Você está na página 1de 5

O princípio da indução e sua relação com as ciências empíricas

Rodrigo Albuquerque Prudente

RA: 236201

Com os dados dos sentidos, produzimos relações espaciais, localizando os objetos


percebidos no espaço; assim como fazemos relações temporais, e conhecemos a ordem de
ocorrência dos eventos. Para alguém que pensa como Russell, lagartas 1 e borboletas, são
aglomerados de dados dos sentidos, que apresentam certas formas, texturas, cores, cheiros e
sons, posicionados e ordenados, no espaço e no tempo. Elas são percebidas sem
intermediações, pelos sentidos, ou conhecidas por descrições definidas. Estas maneiras de
conhecer os objetos do mundo, estão inseridas no “conhecimento de coisas”.

Além disso, podemos ampliar nosso conhecimento, a partir das lagartas e borboletas já
conhecidas. Quando observamos uma crisálida, estamos seguros em afirmar, que esse
conjunto de dados dos sentidos, fora uma lagarta no passado, e que será uma borboleta no
futuro. Ao fazer tais afirmações, estamos inferindo informações que não foram
experimentadas por nós. As crenças nestas regularidades nos levam a inferir que a existência
de uma coisa é sinal da existência de outra; uma relação de causa e efeito. Esta maneira de
inferir fenômenos do mundo, no passado ou futuro, está contida no “conhecimento de
verdades” (obtido por princípios gerais). Assim, as inferências ampliam nosso conhecimento
para além de nossa experiência do presente, e de nossa memória individual.

Contudo, se estendermos essa linha temporal, longinquamente, para o passado ou


futuro, a existência de uma crisálida, ainda indicaria o sinal da existência de lagartas e
borboletas? Para Russell, a convicção que temos sobre as borboletas sinalizarem a
preexistência de lagartas é uma crença baseada em eventos do passado. Não podemos provar
se este tipo de crença é razoável e que continuará se cumprindo futuramente, mas podemos
classificar crenças gerais para justificar, suficientemente, nossos juízos do mundo. Então, o
único motivo que temos para crer, que tais eventos ocorram da maneira esperada, é a
constante repetição de experiências do passado.

1
Lagartas referem-se ao estágio larval, não só de borboletas, mas de outros insetos, como mariposas. Para fins
explicativos, neste ensaio, o termo fará menção somente às lagartas que se tornam borboletas.

1
Se transferíssemos nossa dúvida para algo mais geral, como a teoria da evolução,
recorreríamos ao mesmo tipo de crença para verificar se ela ocorria no passado, ou se ocorrerá
no futuro. O único motivo para acreditarmos que a teoria será bem sucedida no futuro, é
porque, até hoje a crença na sua ocorrência contínua, desde a origem da vida, deu boas
explicações para os biólogos, sobre a aparição de novas espécies. Entretanto, a aparente
constância da evolução biológica nos dá apenas expectativas prováveis da teoria e nunca uma
certeza. Desta maneira, Russell não visa encontrar provas que expliquem os fenômenos, mas
busca razões para demonstrar que essas crenças são confiáveis.

Temos assim, que as frequentes repetições de eventos (espécies evoluindo) e


coexistência de coisas (lagartas tornando-se borboletas) são as causas de nossas expectativas.
No entanto, sabemos que estas expectativas estão sujeitas ao erro, umas mais e outras menos,
visto que certos fenômenos estão inseridos em leis mais gerais, assim como a vida está
submetida as leis da evolução. As lagartas podem sofrer alterações genéticas e perderem o
processo de metamorfose, deixando de transacionarem para borboletas. A teoria da evolução,
está menos sujeita ao erro (por exemplo, todas as espécies estagnam, deixando de ganhar e
perder características hereditárias). Mesmo com a extinção de borboletas por seleção natural,
a evolução continuaria ocorrendo em outras espécies. Por isso, devemos distinguir, a
expectativa causada por regularidades, da confiança atribuída nessas expectativas, mais ou
menos, prováveis.

Este é o objetivo dos cientistas, isto é, descobrir leis cada vez mais gerais que não
possuam exceções, pois quanto maior o número de coexistência e repetições invariáveis,
menos sujeita estarão ao erro, e a partir disso, melhores resultados práticos podem alcançar.
Os cientistas reforçam a confiança de que a evolução já operava no passado, não observado, e
que continuará atuando no futuro, conforme acumulam dados experimentais que favoreçam a
crença na teoria. Por exemplo, associando características de fósseis com espécies atuais e
analisando microevoluções em gerações de bactérias, com ciclos de vida curtos.

No entanto, seguindo o pensamento de Russell, inúmeros casos de associações,


observadas e analisadas, não são suficientes para provar, racionalmente, a ocorrência da
evolução no passado ou futuro. Ainda assim, quanto mais frequentes forem estas associações,
maiores serão as probabilidades de que processos evolutivos continuem acontecendo em
ocasiões futuras, ou que ocorriam em tempos remotos. Ou seja, quanto maior for a quantidade

2
destas conexões, mais próximos da certeza estaremos em relação à veracidade da teoria. Esta
aproximação da certeza, é um processo indefinido e ocorre enquanto os casos investigados
continuarem se repetindo. Ao tratarmos nossas crenças sobre os fenômenos do mundo desta
maneira, na verdade estamos utilizando o “princípio da indução”.

O princípio indutivo é um mecanismo cognitivo usado para projetar regularidades, não


observadas, baseando-se na coleção de casos experimentados. Se lagartas foram sempre vistas
transformando-se em borboletas, e nunca em outro inseto, então quanto maior for o número
de casos dessa associação, maior será a probabilidade de que na próxima crisálida observada,
eclodirá uma borboleta. O mesmo vale para teoria da evolução: quanto maior for o número de
espécies examinadas, que apresentam características vinculadas a um ancestral comum, como
moléculas de DNA constituindo suas estruturas biológicas mais básicas, mais aceitável torna-
se a teoria. O princípio indutivo nos aproxima de uma quase certeza e nos possibilita fazer
associações regulares, mas não nos garante que os fenômenos continuarão ocorrendo para
sempre e em todos os casos.

Apesar disso, o fato de que eventos possam contrariar expectativas, não impossibilita
que o princípio seja bem sucedido em casos particulares. Por exemplo: um filósofo natural,
que estudou lagartas antes do surgimento da teoria da evolução, poderia afirmar, conforme
sua amostra de dados, que todas elas se tornavam borboletas. Se no futuro, um biólogo, por
causa duma série de mutações genéticas, observar algum inseto diferente saindo de uma
crisálida, estes dados não mostrariam que a indução usada pelo cientista do passado estivesse
errada, muito pelo contrário, seria mais um dado que fortificaria a teoria da evolução (uma
teoria indutiva mais ampla). A vida está sujeita ao processo de evolução e variações ocorrem;
por isso, a coleta de dados de uma amostra particular, estará sujeita às alterações, e a mudança
no genoma das lagartas, não prova que a probabilidade dos dados do passado, foi estipulada
erroneamente. Prova apenas que indução está correta se ela for restrita aos fatos observados
até o momento. Logo, o princípio indutivo não é passível de ser refutado experimentalmente.

O princípio também não pode ser provado pela experiência, pois todas as explicações
atribuídas aos eventos e fenômenos, do futuro e do passado não experienciado, estão baseadas
nele. É por meio dele, que inferimos o passado, ou futuro, de uma crisálida, e que as espécies
continuarão evoluindo ao longo dos anos. O problema que surge disso, é que ao tentarmos
provar o princípio indutivo por meio da experiência, cairíamos em uma petição de princípio.

3
Quer dizer, ao tentar explicar um fato usando o próprio fato, criamos um argumento circular
vicioso. Por exemplo: o a evolução continuará ocorrendo porque vem ocorrendo
invariavelmente no passado; isso não é uma justificativa, lembrando que as regularidades
causam as expectativas, mas não justificam a repetição dos fenômenos.

David Hume que tratou do problema anteriormente, afirmou que ele não tem solução,
pois não há justificativa racional para o princípio. Segundo o autor, existem apenas dois tipos
de raciocínios: dedutivos e indutivos; ambos não são capazes de justificar o princípio. Ao
tentarmos justificar o princípio como uma dedução, encontraríamos um problema de
contradição, pois um argumento dedutivo, por definição, implica necessariamente, que a
conclusão se siga logicamente das premissas (e isso contradiz a indução). Se buscarmos uma
justificativa indutiva - dizer que o princípio é verdadeiro, porque raciocínios indutivos foram
bem sucedidos no passado -, então esbarraríamos em um argumento circular vicioso. Assim, a
indução não seria um mecanismo racional, mas sim intuitivo, derivado de nossa natureza
animal.

A forma que Russell encontra para lidar com o problema, apresenta uma dupla via
para seguirmos. A primeira, é aceitar a evidência intrínseca do princípio indutivo, isto é, por
ser um princípio geral, ele é fundamental para explicação de outras coisas e não há algo mais
básico que o explique. Este tipo de argumento, é conhecido na filosofia como argumento
transcendental. O outro caminho, é abdicar do princípio, e consequentemente, renunciar todas
as nossas expectativas em relação ao futuro ou passado. Se não admitirmos o princípio,
perdemos a razão não somente em acreditar, que todas as borboletas, preexistiram como
lagartas, e na teoria da evolução, mas também em todos os princípios gerais das ciências
empíricas (física, química, etc.), e suas explicações baseadas na noção de causa e efeito.
Portanto, toda ciência baseada na experiência, que nos possibilita inferir novos
conhecimentos, daquilo que não foi observado, é fundamentada numa crença (princípio
indutivo) que não pode ser provada, nem refutada, pela própria experiência.

Referência Bibliográfica

RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. Tradução: Jaimir Conte. Home


University Library, 1912. Oxford University Press paperback, 1959.

4
5

Você também pode gostar