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Bernard d’Espagnat
Scientific American – Janeiro de 1980 – pp. 80 a 95
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Ocorre, porém que tampouco uma tal renúncia é inteiramente
satisfatória. Mesmo aceitando que a Mecânica Quântica não seja mais
que um conjunto de regras ainda assim ela permanece em conflito com
uma imagem do mundo que muitas pessoas achariam óbvia e natural.
Esta imagem do mundo baseia-se em três hipóteses ou premissas que
devem ser aceitas sem demonstração.A primeira é o realismo, a
doutrina que estabelece que as ocorrências apreciadas nos fenômenos
observados devem ser causadas por alguma realidade física cuja
existência é independente do observador. A segunda premissa
estabelece que a inferência indutiva é uma forma válida de raciocínio
que se pode usar livremente; podemos pois deduzir conclusões legítimas
a partir de observações coerentes. A terceira premissa é a chamada
separabilidade de Einstein; aqui, estabelece-se que nenhum tipo de
influência pode se propagar com velocidade superior à da luz. As três
premissas de onde freqüentemente se supõe que decorrem verdades
bem estabelecidas, inclusive mesmo as verdades totalmente evidentes,
formam a base do que chamaremos Teorias Realistas Locais da
Natureza – TRL. A argumentação a partir de tais premisssas conduz a
uma predição explícita dos resultados de uma determinada categoria de
experimentos, na Física das Partículas Elementares. Mas podemos
recorrer também à Mecânica Quântica – MQ - para calcular os
resultados desses experimentos. As previsões, entretanto, são
diferentes. Portanto, ou as TRLs são falsas, ou a MQ é falsa.
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trata de uma casualidade, mas se a correlação é detectada de uma
forma coerente em muitas medições, necessário se faz uma explicação
mais sistemática. Se os valores forem opostos e não iguais, isso em
nada muda a situação; apenas a correlação seria então negativa mas
sua ocorrência seria de igual tamanho, resultando igualmente
improvável que se devesse meramente ao acaso.
Ainda que pareça não haver uma solução geral para esse
problema, em um caso particular, talvez possa ser resolvido.
Suponhamos que a prova seja apresentada não a um grupo de
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indivíduos, senão a um conjunto de maridos com suas respectivas e
únicas esposas. Seja admitida forte correlação verificada nas respostas.
O procedimento pode consistir em separar, antes do teste, os maridos
de suas mulheres, submetendo-os, em seguida, à prova em separado.
Ao analisar os resultados voltamos a verificar que uma parte da amostra
respondeu corretamente e que a outra falhou, com a peculiaridade de
que, nos casos em que o marido passou no teste também o fez a sua
esposa, e que quando fracassou o homem tampouco teve êxito a
mulher.
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propriedade aferida, ou não possuem. Pelo mesmo princípio, pode
concluir que em qualquer amostra grande e aleatória de casais, mesmo
aqueles que nunca foram submetidos à prova, deve exisitir casais que
apresentam a propriedade e outros tantos que dela carecem. A
confiabilidade dessas conclusões irá se aproximando do estado de
certeza à medida que cresce o tamanho da amostra. Por conseguinte,
infere-se que tanto a correlação dentro dos pares marido-esposa como
também a existência de diferenças entre os casais, persistem inclusive
naquela fração da população que não tenha sido submetida ao teste.
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elementar é frequentemente interpretada em termos de probabilidade:
a probabilidade de uma partícula achar-se em determinado ponto é
proporcional ao quadrado da função de onda, no ponto. Como foi dito, a
função de ondas pode às vezes estar espalhada sobre grande região:
isto implica que a probabilidade pode estar amplamente distribuída. Daí,
quando se realiza uma medição em determinado ponto, a partícula é, ou
não, detectada; diz-se tratar-se de um colapso da função de ondas.
Suponhamos que se detecta a partícula. Do ponto de vista
epistemológico a questão que nos interessa seja elucidada será:
ocupava a partícula esta posição, inclusive antes de haver-se realizado a
medição?
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que carecem de existência científica. A exclusão das variáveis ocultas
fica justificada pela conjunção de três fatos: primeiro, o formalismo
matemático da teoria se simplifica quando prescindimos das varáveis
ocultas; segundo, este formalismo simplificado prediz resultados que
confirmam a experimentação; terceiro, a adição de variáveis ocultas à
teoria não daria lugar a novas previsões passíveis de serem verificadas.
Portanto, a afirmação de que existem variáveis ocultas transcende o
alcance dos experimentos e não é uma proposição da Física, mas sim da
metafísica.
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à separação de prótons dentro de cada par, devendo ter um valor
definido para os mesmos, desde o momento em que existam até o
momento em que foram submetidos ao teste. E, mais ainda: ao separar
novos pares de prótons, pelo mesmo procedimento, o físico saberá que,
em cada caso, um próton apresentará a propriedade, o outro, não,
mesmo que nenhuma das duas partículas venha a ser submetida ao
teste.
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No que concerne a esta simples medição não há razão de conflito
entre as previsões da MQ e as das TRLs. Mas, podem acontecer
discrepâncias caso o experimento se complique um pouco.
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um raciocínio muito parecido ao do psicólogo da aborgabem inicial.
Considerando um novo grupo de pares de prótons na configuração
singleto no qual não se tenha todavia realizado medições de spin (e
onde, talvez, jamais se fará medições), pode inferir que, em cada par,
um próton tem a propriedade A+ e o outro a propriedade A- .
Analogamente, pode concluir que em cada par um próton goza da
propriedade B+ e ou outro de B-; e que quando um acusa C+ o outro
será C-.
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par for medido e der o resultado A+ para um próton e B+ para o outro
poderemos representá-lo por A+B+ . O número de tais indivíduos será
então: n[A+B+]. Cabe esperar uma relação entre estas quantidades?
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representa o número de pares de prótons tais que uma partícula tem
componente A+ e a outra do par tem componente B- . A equação acima
estabelece um fato evidente: quando um conjunto de partículas é
separado em dois subconjuntos, o número total de partículas do
conjunto original deve ser igual à soma dos números de partículas dos
subconjuntos.
O resultado dá a desigualdade:
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Embora esta desigualdade tenha sido demonstrada formalmente
não pode ser verificada na prática de maneira direta, pela via
experimental, porque não existe aparato algum capaz de medir
independentemente as duas componentes do spin de um mesmo
próton. Mas os experimentos a que estamos nos referindo não
acontecem com prótons separados, e sim com pares de prótons
correlacionados. Portanto, se por um lado tais medições são
impossíveis, também são desnecessárias. Admitamos que seja feita a
detecção da componente do spin de um próton ao longo do eixo A, e
que seu valor obtido é A+. Desde que nenhuma outra característica da
partícula fosse levantada, o que poderíamos concluir? Nada. Porém, se
medirmos a componente de spin de seu companheiro de estado singleto
poderemos por exemplo obter B+, em outro eixo. Essa segunda medição
é uma informação adicional ainda que ambas as partículas hajam se
separado de uma distância significativa, ou que tal ensaio ocorra num
instante posterior ao ensaio anterior. Entretanto, com essa informção
adicional acerca da outra partícula, podemos determinar
inequivocamente na primeira partícula, um valor desconhecido e não
ensaiado, por meio de uma medida indireta. Quer dizer, medimos a
componente A+ no primeiro próton, por via direta, e afirmamos que ele
possui também a componente de spin B-.
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dessa desigualdade através deste raciocínio implica que as três
premissas das TRLs sejam válidas. Com efeito, é aqui que essas três
premissas têm sua aplicação mais importante, que é, em última
instância, a mais duvidosa. Ao aceitar as premissas, pela própria força
do raciocínio, segue-se que se deve aceitar também ser satisfeita a
Desigualdade de Bell. Mais ainda: nunca se especificou a orientação dos
três eixos A, B e C; logo, a desigualdade deverá ser válida
independentemente dos eixos escolhidos. A única possível violação da
desigualdade poderia ser o resultado de uma oscilação estatística donde
muitas partículas com spin A+ e B+ apareçam com coincidência fortuita.
Neste caso, a probabilidade desta ocorrência tende a zero quando
cresce o número de partículas medidas.
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experiências foi discutida por John Clauser, da Universidade da
Califórnia, em Berkeley, R. A. Holt, da Universidade de Western Ontario
e Michael A. Horne e Abner Shimony, da Universidade de Boston. Eles
verificaram que para um experimento prático seria necessário
generalizar de algum modo a Desigualdade de Bell e que no entanto
continuaria sendo possível um prova significativa para as teorias em
conflito.
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Realizaram-se também experimentos com raios γ, que são fótons
de alta energia. Os raios γ haviam sido criados no processo de
aniquilamento mútuo de elétrons e de suas antipartículas, os pósitrons.
Esse aniquilamento dá origem a raios γ, que são emitidos em direções
opostas e dotados de polarizações também opostas. Os experimentos
são, portanto, formalmente equivalentes aos da física atômica, mas os
aparatos exigidos são bastante distintos. Em geral os detectores se
mostram eficientes para fótons de alta energia, enquanto que o melhor
rendimento dos filtros polarizadores é alcançado para fótons de baixa
energia.
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capazes de corrigir as limitações dos aparatos. Comparar, por fim, os
resultados com a Desigualdade de Bell reduz-se a uma simples soma.
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Ora, ao admitirmos demonstrada a falsidade das TRLs qual de
suas três premissas seria falsa? Para tentar responder a essa pergunta
seria bom nos assegurarmos de que não se adicionou hipóteses
adicionais ao formular a prova experimental.
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Talves não seja possível provar-se com rigor que na
argumentação em prol das TRLs não intervenha nenhuma outra
hipótese suplementar. De todo modo, a cadeia de raciocínios é
suficientemente simples o bastante para supor que se houvessem
outras hipótese implícitas, elas seriam facilmente reconhecíveis.
Todavia, não se encontrou nenhuma. Centraremos, pois, nossa atenção
nas três premissas: realismo, livre uso da indução e separabilidade de
Einstein.
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futuras a partir das realizadas. Qualquer noção de ciência como “o
estudo da natureza” seria impossível. A natureza passaria a ser pura
ilusão. Podemos imaginar uma física baseada em princípios positivistas,
capaz de predizer todas as correlações dos eventos, deixando o mundo,
no entanto, totalmente incompreensível. Dadas às conseqüências
extremas a que nos levaria a abolição do realismo, inclinamo-nos por
admitir e sustentar a primeira premissa.
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explicação dos experimentos de correlação à distância que se baseie na
réplica de Bohr a Einstein, Podolsky e Rosen pode resultar inconsistente
inclusive com uma versão moderada do realismo.
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Vimos considerando, ao largo do artigo, o par de prótons como se
se tratasse de entidades independentes que se reuniram no alvo e logo
voltaram a se separar. Mas também é possível entendê-los como
elementos de um sistema físico único que se cria durante a primeira
interação e vai se estendendo mais e mais no espaço, até que a
primeira medição o destrói. No que respeita à separabilidade, ambas as
explicações são equivalentes. Em cada caso uma violação da
separabilidade de Einstein requer ação à distância instantânea, quer
seja entre sistemas independentes, quer dentro de um único sistema
esticado.
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ocultas, introduz uma violação implícita da separabilidade. Pois
fundamenta-se em uma estranha indivisibilidade do sistema de
partículas com os instrumentos de observação.
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Muitas partículas ou agregdos de partículas que vêm sendo
considerados como objetos separados estiveram interacionados com
outros objetos, em algum momento do passado. A violação da
separabiliade implica que, em algum sentido, todos esses objetos
constituem um todo indivisível. Talvez em um mundo assim, a idéia de
uma realidade com existência independente possa manter parte de seu
significado, mas será um significado alterado e afastado da experiência
ordinária.
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