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Sobre a

Navalha de
Ockham

Rogério da Costa
Muitas coisas interessantes poderiam ser ditas sobre o
princípio metodológico da Navalha de Ockham.
Contudo, o que mais me interessa é aquele ligado à
ontologia. O princípio da Navalha diz, em poucas
palavras, que não se deve multiplicar entidades para
explicar um evento. Ou seja, se para explicar X alguém
só precise de Y e Z não é necessário complicar as
coisas acrescentando outras causas. Numa linguagem
mais popular, poderia-se dizer que não se deve utilizar
um canhão para matar uma mosca.

Alguns dizem que este é um princípio próprio da


racionalidade. Entretanto, já se mostrou que tal princípio
não é sempre aplicável, nem mesmo auto-evidente.
Nele está subentendida a idéia de que a natureza é
simples e que a economia e a elegância são valores
epistemológicos.

A ciência passou a usá-lo como regra metodológica


sem querer envolver-se em discussões filosóficas
acerca de sua justificação racional. Afinal, para todos os
fins práticos, essa regra facilitava as coisas,
principalmente os cálculos.

O problema aparece quando a Navalha deixa de ser


usada como um instrumento metodológico ( ainda que
controverso ) com fins de economia e simplificação
prática e passa a ser usada com pretensões
ontológicas. Em outras palavras, quando se pretende
determinar quais entes existem no mundo a partir da
aplicação da Navalha.

Entendo aqui ontologia como qualquer teoria que tente


dizer o que há, o que efetivamente existe ou não existe
no universo.

Frequentemente se esquece a diferença entre a


explicação de eventos e a ontologia . Para explicar um
evento X tenta-se encontrar outros eventos que, em
conjunto, atuem como causas de X. Ou seja, que sejam
como as premissas a partir das quais se possa derivar
logicamente o evento X. É claro que toda explicação
tem consequências ontológicas. Se digo que X é um
evento real e que para explicá-lo preciso de Y e Z,
tenho que dizer necessariamente que Y e Z são
também reais.

O problema é quando se tenta negar a existência de


uma entidade simplesmente porquê ela não é
necessária para explicar algum evento. O raciocínio
seria este: se necessito de Y e Z e não de K para
explicar X então Y e Z existem e K não existe. Se algo
não é necessário para explicar um dado evento, então
esse algo ( seja o que for ) não existe.

Uma coisa é a simplicidade prática e a elegância que


facilitam o cálculo e a manipulação dos eventos. Outra
bem diferente é a existência ou não de entidades não
diretamente envolvidas em explicações teóricas.

"Não preciso dessa hipótese", disse Laplace a


Napoleão quando o imperador francês perguntou pelo
lugar de Deus no seu sistema do mundo. O recado é
claro. Se não há lugar para Deus numa explicação
teórica sobre o mundo, por que deveríamos nos
preocupar com Ele?

O quadro do mundo só comporta peças que tenham


função. Ou seja, peças que funcionem para produzir o
funcionamento de outras peças e assim produzam o
funcionamento do todo, da máquina inteira. Entretanto,
se peças precisam de outras peças para funcionar,
onde acaba isso? O mecanicismo aparece sempre
como um modelo incompleto. Não é à toa que tantos se
dedicaram ( e se dedicam ) à busca do motor perpétuo (
alguém aí lembrou do Motor Imóvel ??).

As relações entre a Navalha e a ontologia são mais


complexas do que parecem à primeira vista. Dissemos
anteriormente que, ao explicar um evento existente
qualquer, postulamos a existência de outros eventos
que atuam em conjunto como causas daquilo de
desejamos explicar. Nem sempre é assim. Há as
correntes instrumentalistas para as quais as teorias não
passam de instrumentos de predição e de controle do
mundo e que nada têm a ver com conceitos de verdade
ou falsidade ou existência. Ou seja, uma teoria é boa se
funciona empiricamente, para fins práticos. É como um
martelo ou uma chave de fenda. Se funciona, ótimo!

Nessa perspectiva as coisas se dão diferentemente. Se


para explicar um fenômeno existente X preciso de Y e
Z, NÃO necessariamente estou afirmando a existência
de Y e Z. Importa que os cálculos sejam simplificados
pelo uso de Y e Z como elementos da explicação e que,
com isso, as predições sejam mais precisas.

Agora a Navalha não corta somente o que é


desnecessário à explicação, mas também os próprios
elementos da explicação teórica. O caráter prático da
Navalha, como um princípio de simplificação, passa de
seu papel auxiliar na pesquisa para o papel principal.
Simplificar é o lema. Na verdade, agora se podem
multiplicar as entidades, desde que seja para simplificar
os cálculos.

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