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j Quanto às proposições da filosofia propriamente ditas, consi-


dero-as linguisticamente necessárias e, por conseguinte, analíticas.
No tocante à relação da filosofia com a ciência empirica, demonstra-
-se que ofilósofo não está em posição defornecer verdades especulati-
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vas que, por assim dizer, competiriam com as hipóteses da ciência,


nem tão-pouco de formular julgamentos a priori sobre a validade I

das teorias científicas, sendo sua função clarificar as proposições da •


ciência, através da exposição das suas relações lógicas e da definição
dos símbolos que nelas surgem. Defendo, portanto, que não existe 1
nada na natureza da filosofia quejustifique a existência de "escolas"
filosóficas antagónicas. E tento demonstrá-lo fornecendo uma solu- A ELIMINAÇÃO DA METAFÍSICA
ção definitiva dos problemas que foram, no passado, as principais
fontes de controvérsia entre os filósofos.
As disputas tradicionais dos filósofos são, na maioria tão
O ponto de vista segundo o qual filosofar é uma actividade de .
infundadas como infrutíferas. A via mais segura para lhes pôr
'
análise está associado em Inglaterra à obra de G. E. Moore e seus
termo é estabelecer, para além de qualquer dúvida, qual deverá
discípulos. Mas embora tenha aprendido muito com o Professor
ser o objectivo e o método de uma análise filosófica. E isto não
Moore, tenho razões para crer que ele e os seus discípulos não estão(
é de forma alguma tarefa tão difícil como a história da filosofia
preparados para adaptar um fenomenalismo tão penetrante como eu
poderá dar a entender; porque se há algumas questões cuja res-
estou, e que optam por uma visão completamente diferente da natu-
posta a ciência deixa à filosofia, um processo de exclusão de
reza da análise filosófica. Os filósofos de quem estou mais próximo
partes conduzirá à sua descoberta.
são os que constituem o "Círculo de Viena': liderados por Moritz
Podemos começar por criticar a tese metafísica segundo a
Schlick, e vulgarmente conhecidos como positivistas lógicos. De entre
qual a filosofia nos dá conhecimento de uma realidade que
todos, é a Rudolf Carnap quem devo mais. Gostava além disso de
transcende o mundo da ciência e do senso comum. Mais tarde,
reconhecer a minha dívida eterna a Gilbert Ryle, o meu primeiro
quando definirmos metafísica e abordarmos a sua existência
mentor em filosofia, e a Isaiah Berlin, que discutiram comigo cada .
verificaremos que é possível ser-se metafísico sem acreditar
'
ponto da argumentação desta obra e fizeram muitas sugestões va-
numa realidade transcendente; veremos que muitas formula-
liosas, embora ambos discordem de grande parte do que eu afirmo.
ções metafísicas se devem mais à prática de erros lógicos do
Queria também expressar os meus agradecimentos a J. R. M. Willis
que a um desejo consciente da parte dos seus autores de passar
pela sua correcção das provas.
para além dos limites da experiência. Mas convém-nos tomar
A. J. AYER
como ponto de partida para a nossa discussão o caso dos que
acreditam que o conhecimento de uma realidade transcendente
II Fouberc's Place, Londres
Julho de 1935 é possível. Concluiremos que os argumentos que utilizamos
para os refutar são subsequentemente aplicáveis à totalidade da
Ar' metafísica.
.•. ) Uma forma de combater um metafísico que afirme ter
conhecimento de uma realidade que transcende o mundo dos
í fenómenos será investigar a partir de que premissas foram
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deduzidas as suas proposições. Não terá ele de partir, como o
comum dos mortais, da evidência dos seus sentidos? E, se
assim é, que processo válido de raciocínio poderá conduzi-lo à
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) existem de facto além desses limites, e como é que pode estabe-


concepção de uma realidade transcendente? É certo que das lecer as fronteiras para além das quais o entendimento humano
premissas empíricas nada relativo às proprie?ade~, ou ~e.smo não se pode aventurar, a não ser que ele próprio consiga ultra-
à existência, de algo supra-empírico pode ser inferido le~ltlma- passá-Ias. Como diz Wittgenstein: "para estabelecer um limite
mente. Mas esta objecção seria confrontada com a negaçao, por ao pensamento, teríamos de pensar os dois lados deste
parte do metafísico, de que as suas asserções foss~m fun?~- limite" I; uma verdade a que Bradley confere um efeito especial
mentalmente baseadas na evidência dos seus sentidos. Diria ao defender que o indivíduo que está pronto a provar que a
que era dotado de uma faculdade da intuição intelectual que lhe metafísica é impossível é um irmão metafísico com uma teoria
permitia conhecer factos que não poderiam ser conheci.dos rival da sua 2"
através da experiência sensorial. E mesmo que se conseguisse Seja qual for a força que estas objecções têm contra a dou-
demonstrar que ele se baseara em premissas empíricas, e que a trina kantiana, não têm nenhuma contra a tese que passo
sua passagem para um mundo não-empírico era injustificada a expor. Não podemos afirmar que o autor está ele próprio a
logicamente, daí não resultaria que as asserções que ele fizera franquear a barreira que defende ser inultrapassável. A inutili-
relativamente a esse mundo não empírico não pudessem ser dade de tentar transcender os limites da experiência sensorial
verdadeiras. O facto de uma conclusão não advir da sua pre- possível será deduzida, não a partir de uma hipótese psicoló-
missa putativa não é suficiente para demonstrar que é falsa. Por gica relativa à constituição de facto da mente humana, mas a
consequência, não se pode deitar por terra um sistema de ( partir da regra que determina a significação literal da lingua-
metafísica transcendente pela simples crítica da forma através gem. A acusação que fazemos ao filósofo metafísico não é a de
da qual este surge. O que se exige é uma crítica da natureza dos tentar empregar o entendimento num campo onde este não
enunciados que de facto o constituem. E é esta linha de argu- pode aventurar-se com proveito, mas a de produzir frases que
mentação que seguiremos. Defenderemos que nenhum enun- não são conformes com as condições em que só uma frase pode
ciado referente a uma "realidade" que transcenda os limites de ter um significado literal. Nem somos nós próprios obrigados a
toda a experiência sensorial possível poderá ter qualquer signi- fazer afirmações sem sentido para demonstrar que todas as fra-
ficado literal' , daí resulta obrigatoriamente que os esforços . de ses de um certo tipo são necessariamente desprovidas de signi-
todos os que procuraram descrever tal realidade foram dedica- ficado literal. Precisamos apenas de formular o critério que nos
dos à produção de afirmações sem sentido. permita testar se uma frase exprime uma proposição genuína
Pode sugerir-se que esta proposição já foi provada por sobre uma questão factual, e depois referir que as frases em
Kant. Mas Kant embora também tivesse condenado a metafí- análise não o satisfazem. Será o nosso próximo passo. Formu-
sica transcendente, fê-lo baseando-se em fundamentos dife- laremos primeiro o critério em termos vagos e depois daremos
rentes. Dizia que o entendimento humano era constituído de as explicações necessárias para o tornar preciso"
forma a perder-se em contradições quando se aventurava para O critério que utilizamos para testar a genuinidade de
além dos limites da experiência possível e tentava abordar as aparentes enunciados factuais é o critério da verificabilidade.
~oisas em si. Deste modo, fez da impossibilidade de uma Dizemos que uma frase tem significação factual para um indiví-
metafísica transcendente não, como nós fazemos, uma questão duo se, e apenas se, ele souber como verificara proposição que
de lógica, mas uma questão factual. Kant afirm~va, não que as a dita frase parece exprimir. Isto é, se ele souber quais são as
nossas mentes não podiam eventualmente ter tido o poder de observações que o levariam, sob determinadas condições, a
penetrar para além do mundo dos fenômenos, mas. simples- aceitar a proposição como verdadeira, ou a rejeitá-Ia
mente que eram de facto desprovidas desse poder. E Isto leva o
crítico a perguntar, se por hipótese é possível ~?n~ecer ape~as
I Tractatus Logico-Philosophicus, "Preface."
o que se encontra dentro dos limites da expenencia ~enson~l, 2 Bradley, Appearance and Reality, 2nd., p. 1.
em que é que o autor se baseia para afirmar que as coisas reais
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~ -_.- -~- .- - -- --- .~ -- ~~~-- --~-- ---

/ como falsa. Se, por outro lado, a proposição putativa pertencer


ao tipo em que a suposição da sua verdade, ou falsidade, é coe-
rente com qualquer outra suposição relativa à natureza da
experiência futura do indivíduo, então, relativamente
indivíduo, é, se não uma tautologia, uma mera pseudoproposi-
ção. A frase que a expressa pode ter uma significação emocional
ao
r
,
mesmo incapaz de evolução e progresso" 4 não é sequer verifi-
cável em princípio. Porque não se pode conceber uma observa-
ção que nos permita determinar se o Absoluto participa ou não
na evolução e no progresso. É decerto possível que o autor de
tal consideração esteja a utilizar termos ingleses de uma forma
pouco utilizada pelos falantes de inglês e pretenda de facto afir-
para o indivíduo; mas não tem significado literal. E no que res- mar algo que poderia ser verificado empiricamente. Mas até que
peita às questões, o procedimento é o mesmo. Inquirimos em nos faça entender como é que a proposição que deseja exprimir
cada caso que observações nos conduziriam a responder à pode ser verificada, não nos consegue comunicar nada. E se
questão, de uma forma ou de outra; e, se não se descobrir admitir, como penso que o autor da reflexão em análise teria
nenhuma resposta, teremos de concluir que a frase em análise admitido, que as suas palavras não tinham intenção de expri-
não expressa, quanto a nós, uma questão genuína, por muito mir nem uma tautologia nem uma proposição passível, pelo
que a sua aparência gramatical o possa sugerir. menos em princípio, de ser verificada, poder-se-a concluir que
Como a adopção deste procedimento é um factor essen- produziu uma elocução que não tem significação literal, nem
cial na argumentação desta obra; necessita de ser examinado sequer para si próprio.
em pormenor. Uma outra distinção que teremos de fazer é a diferencia-
Em primeiro lugar, é necessário estabelecer uma distin- ção entre o sentido "forte" e o sentido "fraco" do termo "verifi-
ção entre verificabilidade prática e verificabilidade em prin- cável". Uma proposição diz-se verificável no sentido forte do
cípio. É claro que todos compreendemos e em muitos casos termo se, e apenas se, a sua verdade puder ser estabelecida defi-
acreditamos em proposições que de facto não fizemos qualquer nitivamente pela experiência. Mas é verificável no sentido fraco
tentativa para verificar. Muitas delas são proposições que do termo se for possível torná-Ia provável pela experiência. Em
poderíamos verificar se nos déssemos a esse trabalho. Mas per- que sentido estamos a utilizar o termo quando afirmamos que
siste uma série de proposições significativas, relativas a ques- uma proposição putativa é genuína apenas se for verificável?
tões factuais, que não poderíamos verificar, ainda que o quisés- Parece-me que se adoptarmos a verificabilidade con-
semos; simplesmente porque não possuímos os meios práticos clusiva com critério de significação, como alguns positivistas
para nos colocarmos na situação em que as observações rele- têm proposto 5, a nossa argumentação irá demasiado longe.
vantes poderiam ser feitas. Um exemplo simples e familiar é o Consideremos, por exemplo, o caso d)s proposições univer-
da proposição segundo a qual existem montanhas na face sais; proposições como: "o arsénicoé venenoso"; "todos os
oculta da Lua 3. homens são mortais"; "um corpo tende a dilatar-se quando é
Ainda não foi inventado nenhum foguetão que me permi- aquecido". Faz parte da própria natureza destas proposições
tisse ir fazer observações no lado oculto da Lua, por isso sou que a sua verdade não pode ser estabelecida com certeza por
incapaz de decidir sobre o assunto através da observação de nenhuma série finita de observações. Mas se se reconhecer que
facto. Mas sei que observações me fariam decidir se, como é as proposições universais se destinam a cobrir um número
teoricamente concebível, alguma vez me encontrasse em posi- infinito de casos, então tem de se admitir que não podem, nem
ção de as fazer. Defendo portanto que a proposição é verificável em princípio, ser verificadas conclusivamente. E nesse caso, se
em princípio, se não na prática, e é por conseguinte significa- adoptarmos a verificabilidade conclusiva como critério de sig-
tiva. Por outro lado, uma pseudoproposição metafísica como "o
Absoluto participa na evolução e no progresso, mas é em si 4 Observação tirada ao acaso de Appearance and Reality de F. H. Bradley,
5 E.g. M. Schlick, "Positivismus und Realismus", Erkenntnis, Vol. I, 1930.
F. Waismann, "Logische Analyse des Warscheinlichkeitsbegriffs"; Erkenntnis,
3 Este exemplo foi utilizado pelo Dr. Schlick para ilustrar o mesmo ponto. Vol. I, 1930.

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) nificação, somos logicamente obrigados a considerar estas pro- mente tal como não pode ser verificada conclusivamente. Visto
posições universais do mesmo modo que tratamos os enuncia- que, quando consideramos a ocorrência de certas observações
dos do metafísico. como prova de que determinada hipótese é falsa, pressupomos
Face a esta dificuldade, alguns positivistas 6 adoptaram o a existência de certas condições. Embora, para qualquer caso,
percurso heróico de dizer que estas proposições gerais são na possa ser muito improvável que esta suposição seja falsa, não é
verdade expressões sem sentido, embora um tipo essencial- impossívellogicamente. Veremos que não há necessariamente
mente importante de expressões sem sentido. Mas aqui a intro- contradição na defesa de que algumas das condições relevantes
dução do termo "importante" é apenas uma tentativa de rodear são diferentes daquilo por que as tomámos e, por consequên-
o problema. Serve tão-só para marcar o reconhecimento do cia, que a hipótese não caiu por completo. E se determinada
autor de que a sua visão é demasiado paradoxal, sem de qual- hipótese não puder ser claramente refutada, não podemos
quer modo resolver o paradoxo. Além disso, a dificuldade não defender que a genuinidade de uma proposição depende da
se limita ao caso das proposições universais, embora seja aí possibilidade da sua clara refutação.
revelada com mais clareza. É um pouco menos óbvio no caso de Voltamos, portanto, ao sentido mais fraco da verificação.
proposições sobre o passado remoto, pois devemos, sem Afirmamos que a questão que deve ser colocada sobre qualquer
dúvida, admitir que, por muito fortes que sejam as provas rela- enunciado factual putativo não é se haveria observações que
tivas aos enunciados históricos, a sua verdade nunca pode ser tornassem a sua verdade ou falsidade logicamente certas, mas
mais do que altamente provável. Defender que também eles simplesmente se haveria observações relevantes para a deter-
constituem um tipo importante, ou insignificante de expres- minação da sua verdade ou falsidade. E só no caso de a resposta
sões sem sentido seria, no mínimo, pouco plausível. Na ver- a esta segunda questão ser negativa é que concluímos que o
dade, defendemos que nenhuma proposição, que não uma tau- enunciado em análise não tem sentido. .
tologia, poderá ser mais do que uma hipótese provável. E se Para tornar a nossa posição ainda mais clara, poderemos
isto estiver correcto, o princípio segundo o qual uma frase pode formulá-Ia de outra forma. Vamos chamar às proposições que
ter significado factual apenas se exprimir o que é verificável registem uma observação de facto ou possível, proposições
conclusivamente é absurdo como critério de significação; pois experienciais. Em seguida, podemos dizer que a característica
leva à conclusão de que é completamente impossível produzir principal de uma proposição factual genuína não é que esta
um enunciado factual significativo. deva ser equivalent~ a uma pro~o_siç\o ex~eri~n.cial, ne~ a
Nem podemos aceitar a sugestão de que uma frase pode- qualquer número finito de proposiçoes experrenciais, mas SIm-
ria ser considerada como portadora de significado factual se, e plesmente o facto de algumas proposições experienciais pode-
apenas se, exprimisse algo claramente refutável pela experiên- rem ser deduzidas a partir dela em conjunção com determina-
cia 7. Os que adoptam esta via partem do princípio de que, das outras premissas sem serem deduzíveis apenas a partir
embora nenhuma série finita de observações seja suficiente destas 8.
para estabelecer a verdade de uma hipótese para além de qual- Este critério parece suficientemente liberal. Contraria-
quer possibilidade de dúvida, há casos cruciais em que uma mente ao princípio da verificabilidade conclusiva, não nega
única observação, ou série de observações, pode refutá-Ia clara- significação às proposições gerais nem às proposições sobre o
mente. Mas, como demonstraremos mais adiante, esta suposi- passado. Vejamos que tipos de asserções exclui.
ção é falsa. Uma hipótese não pode ser refutada conclusiva- Um bom exemplo do tipo de elocução que o nosso crité-
rio condena, como não sendo sequer falso' mas sem sentido,
6 E.g. M. Schlick, "Die Kausalitãt in der gegenwãrtigen Physik", Naturunssens-
chaft, Vol. 19, 1931.
8 Enunciado demasiado simplificado, que não está literalmente correcto. For-
7 Isto foi proposto por Karl Popper na sua Logik der Forschung.
neço o que creio ser a formulação correcta no Apêndice, pág. 156.

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seria a asserção de que o mundo da expenencia sensorial é Teremos de conferir um tratamento semelhante à contro-
totalmente irreal. Claro que temos de admitir que os nossos vérsia entre realistas e idealistas, no seu aspecto metafísico.
sentidos por vezes nos iludem. Podemos esperar que, por' Um exemplo simples que utilizei num argumento seme-
experimentarmos certas sensações, outras nos sejam acessí- lhante 10 ajudará a demonstrar esta posição. Suponhamos que é
veis, as quais de facto não o são. Mas, em todos estes casos, é a descoberto um quadro e se sugere que foi pintado por Goya.
experiência sensorial posterior que nos informa dos erros Existe um procedimento definido para uma questão deste tipo.
provocados pela experiência sensorial. Dizemos que os senti- Os peritos examinam o quadro para analisarem de que forma se
dos por vezes nos iludem apenas porque as expectativas a que assemelha às obras acreditadas de Goya, e para verem se este
às nossas experiências sensoriais dão origem nem sempre exibe sinais característicos de uma falsificação; procuram nos
coincidem com o que subsequentemente experimentamos. Isto arquivos contemporâneos provas da existência de um tal
é, baseamo-nos nos sentidos para provar ou refutar os julga- quadro, e assim por diante. No fim da investigação, podem
mentos que são baseados nas nossas sensações. Por isso, o continuar a discordar, mas cada um sabe quais as provas
facto de por vezes se descobrir que os nossos julgamentos per- empíricas a aplicar para confirmar ou desacreditar a sua opi-
ceptivos são erróneos não serve minimamente para demonstrar nião. Vamos supor agora que estes homens estudaram filoso-
que o mundo da experiência sensorial é irreal. E é claro que fia, e que alguns deles continuam a defender que este quadro
nenhuma observação ou série de observações concebíveis é um conjunto de ideias na mente do observador, ou na mente
serviriam para demonstrar que o mundo que nos é revelado de Deus, enquanto outros afirmam que é objectivamente real.
pela experiência sensorial é irreal. Por consequência, quem Que experiência possível poderia qualquer das partes ter que
quer que condene o mundo sensível como um mundo de mera fosse relevante para a solução desta disputa, a favor de uns
aparência, como oposto à realidade, está a fazer uma afirmação ou de outros? No sentido corrente do termo "real", em que se
literalmente sem sentido, de acordo com o nosso critério de opõe a "ilusório", a realidade do quadro não está em dúvida. Os
significação. contendedores certificaram-se de que o quadro é real, neste
Um exemplo de uma controvérsia que a aplicação do sentido, ao obterem uma série de sensações da vista e do tacto
nosso critério nos obriga a condenar como fictícia é a dos que correlacionadas. Há algum processo semelhante através do
discutem o número de substâncias que existem no mundo. qual pudessem descobrir se o quadro é real, no sentido em que
E tanto os monistas, que defendem que a realidade é uma subs- o termo "real" se opõe a "ideal"? Decerto que não. Mas, se
tância, como os pluralistas, que defendem que a realidade é assim é, o problema é fictício, de acordo com o nosso critério.
muitas substâncias, admitem que é impossível imaginar 'uma Isto não significa que a controvérsia entre realistas e idealistas
situação empírica que fosse relevante para a solução da sua possa ser posta de parte sem mais, pois pode ser legitimamente
discussão.'Mas se nos for dito que nenhuma observação possí- encarada como uma disputa relativa à análise de proposições
vel poderia conferir qualquer probabilidade quer à asserção existenciais e, como til, ehvolvendo um problema lógico que,
de que a realidade é uma substância, quer à asserção de que a como veremos, pode ser resolvido definitivamente 11. O que
realidade é muitas substâncias, teremos de concluir que acabámos de demonstrar é que a questão em debate entre idea-
nenhuma das asserções é significativa. Veremos mais tarde 9 listas e realistas se torna fictícia quando, como é caso frequente,
que a disputa entre monistas e pluralistas envolve questões lhe é dada uma interpretação metafísica.
lógicas e empíricas. Mas a questão metafísica relativa à "subs- Não temos necessidade de dar mais exemplos da forma
tância" é excluída pelo nosso critério como sendo uma ques- como o nosso critério de significação opera, pois o nosso
tão espúria.
10 Vide "Demonstration ofthe Impossibility of Metaphysics", Mind, 1934, p_ 339.
9 No Capítulo ~. 11 Vide Capítulo 8.

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) objectivo é simplesmente demonstrar que a filosofia, como A utilização do termo "substância", a que já nos referi-
ramo genuíno do saber, deve ser distinguida da metafísica. Não mos, fornece-nos um bom exemplo da forma como a maior
estamos neste momento preocupados com a questão histórica parte da metafísica é formulada. Acontece que, na nossa língua,
de quanto do que tradicionalmente tem passado por filosofia é não nos podemos referir às propriedades sensíveis de uma
na verdade metafísico. Referiremos, contudo, mais tarde que a coisa sem introduzir uma palavra ou expressão que pareça estar
maioria dos "grandes filósofos" do passado não eram essen- para a coisa em si e que se oponha a tudo o que possa ser dito
cialmente metafísicos, e desta forma tranquilizaremos os que sobre a mesma. E, por consequência, os que estão imbuídos da
de outro modo seriam impedidos de adoptar o nosso critério superstição primitiva de que a cada nome deve corresponder
por considerações de ordem religiosa. uma única entidade real supõem que é necessário distinguir
Quanto à validade do princípio da verificação, da forma logicamente entre a coisa em si e qualquer das suas proprieda-
como o expusemos, será demonstrada ao longo desta obra. des sensíveis ou todas elas. Aplicam portanto o termo "subs-
Demonstraremos que todas as proposições que têm conteúdo tância" para se referirem à coisa em si. Mas, o facto de empre-
factual são hipóteses empíricas e que a função de uma hipótese garmos uma só palavra para referir uma coisa, e fazermos desse
empírica é fornecer uma regra para a antecipação da experiên- vocábulo o sujeito gramatical das frases em que nos referimos
cia 12. Isto significa que todas as hipóteses empíricas têm de ser às aparências sensíveis dessa coisa, não significa de modo
relevantes para uma qualquer experiência de facto ou possível, algum que a coisa em si seja uma "entidade simples", ou que
de forma que 'um enunciado que não seja relevante para não possa ser definida em termos da totalidade das suas apa-
nenhuma experiência não é uma hipótese empírica, e por con- rências. E verdade que ao falar das "suas" aparências parece-
seguinte não tem conteúdo factual. Mas isto é precisamente o mos distinguir a coisa das aparências, o que constitui um mero
que o princípio da verificabilidade afirma. acidente do uso linguístico. A análise lógica demonstra que o
Não poderemos deixar de mencionar que o facto de as que torna estas "aparências" as "aparências de" essa coisa não é
elocuções do filósofo metafísico não terem sentido não advém a sua relação com uma entidade exterior, mas as suas relações
simplesmente do facto de serem desprovidas de conteúdo fac- umas com as outras. O metafísico não consegue ver isto porque
tual, mas também de não serem proposições a priori. E ao afir- é induzido em erro por uma característica gramatical superfi-
marmos que não são proposições a priori, estamos mais uma cial da sua linguagem.
vez a antecipar as conclusões de um capítulo posterior deste Um exemplo mais simples e claro da forma como uma
trabalho 13. Demonstrar-se-á que as proposições a priori, que consideração de ordem gramatical conduz à metafísica é o caso
sempre constituíram um grande atractivo para os filósofos do conceito metafísico de Ser. A origem da nossa tentação de
devido ao seu teor de certeza, devem esta certeza ao facto de levantar questões sobre o Ser, a que nenhuma experiência con-
serem tautologias. Podemos, por conseguinte, definir uma cebível nos permitiria dar resposta, reside no facto de, na nossa
frase metafísica como uma frase que parece expressar uma pro- língua, frases que exprimem proposições atributivas poderem
posição genuína, mas que efectivamente não expressa nem uma ter a mesma forma gramatical. Por exemplo, as frases "os márti-
tautologia nem uma hipótese empírica. E como as tautologias e res existem" e "os mártires sofrem" consistem ambos num
as hipóteses empíricas formam toda a classe de proposições nome seguido de um verbo intransitivo, e o facto de terem a
significativas, temos razões para concluir que nenhuma asser- mesma aparência gramatical leva-nos a supor que sejam do
ção metafísica tem sentido. A tarefa seguinte será mostrar mesmo tipo lógico. Podemos ver que, na proposição "os márti-
como são construí das. res sofrem", é conferido um determinado atributo aos mem-
bros de uma certa espécie, e parte-se por vezes do princípio que
12 Vide Capítulo 5, o mesmo é verdadeiro para uma proposição como "os mártires
13 Vide Capítulo 4, existem". Se fosse de facto esse o caso, seria na verdade tão

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legítimo especular sobre o Ser dos mártires como sobre o seu frase, deve existir algures uma entidade real correspondente.
sofrimento. Mas, como Kant referia 14, a existência não é um Como não há espaço no mundo empírico para muitas destas
atributo, pois quando conferimos um atributo a uma coisa, "entidades", é invocado um mundo não-empírico especial para
afirmamos dissimuladamente que ela existe; de forma que, se a as albergar. A este erro devem ser atribuídas, não só as elocu-
própria existência fosse um atributo, daí adviria que todas as ções de um Heidegger, que baseia a sua metafísica na suposição
proposições existenciais positivas seriam tautologias e todas de que "nada" é um nome utilizado para denotar algo peculiar-
as proposições existenciais negativas seriam contraditórias; o mente misterioso 16, mas também a prevalência de problemas
que não é o caso 15. De modo que os que levantam questões como os concernentes à realidade de proposições e universais
sobre o Ser baseadas na suposição de que a existência é um cuja falta de sentido, embora menos óbvia, não é menos com-
atributo são culpados de seguirem a gramática para além dos pleta.
limites do sentido. Estes poucos exemplos contêm uma indicação suficiente
Tem sido cometido um erro semelhante com proposições da forma como a maior parte das asserções metafísicas são for-
como "os unicórnios são fictícios". Mais uma vez, o facto de . muladas. Demonstram como é fácil produzir frases que são
haver uma semelhança gramatical superficial entre as frases da literalmente sem sentido sem se ver que o são. Deste modo,
língua inglesa "Dogs are faithful" e "Unicorns are fictitious", e vemos que a perspectiva segundo a qual uma série de "proble-
entre as frases correspondentes em outras línguas, cria a supo- mas da filosofia" tradicionais são metafísicos, e por consequên-
sição de que são do mesmo tipo lógico. Os cães têm de existir cia fictícios, não envolve quaisquer suposições incríveis sobre a
para terem a propriedade de serem fiéis e, portanto, defende-se psicologia dos filósofos.
também que, a não ser que os unicórnios tivessem alguma Entre os que reconhecem que se a filosofia deve ser consi-
forma de existência, não poderiam ter a propriedade de serem derada como um ramo genuíno do saber deve ser definida de
fictícios. Mas, como é nitidamente contraditório afirmar que forma a ser distinguida da metafísica, é moda falar do filósofo
objectos fictícios existem, adepta-se o artifício de dizer que metafísico como uma espécie de poeta deslocado. Uma vez que
são reais num sentido não-ernpírico - têm um modo de ser real os seus enunciados não têm sentido literal não estão sujeitos
que é diferente do modo de ser das coisas existentes. Ora como a nenhum critério de verdade ou falsidade; mas podem, no
não existe nenhuma forma de testar se um obiecto é real neste entanto, servir para exprimir ou provocar emoção e, dessa
sentido, como existe para testar se é real no sentido corrente do forma, estar sujeitos a padrões éticos ou estéticos. É também
termo, a asserção de que os objectos fictícios têm um modo sugerido que podem ter valor considerável como meio de ins-
especial não-empírico de serem reais é desprovida de toda e piração moral ou mesmo como obras de arte. Faz-se, deste
qualquer significação literal. É formulada a partir da suposição modo, uma tentativa para compensar o filósofo metafísico pela
de que ser fictício é um atributo. E isto constitui uma falácia da sua exclusão da filosofia 17.
mesma ordem da que consiste em supor que a existência é um Receio bem que esta compensação não seja a recom-
atributo, e pode ser exposta da mesma forma. pensa que ele merece. A perspectiva segundo a qual o filósofo
Em geral, o postulado das entidades reais não existentes metafísico deve ser incluído entre os poetas parece basear-se
resulta da superstição, acabada de referir, segundo a qual para na suposição de que ambos têm expressões sem sentido.
cada palavra ou frase que possa ser o sujeito gramatical de uma
16 Vide Was ist Metaphysik, de Heidegger: criticado por Rudolf Carnap em
"Überwindung der Metaphysik durch logische Analyse der Sprache", Erkenntnis,
14 Vide The Critique of Pure Reason, "Transcendental Dialectic", Book II, Chap- Vol. II, 1932.
ter iii, Section 4. 17 Para uma discussão deste ponto, ver também C. A. Mace, "Representation
15 Este argumento é bem expresso por Ichn Wisdom, lnterpretation and Analy- and expression", Ana/ysis, Vol. I, N.? 33; e "Metaphysics and Emotive Language", Ana-
Iysis, Vol. II, N. os 1 e 2.
sis, pp. 62, 63.

20 21
/ Mas esta suposiçao é falsa. Na grande maioria dos casos as
frases que são produzidas pelos poetas têm de facto sentido visão são literalmente sem sentido; de modo que, a partir de
literal. A diferença entre o indivíduo que utiliza a língua cienti- agora, podemos prosseguir as nossas investigações filosóficas
ficamente e o que a utiliza emotivamente não é que um produza tendo tais elocuções em tão pouca consideração como a que
frases incapazes de despertar emoção e o outro frases sem sen- atribuímos ao tipo mais inglório de metafísica que advém da
tido, mas que um está sobretudo preocupado com a expressão incapacidade de compreender os mecanismos de funciona-
mento da nossa linguagem.
de proposições verdadeiras e o outro com a criação de uma obra
de arte. Deste modo, se uma obra científica contiver proposi-
ções importantes e verdadeiras, o seu valor como obra cientí-
fica não ficará diminuído pelo facto de serem expressas de uma
forma menos elegante. Do mesmo modo, uma obra de arte não
é necessariamente menos boa pelo facto de todas as proposi-
ções que a constituem serem literalmente falsas. Mas dizer que
.muitas obras literárias são largamente compostas por falsida-
des, não é dizer que são compostas por pseudoproposições. É
de facto muito raro um artista literário produzir frases que não
tenham sentido' literal. E quando isto acontece, as frases são
cuidadosamente escolhidas pelo seu ritmo e harmonia. Se o
autor escreve frases sem sentido, é porque considera ser essa a
forma mais adequada para provocar os efeitos que constituem o
objectivo da sua escrita.
O filósofo metafísico, por outro lado, não pretende escre-
ver frases sem sentido. Comete o lapso de o fazer ao ser indu-
zido em erro pela gramática, ou ao cometer erros de raciocínio,
como os que conduzem à visão de que o mundo sensível é
irreal. Mas cometer erros deste tipo não é só apanágio do poeta.
Na verdade, há quem veja no facto de as elocuções do metafí-
sico não terem sentido uma razão contra a perspectiva de que
têm valor estético. Sem ir tão longe, poderemos afirmar com
segurança que isso não constitui razão para tal.
É verdade, contudo, que embora a maior parte da metafí-
sica seja meramente a encarnação de erros vulgares, continua a
existir uma série de passagens metafísicas que são fruto de um'
sentimento místico genuíno; estas podem ser mais plausivel-
mente consideradas portadoras de valor moral ou estético.
Mas, quanto a nós, a distinção entre o tipo de metafísica que é
produzida por um filósofo enganado pela gramática, e o tipo
produzido por um místico que tenta exprimir o inexprimível,
não tem grande importância; o que é importante é perceber que
até as elocuções do filósofo metafísico que tenta expor uma

22
23
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I
I
garantia lógica de que venha a sê-Io no último caso n, indepen-
dentemente da grandeza que atribuirmos a n. E isto significa
que nunca se poderá demonstrar que uma proposição geral
referente a uma questão factual é necessária e universalmente
I
!
verdadeira. Pode no melhor dos casos ser uma hipótese prová-
vel. E, veremos, que isto não só se aplica às proposições gerais
como a todas as proposições que possuem um conteúdo fac-
tual. Nunca nenhuma delas se poderá tornar certa logicamente.
Esta conclusão, que mais tarde elaboraremos, tem de ser aceite
4 por qualquer empirista coerente. Pensa-se geralmente que o
envolve num cepticismo total, mas não é o caso. Porque o facto
AS PROPOSIÇÕES A PRIORI de a validade de uma proposição não poder ser garantida logi-
camente não implica de forma alguma que seja irracional da
nossa parte acreditar nela. Pelo contrário, o que é irracional é
A visão da filosofia que adoptámos pode, penso, descre- procurar uma garantia onde nenhuma poderá surgir, exigir cer-
. ver-se em justa medida como uma forma de empirismo. Uma teza onde· só se pode obter probabilidade. Já o alegámos
vez que é característico do empirista renunciar à metafísica com quando nos referimos à obra de Hume. E torná-Ic-emos mais
base na ideia de que toda a proposição factual deve referir-se à claro quando tratarmos da probabilidade, ao explicarmos a uti-
experiência sensorial. E mesmo se não se consegue descobrir a lização que fazemos das proposições empíricas. Veremos que
concepção de filosofar como uma actividade de análise nas não há nada de perverso nem de paradoxal na perspectiva
teorias tradicionais dos empiristas, já vimos que está implícita segundo a qual todas as "verdades" da ciência e do senso.
na sua prática. Ao mesmo tempo, deve ficar claro que, ao deno- comum são hipóteses; e, por consequência, o facto de isso'
minarmo-nos empiristas, não estamos a confessar crer em ne- envolver esta visão não constitui objecção para a tese do ernpi-
nhuma das doutrinas psicológicas vulgarmente associadas ao
empirismo. Porque, mesmo se estas doutrinas fossem válidas,
ris ta. (
Onde o empirista encontra dificuldades é em relação às
a sua validade seria independente da validade de qualquer tese verdades da lógica formal e da matemática. Porque enquanto se
filosófica. Poderia ser estabelecida apenas pela observação, e admite prontamente que a generalização científica é falível, as
não pelas considerações puramente lógicas em que assenta o verdades da matemática e da lógica são por todos consideradas
nosso empirismo. como necessárias e certas. Mas se o empirismo estiver correcto
Depois de admitir que somos empiristas, temos agora de nenhuma proposição com um conteúdo factual pode ser neces-
nos confrontar com a objecção geralmente levantada contra sária ou estar certa. Por consequência, o empirista deve lidar
todas as formas de empirismo; a saber, que é impossível justifi- com as verdades da lógica e da matemática de uma das duas
car o nosso conhecimento de verdades necessárias a partir de formas seguintes: ou diz que não são verdades necessárias, e
princípios empiristas. Como Hume demonstrou conclusiva- nesse caso tem de enfrentar a convicção universal de que o são;
mente, nenhuma proposição geral cuja validade seja objecto do ou tem de dizer que não têm conteúdo factual, e depois explicar
teste da experiência de facto poderá alguma vez estar certa logi- como é que uma proposição esvaziada de todo o seu conteúdo
camente. Independentemente da quantidade de vezes que factual pode ser verdadeira, útil e surpreendente. .
tenha sido verificada na prática, continua a existir a possibili- Se nenhuma destas vias se provar satisfatória, seremos
dade de ser refutada numa ocasião futura. O facto de uma lei ter obrigados a ceder ao racionalismo. Seremos forçados a admitir
sido provada em n-l casos também não fornece qualquer que existem algumas verdades sobre o mundo que podemos

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l
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conhecer independentemente da experiência; que existem que estas generalizações fossem necessária e universalmente
J algumas propriedades que podemos atribuir a todos os objec- verdadeiras. As provas a seu favor eram tão fortes que nos pare-
tos, ainda que não consigamos de forma alguma observar que cia incrível que um exemplo em contrário alguma vez surgisse.
todos os objectos as possuem. E teremos de aceitar como um No entanto, era em princípio possível tais generalizações se~em
facto inexplicável e misterioso que o nosso pensamento tenha refutadas. Eram altamente prováveis mas, sendo generaliza-
este poder de nos revelar autoritariamente a natureza de objec- ções indutivas, não estavam certas. A diferença entr~ tais gene-
tos que nunca observámos. De outro modo, teremos de aceitar -alizações e as hipóteses da ciência natural era uma dlfe~ença de
a explicação kantiana que, para além das dificuldades episte- rau e não de tipo. A experiência dava-nos boas razoes para
mológicas que já aflorámos, apenas faz recuar mais o mistério. supor que uma "verdade" da matemática ou da lógica er~ verda-
Está claro que tal concessão ao racionalismo prejudicaria deira universalmente; mas não possuíamos uma garantIa. Por-
o argumento principal desta obra. Uma vez que, admitir a exis- que estas "verdades" eram apenas hipóteses empíricas que
tência de alguns factos sobre o mundo que poderiam ser tinham resultado particularmente bem no passado; e, como
conhecidos independentemente da experiência seria incom- todas as hipóteses empíricas, eram teoricamente falívei~ '.
patível com a nossa perspectiva fundamental segundo a qual Não acho que esta solução da dificuldade do empirista
uma frase não diz nada a não ser que seja verificável empirica- relativamente às proposições da lógica e da matemática seja
mente. E deste modo, toda a força do nosso combate à metafí- aceitável. Ao discuti-Ia, é necessário estabelecer uma distinção
sica seria destruída. É-nos, por conseguinte, vital sermos que talvez já esteja contida na famosa máxima de Kant segundo
capazes de demonstrar que uma ou outra explicação das propo- a qual embora não possa haver qualquer dúvida de que todo o
sições da lógica e da matemática por parte do empirista está nosso conhecimento começa com a experiência, daí não resulta
. . .• . 1
correcta. Se o conseguirmos, destruiremos os fundamentos do que todo ele surja a partir da experrencia . '.
racionalismo. Visto que o princípio fundamental do raciona- Quando dizemos que as verdades da lógica são conheci-
lismo é que o pensamento é uma fonte independente de conhe- das independentemente da experiência, claro que não estamos
cimento, e é além do mais uma fonte de conhecimento mais a afirmar que são inatas, na acepção de que nascemos já tendo
fidedigna do quea experiência; na verdade, alguns racionalistas delas conhecimento. É óbvio que a matemática e a lógica têm
foram ao ponto de afirmar que o pensamento é a única fonte de de ser aprendidas da mesma forma que a química e a hi.stória.
conhecimento. E o fundamento desta visão é simplesmente Nem estamos a negar que a primeira pessoa a descobnr.uma
que as únicas verdades necessárias sobre o mundo que nos são determinada verdad,e lógica ou matemática foi conduzida a
dadas a conhecer são conhecidas através do pensamento e não tal por um procedimento indutivo. É muito provável, por
através da experiência. De tal forma que se demonstrarmos que exemplo que o princípio do silogismo tenha sido formulado
as verdades em questão não são necessárias ou que não são não ante's mas depois da validade do raciocínio silogístico ter
"verdades sobre o mundo", estaremos a retirar a sustentação sido observada num certo número de casos particulares. O que
em que o racionalismo se apoia. Estaremos a adoptar a perspec- estamos a discutir, contudo, quando dizemos que as verdades
tiva empírica segundo a qual não há "verdades da razão" refe- lógicas e matemáticas são conhecidas independentemente da
rentes a questões factuais. experiência, não é uma questão histórica relativa à forma como
A perspectiva que defende que as verdades da lógica e da estas verdades foram originalmente descobertas, nem uma
matemática não são necessárias nem estão certas foi adoptada questão psicológica relativa à forma como cada um de ~ós as
por Mill. Mill defendia que estas proposições eram generaliza- aprende, mas uma questão epistemológica-A pers~e~tlva de
ções indutivas baseadas num número extremamente vasto de Mill que rejeitamos é a de que as proposiçoes da lógica e da
exemplos. O facto de o número de exemplos corroborantes ser
tão vasto justificava, na sua perspectiva, que acreditássemos 1 Critique of Pure Reason, 2c ed., "Introduction", section i.

54 55
matemática tenham o mesmo estatuto que as hipóteses empíri- explicação que em nenhuma circunstância seria adoptada era a
cas; que a sua validade seja determinada da mesma maneira. de que dez nem sempre é o produto de dois vezes cinco.
Defendemos que são independentes da experiência no sentido Consideremos outro exemplo. Se se descobrir através de
em que não devem a sua validade à verificação empírica. Pode- medição que a soma dos lados do que parece ser um triângulo
remos descobri-Ias através de um processo indutivo; mas uma euclidiano não totaliza cento e oitenta graus, não se vai afirmar
vez apreendidas, vemos que são necessariamente verdadeiras , que se encontrou um exemplo que invalida a proposição mate-
que são válidas para qualquer exemplo concebível. E isto serve mática segundo a qual a soma dos três ângulos de um triângulo
para distingui-Ias das generalizações empíricas, visto que sabe- euclidiano é de cento e oitenta graus. Dizemos que medimos
mos que uma proposição cuja validade dependa da experiência mal ou, mais provavelmente, que o triângulo que temos estado
não pode ser vista como necessária nem universalmente ver- a medir não é euclidiano. E este é o nosso procedimento em
dadeira. qualquer caso em que uma verdade matemática possa parecer
Ao rejeitar a teoria de Mill, somos obrigados a ser um ser refutada. Preservamos sempre a sua validade adoptando
pouco dogmáticos. Mais não podemos fazer do que expor a outra explicação qualquer da ocorrência.
questão claramente e depois confiar em que esta perspectiva A mesma coisa se aplica aos princípios da lógica formal.
venha a ser considerada discrepante relativamente aos factos Vamos analisar um exemplo relacionado com a chamada lei do
lógicos relevantes. As considerações que se seguem servirão terceiro excluído, que afirma que uma proposição tem de ser
para demonstrar que das duas formas de abordar a lógica e a verdadeira ou falsa ou, dito de outro modo, que é impossível
matemática, que estão abertas ao empirista, a que Mill adoptou uma proposição e a sua proposição contraditória serem ambas
não é a correcta. verdadeiras. Poder-se-ia supor que uma proposição com a
A melhor forma de provar a nossa asserção de que as ver- forma "x parou de fazer y" constituiria em certos casos uma
dades da lógica formal e da matemática pura são necessaria- excepção a esta lei. Por exemplo, se um amigo meu nunca me
mente verdadeiras é examinar casos em que possam parecer ser escreveu, parece justo dizer que não é verdadeiro nem falso que
refutadas. Pode facilmente acontecer que, por exemplo, quando ele tenha deixado de me escrever. Mas, na verdade, recusar-
vou contar o que supunha serem cinco pares de objectos, des- -nos-íamos a aceitar tal exemplo como uma invalidação da lei
cobrir que somam apenas nove. Se desejasse induzir o leitor em do terceiro excluído. Poder-se-ia referir que a proposição "o
erro poderia dizer que neste caso duas vezes cinco não eram meu amigo deixou de me escrever" não é uma proposição sim-
dez. Mas então não poderia utilizar o signo complexo ples, mas a conjunção das duas proposições "o meu amigo
"2 x 5 = 10" da forma como é corrente ser utilizado. Deveria escreveu-me no passado" e "o meu amigo agora não me
utilizá-Io não como a expressão de uma proposição puramente escreve"; e, além do mais, que a proposição "o meu amigo não
matemática, mas como a expressão de uma generalização deixou de me escrever" não é, como parece ser, a proposição
empírica, na medida em que quando contei o que me pareciam contraditória de "o meu amigo deixou de me escrever", mas
ser cinco pares de obiectos, descobri que eram em número de apenas o seu contrário. Porque significa "o meu amigo escre-
dez. Esta generalização pode muito bem ser falsa. Mas se veu-me no passado, e continua a escrever-me". Por isso,
demonstrasse ser falsa em determinado caso, não se diria que a quando dizemos que uma proposição como "o meu amigo dei-
proposição matemática "2 x 5 = 10" tinha sido refutada. xou de me escrever" por vezes não é nem verdadeira nem falsa,
Dir-se-ia antes de mais nada que eu estava errado ao supor que estamos a ser imprecisos; visto que parece estarmos a afirmar
havia cinco pares de objectos; ou que um dos obiectos fora reti- que nem a proposição nem a proposição contraditória são
rado enquanto eu estava a contar; ou que dois deles se tinham verdadeiras. Quando o que queremos dizer, ou deveríamos
aglutinado; ou que eu contara mal. Adoptaríamos como expli- querer dizer, é que nem a proposição nem a proposição apa-
cação a hipótese ernpírica mais adequada aos factos. A única rentemente contraditória são verdadeiras. E a proposição

56 57
aparentemente contraditória é, na realidade, apenas o seu con- ção". Kant dá como exemplo de um juízo analítico "todos os
trário. Deste modo, preservamos a lei do terceiro excluído corpos são extensos", pela razão de que o predicado requerido
demonstrando que a negação de uma frase nem sempre dá ori- pode ser extraído do conceito de "corpo", "segundo o princípio
gem à proposição contraditória da proposição inicialmente de contradição"; como exemplo de um juízo sintético dá "todos
expressa. os corpos são pesados". Também refere "7 + 5 = 12" como um
Não há necessidade de fornecer mais exemplos. Qualquer juízo sintético, pela razão de que o conceito de doze de modo
exemplo que nos demos ao trabalho de arranjar, concluiremos algum ficou pensado pelo simples facto de se ter concebido
sempre que as situações em que um princípio lógico ou mate- essa reunião de sete e de cinco. E parece encarar este facto
mático possa parecer ser refutado são justificadas de forma a como equivalente a dizer que o juízo não se baseia só no princí-
deixar o princípio irrefutado. Isto indica que Mill estava errado pio de contradição. Também defende que através dos juízos
ao supor que poderia surgir uma situação que deitaria por terra analíticos o nosso conhecimento não é tão ampliado como
uma verdade matemática. Os princípios da lógica e da matemá- através dos juízos sintéticos. Uma vez que nos juízos analíticos
tica são universalmente verdadeiros pela simples razão de que "o conceito, que já possuo, é desenvolvido e tornado com-
nunca lhes permitimos ser qualquer outra coisa. Isto acontece preensível para mim próprio".
porque não podemos abandoná-Ios sem nos contradizermos, Penso tratar-se de um resumo preciso da explicação de
sem irmos contra as regras que regem o uso da língua, dessa Kant da distinção entre proposições analíticas e sintéticas, mas
forma correndo o risco de tornar as nossas formulações absur- não penso que a sua explicação consiga tornar a distinção clara.
das. Dito de outro modo, as verdades da lógica e da matemática Porque mesmo que ultrapassemos as dificuldades levantadas
são proposições analíticas ou tautologias. Ao dizer isto esta- pela utilização do termo vago "conceito", a suposição infun-
mos a fazer o que será considerado uma afirmação extrema- dada de que se pode dizer de todos os julgamentos, bem como
mente controversa, e temos de passar a clarificar as suas impli- de todas as frases alemãs e inglesas, que têm um sujeito e um
cações. predicado, continua a verificar-se esta insuficiência crucial:
A definição mais conhecida de uma proposição analítica, Kant não fornece um critério claro para distinguir as proposi-
ou juízo, como lhe chamava Kant, é a que é dada por este filó- ções analíticas das sintéticas. Fornece dois critérios distintos,
sofo. Kant afirmava 2 que um juízo analítico era aquele em que que não são de forma alguma equivalentes. Deste modo, o seu
o predicado B pertencia ao sujeito A como algo contido impli- fundamento para defender que a proposição "7 + 5 = 12" é sin-
citamente no conceito de A. Distinguia os juízos analíticos dos tética é, como vimos, que a intenção subjectiva de "7 + 5" não
juízos sintéticos. Nos juízos sintéticos o predicado B estava compreende a intenção subjectiva de "12"; enquanto o seu fun-
fora do sujeito A, embora em ligação com ele. Nos juízos damento para defender que "todos os corpos são extensos" é
analíticos, explicava Kant, "o predicado nada acrescenta ao uma proposição analítica e que se baseia só no princípio de
conceito de sujeito e apenas pela análise o decompõe nos con- contradição. Isto é, Kant emprega um critério psicológico no
ceitos parciais, que já nele estavam pensados (embora confu- primeiro destes exemplos, e um critério lógico no segundo, e
samente)" *. Os juízos sintéticos, por outro lado: "acrescentam dá a sua equivalência como certa. Mas, na verdade, uma propo-
ao conceito de sujeito um predicado que nele não estava pen- sição sintética de acordo com o primeiro critério pode muito
sado e dele não podia ser extraído por qualquer decomposi- bem ser analítica de acordo com o segundo. Porque, como já
referimos, é possível os símbolos serem sinónimos sem terem
2 Critique 01 Pure Reason, 2hd ed., "Introduction", sections IV and V. o mesmo sentido intencional para alguém; e por consequência,
• N. da T. - A tradução de todas as passagens desta obra que contêm referências
devido ao facto de se poder pensar na soma de sete e cinco sem
à obra de Kant Crítica da Razão Pura foi baseada na tradução portuguesa do referido
texto de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, editada pela Funda- se pensar necessariamente em doze, daí não advém de forma
ção Calouste Gulbenkian, 2.' edição, 1989. alguma que a proposição "7 + 5 = 12" possa ser negada sem nos

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) contradizermos. A partir do resto do seu argumento, fica claro se eu disser "nada pode ser colorido de diferentes maneiras ao
que é esta proposição lógica, e não uma qualquer proposição mesmo tempo num mesmo ponto", não estou a dizer nada
psicológica, que Kant pretende de facto estabelecer. A sua utili- sobre as propriedades de qualquer coisa de facto; mas não
zação do critério psicológico leva-o a pensar que a estabeleceu, estou a produzir afirmações sem sentido. Estou a exprimir uma
quando de facto não o fez. proposição analítica que regista a nossa determinação em qua-
Penso que podemos manter o conteúdo lógico da distin- lificar uma cor que difere qualitativamente de outra cor' vizinha
ção de Kant entre proposições analíticas e sintéticas, evitando como uma parte diferente de uma dada coisa. Por outras pala-
no entanto as confusões que arruínam a sua explicação, se dis- vras, estou simplesmente a chamar a atenção para as implica-
sermos que uma proposição é analítica quando a sua validade ções de uma determinada utilização linguística. Do mesmo
depende somente das definições dos símbolos que contém, e modo, ao dizer que se todos os bretões são franceses, e todos os
sintética quando a sua validade é determinada pelos factos da franceses europeus, então todos os bretões são europeus, não
experiência. Deste modo, a proposição "há formigas que esta- estou a descrever nenhuma questão factual. Mas estou a
beleceram um sistema de escravatura" é uma proposição sinté- demonstrar que no enunciado de que todos os bretões são fran-
tica. Uma vez que não podemos dizer se é verdadeira ou falsa ceses, e todos os franceses europeus, o enunciado posterior de
considerando simplesmente as definições dos símbolos que que todos os bretões são europeus está implicitamente con-
a constituem. Temos de nos socorrer da observação de facto tido. E estou desse modo a indicar a convenção que rege a
do comportamento das formigas. Por outro lado, a proposição nossa utilização das palavras "se" e "todos".
"ou algumas formigas são parasitas ou nenhumas o são" é uma Vemos então que há um sentido em que as proposições
proposição analítica, pois não necessitamos de recorrer à analíticas nos fornecem mesmo conhecimento novo. Chamam
observação para descobrir que ou há ou não há formigas que a atenção para utilizações linguísticas, de que de outro modo
são parasitas. Se se souber qual é a função das palavras "ou" e poderíamos não ter consciência, e revelam implicaçõesinsus-
"não", poder-se-á ver que qualquer proposição com a forma peitas nas nossas asserções e crenças. Mas também podemos
"ou p é verdadeiro ou p não é verdadeiro" é válida, independen- ver que há um sentido em que se pode considerar que não
temente da experiência. Por conseguinte, todas estas proposi- acrescentam nada ao nosso conhecimento. Uma vez que nos
ções são analíticas. dizem apenas o que se pode dizer que já sabíamos. Desta forma,
Note-se que a proposição "ou algumas formigas são para- se eu souber que a existência de Rainhas de Maio * é um vestí-
sitasou nenhumas o são" não fornece qualquer informação gio de um culto aborígene, e descobrir que ainda existem Rai-
sobre o comportamento das formigas, nem, na verdade, sobre nhas de Maio em Inglaterra, posso empregar a tautologia "se p
qualquer questão factual. E isto aplica-se a todas as proposi- implica q, e p é verdadeiro, q é verdadeiro" para demonstrar que
ções analíticas. Nenhuma delas fornece nenhuma informação ainda existe um vestígio de um culto aborígene em Inglaterra.
sobre qualquer questão factual. Dito de outro modo, são intei- Mas ao dizer que ainda existem Rainhas de Maio em Inglaterra,
ramente desprovidas de conteúdo factual. E é por esta razão e que a sua existência é um vestígio de um culto aborígene, já
que nenhuma experiência pode refutá-Ias. afirmei a existência em Inglaterra de um vestígio de um culto
Quando dizemos que as proposições analíticas são des- aborígene. A utilização da tautologia permite-me, na verdade,
providas de conteúdo factual, e por consequência, que não tornar explícita esta asserção implícita. Mas não me fornece
dizem nada, não estamos a sugerir que não tenham sentido na nenhum conhecimento novo no sentido em que provas ernpíri-
acepção em que as elocuções metafísicas são desprovidas de
sentido. Porque embora não nos forneçam qualquer informa-
• N da T. - Rainha de Maio - rapariga eleita rainha da Festa do Maio ou das
ção sobre nenhuma situação empírica, esclarecem-nos ao ilus- Maias, a qual celebrava a renovação da Natureza e o esplendor da Primavera. Estas festi-
trarem a forma como utilizamos certos símbolos. Deste modo, vidades remontam na Grã-Bretanha ao culto celta do equinócio.

60 61
) cas de que a eleição de Rainhas de Maio fora proibida por lei me mento é apresentar as proposições da lógica formal como um
forneceria conhecimento novo. Se se tivesse de expor toda a sistema dedutivo, baseado em cinco proposições primitivas,
informação que se possui, relativamente a questões factuais, subsequentemente reduzidas em número a um. Assim, a dis-
não se escreveria quaisquer proposições analíticas. Mas utili- tinção entre verdades lógicas e princípios de inferência, que foi
zar-se-iam as proposições analíticas na compilação de uma defendida na lógica aristotélica, desaparece. Cada princípio de
enciclopédia, e esta passaria a incluir desta forma proposições inferência é apresentado como uma verdade lógica e cada ver-
que de outro modo seriam negligenciadas. E, para além de nos dade lógica pode servir como um princípio de inferência. As
permitir completar a nossa lista de informação, a formulação de três "leis do pensamento" aristotélicas - a lei da identidade, a
proposições analíticas permitir-nos-ia ter a certeza de que lei do terceiro excluído e a lei da não-contradição -, estão
as proposições sintéticas de que a lista era composta formavam incorporadas no sistema, mas não são consideradas mais
um sistema coerente. Demonstrando que formas de combinar importantes do que as outras proposições analíticas. Não se
proposições resultavam em contradições, impedir-nos-iam de encontram entre as premissas do sistema. E o próprio sistema
incluir proposições incompatíveis e assim de tornar a lista de Russell e Whitehead é provavelmente apenas uma de entre
absurda. Mas na medida em que utilizaríamos de facto palavras muitas lógicas possíveis, cada uma das quais é composta por
como "todos", "ou" e "não" sem cair em contradição, poder-se- tautologias tão interessantes para o lógico como as "leis do
-ia dizer que já conhecíamos o que era revelado na formulação pensamento" aristotélicas arbitrariamente seleccionadas 4.
de proposições analíticas ilustrando as regras que regem a Um ponto que não é suficientemente esclarecido por
nossa utilização destas partículas lógicas. Mais uma vez se jus- Russell, se é que na verdade chega a ser reconhecido por este
tifica a nossa afirmação de que as proposições analíticas não autor, é que todas as proposições lógicas são válidas por direito
aumentam o nosso conhecimento. próprio. A sua validade não depende de estarem incorporadas
O carácter analítico das verdades da lógica formal foi obs- num sistema, nem de serem deduzidas a partir de certas propo-
curecido na lógica tradicional por ser insuficientemente forma- sições consideradas evidentes. A construção de sistemas de
lizado. Ao falar sempre de juízos, em vez de proposições, e lógica é útil como um meio de descobrir e de certificar proposi-
introduzindo questões psicológicas irrelevantes, a lógica tradi- ções analíticas, mas não é em princípio essencial mesmo para
cional dava a impressão de estar demasiado ocupada com os este objectivo. Visto que é possível conceber um simbolismo
mecanismos do pensamento. Estava realmente interessada era em que todas as proposições pudessem ser vistas como analíti-
na relação formal de classes, como é demonstrado pelo facto de cas em virtude somente da sua forma.
todos os seus princípios de inferência serem subsumidos no O facto de a validade de uma proposição analítica não
cálculo de classe booleano, que é por sua vez subsumido no depender de modo algum do facto de ser deduzível de outras
cálculo proposicional de Russel e Whitehead 3. O seu sistema, proposições analíticas é a nossa justificação para pôr de parte a
exposto em Principia Mathematica, torna claro que a lógica for- questão de as proposições da matemática serem ou não redutí-
mal não se ocupa das propriedades das mentes dos indivíduos, veis a proposições da lógica formal, da forma como Russel
e ainda menos das propriedades dos objectos materiais, mas supunha 5. Uma vez que, mesmo se a definição de um nú-
simplesmente da possibilidade de combinar proposições por mero cardinal como uma classe de classes semelhantes a uma
meio de partículas lógicas com proposições analíticas, e do dada classe for circular, e não é possível reduzir noções
estudo da relação formal destas proposições analíticas, em vir- matemáticas a noções puramente lógicas, continuará a ser ver-
tude da qual uma é deduzível a partir da outra. O seu procedi- dadeiro que as proposições da matemática são proposições

4 Vide Lewis e Langford, Symbolic Logic,_ Chapter VII, para uma elaboração
J Vide Karl Menger, "Die Neue Logik", Krise und Neuaufbau in den Exakten Wis-
deste ponto.
senschaften, pp. 94-96; e Lewis e Langford, Symbolic Logic, Chapter V.
S Vide lntroduction to Mathematical Philosophy, Chapter lI.

62 63
) analíticas. Formarão uma classe especial de proposições analí- aplicada e mais produtiva para uma situação empírica de facto.
ticas, contendo termos especiais, mas não serão menos analíti- Mas a proposição que afirma que determinada aplicação de
cas por isso. Porque o critério de uma proposição analítica é uma geometria é possível não é ela própria uma proposição
que a sua validade deveria advir simplesmente da definição dos dessa geometria. A única coisa que a própria geometria nos diz
termos contidos nela, e esta condição é preenchida pelas pro- é que tudo o que puder ser incluído nas definições, também
posições da matemática pura. satisfará os teoremas. É por conseguinte um sistema pura-
As proposições matemáticas que mais compreensivel- mente lógico, e as suas proposições são proposições puramente
mente se poderia supor serem sintéticas são as proposições da analíticas.
geometria. Porque é natural pensarmos, como Kant, que a geo- Pode objectar-se que a utilização de diagramas em trata-
metria é o estudo das propriedades do espaço físico e, por con- dos geométricos demonstra que o raciocínio geométrico não é
sequência, que as suas proposições têm conteúdo factual. E se puramente abstracto nem lógico, mas depende da nossa intui-
acreditarmos nisto, e admitirmos também que as verdades da ção das propriedades dos números. Contudo, a utilização de
geometria são necessárias e estão certas, poderemos ser leva- diagramas não é essencial a uma geometria completamente
dos a aceitar a hipótese de Kant segundo a qual o espaço é a rigorosa. Os diagramas são introduzidos como uma ajuda para
forma de intuição da nossa sensação exterior, uma forma a nossa razão. Fornecem-nos uma aplicação particular da geo-
imposta por nós no campo da sensação, como a única explica- metria, e desse modo ajudam-nos a perceber a verdade mais
ção possível do nosso conhecimento a priori destas proposi- geral segundo a qual os axiomas da geometria implicam deter-
ções sintéticas. Mas, enquanto a visão de que a geometria pura minadas consequências. Mas o facto de a maior parte de nós
se preocupa com o espaço físico era suficientemente plausível necessitar da ajuda de um exemplo para ficarmos cientes des- ....
na época de Kant, quando a geometria de Euclides era a única sas consequências não demonstra que a relação entre elas e os
geometria conhecida, a invenção subsequente de geometrias axiomas não seja uma relação puramente lógica. Demonstra
não euclidianas demonstrou que esta perspectiva está errada. apenas que os nossos intelectos são desiguais perante a tarefa
Vemos agora que os axiomas de uma geometria são simples- de realizar processos muito abstractos de raciocínio sem o
mente definições, e que os teoremas de uma geometria são sim- auxílio da intuição. Dito de outro modo, não tem qualquer rela-
plesmente as consequências lógicas destas definições 6. Uma ção com a natureza das proposições geométricas, mas é sim-
geometria não é em si sobre espaço físico; em si não pode ser plesmente um facto empírico sobre nós mesmos. Além do mais
considerada como sendo "sobre" o que quer que seja. Mas o recurso à intuição, embora geralmente de valor psicológico, é .
podemos utilizar a geometria para argumentar sobre o espaço também uma fonte de perigo para o geómetra. Ele é tentado a
físico. O mesmo é dizer que uma vez dada aos axiomas uma fazer suposições que são acidentalmente verdadeiras acerca do
interpretação física, podemos em seguida aplicar os teoremas número particular que toma como ilustração, mas que não
aos objectos que satisfazem os axiomas. Se uma geometria advêm dos seus axiomas. Na verdade, foi demonstrado que o
pode ou não ser aplicada ao mundo físico de facto ou não, é próprio Euclides caiu neste erro, e por consequência que a pre-
uma questão empírica que foge ao âmbito da própria geometria. sença do número é essencial a algumas das suas provas 7. Isto
Portanto, não faz sentido perguntar quais das várias geometrias demonstra que o seu sistema não é, como ele o apresenta, com-
que conhecemos são falsas e quais são verdadeiras. Na medida pletamente rigoroso, embora possa parecê-Io; não demonstra
em que estão todas livres de contradição, são todas verdadeiras. que a presença do número seja essencial a uma prova geomé-
O que poderemos perguntar é qual delas será mais útil num trica verdadeiramente rigorosa. Supor que o fosse seria consi-
determinado momento, qual delas pode ser mais facilmente derar como característica necessária a todas as geometrias o que

6 Cf. H. Poincaré, La Science et l'Hypothêse, Part II, Chapter IH. 7 Cf. M. Black, The Nature of Mathematics, p. 154.

64 65
- -----_.:......-- --"-._- -- _._--_._- ----_. __ .- - --

) é na realidade apenas uma característica acidental num sistema também o é da natureza das nossas mentes. É perfeitamente
geométrico particular. concebível que empregássemos convenções linguísticas dife-
Concluímos então que as proposições da geometria pura rentes das que na realidade empregamos. Mas quaisquer que
são analíticas. E isto leva-nos a rejeitar a hipótese de Kant de pudessem ser estas convenções, as tautologias em que as regis-
que a geometria trata da forma de intuição da nossa sensação tássemos seriam sempre necessárias. Porque qualquer negação
exterior. Visto que o fundamento para esta hipótese era que só delas seria absurda.
ela explicava como as proposições da geometria poderiam ser Vemos então que não há nada de misterioso na certeza
simultaneamente verdadeiras a priori e sintéticas: e já vimos apodíctica da lógica e da matemática. O nosso conhecimento de
que não são sintéticas. Por conseguinte, a nossa visão de que as que nenhuma observação poderá alguma vez refutar a proposi-
proposições da aritmética não são sintéticas mas analíticas ção "7 + 5 =12" depende simplesmente do facto de a expressão
leva-nos a rejeitar a hipótese kantiana 8 de que a aritmética simbólica "7 + 5" ser sinónima de "12", tal como o nosso
trata da nossa intuição pura do tempo, a forma da nossa sensa- conhecimento de que todos os oftalmologistas são médicos
ção interior. E deste modo podemos pôr de parte a estética dos olhos depende do facto de o símbolo "médico dos olhos"
transcendental de Kant sem ter de expor as dificuldades episte- ser sinónimo de "oftalmologista". E a mesma explicação é
mológicas que geralmente se supõe que esta implica. Porque o válida para qualquer outra verdade a priori.
único argumento que pode ser apresentado a favor da teoria de . O que é misterioso à primeira vista é que estas tautologias
Kant é que esta só por si explica certos "factos". E agora desco-· possam ser por vezes tão surpreendentes que haja na matemá-
brimos que os "factos" que parece explicar não são de forma tica e na lógica a possibilidade de invenção e descoberta. Como
alguma factos. Visto que, se é verdade que temos conhecimento diz Poincaré: "Se todas as asserções que a matemática apre-
a priori de proposições necessárias, não é verdade, como Kant senta podem ser derivadas umas das outras pela lógica formal,
supunha, que algumas destas proposições necessárias sejam a matemática não é mais do que uma imensa tautologia. A infe-
sintéticas. São sem excepção proposições analíticas, ou seja, rência lógica não nos pode ensinar nada essencialmente novo, e
tautologias. se tudo deriva do princípio da identidade, tudo deve ser reduzi-
Já explicámos como é que estas proposições analíticas são vel a ele. Mas poderemos realmente admitir que estes teoremas
necessárias e estão certas. Vimos que a razão por que não que enchem tantos livros não servem para outro objectivo
podem ser refutadas na experiência é o facto de não fazerem u:
senão para dizer de uma forma diferente 'A =.A,),,·IO Poi
oincare ,
nenhuma asserção sobre o mundo empírico. Registam sim- acha isto incrível. A sua própria teoria afirma que o sentido da
plesmente a nossa determinação de utilizar as palavras de uma invenção e da descoberta existe na matemática em virtude da
certa maneira. Não podemos negá-Ias sem infringir as conven- indução matemática, princípio segundo o qual o que é verda-
ções pressupostas pela nossa própria negação, caindo assim em deiro para o número 1, e verdadeiro para n + 1 quando é verda-
contradição. E este é o único fundamento da sua necessidade. deiro para n 11, é verdadeiro para todos os números. ,E Poincaré
Como afirma Wittgenstein, a nossa justificação para defender preconiza que este é um princípio a priori sintético. E de facto a
que o mundo não poderia de forma alguma desobedecer às leis priori mas não é sintético. É um princípio definidor dos núme-
da lógica é simplesmente o facto de não conseguirmos conce- ros naturais, servindo para distingui-los de números como os
ber um mundo ilógico 9. E tal como a validade de uma proposi- números cardinais infinitos, a que não pode ser aplicado 12.
ção analítica é independente da natureza do mundo exterior,

10 La Science et l'Hypothêse, Par! I, Chapter I.


Esta hipótese não é mencionada
8 em Critique of Pure Reason mas foi defendida
11 Isto foi erradamente afirmado em edições anteriores como "verdadeiro para n
por Kant numa data anterior.
quando é verdadeiro para n + I".
9 Tractatus Logico-Philosophicus, 3.03 L
12 Cf. B. Russell, Introduction to Mathematical Philosophy, Chapter III, p. 27.

66 67
j
Além do mais, devemos recordar-nos que podem ser feitas des- É fácil de ver que o perigo de erro no raciocínio lógico
cobertas, não só na aritmética mas também na geometria e na pode ser minimizado pela introdução de artifícios simbólicos,
lógica formal, onde não se utiliza a indução matemática. De que nos permitem exprimir tautologias altamente complexas
forma que mesmo que Poincaré tivesse razão quanto à indução de uma forma convenientemente simples. E isto dá-nos uma
matemática, não teria fornecido uma explicação satisfatória do oportunidade para o exercício da invenção no estudo das análi-
paradoxo de como um simples corpo de tautologias pode ser ses lógicas. Porque uma definição bem escolhida chamará a
tão interessan te e surpreendente. nossa atenção para verdades analíticas, que de outro modo nos
A verdadeira explicação é muito simples. O poder da escapariam. E a construção de definições úteis e produtivas
lógica e da matemática para nos surpreender depende, tal como pode muito bem ser encarada como um acto criativo.
a sua utilidade, das limitações da nossa razão. Um ser cujo inte- Tendo desta forma demonstrado que não há qualquer
lecto fosse infinitamente poderoso não teria qualquer interesse paradoxo inexplicável envolvido na visão de que as verdades da
na lógica nem na matemática 13. Porque conseguiria ver num lógica e da matemática são todas analíticas, podemos segura-
relance tudo () que as suas definições implicavam e, por isso, a mente adoptá-Ia como a única explicação satisfatória da sua
partir da inferência lógica nunca conseguiria aprender nada de necessidade a priori. E ao adoptá-Ia demonstramos a afirmação
que não estivesse já consciente. Mas os nossos intelectos não empirista de que não pode haver qualquer conhecimento a
são desta ordem. Só conseguimos detectar num relance uma priori da realidade. Porque demonstramos que as verdades da
proposição diminuta das consequências das nossas definições. razão pura, as proposições que sabemos serem válidas inde-
Mesmo uma tautologia tão simples como "91 x 79 = 7189" pendentemente de toda a experiência são tão únicas em virtude
encontra-se para além do alcance da nossa apreensão imediata. da sua falta de conteúdo factual. Dizer que uma proposição é
Para termos a certeza de que "7189" é sinónimo de "91 x 79" verdadeira a priori é dizer que é uma tautologia. E as tautolo-
temos de recorrer ao cálculo, que é simplesmente um processo gias, embora possam servir para nos guiar na nossa busca
de transformação tautológica; isto é, um processo pelo qual empírica do conhecimento, não contêm em si nenhuma infor-
modificamos a forma de expressões sem alterar a sua significa- mação sobre qualquer questão factual,
ção. As tabelas de multiplicação são regras para efectuar este
processo na aritmética, tal como as leis da lógica são regras para
a transformação tautológica de frases expressas em simbolismo
lógico ou em linguagem corrente. Como o processo de cálculo
é efectuado mais ou menos mecanicamente, é fácil para nós
cometer um deslize e, desse modo, involuntariamente cair em
contradição. E isto justifica a existência de "falsidades" lógicas
e matemáticas, que de outro modo poderiam parecer parado-
xais. O risco de erro no raciocínio lógico é, nitidamente,
proporcional :l extensão e complexidade do processo de cál-
culo. E da mesma forma, quanto mais complexa for uma propo-
sição analítica mais possibilidades terá de nos interessar e
surpreender.

13 Cf Hans Hahn, "Logik, Mathematik und Naturerkennen", Einheitstois-


senschaft, Heft 11, p. 18. "Ein allwissendes Wesen braucht keine Logik und keine
Mathematik. "

68 69
) traduzidas em frases equivalentes que não contêm x nem
nenhum dos seus sinónimos. Aplicando isto ao caso da "ver-
dade" descobrimos que perguntar "o que é a verdade?" é pedir
uma tradução da frase "(a proposição) p é verdadeira".
Pode objectar-se que estamos a ignorar o facto de que não
são só as proposições que podem ser consideradas verdadeiras
ou falsas, mas também os enunciados, asserções, juízos, supo-
sições, opiniões e crenças. Mas a resposta a isto é que dizer que
uma crença, um enunciado ou um juízo são verdadeiros é
5 sempre uma forma elíptica de atribuir verdade a uma proposi-
ção, que é considerada verdadeira, afirmada ou julgada. Deste
VERDADE E PROBABILIDADE modo, se eu disser que a crença marxista de que o capitalismo
conduz à guerra é verdadeira, o que estou a dizer é que a propo-
sição, ti da como verdadeira pelos marxistas, segundo a qual o
Tendo demonstrado como a validade das proposiçoes capitalismo conduz à guerra é verdadeira; e a ilustração é válida
a priori é determinada, vamos agora apresentar o critério que é quando a palavra "opinião" ou "suposição", ou qualquer outra
utilizado para determinara validade de proposições empíricas. da lista, é substituída pela palavra "crença". E, mais adiante,
Desta forma completaremos a nossa teoria da verdade. Uma vez teremos de tornar claro que não estamos deste modo a compro-
que é fácil ver que o objectivo de uma "teoria da verdade" é sim- meter-nos com a doutrina meta física segundo a qual as propo-
plesmente descrever os critérios que determinam a validade sições são entidades reais 1. Encarando as classes como uma
dos vários tipos de proposições. E como todas as proposições espécie de construções lógicas, podemos definir uma proposi-
são ou empíricas ou a priori, e já tratamos das a priori, tudo o ção como uma classe de frases que têm a mesma significação
que se nos exige agora para completar a nossa teoria da verdade intencional para quem quer que as compreenda. Assim, as fra-
é uma indicação da forma como determinamos a validade das ses "estou doente", ich bin krank e je suis malade, são todas ele-
proposições empíricas. Será o nosso próximo passo. mentos da proposição "estou doente". E o que dissemos ante-
Mas primeiro que tudo devemos talvez justificar a nossa riormente sobr~ as construções lógicas deveria tornar claro que
suposição de que o objectivo de uma "teoria da verdade" só não estamos a afirmar que uma proposição é um conjunto de
pode ser demonstrar como as proposições são validadas. Visto frases, mas que falar sobre uma dada proposição é uma forma
que, geralmente, se supõe que a tarefa do filósofo que se de falar sobre certas frases, tal como falar sobre frases, nesta
debruça sobre a "verdade" é responder à questão "o que é a ver- acepção, é uma forma de falar sobre signos particulares.
dade?" e que só uma resposta a esta questão se pode nitida- Voltando à análise da verdade, verificamos que em todas
mente considerar constituir uma "teoria da verdade". Mas as frases com a forma "p é verdadeiro", a expressão "é verda-
quando passamos a considerar o que esta famosa questão' de deiro" é supérflua logicamente. Quando, por exemplo, se diz
facto implica descobrimos não se tratar de uma questão que dê que a proposição "a rainha Ana morreu" é verdadeira, tudo o
origem a qualquer problema genuíno; e por consequência que que se está a dizer é que a rainha Ana morreu. E, do mesmo
não pode ser exigida nenhuma teoria para a abordar. modo, quando se diz que a proposição "Oxford é a capital de
Já fizemos notar que todas as questões com a forma "qual Inglaterra" é falsa, tudo o que se está a dizer é que Oxford não é
é a natureza de x?" são pedidos de uma definição de um
símbolo em uso, e que pedir uma definição de um símbolo x em I Para uma crítica desta doutrina, ver G. Ryle, "Are there propositions?",
uso é perguntar como é queas frases em que x ocorre devem ser Aristotelían Society Proceedings, 1929-1930.

70 71
/ a capital de Inglaterra. Deste modo, dizer que uma proposição é real" deve-se, como a maior parte dos erros filosóficos, a um
verdadeira é apenas afirmá-Ia, e dizer que é falsa é apenas afir- fracasso em analisar frases correctamente. Há frases, como as
mar a sua proposição contraditória. E isto indica que os termos duas que acabámos de analisar, em que a palavra "verdade"
"verdadeiro" e "falso" não têm qualquer conoração, mas funcio- parece representar algo real; e isto leva o filósofo especulativo a
nam na frase simplesmente como marcas de afirmação e nega- investigar o que este "algo" é. Naturalmente não consegue
ção. E nesse caso não faz qualquer sentido pedirem-nos para obter uma resposta satisfatória, uma vez que a sua questão é
analisar o conceito de "verdade". ilegítima. Porque a nossa análise tem vindo a demonstrar que a
Este ponto parece quase demasiado óbvio para ser men- palavra "verdade" .nâo representa nada, da forma como tal
cionado, no entanto a preocupação dos filósofos com o "pro- questão o exige.
blema da verdade" demonstra que o negligenciam. A sua des- Daí advém que se todas as teorias da verdade fossem teo-
culpa é que as referências à verdade ocorrem geralmente em rias sobre a "qualidade real" ou sobre a "relação real", que se
frases cujas formas gramaticais sugerem que a palavra "verda- supõe que a palavra "verdade" representa genuinamente,
deiro" representa uma qualidade ou relação. E uma análise seriam todos enunciados sem sentido. Mas, na realidade, são
superficial destas frases poderia levar-nos a supor que haveria na maior parte teorias de um tipo completamente diferente.
mais qualquer coisa na questão "o que é a verdade?" do que Qualquer que seja a questão que os seus autores possam pensar
uma exigência da análise do enunciado "p é verdadeiro". Mas que estão a discutir, o que estão realmente a discutir a maior
quando SAe analisam as frases em questão, conclui-se sempre parte das vezes é a questão "o que é que torna uma proposição
que contem subfrases com a forma "p é verdadeiro" ou "p é verdadeira ou falsa?". E isto é uma forma vaga de perguntar
falso", e que quando são traduzidas de modo a tornarem estas como é que as proposições são validadas. E esta era a questão
subfrases explícitas, não contêm qualquer outra menção da que estávamos a considerar quando embarcámos na nossa
verdade. Deste modo, para considerar dois exemplos típicos, a digressão sobre a análise da verdade.
frase "a proposição não é tornada verdadeira por ser tida como Ao dizer que propomos demonstrar "como as proposi-
verdade" é equivalente a «para nenhum valor de p ou x, é 'p é ções são validadas", é claro que não pretendemos sugerir que
verda~eiro' é implicada por 'x acredita em p'»; e a frase "a ver- todas as proposições são validadas da mesma forma. Pelo con-
dade e por vezes mais estranha do que a ficção" é equivalente a trário, sublinhamos o facto de o critério através do qual deter-
"há valores de p e de q em que p é verdadeiro e q é falso e p é minamos a validade de uma proposição a priori ou analítica não
mais surpreendente do que q". E o mesmo resultado seria tra- ser suficiente para determinar a validade de uma proposição
duzido por qualquer outro exemplo que nos déssemos ao tra- empírica ou sintética. Uma vez que é característico das proposi-
balho de arranjar. Em todos os casos a análise da frase confir- ções empíricas que a sua validade não seja puramente formal.
maria a nossa suposição de que a questão "o que é a verdade?" é Dizer que uma proposição geométrica, ou um sistema de pro-
reduzível à questão "o que é a análise da frase 'p é verdadeiro'?" posições geométricas, é falsa é dizer que é contraditória. Mas
E é claro que esta questão não levanta qualquer problema uma proposição empírica, ou um sistema de proposições
genuíno, uma vez que demonstrámos que dizer que p é verda- empíricas, pode estar livre de contradições, e ainda assim ser
deiro é simplesmente uma forma de afirmar p 2. falsa. Diz-se que é falsa, não por ser formalmente deficiente
Concluímos então que não há qualquer problema de ver- mas porque não satisfaz um critério rnaterial.. E é tarefa nossa
dade, tal como este é geralmente concebido. A concepção tradi- descobrir qual é este critério.
cional da verdade como uma "qualidade real" ou uma "relação Até agora temos partido do princípio de que as proposi-
ções empíricas, embora difiram das proposições a priori no
2 .
Cf F. P. Rarnsey, "Facts an d Propositions", The Foundations of Mathem atics, método de validação, não diferem entre si neste aspecto. Tendo
pp. 142-143.
concluído que todas as proposições a priori são validadas da

72 73
j mesma forma, demos como certo que isto é válido também para uma situação, não se está simplesmente a "registar" um con-
as proposições empíricas. Mas esta suposição seria posta em teúdo sensorial; está-se a classificá-Ia de alguma forma, e isto
causa por uma grande parte dos filósofos que concordam con- significa ir para além do que é imediatamente apreendido. Mas
nosco na maior parte dos outros aspectos 3. Diriam que entre uma proposição seria ostensiva apenas se registasse o que era
as proposições empíricas há uma classe especial de proposi- imediatamente experimentado sem referir mais nada para além
ções cuja validade consiste no facto de registarem directamente disso. E como isto não é possível, daí resulta que nenhuma
uma experiência imediata. Defendem que estas proposições, a proposição sintética genuína pode ser ostensiva, e consequen-
que poderemos chamar "ostensivas", não são simples hipóte- temente que nenhuma pode estar absolutamente certa.
ses mas estão absolutamente certas. Uma vez que se considera Por isso defendemos não só que as proposições ostensi-
serem de carácter puramente demonstrativo e, por conse- vas nunca são expressas, mas também que é inconcebível que
guinte, não susceptíveis de serem refutadas por qualquer expe- alguma proposição ostensiva alguma vez seja expressa. Que as
riência subsequente. E são, de acordo com esta visão, as únicas proposições ostensivas nunca são expressas pode ser admitido
proposições empíricas ,que estão certas. O resto são hipóteses até por aqueles que acreditam nelas. Podem admitir que na prá-
cuja validade deriva da sua relação com as proposições ostensi- tica nunca nos limitamos a descrever as qualidades de um con-
vas. Uma vez que se considera que a sua probabilidade é deter- teúdo sensorial imediatamente apresentado, mas tratamo-lo
minada pelo número e variedade das proposições ostensivas sempre como se fosse uma coisa material. E é óbvio que as pro-
que podem ser deduzidas a partir delas. posições em que formulamos os nossos juízos correntes sobre
Que nenhuma proposição sintética que não seja pura- coisas materiais não são ostensivas, referindo-se como o fazem
mente ostensiva pode ser indubitável logicamente, pode ser a uma série infinita de conteúdos sensoriais de facto e possí-
admitido sem mais justificações. O que não podemos admitir é veis. Mas é em princípio possível formular proposições que
que qualquer proposição sintética possa ser puramente osten- descrevem simplesmente as qualidades de conteúdos senso-
siva 4. Porque a noção de uma proposição ostensiva parece riais sem exprimir juízos de percepção. E afirma-se que estas
envolver uma contradição nos termos. Sugere que poderia proposições artificiais seriam genuinamente ostensivas. Deve-
haver uma. frase que consistisse em símbolos puramente ria estar claro, por tudo o que já dissemos, que esta afirmação é
?emonstratIvos e fosse ao mesmo tempo inteligível. E isto não injustificada. E se ainda persistir alguma dúvida sobre este
e sequer uma possibilidade lógica. Uma frase que consistisse ponto, podemos 'afastá-Ia com a ajuda de um exemplo.
em s~mbolo~ demonstrativos não exprimiria uma proposição Suponhamos que eu afirmo a proposição "isto é branco" e
genuina. Seria uma mera exclamação, sem caracterizar de forma que as minhas palavras são entendidas, não como normal-
alguma aquilo que deveria referir 5. mente o seriam, como referindo-se a uma coisa material, mas a
A questão que se coloca é que não se pode referir na lin- um conteúdo sensorial. Então o que estou a dizer sobre este
g~agem um obiecto sem o descrever. Se uma frase deve expri- conteúdo sensorial é que é um elemento da classe dos conteú-
rrur uma proposição, não pode meramente nomear uma situa- dos sensoriais que constitui "branco" para mim; ou por outras
ção; tem de dizer alguma coisa sobre ela. E ao descrever-se palavras que é semelhante na cor a certos outros conteúdos
sensoriais, nomeadamente os que eu denominaria, ou melhor
3 E.g. M. Schlick, "Über das Fundament der Erkenntnis", Erkenntnis Band IV já denominei de facto, brancos. E penso que estou também a
Heft II; e "Facts and Propositions", Analysis, Vol. II, N.o 5; e B. Von Juhos: "Empiri~ dizer que corresponde de alguma forma aos conteúdos senso-
cism and Physicalism", Analysis, Vol. 11, N.? 6.
riais que vão constituir branco para outras pessoas; de forma
4 Ver também RudolfCarnap, "Über Protokollsiitze", Erkenntnis Band 111' Otto
Neurath, "Protokollsiitze", Erkenntnis, Band IV, Heft v. e Carl Hempel :On th L' . 1
que se eu descobrisse que tinha um sentido da cor anormal
'" T
POS!tIVIStS heory of Truth", Analysis, Vol. II, N.? 4. " e ogica deveria admitir que o conteúdo sensorial em questão não era
5 Esta questão é abordada no Apêndice, pags. 153-154. branco. Mas mesmo se excluirmos qualquer referência a outros

74 75
) indivíduos, continua a ser possível pensar numa situação que dosa ou não duvidosa. Uma sensação ocorre simplesmente.
me levaria a supor que a minha classificação de um conteúdo O que é duvidoso são as proposições que se referem às nossas
sensorial estava errada. Eu poderia, por exemplo, ter desco- sensações, incluindo as proposições que descrevem as quali-
berto que sempre que sentia um conteúdo sensorial de uma dades de um conteúdo sensorial apresentado, ou afirmam que
determinada qualidade, fazia um movimento corporal distin- um determinado conteúdo sensorial ocorreu. Identificar uma
tivo; e poderia em determinado momento estar perante um proposição deste tipo com a sensação pwpriamente dita seria
conteúdo sensorial que eu afirmasse ser dessa qualidade, e não claramente um enorme disparate lógico. No entanto, suponho
ter a reacção corporal que lhe tinha vindo a associar. Nesse caso que a doutrina das proposições ostensivas resulta de tal identi-
provavelmente deveria abandonar a hipótese de que os conteú- ficação tácita. É difícil justificá-Ia de qualquer outra forma 7.
dos sensoriais dessa qualidade me provocavam sempre a dita Todavia, não vamos perder tempo ;1 especular sobre as
reacção corporal. Mas não deveria, logicamente, ser obrigado a origens desta doutrina filosófica falsa. Tais questões podem ser
abandoná-Ia. Se o considerasse mais conveniente, poderia deixadas ao historiador. A nossa tarefa é demonstrar que a dou-
manter esta hipótese partindo do princípio de que tive de facto trina é falsa, coisa que podemos reivindicar com justeza ter
a tal reacção, embora não o tivesse notado, ou, alternativa- feito. Deveria estar agora claro que não existem proposições
mente, que o conteúdo sensorial não tinha a qualidade que eu empíricas absolutamente certas. Apenas as tautologias estão
afirmara possuir. O facto de esta ser uma via possível, de não certas. As proposições empíricas são uma e todas as hipóteses,
envolver qualquer contradição lógica, prova que uma proposi- o que pode ser confirmado ou infirmado pela experiência sen-
ção que descreva a qualidade de um determinado conteúdo sorial de facto. E as proposições em que registamos as observa-
sensorial pode ser tão legitimamente posta em dúvida como ções que verificam estas hipóteses são elas próprias hipóteses
qualquer outra proposição empírica 6. E isto demonstra que que estão sujeitas ao teste da experiência sensorial posterior.
uma tal proposição não é ostensiva, pois já vimos que uma pro- Deste modo, não existem proposições finais. Quando verifica-
posição ostensiva não poderia ser legitimamente posta em mos uma hipótese podemos fazer uma observação que nos
dúvida. Mas as proposições que descrevem as qualidades de satisfaça na altura. Mas no momento seguinte podemos duvi-
facto de conteúdos sensoriais apresentadas são os únicos dar se a observação teve realmente lugar, e requerer um novo
exemplos de proposições ostensivas que os que acreditam em processo de verificação para nos certificarmos. E, logicamente,
proposições ostensivas alguma vez se aventuraram a apresen- não há razão para que este procedimento não continuasse inde-
tar. E se estas proposições não forem ostensivas é mais que finidamente, fornecendo-nos cada acto de verificação uma
certo que nenhumas o são. nova hipótese, que por sua vez conduz a ou tra série de actos de
Ao negar a possibilidade das proposições ostensivas, é verificação. Na prática defendemos que certos tipos de obser-
claro que não estamos a negar que existe realmente um "dado" vação são fidedignos, e admitimos a hipótese de terem ocorrido
elemento em cada uma das nossas experiências sensoriais. sem nos darmos ao trabalho de embarcar num processo de
Nem estamos a sugerir que as nossas sensações são elas verificação. Mas fazêmo-lo, não por obediência a qualquer
próprias duvidosas. Na verdade, uma tal sugestão não teria necessidade lógica, mas por um motivo puramente pragmático,
sentido. Uma sensação não é o tipo de coisa que possa ser duvi- a natureza do qual em breve será explica da.

6 Claro que os que acreditam em proposições "ostensivas" não defendem que 7 Ocorreu-me subsequentemente que a doutrina das "proposições ostensivas
uma proposição como "isto é branco" seja válida em virtude apenas da sua forma. O que pode ser devida à confusão da proposição "está certo que p implica p" - e. g. "está certo
eles afirmam é que se pode considerar a proposição "isto é branco" como objectiva- que se tenho dores, tenho dores", que é uma tautologia -, Ç<Jma proposição "p implica
mente certa quando se está efectivamente a experimentar um conteúdo sensorial que (p está certo)" - e. g. "se tenho dores, então a propos içã» 'tenho dores' está certa", o
branco. Mas será que pretendem não afirmar mais do que a tautologia trivial de que que é, regra geral, falso. Vide o meu artigo "The Criterion 'if Truth", Analysis, Vol. III,
quando estou a ver uma coisa branca, estou a ver uma coisa branca? Ver nota seguinte. N.o, 1 and 2.

76 77
Quando se fala em hipóteses a serem verificadas na expe- mente. hostis se estiver preparado para fazer as necessanas
/
riência, é importante ter em mente que nunca se trata de uma só suposições ad hoc. Mas embora qualquer exemplo particular em
hipótese que uma observação confirma ou infirma, mas sempre de que uma hipótese adoptada pareça ser refutada possa sempre
um sistema de hipóteses. Suponhamos que concebemos uma ser explicado, tem de continuar a existir a possibilidade de a
experiência para testar a validade de uma "lei" científica. A lei hipótese ser em última análise abandonada. De outro modo
afirma que em determinadas condições um certo tipo de observa- não é uma hipótese genuína. Porque uma proposição cuja vali-
ção terá sempre lugar. Pode acontecer neste exemplo particular dade estejamos decididos a manter face a qualquer experiência
que façamos a observação como a nossa lei prevê. Então não é ape- não é de forma alguma uma hipótese, mas uma definição: Por
nas a própria lei que é provada, mas também as hipóteses que afir- outras palavras, não é uma proposição sintética mas analítica.
mam a existência das condições requeri das. Porque é só supondo a Que algumas das nossas "leis da Natureza" mais geral-
existência destas condições que a nossa observação é relevante mente reconhecidas são meras definições disfarçadas é, penso,
para a lei. Alternativamente podemos não conseguir fazer a obser- incontestável, mas esta não é uma questão que possamos abor-
vação esperada. E nesse caso podemos concluir pela nossa expe- dar aqui 8. É suficiente fazermos notar que existe o perigo de
riência que a lei é invalidada. Mas não somos obrigados a adoptar confundir tais definições com hipóteses genuínas, perigo que é
esta conclusão. Se desejarmos preservar a nossa lei, podemos fazê- aumentado pelo facto de o mesmo conjunto de palavras poder
-10 abandonando uma ou mais das outras hipóteses relevantes. num determinado momento, ou para um conjunto de indiví-
Podemos dizer que as condições não eram realmente o que pare- duos, exprimir uma proposição sintética, enoutro momento,
ciam ser, e construir uma teoria para explicar como estávamos ou para outro conjunto de indivíduos, exprimir uma tautolo-
enganados acerca delas; ou podemos dizer que um factor que gia. Porque as nossas definições das coisas não são imutáveis.
tínhamos posto de parte como irrelevante era realmente relevante, E se a experiência nos levar a manter uma crença muito forte de
e apoiar esta visão com hipóteses suplementares. Podemos que todas as coisas do tipo A têm a propriedade de ser B, temos
mesmo partir do princípio de que a experiência não era realmente tendência a considerar a posse desta propriedade uma carac-
desfavorável, e que a nossa observação negativa era alucinatória. terística definidora do tipo A. Em última análise podemos
E nesse caso temos de apresentar as hipóteses que registam as recusar chamar A a todas as coisas que não sejam também B.
condições que são consideradas necessárias para a ocorrência de E nesse caso a frase "todos os As são Bs", que inicialmente
uma alucinação de acordo com as hipóteses que descrevem as con- exprimia uma generalização sintética, passaria a exprimir uma
dições em que se supõe que esta observação teve lugar. De outro tautologia declarada.
~odo estaremos a defender hipóteses incompatíveis. E isto é a Uma boa razão para dar atenção a esta possibilidade é que
única coisa que não podemos fazer. Mas, enquanto dermos passos a sua negligência por parte dos filósofos é responsável por
adequados para manter o nosso sistema de hipóteses livre de con- grande parte da confusão que caracteriza o seu tratamento das
tradição, poderemos adoptar a explicação que quisermos das nos- proposições gerais. Atentemos no exemplo "todos os homens
sas observações. Na prática a nossa escolha de uma explicação é são mortais". É-nos dito que esta não é uma hipótese duvidosa,
guiada por determinadas considerações, que passamos a descre- como defendia Hume, mas um exemplo de uma relação neces-
ver. E estas considerações têm o efeito de limitar a nossa liberdade sária. E se perguntarmos o que é que está aqui necessariamente
na questão de preservar e rejeitar hipóteses. Mas logicamente a relacionado, a única resposta que nos parece possível é que é o
nossa liberdade é ilimitada. Qualquer procedimento que seja coe- conceito de "homem" e o conceito de "ser mortal". Mas o único
rente satisfará as exigências da lógica. sentido que atribuímos ao enunciado de que dois conceitos
Parece, portanto, que os "factos da experiência" nunca nos estão necessariamente relacionados é que o sentido de um con-
podem compelir a abandonar uma hipótese. Um indivíduo pode
sempre defender as suas convicções em face de provas aparente- 8 Para uma elaboração desta visão, ver H. Poincaré, La Science et l'Hypothese.

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, "

/ ceito está contido no do outro. Deste modo, dizer que "todos os abandonadas?". É por vezes sugerido que somos guiados
homens são mortais" é um exemplo de uma relação necessária, somente pelo princípio da economia ou, por outras palavras,
é dizer que o conceito de ser mortal está contido no conceito de pelo nosso desejo de efectuar a menor alteração possível no
homem, e isto equivale a dizer que "todos os homens são mor- nosso sistema de hipóteses previamente aceite. Mas embora
tais" é uma tautologia. Ora o filósofo pode utilizar a palavra tenhamos indubitavelmente este desejo, e sejamos influencia-
"homem" de forma a recusar-se a chamar hornema tudo o que dos por ele até certo ponto, não é o único factor, ou sequer o
não seja mortal. E nesse caso a frase "todos os homens são factor dominante, no nosso procedimento. Se a nossa preocu-
mortais" exprimirá, na acepção deste filósofo, uma tautologia. pação era simplesmente manter o nosso sistema de hipóteses
Mas isto não significa que a proposição que geralmente expri- existente intacto, não deveríamos sentir-nos obrigados a con-
mimos através dessa frase é uma tautologia. Mesmo para o siderar uma observação desfavorável. Não deveríamos sentir a
nosso filósofo, continua a ser uma hipótese empírica genuína. necessidade de justificá-Ia de alguma forma, nem sequer pela
Só que agora ele não. pode exprimi-Ia sob a forma "todos os introdução da hipótese de que acabáramos de ter uma alucina-
homens são mortais". Em vez disso, tem de dizer que tudo o ção. Deveríamos simplesmente ignorá-Ia. Mas, na verdade, nós
que possui as outras propriedades definidoras de um homem não negligenciamos observações inconvenientes. A sua ocor-
também possui a propriedade de ser mortal, ou algo. que pro- rência leva-nos sempre a fazer alguma alteração no nosso sis-
duza o. mesmo efeito. Deste modo, podemos criar tautologias tema de hipóteses, mau grado o desejo de mantê-l o intacto. Por
através de um ajustamento. adequado das nossas definições, que é que isto acontece? Se conseguirmos responder a esta
mas não podemos resolver problemas empíricos através de um questão, e demonstrar por que é que consideramos necessário
simples iogo de sentidos das palavras. alterar os nossos sistemas de hipóteses, ficaremos em melhor
Claro que quando um filósofo diz que a proposição. posição para decidir quais são os princípios de acordo com os
"todos os homens são. mortais" constitui um exemplo de uma quais tais alterações são realmente efectuadas.
relação necessária, não pretende dizer que é uma tautologia. O que devemos fazer para resolver este problema é per-
Resta-nos referir que isto é tudo o que ele pode estar a dizer, se guntarmo-nos: "qual é o objectivo de formular hipóteses?";
as suas palavras forem entendidas no. seu sentido corrente e ao. "em primeiro lugar, por que é que construímos estes sistemas?"
mesmo tempo exprimirem uma proposição significativa. Mas A resposta é que são elaborados para nos permitirem antecipar
penso. que este filósofo acha possível defender que esta propo- o curso das nossas sensações. A função de um sistema de
sição geral é ao mesmo tempo sintética e necessária, apenas hipóteses é avisar-nos antecipadamente do que será a nossa
porque a identifica com a tautologia que poderia, dadas as con- experiência num determinado campo - permitir-nos fazer pre-
venções adequadas, ser expressa pelo mesmo conjunto de pala- visões rigorosas. As hipóteses podem, por conseguinte, ser
vras. E o mesmo se aplica a todas as outras proposições univer- descritas como regras que regem a nossa expectativa de expe-
sais. Podemos transformar as frases que agora as exprimem em riência futura. Não há necessidade de dizer por que é que exigi-
expressões e definições. E nessa altura estas frases exprimirão mos estas regras. É claro que da nossa capacidade para fazer
proposições necessárias. Mas estas serão proposições diferen- previsões bem sucedidas depende a satisfação até dos nossos
tes das generalizações iniciais. Como pensava Hume, elas desejos mais simples, incluindo o desejo de sobrevivência.
nunca podem ser necessárias. Por muito firmemente que acre- Ora, a característica essencial do nosso procedimento
ditemos nelas, é sempre concebível que uma experiência futura relativamente à formulação. destas regras é a utilização da expe-
nos leve a abandoná-Ias .. riência passada como um guia para o futuro. Já o referimos
Isto leva-nos uma vez mais à questão "quais são as consi- quando abordámos o chamado problema 'da indução, e já
derações que determinam em qualquer situação determinada vimos que não faz sentido pedir uma justificação teórica desta
quais das hipóteses relevantes serão preservadas e quais serão orientação. O filósofo deve contentar-se em registar os factos

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-\

---- -----._- -_.

) do procedimento científico. Se procurar justificá-Io, para além observações desfavoráveis, também é um factor determinante
de demonstrar que é coerente, ver-se-á envolvido em proble- da forma como ajustamos o nosso sistema para abranger os
mas espúrios. Este é um ponto que já sublinhámos anterior- novos dados. É verdade que estamos imbuídos de um espírito
mente e não vamos preocupar-nos em discuti-Io outra vez. de conservadorismo e que preferíamos as pequenas alterações
Verificamos então como um facto que as nossas previsões às grandes. É desagradável e problemático admitir que o sis-
da experiência futura são de certo modo determinadas pelo que tema existente é radicalmente deficiente. E é verdade que,
vivemos no passado. E este facto explica por que é que a ciên- como para outras coisas, preferimos as hipóteses simples às
cia, que é essencialmente predictiva, é também até certo ponto complexas, mais uma vez pelo desejo de poupar trabalho. Mas
uma descrição da nossa experiência 9. Mas é visível que tende- se a experiência nos leva a supor que as mudanças radicais são
mos a ignorar as características da nossa experiência que não necessárias, então estamos preparados para as fazer, apesar de
podem constituir base de generalizações produtivas. E, além complicarem de facto o nosso sistema, tal como demonstra a
do mais, aquilo que descrevemos de facto, fazêmo-Io com história recente da física. Quando uma observação vai contra as
alguma amplitude. Como afirma Poincaré: "Não nos limitamos nossas expectativas mais seguras, o caminho mais fácil é igno-
a generalizar a experiência, corrigimo-Ia; e o físico que se absti- rá-Ia, ou pelo menos explicá-Ia. Quando não o fazemos é por-
vesse destas correcções e ficasse realmente satisfeito apenas que pensamos que, se deixarmos o sistema como está, sofrere-
com a experiência seria obrigado a promulgar as leis mais mos outros desapontamentos. Pensamos que a sua eficiência
extraordinárias." 10
como um instrumento de previsão aumentará se o tornarmos
No entanto, mesmo que não sigamos a experiência pas- compatível com a hipótese de que a observação inesperada
sada servilmente na feitura das nossas previsões, somos em ocorreu. Caso estejamos certos ao pensar que esta é uma ques-
larga medida guiados por ela. E isto explica por que é que não tão que não pode ser resolvida através de argumentação. Pode-
negligenciamos simplesmente a conclusão de uma experiência mos apenas esperar e ver se o nosso novo sistema é bem suce-
desfavorável. Partimos do princípio de que um sistema de dido na prática. Se não for, voltamos a alterá-Io.
hipóteses que foi deitado por terra uma vez é provável que o Obtivemos agora a informação de que necessitávamos
venha a ser de novo. Poderíamos, claro, partir do princípio que para responder à nossa questão inicial "qual é o critério através
não tinha sido deitado por terra, mas acreditamos que esta do qual testamos a validade de uma proposição empírica?".
suposição não nos compensaria tanto como o reconhecimento A resposta é que testamos a validade de uma hipótese empírica
de que o sistema realmente falhou e, por conseguinte, exige vendo se esta cumpre de facto a função para que é designada.
uma alteração para não falhar outra vez. Alteramos o nosso sis- E já vimos que a função de uma hipótese empírica é permitir-
tema porque pensamos que ao alterá-Io torná-Io-emos um ins- -nos antecipar a experiência. Por isso, se uma observação para a
trumento mais eficiente para a antecipação da experiência. qual determinada proposição é relevante for conforme às nos-
E esta crença deriva de um princípio orientador segundo o sas expectativas, a verdade dessa proposição é confirmada. Não
qual, dito de uma forma simplista, o curso futuro das nossas se poderá dizer que a proposição tenha sido provada como
sensações será conforme ao passado. absolutamente válida, porque ainda é possível que uma obser-
Este nosso desejo de ter um conjunto eficiente de regras vação futura a desacredite. Mas pode-se dizer que a sua proba-
para as nossas previsões, que nos leva a ter em consideração bilidade aumentou. Se a observação for contrária às nossas
expectativas, então o estatuto da proposição está em perigo.
9 Veremos que mesmo as "descrições da experiência passada" são em certo sen-
Podemos preservá-Io adoptando ou abandonando outras hipó-
tido predictivas uma vez que funcionam como "regras para a antecipação da experiência teses' ou podemos considerar que foi refutado. Mas mesmo se
futura". Ver o fim deste capítulo para um desenvolvimento deste ponto. , , I
for rejeitado em consequência de uma observação desfavorave ,
La Science et l'Hypothese, Part IV, Chapter IX, p. 170.
10
não se poderá dizer que tenha sido completamente invalidado.
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, \

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I I

) Porque continua a ser possível que observações futuras nos tal como não existe nenhum método de construir hipóteses
levem a reafirrná-lo. . que seja garantido ser digno de confiança, Confiamos n~s
É necessário agora clarificar o que o termo "probabili- métodos da ciência contemporânea porque foram bem sucedi-
dade" significa neste contexto. Ao referirmo-nos à probabi- dos na prática. Se no futuro viéssemos a adoptar métodos dife-
lidade de uma proposição, não estamos a referir-nós, como por rentes, então crenças que são agora racionais poderiam tornar-
vezes se supõe, a uma propriedade intrínseca desta, nem sequer se irracionais do ponto de vista destes novos métodos. Mas o
a uma relação lógica inanalisável estabelecida entre esta propo- facto de isto ser possível não tem qualquer relação com o facto
sição e outras proposições. Dito de uma forma simplista, tudo de estas crenças serem racionais neste momento.
o que queremos dizer quando afirmamos que uma observação Esta definição de racionalidade permite-nos corrigir a
aumenta a probabilidade de uma proposição é que esta au- nossa definição do sentido do termo "probabilidade", na acep-
menta a nossa confiança .na proposição, sendo esta medida ção que nos interessa agora. Dizer que uma obse;vaçã.o
pela nossa disposição para confiar nela na prática como uma aumenta a probabilidade de uma hipótese nem sempre e equi-
antecipação das nossas sensações e para nos atermos a ela valente a dizer que aumenta o grau de confiança com que na
preferencialmente face a outras hipóteses no caso de uma realidade encaramos a hipótese, considerando-a do ponto de
experiência desfavorável. E, portanto, dizer que uma observa- vista da nossa prontidão a agir sobre ela) visto que pode~os
ção diminui a probabilidade de uma proposição, é dizer que estar a comportar-nos irracionalmente. E equivalente a dizer
diminui a nossa abertura para incluir a proposição no sistema que a observação aumenta o grau de confiança com qu~ é rac~o-
de hipóteses aceites que nos servem como guias para o nal considerar a hipótese-o E aqui podemos repetir que a
futuro 11. racionalidade de uma crença é definida, não por referência a
Tal como é apresentada, esta definição da noção de pro- qualquer padrão absoluto, mas por referência a parte da nossa
babilidade é um pouco simplista. Porque parte do princípio de própria prática de facto.
que abordamos todas as hipóteses de uma forma coerente e A objecção óbvia à nossa definição era a de que esta era'
uniforme, e infelizmente não é esse o caso. Na prática, nem incompatível com o facto de por vezes 'nos enganarmos quanto
sempre relacionamos crença e observação da forma geralmente à probabilidade de uma proposição - pode-se acreditar que
reconhecida como a mais digna de confiança. Embora reconhe- seja mais ou menos provável do que na realidade é. E claro que
çamos que certos padrões de evidência deviam ser sempre a nossa definição corrigida não é abrangida .por esta objecção.
cumpridos na formação das nossas crenças, nem sempre os Uma vez que, segundo este argumento a probabilidade de uma
cumprimos. Dito de outro modo, não somos sempre racionais. proposição é determinada tanto pela natureza das nossas
Porque ser racional é simplesmente empregar um procedi- observações como pela nossa concepção de racionalidade. De
mento acreditado e coerente na formação de todas as nossas forma que quando um indivíduo relaciona crença com observa-
crenças. O facto de o procedimento, por referência ao qual ção de uma forma coerente com o método científico acreditado
agora determinamos se uma crença é racional, poder subse- de avaliar hipóteses, é compatível com a nossa definição de
quentemente perder a nossa confiança não diminui de forma' probabilidade dizer que ele está equivocado quanto à probabi-
alguma a racionalidade de o adoptar neste momento. Uma vez lidade das proposições em que acredita.
que definimos uma crença racional como aquela a que se chega , Com esta definição de probabilidade completamos a
pelos métodos que neste momento consideramos dignos de nossa abordagem da validade das proposições empíricas.
confiança. Não há nenhum padrão absoluto de racionalidade, O ponto que temos de sublinhar por fim é que as nossas consi-
derações se aplicam a todas as. proposições empíri:as se,m
11 Não se pretende, claro, que esta definição se aplique à utilização matemática excepção, quer sejam singulares, particulares ou U~IVe!Sals.
do termo "probabilidade". Cada proposição sintética é uma regra para a antecipaçao da

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experiência futura, e distingue-se em conteúdo de outras pro-
) posições sintéticas pelo facto de ser relevante para situações
diferentes. De forma que o facto de as proposições referentes ao
passado terem o mesmo carácter hipotético que as referentes
ao presente, ou as referentes ao futuro, não implica de modo
algum que estes três tipos de proposições não sejam distintos.
Uma vez que são verificados por, e portanto servem para prever
experiências diferentes.
Talvez tenha sido a incapacidade para apreciar este ponto
que levou certos filósofos a negar que as proposições sobre o 6
passado fossem hipóteses no mesmo sentido que as leis de
uma ciência natural o são. Uma vez que não têm sido capazes DA ÉTICA E DA TEOLOGIA
de sustentar a sua visão através de quaisquer argumentos
demonstrativos, nem de dizer o que são as proposições sobre o
passado, se não são hipóteses do tipo das que descrevemos. Ainda há uma o jecção a considenir antes de podermos
Pela minha parte, não encontro nada de excessivamente para- afirmar ter justificado nossa visão de que todas as ~ro~osi~
doxal na perspectiva segundo a qual as proposições sobre o ções sintéticas são hi 'teses empíricas. Esta obJe~çao e
passado são regras para a previsão das experiências "históri- baseada na suposição cor nte de que o nosso conhecimento
cas" que se considera geralmente que as verificam 12, e não vejo especulativo é de' dois tipos istintos - o que se relaciona com
outra forma de analisar "o nosso conhecimento do passado". questões de ordem empírica o relativo a qu~s!ões ~e ;a.lor.
E suspeito além do mais que os que se opõem à nossa aborda- Diremos que "juízos de val " são proposrçoes slllte.tlCas
gem pragmática da história estão na realidade a basear as suas genuínas, mas que não pode ser representadas em Justa
objecções na suposição tácita, ou explícita, de que o passado medida como hipóteses, que são ilizadas para prever o curso
está de algum modo "objectivamente ali" à espera de uma cor- das nossas sensações; e, do mesmo odo, que a existência. da
respondência - que é "real" no sentido metafísico do termo. ética e da estética como ramos do co hecimento especulativo
E a partir do que referimos relativamente à questão metafísica apresenta uma objecção insuperável pa a nossa tese empirista
do idealismo, fica claro que tal suposição não é uma hipótese radical.
genuína 13. Face a esta objecção, é tarefa nossa r uma definição de
"juizos de valor'' que seja ao mesmo tempo tisfatória em si e
coerente com os nossos princípios empiristas
traremos que na medida em que os enunciados valor são sig-
nificativos são enunciados "científicos" corrent ; e que, na
medida em que não são científicos, não possuem [gnificação
literal mas são simplesmente expressões de emoçã que não
pode~ ser nem verdadeiras nem falsas. Ao defender e.s vis,ã?,
podemos limitar-nos de momento ao caso dos en~nclad ~tl-
12 As implicações desta afirmação podem ser passíveis de induzir em erro, oide
coso Veremos que o que se diz acerca deles tambem se ap ca,
Apêndice, pp. 163-164. mutatis mutandis, ao caso dos enunciados estéticos 1.
13 A questão de um tratamento pragmático da história, no sentido que lhe atri-
buímos, é bem colocada por C. L. Lewis em Mind and lhe World Order, pp. 150-153. 10 argumento que se segue deve ser lido em simultâneo com o Apêndice, pp. 165-167.

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