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Há muitas teorias sobre o que terá motivado Kant na sua “Revolução Coperniciana”

Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do


conhecimento. O astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria
heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir
o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do
universo, o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica. Como pode
ser constatado pela observação direta, o Sol se "levanta" e se "põe" todos os dias, o
que tornava óbvio, aos antigos, que a Terra estava fixa e que os astros giravam em
torno dela. Copérnico demonstrou que este movimento é ilusório, porque, na
verdade, a Terra é que gira em torno do Sol.
Kant propôs inversão semelhante em filosofia. Até então, as teorias consistiam em
adequar a razão humana aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de
gravidade" do conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam
que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento. As
leis não estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades
espontâneas de sua natureza transcendental. Como Kant afirma no prefácio da
segunda edição da Crítica da Razão Pura.

(ainda sobre o que motivou Kant)

-- Uns consideram que foram as conclusões céticas de Hume

-- Outros que foi uma tentativa de colocar de novo a ética no domínio da razão que Hume
tinha reduzido às emoções.

-- Ainda outros acreditam que o fez para salvar a Metafísica que Hume reduzira a uma
análise da mente.

O que é consensual é que Hume foi a sua fonte inspiradora. O próprio Kant o admite.

Com Kant nada na Filosofia ficou igual.

Nas próximas duas tarefas vamos abordar a solução de Kant para o problema da indução
de Hume.

Vamos começar por abordar três aspetos

1. Crítica ao racionalismo
2. Crítica ao empirismo
3. Juízos sintéticos a priori

1. Crítica ao racionalismo dogmático


Para compreendermos a crítica ao racionalismo (que em parte dá razão a Hume) vamos
começar com uma das Antinomias de Razão. Trata-se de saber se o mundo é eterno ou se
teve um começo. Esta questão era essencial para a teologia cristã. Poderá a razão, por si só,
demonstrar que o mundo teve um começo?

O objetivo é que percebam que a razão, usando as técnicas da metafísica dogmática,


consegue demostrar que o mundo é finito (no espaço e no tempo) e também que é infinito
(no espaço e no tempo).

Reparem que as antinomias não são sofismas, ao contrário do que pensava Hume. A razão
julga estar a fazer um uso legítimo dos seus princípios. Mas, se usando estes princípios, ela
demonstra ideias contraditórias (Antinomias), há algo de errado nela.

Logo, a Metafísica dogmática (dos racionalistas) é ilusória.

1. Crítica ao empirismo

Aparentemente é simples:

Se os empiristas estiverem corretos, não existem juízos sintéticos a priori. (ver 3.)

Mas existem juízos sintéticos a priori. [Na Matemática, na Física, na Química…]

Logo, o empirismo parte de pressupostos errados. [A tabula rasa]

1. Juízos sintéticos a priori

Não se compreende bem o ponto 2 sem se esclarecer o que são juízos sintéticos a priori.

Hume dividiu os juízos em dois tipos

Relações de ideias – não acrescentam conhecimento – Kant designa-os por JUÍZOS


ANALÍTICOS (são sempre a priori)

Matérias de facto – acrescentam conhecimento – Kant designa-os por JUÍZOS SINTÉTICOS

A teoria da tábua rasa não permitiu a Hume admitir a existência de juízos sobre a
experiência, ou sobre a realidade, que fossem a priori (a mente não seria à nascença
vazia). Assim, os juízos ou são meras convenções a priori ou são a posteriori (o seu valor
de verdade depende da experiência).
Esta posição foi objeto de muita polémica no tempo de Hume. Sobretudo no que respeita
aos juízos da Geometria. Kant considera que os juízos da Matemática são sintéticos e não
analíticos.

ANALÍTICOS

Ex: Todos os corpos são extensos.

“corpo” e “extenso” designam para nós a mesma coisa. Um corpo é algo que ocupa espaço

SINTÉTICOS A POSTERIORI

Ex: Todos os corpos são pesados

“corpo” e “peso” não são sinónimos, nem a sua relação é dada a priori. Esta relação tem que
ser procurada na experiência

SINTÉTICOS A PRIORI

A grande questão não é a de saber se eles são possíveis, mas como são possíveis

“Há juízos sintéticos a posteriori, cuja origem é empírica; mas também os há que são certos
a priori e provêm do puro entendimento e da razão” (KANT, Prol, AA04: 267. 25-27).

[...] não temos de procurar aqui a possibilidade de tais proposições, isto é, de nos
interrogarmos se elas são possíveis. Pois, há bastantes e são dadas realmente com uma
certeza indiscutível e, visto que o método, que agora seguimos, deve ser analítico, o nosso
ponto de partida será que este conhecimento racional sintético, mas puro, é real [...]. (KANT,
Prol, AA04: 275. 01- 05)

Por exemplo na proposição ” 7 + 5 = 12” o conceito de doze não é pensado apenas na


união de sete mais cinco, mas é preciso sair desse conceito de união com a ajuda da
intuição, chegando ao resultado final da soma, usando, por exemplo, os dedos ou a
tabuada.

Ex: Em todas as mudanças do mundo corpóreo permanece imutável a quantidade da


matéria (Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma)

Este juízo é claramente sintético: “mudança” e “imutabilidade da quantidade” não são


sinónimos. Mas é necessariamente verdadeiro e, consequentemente, não pode ser a
posteriori. (Não há juízos a posteriori necessários/apodíticos, são todos contingentes).

1. A “Revolução Coperniciana de Kant” consiste em assumir que as leis do mundo


estão no sujeito.
2. Kant é um crítico do racionalismo dogmático porque este cai em contradições.
3. Kant critica em Hume a incapacidade de explicar a existência de juízos sintéticos a
priori.
4. Dados os juízos “todo o triângulo tem 3 lados” e “entre dois pontos a linha reta é a
mais curta” o primeiro é analítico e o segundo sintético a priori.

UMA PEQUENA INTRODUÇÃO

Para Kant há uma realidade fora de nós. Sabemos que ela existe porque é a causa das
nossas sensações. Kant chama-lhe “coisa em si”. (Alguns autores consideraram que esta
hipótese é metafísica, mas não Kant). Não sabemos como ela é, porque não temos uma
intuição que o permita. Sabemos apenas que é.

Possuímos ainda sentidos (a intuição sensível). Os sentidos, afetados pela coisa em si,
produzem sensações. Mas desde há muito que se acredita que as sensações não são
propriedades dos objetos (fora de nós) , mas a forma como o sujeito é afetado. Esta é a
nossa única ligação com o REAL. Todo o resto está no sujeito.

Seria impossível dar sentido às sensações se no sujeito não houvesse os mecanismos que
as interpretam e as transformam em objetos. Para isso temos duas intuições puras: o
espaço e o tempo.

Desde Aristóteles que se suspeitava que o tempo era uma convenção humana para
compreender o movimento, mas o mesmo não se passava com o espaço – espaço e
realidade física chegaram mesmo a ser considerados sinónimos, como é o caso da res
extensa de Descartes.

Para compreenderem melhor a nova conceção do espaço pensem na seguinte experiência


mental:

“Imaginem que são uma máquina fotográfica, das antigas, de película. Têm um sentido que
vos põe em contacto com o mundo: a objetiva por onde passa a luz e uma pelicula que é
afetada pela luz. O que vai ficar na película é determinado pela própria luz, o que vos pode
levar a crer que não foram autores de nada do que lá está. A fotografia seria assim a cópia
dos objetos, tão mais fiel quanto menos interferência da vossa parte houver. Mas
esqueceram-se da película. Sem a película seria impossível ter uma imagem. Podem agora
colocar a questão: a película determinou em alguma coisa a imagem que eu tenho?
Descobrem que a vossa imagem vos diz que o mundo é bidimensional. Mas porquê? Porque
receberam essa informação de fora ou porque a própria película impôs essa
bidimensionalidade? Se a resposta a esta última questão for positiva, não podem
representar objetos não bidimensionais (embora os possam pensar) e então, o espaço
(bidimensional) é uma condição a priori da vossa representação do mundo”

A SENSIBILIDADE: ESPAÇO E TEMPO


Portanto, o que é, segundo Kant, o objeto que conhecemos?

MATÉRIA (sensações) + FORMA (as intuições puras do espaço e do tempo) = FENÓMENO

Fenómeno é diferente de coisa em si. O fenómeno é uma recriação da coisa em si segundo


princípios já definidos a priori. Só conhecemos fenómenos. Mas o fenómeno tem uma
dimensão a priori e esta é a razão pela qual existem juízos sintéticos a priori.

SENSIBILIDADE E ENTENDIMENTO

O fenómeno não é conhecimento, mas o objeto do conhecimento. Para que haja


conhecimento é necessário que se produzam juízos. Ora essa é a tarefa do entendimento.
Mas o entendimento só pode produzir juízos com base em esquemas definidos a priori.
Kant designa estes esquemas por “categorias”.

O nome remete para Aristóteles que as entendeu como propriedades dos objetos. Para
Kant, não são propriedades dos objetos, mas esquemas do tempo (tipos pré-definidos
sobre a forma como os fenómenos nos podem ser dados no tempo).

Para os curiosos a página seguinte contém a Tábua das Categorias. Para o assunto em
causa só nos interessa a categoria da “causalidade e dependência” porque é ela que está
na base dos juízos causais.

Esquema da categoria: se um fenómeno, dado em qualquer tempo, for sempre seguido de


um outro fenómeno, então, o primeiro é causa do segundo. (Podem ver um exemplo no
dicionário)

É diferente de Hume? Aparentemente não! Tanto em Hume como em Kant não é a


realidade como ela é em si que determina as relações causais, mas o sujeito. No entanto
em Hume este sujeito é o indivíduo na sua dimensão psíquica e irracional. Em Kant este
sujeito é o ser dotado de razão, porque é a razão que determina as relações causais (é a
razão que introduz o nexo). Ora a razão é igual para todos e, sendo assim, as relações
causais não são subjetivas mas universais.

Reparem que, sobre as relações causais, nem Kant nem Hume são objetivistas (as relações
causais são determinadas pelos próprios objetos): Hume é subjetivista e Kant
intersubjetivista.

Outra diferença relevante é que, embora não possamos dizer que os juízos causais são
verdadeiros no mundo como ele é em si (coisa em si), eles são verdadeiros para o mundo
tal como ele é para nós (fenómenos).

UMA NOVA PERSPETIVA DA METAFÍSICA

As categorias referem-se sempre à experiência: ou à experiência concreta dos fenómenos


(juízos sintéticos a posteriori) ou às condições de possibilidade da experiência (juízos
sintéticos a priori – estes não se referem a um objeto determinado mas a todo e qualquer
objeto).

Mas a metafísica vai além da experiência porque os seus objetos não são dados na
intuição sensível (fenómenos) mas são um produto da razão. Os juízos daí resultantes não
possuem um critério de verdade mas são ficções. O seguinte texto de Kant é esclarecedor.

Kant chama “númenos” aos objetos da Metafísica. Será uma atividade legítima? Kant
pensa que sim, que a razão nos impele a saber algo mais do que o que nos é dado na
experiência, numa espécie de busca pela coisa em si. Mas atenção, não temos uma
intuição intelectual (intuição não mediada do mundo como ele é) porque não somos Deus.
Portanto, a Metafísica só é legítima se não se assumir como conhecimento.

FICOU RESOLVIDO O PROBLEMA DA INDUÇÃO DE HUME?

Sim no que se refere à irracionalidade das leis causais. Não se o objetivo era estabelecer a
verdade como plena adequação do sujeito ao objeto. Avaliar esta adequação é impossível,
tanto em Kant como em Hume, porque há um termo da comparação que nos ultrapassa, a
coisa em si.

QUESTÃO EM ABERTO

Existe um sujeito anterior à experiência. Ele não é uma tábua rasa, mas algo que possui
em si conhecimentos acerca do mundo para si. Kant chama-lhe sujeito transcendental.
Mas qual a origem do sujeito transcendental? Deus?! Se assim for, voltamos a Descartes.

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