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COMO
ABSORVER
O QUE VOCÊ LÊ
Raul Martins
O maior clássico moderno sobre a leitura. Adler, um dos homens mais cultos de
seu tempo, trabalhou a vida inteira em prol duma educação liberal autêntica. O
livro apresenta quatro níveis de leitura (elementar, inspecional, analítica e
sintópica) e as explica detalhadamente, partindo da segunda.
The Shallows, What The Internet is Doing to Our Brains,1 de Nicholas Carr
Livro que surgiu a partir de um artigo (ironicamente, online) lançado na revista The
Atlantic, que tinha por título uma pergunta honesta: O Google nos está deixando
burros?2
Todas as informações sobre os três tipos de memória e algumas outras, sobre a evolução da
escrita, estão aqui.
1
Livro que chegou a ser um dos finalistas no prêmio Pulitzer de 2011 para obras não-ficcionais.
2
Link para o artigo original, em inglês: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2008/07/is-
google-making-us-stupid/306868/
Words matter. A linguagem figurada, quando muito usada e pouco analisada, em certa medida
acaba moldando o pensamento. É o caso de "absorver", que, no final das contas, reforça a falsa
ideia de que a leitura é uma atividade simples e automática, como andar ou comer.
- Por que “ativo”? Em toda comunicação humana há duas partes: quem emite a
informação e quem a recebe. Tendemos a pensar que o responsável pelo
trabalho é só quem fala ou escreve. Porém, não é assim.3 Adler usa a analogia
de alguém jogando uma bola e o outro apanhando-a — o esforço é mútuo.
Logo no comecinho de Como Ler Livros, Mortimer Adler faz questão de enfatizar que a
comunicação é sempre uma via de mão dupla.
3
Remetê-los aos áudios do Telegram.
É bem verdade que a fala, por ser mais rápida e dinâmica, perde clareza. Perde exatidão. Numa
conversa, tudo é muito veloz e tem de ser ajustado no improviso. Na escrita, não. Pode-se mudar
mil vezes um texto antes de mostrá-lo aos outros. Pode-se dar um texto a revisores. A amigos.
Pode-se mudar apenas algumas partes de um texto sem mexer em absolutamente NADA das
outras partes.
Perde-se por um lado e ganha-se pelo outro. Na fala é impossível, sim, haver o mesmo nível de
clareza e sistematização do discurso que existe na escrita, mas e quanto a tudo aquilo que só
uma presença humana pode comunicar?
Em “Como Tornar-se um Leitor Inteligente” diz o prof. Olavo que a escrita é sempre
“taquigráfica”. Ou seja: é sempre uma diminuição, um corte no conteúdo mais extenso da fala.
Mortimer Adler diz que um livro é o meio-termo entre a descoberta e o aprendizado: aprende-
se algo com o discurso? Sim. Mas o discurso desamparado de tudo aquilo descrito no ponto
anterior e de mais uma coisa crucial: a possibilidade de resposta do autor do discurso.
- No começo da escrita não havia nem espaço entre as palavras, nem uma
ordem específica e identificável. A ordem das palavras como sinal de seu
significado foi algo inventado posteriormente. A sintaxe não é natural.5 Foi só
no começo do segundo milênio, já bem depois do colapso do Império Romano,
que começou a surgiu a SINTAXE — quando o número de alfabetizados
cresceu exponencialmente e os livros passaram a ser meios de instrução e
aprimoramento pessoal, e não apenas leituras de lazer ou altas especulações
filosóficas. Ao mesmo tempo, os copistas passaram a dividir as sentenças em
palavras individuais, separadas por espaços.
4
Geração Superficial, pág. 98
5
“A falta da separação de palavras, combinada com a ausência de convenções da ordem das palavras,
colocava uma “carga cognitiva extra” nos antigos leitores, explica John Saenger em Space between
Words, sua história do livro manuscrito. Os olhos dos leitores tinham que se mover lentamente; parando
ao longo das linhas do texto, pausando frequentemente e muitas vezes voltando ao início da sentença,
enquanto suas mentes se esforçavam para descobrir onde acabava uma palavra e começava uma nova
e qual o papel que cada palavra desempenhava no significado da sentença. A leitura era como resolver
um quebra-cabeça. Todo o córtex cerebral, incluindo as áreas frontais associadas com a resolução de
problemas e tomada de decisões, estaria zunindo com atividade neural”. — Geração Superficial, pág. 114
O que não quer dizer que antes da leitura ninguém jamais se houvesse concentrado em coisa
nenhuma. Já havia artífices enormemente habilidosos, caçadores mortais e ascetas que
entregavam suas vidas à contemplação silenciosa muito, muito antes de ter surgido o primeiro
leitor.
- "O que era tão notável em relação à leitura do livro é que a concentração
profunda estava combinada com a decifração altamente ativa e eficiente do
texto e a interpretação do significado.”8
A concentração exigida pela leitura era diferente. Nela havia a decifração simultânea de
elementos visuais, sonoros e semânticos. O cérebro registrava formas escritas, trasnformava-as
em sons, combinava-os em palavras e acessava-lhes o significado. Depois, combinava diversas
palavras entre si para descobrir o sentido de frases. E daí passava aos parágrafos. E daí a textos
inteiros. Era uma concentração profundamente analítica.
- "A ideia [da leitura] é desligar-se do fluxo externo dos estímulos passageiros
para conectar-se com um fluxo interno de palavras, ideias e emoções."9
6
Geração Superficial, pág. 117
7
Vaughan Bell, psicólogo pesquisador do King’s College de Londres.
8
Geração Superficial, pág. 119.
9
Geração Superficial, pág. 120.
Não adiantará muita coisa falarmos sobre as suas leituras se não estiver muito
claro o que é a leitura em geral. O pensamento precede a ação. O conceito que
temos de X determinará as ações que havemos de tomar em relação ao X e os
caminhos pelos quais o abordaremos.
Eu vejo por aí muita gente abordando a leitura com a cegueira de quem não
enxerga os seus muitos problemas e dificuldades. Se você sabe, por exemplo,
que a escrita apresenta maior clareza expositiva do que a fala, será inevitável
começar uma leitura mais atenta e profunda. Leitura à procura da ordem possível
àquele meio de comunicação.
Se sabe que é antinatural, saberá que a leitura é algo que exige esforço
continuado, instrução adequada e, no final, uma readequação física do cérebro.
Algum tempo atrás, uma seguidora no Instagram enviou-me uma pergunta: queria saber se era
verdade que depois dos 30 não aprendemos mais nada, coisa que seu professor lhe dissera.
Respondi com outra pergunta: será que o professor tinha mais de 30 anos?
Lembra-se do “absorver”? Pois é. Aqui temos outro exemplo de como a linguagem influencia o
pensamento. Primeiro, entusiasmados pela Revolução Industrial, alguns pensadores criaram
analogias entre o cérebro e as máquinas. Mais tarde, com os computadores, o hardware e o
software, as analogias tornaram-se irresistíveis. Nossa memória não passava de um HD; nosso
cérebro era um hardware fechado e imutável. Duas mentiras brabas, como se verá mais tarde.
- Merzenich pegou um macaco, fez-lhe incisões nas mãos e cortou seu nervo
sensorial. Os nervos voltavam a crescer a esmo e o cérebro, é claro, ficara
confuso. O cientista tocava numa parte do dedo e o cérebro do bicho dizia-lhe
que a sensação viera de outra parte do dedo. Meses depois, porém… o cérebro
refez-se. Não estava mais confuso. “As vias neurais dos animais haviam sido
10
Geração Superficial, pág. 44
Michael Merzenich, doutor em fisiologia pela John Hopkins, aluno de Vernon Mountcastle, um
dos maiores das neurociências, começou a fazer uma série de estudos com macacos a fim de
observar-lhes o cérebro. Acabou descobrindo que o órgão, longe do que se pensou por algum
tempo, era muitíssimo maleável. Novos hábitos ou ações repetidas criavam ligações sinápticas
novas, que surgiam “do nada” e literalmente mudavam a constituição física do cérebro.
Aristóteles dizia que a virtude é um hábito. Boas ações praticadas repetidamente. Inversamente,
o que seria o vício? Más ações praticamente repetidamente.
- E, aqui, chegamos ao problema principal: o cérebro ser plástico não quer dizer
que é elástico. Ele muda? Sim. Transforma-se, adequa-se? Sim. Mas não é a
casa da Mãe Joana. Mudanças levam tempo, quer para o bem, quer para o mal.
O cérebro não estica e volta imediatamente ao seu estado anterior, inalterado.
O cérebro de um taxista leva anos para mudar. Assim como o cérebro de um
viciado em drogas ou em pornografia.
11
Geração Superficial, pág. 51
12
Parte do cérebro responsável pela armazenagem e manipulação das representações visuais dos
arredores de alguém.
13
Já se pode antecipar parte do que vamos falar à frente: imaginem se algum taxista ou motorista, hoje,
valendo-se apenas do Google Maps, chegou a mudar seu cérebro como os taxistas de antigaente. Toda
nova ferramenta tecnológica amplamente utilizada causa, com o tempo, mudanças estruturais no
cérebro.
14
Geração Superficial, pág. 68
Se a leitura foi o marco de uma mudança profunda na mente humana — a concentração ativa,
analítica —, a internet parece ser uma força que privilegia os instintos básicos do cérebro. A
atenção dispersa, ágil, eficientíssima quando se trata de fazer avaliações rápidas de fatos que
não se prolongam e logo são seguidos por outro, e outro, e outro.
15
Que está longe de ser “pura” ou “simples”, aliás.
Sobre a atenção, diz Narciso Irala em seu “Controle Cerebral e Emocional”: “O rendimento é
mínimo e a fadiga máxima quando atendemos a duas ideias simultaneamente”. Se você já
tentou ler algum texto difícil enquanto alguém gritava pelo seu nome ou punha o rádio no último
volume, sabe como é isso. O estresse causado pelo esforço mental de assimilar duas linhas de
raciocínio ao mesmo tempo é ENORME. Na internet, estamos sempre à mercê de alguma nova
linha de raciocínio pular de algum canto e nos obrigar a considerá-la, ainda que seja para rejeitá-
la.
- “Sempre que nós, os leitores, topamos com um link, temos que pausar, ao
menos por uma fração de segundo, para permitir que o nosso córtex pré-
frontal avalie se devemos clicar ou não. O redirecionamento dos nossos
recursos mentais, da leitura de palavras para a realização de julgamentos,
pode ser imperceptível para nós — nosso cérebro é veloz —, mas foi
demonstrado que ele impede a compreensão e a retenção, particularmente
quando repetido frequentemente. A medida que as funções executivas do
córtex pré-frontal tomam as rédeas, nosso cérebro não só é exercitado, mas
também fica sobrecarregado.”16
Não é porque não estamos conscientes da atividade mental que ela não existe. A simples
abertura a novos estímulos provocada pela internet já faz um belo serviço para estragar aquela
concentração profunda que é necessária à compreensão de textos mais complicados.
Ponto importantíssimo: os livros são o exato oposto da internet. Neles, praticamente inexiste
algum estímulo sensorial. Só existem sinais gráficos estáticos numa página. Fornecem um
ambiente perfeito à concentração analítica e, portanto, à criação de um hábito alheio à natureza
original do cérebro. Subestimular os sentidos é estimular a atenção concentrada e ajudar
formidavelmente a memória de trabalho.
Explico: as memórias de curto prazo são aquelas que logo somem. As memórias de trabalho
são as memórias de curto prazo de que estamos conscientes em certo momento. Estas podem
ou virar memórias de longo prazo, ou sumir de uma vez. As memórias de longo prazo não
armazenam apenas fatos ou ideais soltos. Armazenam fatos, ideias e naturalmente ligam-nos
uns aos outros, com eles formando esquemas conceituais.
Ou seja: vamos ciscando vários pratos de comida em vez de fazer uma refeição completa com
um só deles. Fazemo-lo com agilidade e eficiência, é verdade. Temos o hábito. Temos o cérebro
treinado e moldado para isso. O resultado da eficiente agilidade é a superficialidade.
A memória de trabalho é a chave para a retenção do que se lê. E a primeiríssima condição para
facilitar o serviço da memória de trabalho é tirar-lhe das costas serviços desnecessários. Quanto
menos estímulos visuais e microdecisões houver, melhor. Não existe inteligência sem um rico
estoque de memórias de longo prazo.
17
Geração Superficial, pág. 229
18
Geração Superficial, pág. 230
A ponto de alguns entusiastas dizerem que não precisávamos decorar MAIS NADA. Que a usar
a memória humana seria uma perda de tempo, já que tínhamos meios de armazenagem de
informação capazes de guardar quantidades inimagináveis de dados. O que é parcialmente
verdade. Os meios de armazenagem conseguem, realmente, guardar infinitamente mais
informações do que um indivíduo humano. Só existe um porém: a memória humana não se limita
a guardar informações. Ela as transforma.
Para que as memórias de curto prazo transformem-se em memórias de longo prazo, a repetição
é indispensável. Repetir é consolidar. Porém, não é só isso: quando alguma memória é
consolidada — retida —, novas terminações sinápticas são criadas. Ocorre a síntese de novas
proteínas. Algo que antes não existia é criado. A memória de longo prazo logo integra-se às
demais e com ela a inteligência vai tecendo novos esquemas conceituais. Os novos esquemas
conceituais são, depois, aplicados à compreensão de novas ideias. Cria-se um círculo virtuoso.
Daí decorre o seguinte: 1) quanto mais rica for a sua memória, mais inteligente você será; 2) os
esquemas já criados tornam mais fácil assimilar novas informações retidas na memória de
trabalho. Quanto mais rica for sua memória de longo prazo, mais fácil será enriquecê-la ainda
mais. 3) Inversamente, quanto mais pobre for sua memória de longo prazo, mais difícil será
começar a enriquecê-la.
19
Geração Superficial, pág. 331
Com o que fechamos o círculo: a atenção é o principal fator de consolidação das memórias. A
leitura de livros físicos subestimula os sentidos e facilita o serviço da atenção. A memória de
trabalho, livre de estar sobrecarregada por uma atenção dividida, consegue transportar mais
dados para a memória de longo prazo, que com eles criará novos esquemas e no futuro
conseguirá integrar a si mais memórias de trabalho. Com esquemas mais ricos, a memória de
trabalho consegue reter mais informações e a opressão psicológica é menor. A atenção torna-
se melhor.
Voltemos ao início de tudo: qual foi uma das primeiras coisas que eu lhe disse
aqui? Que a língua escrita não era como a língua falada. A língua falada, natural e
espontânea, pode ser ensinada e melhorada, sim. Mas surgirá por si mesma,
ainda que não haja intervenções ou interferências. A língua escrita, não. Esta é
uma tecnologia, uma série de técnicas que visam à criação de um estado mental
antinatural. Precisam ser ensinadas, caso contrário não surgirão
espontaneamente jamais nos indivíduos.
20
Geração Superficial, pág. 352
Na leitura elementar, faz-se a pergunta básica: O QUE DIZ A FRASE? Trata-se de decodificar os
sinais gráficos no papel. G-a-t-o quer dizer “gato”. “Gato" refere-se um felino de pequeno porte.
Aqui, apenas com palavras individuais desligadas de um contexto, já existem sérios problemas.
Por exemplo: quando passamos de palavras que designam entes concretos, inequívocos
(árvore, banana, água, José), para palavras que designam conceitos abstratos (democracia,
racismo, beleza, ofensa), já se podem interpor entre o sentido visado pelo emissor e a
compreensão do receptor inúmeras, infinitas confusões.
As palavras podem ter sentido literal ou figurado, por exemplo. O leitor de um livro mais
complicadinho pode ter o vocabulário pobre a ponto de não conseguir acompanhar duas
páginas de raciocínio, e só com as idas infinitas ao dicionário já sobrecarregar sua memória de
trabalho, antes de chegar a compreender o sentido de um parágrafo.
Porém, não se forma uma frase com palavras completamente desligadas umas das outras.
Frases constroem-se com sentidos criados a partir das relações entre palavras. Criam-se, aqui,
outros vários problemas: como a língua é elástica, quanto ao sentido pode-se usá-la de muitas
maneiras não convencionais.
O autor pode usar um estilo empolado justamente para criar um efeito irônico, por exemplo. O
humor que se cria com o exagero. Se o leitor não tiver alguma cultura literária, não conseguirá
identificar que é um exagero e lerá o texto irônico como se fosse sério.
A verdade é que a maior parte dos brasileiros encontra dificuldades com as operações mais
básicas da leitura. O que nos leva ao seguinte ponto:
- A maior parte dos brasileiros não chegou ao nível exigido pela leitura
Elementar. A leitura dos alfabetizados.
21
Em seu clássico “Como Ler Livros”.
O INAF diz ser um analfabeto funcional apenas quem está nos níveis rudimentar e elementar —
coisa que é muitíssimo enganosa, como se verá mais tarde.
- 42% das pessoas no Brasil — com margem de erro de 2% para mais ou menos
— estão no nível elementar; 23% estão no nível intermediário; 8% estão no nível
proficiente.
- Quem está no nível Rudimentar consegue ler, por exemplo, bilhetes curtos e
propagandas (como um anúncio das Casas Bahia). Isto porque é capaz apenas
de localizar informações explícitas que estejam emtextos curtos e familiares.
- O nível Elementar compreende indivíduos que conseguem localizar
informações em textos já medianos, ainda que "seja necessário realizar
pequenas inferências”. Segundo o INAF, quem está nessa categoria é capaz
de "ler e entender textos de média extensão.” Com a descrição do próximo
nível, logo se verá que isso é balela.
- O nível Intermediário consegue localizar informações em diversos tipos de
textos (ou seja: consegue apontar o dedo e dizer que “x" ou “y" é uma
informação relevante) e reconhecer figuras de linguagem, além de
conseguir fazer um resumo decente do que lê. 22 Porém, ainda tem um
trabalhão para distinguir opiniões e posicionamentos subjetivos de fatos
objetivos. Não sabe direito quando está lendo uma opinião ou algo que se
apresenta como fato.
- É apenas no nível Proficiente "que estão as pessoas cujas habilidades não
mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações
22
Ora, se apenas o sujeito que está no nível intermediário consegue reconhecer figuras de linguagem
(ironia, metáforas, analogias, metonímias, etc.), como se pode dizer que alguém no nível elementar lê e
ENTENDE alguma coisa?
Ou seja: 8% da população brasileira não encontra grandes dificuldades para ENTENDER textos
comuns. Não estamos falando das grandes obras literárias da humanidade. Estamos falando de
artigos acadêmicos (bem escritos) que tenham tamanho mediano. De artigos de jornal um
pouco mais longos.
- Que algo fique muito claro: a leitura Elementar de Adler só pode ser posta em
prática perfeitamente por quem esteja no nível Proficiente. Não se confundam
pela coincidência de nomes: o nível Elementar do INAF não corresponde à
leitura Elementar de Adler. Esta pressupõe um leitor plenamente alfabetizado.
Tanto é assim que o autor deixa claro que em 1971 estimava-se que quase 75%
das crianças americanas precisassem de aulas de reforço em leitura para que
atingissem a máxima proficiência na leitura elementar.
- Segundo o último relatório do Inaf, “apenas um terço (34%) das pessoas que
atingem o nível superior podem ser consideradas Proficientes pela escala do
Inaf”. 24 Ou seja: 34% de todos os estudantes universitários conseguiria
aplicar a leitura Elementar sem grandes problemas.
Ufa!
Espero que agora você tenha entendido por que
logo de cara não fui abordando Adler, ensinando-
lhes técnicas avançadas de leitura e toda sorte de
paranauês — é que precisamos ter os dois pés no
chão.
23
Site oficial do Instituto Paulo Montenegro: https://ipm.org.br/inaf
24
INAF BRASIL 2018, Resultados Preliminares, pág. 11
Porém, eu ter dito que há poucos preparados para fazer uma leitura elementar
perfeita não significa que todas as técnicas e ensinamentos dos níveis superiores
serão inúteis. Não estamos nos Estados Unidos da década de 70. Não temos o
Mortimer Adler vivo, para pedir-lhe uma flexibilização do método e alguma
adequação às nossas circunstâncias. Nós mesmos temos de fazê-lo. Eu já fiz por
mim. E funcionou. Agora, faço por vocês.
1) Mesmo sabendo de tudo isso, você precisa ler. Ou, melhor dizendo:
justamente porque ficou sabendo de tudo isso, você precisa começar a ler.
Precisa tentar. E, depois, tentar de novo. Precisa bater cabeça. Precisa tentar
e falhar. Tentar e conseguir. Conseguir e melhorar. Ainda que aos poucos. De
grão em grão, a galinha enche a pança. Tudo o que eu escrevi aqui e disse na
aula em vídeo terá sido em vão se você não colocar para trabalhar seus dois
olhinhos e este cérebro magnífico dentro da sua cabeça.
2) Comece a ler, porém, não para criar o tal “hábito da leitura” (urgh). Comece a
ler para ter uma VIDA melhor. Para SER alguém mais forte, inteligente,
preparado, psicologicamente estável. Para tornar-se, amanhã, alguém
melhor do que era hoje.
- Porém, um segundo passo (e que também vale para outros livros, que o
interessam) é criar resumos.
- Pode-se fazer resumos de capítulos, de subcapítulos ou até mesmo de algum
argumento que lhe pareça particularmente difícil.
- Resumos são utilíssimos. Treinam sua escrita, tornam sua inteligência mais
organizada por meio do esforço repetido para distinguir o essencial dos
periféricos e o ajudam a reter o conteúdo na memória à força de você repeti-
lo com suas próprias palavras.
- E, se tudo o mais falhar, pelo menos servem como fontes de consulta
posteriores (faço MUITO isso).
- Dividir a atenção é sabotar a memória. Ler com pressa, afobado para chegar
ao final do livro quando ainda nem o começou, é dividir sua atenção. Muitas,
muitas vezes não consegui entender o começo de algum livro pura e
simplesmente porque estava afobado. Queria saber logo. Entender logo.
- Adler recomenda que “ao encarar um livro difícil pela primeira vez, leia-o sem
parar; isto é, leia-o sem se deter nos trechos mais espinhosos e ficar refletindo
sobre os pontos que ainda lhe continuam incompreensíveis”.
- A regra, talvez à primeira vista contraintuitiva, baseia-se em algo muito
simples: é mais fácil você entender as partes difíceis numa segunda leitura, e
não numa primeira leitura truncada e infinitamente demorada. Além disso,
“entender metade ou menos do livro é melhor do que não entender nada”.
- Concordo com Adler, até certo ponto: algumas leituras são difíceis a ponto de
tornarem-se quase completamente impenetráveis ao leitor. Muita energia e
tempo gastos para pouquíssimo ou nenhum retorno. Além do mais, a
experiência de passar dias lendo e não entendendo bulhufas pode ser
traumatizante para um leitor inexperiente. Recomendo que cada um analise
sua própria situação e faça suas escolhas.
- Para o leitor iniciante, tudo é mais difícil. Seu vocabulário é pobre? A solução
não é ler dicionários. É ler livros que o interessem mininamente. Se se tratar de
um autor mais antigo, com o vocabulário já mais arcaico e distante, não creio
ser boa ideia forçar demais a barra. O dicionário tem de estar à mão? Sempre.
Mas é importante passar mais tempo com o livro do que com o dicionário.
Largar de mão um livro aqui e ali não é crime.
- Em relação à falta de atenção: pode ser causada por simples cansaço físico
ou fome. Pode ser causada por falta de prática. Por distrações externas. Pela
neuroplasticidade de um cérebro que terá de ser remoldado à força. Tenha
paciência consigo mesmo.
- Saber gramática não é garantia de ler bem. Já vi, com estes meus dois olhos,
um sujeito responsável por uma gramática de mais de 600 páginas ser incapaz
de compreender uma figura de linguagem simples. Só a gramática não basta.
@oraulmartins
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