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Hist.

da Filosofia Contemporânea I

2023/1

Prof. Dr. Paulo Estrella Faria

Aluno: Umberto Maciel (00326075)

1. Exponha o argumento de Quine contra o ‘dogma’ do reducionismo.

O argumento de Quine contra o 'dogma' do reducionismo, que sugere que cada


enunciado pode ser confirmado ou refutado individualmente, ou como nas palavras de Quine
“o dogma do reducionismo sobrevive na suposição de que cada enunciado, tomado
isoladamente de seus pares, pode, de qualquer forma, admitir confirmação ou invalidação”
(QUINE, 2011, p. 64-65), é uma crítica ao atomismo da confirmação e à visão de que a
linguagem e a teoria científica podem ser desmembradas em proposições individuais, cada uma
com seu próprio método de verificação. Quine argumenta que essa visão não reflete com
precisão como a ciência e o pensamento funcionam na prática, defendendo em vez disso um
holismo epistemológico, ou seja, que o conhecimento ou cada proposição não pode, e nem deve,
ser testado individualmente, em partes isoladas, mas sim considerado como um todo
interconectado.
Segundo Quine, a ideia de que cada proposição pode ser testada empiricamente só faz
sentido se aceitarmos a ideia de que as proposições podem ser isoladas umas das outras, o que
Quine considera uma visão ingênua. Ele argumenta que nossas crenças e proposições sobre o
mundo não operam individualmente, mas sim como uma "corporação" interconectada. Quando
confrontados com uma experiência que parece entrar em conflito com nossas crenças, nossa
tendência é ajustar outras crenças ou encontrar explicações alternativas que preservem a maior
parte de nossa teoria existente.
Para exemplifica essa visão, podemos utilizar como exemplo a história da descoberta
do planeta Netuno no início do século XIX, onde anomalias inexplicáveis na órbita de Urano
não condiziam com as previsões da mecânica newtoniana. Em vez de rejeitar completamente a
teoria newtoniana, o matemático e astrônomo francês Urbain Le Verrier, ajustou o sistema
teórico, postulando a existência de um outro planeta, que ele chamou de Netuno, como uma
explicação que se encaixava nas premissas existentes. Ou seja, o planeta Netuno, mesmo não

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podendo ser observado e confirmado, mas que claramente causava “perturbações na órbita de
Urano”, foi introduzido. Isso ilustra o compromisso em preservar ao máximo nossas crenças
existentes e a falta de isolamento entre proposições individuais. Poucos dias após a chegada do
estudo de Le Verier, o laboratório de Berlim confirmou a existência de Netuno.
Além disso, Quine aponta que o critério de verificabilidade empírica não é adequado
para determinar o sentido de uma proposição. Ele argumenta que, para uma proposição ser
verdadeira ou falsa, muitas vezes é necessário considerar todo o sistema de crenças em que ela
está inserida. Poderíamos supor um sistema que testaria uma determinada hipótese “H”, essa
hipótese passaria pelas proposições “P1” até “Pn”, mas estas não se confirmariam através da
experiência, ou até necessitariam de outras hipóteses. Caso alguma predição seja falseada, isso
implicaria que alguma proposição (“P1” até “Pn”) foi rejeitada, mas como afirmar qual? Não é
possível afirmar qual proposição, não existe uma regra para tal. Isso significa que a verificação
de uma proposição depende de seu relacionamento com outras proposições dentro de uma "teia"
de crenças interconectadas, como dito por Quine.
O argumento de Quine contra o 'dogma' do reducionismo destaca a complexidade da
formação de crenças e do processo de confirmação e refutação na ciência e na filosofia. Sua
ênfase no holismo epistemológico e na interconexão das crenças desafia a visão tradicional de
que as proposições podem ser avaliadas de forma independente e sublinha a necessidade de
considerar todo o sistema de crenças ao avaliar o sentido e a justificação das proposições. Para
Quine, mesmo quando ajustamos uma teoria com base na experiência, há uma ampla margem
de escolha sobre qual proposição ou parte do sistema modificar. Não há regra geral para
determinar qual proposição deve ser revisada, e essa escolha frequentemente segue critérios
como simplicidade, aplicabilidade futura e preservação do máximo de crenças existentes. Ele
chama isso de "princípio da mutilação mínima" ou, usando as palavras do prof. Paulo Faria,
"onde não comicha, não coce", além de “não procure pulga em cabeça de elefante”.

2. Kripke afirma reiteradamente, em Naming and Necessity, que ele não está propondo
uma teoria alternativa ao descritivismo, apenas uma imagem mais adequada do modo
como usamos nomes próprios. Em que consiste essa imagem, e como Kripke a justifica?

Kripke reiteradamente afirmou, em sua obra "Naming and Necessity", que ele não
estava propondo uma teoria alternativa ao descritivismo, mas sim oferecendo uma "imagem
mais adequada" de como usamos nomes próprios. Essa "imagem mais adequada" envolve a

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concepção da linguagem como uma instituição ou tradição que nos permite usar nomes próprios
de uma maneira que é efetivamente independente de estarmos em contato direto com o objeto
que o nome designa ou de possuirmos uma descrição precisa que identifique, individue ou
discrimine o objeto em questão.
Para compreender essa imagem, podemos considerar um exemplo. Suponha que você
tenha conhecimento limitado sobre “Sócrates” e não saiba que ele era um filósofo grego, que
lutou na guerra do Peloponeso, que não perguntava pela opinião, mas pela essência e que foi
julgado e condenado pelo Tribunal dos Heliastas. Mesmo com essa falta de informações
detalhadas, você ainda pode usar o nome "Sócrates" para se referir à pessoa sobre a qual deseja
falar. Isso é possível porque outras pessoas dentro da mesma instituição linguística, ou
comunidade, transmitiram e garantem que esse nome se refere à pessoa que eles estavam
mencionando e à qual você também se refere quando usa esse nome. Isso ocorre mesmo que
você não saiba muito sobre quem exatamente foi “Sócrates”, além de uma famosa citação
atribuída a ele, como por exemplo, "Só sei que nada sei". Nesse caso, se alguém perguntar quem
disse essa frase, você responderá: "Sócrates". No entanto, sua compreensão de “Sócrates” pode
ser limitada a essa única citação, e você pode nem mesmo ter certeza de que ele realmente disse
essa frase, pois outras pessoas podem afirmar isso por você. Se eu perguntar na comunidade
futebolística quem foi “Sócrates”, a primeira resposta será: “atuou como meio-campista e era
considerado um dos grandes craques do futebol brasileiro na década de 1980, além de ídolo do
Corinthians”, visto que estamos considerando um outro grupo de pessoas. Mas se eu disser:
“Não este Sócrates, aquele que disse ‘Só sei que nada sei’”, a maioria das pessoas saberá de
qual “Sócrates” estou me referindo, o filósofo e não o jogador de futebol da década de 1980.
É importante ressaltar que Kripke não rejeita a possibilidade de fixar a referência de um
nome por meio de ostensão, apresentação direta, contato direto com o objeto designado. A
presença física do objeto sempre possibilita esse tipo de referência (por exemplo, alguém que
conheceu “Sócrates”, como Platão ou Xenofonte). No entanto, ele argumenta que também é
possível fixar a referência de um designador por descrição, mesmo que essa descrição
corresponda a um objeto com o qual você não teve contato direto. Retomando o exemplo
mencionado anteriormente (pergunta 1), Le Verrier fixou a referência do designador "Netuno"
para um planeta que ainda não havia sido observado por ninguém. Quando Netuno foi
finalmente observado, isso confirmou a precisão da predição de Le Verrier sobre a existência
do planeta como a causa das perturbações na órbita de Urano. No entanto, é importante notar
que a descrição "o planeta responsável pela perturbação na órbita de Urano" não faz parte do
significado intrínseco de "Netuno". Mesmo que uma explicação alternativa para as perturbações

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em Urano tivesse sido descoberta após a observação de Netuno, isso não implicaria que Netuno
deixaria de existir. Kripke enfatiza a distinção entre o uso de uma descrição para dar significado
a um nome e o uso da mesma descrição para fixar a referência do nome. É possível fixar a
referência de um designador com base em uma descrição, mas isso não implica que a descrição
se torne parte do significado do nome. Além disso, Kripke destaca que é possível fixar a
referência de um designador, mesmo que o objeto em questão não tenha sido observado por
ninguém.
Essa "imagem mais adequada" proposta por Kripke é fortemente anti-individualista e,
em vez de apresentar uma teoria formal da referência, ele destaca a importância de entender
como usamos os termos em nosso idioma. Kripke não busca estabelecer um conjunto rígido de
condições necessárias e suficientes para que um termo seja um designador rígido de um objeto.
Em vez disso, ele argumenta que ao compreendermos como usamos nomes próprios, podemos
resolver uma série de problemas filosóficos que surgem em torno da referência e da identidade
de nomes. A justificação para essa abordagem baseia-se em nossas intuições como usuários
competentes da linguagem, refletindo a prática linguística e a tradição que envolve o uso de
nomes próprios como os usamos.

‘Comece pelo começo, disse o Rei com a maior seriedade; e siga em frente até chegar ao fim: então
pare.’
(Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas)

“Obrigada pela orientação, Majestade. Vou seguir seu conselho e começar pelo começo, continuar até
o fim e, quando chegar ao fim, parar. Quando chegar ao fim, olharei para trás com gratidão por todas as
experiências vividas e saberei que valeu a pena cada esforço. Mas quem sabe, talvez o fim seja apenas
o começo de uma nova jornada fascinante! Estou ansioso para descobrir!”

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