Decadência Legal – decorre da Lei, prazos previstos, irrenunciáveis e sem possibilidade de
alteração pela vontade das partes; Decadência convencional, contratual ou voluntária – decorrente de negócio
jurídico. Ocorre quando o direito potestativo previsto em contrato, não é exercido no prazo avençado. É prazo de
garantia, tutela interesse particular e não é conhecível de ofício pelo juiz. É renunciável, pode ser alterada,
interrompida ou suspensa. Ex: prazo para desistir do negócio.
Não corre decadência legal, enquanto não consumada decadência convencional.

CORRELAÇÃO PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA E OS DIFERENTES TIPOS DE AÇÃO

DECLARATÓRIAS Imprescritíveis, Investigação de paternidade; usucapião;


não se extinguem nulidade abs Negócio jurídico (169CC)
CONSTITUTIVAS Decadência Anulação de negócio jurídico, divórcio
Positivas ou negativas S/ prazo, não se extingue
CONDENATÓRIAS Prescrição Art 205 e 206 CC

Observações: O CC estabeleceu uma cláusula geral de decadência para as ações anulatórias (desconstitutivas)
sem prazo. Está no art. 179: 2 anos, para proteção do terceiro de boa-fé . Sum. 494 do STF está superada. O prazo
decadencial para anular venda de ascendente a descendente é de 2 anos (art. 179 do CC).
Art. 745 do CC (ação indenizatória, ajuizada pelo transportador, em caso de informação inverídica sobre a
mercadoria transportada): apesar de não estar nos arts. 205 ou 206 do CC, o prazo de 120 dias é prescricional, já
que é ação condenatória.

PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA
- extingue a pretensão - extingue o direito
OBJETO
- dir subjetivo = Dever jurídico (obrigação) - direito potestativo=estado de sujeição
TIPOS DE PRAZO
(legal ou - fixado por lei (decadência legal)
- fixado por lei (art. 192/CC)
convencional) - vontade das partes (decadência convencional)

PRAZOS (dia, mês e


- apenas em anos - em dia, mês e ano
ano)
LOCALIZAÇÃO - na parte geral, nos arts. 205 e 206/CC - na parte geral e especial
- pela partes após consumação e sem
RENÚNCIA - só ocorre na decadência convencional (mesmo
prejuízo a terceiro
(requisitos) requisito da prescrição)
- expressa ou tácita
- o juiz deve conhecer de ofício (art. 219, § - apenas a decadência legal deve ser conhecida
ANÁLISE PELO JUIZ
5º/CPC) de ofício pelo juiz (art. 210/CC)
- Situações entre pessoas (familiares ou
IMPEDIMENTO, - só se aplicam se houver disp legal (art. 208/CC)
profissionais)
SUSPENSÃO, - corre contra todas as pessoas, com exceção do
- comportamento devedor/credor
INTERRUPÇÃO art. 3º/CC
- não corre contra determinadas pessoas

PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA
Prazos de ordem pública inalteráveis Prazos de ordem pública inalteráveis
Apenas prevista em lei Possibilidade de convenção privada – decadência convencional
Vias ordinárias, exceto efeito translativo e
Vias ordinárias, exceto efeito translativo e prequestionamento
prequestionamento
Podem ser suspensos, interrompidos Não admite paralisação, exceto na voluntária
Reconhecimento de ofício obrigatório na legal e vedado na
Conhecível de ofício
convencional
Renunciável Irrenunciável na legal

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Tutela interesse particular Tutela interesse público
dir subjetivos relativos e patrimoniais com prazo Ligada a direitos potestativos com prazo

PRESCRIÇÃO/DECADÊNCIA FAZENDA PÚBLICA: a favor: 5 anos ato/fato, se interrompe volta a correr pela
metade, mas nunca por prazo total inferior a 5 anos. (CC, Dec n. 20.910/32 e Decreto-Lei n. 4.597/42. 5 anos do
ato ou fato. contra: 5 anos ato/fato (Dec 20910/32)

SÚMULAS
STF150 – prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação
STF151 – prescreve em uma a ação do segurador sub-rogado para haver indenização por extravio ou perda de
carga transportada por navio.
STF154- simples vistoria não interrompe a prescrição.
STF 264- verifica-se prescrição intercorrente pela paralisação da rescisória por mais de 5 anos.
STJ 85 – Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não
tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do
qüinqüênio anterior à propositura da ação.
STJ101 – a indenização do seguro em grupo contra a seguradora prescreve em um ano.
STJ106 – proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao
mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento de argüição de prescrição ou decadência.
STJ143 – Prescreve em 5 anos a ação de perdas e danos pelo uso marca comercial.
STJ 229 - O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o
segurado tenha ciência da decisão.
STJ278 – o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência
inequívoca da incapacidade laboral.
STJ323: A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito por até o prazo
máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução.
STJ405: A ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT prescreve em três anos.
STJ412 – a ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional do CC.
STJ547: Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do
consumidor no custeio de construção de rede elétrica, o prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código
Civil de 1916. Na vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão contratual de
ressarcimento e de 3 anos na ausência de cláusula nesse sentido, observada a regra de transição do seu art.
2.028.
STJ573: Nas ações de indenização decorrente de seguro DPVAT, a ciência inequívoca do caráter permanente da
invalidez, para fins de contagem do prazo prescricional, depende de laudo médico, exceto nos casos de invalidez
permanente notória ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução.

JURISPRUDÊNCIA
619/STJ - O pedido de concessão de prazo para analisar documentos com o fim de verificar a existência de
débito não tem o condão de interromper a prescrição. Nos termos do art. 202, VI, do CC/02, é causa interruptiva
do prazo prescricional "qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito
pelo devedor". (...) O pedido de concessão de prazo para analisar os documentos apresentados apenas poderia
ser considerado como ato inequívoco que importasse em reconhecimento de débito (direito de receber) se fosse
destinado ao pagamento de valores, mas nunca para analisar a existência do próprio débito. REsp 1.677.895-SP,
Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06/02/2018, DJe 08/02/2018. 
607/STJ - O prazo prescricional (2 anos) para o cumprimento de sentença que condenou ao pagamento de verba
alimentícia retroativa se inicia tão somente com o trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade.
(...), circunstância que tornou indiscutível a obrigação alimentar e o título executivo judicial passou a contar
também com o indispensável requisito da exigibilidade. REsp 1.634.063-AC, Rel. Min. Moura Ribeiro, por
unanimidade, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017. 3ª Turma.
609/STJ - O termo inicial da pretensão de ressarcimento nas hipóteses de plágio se dá quando o autor originário
tem comprovada ciência da lesão a seu direito subjetivo e de sua extensão, não servindo a data da publicação da
obra plagiária, por si só, como presunção de conhecimento do dano. ( RESP 1.645.746-BA
605/STJ - É trienal o prazo de prescrição para fiador que pagou integralmente dívida, objeto de contrato de
70
locação, pleitear o ressarcimento dos valores despendidos contra os locatários inadimplentes. (, RESP 1.432.999-
SP, 3ª Turma).
596/STJ - Na vigência do Código Civil de 2002, é quinquenal o prazo prescricional para que o condomínio geral ou
edilício (vertical ou horizontal) exercite a pretensão de cobrança de taxa condominial ordinária ou
extraordinária, constante em instrumento público ou particular, a contar do dia seguinte ao vencimento da
prestação. (Inf. 596 do STJ, REsp 1.483.930-DF, Repercussão Geral, Plenário).
600/STJ - É de quatro anos o prazo de decadência para anular partilha de bens em dissolução de união estável,
por vício de consentimento (coação), nos termos do art. 178 do Código Civil. (Inf. 600 do STJ, REsp 1.621.610-SP,
Quarta Turma).
602/STJ - A interrupção do prazo prescricional operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado, salvo
nas hipóteses em que a relação seja reconhecida como de devedores solidários. (Inf. 602 do STJ, REsp 1.276.778-
MS, Quarta Turma.)
603/STJ - O prazo prescricional para as ações de repetição de indébito relativo às tarifas de serviços de água e
esgoto cobradas indevidamente é de: (a) 20 (vinte) anos, na forma do art. 177 do Código Civil de 1916; ou (b) 10
(dez) anos, tal como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, observando-se a regra de direito intertemporal,
estabelecida no art. 2.028 do Código Civil de 2002. (Inf. 603 do STJ, REsp 1.532.514-SP, Primeira Seção,
Repercussão Geral.)
588/STJ - É trienal o prazo prescricional da pretensão de entidade de previdência privada complementar de reaver
verbas relativas a benefício indevidamente apropriadas por terceiro. (Inf. 588 do STJ, RESP 1.334.442-RS, 4ª
Turma).
589/STJ - Incide a prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores pagos a título de comissão de
corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC).
(Inf. 589 do STJ, RESP 1.551.956-SP, 2ª Seção - Recurso Repetitivo).
592/STJ - A pretensão de repetição de indébito de contrato de cédula de crédito rural prescreve no prazo de
vinte anos, sob a égide do art. 177 do Código Civil de 1916, e de três anos, sob o amparo do art. 206, § 3º, IV, do
Código Civil de 2002, observada a norma de transição do art. 2.028 desse último Diploma Legal. (Inf. 592 do STJ,
REsp 1.361.730-RS, Segunda Seção, Repercussão Geral).
592/STJ - O termo inicial da prescrição da pretensão de repetição de indébito de contrato de cédula de crédito
rural é a data da efetiva lesão, ou seja, do pagamento. (Inf. 592 do STJ, REsp 1.361.730-RS, Segunda Seção,
Repercussão Geral).
586/STJ É de 1 ano o prazo de prescrição da pretensão do segurador, sub-rogado nos direitos do segurado, de
indenização pela deterioração de carga em navio por falha em contêiner.
574/STJ - Prescreve em 10 anos (art. 205 do CC) a pretensão de cobrar dívida decorrente de conserto de
automóvel por mecânico que não tenha conhecimento técnico e formação intelectual suficiente para ser
qualificado como profissional liberal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.114-ES,Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 2015.
560/STJ - Termo inicial da prescrição da pretensão de cobrança de honorários ad exitum A contagem do prazo
prescricional começou na data do êxito da demanda, ou seja, no dia em que houve a sentença favorável ao
cliente.
557/STJ - Prescreve em 10 anos o prazo para que um advogado autônomo possa cobrar de outro advogado o
valor correspondente à divisão de honorários advocatícios contratuais e de sucumbência referentes a ação
judicial na qual ambos trabalharam em parceria. STJ. 3ª Turma. REsp 1.504.969-SP, Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva,
julgado em 10/3/2015
O prazo decadencial para o exercício da pretensão redibitória ou de abatimento do preço de bem móvel é de 30
dias (art. 445 do CC). No caso de vício oculto em coisa móvel, o adquirente tem o prazo máximo de 180 dias para
perceber o vício (§ 1º do art. 445) e, se o notar neste período, tem o prazo de decadência de 30 dias (a partir da
verificação do vício) para ajuizar a ação redibitória.
581/STJ - O prazo decadencial para herdeiro do cônjuge prejudicado pleitear a anulação da fiança firmada sem a
devida outorga conjugal é de dois anos, contado a partir do falecimento do consorte que não concordou com a
referida garantia. (STJ. 4ª Turma. REsp 1.273.639-SP, Rel. Luis Felipe Salomão, j. 10/3/16
556/STJ - Ação pedindo apenas a desconstituição do reconhecimento de filiação: prazo de 4 anos. Ação pedindo
a investigação de paternidade e a consequente desconstituição do reconhecimento de filiação: imprescritível.

71
QUESTÕES OBJETIVAS
(MPF\26) o impedimento e a suspensão da prescrição, embora não sejam conceitos sinônimos, estão previstos
nos mesmos artigos do CC.
(MPF\24) Em relação a prescrição: A exceção ou defesa,prescreve no mesmo prazo previsto para pretensão. A
prescrição iniciada contra o de cujus continua a correr contra o seu herdeiro universal.
(MPMS – 2015 – FAPEC): O termo inicial do prazo de prescrição para o ajuizamento da ação de indenização
por danos decorrentes de crime – ação civil ex delicto – é a data do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, não se aplicando na hipótese a noção de independência entre as instâncias civil e penal. BL: STJ -
AgRg no Ag: 441273 RJ. Termo final prorroga-se para próximo dia útil quando termina no recesso forense
Banco de Questões Ouse: 606-Quais são as teorias que justificam a prescrição?
R. 1) Teoria do Esquecimento – Essa teoria prega que deve ocorrer a prescrição pelo fato de própria sociedade
esquecer o fato típico, não existindo mais motivos para punição; 2) Teoria da expiação moral – O sofrimento que
já foi imposto ao criminoso acaba por angustiá-lo, ante a possibilidade de sofrer uma pena, o que por si só já é
uma punição; 3) Teoria da emenda do delinquente: Tal teoria aduz que o criminoso com o decurso do tempo
pode ter mudança de comportamento, o que traduz a desnecessidade da aplicação da pena; 4) Teoria da
dispersão das provas – Tal teoria afirma que tempo conduz à perda das provas ou ao menos ao seu afastamento
da veracidade. É bastante criticada pois se argumenta que ela ignora o poder discricionário do juiz de realizar a
livre apreciação das provas; 5) Teoria psicológica – Tal teoria prega que o criminoso altera seu modo de ser com o
passar do tempo. Desse modo, equivale à teoria da emenda do delinquente; 6) Teoria da exclusão dos efeitos
antijurídicos – Prega que o decurso do tempo faz com que determinados bens jurídicos percam a relevância e
passem os tipos penais, que antes os protegiam, a serem tolerados com a cessação dos efeitos da condenação -
como se fosse uma ab-rogação branca. 7) Teoria da prescrição como forma de evitar a ineficiência do Estado – Tal
teoria aduz que a prescrição é forma de cobrar eficiência do Estado pois, se não houvesse, seria ainda mais
retardado o fim da lide e com isso o término da pena.

QUESTÕES DA ORAL
26º Qual a diferença entre prescrição e decadência? Importância da teoria do Agnelo Amorim: a decadência
trata de direitos potestativos, enquanto a decadência trata de direitos de prestação.

6.DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


6.1 A boa-fé no direito civil. Boa-fé objetiva e suas funções. A ética nas relações obrigacionais. Deveres laterais de
conduta. (4.b)
6.2 Das obrigações quanto às suas modalidades. (1.b)
6.3 Extinção das obrigações. Inadimplemento. Liquidação das obrigações, juros e correção monetária. Cláusula
penal e perdas e danos. Multa cominatória. Adimplemento substancial. Princı ́pio da justiça contratual. A evolução
da responsabilidade pessoal para a patrimonial. (9.b)
6.4 As obrigações por declaração unilateral de vontade. (10.b)
6.5 Enriquecimento ilı ́cito e pagamento indevido. (7.a)

4B. A boa-fé no direito civil. Boa-fé objetiva e suas funções. A ética nas relações obrigacionais. Deveres laterais de
conduta

Victor Nunes
Obras consultadas: Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil. 2016.
Legislação básica: artigos 113, 187, 422 e 476 do CC/02.

Segundo Tartuce (2016), o Código Civil de 2002 consagra três princípios fundamentais (eticidade, socialidade e
operabilidade), conforme se extrai da sua exposição de motivos, elaborada por Miguel Reale. Ao consagrar tais
princípios, o Código Civil de 2002 se distancia do tecnicismo institucional advindo da experiência do Direito
Romano, procurando, em vez de valorizar formalidades, reconhecer a participação dos valores éticos em todo o
Direito Privado (ter → ser).
Destarte, o princípio da eticidade trata-se da valorização da ética e da boa-fé, principalmente daquela que existe
no plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé objetiva).
Pelo Código Civil de 2002, a boa-fé objetiva apresenta três funções importantes, quais sejam:

72
● Função de interpretação dos negócios jurídicos em geral (art. 113 do CC), eis que os negócios jurídicos devem
ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração. Nesse dispositivo, a boa-fé é
consagrada como meio auxiliador do aplicador do direito para a interpretação dos negócios, da maneira mais
favorável a quem esteja de boa-fé. Essa função de interpretação, repise-se, também parece estar presente no
Novo CPC, no seu art. 489, § 3º, devendo o julgador ser guiado pela boa-fé das partes ao proferir sua decisão.
● Função de controle (art. 187 do CC), uma vez que aquele que contraria a boa-fé objetiva comete abuso de
direito. Não se pode olvidar que a responsabilidade civil que decorre do abuso de direito é objetiva, isto é, não
depende de culpa, uma vez que o art. 187 do CC adotou o critério objetivo-finalístico. Dessa forma, a quebra ou
desrespeito à boa-fé objetiva conduz ao caminho sem volta da responsabilidade independentemente de culpa.
● Função de integração (art. 422 do CC), onde afirma que a boa-fé deve integrar a conclusão e a execução do
contrato. Ainda na fase pré-contratual há dever das partes de observar a boa-fé, sendo possível a reparação civil
por fatos ocorridos antes mesmo da celebração dos contratos, situação de responsabilidade civil pré-contratual.
Essa responsabilidade advém da quebra das expectativas legítimas incutidas nas partes diante das negociações.
Fala-se ainda em "dano de confiança", ligado à não observância dos deveres anexos ao princípio da boa-fé
objetiva. Em relação ao art. 422 do CC, assevera Flávio Tartuce que uma das mais importantes inovações do
Código de 2002 é a previsão expressa da boa-fé contratual, uma vez que não havia artigo semelhante no Código
de 1916.
Tartuce (2016) afirma que desde os primórdios do Direito Romano já se cogitava uma boa-fé direcionada à
conduta das partes (não à intenção do sujeito, como é a boa-fé subjetiva), principalmente nas relações negociais e
contratuais.
Com o surgimento do jusnaturalismo, a boa-fé ganhou, no Direito Comparado, uma nova faceta, relacionada com
a conduta dos negociantes e denominada boa-fé objetiva. Da subjetivação saltou-se para a objetivação, o que é
consolidado pelas codificações privadas europeias, como o Código Civil português de 1966, o Código Civil italiano
de 1942 e o BGB.
A doutrina moderna afirma que a boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal dos
contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio
jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial.
São considerados deveres anexos, entre outros: dever de cuidado em relação à outra parte negocial, de respeito,
de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio, de agir conforme a confiança depositada, de lealdade e
probidade e de colaboração ou cooperação.
A quebra desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, com responsabilização civil objetiva
daquele que desrespeita a boa-fé objetiva (lembrando que a boa-fé objetiva é preceito de ordem pública). Tartuce
(2016) defende, inclusive, que essa quebra dos deveres anexos também pode ocorrer no âmbito instrumental,
gerando uma responsabilidade civil objetiva do violador da boa-fé objetiva processual 35.
● Conceitos parcelares da boa-fé objetiva: são conceitos advindos do direito comparado e amplamente
difundido na doutrina civilista bem como na jurisprudência brasileira. Com o Novo CPC, Tartuce (2016) defende
ser possível a plena aplicação dos conceitos parcelares da boa-fé objetiva também no âmbito processual.
Vejamos:
1. Supressio e surrectio:
A supressio (Verwirkung) significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo
seu não exercício com o passar dos tempos. Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa
supressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio (Erwirkung), direito este que não existia
juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo com os costumes. Em outras palavras,
enquanto a supressio constitui a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo;
a surrectio é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes. Ambos os conceitos podem ser
retirados do art. 330 do CC/2002, constituindo “duas faces da mesma moeda”.
Para o STJ, a supressio“ indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese
em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse
não exercício se prorrogará no tempo. (...)” (STJ, REsp 953.389/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j.
23.02.2010).
2. Tu quoque:

35
Para o autor, o NCPC procurou valorizar a boa-fé, especialmente a de natureza objetiva, em vários de seus
comandos (artigos 5º, 6º, 10º e 489, § 3º, NCPC).
73
O termo tu quoque significa que um contratante que violou uma norma jurídica não poderá, sem a caracterização
do abuso de direito, aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito. Para melhor explicar o
termo, Tartuce (2016), cita o autor Luiz Bueno de Godoy:
"Pelo ‘tu quoque’, expressão cuja origem (...) está no grito de dor de Júlio César, ao perceber que seu filho adotivo
Bruto estava entre os que atentavam contra sua vida (...), evita-se que uma pessoa que viole uma norma jurídica
possa exercer direito dessa mesma norma inferido ou, especialmente, que possa recorrer, em defesa, a normas
que ela própria violou. Trata-se da regra de tradição ética que, verdadeiramente, obsta que se faça com outrem o
que não se quer seja feito consigo mesmo”.
3. Exceptio doli:
A exceptio doli é conceituada como sendo a defesa do réu contra ações dolosas, contrárias à boa-fé. Aqui a boa-fé
objetiva é utilizada como defesa, tendo uma importante função reativa. A exceção mais conhecida no Direito Civil
brasileiro, segundo Tartuce (2016) é aquela constante no art. 476 do CC/02 (exceptio non adimpleti contractus)
4. Venire contra factum proprium
Pela máxima venire contrafactum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio
contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes
da boa-fé objetiva.
5. Duty to mitigate the loss
Trata-se do dever imposto ao credor de mitigar suas perdas, ou seja, o próprio prejuízo.Para melhor compreensão
da aplicação desse conceito, veja o seguinte julgado do STJ:
"1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas
pela probidade, cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos
dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no
ordenamento jurídico. 3. Preceito decorrente d a boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o
próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja
agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano.
Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4.
Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de
ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever
contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com
o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais
célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé
objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária
(exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido" (STJ, REsp 758.518/PR, 3ª Turma, Rel. Des. Conv.
Vasco Della Giustina, j. 17.06.2010)36
6. Teoria do adimplemento substancial: A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo mitigar os efeitos
do inadimplemento do contrato previstos no art. 475 do CC/02. Segundo essa teoria, se a parte devedora cumpriu
quase tudo que estava previsto no contrato (ex: eram 48 prestações, e ela pagou 46), então, neste caso, a parte
credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque, como faltou muito pouco, o desfazimento do
pacto seria uma medida exagerada, desproporcional, injusta e violaria a boa-fé objetiva.
Desse modo, havendo adimplemento substancial (adimplemento de grande parte do contrato), o credor teria
apenas uma opção: exigir do devedor o cumprimento da prestação (das prestações) que ficou (ficaram)
inadimplida(s) e pleitear eventual indenização pelos prejuízos que sofreu.
Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos
pelo Decreto-Lei 911/69.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.622.555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado
em 22/2/2017 (Info 599).
Fundamento: 1) Evitar incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas; 2) perigo de juros mais elevados nesses

36
Veja também um importante julgado sob o conceito do “duty to mitigate the loss” e a aplicação do “stop loss”:
STJ, REsp 656.932/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 24.04.2014.
74
contratos; 3) o próprio Decreto-Lei 911/69 foi claro ao exigir a quitação integral do débito como condição
imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja remancipado. A lei de regência do instituto
expressamente exigiu o pagamento integral da dívida pendente.
.

Enunciados das Jornadas de Direito Civil:


Enunciado n. 24 do CJF/STJ: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a
violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.
Enunciado n. 25 do CJF/STJ: O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da
boa-fé nas fases pré e pós-contratual.
Enunciado n. 26 do CJF/STJ: A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e,
quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de
comportamento leal dos contratantes.
Enunciado n. 37 do CJF/STJ: Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa
e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.
Enunciado n. 169 do CJF/STJ: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio
prejuízo.37
Enunciado n. 170 do CJF/STJ: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações
preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.
Enunciado n. 362 do CJF/STJ: A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-
se na proteção da confiança,como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.
Enunciado n. 363 do CJF/STJ: Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte
lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação.
Enunciado n. 412 do CJF/STJ: As diversas hipóteses de exercício inadmissível de uma situação jurídica subjetiva,
tais como supressio, tu quoque, surrectio e venire contra factum proprium, são concreções da boa-fé objetiva.
Súmulas do STJ:
Súmula 308: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração
dapromessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentesdo imóvel.
Súmula 548: Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de
inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito. 38

Questões do MPF:
Prova Objetiva do 28º CPR: Questão 82, assertiva IV - O princípio da boa-fé objetiva proíbe que a parte assuma
comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação processual, o que resulta na vedação do venire
contra factumproprium, aplicável também ao direito processual.(a assertiva foi considerada correta)
Prova Objetiva do 28º CPR: Questão 11, assertiva IV - A jurisprudência vigente admite a invocação da boa-fé
objetiva no que tange a atuação das partes no processo penal.(a assertiva foi considerada correta)

1B. As obrigações quanto às suas modalidades.

Por Thales Cavalcanti Coelho

1. Conceito de obrigação
O conceito de obrigação não está disposto no Código Civil. Na doutrina, encontra-se as seguintes definições:
“Obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir da outra prestação economicamente
apreciável” (Caio Mário); e "Relação jurídica transitória, estabelecendo vínculos jurídicos entre duas diferentes

37
Segundo Tartuce (2016) esse enunciado está inspirado no art. 77 da Convenção de Viena de 1980, sobre a
venda internacional de mercadorias.
38
Foi transformada em súmula o comum entendimento jurisprudencial de que o credor temo dever de retirar o
nome do devedor do cadastro de inadimplentes após o pagamento da dívida, sob pena de surgimento de uma
responsabilidade pós-contratual (post pactum finitum), pela quebra da boa-fé.
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partes (credor e devedor), cujo objeto é uma prestação pessoal, positiva ou negativa, garantindo o cumprimento,
sob pena de coerção judicial" (Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald).
Nas relações obrigacionais, em geral quem tem o débito (Schuld), tem a responsabilidade (Haftung). Nesse
sentido, considera-se "obrigações imperfeitas" aquelas em que há apenas o débito (Schuld) ou a
responsabilidade (Haftung), como nos casos de dívida de jogo (em que há o débito, mas inexiste
responsabilidade, por não haver meio legal para se constranger ao pagamento) e de fiança (na qual o fiador
assume a responsabilidade por um débito que não lhe pertence).

1.1. Outras definições:


Obrigação com eficácia real: é uma obrigação de natureza pessoal que, em virtude de registro, passa a ter
eficácia erga omnes (ex.: art. 8º da Lei do Inquilinato). Demanda previsão legal.
Obrigação propter rem: é uma espécie de obrigação ambulatória, que não se caracteriza bem como direito real,
nem puramente como direito obrigacional. Trata-se de espécie sui generis, intermediária, entre os direitos reais e
obrigacionais. É um tipo de obrigação que, embora imponha pessoalmente ao devedor uma obrigação de prestar,
tal obrigação se vincula a uma coisa, acompanhando-a. A obrigação decorre da vinculação do sujeito a uma coisa.
Exemplo: obrigação dos condôminos de contribuírem para as despesas do condomínio. Outro exemplo:
obrigação de demarcar, averbar e restaurar área de reserva legal.
Obrigação natural (ou imperfeita): é aquela em que, embora existam credor e devedor, é desprovida de
coercibilidade jurídica. Exemplos: dívida de jogo, dívida prescrita. Não permitem ação de repetição (salvo se
a quantia foi ganha por dolo, ou se foi paga por menor ou interdito). O único efeito jurídico da obrigação natural
denomina-se soluti retentio, que significa a retenção do pagamento. Isso porque, se o devedor paga por uma
obrigação natural, o credor pode reter esse pagamento.
Obrigação de meio: devedor se obriga a empreender a sua atividade, sem garantir o resultado esperado
(exemplos: trabalho do advogado, do médico - salvo na cirurgia plástica estética, em que a obrigação é de
resultado).
Obrigação de resultado: aquela em que o devedor assume a realização do fim projetado (exemplo: engenheiro
contratado para fazer obra, empreitada específica, já que ele assume o resultado final).
Obrigação in solidum: ocorre quando duas ou mais dívidas decorrem do mesmo fato, mas não há solidariedade
entre os devedores (exemplo: num incêndio causado por terceiro em imóvel segurado, tanto o terceiro quanto o
segurador são devedores da reparação dos danos perante o proprietário).
Obrigação alternativa: aquela que tem objeto múltiplo, de maneira que o devedor se exonera cumprindo uma
das prestações devidas (a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou). Não se confunde com a
obrigação de dar coisa incerta (denominada genérica antes da escolha da espécie). Na alternativa, se, antes da
escolha, uma das coisas perece, a prestação concentra-se na outra possibilidade.
Obrigação facultativa: aquela que tem um único objeto, mas o devedor tem a faculdade de substituir a
prestação prevista por outra de natureza diversa, prevista subsidiariamente. O credor não tem direito de exigir a
prestação facultativa subsidiária. Se o objeto da obrigação principal deixa de existir por caso fortuito ou força
maior, a obrigação se extingue, ela não se concentra na outra prestação, como ocorreria na alternativa. Isto
porque, na obrigação facultativa, a prestação subsidiária é uma faculdade do devedor.

2. Estrutura da relação obrigacional


A estrutura da relação obrigacional é formada pelos seguintes elementos essenciais: (a) sujeitos ativo e
passivo (elemento subjetivo; ou pessoal); (b) prestação (elemento objetivo; ou material); e (c) vínculo jurídico
(elemento ideal; ou espiritual). Além desses elementos estruturais, modernamente fala-se em um quarto
elemento, de caráter funcional, relacionado aos valores sociais fundados nos princípios constitucionais do Estado
democrático de direito.
É de se ressaltar que, em geral, a prestação tem conteúdo econômico ou patrimonial. Todavia, admite-se
prestação, no âmbito da relação obrigacional, sem conteúdo patrimonial, como, por exemplo, no caso de
prestações derivadas dos deveres anexos.

3. Modalidades das obrigações


As modalidades de obrigações são as seguintes: (a) obrigação de dar coisa certa; (b) obrigação de dar
coisa incerta; (c) obrigação de fazer; e (d) obrigação de não fazer.

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A obrigação de dar coisa certa, em regra, abrange os acessórios, ainda que não mencionados, por força do
princípio da gravitação jurídica ("o acessório segue o principal"). Responsabilidade civil pela perda ou
deterioração da coisa certa: se a coisa (certa) se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente
condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes, incidindo res perit domino; se a perda
resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e perdas e danos; se o devedor for culpado, outra
opção para o credor será aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, também, indenização
das perdas e danos (em teoria das obrigações, as perdas e danos – ter que indenizar o credor, além de devolver
o preço – pressupõem culpa do devedor). Se, em vez de perda, houve deterioração da coisa, não sendo o
devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que se
perdeu.
OBRIGAÇÃO FATO C/ BEM S/ CULPA COM CULPA
DAR PERDA Resolve-se a obrigação Pode o credor exigir o
para ambas as partes equivalente + perdas e
danos
DAR DETERIORAÇÃO Pode o credor: resolver a Pode o credor exigir o
obrigação ou aceitar a equivalente ou aceitar a
coisa com abatimento de coisa com abatimento do
preço preço +
perdas e danos
RESTITUIR PERDA Resolve-se a obrigação Pode o credor: Exigir o
para ambas as partes equivalente + perdas e
danos
RESTITUIR DETERIORAÇÃO O credor recebe a coisa Pode o credor exigir o
no estado em que se equivalente ou aceitar a
encontra coisa com abatimento do
preço + perdas e danos
Na obrigação de dar coisa incerta - isto é, naquela cuja prestação é indicada apenas pelo gênero e pela
quantidade, sem menção à qualidade da coisa -, em regra a escolha é feita pelo devedor, que deve levar em
consideração a média (nem a pior, nem a melhor coisa). Esse ato de escolha é denominado "concentração do
débito"39 ou "concentração da prestação devida". Não é possível ao devedor, antes da escolha, numa obrigação
de dar coisa incerta (chamada de genérica, antes da opção), alegar caso fortuito ou força maior, já que o gênero
não perece antes da escolha (genus nunquam perit).
Com relação à obrigação de não fazer, quando se cria a obrigação de não construir e essa é registrada no
Cartório de Imóveis, é constituído o direito real sobre coisa alheia, denominado servidão. Além disso, nas
obrigações negativas, a inadimplência caracteriza-se desde o dia em que se executa o ato. A obrigação de não
fazer, ainda, é quase sempre infungível, personalíssima e predominantemente indivisível.

4. Classificação das obrigações

4.1. Quanto à complexidade da prestação:


(a) Obrigação simples: é aquela que só tem uma prestação.
(b) Obrigação composta objetiva: é aquela que tem mais de uma prestação. É dividida em duas modalidades:
(b.1) Obrigação composta objetiva cumulativa (ou conjuntiva): é aquela que tem mais de
uma prestação, sendo certo que todas as prestações devem ser cumpridas pelo devedor, sob pena de
inadimplemento. É identificada pela conjunção E. Ex.: deveres do locador e locatário no contrato de locação.
(b.2) Obrigação composta objetiva alternativa (ou disjuntiva): é aquela que tem mais de
uma prestação, sendo certo que apenas uma prestação deve ser cumprida pelo devedor, sob pena de
inadimplemento. É identificada pela conjunção OU. Ex.: contrato estimatório.
O que acontece no caso de inadimplemento das obrigações alternativas?

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A concentração do débito pode ser atribuída a pessoa diversa do devedor, excepcionalmente, caso o instrumento obrigacional preveja
que a escolha cabe ao credor ou a um terceiro. Eventualmente, a escolha pode também caber ao juiz, nos seguintes casos: (i) de
pluralidade de optantes, não havendo acordo entre as partes; e (ii) se o título deferir a opção a terceiro, e esse não quiser ou não puder
optar e não existir acordo entre as partes.
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1ª regra - inadimplemento sem culpa do devedor: haverá resolução sem perdas e danos
ou concentração na outra prestação.
2ª regra - inadimplemento com culpa do devedor: haverá resolução com perdas e danos.
3ª regra – escolha do credor e perda de uma prestação ou de todas, com culpa do
devedor: o credor pode escolher entre o valor de qualquer uma das prestações mais perdas e danos.
4ª regra – impossibilidade de todas as prestações, sem culpa do devedor,
independentemente de quem é a escolha: haverá a resolução da obrigação (retorno ao estado primitivo).

Obrigação alternativa Obrigação de dar coisa incerta


É obrigação composta; tem mais de uma É obrigação simples; só tem uma prestação
prestação
Pode haver mistura de dar (gêneros Só tenho a obrigação de dar (mesmo gênero)
distintos), fazer e não fazer
Dar – dar – gêneros distintos Dar – dar – mesmo gênero

Obrigação alternativa Obrigação facultativa


Tem mais de uma prestação. Tem só uma prestação mais faculdade, que é
É obrigação composta. segunda opção do devedor, não podendo ser
exigida pelo credor. É obrigação simples.
“se o devedor quiser”
O credor pode exigir qualquer uma das Exemplo: Devedor tem que entregar cavalo,
prestações. mas se quiser pode pagar 15 mil reais. Esse
valor não pode ser exigido pelo credor, só
pode exigir o cavalo.

4.2. Quanto ao número de pessoas envolvidas (hipóteses de solidariedade):


Há solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre mais de um credor (solidariedade ativa) ou mais de um
devedor (solidariedade passiva), cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda (CC, art. 264). A solidariedade
não se presume, podendo resultar da lei (solidariedade legal) ou da vontade das partes (solidariedade
convencional) (CC, art. 265).
Na fiança, em regra, não há solidariedade. O fiador é devedor subsidiário, pois tem benefício de ordem. Porém,
por força do contrato, o fiador pode renunciar a esse benefício ou assumir a condição de devedor solidário (CC,
artigos 827 e 828).
Em contrato de adesão, não é possível a renúncia ao benefício de ordem. A renúncia ao benefício de ordem
imposta em contrato de adesão é nula (CC, art. 424).

(a) Regras da solidariedade ativa:


1ª REGRA: cada um dos credores solidários tem o direito a exigir do devedor comum o cumprimento da prestação
por inteiro (CC, art. 267).  Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, a
qualquer dos credores poderá este pagar (CC, art. 268).
2ª REGRA: o pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que foi pago (CC,
art. 269).
3ª REGRA: o credor que tiver perdoado a dívida ou recebido o pagamento responderá aos outros pelas partes que
lhes caibam (CC, art. 272).
4ª REGRA: se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e
receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível (CC,
art. 270).
5ª REGRA: convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade (CC,
art. 271).
6ª REGRA: a um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos outros (CC,
art. 273). Ressalte-se que "exceções pessoais" consistem nas defesas relativas a somente determinadas pessoas.
Exemplos: alegações de incapacidade e vícios do consentimento.
7ª REGRA: o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável

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aproveita-lhes, sem prejuízo da exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer
deles (dos credores).

(b) Regras da solidariedade passiva:


1ª REGRA: o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a
dívida comum (opção de demanda); se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam
obrigados solidariamente pelo resto. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor
contra um ou alguns dos devedores (CC, art. 275).
2ª REGRA: o credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores. Se o
credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, subsistirá a dos demais (CC, art. 282). Ressalte-se que
renúncia à solidariedade e remissão não se confundem. Na renúncia à solidariedade, o devedor continua
obrigado a pagar a sua parte na dívida, mas não responde pela parte dos demais devedores. Na remissão, o
devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional, inclusive no que tange ao rateio da quota do eventual
codevedor insolvente, nos termos do art. 284 do Código Civil.
3ª REGRA: se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, cada um dos herdeiros será obrigado a
pagar a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário (CC, art. 276). Exceções: (i) se a obrigação for
indivisível, poderá ser exigida por inteiro; e (ii) os herdeiros reunidos serão tratados como um só devedor em
relação aos demais devedores.
4ª REGRA: o pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida aproveitam aos outros
devedores, até à concorrência da quantia paga ou relevada (perdoada) (CC, art. 277).
5ª REGRA: impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o
encargo de pagar o equivalente a prestação; mas pelas perdas e danos só responde o culpado. Obs.: Esse efeito
diferencia a solidariedade da indivisibilidade.
6ª REGRA: o devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua
quota, havendo presunção relativa de divisão igualitária em relação aos devedores (relação interna) (CC, art. 283).
Porém, se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este devedor por toda a
dívida para com aquele que pagar (CC, art. 285).

4.2. Quanto à divisibilidade:

Obrigações divisíveis e indivisíveis Obrigações solidárias


Essa divisão tem origem na natureza da Essa divisão tem origem na lei e na vontade
prestação: dar, fazer, não fazer das partes.
Origem objetiva Origem subjetiva (vontade)
Ex.: touro reprodutor – é indivisível

(a) Obrigações divisíveis: são aquelas que podem ser cumpridas em partes, por sua natureza, por motivo de
ordem econômica ou por razão determinante. Haverá presunção relativa de divisão igualitária de acordo com o
número de partes (CC, art. 257).
(b) Obrigações indivisíveis: são obrigações que não podem ser cumpridas em partes, por sua natureza (natural),
por motivo de ordem econômica (convencional) ou dada a razão determinante do negócio jurídico (CC, art. 258).
Regras das obrigações indivisíveis:
1ª REGRA (pluralidade de devedores): havendo dois ou mais devedores, cada um será obrigado pela dívida toda.
O devedor que paga a dívida sub-rogasse no direito do credor em relação aos outros coobrigados. (CC, art. 259).
2ª REGRA (pluralidade de credores): se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida
inteira, mas o devedor ou devedores se desobrigarão pagando (CC, art. 260): (i) a todos conjuntamente; ou (ii) a
um dos credores, dando este caução de ratificação (garantia) dos demais. Obs.: o credor que recebe por inteiro
deve pagar em dinheiro aos outros credores as suas cotas (CC, art. 261).
3ª REGRA: se um dos credores perdoar a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros. Todavia, os
outros credores só poderão exigir a dívida descontando a quota do credor remitente. O mesmo critério se
observará no caso de transação, novação, compensação ou confusão (CC, art. 262).
4º REGRA: perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos. Se houver culpa de
todos os devedores, responderão todos por partes iguais. Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros,

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respondendo só o culpado pelas perdas e danos. Obs.: quando a obrigação se converte em perdas e danos, a
solidariedade permanece; já a indivisibilidade não permanece.
Enunciado 540 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: "Havendo perecimento do objeto
da prestação indivisível por culpa de apenas um dos devedores, todos respondem, de maneira divisível, pelo
equivalente e só o culpado, pelas perdas e danos".

9B. Extinção das obrigações. Inadimplemento. Liquidação das obrigações, juros e correção monetária. Cláusula
penal e perdas e danos. Multa cominatória. Adimplemento substancial. Princípio da justiça contratual. A evolução
da responsabilidade pessoal para a patrimonial.

Leonardo Trevizani Caberlon

I - Extinção das obrigações: o adimplemento se dá através do pagamento direto (pagamento em conformidade


com os sujeitos, objeto, local e prazo estipulados) ou pelo pagamento indireto (pagamento em consignação,
imputação do pagamento, pagamento com sub-rogação, dação em pagamento, novação, compensação, confusão
e remissão de dívidas). II – Inadimplemento: o inadimplemento divide-se em absoluto, relativo e violação positiva
do contrato. No absoluto, a prestação não interessa mais ao credor. No relativo (mora), em que há apenas um
descumprimento de parte da obrigação (de algum de seus elementos: parte, prazo, objeto, local), ainda havendo
utilidade na sua prestação. Enunciado 162 do CJF: a averiguação da utilidade deve respeitar a boa-fé objetiva e
não segundo o mero interesse subjetivo do credor. O inadimplemento relativo (mora) pode ocorrer por culpa do
credor (mora accipiendi) ou do devedor (mora solvendi). A mora acarreta a responsabilização do culpado quanto
aos prejuízos causados, mais juros, correção monetária, honorários de advogado e penas convencionais (cláusula
penal). Também é responsabilizado por danos decorrentes de caso fortuito e força maior, salvo se provar que o
dano ocorreria ainda que não tivesse havido a mora. A mora pode ser ex re ou automática (ocorre quando a
obrigação for positiva, líquida e com data fixada para o adimplemento, ou seja, prescinde ao credor qualquer
providência para constituição do devedor em mora – dies interpellat pro homine), ex persona ou mora pendente
(ocorre quando a obrigação não previr termo final para execução da obrigação, necessitando o credor adotar
alguma providência para constituir o devedor em mora, como notificação, interpelação ou protesto judicial ou
extrajudicial) e, ainda, irregular ou presumida (ocorre nas obrigações decorrentes de ato ilícito desde a data
que este ato foi praticado). Nas obrigações negativas, a mora se constitui desde a data em que praticado o ato de
cuja realização o devedor deveria se abster. Efeitos da mora do credor: afastar a responsabilidade do devedor pela
conservação da coisa, exigindo-se dolo para responsabilização; obrigar o credor ao pagamento de despesas feitas
pelo devedor na conservação da coisa; e sujeitar o credor ao preço mais favorável ao devedor quando ele oscilar
no tempo decorrido do vencimento ao recebimento da obrigação pelo credor. Pode o devedor, na mora
accipiendi, ajuizar ação de consignação em pagamento. A mora simultânea do credor e do devedor provoca a
compensação das moras. MHD distingue purgação da mora de cessação da mora. Aquela é ato voluntário para
afastar os efeitos da mora desde a data da purgação (ex nunc), já esta extingue os efeitos da mora desde o seu
nascimento, projetando-se p/ o futuro (ex tunc), como ocorre na novação, na renúncia, na remissão de dívidas.
O inadimplemento absoluto ocorre com a total inutilidade da obrigação para o credor ante o descumprimento de
algum dos elementos da obrigação (ex: prazo). Neste caso, em vez de haver a satisfação da obrigação, há a
condenação de quantia pecuniária visando a compensar o prejuízo do credor. Na violação positiva do contrato,
temos o descumprimento de deveres laterais que alcançam todos os interesses conexos à execução do contrato,
todavia excluem-se de seu âmbito todos aqueles deveres que não possam ser relacionados como necessários à
realização da prestação. Segundo Clóvis Couto e Silva: dever de informação, de proteção, de vigilância, de
cooperação, de assistência e de lealdade. III – Liquidação das obrigações, juros e correção monetária: Os juros
podem ser convencionais ou legais, moratórios (inadimplemento parcial) ou compensatórios (utilização
consentida do capital). Enunciado 20 CJF: a taxa de juros moratórios do art 406 (taxa a ser aplicada na falta de
taxa estipulada) deve ser de 1% ao mês (CTN) e não a taxa SELIC pela falta de segurança jurídica desta. S. 596
STF: entidades do SFN não estão sujeitas à lei de usura. S. 283 STJ: administradoras de cartão de crédito
não estão sujeitas à lei de usura. Entendimentos do STJ: estipulação de taxa de juros remuneratórios maior que
12% ao ano não é por si só abusiva. É admitida a revisão destas taxas se ocorrer abusividade exagerada. O art.
591, o qual determina que a taxa de juros do mútuo feneratício seja limitada àquela prevista para a mora da
fazenda (art. 406), não se aplica às instituições financeiras. Não sendo previstos juros nos contratos bancários,
não se aplica o art. 406, mas sim a taxa média de mercado. O art. 405 reza que os juros são contados desde a
80
citação, mas isto não se aplica na responsabilidade extracontratual (s. 54 STJ) e nem nas obrigações líquidas e
vencidas (pois estas prescindem de interpelação – o vencimento interpela pelo homem). Como os juros
pertencem ao plano da eficácia, a eles se aplicam a lei vigente na época de sua incidência, assim, 6% até o CC/16
e 12% a partir do CC/02. IV – Cláusula penal e perdas e danos: Cláusula penal: é a multa contratual ou pena
convencional. Ela tem um duplo fundamento, qual seja o reforço do vínculo obrigacional (o devedor se sente
estimulado a cumprir o pacto) e a liquidação antecipada das perdas e danos, o que também é chamado de pré-
fixação das perdas e danos. O CC prevê duas espécies: a) compensatória ou substitutiva: art. 410; e b) moratória
ou cumulativa: art. 411. É possível a redução da cláusula penal (art. 413), inclusive de ofício pelo juiz (enunciado
356 do CJF). Ela não pode ser objeto de renúncia, pois é matéria de ordem pública (enunciado 355 do CJF).
Reconhece-se a possibilidade de indenização suplementar à cláusula penal, desde que convencionada pelas
partes. No enunciado 430, consta a vedação à indenização suplementar em contratos de adesão. é penalidade
civil pelo descumprimento total (multa compensatória) ou parcial (multa moratória) da obrigação que incide
independente de culpa. A multa moratória é de 10% em regra (lei da usura) e de 2% para CDC e para dívidas de
condomínio (art. 1336 CC). A multa compensatória é de no máximo o valor do principal. Pode o juiz reduzir a
multa se a obrigação for cumprida em parte ou se manifestamente excessiva. Na multa moratória: principal +
multa. Na multa compensatória: principal ou multa. Perdas e danos: art. 402. É a indenização paga àquele
prejudicado por efeito direto e imediato de ato de outrem. Compõe-se de danos emergentes ou positivos (o que
efetivamente perdeu) e lucros cessantes ou danos negativos (o que razoavelmente deixou de lucrar) + juros,
correção monetária, custas, honorários, pena convencional. V – Multa cominatória: também conhecida como
astreintes, é a multa fixada em razão do descumprimento de uma decisão judicial. No Código Civil, tem previsão
no art. 412, relativamente à cláusula penal. VI – Adimplemento substancial: contraponto ao abuso do direito,
também está ligado à solidariedade (art. 3º, I, da CF) e à proporcionalidade, além de guardar conexão com a
priorização da tutela específica (obter a prestação exata devida, e não o todo). Em suma, impede-se o exercício do
direito potestativo de resolução por parte do credor em face de um mínimo descumprimento da obrigação. Está
previsto nos enunciados 361 e 586 do CJF. VII – Princípio da justiça contratual: constitui expressão da igualdade
substancial (art. 3º, III, CF), de modo que o equilíbrio não deve ser apenas formal. Ela atua não apenas no
processo de formação e manifestação da vontade dos declarantes, mas, sobretudo, relativo ao conteúdo e aos
efeitos do contrato, que devem resguardar um patamar mínimo de equilíbrio. CCF e NR relaciona o princípio ao
equilíbrio contratual, que também deve existir na lesão e na cláusula hard ship. VIII – A evolução da
responsabilidade pessoal para a patrimonial: em síntese, a vinculação do devedor passa a ser com a prestação, e
não mais com o credor. Assim, o devedor deixa de responder com o corpo (veda-se a prisão civil por dívida) e o
seu patrimônio acaba virando o “alvo” do credor. Também deve-se ressaltar a progressiva humanização do
processo obrigacional, cujo marco é o Código Napoleônico, influenciado pelo Renascimento e pelas
transformações econômicas da época. A obrigação passa a ser impessoal, há a livre circulação de pessoas e bens,
grande fluxo de trocas comerciais, tudo isso contribuindo para a evolução de uma responsabilidade pessoal para a
patrimonial. Bibliografia: Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, Curso de Direito Civil, volumes 2 e 4, 2018 e 28º
graal.

10B. Das obrigações por declaração unilateral de vontade.

Samara Dalloul

1. Das obrigações por declaração unilateral de vontade : As obrigações podem surgir dos contratos,
dos atos ilícitos e das obrigações por declaração unilateral de vontade. As obrigações por declaração unilateral de
vontade são obrigações emanadas de manifestações de vontade de uma parte e que não discriminam desde logo
a pessoa do credor, que só surgirá após a constituição da obrigação. No Código Civil, os atos unilaterais de
vontade estão previstos nos artigos 854 a 886. Ex: promessa de recompensa, gestão de negócios, enriquecimento
sem causa e pagamento indevido (cada uma destas é cobrada em outro subitem).
As declarações unilaterais se diferenciam dos contratos justamente pela ausência de encontro de
vontades. Podem ser: PROMESSA DE RECOMPENSA, GESTÃO DE NEGÓCIOS, PAGAMENTO INDEVIDO e
ENRIQEUCIMENTO SEM CAUSA.

a) Promessa de recompensa: Declaração de vontade de um promitente na qual a pessoa que cumprir a


tarefa prevista na declaração, executando o serviço ou satisfazendo a condição, ainda que não esteja movida pelo
81
interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada. A revogação da promessa é possível antes de
prestado o serviço ou preenchida a condição, desde que feita com a mesma publicidade da declaração. Se for
fixado prazo para execução da tarefa, em regra, haverá renúncia ao direito de revogação da promessa nesse
prazo.
Caso revogada a promessa, o candidato de boa-fé terá direito ao reembolso das despesas realizadas – há
divergência se, após a revogação e havendo implementação da condição ou execução da tarefa de boa-fé, se
seria devida a recompensa (prevalece que sim). Se a execução da tarefa foi conjunta ou plúrima, terá direito à
recompensa o primeiro que a executou; sendo simultânea tocará quinhão igual na recompensa (caso divisível)
ou haverá sorteio seguido de indenização do quinhão do não sorteado por aquele que receber a coisa (se
indivisível). Tal sorteio deve ser realizado com razoabilidade e bom senso, não havendo regra fixa.
Concurso com promessa pública de recompensa: nos concursos que se abrirem com promessa pública de
recompensa é condição essencial a fixação de um prazo, aplicando-se as regras gerais do instituto. É comum a
nomeação de um árbitro que avaliará os trabalhos, sendo que a decisão dessa pessoa obriga os interessados. Se
não houver tal nomeação entende-se que o promitente reservou para si essa função. Se os trabalhos tiverem
mérito igual, proceder-se-á com as regras gerais (anterioridade, divisão e sorteio). Os trabalhos premiados só
pertencerão ao promitente se assim for estipulado na promessa.

b) Gestão de negócios: Negócio jurídico informal, provado de qualquer modo. É uma atuação sem
poderes, a parte atua sem ter recebido mandato expresso em nome de outra - há um quase contrato. O gestor
fica diretamente responsável perante o dono do negócio e terceiros com quem contratou. Considerando a
ausência de orientação dada pelo dono, não tem natureza contratual (sem prévio acordo de vontades). O gestor
não tem direito a qualquer remuneração pela atuação (negócio jurídico benévolo), deve agir conforme a vontade
presumível do dono do negócio sob pena de responsabilidade civil (861, CC). O gestor sempre deve agir com o
máximo de diligência.
Deveres do gestor: 1. Dever de informação – assim que possível comunicar o dono sobre sua atuação,
aguardando a resposta (desde que dessa espera não resulte perigo – art. 864, CC). Falecendo o dono do negócio
as instruções devem ser prestadas aos hedeiros; 2. Velar pela gestão do negócio – proceder com o máximo de
diligência enquanto o dono ou seus herdeiros não tomarem providências; 3. Dever de responsabilização pelos
prejuízos – desde que haja com culpa na gestão do negócio (art. 866, CC); 4. Dever de responder por prejuízos
causados por substitutos eventuais – aplicável inclusive quando houver mais de um gestor (há responsabilidade
solidária por força do art. 867,p. único, CC), sem prejuízo das ações que ao gestor ou ao dono do negócio posam
caber (em regresso); 5. Dever de responder pelo caso fortuito em operações arriscadas – esse dever prevalece
ainda que o dono costumasse fazer tais operações, bem como quando preterir os interesses do dono em seu
próprio favor. Demonstra o alto risco da atividade do gestor.
Responsabilidade do gestor: em regra somente responde se agir com culpa (subjetiva), ou quando se
fizer substituir por outrem, ainda que pessoa idônea (sem prejuízo da ação regressiva). A responsabilidade do
gestor por ato de terceiro é objetiva e solidária (arts. 932, III; 933 e 942). Na gestão conjunta há regra específica
de responsabilidade solidária de todos os gestores (art. 867, p. único).
Retorno do dono do negócio: 1ª hipótese – Ratificação da gestão e conversão em mandato (retroage ao
dia do começo da gestão): deverá ressarcir o gestor das despesas úteis e necessárias à atuação, com juros legais
desde o reembolso, respondendo pelos prejuízos que o gestor houver sofrido na administração. 2ª hipótese –
Desaprovação da atuação do gestor – o dono poderá pleitear perdas e danos, com responsabilidade subjetiva do
gestor (em regra). Responderá o gestor por caso fortuito na hipótese das manobras arriscadas ou quando preterir
interesses do dono. O dono só se poderá recusar a ratificação se provar que a atuação não foi realizada de
acordo com seus interesses diretos.

c) Pagamento indevido: todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir;
obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. O CC de 1916
tratava o pagamento indevido como efeito das obrigações e não como fonte obrigacional, correção acertada pelo
CC de 2002. É uma espécie de enriquecimento sem causa (Sílvio Rodrigues).
Pagamento objetivamente indevido: quando a dívida não existe ou não é justo seu pagamento.
Pagamento subjetivamente indevido: quando realizado à pessoa errada.

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Efeitos: quem paga indevidamente pode pedir restituição a quem recebeu, desde que prove que pagou
por erro. Quem recebeu é obrigado a restituir e, recusando, é cabível a ação de repetição de indébito. Exceção -
súmula 322: Para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta corrente, não se exige
prova do erro. Há presunção de boa-fé do consumidor (além do p. da proteção).
Aplica-se o disposto quanto ao possuidor de boa e má-fé (arts. 1214-1222,CC) aos frutos, acessões,
benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido. Havendo boa-fé, terá direito aos
frutos colhidos durante a permanência, retenção e indenização foi benfeitorias úteis e necessárias. Já se houver
má-fé não terá direito a frutos e apenas indenização das benfeitorias necessárias. Há disposições específicas
sobre bens imóveis – se aquele que recebeu indevidamente o alienar de boa-fé, a título oneroso, responde pela
quantia recebida. Se agir de má-fé, responde pelo valor do imóvel + perdas e danos. No caso de alienação
onerosa de má-fé do terceiro adquirente ou alienação gratuita (de boa ou má-fé), caberá ação petitória ao que
pagou por erro, reivindicando o imóvel.
Conforme o art. 880 do CC, fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como
parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que
asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu
fiador.
O art. 881 expressa uma novidade em relação ao CC 1916: se o pagamento indevido consistir em
desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se de obrigação de não fazer, quem recebeu indevidamente
fica obrigado a indenizar o sujeito que a cumpriu, na medida do lucro obtido.
O que é restituído: em regra deve ser pleiteado o valor pago atualizado, acrescido de juros, custas,
honorários advocatícios, despesas processuais e, havendo má-fé da parte receptora, reparação por perdas e
danos. Entretanto, há casos em que a lei consagra a possibilidade de pleitear o valor em dobro: aquele que
demanda por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias pagas, bem como na ação de
repetição de indébito consumerista; possibilidade de pleitear o equivalente ao que dele se exigir: quando for
pleiteado em mais do que for devido. A obrigação moral ou natural torna irrepetível o valor pago (dívida
prescrita, dívida judicialmente inexigível, empréstimo para jogo ou aposta, mútuo a pessoa menor, juros não
estipulados). Caso o pagamento se dê para obter fim ilícito será irrepetível e o que se deu reverterá em favor de
estabelecimento de beneficência a critério do juiz (883, CC).

d) Enriquecimento sem causa: inovação do CC 2002, baseada no p. da eticidade, visando equilíbrio


patrimonial. Constitui fonte obrigacional. É definido como o enriquecimento sem justa causa às custas de
outrem, sendo obrigada a restituição do indevidamente auferido com atualização dos valores monetários (884,
CC). Se esse enriquecimento se der por recepção de coisa determinada, deve esta ser restituída, se não mais
existir será feita pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Não se confunde enriquecimento sem causa e enriquecimento ilícito – na primeira falta uma causa
jurídica para o enriquecimento, na segunda esse enriquecimento se dá por fato ilícito. Todo enriquecimento
ilícito é sem causa, mas nem todo enriquecimento sem causa é ilícito (ex: contrato desproporcional).
A restituição também é cabível se a casa do pagamento deixar de existir (lei que revoga taxa). Caso a lei
forneça ao lesado outros meios de ressarcimento do prejuízo, não caberá restituição por enriquecimento sem
causa. Isto porque o enriquecimento sem causa, em regra, tem caráter subsidiário (poderá ser primeira opção se
a casuística demandar). Enriquecimento sem causa não significa, necessariamente, empobrecimento de outrem
(En. 35 da I Jornada de Direito Civil do CJF).
Ação in rem verso: é a ação de enriquecimento sem causa.
Requisitos:

i) enriquecimento do réu – não só acréscimo patrimonial, mas qualquer vantagem (como omissão de
despesas);
ii) empobrecimento do autor (vem sendo mitigado!) – pode ser o que razoavelmente se deixou de
ganhar, não apenas diminuição de patrimônio;
iii) relação de causalidade (entre o empobrecimento e o enriquecimento);
iv) inexistência de causa jurídica para o enriquecimento;
v) inexistência de ação específica.

83
7A. Do enriquecimento ilícito e do pagamento indevido.

Aline Morais

DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DO PAGAMENTO INDEVIDO.


FUNDAMENTOS: O princípio da eticidade, expressado na boa-fé objetiva, função social das obrigações e proteção
da confiança legítima impedem que uma parte tenha vantagem indevida em relação à outra. Os enriquecimentos
ilícito e sem causa são reprimidos pela legislação que demanda a restituição dos valores indevidamente
auferidos.

Enriquecimento Ilícito Enriquecimento sem causa


Aumento de patrimônio de um, em detrimento Aumento do patrimônio de um, em detrimento de
de outro, outrem,
fundado em ato ilícito sem causa jurídica
Espécie: pagamento indevido
Ato ilícito Ato lícito, mas com abuso de direito
Há má-fé Há abuso de direito, falta justa causa
Sempre será sem causa Nem sempre será ilícito

Geram dever de restituição, previsto expressamente no Código Civil. Exercido pela ação de in rem verso que tem
como requisitos: enriquecimento de quem recebe; empobrecimento de quem paga ( desnecessário segundo
enunciado 35 do CJF: “Art. 884: a expressão ‘se enriquecer à custa de outrem’ do art. 884 do novo Código Civil não
significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento.”); relação de causalidade entre eles; inexistência
ou perda de causa jurídica legal ou convencional (se houver previsão em contrato válido, não violador de
princípios, não restitui); ausência de ação específica para tutela do interesse (ação subsidiária – Enun 36 diz que
em alguns casos deve ser a primeira opção).
Parâmetros da restituição: valores atualizados do enriquecimento e do empobrecimento indevidos.
STJ: valores pagos pela administração pública em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente cassada,
devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte dos servidores beneficiados. (Resp 725.118;
EDcl no RMS 32706/SP e AgRg no REsp 1191879/RJ), inclusive no caso de benefícios previdenciários. Só não
devolve se a decisão for reformada em instâncias extraordinárias ou em ação rescisória.
Ex-cônjuge pode der obrigado a pagar aluguel quando está na posse exclusiva do bem, ainda que não tenha
havido partilha.
Podem ser compensadas no débito alimentar, prestações pagas “in natura” desde que haja concordância, ainda
que tácita do credor, no recebimento e que não seja mera liberalidade do devedor (Info 624 STJ).
Adaptações feitas no veículo para direção de pessoa com deficiência, após o contrato de financiamento podem
ser retiradas antes da devolução do bem (Info 594 STJ).

DO PAGAMENTO INDEVIDO – ARTS. 867 A 883 CC


É espécie de enriquecimento sem causa. Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a
restituir; inclusive o que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição (art. 867).

2 modalidades: objetiva: quando a dívida paga não existe ou não é justo o seu pagamento. Ex: a dívida foi paga a
mais; subjetiva: quando realizado à pessoa errada.
Para ser restituído, quem paga deve provar que pagou por erro e intentar ação de repetição de indébito.
Exceção: Súmula 332 do STJ - traz uma exceção à regra da prova do erro: “Para a repetição do indébito, nos
contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro”.
Requisitos: credor intentar cobrança judicial por errou ou má-fé e prova de pagamento indevido
Restituição: via de regra é simples. Recebe-se de volta o valor pago indevidamente, corrigido.
Exceções de pagamento em dobro: Art. 940 CC – demandar por dívida já paga, sem ressalvar quantias recebidas:
dobro do cobrado; art. 42, parágrafo único, do CDC

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Pagamento indevido com imóvel já alienado pelo credor : de boa-fé – título oneroso, responde apenas pela
quantia recebida; má-fé, responde pelo valor + perdas e danos; devedor pode reivindicar judicialmente o bem se
alienação gratuita ou onerosa de má-fé (402 a 404 CC e 879 pu, CC)
São insuscetíveis de repetição: obrigações naturais - pagamento de dívida prescrita ou judicialmente inexigível,
empréstimo para jogo ou aposta no ato de se apostar, mútuo feito a menor de idade e juros não estipulados (art.
591 do CC) – ou imorais - obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei.

SÚMULAS
STF 159 - cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art.1531 (940 CC/02)

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E SEM CAUSA (CIVIL)


1 - Direito de a seguradora ser ressarcida pelos gastos que houve com o segurado mesmo que este tenha dado
quitação integral para o autor do dano. REGRA. (exceção se provar que foi efetivamente ressarcido) STJ. 3ª Turma.
REsp 1533886-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/9/2016 (Info 591).
627/STJ - Constatado o caráter manifestamente excessivo da cláusula penal contratada, o magistrado deverá,
independentemente de requerimento do devedor, proceder à sua redução. (Inf. 627 do STJ, REsp 1.447.247). Em
que pese ser a cláusula penal elemento oriundo de convenção entre os contratantes, sua fixação não fica ao total
e ilimitado alvedrio destes, porquanto o atual Código Civil introduziu normas de ordem pública, imperativas e
cogentes, que possuem o escopo de preservar o equilíbrio econômico financeiro da avença, afastando o excesso
configurador de enriquecimento sem causa de qualquer uma das partes. Poder/dever de coibir os excessos e os
abusos que venham a colocar o devedor em situação de inferioridade desarrazoada.Nesse sentido, é o teor do
Enunciado 356 da IV Jornada de Direito Civil, o qual dispõe que "nas hipóteses previstas no art. 413 do Código
Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício". Do mesmo modo, o Enunciado 355 da referida Jornada
consigna que as partes não podem renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer qualquer
das hipóteses previstas no artigo 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.
2 - AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. INDENIZAÇÃO. AÇÃO
PENAL. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO. ARTIGO 200, DO CÓDIGO CIVIL. NÃO PROVIMENTO. 1. "Tratando-se de ato que
enseja, além da reparação civil, procedimento criminal, o lapso prescricional começa a fluir a partir do trânsito
em julgado da sentença definitiva penal." (AgRg no Ag 1300492/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 16/08/2010)
3 - PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
REGIME MILITAR. DISSIDENTE POLÍTICO PRESO NA ÉPOCA DO REGIME MILITAR. TORTURA. DANO MORAL. FATO
NOTÓRIO. NEXO CAUSAL. NÃO INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DECRETO 20.910/1932.
IMPRESCRITIBILIDADE. 5. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos
pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir,
correspondente ao direito inalienável à dignidade.
[...]A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais consequentes da sua
prática" (REsp n. 379.414/PR, Rel. Min. José Delgado, in DJ de 17.02.2003).

QUESTÕES OBJETIVAS
433-Qual a diferenca entre enriquecimento sem causa e enriquecimento ilicito?
R. Segundo Flavio Tartuce, categoricamente, o enriquecimento sem causa não se confunde com o enriquecimento
ilícito. Na primeira hipótese, falta uma causa jurídica para o enriquecimento. Na segunda, o enriquecimento está
fundado em um ilícito. Assim, todo enriquecimento ilícito é sem causa, mas nem todo enriquecimento sem causa
é ilícito. Um contrato desproporcional pode não ser um ilícito e gerar enriquecimento sem causa.

7.CONTRATOS
7.1 Contratos em geral. Novos princı ́pios do direito dos contratos. (2.b)
7.2. Teoria da imprevisão, caso fortuito e força maior. (14.b)
7.3 Compra e venda e de suas cláusulas especiais. Promessa de compra e venda e direito real do promitente
comprador. (5.b)
7.4 A locação no Código Civil e na legislação especial. Mútuo e comodato. (7.b)
7.5 Representação, mandato e prestação de serviços. (3.b)

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7.6 Contrato de transporte terrestre e aéreo. (4.c)
7.7 Contrato de seguro. (14.b)
7.8 Fiança, depósito e corretagem. (4.c)
7.9 O marco civil da internet e demais formas de regulação do ciberespaço. Contratos eletrônicos.
Responsabilidade civil nas redes sociais. Bullying e cyberbullying. (15.b)

2B. Dos contratos em geral. Novos princípios do direito dos contratos.

Por Thales Cavalcanti Coelho

1. Dos contratos em geral


1.1. Conceito de contrato: trata-se de um ato jurídico bilateral (negócio jurídico), dependente de pelo
menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e
deveres. Para existir o contrato, seu objeto ou conteúdo deve ser lícito.
1.2. Elementos do contrato: (a) alteridade (ao menos duas pessoas); (b) composição de interesses
contrapostos; e (c) patrimonialidade. Parte da doutrina afasta o elemento da patrimonialidade, com base em um
conceito pós-moderno de contrato (despatrimonialização do Direito Civil). Obs.: com relação ao autocontrato
(CC, art. 117), Tartuce entende que, no caso do mandado em causa própria, não há uma hipótese de
autocontratação perfeita, porque a alteridade continua presente na outorga de poderes.
1.3. Classificações dos contratos:
Quanto aos direitos e deveres das partes: (a) unilateral (apenas um dos contratantes assume deveres);
(b) bilateral (ou sinalagmático); e (c) plurilateral.
Quanto ao sacrifício patrimonial: (a) oneroso; e (b) gratuito (ou benéfico; cf. CC, art. 114).
Quanto ao aperfeiçoamento do contrato: (a) consensual (aperfeiçoa-se pela simples manifestação de
vontade das partes); e (b) real (aperfeiçoa-se com a entrega da coisa).
Quanto aos riscos: (a) comutativo (as prestações são conhecidas ou estimadas); e (b) aleatório (fundado
em sorte ou álea; cf. CC, arts. 458 a 461). O Código Civil consagra duas formas de contratos aleatórios: (b1)
emptio spei (venda da esperança): um dos contratantes toma para si o risco relativo à própria existência da coisa
(CC, art. 458); e (b2) emptio rei speratae (venda da esperança com coisa esperada): o risco versa somente quanto
à quantidade da coisa comprada (CC, art. 459).
Quanto à previsão legal: (a) típico; e (b) atípico (CC, art. 425; ex.: garagem ou estacionamento).
Quanto à negociação: (a) de adesão (CC, artigos 423 e 424; CDC, art. 54); e (b) paritário.
Quanto à formalidade: (a) informal: tem forma livre; (b) formal: exige alguma formalidade, como a forma
escrita; e (c) solene: exige solenidade pública (CC, art. 108).
1.4. Formação, revisão e extinção dos contratos:
Formação: (1) Negociações (ou puntuação): é possível responsabilização civil; (2) Proposta (oblação) (CC,
arts. 427 a 435); (3) Contrato preliminar (CC, artigos 462 a 466); e (4) Contrato definitivo.
Revisão: (a) Código Civil, artigos 317 e 478: adoção da teoria da imprevisão. Requisitos: (1) contrato
bilateral (exceção: art. 480 - contratos unilaterais); (2) oneroso; (3) comutativo (ciência quanto à prestações); (4)
execução diferida ou de trato sucessivo; (5) acontecimentos imprevisíveis e extraordinários; (6) onerosidade
excessiva. (b) Código de Defesa do Consumidor, art. 6º, inciso V: adoção da teoria da base objetiva do negócio
jurídico. Requisitos: basta um fato novo, superveniente, que gerou o desequilíbrio.
Extinção (CC, artigos 472 a 480): (a) resilição: extinção do contrato por simples declaração de uma ou
ambas as partes. Engloba o distrato (consensual), a denúncia, a revogação e a renúncia; (b) resolução: extinção
do contrato por descumprimento de uma das partes; (c) rescisão: extinção do contrato pela existência de vícios
na formação do negócio (nulidade e anulabilidade) - obs.: há doutrina que a trata como gênero; e (d) violação
positiva da obrigação: a obrigação é cumprida de forma parcial ou defeituosa.

2. Novos princípios do direito dos contratos


2.1. Principiologia do Código Civil (2002): busca a nova codificação valorizar a eticidade (CC, artigos 113,
187 e 422), fundada no paragima da boa-fé; a socialidade (CC, artigos 421 e 1.228, § 1º; função social dos
contratos e da propriedade, respectivamente) superarando o caráter individualista e egoísta que imperava na
codificação anterior; e a operabilidade, no sentido de simplicidade, seguindo a tendência de facilitar a
interpretação e a aplicação dos institutos, bem como no de efetividade (ou concretude) do Direito Civil, o que foi
86
efetivado pela adoção do sistema de cláusulas gerais. Miguel Reale estruturou o Código Civil com base em duas
teorias: o "Culturalismo Jurídico" (plano subjetivo), segundo a qual a cultura, a experiência e a história devem ser
entendidas tanto do ponto de vista do julgador, como do meio em que decisão será tomada; e "Teoria
Tridimensional do Direito" (plano objetivo), segundo a qual Direito é compreendido como fato, valor e norma.
Direito Civil Constitucional: segundo Gustavo Tepedino, deve ser feita uma releitura do Código Civil e das
leis especiais à luz da Constituição, levando-se em consideração, especialmente, a dignidade da pessoa humana
(CF, art. 1º, III), a solidariedade social (CF, art. 3º, I); e o princípio da isonomia ou igualdade (CF, art. 5º, caput).
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: a eficácia horizontal dos direitos fundamentais é o que
torna possível o Direito Civil Constitucional. Pode-se dizer que as normas constitucionais que protegem tais
direitos têm aplicação imediata (eficácia horizontal imediata), com base no art. 5º, § 1º, da Constituição.
Diálogo das fontes: teoria concebida por Erik Jayme e trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques,
sustenta que as normas jurídicas não se excluem pelo simples fato de, supostamente, pertencerem a ramos
jurídicos diferentes - mas, ao contrário, se complementam. Há, nessa linha, três diálogos possíveis: (a) aplicação
simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência); (b)
aplicação coordenada de duas leis, se uma norma completar a outra de forma direta ( diálogo de
complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade); e (c) influência de conceitos estruturais de uma
determinada lei sobre os de outra (diálogos de influências recíprocas sistemáticas).

2.2. Princípios do direito dos contratos:


2.2.1. Autonomia privada: permite ao indíviduo a autorregulamentação de seus interesses. A liberdade de
contratar (contratante), é, em regra, ilimitada (exceções: CC, art. 497). A liberdade contratual (conteúdo), no
entanto, é limitada pela função social do contrato e pela ordem pública (cf. CJF, Enunciado n. 23: “A função social
do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou
reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à
dignidade da pessoa humana”). Trata-se de hipótese de dirigismo contratual.
2.2.2. Função social: fundada na solidariedade. Deve ser visualizada com o sentido de finalidade coletiva, tendo
por efeito a mitigação da força obrigatória das convenções (pacta sunt servanda). Representa um limite ao
conteúdo do contrato. Tem dupla eficácia: a eficácia interna (entre as partes) e a eficácia externa (para além das
partes). A eficácia intena diz respeito à: (a) proteção dos vulneráveis contratuais; (b) vedação da onerosidade
excessiva ou do desequilíbrio contratual; (c) proteção da dignidade humana e dos direitos da personalidade no
contrato; (d) nulidade de cláusulas antissociais, tidas com abusivas (CC, artigos 421, 187, 166, II; e STJ, Súmula n.
302); e (e) tendência de conservação contratual. A eficácia externa está relacionada à: (a) proteção dos direitos
difusos e coletivos (ex.: função socioambiental); e (b) tutela externa do crédito, do que resulta a possibilidade de
o contrato gerar efeitos perante terceiros ou de condutas de terceiros repercutirem no contrato (CC, art. 608).
2.2.3. Função econômica: ligada à circulação de riqueza e do patrimônio.
2.2.4. Relatividade dos efeitos contratuais: em regra, os atos dos contratantes não aproveitam, nem prejudicam
terceiros. Exceções: (a) Código Civil, artigos 436 a 438 (estipulação em favor de terceiros) e 439 e 440 (promessa
de fato de terceiro); e (b) STJ, REsp 468.062/CE40 (mitigação do princípio da relatividade dos efeitos do contrato
em face da boa-fé objetiva e da função social do contrato).
2.2.5. Pacta sunt servanda: tem força de lei o estipulado pelas partes na avença, constrangendo os contratantes
ao cumprimento do conteúdo completo do negócio jurídico. Não há previsão expressa desse princípio no atual
Código Civil, mas os artigos 389, 390 e 391 afastam qualquer dúvida quanto à manutenção do princípio, porém
não mais como regra geral, como ocorria no CC/1.916. O princípio em questão é mitigado pelos princípios da
função social do contrato, da boa-fé objetiva e da teoria da imprevisão.
2.2.6. Boa-fé objetiva: relacionada à proteção do comportamento ético. Trata-se de cláusula geral (standart)
atrelada aos deveres anexos ao contrato, vale dizer: de cuidado; de respeito; de informar; de agir conforme a
confiança; de lealdade, hosnestidade e probidade; de colaboração ou cooperação; de agir conforme a

40
"PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS DO CONTRATO. “DOUTRINA DO TERCEIRO CÚMPLICE". TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO. O
tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta), que figurou por séculos como um dos primados clássicos
do Direito das Obrigações, merece hoje ser mitigado por meio da admissão de que os negócios entre as partes eventualmente podem
interferir na esfera jurídica de terceiros “de modo positivo ou negativo", bem assim, tem aptidão para dilatar sua eficácia e atingir
pessoas alheias à relação inter partes. As mitigações ocorrem por meio de figuras como a 'doutrina do terceiro cúmplice' e a proteção do
terceiro em face de contratos que lhes são prejudiciais, ou mediante a tutela externa do crédito. Em todos os casos, sobressaem a boa-fé
objetiva e a função social do contrato.".
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razoabilidade, a equidade e a boa razão. A quebra desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato,
com responsabilização civil objetiva. Logo, a boa-fé objetiva é preceito de ordem pública. Funções da boa-fé
objetiva previstas no Código Civil: (a) interpretação (art. 113); (b) controle (art. 187): aquele que contraria a boa-
fé objetiva comete abuso de direito (CJF, Enunciados 24 41 e 3742); e (c) integração (art. 422). Figuras parcelares da
boa-fé objetiva: (a) Supressio e Surrectio: a supressio (Verwirkung) significa a supressão, por renúncia tácita, a um
direito, pelo seu não exercício (CC, art. 330); ao mesmo tempo em que o credor perde, surge um direito a favor
do devedor, por meio da surrectio (Erwirkung); (b) Tu quoque: visa a evitar que um dos contraentes se beneficie
da própria torpeza, beneficiando-se da norma que violou; assim, está vedado que alguém faça contra o outro o
que não faria contra si mesmo (regra de ouro); (c) Exceptio doli: é a defesa do réu contra ações dolosas,
contrárias à boa-fé. A boa-fé objetiva é utilizada como defesa, tendo uma importante função reativa (CC, art. 47).
Subdivide-se em: exceptio doli generalis, acima explicada, e exceptio doli specialis, espécie de exceptio doli
voltada, exclusivamente, a atos de caráter negocial quando verificada a presença do dolo; (d) Venire contra
factum proprium: determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento
anterior; consiste na proibição de comportamentos contraditórios (CJF, Enunc. n. 362: “A vedação do
comportamento contraditório funda-se na proteção da confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do CC”); (e)
Duty to mitigate the loss: trata-se do dever imposto ao credor de mitigar suas perdas, ou seja, o próprio prejuízo
(CJF, Enunc. n. 169: "O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio
prejuízo."; CC, artigos 769 e 771); e (f) Adimplemento substancial (substantial performance): seria um
adimplemento tão próximo do resultado final que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de
resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização; e (g) Cláusula de Estoppel: semelhante ao venire
contra factum proprium, mas aplicável no âmbito dos tratados internacionais.

14B. Teoria da imprevisão, caso fortuito e força maior. Contrato de seguro.


Aureo Bezerra Neto 03/09/18

DA TEORIA DA IMPREVISÃO

A teoria da imprevisão é a doutrina que justifica a revisão ou a resolução do contrato caso acontecimento
superveniente e imprevisível desequilibre a base econômica do negócio, impondo a uma das partes obrigação
excessivamente onerosa.

Só é útil aplicar tal teoria em contratos de execução a médio ou longo prazo.

Requisitos: Venosa aponta 4 requisitos: (a) fato extraordinário e imprevisível, ou seja, que se afaste do curso
ordinário das coisas e que as partes não tenham tido condições de prever; (b) repercussão sobre a prestação,
que, segundo Venosa, é o que distingue a imprevisão do caso fortuito e da força maior; (c) contrato bilateral
comutativo, ou unilateral oneroso, a prazo ou de duração, pois nos contratos de cumprimento instantâneo não
há espaço para previsão e nos aleatórios o risco é inerente, ressalvada a hipótese de o fato imprevisível ser
estranho ao risco assumido; (d) ausência de culpa do devedor e de mora no que diz respeito às demais cláusulas.
Venosa não coloca entre os requisitos e critica a previsão legal contida no art. 478 do CC que exige como
resultado a extrema vantagem para a outra parte.

Segundo o Enunciado CJF/STJ 365, da IV Jornada de Direito Civil, não é necessário que a outra parte experimente
vantagem extrema, isto é meramente acidental (pode ou não ocorrer).

Obs: O CDC, art. 6º, V, ao tratar da onerosidade excessiva, para facilitar a defesa do consumidor, dispensa o
requisito da imprevisibilidade. Por isso, para o Direito do Consumidor, utiliza-se a denominada teoria da
onerosidade excessiva ou Teoria da base objetiva (alemã): basta o elemento objetivo, basta que ocorra o
desequilíbrio. Se o reequilíbrio não for possível de ser feito, o contrato deve ser desfeito. CDC adotou a teoria da
base objetiva. Enquanto o art. 478 do CC adotou a teoria da imprevisão, que possui os requisitos subjetivos
(imprevisibilidade do fato).
41
" Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de
inadimplemento, independentemente de culpa.".
42
"A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.".
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EXEMPLO: o art. 19 da Lei nº 8.245⁄1991, ao regular a possibilidade de revisão judicial do aluguel avençado, a fim de
ajustá-lo ao preço de mercado, "consagrou a adoção da teoria da imprevisão no âmbito do Direito Locatício,
oferecendo às partes contratantes um instrumento jurídico para a manutenção do equilíbrio econômico do
contrato" (AgRg no REsp nº 1.206.723/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 11/10/2012).

DO CASO FORTUITO E DA FORÇA MAIOR

O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se
houver por eles responsabilizado (ex. de responsabilização expressa: contrato com seguradora). Consistem em
causas legais de exclusão de responsabilidade, que rompem o nexo causal.

A doutrina brasileira não é unânime quanto à definição de caso fortuito e força maior. Existe uma acesa polêmica
quanto à diferença. Maria Helena Diniz afirma que caso fortuito é evento imprevisível de causa desconhecida, e
força maior, evento que, ainda que tenha causa conhecida, é inevitável, pois é uma força da natureza. Álvaro
Villaça Azevedo diz exatamente o contrário: que caso fortuito é evento inevitável da natureza. Sílvio Rodrigues
diz que pode haver sinonímia entre as expressões. Há uma tendência na doutrina em se afirmar que o caso
fortuito é o evento imprevisível, como um sequestro-relâmpago; ao passo que a força maior é um evento
inevitável, ainda que previsível, como um terremoto.

O Código Civil adota uma recomendável postura de neutralidade na matéria, pois não diferencia caso fortuito de
força maior, apenas os identifica como um fato necessário cujos efeitos não se pode evitar ou impedir (parágrafo
único do art. 393).

Requisitos caracterizadores: o caso fortuito e a força maior são causas excludentes da responsabilidade.

Para estarem presentes, no entanto, é necessário o preenchimento de dois elementos que os caracterizam:

a) a necessariedade e

b) a inevitabilidade.

Necessariedade: significa que o fato ocorrido tinha, no caso concreto, a aptidão (força) de impossibilitar o
cumprimento da obrigação. Deve-se verificar se o acontecimento natural (ex: um furacão) ou o fato praticado por
terceiro (ex: uma invasão) pode ser considerado, no caso concreto, como barreira intransponível para a execução
da obrigação. O fato deve ser de tal ponto grave que gere a impossibilidade absoluta de cumprimento da
prestação. Vale ressaltar que impossibilidade não se confunde com dificuldade ou onerosidade. Não basta que o
fato tenha tornado mais difícil ou oneroso o cumprimento da obrigação. Ele deve ter tornado impossível.

Inevitabilidade: significa que o devedor não tinha, no caso concreto, meios para evitar ou impedir as
consequências do evento. “O fato deve ser irresistível, invencível, atuando com força indomável e inarredável. O
que se considera é se o evento não podia ser impedido nos seus efeitos. O fato resistível, que pode ser superado,
não constitui evento a autorizar a exoneração. É perfeitamente possível que o fato seja imprevisível, mas suas
consequências evitáveis. Se o devedor não toma medidas para evitá-la, tipifica-se o inadimplemento e não a
impossibilidade com apoio no caso fortuito ou força maior.” (VIANA, Marco Aurelio S. Curso de Direito Civil:
direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 399)

Por fim, é importante consignar que o caso fortuito e a força maior não afastam a responsabilidade do devedor
em mora (art. 399) ou que viole outros deveres contratuais: locação (art. 575); comodato (art. 583); mandato
(art. 667, §1º); gestão de negócios (arts. 862 e 868).

Fortuito interno: aquele que incide durante o processo de elaboração do produto ou execução do serviço e, por
isso, não exclui a responsabilidade civil do fornecedor.

Fortuito externo: exclui a responsabilidade civil porque está fora do exercício da atividade do fornecedor.

Essa classificação se aplica especialmente no campo do Direito do Consumidor.

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Exemplo: Assalto a ônibus, segundo o STJ, traduz fortuito externo, excludente de responsabilidade civil da
transportadora.

De igual modo, não se aplica a Súmula 130 do STJ em caso de roubo de cliente de lanchonete fast-food, se o fato
ocorreu no estacionamento externo e gratuito por ela oferecido. Nesta situação, tem-se hipótese de caso fortuito
(ou motivo de força maior), que afasta do estabelecimento comercial proprietário da mencionada área o dever
de indenizar. STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.606-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, julgado em 15/08/2017 (Info 613).

SEGURO

1. Conceito: o conceito de seguro é dado pelo próprio Código Civil (art. 757, caput), segundo o qual, “pelo
contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do
segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados”.

2. Elementos da relação jurídica: o instrumento do contrato é a “apólice”, admitindo o CC/2002 que a sua prova
se dê, na falta da apólice ou do bilhete, pelo documento comprobatório do pagamento do prêmio. A realização
do risco é denominada “sinistro”. “Risco” é o objeto do contrato e está sempre presente, mas o “sinistro” é
eventual: pode ou não ocorrer. O objeto é a prestação da cobertura de risco. As partes são o “segurador” – que
deverá ser, necessariamente, uma sociedade anônima, uma sociedade mútua ou uma cooperativa (art. 757,
parágrafo único) – e o “segurado”.

3. Natureza Jurídica: em regra, o contrato de seguro é sinalagmático (bilateral), oneroso, consensual (se constitui
pela avença e não pela entrega do bem; a forma escrita é exigida apenas ad probationem, o que não o torna um
contrato solene), aleatório (há riscos) – há controvérsia na doutrina: entendem alguns que o cálculo atuarial em
que se baseia o contrato de seguro elimina a aleatoriedade da prestação, tendo em vista que o contrato de
seguro deveria ser visto sob uma ótica global, ou seja, do mutualismo que o pressupõe; prevalece, entretanto, a
ideia de que, em razão da álea que lhe é inerente, não há equivalência entre as prestações, sua ocorrência
depende de evento futuro e incerto –, de adesão, subordinado à boa-fé qualificada e de execução continuada.

4. Boa-fé e Contratos de Seguro: art. 762: é nulo o seguro que garante riscos provenientes de ato doloso do
segurado; art. 763: não receberá indenização o segurado que estiver em mora, mas o En 371 do CJF dispõe q o
inadimplemento mínimo ou adimplemento substancial não autorizam a resolução do contrato. En 376: a
resolução em razão de mora do segurado exige interpelação prévia; art. 765: deve ser observada a boa-fé na
conclusão e na execução do seguro; art. 766: perde o direito à garantia o segurado que presta informações
inexatas e, se houver má-fé, pode haver resolução do contrato. En 372: cabe à seguradora a prova desta má-fé e
do conhecimento da informação; art. 769: deve o segurado comunicar a superveniência de qualquer causa que
agrave os riscos e a seguradora tem o direito de resolver o contrato nos 15 dias seguintes; art. 770: se houver
redução considerável dos riscos, pode haver diminuição do prêmio (prescinde de fato imprevisível e
extraordinário, bastando tão somente a desproporção negocial); art. 771: é dever do segurado agir para minorar
as perdas (duty to mitigate the loss); art. 773: se o segurador sabia da inexistência dos riscos, cabe pagamento
em dobro (pelo enriquecimento ilícito) e nulidade contratual. Súm. 465 STF: salvo efetivo agravamento dos
riscos, o segurador não se exime do dever de indenizar pela falta de sua prévia comunicação acerca da
transferência do veículo.

5. Espécies:

O seguro pode ser a prêmio fixo (feito pelo segurado com uma companhia seguradora) ou variável (várias
pessoas assumem mutuamente a responsabilidade pelo prejuízo que qualquer uma delas sofrer – cada segurado
é, ao mesmo tempo, segurador de outro, nesse caso são seguros cíveis).

5.1 Seguro de dano: visa a assegurar interesse relacionado a uma coisa. A indenização não pode ultrapassar o
valor do interesse (art. 781), sob pena de enriquecimento ilícito, mas pode haver duplo seguro, hipótese em que
a soma destes dois não pode ultrapassar o valor do interesse assegurado. Ainda pode haver o seguro parcial, pelo

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qual só parte do valor do interesse é coberto. Nessa hipótese, de acordo com a chamada cláusula de rateio (art.
783), havendo sinistro parcial, ocorrerá a redução proporcional da indenização. O seguro de dano não é
personalíssimo, logo, admite cessão sem necessidade de autorização da seguradora (se o instrumento for
nominativo, exige comunicação prévia). O STJ entende que a denunciação da lide no seguro de resp civil é
facultativa. O art. 787 proíbe ao segurado confessar sua responsabilidade, transigir com o prejudicado ou pagar
diretamente os prejuízos, sem autorização da seguradora. En 373: embora vedados pelo CC a confissão, a
transação e o pagamento direto pelo segurado, isto não afasta o dever de indenizar da seguradora. Serão
somente ineficazes aqueles institutos (confissão, etc) quanto à seguradora.

5.2 Seguro de pessoa: visa a assegurar a pessoa em relação a riscos à sua saúde e à sua vida. Difere-se do seguro
de dano porque a ocorrência do sinistro neste dá ensejo à indenização, enquanto no de vida não há,
tecnicamente, reparação de um “dano”. O valor segurado pode ser livremente estipulado (sem limite) e em mais
de uma seguradora.

É lícita a substituição de beneficiário, salvo renúncia desta faculdade pelo segurado ou se o seguro tiver como
causa declarada a garantia de uma obrigação (art. 791). No caso de não haver indicação do beneficiário, será
pago metade ao cônjuge ou companheiro e a outra metade aos herdeiros segundo ordem de sucessão legítima.
No seguro de vida ou por incapacidade, o valor a ser pago pela seguradora não está sujeito às dívidas do
segurado, nem se considera herança. É nulo contrato de seguro que exclui a cobertura de suicídio, mas pode
haver carência de 2 anos, hipótese na qual será devolvida somente a reserva técnica. O STF entende que o
suicídio não premeditado, mesmo que ocorra durante a carência, é acobertado pelo seguro (S. 105). En 187 do
CJF: há presunção relativa de que o suicídio cometido nos 2 primeiros anos seja premeditado. Mesmo se previsto
no contrato, o segurador não pode se eximir da cobertura dos seguintes riscos:

transporte mais arriscado, prática de esportes, serviço militar ou atos de humanidade em benefício de outrem.
Seguro de vida em grupo: o estipulante é o único responsável para com o segurador e qualquer mudança que
acarrete novos ônus aos participantes deve ser aprovada por 3/4 destes. O seguro de vida pode ser de duas
espécies: (i) stricto sensu – o evento que determina seu pagamento é a morte, pode ser ajustado para
determinado período ou por toda a vida; (ii) sobrevivência – sempre a prazo fixo, terá o segurado direito a
receber o valor do seguro se chegar a certa idade ou for vivo a certo tempo; (iii) misto – combinam-se as duas
modalidades anteriores, paga-se o seguro se após certo tempo o segurado for vivo, mas também se a morte
ocorrer antes do previsto. O art. 802 do CC tem por escopo afastar a garantia de reembolso de despesas médico-
hospitalares e com funeral da regra do seguro de pessoa para enquadrá-las na categoria do “seguro de dano”,
motivo pelo qual devem ser “indenizadas” no exato valor da despesa.

6. Prescrição: É de um ano o prazo da ação do segurado contra o segurador, contado, em regra, da ciência do fato
gerador da pretensão ou do dia em que o segurado é citado para responder à ação de indenização no seguro de
responsabilidade civil. O prazo do segurado não influencia o do beneficiário, que será de 10 anos (regra geral) no
caso de seguro de vida, acidentes pessoas e outros em favor da pessoa. Será de três anos o prazo da seguradora
para reaver seus danos. O prazo para o beneficiário contra o segurador nos seguros de responsabilidade civil
também é de três anos.

Súmulas

STJ61 – O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

STJ402 – O contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo clausula expressa de
exclusão.

STJ465 – Ressaltava a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar
em razão da transferência do veículo sem a sua previa comunicação.

STJ473 – Mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar seguro habitacional obrigatório com a instituição
financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.

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STJ474 – A indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma
proporcional ao grau de invalidez.

STJ540 - Na ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre os foros do seu
domicílio, do local do acidente ou ainda do domicílio do réu (REsp 1.357.813).

STJ529 - No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro
prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano (REsp 962.230).

STJ610 - O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o
direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada.

STJ616 - A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso
no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de
seguro.

5B. Compra e venda e suas cláusulas especiais. Promessa de compra e venda e direito real do promitente
comprador.

Por Thales Cavalcanti Coelho

1. Compra e venda e suas cláusulas especiais


1.1. Conceito e natureza jurídica
A compra e venda, nos termos do art. 481 do Código Civil, é conceituada como o contrato pelo qual
alguém (o vendedor) se obriga a transferir ao comprador o domínio de coisa móvel ou imóvel mediante uma
remuneração, denominada preço. Trata-se, assim, de um contrato translativo, mas que por si só não gera a
transmissão da propriedade, o que ocorre mediante a tradição (entrega da coisa) no caso de bem móvel ou
mediante o registro do contrato no cartório de registro imobiliário (CRI) no caso de bem imóvel. Dessa forma,
o contrato de compra e venda traz somente o compromisso do vendedor em transmitir a propriedade,
denotando efeitos obrigacionais (CC, art. 482).
1.2. Características
Cuida-se a compra e venda de contrato: (a) bilateral (ou sinalagmático; há direitos e deveres
proporcionais entre as partes, que são credoras e devedoras entre si); (b) oneroso (há sacrifícios patrimoniais
para ambas as partes, vale dizer, prestação e contraprestação); (c) comutativo (em regra, as partes sabem de
antemão quais serão as suas prestações; eventualmente, incidirá o elemento álea ou sorte, podendo a
compra e venda assumir a forma de contrato aleatório, envolvendo riscos); (d) consensual (aperfeiçoa-se
com a manifestação da vontade; a entrega da coisa ou o registro do negócio no CRI configura mero
cumprimento do contrato, e não seu aperfeiçoamento); (e) formal ou informal, a depender da natureza e do
valor do bem (CC, art. 108: o contrato de compra e venda exige escritura pública quando o valor do bem
imóvel, objeto do negócio, for superior a 30 salários mínimos; em todos os casos envolvendo imóveis, é
necesária a forma escrita para registro no CRI); e (f) típico (está previsto expressamente em lei; CC, artigos
481 e ss.)
1.3. Elementos constitutivos
Os elementos constitutivos da compra e venda são: (a) partes (comprador e vendedor, sendo
implícita sua vontade livre e o consenso entre ambos): devem ser capazes, sob pena de nulidade ou
anulabilidade, a depender da modalidade de incapacidade; seu consentimento deve ser livre e espontâneo,
sob pena de anulabilidade no caso de vícios do consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão;
CC, art. 171, II); (b) coisa (res): deve ser lícita, determinada (coisa certa) ou determinável (coisa incerta,
indicada pelo gênero e pela quantidade); e (c) preço (pretium): remuneração do contrato, deve ser certo e
determinado e em moeda nacional corrente, pelo valor nominal (CC, art. 318); admite-se a fixação do preço
em moeda estrangeira na compra e venda internacional (Decreto-Lei n. 857/1.969).
1.4. Cláusulas especiais
As cláusulas especiais (ou pactos adjetos) são previsões que alteram os efeitos da compra e venda,
dando-lhe feição diferenciada. São as seguintes:
(a) cláusula de retrovenda (CC, arts. 505 a 508): pacto pelo qual o vendedor reserva-se o direito de
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reaver o imóvel que está sendo alienado, dentro de certo prazo, restituindo o preço e reembolsando todas as
despesas feitas pelo comprador no período de resgate, desde que previamente ajustadas, dentre as quais as
benfeitorias necessárias; somente é admissível no caso de compra e venda de imóveis; o direito de retrato
pode ser exercído no prazo máximo de 3 anos, podendo ser estipulado prazo inferior, mas nunca superior; é
reconhecida a transmissibilidade causa mortis da cláusula de retrovenda;
(b) cláusula de venda a contento e cláusula de venda sujeita à prova (CC, arts. 509 a 512): a
cláusula de venda a contento (pactum displicentiae) subordina a eficácia da compra e venda a uma condição
suspensiva, qual seja, a satisfação do comprador ao apreciar as qualidades da coisa que lhe foi entregue;
permite-se, então, ao adquirente desfazer o contrato caso a coisa não tenha, ao seu exame, as qualidades
previstas; a outro giro, a venda sujeita à prova concerne à cláusula que subordina a eficácia da compra e
venda à objetiva constatação das qualidades que foram asseguradas pelo vendedor; nesse caso, a
manifestação do comprador não é de ordem subjetiva e discricionária, de modo que sua recusa precisa estar
apoiada em sinais de que a coisa não apresenta o desempenho e as qualidades prometidas;
(c) cláusula de preempção (ou preferência; CC, ats. 513 a 520): pacto pelo qual o comprador de um
bem móvel ou imóvel terá a obrigação de oferecê-lo a quem lhe vendeu, por meio de notificação judicial ou
extrajudicial, para que esse use seu direito de prelação em igualdade de condições ("tanto por tanto") no
caso de alienação futura; o prazo de extensão temporal máxima da preferência é de 180 dias para bens
móveis e de 2 anos para bens imóveis, os quais podem ser reduzidos por vontade das partes; é reconhecida a
intransmissibilidade causa mortis ou inter vivos da cláusula de preempção, que é personalíssima;
(d) cláusula de venda com reserva de domínio (CC, arts. 521 a 528): pacto pelo qual, na venda de
coisa móvel infungível, o vendedor mantém o domínio da coisa (exercício da propriedade) até que o preço
seja pago de forma integral pelo comprador; o comprador recebe a mera posse direta do bem, mas a
propriedade do vendedor é resolúvel, eis que aquele poderá adquirir a propriedade com o pagamento
integral do preço; pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando aquela lhe é entregue;
referida cláusula, para que produza efeitos em face de terceiros de boa-fé, deverá ser estipulada por escrito e
registrada no cartório de títulos e documentos do domicílio do comprador; no caso de mora relevante ou
inadimplemento absoluto do comprador, o vendedor poderá promover ação de cobrança das parcelas
vencidas e vincendas ou recuperar a posse da coisa vendida;
(e) cláusula de venda sobre documentos (CC, arts. 529 a 532): pacto originário da Lex Mercatoria, e
que tem por objeto bens móveis, pelo qual a tradição (entrega da coisa) é substituída pela entrega do
documento correspondente à propriedade, geralmente o título representativo do domínio; há, aqui, uma
tradição simbólica; não havendo estipulação em contrário, o pagamento, em regra, deve ocorrer na data e no
lugar da entrega do documento.

2.Promessa de compra e venda e direito real do promitente comprador


Consiste a promessa (irretratável) de compra e venda no contrato pelo qual o promitente vendedor
obriga-se a vender ao compromissário comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e modos
convencionados, outorgando-lhe a escritura definitiva quando houver o adimplemento da obrigação. O
compromissário comprador, por sua vez, obriga-se a pagar o preço e cumprir todas as condições estipuladas
na avença, adquirindo, em consequência, direito real sobre o imóvel, com a faculdade de reclamar a
outorga da escritura definitiva, ou sua adjudicação compulsória havendo recusa por parte do promitente
vendedor.
Aproxima-se do contrato preliminar de venda, porque seu resultado prático é adiar a transferência do
domínio do bem compromissado até que o preço seja totalmente pago, mas com aquele não se confunde,
porquanto dá lugar à adjudicação compulsória. Devem estar presentes, no contrato de promessa de compra e
venda, todos os elementos característicos do gênero compra e venda (coisa, preço e consentimento),
adicionando-se a promessa de transmissão da propriedade. O titular não tem os atributos do domínio sobre a
coisa, pois, se os tivesse, não se poderia falar em direito real do promitente comprador, uma vez que a
promessa se confundiria com a venda.
Cuida-se de direito real, porque o adquirente tem a utilização da coisa e pode dispor do direito
mediante cessão. Desfruta, ainda, da sequela, podendo reivindicar a coisa em poder de quem quer que a
detenha — o que é apanágio do direito real. Pode, também, opor-se à ação de terceiros que coloquem
obstáculos ao exercício do direito, havendo oponibilidade erga omnes — igualmente, um dos atributos dos

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direitos reais.
Orlando Gomes considera o compromisso de compra e venda um novo direito real, mas não pleno ou
ilimitado, como a propriedade, e sim um direito real sui generis, que se reduziria a simples limitação do poder
de disposição do proprietário que o constitui. Uma vez registrado, impedido fica de alienar o bem, e, se o
fizer, o compromissário comprador, sendo titular de um direito de sequela, pode reivindicar a propriedade do
imóvel. Segundo referido autor, trata-se de um direito real sobre coisa alheia, mas não se configura, como
defendem alguns doutrinadores, como um direito real de gozo, apesar do direito do compromissário
comprador ser tão extenso que se assemelha ao domínio útil, já que tem a posse do imóvel, podendo dele
usar e gozar. Não satisfaz, também, a sua qualificação como direito real de garantia, destinado unicamente a
assegurar a prestação prometida no contrato preliminar. Os direitos reais de garantia, aduz, têm finalidade e
natureza diversas.
O direito real à aquisição do imóvel para o futuro, exige, para sua configuração (CC, art. 1.417): (a)
inexistência de cláusula de arrependimento (do que decorre a irretratabilidade do contrato); e (b) registro no
Cartório de Registro de Imóveis. Uma vez configurado, faz nascer ao compromissário comprador o direito de
sequela, que permite que se exija o cumprimento da promessa de venda, esteja o imóvel com o promitente
vendedor ou com o terceiro a quem foi alienado - o qual recebe o imóvel onerado pelo direito real
consubstanciado na aludida promessa.
O promitente comprador tem o poder de exigir a escritura definitiva do promitente vendedor,
originariamente, e do terceiro, se o imóvel lhe tiver sido alienado após o registro do contrato. Recusada a
entrega do imóvel comprometido, ou alienado este a terceiro, pode o promitente comprador, munido da
promessa registrada, exigir que se efetive, adjudicando-lhe o juiz o bem em espécie, com todos os seus
pertences. Ocorre, então, com a criação deste direito real, que a promessa de compra e venda se transforma
de geradora de obrigação de fazer em criadora de obrigação de dar, que se executa mediante a entrega
coativa da própria coisa.
Destaque-se, por fim, a cessibilidade da promessa. É um direito que pode ser transferido mediante
cessão por instrumento público ou particular. No entanto, para que produza efeitos em relação a terceiros,
deve ser levada a registro. Se o compromissário comprador deixar de cumprir a sua obrigação, atrasando o
pagamento das prestações, poderá o vendedor pleitear a resolução do contrato, cumulada com pedido de
reintegração de posse. Antes, porém, terá de constituir em mora o devedor, notificando-o (judicialmente ou
pelo Cartório de Registro de Imóveis) para pagar as prestações em atraso.

7B. A locação no Código Civil e na legislação especial. Mútuo e comodato.

Eric Márcio Fantin


Obra consultada: Direito Civil 2 Esquematizado; GONÇALVES, Carlos Roberto; 2ª Edição;2014.

“Locação de coisas é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conceder à outra o uso e gozo de
uma coisa não fungível, temporariamente e mediante remuneração. Segundo o art. 565 do Código Civil,
é contrato pelo qual 'uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e
gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição'.” (pág. 114 da obra consultada) (grifo no original)
De um lado está o locador (senhorio, arrendador). Do outro, o locatário (inquilino, arrendatário).
Natureza jurídica: Contrato; Bilateral ou sinalagmático; Oneroso; Comutativo (não aleatório); De trato
sucessivo. Elementos essenciais: Objeto, preço e consenso. O objeto pode ser coisa móvel ou imóvel.
Tem que ser infungível, caso contrário será considerado mútuo.

CC, Art. 566. O locador é obrigado: I - a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de
servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em
contrário; II - a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.

Art. 569. O locatário é obrigado: I - a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos,
conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse; II - a
pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar; III - a levar

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ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito; IV - a restituir a
coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular.

Locação de prédios urbanos: “A locação urbana rege-se, hoje, pela Lei n. 8.245/91 (LI — Lei do
Inquilinato, com as alterações introduzidas pela Lei n. 12.112, de 9-12-2009), cujo art. 1º, parágrafo
único, proclama continuarem regidas pelo Código Civil as locações de imóveis de propriedade da
União, dos Estados, dos Municípios; de vagas autônomas de garagem ou de espaços para
estacionamento de veículos; de espaços destinados à publicidade; de apart-hotéis, hotéis-residência
ou equiparados; e o arrendamento mercantil.” (pág. 119 da obra consultada) (grifei)

Artigos fundamentais da Lei Inquilinato: Art. 3º O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer
prazo, dependendo de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos. Art. 5º Seja qual for o
fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo. Art. 10.
Morrendo o locador, a locação transmite-se aos herdeiros. Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub-
rogados nos seus direitos e obrigações: I - nas locações com finalidade residencial, o cônjuge
sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na
dependência econômica do de cujus, desde que residentes no imóvel; II - nas locações com finalidade
não residencial, o espólio e, se for o caso, seu sucessor no negócio.

Das garantias locatícias: Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes
modalidades de garantia:I – caução; II – fiança; III - seguro de fiança locatícia; IV - cessão fiduciária de
quotas de fundo de investimento. Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das
modalidades de garantia num mesmo contrato de locação (inclusive é considerado contravenção penal,
nos termos do art. 43).

Sublocação e cessão da locação

“Em se tratando de locação urbana, a Lei n. 8.245/91 declara, no art. 13, que tanto a sublocação como
o empréstimo e a cessão dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
Distinção entre sublocação e cessão da locação.
A cessão não se confunde com a sublocação. Nesta, o locatário continua obrigado pelo contrato
celebrado com o locador. Na cessão da locação, desaparece a responsabilidade do cedente, que se
transmite ao cessionário, com o qual, daí por diante, entender-se-á o locador[13]. A cessão é mais
ampla que a sublocação, como se verifica pela Súmula 411 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “O
locatário autorizado a ceder a locação pode sublocar o imóvel”. (pág. 120 da obra consultada) (grifo no
original)
Tanto a cessão quanto a sublocação exigem consentimento expresso do locador, sob pena de nulidade.
O sublocatário tem responsabilidade subsidiária para com o locador.

“Denúncia vazia do contrato”: Nas locações por prazo igual ou superior a 30 (trinta) meses, a resolução
do contrato se dá pelo mero decurso do prazo, independentemente de notificação ou aviso.

Comodato. Definição legal

Segundo dispõe o art. 579 do Código Civil, “comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis.
Perfaz-se com a tradição do objeto”. É, portanto, contrato benéfico, pelo qual uma pessoa entrega a

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outrem alguma coisa infungível, para que a use graciosamente e, posteriormente, restitua-a.” (pág. 134
da obra consultada) (grifo no original)
Natureza jurídica: Contrato; unilateral (gera obrigação apenas para o comodatário, em especial
conservar e devolver a coisa); temporário e não-solene.
Extinção do comodato: pelo advento do termo convencionado ou pela utilização da coisa de acordo
com a finalidade para que foi emprestada; Pela resolução, em caso de descumprimento, pelo
comodatário, de suas obrigações; Por sentença, a pedido do comodante, provada a necessidade
imprevista e urgente; Pela morte do comodatário, se o contrato foi celebrado intuitu personae.
Mútuo. CONCEITO
“O mútuo é o “empréstimo de coisas fungíveis”, pelo qual o mutuário obriga-se “a restituir ao
mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade” (CC, art. 586). Por
ele, o mutuante “transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário”. Por conta deste, que se torna
proprietário, “correm todos os riscos dela desde a tradição” (art. 587). Constitui empréstimo para
consumo, pois o mutuário não é obrigado a devolver o mesmo bem, do qual se torna dono (pode
consumi-lo, aliená-lo, abandoná-lo, p. ex.), mas, sim, coisa da mesma espécie. É realmente o
empréstimo de coisas que podem ser consumidas por aquele que as recebe. Se o mutuário puder
restituir coisa de natureza diversa, ou soma em dinheiro, haverá respectivamente troca ou compra e
venda, e não mútuo, salvo, no último caso, se o empréstimo for de dinheiro, que é bem fungível.” (pág.
142 da obra consultada) (grifo no original)
Natureza jurídica: Contrato; Real (se aperfeiçoa com a entrega da coisa); Unilateral; Gratuito ou
oneroso; não-solene; Temporário.
“O mútuo é o único contrato unilateral oneroso, quando feneratício”
“Mútuo feito a pessoa menor
Dispõe o art. 588 do Código Civil que “o mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele
sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores”. A origem da
restrição encontra-se nas leis romanas, mais propriamente no senatusconsulto macedoniano, como
explica Washington de Barros Monteiro: “Certo menor, filho do Senador Macedo, premido pelos
credores, assassinou o próprio pai a fim de obter recursos para solução de suas dívidas; desse parricídio
surgiu mencionado senatusconsulto, a que se atribuiu o nome da vítima e cujo princípio logrou
sobreviver no direito contemporâneo, figurando em nosso Código Civil de 2002 no citado art. 588”[3].
Exceções à regra estabelecida no dispositivo anterior
O art. 589 do novo diploma estabelece, todavia, exceções à regra acima, exceções estas que permitem,
nas hipóteses mencionadas, que o mutuante cobre do mutuário ou de seus fiadores o mútuo feito a
menor. Dispõe, com efeito, o mencionado art. 589 que “cessa” a disposição do artigo antecedente: a) se
o representante do menor “ratificar” o empréstimo; b) se o menor, estando ausente essa pessoa, viu-se
obrigado a contrair empréstimo “para os seus alimentos habituais”; c) “se o menor tiver bens ganhos
com o seu trabalho”, caso em que a execução do credor “não lhes poderá ultrapassar as forças”; d) se o
empréstimo “reverteu em benefício do menor”; e e) se este “obteve o empréstimo maliciosamente”.”
(pág. 143-144 da obra consultada) (grifo no original)
“Diferenças entre comodato e mútuo:
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a) o comodato é empréstimo para uso apenas, e o mútuo, para consumo;

b) no comodato, a restituição será a da própria coisa emprestada, ao passo que no mútuo será de uma
coisa equivalente;
c) o comodato é essencialmente gratuito, enquanto o mútuo tem, na compreensão moderna, em regra,
caráter oneroso. Embora possa ser gratuito, raramente se vê, na prática, as pessoas emprestarem coisas
fungíveis, máxime dinheiro, sem o correspondente pagamento de juros.”

3B. Representação, mandato e prestação de serviços

Leonardo Ferreira Mendes 15/09/18

I. Representação

Representação: tratada nos arts. 115/120 do CC. A representação legal é regulada em leis específicas e a
convencional é prevista na parte especial do CC: mandato. Trata-se de instituto através do qual um indivíduo
(representante) pratica atos em nome de outrem (representado), o que se pode dar em benefício somente do
representado (representação legal) ou de ambos (mandato oneroso). A representação legal constitui um múnus
público, sendo um poder-dever constituído diretamente por lei e é instituto personalíssimo. A representação
convencional é manifestação da autonomia da vontade do interessado. É anulável o negócio celebrado em
conflito de interesses com o representado ou o celebrado com o próprio representante, salvo se o representado
ou a lei assim permitir. O prazo pra anulação (decadencial) é de 180 dias.

Questões do MPF:
Concurso 29 – Questão 79 - São indispensáveis a autorização judicial e a intervenção do Ministério Público, em
acordo extrajudicial firmado pelos pais dos menores, em nome deles, para fins de receber indenização por ato
ilícito, por se tratar de ato que não se contém nos simples poderes de administração, conferidos aos pais pelo
Código Civil.
Gabarito: correto.
Concurso 28 – Questão 80 – O pai, na administração dos bens do filho incapaz, não pode aliená-los sem
autorização judicial, podendo, entretanto, gravá-los.
Gabarito: incorreto.

II. Mandato

Trata-se do contrato pelo qual alguém (o mandante) transfere poderes a outrem (o mandatário) para que
este, em seu nome, pratique atos ou administre interesses.
A procuração é o meio pelo qual o mandato se instrumentaliza.
Toda pessoa capaz pode celebrar mandato. O instrumento deve indicar: 1) a indicação do local onde foi
passado; 2) a qualificação do outorgante e do outorgado; 3) a data da outorga; 4) o objetivo da outorga; 5) a
designação e a extensão dos poderes outorgados.
Trata-se, em regra, de contrato unilateral, embora possa em alguns casos ser bilateral imperfeito.
Presume-se gratuito o mandato civil (art. 658, CC) e oneroso o mercantil. A remuneração do mandatário
será definida na lei ou no contrato e, em caso de omissão, pelos usos do lugar ou por arbitramento judicial. Trata-
se de contrato consensual, comutativo e preparatório, por servir para a prática de outros atos ou negócios
jurídicos.
Trata-se, ainda, de contrato informal e não solene. Poderá, pois, ser expresso ou tácito, verbal ou por
escrito. Em regra, mesmo que lavrado por instrumento público, poderá ser substabelecido por instrumento
particular. Entretanto, para alienação de imóveis de valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, a jurisprudência
exige a forma pública, caso no qual o substabelecimento dependerá desse paralelismo de forma. No mesmo
sentido, haverá exigência de forma específica quando o negócio a ser realizado pelo mandatário exija forma

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específica (art. 657, CC).
A aceitação do mandato pelo mandatário poderá ser expressa ou tácita. O mandato é um contrato
personalíssimo.
Quanto às modalidades de mandato, tem-se: mandato legal (ex. o existente em favor dos pais para
administração dos bens dos filhos menores); mandato judicial (ex. inventariante); mandato convencional
( decorre de contrato firmado entre as partes); mandato oneroso (há remuneração ao mandatário) ; mandato
gratuito (mandato sem remuneração ao mandatário); mandato singular ou simples (existe apenas um
mandatário); mandato plural (existem vários procuradores ou mandatários); mandato geral (outorga de todos os
direitos que tem o mandante); mandato especial (engloba alguns direitos específicos).
Terceiro pode exigir que a procuração tenha firma reconhecida (art. 654, §2º, CC). Existe decisão do STJ
exigindo o reconhecimento de firma para a procuração ad judicia atribuindo poderes especiais, mas prevalece
que o reconhecimento de firma é desnecessário nesses casos.
O negócio realizado por quem não tenha mandato ou não tenha poderes suficientes são ineficazes em
relação ao mandante, salvo quando haja ratificação (art. 662, CC – princípio da conservação do negócio jurídico),
caso em que seu efeito será ex tunc. Enquanto não houver a ratificação pelo mandante, o mandatário será
considerado gestor de negócios (art. 665, CC).
Em caso de mandato oneroso, o mandatário possui direito de retenção (art. 664 c.c. art. 681, do CC).
A extinção do negócio pode se dar por: revogação; renúncia; morte ou interdição de uma das partes;
mudança de estado que inabilite uma das partes; pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

III. Prestação de serviços

É o contrato pelo qual alguém (prestador) compromete-se a realizar uma atividade com conteúdo lícito,
no interesse de outrem (tomador), mediante remuneração. O CC/02 não se aplica às prestações de serviços
sujeitas às leis trabalhistas ou especiais. Em sendo escrito, se uma das partes não souber escrever, poderá ser a
rogo, assinado por 2 testemunhas.
Tem prazo máximo de 4 anos. Qualquer das partes poderá resilir unilateralmente (denúncia vazia) o
contrato, mediante aviso prévio. Não se conta no prazo do contrato o tempo em que o prestador deixou de servir,
por culpa sua. O prestador por tempo determinado não pode se ausentar ou despedir, sem justa causa. Se o fizer,
terá direito à retribuição vencida, mas deverá pagar perdas e danos ao tomador. O mesmo vale quando o
prestador é demitido por justa causa. Se, por outro lado, o prestador for demitido sem justa causa, o tomador
terá de pagar-lhe a retribuição vencida e metade da que lhe tocaria até o termo final do contrato.
Se a prestação for feita por quem não possui título de habilitação para prestar o serviço, não poderá
cobrar a retribuição. Se o negócio resultar benefício para a outra parte e o prestador estiver de boa-fé, contudo, o
juiz pode definir compensação razoável, exceto em caso de vedação legal (ex. atuar como médico).
Trata-se de contrato personalíssimo (cf. exceção: alienação do prédio agrícola, art. 609, CC).
Art. 608, CC: Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a
este importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos (caso
“Zeca Pagodinho x Schin”).
Trata-se de contrato sinalagmático, bilateral, oneroso, consensual e comutativo. Não é formal, apesar do
disposto no art. 595 (“poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas” quando qualquer das partes
não souber ler nem escrever). Não se confunde com a empreitada, focada na obra final (obrigação de resultado) e
não na atividade (obrigação de meio), nem com o mandato, haja vista a subordinação que caracteriza a prestação
de serviço. Não se presume gratuito, tanto que, em não havendo acordo sobre a remuneração, ela será objeto de
arbitramento (art. 596) e paga após o término do serviço (art. 597).  Então o art. 608 pune aquele que aliciar
pessoa vinculada a outrem por contrato escrito (Sanção: pagamento do equivalente a 2 anos de trabalho ao
contratante que perdeu o prestador de serviços). Venosa ressalva a hipótese em que não haja causa de
exclusividade e ele consiga atender eficazmente a ambos.

4C. Da fiança, do depósito e da corretagem. Contrato de transporte terrestre e aéreo.

Anderson Rocha Paiva


Legislação básica: arts. 627, 722, 730 a 756 do CC do Código Civil.

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Fiança: contrato celebrado entre uma parte (fiador) que se obriga a outra (credor) em razão de dívida de um
terceiro (afiançado) a partir de seu patrimônio pessoal, constituindo-se, assim, uma garantia fidejussória ou
pessoal. Na fiança há a responsabilidade (haftung) sem o débito ou dívida (schuld). É um contrato unilateral (só o
fiador tem deveres), gratuito (em regra), comutativo, formal (só escrito), não solene (prescinde de escritura
pública) e acessório (regra da gravitação jurídica: acessório segue o principal). Na fiança por tempo
indeterminado, o fiador pode se exonerar a qualquer tempo, mas fica obrigado nos 60 dias seguintes. Prorrogada
a locação, a partir da Lei n. 12112/09, a fiança segue automática, mas, se for por tempo indeterminado, o fiador
pode se exonerar notificando o credor, contudo, ainda figa obrigado pelos 120 dias seguintes.
Fiança x aval: fiança é contrato acessório, aval é relação jurídica autônoma; na fiança, em regra, há benefício
de ordem, no aval sempre há solidariedade.
A fiança pode abarcar dívidas futuras, mas o fiador só pode ser demandado quando ela se tornar certa e
líquida (arts. 821, CC). Em regra, é total (abarca juros, multa), mas pode ser menos onerosa e por valor menor da
obrigação principal, mas terá seu limite no máximo no valor da obrigação afiançada. Quando esta for nula, isto
repercute na fiança, salvo se a nulidade resultar de incapacidade pessoal (se for mútuo feito a menor, a fiança
ainda é válida). O fiador pode ser rejeitado se for inidôneo, se não residir no município em que prestada a fiança,
ou não tiver bens livres. A sua não substituição causa vencimento antecipado da dívida. Há três exceções ao
benefício de ordem: 1) renúncia expressa; 2) se o fiador se obrigou solidariamente pela dívida; 3) se o devedor for
insolvente ou falido. Enunciado 364 do CJF: no contrato de fiança, é nula a cláusula de renúncia antecipada ao
benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão.
Entre fiador e devedor, a regra é a subsidiariedade (benefício de ordem). Entre os fiadores, a regra é a
solidariedade. Aquele que paga a dívida se sub-roga nos direitos do credor, mas só pode cobrar a cota de cada
fiador. A extinção da fiança pode se dar: a) com a morte do fiador (contrato personalíssimo), mas os herdeiros
respondem nos limites da herança pelas obrigações vencidas até o dia da morte; b) alegação de exceções
(nulidade, incapacidade, compensação, prescrição); c) se por ato do credor não for possível ao fiador se sub-rogar
em seus direitos; d) se ocorrer dação em pagamento; e) se o fiador apontar bens livres do devedor e por culpa do
credor não puder ser executado; f) por distrato (amigável).

Corretagem:negócio jurídico pelo qual uma das partes (corretor) se obriga a concluir um ou mais negócios
em benefício de outrem (comitente) sem qualquer relação de dependência, mas observadas as instruções deste.
A corretagem é bilateral (sinalagmático), oneroso, consensual, acessório (depende da realização de outro),
aleatório (com riscos) e informal (prescinde até de forma escrita).
CC, art. 725: A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no
contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes. STJ: Incabível
comissão de corretagem no contrato de compra e venda de imóveis, quando o negócio não foi concluído por
desistência do comprador, não atingindo assim o seu o resultado útil. (AgRg no REsp 1485788/MG) STJ: o corretor
tem direito a receber a comissão por intermediações por ele realizadas, mas só firmadas pelas partes após o fim
do contrato de corretagem. Pode haver cláusula de corretagem exclusiva, hipótese em que, mesmo que o
contrato seja celebrado de forma direta entre as partes, o corretor receberá sua comissão. Pode haver
corretagem conjunta e a comissão será paga em partes iguais, salvo disposição em contrário.

Depósito.Trata-se de negócio por meio do qual uma parte (depositário) se obriga a guardar um bem de
outrem (depositante) de forma voluntária ou obrigatória/necessária (por imposição legal ou por calamidade
pública). Se o bem objeto do depósito for infungível, diz-se regular; se fungível, diz-se irregular (aplicando-se as
regras do mútuo). É um contrato unilateral e gratuito (em regra), comutativo, personalíssimo, real (aperfeiçoa-se
com a entrega do bem e não com a celebração da avença) e informal (a lei não exige forma escrita, mas a sua
prova deve se dar somente de forma escrita). O depósito não se confunde com o comodato, pois neste o bem
pode seu usado pelo comodatário.
Espécies: a) Depósito voluntário: é o contrato em que o depositário recebe um objeto móvel, para guardar,
até que o depositante o reclame. Se a coisa for depositada em nome de terceiro, não pode o depositário restituir
a coisa ao depositante sem sua anuência. Deve o depositário devolver a coisa assim que o depositante requerer,
salvo: direito de retenção dos valores devidos ao depositário (perdas e danos, despesas); se a coisa for
embargada judicialmente ou sobre ela pender execução, e, ainda, se houver motivo razoável de que a coisa foi
dolosamente obtida. Pode haver mais de um depositário e, nesse caso, presume-se que a divisão foi igualitária

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(concursu partes fiuntu). Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em depósito a terceiro, será
responsável se agiu com culpa na escolha deste. O depósito voluntário pode ser extinto: por resolução voluntária
(o bem foi entregue lacrado e o depositário violou o sigilo, o depositário usou ou vendeu o bem sem
consentimento do depositante); por compensação em relação a depósito anterior; com a morte (é
personalíssimo, devendo os herdeiros restituir o bem); por incapacidade superveniente. O depositário não
responde por caso fortuito e força maior. b) Depósito necessário: este é o depósito realizado diante de fatos
imprevistos e irremovíveis que levam a pessoa a entregar o bem a um desconhecido pra evitar sua ruína. Pode ser
classificado: legal (realizado no desempenho de obrigação decorrente de lei); miserável (efetuado em razão de
calamidades); hospedeiro (é aquele que incide sobre as malas dos hóspedes; o hoteleiro tem responsabilidade
objetiva por atos de seus prepostos).
Súmula Vinculante 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de
depósito. STJ 332: A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica em ineficácia total da garantia.

Contrato de transporte (arts. 730 a 756 do CC): Alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de
um lugar para outro, pessoas ou coisas. Dispõe o art. 732 que são aplicáveis preceitos da legislação especial e
tratados internacionais, desde que não contrariem o CC.O contrato de transporte é consensual, bilateral e
oneroso, realizando-se, em regra, sob a forma de contrato de adesão. Conjugando mais de um meio de
transporte, chama-se intermodal. Há contrato cumulativo quando efetuado sucessivamente por vários
transportadores, cabendo um percurso a cada um (responsabilidade será solidária).
Transporte público: quando exercido por particulares mediante autorização, permissão ou concessão, é
regido por tais atos e normas regulamentares (prestação indireta de serviço público), sem prejuízo do disposto no
CC. Aplica-se, em caso de dano, o art. 37, par 6º da CR/88, inclusive para o transportador aéreo.
Transporte de pessoas: transportador se obriga a remover pessoa e sua bagagem de um local a outro,
mediante remuneração. Transportador responde objetivamente por danos, pagando indenização variável,
conforme natureza e extensão dos prejuízos (é nula cláusula excludente de responsabilidade). Culpa de terceiro
não é excludente de responsabilidade. Não se aplicam as normas sobre o contrato ao transporte gratuito. O
transportador não pode, em regra, recusar passageiros. Transportador tem direito de reter bagagem para garantir
o pagamento do valor da passagem.
Transporte de coisas: Remetente entrega ao transportador determinado objeto para que, mediante
pagamento de frete, seja remetido a outra pessoa em local diverso. A responsabilidade civil objetiva do
transportador relativa à integridade da carga limitar-se-á ao quantum constante do conhecimento de frete (risco
do transporte por conta do transportador, exceto em caso de culpa do remetente ou força maior).
Transporte aéreo: O transporte aéreo é um serviço prestado por uma Companhia Aérea (transportador
aéreo) que se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas (passageiros) ou
coisas (cargas). Em vista da expansão das rotas aéreas, além dos limites territoriais dos países e, no intuito de
uniformizar regras no âmbito internacional, em 1929, foi criado um regime concernente à legislação aeronáutica,
através da Convenção de Varsóvia, que foi ratificada pelo Brasil, através do Decreto nº 20.704, de 24 de
novembro de 1931, que estipulou o regime da responsabilidade limitada, como forma de atenuar a
responsabilidade e os efeitos de indenização do transportador aéreo. Ao longo dos anos, a Convenção sofreu
várias emendas, culminando na Convenção de Montreal, de 28 de maio de 1999, que a modernizou,
consolidando-a em um só texto.
No âmbito nacional, a responsabilidade civil pelos danos oriundos do transporte aéreo era regulada pelo
Código Civil, por força do art. 84 do Decreto nº 16.983/1925, que aprovou o primeiro Regulamento para os
Serviços Civis de Navegação Aérea. Depois, veio o Código Brasileiro do Ar de 1938 (Decreto-Lei nº 483), sobreveio
o novo Código Brasileiro do Ar de 1967 (Decreto-Lei nº 32), culminando com o Código Brasileiro de Aeronáutica
de 1986 (Lei nº 7.565/1986), que possui disciplina igual à da Convenção de Varsóvia, limitando a
responsabilidade.
A jurisprudência vinha se posicionando no sentido de que, desde o advento do CDC, o transporte aéreo,
internacional ou nacional, contratado no Brasil, quando inserido numa relação de consumo era regido por ele,
não se aplicando a responsabilidade do transportador aéreo contida nas legislações aeronáuticas (cf. RE 351750).
Cumpre destacar, entretanto, que tal entendimento foi alterado pelo STF, a partir do julgamento do RE
636331 e do ARE 766618, ambos julgados em maio de 2017, nos quais se firmou a tese da prevalência dos
acordos internacionais, em detrimento do Código de Defesa do Consumidor. Tese afirmada em sede de

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repercussão geral: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados
internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as
Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. Nestes
julgados, o Supremo considerou aplicável, em matéria de vôos internacionais, os tratados que versam sobre o
tema, afastando o CDC, quer se fale em dano matéria (RE 636331)l, quer se fale em dano moral (ARE 766618). E
possibilitou a aplicação do sistema de tarifação na composição do dano, bem como definiu o prazo de prescrição
em 2 anos. O referido entendimento, posteriormente, foi seguido pelo STJ, que alterou sua jurisprudência acerca
da questão.

JURISPRUDÊNCIA STF
RE 636331. Rel. Gilmar Mendes. Julgamento:  25/05/2017. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno 
EMENTA. Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação.
Antinomia. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. 3. Julgamento de mérito. É aplicável o
limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo
Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos
internacionais. 5. Repercussão geral. Tema 210. Fixação da tese: "Nos termos do art. 178 da Constituição da
República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras
aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao
Código de Defesa do Consumidor". 6. Caso concreto. Acórdão que aplicou o Código de Defesa do Consumidor.
Indenização superior ao limite previsto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas
pelos acordos internacionais posteriores. Decisão recorrida reformada, para reduzir o valor da condenação
por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido na legislação internacional. 7. Recurso a que se dá
provimento.

ARE 766618. Julgamento:  25/05/2017. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno.


EMENTA: Direito do consumidor. Transporte aéreo internacional. Conflito entre lei e tratado. Indenização. Prazo
prescricional previsto em convenção internacional. Aplicabilidade. 1. Salvo quando versem sobre direitos
humanos, os tratados e convenções internacionais ingressam no direito brasileiro com status equivalente
ao de lei ordinária. Em princípio, portanto, as antinomias entre normas domésticas e convencionais resolvem-se
pelos tradicionais critérios da cronologia e da especialidade. 2. Nada obstante, quanto à ordenação do transporte
internacional, o art. 178 da Constituição estabelece regra especial de solução de antinomias, no sentido da
prevalência dos tratados sobre a legislação doméstica, seja ela anterior ou posterior àqueles. Essa conclusão
também se aplica quando o conflito envolve o Código de Defesa do Consumidor. 3. Tese afirmada em sede de
repercussão geral: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais
limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de
Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. 4. Recurso extraordinário
provido.

15B. O marco civil da internet e demais formas de regulação do ciberespaço. Contratos eletrônicos.
Responsabilidade civil nas redes sociais. Bullying e cyberbullying.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior 28/08/18

I. O marco civil da internet e demais formas de regulação do ciberespaço.

O marco civil da internet (Lei 12.965/14) é uma lei nacional, proveniente da competência privativa da
União para legislar sobre informática e telecomunicações (art. 22, IV, CF), e tem como principais fundamentos e
princípios (art. 2º e 3º) a liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a neutralidade de rede.

A neutralidade de rede é um verdadeiro novo direito: o provedor deve tratar de forma isonômica quaisquer
pacotes de dados (i.e. não reduzir velocidade nem impedir acesso), aceitando-se a degradação do tráfego apenas
em decorrência de requisitos técnicos e priorização de serviços de emergência (art. 9º). Nestes casos, o provedor
deve agir com proporcionalidade e informar o usuário de forma prévia e transparente (art. 9º, §2º).

101
Quanto à proteção da privacidade, destaque-se que os registros de conexão (hora da conexão e IP) e os
registros de acesso a aplicações de internet (sites, apps, redes sociais, etc.) somente podem ser fornecidos
mediante ordem judicial (art. 10, caput), ressalvando-se que dados cadastrais (e.g. identificação pessoal e
endereço), de outra sorte, podem ser franqueados a autoridades administrativas sem tal reserva (art. 10, §3º),
como no caso do Ministério Público. O desrespeito a esta regra (não disponibilizar os dados após determinação
judicial ou liberá-los indevidamente) pode acarretar as sanções, cumulativas ou não (art. 12), de advertência,
multa de até 10% do faturamento, suspensão temporária das atividades (este seria um possível fundamento para
as controversas suspensões do Whatssapp) e proibição de funcionamento.

Os registros de conexão (hora da conexão e IP) devem ser guardados por 1 ano (art. 13, caput), e os
registros de acesso a aplicações de internet (sites, apps, redes sociais, etc.), por 6 meses (art. 15, caput). A
autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público, entretanto, podem requerer cautelarmente tal
guarda por tempo superior (art. 13, §2º; art. 15, §2º), mas neste caso haverá um prazo de 60 dias para promoção
da devida ação judicial (art. 13, §3º).

Todas essas regras aplicam-se quando a coleta, armazenamento ou tratamento de registros ocorrer em
território nacional (art. 11) ou quando, nas comunicações eletrônicas, pelo menos um dos terminais estiver
localizado no Brasil (art. 11, §1º), ainda que as atividades sejam realizadas por PJ sediada no exterior, desde que
oferte serviço ao público brasileiro ou algum integrante do mesmo grupo possua estabelecimento no país (art. 11,
§2º). Nota-se, portanto, que o país de localização dos servidores não é critério, por si só, para afastar a aplicação
do Marco Civil da Internet.

II. Responsabilidade civil nas redes sociais.

Até a entrada em vigor do Marco Civil da Internet, a jurisprudência do STJ era no sentido de que a
responsabilidade solidária do provedor com o criador de conteúdo ofensivo era caracterizada a partir da simples
ciência de tal conteúdo sem sua remoção em prazo razoável.

Atualmente, com o intuito de impedir a censura, a responsabilização do provedor somente se dá após


notificação judicial para a retirada do material (art. 19). É que, previamente à decisão judicial, o provedor não é
obrigado a indisponibilizar conteúdo, com duas exceções: no caso de cenas de nudez ou atos sexuais, basta a
notificação do prejudicado para, não excluído o material, configurar-se a responsabilização subsidiária do
provedor (art. 21, caput); no caso de infrações envolvendo direito autoral, deverá haver regulação por lei
específica (art. 19, §2º), valendo a disciplina da legislação autoral vigente enquanto não sobrevier tal lei (art. 31).

A despeito das regras acima, o provedor de conexão à internet (e.g. Net Virtua, GVT, Brasil Telecom, Vivo Fibra)
jamais será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros (art. 18).

Para que o provedor possa bloquear o conteúdo ofensivo, é ônus do interessado indicar a URL ou
endereço eletrônico (STJ, REsp, 3ªT, 06/2018), pois a ordem judicial para remoção deve conter identificação clara
e específica do conteúdo, sob pena de nulidade (art. 18, §1º). Ressalte-se que previamente ao Marco Civil da
Internet já houve decisões do STJ em sentido contrário, com fundamento na responsabilidade objetiva dos
fornecedores (CDC).

Ainda não está pacificada a responsabilidade dos provedores de busca (i.e. google) pela indexação dos
resultados da busca a links com conteúdo ofensivo. Há precedentes exonerando tal responsabilidade (o buscador
de internet não pode ser um censor, cabendo a responsabilidade aos provedores de conteúdo; o direito ao
esquecimento é inaplicável ao caso; STJ, REsp, 3ªT, 2016), e há precedentes determinando o rompimento do
vínculo em questão, inclusive com fundamento no direito ao esquecimento (STJ, REsp, 3ªT, 06/2018) e na vedação
de exposição pornográfica não consentida (STJ, REsp, 3ªT, 03/2018).

III. Contratos eletrônicos.

102
O contrato eletrônico tem a mesma definição dos contratos em geral (negócio jurídico bilateral),
diferenciando-se pelo meio de manifestação da vontade (digital, em vez de físico), e classificando-se em
interpessoais, intersistêmicos (contratação feita entre sistemas, por aplicativos pré-programados) ou interativos
(contratação feita entre uma pessoa e um sistema; neste caso, necessariamente tratar-se-á de um contrato de
adesão).

Segundo Cláudia Lima Marques, podem-se apontar como consequências dessa nova forma de contratação a
desmaterialização (extinção do papel), a desterritorialização (desnecessidade de presença física dos
contratantes) e a despersonificação (ausência de uma pessoa física no momento da realização do contrato).

Tendo-se em vista a regra da atipicidade dos contratos (art. 425, CC), não há óbice ao reconhecimento da
validade dos contratos eletrônicos. Eles são admitidos como meio de prova (art. 411, II, CPC) e qualificados como
como documentos públicos ou particulares pela MP que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira,
ICP-Brasil (art. 10, MP 2.200-2/01).

Há precedente recente do STJ reconhecendo-lhes força de título executivo extrajudicial (STJ, REsp, 3ªT,
06/2018). Esta decisão é particularmente interessante, pois além da legitimação do contrato eletrônico, foi
relativizada a necessidade de assinatura por duas testemunhas (art. 784, III, CPC, é título executivo extrajudicial o
documento particular assinado pelo devedor e 2 testemunhas). Apesar de se tratar de precedente não
vinculante, em decisão não unânime de uma Turma, o julgado pode iniciar uma mudança de paradigma em
termos de execução, favorecendo o comércio eletrônico (e.g. não haveria mais necessidade de ação monitória
prévia à execução de um contrato eletrônico inadimplido).

IV. Bullying e cyberbullying.

O bullying ou intimidação sistemática é tratado pela lei 13.185/15 e é definida como (art. 1º e art. 2º,
caput):
i) violência (física ou psicológica), intencional e repetitiva, sem motivação evidente
ii) praticada por um indivíduo ou um grupo contra uma ou mais pessoas, em uma relação de desequilíbrio de
poder entre as partes
iii) para intimidar, agredir, humilhar ou discriminar

Alguns atos que caracterizam bullying são comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, grafites
depreciativos e isolamento social consciente e premeditado (art. 2º).

O cyberbullying é a intimidação sistemática na rede mundial de computadores (art. 2º, p. único), é


classificada como virtual, e inclui o envio de mensagens intrusivas da intimidade e a adulteração de fotos e
dados pessoais para criar constrangimento (art. 3º, VIII).

No combate ao bullying procura-se evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores,
privilegiando-se instrumentos alternativos que promovam a mudança de comportamento (art. 4º, VIII). Note-se
que não houve a tipificação do crime de bullying, mas algumas condutas podem se adequar a tipos penais já
existentes (crimes contra a honra, lesão corporal, ameaça, racismo).

O STJ já reconheceu em decisões monocráticas a responsabilidade objetiva de instituições de ensino


diante de sua omissão em casos de bullying, com fundamento no art. 14 do CDC, haja vista tratar-se de
prestadora de serviços educacionais (AREsp, 2014). Entretanto, o precedente mais noticiado sobre o assunto foi
um acórdão em Ação Civil Pública (REsp, 4ªT, 02/2018, Informativo 618) contra uma afiliada do SBT que expôs
crianças a situações discriminatórias em programa televisivo (“Bronca Pesada”), na qual era investigada sua
origem biológica (daí o nome do programa). Neste caso, foi reconhecido dano moral coletivo in re ipsa, com base
no dever de todos de assegurar às crianças dignidade (art. 227, CF) e sua integridade psíquica e moral (art. 17 e
18, ECA).

103
8.RESPONSABILIDADE CIVIL
8.1 A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor
artı́stico, estético, histórico e paisagı ́stico. (5.c)
8.2 Responsabilidade civil extracontratual. Dano material, moral e estético. Dano à pessoa. Danos sociais.
Caracterização e quantificação. Aspectos materiais e processuais. Dano moral coletivo. (8.c)

5C. Da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico e paisagístico.

Samara Dalloul

RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE


Princípio do poluidor pagador - não estabelece uma licença para o ato poluidor, como se alguém pudesse
afirmar: “poluo, mas pago”. Pode-se identificar no princípio do poluidor pagador 2 órbitas de alcance: a) evitar a
ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo).
Na órbita repressiva do princípio do poluidor pagador há incidência da responsabilidade civil. Este princípio
determina a incidência de alguns aspectos do regime jurídico da responsabilidade civil aos danos ambientais:
a) A responsabilidade civil objetiva – haverá dano mesmo que não derive de um ato ilícito. Em matéria
ambiental interessa a verificação do dano e do nexo de causalidade, independentemente da ilicitude ou não da
conduta, para a configuração da responsabilidade civil;
b) Prioridade da reparação específica do dano ambiental – o ressarcimento do dano ambiental pode ser
feito de duas formas: através da reparação natural ou específica, em q há o ressarcimento “in natura”, ou pela
indenização em dinheiro. Primeiramente deve-se verificar se é possível o retorno ao statu quo ante por via da
específica reparação, e só depois de infrutífera tal possibilidade é q deve recair a condenação sobre um quantum
pecuniário;
c) Solidariedade para suportar os danos causados ao m.a. – há poluição com a degradação da qualidade
ambiental, ou seja, com a ocorrência de qualquer alteração adversa das características do m.a., e segundo o 225
CF é dever do Poder Público e da coletividade preservar e defender o m.a., assim, qualquer um que de alguma
forma foi causador de dano ambiental pode ser sujeito passivo numa ação de responsabilidade civil por dano
ambiental, sendo esta responsabilidade solidária pelo 1518 CC.
RESPONSABILIDADE PELO DANO AMBIENTAL:
a) Responsabilidade civil:
 Objetiva: dano + nexo de causalidade (teoria do risco da atividade, parte da doutrina entende que é
RISCO INTEGRAL)
 Independe de culpa e da ilicitude da conduta
 Não admite excludentes
 Respondem solidariamente o autor do dano e seu sucessor
 Visa a reparação de dano ambiental
b) Responsabilidade administrativa: Independe de culpa, como regra, mas é necessária a ilicitude da conduta
(infração); Admite excludentes (caso fortuito, força maior, culpa exclusiva de 3º); É pessoal
c) Responsabilidade penal: Subjetiva. É sempre pessoal
*DANO RICOCHETE – lesão a direito pessoal do homem por intermédio do dano causado ao m.a.
Segundo o STJ a obrigação de reflorestar o imóvel rural mantendo a reserva legal é obrigação propter rem, ou
seja, de quem é proprietário do imóvel, sendo o proprietário do imóvel obrigado a efetuar o reflorestamento da
área degradada mesmo que o desmatamento tenha ocorrido anteriormente (Emb. Div. RESP nº 218.781/PR)
Quando se cobra a responsabilidade pelo dano ambiental através de ACP não é necessário o litisconsórcio no
pólo passivo da ação entre os causadores do dano, pode-se ajuizar apenas contra um dos causadores do dano, eis
que se trata de obrigação solidária a sua reparação, e, assim, este poderá busca uma indenização em face dos
demais causadores do dano em ação de regresso (STJ, 2ª Turma, REsp 880.160-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 4/5/2010).
O Estado responde solidariamente pelos danos ambientais oriundos de omissão na fiscalização, tendo direito de
regresso contra o responsável direto pelo dano (STJ. REsp 1.071.741-SP). Segundo a Lei 6938/81, também os
sócios (gerentes e mandatários) da empresa têm responsabilidade pelo dano ao m.a. causado pela p.j., mas
respondem de forma subsidiária, ou seja, apenas depois de exauridos os bens da empresa.
104
PODER PÚBLICO - responsabilidade SOLIDÁRIA.
SÓCIOS DA EMPRESA - responsabilidade SUBSIDIÁRIA.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (CDC) EM CAUSAS AMBIENTAIS: Segundo o STJ, em ACP relativa a dano
ambiental, cabe inversão do ônus da prova, devendo o empreendedor da atividade potencialmente lesiva
demonstrar a segurança do empreendimento (STJ. REsp 972.902-RS)

RESPONSABILIDADE POR DANOS AO CONSUMIDOR


RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR DO PRODUTO E DO SERVIÇO NO CDC
Uma das prerrogativas conferidas ao consumidor é a responsabilidade civil objetiva. Não há necessidade de
demonstração de dolo ou culpa nas relações de consumo. Em determinados casos a prova é difícil de ser feita
pelo consumidor. O juiz, ao seu critério, poderá inverter o ônus da prova, se constatar a verossimilhança das
alegações ou a hipossuficiência do consumidor.
Teoria do risco: fundamenta a teoria da responsabilidade objetiva. Todo aquele que coloca um produto ou
desempenha uma atividade no mercado cria um risco de dano a terceiro. Concretizado o dano surge o dever de
indenização, independente de dolo ou culpa demonstrados. Aquele que aufere lucro com a atividade
desenvolvida deverá arcar com os riscos desta atividade.
Parcela da doutrina diferencia vício de defeito, outra parcela não faz esta diferença.
Para esta primeira corrente, que faz a diferenciação, o vício consiste na mera inadequação do produto ou serviço
para os fins a que se destina. Ex: compra de uma televisão LCD. Vou ligar a TV e ela não liga. Há um vício na TV.
Esta primeira corrente, por outro lado, entende que defeito está relacionado com a insegurança do produto. Ex:
compro a TV e, quando a ligo, a TV explode. A TV causou uma insegurança, causou danos físicos na pessoa do
comprador.
O CDC SEGUE ESTA PRIMEIRA CORRENTE. Ou seja, o CDC diferencia vício de defeito.
O CDC prevê duas modalidades de responsabilidade. Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (fato do
produto é o acidente do consumo) – está relacionado ao defeito, à insegurança do produto ou serviço; e
responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço.
Teoria do risco de desenvolvimento: É possível o fornecedor de um produto descobrir, após a colocação do
produto no mercado de consumo, que ele causa prejuízo aos terceiros. Para a grande maioria da doutrina não é
possível alegar a teoria do risco do desenvolvimento como causa excludente da responsabilidade. Inovação
tecnológica não gera produto defeituoso: o produto não é considerado defeituoso se outro mais moderno for
colocado no mercado.
Responsabilidade do comerciante: art. 13 do CDC. Quando o fabricante, construtor ou produtor não forem
identificados, quando a identificação não for clara, quando não conservar adequadamente os produtos
perecíveis. O art. 88 do CDC veda a denunciação da lide nesta hipótese. Aquele que pagou pode entrar com uma
outra ação para requerer o direito de regresso, ou continuar na mesma ação, mas após o pagamento do
consumidor lesado, já que prolongaria a demanda.
Causas excludentes de responsabilidade no CDC: art. 12, §3º, CDC. I- que não colocou o produto no mercado; II-
que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro.
Causa excludente de responsabilidade: caso fortuito e força maior excluem a responsabilidade do fornecedor se
ocorrerem após a colocação do produto ou do serviço no mercado de consumo.
Responsabilidade pelo fato do serviço: fornecedor de serviço responde independentemente da existência de
culpa pelos danos causados aos consumidores (art. 14). Tudo o que foi dito para o produto defeituoso serve para
o serviço defeituoso.
Causas excludentes de responsabilidade do fornecedor do serviço: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito
inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
A jurisprudência diz que diante de culpa concorrente da vítima não há exclusão da responsabilidade, mas esta é
atenuada. Caso fortuito e força maior: Ex: assalto a mão armada no interior de ônibus coletivo. O STJ entende
que fato de terceiro que não tem conexão com o transporte (ex: assalto), é causa excludente de
responsabilidade da concessionária. Isto é posicionamento majoritário do STJ. Diferentemente ocorre no fato
de que em determinada região sempre ocorre assalto. A empresa sabe que ali sempre ocorre assalto. Então ela
não pode alegar fato fortuito, porque é a obrigação da concessionária mudar a rota.
Assalto dentro de um banco. O assaltante leva cheque de um cliente do banco, e o nome deste é negativado.

105
Não pode o banco alegar causa excludente de responsabilidade porque este fato de terceiro tem conexão com o
serviço prestado. É dever do banco garantir a segurança do dinheiro, do cheque e do cartão de crédito dos
clientes. Ou seja, o fato de 3º, para não excluir a responsabilidade do prestador de serviço, não pode estar
relacionado com serviço em si.
O assalto à mão armada, por si só, não é fato de terceiro capaz de excluir a responsabilidade do fornecedor de
serviço. Tem que ser analisado o caso concreto. No caso de transporte é causa excludente, porque não tem
relação com o serviço prestado. Mas em relação a agencia bancária a relação é diferente, uma vez que a
atividade essencial dela é a segurança do dinheiro, do cheque do cliente.
FORTUITO EXTERNO - exclui a responsabilidade (não tem relação com o serviço prestado) FORTUITO
INTERNO - não exclui a responsabilidade(tem relação com o serviço prestado)
Responsabilidade do profissional liberal: é a exceção à regra, uma vez que aqui a responsabilidade é subjetiva,
fundada na idéia de culpa. Art. 14, §4º, CDC. Falou em profissional liberal a culpa tem que ser analisada. Em regra
a atividade do profissional liberal é de meio. Mas em determinadas hipóteses ele desempenha atividade de
resultado. Nestes casos, a responsabilidade deixa de ser subjetiva e passa a ser objetiva. Uma coisa é uma
cirurgia plástica reparadora de uma pessoa que sofreu acidente de trânsito – é atividade de fim, e não de
resultado. Já a cirurgia plástica de embelezamento é atividade de resultado. O médico se compromete a atingir o
resultado, e, se este não ocorre, sua responsabilidade é objetiva.
Responsabilidade pelo vício: Os vícios do CDC são diferentes dos vícios redibitórios do CC. No CDC os vícios
podem ser aparentes ou ocultos. O CC, quando fala em vício redibitório, se refere aos vícios ocultos. O CDC não
exige vício de natureza grave e nem que ele seja contemporâneo à data da celebração do contrato. Já o CC exige
que o vício já exista desde a época da celebração do contrato. No art. 18 o CDC utiliza a expressão “fornecedores”
no gênero, não especificando qual o tipo de fornecedor. Assim, este artigo se aplica a todos os fornecedores. A
responsabilidade é solidária. Os vícios podem ser de qualidade e de quantidade.
Vícios de qualidade: são os que tornam os produtos impróprios ou inadequados para o consumo, lhes diminuem
o valor ou se quando ocorre disparidade entre as indicações constantes no rótulo. Diante do vício de qualidade
pode o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Se o vício não for sanado no prazo de 30 dias - art.
18, §1º, CDC - as partes podem convencionar um outro prazo, desde que seja de no mínimo 07 dias e no máximo
180 dias. §2º do art. 18 do CDC. Em regra o consumidor tem que esperar o prazo de 30 dias ou o outro prazo
convencionado. Se é em regra, há exceção. Exceção: art. 18, §3º, CDC > a substituição das partes viciadas puder
comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.
Produtos in natura são aqueles que vêm diretamente do campo, sem passar pelo processamento de
industrialização (Art. 18, §5º, CDC) exceção à regra de responsabilidade solidária. É o fornecedor imediato que
responderá.
Vício de quantidade: conteúdo líquido é inferior às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem,
ou mensagem publicitária. Soluções: 1º. Abatimento proporcional do preço; 2º. Complementação do peso ou da
medida; 3º. Substituição do produto por outro de mesma espécie, marca ou modelo. Se não existir outro da
mesma espécie, marca ou modelo, segue-se a regra do art. Anterior; 4º. Restituição da quantia paga, sem
prejuízo das perdas e danos.
Exceção à regra da responsabilidade solidária: §2º - será responsável o fornecedor imediato se este fizer a
pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.

RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS A BENS E DIREITOS DE VALOR ARTÍSTICO, ESTÉTICO, HISTÓRICO E
PAISAGÍSTICO. A proteção ao patrimônio cultural brasileiro, que inclui os bens de natureza material e imaterial, é
prevista no art. 216 da CF. Os bens de valor artístico, estético, histórico e paisagístico fazem parte do conceito de
meio ambiente, que se divide em meio ambiente natural e artificial, de modo que valem as regras de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente natural, quando se trata de bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico e paisagístico. O instrumento para a defesa destes bens é a Ação Civil Pública, nos
termos do art. 1º da Lei nº 7.347/85.  DL 35/37 - proteção do patrimônio histórico e artístico nacional,
estabelecendo os bens que o constituem, dentre eles, os arqueológicos (ler).

8C. Responsabilidade civil extracontratual. Dano material, moral e estético. Dano à pessoa. Danos sociais.
Caracterização e quantificação. Aspectos materiais e processuais. Dano moral coletivo.
Gabriel Dalla 12/09/18

106
I. Responsabilidade civil extracontratual.
A responsabilidade civil é tema em transição, especialmente pela incorporação dos conteúdos
humanísticos ao direito civil. A sociedade hoje é completamente distinta da sociedade de outrora, razão pela
qual, para o fim de definir a responsabilidade civil, é preciso – antes – definir a própria sociedade. Ulrich Beck é
quem traz a melhor definição de sociedade, porque sua ideia é desprendida das noções clássicas apresentadas
pela filosofia. Segundo ele, vive-se hoje uma sociedade de risco: “A ciência e a tecnologia modernas criaram uma
sociedade de risco, na qual o sucesso na produção de riqueza foi ultrapassado pela produção do risco; As
principais preocupações da sociedade industrial é da sociedade de classes (a criação e a distribuição equitativas
das riquezas) foram substituídas pela busca da crença em uma sociedade catastrófica, na qual o estado de
exceção ameaça converter-se em normalidade – sociedade da crise; o sonho da sociedade de classes: todos
querem e devem compartilhar do bolo; a meta da sociedade do risco: todos devem ser poupados do veneno.”
A responsabilidade civil surge do acoplamento entre duas obrigações: a obrigação primária de agir em
conformidade com a lei e a obrigação secundária de reparar o dano, pela violação da norma jurídica pré-
existente. A responsabilidade civil no Código Civil está traçada sobre dois aspectos dicotômicos: a) Contratual:
quando a norma originária violada tem natureza contratual, que se encontra no 389 3 395 e seguintes do CC; b)
Extracontratual ou aquiliana: quando a norma originária está prevista em lei, o que está fundada em um tripé:
arts. 186 [regra geral: conceito de ato ilícito], 187 [abuso de direito] e 927, p. único do CC [responsabilidade civil
objetiva por atividades de risco]. Observação: não existe esta distinção no âmbito do direito consumerista.
O abuso de direito tutela o abuso de direito segundo um fim econômico-social de acordo com o
parâmetro da razoabilidade e a sua extrapolação gera ato ilícito [abuso de direito]. Neste contexto, é relevante
observar que o art. 187 traduz responsabilidade objetiva, ao revés do art. 186 do CC. A responsabilidade objetiva
por atividades de risco é prevista nos termos do art. 927, que estipula como regra a responsabilidade subjetiva,
todavia. Há duas teorias que tratam desta responsabilidade: i) teoria do risco criado: o simples incremento do
risco na sociedade é pressuposto suficiente para a imputação da responsabilidade objetiva; ii) teoria do risco
proveito: é preciso que do incremento do risco derive um proveito econômico para o agente.
No plano extracontratual, indaga-se: é possível a responsabilização civil em razão da prática de ato
lícito? Sim, é possível. A doutrina elenca, como exemplos, as seguintes três hipóteses: i) desapropriação, que é
permitida, mas gera dever de reparação; ii) direito de passagem forçada [art. 1627]; iii) a pessoa lesada em razão
de legítima defesa ou estado de necessidade [arts. 929 e 930].
Os elementos da responsabilidade civil são os seguintes:
A conduta é ação ou omissão humana A doutrina tradicional O nexo de causalidade pode ser: i) natural ou
dotado de voluntariedade, esta que ainda entende o dano físico: ocorre nas condutas comissivas; ii)
não significa intenção como sendo normativo: ocorre nas condutas omissivas e se
voluntariamente, mas a consciência indispensável para a explica por norma jurídica. Teorias justificadoras
de que se realiza determinada responsabilidade civil. da causalidade: i) Teoria da equivalência dos
conduta. Excludentes de ilicitude: o O dano para ser antecedentes causais; ii) Teoria da causalidade
exercício regular do direito, estrito indenizável precisa: i) adequada; iii) Teoria da causalidade direta e
cumprimento de dever legal, estado violar um interesse imediata: esta é a teoria adotada pelo CC,
de necessidade e legítima defesa, juridicamente segundo a doutrina, no art. 403.
anuência da vítima [apenas em protegido; ii) certo e Excludentes de causalidade: os exemplos são o
questões disponíveis] e cláusula de determinado; iii) fato da vítima [a culpa concorrente não exclui,
não indenizar. subsistente. mas atenua], fato ou culpa de terceiro, caso
fortuito [importante a distinção entre fortuito
interno e externo] e força maior.
II. Dano material, moral e estético. Dano à pessoa. Danos sociais. Dano moral coletivo. Aspectos materiais e
processuais.
O dano material é o decréscimo patrimonial suportado pela vítima em decorrência do evento danoso.
Divide-se em duas hipóteses: o dano emergente, que é aquele imediato e consequente direto do evento danoso
e o lucro cessante, que são os danos futuros: é o que deixou de ganhar ou lucrar em razão do dano. A reparação
aqui tem natureza indenizatória, que deriva do latim indene, que significa retornar ao estado anterior. É
justamente isto a que se pretende, porque a reparação tem por objetivo retornar à situação estritamente
anterior.

107
O dano moral foi ressignificado, porque deixou de se relacionar estritamente a abalo psíquico forte: há
uma tentativa de objetivar [em detrimento dos aspectos puramente subjetivos] e racionalizar o conceito no
sentido de defini-lo como violação de direito da personalidade - quando gere abalo que supere o mero dissabor
habitual. A sua natureza é compensatória. Em muitos casos o dano moral tem natureza in re ipsa, que independe
de prova da comprovação efetiva do dano.
O dano estético surgiu acoplado ao dano moral, mas ganhou autonomia, o que se traduz na súmula 387
do STJ: “É possível a acumulação das indenizações de dano estético e moral.”. Consiste na alteração
morfofisiológica do corpo da vítima, causando-lhe afeiamento, dificuldade de integração social ou sentimento de
inferioridade. Não abarca apenas a deformidade visível, porque é preciso analisá-lo sobre o plano da fisiologia:
qualquer dano que cause dificuldade funcional é dano estético, tal como a paraplegia.
A perda de uma chance é categoria autônoma de origem francesa, que não se vincula ao dano moral ou
material: é a frustração de uma situação que traria um incremento positivo na esfera jurídica da vítima ou que lhe
evitaria um prejuízo.
O dano moral coletivo surge com o desenvolvimento da tutela de direitos difusos e coletivos em sentido
estrito: mas como se falar nisso se coletividade não tem personalidade jurídica própria e, consequentemente,
direitos da personalidade? Passou-se, porém, a admitir como violação de uma esfera axiológica da coletividade,
aquela esfera dos valores que regem a vida moral de determinado agrupamento, o que é passível de violação. Há
previsão legal do dano moral coletivo no art. 6º, VI, do CDC, que em princípio se refere a relação consumerista,
mas – inexistindo outros dispositivos – ele é aplicado para outras matérias.
O dano social não se confunde com o dano moral coletivo: é resultado da funcionalização da
responsabilidade civil, que não pode se restringir à reparação, ao retorno ao status quo anterior. O dano social
deve sim atuar de modo a reprimir ou a desestimular condutas que sejam socialmente danosas, que causem um
déficit de qualidade de vida de determinada coletividade e que decorram de condutas reiteradas. Importante: O
STJ definiu que apenas é cabível a condenação por danos sociais em ações coletivas e quando requerido pelos
legitimados coletivos.
A respeito dos danos à pessoa, vale ressaltar a incipiente discussão doutrinária acerca de efetiva
existência de dano moral à pessoa jurídica. Majoritariamente, entende-se possível a existência, desde que
compatível. Há, porém, linha doutrinária que defende a inexistência de dano moral propriamente dito, mas, sim,
a ocorrência de mera utilização procedimental do método de cálculo do dano moral à vulneração da pessoa
jurídica, que seria – sempre – de conteúdo material. Isto não é consenso, mas traz uma concepção diferente: a
pessoa jurídica – privada ou pública – não teria direito a dano moral, mas a uma solução pragmática para uma
liquidação extremamente difícil do dano material.
A grande distinção no aspecto processual diz respeito à carga probatória, porquanto a condenação à
reparação por danos materiais depende de prova conclusiva sobre o fato e o dano. Ao revés, no que tange ao
dano moral, pela própria evolução do conceito, é flexibilizada a necessidade de demonstração de dano; não por
acaso é cada vez mais frequente a invocação jurisprudencial do dano in re ipsa.

III. Caracterização e quantificação.


A quantificação é um dos grandes problemas do dano moral, ao contrário do material. O problema é a
natureza compensatória que obriga o juiz a buscar, de um lado, a reparação do sofrimento da vítima e, de outro, a
não geração de enriquecimento sem causa. Há duas teorias: a) Tarifação: deve o legislador apresentar os valores
de forma prévia, o que não se aplica no Brasil; b) Teoria do livre arbitramento: deixa-se ao magistrado a função
de alcançar, de acordo com o caso concreto, o valor que melhor se adeque ao sofrimento da vítima.
O STJ tentou uniformizar a jurisprudência quanto aos valores criou o que se denominou de método
bifásico [especialmente o Min. Herman Benjamin], em que, numa primeira fase, realiza-se a fixação de um valor
base com fundamento na jurisprudência já sedimentada sobre o fato e, na segunda fase, analisa-se as
circunstâncias do caso concreto, o que poderá aumentar ou reduzir o valor.
A adoção da compensação por danos morais de caráter pedagógico - punitive damage - tem sido objeto
de crescente atenção: serve para fins de punição como forma de – além de compensar – prevenir. Malgrado haja
críticas, a posição predominante parece inclinar-se pela possibilidade de sua aplicação, tal como se vê na posição
do Min. Raul Araújo Filho.

108
9.DIREITO DE EMPRESA
9.1 Sociedades dependentes de autorização oficial. Sociedades simples e sociedade cooperativa. Sociedades
nacionais e estrangeiras. (15.c)
9.2 Transformação, incorporação, fusão e cisão das sociedades. Sociedade limitada e da sociedade anônima.
(10.c)
9.3 O condomı ́nio no Código Civil e na legislação especial. O estabelecimento empresarial. A sociedade em conta
de participação. Responsabilidade dos administradores das sociedades simples e empresárias. (3.c)

15C. Das sociedades dependentes de autorização oficial. Das sociedades simples e da sociedade cooperativa.
Sociedades nacionais e estrangeiras.

Samara Dalloul

Das sociedades dependentes de autorização oficial.

A Constituição Federal de 1988 consagrou em nosso ordenamento jurídico, definitivamente, o regime capitalista
de mercado, estabelecendo expressamente os primados da livre-iniciativa (art. 170, parágrafo único) e da livre
concorrência (art. 170, inciso IV). Entretanto, existem atividades, cujo exercício possui indiscutível interesse
público, que dependem de autorização governamental e se submetem a forte controle e fiscalização por parte
do poder público.
São os casos, por exemplo, das atividades financeiras, de seguro, relacionadas à saúde e à educação etc. Fazendo
uso da faculdade que lhe conferiu o legislador constituinte originário, o legislador do Código Civil de 2002
disciplinou, nos arts.1.123 a 1.141, o tratamento jurídico conferido às sociedades dependentes de autorização,
deixando claro que essa matéria é de competência do Poder Executivo Federal (art. 1.123, parágrafo único).
A sociedade que depende de autorização para funcionar tem o prazo de 12 (doze) meses para entrar em
funcionamento, contados da publicação da lei ou do ato administrativo autorizador, salvo se nesses foi
estipulado prazo distinto (art. 1.124). E mais: concedida a autorização, nada impede que seja cassada pelo poder
concedente. Isso ocorrerá se a sociedade “infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos
fins declarados no seu estatuto” (art. 1.125).

Das sociedades simples e da sociedade cooperativa.


Sociedade simples: trata-se de pessoas jurídica que visa fim lucrativo, sendo alcançada pelo exercício de certas
profissões ou pela prestação de serviços técnicos. Trata-se de uma sociedade de pessoas. Enunciado CJF 57: A
opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples da sociedade. Enunciado CJF 196: A sociedade de
natureza simples não tem seu objeto restrito às atividade intelectuais. Enunciado CJF 213: O art. 997, inc. II, não
exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou razão social. Enunciado CJF 477: O art. 983 permite
que a sociedade simples opte por um dos tipos empresariais dos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil. Adotada a
forma a sociedade anônima ou de comandita por ações, porém, ela será considerada empresária. Enunciado CJF
479: Na sociedade simples pura (art. 983, parte final, do CC), a responsabilidade dos sócios depende de previsão
contratual. Em caso de omissão, será ilimitada e subsidiária, conforme o disposto nos arts. 1.023 e 1.024 do CC.
Prevalece que o contrato social tem natureza contratual sui generis (Tulio Ascarelli), caracterizado por i) poderem
tomar parte dele várias pessoas e ii) affectio societatis. O contrato social deve ser escrito e levado a registro em
cartório (na simples pura é o Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas) em até 30 dias. A mudança do
contrato social em relação às matérias do art. 977 do CC (distrib. de lucros, capital social etc) depende de
aprovação unânime, para outros temas exige-se maioria absoluta, salvo disposição diversa. Os sócios podem ser
pessoas físicas ou jurídicas, sendo que a administração deve ser feita por pessoa física (art. 977, VI, CC),
observados os impedimentos do 1.011, §1º. A atividade do administrador é personalíssima, permitida a
delegação de certas atividades a mandatário.
A responsabilidade dos sócios, salvo previsão contratual diversa, é ilimitada e subsidiária.O administrador, no
silêncio do contrato, tem poderes para praticar todos os atos de gestão da sociedade. A sociedade só não
responderá por seus atos se agir com excesso de poderes e i) a limitação de poderes estiver inscrita em registro
próprio da sociedade, ii) a limitação de poderes era conhecida do terceiro ou iii) administrador assume
operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (teoria dos atos ultra vires). Interpretando o
dispositivo em comento, foi editado o Enunciado 219 da Jornada de Direito Civil do CJF, entendendo-se que o art.
109
1.015, parágrafo único, inciso III, do CC realmente adotou a teoria ultra vires, mas com as seguintes ressalvas: “a)
o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; b) sem embargo, a
sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria
ultra vires, admitindo s poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao
objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; d) não se
aplica o art. 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos
administradores (art. 158, II, Lei n. 6.404/1976)”.

Sociedade cooperativa: É uma associação sob a forma de sociedade simples, com número aberto de membros,
que tem por escopo estimular a poupança, a aquisição de bens e a economia de seus sócios, mediante atividade
econômica comum. Trata-se de modalidade especial de sociedade simples. O instituto está tratado nos arts.
1.093/1.096.Enunciado CJF 69: As sociedade cooperativas são sociedades simples sujeitas à inscrição nas juntas
comerciais. Enunciado CJF 207: A natureza de sociedade simples da cooperativa, por força legal, não a impede de
ser sócia de qualquer tipo societário, tampouco de praticas atos de empresa.

Sociedades nacionais e estrangeiras.


Diferentemente do que se pode pensar, o critério para a definição da nacionalidade de uma sociedade adotado
pelo direito brasileiro não é o da nacionalidade dos sócios nem o da origem do seu capital social. De acordo com
o art. 1.126 do Código Civil, “é nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha
no País a sede de sua administração”. Se essa sociedade resolver mudar a sua nacionalidade, será necessário o
consentimento unânime dos seus sócios (art. 1.127 do Código Civil).
Se a sociedade não preenche os requisitos mencionados no art. 1.126 do Código Civil – sede no Brasil e
organização de conformidade com as leis brasileiras – será considerada uma sociedade estrangeira, necessitando,
pois, de autorização governamental para entrar em funcionamento no nosso País. Poderá ser, todavia, acionista
de sociedade anônima brasileira, sem que para tanto precise de autorização (art. 1.134).
Depois de autorizada, deve a sociedade proceder ao respectivo registro na Junta Comercial do Estado em que vá
desenvolver suas atividades, antes do que não poderá iniciá-las (art. 1.136). Cumpridas as formalidades do
registro e iniciadas as suas atividades, ela se submete às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos e
operações praticados no território nacional (art. 1.137).
Para tanto, deverá funcionar com o nome que tiver em seu país de origem – “podendo acrescentar as palavras
‘do Brasil’ ou ‘para o Brasil’” (art. 1.137, parágrafo único) –, está “obrigada a ter, permanentemente,
representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade”
(art. 1.138), representante este que deverá, para poder atuar em nome da sociedade estrangeira perante
terceiros, averbar o instrumento de sua nomeação junto aos atos constitutivos da sociedade na Junta Comercial
(art. 1.138, parágrafo único). Por fim, registre-se que a sociedade estrangeira autorizada a funcionar no Brasil
pode obter autorização do Poder Executivo Federal para nacionalizar- se, transferindo sua sede para o território
de nosso País (art. 1.141).

10C. Da transformação, da incorporação, da fusão e da cisão das sociedades. Da sociedade limitada e da


sociedade anônima.

Aline Morais

Transformação, incorporação, fusão e cisão são espécies de Operações Societárias que geram mudanças
estruturais que podem levar à alteração do tipo societário e até a extinção da sociedade como nos casos de fusão,
cisão total e da incorporada nas incorporações. As três envolvem transmissão de bens e demandam registro das
novas propriedades (e não mera averbação).
Fundamentos Jurídicos: sem participação de SA: CC + Lei 6404/76 supletivamente; com participação de SA: Lei
6404/76.
Direitos dos credores anteriores: SEM SA: CC - anulação dos atos até 90 dias da publicação; separação dos
patrimônios das sociedades que passaram por operações societárias, em caso de falência, para separação das
massas (art 1122 CC). As sociedades resultantes das operações ficam responsáveis pelo adimplemento das
obrigações das originais; mesmas garantias e créditos no caso de transformação, inclusive com aplicação das
regras do regime societário vigente na constituição do crédito; COM SA: Lei nº 6.404/76 – anulação do ato em
110
caso de fusão e incorporação; na cisão não, porque as sociedades que absorverem o patrimônio da cindida são
responsáveis solidariamente pelas obrigações anteriores, na proporção da absorção.
TRANSFORMAÇÃO – sociedade altera seu tipo, sem necessidade de dissolução ou liquidação. Ex: Comandita
Simples em Ltda. A personalidade jurídica se mantém, sendo necessárias alterações nos contratos e estatutos,
bem como adequação legal ao novo tipo societário: constituição, registro e inscrição. Quórum: unânime pode
haver exceção com quórum por maioria previsto em ato constitutivo ou por lei no caso da Ltda (3/4), casos nos
quais é garantido o direito de retirada do dissidente. Transmissão de direitos e obrigações: não há porque a
sociedade se mantém com nova roupagem. Credores: dois regimes – antigo para créditos antigos e novo para os
constituídos após a transformação.
INCORPORAÇÃO - uma ou mais sociedades (incorporadas), de tipos iguais ou diferentes, são absorvidas por outra
(incorporadora), que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, (Info 522 STJ),devendo todas os sócios
aprová-la, consoante as regras próprias dos seus respectivos tipos. Não surge nova sociedade. A incorporadora
absorve a incorporada que deixa de existir, independentemente de liquidação. Deve haver averbação no Registro
Público de Empresas Mercantis. A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora deverá aprovar tanto as
bases da operação, bem como o projeto de reforma do ato constitutivo.
FUSÃO – duas ou mais sociedades, de tipos diferentes ou não, unem-se para formar uma nova, extinguindo as
antigas. Há sucessão nos direitos e obrigações. Deve adequar-se aos requisitos legais e procedimentais do tipo
societário. O quórum para deliberação varia conforme o tipo societário: ltda (3/4), comandita simples e em nome
coletivo (unanimidade). Deliberação: aprovação da fusão, avaliação do laudo de avaliação do patrimônio da
sociedade da qual não participa, ato constitutivo da nova sociedade.
CISÃO – transferência de parte do patrimônio a outras sociedades (cisão parcial), mantendo sua personalidade
jurídica ou transferência de todo seu patrimônio a outras sociedades (cisão total), com extinção da sociedade
cindida. Há sucessão em direitos e obrigações da cindida, nos atos relativos à cisão. Quanto aos não
relacionados: cisão parcial - responde a sociedade primitiva, cisão total - respondem as novas sociedades, na
proporção do patrimônio recebido. Responsabilidade Solidária – entre cindida e sociedade que absorve o
patrimônio – segundo STJ “Em se tratando de cisão parcial, e tendo sido afastada a solidariedade entre a
sociedade cindida e as sociedades que vierem a absorver parcela do patrimônio cindido, os credores anteriores a
cisão podem se opor à estipulação de ausência de solidariedade com relação a seus créditos”
SOCIEDADE LIMITADA: Características principais: contratualidade (ato constitutivo é o contrato social) e
responsabilidade limitada às quotas integralizadas pelo sócio (ilimitada e solidária em relação ao não
integralizado); pluralidade de sócios (exceção unipessoalidade temporária – 180 dias para entrada de novo sócio
ou transformação em Eireli)
TIPOS: simples (atividade intelectual) ou empresária (atividade empresária); de pessoas (affectio societatis) ou de
capital
SÓCIOS: pessoas físicas ou jurídicas (holdings). Cônjuges podem ser sócios em Ltda desde que não casados em
regime de comunhão universal ou separação obrigatória. O menor de idade pode ser sócio de uma LTDA, desde
que (STF, RE 82.433): devidamente representado/assistido, capital totalmente integralizado, objeto lícito e não
pode administrar
NOME EMPRESARIAL: firma social ou denominação com a expressão Ltda.
Fundamentos jurídicos: CC – 1052 e SS, com aplicação supletiva das regras das sociedades simples (CC), ou da Lei
SA se assim dispuser o contrato. Pode mesclar as duas, no ato constitutivo. É livre a deliberação.
CAPITAL SOCIAL – dividido em quotas iguais ou desiguais, deve ser definido em moeda nacional e previsto no
contrato social. É o limite da responsabilidade da sociedade Ltda. É intangível, não pode ser penhorado por ser
apenas informação. Sócios subscrevem (comprometem-se) e integralizam (transferem o patrimônio) quotas com
bens e valores (não com serviços). Bens devem ser avaliados de forma simples, ficando todos os sócios
responsáveis pelo valor declarado por 5 anos.
As quotas podem ser cedidas livremente entre os sócios, mas para terceiros exige concordância de ¾ do capital
social. Cada sócio responde pessoalmente pela integralização de suas quotas e solidariamente pelo capital não
integralizado
Sócio remisso é o que não integralizou suas quotas. Pode purgar a mora e e indenizar a sociedade ou sujeitar-se à
cobrança judicial. Ele pode ser excluído da sociedade, pela deliberação da maioria absoluta. (En 216 Jornadas de
Direito Civil)
Para aumentar o capital social deve-se alterar o contrato e averbar no órgão de registro. Para reduzir exige

111
também a concordância dos credores quirografários, especialmente no caso de sócio remisso.
Sem ITBI sobre imóvel utilizado para integralização de capital (imunidade especial)
ADMINISTRAÇÃO – apenas por pessoas naturais, sócio ou não-sócio; nomeado em contrato social (se sócio não
pode ter poderes revogados, sem justa causa) ou em instrumento separado (sócio ou não têm poderes
revogáveis pela vontade dos demais). Escolha em assembleia – sócio por maioria absoluta; não sócio – previsão
contratual, aprovação unânime se todo capital integralizado ou 2/3 do já integralizado.
Se não houver administrador designado cada um exerce separadamente o poder de administrar que não se
estende automaticamente aos novos sócios.
Os administradores agem em nome da sociedade e só respondem pessoalmente se praticarem atos em
desacordo com limitação de poderes registrada ou de conhecimento do terceiro envolvido ou estranhos ao objeto
social e fora dos limites contratuais (atos ultra vires). Em contrapartida, há aplicação da teoria da aparência por
ser inexigível, dentro da complexidade das relações empresariais exigir documentos para comprovação de
poderes que o administrador legalmente escolhidos diz ter.
DIREITOS DOS SÓCIOS: distribuição dos resultados (lucros); retirada (deixar a sociedade por discordar de
alteração contratual, fusão ou incorporação).
A retirada é forma de extinção parcial da sociedade (Art. 1077) o sócio recebe a parte que lhe cabe no
patrimônio social, continuando a sociedade em relação aos demais sócios. O cálculo do valor devido ao sócio que
deixa a sociedade é feito por meio de um procedimento denominado de apuração de haveres O CPC/2015 traz
uma regulação própria, a partir do art 599. Reza que deve seguir a determinação do contrato social (se houver
discordância dos valores deve ser feito o depósito do valor incontroverso) ou, em caso de omissão, pelo balanço
de determinação. Segundo o STJ, em posicionamento ainda válido com o CPC 2015 que consolidou a previsão no
CC, o critério de apuração previsto no contrato social somente prevalecerá se houver consenso entre as partes
quanto ao resultado alcançado. Caso não haja concordância entre as partes, deve-se aplicar o “balanço de
determinação”, que é o critério que melhor reflete o valor patrimonial da empresa. O fluxo de caixa
descontado, por representar a metodologia que melhor revela a situação econômica e a capacidade de geração
de riqueza de uma empresa, pode ser aplicado juntamente com o balanço de determinação na apuração de
haveres do sócio dissidente (STJ, Info 558, 2015). O entendimento não desrespeita o contrato porque respeita a
vontade e o acordo quando não é preciso procurar a via judicial. A morosidade estatal não pode gerar
enriquecimento sem causa à sociedade que resiste em pagar o sócio retirante.
EXCLUSÃO DO SÓCIO MINORITÁRIO: falta grave, com direito a defesa. Judicial ou extrajudicial (desde que prevista
no contrato social). Exige maioria absoluta
CONSELHO FISCAL: novidade do CC/2002. É facultativo.

SOCIEDADE ANÔNIMA OU COMPANHIA OU SOCIEDADES INSTITUCIONAIS – CARACTERÍSTICAS - Sociedades


estatutárias (ato constitutivo é estatuto social), cujo capital social é dividido em frações denominadas ações. É
sempre sociedade empresária e de capital. Seus sócios são chamados de acionistas. Marcada pela
impessoalidade (os sócios não precisam se conhecer). Pluralidade de sócios. Exceções: subsidiária integral e
empresa pública. Há sociedades anônimas de pessoas como empresas familiares e acordos de acionistas que
regulam ou vedam a entrada de sócios. A responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das
ações subscritas. Não responde o acionista pelo não integralizado pelos outros acionistas (diferente da Ltda).
Fundamentos Jurídicos: Lei 6.404/76 com aplicação do CC, nos casos omissos.
CLASSIFICAÇÃO: companhia aberta valores mobiliários negociáveis no mercado de valores mobiliários que podem
ser constituídos por subscrição pública. Depende de autorização da CVM (constituída pelo sistema de
autorização). companhia fechada - valores mobiliários não são admitidos à negociação no mercado de valores
mobiliários e podem ser constituídas por subscrição particular (sistema de regulamentação). Tipo escolhido
devido ao grande capital.
. Mercado de capitais (mercado de valores mobiliários) “Local” onde ocorrem diversas transações com valores
mobiliários emitidos pelas CIAS abertas, sendo a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a responsável pelo
controle e fiscalização. Bolsa de valores – negocia títulos, ações e debêntures. É mercado secundário. Mercado de
balcão – mercado primário, primeira oportunidade para adquirir bens e títulos. Comissão de Valores Mobiliários
- A CVM é autarquia federal ligada ao Ministério da Fazenda que atua junto ao Bacen, no controle e fiscalização
das operações realizadas no mercado de capitais.
CAPITAL SOCIAL – É o montante das contribuições dos sócios para a sociedade. Pode incluir dinheiro e bens

112
estimáveis monetariamente cujo valor é determinado por 3 peritos. A sociedade pode executar o remisso
judicialmente, vender suas ações no mercado, transformar em reserva por um ano ou reduzir o capital social.
VALORES MOBILIÁRIOS – instrumentos para captação de recursos no mercado de capitais (autofinanciamento):
capitalização (emissão de novas ações) e da securitização (emissão de outros valores mobiliários)
1 Ações - bens móveis que representam parcela do capital social. Ordinárias: conferem participação nos lucros,
partilha na liquidação, fiscalização, preferência e retirada; Preferenciais: conferem uma vantagem, podem
restringir o voto. O STJ entendeu ser legítima a previsão estatutária que determina a não participação do
preferencialista nos lucros remanescentes, depois de recebido por ele o dividendo mínimo (Resp 642.611).
Máximo de 50% do total das emitidas; de gozo e fruição. São emitidas em substituição a ações ordinárias ou
preferenciais que foram totalmente amortizadas, conferindo aos seus titulares meros direitos de gozo ou fruição.
2 Debêntures - direito de crédito a favor do titular contra a sociedade. Espécie de mútuo, empréstimo. Título
executivo extrajudicial que prescreve em 5 anos (STJ, Info 526). Pode ter garantia real, flutuante, quirografária ou
subordinada.
3 Partes beneficiárias – títulos negociáveis, sem valor nominal para captar recursos ou pagar serviço, que
garantem crédito eventual (participação anual nos lucros durante determinado tempo). Limitadas a 10% do lucro
da empresa. Emitidas apenas por sociedades fechadas.
4 Bônus de subscrição – direito de preferência na subscrição de novas ações.
5 Comercial paper ou nota promissória da SA – espécie de mútuo com curto prazo para reembolso (SA aberta –
30 a 360 dias e SA fechada – 30 a 180 dias).
ÓRGÃOS SOCIETÁRIOS – Assembleia Geral, Diretoria, Conselho de Administração (existência facultativa) e
Conselho Fiscal (obrigatória existência e facultativo funcionamento)
DISSOLUÇÃO DA SA – pleno direito (fim do prazo, previsão em estatuto, deliberação da assembléia geral; único
acionista – verificado em AGO – se não reconstituído no ano seguinte; decisão judicial (anulação da constituição;
acionista de 5% provar que não alcança objetivo; falência); decisão de autoridade administrativa competente
(falta de autorização para negociação de ações nos mercados de capitais).

SÚMULAS
Súmula 265, STF: Na apuração de haveres não prevalece o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou
que se retirou.
Súmula 389, STJ: A comprovação do pagamento do “custo do serviço” referente ao fornecimento de certidão de
assentamentos constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição de
documentos ajuizada em face da sociedade anônima.

JURISPRUDÊNCIA
611/STJ - Sociedade anônima de capital fechado. Incorporação, pela controladora, de companhia controlada.
Direito de retirada. Exercício. Sócio minoritário dissidente. Reembolso. Valor das ações. Critérios de cálculo.
Valor justo de mercado. Infringência aos ditames. A definição do valor justo de mercado como critério a ser
utilizado para o cálculo do valor de reembolso das ações do acionista dissidente retirante, por ocasião da
incorporação da companhia controlada, não infringe o disposto no art. 45, § 1º, da Lei nº 6.404/1976 (Lei das
Sociedades por Ações). A utilização do valor justo de mercado como parâmetro para indenizar as ações de
acionista retirante em caso de incorporação de companhias não fere a Lei das Sociedades Anônimas, e é possível
nos casos em que o valor do patrimônio líquido contábil da empresa incorporada não reflita fielmente o valor
daquelas ações. STJ. 3ª Turma. REsp 1572648-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas BôasCueva, julgado em 12/9/2017

612/STJ - Sociedade Anônima. Incorporação de ações. Transformação de controlada em subsidiária integral.


Oferta pública. Ausência de previsão legal. Equiparação a fechamento de capital. Aplicação do art. 4º, § 4º, da
Lei das S/A por analogia. Descabimento. Não configura o fechamento em branco ou indireto de capital a
hipótese de incorporação de ações de sociedade controlada para fins de transformação em subsidiária integral
(art. 252 da Lei das S/A), realizada entre sociedades de capital aberto, desde que se mantenha a liquidez e a
possibilidade de os acionistas alienarem as suas ações. REsp 1.642.327-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
por unanimidade, julgado em 19/09/2017, DJe 26/09/2017. 3ª Turma.

STJ “Em se tratando de cisão parcial, e tendo sido afastada a solidariedade entre a sociedade cindida e as

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sociedades que vierem a absorver parcela do patrimônio cindido, os credores anteriores a cisão podem se opor à
estipulação de ausência de solidariedade com relação a seus créditos” (AgRg no REsp 885.185/MT, Rel. Ministro
VASCO DELLA GIUSTINA (DES CONVOCADO TJ/RS), 3ª TURMA, julg em 19/05/2009, DJe 10/06/2009)

595/STJ - Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o
direito de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para
apuração de haveres é o termo final do prazo de 60 dias, estabelecido pelo art. 1.029 do CC/02. STJ. 3ª Turma.
REsp 1.602.240-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 6/12/16 (Info 595)

575/ STJ - É de 3 anos o prazo decadencial para que o sócio minoritário de sociedade limitada de administração
coletiva exerça o direito à anulação da deliberação societária que o tenha excluído da sociedade, ainda que o
contrato social preveja a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima. Esse prazo está previsto no art.
48 do Código Civil. Para a fixação do quórum deliberativo assemblear necessário à aprovação da exclusão de
sócio minoritário de sociedade limitada, não se pode computar a participação deste no capital social, devendo a
apuração da deliberação se lastrear em 100% do capital restante, ou seja, tão somente no capital social daqueles
legitimados a votar. STJ. 4ª Turma. REsp 1.459.190-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/12/2015 (Info
575).

619/STJ - Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias
suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-se a
proporção do patrimônio recebido. STJ. 3ª Turma. REsp 1642118-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd.
Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 12/9/17(Info 619).

616/STJ - o quórum deliberativo para exclusão judicial do sócio majoritário por falta grave no cumprimento de
suas obrigações deve levar em conta a maioria do capital social de sociedade limitada, excluindo-se do cálculo o
sócio que se pretende jubilar. STJ.3ªTurma. REsp 1653421-MG, Rel.Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10/10/17

611/STJ - O herdeiro necessário não possui legitimidade ativa para propositura de ação de dissolução parcial de
sociedade em que se busca o pagamento de quotas sociais integrantes do acervo hereditário quando não for em
defesa de interesse do espólio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.672-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22/8/17

627/STJ - A pretensão do titular de ações de exigir contas da sociedade anônima referente ao pagamento de
dividendos, juros sobre capital próprio e demais rendimentos inerentes às respectivas ações prescreve em três
anos. fundamento: art. 287, II, “a”, da Lei nº 6.404/76. STJ. 3ª Turma. REsp 1608048-SP, Rel.Marco A. Bellizze, j.
22/5/18.

595/STJ - É possível que sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares,
seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim – consubstanciado no auferimento de
lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas –, restar configurada a viabilidade da continuação dos
negócios da companhia. STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.263-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 6/12/16

563/STJ - Acionistas e companhia podem litigar em litisconsórcio facultativo ativo em ação de responsabilidade
civil contra o administrador pelos prejuízos causados ao patrimônio da sociedade anônima (art. 159 da Lei
6.404/1976), quando não proposta a ação pela companhia no prazo de três meses após a deliberação da
assembleia-geral (§ 3º). STJ. 3ª Turma. REsp 1.515.710-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/5/2015
(Info 563).

574/STJ - Para efetuar o registro e o arquivamento de alteração contratual, a fim de promover a transformação
de sociedade civil em empresária, não é exigível a apresentação de certidões negativas de débitos com o FGTS e
com a União, exigindo-se, contudo, certidão negativa de débito com o INSS. STJ. 2ª Seção. REsp 1.393.724-PR,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/10/2015

QUESTÕES

114
(MPF\27) A Lei 12.529/11 instituiu o controle prévio dos atos de concentração, exigindo que todas as empresas
aguardem a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) antes de implementarem os seus
processos de fusão, sob pena de nulidade. INCORRETO
TRF4-2013): Segundo a jurisprudência prevalente, é possível a dissolução parcial de sociedade anônima com a
retirada dos sócios dissidentes, após a apuração de seus haveres.
(MPRO-2010-CESPE): É possível a dissolução parcial da sociedade anônima familiar fechada quando houver
quebra da affectio societatis, ainda que tal requisito não esteja necessariamente conjugado com a perda de
lucratividade e a ausência de distribuição de dividendos.

3C. O condomínio no Código Civil e na legislação especial. O estabelecimento empresarial. A sociedade em conta
de participação. Responsabilidade dos administradores das sociedades simples e empresárias.

Felipe Pazzola

Condomínio
1) Condomínio: mais de um proprietário sobre uma mesma coisa, atribuindo-se a cada condômino uma
parte ideal. Os direitos dos condôminos perante terceiros é total (alienar, usar, gozar, dispor, perseguir),
independentemente de sua cota. Em relação aos demais condôminos, o seu direito é autolimitado pelo do outro
(Washington de Barros). 2) Natureza jurídica: para a maioria da jurisprudência é ente despersonalizado com
capacidade processual. Para Gustavo Tepedino e para Frederico Henrique Lima é pessoa jurídica, pois isto decorre
das necessidades econômicas atuais, pelo fato de os condomínios se apresentarem com características de
associações (grandes piscinas, vasta área recreativa) e por ser necessário lhes reconhecer oportunidade de
adquirir imóveis através da adjudicação de imóveis de inadimplentes. En 90 do CJF: deve ser reconhecida
personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações inerentes às atividades de seus interesses. 3)
Classificação: a) voluntário (acordo de vontade), eventual (imposto sem manifestação de vontade das partes. Ex:
legado) ou necessário (determinado por lei ou pela indivisibilidade do bem. Ex: muro q separa 2 casas); b)
universal (compreende todo o bem) ou particular (compreende determinada coisa ou seus efeitos); c) pro diviso
(suscetível de divisão física. Ex: apartamento em relação ao prédio) ou pro indiviso (insuscetível de divisão
corpórea. Há uma fração ideal. Ex: hall de entrada). Obs: STJ entende que o cônjuge pode cobrar aluguel do outro
que ficou com a posse exclusiva do imóvel antes da partilha. O STJ entende que não pode haver ação possessória
entre condôminos, pois todos exercem sua posse de forma indistinta sobre o bem. Para o STJ, não há que se falar
em relação de consumo no condomínio. 4) Divisão: o condômino a qualquer tempo pode requerer a divisão da
coisa, se não amigável, por ação de divisão. Se a coisa for indivisível, cabe alienação judicial com rateio dos
valores. Podem os condôminos estipular indivisibilidade por até 5 anos. O juiz pode permitir a divisão antes desse
prazo por razões graves. Na venda, há o direito de preempção: havendo empate do preço do condômino em
relação a estranho, vence o condômino. Entre condôminos, vence o que fez mais benfeitorias ou o de maior cota,
sucessivamente. 5) Condomínio edilício: existência de partes comuns (não podem ser vendidas. Ex: hall de
entrada) ao lado de partes exclusivas (podem ser vendidas e não há direito de preempção. Ex: apto). No
condomínio geral, qualquer parte do bem pode ser vendida (sempre com direito de preempção), salvo cláusula
de indivisibilidade por até 5 anos (o que impede a divisão do bem neste período). Se o bem for indivisível, inexistir
cláusula de indivisibilidade e os demais condôminos se opuserem à venda de parcela dele, cabe ao alienante
entrar com ação de divisão para a respectiva alienação judicial do bem com distribuição das cotas de cada um. 6)
Convenção de condomínio: escritura pública ou instrumento particular. S. 260 do STJ: A convenção de condomínio
aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos. Para ela gerar efeitos
perante terceiros, deve ser registrada. Os promitentes compradores e cessionários também devem observá-la,
sendo equiparados aos proprietários. 7) Direitos dos condôminos: usar, fruir e dispor das partes exclusivas; usar
as comuns; votar se estiver quite (o STJ entende que viola a dignidade humana impedir o uso de área comum pelo
inadimplente); 8)deveres: contribuir, não realizar obras que comprometam a segurança e sossego, não alterar a
fachada. Pode haver cobrança de multa de 5x contribuição por ato grave de condômino (antissocial). En 91 do
CJF: pode a convenção ou assembleia vedar locação de vaga de garagem a estranho. As despesas condominiais
115
são propter rem. 9) síndico: convocar assembleia, diligenciar a conservação dos bens, cobrar taxa, elaborar
orçamento, prestar contas e fazer seguro do edifício. 10) assembleia: ordinária (aprovar orçamento e taxa;
analisar prestação de contas; eleger síndico) e extraordinária (tema relevante e urgente). Convocação: síndico ou
¼ dos condôminos. 11) extinção do condomínio: pode-se dar por destruição, reconstrução ou desapropriação.
Legislação Especial do Condomínio
Majoritário: parte da Lei nº 4.591/64 que tratava do condomínio foi derrogada, isto é, seus 27 artigos
iniciais foram substituídos pelos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil. Assim a Lei nº 4.591/64 continua em
vigor apenas na parte referente à incorporação imobiliária, instituto que não foi abrangido pela nova lei.
Incorporação Imobiliária: atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação
total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Incorporador é a
pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que mesmo não efetuando a construção, compromete-se ou efetiva
a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas em
edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou meramente aceite propostas para
efetivação de tais transações. É presumida a vinculação entre a alienação e a construção se, ao ser contratada a
venda ou a promessa de venda, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de autorização da
autoridade administrativa, o projeto de construção, respondendo o alienante como construtor. Nenhum
incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome
permanecer indicado ostensivamente no local da construção. Patrimônio de Afetação: a critério do incorporador,
a incorporação poderá ser submetida ao regime de afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto da
incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ele vinculados, serão apartados do patrimônio do
incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à
entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. O patrimônio de afetação não se comunica com os
demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por
ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. Não integram o
patrimônio de afetação: a) os recursos financeiros que excederem a importância necessária à conclusão da obra e
os recursos necessários à quitação de financiamento para a construção, se houver; b) o preço de alienação da
fração ideal de terreno de cada unidade vendida, no caso de incorporação em que a construção seja contratada
sob o regime de empreitada ou por administração. A contratação de financiamento e constituição de garantias
não implicam a transferência para o credor de nenhuma obrigações ou responsabilidades do cedente, do
incorporador ou do construtor, permanecendo estes como únicos responsáveis pelas obrigações e pelos deveres
que lhe são imputáveis. O patrimônio de afetação deve ser averbado no Registro de Imóveis e esta averbação não
será impedida pela existência de ônus reais sobre o imóvel objeto da incorporação. É do incorporador o dever de
manter e movimentar os recursos financeiros do patrimônio de afetação em contra de depósito aberta
especificamente para isso e manter a escrituração contábil completa, ainda que desobrigado pela legislação
tributária. Formas de extinção do patrimônio de afetação: a) averbação da construção, registro dos títulos de
domínio, ou quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do
empreendimento; b) revogação em razão de denúncia da incorporação, depois da restituição das quantias pagas
pelos adquirentes; c) liquidação deliberada pela assembleia geral. OBS: A decretação de falência ou insolvência
civil do incorporador não atinge o patrimônio de afetação.

O estabelecimento empresarial (fundo de empresa, fundo de comércio, azienda são sinônimos).


É o conjunto de bens materiais e imateriais (marca, nome empresaria, etc.) essenciais voltados para o
exercício da empresa. Forma a tríade empresarial junto com o empresário e a empresa. São conceitos
relacionados. É preciso dominar os três, pois o empresário é aquele que exerce empresa (atividade complexa),
por meio de um conjunto de bens vinculados a essa finalidade (estabelecimento). Empresa é atividade exercida
pelo empresário com base no estabelecimento. Estabelecimento é o conjunto de bens utilizado pelo empresário
para a empresa. Estabelecimento empresarial. Sob o viés econômico, seria a reunião de fatores de produção
(Frascesco Ferrara). Não se confunde com o ponto empresarial (local onde a atividade empresarial é exercida)
tampouco com o patrimônio (todos os bens da pessoa que exerce atividade de empresa), sendo tão somente
aqueles bens que estejam voltados para o exercício da atividade empresaria. Não é direito real: está sujeito ao
regime dos direitos pessoais. Atualmente, há a figura do estabelecimento virtual originário (toda a atividade é
virtual, ex. Netflix) ou derivado (a atividade desenvolve-se no mundo real e virtual, ex. compra de tv no em sites).
Natureza jurídica: Universalidade de Fato X Universalidade de Direito. Para a doutrina majoritária (Pontes de

116
Miranda), seria universalidade de fato, pois depende da manifestação de vontade do empresário. Pela doutrina
minoritária (Carvalho de Mendonça), seria universalidade de direito por força do art. 91 do CC.
Trespasse (transferência + onerosa + voluntária + estabelecimento)
A transferência onerosa e voluntária do estabelecimento é denominada trespasse. É um contrato de
natureza empresarial, que pode ser realizado por escritura particular, a qual será registrada na Junta Comercial
(para fins de fiscalização) e publicada no Diário Oficial. Apenas pode ser realizado se houver patrimônio suficiente
para garantia dos credores. Caso não existam bens suficientes para os credores, o consentimento (em 30 dias de
modo expresso ou tácito) é condição (eficácia) para o trespasse. Do contrário (sem consentimento ou bens), o
trespasse será irregular revelando ato de falência. Não se trata de uma cessão de cotas e não abrange nenhuma
operação societária, apenas se transfere o conjunto de bens (universalidade de fato) que são afetados a atividade
empresarial. Ou seja, não é toda transferência patrimonial que será trespasse: é necessário que seja onerosa, que
envolva os bens afetados à atividade e que seja voluntária. Toda vez em que for visualizada a venda do núcleo da
atividade empresarial restará configurado o trespasse. Nesse sentido, a transferência voluntária e onerosa do
ponto empresarial (diferente do estabelecimento) não é trespasse. Além disso, o trespasse não representa a
extinção da pessoa jurídica. Por ser direito personalíssimo, o nome empresarial não pode ser objeto de trespasse.
Cláusula de não concorrência (implícita): “Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não
pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência”. As partes podem decidir
que a concorrência será válida ou até mesmo estipular prazo maior ou menor, mas deve haver limitação no tempo
e no espaço para ter validade. No que se refere à responsabilidade dos débitos relativos ao trespasse, em regra, o
adquirente do estabelecimento responde pelos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente
contabilizados (due diligence), ficando o alienante solidariamente obrigado por 1 ano a partir da publicação do
trespasse pelos créditos vencidos e pelo mesmo prazo, a partir do vencimento, quanto débitos decorrentes de
dívidas vincendas.

Dívidas Vencidas Dívidas Vincendas quando da alienação/Cessão


O alienante é liberado após 1 ano da publicação do O alienante será liberado se não for cobrado em até 1
trespasse no competente registro. ano após o vencimento do débito.

Lembrando que os débitos de natureza trabalhista e tributária possuem regramento próprio, conferindo maiores
garantias aos credores. Tributário (133 CTN): se o alienante cessar a atividade empresarial, a responsabilidade do
adquirente será integral; se o alienante em até 6 meses prosseguir com atividade empresarial no mesmo ramo ou
não, a responsabilidade é subsidiária. Trabalhista: solidariedade. Por fim, no caso da alienação na falência, como
forma de garantir maiores valores para a massa, o adquirente adquire os bens livres de ônus.
Trespasse não se confunde com aviamento. Aviamento (good will of trade) representa a capacidade de
determinado estabelecimento possui para gerar riquezas (lucro). Trata-se de um atributo do estabelecimento que
influi na sua valoração. Da mesma forma, a clientela um valor agregado (atributo), não um bem específico.

A sociedade em conta de participação.


A rigor, a “sociedade” em conta de participação não é bem uma sociedade. Possui natureza jurídica de contrato
(doutrina majoritária), razão pela qual não será registrada perante a junta comercial. Seria uma sociedade
despersonificada (ao lado da sociedade em comum). Ainda que registrada, não adquirá personalidade jurídica,
embora tal providência prove sua existência. Já que é despersonalizada, não há que se falar em desconsideração
da personalidade jurídica. Também não cabe falência ou recuperação, uma vez que é um contrato entre os sócios.
As dívidas serão sempre. Ao contrário da sociedade em comum (também despersonificada), não é irregular, mas
pode ser usada para ocultar ilícito (fraude em licitações, por exemplo). Tem sua origem nas sociedades marítimas
onde sujeito que oferecia o navio era denominado sócio ostensivo, enquanto o armador se tratava do sócio
oculto. A ausência de formalidade mitiga o risco do sócio participante e da maior autonomia ao sócio ostensivo.
Conformação: sócio ostensivo (operador) + sócio oculto ou participante. Sócio ostensivo (operador): Responde
perante terceiros, pois contrata e adquire direitos e deveres + é sempre o administrador. Majoritariamente,
entende-se que o sócio ostensivo será sempre empresário. Sócio oculto ou participante: não responde perante
terceiros + não precisa ser empresário. Não há autonomia patrimonial (diferentemente das demais sociedades),
mas há um patrimônio especial (condomínio pertencendo a todos os sócios). Extingue-se por: 1) esgotamento do
prazo determinado (mas pode ser por prazo indeterminado); 2) falência do sócio ostensivo; 3) prestação de
contas (é um contrato).
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Responsabilidade dos administradores das sociedades simples e empresárias.

As sociedades podem ser classificadas em 3 espécies quanto à responsabilidade dos sócios: 1) ilimitadas
(em nome coletivo/ em comum/ simples pura); 2) limitada (anônimas /limitadas); 3) mistas (comandita simples /
comandita por ações/ conta de participação), parte dos sócios respondem de forma limitada e parte de forma
ilimitada. Ou seja, a responsabilidade dos sócios na sociedade simples será ilimitada, ao passo que, na
empresária. dependerá da roupagem utilizada. Isso porque sociedade simples caracteriza-se pela atividade não
complexa, havendo pessoalidade, estando sujeita à insolvência civil. Por sua vez, a sociedade empresária
demanda complexidade, cabendo falência e recuperação judicial. A sociedade simples é registrada no RCPJ
(registro público de pessoas jurídicas), enquanto a sociedade empresária é registrada no registro público de
empresas mercantis (Junta Comercial). A responsabilidade dos sócios não se confunde com a responsabilidade
dos administradores.
Teoria dos atos ultra vires (art. 1015 do CC): aplicável quando o administrador excede seus poderes,
atuando além do que está previsto como suas atribuições. A pessoa jurídica não está sendo usada para fraudar
credores, apenas houve um exagero por parte do administrador. O excesso por parte do administrador pode gerar
a desconsideração da personalidade jurídica. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a
terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou
averbada no registro próprio da sociedade; II - provando-se que era conhecida do terceiro; III - tratando-se de
operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Além disso, os administradores respondem
solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

10.DIREITOS REAIS
10.1 Posse e propriedade. Aquisição, efeitos, perda e limitações constitucionais. Propriedade rural e propriedade
urbana. Acesso à terra e direito de moradia. Conflitos entre posse e propriedade. Função social da posse e da
propriedade (2.c).
10.2 Direitos reais de garantia e suas modalidades. Registro e efeitos relativos a terceiros. (12.b)
10.3 Do direito de superfície, da enfiteuse, das servidões, do uso e da habitação (6.c)
10.4 Usucapião e suas modalidades. Parcelamento do solo urbano. Regularização fundiária. (6.b)
10.5 Direitos de vizinhança. (13.c)

2C. Posse e propriedade. Aquisição, efeitos, perda e limitações constitucionais. Propriedade rural e propriedade
urbana. Acesso à terra e direito de moradia. Conflitos entre posse e propriedade. Função social da posse e da
propriedade.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior 26/08/18

I. Conceito de propriedade e posse

A propriedade é um direito fundamental de 1ª geração (art. 5º, XXII, CF) e uma espécie de direito real (art.
1.225, I, CC), composto por um elemento interno (a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa) e outro externo (o
direito de reavê-la), nos termos do Código Civil (art. 1.228, CC).

A posse, por sua vez, comporta duas interpretações: pela teoria subjetiva de Savigny, é a conjunção de corpus
(entendido como detenção física da coisa) e animus domini (vontade de tê-la como sua); pela teoria objetiva de
Ihering, basta o corpus (porém, entendido como affectio tenendi, ou seja, não necessariamente o contato físico
com a coisa, mas a conduta exteriorizada de dono, a visibilidade do domínio). Para a teoria subjetiva, por
exemplo, o locatário de imóvel teria mera detenção, ao passo que, para a teoria objetiva, teria posse.

O ordenamento brasileiro abraçou a teoria objetiva, definindo que posse é o exercício de fato de algum dos
poderes inerentes à propriedade (art. 1.196, CC), porém apresenta aberturas à teoria subjetiva, como no caso da
usucapião, que exige posse com animus domini.

118
Pode-se dizer, então, que propriedade e posse surgem da relação pessoa-coisa, porém a primeira tem como
fundamento a vontade objetiva da lei, enquanto a segunda é um fato protegido legalmente, com o intuito de se
promover pacificação social (vedação ao desapossamento). Ou seja, a propriedade é um poder de direito sobre a
coisa, enquanto a posse é um poder de fato para conservar ou defender essa coisa.

A posse não se confunde com a detenção (posse degradada), que ocorre quando uma pessoa, em relação de
dependência com outra, conserva a posse em nome desta e em cumprimento de suas ordens (ex.: depositário,
caseiro, comodatário).

II. Classificação de propriedade e posse

A propriedade pode ser classificada em plena ou limitada. Na limitada há as figuras do nu proprietário


(que conserva apenas o direito de reaver a coisa) e do domínio útil (que engloba as faculdades de usar, gozar e
dispor).

A posse pode ser direta (pessoa tem a coisa em seu poder) ou indireta, como no caso de locatário (posse
direta) e locador (posse indireta). Neste caso, ambos podem defender a posse contra terceiros, e o possuidor
direto pode defendê-la até mesmo contra o indireto (art. 1.197, CC). Esse mesmo raciocínio na defesa da posse
aplica-se à composse (posse de coisa indivisa por duas ou mais pessoas, art. 1.199, CC).

A posse também pode ser classificada em justa ou injusta. É injusta se for violenta, clandestina ou precária (art.
1.200, CC). Para fins didáticos, comparam-se essas modalidades ao roubo, furto e apropriação indébita,
respectivamente. A justiça ou não da posse é intersubjetiva, ou seja, aquele que detém posse injusta não poderá
valer-se dela contra o possuidor originário, porém poderá contra terceiros. Nesse sentido, segundo o STJ, embora
a ocupação de área pública constitua mera detenção, é cabível o ajuizamento de ações possessórias pelo invasor
contra outros particulares.

A posse também pode ser de má ou boa-fé. É de boa-fé se o possuidor ignorar o vício que impede a aquisição da
coisa (art. 1.201, CC).

III. Propriedade rural e propriedade urbana

O fator preponderante para se classificar a propriedade como urbana é sua localização em zona urbana,
conforme o plano diretor (art. 32, caput, CTN), ainda que haja requisitos materiais mínimos (pelo menos dois dos
seguintes melhoramentos mantidos pelo Poder Público: calçamento, abastecimento de água, esgoto, iluminação
pública e escola primária/posto de saúde a 3 km do imóvel).

Já a propriedade rural tem como fator determinante a sua destinação, mediante exploração de natureza
extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial, qualquer que seja sua localização (art. 4º, I, Estatuto da Terra).

IV. Limitações constitucionais à propriedade e à posse

A Constituição qualifica a propriedade como direito fundamental (art. 5º, caput e XXII) e como princípio
da ordem econômica (art. 170, II), porém lhe impõe restrições, como a função social (art. 5º, XXIII; art. 170, III); o
domínio da União sobre os recursos minerais, destacando-os da propriedade do solo (art. 176); a tributação
(IPTU, ITR e IPVA), inclusive progressiva; a vedação de que estrangeiros tenham a propriedade de empresa
jornalística e de radiodifusão (art. 222); a possibilidade de desapropriação sanção no caso de culturas ilegais de
psicotrópicos e trabalho escravo (art. 243).

Destaque-se também a restrição que pode advir da proteção ao patrimônio cultural, por meio do
tombamento (art. 216, §1º). Historicamente, a proteção dos bens culturais foi progressiva, inicialmente com
obras de arte, depois obras arquitetônicas e, mais tarde, patrimônio privado. Teve grande impulso após a
Revolução Francesa, quando houve uma preocupação em se preservar os bens do clero e da nobreza

119
provenientes do Antigo Regime, devido a seu valor histórico e à sanha destruidora de muitos revolucionários.
Com isso, o direito clássico de propriedade, como bem de valor econômico de um sujeito, precisou ser modificado
para um bem coletivo, portador de valor histórico, cultural ou artístico, merecedor de preservação mesmo contra
os interesses de seu legítimo proprietário (Sandra Cureau).

No tocante à posse, a Constituição prevê sua limitação por meio da requisição (art. 5º, XXV), consistente
no uso temporário da propriedade em caso de iminente perigo público.

V. Função social da propriedade e da posse

A função social representa uma mitigação do conceito liberal de propriedade absoluta, limitando seu exercício
(e.g. direito de vizinhança; ponderação com outros direitos fundamentais; criação de Unidades de Conservação)
ou até mesmo a suprimindo (e.g. desapropriação para reforma agrária). Pode ser entendida como um limitador
externo ou elemento condicionante (Maria Sylvia Zanella Di Pietro) ou como um aspecto intrínseco, elemento
formador da propriedade (Herman Benjamin), e acarreta não só comportamentos negativos (e.g. não ofender a
coletividade; respeitar normas de vizinhança), mas também positivos (e.g. recompor APP degradada).

A função social da propriedade surgiu com a doutrina social da Igreja Católica (Encíclica Rerum Novarum) e
evoluiu com o Estado Social. Teve por expoente o francês Léon Duguit, e constou das Constituições do México de
1917 e de Weimar de 1919. No Brasil, foi incorporado à Constituição de 1967 e mantido na de 1988. Conforme o
Código Civil (art. 1.228), a propriedade deve ser exercida em consonância com suas finalidades sociais, de modo
a preservar o meio ambiente natural e cultural; além disso, são defesos os atos emulativos (atos praticados
apenas para prejudicar terceiros, sem trazer qualquer benefício ao proprietário).

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende ao plano diretor (art. 182, §2º, CF). Já a
propriedade rural a atende (art. 186, CF) quando, simultaneamente, promove aproveitamento racional
(elemento econômico), preserva o meio ambiente (elemento socioambiental), respeita normas trabalhistas
(elemento trabalhista) e favorece o bem-estar de proprietários e trabalhadores (elemento social). No caso de
descumprimento da função social, a propriedade rural pode ser desapropriada para fins de reforma agrária,
exceto quando se tratar da única propriedade pequena ou média do infrator, bem como de propriedade
produtiva (art. 185, CF). Já no caso da propriedade urbana, é facultado anteriormente se determinar o
parcelamento ou edificações compulsórias, depois aplicar IPTU progressivo no tempo e somente então proceder-
se à efetiva desapropriação (art. 182, §4º).

Os bens públicos também devem atender à função social, que vai além do interesse público secundário
(interesse da PJ de Direito Público), e constitui interesse público primário (da sociedade), pois a Constituição não
fez diferenciação entre bens públicos e privados para esse fim (Sandra Cureau).

Fala-se também em função socioambiental da propriedade. Função ambiental é a obrigação genérica de


promover o meio ambiente, dirigida ao Estado e à coletividade (art. 225, CF); função social é obrigação menos
abrangente, imposta ao proprietário. O ponto de intersecção entre as duas resulta na função sócio-ambiental, ou
seja, na obrigação dos proprietários de usar sua propriedade promovendo o meio ambiente (Sandra Cureau).

Sofisticando a teoria objetiva de Ihering, o sociólogo francês Raymond Saleilles desenvolveu a teoria
social da posse: a proteção jurídica da posse somente seria justificada se o poder de fato sobre a coisa fosse
acompanhado de algum objetivo socioeconômico.

120
Apesar da ausência de previsão constitucional expressa, a função social da posse é decorrência da função social
da propriedade. Ela orienta o CC/02, principalmente pela valorização da posse-trabalho para fins de usucapião
(Tartuce).

VI. Acesso à terra e direito de moradia

A moradia é direito fundamental (art. 6º, CF), cuja garantia é competência comum de todos os entes (art. 23, IX,
CF), sendo expressamente mencionada em diplomas internacionais como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 e o PIDESC de 1966.

A função social promove o acesso à terra e ao direito de moradia, pois fundamenta desapropriações (função
social da propriedade) e possibilita o manejo de ações possessórias (função social da posse), neste último caso
evitando-se a crise de segurança da posse (e.g. despejos forçados de grandes projetos como a Copa do Mundo e
as Olimpíadas).

Vale destacar a relação especial com a terra no caso de indígenas e comunidades tradicionais, pois ela
compõe sua identidade, seu modo de criar, fazer e viver. Por isso o acesso à terra tradicionalmente ocupada foi
garantido constitucionalmente, no caso dos índios por usufruto (art. 231, CF) e no dos quilombolas pela
propriedade coletiva (art. 68, ADCT).

A responsabilidade primária pela implementação de políticas públicas, nelas incluído o direito de moradia, é do
Estado, por meio do Legislativo e do Executivo. Entretanto, diante de omissão injustificada, o MP e o Judiciário
devem atuar para garantir a prestação desse direito fundamental, inclusive com o manejo de Ação Civil Pública.

VII. Aquisição da propriedade e da posse

A propriedade pode ser adquirida de forma originária (e.g. terras quilombolas, usucapião, acessão
natural) ou derivada (e.g. compra e venda), por meio da tradição (art. 1.226, CC; coisas móveis), do registro (art.
1.227, CC, coisas imóveis) ou automaticamente com o evento morte (art. 1.784, CC, aplicação do Princípio da
Saisine na sucessão causa mortis)

Primeiramente, destaque-se que a descoberta de coisa alheia (art. 1.233, CC) não é forma de aquisição
da propriedade: o descobridor deve procurar devolver a coisa; se o dono não for encontrado, deve entregar à
autoridade competente, que dará publicidade e, apenas ao final do prazo de 60 dias, restará configurada a res
derelicta (coisa abandonada), esta sim passível de apropriação (a priori, por hasta pública e divisão do valor
arrecadado entre o descobridor e o Município).

Nos termos do Código Civil, a propriedade imóvel pode ser adquirida por:

a) Usucapião: vide subponto 6.B.


b) Registro do título translativo no Registro de Imóveis: vide subponto 12.B.
c) Acessão: nova propriedade, vinculada a uma titularidade principal
c.1. Formação de Ilhas: divide-se a ilha pela linha média do álveo para cada proprietário ribeirinho (não importa a
linha do talvegue, que é o ponto mais profundo do rio)
c.2. Aluvião: acúmulo de depósitos naturais e imperceptíveis na margem dos rios, ou afastamento do álveo em
relação às margens (aluvião imprópria)
c.3. Avulsão: por força natural violenta, uma porção de terra se destaca de um prédio e se junta a outro; se não
houver reclamação em 1 ano, não há indenização; havendo reclamação, o dono do prédio acrescido deve
indenizar ou concordar com a remoção da parte acrescida.
c.4. Abandono de álveo: desvio do curso do rio; domínio fica com os proprietários ribeirinhos, dividida pela linha
média; não há indenização aos donos do terreno por onde as águas abrirem novo curso.
c.5. Plantações ou construções: vige o princípio da acessão, pois a regra geral é que se presume do dono do
terreno as plantações e construções nele feitas, sem prejuízo de indenização no caso de boa-fé. Porém existem

121
dois casos de acessão inversa (dono da construção ou plantação adquire a propriedade do terreno): (i) quando
estas excederem consideravelmente o valor do terreno e houver boa-fé; (ii) quando houver invasão parcial até a
20ª parte do terreno vizinho, com boa-fé e se o valor da edificação superar o valor da fração invadida; no caso de
má-fé, é necessário também pagar o décuplo das perdas e danos e ser inviável a demolição da porção invasora.

Já a propriedade móvel pode ser adquirida por:

a) Usucapião: se de boa-fé, exigem-se 3 anos e justo título; se de má-fé, 5 anos, independentemente de título.
b) Ocupação: aplicável às coisas sem dono (res nullius, e.g. peixe pescado em alto-mar); propriedade é integral
daquele que ocupa.
c) Achado do tesouro: aplicável à coisa antiga, preciosa, oculta e de cujo dono não haja memória; deve ser
dividida entre o dono do imóvel e quem achar o tesouro casualmente (boa-fé); se terceiro houver invadido a área
para procurar (má-fé), a propriedade é integral do dono do imóvel.
d) Tradição: entrega material da coisa mais vontade de querer transmitir a propriedade. A entrega pode ser real
ou ficta. A ficta ocorre quando há transmissão da propriedade sem transferência da posse direta, havendo duas
modalidades: (i) tradição brevi manu - possuidor passa a ser proprietário (e.g. locatário que compra o imóvel); (ii)
constituto possessório - proprietário passa a ser possuidor (e.g. proprietário que vende o imóvel e passa a ser
inquilino)
e) Especificação: transformação de matéria-prima em espécie nova; em regra, propriedade será do especificador
quando (i) houver boa-fé ou (ii) valor da espécie nova for consideravelmente superior ao da matéria-prima
f) Confusão, comissão e adjunção: é, respectivamente, a mistura de líquidos, a mistura de sólidos (e.g.
farináceos) e a justaposição de sólidos (e.g. anel de ouro + brilhante); a regra, em caso de boa-fé, é o condomínio
entre os proprietários da matéria, salvo se for identificável uma das coisas como principal (nesta hipótese, o dono
da principal indeniza os demais).

Nos termos do Código Civil, a posse é adquirida quando é possível o exercício, em nome próprio, de
qualquer dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.204, CC). Não se perquire a vontade do possuidor (teoria
objetiva de Ihering), e se o exercício for em nome alheio não haverá posse, mas apenas detenção (art. 1.198, CC),
exceto no caso do gestor (terceiro sem mandato que adquire a posse para outrem, dependente de ratificação
posterior; e.g. defesa da posse de terreno vizinho prestes a ser invadido).

A aquisição da posse pode ser derivada (ato bilateral; e.g. doação) ou originária (ato unilateral; e.g. usufruto
indígena; ocupação); natural ou civil (independe da apreensão física da coisa, havendo tradição ficta; e.g. traditio
breve manu e constituto possessório).

Por fim, a posse não é adquirida nos casos de (a) mera tolerância do proprietário; ou (b) atos violentos ou
clandestinos, enquanto não cessada a violência ou clandestinidade (art. 1.208, CC). Desse dispositivo, pode-se
concluir que a posse injusta por violência ou clandestinidade poderia ser convalidada, mas a por precariedade,
não (art. 1.200, CC).

VIII. Efeitos da propriedade e da posse

Um grande efeito da propriedade e da posse é a possibilidade do manejo de ações para protegê-las. No


caso da propriedade, deduz-se o direito de ajuizar ações reivindicatórias (rei vindicatio) a partir de seu elemento
externo (direito de reaver a coisa ou direito de sequela).

No caso da posse, podem ser intentadas ações de manutenção na posse (turbação), reintegração de
posse (esbulho) ou interdito proibitório (ameaça de esbulho). Em regra, é incabível a exceção de domínio no
bojo dessas ações (exemplo de exceção: quando ambas as partes alegarem posse com base na propriedade, ius
possidendi, e não de forma independente, com fundamento apenas na situação de fato, ius possessionis; neste
caso, a ação petitória aproxima-se da ação possessória).

Tanto a posse quanto a propriedade podem acarretar obrigações propter rem (obrigações “por causa da

122
coisa”). São exemplos no Código Civil a obrigação imposta ao condômino de concorrer para as despesas de
conservação da coisa comum (artigo 1.315); a do condômino, no condomínio em edificações, de não alterar a
fachada do prédio (artigo 1.336, III); a obrigação que tem o dono da coisa perdida de recompensar e indenizar o
descobridor (artigo 1.234); a dos donos de imóveis confinantes, de concorrerem para as despesas de construção
e conservação de tapumes divisórios (artigo 1.297, § 1º) ou de demarcação entre os prédios (artigo 1.297); a
obrigação de dar caução pelo dano iminente (dano infecto) quando o prédio vizinho estiver ameaçado de ruína
(artigo 1.280); e a obrigação de indenizar benfeitorias (artigo 1.219). No antigo Código Florestal havia dispositivo
expresso criando a obrigação propter rem de reflorestar APP, ainda que ausente responsabilidade pelo dano.

Um efeito peculiar da posse é a possibilidade de se valer do desforço imediato (autotutela) para manter
ou restituir a posse, desde que o faça logo e não se exceda (art. 1.210, §1º). Apesar de o CC não trazer dispositivo
no mesmo sentido para a detenção, a doutrina admite sua aplicação também nesta hipótese, sob pena de se
esvaziar o instituto.

A posse também interfere no regime jurídico dos frutos e benfeitorias relacionados à coisa possuída. Se
houver boa-fé, em regra os frutos cabem ao possuidor, e também lhe cabe indenização pelas benfeitorias úteis,
necessárias e voluptuárias, além do direito de retenção nos dois primeiros casos, e levantamento no último. Se
houver má-fé, há apenas direito a indenização pelas despesas para produção dos frutos (vedando-se, assim, o
enriquecimento sem causa do proprietário que permaneça com eles) e benfeitorias necessárias (sem qualquer
direito de retenção ou levantamento).

Por fim, há regramento diferenciado quanto à responsabilidade pela deterioração da coisa possuída. No
caso de boa-fé, o possuidor só responde com culpa (art. 1.217, CC); no de má-fé a responsabilidade é objetiva
agravada, admitindo como única excludente a prova de que a deterioração ocorreria de qualquer forma mesmo
se a coisa estivesse na posse do reivindicante (art. 1.219, CC; não admite causas acidentais para romper o nexo
causal).

IX. Perda da propriedade e da posse

Além de outras causas consideradas no Código Civil (e.g. usucapião; acessão; arrematação e adjudicação;
implemento de condição resolutiva ou termo na propriedade resolúvel; abertura da sucessão = morte), perde-se
a propriedade por (art. 1.275, CC):

a) alienação: transferência intervivos, onerosa ou gratuita. Voluntária.


b) renúncia: ato de manifestação expressa no sentido de renunciar ao bem. Voluntária.
c) abandono: ato material de abandonar com vontade de não ser mais proprietário. Voluntário.
d) perecimento: Involuntário.
e) desapropriação: intervenção do Poder Público na propriedade privada, como sanção ou para suprir
necessidade da coletividade. Involuntária.

Já a perda da posse ocorre quando cessa, mesmo que contra a vontade do possuidor, o poder de fato sobre o
bem (art. 1.223, CC), desde que o novo possuidor não tenha agido clandestinamente; se foi este o caso, a posse
somente é perdida se o titular, após ciência do esbulho, permanece inerte ou é violentamente repelido (art.
1.224, CC).

12B. Direitos reais de garantia e suas modalidades. Registro e efeitos relativos a terceiros.

Priscila Ianzer Jardim Lucas

Introdução. São direitos reais de garantia sobre coisa alheia o penhor, a hipoteca e a anticrese, todos previstos no
Código Civil. Tais direitos conferem ao credor a pretensão de obter o pagamento da dívida com o valor do bem
aplicado exclusivamente à sua satisfação. O direito do credor concentra-se sobre determinado elemento
patrimonial do devedor. Os atributos de sequela e preferência atestam sua natureza substantiva e real. Por fim,
temos, ainda, a alienação fiduciária em garantia, que constitui direito real de garantia sobre coisa própria, com
123
tratamento em leis esparsas. Características gerais: a principal característica é a afetação do bem ao pagamento
prioritário de determinada operação. Disso decorrem outros efeitos específicos: preferência: o produto da venda
judicial da coisa dada em garantia é destinado, precipuamente, ao pagamento do credor titular do direito real de
garantia (art. 1.422, segunda parte); indivisibilidade da garantia: o pagamento de uma ou mais prestações da
dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo
disposição expressa no título ou na quitação (art. 1.421, CC); sequela (jus persequendi): é o direito de reclamar e
perseguir a coisa, em poder de quem quer que se encontre, para sobre ele exercer o seu direito de excussão, pois
o valor do bem está afeto à satisfação do crédito; excussão: o credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de
excutir a coisa hipotecada ou empenhada (art. 1.422, primeira parte), promovendo a sua venda em hasta pública,
por meio do processo de execução judicial; proibição do pacto comissório: não admitem, nos termos do art. 1.428
do CC, pacto comissório ou cláusula comissória (que garantem ao credor o direito de ficar com o bem para si na
hipótese de inadimplemento). Visa a impedir a usura e proteger o devedor. Não há impedimento, por outro lado,
a que o devedor dê a coisa em pagamento da dívida, após o vencimento. O credor tem que levar o bem à
excussão, sob pena de violar o devido processo legal (na anticrese, contudo, o credor não tem direito à excussão).

Penhor: é o direito real de garantia sobre bem móvel. Tal garantia é oferecida pelo devedor, voluntariamente, ou
por força de lei, para assegurar o cumprimento de uma obrigação sua preexistente. Esse bem móvel pode ser
corpóreo ou incorpóreo. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse (é necessária, portanto, a
tradição). Aeronaves e navios, apesar de serem bens móveis, são insuscetíveis de penhor. Em razão de seu valor
econômico, são objeto de hipoteca. Como todo direito real de garantia, o penhor tem natureza acessória. Extinto
o penhor, não necessariamente estará extinta a obrigação porque extinguiu-se apenas a garantia e é possível que
a dívida permaneça. Se o bem entregue ao credor pignoratício perecer ou deteriorar sem culpa deste, extingue-se
a obrigação de devolver. Isso porque, nas obrigações de dar (o credor pignoratício tem obrigação de restituir,
obrigação de dar de volta), se a coisa pereceu ou deteriorou sem culpa, extingue-se a obrigação. O STJ já
entendeu que o roubo ou furto do bem empenhado na posse do credor pignoratício implica na extinção da
garantia, mas não em extinção da dívida. Porém, o valor do bem deve ser ressarcido ao devedor. Com base na
boa-fé objetiva, o credor pignoratício continua com o direito de exigir o pagamento (porque a obrigação não se
extinguiu), mas deve ressarcir o valor da coisa (já que, quando o devedor pignoratício entregou o bem ao credor
pignoratício, ele imaginou que o credor deveria ter cuidado, zelo, segurança, atenção, boa-fé objetiva). O credor
pignoratício não pode retirar para si os frutos que a coisa dada em garantia produz, pois eles pertencem ao
devedor. Se o fizer, o valor deve ser imputado nas despesas de guarda e conservação, ou, sucessivamente, abatido
da dívida,  primeiro dos juros e depois do principal. Características do penhor: a constituição do penhor depende
de solenidade (contrato por escrito e registrado no cartório de títulos e documentos) e tradição da coisa (o
contrato é, pois, real, porque só se aperfeiçoa com a entrega da coisa). O registro no cartório é condição de
eficácia do penhor apenas em relação a terceiros porque, mesmo que não tenha sido registrado, é existente,
válido e eficaz entre as partes. É possível constituir subpenhor, penhor de diferentes graus, salvo disposição
contrária. O penhor de segundo grau somente prosperará depois que o credor pignoratício de primeiro grau tiver
satisfeito o seu interesse, e assim sucessivamente. Espécies. Penhor rural, industrial, mercantil e de veículos: as
coisas empenhadas continuam em poder do devedor. O penhor rural exige registro no cartório de imóveis (o
industrial também) e nele não há tradição real, mas ficta, o constituto possessório, que dá posse indireta ao
credor pignoratício. Penhor legal: constituído independentemente da vontade das partes, decorre da lei (hipótese
de autotutela). Depende de homologação judicial, que ocorre por procedimento previsto dentre as medidas
cautelares.

Hipoteca: é direito real de garantia sobre imóvel (apesar de ser tratada como imóvel pelo art. 80 do CC, a herança
não pode ser objeto de hipoteca). Deve ser constituída por escritura pública. Exige-se o registro em cartório de
imóveis e dispensa-se a tradição (o bem permanece na posse do devedor hipotecário). É preciso vênia conjugal
(não para hipoteca de navios e aeronaves, porque são bens móveis), salvo no regime de separação absoluta. A
hipoteca não obsta o real aproveitamento do bem (o devedor hipotecário, na posse do bem, pode alugar,
emprestar, ceder, desmembrar, lotear, instituir condomínio e, até, alienar o bem, salvo nas hipotecas firmadas
pelo Sistema Financeiro de Habitação, nas quais a CEF terá que anuir). Espécies: hipoteca convencional
(decorrente da manifestação de vontade dos interessados); judicial (índole processual e não material, exige-se
registro também); e legal  (há credores que, por lei, têm o privilégio da garantia hipotecária, a exemplo dos filhos,

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sobre os imóveis do pai ou mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior). Na
hipoteca legal, exige-se homologação judicial, que ocorrerá por procedimento de jurisdição voluntária. Assim
como o penhor, a hipoteca admite diferentes graus (sub-hipotecas): hipoteca de 1º grau, de 2º grau, etc. O
vencimento de uma hipoteca de grau consecutivo implica no vencimento antecipado da dívida garantida pela
hipoteca antecedente porque os graus são sucessivos. Não é necessário autorização do credor hipotecário de 1º
grau para constituição de hipoteca de 2º grau já que a constituição de hipoteca não obsta o aproveitamento do
bem. Prazo máximo de hipoteca (chamado prazo de perempção): 30 anos. A lei do bem de família, no art. 3º,
dispõe que o imóvel dado voluntariamente em hipoteca é penhorável. Entretanto, o STJ vem entendendo que a
hipoteca só pode incidir sobre bem de família se a dívida garantida reverter em prol do núcleo familiar.

Anticrese: é direito real de garantia sobre bem (móvel ou imóvel) que produz frutos. O credor anticrético recebe o
bem para, recebendo os frutos, abater na dívida (primeiro os juros, depois o principal). Na prática, assemelha-se à
imputação do pagamento. A anticrese excepciona a regra dos direitos de garantia. O credor real não recebe a
coisa, mas na anticrese ele recebe (tem a posse), para poder retirar-lhe os frutos. O credor anticrético não pode
ficar com a coisa para si, mas apenas explorar economicamente os frutos, que também não são para si, mas para
imputar na dívida. Como o objeto da anticrese é estrito, nada impede que se tenha, ao mesmo tempo, sobre um
só bem, hipoteca e  anticrese, pois elas possuem diferentes finalidades. Prazo máximo da anticrese: 15 anos
(após, há a perempção). Depois desse prazo, a dívida pode até continuar, mas a garantia é extinta. A anticrese
admite a ação de prestação de contas promovida pelo devedor em face do credor anticrético, para que este
preste contas dos frutos retirados, demonstrando-se o montante que foi quitado. Tal ação tem natureza dúplice e
permite a própria execução do valor remanescente encontrado. Ao contrário do que ocorre com a hipoteca e o
penhor, na anticrese o credor não tem direito à excussão da coisa dada em garantia.

Alienação Fiduciária em Garantia. Propriedade fiduciária é direito real de garantia sobre bens móveis ou imóveis,
através do qual o devedor transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do bem (tempo determinado),
de modo que, quitada a obrigação, extingue-se a propriedade. O credor fiduciário será proprietário resolúvel e
possuidor indireto, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor
possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei
civil e penal, tendo o jus utendi e fruendi (arca com as despesas de conservação). São institutos distintos:
alienação fiduciária (contrato que institui a garantia) e propriedade fiduciária (a garantia real instituída). Pagando
o valor total, o devedor/fiduciante adquirirá a propriedade. A propriedade resolúvel, a rigor, é a que está sujeita a
extinção por causa superveniente, inclusive em virtude do implemento de condição resolutiva, ou do advento de
termo final. Na propriedade resolúvel há um proprietário atual e um proprietário diferido, ou um futuro
proprietário, com direito eventual à propriedade da coisa.Constitui-se com o registro do contrato celebrado por
instrumento público ou particular (Registro Títulos e Documentos ou repartição competente para licenciamento
de veículos). O instrumento escrito deve conter: total do débito; juros, se houver; e descrição da coisa. Vencida a
dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o
preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.
Características: a) o credor fiduciário pode ser PF ou PJ; b) desdobramento da posse (há constituto possessório).
O constituto possessório é meio de aquisição fictícia da posse. Fictícia porque prescinde de apreensão física da
coisa. Ocorre quando o comprador já deixa a coisa comprada em poder do vendedor, seja em comodato, seja em
locação, por exemplo. O adquirente não chega nem mesmo a receber a coisa, mas, mesmo assim, adquire posse
sobre ela. O vendedor que até então tinha posse plena (direta e indireta), passa a ter apenas posse direta
(“detenção” física), enquanto o comprador, posse indireta (título de possuidor). No caso, a transmissão da posse
se deu por força de contrato; não em virtude de apreensão física. c) tradição brevi manu após o pagamento. O
inverso do constituto possessório, ocorre quando a pessoa que possuí em nome alheio passa a possuir em nome
próprio. d) resolubilidade da propriedade fiduciária; e) gera patrimônio de afetação (juridicamente diferenciado
em relação aos bens do titular, pois não responde pelas dívidas do credor fiduciário). Disso resulta que, se o
devedor-fiduciante cair em insolvência, o bem objeto da garantia, que foi excluído do seu patrimônio e passou a
constituir um patrimônio de afetação, permanecerá separado dos bens da massa “até o advento do respectivo
termo ou até o cumprimento da sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a
favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer” (Lei nº 11.101/2005 ,
art. 119, IX), assegurada ao fiduciário, se for o caso, a restituição do bem e eventualmente sua venda, aplicando a

125
importância que aí apurar na satisfação do seu próprio crédito, sem concorrência com os demais credores (Lei nº
9.514/97 , art. 32, e Lei nº 11.101/2005, art. 49, § 3º). Diverso é o efeito em relação à falência de devedor
hipotecário, pois, nesse caso, tendo em vista que o imóvel hipotecado permanece em seu patrimônio, será
arrecadado pelo administrador judicial e passará a integrar o ativo da massa, submetendo o credor hipotecário à
concorrência com os demais credores segundo a ordem legal de preferência. Outro aspecto a merecer atenção é
a impossibilidade de se aplicar à propriedade fiduciária a regra do art. 1.476 do Código Civil, pelo qual o dono do
imóvel pode constituir sobre ele sucessivas hipotecas, com diferentes graus de preferência. Essa regra é
absolutamente incompatível com a natureza da garantia fiduciária e, portanto, não se aplica à propriedade
fiduciária de bem imóvel, de modo que é juridicamente inadmissível constituir-se propriedades fiduciárias em
primeiro grau, segundo grau etc. f) proibição do pacto comissório (em razão do art. 1365); g) sub-rogação do
terceiro que paga o crédito (fugindo da regra geral do art. 304 do CC, pouco importa se é interessado ou não).
Pacto comissório era a cláusula inserida nos contratos de alienação imobiliária com preço em prestações, pela
qual se o devedor deixasse de honrar algum dos pagamentos perderia automaticamente o bem adquirido em
favor do alienante, sem devolução dos valores pagos. O Código de 2002 veda o instituto no art. 1428. Embora a
legislação mencione apenas débitos decorrentes de penhor, anticrese e hipoteca, o STJ entende que a proibição
do pacto comissório “não se limita aos casos expressamente previstos” no Código Civil, incidindo em contratos de
mútuo, parcelamento do solo, compra e venda e outras formas de transferência da propriedade imobiliária com
pagamento protraído no tempo, ou seja, todas as hipóteses em que se convenciona que o credor poderá ficar
com o imóvel prometido à venda caso o adquirente não cumpra a forma prevista de pagamento. Regime legal: O
CC trata da propriedade fiduciária de bens móveis infungíveis em termos gerais. O Código consolidou várias
disposições do DL 911/69, e dispôs que demais espécies de propriedade fiduciária estão submetidas à disciplina
das leis especiais, somente se aplicando as suas disposições naquilo que não for incompatível. Bens móveis:
aplica-se o Código Civil, a Lei 4.728/65 (art. 66-B, que regula a alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do
mercado financeiro e de capitais ou em garantia de créditos fiscais e previdenciários) e o Decreto-Lei 911/69
(que, alterado pela lei 10.931/04, subsiste em relação à disciplina processual). A lei 10.931/04 também permitiu a
alienação fiduciária de bem móvel fungível. Bens imóveis: Lei 9.514/97. Súmulas do STJ sobre alienação
fiduciária: Súmula 28 (pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor); Súmula 72 (A
comprovação da mora é imprescindível a busca e apreensão do bem); Súmula 92 (A terceiro de boa-fé não é
oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor); Súmula 245 (A
notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do
valor do débito); Súmula 284 (A purga da mora só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por
cento) do valor financiado); Súmula 384 (Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de venda
extrajudicial do bem).

REGISTROS E EFEITOS RELATIVOS A TERCEIROS. Introdução. Os Registros Públicos têm em mira constituir
formalidades, essenciais ou não para a validade do ato em si mesmo, ou apenas para sua eficácia perante
terceiros. Esquematicamente, pode-se dizer que a formalidade do registro pode ser: essencial (eficácia inter
partes); formalidade para mera oponibilidade perante terceiros (eficácia erga omnes); formalidade cautelar
(autenticidade, segurança). Finalidades do registro público: a)publicidade; b) autenticidade: o registro cria
presunção de verdade juris tantum; c) segurança; d) eficácia (a aptidão para produzir efeitos jurídicos.) Matrícula,
registro e averbação: A atual LRP, instituiu a matrícula, exigindo a sua realização antes do registro, quando o
imóvel sofrer a primeira alteração na titularidade após a sua vigência (arts. 176, § 1º, e 228). O registro sucede à
matrícula e é o ato que efetivamente acarreta a transferência da propriedade. O número inicial da matrícula é
mantido, mas os subsequentes registros receberão numerações diferentes, em ordem cronológica, vinculados ao
número da matrícula-base. A averbação é qualquer anotação feita à margem de um registro, para indicar as
alterações ocorridas no imóvel. O registro dos direitos reais de garantia. Penhor: sua instituição (em regra sobre
bens móveis) será efetivada por instrumento, seja ele público ou particular. Sendo feito por instrumento
particular, deve ainda ser levado a registro, por qualquer dos contratantes, em regra, no Cartório de Títulos e
Documentos (art. 1.432 do CC) e não no de Imóveis. O registro é elemento essencial para a constituição e eficácia
real ou erga omnes do penhor. Não sendo preenchido tal requisito, o negócio jurídico assume feição contratual,
com efeitos interpartes apenas e não perante terceiros. Hipoteca: deve ser registrada no Cartório de Registro de
Imóveis do local do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um bem (art. 1.492 do CC e
art. 167, I da LRP). Ter-se-á a publicidade do ato e a fixação da data do nascimento do direito real, com eficácia

126
erga omnes, estabelecendo o direito de sequela e a ordem de preferência. Consigne-se que há ainda a
possibilidade de um registro especial. O registro da hipoteca só terá validade e eficácia enquanto a obrigação
principal perdurar (Art. 1.498 do CC). Fica claro o caráter acessório da hipoteca, que não pode existir por si só. A
especialização da hipoteca, em completando 20 anos, deve ser renovada. Entende-se que este preceito somente
se aplica à hipoteca legal, que não tem prazo máximo, eis que perdura enquanto vigente a situação descrita em
lei. Em relação à hipoteca convencional, o seu prazo máximo é de 30 anos (art. 1.485 do CC). Anticrese: como os
demais direitos reais de garantia, a anticrese se forma mediante instrumento particular ou público, mas para a
produção de efeitos perante terceiros, o título deve ser também levado a registro no cartório imobiliário (pouco
usual). Ordinariamente, então, os direitos reais sobre imóveis são adquiridos após o registro do respectivo título
aquisitivo junto ao Oficial de Registro de Imóveis competente; já sobre os móveis, depois da tradição
(transferência física da coisa).Portanto, o registro (bens imóveis) e a tradição (bens móveis) atuam como meio de
publicidade da titularidade de direitos reais. Em razão da publicidade atribuída pelo registro, o titular de um
direito real passa a ter a prerrogativa de opor, a quem quer que seja, o seu direito, que recai, assim, sobre toda a
coletividade. Súmula 308-STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior
à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. Súmula 496-
STJ: Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à
União.

6C. Do direito de superfície, servidões, usufruto, uso e habitação.

Leonardo Trevizani Caberlon


Bibliografia: Atualização do Graal do 28º CPR.

I. SUPERFÍCIE:
Surgiu para substituir a enfiteuse (banida pelo CC/02 sendo mantidas apenas as enfiteuses
anteriores e vedada a estipulação de novas).
Para o CC/02 o instituto é por tempo determinado. O conceito do instituto abrange o tempo
indeterminado, como fazem os autores abaixo (citados pelo autor), mas o CC/02 deixou expresso ser por prazo
determinado:
Enunciado n. 568 CJF/STJ: O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou
o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação,
atendida a legislação urbanística.
Enunciado n. 249 CJF/STJ: A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de
direitos reais de gozo e de garantia, cujo prazo não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe
aplicando o art. 1.474.
É perfeitamente possível adquirir por usucapião o direito à superfície, se houver interesse do
usucapiente, assim como ocorre com outros direitos reais de gozo, caso das servidões. Esse parece ser o
entendimento majoritário da doutrina.
Enunciado n. 510 CJF/STJ: Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo proprietário
para exercer o direito de preferência previsto no art. 1.373 do CC, é assegurado o direito de, no prazo de seis
meses, contado do registro da alienação, adjudicar para si o bem mediante depósito do preço. (deveria ter dito
180 dias e não seis meses).
Previsão legal: art. 1.369-1.377. No Estatuto da Cidade, art. 21-24.
Forma: escritura pública. Além disso, exige-se o registro (art. 1.369).
O Código Civil diz apenas que o direito conferido é o de construir ou plantar, mas, além disso,
atribui-se ao superficiário a propriedade resolúvel sobre essas plantações ou construções realizadas. Na
realidade, quando temos esse direito temos duas propriedades paralelas: a) do solo: proprietário do solo e b)
propriedade superficiária, que é resolúvel.
Isso nos conduz à afirmativa de que a superfície é uma das duas exceções ao brocardo superficies
solo cedit. Por essa regra geral, aquele que constrói ou planta em terreno alheio perde a titularidade sobre tais
construções ou plantações em favor do proprietário do solo. O art. 1.255, caput, é uma manifestação dessa regra
geral.
A sistemática entre o CC e o EC não é idêntica. No CC, o direito se dá por tempo determinado (art.
1.369, caput), já no EC, art. 21, ele pode ser por tempo determinado ou indeterminado.
127
Ainda, no CC, art. 1.369, o objeto é construir ou plantar, já no art. 21 do EC o objeto do direito de
superfície é mais amplo, abrangente.
Portanto, quando aplicamos cada diploma normativo? No início, defendeu-se que o CC revogou o
EC pelo sistema cronológico. Hoje, entende-se que o EC é lei especial, sendo que a especialidade se sobrepõe à
cronologia. Se estamos diante de imóvel rural, aplica-se o CC; o simples fato do imóvel ser urbano, não assegura a
aplicação do EC, pois o que há de especial no EC é ser instrumento de política de desenvolvimento urbano, nisso
consistindo a sua especialidade. Sendo assim, se estamos diante de direito de superfície em imóvel com fim
puramente privado, egoísta (exemplo: direito de superfície utilizado para construção de campo de futebol em
final de semana para jogar futebol). O direito de superfície está atrelado a interesse puramente popular. Contudo,
se estamos diante de construção de casas populares, aplica-se o EC. Assim: enunciado 93 do CJF.
Prazo determinado: é uma exigência do CC. O objetivo do legislador foi enaltecer uma das
diferenças da superfície para a enfiteuse, já que esta é perpétua. E superfície de 800 anos? Trata-se de fraude à
lei, prevista como causa de nulidade absoluta no art. 166, VI.
O CC não prevê direito de superfície sobre construções ou plantações pré-existentes. Em que pese
o silêncio do CC, o enunciado 250 do CJF 43.
Direito de preferência recíproco (art. 1.373, CC44): existe entre o proprietário do solo e o
superficário. O art. 22 do EC45 vem no mesmo sentido.
Encargos e tributos: art. 1.371 do CC46. Num primeiro momento, surgiu o enunciado 94 do CJF 47,
contudo isso viola o art. 123 do CTN.
Direito de sobrelevação: é a possibilidade de se constituir direito de superfície em segundo grau.
O direito de superfície pode ser gratuito ou oneroso (art. 1.37048): a remuneração paga pelo
superficiário ao proprietário do solo é chamada de solarium.

Diferenças entre enfiteuse e superfície:


1 – perpetuidade: a enfiteuse é.
2 – o domínio útil da enfiteuse é ilimitado quanto ao fim, sendo que o titular do domínio pode
conferir a destinação que lhe aprouver ao bem. Na superfície (art. 1.374 49).
3 – foro anual na enfiteuse.
4 – discussão com relação ao laudêmio.
5 – direito de resgate do enfiteuta: o enfiteuta pode, sob requisitos, adquirir a propriedade sobre
o bem.

Art. 1.374: desvio de finalidade pelo superficiário. Alguns chamam de tredestinação.

CCF e NR: controvérsia. IPTU progressivo. Previsto no art. 7º do EC 50. Resulta do descumprimento
da função social.
Os autores defendem que a legitimidade passiva é exclusiva do superficiário, pois caberia a ele
conferir a destinação social ao bem. Como o IPTU não deixa de ter natureza sancionatória.
Discussão: as discussões de direito privado não são oponíveis ao Fisco, sendo que o afastamento
43
Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão.
44
Art. 1.373. Em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de
condições.
45
Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em
igualdade de condições à oferta de terceiros.
46
Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.
47
As partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da
concessão do direito de superfície.
48
Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou
parceladamente.
49
Art. 1.374. Antes do termo final, resolver-se-á a concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida.
50
Art. 7o Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas
previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no
tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. § 1o O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei
específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze
por cento. § 2o Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima,
até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o. § 3o É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à
tributação progressiva de que trata este artigo.
128
da legitimidade passiva é questionável diante do Direito Tributário.
Além disso, não se pode esquecer do art. 130 do CC, que permite ao proprietário do solo exercer
atos de fiscalização por ser titular de direito eventual, cabendo a ele o dever de adotar medidas de fiscalização e
conservação. Por fim, aplicar por analogia o art. 1.374.

Art. 1.37551: sistematiza a extinção do direito de superfície. O CC foi técnico, pois pelo direito de
superfície confere-se o direito de construir ou plantar. Quando ele faz a construção, o superficiário a adquire,
sendo que o proprietário do solo nunca foi seu titular. Portanto, é incorreto dizer que o proprietário do solo a
retomou. Apenas haveria retomada no caso de direito de superfície por cisão. Em suma, desde o início a
construção foi titularizada pelo superficiário.
Art. 1.37652: desapropriação. O superficiário terá direito. O valor da indenização será dividido, pois
temos dois proprietários. O CC foi bem em dizer que não será meio a meio, sendo ao valor correspondente a cada
um.
Temos o enunciado 322 do CJF53.
Fontes do direito de superfície: usualmente ele se dá por contrato, mas o art. 1.369 diz que há
necessidade de registro, que tem natureza constitutiva.
Nada impede a constituição do direito de superfície por via testamentária. Nesse caso, o registro
terá natureza declaratória, pois se aplica a teoria da saisine, ou seja, haverá imediata transferência dos bens aos
sucessores, inclusive a propriedade fiduciária.
Discute-se, de modo quase superado, de que a usucapião seria a terceira fonte. É possível?
Primeiramente, entendia-se que não, pois era difícil visualizar a possibilidade de usucapir a superfície sem o solo.
Hoje, percebe-se que é possível na hipótese de concessão a non dominum da propriedade superficiária.
Pós-eficacização do direito de superfície: nada impede que aconteça. Exemplo: se o verdadeiro
proprietário aparece 20 anos depois da concessão a non dominum, o suposto proprietário fiduciário pode invocar
a usucapião. Mas se quem vindica é o concedente a non dominum (proprietário do solo), eventual usucapião do
suposto proprietário do solo geraria uma pós-eficacização do direito de superfície, validando a superífice que ele
firmara. Na verdade, haveria uma pós-regularização, aplicando-se por analogia o art. 1.268, § 1º 54.

Art. 1.37755: prevê que o direito de superfície pode ser constituído por PJ de direito público
interno. Um exemplo é a regularização fundiária, por meio da qual concederia o direito de superfície sobre
construções ou plantações ali realizadas. Seria um instrumento de regularização fundiária, dada a impossibilidade
de usucapião sobre bens públicos.

II - Das servidões:
O CC/2002 utiliza o termo servidões, ao invés de servidões prediais (CC/16).
Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente,
que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e
subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Os prédios envolvidos na servidão são assim denominados:
a) Prédio dominante – aquele que tem a servidão a seu favor.
b) Prédio serviente – aquele que serve o outro, em detrimento do seu domínio.

51
Art. 1.375. Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de
indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.
52
Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no
valor correspondente ao direito real de cada um.
53
O momento da desapropriação e as condições da concessão superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1.376),
constituindo-se litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário.
54
Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou
estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono. § 1o
Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a
tradição. § 2o Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo.
55
Art. 1.377. O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno, rege-se por este Código, no que não for diversamente
disciplinado em lei especial.
129
Nas servidões os qualificativos se referem aos prédios e não às partes, como ocorre nos demais
direitos reais de gozo. Didaticamente, na servidão a concessão real diz respeito a uma espécie de tapete sobre a
propriedade. Ex.: servidão de passagem.
A servidão não se presume, podendo ter as seguintes origens:
=> Negócio jurídico inter vivos ou mortis causa: institui-se o direito real por contrato ou
testamento, conforme já exposto, devidamente registrado no CRI.
=> Usucapião: prevista no art. 1.379 do CC que assim prescreve:

Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos
termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como
título a sentença que julgar consumado a usucapião. (usucapião ordinária de servidão)
Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos.
(usucapião extraordinária de servidão).
Porém, P. Único consagra um prazo de 20 anos para a usucapião ext. de servidão, maior do que o
prazo para usucapião extraordinária da propriedade (15 anos). Diante desse contrassenso legal, parte da
doutrina entende pela aplicação do prazo máximo de 15 anos.

Enunciado n. 251 CJF/STJ: O prazo máximo para o usucapião extraordinário de servidões deve ser
de 15 anos, em conformidade com o sistema geral de usucapião previsto no Código Civil.

Servidão não se confunde com a passagem forçada. A servidão é facultativa, não sendo
obrigatório o pagamento de uma indenização. A passagem forçada é compulsória, assim como é o pagamento da
indenização. A servidão é direito real de gozo ou fruição. A passagem forçada é instituto de direito de vizinhança,
presente somente na situação em que o imóvel encravado não tem saída para a via pública (art. 1.285 do CC).
Pode-se dizer que a passagem forçada constitui uma servidão legal e obrigatória; ao contrário da servidão
propriamente dita, que é convencional. Abaixo acórdão do STJ sobre abuso de direito:

Servidões legais e convencionais. As primeiras correspondem aos direitos de vizinhança, tendo


como fonte direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem em função da
localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o surgimento de
conflitos entre os respectivos proprietários. As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei,
decorrendo do consentimento das partes.
Não obstante inexista informação nos autos acerca do registro da transação na matrícula do
imóvel, essa composição equipara-se a uma servidão convencional, representando, no mínimo, obrigação a ser
respeitada pelos signatários do acordo e seus herdeiros.

Classificações:
Quanto à natureza dos prédios envolvidos:
Servidão rústica – em casos de prédios localizados fora de área urbana, ou seja, em terreno rural.
Exemplos: servidão para tirar água, para condução de gado.
Servidão urbana – imóvel localizado em área urbana. Exemplos: servidão para escoar água da
chuva, para não impedir a entrada de luz.

Quanto às condutas das partes:


Servidão positiva – exercida por ato positivo ou comissivo. Exemplo: servidão de passagem ou
trânsito.
Servidão negativa – decorre de ato omissivo ou abstenção. Exemplo: servidão de não construir
edificação no terreno.

Quanto ao modo de exercício:


Servidão contínua – exercida independentemente do ato humano. Exemplos: servidão de
passagem de água, de som, de imagem, de energia.

130
Servidão descontínua – depende da atuação humana de forma sequencial. Exemplos: servidão
de passagem ou trânsito de pessoas, de tirar água no terreno alheio, de pastagem.

Quanto à forma de exteriorização:


Servidão aparente – está evidenciada no plano real e concreto, havendo sinal exterior. Exemplos:
servidão de passagem ou trânsito, servidão de imagem.
Servidão não aparente – não revelada no plano exterior. Exemplo: servidão de não construir.

Súmula 415 do STF:Servidão de trânsito, não titulada, mas tornada permanente pela natureza das
obras, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória.

Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e
uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos donos.

Pertencer a mais de um prédio, que dizer: servidão conjunta. O rateio será de forma igualitária e
proporcional.

Art. 1.382. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se,
abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante. Trata-se do abandono liberatório.

A servidão pode ser removida se mantida a função social do direito real de fruição: Art. 1.384.

A servidão é regida pelo princípio de menor onerosidade ao imóvel serviente ou pelo


regramento do civiliter modo (art. 1.385).

Extinção: Art. 1.387. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue,
com respeito a terceiros, quando cancelada. Parágrafo único. Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a
servidão se mencionar no título hipotecário, será também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor.
Art. 1.389. Também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a faculdade de
fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção:
I - pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa; (confusão real);
II - pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso;
III - pelo não uso, durante dez anos contínuos. (desuso da servidão, pois se presume pelo tempo a
sua inutilidade).

III – USUFRUTO:

Previsão legal: art. 1.390 a 1.411.


Conceito: direito real temporário, por meio do qual o nu-proprietário transfere ao usufrutuário a
titularidade das faculdades jurídicas de uso e gozo.
É de sua essência que o usufrutuário mantenha a substância da coisa.
Há desmembramento do direito de propriedade. É manifestação típica da elasticidade ou
fragmentariedade do direito de propriedade. Por ela (elasticidade, fragmentariedade), é possível que as
faculdades sejam distendidas, transferidas parte de sua faculdade sem que aquele que a transfere as perca.
Pelo usufruto, transfere-se o uso e o gozo, mas não perde a propriedade graças à
fragmentariedade/elasticidade do direito de propriedade.
Não se confunde usufruto com locação e comodato. Pela locação e comodato, não se transfere
as titularidades das faculdades jurídicas, mas apenas do exercício das faculdades jurídicas, sendo que a
titularidade se mantém com o proprietário (o locatário apenas exerce as faculdades jurídicas, que são mantidas
com o proprietário). A locação e o comodato são relações obrigacionais, sendo que a transferência de obrigações
jurídicas apenas ocorre com relações reais. Consequência: princípio da relatividade, produzindo efeitos inter
partes na locação e comodato. O usufruto tem oponibilidade erga omnes.
Características gerais do usufruto:

131
1 – finalidade alimentar;
2 – natureza personalíssima;
3 – obrigação do usufrutuário de manter e guardar a substância do bem;
4 – recai sobre bens inconsumíveis;
5 – temporariedade.

Formas de constituição:
1 – voluntário: resulta da manifestação de vontade. Ele pode se dar por contrato ou testamento.
2 – judicial;
3 – legal: temos exemplo no art. 1.689, I, do CC.
4 – usucapião.

Intransmissibilidade do direito real de usufruto: art. 1.393.


Essa intransmissibilidade propicia a vedação do usufruto sucessivo e também vedação ao
usufruto progressivo, em virtude da intransmissibilidade. O sucessivo seria quando o nu transferia a A, o qual,
quando de seu falecimento, passaria automaticamente diretamente a B: dois usufrutuários diferentes, sendo que
o primeiro condicionado a um termo final e, com isso, ele se transferiria automaticamente em favor de um
terceiro. A vedação a isso decorre da intransmissibilidade e da ideia de que ninguém pode ser compelido a uma
liberalidade futura, o que também fundamenta a vedação à promessa de doação. No usufruto progressivo, o nu
transferiria a A e após um certo tempo de A para B. Nesse caso, a transmissão seria inter vivos e não mortis causa,
com os mesmos fundamentos da primeira vedação (por que não pode).

Objeto do usufruto: ele pode recair sobre bens móveis ou imóveis.

Direitos do usufrutuário:
1 – posse direta: art. 1.394. Ver em conjunto com o art. 1.197. Há desmembramento possessório.
2 – fruição: art. 1.394.
3 – administrar a coisa: é consequência da faculdade de fruição. Em que pese ele ter esse direito,
não pode mudar a destinação econômica da coisa (art. 1.399).
4 – ceder o seu exercício em favor de outrem: art. 1.393, parte final. Transfere o exercício das
faculdades de uso e gozo.

Deveres do usufrutuário: art. 1.400 e seguintes.


1 – inventariar os bens recebidos
2 – oferecimento de caução real ou fidejussória: busca garantir a conservação e restituição dos
bens.
3 – conservar o bem: entra a questão das despesas. Tratada no art. 1.403.

Extinção do usufruto: prevista nos art. 1.410 e 1.411.


1 – morte do usufrutuário: na verdade, a vida do usufrutuário é o limite máximo do usufruto. Não
se admite usufruto sucessivo ou progressivo.
2 – renúncia pelo usufrutuário: ela deve ser expressa, por força do art. 114 do CC.
3 – termo de sua duração: nada impede que o usufruto se dê por prazo determinado.
4 – extinção da pessoa jurídica ou no prazo de 30 anos, o que vier antes. É uma decorrência do
art. 1.393, primeira parte, sendo manifestação de inalienabilidade do usufruto.
5 – pela cessação do motivo de que se origina o usufruto: legal dos pais durante o poder familiar,
quando se implementa a maioridade ou a emancipação. Ou no judicial quando o credor exequente recebe o
direito de crédito.
6 – destruição da coisa.
7 – consolidação da propriedade.

8 – culpa do usufrutuário. É pressuposto ação judicial para gerar a extinção do usufruto.


9 – pelo não uso ou não fruição da coisa em que o usufruto recai.

132
IV - USO E HABITAÇÃO:

Uso: O uso é um direito real em que o proprietário faz a cessão, de forma gratuita ou onerosa, do
atributo único de utilizar (U) a coisa, por isso é também chamado de usufruto anão, nanico ou reduzido.
O uso pode incidir sobre móveis ou imóveis, e, recaindo sobre estes, obviamente exige a
formalização no Cartório de Registro de Imóveis.
É permitido ao usuário perceber os frutos, para atender às necessidades básicas da família (art.
1412 do CC).
Por guardar muitas semelhanças com o usufruto, aplicam-se ao uso as disposições do CC acerca
daquele direito real.

Habitação:
A habitação constitui o mais restrito dos direitos reais de fruição, eis que apenas é cedida uma
parte do atributo de usar, qual seja o direito de habitar o imóvel.
Este direito real pode ser legal (decorre do direito de Família e das Sucessões) ou convencional
(através de contrato ou testamento). Apenas na habitação convencional é exigido que se registre no Cartório de
Registro de Imóveis.
O caráter gratuito da habitação é claro no art. 1414 do CC, pelo qual o titular deste direito não
pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupar o imóvel com a família.
Ademais, a norma deixa claro o caráter personalíssimo da categoria (intuitu personae), não sendo
possível ceder o direito a terceiros, sendo vedado direito real de habitação de segundo grau (habitação sobre
habitação).
O art. 1415 do CC vaticina que, quando houver direito real de habitação simultâneo, conferido a
mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra.
Por fim, assim como ocorre no uso, são aplicáveis à habitação as disposições do usufruto.

6B. Usucapião e suas modalidades. Parcelamento do solo urbano. Regularização fundiária.

Atualizado por Victor Nunes em 10/2018


Obras consultadas: Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil. 6ª Ed. 2016.Vitorelli, Edilson. Estatuto do Índio. 3ª Ed. 2016.
Legislação básica: artigos 6º, 183 e 191 da CF, artigos 1.208, 1.238, 1.239, 1.240 a 1.244, 1.260, 1.261, 2.028 e 2.029 do CC, artigo 1.071 do NCPC, artigos 1º
e 9º da Lei 10.257/01, artigo 33 da Lei 6001/73, artigos 59 e 60 da Lei 11.977/09, artigo 216-A da Lei de Registros Públicos e Lei 6969/81.

A usucapião, como forma de aquisição originária da propriedade, constitui uma situação de aquisição
do domínio, ou mesmo de outro direito real (caso do usufruto ou da servidão), pela posse prolongada. Assim,
permite a lei que uma determinada situação de fato alongada por certo intervalo de tempo se transforme em
uma situação jurídica (a aquisição originária da propriedade). A usucapião garante a estabilidade da propriedade,
fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de
posse. De certo modo, a função social da propriedade acaba sendo atendida por meio da usucapião.
Observação:atos de mera tolerância não induzem posse, por isso, não é possível alegar usucapião na
vigência de um contrato em que a posse é transmitida, caso da locação e do comodato, por exemplo.
A usucapião possui como principais características:
a)Posse com intenção de dono (animus domini): Essa intenção de dono não está presente, em regra,
em casos envolvendo vigência de contratos, como nas hipóteses de locação, comodato e depósito. Todavia, é
possível a alteração na causa da posse (interversio possessionis), admitindo-se a usucapião em casos excepcionais.
b) Posse mansa e pacífica: exercida sem qualquer manifestação em contrário de quem tenha legítimo
interesse, ou seja, sem a oposição do proprietário do bem. Se em algum momento houver contestação dessa
posse pelo proprietário, desaparece o requisito da mansidão.
c) Posse contínua e duradoura, em regra, e com determinado lapso temporal: posse sem intervalos,
sem interrupção56. Existe uma exceção constante no art. 1.243, CC/02 que admite a soma de posses sucessivas.
Esse artigo dispõe que o possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes,
acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do

56
Lembre-se que podem ser aplicadas à usucapião as hipóteses previstas nos artigos 197 a 202 do CC (art. 1.244, CC)
133
art. 1.242, com justo título e de boa-fé. Trata da accessio possessionis, que vem a ser a soma dos lapsos temporais
entre os sucessores, sejam eles sucessores inter vivos ou mortis causa (soma de posses). Porém é preciso ressaltar
que esse instituto não se aplica para os casos de usucapião especial urbana e rural, justamente diante do
tratamento específico que consta da CF/88.
d) Posse justa: a posse usucapível deve se apresentar sem os vícios objetivos, ou seja, sem a
violência, a clandestinidade ou a precariedade. Se a situação fática for adquirida por meio de atos violentos ou
clandestinos, não induzirá posse, enquanto não cessar a violência ou a clandestinidade (art. 1.208, 2.ª parte, CC).
e) Posse de boa-fé e com justo título, em regra: a usucapião ordinária,seja de bem imóvel ou móvel,
exige a boa-fé e o justo título (arts. 1.242 e 1.260 do CC). Para outras modalidades de usucapião, tais requisitos
são até dispensáveis, havendo uma presunção absoluta de sua presença.
●Modalidades de usucapião de bens imóveis
1. Da usucapião ordinária (art. 1.242 do CC). O CC dispõe sobre duas modalidades de usucapião
ordinária. No caput do comando há previsão da usucapião ordinária regular ou comum, cujos requisitos são os
seguintes: posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 10 anos, justo título e boa-fé, no caso a
boa-fé subjetiva, existente no campo intencional ou psicológico (art. 1.201 do CC).
Já o parágrafo único do art. 1.242, CC trata da usucapião ordinária por posse-trabalho. Isso porque o
prazo cai para cinco anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do
respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua
moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Em resumo, a usucapião é possível, com
prazo reduzido, havendo a posse qualificada pelo cumprimento de uma função social (tal requisito gera o que se
convencionou denominar como usucapião tabular).
2. Da usucapião extraordinária (art. 1.238, CC)
Na esteira do que ocorre com a usucapião ordinária, há a usucapião extraordinária regular ou
comum (caput) e a usucapião extraordinária por posse-trabalho (parágrafo único). Ora, é requisito essencial da
usucapião extraordinária a existência, em regra, de uma posse mansa e pacífica, ininterrupta, com animus domini
e sem oposição por 15 anos. O prazo cai para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia
habitual ou houver realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, se a função social da posse estiver
sendo cumprida pela presença da posse-trabalho.
O que se percebe é que nos dois casos não há necessidade de se provar a boa-fé ou o justo título,
havendo uma presunção absoluta ou iure et de iure da presença desses elementos. O requisito, portanto, é único,
isto é, a presença da posse que apresente os requisitos exigidos em lei.
3. Da usucapião constitucional ou especial rural - pró-labore (art. 191, caput, CF/88, art. 1.239, CC e
Lei 6.969/1981)
Em relação aos seus requisitos, podem ser destacados os seguintes: a área não pode ser superior a
50 hectares e deve estar localizada na zona rural; a posse deve ser de cinco anos ininterruptos, sem oposição e
com animus domini; o imóvel deve ser utilizado para subsistência ou trabalho (pro labore), podendo ser na
agricultura, na pecuária, no extrativismo ou em atividade similar (o fator essencial é que a pessoa ou a família
esteja tornando produtiva a terra, por força de seu trabalho); aquele que pretende adquirir por usucapião não
pode ser proprietário de outro imóvel, seja ele rural ou urbano.
Não há qualquer previsão quanto ao justo título e à boa-fé, pois tais elementos se presumem de
forma absoluta (presunção iure et de iure) pela destinação que foi dada ao imóvel, atendendo à sua função social.
4. Da usucapião constitucional ou especial urbana - pro misero (art. 183, caput, CF/88, art. 1.240,
CC e art. 9º da Lei 10.257/01)
Eis aqui o tratamento específico da accessio possessionis para a usucapião especial urbana, como
outrora mencionado, não se aplicando, portanto, a regra geral prevista no art. 1.243, CC . Resta claro, pela
literalidade da norma, que a soma das posses para a usucapião especial urbana somente pode ser mortis causa
e não inter vivos, como é na regra geral (art. 9º, §3º, da Lei 10.257/01). Pois bem, sintetizando, pelo que consta
das normas, são os requisitos da usucapião constitucional ou especial urbana: área urbana não superior a 250 m²;
posse mansa e pacífica de cinco anos ininterruptos, sem oposição, com animus domini; o imóvel deve ser
utilizado para a sua moradia ou de sua família, nos termos do que prevê o art. 183, caput, da CF/88 (pro misero);
aquele que adquire o bem não pode ser proprietário de outro imóvel, rural ou urbano, não podendo a usucapião
especial urbana ser deferida mais de uma vez. Cumpre observar que não há menção quanto ao justo título e à
boa-fé pela presunção absoluta ou iure et de iure de suas presenças.

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5. A inclusão da usucapião especial urbana por abandono do lar pela Lei 12.424/11 (art. 1.240-A,
CC)
A Lei 12.424/11, inclui no sistema a usucapião especial urbana por abandono do lar. O instituto traz
algumas semelhanças em relação à usucapião especial urbana que já estava prevista, a qual pode ser denominada
como regular. A principal novidade é a redução do prazo para exíguos dois anos, o que faz com que a nova
categoria seja aquela com menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião, inclusive de bens
móveis (o prazo menor era de três anos).
O abandono do lar é o fator preponderante para a incidência da norma, somado ao estabelecimento
da moradia com posse direta. O comando pode atingir cônjuges ou companheiros, inclusive homoafetivos, diante
do amplo reconhecimento da união homoafetiva corno entidade familiar, equiparada à união estável. Consigne-se
que em havendo disputa, judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse ad
usucapionem, não sendo o caso de subsunção do preceito. Do mesmo modo, a expulsão do cônjuge ou
companheiro não pode ser comparada ao abandono. No que concerne à questão de direito intertemporal,
Tartuce (2016) defende que o prazo para o exercício do direito de usucapião previsto no art. 1.240-A deve ser
contado por inteiro, a partir do início da vigência da alteração legislativa.
6. Da usucapião especial urbana coletiva (art. 1º da Lei 10.257/01, com a redação da Lei 13.565/17)
Ocorre nos casos envolvendo imóveis localizados em zonas urbanas, desde que obedecidos os
seguintes requisitos: núcleos urbanos informais; posse de cinco anos ininterruptos com animus domini, sem
oposição, não havendo exigência de que a posse seja de boa-fé; área total divida pelo número de possuidores
inferior a 250m2 por possuidor; e aquele que adquire não pode ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.
Faz-se necessário ler com atenção os parágrafos do art. 10 do Estatuto da Cidade que trazem
importantesregras de cunho material e processual sobre essa usucapião.
7. Da usucapião especial indígena (art. 33, Lei 6.001/73)
Além das formas de usucapião previstas no CC/02, na CF/88, na Lei Agrária e no Estatuto da Cidade,
há também a usucapião especial indígena, tratada pelo Estatuto do Índio. São requisitos da usucapião indígena:
área de, no máximo, 50 há e posse mansa e pacífica por dez anos, exercida por indígena.
Segundo Vitorelli (2016),apesar de não ser possível a usucapião de bens públicos, por força do art.
191 da CF/88, o entendimento jurisprudencial (consolidado na Súmula 650, STF) é de que uma vez que os incisos I
e XI do art. 20, CF/88 não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em
passado remoto, tais terras são consideradas, na opinião do STF, bens privados, de modo que, se ainda estiverem
ocupadas por algum descendentes dos povos extintos, serão passíveis de usucapião indígena. Veja, nesse sentido,
o seguinte julgado:
“É pacífica a orientação desta Corte, consolidada por meio da Súmula STF nº 650, no sentido de que
os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras que foram ocupadas por indígenas no
passado remoto, donde a ilegitimidade da União Federal para figurar como parte em ação de usucapião de imóvel
compreendido no perímetro de antigo aldeamento indígena.” (STF, AI-AgR 437294. 2ª Turma. J. 21/02/06)
Ainda, Vitorelli (2016) afirma que deve ser reputado irrelevante a distinção entre índio integrado ou
não contida no art. 33 do Estatuto. Além disso, aduz que as demais modalidades de usucapião também podem
ser aplicadas em benefício do índio ou das comunidades indígenas.
8. Usucapião administrativa (extrajudicial): Lei minha casa, minha vida
Além das modalidades judiciais expostas, a Lei 11.977/09 (Lei Minha Casa, Minha Vida) instituiu
modalidade de usucapião administrativa, a ser efetivada no Cartório de Registro de Imóveis, dispensando
demanda judicial. A disciplina da usucapião administrativa ou extrajudicial foi alterada pela Lei 13.465/17. A
usucapião administrativa é processada diretamente perante o cartório de registro de imóveis da comarca em que
estiver situado imóvel usucapiendo. O procedimento está previsto no art. 216-A da Lei 6.015/73. O ponto central
da alteração no procedimento da usucapião administrativa pela Lei 13.465/17 foi a necessidade de manifestação
expressa do titular de direito registrado ou averbado na matrícula do imóvel para opor discordância à aquisição
por usucapião, interpretando-se o silêncio como concordância. Em caso de impugnação do pedido de usucapião
feito em cartório, o oficial de registro remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel,
cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum. A rejeição do pedido
extrajudicial, não impede o ajuizamento da ação de usucapião.
Observação: O art. 1.071 do CPC/2015 incluiu o art. 216-A na Lei de Registros Públicos, ampliando o
tratamento da usucapião extrajudicial ou administrativa que, na opinião de Tartuce (2016), pode ser aplicada a

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qualquer uma das modalidades de usucapião de bens imóveis.
●Modalidades de usucapião de bens móveis
1. Usucapião ordinária (art.1.260, CC)
São requisitos da usucapião ordinária de bens móveis a posse mansa, pacífica e com intenção de
dono por três anos, o justo título e a boa-fé.
2. Usucapião extraordinária (1.261, CC)
Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião extraordinária,
independentemente de título ou boa-fé, que se presumem de forma absoluta.
Atenção:Dispõe o artigo 1.262, CC/02 que os artigos 1.243 e 1.244 devem ser aplicados
residualmente à usucapião de bens móveis.

Parcelamento do solo urbano


A atividade de parcelamento do solo para fins urbanos é regulada pela Lei 6.766/1979, norma geral
de direito urbanístico que estabelece os parâmetros mínimos para a aprovação de empreendimentos de
parcelamento do solo, com o intuito de ampliar a cidade. Todavia, os municípios podem e devem editar normas
legais locais para disciplinar a matéria de acordo com as suas peculiaridades.
A Lei 6.766/1979 prevê duas modalidades de parcelamento do solo urbano: o loteamento e o
desmembramento (art. 2º). A partir da Lei 13.465/17 passou-se a prever o loteamento de acesso controlado e o
condomínio de lotes.
No loteamento, a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação implica na abertura de novas
vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias já existentes.
No desmembramento, a subdivisão da gleba em lotes se dá com o aproveitamento do sistema viário existente,
desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, bem prolongamento, modificação ou
ampliação dos já existentes.
O loteamento de acesso controlado (art. 2º, §8º) consiste na modalidade de loteamento com
controle de acesso a ser regulamento em ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de
acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.
Cuida-se do loteamento aprovado na forma da Lei Federal nº 6.766/1979, com previsão de áreas de
propriedade pública, de uso comum do povo e de uso especial, incorporadas ao patrimônio público a partir do
registro do loteamento no CRGI, conforme previsão do artigo 17 da Lei nº 6.766/1979, mesmo que não haja
abertura de matrículas imobiliárias individualizadas para tais bens públicos. Em que pese esses empreendimentos
serem popularmente conhecidos e divulgados pelo mercado imobiliário como “condomínios”, não se trata de
condomínio efetivamente, pois não existem bens comuns aos proprietários dos lotes. Infelizmente, vemos a
prática de instituir “condomínios ou loteamentos fechados” a partir do cercamento de vias públicas e construção
de obstáculos à livre circulação dos munícipes, a exemplo de cancelas e guaritas, disseminar-se por todo o
território nacional, a pretexto de propiciar “segurança” aos moradores de tais “condomínios”, transferindo-se-
lhes, em contrapartida, encargos financeiros diversos, a exemplo da limpeza e conservação das vias e espaços
públicos ocupados, contratação de empresas privadas de segurança, entre outros.
Observamos que essa prática muitas vezes decorre da má qualidade de vida nas cidades, causada
pelo crescimento urbano descontrolado, aliado à crescente falta de segurança pública, servindo de meio de
enriquecimento de empresários do ramo imobiliário, que passam a vender seus “produtos”, vale dizer, os lotes e
imóveis instalados nestes verdadeiros guetos urbanos com promessa de “status” social, onde se pode “morar
bem e com segurança”. A nosso ver, a prática revela-se inconstitucional e ilegal, ainda que apoiada em diploma
legal ou ato normativo de natureza diversa expedido pelo Município, pois implica a privatização de bens de uso
comum do povo e limitação do direito de ir e vir no espaço urbano.
Já o condomínio de lotes (art. 4º, §4º), não se trata de loteamento, por não haver previsão de áreas
de domínio público no interior do empreendimento. Todavia, essa modalidade de empreendimento pode
comprometer a circulação na cidade, seja inviabilizando o acesso a praias, seja construindo muros. Para
solucionar o problema, previu-se a possibilidade de, no momento de aprovação do empreendimento, o poder
público municipal exigir que sejam instituídas limitações administrativas e direitos reais, tais como servidões de
passagem, para garantir o acesso do poder público e da população em geral aos lugares de uso comum do povo
lindeiro, que, de outro modo, ficariam com seu uso restrito aos moradores do condomínio de lotes.
O art. 3º, parágrafo único, da Lei 6.766/1979 traz os casos em que não será permitido o

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parcelamento do solo.

Regularização fundiária
A Lei Federal nº 13.465/2017 prevê no art. 13 duas modalidades de regularização fundiária urbana
(Reurb), levando em consideração a situação socioeconômica da população beneficiária, a saber: a) Reurb de
Interesse Social (Reurb-S): regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados
predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; b)
Reurb de Interesse Específico (Reurb-E): regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados
por população não qualificada como de baixa renda.
Verifica-se que cabe ao Poder Executivo municipal enquadrar a Reurb em uma das modalidades
legais, mediante ato formal, normalmente por meio de decreto ou despacho, o que se dará logo no início do
processo administrativo de análise e aprovação da Reurb. A lei em comento concede tratamento diferenciado,
quer se trate de Reurb-S ou de Reurb-E, instituindo isenções de custas e emolumentos para a Reurb-S, previstas
nos parágrafos do artigo 13. As principais isenções abrangem os atos registrais da regularização fundiária de
interesse social, isto é, a averbação do auto de demarcação urbanística, registro da regularização, abertura de
matrícula dos lotes e registro do ato de aquisição do domínio, da legitimação fundiária e da legitimação de posse,
a conversão da legitimação de posse em domínio, por meio de usucapião administrativo, o primeiro registro do
direito real de laje e, por fim, a averbação da edificação com até 70 m2 de área construída. Serão gratuitas
também as certidões fornecidas para viabilizar pesquisas cartorárias com vistas à regularização fundiária de
interesse social.

Enunciados das Jornadas de Direito Civil:


Enunciado n. 85 do CJF/STJ: Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil, entende-se por "área urbana"
o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios.
Enunciado n. 86 do CJF/STJ: A expressão "justo título" contida nos arts. 1.242 e 1.260 do Código Civil abrange
todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro.
Enunciado n. 312 do CJF/STJ: Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião
especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada.
Enunciado n. 313 do CJF/STJ: Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a
aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir.
Enunciado n. 314 do CJF/STJ: Para os efeitos do art. 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem
máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum.
Enunciado n. 317 do CJF/STJ: A accessiopossessionis, de que trata o art. 1 .243, primeira parte, do Código Civil,
não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da
normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente.
Enunciado n. 497 do CJF/STJ: O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo,
ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor.
Enunciado n. 498 do CJF/STJ: A fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova
modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011.
Enunciado n. 500 do CJF/STJ: A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a
propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive
homoafetivas.
Enunciado n. 501 do CJF/STJ: As expressões "ex-cônjuge" e "ex-companheiro", contidas no art. 1.240-A do Código
Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio.
Enunciado n. 502 do CJF/STJ: O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com
a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código.
Enunciado n. 564 do CJF/STJ: As normas relativas à usucapião extraordinária (art. 1.238, caput, CC) e à usucapião
ordinária (art. 1.242, caput, CC), por estabelecerem redução de prazo em benefício do possuidor, têm aplicação
imediata, não incidindo o disposto no art. 2.028 do Código Civil.
Enunciado n. 569 do CJF/STJ: No caso do art. 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa,
prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é o titular do imóvel
no registro.
Enunciado n. 594 do CJF/STJ: É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido

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para a região, por meio da usucapião especial rural.
Enunciado n. 595 do CJF/STJ: O requisito "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do instituto da
usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não
importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.
Enunciado n. 596 do CJF/STJ: O condomínio edilício pode adquirir imóvel por usucapião.
Julgados para consulta: STF, Plenário, RE 422349/RS, julgado em 29/04/15 (repercussão geral); STJ, 3ª turma,
REsp 1.360.017-RJ, julgado em 05/05/16; STJ, 4ª turma, REsp 1.040.296-ES, julgado em 02/06/2015; STJ, 4ª
turma, REsp 1.106.809-RS, julgado em 03/03/2015; STJ, 4ª turma, REsp 1.090.847-SP, julgado em 23/04/2013
Súmulas do STF:
Súmula nº 237: A usucapião pode ser argüido em defesa.
Súmula nº 263: O possuidor deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião.
Súmula nº 340: Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem
ser adquiridos por usucapião.
Súmulas do STJ:
Súmula nº 11: A presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação de usucapião especial, não afasta a
competência do foro da situação do imóvel.
Súmula nº 193: O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião.
Questões do MPF:
Prova objetiva do 24º CPR: Questão 73, assertiva III - A presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação
de usucapião especial, não afasta a competência do foro da situação do imóvel. (a assertiva foi considerada
correta)
Prova objetiva do 23º CPR: Questão 65, assertiva II - O imóvel hipotecado pode ser objeto de usucapião, sem que
subsista o ônus real no novel adquirente, mas, para tanto, mister se faz que tenha ocorrido a prescrição do
crédito, ensejando a usucapio libertais. (a assertiva foi considerada correta)
Prova objetiva do 22º CPR: Questão 60, assertiva b - O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por
usucapião. (aassertiva foi considerada correta)

13C. Dos direitos de vizinhança.

André Bica

I. Conceito: os direitos de vizinhança constituem limitações impostas pela boa convivência social, que se inspira
na lealdade, na boa-fé na vedação ao abuso de direito, limitando, via de consequência, o alcance das faculdades
de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado,
a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. “Cada
proprietário compensa seu sacrifício com a vantagem que lhe advém do correspondente sacrifício do vizinho”.
Salienta-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários
confinantes, uma vez que a vizinhança, por si, é uma fonte permanente de conflito. Obs: vizinhança não se
confunde com contiguidade, não é restrita aos prédios confinantes.
Enunciado n. 319 do CJF/STJ: “A condução e a solução das causas envolvendo conflitos de vizinhança devem
guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da
proteção do meio ambiente”.
II. Natureza jurídica: Segundo a doutrina majoritária, trata-se de obrigações propter rem. Não se confunde com
direito real de servidão.
III. Uso anormal da propriedade (art. 1.277/1.281 do CC): O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o
direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde (Tartuce: regra dos três S)
dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (não prevalecendo tal direito quando as
interferências se justifiquem pelo interesse público). Atos ilegais, abusivos ou excessivos. Enseja responsabilidade
objetiva – teoria do abuso de direito. O § único do art. 1.277 estabelece que: “Proíbem-se as interferências
considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as
edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança". O proprietário ou o
possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace
ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente (art. 1.280).

138
IV. Árvores Limítrofes (art. 1.282/1.284 do CC): Árvore limítrofe, assim entendida como aquela cujo tronco
estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes (art. 1.282). A
situação abrange qualquer tipo de árvore, nascida naturalmente, semeada ou plantada. Raízes e ramos podem
ser cortados pelo proprietário do terreno invadido até o plano vertical divisório (direito de corte – art. 1.283). Os
frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo se for propriedade particular (princípio da
gravitação jurídica – art. 1.284).
V. Passagem Forçada (art. 1.285): consiste no direito do proprietário do prédio (rústico ou urbano), que não tem
acesso à via pública, nascente ou porto, de, por meio do pagamento de cabal indenização, reclamar do vizinho
que lhe dê passagem, estabelecendo-se judicialmente o rumo (por meio da ação de passagem forçada), quando
não houver acordo, observando-se o princípio da menor onerosidade. “Trata-se de uma das mais rigorosas
restrições de direito de vizinhança, como benefício reconhecido ao titular de prédio encravado, urbano ou rural”.
Tradicionalmente, exige-se que o encravamento seja absoluto, contudo, Maria Helena Diniz, lançando mão do
Enunciado 88 do CJF, arrazoa que o direito à passagem forçada também é assegurada nas situações em que o
acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, devendo-se, inclusive, considerar as necessidades de
exploração econômica. Não se pode confundir a passagem forçada com as servidões, em especial com a servidão
de passagem. a primeira é instituto de direito de vizinhança, enquanto que as segundas constituem um direito
real de gozo ou fruição. Além dessa diferença, a passagem forçada é obrigatória, diante da função social da
propriedade; as servidões são facultativas.
VI. Passagem de cabos e tubulações (art. 1.286 e 1.287): no que se refere à passagem de cabos e tubulações, o
Código Civil, precisamente o parágrafo único do artigo 1.286, estatui que, mediante o percebimento de
indenização que compreende o dano emergente e o lucro cessante, tal como a desvalorização da área
remanescente, é o proprietário obrigado a suportar a passagem, em razão de seu aspecto necessário, de cabos
aéreos de energia elétrica, de telefonia ou de processamento de dados. Igualmente, pelo referido dispositivo,
deverá o proprietário tolerar a passagem de tubulações subterrâneas de água, gás e esgoto, assim como outros
condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública.
VII. Águas (art. 1.288/1.296): consiste na necessidade de suportar, gratuitamente, o curso das águas
naturalmente escoadas pela propriedade superior. Deve ser interpretado em consonância com o art. 225 da CRFB
e com a função socioambiental da propriedade. Inaugurando o tratamento do direito de vizinhança, determina o
art. 1.288 do Código Privado que o dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que
correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. Isso justifica a
instituição da passagem obrigatória de tubulações, nos termos do art. 1.286 do CC/2002. Porém, enuncia ainda o
art. 1.288 da codificação material que a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por
obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior menor onerosidade). Nos casos de escoamento artificial
de águas, de um prédio superior para outro inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe
indenize o prejuízo que sofrer. Da indenização será deduzido o valor do benefício obtido. (art. 1.289). A
literalidade do art. 1.291 parece sugerir a possibilidade de se poluir águas que não sejam indispensáveis à vida
dos possuidores dos imóveis inferiores, sendo extremamente criticado:
Enunciado 244 CJF: “O art. 1.291 deve ser interpretado conforme a Constituição, não sendo facultada a poluição
das águas, quer sejam essenciais ou não às primeiras necessidades da vida”.
O art. 1.293 do Código Civil de 2002 trata do direito à construção do aqueduto, canais de recebimento ou
transporte das águas, que deve atender a uma função social e obedecer ao princípio da menor onerosidade.
O proprietário de imóvel tem direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do
consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de
passagem de águas para a sua propriedade e haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado.
Trata-se de direito de vizinhança assegurado pelo art. 1.293 do Código Civil.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.616.038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/9/2016 (Info 591).
VIII. Limites entre prédios e direito de tapagem (art. 1.297 e 1.298): Tapagem consiste no direito que o
proprietário de um imóvel tem de cercar, murar, valar e tapar de qualquer modo o seu prédio urbano ou rural,
nos termos do caput do art. 1.297 do Código Civil. Em continuidade, prevê ainda que o proprietário pode
constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos
apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados
as respectivas despesas. Há presunção relativa de copropriedade de muros, cercas, tapumes, salvo se
demonstrado que só um dos confinantes pagou.

139
IX. Direito de construir (art. 1.299/1.313): o CC reconhece ao proprietário, como regra geral, amplos direitos de
construir, prevendo o seu art. 1.299 que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe
aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. Quanto aos direitos de vizinhos,
podem ser citados os limites constantes do art. 1.228, § 2.º (configuração do abuso de direito), e do art. 1.277 do
Código Civil (uso anormal da propriedade). No que concerne aos regulamentos administrativos, cite-se o plano
diretor, que visa à organização das cidades, conforme dispõe o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Em todos os
casos não se pode esquecer que a função social e socioambiental da propriedade também representam claras
restrições ao direito de construir (arts. 5.º, XXII e XXIII, 225 da CF/1988 e 1.228, § 1.º, do CC/2002).
Protegendo o direito à privacidade, o art. 1.301 do Código Civil de 2002 prevê que é proibido abrir janelas, ou
fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho, proibição que segundo o STJ é
objetiva, trazendo presunção absoluta de violação, não se prestando unicamente a limitar a visão do imóvel
sobre seu vizinho. STJ. 3ª Turma. REsp 1.531.094-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/10/2016
(Info 592). Esse dispositivo é aplicado aos imóveis urbanos, pois, nos casos de imóveis rurais, a limitação é de
três metros, conforme o art. 1.303 do CC/2002. O prazo decadencial para a propositura da ação visando a
desfazer a obra em desrespeito ao que consta dos arts. 1.300 e 1.301 (ação demolitória) está previsto no
dispositivo seguinte, o art. 1.302 do CC, in verbis: “O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da
obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por
sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das
águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho”.
Os arts. 1.308 a 1.311 preveem uma série de proibições, que, uma vez desobedecidas, sujeitam o violador à
obrigação de demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos. São vedadas: construções capazes
de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes (art. 1.309);
fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas
necessidades normais (art. 1.310); execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar
desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após
haverem sido feitas as obras acautelatórias (art. 1.311).
Por fim, o art. 1.313 do atual Código Civil, em decorrência da realização de obras, reconhece que o proprietário
ou ocupante é obrigado a tolerar que o vizinho adentre no seu imóvel (direito de penetração), desde que haja
prévio aviso, para o vizinho, temporariamente, dele for usar, quando indispensável à reparação, construção,
reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório ou Para o vizinho apoderar-se de coisas suas, inclusive
animais que ali se encontrem casualmente.

11.DIREITO DE FAMÍLIA
11.1 Casamento e união estável. Regimes de bens. A situação do companheiro no Código Civil. A união estável,
seus reflexos patrimoniais e correlações com o instituto do casamento. Uniões estáveis concomitantes.
Concubinato. Dissolução da sociedade e dos vínculos conjugais. A permanência ou extinção do instituto da
separação. (11.b)
11.2 Relações de famı ́lia e princı ́pio da solidariedade. Igualdade e liberdade nas relações entre cônjuges e
companheiros. Filiação e da guarda dos filhos. Conceito contemporâneo de famı ́lia. Novas modalidades de
famı ́lia. Famı ́lias homoafetivas, poliafetivas e monoparentais. Famı ́lia natural, extensa e ampliada. Famı ́lia
composta e famı ́lia mosaico. Famı ́lias simultâneas e redes familiares. Abandono afetivo e seus efeitos civis. (7.c)
11.3 Reconhecimento de filhos e adoção. Adoção por casais homoafetivos. Convenção da Haia Relativa à Proteção
das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 1993. Estado de filiação e direito à origem
genética. Filiação biológica e não biológica. Adoção à brasileira. Atuação do Ministério Público no processo de
adoção. Parto anônimo. Ação vindicatória de filho. (11.c)
11.4 Reconhecimento da paternidade. Homoparentalidade. Multiparentalidade. Parentalidade socioafetiva.
Parentalidade alimentar. Alienação parental. (1.c)
11.5 Poder familiar: conceito, exercı ́cio, suspensão e extinção. O poder familiar e os direitos próprios da criança e
do adolescente. (12.c)
11.6 Alimentos. Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 1956. Cooperação
jurı ́dica internacional e atuação do Ministério Público Federal. (8.b)

140
11B. Casamento e união estável. Regimes de bens. A situação do companheiro no Código Civil. A união estável,
seus reflexos patrimoniais e correlações com o instituto do casamento. Uniões estáveis concomitantes.
Concubinato. Dissolução da sociedade e dos vínculos conjugais. A permanência ou extinção do instituto da
separação.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior 02/09/18

I. Casamento e união estável

O primeiro passo para haver um casamento é a habilitação prévia dos nubentes (não existe previsão de
esponsais, ou seja, contratos de noivado). Nesta ocasião, é fixado edital por 15 dias (proclamas, art. 1.527, CC)
para que terceiros, MP ou oficial de registro possam impugnar o casamento (art. 1.526, CC). No processo de
habilitação são observados:

a) capacidade dos nubentes para se casar:


i) maiores de 18
ii) emancipados
iii) grávidas (art. 1.551, CC)
iv) maiores de 16 (idade núbil), desde que com autorização dos representantes ou suprimento judicial.
b) ausência de impedimentos matrimoniais (rol exaustivo do art. 1.521, CC):
i) por parentesco (inc. I a V): todos da linha reta, inclusive afins; colaterais até 3º grau; adotante com ex-cônjuge
do adotado e vice-versa
ii) por casamento anterior (inc. VI)
iii) por crime anterior (inc. VII): homicídio, mesmo que tentado, contra consorte do outro nubente
c) ausência de causas suspensivas (art. 1.641, I, CC). Seu fundamento é a proteção ao patrimônio de terceiros.
Assim, se presentes causas suspensivas, o casamento é irregular, mas não nulo, e tem como consequência apenas
a imposição do regime de separação obrigatória de bens. São causas suspensivas:
i) pendência de partilha
ii) não transcurso de 10 meses após viuvez ou casamento anulado
iii) não cessação da tutela/curatela e pendência de acerto de contas entre tutor/curador e tutelado/curatelado

Superada a fase de habilitação, é expedida certificação, válida por 90 dias (art. 1.532, CC), prazo no qual os
nubentes devem celebrar o casamento, sob pena de nova habilitação

Quanto à forma da celebração do casamento, ela pode ser:

i) civil: pelo juiz de paz, no cartório na presença de 2 testemunhas ou em prédio particular com portas abertas na
presença de 4 testemunhas (art. 1.534, CC). Há possibilidade de casamento por procuração (art. 1.542, CC).
ii) religioso com efeitos civis: por líder religioso, em prédio particular com portas abertas na presença de 4
testemunhas (art. 1.515, CC). O registro civil deve ser providenciado em 90 dias, produzindo efeitos desde a data
de celebração.
iii) por moléstia grave: pelo juiz de paz, em prédio particular, mesmo que com portas fechadas, na presença de 2
testemunhas (art. 1.539, CC).
iv) nuncupativo: sem autoridade celebrante, quando nubente está à beira da morte; neste caso, exigem-se 6
testemunhas e em até 10 dias o fato deve ser comunicado à autoridade judicial (art. 1.540, CC).
v) consular: pelo cônsul brasileiro ou autoridade estrangeira, no exterior (art. 1.544, CC). O registro civil deve ser
providenciado em 180 dias.

Até a consumação do casamento, que ocorre quando proferida a fórmula sacramental (art. 1.535, CC),
qualquer pessoa capaz pode apresentar causa de nulidade (art. 1.522, CC). Após, é necessário demonstrar
interesse processual em ação declaratória de nulidade, observando-se que mesmo o casamento nulo produz
efeitos para os nubentes que estavam de boa-fé (casamento putativo, art. 1.561, CC). No tocante ao tema
nulidade/anulabilidade do casamento, destaque-se:

141
Casamento nulo (art. 1.548, CC): portanto, não passível de convalidação
i) por infringência de impedimento

Casamento anulável (art. 1.550, CC): portanto, passível de convalidação posterior.


i) por vício presumido de vontade:
a) nubente sem idade mínima
b) nubente em idade núbil sem autorização do representante
ii) por vício de vontade:
a) coação
b) erro essencial sobre a pessoa (ignorância quanto a identidade ou crime, sendo insuportável a vida em comum
após seu conhecimento; ignorância de defeito físico irremediável incapaz de pôr em risco a saúde do cônjuge ou
da descendência)
c) incapacidade de manifestação inequívoca do consentimento
d) revogação de mandato para o casamento, não sobrevindo coabitação
iii) por incompetência da autoridade celebrante, exceto se a pessoa exercer publicamente as funções de juiz de
casamentos e registrar o ato no Registro Civil (e.g. prefeito em cidade do interior)

Os requisitos da união estável são a convivência pública, contínua e duradoura e o objetivo de


constituir família (art. 1.723, CC), não havendo mais que se falar em prazo mínimo de 5 anos de tal convivência.
Por ser uma situação de fato, pode ser provada de diversas formas (contas correntes conjuntas, testemunhas,
apólice de seguro, etc.), e eventual escritura pública ou particular de união estável terá efeitos declaratórios, e
não constitutivos. Pode ser celebrado um contrato de namoro para tentar esclarecer a situação entre as partes,
porém sem aptidão para obstar o fato da união estável, caso ela venha a se consumar.

A conversão da união estável em casamento deve ser facilitada (art. 226, §3º, CF), e neste caso não haverá os
proclamas nem a celebração do casamento, a não ser que os interessados requeiram. Caso contrário, será a
sentença judicial que efetivará o casamento.

Por fim, podem-se apontar algumas distinções entre casamento e união estável no que tange a seus aspectos
formais:

i) os impedimentos aplicam-se à união estável. Entretanto, se houver separação de fato, excepciona-se o


impedimento de casamento anterior (art. 1.723, §1º). Neste caso, haverá concomitância entre casamento e
união estável.
ii) as causas suspensivas não se aplicam à união estável (art. 1.723, §2º).

II. Regime de bens

Regime de bens é o estatuto que visa a disciplinar as relações patrimoniais entre cônjuges ou
companheiros. Mesmo no caso de casamentos no exterior, deverá ser observada a disciplina legal brasileira do
assunto, uma vez que o regime de bens segue a regra do domicílio dos nubentes (art. 7º, §4º, LINDB).

Antes do casamento os nubentes podem estipular seu regime de bens como lhes aprouver (art. 1.693,
caput, CC), inclusive criando um regime atípico, salvo nos casos de separação legal obrigatória (art. 1.641, CC).
Essa escolha é feita por meio de um Pacto Antenupcial, formalizado por escritura pública sob pena de nulidade
(art. 1.653, CC), que para ter efeitos perante terceiros deve ser levado ao Registro de Imóveis do domicílio do
casal (art. 1.657, CC).

As formas típicas de regime de bens são:

i) comunhão parcial: é o regime legal, caso as partes não tenham indicado outro (art. 1.640, CC) e não seja caso
de separação obrigatória. Comunicam-se os bens adquiridos onerosamente durante o casamento. No caso de

142
bens anteriores, comunicam-se suas benfeitorias e frutos devidos na constância do casamento (art. 1.660, IV e
V, CC), mas não os bens adquiridos com valores em sub-rogação (art. 1.695, II, CC).

ii) comunhão universal: há comunicação de todos os bens, exceto alguns como bens herdados com cláusula de
incomunicabilidade, bens gravados de fideicomisso antes de realizada a condição suspensiva, dívidas anteriores
ao casamento (art. 1.668, CC).

iii) participação final nos aquestos: não há comunhão de bens, apenas participação nos aquestos (bens
adquiridos na constância do casamento) se houver dissolução da sociedade conjugal. Além do patrimônio,
computam-se doações sem consentimento (art. 1.675, CC) e dívidas solvidas pelo outro consorte (art. 1.678, CC)
no cálculo dos aquestos. A reposição poderá ser em bens ou dinheiro (art. 1.684, CC). Pode-se fazer analogia à
dissolução de uma sociedade empresária.

iv) separação convencional de bens ou absoluta: não há comunicação de bens adquiridos na constância do
casamento, pois presume-se ausência de esforço comum para essa obtenção. Entretanto, tal presunção é
relativa, podendo ser demonstrado condomínio se a parte provar sua colaboração para a formação daquele
patrimônio (aplicação analógica da Súmula 380 do STF, que se refere ao concubinato).

v) separação obrigatória de bens ou relativa: é a separação por força de lei (art. 1.641, CC), sendo relativa, pois
o STF a mitiga com a Súmula 377 (“no regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na
constância do casamento”), presumindo-se o esforço comum do casal e a aproximando da comunhão parcial
(partilha dos aquestos). As hipóteses de separação obrigatória são:
a) inobservância das causas suspensivas do casamento
b) casamento de pessoa maior de 70 anos (dispositivo de constitucionalidade duvidosa, por presumir a falta de
discernimento do idoso)
c) casamento com suprimento judicial (menores de 16 com gravidez; consortes em idade núbil sem autorização
dos representantes; casamento nuncupativo)

Exceto na separação convencional de bens ou se houver cláusula expressa na participação final nos
aquestos (art. 1.656, CC), em todos os outros regimes é necessária vênia conjugal (autorização), sob pena de
nulidade a ser alegada em até dois anos do fim da sociedade conjugal (art. 1.649, CC), para que a outra parte
(art. 1.647, CC):

i) aliene ou grave de ônus real bens imóveis (mesmo os que não se comuniquem)
ii) integre o polo passivo (litisconsórcio necessário) ou ativo (litisconsórcio facultativo, bastando autorização) de
causas relacionadas a direitos reais imobiliários. E.g. ação de usucapião
iii) preste fiança ou aval
iv) faça doação não remuneratória (art. 540, CC) de bens comuns ou de futura meação

As partes poderão alterar o regime já estipulado, desde que haja autorização judicial, pedido motivado de
ambos os cônjuges, e sejam ressalvados aos direitos de terceiros (art. 1.639, §2º, CC)

III. A situação do companheiro no Código Civil

Os companheiros na união estável têm os deveres recíprocos de lealdade (de onde se extrai o dever de
fidelidade) e assistência (de onde se extrai o dever de prestar alimentos), e o dever de guarda em relação aos
filhos (art. 1.724, CC). Outros efeitos pessoais expressos da união estável são:

i) possibilidade de acrescer o sobrenome do companheiro (art. 57, §§2º e 3º Lei de Registros Públicos)
ii) estabelecimento de parentesco por afinidade (art. 1.595, CC)
iii) possibilidade de adoção pelo casal em união estável (art. 42, §2º, ECA)
v) sub-rogação da locação de imóvel urbano para fins residenciais (art. 11, Lei de Locação)
vi) dever de prestar alimentos (art. 1.694, CC)

143
vii) exercício de curatela pelo companheiro nas ações de interdição (art. 1.775, CC).
iv) direito real de habitação (art. 7º, p. único da Lei 9.278/96)

Apesar de não haver expressa disposição da lei nesse sentido, deve-se equiparar o companheiro ao
cônjuge nas seguintes situações:

i) exercício de curatela pelo companheiro nas ações de ausência (art. 25, CC).
ii) impedimento para testemunhar contra o companheiro (art. 228, V, CC)
iii) presunções de paternidade (art. 1.597, CC)

Por outro lado, são efeitos do casamento que não se verificam na união estável:

i) emancipação do companheiro menor (art. 5º, II, CC)


ii) mudança do estado civil
iii) obrigação de coabitação (art. 1.566, CC)

IV. A união estável, seus reflexos patrimoniais e correlações com o instituto do casamento

Na união estável, em regra o regime de bens, assim como no casamento, será o de comunhão parcial,
salvo estipulação em contrário em contrato de convivência firmado pelos companheiros (art. 1.725, CC). Além
disso, não se aplicam à união estável as causas legais de separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC), a
necessidade de vênia conjugal para certos atos (art. 1.647, CC) e nem a autorização judicial prévia para alteração
do regime de bens (art. 1.639, §2º, CC).

Na dissolução em vida da união estável, são observados os seguintes reflexos patrimoniais em termos de
direitos:

i) meação, com aplicação do regime de comunhão parcial de bens, em regra


ii) alimentos

Já na dissolução por morte, tem-se:

i) herança: nas mesmas condições que o cônjuge, pois o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790, CC
(companheiro concorria com colateral e sucedia apenas nos aquestos), determinando a aplicação do art. 1.829,
CC (sucessão idêntica ao do cônjuge).
ii) direito real de habitação: direito vitalício de continuar habitando o imóvel do casal, ainda que não integrante
da meação ou herança (art. 7º, p. único, Lei 9.278/96). Diferentemente do casamento, no caso da união estável
esse direito é condicionado à não constituição de nova família.
iii) eventuais benefícios previdenciários (art. 16, I, Decreto 357/91)
iv) sub-rogação no contrato de locação de imóvel urbano
v) proteção do bem de família

V. Uniões estáveis concomitantes. Concubinato

Os tribunais superiores não têm admitido uniões estáveis concomitantes com fundamento no dever de
lealdade recíproco (monogamia). Neste caso, a primeira é considerada entidade familiar e a segunda é tratada
como concubinato (art. 1.727, CC).

O concubinato (relação não eventual entre pessoas impedidas de casar) é tratado como mera sociedade
de fato. Por não ser uma família (diferentemente do casamento e da união estável), a competência para julgar
conflitos envolvendo concubinato é da vara cível, e não da vara de família.

144
Apesar da possibilidade de partilha do patrimônio comprovadamente adquirido pelo esforço comum
(STF, Súmula 380), há uma série de vedações à concubina, como:

i) receber doação, sob pena de nulidade (art. 550, CC)


ii) ser beneficiária de seguro de vida (art. 793, CC)
iii) ser herdeira ou legatária (art. 1.801, III, CC)
iv) receber alimentos (art. 1.694, CC)
v) fazer jus a indenização por serviços domésticos prestados (27º CPR, questão 78)

VI. Dissolução da sociedade e dos vínculos conjugais

A sociedade conjugal termina pela morte, nulidade ou anulação do casamento, separação judicial e
divórcio (art. 1.571, I a IV, CC). O casamento, por sua vez, termina apenas com a morte e o divórcio (art. 1.571,
§1º, CC).

Assim sendo, no sistema bifásico anterior à EC 66/10, era obrigatória uma primeira etapa de separação
judicial ou separação de fato por 1 ano, com término apenas da sociedade conjugal, para só então pleitear-se o
divórcio, aí sim, com o término da sociedade matrimonial e a possibilidade de novo casamento.

Atualmente não só é desnecessária a separação prévia, como também o divórcio, na forma de direito
potestativo extintivo, pode ser extrajudicial, caso haja consenso e inexista filho nascituro ou incapaz.

Para a dissolução da união estável não se exige qualquer formalidade, porém as partes podem celebrar
distrato de convivência estipulando regras para a dissolução patrimonial.

VII. A permanência ou extinção do instituto da separação

Há precedente (STJ, 3ªT, 2017) admitindo a coexistência entre separação e divórcio mesmo após a EC
66/10. Segundo o ministro Villas Bôas Cueva houve apenas facilitação do divórcio, prescindindo-se de requisitos
temporais (antigo procedimento bifásico obrigatório), porém ainda existe a possibilidade de o casal optar pela
separação judicial previamente ao divórcio. Como parte da argumentação, o ministro citou que o novo CPC
trouxe dispositivos referenciando expressamente a separação, o que evidencia a intenção do legislador de
manter o instituto “art. 53, I, é competente o foro para ação de divórcio, separação (...); art. 189, II, tramitam em
segredo de justiça os processos que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união
estável (...)”. Essa decisão foi criticada por parte da doutrina (e.g. Maria Berenice Dias, Tartuce), pois seria um
retrocesso ao permitir discussão de culpa e cumprimento de lapso temporal prévio ao fim do casamento.

Em outro precedente (STJ, 3ªT, 08/2018), a ministra Nanci Andrighi indiretamente reafirmou a
coexistência dos institutos, ao julgar que a separação judicial já seria suficiente para afastar cobertura
securitária pela morte de cônjuge, superando entendimento anterior da Corte. Nessa oportunidade, ela assentou
que devido aos vínculos cada vez mais fluidos e frágeis na sociedade atual, o rompimento da sociedade conjugal,
efeito da separação judicial (art. 1.571, caput e III, CC) deveria ser interpretado também como o rompimento das
questões patrimoniais.

7C. Relações de família e princípio da solidariedade. Igualdade e liberdade nas relações entre cônjuges e
companheiros. Filiação e da guarda dos filhos. Conceito contemporâneo de família. Novas modalidades de
família. Famílias homoafetivas, poliafetivas e monoparentais. Família natural, extensa e ampliada. Família
composta e família mosaico. Famílias simultâneas e redes familiares. Abandono afetivo e seus efeitos civis.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior 28/08/18

I. Relações de família e princípio da solidariedade

O princípio da solidariedade (art. 3º, I, CF; preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança) aplica-
145
se ao direito de família e fundamenta, por exemplo, os cuidados especiais com pessoas vulneráveis (criança,
idoso, vítima de violência doméstica), o dever de prestar alimentos, a possibilidade de contrair dívidas
necessárias à economia doméstica, obrigando solidariamente ambos os cônjuges (art. 1.644, CC).

II. Igualdade e liberdade nas relações entre cônjuges e companheiros

A família patriarcal no Brasil decorreu de uma concepção autoritária originada no direito português,
porém foi superada com a Constituição de 1988 (art. 5º, I, igualdade entre homem e mulher; art. 226, §5º
igualdade entre homem e mulher na sociedade conjugal) e posteriormente com o Código Civil de 2002 (e.g.
substituição do pátrio poder pelo poder familiar; extinção das preferências da família paterna em algumas
hipóteses de sucessão; extinção do regime dotal; possibilidade de qualquer dos cônjuges pedir alimentos, adotar
o sobrenome do outro ou adquirir coisas necessárias à economia doméstica sem autorização um do outro).

O passo seguinte foi a gradativa equiparação da união estável ao casamento, tendo-se como marco
recente o fim da discriminação entre cônjuges e companheiros para fins de sucessão (STF, 2017).

Além da igualdade, a liberdade nas relações também evoluiu (e.g. facilitação do divórcio; possibilidade
de alteração do regime de bens; não obrigatoriedade de adoção do sobrenome do outro), apesar de ainda haver
algumas restrições (e.g. regime obrigatório de separação de bens no caso da pessoa maior de 70 anos).

III. Filiação e guarda dos filhos

Filiação é a relação jurídica entre ascendentes e descendentes de 1º grau, sendo vedada qualquer
discriminação entre filhos biológicos e adotados (art. 227, §6º, CF; art. 1.596, CC). Há algumas hipóteses de
presunção de filiação em virtude do casamento (e.g. nascimento depois de 180 dias após estabelecida a
convivência conjugal ou até 300 dias após a dissolução; art. 1.597, CC), que admitem prova em contrário, inclusive
com relativização da coisa julgada no caso de exame pericial de DNA.

É possível contestar a paternidade ou provar a filiação por meio de ações imprescritíveis e


personalíssimas (legitimidade ativa restrita), por se tratarem de ações de estado, protetoras de direito
indisponível do genitor e do filho, respectivamente. No entanto, uma vez proposta a ação, os herdeiros podem
prosseguir, notadamente por conta das repercussões patrimoniais (art. 1.601, art. 1.606, CC), e qualquer pessoa,
com justo interesse, poderá contestar (art. 1.615, CC).

Já para o reconhecimento dos filhos é desnecessária ação judicial (pode ocorrer no registro do nascimento, por
escritura, por testamento; art. 1.609, CC). Esse reconhecimento não admite revogação, condição ou termo (art.
1.610, art. 1.613, CC), e não pode se dar sem consentimento do filho maior (art. 1.614, CC); no caso de menor, é
possível impugnação nos 4 anos seguintes à maioridade ou emancipação (art. 1.614, CC).

A guarda é um poder-dever de convívio e cuidado dos filhos. No caso de separação judicial, poderá ser
unilateral (restando ao outro o direito de visita, que é extensível aos avós, art. 1.589, p. único) ou compartilhada
(que é a regra em caso de dissenso dos pais, art. 1.584, §3º, CC). A guarda compartilhada não impede a fixação
de alimentos e difere da guarda alternada (menor passa x dias com o pai e x dias com a mãe), sendo esta última
evitada devido à instabilidade causada ao menor. O critério para definição da guarda é o melhor interesse da
criança.

A guarda decorre do poder familiar dos genitores (art. 1.583, CC) ou é autônoma (art. 33, ECA), sendo
neste último caso oponível até mesmo aos pais biológicos. Assim, em relação à filiação, a guarda pode ser seu
efeito (CC) ou medida preparatória para sua futura aquisição por meio da adoção (ECA).

IV. Conceito contemporâneo de família. Novas modalidades de família. Famílias homoafetivas, poliafetivas e
monoparentais. Família natural, extensa e ampliada. Família composta e família mosaico. Famílias simultâneas e
redes familiares.

146
Com a constitucionalização do Direito Civil, houve a filtragem de diversos institutos privados, inclusive a
família, por princípios como a dignidade humana, a solidariedade e a igualdade material. Desta forma, foi criado
um novo conceito de família, baseado não mais em regras rígidas e com foco patrimonial, mas no princípio da
afetividade e do eudemonismo (busca pela felicidade). É por conta disso que o rol das famílias mencionadas na
Constituição é exemplificativo (casamento, união estável e família monoparental, art. 226, §§ 1º a 4º), tendo o
STJ já reconhecido, por exemplo, a família anaparental (sem pais, como no caso de duas irmãs) e até mesmo
unipessoal (Súmula 364, “bem de família abrange imóveis de solteiros, separados e viúvos”). Refletindo essa
concepção ampla, a Lei Maria da Penha definiu família como “comunidade de indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, afinidade ou vontade expressa”. Neste contexto, podem-se
citar:

a) Famílias homoafetivas: reconhecidas pelo STF (ADIN e ADPF para afastar interpretação do art. 1.723 do CC que
impedisse união estável entre pessoas do mesmo sexo).
b) Famílias poliafetivas: ainda não reconhecidas pela jurisprudência, que extrai a monogamia do dever de
fidelidade recíproca entre os cônjuges (art. 1.566, I, CC). Crítica: desampara a concubina em termos patrimoniais.
c) Família natural: formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 25, caput, ECA)
d) Família extensa ou ampliada: inclui parentes próximos com os quais a criança convive e mantém vínculos
afetivos (art. 25, p. único, ECA).
e) Família composta e família mosaico: é aquela decorrente de vários casamentos, uniões estáveis ou
relacionamentos afetivos (e.g. A já foi casado por três vezes, tendo um filho do primeiro casamento, dois do
segundo e um do terceiro. A, dissolvida a última união, passa a viver em união estável com B, que tem cinco
filhos: dois do primeiro casamento, um do segundo, um do terceiro e um de união estável também já dissolvida).
f) Famílias simultâneas e Redes familiares: segundo artigo de Anderson Schreiber (“Famílias simultâneas e Redes
Familiares”), rede familiar são feixes de relações familiares de uma determinada pessoa, ampliando-se numa ou
noutra direção conforme a tutela que se pretende (e.g. criação de um filho, cuidado de um idoso). Assim, o foco é
no indivíduo, e como ocorre nas obrigações e contratos, as redes familiares são o resultado de relações familiares
combinadas, que, sem excluir a individualidade de cada relação autônoma, se funcionalizam.

V. Abandono afetivo e seus efeitos civis

É pacífico no STJ que o abandono material pode gerar dano moral, porém é controversa a admissão da
tese do dano moral por abandono afetivo.

Originalmente o STJ não admitia a tese, porém houve uma decisão paradigmática em sentido contrário
em 2012, sob relatoria da Min. Nancy Andrighi, bastante noticiada pela mídia.
A partir de então, houve decisões em ambos os sentidos, com aparente prevalência da não admissão da tese.

Até 27/08/18 houve apenas decisões das Turmas. Com base nos julgados, extraem-se as seguintes conclusões:

Conceito de abandono afetivo: não observância de determinados cuidados voltados ao bem-estar da prole que
podem ser identificados com o amor entre pai e filhos e se caracterizam como dever jurídico. [voto vencido no
REsp 1.579.021/RS, 4ªT, 19/10/17]; non facere que atinge o dever de cuidado (dever de criação, educação e
companhia) em relação à prole; não se discute o amar - que é uma faculdade - mas sim o dever jurídico de cuidar
[REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ªT, 24/4/12, Informativo 496].

Admissibilidade do dano moral por abandono afetivo:


(a) julgados em que não foi admitido: o descumprimento do dever jurídico de amparo material constitui ato
ilícito, mas não a falta de afeto, por si só [REsp 1.087.561/RS, 4ªT, 13/06/17, Informativo 609]; a falta do dever de
cuidado de sustento, guarda e educação dos filhos é ato ilícito, mas não há que se falar em dever jurídico de
cuidar afetuosamente. [REsp 1.579.021/RS, 4ªT, 19/10/17]; não pode o Judiciário compelir alguém a um
relacionamento afetivo e nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada [REsp
514.350/SP, 4ªT, 28/04/09, Informativo 392].

147
(b) julgados em que foi admitido: o abandono afetivo constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral
[REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ªT, 24/4/12, Informativo 496]

Fundamentos da indenização: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF); direito à convivência familiar (art.
227, caput, CF; art. 19, caput, ECA) [REsp 1.087.561/RS, 4ªT, 13/06/17, Informativo 609]

Pressupostos da indenização:
(a) reconhecimento da paternidade: não é possível se falar em abandono afetivo antes do reconhecimento da
paternidade [AgInt no AREsp 492.243/SP, 4ª Turma, 05/06/18; AgRg no AREsp 766.159/MS, 3ªT, 02/06/2016];
(b) omissão no dever de cuidar dos filhos [REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ªT, 24/4/12, Informativo
496];
(c) nexo causal: necessária clara demonstração do nexo para que sentimentos não sejam mercantilizados e não se
fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro [REsp
1.493.125/SP, 3ªT, 23/02/16]
(d) duas possibilidades quanto ao dano:
(i) deve ser demonstrado - “o abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil, cujas
especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor” [REsp 1.493.125/SP, 3ªT, 23/02/16]
(ii) é presumido - “os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna exsurgem das omissões
do pai, caracterizando o dano in re ipsa” [REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ªT, 24/4/12, Informativo
496]

Prazo prescricional: 3 anos (art. 206, §3º, V, CC, prescreve em 3 anos a pretensão de reparação civil). [REsp
1.579.021/RS, 4ªT, 19/10/17].

Termo inicial do prazo prescricional: conhecimento da paternidade biológica (teoria da actio nata); se esse
conhecimento ocorrer durante a menoridade do filho, o prazo começa a fluir somente a partir de sua maioridade
(art. 197, II, CC, não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar). [AgInt no
AREsp 1.270.784/SP, 4ªT, 12/06/18; REsp 1.298.576/RJ, 4ªT, 21/8/12, Informativo 502].

11C. Reconhecimento de filhos e adoção. Adoção por casais homoafetivos. Convenção da Haia Relativa à
Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 1993. Estado de filiação e direito
à origem genética. Filiação biológica e não biológica. Adoção à brasileira. Atuação do Ministério Público no
processo de adoção. Parto anônimo. Ação vindicatória de filho.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior 02/09/18

I. Reconhecimento de filhos e adoção

Existe presunção de paternidade caso o filho nasça após 180 dias da convivência conjugal ou até 300
dias após seu término (art. 1.597, CC).

Já o reconhecimento de filhos (ou perfilhação) havidos fora do casamento pode ser feito (i) no registro de
nascimento; (ii) por escritura pública ou particular, arquivada em cartório; (iii) por testamento, ainda que
incidentalmente manifestado; ou (iv) por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do processo. Além disso, a sentença que julgue
procedente ação de investigação de paternidade terá os mesmos efeitos do reconhecimento (art. 1.616, CC).

Esse reconhecimento pode até mesmo preceder o nascimento ou ser posterior ao falecimento do filho, mas
neste último caso somente se ele deixar descendentes (art. 1.609, p. único, CC), tratando-se de ato
personalíssimo, incondicional (não pode haver termo ou condição, art. 1.613, CC) e irrevogável (art. 1.610, CC;
e.g. se pai registral promoveu adoção à brasileira, depois não pode querer suprimir o vínculo socioafetivo em
detrimento do biológico e anular o registro, pois isto violaria a boa-fé objetiva; STJ, 3ªT, Nancy Andrighi, 2015).

Seja nos casos de presunção de filiação, seja nos casos de reconhecimento de filhos, não há que se falar em
148
adoção, pois já terá sido estabelecido o parentesco entre as partes.

Em outras hipóteses, no entanto, mister se faz a adoção, que se trata do vínculo mais forte entre a
criança e uma família substituta: primeiro, há a guarda, depois a tutela (suspende ou extingue o poder familiar
dos pais originais) e por fim a adoção. A adoção é um ato jurídico em sentido estrito (i.e. cujos efeitos são
definidos em lei e não podem ser modulados) de atribuição da condição de filho ao adotado, com os mesmos
direitos e deveres, desligando-o do vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41,
ECA). Destaque-se, porém, que no caso de adoção unilateral (adoção por um dos cônjuges do filho do outro), é
mantida a filiação com o consorte original (art. 41, §1º, ECA). Após a adoção, a morte dos adotantes não
restabelece o poder familiar dos pais naturais (art. 49, ECA).

A adoção de maiores de 18, salvo se já sob guarda ou tutela dos adotantes, é de competência da vara de
família; do contrário, será da vara da infância e da juventude. Tanto em um caso quanto noutro, o regramento
material encontra-se no ECA (quase todos os dispositivos do tema no Código Civil foram revogados em 2009).

O adotante deve ser maior de 18, e, em relação ao adotando, deve ser 16 anos mais velho e não pode
ser seu ascendente ou irmão (art. 42, ECA). A adoção depende do consentimento do adotado maior de 12 anos,
e dos pais originais, exceto se desconhecidos ou destituídos do poder familiar (art. 45, ECA). Como o poder
familiar cessa com a maioridade (art. 1630, CC), é dispensado o consentimento dos pais na adoção do maior de
18 anos (STJ, 3ªT, 2015).

O vínculo de adoção constitui-se somente por sentença judicial (art. 47, ECA), cujos efeitos se verificam após o
trânsito em julgado, exceto no caso da adoção póstuma, quando haverá retroação à data do óbito (art. 47, §7º,
ECA), com o intuito de garantir a herança do adotado.

II. Adoção por casais homoafetivos

Inicialmente, no caso de casais homoafetivos, autorizava-se apenas a adoção unilateral, pois aquela
união não era considerada entidade familiar. Com a evolução da jurisprudência, hoje é pacífica a possibilidade de
adoção bilateral por casais homoafetivos, tendo-se em vista o melhor interesse da criança.

III. Convenção da Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de
1993

A Convenção é aplicada somente na adoção internacional de menores de 18 anos, e suas normas foram
incorporadas pelo ECA (art. 51 a 52-D). Tem como Autoridade Central Federal a Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos (SEDH) e como Autoridades Centrais Estaduais as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção. Além
disso, foram criados o Programa Nacional de Cooperação em Adoção Internacional e o Conselho das
Autoridades Centrais Administrativas Brasileiras (Decreto 3.174/99).

Uma adoção certificada pela autoridade central do Estado onde ocorreu será reconhecida de pleno
direito pelos demais Estados-Partes (art. 23 a 28), dispensando-se sua homologação. Não obstante, há
precedente não aplicando a Convenção em caso de adoção unilateral (apenas pelo padrasto) de criança que já
se encontrava no exterior com a mãe biológica (neste caso houve a necessidade de homologação da sentença
estrangeira), sob argumento de que o Tratado se refere apenas aos casos em que o adotante seja domiciliado
fora do Brasil e seja necessário o deslocamento do adotando para outro país, ou haja inserção completa em
nova unidade familiar (STJ, Corte Especial, 2016).

IV. Estado de filiação e direito à origem genética. Filiação biológica e não biológica.

A igualdade entre filhos biológicos e não biológicos é assegurada pela Constituição (art. 227, §6º, CF),
porém o adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, sendo este um direito da personalidade (STJ,
3ªT, 2015).

149
Nesse sentido, pode o adotado acessar o seu processo de adoção (art. 48, ECA), e há precedente no qual um filho
obteve decisão judicial para desfazer o registro efetuado pelo pai “adotante à brasileira”, para fazer constar os
dados do pai biológico, não tendo sido admitida a alegação de filiação socioafetiva para negar o pedido (STJ, 3ªT,
2013).

Indo-se além, há até mesmo decisão possibilitando a manutenção do registro original (vínculo socioafetivo)
concomitantemente com o registro do pai biológico, redundando então em uma situação excepcional de
multiparentalidade, notadamente com efeitos sucessórios (STJ, 3ªT, 2017). Importante destacar, no entanto, que
o reconhecimento da multiparentalidade deve se dar apenas no interesse da criança, motivo pelo qual o STJ a
negou recentemente em um caso no qual verificou-se apenas o interesse da genitora em obter alimentos (STJ,
3ªT, 04/2018). O tribunal, no entanto, assentou que “a filha poderá reivindicar a multiparentalidade no futuro, por
ser o estado de filiação um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível”.

Corroborando todo o exposto, em 2016 o STF decidiu, em repercussão geral, que “a paternidade
socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante,
baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

V. Adoção à brasileira

A adoção à brasileira é a prática de o companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente o
registrando como se fosse seu filho. Trata-se de crime contra o estado de filiação (CP, art. 242, registrar como seu
filho de outrem), e, desde 2017 acarreta perda do poder familiar (art. 1.638, V, CC, perderá por ato judicial o
poder familiar o pai ou a mãe que entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção). A despeito
disso, há vários precedentes do STJ inadmitindo a anulação do registro quando pleiteado pelo pai registral sob
alegação de erro, sendo que este conhecia a situação desde o início e havia se formado vínculo socioafetivo com o
menor.

VI. Atuação do Ministério Público no processo de adoção

O Ministério Público pode atuar na esfera extrajudicial, fiscalizando, por exemplo, a alimentação do
cadastro da comarca com crianças em condições de serem adotadas e pessoas interessadas na adoção (art. 50,
ECA), bem como a convocação criteriosa desses postulantes (art. 50, §12, ECA).

Na esfera judicial, pode atuar como fiscal da ordem jurídica nos processos envolvendo adoção, tendo-se
em conta haver interesse de incapaz (art. 178, II, NCPC; art. 202, ECA).

Já para atuar como parte, existe controvérsia. A corrente contrária afirma que há previsão legal para
promover ação de alimentos, destituição do poder familiar, nomeação de tutores, curadores e guardiões (art. 201,
ECA), mas não para promover ação de adoção. Isso decorreria do caráter personalíssimo de tal demanda
(estabelecimento de filiação permanente), que não permitiria a substituição processual, diferentemente da
nomeação de tutores e guardiães, que constituiriam “múnus público” transitório.

Já a corrente favorável fundamenta a atuação do Ministério Público no fato de se tratar de direito


individual indisponível (art. 127, caput, in fine, CF) e no princípio do melhor interesse da criança e da proteção
integral.

VII. Parto anônimo

O Parto Anônimo autorizaria a mãe que não desejasse ficar com seu filho a registrar um nome fictício no hospital
(ficando anônima) e, após o parto, deixá-lo para que fosse colocado em adoção. Os defensores da ideia afirmam
que isso diminuiria abortos, infanticídios e abandonos; os contrários alegam que violaria a dignidade humana e
impossibilitaria que a criança exercesse mais tarde seu direito a conhecer sua origem genética.

150
Houve um projeto de lei sobre o assunto proposto pelo IBDFAM em 2008, porém foi arquivado na Câmara dos
Deputados em 2011.

VIII. Ação vindicatória de filho

Ação vindicatória de filho é a demanda que cabe ao pai biológico em face de terceiro que registrou um filho que
é seu. Trata-se de ação declaratória, de estado e, logo, imprescritível. Tem por fundamento o art. 1.604 do CC
(“ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou
falsidade do registro”).

1C. Reconhecimento da paternidade. Homoparentalidade. Multiparentalidade. Parentalidade socioafetiva.


Parentalidade alimentar. Alienação parental

Samara Dalloul

RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE – CC arts. 1607-1617 e partes da Lei 8.590/92 (Rec Paternidade). filho
havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente (art. 1.607). Quando a
maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do
termo, ou das declarações nele contidas (art. 1.608). O reconhecimento de filhos pode se dar por duas formas
básicas: a) reconhecimento voluntário ou perfilhação; b) reconhecimento judicial: por meio de ação
investigatória, quando não há o reconhecimento voluntário.
Reconhecimento voluntário: é irrevogável, mesmo quando feito em testamento (o testamento é
revogável, mas permanece perfeito o reconhecimento). Pode se dar antes do nascimento ou após o falecimento
(se ele deixar descendentes). É ato jurídico stricto sensu unilateral, formal e incondicional. O filho maior não pode
ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se
seguirem à maioridade, ou à emancipação. Para o STJ tal prazo de 4 anos se aplica apenas aos casos em que se
pretende, exclusivamente, desconstituir o reconhecimento de filiação, não tendo incidência nas investigações de
paternidade,
Reconhecimento judicial: é imprescritível (art. 27, ECA e Sum. 149 do STF), mas prescreve a petição de
herança. A ação investigatória é personalíssima do filho, em regra. O MP também pode agir como substituto
processual. Para o STJ, também cabe ação investigatória do neto contra o avô (ação avoenga). A contestação da
ação de investigação pode ser feita por qualquer interessado (como a viúva do suposto pai, mesmo que não seja
herdeira). Procedente a ação, alimentos são devidos desde a citação (Sum 227, STJ). Não se pode obrigar o
suposto pai a realizar exame de DNA, mas a recusa induz presunção juris tantum de paternidade (a recusar do
filho menor em comparecer não induz presunção contrária – STF, Info 533).
"Adoção à brasileira" – registro de filho que sabe não ser seu por mera declaração em cartório. O filho
tem direito de desconstituir a denominada "adoção à brasileira" para fazer constar o nome de seu pai biológico
em seu registro de nascimento, ainda que preexista vínculo socioafetivo de filiação com o pai registral.
Homoparentalidade - Situação na qual ao menos um adulto homossexual assume a parentalidade de
uma criança. Não existe obstáculo legal, apesar de vozes em contrário.
Multiparentalidade - Inserção de mais de um pai ou de uma mãe no registro civil da pessoa (casais
homoafetivos; pai/mãe biológico e pai/mãe socioafetivo).
Parentalidade Socioafetiva - filiação que resulta da posse do estado de filho constitui uma das
modalidades de parentesco civil “de outra origem”, prevista na lei (CC, art. 1.593): origem afetiva. Do
reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade
parental. Rodrigo Janot, se manifestou no sentido de que não é possível fixar em abstrato a prevalência entre a
paternidade biológica e a socioafetiva, (princípios do melhor interesse da criança e da autodeterminação do
sujeito reclamam a referência a dados concretos acerca de qual vínculo deve prevalecer). Seria possível ao filho
obter, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade biológica, com todos os consectários legais.
Considera, ainda, que é possível o reconhecimento jurídico da existência de mais de um vínculo parental em
relação a um mesmo sujeito, pois a Constituição não admite restrições injustificadas à proteção dos diversos
modelos familiares. A filiação socioafetiva pode ser reconhecida após a morte e gera todos os efeitos patrimoniais
(alimentos, herança).
151
Parentalidade alimentar – parentalidade com fins meramente alimentares, desvinculada dos demais
efeitos. É corrente minoritária.
Alienação parental - interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade,
guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculos com este. Previsto na Lei 12.318/10 que traz rol não exaustivo de condutas: campanha de
desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da
autoridade parental; dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; dificultar o exercício do direito
regulamentado de convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre
a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra
genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou
adolescente; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança
ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Pode ser reconhecida por ação autônoma
ou incidental - o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou
criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a
gravidade do caso. A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da
competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso
entre os genitores ou de decisão judicial. A mudança abusiva de endereço pode causar a iversão, pelo juiz, da
obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias
dos períodos de convivência familiar.

12C. Poder familiar: conceito, exercício, suspensão e extinção. O poder familiar e os direitos próprios da criança e
do adolescente.

Bruno Silva Domingos


Bibliografia consultada: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2016.

Conceito: Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens
dos filhos menores. Segundo Sílvio Rodrigues, “é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação à
pessoa dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção deles”. O instituto em apreço resulta de uma
necessidade natural. Constituída a família e nascidos os filhos, não basta alimentá-los e deixá-los crescer à lei da
natureza, como os animais inferiores. Há que educá-los e dirigi-los.

Modernamente, graças à influência do Cristianismo, o poder familiar constitui um conjunto de deveres,


transformando-se em instituto de caráter eminentemente protetivo, que transcende a órbita do direito privado
para ingressar no âmbito do direito público. Interessa ao Estado, com efeito, assegurar a proteção das gerações
novas, que representam o futuro da sociedade e da nação. Desse modo, o poder familiar nada mais é que múnus
público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus filhos. Em outras palavras, o poder
familiar é instituído no interesse dos filhos e da família, não em proveito dos genitores, em atenção ao princípio
da paternidade responsável no art. 226, §7º, da Constituição Federal. Alguns doutrinadores se referem ao caráter
semipúblico do poder familiar. Por sua vez, alguns países como a França e os Estados Unidos utilizam a expressão
“autoridade parental”, não poder familiar para designar esta função.

Características: O poder familiar, na condição de múnus público imposto pelo Estado, é irrenunciável, indelegável
e imprescritível. Não poderá ser objeto de transação ou renúncia, sendo nulos os atos ou negócios jurídicos que
visem a tal finalidade. A única exceção é aquela prevista no art. 166 da Lei n. 8069/90, sob a forma de adesão ao
pedido de colocação do incapaz em família substituta, mas realizada em Juízo (normalmente em pedidos de
adoção, que transfere aos adotantes o poder familiar). O poder familiar engloba todos os filhos enquanto
menores, sejam eles naturais ou adotivos, desde que não emancipados. A titularidade do poder familiar é
exercida pelo pai e pela mãe em igualdade, haja vista as disposições constitucionais da igualdade (art. 5 o, caput) e
do art. 226, §5º. A igualdade de condições também está fixada no art. 21 do ECA e no art. 1631 do CC. Em caso de
desacordo entre o pai e a mãe quanto ao exercício do poder familiar, o Código Civil estabelece que o juiz resolverá
a matéria. A separação, divórcio ou dissolução não alteram o poder familiar, tendo implicações apenas quanto à
guarda. Esta, por sua vez, representa uma pequena parcela do poder familiar.
152
Exercício do poder familiar: O exercício do poder familiar está delimitado no art. 1634 do CC, cujo conteúdo
abrange as seguintes hipóteses: I - dirigir-lhes a criação e a educação (Incumbe aos pais velar não só pelo sustento
dos filhos, como pela sua formação, a fim de torná-los úteis a si à família e à sociedade, abrangendo o aspecto
físico e moral); II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584 (Trata-se de direito e, ao
mesmo tempo, de dever, porque ao pai, a quem incumbe criar, incumbe igualmente guardar. A entrega de filho a
pessoa inidônea configura o crime previsto no art. 245 do CP); III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento
para casarem (Pressupõe que ninguém poderá manifestar maior interesse pelo filho do que seus pais. O
consentimento deverá ser dado por ambos os pais); IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
viajarem ao exterior (Mesmo nos casos de guarda unilateral o consentimento deverá ser extraído de ambos os
pais. Há uma conexão com este preceptivo com a Convenção de Haia sobre o sequestro internacional de
crianças); V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro
Município (A guarda compartilhada assegura a ambos os genitores a responsabilidade conjunta e o exercício de
direitos e deveres concernentes ao poder familiar, na mesma medida e intensidade.); VI - nomear-lhes tutor por
testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o
poder familiar (Esse é o campo da tutela testamentária. Ela somente se justifica se o outro genitor, que também é
titular do poder familiar, for morto ou não puder exercitar o poder paternal.); VII - representá-los judicial e
extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que
forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha (É cabível o uso
da ação de busca e apreensão para o exercício do direito/dever de ter os filhos e sua companhia. O TJSP, em razão
do caráter dúplice da ação, reconheceu a possibilidade de inverter a guarda, independentemente de ação movida
pelo réu. O STJ também decidiu, em ação de guarda e regulamentação de visita movida pelo pai, pela
desnecessidade de reconvenção pela mãe para esta obter a guarda pela mera contestação – REsp 1085664/DF,
Rel. Min. Luís Felipe Salomão. DJe 12/8/2010); IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços
próprios de sua idade e condição (De acordo com a doutrina mais tradicional, seria possível a aplicação de
castigos físicos moderados aos filhos. Entretanto, com a Lei 13.010/14, conhecida por “Lei Menino Bernardo”,
foram incluídos os art. 18-A, 18-B e 70-A do ECA, a qual vedou a aplicação de toda a forma de castigo. A lei prevê
a aplicação de medidas de proteção em favor de crianças e adolescentes, bem como encaminhamento a
atendimento psicológico ou advertência. A doutrina debate se a lei não é uma invasão indevida no seio familiar,
tendo preponderado o entendimento de que esta vedação é constitucional. Os serviços que podem ser exigidos
dos incapazes são de cunho meramente doméstico, sem qualquer conotação econômica).

Extinção e suspensão do poder familiar: As hipóteses de extinção do poder familiar estão delineadas no art. 1635
do CC e são as seguintes: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5 o,
parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. O
único aspecto que demanda explicação é o inciso V que remete ao art. 1638 e suas 5 hipóteses de extinção do
poder familiar por decisão judicial. O pai ou a mãe decairá do poder familiar se: i) castigar imoderadamente o
filho (Com fundamento neste inciso é que se discutia a possibilidade de aplicação de castigos físicos moderados,
em nítido jus corrigendi. Com o advento da Lei n. 13.010/14, estes castigos foram proscritos. A aplicação de
castigos moderados enseja a aplicação das medidas do art. 18-A do ECA, ao passo em que a aplicação de castigos
imoderados ensejaria a perda do poder familiar em caráter definitivo. Deve o intérprete valorar o caso concreto
para analisar o cabimento de cada uma das medidas, sob pena de incorrer-se em absurdos. Uma simples palmada
não pode redundar na perda do poder familiar. A matéria é tormentosa, porém habitualmente afeta ao Ministério
Público dos Estados na seara da Infância e Juventude); ii) deixar o filho em abandono (Trata-se de uma das causas
mais comuns de abandono. O art. 227 da CRFB/88 prevê o direito da criança e do adolescente à convivência
familiar e comunitária. O abandono priva o incapaz deste direito. O CP prevê diversas formas de tutela penal para
o abandono – abandono material (art. 244), intelectual (art. 245), abandono de incapaz (art. 133 e de recém-
nascido (art. 134); iii) praticar atos contrários à moral e aos bons costumes (Visa o legislador a evitar que o mau
exemplo dos pais prejudique a formação moral dos infantes. A falta de pudor, libertinagem, o sexo sem recato
podem ter influência maléfica sobre o posicionamento futuro dos descendentes na sociedade. O dispositivo tem
amplitude maior, compreendendo também o procedimento moral em sentido amplo, como o alcoolismo, a
vadiagem, a mendicância, a toxicomania, a prostituição etc.); iv) incidir reiteradamente nas faltas previstas para a
suspensão do poder familiar (Trata-se de dispositivo que busca a reprimir eventual reiteração de faltas de menor

153
gravidade que demandam intervenção mais rígida do Estado); v) entregar de forma irregular o filho a terceiros
para fins de adoção (Inciso incluído pela Lei 13509/2017, diploma que buscou facilitar a adoção, incluindo entre
as hipóteses de destituição do poder familiar nos casos em os pais entregam a criança para pessoa ou casal
determinado, isto é, de modo irregular e à margem do que estabelece o ECA.).

Por sua vez, a suspensão do poder familiar está prevista no art. 1637 do CC. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua
autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo
algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e
seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o
exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena
exceda a dois anos de prisão. O dispositivo em apreço não autoriza somente a suspensão, mas outras medidas
que decorram da natureza do poder familiar. Prevê ele a possibilidade de o juiz aplicá-las, ou suspender o aludido
poder em caso de abuso de autoridade caracterizado: a) pelo descumprimento dos deveres inerentes aos pais; b)
pelo fato de arruinarem os bens dos filhos; c) por colocarem em risco a segurança destes. Para Pontes de
Miranda, estariam presentes os pressupostos da suspensão do poder familiar as seguintes hipóteses: i) a
contaminação da prole por doenças transmissíveis; ii) os maus-tratos em casos que não justifiquem a sentença de
perda do poder familiar; iii) exigir da prole serviços excessivos ou impróprios; iv) não reclamar os filhos daqueles
que ilegalmente o detenham; v) induzir a prole ao mal, concorrendo para a perversão e para o alcoolismo; vi)
deixar o filho em vadiagem, mendicidade, libertinagem ou criminalidade; vii) atos contrários à moral e aos bons
costumes que não justifiquem a destituição do poder familiar etc.

A suspensão não é mera punição aos pais faltosos, mas sim com viés protetivo ao incapaz. A suspensão é
temporária, perdurando apenas quando se mostre necessária. Uma vez cessada sua causa, retornam a mãe ou o
pai ao poder familiar. A suspensão poderá ser total ou parcial, conforme se mostre necessário. Também poderá a
medida ser adotada em face de um dos filhos ou em face de todos.

Tanto no caso da suspensão como de perda do poder familiar, elas poderão ser decretadas em procedimento que
se assegure o contraditório e a ampla defesa aos pais, a partir de requerimento daquele que detiver legítimo
interesse ou, em qualquer caso, por iniciativa do Ministério Público, na condição de curador da Infância e
Juventude (art. 201 do ECA). A Resolução n. 71/2011 do CNMP veda o ajuizamento de “medidas protetivas” de
cunho administrativo judicialiforme pelo Ministério Público, isto é, procedimentos desprovidos de caráter
contencioso. Apesar da vedação, ainda é frequente o trâmite de medidas inominadas sem base normativa em
Varas da Infância e Juventude no país.

O poder familiar e os direitos próprios da criança e do adolescente: O exercício escorreito do poder familiar está
diretamente ligado aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Estes direitos estão contidos no art. 227
da CRFB/88 e, ainda, delineados no microssistema protetivo da Lei n. 8069/90. A mola mestra da infância e
juventude é o princípio da prioridade absoluta previsto no art. 227, sendo ele também repetido no art. 4 o do ECA.
Os demais direitos básicos de crianças e adolescentes também estão contidos no art. 4 o da Lei n. 8069/90 (direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitário). A CF e a lei atribuem ao Estado e à família assegurar
estes direitos a estas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Quando os direitos fundamentais das
crianças e adolescentes são violados por ação ou omissão dos pais no exercício do poder familiar, é cabível o
ajuizamento das ações previstas no ECA para responsabilizá-los pela violação destes direitos. As hipóteses
previstas no Código Civil não são as únicas para a destituição ou suspensão do poder familiar. Deve haver a
interpretação conjunta do Código Civil com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em nítido caso de diálogo das
fontes, visando a tutelar os direitos de crianças e adolescentes.

8B. Alimentos. Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 1956. Cooperação
jurídica internacional e atuação do Ministério Público Federal.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior 02/09/18

154
I. Alimentos

O dever de prestar alimentos é recíproco entre as partes e pode decorrer do (a) parentesco (inclusive
socioafetivo e decorrente de guarda, como na adoção), (b) casamento ou (c) união estável (art. 1.694, CC), mas
não do concubinato (precedentes do STJ). Na linha reta, são extensivos a todos os graus, sucessivamente (art.
1.696, CC), ou seja, em caráter subsidiário, de forma que os alimentos avoengos somente serão exigíveis quando
os pais não puderem prestá-los integralmente. Somente esgotada a linha reta, é possível pleitear alimentos aos
irmãos, os chamados alimentos fraternais (art. 1.697, CC), sem possibilidade de se avançar para além do segundo
grau na linha colateral.

Assim sendo, não tem o dever de prestar alimentos os parentes por afinidade (e.g. sogra, genro,
cunhado, madrasta, enteado) e nem os colaterais a partir do 3º grau (e.g. tio, sobrinho, primo). Neste último
caso, há críticas da doutrina pois tais parentes integram a linha sucessória, e com tal bônus deveria também ter
vindo o ônus de prestar alimentos.

No tocante ao quantum, em regra os alimentos são civis ou côngruos (mantêm o status social do alimentado, não
apenas sua sobrevivência, art. 1.694, caput, CC), mas em caso de culpa de quem os pleiteia serão naturais ou
necessários (mantêm apenas a subsistência do alimentado, art. 1.694, §2º; art. 1.704, p. único, CC). No caso de
alimentos entre ex-cônjuges, a discussão da culpa dar-se-á em ação de alimentos, e não na ação de divórcio, pois
esta tem cognição restrita, haja vista a intenção do legislador em facilitar o fim do casamento.

Quanto ao seu conteúdo (art. 1.701, CC), os alimentos podem ser prestados em dinheiro (pensão
alimentícia) ou outros bens e direitos, como hospedagem, pagamento de despesas, alimentação, etc. (in natura).
Caso seja acordada a pensão alimentícia, eventuais prestações in natura serão consideradas mera liberalidade do
devedor. A pensão alimentícia incide sobre o décimo terceiro e o adicional de férias (STJ, REsp repetitivo).

Devem ser fixados pelo binômio necessidade do alimentado versus capacidade do alimentante (art.
1.694, CC). A necessidade de alimentos dos filhos menores é presumida, e quando eles atingem a maioridade
não há exoneração automática: deve haver contraditório, ainda que nos próprios autos de fixação dos alimentos
(STJ, Súmula 358). Já no caso dos demais parentes, cônjuges e companheiros, deve ser demonstrada a
necessidade, e é comum a fixação de alimentos transitórios, ou seja, com termo certo para seu fim (neste caso, a
exoneração é automática).

Apesar de não haver previsão legal, há precedentes admitindo os alimentos compensatórios, que
dispensam a demonstração da necessidade do alimentado, com fundamento na boa-fé objetiva e na teoria da
perda de uma chance (e.g. ex-cônjuge perdeu várias oportunidades de desenvolvimento profissional para apoiar
o outro; ainda assim, tem renda, porém muito inferior à do ex-parceiro).

Os alimentos são devidos ao filho antes mesmo do nascimento: trata-se dos alimentos gravídicos (Lei
11.804/08), destinados às despesas pré-natais. Eles serão fixados quando houver mero indício de paternidade, e
após o nascimento são convertidos automaticamente em pensão alimentícia definitiva em favor do menor.

Os alimentos são devidos desde a citação, com exceção dos gravídicos, que são desde a concepção.
Consequentemente, se o juiz conceder alimentos provisórios (demandam prova pré-constituída do parentesco e
têm fundamento na Lei 5.478/68) ou provisionais (dispensam prova pré-constituída do parentesco e eram
cautelar nominada no CPC75, mas atualmente devem ser pleiteados via tutela de urgência, art. 300, CPC15),
eventual valor a maior dos alimentos definitivos deverão ser pagos retroativamente até a citação; por outro lado,
se o valor for inferior, não haverá restituição por parte do alimentado, por conta da irrepetibilidade dos
alimentos.

Além de irrepetíveis, os alimentos não são passíveis de cessão, compensação, penhora ou renúncia (art.
1.707, CC). No que tange à renúncia, o credor pode optar por não exercer o direito a alimentos, porém tal

155
comportamento não acarretará decadência do direito de cobrá-los retroativamente a qualquer tempo. O STJ, no
entanto, mitiga esse dispositivo, pois admite cláusula de renúncia do cônjuge ou companheiro no acordo de
dissolução de casamento ou união estável. Por sua vez, a impenhorabilidade é mitigada nos casos em que o
credor de alimentos é devedor em outra obrigação alimentícia. Por fim, há precedentes flexibilizando a
incompensabilidade em casos de extrema desproporcionalidade da presunção de liberalidade do pagamento de
alimentos em natura não acordados previamente (e.g. pai que, além da pensão alimentícia pré-acordada, paga
despesas extraordinárias do filho em valor muito superior ao efetivamente devido), com fundamento na vedação
do enriquecimento sem causa.

A obrigação alimentar prevista no Código Civil não é solidária. Havendo mais de uma pessoa obrigada, o
valor entre elas deve ser dividido conforme a proporcionalidade de seus recursos. Por exemplo: pensão para os
filhos de R$ 3.000,00; pai tem capacidade apenas para R$ 1.000,00; mãe, R$ 500,00; neste caso, recorre-se aos
avós paternos e maternos para completar o valor, sendo que cada um arcará na medida de sua capacidade, não
respondendo sozinho pela dívida inteira de R$ 1.500,00.

Como consequência dessa não solidariedade, intentada a ação contra apenas um dos coobrigados,
poderão os demais serem chamados a integrar a lide (art. 1.698, CC). No caso de menores, há precedentes
admitindo tal chamamento pelo MP e até mesmo de ofício pelo juiz, considerando-se o melhor interesse da
criança.

Destaque-se que, por conta do Estatuto do Idoso, no caso de pessoas com mais de 60 anos a obrigação
alimentar excepciona a regra geral do Código Civil e é solidária. Portanto, o idoso não precisa observar a ordem
sucessiva da linha reta e colateral, podendo escolher de quem irá cobrar a prestação.

Os alimentos podem ser majorados ou reduzidos conforme se altere o binômio necessidade x capacidade
(art. 1.699, CC), como corolário do rebus sic stantibus. Assim como no caso da fixação inicial, o valor a maior
decorrente da revisão irá retroagir até a data da citação dessa ação revisional.

Já no caso de exoneração há três hipóteses bastante comuns: a reversão da guarda dos filhos, o
comportamento indigno do credor (art. 1.708, p. único, CC) e a constituição de nova entidade familiar ou
concubinato pelo credor de alimentos (art. 1.708, CC). Observe-se, entretanto, que a constituição de nova família
pelo devedor de alimentos não implica, por si só, a exoneração (art. 1.709, CC).

Apesar da natureza personalíssima dos alimentos, contraditoriamente há previsão de transmissão da


obrigação de prestar alimentos aos herdeiros do devedor (art. 1.700, CC). O STJ interpreta que a transmissão é
apenas da obrigação, e não do dever em abstrato, ou seja, são devidas apenas as parcelas vencidas e não pagas.
Dessa forma, não seria possível pleitear alimentos após a morte do devedor.

II. Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 1956. Cooperação jurídica
internacional e atuação do Ministério Público Federal.

A Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro (CNY) favorece crianças e adolescentes,
mas se aplica também às obrigações entre cônjuges, resguardado aos Estados o direito de limitar sua aplicação
apenas aos casos de obrigação alimentar para menores. O tratado adota o princípio da complementariedade
(em relação aos instrumentos internos de cobrança de alimentos) e o da reciprocidade (um Estado somente
pode invocar a Convenção perante outro Estado que também seja parte).

A Procuradoria-Geral da República foi designada pelo art. 26 da Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos) como
Autoridade Central, concentrando as demandas que envolvam cooperação jurídica internacional para prestação
de alimentos quando as partes residirem em países distintos. Nesta Convenção a Autoridade Central recebe a
denominação de Autoridade Remetente quando a cooperação é ativa e de Instituição Intermediária quando é
passiva.

156
Os pedidos de cooperação ativa (alimentante residente em outro país) são encaminhados ao exterior pela PGR
para que lá seja proposta a ação de alimentos. Nesses casos, não há sentença brasileira para pagamento de
alimentos nem acordo homologado, judicial ou extrajudicial. Outra possibilidade é a propositura de ação de
alimentos no Brasil, perante a Justiça Estadual, e a citação do alimentante no exterior. Neste caso, a PGR
tramita as rogatórias expedidas pelas autoridades judiciárias brasileiras (citação, intimação, notificação). Por fim,
no caso de execução no exterior de sentença de alimentos proferida no Brasil, a PGR encaminha a sentença
brasileira para homologação perante o Poder Judiciário do país de destino.

Nos pedidos de cooperação passiva (alimentante residente no Brasil) quando não houver sentença estrangeira,
a PGR encaminhará o pedido à Procuradoria da República mais próxima do domicílio do demandado para
propositura de ação de alimentos perante a vara federal. Nesse caso, o MPF atua como substituto processual
em favor do alimentado. Com relação aos processos já sentenciados oriundos de outros países, a PGR os
remete à Procuradoria da República mais próxima da residência do devedor, que será convocado para pagar
espontaneamente ou propor acordo extrajudicial. Neste caso, o MPF apresentará a proposta ao alimentando
residente no exterior, e em caso de concordância o compromisso se transformará em título executivo
extrajudicial. Se o devedor não pagar e não houver acordo, a PGR proporá ação de homologação de sentença
estrangeira (STJ), para sua execução no País.

No caso de homologação de sentença estrangeira, destaque-se tal possibilidade mesmo que haja ação
com idêntico objeto pendente de apreciação pela justiça brasileira; por outro lado, a decisão nacional, ainda que
provisória, impossibilita essa homologação (STJ, jurisprudência em teses).

Destaque-se que haverá competência federal somente quando o MPF integrar a lide como autoridade
central para aplicação da Convenção. Assim, por exemplo, se o devedor de alimentos no Brasil propõe ação
revisional perante o juízo de seu domicílio, a competência será estadual (precedentes do STJ), não se aplicando a
Convenção, que tem por objeto “facilitar a uma pessoa a obtenção de alimentos” (art. 1º), e não sua revisão pelo
devedor.

Por fim, registre-se que em 2017 o Brasil promulgou a Convenção da Haia sobre Cobrança Internacional
de Alimentos, que tem por Autoridade Central não a PGR, mas o DRCI do Ministério da Justiça. Assim sendo,
foram criadas as seguintes hipóteses no caso de obrigação alimentar transnacional quando o país estrangeiro já
era signatário da Convenção de Nova York:

a) Estado estrangeiro não é signatário da Convenção da Haia: continua se aplicando a Convenção de Nova York
(PGR é Autoridade Central).
b) Estado estrangeiro é signatário da Convenção da Haia, mas opôs ressalvas à sua aplicação entre ex-cônjuges:
continua se aplicando a Convenção de Nova York (PGR é Autoridade Central).
c) Estado estrangeiro é signatário da Convenção da Haia e não opôs ressalvas à sua aplicação entre ex-cônjuges:
aplica-se a Convenção da Haia.

12. DIREITO DAS MINORIAS E DOS VULNERÁVEIS


12.1 Dignidade da pessoa humana e proteção à mulher. Igualdade material e seus reflexos no Direito Civil.
Violência doméstica e seus aspectos civis. Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). (14.a)
12.2 Direitos do idoso. Proteção pessoal e patrimonial do idoso. Proteção integral e obrigação de prestar
alimentos. Acesso ao amparo assistencial e à justiça. Atuação do Ministério Público. (13.b)
12.3 Proteção dos grupos vulneráveis no âmbito do Direito Privado. IÍndios, quilombolas e povos tradicionais.
Igualdade Racial. Igualdade de gênero. (14.c)

14A. Dignidade da pessoa humana e proteção à mulher. Igualdade material e seus reflexos no Direito Civil.
Violência doméstica e seus aspectos civis. Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Marcio de Figueiredo Machado Araujo

O conceito de dignidade, lapidado pela metafísica do século XVIII, foi gestado e desenvolvido em uma sociedade
157
patriarcal eurocêntrica. Assim, as declarações formais de direitos que marcaram o período, apesar de
constituírem importante avanço na matéria, restringiam-se a concedê-los aos indivíduos do sexo masculino, como
informam os textos literais da Declaração do Bom Povo da Virgínia (1776) e da Declaração Francesa dos Direitos
do Homem e do Cidadão (1789). Apesar do recurso retórico de que o termo “homem” pressupunha uma
universalização do gênero humano (como sustentado por Rui Barbosa, que pleiteou e logrou a substituição da
expressão “ser humano” por “homem” no projeto do Código Civil de 1916), o certo é que a dignidade foi, de
início, afirmada em contextos normativos que paradoxalmente impunham uma condição de inferioridade à
mulher, negando-lhe os direitos fundamentais que eles próprios declaravam.

Verifica-se, desse modo, que a extensão plena do conceito de dignidade a todas as mulheres é uma das acepções
da historicidade dos direitos humanos, conquistados por meio do agir político. Nessa linha, após a intensificação
do movimento feminista no final do século XIX (em especial, daquele que pleiteava o direito ao voto), a
Constituição Mexicana de 1917 foi das primeiras a dispor expressamente acerca da dignidade da mulher (art. 2 o,
a, I). Posteriormente, o regime objetivo de direitos humanos que sucedeu o fim das guerras mundiais abarcou a
igualdade (a princípio, formal) entre homens e mulheres, completando a transição da dignidade “do homem”
para a da pessoa humana. A Carta de São Francisco (1945) expressamente declara tal igualdade (art. 8 o),
reafirmada no Preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), e em diversos documentos do
período.

Tais diplomas marcaram, ainda, o advento do neoconstitucionalismo, que significou uma abertura axiológica por
parte das Constituições nacionais, superando-se a concepção positivista. Uma expressão de tal movimento foi a
expansão da jurisdição constitucional e da força normativa da Constituição, inspirando todo o ordenamento
jurídico e afirmando a verticalidade hermenêutica da Carta Magna. Dessa forma, os institutos privatistas foram
objeto de uma clivagem paradigmática, concebidos como extensões dos conceitos albergados nas Constituições e
insuflados pela potência expansiva dos direitos humanos ali positivados.

Como resultado, as primeiras codificações que se seguiram após a afirmação da dignidade feminina foram
marcadas pela exclusão dos termos jurídicos que expressamente situavam a mulher em um locus normativo de
submissão ao homem, restrito aos assuntos familiares. Foi o que ocorreu no Brasil com o advento da Lei n.
4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), que expurgou do Código Civil de 1916 a incapacidade relativa da mulher
casada e a necessidade da autorização marital para exercer profissão. A Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio) também
caracterizou inegável avanço ao permitir a dissolubilidade do vínculo matrimonial por meio do divórcio, reduzindo
o estigma social sobre as mulheres separadas.

A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979) impulsionou o
sentido de urgência de uma legislação que garantisse a igualdade material entre os gêneros, tendo a Constituição
de 1988 fulminado qualquer resquício da legislação civilista que importasse ônus diferenciado para a mulher (art.
5o, I; art. 226, §5o). A Lei 8.971/94 regulou os direitos alimentares e sucessórios da companheira, garantindo o
usufruto dos bens do de cujus ou a totalidade da herança, em caso de ausência de herdeiros e, em seguida, a Lei
9.278/96 garantiu o condomínio de bens adquiridos durante a união estável e o direito real de habitação do
companheiro sobrevivente. Finalmente, o Código Civil de 2002 pretendeu sepultar os institutos oitocentistas que
ainda pairavam sobre a já desgastada codificação anterior, estabelecendo direitos e deveres iguais a homens e
mulheres.

Porém, o abandono das restrições jurídicas por parte do Estado sobre a condição feminina e as declarações de
igualdade não foram suficientes para reverter integralmente a opressão histórica de gênero, perdurando uma
cultura de violência contra a mulher em múltiplas dimensões (verbal, física, sexual, laboral, etc). Em atenção a
esse quadro, a Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de
Belém do Pará, 1994) reconheceu que tal violência constitui violação dos direitos humanos e ofensa contra a
dignidade humana. Além disso, estabeleceu mandados de criminalização sobre o tema, bem como a necessidade
do estabelecimento de medidas preventivas, como a restrição de direitos do agressor a partir de representação
da vítima.

158
A tarefa foi cumprida pelo Brasil apenas em 2006, com a edição da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha). O diploma
não se resume a estabelecer medidas penais, mas trata de verdadeiro microssistema de proteção à mulher, tal
como antes experimentado com relativo êxito com o Estatuto da Criança do Adolescente e o Estatuto do Idoso.
Isso porque a lei define de modo amplo a violência contra a mulher, estabelecendo medidas integradas de
prevenção, com a participação dos entes federados, Judiciário, Defensoria, MP e polícias. Dispõe, ainda, sobre a
forma de assistência à mulher em situação de violência, de atendimento à vítima por parte da autoridade policial,
estabelece medidas protetivas de urgência e prevê assistência judiciária com equipe de atendimento disciplinar.

Ganham destaque nesse paradigma sistêmico as medidas protetivas de caráter cível, isto é, que não são
determinadas em função da existência de processo penal, embora possam sê-lo. São as que obrigam o agressor:
suspensão ou restrição de porte de armas, afastamento do lar, proibição de aproximação ou contato com a
ofendida, familiares e testemunhas, de frequência a determinados lugares e prestação de alimentos provisionais
ou provisórios (art. 22). São as que se aplicam à ofendida: encaminhamento a programa oficial ou comunitário de
proteção, recondução ao domicílio após afastamento do agressor, afastamento do lar, sem prejuízo dos direitos
relativos aos bens, aos filhos e alimentos e separação de corpos (art. 23). Prevista também a proteção
patrimonial, por meio da restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida, proibição
temporária de celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade, suspensão das
procurações conferidas pela ofendida ao agressor e prestação de caução provisória por perdas e danos materiais
decorrente da prática de violência doméstica contra a ofendida (art. 24).

Em razão de tais características, é incorreto atribuir unicamente caráter penal à Lei Maria da Penha, eis que o art.
14 expressamente confere competência cível e criminal aos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher e o art. 15 estabelece a competência para os processos cíveis regidos pela lei. Como já decidiu a 4 a Turma
do STJ, a aplicação das medidas protetivas independe da existência de inquérito policial ou processo penal em
curso (no não divulgado, 2013), pois o seu art. 22, §4 o, determina a aplicação do CPC para as medidas protetivas
de urgência em face do agressor previstas no caput. Ademais, a 3 a Turma do STJ decidiu que o rol de medidas do
art. 22 não é exaustivo, bastando para atrair a competência do referido Juizado que a decisão judicial de natureza
cível deva se dê em razão de violência doméstica, como no suprimento de autorização do marido agressor para
saída da mulher com o filho do casal do país (REsp 1550166/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,
TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017).

Conclui-se, portanto, que a Lei Maria da Penha é medida salutar que, se não é ainda suficiente para anular
definitivamente o contexto de violência contra a mulher, impõe-se como instrumento preventivo e repressivo,
apto a oferecer uma resposta, ainda que mínima, à violência baseada no gênero.

13B. Direitos do idoso. Proteção pessoal e patrimonial do idoso. Proteção integral e obrigação de prestar
alimentos. Acesso ao amparo assistencial e à justiça. Atuação do Ministério Público.

Felipe Pazzola

O Sistema de Garantia Interno dos Direitos dos Idosos é composto basicamente pelas normas
constitucionais, bem como por duas leis: o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) e a Lei de Política Nacional do Idoso
(Lei 8.842/1994). A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando
condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. A proteção estatal para
a pessoa idosa tem fulcro na sua vulnerabilidade, mais premente na sociedade de riscos: “ Muitos são os riscos
sociais enfrentados pelas pessoas que se encontram na terceira idade. Na sociedade dos riscos em que vivemos os
sujeitos com idade avançada são mais susceptíveis devido a vulnerabilidade e fragilidade inerente a idade.
Mesmo diante da preocupação significativa com os direitos fundamentais do homem e a dignidade da pessoa
humana, incluindo nesse rol as pessoas idosas, observa-se a violação contínua desses preceitos. (GUERRA;
EMERIQUE, 2006). Durante a velhice é possível observar que eventos sociais, históricos, culturais, normativos e
inesperados, interajam com recursos internos do ser humano, tais como psicológicos e biológicos. Tais eventos
interagem também com fatores externos, como os ambientais, políticos e sociais, tornando as pessoas idosas
mais ou menos vulneráveis frente aos eventos da vida. As pessoas estão vivendo mais e a cada dia um maior
numero entra na terceira idade. Esse grupo é o que apresenta maior incidência de incapacidade e necessidade de
159
apoio instrumental e social (SALMAZO SILVA, et al., 2012).” Tais circunstância demandam proteção integral (dever
geral + amplitude de direito + efetividade dos mecanismos de proteção). Nesse sentido, o Estatuto é destinado a
regular os direitos assegurados às pessoas com idade a partir de 60 anos (inclusive). O diploma busca concretizar
os mandamentos constitucionais, que estabelecem dever geral de proteção ao idoso (“A família, a sociedade e o
Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”), o dever específico de amparo imposto aos filhos
(“filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”), recordando que a
proteção à velhice é também um dos riscos sociais albergados pela assistência social (art. 203, I, da CRFB/88), que
será acionada quando essa rede de garantias não for suficiente. A velhice tem sido objeto de ampla discussão
internacional: “Estratégia Regional de Implementação para a América Latina e o Caribe do Plano de Ação
Internacional de Madri sobre o Envelhecimento (2003), a Declaração de Brasília (2007), o Plano de Ação da
Organização Pan-Americana da Saúde sobre a Saúde dos Idosos, Incluindo o Envelhecimento Ativo e Saudável
(2009), a Declaração de Compromisso de Port of Spain (2009) e a Carta de San José sobre os direitos do idoso da
América Latina e do Caribe (2012).”

Aliás, recentemente, o Sistema de Garantias foi reforçado no âmbito do Sistema Americano de Proteção
dos Direitos Humanos, pois os Estados Membros da OEA aprovaram no dia 15 de Junho de 2015, a Convenção
Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas, devendo ser adotadas as pertinentes
medidas legislativas, administrativas, judiciais, orçamentárias e de qualquer outra índole, incluindo um adequado
acesso à justiça, a fim de garantir ao idoso um tratamento diferenciado e preferencial em todos os âmbitos. “ O
Brasil foi o primeiro país a assinar junto com Argentina, Chile, Costa Rica e Uruguai.” No entanto, o documento
ainda não foi ratificado (delonga que tem sido bastante criticada).

De toda forma, em atenção à proteção integral, o Estatuto estabelece mecanismos de garantia de


proteção (medidas de proteção, políticas de atendimento e delitos), bem como relaciona 10 capítulos referente a
direitos fundamentais: 1) vida; 2) liberdade, respeito e dignidade; 3) alimentos; 4) saúde; 5) educação, cultura,
lazer e esportes; 6) profissionalização e trabalho; 7) previdência social; 8) assistência social; 9) habitação; 10)
transporte. Esse rol é bastante ampliado pela CV Americana. A propósito, essa amplitude de direitos será
implementada de acordo com CRFB/88, a qual estipula preferência para que os programas de amparo sejam
executados em seus lares.

Ademais, embora o estatuto estabeleça que idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, há
critérios específicos para alguns direitos: a) 65 anos: a1) a gratuidade dos transportes coletivos urbanos é
aplicável ao maiores de 65; a2) o benefício assistencial de prestação continuada (conhecido como LOAS); b) 80
anos: superprioridade de tramitação de dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências
judiciais aos maiores de 80 anos, que terão preferência em relação aos demais idosos (que também terão
prioridade). Em qualquer hipótese, a preferência de tramitação será concedida por meio da prova de idade
mediante petição simples, em qualquer instância (inclusive perante a Administração Pública, empresas
prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras), anotando-se essa circunstância em local visível nos
autos do processo. A prioridade não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge
supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos. Para facilitar a
concretização do acesso à justiça, o Poder Público poderá criar varas especializadas e exclusivas do idoso.

Diferentemente do CC/2002 (adota obrigação subsidiária), a obrigação alimentar prevista no Estatuto do


Idoso é solidária, não havendo necessidade de observância da ordem sucessiva da linha reta e colateral, podendo
o idoso optar entre os prestadores. O STJ entendeu que não há litisconsórcio necessário entre os filhos devedores
de alimentos. Além disso, as transações relativas a alimentos poderão ser celebradas perante o Promotor de
Justiça ou Defensor Público, que as referendará (eficácia de título executivo extrajudicial). Caso os familiares não
possuam condições econômicas de prover o sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento via assistência
social.

Considerando a relevância dos bens jurídicos tutelados, a proteção pessoal e patrimonial do idoso
merece especial atenção do Estatuto, não apenas pelo delineamento dos direitos, da exemplificação de uma série

160
de medidas de proteção e políticas de atendimento, mas também pela previsão tipos penais específicos
(discriminar pessoa idosa por motivo de idade / deixar de prestar assistência ao idoso/ “Apropriar-se de ou
desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso” / “Reter o cartão magnético de conta
bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo
de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida” / “Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a
outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente ” / “Coagir, de qualquer modo,
o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração”). A propósito a proteção pessoal e patrimonial, o Código
Penal prevê: 1) agravante genérica do crime cometido contra maiores de 60 anos (art. 61, II, h, do CP); 2) pena em
dobro para o estelionato contra o idoso (alteração de 2015); 3) aumento de 1/3 no homicídio doloso, abandono
de incapaz, crimes contra a honra, sequestro e cárcere privado perpetrados contra o idoso; 4) forma qualificada
na extorsão mediante sequestro; 4) não aplicação das escusas absolutórias dos crimes contra o patrimônio
quando perpetrados pelos familiares contra idosos; 5) tipificação do abandono material dos familiares contra o
idoso. De acordo com a CV Americana, “Entender-se-á que a definição de violência contra o idoso compreende,
entre outros, diversos tipos de abuso, incluindo o financeiro e patrimonial, maus-tratos físicos, sexuais ou
psicológicos, exploração do trabalho, expulsão de sua comunidade e toda forma de abandono ou negligência que
tenha lugar dentro ou fora do âmbito familiar ou unidade doméstica, ou que seja perpetrado ou tolerado pelo
Estado ou seus agentes onde quer que ocorra.”

Por sua vez, as medidas de proteção ao idoso (MPI) serão aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta,
omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; III – em razão de sua condição pessoal. As
MPIs poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, levando em conta os fins sociais a que se destinam e o
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Nesse contexto, é fundamental a atuação do Ministério
Público (a Lei Orgânica Nacional do MP estabelece como incumbência do MP exercer a fiscalização dos
estabelecimentos que abriguem idosos), sendo que o Estatuto reforça o dever geral constitucional de proteção
aos idosos (“dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso” + “A inobservância das normas
de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei” + “Todo cidadão tem o
dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou
de que tenha conhecimento”). As MPI são relacionadas de forma exemplificativa (numerus apertus), podendo ser
concedidas de ofício pelo juiz ou a requerimento do MP: I – encaminhamento à família ou curador, mediante
termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – requisição para
tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; IV – inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio
idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; V – abrigo em entidade; e VI – abrigo
temporário.

O Estatuto ainda prevê uma série de prerrogativas do MP: 1) requisitar procedimento de Apuração
Administrativa de Infração às Normas de Proteção ao Idoso; 2) iniciar Apuração Judicial de Irregularidades em
Entidade de Atendimento; I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e
interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso; 3) promover e
acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial; 4) oficiar
em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco; 5) atuar como substituto
processual do idoso em situação de risco; 6) promover a revogação de instrumento procuratório do idoso. Nos
processos e procedimentos em que não for parte, o MP atuará obrigatoriamente na defesa dos direitos e
interesses de que cuida o Estatuto, hipóteses em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar
documentos, requerer diligências e produção de outras provas, usando os recursos cabíveis. De acordo com o STJ,
a atuação do MP deve ser orientada pelas suas funções constitucionais, de modo que a intervenção obrigatória
no caso de demandas individuais ficará limitada às situações de risco. Como não podia ser diferente, a intimação
do MP, em qualquer caso, será feita pessoalmente, sendo que a falta de intervenção do Ministério Público
acarreta a nulidade do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado.
Aliás, tamanha a importância do MP na proteção ao idoso, que o Estatuto prevê tipo penal específico relativo ao
impedimento ou embaraço do ato do órgão ministerial.

161
No que se refere ao acesso à justiça, o Estatuto determina a aplicação subsidiária do procedimento
sumário previsto no Código de Processo Civil, naquilo que não contrarie os prazos previstos nesta Lei. Todavia, de
acordo com NCPC, na hipótese de a lei remeter ao procedimento sumário, será observado o procedimento
comum previsto neste Código, com as modificações previstas na própria lei especial, se houver. O Estatuto ainda
possui capítulo próprio referente à Proteção Judicial dos Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Indisponíveis
ou Homogêneos. Nesse contexto, sem prejuízos de outros direitos e garantias, regem-se as ações de
responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados ao idoso, referentes à omissão ou ao oferecimento
insatisfatório de: I – acesso às ações e serviços de saúde; II – atendimento especializado ao idoso portador de
deficiência ou com limitação incapacitante; III – atendimento especializado ao idoso portador de doença infecto-
contagiosa; IV – serviço de assistência social visando ao amparo do idoso. As ações serão propostas no foro do
domicílio do idoso, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da
Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores. Para as ações cíveis fundadas em interesses
difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos, consideram-se legitimados, concorrentemente: I – o
Ministério Público; II – os Entes Federados; III – a OAB; IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos
1 (um) ano e que incluam entre os fins institucionais a defesa dos interesses e direitos da pessoa idosa,
dispensada a autorização da assembleia, se houver prévia autorização estatutária. Em caso de desistência ou
abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado deverá assumir a
titularidade ativa. Há, ainda, a previsão de que as multas previstas na Lei sejam revertidas ao Fundo do Idoso ou,
em sua falta, ao Fundo Municipal de Assistência Social (mantida a vinculação ao atendimento ao idoso). De
acordo com a Lei de Política Nacional, “o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo
ser objeto de conhecimento e informação para todos”, revelando o interesse público na proteção do idoso, sendo
incumbência dos órgãos e entidades públicos promover e defender os direitos da pessoa idosa, bem como zelar
pela aplicação das normas sobre o idoso determinando ações para evitar abusos e lesões a seus direitos.

Casuística: STF: 1) o Estatuto não alterou o CP no que se refere à idade de 70 anos para redução do
prazo prescricional; 2) possível prisão domiciliar a idoso condenado por crime hediondo; 3) a norma relativa à
gratuidade de transporte público coletivo apenas reproduz o dispositivo constitucional, o qual possui eficácia
plena e aplicabilidade imediata; 4) é possível o bloqueio de valores para garantir fornecimento gratuito de
medicamentos a hipossuficientes; 5) restrição de acesso a cargos público por idade deve ter previsão legal e se
justificar de forma razoável e proporcional, concretamente, em virtude do grau de esforço inerente à função; 6) é
inconstitucional o critério de ¼ do salário mínimo para concessão de benefício de prestação continuada (LOAS),
sendo que o benefício assistencial ou previdenciário recebido pelo núcleo familiar não deve ser considerado para
aferir a renda mínima per capita do idoso. STJ: 1) o Estatuto não alterou o CP no que se refere à idade de 70 anos
para redução do prazo prescricional; 2) possível prisão domiciliar a idoso por inadimplemento de obrigação
alimentícia; 3) natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando credores for idosos (especialidade do
Estatuto em relação ao CC2002); 4) limitação do valor per capita (1/4 do salário mínimo) não é o único fato para
comprovar a miserabilidade para a concessão do benefício de prestação continuada (LOAS); 5) MP possui
legitimidade para propor ação civil pública referente a interesse individual um idoso (interesse público e social+
indisponível); 6) abusividade (discriminação ilícita) de cláusula de reajuste de mensalidade de plano de saúde
apenas em virtude da idade; 7) ilícita rescisão de contrato de seguro ao argumento de que a idade avançada
implicaria alta sinistralidade; 8) Estatuto não vinculou a gratuidade do transporte público coletivo urbano à
criação de fonte de custeio.

14C. Proteção dos grupos vulneráveis no âmbito do Direito Privado. Índios, quilombolas e povos tradicionais.
Igualdade Racial. Igualdade de gênero

Carime Ribeiro

I. Proteção dos grupos vulneráveis no âmbito do Direito Privado


Grupo vulnerável é gênero (grupos que necessitam de proteção estatal especial) do qual fazem parte as espécies
minorias e grupos vulneráveis em sentido estrito. São grupos não dominantes, que sofrem algum tipo de
vulnerabilidade, não tem a ver com questão numérica. O grupo que detém o poder em um Estado (político, social,
econômico etc.), mesmo que numericamente reduzido, não é vulnerável, logo, não pode ser considerado minoria.

162
No site da ESMPU há o seguinte conceito de grupos vulneráveis: “É o conjunto de pessoas pertencentes a uma
minoria que por motivação diversa, tem acesso, participação e/ou oportunidade igualitária dificultada ou vetada,
a bens e serviços universais disponíveis para a população. São grupos que sofrem tanto materialmente como
social e psicologicamente os efeitos da exclusão, seja por motivos religiosos, de saúde, opção sexual, etnia, cor de
pele, por incapacidade física ou mental, gênero, dentre outras”. Minorias, para Muniz Sodré, citado por Vitorelli,
têm por características: 1) vulnerabilidade jurídico-social, pois não são institucionalizadas pelas regras do
ordenamento jurídico vigente; 2) identidade em constante estado de reconstrução; e 3) luta contra o poder
hegemônico mediante estratégias discursivas. Luciano Mariz Maia (atual Vice-PGR) aponta 5 características que
podem compor um conceito de minoria: 1) segmento subordinado da população estatal; b) presença de traços
físicos ou culturais vistos negativamente pela maioria; c) autoconsciência dessa diferenciação e das restrições
que acarreta; d) transmissão intergeracional de tais características; e) tendência ao casamento interno ao grupo.
Vitorelli sugere que os grupos designados por vulneráveis poderiam clamar para si a designação de minoria,
demandando que se reservasse aos grupos culturalmente diferenciados a denominação, como utiliza o MPF, de
comunidades tradicionais, por entender que a expressão minoria não pode designar apenas as comunidades
marcadas por diferenciação cultural.

Feitas as considerações conceituais, importante destacar a mudança paradigmática (padrão de entendimento)


ocorrida no direito privado. A autonomia da vontade e o pacta sunt servanda (fundamentais ao individualismo)
deixaram de ser o centro, surgindo como marcos a eticidade (boa-fé ampliada) e a sociabilidade (atenção às
exigências da função social). O absolutismo da propriedade (fundamental ao patrimonialismo) cede espaço às
demandas da função social, à garantia do mínimo existencial, da lealdade e boa-fé no trato dos negócios jurídicos.
Proteção à moradia e ao trabalho, como expressões de uma vida digna, orientando os vínculos jurídicos. As
imutabilidades dos vínculos conjugais e a estratificações na filiação cedem à proteção existencial e o patrimônio
como instrumento. Os vínculos afetivos passam a contar com novas tentativas de proteção, orientados também
para a proteção da existência digna. Nesse sentido, acentuam-se as tentativas de proteção de grupos vulneráveis,
operacionalizando as uniões familiares, flexibilizando-se os vínculos estabelecidos pelas opções pessoais e
protegendo os vínculos sócioafetivos. Ganham importância sistemas normativos para proteção de grupos
vulneráveis, tais como consumidores, trabalhadores, crianças e idosos.

A CRFB/1988 inova ao reconhecer o Estado brasileiro como pluriétnico. Supera-se as pretendidas


homogeneidades, garantidas ora por uma perspectiva de assimilação, mediante a qual se instalam entre os
grupos étnicos novos gostos e hábitos, corrompendo-os e levando-os a renegarem a si próprios ao eliminar o
específico de sua identidade, ora submetendo-os forçadamente à invisibilidade. De acordo com o Dec
6.040/2007, que Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem
como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Para as comunidades tradicionais em
geral, a terra possui um significado diferente do que para a sociedade em geral. Para elas, a terra é o elo que
mantém a união do grupo, e que permite a sua continuidade no tempo através de sucessivas gerações,
possibilitando a preservação da cultura, dos valores e do modo peculiar de vida da comunidade étnica. Privado
da terra, o grupo tende a se dispersar e a desaparecer, absorvido pela sociedade envolvente.

II. Índios, quilombolas e povos tradicionais


Quanto à proteção dos Índios, deve haver respeito à cultura indígena no momento do registro, sendo atendidas
às peculiaridades no que tange ao nome, prenome e filiação. Não se permite obstar no registro de nascimento
do índio a inserção de nome, prenome e filiação tradicionalmente indígena. Não se pode exigir o registro com
um nome não-indígena. O índio pode atribuir ao filho os nomes que bem entender e o registro deve assegurar
que a grafia reflita a pronúncia do nome na língua materna, na medida do possível. Os registros administrativos
de nascimento e óbito deverão ser promovidos antes dos registros públicos. Para a realização do registro público,
deverá o servidor da FUNAI credenciado apresentar, no Cartório, a certidão do registro administrativo
competente. Há, portanto, dois registros de nascimento e óbito indígena. Apenas o registro administrativo não
gera direitos de família nem direitos sucessórios. Sobre o casamento, Vitorelli sustenta que a é a equiparação do

163
casamento indígena ao casamento religioso e, nos termos do art. 1515 do CC/02, somente pode ser registrado se
satisfizer aos requisitos de validade do casamento civil. Todavia, o melhor entendimento é o de que o casamento
indígena é passível de registro, se for de interesse dos nubentes, e esse registro, na hipótese de o casamento
ser realizado segundo o rito tradicional, deve dispensar as formalidades do CC/02, já que não fazem parte da
cultura indígena. Em relação à capacidade civil, à luz da CR/88, devem ser repelidas tanto a classificação de
índios quanto ao grau de sua integração, quanto ao regime tutelar, atribuindo-se aos índios plena capacidade
civil. Índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus
direitos e interesses (art. 232, CR/88), intervindo o MP em todos os atos do processo. É função do MPF defender
judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas e intervir nos processos (art. 129, V, CR/88). Nesse
sentido, art. 12 da Convenção 169 da OIT. Os índios possuem capacidade civil e capacidade processual. À luz dos
arts. 5º, 231 e 232 da CR/88, é possível afirmar, como regra, que os índios podem exercer seus direitos e cumprir
suas obrigações na ordem civil sem assistência, tutela ou pedido de liberação do regime tutelar . Apenas os
indígenas que mostrarem total incapacidade para compreensão da língua ou da cultura da sociedade envolvente,
e, por essa razão, sofram limitações que dificultem/inviabilizem a prática dos atos civis e políticos, terão
assistência da FUNAI, que é um auxílio material, não se confundindo com a consideração do índio como
incapaz. Segundo o art. 8º do Estatuto do Índio: “São nulos os atos praticados entre o índio não integrado e
qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar
competente. Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e
conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos”. Sobre a leitura
que deve ser feita de tal dispositivo, Vitorelli sugere que, em homenagem à proteção dos índios como cultura
minoritária, considerado que, apesar de plenamente capazes civilmente, os índios podem não compreender
perfeitamente as normas da sociedade de grande formato e, por essa razão, não ter a adequada compreensão
dos negócios jurídicos que celebram, é possível a declaração de nulidade de negócios jurídicos celebrados entre
índios e não-índios quando se demonstrar que o ajuste decorreu de má-compreensão do índio, relativamente
ao conteúdo do ato. Trata-se de uma adaptação da teoria do erro civil (CC, art. 138 e seguintes). Em razão da
plena capacidade civil do índio, o negócio jurídico deve ser respeitado, pois é considerado válido, cabendo a
verificação de eventual vício de consentimento em momento posterior.

Assim como os índios, quilombolas se enquadram na categoria de comunidades tradicionais, uma vez que o
traço essencial de sua caracterização é a preservação de uma cultura distinta da majoritária, mantendo uma
relação com a terra que é mais do que posse ou propriedade (relação de identidade). A eles se aplicam todas as
disposições da Convenção 169 da OIT, a qual se aplica aos “povos tribais em países independentes, cujas
condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam
regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial”. O Decreto
4887/03 traz o seguinte conceito de quilombolas: Art.  2o  Consideram-se remanescentes das comunidades dos
quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. Vitorelli assim conceitua: “Comunidade quilombola é
todo grupo negro que habite área rural, desde tempos que remontam, pelo menos, às primeiras décadas do
século XX, tendo nela se instalado por qualquer razão histórica e ali vivido até os dias atuais, compartilhando um
território e uma identidade, e que assim se autorreconheça”. Dessa forma, não há que se investigar se a
comunidade negra remonta a uma ocupação decorrente de fuga, nem qual foi o escravo que originalmente a
fundou. O que interessa é que se trate de um grupo negro com ocupação temporalmente remota do território,
que nele vive segundo seus costumes e tradições. O conceito apresentado é compatível com o que a Associação
Brasileira de Antropologia (ABA) defende. Em 2003 a 6CCR e a ABA acordaram com o seguinte conceito de
comunidade quilombola: “toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura
de subsistência, e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado ”. Considerando o critério da
autoidentificação, a Fundação Palmares registra (caráter declaratório) as comunidades quilombolas com base
em uma certidão de autodeclaração. Embora o conceito de comunidade quilombola faça referência à localização
da comunidade em região rural, a falta do elemento geográfico, pura e simplesmente, não é suficiente para
descaracterizar a comunidade. A habitação em zona rural é elemento acidental do conceito (localização
geográfica é irrelevante). Precedente jurisprudencial mais relevante para o conceito de comunidades
quilombolas: caso da Ilha de Marambaia (STJ, REsp 931.060/RJ). Cerca de 90 famílias habitavam o local desde

164
antes da abolição da escravatura. Em 1905, a ilha foi adquirida pela União e, a partir de 1971, passou a ser
administrada pela Marinha, que estabeleceu uma série de limitações às atividades de seus habitantes. A partir de
1998, a AGU passou a ajuizar ações de reintegração de posse contra os moradores, entre eles, Benedito Augusto
Juvenal. A ação contra Benedito foi julgada parcialmente procedente em 1º grau e o TRF2 manteve a sentença.
No STJ, o Ministro Fux, ao proferir voto vista, votou pelo provimento integral do recurso, trazendo um conceito
antropologicamente e juridicamente adequado de comunidade quilombola. Fux destacou que um laudo
solicitado pelo MPF atestou que os moradores da Ilha descendem, direta ou indiretamente, de famílias que
ocupam a área há, no mínimo, 120 anos, por serem remanescentes de escravos. Ao debater o tema em sessão,
Fux fez duras críticas à estratégia processual da União de promover ações individuais para descaracterizar a
comunidade e o fenômeno étnico e coletivo. 

Diferentemente da relação que o “homem, moderno, capitalista, individualista” tem com a propriedade do
(intenção econômico-patrimonial), as comunidades remanescentes de quilombos, tal como os indígenas, veem
a propriedade do território com olhos de “habitat”. É neste “habitat” que reproduzem e desenvolvem sua
cultura, seus modos de fazer, criar, viver e expressar (art. 216, CR). A propriedade dessas terras é essencial para
o exercício do direito fundamental à vida (“existência”) digna (arts. 1º, III e 5º, CF) dessas comunidade. A
propriedade quilombola tem características distintas da propriedade civil ordinária, ela existe em benefício de
um propósito maior, que é a preservação das condições de existência da comunidade. Por essa razão, a
propriedade quilombola é coletiva, indivisível, inalienável, imprescritível e impenhorável. Isso significa que a
propriedade está vinculada, de modo perene, à comunidade enquanto tal. Não há lotes que possam ser
vendidos ou transferidos aos herdeiros de cada um de seus integrantes; não é possível que qualquer fração ou
mesmo o território como um todo seja oferecido como garantia, por exemplo, para financiamentos rurais; não
há possibilidade de que o herdeiro de um membro falecido queira utilizar ou residir na casa pertencente ao autor
da herança, se não for ali aceito pela comunidade; não há possibilidade de que o imóvel seja total ou
parcialmente penhorado. Caso a comunidade venha a se extinguir, a propriedade deve ser revertida ao
patrimônio da União. Os imóveis rurais oficialmente reconhecidos como áreas ocupadas por remanescentes de
comunidades de quilombos que estejam sob a ocupação direta e sejam explorados, individual ou coletivamente,
pelos membros destas comunidades são isentos do ITRV. Quanto ao IPTU, o PRR Celso Albuquerque da Silva já
analisou a questão, concluindo pela inviabilidade de tributação de tais áreas, argumentando que a terra é
concedida aos quilombos na condição de um direito fundamental cultural, de modo que sua propriedade, que é
coletiva, não revela capacidade contributiva, que é fundamento de qualquer tributação. Propriedade
quilombola x Posse Indígena. As terras indígenas são terras públicas federais (CRFB, art. 20, XI), cujo usufruto
permanente se destina às comunidades (art. 231, §2º da CF). Subordinam-se, assim, ao regime jurídico dos bens
públicos de uso especial, pois são afetados a uma finalidade públicaena. Tais bens são inalienáveis, indisponíveis
e imprescritíveis. Quanto aos territórios quilombolas, embora a CR não os tenha regulamentado expressamente,
afirmou que as comunidades lhes adquirem a “propriedade definitiva”, do que se pode inferir que a propriedade
será particular. Além disso, tratando-se de propriedade adquirida no interesse público, consistente na
preservação da comunidade, essa propriedade, apesar de particular, será gravada com cláusulas de
inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade. Por fim, a propriedade deve ser titulada
coletivamente, por toda a comunidade, e não em lotes (reforma agrária). O que se quer é a manutenção de uma
comunidade, cujo significado é coletivo e não individual. Essas características são fundamentais para a
preservação da comunidade e de sua relação com a terra, mas acarretam alguns inconvenientes práticos. Do
ponto de vista sucessório, não há possibilidade de alienação ou de aproveitamento da propriedade pelos
herdeiros, salvo se também compuserem a comunidade. O reflexo disso é que, quando os integrantes da
comunidade já têm títulos individuais de propriedade, são comuns conflitos internos e resistência ao
reconhecimento, uma vez que, mantendo a propriedade individual, essas pessoas têm mais liberdade para
garantir os direitos dos seus descendentes. En. 27 (6CCR): Os direitos territoriais dos povos quilombolas e outros
povos e comunidades tradicionais gozam da mesma hierarquia dos direitos dos povos indígenas, pois ambos
desfrutam de estatura constitucional. Em casos de conflito, é necessário buscar a harmonização entre estes
direitos, consideradas as especificidades de cada situação. En. 28: Os direitos territoriais dos povos e
comunidades indígenas, quilombolas e outras tradicionais gozam da mesma hierarquia constitucional que o
interesse público na proteção da segurança nacional. Em casos de conflito, é necessário buscar a harmonização
proporcional entre os bens jurídicos em jogo. Nos processos de equacionamento dessas colisões, as comunidades

165
devem ter assegurada a participação livre, informada e igualitária. O procedimento de demarcação é parecido
com o das terras indígenas. Compete ao INCRA realizar a identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. A Fundação
Palmares, considerando o autorreconhecimento da comunidade, expede a respectiva certidão. O procedimento
administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de qualquer interessado.

III. Igualdade Racial


Críticas ao Estatuto Racial (Vitorelli): a) não constitui uma norma que objetiva a igualdade racial em sentido
amplo, mas sim a promoção de ações especificamente destinada aos negros. A Convenção da ONU sobre o tema,
que inspirou o Estatuto, se destina à eliminação de todas as formas de discriminação racial. A lei restringe, de
modo injustificado, um compromisso maior assumido pelo Brasil no âmbito internacional; b) A CR/88 traz como
objetivo fundamental a promoção do bem de todos, sem discriminação de raça ou cor (não há dispositivo que
privilegie a eliminação do preconceito racial contra negros); c) O Estatuto se dissocia de toda a tradição legislativa
brasileira de combate ao racismo, que sempre se pautou pela aplicação a todas as situações de preconceito racial,
não a uma etnia específica; d) Equivoco em afirmar que o preconceito racial é dirigido apenas contra os negros
(ex: índios); e) O Estatuto criou o grave problema do atendimento à população parda. Políticas públicas: não é
apenas por meio de ações afirmativas - Sarmento: “medidas públicas ou privadas, de caráter coercitivo ou não,
que visam a promover a igualdade substancial, através da discriminação positiva de pessoas integrantes de
grupos que estejam em situação desfavorável e que sejam vítimas de discriminação e estigma social. Elas podem
ter focos muito diversificados, como as mulheres, portadores de deficiência, os indígenas ou os afrodescendentes,
e incidir nos campos mais variados, como educação superior, acesso a empregos privados ou cargos públicos,
reforço à representação política ou preferência na celebração de contratos” - que o Estado pode combater o
preconceito racial. Talvez mais relevantes que as políticas de ações afirmativas sejam as políticas de
implementação difusa - ações de conscientização da população contra a desigualdade racial, o fortalecimento da
identidade negra e de sua afirmação, o fortalecimento do sistema normativo de combate à desigualdade, dentre
outras, não implicando uma “discriminação positiva” a favor de pessoas determinadas, que lhes atribua direitos
subjetivos específicos - que não beneficiam cidadãos determinados, mas se ocupam de remover barreiras sociais
de preconceitos e adaptar outras ações já existentes. Nessa perspectiva de direito à igualdade, destaque-se que o
espírito da norma não é garantir apenas uma igualdade formal, mas igualdade material, corrigindo as
desigualdades reais. Assim, a teoria do impacto desproporcional foi construída para aferir e coibir a
discriminação indireta. A preocupação, nesse ponto, é a análise de medidas, públicas ou privadas,
aparentemente neutras do ponto de vista racial, mas cuja aplicação concreta acarrete, propositadamente ou
não, prejuízo maior – desproporcional – à minoria. A verificação se pauta pelo resultado, não pela intenção.
Sarmento destaca que: “não se trata, aqui, de discriminação de fato, ou seja, de mera aplicação distorcida de uma
norma jurídica boa em si mesma. Se há discriminação de fato, a norma pode ser aplicada sem acarretar
desigualdade. Na discriminação indireta, não há como aplicar a norma sem desfavorecer o grupo vulnerável”. A
igualdade material de todos perante a lei, ou em face de medidas administrativas, práticas e costumes, deve ser
ponderada à luz dos efetivos impactos daquelas providências sobre certos grupos de indivíduos, notadamente
minorias.

Reconhecimento do casamento religioso no candomblé. Um Estado laico e respeitoso das diversas perspectivas
religiosas deve saber enfrentar os desafios do multiculturalismo religioso e oferecer um tratamento equitativo,
que resulte em condições equivalentes às diferentes confissões. Walter Rothenburg, no artigo “Liberdade
Religiosa no Multiculturalismo”, cita um caso real em que houve efetivo respeito ao direito de consciência e de
crença: reconhecimento dos efeitos civis à cerimônia religiosa de casamento – tal como prevê o art. 226, § 2º, da
CRFB/88 – realizada no rito do candomblé. O juiz de paz informou que “não existe impedimento para celebração
oficial da união matrimonial no Candomblé”. Tal como os direitos fundamentais em geral, o direito de consciência
e de crença apresenta uma feição negativa ou defensiva, que impõe abstenção por parte do Poder Público e dos
demais particulares, mas apresenta também uma feição positiva ou prestacional, que impõe atuação. Crenças
religiosas não devem ser nem favorecidas, nem ignoradas pelo Estado. Trata-se de um aspecto muito importante
para a vida individual e coletiva de alguns, visto que “a dimensão espiritual é constitutiva da dignidade humana”.

IV. Igualdade de gênero

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Sexo diz respeito às características biológicas, enquanto gênero é o conjunto de aspectos sociais, culturais,
políticos relacionados a diferenças entre os papéis masculinos e femininos em uma sociedade. Assim, o travesti e
o transexual referem-se à identidade de gênero de uma determinada pessoa. O transexual (transgênero)
apresenta uma incompatibilidade do sexo com o gênero (a pessoa se enxerga como sendo do sexo oposto). Em
relação ao exercício da sexualidade, considerando a involuntariedade do agir homossexual, não cabe mais falar
em “opção sexual”, mas sim em “orientação sexual”. Tal nomenclatura está de acordo com os Princípios de
Yogyakarta e se refere à capacidade de atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente,
do mesmo gênero ou de mais de um gênero. Homoafetividade: termo que busca evidenciar que as uniões de
pessoas do mesmo sexo nada mais são do que laços de afeto. Igualdade de Gênero e Direito civil Constitucional.
A igualdade de gênero situa-se no marco do direito civil constitucional, dentro da proibição de discriminação
respaldada na CR, assim como em diversos documentos Internacionais (Convenção de Belém do Pará e Princípios
de Yogyakarta). Os direitos sexuais concretizam outros direitos fundamentais como a liberdade, a igualdade, a
dignidade humana no estatuto pessoal e sexual, sendo, pois, reconhecidos como direitos humanos. Nesse
contexto, destacam-se alguns assuntos relevantes, tais como família, afetividade, homoafetividade, respectivas
uniões e o direito à diferença. Só foi possível um direito permeável à questão de gênero quando se passou a ter
uma Constituição amparada em dois pilares: a igualdade e o pluralismo. A CR/88 reconhece a disparidade entre
homens e mulheres e estabelece, no capítulo relativo aos “direitos sociais”, medidas que assegurem o acesso e
permanência da mulher no emprego. Há amparo à maternidade e ao aleitamento, ações afirmativas na proteção
do mercado de trabalho da mulher e proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo, dentre outros, de sexo ou estado civil. Esses mesmos direitos são garantidos às servidoras
ocupantes de cargos públicos. Até muito recentemente, dos 34 direitos garantidos às demais categorias
profissionais, apenas nove eram reservados aos trabalhadores domésticos (maioria mulheres). Apenas uma
relação de igualdade permite a autonomia individual, a qual só é possível se assegurado a cada qual sustentar as
suas muitas e diferentes concepções do sentido e da finalidade da vida.

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