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A hermenêutica jurídica de Gadamer

Ana Maria D’Ávila Lopes

Sumário
1. Evo lução histó rica do co nceito de ciên-
cia jurídica. 2. A teo ria hermenêutica de Ga-
damer. 3. A hermenêutica jurídica de Gada-
mer. 4. O papel do juiz segundo a hermenêu-
tica de Gadamer.

A sujeição do juiz à lei já não é, como


no velho paradigma positivista, sujeição
à letra da lei, seja qual for o seu significado,
senão sujeição à lei enquanto válid a. A
v alid ad e, p o r o utro lad o , já não é um
dogma ligado à simples existência formal
da lei, senão uma qualidade contingente
ligada à co erência de seus significado s,
co erência m ais o u m eno s d iscutív el e
sempre remetid a à valo rização d o juiz.
Dessa maneira, a aplicação d a lei é um
juízo sobre ela, tarefa que corresponde ao
juiz junto co m a resp o nsabilid ad e d e
escolher o único significado válido para o
caso . O juiz nunca d eve ter uma o pção
acrítica e incondicionada1 .
N esse sentid o , a im p o rtânc ia d o
estud o da teoria hermenêutica jurídica de
Gadamer é fundamental para a análise da
no v a v isão d o Direito co ntemp o râneo ,
pois, como ele afirmou, a hermenêutica
juríd ica p ermitirá uma ap licação mais
justa do Direito, “ afinando la sensibilidad
jurídica que ha guiado la interpretación” 2 .
A na Maria D’ Á vila Lo pes é Mestre em Hans-Geo rg Gad amer p ublico u sua
Direito Constitucional pela UFMG, Doutora em grande obra “ Verdade e Método” em 1960,
Direito Constitucional pela UFMG e Professora livro que reflete, em certo modo, a influên-
de Direito Constitucional na UPF- RS. cia recebida de seu mestre Heidegger, pois
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desenvolveu “ um interesse filosófico pelo 1. Evolução histórica do conceito de
diálogo com a tradição, com as línguas e ciência jurídica
as culturas distantes, e refletiu sobre as
Antonio de Osuna, no seu livro sobre a
co nd içõ es histó ricas e filo só ficas d a
Hermenêutica Jurídica7, faz uma interes-
compreensão e da interpretação” 3 .
sante análise da evo lução do pro blema
Em “ Verd ad e e M éto d o ” , Gad amer
gnoseológico e epistemológico do Direito.
exp õ e uma no v a teo ria d a exp eriência
A transfo rmação d a ciência o cid ental
hermenêutica que vá além da tradicional
durante os séculos XVII e XVIII em uma
concepção que a equipara a uma metodo-
ciência racionalista, metodológica e siste-
lo gia científica. No p ró lo go à segund a
mática rep ercutiu no Direito , que até
ed ição d o livro , refere que: “ no era mi
então tinha-se limitado a ser uma ciência
intención componer una ‘ preceptiv a’ del
cujo co nteúd o era o estud o filo ló gico e
comprender como intentaba la vieja herme-
gramatical de textos antigos, para trans-
néutica. No pretendia desarrollar un sistema
formar-se em uma construção racional e
de reglas para describir o incluso guiar el
abstrata, com pretensões de rigidez mate-
procedimiento metodológico de las ciencias
del espíritu” 4. Sua verdadeira pretensão era
mática, provocando o surgimento, no final
filo só fica: “ no está en cuestión lo que do século XVIII e começos do XIX, de um
mo vimento co d ificad o r que p retend eu
hacemos ni lo que debiéramos hacer, sino lo
converter o vigente Direito sistemático e
que ocurre con nosotros por encima de nuestro
querer y hacer” 5. A hermenêutica deixa de
racional em uma estrutura universal e de
ser um método para tornar-se uma onto- permanente valor conceptual.
logia, o modo de “ ser do homem” , o modo Nesse sentido , surge, po r um lado , a
de “ compreender” , de “ conhecer” , desva- “ Escola da Exegese” , na França, que tinha
lorizando, dessa maneira, a teoria positi- como objetivo introduzir uma ordem e um
vista, derivada da rígida posição objetivista méto d o no mo v imento co d ificad o r d a
e abso lutista d a Ilustração , que eleva a épo ca e d ar co ntinuid ad e às co nd içõ es
razão a um status de inquestionabilidade surg id as na rev o lução , que ind ubita-
e inatingibilidade. Para Gadamer, entender velmente favoreciam à burguesia; e, por
e compreender um texto é um modo de outro lado, a “ Escola Histórica de Direito” ,
contribuir à cultura da humanidade e até na A lem anha, o nd e não existia um a
mesmo à auto co mpreensão d o pró prio burguesia interessada em reter o poder e
indivíduo. manter as co ndiçõ es so ciais, senão que,
A teo ria d a hermenêutica juríd ica é p elo co ntrário , p retend ia questio nar e
estudada por Gadamer porque apresenta reformar os pressupostos de um Direito
um modelo de aplicação ideal para qual- despótico, baseado num excessivo forma-
quer ciência do espírito, “ cuando el juez se lismo e racionalismo.
sabe legitimado para realizar la complemen- Foi esta última visão do Direito a que
tación del derecho dentro de la función judicial tro uxe no v as reflexõ es e ind ag açõ es a
y frente al sentido original de un texto legal, respeito da sua cientificidade e sobre uma
lo que hace es lo que de todos modos tiene possível relação com a realidade cultural
lugar en cualquier forma de comprensión” 6 . e filosófica na qual se desenvolvia.
A ind a que sua real intenção não fo sse Seguindo essa linha de pensamento, a
desenvolver uma hermenêutica jurídica, Escola Histórica fundou sua nova concep-
no seu livro, encontramos várias referên- ção de ciência jurídica. Não existe nenhum
cias a ela e ao fundamental papel do juiz fato iso lad o nem autô no m o , m as é a
na aplicação do Direito, referências que histó ria o v ínculo o rg ânico no qual se
analisaremos. relacio nam to d as as co isas. Sav igny, o
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principal representante d essa co rrente, convicção firme, não era o suficientemente
afirmava que co mpreender o presente é válid a para fund ar uma legislação uni-
igual a desenvolver as possibilidades do versal e, muito menos, para impor uma
passado. A criação do Direito segue uma visão em particular.
linha contínua de progresso e evolução, O tema central do pro blema, a justi-
send o um erro d efinir o Direito co mo ficação d o Direito vigente po r meio d a
absoluto e válido para sempre, como assim história, ficou sem ser esclarecido, assim
era entendido pelo antigo Direito natural. também a fo rma co mo d ev eria ser a
O processo histórico do Direito segue o interpretação d essa histó ria para o bter
caminho d a co nstrução d a histó ria d o uma ciência correta do Direito.
po vo em que se d esenvo lve. Dessa ma- Por último, a definição do Direito como
neira, a ciência jurídica é uma importante uma ciência dogmática e histórica originou
fonte de progresso, mas, antes, é preciso uma discussão que repercutiu em todo o
captar o seu “ sentido ” , para o qual era âmbito científico. Se por um lado determi-
necessário, em primeiro lugar, reproduzir nav a-se que o Direito era uma ciência
em nós a “ idéia original” da norma e, em dogmática, formalista e racionalista, pelo
segund o lugar, co nsid erar o s fato s his- outro, e em sentido oposto, proclamava-
tóricos e o sistema em que a norma está se a sua natureza o rgânica e vital, rela-
inserida. cionada com a evolução histórica, criando
Foi, contudo, na escolha dessa metodo- uma aparente co ntrad ição . Finalmente,
logia para a análise da ciência jurídica que que tipo de ciência era a ciência jurídica?
essa Escola cometeu um grave erro, pois No fim do século XIX, Dilthey desen-
se d ed ico u simp lesmente a inv estig ar volveu uma nova teoria sobre as ciências
histo ricamente o Direito e não , co mo que não p o d iam exp erimentar-se o u
d ev eria ter sid o co rreto , utiliz ar sua observar-se empiricamente (como no caso
história para compreendê-lo na atualidade. d a histó ria, d a ética, d a lingüística, d a
O erro fo i red uzir o seu o bjeto a uma ciência jurídica, entre outras), cujo objeto
investigação “ arqueológica” do passado, era a realidade histó rico -so cial da vida
to rnand o numa d o gmática fo rmalista e humana. Dilthey chamo u-as ciências de
conceptualista, afastada do seu contexto “ ciências do espírito” em contraposição às
atual. O esp írito d o p o v o d esap arecia físico -naturais. A ssim, também, intro -
como interlocutor da criação do Direito, duziu um novo termo para o conceito de
p ara d ar lug ar a ev o caçõ es retó ricas e entender, o “ compreender” , para designar
ro mânticas da histó ria. A finalidade da o conhecimento próprio daquelas ciências
interpretação era reconstruir o pensamento do espírito; enquanto, para as ciências dos
contido na lei, deixando de lado qualquer fenômenos sensíveis da natureza, utilizou
fund amentação epistemo ló gica d a per- o termo “ explicar” , “ explicamos a naturaleza,
cepção histórica do passado em relação ao pero comprendemos (verstehen) la vida del
Direito atual ou a forma de aceder à sua espíritu” 8. Compreender seria a captação
essência, tema que seria o propriamente do profundo e, nesse sentido, a hermenêu-
científico no Direito. tica deixava de ser simplesmente explica-
A rejeição ao Direito natural racio - tiva para ser a compreensão da realidade.
nalista e abstrato obrigou Savigny, influen- Po r o utro lad o , a d istinção feita po r
ciado seguramente pelo idealismo alemão, Dilthey colocava a ciência jurídica sob o
a propor um conhecimento intuitivo da p arad ig ma p ró p rio d as “ ciências d o
história do Direito, privando-o do rigor e espírito” , desde que, no Direito, “ subsiste
da universalidade da razão, pois, embora sin confusión lo histórico-vital y lo organi-
a intuição fo sse cap az d e g erar uma zativo social ” 9 . A ssim, o Direito estaria
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referido a sistemas de cultura e à organi- filosofia em todos os seus aspectos. Essa
zação da sociedade, em que o axiológico “ no v a” ciência, chamad a Do g mática
não poderia ser descartado. Juríd ica, caracterizo u-se p o r d efinir o s
Desenvolvendo esta última idéia, e sob seus p rincíp io s d esd e uma realid ad e
a influência de Rickert e Lask, Radbruch “ po sitiva” d o Direito e d o s fenô meno s
definiu a ciência jurídica como a formali- jurídicos, enunciando leis válidas para a
zação dos valores existentes no Direito, e interp retação , ap licação e co mp lemen-
não ap enas co mo o estud o fo rmal d o s tação do Direito, entendendo este como um
valo res jurídico s, pro vo cando o fim do sistema. Os seus princípios seriam dogmas
predomínio da concepção positivista que ou verdades axiológicas com a estabilidade
deixava de lado qualquer conteúdo ético e rigid ez d as leis naturais, sem ter que
ou social. A ciência jurídica era interpre- fundar-se em outro saber superior, rejei-
tada como um fenômeno cultural e como tando qualquer outra consideração teórica
a ciência d o s valo res que d irigiam sua ou filosófica do Direito. Tratava-se de um
criação , em co ntraste co m a anterio r po sitivismo fo rmalista e co nceptualista
concepção dogmática do Direito. em o p o sição ao anterio r p o sitiv ismo
Já no começo deste século, desenvolve- filosófico.
ram-se teorias neopositivistas da ciência A insuficiência desta ciência, a Dogmá-
jurídica, as que, retomando o positivismo tica Juríd ica, era clara. Co nstruir uma
d o século XIX, questio naram o caráter ciência sem fundamentos teórico-filosófi-
axio ló g ico , não -p o sitiv ista, d a ciência cos é o mesmo que criar uma praxis sem
jurídica ou de qualquer outra ciência. A teoria que a sustente. Precisa-se justificar
única base correta de todo conhecimento o co nteúd o e a ap licação d as leis. A
seria a experiência dos dados sensíveis, e interpretação do Direito não pode limitar-
não p ro p o siçõ es tauto ló gicas o u meta- se a critérios formalistas ou prescindir dos
físicas; dessa maneira, o único no qual, por co nd icio namento s so ciais, culturais o u
exemplo, a filosofia poderia “ ajudar” seria éticos em que se desenvolve11 .
na análise ló gica-lingüística d as pro po - A interpretação da lei, ou a busca do
sições, por meio da lógica formal, isto é, a seu “ sentido ” , co mo diria Savigny, não
análise d a ling uag em “ fo rmalmente
pode ser um problema metodológico ou de
correta” . Kelsen10 foi o mais importante
simples técnica jurídica. É um problema
representante dessa corrente, colocando o
filosófico, pois a interpretação tem muito
Direito num lugar privilegiado diante das
que ver com a historicidade e a faticidade
outras ciências morais. A ssim, também,
d e qualquer co nhecimento , teo ria que
diferenciou as ciências naturais, regidas
amplamente demonstrará Gadamer.
pelo princípio de causalidade, das norma-
tiv as, reg id as p o r uma imp utação d o
“ d ev er ser” , m as d eixo u claro que a 2. A teoria hermenêutica de Gadamer
co nd ição d e ciência d eco rria d a sua Em “ Verdade e Método” , Gadamer,
“ po sitividade” , o u seja, de não admitir aco mpanhando o s ensinamento s de seu
outro conteúdo material que não fosse o mestre Heidegger, que definia a compre-
empiricamente co mpro vável. A ciência ensão como forma de definição do “ ser”
jurídica deve limitar-se a explicar empiri- (o chamad o “ giro hermenêutico ” ), v ai
camente o Direito co mo é, sem tentar expor uma teoria a respeito da natureza
justificá-lo ou criticá-lo. ontológica da experiência humana iden-
O p o sitiv ismo co nstruiu um no v o tificando-a com a compreensão, “ compren-
conceito de ciência com a intenção de ser der e interpretar tex tos no es sólo una
o verdadeiro e definitivo, substituindo a instancia científica, sino que pertenece con
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toda evidencia a la experiencia humana del é absoluta (aliás, não existe nada absoluto),
mundo” 12. A inda mais, Gadamer irá além senão que só existe como real e histórica,
desses ensinamentos e afirmará a pertên- pois está referida ao contexto no qual se
cia do intérprete à compreensão histórica. exerce.
No compreender histórico, há uma auto- O no v o co nceito d o co mp reend er
revelação do próprio existir no mundo e repercutirá na dinâmica do conhecimento
um “ como” revelar-se à própria identidade sujeito-objeto, entendidos até então como
temporal e finita. O existir é um compre- pólos opostos. O dualismo sujeito-objeto
ender e um interpretar13 . transformar-se-á em uma nova fenomeno-
Co m Gad amer, a hermenêutica se logia do “ estar ali” , concentrando-se numa
transformará de simples técnica de com- só referência histó rica. N esse sentid o ,
preensão das ciências do espírito (segundo Gadamer rejeita a pretensão de “ se colocar
Dilthey) em uma ontologia do intérprete no lugar de outro” para compreender algo,
e de seus condicionamentos existenciais. pois o existir está sempre mediatizado pelo
A compreensão, a interpretação e a aplica- tempo e pelos condicionamentos próprios
ção, que eram três momentos diferentes d e cad a um. Eu só po sso co mpreend er
seg und o a antig a hermenêutica, so b a desde meu tempo e desde minha condição
teo ria d e Gad amer ad quiriram caráter singular. Se eu estivesse no lugar do outro,
indivisível14 . já não seria minha compreensão enquanto
Outra d iferença imp o rtante entre a acontecer histórico distinto 16 .
antiga hermenêutica e a nova é que aquela Assim, o espaço que separa as pessoas
co nsid erav a a interp retação d o s fenô - será preenchido pela compreensão. É o que
menos históricos um verdadeiro problema se chama de “ fusão de horizontes” , sendo
devido à “ distância temporal” que existia que horizonte é o âmbito de visão existente
entre o passado e sua compreensão atual, desde um ponto determinado da história,
sem entend er que é justamente essa ou seja, o resultado dialético do contraste
“ historicidade” o que nos permite compre- d o passad o co mo o presente. Tal ho ri-
end ê-lo s melho r 15 . M as não d ev emo s zonte, na medida em que desenvolvemos
confundir essas idéias com as da Escola no sso s pesso ais preco nceito s e geramo s
Histó rica, p o is Gad amer tev e esp ecial novos espaços de compreensão, nunca se
cuidado no momento de acolher alguns esgota, nem se estabiliza, pois evolui sem
dos pontos mais importantes dessa corrente fim. Dessa maneira, a compreensão que se
e descartar outros; lembre-se que a Escola realiza mediante o diálogo hermenêutico
Histó rica não co nseguiu liberar-se d o s implica fundir o meu horizonte histórico
ideais da Ilustração, segundo os quais a com o do outro, ganhando um novo; isto é,
razão era a explicação de toda realidade não só conhecer o horizonte do pensamen-
e que não estava sujeita a nenhum pres- to do outro, senão inter-relacionar os hori-
sup o sto real. A ssim, se num p rimeiro zontes próprios e os alheios para dar ori-
momento esse historicismo pareceu con- gem a uma nova expressão dos fatos.
trariar os ideais da razão absoluta, acabou Esse diálogo hermenêutico, por outro
send o “ p risio neiro ” d e seus d o g m as, lado , realiza-se dentro da pró pria co ns-
transfo rmand o a crítica histó rica em ciência d a “ histó ria efetual” , o u seja,
critério supremo de verdade e assumindo dentro da constituição objetiva da cadeia
o princípio do absoluto objetivismo his- de interpretaçõ es feitas so bre o mesmo
tó rico que afasta qualquer p reco nceito texto. A consciência da historicidade do
decorrente da tradição ou do costume. A texto que o intérprete tem forma parte, por
teoria hermenêutica de Gadamer critica sua vez, d a histó ria efetual d o pró prio
essa posição e argumenta que a razão não texto, porque toda compreensão é histórica
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e todo entender se incorpora ao processo compreensão que o intérprete tem do texto,
histórico, independentemente da vontade enquanto depois aquela retorna já modi-
d o intérprete. A histó ria efetual o pera, ficada. Isso é o “ círculo hermenêutico” .
conscientemente ou não, em toda compre- Essa idéia da circularidade da compre-
ensão , co nd icio nand o e co ntro land o a ensão foi desenvolvida originariamente
fusão de horizontes 17 . p o r Schleierm acher p ara exp ressar a
A efetualid ad e d o texto é uma me- relação recíproca entre o singular e o todo,
d iação necessária entre o intérprete e o entre o particular e o geral. Um texto é
histórico como histórico. Talvez o prin- entendido na sua to talidade a partir da
cipal erro da Escola Histórica tenha sido compreensão de cada uma das suas partes,
p recisamente não p erceber a p ró p ria as que, por sua vez, geram uma nova visão
histo ricid ad e d a co mp reensão . A quela do todo, porém, são só dois momentos de
pretensão de resgatar o sentido original do um único acontecer.
texto o u a intenção d o auto r, além d e Heid egger aco mpanha essa id éia d o
impossível, era totalmente imprática. p ro cesso circular o uto rgand o -lhe uma
O Historicismo pensou que a distância maior importância na sua teoria sobre a
no tempo era uma barreira que impossibi- natureza ô ntica da co mpreensão . Nesse
litava a compreensão e que só poderia ser sentido, salientou a relevância da interpre-
superada co m a ajuda de meto do lo gias tação como o desenvolvimento das possi-
ad equad as que p ermitissem a transfe- bilidades abertas do “ estar ali” . O compre-
rência d o intérp rete ao p assad o . M as ender é um “ ver em redor” , e sua funda-
Gadamer demonstrou que, pelo contrário, mentação reside no “ ter prévio” , isto é, na
essa distância no tempo era precisamente p ré-co mp reensão d o intérp rete. To d a
fato r que p ermitia a co mp reensão . O interpretação está prefixada no “prev ia-
tempo não é um obstáculo para compre- mente poseído, prev iamente v isto y lo
ender o passado senão o autêntico âmbito previamente ideado” 20. Não existe interpre-
em que se realiza. Só quando as coisas se tação sem pressupo sto s o u sem preco n-
captam com perspectiva e distância é que ceitos, pois são condicionamentos prévios
podem adquirir o seu verdadeiro sentido, do “ estar ali” .
entanto o juízo imediato dos fatos muitas Gadamer retoma esses pensamentos e
vezes é defo rmado pela pro ximidade 18 . reconstrói o conceito de preconceito, outor-
Cad a no v a leitura d e um texto é uma gando-lhe um caráter essencial dentro da
leitura diferente, pois cada época o enten- sua teoria hermenêutica, eliminando, as-
d erá seg und o o seu p ró p rio interesse sim, a carga negativa de juízo antecipado
o bjetiv o e suas circunstâncias. Dessa que tinha adquirido durante a Ilustração.
maneira, a interp retação d e um texto A idéia de um conhecimento do passado
superará sempre a seu autor, “ por eso la com- por meio da razão pura, sem mediação da
prensión no es nunca um comportamiento re- própria tradição do intérprete, será rejeita-
productivo, sino que es a su vez siempre da claramente,
productivo” 19. “ ¿ estar inmerso en tradiciones significa
Para a compreensão de um texto, então, real y primariamente estar sometido a
será necessário estar “ aberto” à opinião do prejuicios y limitado en la propia
autor, pois o texto expressará sua opinião, libertad? ¿ no es cierto más bien que
a que, embora não coincida com a minha, toda existencia humana, aún la más libre,
deverá ser “ escutada” se se quer acrescen- está limitada y condicionada de muchas
tar algo à própria compreensão. maneras? .(...).Para nosotros la razón
É um processo que se carateriza por sua no es dueña de sí misma sino que está
circularidade, pois tem o seu começo na pré- referida a lo dado en lo cual se ejerce” 21.

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A liás, irá mais lo nge ao afirmar que: “ los na participação essencial do intérprete. Por
prejuicios de un individuo son, mucho más outro lado, pretender que o intérprete pos-
que sus juicios, la realidad histórica de su sa realizar uma interpretação absolutamen-
ser” 22. Por outro lado, o reconhecimento da te objetiva ou pura de um texto, isto é, que
historicidade de toda compreensão per- possa reconstruir o seu sentido originário,
mitirá d istinguir o s “ verd ad eiro s” d o s significa não ter entendido nem percebido
“ falsos” preconceitos, de modo que estes a historicidade de toda compreensão (a his-
últimos sejam descartados para permitir tória efetual do texto), nem que os precon-
um acesso o bjetiv o ao texto , isto é, a ceitos do intérprete estão inseridos, quei-
confrontação da história efetual do texto ra-se ou não, no processo interpretativo,
co m a p ró p ria trad ição d o intérp rete “ uma compreensão, por mais controlada
significará tirar toda força ao falso precon- que seja, não consegue simplesmente ul-
ceito, eliminando-o. trapassar os vínculos da tradição do intér-
Resumindo, a pré-compreensão, cons- prete” 24. Aliás, o texto é irrepetível até mes-
tituída por preconceitos, será a condição mo para o próprio autor-produtor d esse
prévia para a compreensão de um texto, ou texto, porque do próprio pensamento e das
seja, o “ pano de fundo” (background) que idéias, uma vez elaboradas e concluídas,
permitirá co mpreend er. Nesse sentid o , somos intérpretes 25 .
cada vez que um texto seja compreendido, A verdade de um texto não estará na
a pré-compreensão se modificará. C ad a submissão inco ndicio nada à o pinião do
nova leitura de um texto será diferente, autor nem só nos preconceitos do intér-
não necessariamente melhor, senão sim- prete, senão na fusão dos horizontes de
plesmente diferente, devido não só a que ambos, partindo do ponto atual da história
a p ré-co mp reensão se mo d ifica a cad a do intérprete que se dirige ao passado em
que o autor expressou-se. O intérprete não
leitura, senão que a própria história efetual
realiza apenas uma atividade “ reprodu-
do texto é, por sua vez, modificada23.
tiva” do texto , senão que o atualiza de
Mas essa nova teoria hermenêutica não
acordo às circunstâncias do momento, por
propõe como suficiente o saber prévio do
isso fala-se do seu labor “ produtivo” 26. A
sentid o o rig inal d o texto p ara a sua
impo rtância d a teo ria hermenêutica d e
ap licação p o sterio r. Isso seria ig ual a
Gad amer é ter d emo nstrad o que to d a
esquecer a tensão existente entre o sentido
interpretação é a compreensão atual do
original e o atual. Não existe uma compre-
passado.
ensão originária e logo uma aplicação. O
O problema que surge é determinar se
intérprete incorpora sua própria situação é possível falar de uma verdadeira com-
histó rica na co mp reensão histó rica d o preensão . Isto é, se a co mpreensão tem
texto, configurando, só nesse momento, o u m a natu rez a o nto ló g ic a e d ep end e
“ sentido originário” . Um texto não existe essencialmente da participação do intér-
auto no mamente, ind epend ente d e uma prete, cuja tradição faz parte da interpre-
interpretação, senão que precisa do intér- taç ão d o texto , q u estio na- se c o m o é
prete para ter “ vida” . O círculo hermenêu- p o ssív el um d ev er ser d a v erd ad e d a
tico implica um processo circular entre a hermenêutica.
tradição do intérprete e a do texto; não é Gadamer retoma o pensamento aristo-
p o ssív el falar d e uma reco nstrução d o télico sobre o saber moral, definido como o
passad o co mo passad o , po rque signifi- saber que se refere ao p ró p rio sujeito
caria entender a compreensão como era conhecedor e o relaciona à sua atividade
entendida no século XIX, significaria não humana, p ara ap licá-lo às ciências d o
reconhecer a sua natureza ôntica refletida espírito cujo objeto não é saber algo alheio,

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senão saber sobre “ si mesmo” , sobre algo a lo que aporta sobre este texto la experiencia
próximo e comprometedor, “ ...las ciencias actual del mismo” 31.
del espíritu forman parte más bien del saber Por último, Gadamer ressalta o papel
moral. Son ‘ ciencias morales’ . Su objeto es el essencial da linguagem no âmbito da sua
hombre y lo que éste sabe de sí mismo” 27 . teo ria hermenêutica, p o is co nstitui a
O saber moral, segundo A ristóteles, é mediação total da experiência do ser, “ é
uma autoconstrução da pessoa. “ El hombre assim q ue a ling uag em p assa a ser –
se convierte en tal sólo através de lo que hace y histo ricamente – a estrutura o nto ló gica
como se comporta” 28. O “ melhor” do homem d esse ser histó rico que é o ho mem, ser
somente se manifesta na concretização da dialógico por natureza” 32. A linguagem é
situação prática na que se encontra; dessa primariamente o mundo interpretado pelo
maneira, o saber moral do intérprete deve homem, é o acontecimento interpretativo
co mpreender o que essa situação exige da realidade. A lingüística oferece o meio
dele29. A sabedoria moral implica um “ bom d e univ ersalizar no ssa razão histó rica,
senso” (phrónesis) que permite distinguir estética ou jurídica, isto é, o meio de aceder
o eqüitativo, ou seja, o que está de acordo a uma teoria geral da interpretação. Dessa
com a verdade. Gadamer usará essas idéias, maneira, Gadamer propõe uma hermenêu-
mas, para aplicá-las a sua teo ria herme- tica universal que abrange toda relação do
nêutica, assim , o “ bo m senso ” será o homem com o mundo, “el lenguaje es un
equivalente ao juízo compreensivo, onde centro en el que se reúnen el yo y el mundo, o
co mpreender é “ sentir” o “ alheio” como se mejor, en el que ambos aparecen en su unidad
fosse “ nosso” , num caso singular. O dever originaria” 33. A linguagem não é apenas
ser d a v erd ad e numa ciência d o esp íri- um instrumento pelo qual compreendemos,
to será, assim, ig ual ao “ bo m senso ” d o senão a estrutura o nto ló gica d esse ser
saber mo ral. histó rico , “ un ser que se comprende es
Por outra parte, se a hermenêutica é lenguaje” 34. A teoria da ontologia herme-
um a exp eriência d ialética, na q ual a nêutica converte-se também numa onto-
exp eriência é simp lesmente a manifes- logia lingüística.
tação da finitude do “ estar ali” , e o diálogo,
entre a tradição do intérprete e histó ria 3. A hermenêutica jurídica de Gadamer
efetual do texto , é co nseqüência de seu N o seu liv ro “ Verd ad e e Méto d o ” ,
caráter d e fenô meno mo ral, a v erd ad e Gadamer desenvolve, também, uma her-
“ aco ntecerá” , então , no enco ntro entre menêutica jurídica, pois nela encontra o
“ sujeito” e “ objeto” , na mediação entre o mo d elo d e relação entre o passad o e o
presente e o passado, cuja distância não é presente que procurava para as ciências
um vazio, mas a presença dos efeitos, isto do espírito 35.
é, da tradição. A função no rmativ a d o Direito é
O diálogo com o passado é uma atitude regular os comportamentos dos cidadãos
de “ abertura” ao outro, é a disponibilidade e das instituiçõ es da vida so cial, sendo
d e aceitar sua “ v erd ad e” , p o rém não é indispensável a compreensão interpreta-
uma relação de domínio, senão um “ mutuo tiv a d a no rma, “ interp retar no rmas es
escuchar” 30. A estrutura dessa abertura é regular comportamentos” 36 . Mas a com-
d e uma ló gica d e perguntas, em que o preensão do Direito só será possível por
intérprete interroga ao texto, o qual, por meio da aplicação da norma a uma situação
sua vez, oferece diversas respostas. Dessa jurídica concreta, “ comprender es, entonces,
maneira, pode-se afirmar que: “ lo que autor un caso especial de la aplicación de algo
pretendia decir en el texto (la mens auctoris) general a una situación concreta y determi-
es um sector muy pequeño y de inferior valor nada” 37. Isso devido a que as situações que
108 Revista de Informação Legislativa
acontecem na vida social e que requerem a pergunta daquele. Esse movimento circu-
sua reg ulam entação p elo D ireito são lar faz co m que a no rma “ fale” mais,
m uitas e d iferentes; assim, cad a no v a enquanto mais clara seja a pergunta, e, por
situação irá requerer uma nova aplicação o utro lad o , p ermite que o intérp rete
da norma, pois a sua generalidade e sua acrescente cada vez mais sua pré-compre-
histo ricid ad e imp ed em uma ap licação ensão à interp retação , enquanto maio r
imed iata. N o Direito , não existe um seja o significado que a norma “ revele” .
processo interpretativo independente da Isso implica que nenhum intérprete pode
ap licação d a no rm a, já q ue só nesse p retend er reco nstruir a intenção d o
momento é possível compreender todo o legislado r sem assumir que sua pró pria
seu sentido, é ali que se fundamenta sua pré-compreensão faz, por sua vez, parte
validade38. Compreensão, interpretação e desse processo interpretativo, produzindo
aplicação não são três momentos autôno- a cad a no v a leitura um no v o sentid o ,
mos, mas interdependentes. A autonomia “ nunca se resaltará suficientemente que la
interpretativa só existiria se se entendesse interpretación es una nueva lectura de las
a aplicação jurídica como uma simples sub- normas jurídicas y que cada caso será una
sunção da norma ao caso concreto, afasta- nueva aplicación, algo como si el derecho
da da sua historicidade. rev erdeciera cada v ez que es aplicado o
Gadamer resgata a importância da com- cumplido” 42; por outra parte, também não
preensão histórica, mas adverte que é ape- poderá esquecer-se da história efetual da
nas um meio 39. no rma, isto é, d a sua trad ição . Dessa
A co mp reensão histó rica d a no rma maneira, não se pode falar de uma “ ver-
pretende renovar a sua efetividade histó- dade” na interpretação, como se fosse um
rica em relação a uma nova situação, e não co nhecimento fixo o u p ré-existente à
simp lesmente reco nstruir a intenção compreensão, mas se trata de uma “ ver-
original do legislador, atitude que seria dade” construída dialógica, consensual e
igual a tentar reduzir os acontecimentos procedimentalmente. Segundo Gadamer,
históricos à intenção dos protagonistas. A a verdade, “se desplaza insensiblemente al
historicidade da norma, igual a em qual- ámbito de la situación del sujeto investigador
quer outro texto, não é uma restrição a seu y de las finalidades de la misma ciencia” 43. A
ho rizo nte, senão que, pelo co ntrário , a pretensão reguladora de uma norma deve
condição que permite sua compreensão. ser entendida como o início de todo um
No Direito, essa condição se manifesta por processo interpretativo e aplicativo.
meio do vínculo que existe entre a pessoa
obrigada e a norma, vínculo que afeta a 4. O papel do juiz segundo a
to d o s p o r ig ual, e não faz d a lei uma hermenêutica de Gadamer
propriedade pessoal do legislador40. A aplicação do Direito é sem dúvida
A real finalid ad e d a hermenêutica um dos temas mais discutíveis no mundo
juríd ica é “ enco ntrar o Direito ” (seu jurídico, pois surge diante de nós o cons-
sentid o ) na ap licação “ p ro d utiv a” d a tante conflito entre a justiça e a segurança
no rma, p o is a co mp reensão não é um jurídica. Por um lado, a justiça que obriga
simples ato reprodutivo do sentido origi- o juiz a encontrar a solução correta do caso
nal do texto, senão, também, produtivo 41 . concreto e, por outro lado, a segurança do
O processo hermenêutico, cuja estrutura ordenamento que o sujeita à lei positiva.
é circular, exigirá que o intérprete perma- O p arad ig ma p o sitiv ista d e início s
neça aberto para “ escutar” a mensagem deste século caraterizou-se por seu rígido
da norma, a que, por sua vez, procederá formalismo e pela ausência de qualquer
co mo se estivesse respo nd end o a uma fundamento teórico-filosófico, exigindo,
Brasília a. 37 n. 145 jan./mar. 2000 109
assim, a sujeição do juiz a critérios estri- comportamento gerais da moral (embora
tamente fo rmalistas na aplicação da lei, não codificadas, estão determinadas e têm
prescindindo dos condicionamentos sociais, caráter vinculante). Nesse sentido, o juiz
culturais ou éticos do seu meio. A segurança tem de usar o seu “ bom senso” (phrónesis)
jurídica tinha evidentemente a primazia. para a correta aplicação da norma, o que
Já no período pós-guerra, essa posição imp lica aband o nar o v elho p arad igma
foi duramente questionada, surgindo uma positivista da subsunção para assumir o
clara reação contra os dogmas da sujeição que é mais importante: a procura de um
absoluta do juiz à lei positiva, assim como Direito melho r. A ssim, quem ap lica a
da concepção mecânica da aplicação do norma em uma situação concreta poderá
Direito . Desd e um aspecto po lítico , fo i estar o brig ad o , seg uramente, a fazer
questionado o “ culto” dos sistemas totali- concessões a respeito da lei, não porque
tário s a uma leg alid ad e p o sitiv a, que não seja possível fazer algo melhor, senão
exigiram a submissão do juiz a conteúdos porque, de outro modo, não seria justo 48 .
de qualquer tipo de legislação positiva. No A ristóteles chamou isso “ eqüidade” , que
aspecto teórico, questionou-se a tese que significa correção da lei; por outra parte,
p ro p ug nav a a simp les subsunção d o mostrou que toda norma se encontra em
Direito ao caso em particular, o que só um a tensão necessária a resp eito d a
poderia ser aceito se se entendesse que a concretização do atuar, porque é geral e
norma tem um único significado, autêntico não pode conter em si a realidade prática
e definitivo 44 . em toda sua concretude, “ la ley es siempre
Esta última posição tem adquirido cada deficiente, no porque lo sea en sí misma sino
vez mais força, surgindo diversas teses que porque frente a la ordenación a la que se
resgatam o verdadeiro papel do juiz na refieren las ley es, la realidad humana es
aplicação do Direito. Entre elas, temos a
siempre deficiente y no permite una aplicación
teo ria hermenêutica d e Gad amer, que
simple de las mismas” 49 .
propõe o seguinte:
A s situaçõ es da vida so cial que pre-
O juiz é, antes de mais nada, um intér-
cisam de uma regulamentação normativa
prete, pois, para aplicar o Direito, deve,
são inúmeras e, sobretudo, diferentes. Isso
em primeiro lugar, compreender a norma,
é uma realid ad e que to d o aquele que
“ la interpretación no es un acto complemen-
pretenda aplicar o Direito tem de reco -
tario y posterior al de la comprensión, sino
nhecer e ter presente. A s circunstâncias
que comprender es siempre interpretar,y en
mudam e, em conseqüência disso, a função
consecuencia la interpretación es la forma
normativa da lei tem de determinar-se e
ex plícita de la comprensión ” 45 . Co mp re-
ensão, interpretação e aplicação não são ad equar-se a elas. Para uma co rreta
três momentos independentes, senão que adequação do sentido da lei, será preciso,
formam parte de um processo unitário; a em primeiro lugar, conhecer o seu sentido
aplicação é tão essencial e integral como originário, mas apenas como um meio de
as o utras d uas 46 . A ssim, uma no rma reflexão d as mud anças histó ricas, que
adquire todo o seu sentido apenas quando permite distinguir o sentido original da
é aplicada, pois só nesse momento é que aplicação atual50. O juiz deverá responder
sua validade pode ser avaliada, “ lo que es à “ idéia jurídica” (sentido originário) da
justo no se determina por entero con indepen- lei confrontado-a com o presente, procu-
dencia de la situación que me pide justicia” 47. rando o seu significado jurídico, e não o
Porém, como Gadamer refere, o justo histórico, pois o seu objeto é a criação do
também está d eterminad o , co m certo Direito, a que tem de ser entendida juridi-
sentido absoluto, nas leis ou nas regras de camente, e não historicamente51 .
110 Revista de Informação Legislativa
No ordenamento jurídico, está presente 17
GADAMER, op. cit., p. 370-377.
a idéia de que a sentença do juiz não pode
18
GADAMER, op. cit., p. 367, 368.
19
GADAMER, op. cit., p. 366.
obedecer a arbitrariedades, mas tem de ter 20
Apud OSUNA, op. cit., p. 61.
em consideração a justiça do conjunto; aliás, 21
GADAMER, op. cit., p. 343.
qualquer pessoa está capacitada para pon- 22
GADAMER, op. cit., p. 344.
derar o justo no caso concreto. Nisso con- 23
GADAMER, op. cit., p. 367.
siste a segurança jurídica de um estado de
24
HABERMAS, op. cit., p. 15.
25
BIAGIONI, João. A ontologia hermenêutica de H. G.
Direito. Todos podem prever corretamente Gadamer : reflexões e perspectivas sobre a 3a. parte de
qual será a decisão do juiz sobre a base das “ Verdade e Método” . Uberlândia : Universidade
leis vigentes, porém também será necessá- Federal de Uberlândia, 1983. p. 35.
rio conhecer o judiciário e todos o que o 26
GADAMER, op. cit., p. 366.
determina52 .
27
GADAMER, op. cit., p. 386.
28
GADAMER, op. cit., p. 384.
No atual estad o d e Direito , po d e-se 29
Ibidem.
concluir, então, que o juiz não está mais 30
OSUNA, op. cit., p. 81.
submetid o à literalid ad e d a lei, mas, 31
OSUNA, op. cit., p. 82.
também, não p o d e atuar à margem d e 32
BIAGIONI, op. cit., p. 16.
qualquer vínculo, porque, na medida em
33
GADAMER, op. cit., p. 567.
34
GADAMER, H. op., cit. p. 18.
que cria Direito, deve permanecer dentro 35
GADAMER, op. cit., p. 400.
dos limites que a correta compreensão e 36
OSUNA, op. cit., p. 86.
interpretação da norma, na sua aplicação 37
GADAMER, op. cit., p. 383.
em um caso concreto, impõe-lhe. 38
GADAMER, op. cit., p. 380.
39
GADAMER, op. cit., p. 398.
40
OSUNA, op. cit., p. 92.
41
GADAMER, op. cit., p. 366.
N otas 42
OSUNA, op. cit., p. 93.
43
Apud OSUNA, op. cit., p. 102.
1
FERRAJOLI, Luigi. El derecho como sistema de 44
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. La seguridad
garantías. 2. época. Lima : Themis, n. 29, 1994. p. 120. jurídica. Barcelona : Ariel, 1991. p. 99 e ss.
2
GADAMER, Hans-George. V erdad y M étodo. 45
GADAMER, op. cit., p. 378.
tradução por Ana Agud Aparicio y Rafael de Agapito. 46
GADAMER, op. cit., p. 379.
Salamnca : Sígueme, 1977. p. 10. 47
GADAMER, op. cit., p. 389.
3
HABERMAS, Jürgen. Diáletica e hermenêutica. 48
GADAMER, op. cit., p. 389.
Tradução por Álvaro Valls. Porto Alegre : L&PM, 49
Apud GADAMER, op. cit., p. 390.
1987. p. 7. 50
GADAMER, op. cit., p. 398.
4
GADAMER, Hans-George. V erdad y M étodo. 51
GADAMER, op. cit., p. 400.
Tradução po r A na A gud A paricio y Rafael de 52
GADAMER. op. cit. p. 402.
Agapino. Salamanca : Sígueme, 1977. p. 10.
5
GADAMER, op. cit., p. 10.
6
GADAMER, op. cit., 414.
7
OSUNA, Antonio Hernandez-Largo. Hermenéu- Bibliografia
tica jurídica: en torno a la hermenéutica jurídica de
Hans-Georg Gadamer. Valladolid : Universidad de BIA GIONI, João. A ontologia hermenêutica de H.G.
Valladolid, 1992. p. 30. Gadamer : reflexões e perspectivas sobre a 3a. parte
8
Apud OSUNA, op. cit., p. 48. de Verdade e Método. Uberlândia : Universidade
9
OSUNA, op. cit., p. 30. Federal de Uberlândia, 1983.
10
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito . São Paulo FERRAJOLI, Luigi. El derecho como sistema de garan-
: Martins Fontes, 1996. p. 87-100. tías. 2. época. Lima : Themis, n. 29, 1994. p. 120.
11
Cfr. OSUNA, op. cit., p. 35. GADAMER, Hans-Georg. V erdad y M étodo: funda-
12
GADAMER, op. cit., p. 23. mentos de una hermenéutica filosófica. Tradução
13
OSUNA, op. cit., p. 46. por Ana Agud Aparicio e Rafael de Agapito. 4. ed.
14
GADAMER, op. cit., p. 379. Salamanca : Sígueme, 1991.
15
GADAMER, op. cit., p. 367-368-369. HABERMAS, Jürgen. Dialéticae hermenêutica . Tradução
16
OSUNA, op. cit., p. 55. por Álvaro Valls. Porto Alegre : L&PM, 1987.

Brasília a. 37 n. 145 jan./mar. 2000 111


KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo : Georg Gadamer. Valladolid : Universidad de
Martins Fontes, 1996. Valladolid, 1992.
OSUNA, Antonio Hernandez-Largo. Hermenéutica PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. La seguridad jurídi-
jurídica: en torno a la hermenéutica de Hans- ca. Barcelona : Ariel, 1991.

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