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Os princípios gerais e o problema do conhecimento a priori

Rodrigo Albuquerque Prudente

RA: 236201

O princípio da indução é considerado um princípio geral, pois está na base da


construção de nosso conhecimento e não pode ser explicado por algo mais básico,
caracterizando-se como autoevidente, isto é, está implícito em nossas explicações dos fatos.
Ele não pode ser provado pela experiência, mesmo assim, toda ciência empírica se baseia nele
para descobrir as leis da natureza. Aceitando a sua “evidência intrínseca” e usando a indução
como uma ferramenta cognitiva, observamos regularidades no mundo e ampliamos nosso
conhecimento para além da experiência.

Existem outros princípios gerais deste tipo. Eles também nos permitem fazer
inferências a partir das sensações e estão na base de nossos raciocínios. O uso destes
princípios é tão básico no cotidiano, que nos servimos deles até mesmo sem perceber. De
acordo com Russell, eles são despercebidos por causa de sua obviedade, e por isso são
assuntos estudados pelos filósofos, que investigam os fundamentos de nosso conhecimento.

Nossa compreensão destes outros princípios começa com suas aplicações particulares,
até percebermos uma generalidade que serve para todas ocasiões do mesmo gênero.
Naturalmente, aprendemos que “dois mais dois são quatro” por meio de particularidades
experimentadas, por exemplo: juntando duas laranjas com outras duas, obteremos quatro
laranjas. Porém, a partir do momento que abstraímos as ideias de “dois”, “quatro” e “soma”,
compreendemos a existência duma lei geral da aritmética do tipo “2 + 2 = 4”. Desta maneira,
não precisamos analisar inúmeros casos para constituir nossa certeza de que a lei funciona
para quaisquer dois pares somados. O mesmo vale para leis da geometria como: “num espaço
plano, a menor distância entre dois pontos é sempre uma reta”. Assim, as experiências
individuais nos revelam as leis gerais, que por sua vez, explicam os casos particulares.

Também usamos um destes princípios quando fazemos demonstrações. Se P implica


Q, e P é verdadeiro, então Q também é verdadeiro. Ou seja, se as premissas de um argumento
implicam [necessariamente] a conclusão, e se, elas são verdadeiras, então a conclusão também
será verdadeira. A aplicação deste princípio num único caso, é suficiente para persuadir-nos
de que é verdadeiro para todos os outros do mesmo tipo (notemos que a experiência não

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justifica o princípio, mas apenas provoca a percepção de sua generalidade). Este princípio
lógico, chamado de “Modus Ponens”, é útil para fazer inferências a partir de determinadas
crenças.

Além do Modus Ponens, a lógica clássica seleciona um conjunto de três princípios,


chamado “Leis do Pensamento”. A nomenclatura é confusa, pois não se trata de leis que
sempre regem o pensamento, mas significa que os eventos do mundo ocorrem em
conformidade com elas, logo, se pensamos de acordo com elas, representamos o mundo de
modo verdadeiro. Este conjunto inclui a “lei de identidade” (qualquer coisa é idêntica a si
mesma), “lei de não-contradição” (nada pode ter e não ter, simultaneamente, alguma
propriedade) e a “lei do terceiro excluído” (uma proposição é verdadeira, ou falsa, e não há
uma terceira possibilidade).

Estes princípios - matemáticos e lógicos - possuem validade universal e permitem


demonstrar, com certeza, a verdade de algo a partir duma determinada premissa. Já a indução,
a partir de premissas, nos oferece uma maior, ou menor, probabilidade sobre a verdade de
algo. Russell também diz que os princípios relativos à ética são deste tipo, isto é,
autoevidentes; assim como o “imperativo categórico” de Kant, que busca justificar quais
ações são universalmente boas. Em geral, precisamos aceitar alguns destes princípios se
quisermos construir argumentos e provas, visto que fundamentam nosso conhecimento.

Compreendido o caráter destes princípios, podemos entender a concepção de


conhecimento a priori e empírico, segundo Russell. O conhecimento a priori, é aquele que não
pode ser justificado pela experiência, embora seja ela que conduz nossa atenção para ele,
causando-o e suscitando-o; assim sabemos da sua existência, sem precisarmos prová-lo por
meio da experiência. Este é o caso dos princípios gerais exemplificados acima. Eles nos
concedem relações entre as coisas que existem, ou podem existir, mas não a sua qualidade de
existência.

O conhecimento empírico é aquele fundado, parcial ou integralmente, na experiência e


que afirma a existência de algo. Então, para Russell, quando algo é conhecido imediatamente,
sua existência é conhecida por meio da experiência, e, quando se infere a existência de algo
que não é imediatamente conhecido, a prova necessitará tanto da experiência, quanto dos
princípios a priori. Mas, como é possível o conhecimento a priori? E como podemos formular

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proposições gerais do tipo “2 + 2 = 4”, com certeza de que elas possuem aplicabilidade
universal, se jamais poderemos examinar todos casos particulares?

O primeiro a abordar este tipo de problema na história da filosofia, foi Immanuel Kant.
Em sua época, todo juízo a priori era considerado analítico, isto é, o predicado da sentença
que expressa o juízo pode ser encontrado a partir da análise de seu sujeito; ademais, quando
são negados apresentam uma contradição. “Uma biblioteca contém livros” é um juízo
analítico, pois o predicado “contém livros” está implícito no conceito de “biblioteca”; e a sua
negação “uma biblioteca não contém livros” é uma contradição.

Kant percebeu que os conhecimentos a priori, da aritmética e da geometria, embora


universais, não eram dessa categoria, pois um juízo do tipo “7 + 5 = 12” forma um novo
conhecimento, visto que a ideia de “doze” não está contida em “sete” e “cinco” e nem em
“serem somados”. Consequentemente, ele conclui que toda matemática pura é a priori e
sintética, rompendo com o paradigma de que a lei de não-contradição era suficiente para
estabelecer a verdade do conhecimento a priori (enquanto considerado apenas analítico).
Deste modo, buscou uma explicação para a condição de possibilidade da matemática.

Ele pensava que as coisas experimentadas eram uma interação entre sujeito e “coisa-
em-si" (semelhante ao objeto físico de Russell), cujo produto era denominado de “fenômeno”.
Até este ponto, a teoria do conhecimento de Russell concorda. Elas se divergem pelo papel
atribuído à nossa contribuição nesta interação. Para Kant, quando experimentamos a
realidade, nosso intelecto fornece a organização, temporal e espacial, e qualquer relação
derivada da comparação de dados dos sentidos. Sua razão para isto era que: espaço, tempo,
semelhança e causalidade, eram características conhecidas a priori; não eram propriedades do
mundo, mas sim intuições impostas, por nossa própria natureza intelectual, às percepções que
temos do mundo. Este posicionamento é chamado de “idealismo transcendental”.

Se o fenômeno é produto da interação entre nós e a coisa-em-si, então ele é algo que
possui estas características de nossa natureza, e, portanto, se conformaria com nosso
conhecimento matemático a priori. Tanto a aritmética, que trata de “sucessões” donde segue
nossa noção de tempo, quanto a geometria, que lida com as relações espaciais, seriam
fornecidas por nosso intelecto ao interagir com as coisas-em-si, impondo ordem [espacial e
temporal] a toda experiência - o que explicaria a sua aplicabilidade universal. Com isto,
considerando as leis matemáticas como características constitutivas de nossa natureza

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intelectual, Kant diz que o conhecimento a priori existe, mas não poderia ser aplicado fora da
experiência e nada saberíamos sobre as coisas-em-si.

Russell não concorda com este argumento e levanta objeções. Dizer que aritmética e
geometria são contribuições de nossa natureza, não explica a questão da matemática pura ser a
priori. Pois, se elas forem de nossa natureza, que é suscetível de mudanças, então elas também
estarão sujeitas a impermanência como qualquer outro fato do mundo. Por conseguinte,
possíveis mudanças na aritmética, como “2 + 2 = 5”, destruiria a universalidade das
proposições matemáticas e abalaria nossas certezas mais fundamentais.

Outro ponto, é que se as proposições matemáticas são verdadeiras e valem para


quaisquer casos, então elas podem dar algum conhecimento sobre aquilo que está por trás dos
fenômenos: dois objetos físicos, somados a outros dois, serão quatro objetos físicos. Sabemos
disso mesmo sem ter experiência deles. Portanto, Russell conclui que a solução de Kant limita
o alcance das proposições a priori, sem justificativa, e também falha ao explicar a certeza
delas.

Por conseguinte, ele pensa que a natureza a priori da matemática (e lógica) não pode
ser imanente ao intelecto e sua fonte tem de ser outra, que também não pode depender da
matéria. Assim, Russell aponta que estes conhecimentos a priori são possíveis devido a
existência dos universais e suas relações, visto que não são entidades físicas e nem mentais, e
se aplicam a tudo que existe e pode ser pensado; tema abordado nos capítulos seguintes.

Referência Bibliográfica

RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. Tradução: Jaimir Conte. Home


University Library, 1912. Oxford University Press paperback, 1959.

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