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Ciência e construção – validade e verificabilidade das

hipóteses
O problema da demarcação
A ciência permitiu ao ser humano chegar a lugares nunca antes pensados, constituindo um
grande avanço em relação a formas anteriores de adquirir conhecimento.
É através dela que conseguimos, prever e controlar de forma eficaz o comportamento da
natureza. Como exemplo temos a medicina com os seus avanços, em que antigamente a
tuberculose era a principal causa de morte, e atualmente tem cura.
Existe muitos exemplos que sustentam a confiança no poder da ciência e nos seus recursos.
O caracter metódico e rigoroso do conhecimento científico não é suficiente para fornecer um
critério geral e seguro que nos permita distinguir o que é científico daquilo que não é científico.
Assim surgiu o seguinte problema – qual o critério que nos permite distinguir uma teoria
científica de uma não científica? – que ficou conhecido como o problema da demarcação.
A relevância deste problema reside no facto de haver na sociedade atividades que sabemos
serem fraudulentas e que se pretendem fazer passar por científicas quando na realidade não o
são, o que é chamado de pseudociência.
É com o objetivo de não sermos levados por tal que existe a necessidade de um critério de
demarcação que nos permita distinguir, de forma segura, a ciência da não ciência.

A perspetiva indutivista da ciência: o papel da observação, da indução


e da experimentação no método científico.
Uma perspetiva muito comum e popular que existe sobre o conhecimento científico e o seu
método é a perspetiva indutivista, esta diz que o cientista começa por um amplo número de
observações do mundo, de forma imparcial, rigorosa e isenta de pressupostos teóricos, como
por exemplo, observando que as barras de cobre dilatam sempre que as aquecemos.
Deste modo, recolhe um grande número de dados baseados na observação, e cria uma teoria
que explica que esse padrão de dados observados – “todo o metal dilata quando é aquecido “.
Esta teoria explica, o que está a acontecer no presente e também nos fornece uma previsão do
que é provável que aconteça no futuro.
Assim, de acordo com a perspetiva indutivista do método científico, a ciência começa com a
observação.
Como podemos a partir de enunciados singulares, resultantes da observação, e inferir
enunciados gerais, que são característicos do conhecimento cientifico?
A conceção indutivista da ciência responde a questão, alegando que é legitimo generalizar
enunciados gerais ou leis universais a partir de casos singulares ou particulares.
À medida que as observações se vão tornando cada vez mais abrangentes, vamos alcançando
um conhecimento mais geral que corresponde às leis científicas.
Desta forma, as sucessivas inferências indutivista permite-nos avançar das leis menos gerais ate
à s mais gerais, assim, as sucessivas observações de metais que dilatam quando aquecidos
permite-nos chegar ao conhecimento da lei geral de que todo o metal dilata quando aquecido.
Porem para que este raciocínio indutivo funcione sem contradições, é necessário que se
respeitem algumas condições necessárias.
1º - o número de enunciados singulares observados, e que constituem a base de uma
generalização, deve corresponder a uma amostra ampla, pois não seria legitimo concluir
enunciados gerais tendo por base apenas um enunciado singular. Caso contrário há risco de
cometer falácia da generalização precipitada.
2º - as observações deem repetir-se numa ampla variedade de circunstâncias, não basta
observamos uma grande amostra de barras de cobre que dilatam quando aquecidos, é preciso
observar se o mesmo sucede com outros tipos de metais de diferentes tipos de tamanho,
pressão, entre outros.
3º - nenhum enunciado singular deve entrar em contradição com uma lei universal derivada, ou
seja, se os vários tipos de metal dilatam e não existirem contradições nessas observações, pode-
se concluir legitimamente a lei geral de que “todo o metal dilata ao ser aquecido”.
Deste modo, é através do raciocínio indutivo que podemos concluir enunciados gerais, como
leis e teorias científicas. Por isso, o método indutivo como o método científico baseia-se no
princípio da indução.
Segundo esta perspetiva, o conhecimento científico estrutura-se por meio da indução, a partir
de observações. A ciência tem como objetivo explicar e prever fenómenos, encontrando factos
particulares que confirmem a teoria ou a lei universal. Por exemplo, se observamos que os
diferentes tipos de metal dilatam quando aquecidos, então os cientistas têm a teoria
confirmada num grau elevado.
Assim, para os defensores da perspetiva indutivista, a ciência evolui de modo linear, por uma
aproximação progressiva e cumulativa à verdade.
3 etapas:

 A observação;
 Formulação de teorias científicas (leis gerais);
 Previsão, explicação e confirmação.

Distinção entre teorias científicas e não científicas: verificação e


verificabilidade – a confirmação de teorias
De acordo com a conceção indutivista da ciência, o melhor critério para distinguir teorias
científicas das não científicas é o critério da verificabilidade.
Critério de verificabilidade – uma teoria é científica só se for constituída por proposições
empiricamente verificáveis, ou seja, se o seu valor de verdade puder, à partida ser
determinado a partir de observações.
Este critério foi proposto e defendido pelos filósofos do positivismo logico, como Alfred Jules
Ayer.
Segundo Ayer, aquilo que permite distinguir uma teoria científica de uma não científica é o
facto de ser constituída apenas por proposições empiricamente verificáveis.
1º - esta barra de ferro dilatou quando a aquecemos;
2º - existe vida em marte;
3º - o conhecimento é imaterial.
Em 1 temos uma proposição que pode ser verificada através da observação prática do dia a
dia, já que dispomos de tecnologia que nos permite verificar a veracidade da afirmação.
A proposição 2, não a podemos verificar na prática, uma vez que não dispomos de
tecnologia suficiente para tal, não deixa de ser uma proposição genuína, empiricamente
verificável, na medida em que podemos indicar as condições empíricas para determinar o
seu valor de verdade. Logo a afirmação 2 é verificável em princípio e é significativa, podendo
pertencer ao domínio científico.
A proposição 3 não é empiricamente verificável, nem na prática nem em princípio, assim
não pode fazer parte do conhecimento científico. De acordo com Ayer, uma
pseudoproposição pertence ao domínio da metafísica e não ao domínio da ciência.

Objeções à conceção indutivista da ciência


Objeções à 1ª etapa – o papel da observação
A observação não é um ponto de partida para a ciência – a ciência não é imparcial
A conceção indutivista do método científico pressupõe que se começa por efetuar
observações imparciais, rigorosas e isentas de pressupostos teóricos para depois formular as
suas leis e teorias, que visam explicar essas mesmas observações.
É impossível fazer observações de forma completamente imparcial e isenta de preconceitos
e pressupostos teóricos, pois quando partimos para uma observação, dispomos já de
expectativas prévias que vão condicionar ou influenciar as nossas observações e
interpretação dos factos. Ou seja, não existe uma observação pura e imparcial dos factos.
Algumas teorias científicas referem-se a objetos que não podem ser observados
A ciência, tem como objetivo de descrever, sistematizar e explicar os fenómenos
observáveis. Mas muitas teorias científicas referem-se a entidades ou objetos que não são
observáveis e dos quais nunca tivemos uma observação direta, como eletrões, moléculas de
ADN, genes, entre outros que não podem ser diretamente observados.
O método indutivo parte do prossuposto de que teorias científicas advêm de generalizações
formadas a partir da observação de casos particulares. Mas existem objetos que não são
observáveis, muitas das melhores teorias científicas da atualidade deixaram de ser
consideradas ciência, visto que não têm por base generalizações indutivas a partir da
observação de casos particulares.

Objeção à 2ª etapa – o problema da indução


As inferências indutivas não são racionalmente justificáveis
Outro tipo de objeção à conceção indutivista do método científico pretende-se com o facto
da ideia se apoiar na indução e não na dedução. A conceção indutivista da ciência utiliza o
método indutivo para inferir enunciados gerais a partir de enunciados singulares. Mas,
mesmo considerando um grande número de casos observados, não temos uma justificação
para inferir uma lei geral.
Por exemplo, um tratador de animais, já observou 2 mil cisnes brancos fruto dessa
observação, é levado a inferir que todos os cisnes são brancos. Mas nada lhe garante que
amanha ele não possa ver um cisne de outra cor, assim a lei geral que ele formulou deixa de
fazer sentido com a observação de um cisne que não é branco, ou seja, a veracidade da sua
lei não pode ser devidamente demonstrada.
Deste modo, por maior que seja o número de casos em que observamos certas
regularidades, nunca teremos justificação racional para acreditar que essas regularidades se
irão manter no futuro.

Objeção à 3ª etapa – o problema da verificação das hipóteses


científicas
A logica subjacente à verificação experimental é falaciosa
Tendo em conta que os enunciados gerais que correspondem às teorias cientificas não
podem ser objeto de uma observação direta, uma vez que incluem um numero abrangente
de casos, a única forma de os testar é através de previsões particulares baseadas nesses
enunciados, procurando determinar se a previsão se confirma ou não, para justificar a nossa
aceitação ou rejeição dos mesmos.
Por exemplo: todos os metais dilatam quando aquecidos, ora uma vez que nunca terei a
oportunidade de aquecer todos os metais para verificar se estes dilatam quando são
aquecidos, a única hipótese que tenho de por à prova este enunciado é extrair dele uma
previsão diretamente observável.
Se todos os metais dilatam quando aquecidos, então o próximo pedaço de metal que eu
aquecer também ira dilatar.
Em seguida vou aquecer um pedaço de metal para verificar se a minha previsão é
confirmada ou desmentida. Um indutivista entenderia a observação da minha previsão
como uma prova conclusiva de que o enunciado geral – todos os metais dilatam quando
aquecidos – é verdadeira.
Contudo Karl Popper chamaria a atenção para o carater falacioso da lógica subjacente a este
raciocínio.
No entanto, esta estrutura argumentativa é invalida, correspondendo à falacia da afirmação
do consequente. Isto significa que o próximo pedaço de metal pode dilatar sem que isso
implique que seja verdade que todos os metais dilatam quando aquecidos.

O falsificacionismo de Popper – o método das conjeturas e


refutações
Karl Popper foi um crítico severo da conceção indutivista da ciência e apresentou três
objeções:

 A observação não é um ponto de partida para a ciência – a observação em ciência


não é imparcial.
 As inferências indutivas não são racionalmente justificáveis – problema da indução
 A logica subjacente à verificação experimental é falaciosa.
Popper considera que David Hume estava certo quando afirmou que a indução não podia ser
racionalmente justificada e, por isso, defende que a ciência, se tem pretensão de ser racional e
objetiva, deve abdicar totalmente do recurso à indução.
Popper propõe uma resposta alternativa ao problema da demarcação, propondo uma nova
abordagem ao método científico, que ficou conhecida por método das conjunturas e refutações
e é formulada da seguinte forma:
1 – Problema
2 – Conjetura
3 – Refutação

Problema
Segundo Popper, a observação não serve como ponto de partida para a investigação científica.
Não existe uma observação pura e imparcial dos factos, pois no momento em que o cientista
parte para a observação já dispõe de um conjunto de teorias e expectativas prévias que
orientam o seu trabalho e que necessariamente influenciam a forma como ele interpreta aquilo
que observa.
Para Popper, o verdadeiro ponto de partida para a ciência é o problema, uma inquietação que é
levantada por uma observação que entra em confronto com as nossas teorias, os nossos
interesses e as nossas expectativas.
Assim o problema surge quando uma determinada expectativa ou observação entra em
confronto com as nossas teorias prévias, caso não exista um problema a própria investigação
científica nem chega a ter início.
Assim como Popper, Claude Bernard também faz dos problemas um ponto de partida.
Exemplo: a observação da urina clara e ácida destes coelhos constitui um problema para o
cientista porque entra em choque com os conhecimentos prévios que o investigador possui em
relação ao que é normal, um coelho por ser herbívoro apresentar uma urina turva e alcalina,
este investigador ficaria surpreendido com o facto de se não tivesse qualquer conhecimento
prévio das características da urina destes animais herbívoros.
Deste modo, a alteração agora identificada nas características da urina constitui um problema:
como pode a urina de um herbívoro, como este coelho, ser clara e acida, como é próprio de um
animal carnívoro?
É esta a questão que servira de base e orientação para todo o trabalho que a cientista irá
desenvolver depois. Exemplos como este ilustram como Popper defende o 1º momento do
método científico é o problema.

Conjetura
Para resolver o problema identificado, compete ao cientista propor uma primeira tentativa de
solução e avançar com uma teoria ou hipótese que permita explicar adequadamente os factos
observados.
Essa teoria não é o ressoltado de uma generalização indutiva, mas sim um palpite alicerçado
nos nossos conhecimentos prévios, ou seja, uma suposição arrojada e imaginativa, mas
devidamente fundamentada. Popper usa o termo conjetura para designar este tipo de
hipóteses.
David Deutsch também esclarece este conceito.
Perante as características atípicas da urina dos coelhos, cabe ao cientista conjeturar uma
hipótese ou teoria que permita explicar os factos observados.
O investigador sabendo da abstinência alimentar destes coelhos e da alteração da urina
produzida, surgiu como hipóteses algo como – em jejum, os coelhos são carnívoros.

Refutação
Na 3ª etapa do método científico, resta ao cientista testar a sua hipótese, ou seja, confronta-la
com a experiência. No entanto, Popper não acreditava que a verificação empírica de uma
hipótese geral, fosse possível, alegando que, uma vez que correspondem a enunciados
universais, as hipóteses cientifícas não são suscetíveis de verificação, são apenas suscetíveis de
falsificação. Isto é, por maior número que seja de casos que confirmem uma hipótese, bastara
aparecer um caso que a contrarie para que esta seja completamente posta em causa.
Um coelho, mesmo em jejum, se tivesse as características próprias de um herbívoro seria o
suficiente para provar a falsidade da hipótese geral. Assim podemos concluir que existe uma
discrepância entre as observações que confirmam uma hipótese e as observações que provam a
sua falsidade, um teste que confirma a hipóteses é apenas mais um teste e não permite concluir
de modo definitivo que uma dada hipótese é verdadeira, mas um teste que prove a sua
falsidade, fá-lo de modo conclusivo.
Recorre-se a testes experimentais para provar a sua falsidade, para tentar refutar.
Assim a estrutura logica aos testes experimentais tem por base uma forma de inferência válida:
modo tollens.

A corroboração das teorias


Qual é afinal, a importância de ser tentar mostrar que uma teoria é falsa?
Popper responde que é assim que a ciência avança. Uma vez provada a falsidade de uma
conjetura, ela terá de ser reformulada ou abandonada e substituída por uma melhor. Por outro
lado, se os testes não provarem a sua falsidade, isso significa que ela foi apenas corroborada
pela experiência e, nesse caso, podemos considerar que temos boas razoes para a preferir
quando comparada com outras conjeturas que não apresentam o mesmo tipo de resistência aos
testes a que foram submetidas.
Popper defende que nunca devemos deixar de submeter uma conjetura às mais rigorosas
tentativas de refutação, pois essa é uma condição fundamental para o progresso científico.
Assim a ciência evolui de modo irregular através de uma aproximação progressiva à verdade
que resulta do afastamento sucessivo do erro.
Ou seja, nunca podemos saber que uma teoria científica conjetura é conclusivamente
verdadeira e, nunca podemos dizer que alcançamos a verdade, mas podemos saber que certas
teorias ou conjeturas são falsas, o que significa que estamos mais próximo da verdade do que
antigamente.
Se em jejum os coelhos são carnívoros e formos à procura de mais um coelho em jejum seja
carnívoro, apenas estamos a aumentar a nossa amostra e fazer-nos acreditar que em jejum
todos os coelhos são carnívoros.
Contudo esta teoria não é considerada verdadeira porque não exclui a possibilidade de
encontrarmos um coelho em jejum que não seja carnívoro, só podemos afirmar que ate agora
não encontramos nenhum coelho que em jejum não seja carnívoro.
Assim a hipótese geral é verdadeira, pois foi corroborada por tudo aquilo que ate agora se
observou na natureza. Porem se encontráramos um coelho que em jejum não seja carnívoro, a
nossa hipótese é falsa e aí podemos afirmar que em jejum nem todos os coelhos são carnívoros.

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