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Instituto Tecnológico de Aeronáutica

Prova 1 de HUM01

Prof. Dr. Cassiano Terra Rodrigues


1º Semestre de 2021

Aluna
Maria Beatriz Fiorin Sousa Barros
Turma 3

4 de maio de 2021
Bertrand Russel era um influente filósofo e matemático que buscava compreender o
mundo a partir da ciência. Nesse sentido, redigiu o ilustre livro “Os problemas da filosofia”[1],
cujo um dos objetivos é argumentar qual seria a melhor forma de produzir conhecimento, tendo
o indutivismo como um dos aspectos a serem abordados. Desse modo, a ciência utiliza esse
método de pesquisa a fim de promover estudos em relação ao futuro e prever a melhor forma
de reagir a um determinado acontecimento, o que introduz o ideal de uniformidade da natureza
que é duramente criticado por Russel em sua obra.

O ser humano é naturalmente revestido de expectativas indutivas que foram


consolidadas com o passar dos anos devido à tendência de repetição de fenômenos da natureza,
o que gera um hábito em relação ao que se desencadeará no futuro após a ocorrência de algum
episódio. Um exemplo seria a atuação da gravidade na queda de corpos. Esse evento acontece
desde que a humanidade existe e por isso todos pensam que, quando um objeto é largado a
partir de determinada altura, este cairá até alcançar um plano de apoio. Por mais que os aviões
e foguetes não sigam essa ação, não corrompem as leis da gravitação de Newton. Contudo, não
é possível garantir que essas leis ainda continuarão operando no futuro, o que produz uma
expectativa no homem que um dia poderá não ser mais satisfeita. A única razão existente para
crer em tal teoria é o simples fato de que resistiram a testes refutadores no passado, mas não há
como assegurar que continuarão resistindo no futuro. Assim, todas as conclusões baseadas na
indução são constituídas por probabilidades, visto que, para um número finito de casos, não é
possível construir uma tese que tenha validade para um número infinito, dando origem a uma
regra geral. Essa regra é o que Russel chama de uniformidade da natureza.

A uniformidade da natureza é a crença de que tudo o que ocorre no universo é uma


instância de alguma norma geral que não possui nenhuma exceção. De acordo com Russel, o
objetivo da ciência é descobrir uniformidades, sendo as teorias variáveis de acordo com o
aparecimento de exceções de forma a englobá-las. A ciência conseguiu êxito em criar diversas
teorias em conforme com tais uniformidades que perduram até a atualidade e por isso são
imersas em credibilidade. Entretanto, não há motivo suficiente que comprove que estas
continuarão se manifestando no futuro. Russel argumenta que a justificação para a crença de o
futuro se assemelhar ao passado é de que o futuro tem se convertido constantemente em passado
e estes sempre foram análogos, o que configura um evidente emprego da indução. Todavia, a
humanidade possui experiência sobre os futuros do passado e não dos futuros do futuro. Então,
a uniformidade da natureza não pode ser garantida por um argumento que se baseia nos futuros
do passado como segurança acerca dos futuros do futuro. Dessa maneira, Russel critica a
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indução pela sua inexatidão, sendo baseada em probabilidades, já que quanto mais casos forem
verificados, maior a chance de determinado evento ser verídico.

Apesar das fragilidades do emprego do indutivismo na uniformidade da natureza, Russel


ainda defende a sua aplicação como uma forma de evidência intrínseca, pois a sua recusa
indicaria uma renúncia à tentativa de justificar as expectativas do homem em relação ao futuro,
visto que todos os argumentos que tem a experiência como base para se referir ao futuro ou à
algo que não foi experimentado no passado pressupõem o princípio indutivo. Assim, é
necessária que seja estabelecida uma petição de princípio para provar o indutivismo por meio
da experiência. Com isso, percebe-se que os princípios gerais da ciência dependem inteiramente
do princípio indutivo, baseando sua confiabilidade no fato de os homens terem encontrado
inúmeros exemplos de sua verdade e nenhum de sua falsidade ao longo dos tempos.

Portanto, a uniformidade da natureza é consolidada pelo indutivismo a partir da


experiência dos seres humanos em fenômenos cujos resultados se apresentam constantes e
demonstram uma grande probabilidade de veracidade, o que fomenta a construção de teorias
que descrevam e justifiquem o evento. Dessa forma, vê-se a estreita relação entre a observação
e a teoria na construção da ciência. Contudo, ainda há grandes divergências acerca de como
depende cada um dos aspectos na produção do conhecimento que será analisado a seguir.

Segundo a uniformidade da natureza, os fenômenos seriam os responsáveis por criar


evidências que fomentam a formulação das teorias. Entretanto, o ato de observar um
experimento diverge muito de acordo com cada indivíduo, o que pode gerar um certo grau de
incerteza na definição dos resultados. A imagem formada na retina é a mesma, porém não há a
mesma experiência perceptiva, visto que existe distinção no estado interior das mentes que
depende da formação cultural de cada pessoa que contemple o experimento. Nesse contexto, o
filósofo David Hume, em “Uma investigação sobre o entendimento humano”[2], acusa a
afirmação de que o pensamento humano seria ilimitado como uma falácia uma vez que todo o
poder criativo da mente se reduz a nada mais do que a faculdade de compor, transpor, aumentar
ou diminuir os materiais que fornecem os sentidos e a experiência. Desse modo, sendo as
capacidades criativas dependentes da vivência de cada homem, a formulação das teses também
seria distinta para diversas pessoas que tiveram diferentes percepções durante sua vida, já que
o discernimento do ocorrido muda conforme a cultura. Isso demonstra a fragilidade da
observação sem o apoio de uma hipótese previamente construída pois o entendimento de cada

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fenômeno não será o mesmo para diferentes seres, o que pode gerar discordâncias e
inconclusões em sua explicação.

Um exemplo de tal discordância acerca da observação é a discussão que mobilizou o


mundo em relação a uma foto. A pergunta que perdurou durante o início de 2015 foi “Qual a
cor deste vestido? Azul e preto ou branco e dourado?”. Esse debate passou pelas redes sociais
de muitas pessoas influentes como Kim Kardashian, Julianne Moore e Justin Bieber. Cada um
observava o vestido com uma cor diferente, mas a dúvida era como uma mesma peça pode ser vista
de duas formas tão distintas. Para se chegar a uma conclusão em relação a verdadeira cor do vestido
foi necessário recorrer a teoria utilizando a ferramenta de conta-gotas de um software de edição de
fotos que identificou a cor do vestido como azul. A explicação para as diferentes observações é a
forma como os olhos e o cérebro evoluíram para ver as cores na luz solar. Branco e dourado é visto
como um modo do cérebro descontar o efeito da luz do sol para se chegar a uma cor “verdadeira” já
que a cor azulada é atribuída à fonte de luz. Preto e azul é vista pelas pessoas que observam o próprio
vestido. Assim, o uso da observação como maneira exclusiva de construção de conhecimento pode
chegar a diferentes conclusões de acordo com a evolução de cada ser humano com a
possibilidade de cometer erros na elaboração das teses.

Em uma observação duvidosa, é empregada a teoria como um meio de se chegar à


verdade, assim como foi utilizada para determinar a cor do vestido. Muitos objetos que
aparentam ser uma coisa, podem ser falsificados ou enganosos, como uma arma de brinquedo
que parece ser um instrumento letal, mas que não causaria nenhum dano. Para atestar a
veracidade de tais proposições de observação, são verificadas suas funções na teoria. Então, a
arma exemplificada anteriormente poderia ser definida a partir do que se sabe na teoria sobre
as características intrínsecas a ela. Esse mecanismo expõe a necessidade da teoria para a
elaboração de teses corretas acerca das observações.

Além disso, percebe-se que diferentes níveis de conhecimento também impactam nas
percepções dos fenômenos. A especialização de quem analisa o episódio é fundamental para
que haja atenção focada às proposições de observação, visto que a verificação de um exame por
um médico possui conclusões diferentes de um leigo, por exemplo. Nesse sentido, o
experimento de Newton descrito em “A "Nova Teoria sobre Luz e Cores" de Isaac Newton”[3]
apenas conseguiu chegar ao entendimento referente a dispersão da luz devido à experiência do
cientista na física, que possibilitou uma percepção distinta da usual, uma vez que o fenômeno
do prisma já era largamente conhecido. Dessa maneira, vê-se um caso em que a explicação

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sobre o evento observado depende da base teórica intrínseca a um especialista, o que indica a
estreita relação de dependência e submissão da observação frente à teoria.

A partir das possíveis falhas provenientes da observação, percebe-se a necessidade de


algum tipo de teoria que preceda todas as proposições de observação, que estão sujeitas a
imperfeições tanto quanto as teorias que o pressupõem. Esse sistema é um mecanismo de
impedimento do desenvolvimento de diferentes teorias em relação a um fenômeno, visto que
este servirá como prova da veracidade da hipótese previamente estabelecida em vez da busca
pela explicação do evento analisado, a qual possibilita diferentes interpretações. Isso se
encontra como uma oposição à ideia de uniformidade da natureza que busca apenas a
experiência e os fenômenos para a criação da teoria (lei geral) por meio do indutivismo. Dessa
forma, teorias precisas e claramente formuladas são um pré-requisito para proposições de
observação exatas. Nesse contexto, Huygens, no livro “Tratado sobre a luz”[4], afirma: “quando
são imaginados e previstos fenômenos novos, que devem seguir-se das hipóteses empregadas,
e quando se descobre que nisso o efeito corresponde à nossa expectativa”. Seguindo esse
raciocínio, temos que as hipóteses devem preceder a observação.

Em um experimento em que não há hipóteses, ocorre apenas medições e tabelamento de


resultados, o que não indica nenhuma utilidade para a ciência teórica. Assim, o experimento
deve ter o objetivo de testar alguma teoria para que se configure a sua relevância. Segundo o
cientista Galileo Galilei[5], muitas propriedades dignas de serem conhecidas não foram até o
momento observadas e demonstradas. Isso é originado pela necessidade de uma teoria que
impulsione a realização de experimentos que levarão ao conhecimento de tais propriedades. Por
fim, a elaboração de uma teoria prévia ao experimento se torna imprescindível para o sucesso
e o desenvolvimento da ciência.

Apesar de a teoria precedente à observação ser bastante eficaz para a ciência, ainda há
questionamentos acerca da sua exatidão. As teorias falíveis e incompletas que constituem o
conhecimento científico podem dar orientações falsas a um observador, o que estabelece o
problema da dependência da observação relativamente à teoria. Assim como a anterior
observação origina problemas na formulação da teoria, também há a possibilidade da anterior
teoria ser embasada em fundamentos errôneos que se alastram no experimento e proporcionam
conclusões falaciosas. Contudo, Alan Chalmers, no livro “O que é ciência afinal?”[6], propõe
uma solução para tal adversidade. Segundo ele, o problema deve ser enfrentado pelo
aperfeiçoamento e maior alcance das teorias e não pelo registro interminável de uma lista de

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observações sem objetivo. Portanto, a precedência da tese em relação à observação pode ser
defendida como um método de adquirir conhecimento científico em oposição ao indutivismo
empregado na uniformidade da natureza.

Referências

[1] RUSSEL, Bertrand. Os problemas da filosofia. Tradução de Jaimir Conte. Florianópolis,


setembro de 2005.

[2] HUME, David. Uma investigação sobre o entendimento humano. In: MARCONDES,
Danilo. Textos básicos de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 106

[3] Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 18, nº 4, dezembro, 1996

[4] MARTINS, Roberto de Andrade (trad.) Tratado sobre a luz, de Christiaan Huygens [A
commented translation of Huygens “Traité de la lumière”]. Publicado em: Cadernos de História
e Filosofia da Ciência (suplemento 4): 1-99, 1986.

[5] GALILEI, Galileo. Discursos e Demonstrações Matemáticas acerca de Duas Novas


Ciências com respeito à Mecânica e aos Movimentos Locais, 1638.

[6] Alan F. Chalmers. O que é Ciência Afinal? Brasiliense; 1ª Edição, 1993.

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