Você está na página 1de 159

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

GABRIEL ALBUQUERQUE

KONDZILLA E REDES DE MÚSICA POP PERIFÉRICA:


ESTÉTICA, MERCADO E SENTIDOS POLÍTICOS

Recife
2020
GABRIEL ALBUQUERQUE

KONDZILLA E REDES DE MÚSICA POP PERIFÉRICA:


ESTÉTICA, MERCADO E SENTIDOS POLÍTICOS

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade
Federal de Pernambuco como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Comunicação.

Área de concentração:
Comunicação

Orientador:​ Professor Dr. Thiago


Soares

Recife
2020
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Ricardo e Alice, por todo amor, esforço e sacrifícios que me
possibilitaram chegar até aqui e ser quem eu sou.

Ao meu orientador Thiago Soares, pelo apoio, confiança e inspiração no


trabalho e pela sensibilidade em entender que um pesquisador é também um ser
humano com problemas cotidianos de várias ordens.

Aos colegas do Grupop e do Lama, pelas leituras, críticas e sugestões


valiosas.

Aos alunos da disciplina "Estéticas e Escutas Periféricas", meu estágio


docência, que se dispuseram a estar na universidade às 8h da manhã de
segunda-feira para ouvir minhas ideias e debatê-las com entusiasmo.

À Natália, pelo amparo, por acreditar em mim nos momentos de


inseguranças, mostrando que eu era capaz de fazer coisas que eu mesmo duvidava.

Ao meu parceiro Igor Marques, que há três anos embarcou comigo na ideia
de montar a festa Embrazado, que agora virou também podcast e portal, e foi
indispensável nas reflexões sobre música periférica enquanto estava ao meu lado
tocando músicas para as pessoas dançarem e se divertirem.

Aos colegas da KondZilla, especialmente Renato Martins, que aportou uma


parte do meu trabalho jornalístico e foi um interlocutor nas reflexões sobre os
caminhos do funk.

Aos amigos MCs, empresários, produtores e pesquisadores do mundo do


funk e outras culturas musicais periféricas pela sabedoria e paciência em
compartilhar seus saberes e vivências em entrevistas, conversas e festas —
Shevchenko, Elloco, Maneiro na Voz, Biel Xcamoso, MC Anjinho, MC Feru, Kdu dos
Anjos, Negona Dance MC Papo, Carlos Palombini, Adriana Facina, Dennis Novaes,
Maíra Neiva Gomes, Walter e a FAPE (Funk Antigo de Pernambuco), DJ Polyvox,
Rennan da Penha, Iasmin Turbininha, JJ Boss, Jotaerre, Tomás Brandão, Marley no
Beat, Dany Bala, todo o pessoal do Observatório dos Bailes Funk de Belo Horizonte
e muitos outros.

Por fim, agradeço a todos os amigos que estiveram comigo nesses últimos
dois anos. Acredito que mais do que teorias, hipóteses, análises e bibliografias, um
trabalho acadêmico é atravessado por uma rede de afetos que nos move de maneira
discreta e misteriosa, mas decisiva. Portanto, todos os meus amigos que cultivaram
carinho, amor, perseverança, companheirismo e admiração estão nestas páginas
comigo. Citar todos levaria uma eternidade, mas sua importância foi fundamental.
RESUMO

Fundado em 2012 e com sede em São Paulo, a produtora de videoclipes e


canal do YouTube KondZilla está no centro do processo de mainstreaming do funk
brasileiro. Em setembro de 2018, o canal da KondZilla teve o primeiro videoclipe
brasileiro com mais de 1 bilhão de visualizações no YouTube. Um ano depois, em
outubro de 2018, a KondZilla ultrapassou o cantor canadense Justin Bieber e
tornou-se o terceiro maior canal do YouTube mundial e o maior da América Latina
em números de inscritos. Este trabalho tem como proposta analisar justamente os
efeitos, causas e consequências deste direcionamento pop do funk através da
KondZilla, buscando analisar suas implicações estéticas, comerciais e políticas.
Partimos da ideia de Rede de Música Brasileira Pop Periférica (PEREIRA DE SÁ,
2017), para entender como gêneros musicais diversos se acumulam, conectam e
interpenetram no ambiente da cultura digital contemporânea e como a KondZilla
atua nessa esfera múltipla e dinâmica negociando sua performance para formar
redes com mercados mais amplos, além do nicho do funk.

Palavras-chave:​ KondZilla. Funk. Rede de música pop periférica. Videoclipe.


ABSTRACT

Founded in 2012 and based in Sao Paulo, music video producer and YouTube
channel KondZilla is at the center of mainstreaming of Brazilian funk music. In
September 2018 the KondZilla channel had the first Brazilian music video with over 1
billion views on YouTube. A year later in October 2018, KondZilla surpassed
Canadian singer Justin Bieber to become the third largest YouTube channel in the
world and the largest in Latin America in subscriber numbers. This dissertation aims
to analyze the effects, causes and consequences of this funk pop direction through
KondZilla, seeking its aesthetic, commercial and political implications. We started
from the idea of ​Peripheral Pop Brazilian Music Network (PEREIRA DE SÁ, 2017), to
understand how diverse musical genres accumulate, connect and interpenetrate in
the environment of contemporary digital culture and how KondZilla acts in this
multiple and dynamic sphere, negotiating its performance to form networks with wider
markets beyond the funk niche.

Keywords: KondZilla. Funk. Peripheral Pop Music Network. Music video


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 — Frame de "Como é Bom Ser Vida Loka", do MC Rodolfinho. 36


Figura 2 — Frame de "Ela é Gata", do MC Galo SP. 36
Figura 3 — Kevinho em frame do clipe "Rabiola". 41
Figura 4 — Frame do clipe "The Beauty and a Beat", de Justin Bieber. 4​2
Figura 5 — MC Kekel em frame do clipe "Amor de Verdade". 42
Figura 6 — Kekel e Pabllo Vittar em frame do clipe "Sente a Conexão". 42
Figura 7 — Frame do clipe "Chegou o Verão" do MC Misa. 82
Figura 8 — Frame do clipe "Ela é Incrível" de Loretto McAllister. 83
Figura 9 — Frame do clipe "Safadinha", do MC Veiga 85
Figura 10 — Frame do clipe "Tu Vai Levar Bolo", do MC Groove 85
Figura 11 — Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McAllister. 86
Figura 12 — Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McAllister. 87
Figura 13 — Comentário no clipe "Tu Vai Levar Bolo", de MC Groove. 87
Figura 14 — Comentário no clipe "Safadinha", de MC Veiga. 87
Figura 15 — Comentário no clipe "Ela Merece Respeito", de MC Misa. 87
Figura 16 — Comentário no clipe "Tu Vai Levar Bolo", de MC Groove. 89
Figura 17 — Comentário no clipe "Tu Vai Levar Bolo", de MC Groove. 89
Figura 18 — Comentário no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller. 89
Figura 19 — Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McAllister. 90
Figura 20 — Comentário em "Ela É Incrível", de Loretto McCallister. 9​0
Figura 21 — Comentário em "Safadinha", de MC Veiga. 91
Figura 22 — Comentários em "Ela Merece Respeito", de MC Misa. 91
Figura 23 — Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McCallister. 92
Figura 24 — Comentário em "Safadinha", do MC Veiga. 9​2
Figura 25 — Comentário em "Chegou o Verão", do MC Misa. 93
Figura 26 — Comentário no clipe "Chegou o Verão", do MC Misa. 93
Figura 27 — Comentários no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller. 94
Figura 28 — Comentário no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller. 94
Figura 29 — Comentário no clipe "Ela Merece Respeito", do MC Misa. 9​4
Figura 30 — Comentário no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller. 95
Figura 31 — Comentário em "Chegou o Verão", do MC Misa. 95
Figura 32 — Frame do clipe "Quem Nunca? ", da Grande Rio. 98
Figura 33 — A influencer Mileide Mihaile em close no clipe "Quem Nunca?" 99
Figura 34 — Frame do clipe "Preto Zica", do Racionais MCs. 99
Figura 35 — Frame do clipe "Preto Zica", do Racionais MCs. 100
Figura 36 — Frame do clipe "Netflix", de Jé Santiago. 101
Figura 37 — frame do clipe "Daqui Pro Futuro", do Vespas Mandarinas. 101
Figura 38 — Frame do clipe "Festa na Mansão", do Evolusamba. 105
Figura 39 — Comentários no clipe "Festa na Mansão", do Evolusamba. 105
Figura 40 — Comentários no clipe de "Quem Nunca?", da Grande Rio. 107
Figura 41 — Frame do clipe "Liberdade", de Júlia Nogueira e Them Con. 109
Figura 42 — Comentários no clipe "Liberdade", de Júlia Nogueira e Them Con. 110
Figura 43 — Comentários no clipe "Netflix", de Jé Santiago. 112
Figura 44 — Comentários no clipe "Preto Zica", de Racionais MCs. 113
Figura 45 — Comentários no clipe "Daqui Pro Futuro", de Vespas Mandarinas. 117
Figura 46 — Comentário em "Daqui Pro Futuro", de Vespas Mandarinas, com resposta do
músico Chuck Hipolitho 118
Figura 47 — Frame do clipe "Sem Boi", do MC WM, MC Marks e Sevenlox. 121
Figura 48 — Comentários no clipe "Sem Boi", de WM, MC Marks e Sevenlox. 122
Figura 49 — Frame de "Malokera", de MC Lan, Skrillex e Troyboi com Ludmilla e Ty Dolla
$ign. 123
Figura 50 — Frame de "Malokera", de MC Lan, Skrillex, TroyBoi com Ludmilla e Ty Dolla
$ign. 124
Figura 51 — Frame do clipe "Escobar 2", de MC Guimê K2RHYM 127
Figura 52 — Frame de "Escobar 2", de MC Guimê e K2RHYM. 127
Figura 53 — Frame do vídeo caseiro de "Envolvimento", de MC Loma e Gêmeas Lacração.
131
Figura 54 — Frame do clipe de "Envolvimento", de MC Loma, feito pela KondZilla. 13​2
Figura 55 — Frame do clipe "Ninguém Fica Parado", de Shevchenko & Elloco e Maneiro na
Voz. 134
Figura 56 — frame do clipe "Ninguém Fica Parado", de Shevchenko & Elloco e Maneiro na
Voz. 134
Figura 57: Frame de "Vem Me Satisfazer", de MC Elvis, DJ Pernambuco e MC Ingryd. 135
Figura 58: Frame de "Vem Me Satisfazer", de DJ Pernambuco, MC Elvis e MC Ingryd. 13​6
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1:​ Buscas pelo termo “kondzilla” de 2012 a de 2018 62


SUMÁRIO

Introdução 12
Capítulo 1: A reconfiguração do funk na era digital e a emergência do funk paulista 18
1.1 A centralidade do YouTube 18
1.2. Contextos históricos: ​Os bailes blacks, "Funk Brasil" e a pacificação violenta nas
favelas cariocas 23
​1.3 A emergência do funk paulista e o despontar da KondZilla 27
1.4. Dilatando o funk: as reconfigurações do gênero musical-midiático nos vídeos da
KondZilla 29

Capítulo 2​: ​Mapeando a rede de música pop periférica 44


2.1 Funk e a mídia como campo de disputa por narrativas 44
2.2 Do funk à rede de música pop periférica no YouTube 50
2.3 Sentidos políticos: a rede de música pop periférica como projeto de cidadania 54
2.4. A KondZilla e hegemonia na rede 6​0
2.5. Da putaria ao compliance: a consagração comercial da KondZilla 66
2.6. Marcas de subalternidade, cosmopolitismo e colonialismo: adaptações do funk no
mainstream 72

Capítulo 3​: ​Estratégias estéticas e mercadológicas em rede 76


3.1. Formando e analisando "constelações" de clipes 76
3.2. Os fracassos da KondZilla 80
​ .3: "Não precisa mais cantar, só ter dinheiro": disputas entre autenticidade e
3
comercialismo 87
​3.4. "Isso é uma bixonaaaa": um problema de gênero 9​1
3.5 Clipes de artistas identificados a outros gêneros musicais que não o funk 96
3.6 Clipes de encontros internacionais com artistas brasileiros 1​18
3.7 Além do eixo Rio-São Paulo: a rede de clipes do bregafunk de Recife 1​28

C​onsiderações finais: favela venceu? 1​37


4.1. A KondZilla como agente na rede de música pop periférica e como rede em si 1​37

Bibliografia 1​39

Anexos 148

​Anexo 1: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2016 148

Anexo 2: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2017 150

Anexo 3: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2018 152

Anexo 4: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2019 155

Anexo 5: Top 10 vídeos musicais mais vistos do YouTube Brasil em 2016 158
Anexo 5: Top 10 vídeos musicais mais vistos do YouTube Brasil em 2017 159

Anexo 6: Top 10 vídeos musicais mais vistos no YouTube Brasil em 2018 159

Anexo 7: Top 10 vídeos musicais mais vistos no YouTube Brasil em 2019 190
12

Introdução

No dia 15 de outubro de 2018, o MC Fioti tornou-se o primeiro artista


brasileiro a ter um vídeoclipe com 1 bilhão de acessos no YouTube. Gravada e
produzida pelo próprio Fioti, a música “Bum Bum Tam Tam” foi filmada e publicada
na plataforma de vídeos pela produtora paulistana KondZilla em 8 de março de
2017, alcançado a marca inédita após 18 meses de alta audiência entre o público
nacional e de outros países. Neste caminho, foram dois picos de acesso, com
bastante diversidade de público: o primeiro, em maio de 2017, teve 56,2 milhões de
visualizações, sendo que 93% de sua audiência era brasileira. O outro pico, ainda
mais alto, foi em janeiro de 2018, quando teve 86,3 milhões de visualizações em um
cenário inverso: apenas 13% de acessos brasileiros e 87% do resto do mundo, com
milhares de ouvintes na França, Colômbia, Argentina e Turquia1.
Oriundo das favelas do Rio de Janeiro dos meados dos anos 1980, o funk,
definido como uma “cultura dos massacrados”2 e “excluído do excluído”3, é
atravessado por um complexo de preconceitos e estigmas históricos que estão
intimamente entrelaçado à criminalização da população negra e periférica habitante
de favelas. Este processo encontra uma série de antecedentes ainda em festas
populares do século XIX e no samba das primeiras décadas do século XX, continua
pelos bailes black de soul music dos anos 1970 (OLIVEIRA, 2018), perpassa as
invasões da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, pelas
Forças Armadas e as Polícias Federal, Civil e Militar (CACERES et al, 2014) e
prevalece na prisão ilegal do DJ Rennan da Penha4 e na recente Sugestão
Legislativa 17/2017, que, com mais de 20 mil assinaturas na internet, reivindicou “a

1
Do total de 1 bilhão de acessos, 37% vieram do Brasil e os outros 63% do exterior. Além do Brasil,
outros seis países tiveram força nestes números: França (56 milhões de cliques), Colômbia (49 mi),
Argentina (43 mi), Turquia (43 mi), México (37 mi) e Índia (35 mi). Estatísticas disponíveis em:
https://glo.bo/2TIrjS9​. Acesso em 31 de março de 2019.
2
Definição dada pelo cantor Mr. Catra em depoimentos no filme S ​ ou Feia, Mas Tô na Moda.
Direção: Denise Garcia. Distribuidor: Imovision. 2005. Rio de Janeiro - RJ, 2005. 61 min.,
son., color.
3
VIANNA, Hermano apud PALOMBINI, Carlos. "Um funk muito barulhento". In: ANACAONA, Paula
(org.), Coletivo Eu Sou Favela - Contos e Artigos. Rio de Janeiro: Anacaona Edions, 2012.
4
Sobre a ilegalidade da prisão do DJ Rennan da Penha, ver: ALBUQUERQUE, GG. "O que o caso do
DJ Rennan da Penha diz sobre o estado atual do Judiciário brasileiro". São Paulo: Vice Brasil, 24 de
abril de 2019. Disponível em: ​https://bit.ly/2PDvk7Z​. Acesso em 21 de março de 2020.
13

criminalização do funk como crime de saúde pública à criança, aos adolescentes e à


família”5. Além disso, poucos funkeiros participam de programas nacionais de
televisão e nenhuma música do gênero consta nas listas das 100 músicas mais
tocadas no ano pelas rádios brasileiras aferidas pelo Instituto Crowley. Mas, ainda
assim, uma música como "Bum Bum Tam Tam" ultrapassa as fronteiras dos bairros
da periferia, do estado de São Paulo, do Brasil e é ouvida 1 bilhão de vezes na
internet.
Quanto mais eu ouvia, produzia reportagens, participava e investigava
diferentes cenas do funk, mais era atraído por esse paradoxo. Como pode uma
expressão musical ser ao mesmo tão popular e tão odiada, ao ponto de ser
continuamente criminalizada? E como esse mercado musical conseguia ter tamanha
difusão e peso, permeando o Brasil em quase toda sua extensão à revelia das
instituições tradicionais do ​mainstream (rádio, TV) e da negligência da mídia
corporativa?
Levado por esses questionamentos, percebi que minhas atenções deveriam
voltar-se à internet e mais especificamente ao YouTube. Quando músicas e clipes
como "Ai Meu Deus, Como é Bom Ser Vida Loka" explodiram na plataforma de
vídeos e MCs de funk ostentação apareceram no ranking dos termos mais buscados
do Google no Brasil, a imprensa parecia imóvel diante do fenômeno, relatando tudo
com inexplicável surpresa. A mesma surpresa e desconhecimento que permeou as
análises sobre a morte de pessoas como MC Daleste, Cristiano Araújo e mais
recentemente Gabriel Diniz, artistas aclamados entre as camadas mais populares
cujo luto público foi destratado, diminuído6 ou ironizado7 por críticos. Perceber essa
condição dupla –– tão famosos e tão desconhecidos –– foi revelador: o YouTube
não é só um meio, uma ferramenta para consumir a música e meio para se
estruturar um mercado paralelo aos grandes conglomerados da indústria fonográfica
oficial, mas também um local capaz de engendrar uma rede de vínculos estéticos,
afetivos e comerciais entre culturas das periferias do Brasil. No YouTube, distintas
cenas musicais marginalizadas vão se conectar, disputar visibilidade e adquirir

5
Matéria disponível em: ​https://bit.ly/2XHRBpu​, último acesso em 17 de setembro de 2017.
6
Ver: ​https://glo.bo/3iuXtKR​. Acesso em 31 de julho de 2019.
7
Ver: ​https://bit.ly/3af5aCb​. Acesso em 31 de julho de 2019.
14

traços de uma coletividade política ao tornar audíveis e visíveis essas sonoridades,


imagens e corpos silenciados em nossa história.
Foi neste momento que a KondZilla me chamou atenção como objeto de
pesquisa. Para além da robustez numérica impressionante –– segundo maior canal
de música do YouTube e o maior da América Latina ––, a KondZilla era reconhecida
entre os funkeiros como um padrão de alta qualidade, uma "TV Globo do funk",
como me disse certa vez o MC recifense Elloco, da dupla Shevchenko & Elloco.
Havia também um objetivo autodeclarado do seu fundador, Konrad Dantas, de ser "o
maior comunicador com jovens de comunidade do Brasil"8, buscando também
expandir sua empresa além dos clipes (com série no Netflix, gravadora, agência de
artistas e portal jornalístico) e além do próprio nicho do funk. Em outras palavras, a
KondZilla intensificou e declarou um projeto de ​mainstreaming do funk,
aproximando-o do pop para tentar transformá-lo na "urban music" brasileira como o
rap e o R&B são nos Estados Unidos. Partindo da hipótese da KondZilla como um
ator hegemônico na rede de música pop periférica no YouTube, busco investigar
neste trabalho as estratégias estéticas e comerciais construídas pela empresa para
consolidar seu projeto e, no sentido inverso, o que estas estratégias dizem/como
ressoam no funk e na rede de música pop periférica.
Abro a discussão, no primeiro capítulo, a partir da noção de gênero
musical-midiático, observando-como o trabalho da KondZilla, no contexto da
mudança do eixo econômico do funk do Rio de Janeiro para São Paulo, instaura
uma disputa e uma reconfiguração em torno do próprio funk. Na sequência, no
capítulo dois, amplio a discussão ao sair da noção mais restrita de gênero e passar
para ideia de rede de música pop periférica a partir do YouTube, refletindo sobre
seus aspectos midiáticos, políticos e tentando delinear as diretrizes estéticas básicas
consagradas pela KondZilla. Por fim, tento situar essas "normas" estéticas
identificadas em vídeos da fase de pico de audiência do canal em uma perspectiva
dos estudos pós-coloniais. Meu objetivo é menos a KondZilla em si, e mais utilizar a
empresa como uma lente para compreender o estado da periférica contemporânea e
suas dinâmicas comunicativas.

8
Conferir entrevista de Konrad Dantas ao Meio e Mensagem, disponível em: ​https://bit.ly/3fHKwvA​.
Acesso em 20 de março de 2020.
15

Pouco antes do início formal da pesquisa, quando eu ainda estava


escrevendo o meu projeto de pesquisa de mestrado, recebi um convite de escrever
para o recém-criado Portal KondZilla. Por volta de 2016 eu passei a escrever com
mais regularidade sobre funk, tanto no meu blog pessoal Volume Morto quanto no
Jornal do Commercio, onde trabalhava como repórter no caderno de cultura. Esses
textos foram circulando mais e despertando certo interesse. Em abril de 2017,
Renato Martins, que até então eu não conhecia, me contatou através do Facebook.
Explicou que era editor do Portal KondZilla e que gostaria de republicar no site um
texto que eu havia publicado em meu blog sobre o funk 150 BPM, um movimento
musical que começava a surgir nas favelas do Rio de Janeiro9. Na sequência,
publiquei uma versão mais longa, em duas partes10, de um outro texto que eu havia
postado em meu blog sobre o funk mineiro11. E assim me tornei um colaborador
frequente do Portal KondZilla enquanto jornalista, às vezes propondo e às vezes
recebendo propostas de pauta, que eu desenvolvia, apurava, escrevia. Um trabalho
pelo qual era devidamente remunerado, um valor que variava e dependia do
trabalho.
A princípio, fiquei receoso de que esse trabalho para o portal pudesse colocar
em cheque a minha credibilidade como pesquisador acadêmico que estudava a
KondZilla. No entanto, senti muita liberdade neste trabalho e nas relações que ele
trouxe. Nunca houve, por exemplo uma proibição de falar sobre ou entrevistar
artistas da GR6, a principal concorrente da KondZilla no mercado de clipes de funk.
Tal fato só ocorreu após a conclusão deste trabalho, e por determinação dos artistas
da GR6 — não do meu editor ou da KondZilla. Neste sentido, meu contato é e
sempre foi direta e unicamente com o editor do site, Renato Martins, que tem ciência
de que estou realizando esta pesquisa de mestrado sobre a KondZilla. Para se ter
ideia: nunca falei com Konrad Dantas e, curiosamente, só o vi pessoalmente uma
vez.
Não quero dizer com isso que este trabalho de freelancer com a KondZilla é
absolutamente neutro e não interfere na minha pesquisa. Ao contrário, a relação que
se estabeleceu foi trabalhista, o que por si só é bastante relevante. No entanto, não

9
Disponível em: ​https://bit.ly/2XNSLzY​. Acesso em 31 de julho de 2019.
10
Disponíveis em ​https://bit.ly/2Dy5Gzj​ e ​https://bit.ly/2Dy5Gzj​. Acesso em 31 de julho de 2019.
11
Disponível em: ​https://bit.ly/3fIZLUR​. Acesso em 31 de julho de 2019.
16

há uma criação de vínculos pessoais com a empresa, que, apesar de eu ter


conhecido a sede em duas ocasiões –– antes uma simples casa de dois andares;
depois um local bem maior, mais sofisticado e equipado com estúdios de vídeo, de
áudio, duas salas de reunião e com um tecnológico leitor de digitais para acessar as
portas –– sempre me pareceu ambiguamente próxima e distante. Como meu contato
era sempre com Renato, para mim, na prática, era mais como se eu estivesse em
contato com ele do que com a KondZilla em si.
Não obstante, esse trabalho me colocou numa posição de influenciar o
próprio objeto. Quando produzo uma matéria sobre a luta LGBT no funk12 ou faço
textos pioneiros na tematização de certos movimentos regionais do funk (como os
citados 150 BPM e funk mineiro), isto passa a compor o discurso midiático que a
KondZilla afirma através de seu portal. O trabalho de colaborador do site também
me colocou em um ponto mais próximo de observação que não é essencialmente
bom ou ruim, mas que influencia a minha percepção do fenômeno. Foi devido ao
trabalho que acompanhei a gravação de um videoclipe –– "Vem Verão", de MC CL
com MC Fioti ––, e pude ver em primeira mão o primeiro episódio da série "Sintonia"
produzida para o Netflix, assim como também pude saber de alguns bastidores e
compreender melhor o funcionamento da KondZilla.
Mas o principal neste trabalho –– e não só o que realizei com a KondZilla,
mas também as matéria que produzi para o portal Vice Brasil –– foi o contato e as
entrevistas que fiz com MCs e DJs, que fundamentaram meu modo de conhecer o
funk. Não sou da favela, embora tenha morado em zonas afastadas na Região
Metropolitana do Recife. Foi a escuta jornalística atenta a esses artistas, produtores
e ativistas das periferias que me formou nesse âmbito e sou grato a todos que se
disponibilizaram a praticar essa troca. Não tenho claro e total discernimento de como
essa experiência me molda, mas tenho certeza de que ela implfica numa abordagem
particular, mais voltada para determinadas questões em detrimento de outras.
Renuncio a imparcialidade, mas isso não tem a ver com desenvolver um
pensamento acrítico ou "chapa-branca". A questão aqui é reconhecer e deixar claro
o local de observação, o ponto de vista da análise para se desconstruir o mito da
neutralidade científica.

12
Ver: ​https://kondzilla.com/m/uma-historia-da-luta-lgbt-no-funk/​. Acesso em 31 de julho de 2019.
17

No capítulo 1, recorremos a estudos sobre o desenvolvimento da cena


musical do funk para situar o contexto histórico no qual a KondZilla está inserida,
bem como as transformações que a produtora impulsionou nos âmbitos estéticos e
econômicos do gênero musical no contexto do consumo de música digital. Na
sequência, no capítulo 2, aprofundamos o debate na questão do mundo digital e
discutimos a proposta conceitual de rede de música brasileira pop periférica
proposta por Simone Pereira de Sá (2017), ao mesmo tempo em que demonstramos
como a KondZilla passou a ocupar um posto hegemônico dentro dessa circulação
em rede da música periférica e indicamos certos marcos que apontam para uma
estilística da KondZilla. Por fim, no terceiro capítulo, montamos e analisamos cinco
grupos de videoclipes — vídeos "fracassados" (com poucos ​views e muitos ​dislikes)​ ;
clipes de artistas associados a outros gêneros musicais que não o funk; clipes de
feats de artistas brasileiros e internacionais; clipes de artistas de fora do eixo
Rio/São Paulo — que indicam um complexo conjunto de valores bem disputas
estéticas e comerciais tanto da KondZilla como do funk e a constante formação de
redes que ultrapassa a ideia do gênero musical.
18

Capítulo 1

A reconfiguração do funk na era digital e a emergência do funk


paulista

1.1 A centralidade do YouTube


Há um contraste entre as músicas mais tocadas nas rádios do Brasil e
aquelas mais executadas no país através do YouTube. Uma assimetria que aponta
para tensionamentos tanto de ordem econômica quanto de ordem estética nas
relações entre modos de consumo musical e classe social. Dedicado ao
monitoramento das emissoras brasileiras, o Instituto Crowley divulga ao fim de todo
ano a lista das 100 músicas mais tocadas nos doze meses anteriores nas rádios.
Nestas listas, observa-se, desde pelo menos 201513, o predomínio quase absoluto
de músicas sertanejas nas ondas FM. Naquele ano, 73% do Top 100 era ocupado
pelo gênero, representado por artistas como Luan Santana, Henrique e Juliano,
Marcos e Belutti, Luccas Lucco, Cristiano Araújo e Eduardo Costa. Nos anos
seguintes, o sertanejo se expandiu e ocupou fatias ainda maiores: 90%, 92%, 91%
e 89% das posições do ranking de 2016 a 2019, respectivamente14.
Enquanto as rádios efetivam-se como monopólio do sertanejo, as listas dos
vídeos musicais mais assistidos no YouTube brasileiro no mesmo período — de
2016 a 2019 — nos revelam um Brasil com preferências distintas e um pouco mais
diversificadas15. Ainda que o sertanejo tenha alta expressividade, outros gêneros
musicais também ocupam posição de destaque na lista dos mais visualizados na
plataforma de vídeos. Entre eles, chama atenção especialmente o caso do funk, pois
dentre as 400 canções somadas no Top 100 das rádios entre 2016 e 2019 constam
apenas duas canções do gênero: "Vai Malandra", música em que a cantora pop

13
2015 foi o ano em que artistas rotulados pela imprensa e fãs como "pop rock" nacional sumiram de
vez do Top 100. No anterior, o Skank foi o único representante do gênero. Ver: ORTEGA, Rodrigo.
"Rock nacional some do top 100 anual de rádios do Brasil; sertanejo domina". G1: São Paulo, 2014.
Disponível em: <​https://glo.bo/3fD7g0w​>. Acesso em 20 de novembro de 2019.
14
As listas das músicas mais tocadas das rádios estão disponíveis na íntegra nos anexos deste
trabalho.
15
As listas das músicas mais ouvidas do YouTube brasileiro também estão nos anexos.
19

Anitta revisita suas origens no mundo funk em parceria com o produtor musical DJ
Yuri Martins e o MC Zaac mais o duo eletrônico brasileiro Tropkillaz e o rapper
norte-americano Maejor, e "Terremoto", outra parceria de Anitta, desta vez com o
MC carioca Kevinho, que mistura o funk com batidas do reggaeton caribenho. Por
outro lado, no Top 10 vídeos musicais mais vistos do YouTube Brasil contabiliza-se
dez funks e mais uma música de bregafunk16 — 11 em um total de 40. Em resumo,
enquanto o funk está praticamente ausente nas mais tocadas das rádios, ocupando
apenas 0,5% do Top 100 das rádios entre 2016 e 2019, no Youtube a sua presença
é imponente, ocupando 27,5% das posições do Top 10 deste mesmo período de
tempo com músicas como "Bum Bum Tam Tam" (MC Fioti), "Bumbum Granada"
(MCs Zaac & Jerry), "Cheia de Marra" (MC Livinho) e "O Grave Bater" (MC Kevinho),
"Malandramente", (Dennis e MCs Nandinho e Nego Bam), entre outras.
Considerando que o YouTube é o segundo site mais acessado pelos
brasileiros17 e que estes vídeos batem a marca de milhões de visualizações, este
contraste entre as músicas mais tocadas nas rádios brasileiras e as mais
visualizadas na plataforma de vídeos nos revela uma desafiante complexificação na
radiografia das preferências populares. Nesta radiografia, é explicitada a ausência
de gêneros historicamente vinculados à sensibilidade estética das classes médias
urbanas — como a bossa nova, a MPB e o rock — em prol de outros gêneros,
tradicionalmente taxados como "de mau gosto", "má qualidade" e "baixo valor" pelas
mesmas classes médias urbanas e deslegitimados pela imprensa cultural — como o
funk e o sertanejo. Avistamos aqui um sintoma de uma problemática mais ampla e
densa acerca das representações do popular. As listas do YouTube põem em
evidência rastros de sonoridades periféricas, músicas provenientes de classes
econômicas e raças subalternizadas, que foram social e culturalmente silenciadas
ou estrategicamente esquecidas, e nos oferecem o vislumbre de uma outra matriz
de cultura popular, aquela que está fora dos compêndios críticos da música

16
O bregafunk é um movimento que nasce nas periferias do Recife com influências de funk e do
cancioneiro romântico do Nordeste, o chamado brega. Ao mesmo tempo em que tem o funk como
referência, o bregafunk possui características musicais e sociais próprias que o colocam numa outro
lugar dentro do ecossistema de músicas periféricas brasileiras. Ver ​ALBUQUERQUE, GG. "O
nascimento do bregafunk é a história de sobrevivência dos MCs do Recife". Vice Brasil, 2018.
​ ​http://bit.ly/2vJX9Eu​>. Acesso em 31 de março de 2019
Disponível em:​ <
17
Disponível em:​ <​ ​https://bit.ly/2Tgc2rB​>. Acesso em 31 de março de 2019.
20

brasileira oficial e, muitas vezes, dos espaços da mídia corporativa. O fato do funk
estar fora do Top 100 das rádios, mas fortemente presente no Top 10 do Youtube
aponta a centralidade desta plataforma de vídeos na discussão sobre cultura
musical periférica ​e revela a pluralidade de ferramentas para mensuração de um
sucesso musical. É possível perceber não só uma fragmentação dos modos de
escutar música articulados às diferentes materialidades dos dispositivos, aplicativos
e plataformas de musicais, bem como ao próprio modo como os consumidores
agenciam os conteúdos musicais em distintas ambientações de escuta. O modo
como a ambientação midiática do YouTube acabou por entrelaçar aos modos de
produzir e consumir funk aponta para a emergência de novos agenciamentos entre
música, classe, raça e gênero na cultura digital. O YouTube, por exemplo, apesar de
seu novo serviço de assinatura YouTube Music, ficou conhecido pelo acesso gratuito
e pela facilidade que todos usuários têm para disponibilizar conteúdos audiovisuais
— uma dinâmica conhecida como User Generated Content (UG) ou conteúdo
gerado por usuários. Já os mais novos aplicativos de consumo de música como
Spotify e Deezer firmaram-se no mercado através de assinaturas premium que
permitem sem anúncios publicitários. No panorama atual, escutar música sem
interrupções de anúncios tornou-se sinal de distinção cultural, o que mostra como
fatores socioeconômicos não podem ser separados da ambientação tecnológica.
Deste modo, é na tessitura do YouTube os gêneros musicais periféricos do
Brasil, em consonância com o crescimento do acesso das classes populares à
internet, vão constituir seus processos comunicativos, produzir sentido para uma
comunidade de fãs, fundar e consolidar um mercado próprio, que opera por linhas
distintas daquelas do mercado fonográfico tradicional das grandes gravadoras e por
fora dos dispositivos de circulação da mídia corporativa, mas, ainda assim, com
alcance amplo e disseminação massiva, constituindo uma espécie de ​mainstream18
paralelo, não-oficial.
Fundada em 2012 com sede em São Paulo, a KondZilla é uma produtora de
videoclipes que ocupa o epicentro da irrupção das músicas periféricas no cenário do

18
"A palavra, de difícil tradução, significa literalmente 'dominante' ou 'grande público', sendo usada
em geral para se referir a um meio de comunicação, um programa de televisão ou um produto cultural
que vise um público amplo. ​Mainstream é ​ o inverso da contracultura, da subcultura, dos nichos
(MARTEL, 2012, p. 20)".
21

YouTube. Somando os 30 vídeos do Top 10 músicas do YouTube no Brasil entre


19
2016 e 2019 , nove foram feitos e publicados pela produtora, isto é, 22,5% do total.
Em abril de 2017, o canal bateu a marca de 5,5 bilhões de visualizações,
tornando-se o maior canal do YouTube no Brasil em número de visualizações, à
frente do humorista Whindersson Nunes — a cada segundo, 254 pessoas clicavam
em um dos clipes do canal (ORTEGA, 2017a). No ano seguinte, em outubro de
2018, o Canal KondZilla ultrapassou o cantor Justin Bieber e tornou-se terceiro
maior canal do mundo na categoria de canal musical em número de inscritos.
Atualmente está em segundo segundo lugar deste mesmo ranking, com 57.7
milhões de inscritos, atrás apenas da produtora indiana de bollywood T-Series, que
20
possui 139 milhões .
Ao mesmo tempo em que a KondZilla atua em um caminho de ​mainstreaming
21
do funk, construindo as diretrizes estéticas hegemônicas do funk e, por extensão,
da música popular periférica, uma escuta e um olhar atentos aos seus clipes nos
permite ver um vetor de heterogeneidade e pluralidade. Dentro do que é
midiaticamente enquadrado e popularmente reconhecido como funk, existe uma
grande amplitude de vertentes, com clivagens que podem ser de ordem temática ou
sonora e que têm papel importante no processo comunicativo do gênero e no
estabelecimento de horizonte de expectativas do ouvinte. Só entre os vídeos que
emplacaram no top 10, as produções da KondZilla vão da "putaria"22 suburbana
explícita com batidas secas e graves de canções como "Baile de Favela", do MC
João e DJ R7, à balada romântica "Amor de Verdade", do MC Kekel e MC Rita
produzida pelo DJ RD. Vemos também conexões com outros gêneros musicais
populares, conforme a parceria entre o MC paulistano Kevinho e a dupla sertaneja
cearense Simone & Simaria na faixa "Ta Tum Tum". E ainda há brechas para
sonoridades mais localizadas e cenas musicais que reprocessam regionalmente
estéticas ​nacionais e transnacionais, como é o caso de "Envolvimento", música das
pernambucanas MC Loma e Gêmeas Lacração que efetivou o movimento musical

19
A lista completa está disponível nos seguintes links: mais vistos de 2016:
<​www.bit.ly/topyoutube2016​>. Mais vistos de 2017: <​www.bit.ly/topyoutube2017​>. Mais vistos de
2018: <​www.bit.ly/topyoutube2018​>. Acesso em 23 de março de 2020.
20
Dados disponíveis em: <​https://bit.ly/3dZFMAJ​>. Acesso em 19 de maio de 2020.
21
Isto é, o processo de tornar-se ​mainstream​, disputando o mercado hegemônico do entretenimento.
22
Nome de uma vertente do funk, destinada à temática sexual.
22

bregafunk do Recife no cenário nacional (BENTO, 2018). Diante das complexidades


deste quadro, surge a pergunta: como podemos analisar a emergência econômica e
os alicerces estéticos da KondZilla em perspectiva macro e estrutural, sem no
entanto silenciar sua diversidade ou ignorar suas particularidades?
Ao mapear e analisar as listas dos vídeos mais assistidos no YouTube
brasileiro de 2012 a 201523, Simone Pereira de Sá (2017) parece ter encontrado
desafio similar. Como lidar ao mesmo tempo com objetos tão diferentes entre si
como um clipe de pop coreano do cantor Psy, vídeos da animação infantil Galinha
Pintadinha, músicas do funk ostentação, duplas de sertanejo universitário, o hit do
carnaval baiano "Lepo Lepo", videoclipes amadores como "Ah leklek lek lek lek lek
(Passinho do Volante)" e memes humorísticos como "Para nossa alegria"? A partir
do conceito de rede sociotécnica cunhado por Bruno Latour no que chamou de
teoria ator-rede, a autora desenvolve a ideia de uma "rede de música pop periférica"
como operador análitico mais abrangente, propondo, em vez de uma análise
imanente e minuciosa dos vídeos em si, uma olhar para uma conjunto de clipes e os
"vasos comunicantes" entre eles, isto é, os pontos que os interligam e revelam
similaridades. Em outras palavras, o desafio é pensar a riqueza e a dinâmica
comunicativa daquilo que conecta e articula todos estes produtos audiovisuais, em
vez da densidade específica de cada vídeo individualmente.
Mas para compreender o papel do canal e dos vídeos da KondZilla como o
principal ator na formação da chamada rede de música pop periférica e analisar as
formas estéticas que envolvem a sua consagração econômica, é preciso dar alguns
passos atrás para situar o funk historicamente e abrir uma discussão sobre gênero
musical e sua reconfiguração em tempo de cultura musical digital, particularmente
através do YouTube. Retomaremos aqui a narrativa histórica do desenvolvimento do
funk não para necessariamente reafirmá-la, mas sim para esclarecer o contexto do
qual emerge a KondZilla, este sim nosso objeto de análise. O momento atual de
mainstreaming alavancado pela KondZilla envolve uma transformação e um
dilatamento da própria definição de funk em um processo que se dá entre disputas

23
Vale salientar que, em nossa argumentação, tratamos dos mais vídeos do YouTube brasileiro na
categoria música, enquanto Simone Pereira de Sá, no artigo citado, trabalha a partir da lista dos mais
vistos na categoria geral.
23

econômicas, simbólicas e formais as quais requerem um entendimento desta


perspectiva histórica a seguir.

1.2. Contextos históricos: os bailes blacks, "Funk Brasil" e a pacificação


violenta nas favelas cariocas

No início da década de 1970, os DJs Big Boy e Ademir Lemos organizam no


bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, os chamados "bailes da pesada", nutridos por
LPs que dividem-se entre o rock progressivo e soul norte-americano. Pouco depois,
Mister Funky Santos e Dom Filó montam, respectivamente nos bairros Catumbi e
Andaraí, os bailes black, exclusivamente dedicados ao soul e black music dos
Estados Unidos e em torno de um ideal politizado de consciência negra. À medida
que, nos Estados Unidos da década de 1980, o funk cede espaço ao hip hop como
expressão musical popular negra, no Brasil os chamados bailes black vão dando
lugar aos bailes funk, nos quais a música funk/soul norte-americana cede espaço às
vertentes eletrônicas do rap, como o latin freestyle, o miami bass e outros tantos
(ESSINGER, 2005; PALOMBINI, 2013; VIANNA, 2014). Esse é o cenário dos bailes
funks ou, na terminologia de Vianna (2014), do "mundo funk carioca", que reunia
todo final de semana centenas de milhares de jovens em festas realizadas nos
subúrbios em toda extensão do estado do Rio de Janeiro.
De acordo com a historiografia apresentada pelo antropólogo Hermano
Vianna (2014) em sintonia com o DJ Marlboro, a música funk carioca tem como
"marco zero" o lançamento do LP "DJ Marlboro Apresenta: Funk Brasil" (Polydor,
1989), que teria nacionalizado os raps americanos, passando a suprir os bailes com
a primeira música eletrônica dançante do país. Nos bailes, passaram a ser tocadas
não apenas as músicas dos LPs importados dos Estados Unidos, mas também
músicas em português cantadas e produzidas por MCs e DJs/produtores musicais
locais, que aos poucos foram lançando seus próprios álbuns. Daí em diante, o funk
vai se desenvolver historicamente com bases musicais distintas, mais ou menos
correspondentes a determinadas décadas — o ​Volt-Mix ​nos anos 1990, o
Tamborzão nos anos 2000, o Beatbox no início dos anos 2010 — e vertentes
24

temáticas variadas — ostentação, putaria, proibidão, comédia, ​melody etc.


(Palombini, 2014; 2016) com crescente popularidade.
Em novembro do ano 2000, Marlboro assumiu o posto de DJ do programa da
Xuxa ("Planeta da Xuxa"), demarcando que o funk deixava de ser um fenômeno
principalmente carioca para tomar fôlego nacional. Essinger (2005) indica o ano de
2001 como um ponto de virada no crescimento da cena. Naquele ano, o Bonde do
Tigrão tornou-se uma das bandas mais populares do país, apresentando-se pelo
Brasil com o hit "Cerol na Mão". Mediadores culturais também passaram a
apresentar uma imagem mais palatável do gênero nos veículos de comunicação. No
mesmo ano, o funk ocupava espaços dentro da grande mídia e podia ser ouvido nos
programas de TV "Caldeirão do Huck" (Globo), "Mulheres" (Gazeta), "É Show"
(Record), "Funk Total" e "Superpop" (ambos da RedeTV!). Este último até ganhou
uma edição especialmente dedicada ao funk, exibido às segundas-feiras. Também
naquele ano o programa da equipe de som Furacão 2000 foi transmitido
nacionalmente pela TV Bandeirantes.
Na sequência, em 2002, o CD "Tornado Muito Nervoso 2", organizado pela
Furacão 2000, efetivou a primeira fase de ​mainstreaming do funk ao cravar os
sucessos "Tapinha" (de Naldinho & Bela), "Jonathan da Nova Geração" (Jonathan
Costa) e a supracitada "Cerol na Mão" (Bonde do Tigrão) no Brasil. A coletânea
vendeu em torno de 200 a 400 mil cópias — número bastante expressivo
considerando que os CDs da Furacão eram distribuídos de forma independente,
vendidos a R$ 10,90 em bancas de jornal24.
Apesar do crescente sucesso, o funk no Rio de Janeiro atravessou um
processo político e jurídico de criminalização e inviabilização dos bailes — uma
opressão sistemática que sufocaria a cena carioca e, como veremos, elevaria os
MCs da cena paulista, onde a KondZilla aparece. Em 1999, a Assembleia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro instituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito "com
a finalidade de investigar os 'bailes funk', com indícios de violência, drogas e desvio
de comportamento do público infanto-juvenil". Caracterizando os bailes como um

24
Em 1991, Rômulo Costa, dono da Furacão 2000, abriu seu próprio selo para lançar o LP "Força
Funk". Em entrevista a Essinger (2005), o empresário conta: "Eu vendi 1 milhão e 300 mil cópias na
Som Livre e eles me deram 80 mil reais. Era muito pouco dinheiro. Depois que eu comecei a vender
10 mil CDs [pela minha gravadora] eu ganhei muito mais".
25

assunto de polícia — e não de cultura e lazer —, a CPI estadual do funk resultou na


promulgação em 2000 da Lei nº 3.410, que visava a disciplinarização do funk,
determinando a instalação obrigatória de detectores de metais nas portarias dos
bailes, presença de policiais militares durante todo o evento, permissão escrita da
polícia para autorização da festa, interdição de locais onde se realizem "atos de
violência incentivada, erotismo e pornografia" e proibição da execução de músicas e
procedimentos de apologia ao crime, dentre outras medidas25. Em 2008, a Lei nº
5.625 revogou a Lei nº 3.410 e estabeleceu normas ainda mais restritivas. Segundo
esta nova legislação, a permissão escrita que permitiria a realização do baile deveria
ser solicitada com antecedência mínima de 30 dias mediante apresentação de oito
documentos, dentre os quais: comprovante de tratamento acústico (se o evento for
em ambiente fechado); anotação, expedida pela autoridade municipal, de
responsabilidade técnica das instalações de infraestrutura; contrato de empresa
autorizada pela Polícia Federal a responsabilizar-se pela segurança interna;
comprovante de instalação de detectores de metal, câmeras e dispositivos de
gravação de imagens. Tal quadro só foi alterado em 2009, quando a Lei nº 5.625 foi
revogada pelas Leis nº 5.543/09 e 5.544/09 e ficou definido que o funk é um
movimento cultural e musical de caráter popular (Lei 5.543/09, art. 1º), competindo
ao poder público assegurar a realização de suas manifestações, sem regras
diferentes das que regem outras da mesma natureza (art. 2º). Ainda segundo a lei,
os assuntos relativos ao funk deveriam ser tratados prioritariamente pelos órgãos do
Estado relacionado à cultura (art. 3º), sendo proibido qualquer tipo de discriminação
ou preconceito contra o movimento (art. 4º).
Apesar da instauração daquilo que ficou conhecido como "Lei Funk é Cultura"
em 2009, no ano seguinte o funk do Rio de Janeiro sofreu um golpe violento. As
invasões da favela Vila Cruzeiro (no Complexo da Penha) e do Complexo do Alemão
pelas Forças Armadas e as Polícias Federal, Civil e Militar nos dias 25 e 28 de
novembro de 2010 culminaram, na tarde de domingo, 28 de novembro, no

25
É importante ressaltar como tais medidas visavam apenas a repressão ao funk. "A série de
episódios violentos por que passaram os bailes funk pode ser explicada em parte pela atuação
meramente repressiva das autoridades, que, ao invés de oferecerem segurança aos frequentadores,
se limitavam a interditar os bailes, confundindo a vítima com o problema" (MARTINS, Denis. 2006, P.
103)
26

hasteamento da bandeira nacional no alto do teleférico inacabado do Complexo do


Alemão. Nem o chefe do comércio de substâncias ilícitas na Vila Cruzeiro (Fabiano
Atanazio da Silva, o "FB"), nem o do Complexo (Luciano Martiniano da Silva, o
"Pezão") foram presos, mas cinco dos principais MCs da cidade (Frank, Max, Tikão,
Dido e Smith) tiveram ordem de prisão decretada e foram presos ilegalmente26 em
dezembro. As invasões e ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão
tinham como objetivo declarado a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs), projeto de segurança pública que vinha sendo implementado desde 2008
com a supressão de garantias constitucionais individuais — as chamadas cláusulas
pétreas — sob a tutela de uma autoridade policial. Na prática, as UPPs significaram
uma atualização e complexificação dos mecanismos de proibição dos bailes, desta
vez nos territórios das favelas "pacificadas". Dois dos principais eventos do funk
aquela época, os bailes nos complexos da Penha e do Alemão, aconteciam com
base em acordos entre lideranças do Comando Vermelho (CV) e policiais militares
mediante pagamento de taxa conhecida como "arrego"27. Após as invasões,
instaurou-se por tempo indeterminado um estado de sítio não declarado:

Criando suas próprias leis e regras, como a frequente justificativa de


que a "comunidade ainda não estava preparada para o funk", os comandos
das UPPS acabavam com bailes, impediam rodas de funk e perseguiam
funkeiros. Utilizando-se de um instrumento legal, a "Resolução 013",
normativa que é resquício do regime militar, os Comandantes das UPPs
listavam inúmeras exigências, que não eram padronizadas, e nem mesmo
muito claras, para realização dos bailes. O resultado é que em pouco mais de
6 anos de pacificação vimos uma manifestação cultural, o baile funk de
favela, ser criminalizado a ponto de quase desaparecer em favelas com a
presença de UPPs. (FACINA, Adriana; PASSOS, Pamela, 2015, p. 2).

Carlos Palombini faz coro às palavras de Facina e Passos, sintetizando desta


forma: "Privados dos palcos que as consagraram, as melhores vozes [do funk] se

26
Os MCs tiveram prisão temporária decretada por 30 dias (quando o máximo permitido são 15) pelos
delitos de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal), apologia ao crime ou ao criminoso (art. 287
do CP), indução instigação ou auxílio ao uso indevido de droga (art. 33, § 2º da Lei 11.343/2006), e
associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei 11.343/2006), sem qualquer evidência concreta
dos delitos, que nem mesmo admitem a possibilidade de prisão temporária. Ver CACERES,
Guillermo; FERRARI, Lucas; PALOMBINI, Carlos. "A Era Lula/Tamborzão: política e sonoridade".
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 58, p.157-207, jun. 2014.
27
Carlos Palombini (2012) diz que, de acordo com a história oral, os bailes do Complexo da Penha
rendiam ao batalhão da Polícia Militar de 20 a 25 mil reais por fim de semana. Em entrevistas que fiz
em 2018 no Rio de Janeiro, fontes citaram que no Baile da Gaiola, também na Penha, o valor do
arrego era de 80 mil reais por semana.
27

viram coagidas a abrir mão de seus direitos constitucionais na salvaguarda da


própria integridade física" (2012).
Deste modo, os bailes nas favelas da capital carioca eram vetados pela
presença das UPPs. Mas, longe da pacificação armada, a polícia passou a atuar
com violência também nos bailes das Zonas Norte e Oeste, na Baixada Fluminense,
em São Gonçalo e Niterói. Palombini enumera:

Na madrugada de terça-feira, 8 de maio de 2012, a tropa de elite


destruiu à bala o equipamento de uma equipe de som no baile do Arará, em
Benfica. Na madrugada de domingo, 13 de maio de 2012, usando toucas
ninja, a tropa de elite incinerou todo o equipamento da equipe Expresso 54
no baile de Pedreira, em Costa Barros, além de fraturar duas vértebras e
quebrar dois ossos da bacia do empresário, hospitalizado em estado grave.
Na madrugada de um sábado, 26 de maio de 2012, policiais militares
incineraram parte do equipamento de uma equipe e roubaram o restante no
baile do Barrinho, em Belford Roxo. (PALOMBINI, 2012, p 278).

Portanto, ainda que novos talentos sempre venham a despontar, vemos que o funk
carioca foi sendo constantemente sufocado por uma série de ações repressivas do Estado.

1.3 A emergência do funk paulista e o despontar da KondZilla


Enquanto os bailes do Rio de Janeiro eram silenciados, na mesma época o
funk de São Paulo — mais especificamente da área da Baixada Santista — florescia
apresentando uma nova cara e um novo som. Influenciados pelos proibidões de
Smith, Orelha, Max, Tikão e outros cariocas, inicialmente os MCs paulistas cantavam
letras que refletiam os dramas, sofrimentos e benesses da vida no crime e reflexões
existenciais sobre a guerra ao tráfico, mas foram deixando esta temática de lado
após cinco MCs e um DJ proeminentes da cena terem sido assassinados entre 2010
e 2013, todos os casos com indícios significativos de execução e com casos não
solucionados28. Outros MCs ainda sofreram tentativa de homicídio, como é o caso
do Neguinho da Kaxeta, que em 2012 levou quatro tiros após um show e sobreviveu

28
O MC Felipe Boladão e seu DJ, ​Felipe da Silva Gomes, ambos com 20 anos, foram baleados em
Praia Grande por um homem de moto no dia 10 de abril de 2010. O MC Duda do Marapé (Eduardo
Antônio Lara), aos 27 anos, foi executado com 9 tiros disparados por dois homens em uma moto no
centro de Santos no dia 12 de abril de 2011.O MC Primo foi morto aos 28 anos com 11 tiros ao
estacionar seu carro com a esposa e os filhos em frente da sua casa, em São Vicente, no dia 19 de
abril de 2012. MC Careca foi morto aos 33 anos com três tiros na cabeça enquanto trabalhava no seu
salão de cabeleireiro em Santos no dia 19 de abril de 2012. MC Daleste foi executado aos 20 anos,
no auge da carreira, com dois tiros no palco enquanto fazia show em Campinas no dia 7 de julho de
2013.
28

(ROCHA, 2015c). Os paulistas aderiram então à vertente que ficou conhecida como
ostentação.
Surgida no contexto do aumento do poder de compra das classes C, D e E —
só no ano de 2013, este público consumiu algo em torno de R$ 1,27 trilhão; só os
jovens da classe C consumiram, naquele ano, R$ 129 bilhões, contra R$ 80 bilhões
das classes A e B e R$ 19,9 bilhões da D29 —, a ostentação é caracterizada pelas
letras que exaltam bens de consumo, superação da pobreza e as glórias da vida de
luxo, versando sobre festas em áreas vips e camarotes e elencando uma série de
marcas e modelos de bebidas, roupas e acessórios, carros e motos, cordão de ouro,
perfumes. O MC Guimê, por exemplo, deixou de cantar músicas que falavam em
armas e crimes como "Especialista em Fugas" ("Acelera forte, os malote no tanque e
o fuzil na garupa/ Pilota com uma mão e atira com a outra/ Especialista em fugas")
para cantar músicas como "Plaquê de 100" ("Contando os plaquê de 100/ Dentro de
um Citroën/ Aí nóis convida porque sabe que elas vêm/ De transporte nóis tá bem,
de Hornet ou 1100/ Kawasaky, tem Bandit, RR tem também"). Em entrevista à
revista Veja São Paulo, Guimê explicou a mudança nas temáticas: "A galera não
quer mais saber de coisa errada, está mais interessada em letra sobre marca de
roupa e de coisas que precisa ter para ficar bem na fita"30
Assim, em São Paulo desenvolve-se uma nova categoria de funk, que,
aproveitando-se das dificuldades econômicas e sociais e de um certo esgotamento
criativo dos MCs do Rio, expande-se em sintonia com a crescente popularização da
internet e das mídias digitais. De acordo com Guilherme Lucio da Rocha (2015) e
Aline Borges Rezende (2018), o funk ostentação começa a aparecer nos fluxos e
bailes de São Paulo entre 2007 e 2008, "consolidando, posteriormente, um circuito
musical singular dentro do movimento funk brasileiro" (REZENDE, 2018). Música
que introduziu o funk ostentação na capital paulista, "Bonde da Juju", dos MCs
Backdi e Bio G3 foi lançada em setembro de 2008 e fez a dupla rodar diferentes
estados do Brasil fazendo shows com base apenas em divulgação pela internet31.

29
Dados levantados pelo instituto Data Popular, especializado em pesquisas nas classes média e
baixa e que atende empresas como Mastercard, Santander e TAM. Disponível na revista Veja, edição
2358, ano 47, nº 5, 29 de janeiro de 2014, p.64
30
Disponível em: ​https://bit.ly/2ZB5N54​. Acesso em 19 de setembro de 2019.
31
Ver documentário "Funk Ostentação - O Filme" (2012). Direção Renato Barreiros e Konrad Dantas.
Disponível em: ​https://bit.ly/2CL0JlT​. Acesso em 15 de julho de 2020.
29

Mas é por volta de 2011 que a vertente estoura e se expande online como um todo,
tornando-se um movimento mais bem definido, que serviu de trilha sonora dos
fenômenos sociais conhecidos como rolezinhos32 e espalhando-se em diversos
vídeos pela Internet. É neste cenário que os MCs paulistas produzem seus primeiros
videoclipes, a produtora KondZilla desponta e tem o seu primeiro momento de
consagração. Para um novo som e uma nova poética, era preciso ser formulada
uma novo visual do funk. Em série de reportagens publicada no portal G1 sobre o
movimento na Baixada Santista, Guilherme Lucio da Rocha (2012c) afirma que "o
primeiro nome local do funk ostentação a brilhar na Capital não foi um músico, mas
um produtor de clipes". O produtor em questão é Konrad Dantas, mais conhecido
como Kondzilla ou Kond, fundador da produtora KondZilla.

1.3. Dilatando o funk: as reconfigurações do gênero musical-midiático nos


vídeos da KondZilla
Sabendo do contexto sob o qual a KondZilla desponta, podemos, então,
pensar que tipo de funk e que acepção do popular é encenada pelos vídeos da
produtora paulista. Baseando-se nos aspectos sociológicos do consumo dos
produtos midiáticos, os Estudos Culturais vêm apontando que o reconhecimento dos
produtos da comunicação ocorre, no geral, a partir de sua rotulação, isto é, da
identificação de seu gênero. É a partir do reconhecimento de gêneros como
telenovela, telejornal, seriado, comédia, drama, rock, MPB, funk, samba, etc. que o
ouvinte, espectador, leitor ou crítico formará um "horizonte de expectativas" sobre o
produto midiático e ordenará então suas avaliações e reações.
No campo da música e comunicação, autores como Franco Fabbri (1980),
Simon Frith (1996), Jeder Janotti Jr. (2003) e Keith Negus e Mike Pickering (2004)
levam adiante esse entendimento e posicionam os gêneros musicais como formas
de mediação entre as estratégias produtivas e os sistemas de recepção, dispondo
seus pilares em uma combinação de elementos textuais, sociológicos e ideológicos.

32
Ver Pinheiro-Machado, R., & Scalco, L. (2014). Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no
Brasil. Disponível em: ​http://www.revistas.usp.br/revistaec/article/view/98372​; e FACINA, Adriana;
PASSOS, Pâmela, Consumo, inclusão e segregação: reflexões sobre lan houses e um comentário
sobre rolezinhos. pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura. Ano 4, número 6,
março 2014
30

Fabbri (1980), por exemplo, sugere cinco eixos para análise do gênero musical: 1)
"convenções de composição e de instrumentação"; 2) "regras semióticas" – que
dizem respeito não somente às letras, mas a como a música, de maneira mais
ampla, utiliza-se de símbolos e sentimentos para se comunicar; 3) as "regras
comportamentais", tais como rituais de performance musical (ao vivo ou gravadas);
4) "regras sociais e ideológicas" – que apontam para os valores reconhecidos pelos
consumidores do determinado gênero musical; 5) "convenções econômicas e
jurídicas" em torno da cadeia produtiva fonográfica e da propriedade intelectual.
Em paralelo, Jeder Janotti (2003) propõe a noção de gênero midiático, que
abarca "estratégias de convenções sonoras (o que se ouve), convenções de
performance (o que se vê, que corpo é configurado no processo auditivo),
convenções de mercado (como a música popular massiva é embalada) e
convenções de sociabilidade (quais valores são ‘incorporados’ e ‘excorporados’ em
determinadas expressões musicais)". Mais adiante, o autor aglutina em três campos
as diretrizes para análise dos gêneros musicais no âmbito da música popular
massiva:

1- Regras econômicas que envolvem as relações de consumo (e os


endereçamentos presentes nesse circuito) nos processos de
produção, difusão e audição do produto musical.

2- Regras semióticas que abarcam as estratégias de produção de


sentido e às expressões comunicacionais do texto musical, além da
conformação de valores ligados ao que é considerado autêntico em
detrimento da música "cooptada", ao modo como as expressões
musicais se referem a outras músicas e como diferentes gêneros
trabalham questões ligadas aos modos de enunciação, às temáticas e
às letras.

3- Por último, e não menos importante, regras técnicas e formais;


como convenções de execução do punk ou do rap, habilidades que
cada gênero pressupõe dos músicos, quais instrumentos são
necessários ou tolerados, ritmos, alturas sonoras nas relações entre
voz e instrumentos, entre palavras e música. (JANOTTI Jr., 2003, p.
36)

Entre outras razões, a ideia de gênero musical faz-se relevante em nossa


discussão por ressaltar os aspectos extra-musicais presentes na rotulação do
gênero e, ao mesmo tempo, o caráter performativo desta noção. Os gêneros são
31

responsáveis por delimitar a produção de sentido, demarcando a significação e os


aspectos ideológicos dos produtos midiáticos, bem como estipulando seu potencial
público alvo e comunidade de gostos. Em outras palavras, é um "dispositivo" com "a
capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e
assegurar os gestos, as condutas, as opiniões, e os discursos dos seres viventes"
(AGAMBEN apud ALMEIDA, 2014, p4). No entanto, vale salientar que pensar de
maneira analítica através da ideia de gênero musical não é um exercício de mera
etiquetação, de discriminação e classificação. Os gêneros são, antes de tudo,
modelos dinâmicos — e não uma camisa de força. Dito de outro modo, gêneros
musicais não são categorias estanques, definitivas ou naturais ao universo musical.
Uma rotulação envolverá sempre disputas, demarcações de fronteiras com outros
gêneros, estabelecimento de cânones e valores, negociações e rearranjos
sucessivos a partir de eixos estéticos, econômicos e semióticos dentro do campo
cultural e da representação de comunidades de gostos.
A partir dessa chave, a emergência do funk paulista introduz uma disputa
significativa em torno das definições do funk. Somando o cenário de acirramento da
violência na política de segurança pública que sufocou os bailes do Rio de Janeiro
mais o desgaste estético do proibidão e a emergência do funk ostentação, podemos
afirmar que entre 2012 e 2013 o eixo econômico do funk migra do Rio de Janeiro
para São Paulo. A mudança trouxe consigo uma reconfiguração da estética do
gênero e um tensionamento das suas fronteiras e da sua compleição midiática.
Considerando que as condições de produção são fatores relevantes na
caracterização de um gênero, é importante observar que é a partir da emergência da
ostentação paulista que o funk vai ancorar-se em uma dinâmica produtiva e
econômica focada em clipes profissionais, por sua vez distribuídos na plataforma
YouTube e compartilhado em redes sociais no contexto da democratização do
acesso à internet33. Até então os clipes do funk eram majoritariamente amadores,
filmados através de celulares ou tablets e valendo-se das ruas, becos e vielas da

33
Em 2013, a venda de smartphones no Brasil cresceu 122%, sendo que 58% dos aparelhos no país
estavam nas mãos das classes C, D e E, que também possuíam 60% de todos os computadores do
país e 46% dos tablets. Dados da pesquisa Data Favela realizada pelo Sebrae e Data Popular
disponíveis em Revista VEJA, edição 2358, ano 47, nº 5, 29 de janeiro de 2014. Para mais detalhes,
ver o capítulo 2.
32

própria favela como cenário, como é o caso do vídeo "Passinho do Volante (Ah
Lelek Lek Lek)", do MC Federado e os Leleks, um dos dez mais visualizados no
YouTube em 2013. O vídeo custou somente 70 reais e foi gravado no churrasco da
favela onde moram os integrantes do grupo, no Rio de Janeiro, a partir de um tablet
e com os vizinhos e amigos atuando como figurantes, repetindo uma coreografia de
passos fáceis (PEREIRA DE SÁ, 2017). A KondZilla foi um marco de ruptura com
essa estética e também com o sistema de produção de clipes musicais. Em 2013,
Thiago Soares (p. 92) registrava que a realização de um videoclipe "não se dá na
própria gravadora ou selo, mas, em geral, em produtoras de TV, cinema ou
publicidade que, entre programas de TV, filmes e VTs publicitários, realizam
videoclipes". Mas a Kondzilla acumula funções e atua como produtora de clipes,
distribuidora, gravadora, portal de notícias e reportagens e marca de roupas,
indicando um novo desdobramento do mercado fonográfico na era digital​.
No entanto, ainda que a KondZilla tenha se destacado, é importante ressaltar
que ela não foi a única produtora de clipes e canal do YouTube a aparecer no
cenário do funk neste momento. No contexto da popularização ao acesso à internet,
surgiram outros importantes canais de produção audiovisual e distribuição digital no
YouTube. Circulando na mesma plataforma de vídeo (a mais popular), estes canais
passaram a compor um ecossistema amplo e diversificado da música pop periférica
urbana, com notável inclinação para o funk e suas variações. Em Recife, por
exemplo, a Pro Rec (primeiro vídeo publicado em 9 de outubro de 2012) e Thiago
Gravação (primeiro vídeo em 20 de setembro de 2014) foram centrais na circulação
e na definição imagética das cenas de brega romântico e bregafunk da cidade. Do
mesmo modo, o canal Tom Produções, principal concorrente da KondZilla entre
2013 e início de 2015, fez clipes muito populares com funkeiros do Rio de Janeiro
que ecoaram por todo o Brasil, caso de "Os Caras do Momento” (de Nego do Borel),
"Bigode grosso" (de MC Marcelly) e "Aquecimento das maravilhas" (do Bonde das
Maravilhas". Uma matéria publicada pelo jornal O Globo em 2 de fevereiro de 201434
informa o número de acessos dos três clipes na época — 27 milhões, 13 milhões e
11 milhões, respectivamente. O texto compara as cifras dos clipes de Tom

34
KAZ, Roberto. "Mineiro e evangélico, Tom Rodrigues assina os principais clipes do funk ostentação
no Rio". O Globo, 2 de fevereiro de 2014. Disponível em: <​https://glo.bo/398JCqa​>. Acesso em 8 de
novembro de 2019.
33

Produções com "o sucesso" de Valesca Popozuda "Beijinho no Ombro" — que tinha
apenas 4 milhões de visualizações. A música de Valesca tocava em rádios e era
popular na internet, onde serviu de mote para memes nas redes sociais. Tamanha
discrepância no número de acessos, portanto, poderia ser explicada exatamente
pelo papel de mediador ocupado por canais deste tipo dentro da rede de música
brasileira pop periférica, onde estão em posição privilegiada e funcionam como um
tipo de portal de novidades e tendências.
Mas o canal Tom Produções não prosperou como esperado. Após atravessar
um período de cerca de um ano de inatividade, o canal mudou de proposta
curatorial, de logomarca e de nome. Atualmente chama-se Funketon e, como
informa na descrição do canal, "tem a intenção de incentivar colaborações especiais
e participações em singles e videoclipes e aposta tanto na exportação do funk, rap e
suas derivações para fora do Brasil como na importação do reggaeton, hip-hop e
outros ritmos"35. O canal está na marca dos 6,8 milhões de inscritos, enquanto a
KondZilla possui 58,9 milhões no momento.
Por que razão a KondZilla se sobressaiu em meio a este ecossistema
produtivo do funk? A localização privilegiada na maior capital e centro econômico do
Brasil no mesmo momento em que a cena do Rio de Janeiro enfrentava
complicações (devido às questões questões sociais e políticas comentadas
anteriormente) é um bom caminho, mas resposta envolve uma série de decisões
mercadológicas e financeiras internas as quais não é possível ter acesso
integralmente — Konrad Dantas ou qualquer outro representante da empresa nunca
falou sobre as cifras de contratos publicitários e afins. Contudo, podemos analisar as
orientações estéticas dos seus clipes e atrelá-las a concepções mercadológicas, de
modo a ter uma visão panorâmica de onde a KondZilla se posiciona neste momento
contemporâneo do ​mainstreaming​ do funk.
Incorporando códigos visuais da vertente ​bling do hip hop36, os vídeos de
funk ostentação produzidos pela KondZilla em São Paulo afastaram-se da estética

35
Texto de descrição do Funketon, antigo Tom Produções, disponível no "sobre" do canal.
36
Também chamado de "bling-bling" em referência ao som de caixas registradoras antigas, este estilo
de rap caracteriza-se pela ostentação de joias, carros, iates, mulheres. Ficou muito popular com
rappers como Jay-Z, 50 Cent e Lil’ Wayne nos anos 2000, mas pode ser visto em rappers mais
antigos como Notorious B.I.G. Ver: <​https://bit.ly/2E6fTCZ​>
34

majoritariamente amadora do funk carioca e também com o hip hop paulistano. Os


clipes mostram na tela os diversos objetos de consumo elencados nas músicas,
como se estivessem descrevendo a canção. Konrad Dantas classificou esse tipo de
narrativa como como "pleonasmo visual", isto é, "os MCs mostram no videoclipe
todos os objetos de desejo mencionados nas letras" (CARDOSO, 2019, p., 174).
Entre as marcas visuais mais recorrentes destes primeiros vídeos estão a
"chuva" de dinheiro, os grossos cordões de ouro, garrafas de uísque e champagne
na mão (usados quase como um acessório da roupa), motos e carros potentes,
como podemos ver nos vídeos de "Como é Bom Ser Vida Loka", do MC Rodolfinho,
e "Plaquê de 100", do MC Guimê. Além disso, é também é comum a apresentação
de um ambiente de festa com dezenas de mulheres, retratadas também como um
objeto sexual pertencente ao cantor principal, com closes nos glúteos ou (em menor
quantidade) nos seios — chama atenção o clipe "Ela é Gata", do MC Galo SP, com
cenas em que o MC canta sozinho numa piscina com quase 20 mulheres sentadas
na borda, ao fundo, como se estivessem à sua disposição.
Apesar de se filiar a estes símbolos do hip hop norte-americano, os clipes de
ostentação da KondZilla vão também ressaltar marcas locais fundamentais, pois os
posicionam em um outro campo simbólico, notavelmente distinto do rap. Tênis de
corrida com molas amortecedoras como o Nike Shox, aparelhos dentários coloridos
e óculos modelo Juliet Oakley com lentes coloridas espelhadas são materialidades
visuais que inserem os MCs em outra esfera de reconhecimento, que acionam
outros modos de reconhecimentos, outros horizontes de expectativa. São marcas
que produzem sentido de um modo particular, estabelecendo uma conexão com a
cultura pop norte-americana mas, ao mesmo tempo, evidenciando marcadores de
uma classe social — classe econômica e socialmente inferior que muitas vezes
tange também questões raciais, tendo em vista que a maior parte do público e dos
artistas de funk é negra. O MC Guimê, na música "Plaquê de 100", ressalta: "A
picadilha pode ser de ​boy ​mas não vale esquecer que somos ​vida loka"​ . Isto é: o
estilo, o padrão de vida da ostentação pode ser da classe alta, mas no corpo e na
performance do funkeiro emergem marcas de subalternidade que o colocam em um
outro posto. Por mais que o funk ostentação paulista busque filiar-se a um ideal
"moderno", "cosmopolita" ou "pop", esta aproximação se dá de uma maneira mais
35

oblíqua e tangencial do que na vertente funk pop de Anitta, Ludmilla e Valeska, por
exemplo. No núcleo estético da ostentação, irrompem marcadores de classe e raça
que vão posicioná-lo em outra esfera de reconhecimento. Longe de um apagamento
total das características locais, vemos uma performance negociada onde marcas
locais e globais se acumulam sem direção definitiva.

Figura 1 —​ Frame de "Como é Bom Ser Vida Loka", do MC Rodolfinho, de 04 de fevereiro de 2012.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 2 —​ Frame de "Ela é Gata", do MC Galo SP, lançado em 14 de maio de 2013.

Fonte: Reprodução/YouTube.

A composição imagética do funk apresentada pela KondZilla na era da


ostentação — o MC homem com garrafas de uísque e notas de 100, com cordão de
36

ouro, camisa da Hollister, aparelho colorido, óculos espelhado e tênis de corrida com
molas — vai se consolidar, ser reiterada e, por extensão, constituir uma nova
visualidade midiática do gênero funk. Ou seja, a KondZilla será um dos atores
principais no estabelecimento de um nova imagem que define o que é um funkeiro,
sintetizado nestes objetos citados e nessa trama visual.
Esta imagem do funkeiro e sua iconografia — que posteriormente será outra
vez negociada, expandida, transformada pela KondZilla, como veremos mais
detidamente no capítulo dois — difere radicalmente da figura do funkeiro que foi
consolidada nas primeiras narrativas sobre o gênero, no Rio de Janeiro, nos
programas de TV do início dos anos 2000 citados no início deste capítulo. A imagem
do funk ostentação que vemos nas telas de notebooks, celulares e tablets através do
canal KondZilla é também muito distante daquela descrita nos bailes funks cariocas
por Hermano Vianna naquela época:

As roupas seguem um padrão inconfundível. O estilo masculino apropria-se


de um tipo de vestuário que é mais conhecido como "surf wear", isto é, aquelas
roupas que são desenhadas e vendidas para os surfistas: bermudões coloridos,
camisetas, também bem coloridas, com desenhos de ondas, pranchas de surf e
logotipos das lojas que vendem esse tipo de roupa, camisas estampadas com
motivos havaianos e "tropicais", sempre abertas até o último botão inferior, deixando
o peito à mostra, tênis, muitas vezes sem meia, e outros detalhes que nada têm a ver
com o estilo dos surfistas, como bonés, toucas, pequenas toalhas penduradas no
pescoço e inúmeros cordões de prata – ou imitação de prata. As marcas da "surf
wear" que podem ser encontradas nos bailes são, é claro, mais populares e baratas
do que as que se encontram numa praia frequentada pelos surfistas da Zona Sul
carioca. Mas estes últimos parecem ser o modelo de elegância da "rapaziada dos
bailes", produzindo um estilo bem distinto daquele dos b-boys norte-americanos, que
também gostam de marcas esportivas, mas nunca de surf, nem de cores "tropicais".
(VIANNA, 2014, posição de leitura 1019).

Após a queda da tendência ostentação, o funk passou por uma transformação


estética radical entre 2014 e 2017. Neste período, uma dezena de novos produtores
musicais tiveram destaque no circuito funk. Um nome importante foi o DJ R7, que
definiu a identidade sonora dos fluxos paulistanos37 com as batidas secas,
minimalistas e carregadas com o peso do grave de "Baile de Favela" (2015). Outro

37
Fluxo é o nome dado a festas de rua realizadas em bairros na periferia de São Paulo, com carros
tocando funk e barracas de bebidas e lanches. A música "Baile de Favela" do MC João cita em suas
letras uma série de bairros onde estes fluxos ocorrem. Para mais detalhes sobre o fluxo, ver o
documentário "No fluxo". Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=ChFb8lhhjs8​. Acesso em
9 de junho de 2019.
37

produtor musical de muito destaque nesta fase foi o DJ Perera, produtor de faixas
como "Tudo de Bom" do MC Livinho (171º colocada no Top 500 Mundial do
YouTube em 2015) e "Namorar Pra Quê?" do MC Kekel (193º em 2016), ele busca
uma certa suavidade radiofônica dentro do campo sonoro mais duro e abrasivo do
funk. Da Vila Maria, Zona Norte de São Paulo, Perera ficou conhecido por ter
incrementando suas músicas com instrumentos como flauta, piano e cavaquinho,
ressaltando a melodia da música e complexificando a harmonia do funk. Em
entrevista a Renato Martins para o portal Vice Brasil em maio de 2015, o produtor
comenta que naquele momento o funk passava a soar "como uma música mesmo".
Ele explica:

"O funk antigamente era só base reta, tipo no Proibidão. O funk tem que se
tornar música de verdade. A música só é música se ela tem acorde, nota, tá ligado?
Tipo, os caras chegavam no baile e colocavam um DVD de base, davam play e o MC
cantava em cima. Às vezes não tinha nem DJ. O funk tem que ter melodia. A partir do
momento que você escuta a melodia da música, você pode até não saber cantar o
som, mas você vai cantar a melodia se ela ficar na cabeça. Isso que é o daora do
funk de hoje" (DJ PEREIRA in MARTINS, Renato, 2015a).

Esta ideia de que "o funk tem que ter melodia"não é exatamente inédita. Em
1989, no processo de composição do álbum "Funk Brasil Volume 1", DJ Marlboro
defendia que o funk deveria ser melódico para se popularizar38. Mas, de todo modo,
a visão de Perera, bem como sua música, com acompanhamentos de violão,
cavaquinho, flauta, são representativos de uma importante transformação sonora do
funk: a agressividade ruidosa da base beatbox e produção musical mais simples das
músicas da ostentação perde espaço para uma concepção musical mais trabalhada,
"redonda", baseada numa estrutura cancional, com refrões destacados, melodias
ressaltadas e texturas sônicas mais próximas do espectro do pop rock, abrindo-se a
hibridações com o sertanejo, com o brega, com o arrocha, com o trap, com o
reggaeton e o pop (ALBUQUERQUE, 2016; FACINA et al, 2017). Ocorre um
desgaste — sonoro e temático — da ostentação que emergira na Baixada Santista.

38
Ver ALBUQUERQUE, GG. "Álbum Funk Brasil do DJ Marlboro completa 30 anos". Disponível em:
https://bit.ly/2CoeZRt​. Acesso em 25 de julho de 2019.
38

Fala-se, inclusive, em um período de pós-ostentação39, quando as letras da vertente


"putaria"40 passam a dominar a maior parte das produções.
Em consonância com a música, os videoclipes também passam por
transformações. Na matéria "Do Megane ao Coringa: 13 Clipes para Entender a
Linguagem do Funk Pós-Ostentação", publicada no portal Vice Brasil em 3 de
novembro de 2015, Renato Martins destaca a virada estética que se deu com o clipe
de "Baile da Favela", produzido e publicado pela KondZilla que foi o 195º colocado
no Top 500 Mundial do YouTube naquele ano:

"No auge da ostentação, carrões, mansões, helicópteros, eram itens quase


obrigatórios nos videoclipes. Agora, o negócio mudou de figura e cada vídeo tem um
tema melhor definido e menos copiado do modelo hip-hop norte-americano. (...)
Quando assisti ao vídeo de ‘Baile de Favela’, do Mc João, pensei ‘cara, cadê a
ostentação?’. O MC chega de carro nos fluxos, abre o som do porta-malas e canta
sua música com a galera. No fim do clipe, ela ainda arrisca um 'mosh', mostrando o
rolê da juventude periférica." (MARTINS, 2015b)

Se no primeiro momento os vídeos da KondZilla alinhavam-se a um aspecto


​ o hip hop, da ostentação, exibindo os carros, motos, roupas de marca e
bling d
outros bens citados nas letras dos MCs que demonstravam sua fortuna, agora a
produtora e os MCs e passam a buscar uma outra forma de emoldurar visualmente a
sua música pop periférica. Os símbolos de fortuna e poderio econômico que ditaram
a estética da ostentação ainda se fazem presentes, mas a sua apresentação ocorre
de outra maneira, por outros contornos e objetos. Carros e motos, mansões com
piscina, iates e as roupas caras agora aparecem nos clipes e letras de maneira mais
sutil, menos escancarada, deixando de ser uma bandeira como em 2013. A imagem
do MC com tênis de molas, óculos Juliet de lentes espelhada, aparelho dentário
colorido e camisa da Tommy Hilfinger é negociada, recombinada, transformada. A
KondZilla passará a investir na imagem de um MC de pulseira e anel dourados, com
óculos de sol da grife italiana Versace, e jaqueta do time de baseball Yankees (como
Kekel em "Amor de Verdade") ou vestido em roupas da marca italiana Gucci (Kekel
e Kevinho em "Ô Bebê"). "Amor de Verdade" e "Ô Bebe", vale notar, são duas

39
MARTINS, Renato. "Do Megane ao Coringa: 13 Clipes para Entender a Linguagem do Funk
Pós-Ostentação". Vice Brasil. Disponível em: ​https://bit.ly/30laNdj​. Acesso em 9 de junho de 2019.
40
Putaria é a vertente do funk caracterizada pelas letras mais explícitas sobre sexualidade, com
palavrões, mas que tocam, também em outras questões dependendo da música e do MC.
39

músicas românticas que se afastam das vertentes como ​ostentação​, ​putaria​,


proibidão e comédia para se revisitar as temáticas do ​melody​, a linha mais romântica
e melodiosa do funk e que obteve maior sucesso comercial com artistas como
Claudinho & Buchecha e MC Marcinho. Kekel e Kevinho, aliás, costumam gravar
músicas e videoclipes com artistas de outros gêneros que não o funk. Kekel cantou
com a cantora pop e drag queen Pabllo Vittar (em "Sente a Conexão", que teve clipe
na KondZilla patrocinado pela empresa de higiene bucal Colgate), com o cantor de
forró eletrônico Wesley Safadão ("Desencana") e com a estrela do pop funk Ludmilla
("Batom"). Por sua vez, Kevinho tem músicas com vários artistas sertanejos (Simone
& Simaria, Matheus & Kauan, Nayara Azevedo, Gusttavo Lima, João Neto &
Frederico) e com Leo Santana, representante do pagodão baiano. Ao mesmo tempo,
nenhum dos dois abandona o funk — fazem também músicas da nova geração,
como MC Jotappe, e com "relíquias" do movimento, como Dennis DJ. O que essas
diretrizes artísticas (escolhas musicais e visuais) e comerciais (direcionamento de
público) indicam não é um ruptura total com o funk, mas sim uma reformulação,
adaptação ou dilatação dos componentes que o definem enquanto gênero
musical-midiático. Uma nova formatação do funk, amalgamando-se com outros
gêneros musicais populares do Brasil, como o sertanejo — mas sem homogeneizar,
preservando determinadas distinções entre um e outro. No trabalho de Kevinho,
esse movimento pode ser notado até pela paleta de cores coloridas em tons pastel e
cenários utilizados em clipes como "Rabiola", "Agora é Tudo Meu" e "Deixa Ela
Beijar, que parecem exibi-lo como um tipo de Justin Bieber tropical — suburbano e
latino, mas ainda branco.
Kevinho e Kekel não estão citados aqui gratuitamente. Os dois são
importantes pelo papel que ocupam tanto no cenário contemporâneo do funk como
no ​cast ​da KondZilla. Os cantores têm contratos assinados com grandes gravadoras
do mercado fonográfico tradicional (Warner e Som Livre, respectivamente) e são os
dois principais artistas agenciados pela KondZilla Records, setor da KondZilla que
contrata artistas e gerencia seus lançamentos, pauta em programas de TV, monta
equipe de show, ajuda nas redes sociais, produz as fotos de divulgação e release,
entre outras atividades. Além disso, são dois raros artistas do funk que possuem
agenda de shows internacional ativa e regular — ainda que a maior parte desse
40

público no exterior seja constituído por brasileiros.

Figura 3 —​ Kevinho em frame do clipe "Rabiola", publicado em 1 de dezembro de 2017.

Fonte: Reprodução/YouTube
41

Figura 4 — ​Frame do clipe "The Beauty and a Beat", de Justin Bieber, de 12 de outubro de 2012.

Fonte: Reprodução/YouTube

Figura 5 — ​MC Kekel em frame do clipe "Amor de Verdade", de 31 de março de 2018.

Fonte: Reprodução/YouTube.
42

Figura 6 — ​ Kekel e Pabllo Vittar em frame do clipe "Sente a Conexão", de 10 de setembro de 2019.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Este movimento estético mais recente da KondZilla de voltar-se em direção


ao pop se dá entre 2016 e 2018 e volta a transformar o imaginário do funk enquanto
gênero musical. Ocorre um certo apagamento das marcas de subalternidade do
funk, tanto em aspectos visuais quanto no ambiente de escuta que o canal do
YouTube instaura, dentro de uma busca por maior de reconhecimento além das
fronteiras do gênero funk e afirmação no mercado pop global.
Observando estes dois momentos da KondZilla — o funk ostentação por volta
de 2013, e a associação estética com elementos mais próximos ao referencial do
pop visando um mercado mais abrangente a partir de 2016 —, percebemos uma
articulação entre elementos econômicos (o mercado ocupado pelo funk e uma busca
por expandi-lo), semióticos e estéticos (as formas de narrativa dos clipes e a
construção visual dos MCs, com um "filtro" de palavrões e temáticas sobre o crime,
intertextualidades e associações com determinados gêneros) e formais e técnicos
(valorização do caráter melódico das músicas, profissionalização dos mecanismos e
roteirização dos clipes) que leva a uma reconfiguração midiática do funk enquanto
gênero musical, tanto em seus aspectos musicais quanto extra-musicais. Visando
outros endereçamentos, trata-se de um modo de encenar o funk que negocia com
43

suas origens nas favelas e regiões periféricas do Brasil (por vezes afasta-se, por
vezes aproxima-se), buscando uma "limpeza" a fim de se dissociar de certos
estigmas do gênero e tornar mais palatável o funk — uma música que incita "a
violência, o estupro e a pedofilia", nas palavras do colunista Arthur Xexéo no jornal O
Globo41.
Evidencia-se portanto o caráter dinâmico, processual e móvel da noção de
gênero musical, envolto em constantes disputas, negociações e consecutivos
rearranjos engendrados por diferentes setores — fãs, artistas, produtores, críticos,
influenciadores digitais etc. Como produtora de clipes, canal de YouTube, portal de
notícias, gravadora e agência de artistas, a KondZilla desponta como um ator
hegemônico nessa disputa de significação do funk, construindo uma narrativa
específica do gênero, uma nova imagética, que orbita em torno de um referencial
mais pop a partir de diretrizes estéticas norte-americanas. Não quero dizer com isso
que a KondZilla "falseia" ou apresenta um funk menos autêntico, afinal o funk é um
gênero diverso e aberto à mutações e está continuamente sujeito à propostas de
experimentações artísticas por parte dos MCs e dos produtores. Quero ressaltar
apenas o direcionamento dado pela empresa e produtora, que apresenta a sua visão
ou versão do funk e da música periférica, e de que modo ela nos é oferecida. Nesse
sentido, a ideia de gênero midiático permanece importante na medida em que a
produtora dialoga a todo momento com o funk, mas buscando dilatar suas fronteiras
em vez de reiterá-las ou conservá-las.
Ainda assim, ao mesmo tempo em que o gênero musical musical revela-se
um operador conceitual importante para compreender a relação em mão-dupla entre
o funk e a KondZilla, ele é também insuficiente para lidar com a complexidade,
velocidade e efemeridade de movimentos que ocorrem internamente (dentro do
funk) e externamente (do funk com outros gêneros). Nas dinâmicas de consumo dos
streamings​, particularmente do YouTube, intensifica-se o trânsito e as zonas de
contato entre os diversos gêneros até pouco tempo tido como inconciliáveis ​— como
o funk e sertanejo, música eletrônica de rave, o trap e o arrocha — que se imbricam
e dialogam, mas sem apagar definitivamente suas fronteiras, encenando e

41
XEXEO, Arthur. "O funk, o espelho e o reflexo". Publicado em 5 de junho de 2016. O Globo.
Disponível em: <​https://glo.bo/30wGeS8​> . Acessado em 25 de julho de 2019.
44

disputando entre si diversas acepções da cultura popular e da ideia de periférico. O


funk é um dos elos em uma corrente mais longa e estruturada. Para lidar com esses
tipos de vínculos que se constroem no ambiente das redes sociais com consistência
e sem homogeneizar as suas diferenças, Simone Pereira de Sá (2017) apresenta a
noção de "rede de música brasileira pop periférica", propondo um olhar para os
"vasos comunicantes", as conexões que se estabelecem entre estes gêneros e
cenas a fim de um entendimento mais amplo sobre as dinâmicas entre eles.
Trataremos este conceito e suas possibilidades no capítulo seguinte.
45

Capítulo 2

Mapeando a rede de música pop periférica

2.1 Funk e a mídia como campo de disputa por narrativas


Neste capítulo faremos uma reflexão sobre o canal KondZilla tratando-o como
um ator hegemônico inserido no contexto mais amplo da proposta conceitual que
Simone Pereira de Sá nomeou como Rede de Música Brasileira Pop Periférica
(PEREIRA DE SÁ, 2017; 2019) Mas antes de discutirmos a ideia de rede de música
periférica propriamente, é importante levantar os enquadramentos dados pela mídia
ao narrar essas culturas musicais da periferia (em particular do funk), uma vez que
estes estigmas e enviesamentos sedimentados na imprensa tradicional entrarão em
conflito com a narrativa que a KondZilla apresenta sobre essas culturas e sobre si
mesmo. A mídia tornar-se-á, então, uma arena de batalha pelo modo como as
músicas da periferia e, consequentemente, os cidadãos dessa mesma periferia
serão enunciados.
Ao criar a dimensão da "esfera pública", a ambientação comunicaciona
desempenha um papel importante no sentido de tornar visível e dar sentido a
diversos grupos sociais. No contexto da crise do Estado contemporâneo –– sua
dificuldade de atuar de modo inclusivo em certas áreas da sociedade ou perda de
legitimidade em determinados contextos ––, esse papel é acentuado e a mídia
passa a assumir uma boa parcela de responsabilidade na administração das "zonas
de conflito" da sociedade, conforme atesta Micael Herschmann:
Assim, a unidade de poder é assumida pelos grandes
conglomerados empresariais ​— com forte prevalência dos setores privados
— e pelos meios de comunicação de forma geral. Deste modo, cresce o
poder burocrático-empresarial sobre o indivíduo, sobre a sociedade e sobre
o próprio Estado, o qual, por sua vez, vai se apoiar na promoção do
crescimento econômico e do consumo, tomados como fins em si mesmos. A
mídia, portanto, constituir-se-ia em um dos ​principais cenários do debate
contemporâneo​; é através dela, de modo geral, que se ​adquire
visibilidade e que se constroem os sentidos de grande parte das práticas
culturais. Além disso, a mídia, por um lado, reconhecidamente, pode operar
no sentido da integração sociocultural de caráter heterogêneo, na qual
culturas minoritárias ou locais consigam espaço significativo de expressão,
bem como no sentido da homogeneização transcultural. Por outro lado, é
46

também nos meios de comunicação de massa que se desenvolve grande


parte dos processos de ​estigmatização ou mesmo criminalização das
culturas minoritárias, na medida em que acontecimentos, fatos, rituais e, de
forma geral, a "realidade social" ali ganham sentido. (HERSCHMANN, 2005,
p. 90; grifos nossos)

Ao analisar 125 artigos sobre funk publicados na mídia impressa –– O Globo,


Jornal do Brasil, O Dia e Folha de S. Paulo –– entre 1990 e 1996, Herschmann
ressalta que o tratamento dado pelas reportagens não é hegemônico. A mesma
mídia que demoniza abre espaços nos programas de televisão e jornais. Além disso,
apoiando-se nas ideias de Mikhail Bakhtin, afirma que cada discurso contém em si
mesmo uma polissemia dialógica e não controlada que nem sempre traduz-se
claramente no projeto ideológico de quem o produz. Contudo, a criminalização –– ou
demonização, nos termos do autor –– é um componente forte e mesmo
preponderante no agendamento midiático do funk. Herschmann destaca que os
arrastões ocorridos em outubro de 1992 nas praias da Zona Sul do Rio de Janeiro
foram um marco no modo como a imprensa retratou o funk e os funkeiros. O
incidente foi noticiado histericamente pelos jornais e telejornais nacionais e
internacionais, enquadrando-o como um grande distúrbio que ameaçava a ordem
urbana. Eram exibidas imagens de crianças e adolescentes brigando coletivamente,
pendurando-se em janelas de ônibus superlotados e foi nesse contexto que o funk,
até então praticamente desconhecido da classe média, foi apresentado para fora de
seu território nas favelas.
No levantamento de Herschman, observa-se que entre 1990 e 1991 apenas
três artigos foram publicados na imprensa sobre o funk. Em outras palavras, antes
do arrastão o funk era uma pauta muito rara e pontual nos jornais. Mas depois dos
arrastões o número cresce em quase sete vezes –– são 19 artigos publicados em
1992, 15 artigos em 1993, 31 em 1994, 40 em 1995 e 17 em 1996. Os Cadernos
Cidade (e não os de cultura) dos principais jornais do Rio de Janeiro e do país
passaram a dedicar espaços expressivos (em alguns momentos atingindo quase a
totalidade dos cadernos) à tematização do funk, dando palco à manchetes como
"Arrastões aterrorizam Zona Sul", "Galeras do funk criaram pânico nas praias",
"Pânico no paraíso", "Movimento funk leva à desesperança" (HERSCHMANN, 2005,
47

p. 98), incrementando o clima de terror. Como denotam os títulos das matérias


levantadas por Herschmann, não demorou para que os infratores fossem
identificados como funkeiros. Este processo de criminalização na imprensa
estende-se para além da música e se aloca na própria classe social, na raça negra e
no território favelado onde o funk tem origem e se desenvolve.
A utilização de tabelas e gráficos, contendo dados estatísticos que
divulgavam índices de criminalidade confirmando a "vocação criminosa"
desses jovens, e pesquisas de opinião que "fundamentavam" o medo entre
a população também tornaram-se bastante frequentes. Não só isso: nos
anos que se seguiram a esse acontecimento [arrastões de 1992], os artigos
apresentados nos principais jornais do país, mesmo nos "Cadernos de
Cultura" (não só nas seções policiais ou nos "Cadernos Cidade"),
constantemente, ao relatar qualquer informação sobre o funk, utilizaram a
diagramação como recurso conceitual, trazendo informações em boxes que,
invariavelmente, lembravam aos leitores a origem social do funk (e muitas
vezes supostamente "criminosa" dos seus integrantes), isto é, apresentaram
um "perfil do funkeiro"e do seu mundo que nada lembra a juventude
cara-pintada ou roqueira da Zona Sul da Cidade [do Rio de Janeiro]. Cada
vez mais, o funkeiro foi sendo apresentado à opinião pública como um
personagem "maligno/endemoninhado" e, ao mesmo tempo, paradigmático
da juventude da favela, vista, em geral, como "revoltada" e
"desesperançada". Nos artigos dos principais jornais –– nas matérias e
seções de "Cartas dos Leitores" –– e nos depoimentos colhidos na
pesquisa, a constante presença de qualificativos como "bestas", "hordas",
"animais" e "monstros" indica que, tanto no enunciado jornalístico, quanto
no imaginário coletivo, certas atitudes dos funkeiros são tratadas quase
como expressão de um "mal absoluto" que deve ser "reprimido" e
"extirpado". A mídia problematiza até certo nível e mesmo aponta as
"causas" de fenômenos sociais dessa natureza; mas o que fica, em geral,
para a população é a espetacularização, o "encantamento" de práticas e
discursos, produzindo um clima de pânico e histeria. (HERSCHMANN,
2005, p.103–104).

O modo como a imprensa retrata o funk em seu início é importante para


entender como certos estigmas e preconceitos continuam reverberando por anos a
fio. Como propõe Didi-Huberman (2013, p. 113), uma "origem" não é apenas aquilo
que teve lugar uma vez no passado e nunca mais terá lugar. É também aquilo que,
no presente, nos volta como algo de muito longe, toca no mais íntimo e, como um
trabalho insistente de retorno, vem trazer seu sintoma ou sinal. Após os anos 1990,
o funk consolida-se midiática e comercialmente com álbuns e programas de TV e o
eixo da "demonização" na imprensa move-se de uma cunho mais social em direção
a uma deslegitimação estética e política através de estigmas como música “de mau
gosto”, “alienada”, “comercial”, “de baixa qualidade” –– termos historicamente
48

atribuídos às músicas oriundas das classes mais baixas, não intelectualizadas42. O


texto “Funk carioca é samba-enredo disfarçado”, publicado pelo jornalista Álvaro
Pereira Júnior em sua coluna “Escuta Aqui” na Folha de S. Paulo de 26 de fevereiro
de 2001, ilustra bem o tratamento dado ao funk pela crítica cultural:
Este promete ser um Carnaval meio esquisito, porque, segundo me
dizem, o pessoal do funk vai subir nos trios elétricos da Bahia. Não consigo
imaginar nada mais medíocre do que esse funk carioca que, depois de anos
na periferia, toma conta do Brasil.
"Escuta Aqui" sempre apoiou as formas mais populares de música
brasileira. Axé e pagode foram e são enfaticamente defendidos aqui. Para
esta coluna, têm origem popular que os torna muito mais interessantes do
que a MPB preconizada pelo establishment caetânico. Nessa linha de
raciocínio, portanto, o funk carioca só mereceria elogios da coluna. Mas está
difícil.
Não consigo encontrar nenhum mérito. As letras são rasteiras e a
estrutura de ritmo e melodia não passa de samba-enredo disfarçado. Talvez
isso não esteja tão claro em nomes como Tigrão e Vanessinha, porque
foram mais bem produzidos. Mas cansei de escutar rádios de funk entre
1995 e 1997, quando morava no Rio, e nunca encontrei um mínimo de
inteligência.
O rap paulista, por exemplo, é tão importante, entre outras coisas,
pelo mix alucinado de influências e sotaques. Só que não consigo achar
nada parecido no funk do Rio. É samba-enredo com teclado Casiotone,
nada mais. Não avança um milímetro em relação ao que se faz há décadas
nos morros cariocas (...) Axé, pagode e hip hop sempre tiveram em "Escuta
Aqui" uma plataforma de defesa contra os preconceitos da burguesia e a
cegueira da MPB inteligente. Mas funk carioca não dá43.

Um exemplo recente é a coluna "O fim da música", escrita pelo filósofo


Vladimir Safatle, da Universidade de São Paulo (USP), e publicada no jornal Folha
de S. Paulo no dia 9 de outubro de 2015. O autor inicia o texto afirmando que "em
todos os momentos em que teve desenvolvimento econômico, o Brasil soube
acompanhá-lo de explosão criativa em sua produção cultural, menos agora". Safatle
então critica "o movimento que vai do É o Tchan, da era FHC, ao funk e sertanejo
universitário do lulismo", que teria passado a ocupar o centro da circulação cultural e
"que louva a simplicidade formal, a estereotipia dos afetos, a segurança do já visto,
isso quando não é a pura louvação da inserção social conformada e conformista. A

42
Paulo Cesar de Araújo (2002) aborda situação semelhante entre o fim da década de 1960 e início
dos anos 1970 ao mostrar como artistas da canção romântica desta época, tais quais Odair José,
Nelson Ned, Agnaldo Timóteo, Waldik Soriano e Dom & Ravel e seu complexo repertório expressivo
popular foram empurrados às margens da crítica cultural, ficando de fora da linha evolutiva daquilo
que viria a institucionalizar-se sob o rótulo da “MPB” ao serem pejorativamente taxados como “brega”.
43
Texto disponível em: ​www.bit.ly/2ZbFBhP​ (acesso em 3 de junho de 2019).
49

música brasileira foi paulatinamente perdendo sua relevância, para se transformar


apenas na trilha de fundo da literalização de nossos horizontes"44.
Após uma recepção ruidosa nas redes sociais, dividida entre elogios e
críticas, Safatle revisitou o assunto em sua coluna da semana seguinte, intitulada
"Os alicerces da cidade", publicada pela Folha de S. Paulo em 16 de outubro de
2015. Ele volta a atacar o que chama de "miséria musical" do funk e do sertanejo e
aproveita para rebater seus críticos, tratando da indústria cultural e insistindo num
julgamento estético que, em sua visão, não se relaciona com questões de classe
social:
Há uma incrível covardia crítica em relação à miséria musical do
que circula de forma maciça nesta última década. Citei o funk e o sertanejo
universitário por serem os casos mais evidentes. Creio que parte de tal
covardia vem do fato de que, mesmo que esta produção seja ouvida em
qualquer festa da elite brasileira, mesmo que ela seja o motor da produção
da indústria cultural brasileira, que ela embale sem tensão o mundo da
integração absoluta, alguns ainda irão querer lê-la como expressão da
"espontaneidade popular". Bem, para estes que acham não fazer sentido
qualquer crítica da forma musical, que acham que qualquer análise crítica
da produção cultural é mistificação de classe, teria muito a dizer, mas
insistiria em um ponto: vocês, no fundo, não acreditam que existam
julgamentos estéticos, apenas se acomodam a análises sociológicas. Vocês
se importam pouco com música, apenas acreditam que as "manifestações
musicais da classe trabalhadora" ou congêneres devam ser respeitadas em
quaisquer circunstâncias. Vocês sequer se perguntam quão estranho é sua
noção de "classe trabalhadora" acomodar-se tão bem à condição de
figurante de programa dominical de variedades da Rede Globo.45

Esse tipo de distinção entre crítica estética e análise sociológica é evocado


também pelo jornalista Arthur Xexéo, que faz a pior e mais violenta das análises ao
mesclar uma crítica artística com uma crítica moral no texto "O funk, o espelho e o
reflexo", publicado em 5 de junho de 2016 em sua coluna no jornal O Globo. De
antemão, o autor tenta se eximir de possíveis acusações, reclamando de certa
blindagem do funk nos meios intelectuais e culturais. "É difícil falar mal do funk hoje.
Qualquer argumento contrário às suas letras é rebatido com acusações de racismo,
preconceito, reacionarismo". Na sequência, Xexéo atribui ao funk uma boa dose de
responsabilidade no caso de um estupro coletivo cometido por 33 homens contra
uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro46 e clama implicitamente por uma

44
DIsponível em: ​www.bit.ly/3dOJ4XE​. Acesso em 26 de julho de 2019.
45
Disponível em. Acesso em 26 de julho de 2019.
46
Sobre o caso, ver: ​www.bit.ly/3cLsYxY​. Acesso em 26 de julho de 2019.
50

discriminação do Estado (a polícia e a Justiça, presumivelmente em ação de cunho


violento) contra o funk:
Mas o funk, o proibidão, está aí. Machista, homofóbico, promovendo
bailes onde traficantes aparecem armados, incitando a violência, o estupro e
a pedofilia. Tudo bem, é cultural, como fez questão de registrar em lei o
deputado Marcelo Freixo. Está lá, no artigo 1 da lei que ele criou há sete
anos: "Fica definido que o funk é um movimento cultural e musical de
caráter popular". Mais que isso, a lei de Freixo estabelece que "compete ao
poder público assegurar a esse movimento a realização de suas
manifestações próprias, como festas, bailes, reuniöes sem quaisquer regras
discriminatórias e nem diferenças das que regem outras manifestações
dessa natureza." ​Em outras palavras, o funk pode discriminar, o Estado,
não​.47 (Grifos nossos).

Não vamos nos dedicar a destrinchar e rebater as falácias dos textos aqui
elencados, até porque respostas apropriadas foram feitas no momento48. O objetivo
é mostrar um panorama histórico da criminalização e/ou deslegitimação do funk na
arena pública da imprensa. Ainda que a mídia produza brechas e, no limite, para o
bem e para o mal, acabe pautando a cultura periférica no debate público, o
imaginário em torno do funk é construído em associação a estigmas tanto de ordem
social (violência e criminalidade, incitando "a violência, o estupro e a pedofilia")
quanto estética ("sem um mínimo de inteligência"; ou um louvor à "simplicidade
formal, a estereotipia dos afetos, a segurança do já visto", "inserção social
conformada e conformista"). Vale notar que, contrariando o senso comum, a
reprodução de preconceitos ou análises erguidas com base em desconhecimento
sobre a cultura funk não ocorre somente entre a classe média baixa ou com baixa
escolaridade, mas também entre intelectuais. Álvaro Pereira Jr. é formado em
química pela USP com especialização em jornalismo científico pelo Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), crítico de música, ex-editor chefe do
"Fantástico". Vladimir Safatle é filósofo e professor da USP; Arthur Xexéo é
jornalista, escritor e tradutor. Observe-se também que os três possuem ou possuíam

47
Disponível em: ​https://glo.bo/2ZeDXvN​. Acesso em 26 de julho de 2016.
48
Para uma resposta às colunas de Vladimir Safatle na Folha de São Paulo, ver: FACINA, Adriana;
GOMES, Mariana; PALOMBINI, Carlos. "Pavana para 20 infantes mortos: 50 falácias que não
ressuscitam defunto". Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, V.13, n.1, p.
69-91, mai. 2016. Disponível em: ​www.bit.ly/2DO9UCq​. Acesso em 26 de julho de 2019.
Para uma resposta à coluna de Arthur Xexéo, ver: FRANCO, Marielle; MC LEONARDO. "O funk, por
funkeiros". Disponível em: ​www.glo.bo/2PG39oS​. Acesso em 26 de julho de 2019. Outra resposta às
acusações de Xexéo podem ser lidas em: PALOMBINI, Carlos. "Caneta desmanipuladora: 'O funk, o
espelho e o reflexo'. Disponível em: ​www.bit.ly/2DRT4CU​. Acesso em 26 de julho de 2019.
51

coluna semanal em algum dos maiores jornais do país e participem ativamente de


programas de rádio ou televisão, enquanto os funkeiros nem mesmo puderam
rebater as críticas feitas no mesmo espaço e são alijados da participação no debate,
situando-se às margens do oligopólio dos grandes veículos de comunicação. Quem
tem o poder e a capacidade para falar são indicadores sintomáticos da relação de
poder estabelecida entre a cultura popular do funk e a mídia.
Quando o espaço para falar de si, para se fazer representar na grande mídia
é limitado ou mesmo recusado, os videoclipes passam a assumir um papel
fundamental na disputa de narrativas em torno do funk, com os MCs assumindo
certa autonomia na constituição dos modos de "narrar a si", definir parâmetros e
referências próprias a seu gênero musical e, enfim, se fazerem representar.
Conforme elucida Thiago Soares, o videoclipe é “um lugar que fornece subsídios
imagéticos e simbólicos para ritualizações do cotidiano, processos de sublimação e
artificialização de atos corpóreos” (SOARES, 2017, p. 134). Portanto, o clipe
torna-se um produto midiático que inscreve táticas próprias de comunicação,
amplificadas especialmente pelo seu modo de distribuição online e gratuito através
do YouTube. Tendo sua participação na TV e jornais limitada ou marcada por
estigmas, o funk construiu sua própria rede de comunicação, às margens da mídia
corporativa e do mercado fonográfico das grandes gravadoras. E o videoclipe,
articulando-se em rede pelo YouTube, torna-se um palco vibrante para sua
mensagem.

2.2 Do funk à rede de música pop periférica no YouTube


Mas não só o funk: uma série de cenas e estéticas musicais oriundas dos
territórios periféricos brasileiros que enfrentam estigmas análogos encontraram no
YouTube um modo de se fazer visível, interconectando-se e articulando uma
complexa rede de cultura a partir da plataforma de vídeos. Em complemento ao funk
do Rio de Janeiro, diversas cenas musicais desdobram-se nas periferias de outros
centros urbanos brasileiros, fundamentando-se em circuitos estéticos e econômicos
particulares, às bordas do mercado fonográfico tradicional e das políticas culturais
oficiais. É o caso do funk que adquire novos contornos musicais e performáticos em
cidades como Belo Horizonte (ALBUQUERQUE, 2017a; idem, 2017b), Espírito
52

Santo (idem, 2017c), Recife (idem, 2018) e São Paulo (ROCHA); é o caso do
tecnobrega e do circuito das enormes aparelhagens no estado do Pará (COSTA e
Chada, 2013); do pagodão e do arrocha nas periferias de Salvador, na Bahia
(PINHO, 2016); do forró eletrônica que atravessa o Nordeste brasileiro como um
todo (TROTTA; 2010), o brega e o bregafunk da região metropolitana do Recife
(SOARES; 2017; BENTO, 2018 e ALBUQUERQUE, 2018). São gêneros que não se
associam à linha canônica da MPB mas, ao contrário, derivam da outra constelação
estética popular, aquela associada ao “mau gosto”, aquela que está fora dos
compêndios e tratados críticos sobre a música brasileira. Aquela que não é
considerada digna de cuidados das políticas públicas de preservação da memória e
da cultura, mas sim caso de polícia e censura.
Mas para além de uma disputa entre polos reconhecidos como opostos — o
patrulhamento do "bom gosto" das músicas legitimadas por mecanismos
pertencentes à classe média alta ​versus a música dita de "baixa qualidade" da
classe mais pobre —, as mídias digitais e consumo musical via internet descortinam
um processo de reconfiguração do que determinamos como hegemônico. Existe
uma disputa interna, por assim dizer, no próprio cerne do "mau gosto" que
​ úsica periférica. Enquanto nas
ultrapassa o velho binarismo da MPB contra a m
rádios prevalece o monopólio do sertanejo, no YouTube artistas como Marília
Mendonça, Luan Santana e Henrique & Juliano passam a dividir espaço com outros
gêneros, principalmente o funk. E embora o sertanejo possua uma estrutura
operacional com conexões mais firmes e intensas com o mercado fonográfico
tradicional e com os veículos da mídia corporativa, o seu público definitivamente não
é hegemônico e atravessa diferentes classes sociais. Assim, tensionam-se
quaisquer vinculações óbvias e automáticas entre estética, consumo musical e
classe social. O sertanejo e o funk representam duas dentre diferentes formas de
acepções e encenações do popular, que, coexistem, chocam-se e misturam-se em
uma emaranhada trama dialética de enfrentamento e intercâmbio, conflito e diálogo,
​ ntre artistas destes dois gêneros
resistência e trocas — como veremos nos ​feats e
mais adiante e com mais detalhes no capítulo três. Portanto, a ideia de "música
periférica", não é uma dicotomia estática, mas sim uma dinâmica relacional, que
opera a depender do contexto e dos recortes analíticos. Para desfazer dicotomias,
53

Garcia Gutierrez (2011, p. 8) propõe classificações mais deslizantes, falando em


termos de "centros periféricos" (Bangalore ou São Paulo, por exemplo) e "periferias
centrais" (como o Bronx ou os bairros mais pobres de Los Angeles). Podemos
pensar o mesmo quando tratamos de gêneros musicais midiáticos. No contexto do
Nordeste, por exemplo, o cantor cearense de forró/sertanejo Wesley Safadão é uma
força hegemônica. No entanto, quando este gravou a música "Você Partiu Meu
Coração" ao lado de artistas do pop funk carioca Anitta e Nego do Borel, em 2017, a
sua voz foi cortada por rádios do Rio de Janeiro como Transamérica e Mix. Nego do
Borel e Anitta regravaram a canção sem Safadão para que ela fosse veiculada por
estas emissoras, que rejeitam cantores de forró e sertanejo. ​O mesmo ocorreu
quando Taylor Swift gravou com Paula Fernandes, em 2013, a música "Long
Live" e muitas rádios pop americanas só tocavam a versão sem a cantora
mineira.
​ ue o top 10 vídeos mais acessados
Assim, a radiografia da música popular q
do YouTube (ver capítulo um) nos é desafiadora por apresentar um espectro desta
constelação de sonoridades periféricas historicamente negligenciadas ou ainda
criminalizadas pelo Estado (FACINA e PALOMBINI, 2016) e suas complexas
interconexões e hibridações transculturais. Em contraste com o rádio, a televisão, os
jornais e revistas, a dinâmica comunicacional de plataformas como o YouTube,
apesar da centralização da distribuição, traz importantes alterações nas relações
entre produtores, artistas e consumidores de música. Entre elas destacam-se o
acesso à música via ​streaming on demand,​ a utilização dos botões ​like/deslike, as
recomendações de conteúdos similares ou em destaque com base em algoritmos da
plataforma, a postagem de comentários nas páginas dos videoclipes e,
principalmente, a possibilidade de qualquer usuário fazer upload de suas produções
independentes, que coexistem na mesma plataforma em que são encontradas
produções tradicionais como filmes e séries (VAN DIJCK, 2013). Neste cenário,
conhecido como biblioteca digital universal, o YouTube adquire um papel
fundamental numa certa democratização de conteúdos audiovisuais na internet:
“O Youtube se torna um ator central, uma vez que a plataforma
ganhou visibilidade não por produzir conteúdo próprio mas sim por tornar-se
um repositório de vídeos de todas as origens – desde grande
conglomerados midiáticos até produtores amadores, com base nos
princípios da cultura participativa. (Burguess; Green; 2009; Strangelove;
54

2010). Posteriormente, outras ferramentas – tais como a criação de “canais”


dos usuários, a possibilidade de transmissão ao vivo e a monetização dos
produtores de vídeos - consolidam a plataforma como um dos mais bem
sucedido ambientes de circulação de imagens e videoclipes musicais da
atualidade. Ambiente que, conectado a outras ferramentas de produção
musical e às facilidades do upload através de celulares, tem estimulado uma
produção áudio-visual oriunda das mais diferentes regiões, que se articula
em redes multi-locais ou transversais, complexificando as geografias
midiática” (PEREIRA DE SÁ, 2017, p.24).

Entre estas “redes multi-locais ou transversais”, Pereira de Sá chama


atenção para aquilo que ela define como ​rede de música brasileira pop periférica​.
Esta rede, complexa e heterogênea, é engendrada por uma acumulação de diversos
fatores. Além da dinâmica comunicacional mais descentralizada instaurada pela
cultura digital, soma-se ainda a política econômica federal de incentivo ao consumo
e crédito à família efetivada pelos governos do Partido dos Trabalhadores, o que
impulsionou a acessibilidade à produtos eletrônicos eletrônicos como computadores
e notebooks49; o barateamento de equipamentos para organização de estúdios
caseiros; a disseminação e o pirateamento dos softwares de produção musical como
o Fruity Loops e de edição de vídeos como o Final Cut e Vegas; e a troca de
arquivos digitais pela Internet. Todos estes itens acentuam as possibilidades de
circulação dessa produção musical em uma rede pop periférica, permitindo aos
artistas um maior alcance de suas produções em circuitos autônomos, através dos
sites e redes sociais à revelia das grandes gravadoras e dos grandes meios de
comunicação como o rádio e a televisão. Contudo, para além de fortalecer os
circuitos locais, “o advento da cultura digital vai também permitir o estabelecimento
de vasos comunicantes que alteram radicalmente a intensidade do diálogo entre
diferentes gêneros e cenas periféricas, ensejando a construção de uma rede de
ampla visibilidade” (PEREIRA DE SÁ, 2017).

49
Em seu artigo "Cultura digital, videoclipes e a consolidação da rede de música brasileira pop
periférica", Simone Pereira de Sá não trata das políticas públicas de incentivo ao consumo como um
fator do desenvolvimento das redes de música brasileira pop periférica. No entanto, tomo a liberdade
de acrescentá-lo na formulação do conceito. De nada adianta a conectividade em fluxo da
comunicação digital se as camadas populares não tiverem aos seus dispositivos básicos, como
computadores, smartphones e tablets. Vale lembrar que no período entre 2011 e 2012, quando a
KondZilla lançou seus primeiros vídeos de sucesso e o funk ostentação explode no cenário nacional,
o crescimento médio da renda real no Brasil subiu 5,8% acima da inflação, de acordo com o IBGE. No
Nordeste, essa taxa foi ainda maior, registrando 8,1%. Dados disponíveis em: ​www.bit.ly/2yc84c6​.
Acesso em 31 de março de 2019
55

Visualizamos este fenômeno com clareza na tensão que ronda as listas que
abrem o primeiro capítulo. Silenciado nas rádios brasileiras, o funk torna-se visível e
audível através da rede de música popular periférica do YouTube — por sua vez, um
ator central nesta reconfiguração, que se nutre do crescimento do acesso digital das
classes populares no Brasil na última década50. O levantamento Data Favela,
realizado pelo Sebrae e pelo Data Popular, deu os dados deste movimento de
democratização do acesso à Internet: em 2013, a venda de smartphones no Brasil
cresceu 122%, sendo que 58% dos aparelhos no país estavam nas mãos das
classes C, D e E. Estas mesmas classes possuíam 60% de todos os computadores
do país e 46% dos tablets. O efeito desta inclusão digital apareceu na lista dos
nomes mais buscados no Google naquele ano: dentre o top dez, três eram
funkeiros, com o MC Daleste, que fora assassinado em cima do palco durante show
em julho daquele ano e estava no topo da lista51.

2.3 Sentidos políticos: a rede de música pop periférica como projeto de


cidadania
Ao materializar estéticas e sonoridades socialmente invisibilizadas e
esteticamente deslegitimadas, a rede de música brasileira pop periférica passa a
abarcar também uma dimensão em volta do político. Para compreender essa
dimensão, antes precisamos entender melhor os possíveis sentidos do político. A
cientista política e filósofa Chantal Mouffe esclarece as ideias ao diferenciar "o
político" da "política":

50
Não obstante esta presença afirmativa nas redes digitais, o funk e as músicas de origens periféricas
como um todo ainda lutam contra a invisibilidade dentro de um sistema de disputas de legitimação e
autenticidade. Em texto publicado em 2009 na Revista Trip, Ronaldo Lemos levantou uma fortuita
contradição que sintetiza bem essa questão: a imprensa apresentava a artista Mallu Magalhães,
cantora de voz e violão da chamada “nova MPB” sob o prisma do “fenômeno do ‘artista de internet’”,
enquanto o sucesso do “pagode elétrico” baiano do Fantasmão nas redes era ignorado. Os dados
apresentados pelo autor mostravam que o vídeo mais popular de Mallu no YouTube (uma entrevista
no Altas Horas) tinha 532 mil visualizações, frente a 790 mil do vídeo mais popular do Fantasmão
(uma montagem de fotos feita por fã por cima da música “Kuduro”). Na extinta rede social Orkut, o
haviam 810 comunidades dedicadas ao Fantasmão, sendo a maior composta por 35 mil fãs. Já Mallu
Magalhães possuía apenas 140 comunidades, sendo a maior composta por 27 mil fãs. Ainda assim,
Mallu era destaque em 77 artigos na mídia tradicional contra cinco do Fantasmão. Disponível em:
www.bit.ly/3kwbbPi​.
51
Os dados da pesquisa foram divulgados em matéria da revista Veja com o paulistano MC Guimê na
capa, com a chamada, em aspas: ‘”Só você não me conhece’”. Revista VEJA, edição 2358, ano 47,
nº 5, 29 de janeiro de 2014.
56

Entendo por "o político" a dimensão de antagonismo que considero


constitutiva das sociedades humanas, enquanto entendo por "política" o
conjunto de práticas e instituições por meio das quais uma ordem é criada,
organizando a coexistência humana no contexto conflituoso produzido pelo
político. (MOUFFE, 2015, p.8).

Ainda de acordo com a autora, haveria duas possibilidades de abordagem: a


da ciência política, que lida com o campo empírico da ​política​; e o da teoria política,
área de ação dos filósofos, que não investiga os fatos da política mas sim a própria
essência do político. Em outras palavras, a ​política ​(o nível ôntico) tem a ver com as
diferentes práticas da política convencional, enquanto o ​político ​(o nível ontológico)
refere-se à própria forma em que a sociedade democrática é fundada, isto é,
fundamentada sobre os pilares do respeito e igualdade ao antagonismo, às
diferenças e diversidades.
Dentro de um espectro ao qual Chantal Mouffe categorizaria como própria do
"político", Jacques Rancière desdobra uma ideia de política em torno das dimensões
sensíveis e de quem possui o poder dos meios de comunicação: “A política
ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem
competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos
possíveis do tempo” (RANCIÈRE, 2009, p. 16). A partir dessa linha de raciocínio,
podemos pensar a rede de música pop periférica existindo em território do "político",
habitando uma interface entre a experiência, a subjetividade e a comunicação, ainda
que articule-se com decisões tomadas no campo da "política" (como apontamos na
seção anterior, nos efeitos da inclusão digital ou a criminalização do funk). Em
resumo, a dimensão política da rede de música pop periférica está na própria
essência do ​político pois diz respeito à proliferação democrática da diferença, das
sensibilidades estéticas e arqueologias culturais marginalizadas ou silenciadas no
espaço comum. A sua potência reside precisamente na "partilha do sensível",
descrita por Rancière nos seguintes termos:
Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis
que revela, ao mesmo tempo, a existência de um ​comum ​e dos recortes que
nele definem lugares partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa
portanto, ao mesmo tempo, um ​comum p ​ artilhado e partes exclusivas. Essa
repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços,
tempos e tipos de atividade que determina propriamente a maneira como
um ​comum s​ e presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa
partilha. (RANCIÈRE, 2009, p. 15)
57

Levando-se em conta as ideias de Rancière, podemos pensar que no


universo da música há pessoas que são ouvidas e outras que são silenciadas, assim
como há escutas da ordem do “bom gosto”, daqueles que possuem domínio formal
da linguagem musical, e há negações de cidadanias nas fronteiras dos territórios
musicais. Neste contexto, observa-se práticas que procuram silenciar gêneros
musicais que não são reconhecidos como a “boa música”. ​Reconfigurando a ideia de
política, propomos que o político na música está relacionado tanto às possibilidades
de partilha de um comum, bem como à violência. A emergência de gêneros musicais
como o funk no cenário cultura brasileira acabam por apresentar outras perspectivas
e modos de vida que instauram o dissenso, isto é, "um conflito sobre a constituição
mesma do mundo comum, sobre o que nele se vê e se ouve, sobre os títulos dos
que neles falam para serem ouvidos e sobre a visibilidade dos objetos que neles são
designados" (RANCIÈRE, 1996, p. 374), obrigando-nos assim a repensar os lugares
hegemônicos dos julgamentos de valor e das escutas formatadas pelas patrulhas do
“bom-gosto”.
Com efeito, a rede de música popular pop periférica, farta de sonoridades,
narrativas, imaginários e outras riquezas expressivas excluídas das políticas
culturais oficiais do Estado e das narrativas midiáticas tradicionais, aponta para a
partilha de uma outra ideia de povo e de cultura popular. Uma outra matriz
simbólico-dramática, que atua em um campo de re-conhecimento para as classes
populares e nos remetem a um modo de comunicação sensivelmente diferente ao
da cultura letrada. Omar Rincón afirma que a cultura popular está cheia de “silêncios
e esquecimentos porque suas vozes e histórias foram excluídas dos relatos públicos
e da esfera midiática, o que constitui uma injustiça simbólica” (RINCÓN, 2016). É
neste sentido que os meios de comunicação tomam contorno político como lugares
de reconhecimento e afirmação dos — e para — os sujeitos populares,
constituindo-se um dispositivo estratégico de luta por cidadanias.
É preciso esclarecer: cidadania aqui não se refere às noções institucionais ou
formais, isto é, as “cidadanias densas”, aquelas que lutam por direitos
constitucionais, aquelas do PODER com maiúsculas, dos grandes relatos. Mas sim
aos tipos que Rincón nomeia como cidadania(s) leve(s), fracas, efêmeras e fluidas.
Aquelas que geram poder no dia a dia, aquelas do poder com minúsculas, aquelas
58

dos pequenos relatos. Em comum, ambos os tipos buscam extrair poder na vida
cotidiana para o mesmo fim: o bem-estar e a felicidade coletiva. No entanto, o autor
salienta que as chamadas cidadanias fracas “dão conta das outras aspirações (para
não chamá-las direitos) que as pessoas consideram importantes para sua felicidade
cotidiana”. Dentro deste grupo, Rincón indica “as cidadanias comunicativas”, entre
elas as “cidadanias celebrities”, que dizem respeito ao “direito” de estar nas telas, o
“direito” de ter telas próprias, o “direito” ao entretenimento (aspas do autor).
E dentro destas cidadanias comunicativas, está a que me interessa
aqui: as cidadanias celebrities. Essas que desenvolvem o querer estar nas
telas da autoestima pública (meios e redes) com voz, rosto, história e
estética própria. Dito vulgarmente: assim como o sistema de saúde pública
aumenta a felicidade coletiva e a autoestima de uma sociedade; ser
reconhecido e estar nas telas midiáticas é condição para a felicidade e a
autoestima do sujeito nesta sociedade do espetáculo. Por que só podem
aparecer nas telas os que têm poder através do dinheiro, da formação
acadêmica, da posição de classe e dos critérios de gestão (modelos, atores,
jornalistas, políticos, governantes...)? Por que os cidadãos do comum
devem ser “agendizados” pelos enunciadores dos meios públicos e privados
como sujeitos-problema, sujeitos que se queixam, sujeitos do medo?
(RINCÓN, 2016, p.41).

Portanto, assim como a política não se resume aos decretos do presidente,


às medidas e programas dos ministérios, às votações no parlamento, existindo uma
dimensão mais essencial em torno do político, o exercício cidadania também não
se resume ao RG, ao CPF, à certidão de nascimento fornecida pelo Estado. Não diz
respeito somente a ir votar de dois em dois anos ou nos direitos essenciais à vida,
educação, saúde etc. A cidadania também está no âmbito cultural como um modo
de se fazer visível e de criar modos de narrar o mundo à sua volta e o contexto em
que se está inserido.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (2014) fala sobre “o perigo
da história única” ao relatar o seu contato com uma colega de quarto em uma
universidade nos Estados Unidos:
Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um tipo
de arrogância bem intencionada, piedade. Minha colega de quarto tinha
uma única história sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa
única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela, de
jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do
que piedade. Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos
iguais. Após ter passado vários anos nos EUA como uma africana, eu
comecei a entender a reação de minha colega para comigo. Se eu não
tivesse crescido na Nigéria e se tudo que eu conhecesse sobre a África
viesse das imagens populares, eu também pensaria que a África era um
lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas incompreensíveis,
59

lutando guerras sem sentido, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de


falar por eles mesmos, e esperando serem salvos por um estrangeiro
branco e gentil (ADICHIE, 2014).

Adichie ressalta que, embora histórias tenham sido usadas para expropriar e
desumanizar, também podem ser usadas para fortalecer e humanizar. O discurso da
escritora parece ressoar nas palavras de Konrad Dantas, diretor de cena e fundador
da KondZilla, ao comentar sobre as diretrizes que norteiam os videoclipes da
produtora: “Eu sempre enxerguei a música como entretenimento. Para eu ver o
sofrimento, era só abrir a porta da minha casa. Então eu achava que a música tinha
um papel fundamental como entretenimento para quem é de comunidade”52. Da
ostentação dos seus primeiros clipes em 2013 à imagética mais conectada a um
imaginário visual de cosmopolitismo pop presente nas produções a partir de 2015,
os clipes da KondZilla são fenômenos políticos por atuarem na construção uma
narrativa que vai na contramão da estereotipia histórica do funk — este ambiente
“onde se realizam atos de violência incentivada, erotismo e pornografia”, como
descrevia a primeira lei que restringia os bailes cariocas, em 2000. Persistem
questões sérias e complexas a serem tensionadas, particularmente o
embranquecimento e objetificação do corpo feminino persistem. Mas ainda assim,
os clipes da KondZilla ainda são obras importantes por abrigarem a produção de um
discurso contra-hegemônico. Não a estética da fome, mas a estética do sonho: um
homem negro e/ou favelado que, como diria Frantz Fannon, não permite que a
densidade da História determine seu destino e seus atos (FANON, 2008, p.190).
Com todas as contradições inerentes à cultura popular, as telas da KondZilla vão
representar um homem negro e/ou favelado que desfruta da felicidade a partir de
bens materiais diversos, das boas bebidas, da festa, do amor, do sexo e da
amizade, povoando o imaginário de outros jovens periféricos com outras
possibilidades além do subemprego ou da morte em um país onde a população
negra e periférica tem índices de mortalidade não muito distantes do extermínio53.
Em seus pouco mais de mil videoclipes, a KondZilla vai alternar momentos em que

52
ORTEGA, Rodrigo. “Kondzilla vira o maior canal do YouTube no Brasil e quer dominar funk além de
clipes”. G1, 11 de abril de 2017. Acesso em 04 de junho de 2019. Disponível em: ​www.bit.ly/2Zf2uks​.
53
De acordo com o Atlas da Violência de 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são
negras. Disponível em: ​www.bit.ly/33INkGo​.
60

por vezes evidencia e por vezes oculta marcadores periféricos e raciais. Mas a partir
de suas interconexões em rede, os vídeos da produtora tomam consistência política,
simbolizando sua força através de narrativas e imagens que ajudam a construir uma
cultura em constante disputa por visibilidade e legitimidade. O homem periférico
retratado em suas vitórias, sonhos, ambições, amizades, relações, desejos,
celebrações, para além das estatísticas ou de sua condição socioeconômica. Uma
condição socioeconômica ou racial que caracteriza subjetividades e molda
perspectivas, mas não as determina.
Em agosto de 2019, o Portal KondZilla — que publicava notícias e
reportagens sobre cultura periférica apenas em textos — abriu também um canal de
vídeos próprio no YouTube. A estratégia de lançamento foi particular: os seus
vídeos, já produzidos, só iriam ao ar quando o canal batesse a marca de um milhão
de inscritos. E assim foi. Após ter um milhão de inscritos sem nenhum vídeo, no dia
22 de agosto foram publicados os primeiros conteúdos. Dentre eles, um "Manifesto
da Favela", em que são apresentadas diversas imagens de favelas enquanto
ouve-se, em off, uma mulher dizendo:
O passado nos ensinou muito. Tentaram nos segurar, e até
conseguiram. Mas somos fortes. Hoje, somos a cara do futuro. Somos
batidas; empreendedores. Somos artes; dançarinos. Somos diversidade.
Ousadia. Somos rimas; relíquias. Somos lindas. Somos um novo dialeto.
Somos inovação. Somos notícia e conteúdo. Somos o que quisermos ser.
Somos kondzilla.com (KONDZILLA, 2019).

Entre o editorial e o marketing, o vídeo é a síntese mais clara e direta do


projeto estético e político da KondZilla e termina por desempenhar um papel
estratégico fundamental: proclamar o canal como ator hegemônico e de influência
massiva na rede de música pop periférica. A alusão pomposa à forma de manifesto,
bem como o conteúdo do seu discurso, anunciam a KondZilla como algo maior do
que uma mera produtora ou canal de videoclipes de funk. E, implicitamente, Konrad
Dantas também deixa de ser um empresário comum. É assim que a KondZilla
desvincula-se de seus concorrentes no ecossistema das produtoras de funk e
descola-se de parâmetros ordinários que costumam determinar relevância no
YouTube, como quantidade de visualizações. Em vez disso, Kond torna-se um
intelectual e ativista da cultura periférica urbana, e busca extrair daí a legitimidade
61

que sustentará a sua hegemonia na rede de maneira mais duradoura — em


contraste com a efemeridade da luta pelo vídeo mais visto.

2.4. A KondZilla e hegemonia na rede


Simone Pereira de Sá delineou teoricamente a proposta da rede de música
pop periférica em torno do YouTube e desenvolveremos ideias em torno dos
aspectos políticos desta rede. Gostaria de dar um outro passo para desenvolver a
hipótese da KondZilla, em seu duplo papel de produtora mesmo de vídeos e canal
distribuidor no YouTube, como um ator hegemônico –– possivelmente o principal ––
na rede de música pop periférica.
A KondZilla foi criada em 2012 pelo diretor Konrad Dantas, o KondZilla, que
atualmente adotou o nome artístico de Kond como modo de diferenciar a pessoa e o
canal. Konrad é de um bairro chamado Vila Santo Antônio, periferia do Guarujá,
litoral de São Paulo. Sua mãe era professora e seu pai trabalhava como pedreiro,
atualmente marinheiro. Aos 18 anos de idade, Kond trabalhava como web designer
em uma universidade de Santos quando sua mãe faleceu. Com o dinheiro do seguro
de vida, Konrad comprou uma câmera Canon EOS 5D MKII e posteriormente
mudou-se para a capital paulistana para iniciar um curso de cinema. Após um
período trabalhando com pós-produção e computação gráfica, Konrad, que conta ser
fã de rap americano e que gostava de assistir aos clipes do gênero, passou ele
mesmo a produzir videoclipes musicais. O primeiro, ainda antes da fundação de um
canal próprio, foi “Megane”, do MC Boy do Charmes, em 2011. Em entrevista ao G1,
o diretor contou sobre esta passagem para a direção de clipes de funkeiros na
Baixada Santista: “Decidi fazer videoclipe de funk porque eu vi os vídeos de um cara
chamado MC Lon. Ele fazia com um celular Motorola V3, em cima da laje, batendo
com a palma da mão, e tinha 7 milhões de views. Falei: ‘Se o cara com um V3 tem 7
milhões, qualquer coisa que eu fizer estudando um pouquinho vai dar mais
audiência’. E começou a dar” (in ORTEGA, 2017).
Em seus primeiros clipes, como o citado “Megane”, “Tá Patrão” (do MC
Guimê, em 2011), “Como é Bom Ser Vida Loka” (do MC Rodolfinho, em 2012) e “É o
Fluxo” (do MC Nego Blue, este o primeiro lançamento do canal oficialmente), a
Kondzilla estabeleceu o visual da vertente ostentação do funk, efetivando, a partir de
62

um imaginário estético pop oriundo dos clipes de rap dos anos 2000, uma imagética
que antes era colocada nas telas de modo amador através de montagens
produzidas no programa Windows Movie Maker. Em entrevista de 2015 ao G1
Santos, Konrad explica:
“Já eram citados os sonhos, os produtos, os desejos de consumo,
só que eles eram representados através de slide. A galera pegava... Tipo
assim, falava da camiseta da marca tal, pegava uma foto do Mercado Livre
e fazia um slide. Na hora que [a música] falava da camiseta, mostrava uma
foto da camiseta. Na hora que falava da moto, mostrava a moto. Eu falei:
bom, tenho uma câmera, sei fazer uns videozinho e tal…” (in ROCHA,
2015).

Em outra entrevista, o diretor detalha:


“No primeiro clipe que fiz já tinha carro, mulherada. Porque eu
sempre enxerguei a música como entretenimento. Para eu ver o sofrimento,
era só abrir a porta da minha casa. Então eu achava que a música tinha um
papel fundamental como entretenimento para quem é de comunidade”. (in
ORTEGA, 2017).

Neste primeiro momento, a KondZilla se estabelece em São Paulo em


convergência com o crescimento do funk ostentação paulista e experimenta o seu
primeiro momento de sucesso, inicialmente em um nível mais local. A produtora só
viria a despontar nacionalmente por volta de 2015, com o sucesso de uma
sequência de quatro vídeos: “Baile de Favela” (de MC João), “Tudo de Bom” e “Bem
Querer” (MC Livinho) e “Solta o Grave” (MC Pedrinho). Na esteira destes quatro
vídeos, em 2017 a KondZilla efetivou-se como o maior canal do YouTube brasileiro
em números de acessos e, em 2018, ultrapassou o comediante Whindersson Nunes,
tornando-se também o maior em números de assinantes. Podemos ver estas duas
fases claramente quando analisamos o interesse pelo termo “kondzilla” em
pesquisas no YouTube e no Google através da plataforma Google Trends.
Percebemos que há três momentos distintos de interesse mais intenso: o primeiro,
menor, em novembro de 2012; depois um alta estável de popularidade de janeiro a
abril de 2017; e por fim o ápice em fevereiro de 2018, ano em que a KondZilla
demonstrava sua hegemonia ao abocanhar metade das posições no Top 10 vídeos
musicais mais vistos do YouTube Brasil naquele ano.
63

Gráfico 1 — ​Buscas pelo termo “kondzilla” de janeiro de 2012 a junho de 2018 no YouTube. Os
números representam o interesse de pesquisa relativo ao ponto mais alto no gráfico de uma
determinada região em um dado período — neste caso, de janeiro de 2012 a junho de 2018. Um valor
de 100 representa o pico de popularidade de um termo. Um valor de 50 significa que o termo teve
metade da popularidade. Uma pontuação de 0 significa que não havia dados suficientes sobre o
termo.

Fonte: Google Trends.

O crescimento numérico da KondZilla é acompanhado por um espraiamento


do YouTube, com a empresa atuando em rede para além da plataforma de vídeos.
Desde a criação do canal, a produtora insere enfaticamente sua logomarca rosa e
branca nas pré-visualizações em miniaturas dos vídeos YouTube e também no início
dos clipes, enfatizando assim uma outra autoria, isto é, uma assinatura do videoclipe
além do artista que canta a música em questão, mas da própria empresa que o
produziu — não há créditos de funções específicas do clipe como direção e roteiro,
apenas a marca da KondZilla.
Conforme o canal foi engatando uma sequência de hits — com destaque para
o ano de 2015, com as citadas “Baile de Favela”, “Bem Querer”, “Tudo de Bom” e
“Solta o Grave”, e depois para o ápice de buscas em 2018 — os fãs de funk e o
público em geral passaram a associar a KondZilla como um selo musical, uma fonte
de novidades, uma plataforma onde seria possível ouvir os novos hits e conhecer
aquelas músicas que ainda vão se tornar populares. Em clipes de MCs iniciantes ou
menos conhecidos do YouTube, não é raro encontrar comentários como “a KondZilla
devia fazer um clipe dele”, o que manifesta essa visão da KondZilla como selo.
Contudo, este não é o modo de funcionamento comercial da empresa. Embora se
declare “a maior produtora de conteúdo audiovisual de música eletrônica de periferia
64

do Brasil”54, a KondZilla não possui uma curadoria, ocupando ao mesmo tempo a


posição de “fábrica” e “vitrine”, de produtora e canal. “A gente só vende o serviço de
produção se publicar com exclusividade na nossa mídia. E a gente só publica na
nossa mídia se for produzido por nós. São duas coisas simultâneas, mas dois
serviços diferentes”, explica Konrad Dantas (in Ortega, 2017). Para ter um clipe
filmado e publicado pela KondZilla, portanto, é necessário apenas pagar o
orçamento do clipe, que em média custa algo em torno de R$ 30 a R$ 50 mil. Há
também casos — pontuais — em que o artista filma o clipe com outra produtora de
vídeo e vai à KondZilla para comprar a publicação do vídeo neste canal do YouTube,
visando deste modo a sua posição privilegiada na "vitrine" da plataforma. Neste
caso, a KondZilla retira os créditos da produtora de vídeo original e deixa apenas as
suas próprias marcas. Tal prática foi denunciada por Miguel Rodrigues, diretor que
trabalhou na Globo e é CEO da Take a Take Films55. Ele foi diretor do clipe "O Terror
Tem Nome", de MC Kauan, que foi publicado no Canal KondZilla no dia 3 de março
de 2017 sem créditos além da marca da KondZilla. No dia seguinte, o clipe foi
divulgado no canal do MC Kauan com os devidos créditos para Take a Take Films
pela produção, para Miguel Rodrigues pela direção, e para Original Produções
(empresa do próprio funkeiro) pela direção de fotografia e direção executiva, além os
devidos créditos à todos que participaram do vídeo. No canal da KondZilla, o vídeo
acumula 27,5 milhões de visualizações. No canal do próprio Kauan, o mesmo vídeo
tem apenas 148 mil visualizações. Discrepância que exemplifica a força e
hegemonia da KondZilla na rede de música pop periférica.
A empresa não recusa o pedido de um cliente, independente do seu gênero
musical ou qualidade da música. Há inclusive muitos artistas do casting da GR6,
produtora concorrente, que lançam clipes pela KondZilla. No catálogo da KondZilla
também é possível encontrar dezenas de clipes de influenciadores digitais
aventurando-se na carreira musical. Há também uma boa quantidade de artistas de
fora do funk com vídeo no canal, dentre eles: o grupo de rap Racionais MCs56, a

54
Termo utilizado na descrição do próprio canal da KondZilla no YouTube.
55
Miguel Rodrigues expôs o caso em live no seu Facebook e depois em entrevista ao site Fala
Universidades. Conferir: ​https://bit.ly/2EJLc6O​. Acesso em 20 de abril de 2020.
56
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=rsGgHt8Dd7E
65

banda de rock Vespas Mandarinas57, a escola de samba carioca Grande Rio58 e o


duo paulista de música eletrônica Shameless com uma versão EDM (​eletronic dance
music​) de uma canção do filme infantil “Madagascar”. Há ainda clipes de artistas
internacionais que buscam fazer uma conexão com o funk no Brasil, caso da dupla
norte-americana de “americano funk” J Nup & Louis Brandon59, do rapper tunisiano
K2RHYM60 e o duo de hip hop Sevenlox, oriundo de Guiné-Bissau mas residente no
Brasil. Mas ainda que tenha videoclipes de artistas fora do segmento funk, a
KondZilla coloca-se comercial e simbolicamente não apenas como uma produtora de
clipes, mas sim neste papel duplo e ambíguo entre produtora e uma certa ideia de
mediador cultural transnacional, buscando associar-se diretamente à imagem de
fonte ou casa do funk e da música periférica, firmado sob o slogan “favela venceu”,
reproduzido em camisetas, vídeos e bordão pessoal de Konrad.
Associada a esta imagem de “a fonte do funk” ou "a casa do funk"— em
verdade, uma parcela do funk —, a empresa expandiu-se e, na tentativa de ser mais
do que um canal de YouTube, espraiou-se para além dos clipes, criando outras
vertentes dentro de sua máquina empresarial. Além da KondZilla Filmes (dedicada
aos vídeos), a ​holding t​ em a KondZilla Wear (marca de roupas e acessórios),
KondZilla Records (produtora e agência de artistas e gravadora61) e o Portal
KondZilla (produção de notícias de teor mezzo-jornalístico, mezzo-publicitário sobre
“cultura periférica” publicadas no site oficial da empresa e em um canal-irmão no
YouTube, no caso de matérias em vídeo). Em março de 2018, foi anunciada a
parceria da KondZilla com o serviço de streaming Netflix para produção da série
“Sintonia”, que foi lançada em agosto e acompanha "o ponto de vista dos três
personagens diferentes, que cresceram juntos na mesma favela, sob a influência do
funk, das drogas e da igreja"62. Também está pronta, mas sem data de lançamento,
uma série documental sobre a história do funk produzida para o canal por assinatura
HBO.

57
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=NnwDpSHapWs
58
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=y8WVANlouP8
59
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=7Sjdgfm1gFk
60
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=DEHqqsgCnDM
61
Entre os artistas empresariados pela KondZilla estão MC Kevinho, Dani Russo, MC Kekel, Tainá
Costa, MC Dede, MC Guimê, Tati Zaqui, MC MM, MC Rodolfinho e MC Lan. Destaca-se uma linha
mais ligada ao funk pop.
62
Sinopse disponível em: ​www.bit.ly/30IGWwE​.
66

Irradiando sua marca para fora do YouTube, esta ação transmídia da


KondZilla parece aliar-se ao projeto pessoal e autodeclarado de Konrad Dantas em
firmar sua imagem de “comunicador”. Em entrevista ao portal Meio e Mensagem em
julho de 2017, ele declara:
“Hoje eu não sei definir bem o que eu faço. Sou empresário, sou
diretor de cena e acho que sou um cara de comunicação hoje. Eu quero
falar com todo o público jovem de periferia. Eu quero, vou trabalhar para
isso e vou ser o maior comunicador para o público jovem de periferia e fazer
essa conexão não apenas do baile funk, na verdade é de toda essa cultura,
de todo o comportamento desse tipo de público. Acho que o público que eu
trabalho hoje está começando a ser representado, mas a gente precisa
tomar muito cuidado com quem vai representar isso”63.

A postura de Konrad como “comunicador”, “porta-voz” ou “defensor” revela-se


contraditória e questionável muitas vezes. Em situações polêmicas e discussões
políticas centrais para o funk — como o caso da prisão irregular do DJ carioca
Rennan da Penha64 ou a Sugestão Legislativa de criminalizar o funk65 —, ele preferiu
se omitir de uma declaração pública, estratégia utilizada para não afetar o
faturamento da empresa. O programa "Provocações", apresentado por Marcelo Tas,
na entrevista com Konrad Dantas, pediu ao público que enviasse mensagens
falando sobre qual seria a contribuição do funk para a cultura brasileira. A
mensagem dos telespectadores que foi selecionada dizia que a contribuição do funk
é "a objetificação da mulher, o menosprezo ao trabalho digno, a glorificação da
criminalidade, a imbecilização do ser humano, a sexualização de crianças e
adolescentes". Em vez de refutar os preconceitos levantados contra o funk e a
periferia, Konrad limitou-se a falar sobre o posicionamento de sua empresa de ​não 
veicular  "mais  videoclipes  de  músicas  que  continham  armas,  mulheres  de biquinis e 
de  lingerie e músicas com palavrão (...) porque a gente queria alcançar, levar a nossa 
arte  para  outras  pessoas  e  também  nos  aproximar  de  marcas  que  precisavam 
validar  o  seu  discurso,  e  o  discurso  não  poderia  ser  associado  a  uma  mensagem 
misógina"66.  ​Neste sentido, o papel de comunicador de Konrad revela-se em certos

63
Em entrevista ao site Meio & Mensagem. Disponível em: ​www.bit.ly/3fHKwvA​. Acesso em 31 de
março de 2019.
64
Ver: ​www.bit.ly/2PDvk7Z​. Último acesso em 31 de março de 2019.
65
Matéria disponível em: ​www.bit.ly/2XHRBpu​, último acesso em 17 de setembro de 2018.
66
Entrevista disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=vmO0I_SkoIw​. A fala de Konrad citada
está na marca dos 6:40.
67

momentos contraditório, incoerente e com pouco lastro político ao preferir, enquanto


figura pública midiática, esquivar-se de assuntos polêmicos e estigmas arraigados
no senso comum para blindar sua empresa. Em sua visão, limpar a "mensagem
misógina" não é atrativo exatamente pelo fator ético (tornar o funk um espaço mais
inclusivo e receptivo), mas principalmente pelo apelo comercial, possibilitando
expandir o seu público e associar-se à "marcas que precisam validar seu discurso".
Não obstante, as produções audiovisuais da KondZilla são centrais no catalisação
de formas estéticas que engendram um processo mais amplo de ​mainstreaming
destas músicas periféricas em diálogo com um imaginário pop global. A KondZilla
ocupa o posto de um ator principal na complexa rede não apenas do funk, mas de
uma cultura pop periférica mais ampla, por articular e aglutinar em suas produções
diferentes gêneros e vertentes musicais e das periferias de todo o País orientados a
partir de uma dinâmica ​crossover67, isto é, uma estrutura mais porosa às fronteiras
de classes sociais, classes econômicas e raciais.

2.5. Da putaria ao compliance: a consagração comercial da KondZilla


Mas qual é a estética que a KondZilla consagra em sua ascensão comercial?
E, no sentido inverso, o que esta estética diz sobre a política da rede de música pop
periférica, na qual a KondZilla atua hegemonicamente?
Ao delinear caminhos para a análise midiática de videoclipes, Thiago Soares
(2013) discute a ideia de “ganchos visuais”, ou seja, “uma espécie de localização, na
imagem, de uma estratégia utilizada para manter o espectador assistindo o clipe —
tais quais as ferramentas para manter o ouvinte na canção, empreendidas por
refrões” (p. 115). O autor classifica quatro formas de ganchos visuais, sendo elas: 1)
os ​close ups;​ 2) a geração de planos que se configurem em marcas visuais de um
determinado artista ou de um determinado álbum fonográfico; 3) a utilização de
planos que sintetizem fragmentos do corpo físico dos protagonistas dos clipes; 4) a
existência de um plano ou sequência que “desvende” o segredo existente da relação
entre apresentação - conflito - resolução do videoclipe. Os clipes da KondZilla

67
Estratégia de marketing adotada por Berry Gordy, da gravadora Motown, que tinha como objetivo
atravessar fronteiras musicais, misturar gêneros e entrar em várias paradas de sucesso. “Para Berry
Gordy, a questão era consumir uma música ‘crossover’, feita e controlada pelos negros para os
brancos” (MARTEL, 2012, p. 129).
68

trazem um gancho visual de outra ordem, diferente dos quatro catalogados: os


cortes de um plano a outro são ditados pela batida da música. Essa técnica aparece
já nos videoclipes da primeira fase da KondZilla, com os clipes ostentação como “Ela
é Demais” de Keké, “Ela é Gata” de MC Galo SP e “Plaquê de 100” em 2013, e
continua até os dias atuais, constituindo-se em certa “norma” da gramática visual da
produtora. Este formato dita um ritmo mais intenso e dinâmico ao vídeo, que
combina com o modo de fruição e consumo mais imediato de mídias no YouTube. É
preciso “prender” o espectador, cativá-lo, ainda mais no contexto das baixas
velocidades e altas tarifas de internet no Brasil, e estes cortes marcados pelo
compasso da música funcionam neste sentido. Além disso, os cortes ritmados criam
um elo com a música que valoriza o ​beat (batida) do funk, criando, ainda que o
espectador não perceba conscientemente, uma territorialidade sônica característica
da KondZilla. Para além de um canal de clipes, podemos pensar também a
KondZilla como um ambiente de escuta, onde determinados ritmos e vertentes do
funk, com texturas sônicas e timbres específicos, serão postos em evidência em
detrimento de outros.
No entanto, quero aqui mais atentamente o segundo e principal momento de
​ acional, de pico de interesse em
sucesso da KondZilla. É a fase de ​mainstreaming n
buscas e de acessos, entre 2015 até meados de 2018 (ver gráficos do Google
Trends). Se no primeiro momento os vídeos da KondZilla alinhavam-se a um
aspecto mais descritivo, exibindo os carros, motos, roupas de marca e outros bens
citados nas letras dos MCs que demonstravam sua fortuna, agora a produtora
desenvolve um outro tipo de construção. Os clipes deixam o tom descritivo, ou o
que Konrad chamou de "pleonasmo visual" (CARDOSO, 2019, p., 174), para se
tornarem prioritariamente narrativos, contando microhistórias, que, por sinal, muitas
vezes nem possuem ligação aparente com a letra da música. Em “Bem Querer”
(2015), por exemplo, MC Livinho canta: “Cai com a bunda/ Enfica/ Rebola e vai”. O
clipe, no entanto, narra os desencontros um casal de namorados de classe média
baixa. A mulher, que trabalha de atendente em uma loja de roupas, recebe uma
carta de aprovação para estudar em uma universidade no exterior. O homem
(interpretado por Livinho) fica no Brasil, onde anda de ônibus e dá duro na vida de
artista iniciante. “Alguns anos depois”, ela retorna ao país e procura o namorado,
69

mas ele tornou-se um MC famoso e a dispensa. O clipe “Tudo de Bom”, do mesmo


Livinho, mostra os conflitos cantor quando ele fica com três mulheres da mesma
família, filha, mãe e avó. “Deu Onda” (dezembro de 2016) do MC G15 mostra a vida
de um homem que aceitou as exigências da namorada e parou de beber e de fumar
maconha para continuar com ela, pedindo-a em casamento no fim do vídeo. “Partiu”
do MC Kekel é o causo do homem que “está brigado com a mulher” e “dá fuga nela”
para ir ao baile funk. Em 2017, a KondZilla passou inclusive a inserir legendas para
criar diálogos entre as personagens do clipe, é o caso de “O Grave Bater”, do MC
Kevinho, onde o artista é atraído por uma mulher de biquíni que o chama para uma
festa e ele se perde do grupo de MCs amigos. Também em 2017, com legendas, foi
lançado o vídeo de “Cara Bacana” do MC G15. O vídeo se apresenta como uma
continuação do clipe anterior do artista na KondZilla, o citado “Deu Onda”, trazendo
as mesmas personagens e rememorando acontecimentos do clipe anterior através
de ​flashbacks​. Neste momento, mesmo quando os clipes evocam apenas uma
situação de festa, há uma história, como a festa aconteceu e atingiu o seu ápice. Isto
é, a festa não se dá repentinamente, não fica animada do nada — caso do clipe de
“Vai Embrazando” do MC Zaac, que mostra os convites sendo feitos, os convidados
chegando e se embriagando gradativamente. Efetiva-se, portanto, um trabalho de
roteirização como não havia no primeiro momento, por volta de 2013.
No intervalo entre 2013 e 2015 a KondZilla também refinou seus
equipamentos e procedimentos técnicos. O ​ethos do improviso, o ímpeto “faça você
mesmo” de clipes como “Megane” foi ficando de lado para um trabalho mais
profissional (com câmeras Red Digital Cinema, que custam cerca de R$ 50 mil) e
meticuloso em termos de cenários, fotografia, tratamento de cores, filmagem, edição
e montagem, como podemos ver nos paleta de cores coloridas e nos tons pasteis de
“Rabiola”, de Kevinho. e “Deixa Ela Beijar” de Kevinho com a dupla de sertanejo
universitário Matheus & Kauan, no cenário de motivos árabes de “Bum Bum Tam
Tam” de MC Fioti e no ambiente noturno de “Oh Nanana” de Bonde R300 e no clima
hollywoodiano de “Amor de Verdade” de MC Kekel e MC Rita. Em 2018 a KondZilla
também contratou um ​stylist ​que define o figurino para os seus clipes. Antes disso,
em 2017, os MCs mais populares da KondZilla Records contrataram um ​personal
stylist para trabalham o visual do artista em um estética que busca dialogar com
70

astros da música pop global contemporânea. Em entrevista a Natália Guadagnucci


no portal UOL, Léo Bronks e Emerson Timba, a dupla que assina os looks de
Kevinho e Kekel, contaram que Kevinho tem como referências os cantores
colombianos de reggaeton Maluma e J Balvin, enquanto as roupas de Kekel são
influenciadas por artistas norte-americanos de rap como Tyler The Creator, Lil Uzi
Vert, Travis Scott e o grupo Migos: “O que a gente faz é adaptar esses estilos à
nossa realidade, com outro clima, outro acesso às grifes”68. Palavras que apontam
para a observação da transculturalidade como importante estratégia de afirmação
das produções do canal. Os símbolos de fortuna e poderio econômico, portanto,
continuam presentes nos vídeos, mas são apresentados de modo mais sutil, não
como uma "causa" na era da ostentação.
Em novembro de 2018, Konrad Dantas, criador e dono da KondZilla decidiu
ficar responsável apenas pelo setor criativo da empresa, saindo do comando
executivo de sua empresa, que então ficou nas mãos de um ​chief executive officer
(CEO): Fabio Trevisan, 43 anos. Ele foi executivo da Conspiração, uma das maiores
produtoras do Brasil, e tem no currículo passagens pela Nestlé, Chrysler e a agência
McCann em Nova York. Em entrevista ao G169, Fábio revelou que quando entrou na
empresa, em 2017, foi estabelecido um “compliance”, isto é, diretrizes corporativas
para seguir leis e evitar desvios. A nova regra da casa era banir dos clipes da
KondZilla: 1) armas, 2) drogas, 3) objetificação da mulher, 4) violência e 5) palavras
de baixo calão. “Passamos a exigir isso do artista. Vemos a letra e também a
gravação do clipe”, afirmou o CEO (in ORTEGA, 2019). Em entrevista ao programa
"Provocações", na TV Cultura, Konrad Dantas informa uma outra data para o
estabelecimento do ​compliance​: setembro de 201670. Exemplo dessa nova lei foi
aplicada em duas músicas fundamentais para a fase principal de consagração
KondZilla. Publicada em dezembro de 2016, o refrão da música “Deu Onda” do MC
G15 dizia “Eu gosto de você, fazer o quê?/ Meu pau te ama”. Na KondZilla, virou “o

68
GUADAGNUCCI, Natália. “O que está por trás da mudança de estilo dos principais funkeiros do
país”. Uol Universa. Disponível em: ​www.bit.ly/2yhYAfC​. Acesso em 9 de junho de 2019.
69
ORTEGA, Rodrigo. “Kondzilla em queda: Por que o canal de funk perdeu audiência e liderança nas
paradas?”. G1. Disponível em: ​www.bit.ly/36w1Dxi​. Acesso em 9 de junho de 2019.
70
O vídeo da entrevista está disponível em: ​www.bit.ly/2BWcWEe​. A fala de Konrad referente ao
"compliance" está por volta dos 6:40.
71

pai te ama” e foi a terceira música mais tocada do mundo no YouTube71. A música
“Oh Nanana” do Bonde R300 (2017) também teve de ganhar uma “versão light”. Os
versos “Eu te pegava de quatro até sua xereca inchar/ Eu lambia tua xota até fazer
tu gozar” foram substituídos por “Eu te pegava no quarto, te fazia delirar/ Te
chamava de gostosa, era mordida sem parar”. Bem diferente de “Baile de Favela”,
que pouco antes do ​compliance​, em 2015, era um dos maiores hits do canal com os
seguintes versos (não censurados): “Mexeu com o [DJ] R7 vai voltar com a xota
ardendo”.
O movimento da KondZilla nesta fase entre 2015 e 2018 — mais
localizadamente a partir do final de 2016, após o dito ​compliance — é de relativo
apagamento das marcas de subalternidade do funk, tanto em aspectos visuais
quanto no ambiente de escuta que o canal do YouTube instaura, dentro de um
contexto maior de reconhecimento e afirmação no mercado pop nacional e
transnacional. O CEO Fábio Trevisan diz que as novas diretrizes da empresa abriu
as portas para lucrativas parcerias com marcas ("ajuda na parte comercial"),
enquanto Konrad o define como "o motivo do sucesso. Dos nossos 10 vídeos de
mais sucesso, todos têm o filtro" (apud ORTEGA, 2019b). O ​compliance
estabelecido para os novos clipes cumpriu um papel tanto econômico quanto
estético na KondZilla, posicionando a produtora em uma vertente mais pop, em
deliberado processo de ​mainstreaming do funk e da música periférica como um todo
que vai engendrar um conjunto determinado de diretrizes nos interstícios da rede de
música pop periférica constituída no YouTube.
Se a KondZilla posiciona-se no polo do ​mainstream​, seus concorrentes
alocam-se no polo oposto das estratégias de consumo e produção da indústria
cultural: o ​underground​. Principal concorrente da KondZilla, a GR6 é uma agência de
shows, gravadora e produtora de clipes, o canal GR6 produz vídeos sem filtros de
palavrões ou putaria. "Lei do Retorno", por exemplo, lançada em maio de 2017 pelos
MCs Don Juan e Hariel, é o segundo vídeo mais visto do canal da GR6 e o refrão
diz: "Vou marcar de te ver e não ir/ Vou te comer e abandonar/ Essa é a lei do
retorno e não adianta chorar". Quarto vídeo mais visto no canal, "Hoje Eu Vou Parar

71
A música de G15 ficou atrás apenas de clipes de Shakira e Chainsmokers com Halsey no ranking
do YouTube. Disponível em: ​www.bit.ly/36bDfRB​. Acesso em 30 de julho de 2019.
72

na Gaiola", de MC Livinho e DJ Rennan da Penha, saiu em novembro de 2018 e tem


em sua letra palavras consideradas "explícitas", como "putaria" e até uma menção
ao consumo da droga ilícita "lança" combinada com "copão", onde bebe-se uísque
com energético nos bailes funk. Ainda no contexto de São Paulo, a KondZilla
concorre ainda com os chamados "canais de banner", isto é, canais de YouTube que
publicam uma música apenas com uma foto estática do MC e o nome da faixa, sem
um vídeo no sentido tradicional. Se na KondZilla um vídeo sai em torno de R$ 50 mil
(ORTEGA, 2017a), canais de banner como o Detona Funk (7,18 milhões de
inscritos) e Ritmo dos Fluxos (4,53 milhões) tornam-se opções mais baratas e
efetivas, visto que direcionam seu conteúdo para o circuito de fluxos e bailes de rua
ao qual um MC iniciante ou de médio porte costuma buscar. Essas práticas, mesmo
se marcadas inicialmente pelo corte econômico, acabam por apontar para recortes
estéticos de naturezas distintas em torno das escutas e poéticas do funk. O
conteúdo e temáticas que a KondZilla busca afastar, nos canais de banner não
apenas é recorrente como também muito popular. Entre os vídeos mais vistos do
Detona Funk estão faixas como "Open The Tcheka" (do MC Lan) e "Tchelekão" (MC
Lan e MC Fioti). A última publicada é da MC Dricka com produção da DJ Ray Lais e
chama-se "Nois Só Fode com Ladrão", que seria vetada na KondZilla só pelo título.
No canal do Ritmo dos Fluxos, as músicas mais ouvidas são repletas de palavrões
e/ou têm letras ainda mais explícitas sexualmente, caso de títulos como "Voltei Pras
Puta" (MC GP), "Helicóptero - Tu Vai Fuder no Céu Piranha" (DJ Guuga) e versos
como "Hoje é sexo na rave e as mulher já tão safada/ Chupa minha piroca pra
depois tu beber água" (cantado pelo MC GW no "Projeto Rave dos Fluxos 1", dos
DJs Tezinho e GBR).
A GR6 e os canais de banner somam-se ainda a canais de outras regiões do
Brasil, que vem destacando-se com produções audiovisuais de popularidade
crescente no YouTube, como o Thiago Gravações, Canal Brega Exclusivo e Maker
Filmes (do Recife) e Doug Filmes (de Belo Horizonte), entre outros, que somam-se
em um complexo ecossistema digital do funk no YouTube. Embora em dinâmicas
produtivas opostas, o ​underground e o ​mainstream c​ onectam-se e interpenetram-se
continuamente através de inovações estilísticas e técnicas que precisam ser
igualmente acompanhadas para não perder o espaço e do próprio trânsito artístico e
73

comercial do funk e da música periférica — MCs do ​underground ​que buscam


expandir para um público ​mainstream​, MCs pop com propostas específicas para
renovar sua legitimidade junto aos bailes de favela etc. E mesmo os principais
artistas da GR6, como Livinho, MC Don Juan e DJ Guuga, ocasionalmente
produzem videoclipes na concorrente KondZilla, geralmente buscando um outro tipo
de exposição pública para determinada música. Assim, ​antes de serem polos
opostos ou excludentes, a presença destes diferentes canais e perfis na rede música
popular periférica indica também articulações em rede entre possibilidades de
exposições iniciais em canais alternativos até a afirmação como artista de sucesso.
A KondZilla é parte desta complexa rede sociotécnica formada por múltiplos atores
que parecem operar, ao mesmo tempo, dentro de uma ambientação digital em
sentido amplo, e na configuração de uma rede em sentido estrito, o que possibilita a
emergência de estéticas dissonantes em si mesma, como veremos no próximo
capítulo.

2.6.: Marcas de subalternidade, cosmopolitismo e colonialismo: adaptações do


funk no mainstream
​ estratégia de consumo
Uma tática deste processo de ​mainstreaming e
crossover ​da KondZilla, evidenciada anteriormente na análise comparativa das duas
principais fases da produtora, é a intensificação do diálogo estético com um
imagética pop transnacional. O pesquisador israelense Motti Regev (2013) descreve
esta dinâmica como a consolidação de um isomorfismo expressivo:

O isomorfismo expressivo é, então, o processo pelo qual a singularidade


nacional é padronizada de modo que a cultura expressiva de várias nações diferentes
ou de setores sociais proeminentes dentro delas passa a consistir em semelhantes —
embora não idênticas — formas expressivas, elementos estilísticos e expressões
estéticas. É o processo pelo qual a singularidade cultural expressiva é construída
adotando, adaptando, ajustando, incorporando e legitimando tecnologias criativas,
elementos estilísticos, gêneros e formas de arte derivadas de modelos mundiais.
(REGEV, 2013, p. 16).

Contudo, nota-se que esses “modelos mundiais” descritos por Regev têm
muito pouco da totalida do mundo, da diversidade e diferenças internas e externas
entre o Norte Global e o Sul Global, e focalizam sobretudo os Estados Unidos,
estabelecendo uma relação estética hierárquica, que associa as tecnologias
74

criativas, elementos estilísticos e dispositivos narrativos do contexto


norte-americano/europeu como próprios do “moderno”, do “novo”, do “legítimo”.
Como denuncia o pesquisador hindu-britânico Homi Bhabha, esta ideia de
cosmopolitismo determina:

“...O planeta como um mundo concêntrico de sociedades nacionais se


estendendo até vilarejos globais. É um cosmopolitismo de relativa prosperidade e
privilégio fundamentado em ideias de progresso que são cúmplices de formas
neoliberais de governança e de forças de concorrência de livre mercado (...) Os
cosmopolitas globais dessa espécie com frequência habitam “comunidades
imaginadas” que consistem de vales do silício e campi de software, apesar de, cada
vez mais, terem que enfrentar o mundo confinado dos call-centers e as condições
subumanas da terceirização.” (BHBHA, 2012, p. 109).

Quais as causas dessa desigualdade que parece permear o processo de


transculturação72 do funk, visto na estética consagrada pela KondZilla? O que leva a
KondZilla a apagar certas marcas de subalternidade, reordenando a imagética
funkeira a partir de outros signos, afiliados ao panteão da música pop,
especificamente do pop norte-americano? Considerando que o colonialismo é um
sistema político e econômico que se capilariza nos afetos e subjetividades, Bhabha
observa que o efeito do poder colonial se dá como uma imposição da ordem de
autoridade colonialista ou de uma repressão e silenciamento direto das tradições
locais, mas sim como uma discreta “produção de hibridização”: um jogo dialético de
reconhecimento (BHABHA apud RINCÓN, 2016).
Reverberando um pensamento semelhante sob outra etimologia, Diana Taylor
critica a ideia multiculturalista de “hibridismo” sob o argumento de que esta
manifesta um “mimetismo colonial” velado. Ainda assim, a autora aponta que a
concepção de mímese envolve uma instância de produção — e não mera
reprodução ou cópia. Portanto, neste “mimetismo colonial” ainda haverá
contradições e ambiguidades: “O colonizado buscou imitar o senhor, ou ser como
ele. Entretanto, o ‘como’ era sempre um ‘não exatamente’”. (TAYLOR, p. 156). Isto
é, o hibridismo, produzido no interior do poder colonial, contraditoriamente volta-se
para ameaçar ou subverter esse poder. O nativo, por meio da mímica colonial, pode
não ter se tornado o senhor, mas mascarou-se de modo a complicar o controle

72
Por transculturação, entende-se o processo transformativo por que passam todas as sociedades
quando entram em contato com material cultural estrangeiro ou o adquirem, voluntariamente ou não.
75

visual dos colonizadores: o senhor não consegue mais reconhecer, identificar ou


localizar de imediato o sujeito colonial. No quesito musical, podemos pensar que
esseesse mimetismo colonial adquire um valor tático importante para a rede de
música pop periférica porque serve para legitimá-lo fora e dentro desta rede,
fazendo com que alcance públicos e artistas transnacionais (como veremos no
próximo capítulo ao analisar clipes de ​feats​ internacionais).
Em resumo, o percurso da consagração mercadológica da KondZilla é
imbricado em uma direcionamento estético que indica um condicionamento, uma
adaptação do funk e das músicas periféricas visando disputar instâncias de
legitimação e conquistar espaço em um mercado mais amplo, conforme expressam
o Konrad Dantas e o CEO Fábio Trevisan. Uma “desfunkização” ou um afastamento
do funk, poderia-se dizer, é visível quando passamos a observar este gênero
musical através das lentes da KondZilla na rede de música pop periférica, que inclui
movimentos de marcados por uma certa colonialidade e embranquecimento. Por
outro lado, a liberdade criativa destes artistas/comunicadores, torna-se uma tática
para fazer circular e infiltrar estéticas historicamente marginalizadas no centro da
música pop.
Fizemos aqui um exercício de certo modo estrutural, apontando marcos
temporais e delineando os elementos estéticos que vão compor os clipes da
KondZilla, onde verificamos este tom mais conciliador de diferenças, de
apagamentos de marcas periféricas. No entanto, dentro do escopo de vídeos da
KondZilla, em meio às “normas”, ainda existem brechas e desvios potentes a serem
explorados, o que gera a necessidade de irmos além do reconhecimento dos
apagamentos, resistindo à dicotomias simplistas para pensar pensar também o
fenômeno de sobreposição de marcas globais e locais, centro e periferia no contexto
de uma modernização latino-americana caracterizada não somente por “uma força
alheia e dominadora que operaria por uma substituição do nacional e do típico”, mas
mais precisamente por aquilo que Néstor García Canclini chama de “tentativas de
renovação com que diversos setores se encarregam da heterogeneidade
multitemporal de cada nação” (2015, p.19). No próximo capítulo, vamos nos deter
em questões mais específicas.
76

Capítulo 3

Estratégias estéticas e mercadológicas em rede

3.1. Formando e analisando "constelações" de clipes


Este capítulo tem por finalidade aprofundar-se nos meandros da estética
construída e consagrada pelos videoclipes da KondZilla, buscando suas implicações
mercadológicas e buscando entender os valores inerentes a estes produtos
audiovisuais, o que eles dizem e projetam sobre e na a rede de música pop
periférica. No capítulo 1, vimos como o processo de transferência do centro
econômico do funk do Rio de Janeiro para São Paulo, entre 2011 e 2013, estava
atrelado também a uma reconfiguração estética do funk enquanto gênero
musical-midiático, que transformou sua imagética ao incorporar códigos visuais da
vertente ​bling ring do hip hop norte-americano da primeira década dos anos 2000 e
profissionalizou o seu sistema de produção, um processo materializado e
encabeçado pelos videoclipes da KondZilla. Na sequência, no capítulo 2, analisamos
clipes emblemáticos dos dois períodos com maior acessos e visualizações do canal
(primeiro, em 2013; depois, entre 2016 e 2017) para apreender elementos que
constituem os marcos visuais da KondZilla, isto é, os traços fundamentais de suas
narrativas audiovisuais e os elementos que constituem a sua assinatura e estilo
enquanto diretor-produtora, tais como o corte de cenas em sintonia com o ritmo das
músicas, a passagem dos clipes "ostentação" (em que os MCs exibiam carros,
motos, casas, dinheiro e mulheres de modo descritivo, através de um "pleonasmo
visual" nas palavras de Konrad Dantas) para os clipes de "microhistórias", onde as
letras das canções são ilustas de outra forma, a partir de pequenas narrativas
roteirizadas, alinhando-se assim a uma forma narrativa predominante na música pop
global. Vimos ainda diretrizes empresariais que foram adotadas com o propósito de
ampliar o público da produtora tanto no mercado interno quanto no mercado externo,
e ao mesmo tempo aproximar-se de marcas em acordos publicitários (ORTEGA,
2019a; 2019b e KONDZILLA, 2019). Este "marco regulatório" da produção
audiovisual da produtora tinha propósitos econômicos, mas desdobrou-se no âmbito
77

estético dos clipes. "Armas, drogas, objetificação de mulheres, violência e palavras


de baixo calão" foram expressamente proibidos nos vídeos e nas músicas no canal.
Portanto, a KondZilla passou a retratar o universo do funk e da música periférica
com ressalvas determinadas e estratégicas. Ao mesmo tempo, os vídeos passaram
também por uma certa higienização estética que promoveu um apagamento das
marcas de subalternidade do funk, negociando (afastando-se e aproximando) da sua
origem em territórios periféricos. Conforme visto no capítulo anterior, alguns dos
principais artistas da produtora como Kekel e Kevinho abandonaram o "título" de MC
(movimento idêntico ao de Anitta e Ludmilla, principais expoentes do funk pop que
também tiram o MC do nome artístico) e transformaram o visual normalmente
associados ao funk, passaram a investir em roupas e gestos performáticos que, com
o suporte de ​personal stylists,​ busca afirmá-los como espécies de "popstars do funk"
ao aproximar-se declaradamente de estrelas como os rappers americanos Travis
Scott e o trio Migos bem como dos cantores colombianos de reggaeton Maluma e J
Balvin, respectivamente (GUADAGNUCCI, 2019).
Em síntese, até este ponto do trabalho fizemos um exercício teórico-analítico
de cunho estrutural, apontando marcos temporais e delineando alguns pilares
estéticos e narrativos que compõem as bases dos clipes da KondZilla, verificando a
emergência de um tom conciliador (ao apresentar uma versão "suavizada" do funk) e
apagamentos de marcas periféricas em um direcionamento que visa o mercado pop
global — projeto econômico que vai se mesclar e caracterizar o estilo ou a
assinatura midiática da KondZilla. Agora, tendo em vista a base estilística dos vídeos
da produtora, faz-se necessário explorar também as "brechas" e "desvios", aquilo
que vaza ou que é produzido nas frestas, a fim de complexificar a nossa leitura, indo
do gênero musical funk para os "vasos comunicantes" da rede de música pop
periférica (PEREIRA DE SÁ, 2017). Nos capítulos anteriores, selecionamos para
análise, dentre um acervo de pouco mais de mil clipes publicados no canal da
produtora no YouTube, aqueles que tinham notável relevância numérica. Esses
vídeos com muitos acessos nos permitiriam entender a construção estética "padrão"
da KondZilla. Agora não é mais o alto número de visualizações que definirá o
corpus​. Após assistir quase todos os vídeos do canal da KondZilla, formei quatro
conjuntos de videoclipes a partir de hipóteses e perguntas específicas:
78

1) Os "fracassos" da KondZilla, isto é, clipes com alto número de


​ m contraposição aos sucessos com milhares de visualizações, ver os
dislikes: E
clipes "fracassados" e buscar os motivos de suas controvérsias e falhas possibilitará
um entendimento mais preciso sobre os valores e o contrato de autenticidade — e
seus respectivos elementos transgressores — do produção audiovisual da KondZilla,
do funk enquanto gênero musical-midiático e compreender como ele reverbera nas
articulações em rede promovidas pela KondZilla.
2) Clipes de artistas identificados a outros gêneros musicais que não o
funk: A KondZilla ficou conhecida pelo funk e constantemente reitera essa conexão
com o gênero. No entanto, a produtora também fez clipes de artistas de rap e de
rock alternativo. O que esses artistas buscam na KondZilla? O que a produtora
representa para outros gêneros musicais? Como a KondZilla representa visualmente
músicas que, a princípio, não integram o seu mercado alvo e qual o seu interesse
nesses gêneros?
3) Clipes de encontros entre artistas do funk brasileiro com
estrangeiros: ​Nos últimos cinco anos, o processo de internacionalização do funk se
intensificou, com artistas pop gravando com cantores brasileiros em ritmo de funk —
caso da cantora Madonna, do DJ de música eletrônica Skrillex e do rapper Future73.
Como os MCs performatizam o funk quando estão em um ​feat (​ um duo) com um
artista estrangeiro, e, portanto, visando um público internacional? Diante desses
encontros — que são também permeados por relações de poder e desigualdades
—, como a KondZilla encena o funk e a cultura brasileira? O que eles ressaltam e o
que eles apagam? Com quais objetivos? Quais disputas estéticas e políticas
podemos perceber nestes clipes e o que elas dizem sobre a rede de música pop
periférica?
4) Além do eixo Rio-São Paulo: os clipes do bregafunk de Recife:
Considerando que a KondZilla se consolidou como força hegemônica dentro da rede
de música pop periférica a partir da cena do funk paulista, como outras cenas
musicais são representadas nos clipes da produtora? E qual o efeito dessa "entrada"

73
Madonna gravou o funk "Faz Gostoso" ao lado de Anitta no álbum "Madame X" (2019), enquanto
Future fez um ​feat com o MC Fioti na regravação da música "Bum bum Tam Tam" (2018) e Skrillex
fez ​feat com MC Lan e Ludmilla na música "Maloqueira" (2019), que foi trilha sonora de uma desfile
da Savage X Fenty, grife de lingerie da cantora pop Rihanna.
79

na rede de música periférica brasileira sob as cenas locais? Para tratar das questões
selecionei os clipes de artistas do bregafunk de Recife devido ao crescimento do
gênero musical em plataformas de mainstream, pela crescente inserção dos MCs
pernambucanos assinando contratos com gravadoras de nível nacional e pela alta
quantidade de artistas que lançaram vídeos com a produtora.
Chamaremos metaforicamente esses conjuntos de "constelações". De onde
vem essa nomenclatura? Astrônomos afirmam que de uma determinada posição no
planeta, é possível ver a olho nu cerca de 2.500 estrelas em um dia propício para
observação. Mas foi através da seleção e agrupamento de estrelas específicas que
os astrônomos da antiguidade puderam formar figuras de pessoas, animais ou
objetos que serviram de ferramenta para localização no espaço e no tempo. De
modo similar, estamos olhando para uma grande quantidade de estrelas ao mesmo
tempo (os mais de mil clipes) e precisamos formar imagens que vão nos situar nos
meandros da KondZilla enquanto projeto estético. Assim, as quatro "constelações"
de clipes aqui elencadas, embora baseadas em elementos da subjetividade do
pesquisador, não são de modo nenhum aleatórias. Cada uma delas apontará para
problemas, hipóteses ou tensionamentos teóricos relevantes para nossa discussão
de forma que um olhar dedicado apenas aos clipes mais famosos e mais vistos não
poderia revelar.
Compreendendo que o videoclipe articula-se na extensão da canção popular
massiva, integra dinâmicas de endereçamentos de gênero musical e está
circunscrito em uma lógica de consumo do mercado musical e da indústria do
entretenimento, a análise midiática do vídeoclipe prevê o reconhecimento de "modos
de mediação entre as estratégias de produção e o sistema de recepção, entre os
modelos e os usos que os receptores fazem dos produtos midiáticos através das
estratégias de leituras inscritas nesses produtos (JANOTTI, 2006; SOARES, 2013,
p. 102). Em consonância com as qualidades dinâmicas, plurais e dialéticas da
perspectiva conceitual da Rede de Música Brasileira Pop Periférica tratada no
capítulo anterior, nossas análises não vão se deter às especificidades de cada um
dos clipes que formam a "constelação". Ao contrário, nossa análise em rede recairá
sobre elementos que se destacam exatamente por serem comuns, que atravessam
todos ou a maior parte dos videoclipes que formam cada constelação. Em outras
80

palavras, poderíamos dizer que não nos interessa neste momento as singularidades
individuais, mas sim as particularidades coletivas e compartilhadas de cada
conjunto. Partimos, então, para as constelações.

3.2. Os fracassos da KondZilla


Esta constelação é formada por sete videoclipes publicados no canal da
KondZilla que tiveram um desempenho negativo, seja por um alto número de ​dislikes
(muitas vezes maior que o número de ​likes)​ ou por um alto volume de críticas e
xingamentos nos campos de comentários. Os clipes são:

● MC Misa - Ela Merece Respeito (publicado em 9 de setembro de 2016)


● Loretto McAllister - Ela é Outro Nível (3 de novembro de 2016)
● MC Misa - Chegou o Verão (17 de dezembro de 2016)
● Davi Dyller - Mais Eu (4 de setembro de 2018)
● MC Veiga - Safadinha (17 de dezembro de 2018)
● MC Groove - Tu Vai Levar Bolo (27 de fevereiro de 2019)

De boné para trás e jaqueta jeans rasgada, o MC Misa surge no clipe de "Ela
Merece Respeito" deixando uma bandeja de café da manhã no quarto de uma
mulher loira. De lingerie, ela acorda e sorri ao notar o presente, que vem
acompanhado de um bilhete assinado por Misa que diz: "Quero te encher de beijos.
Saudades". O vídeo então passa a acompanhar o casal trocando carinhos e
brincando enquanto se bronzeia à beira de uma piscina enquanto o MC canta: "Em
vez de xingar ela, tira a roupa dela/ não bate nela, dá beijo nela (...) em vez de
brigar, curte essa donzela/ em vez de bater nela faz jantar à luz de vela". Depois, em
"Chegou o Verão", o mesmo Misa convoca sua "best" (como descrito no nome do
contato no aplicativo de mensagens do celular) a chamar suas amigas para uma
festa numa lancha, onde o MC aproveita o dia de sol ao lado de seis mulheres, que,
de biquíni, são mostradas com closes nas nádegas e na virilha.
Em "Ela é Incrível", de Loretto McAllister, o tom é de flerte e romantismo. O
cantor adolescente, de topete loiro e relógio dourado, sai do seu carro esportivo e
conhece três meninas, mas parece demonstrar interesse especial em uma delas. Ele
81

mostra fotos dela para os amigos: "Ela é outro nível, ela é incrível". Mais tarde o trio
de meninas também aparece na festa e, enquanto os amigos de McAllister ficam na
conversa com as garotas, o cantor sai de mãos dadas com a sua pretendida. Já
"Mais Eu", de Davi Dyller, é sobre o fim de uma relação que não mais voltará.
Enquanto comemora em uma balada, o artista, endereçando sua música para um
homem que "já não é mais o mesmo quando te conheci", anuncia que agora é ele
que não quer "viver de passado pois o meu coração se encontra curado".

Figura 7 —​ Frame do clipe "Chegou o Verão" do MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube
82

Figura 8 — ​Frame do clipe "Ela é Incrível" de Loretto McAllister.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Um elemento que perpassa boa parte desses vídeos é um certo


estranhamento em relação às convenções do funk. Ainda que, em muitos casos,
reivindiquem pertencimento ou proximidade ao gênero por meio da sonoridade, do
próprio clipe (com carrões e festas com muitas mulheres dançando de biquíni ou
shorts curto) ou do título de MC, certas fissuras com as expectativas e a
performance funkeira emergem. As primeiras cenas do clipe "Safadinha", de MC
Veiga, por exemplo, nos levam a uma lona de circo, onde vemos acrobatas
penduradas em tecido, malabaristas em monociclos e outros profissionais circenses
mascarados ao som de uma batida suave marcada pelo som de um piano. Mais
adiante entra em cena o MC Veiga, acompanhado por mulheres dançando em
shorts e ​tops curtos e uma festa vai se formando. A festa e a experiência mais
permissiva e dionisíaca do corpo são recorrentes nos clipes do funk, mas as
repetidas cenas dos artistas circenses distancia o vídeo dos clichês e das balizas de
reconhecimento gênero. Além disso, a performance corporal do MC Veiga transmite
uma impressão de deslocamento, como fosse um corpo estranho naquele cenário.
Com espinhas no rosto e aparelhos ortodentários, alargadores nas orelhas e
83

cordões dourados, o adolescente curitibano parece mais um digital influencer


mimetizando funkeiro do que alguém que pertence a este universo. Esse mesmo
tipo de estranhamento ocorre em "Ela É Incrível", de Loretto McAllister. Desde seu o
nome passando ao visual e a corporalidade de Loretto, o vídeo parece mostrá-lo
como um "playboy" ou "filhinho de papai", isto é, o clichê midiático que representa o
adolescente de classe social abastada, privilegiado e com "vida fácil", mas
desprovido de "malandragem" ou "sabedoria das ruas", em oposição ao estereótipo
do "maloqueiro", que seria o homem, majoritariamente negro, de origens nas favelas
e periferias urbanas, historicamente o território de origem do funk. Quando o
maloqueiro ostenta o seu dinheiro, ele o faz como uma celebração pelas
improváveis vitórias do seu sucesso pessoal, financeiro e profissional, mostrando
ainda uma rota de fuga — é possível "contrariar as estatísticas"74. Já o playboy, por
dar continuidade ou apenas usufruir da sua condição econômica conquistada sem
mérito, ostentaria apenas o próprio privilégio. Branco de cabelos loiros e lisos, com
nome de origens italianas, voz aguda e infantilizada, o adolescente Loretto aparece
no clipe com um grande relógio dourado no pulso e dirigindo um carro esportivo
importado da empresa alemã Audi, mesmo sem ter idade para dirigir, contrariando e
confrontando assim os significados da ostentação como política de realização
pessoal das populações pobres que o funk retrata. Não obstante, o cantor ainda faz
um escárnio dessa "ética" do funk ostentação quando, diante de uma mulher,
valoriza um ideal de amor romântico ao cantar que "todo mundo ostenta carro, moto
turbinada/ Eu ostentaria de mão dada".

74
A expressão é oriunda da música "Versículo 4, Capítulo 3", do Racionais MCs, em que o rapper
Mano Brown critica a condição dos negros no Brasil com os versos "Permaneco vivo, não sigo a
mística/ Fiz 27 anos, contrariando as estatísticas". De acordo com o Atlas da Violência de 2017, a
cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253​.
84

Figura 9 — ​Frame do clipe "Safadinha", do MC Veiga

Fonte: Reprodução/YouTube

Figura 10 — ​Frame do clipe "Tu Vai Levar Bolo", do MC Groove

Fonte: Reprodução/YouTube
85

Como o discurso oficial de Konrad Dantas e as matérias sobre a KondZilla via


de regra destacam apenas as cifras positivas da empresa, vale dar uma dimensão o
tamanho do "fracasso" destes clipes. "Ela é Outro Nível", de Loretto McAllister, tem
247 mil ​dislikes contra 32 mil ​likes.​ "Ela Merece Respeito", do MC Misa, possui 151
mil ​dislikes e apenas 16 mil ​likes​. Após onze meses no ar, o vídeo de "Tu Vai Levar
Bolo", do MC Groove, possui apenas 256 mil visualizações — número muito abaixo
da estimativa de Konrad Dantas, que afirmou que os vídeos da canal tem uma
média de 1 milhão de visualizações em 24 horas do lançamento75. Mas por que
esses videoclipes fracassaram? Por que tantos dislikes e comentários negativos?
Afinal, a rigor, todos seguem um formato "padrão" da KondZilla no que se refere às
questões técnicas. Outros vídeos similares foram sucesso na produtora. Por que
estes em específico não o foram? Examinando o campo de comentários desses
vídeos no YouTube, podemos compreender melhor as disputas artísticas no
contexto do funk. De maneira ampla, o público classifica as as músicas como ruins,
expressando essa visão de diferentes maneiras, da mais rígidas e diretas às mais
criativas e humoradas:

Figura 11 —​ Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McAllister.

Fonte: Reprodução/YouTube.

75
“O normal é que todo vídeo tenha 1 milhão de views em 24h”, afirmou Konrad Dantas em entrevista
ao portal G1. ORTEGA, Rodrigo. "Kondzilla vira maior canal do YouTube no Brasil e quer dominar
funk além de clipes". São Paulo: G1, 11 de março de 2017. Disponível em: ​www.glo.bo/3gJ1r1P​.
86

Figura 12 — ​Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McAllister.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 13 — ​Comentário no clipe "Tu Vai Levar Bolo", de MC Groove.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 14 —​ Comentário no clipe "Safadinha", de MC Veiga.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 15 — ​Comentário no clipe "Ela Merece Respeito", de MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Mas apenas classificar as canções elencadas como "ruins" avança pouco em


nossa discussão. Conforme aponta Jeder Janotti Jr, um gênero musical é definido
87

por uma combinação de elementos textuais, sociológicos e ideológicos, compondo


uma espiral de fatores que vão do campo da produção às estratégias de leitura
específicas inscritas nos produtos midiáticos. Assim, cada gênero possui elementos
estéticos que serão mais ou menos valorizados de acordo com sua respectiva
comunidade de gostos:
Na rotulação, está presente um certo modo de partilhar a experiência
e o conhecimento musical, ou seja, dependendo do gênero, elementos
sonoros como distorção, altura e intensidade da voz, imagem, performance,
papel das letras, autoria/interpretação, harmonia, modo, melodia e ritmo
ganham contornos e importâncias diferenciadas. (JANOTTI JR, 2006, p.98).

A pergunta a ser feita, então, é: quais seriam os valores do funk que estas
músicas e seus videoclipes violam, chocam ou enfrentam — deliberadamente ou
não — para serem consensualmente reconhecidas entre ouvintes de funk como
ruins no interior da rede de música popular pop periférica?

3.3.: "​Não precisa mais cantar, só ter dinheiro": disputas entre autenticidade e
comercialismo
Nos comentários, as críticas manifestam-se por duas vias principais. A
primeira, diz respeito à qualidade das letras e aparece com mais ênfase nas músicas
"Tu Vai Levar Bolo" (do MC Groove), "Ela é Incrível" (Loretto McCallister) e
"Safadinha" (do MC Veiga), descritas como "sem nexo" ou até mesmo "sem letra" —
"Nossa KD a letra disso??", escreveu uma pessoa; "Música horrorosa nem tem letra
só umas três palavras", disse outra. Esse tipo de reação contraria a ideia de que
uma música de funk pode fazer sucesso independente da qualidade de sua letra. Se
por um lado a comunidade de gostos do funk (em específico) e a rede de música
pop periférica brasileira (no geral) não têm em seu horizonte de expectativas um
certo refinamento lírico como baliza valorativa (essa não é uma prioridade e nem
mesmo uma qualidade esperada como em outros gêneros, como a MPB ou o ​folk)​ ,
por outro lado a recepção negativa a estes produtos audiovisuais revela que há
limites no pacto de autenticidade. No caso dos dois clipes, esse limite é violado
quando elementos biográficos, estéticos ou performáticos indicam um desconexão
com o universo estético, poético e social da cultura periférica. "Tu Vai Levar Bolo" é
uma espécie de versão musicada das pegadinhas de humor pastelão que têm torta
88

na cara. A letra faz uma contagem regressiva para arrematar, num microrefrão: "Tu
vai levar bolo! Vai curioso...". No clipe, o MC Groove, vestido de palhaço, se
esconde por trás de uma cabine, onde se lê o aviso "não olhe". Quando as modelos
passam e colocam a cabeça dentro do buraco da cabine, contrariando o aviso,
levam a torta na cara do Groove. Neste caso, a temática da letra e o ambiente do
clipe, como no citado "Safadinha", de MC Veiga, provocam um deslocamento, um
distanciamento dos clichês do funk, fenômeno que é observado pelo público no
campo dos comentários. Vemos então um tipo de reação específica, que critica uma
queda no "padrão de qualidade" do canal e recomenda uma curadoria ("lista de
requisitos necessários para fazer clip") para que se mantenha no mesmo nível, como
"na época do MC Lan", em 2017 — curiosamente o ano do ápice na consagração da
KondZilla em termos de acessos (ver capítulo 2).

Figura 16 —​ Comentário no clipe "Tu Vai Levar Bolo", de MC Groove.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 17:​ Comentário no clipe "Tu Vai Levar Bolo", de MC Groove.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 18:​ Comentário no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller.

Fonte: Reprodução/YouTube​.
89

Já Veiga é um digital influencer adolescente que performa na linha de ídolos


teen e decidiu se lançar como MC na KondZilla com o vídeo de "Safadinha", sendo
ironizado como um "playboy" ou "filhinho de papai" pelo público. A letra de
"Safadinha" evoca a sensualidade ("Te dar uma botadinha/ Sua danadinha/
Assanhadinha"), marca característica do funk. Mas a performance digital do cantor
como ídolo ​teen,​ combinada o arranjo da música que privilegia a leveza da linha
melódica de um piano (em vez da batida grave que é vista como elemento de valor
no funk) e com o clipe ambientado numa lona de circo com palhaços e malabaristas
(e não em um baile funk ou paredão, por exemplo) desafiam a relação de
verossimilhança entre a música e o cantor, que passam a ser questionados.
Processo semelhante ocorre com Loretto McAllister e o vídeo de "Ela é Incrível".
Considerados como playboys economicamente e socialmente privilegiados, que só
crescem na carreira pelo dinheiro do pai ("moleque pagou o clipe com o dinheiro do
pai") e não por talento ou mérito artístico, ambos são vistos como MCs inautênticos
para o gênero funk e, consequentemente, inadequados para figurarem no canal
KondZilla porque são "filhinhos de papai querendo ser favela", como descreve um
dos comentaristas.
Figura 19 — ​Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McAllister.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 20 — ​Comentário em "Ela É Incrível", de Loretto McCallister.

Fonte: Reprodução/YouTube.
90

Figura 21 —​ Comentário em "Safadinha", de MC Veiga.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 22 — ​Comentários em "Ela Merece Respeito", de MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Dentro da crítica às letras das músicas, portanto, emergem duas motivações


diferentes a partir do campo de comentários do YouTube. Há um bloco que reage à
quebra de convenções genéricas do funk e se manifesta contra uma postura de
abertura comercial por parte da KondZilla, que faz clipes de qualquer artista que se
disponibilizar a arcar com os custos do vídeo, sem nenhuma curadoria artística. E há
também um bloco que ironiza os "playboys", isto é, adolescentes financeiramente
abastados, brancos, cuja biografia não tem lastro na cultura dos bailes funk e ainda
assim tentam uma carreira como MC — os "filhinhos de papai querendo ser favela".
Apesar das reações diferentes, os dois blocos apontam para a mesma problemática:
a quebra do pacto de autenticidade por um suposto "vale tudo" comercial por parte
da KondZilla. Isto demonstra que a sobreposição do capital econômico sobre o
capital artístico pode causar fissuras mesmo em um contexto ultra comercial, como é
o caso do funk. Os fãs então criticam o baixo nível do conteúdo no canal da
KondZilla, apontando que a produtora opera sob uma lógica do tipo "pagou, gravou".
91

"Nem precisa mais cantar, só ter dinheiro", comenta um. "KondZilla tá produzindo
qualquer um agora?", questiona outro. A KondZilla tenta equilibrar-se então entre a
autenticidade e o "comercialismo". Ao mesmo tempo em que produz clipes de
artistas desconectados da comunidade funk ou reprovados por ela, busca manter
sua ligação com a cultura periférica através de reportagens, perfis e matérias sobre
tendências do funk em textos e séries de vídeos.

3.4: ​"Isso é uma bixonaaaa":​ um problema de gênero


Além dos comentários referentes à dita baixa qualidade das letras, surgem
críticas que se manifestam através de comentários que põem em dúvida a
heterosexualidade do artista do clipe com tom humorístico e jocoso, onde ocorre
uma naturalização da homofobia. Esse tema pode apresentar-se por meios indiretos
com comentários que salientam a voz "fina" (de tom agudo) do MC e a comparam
com o cantor pop, homossexual e drag queen Pabllo Vittar ("peste é essa vey achei
que era o Pabllo Vittar") e, por fim, questionam, com certo incômodo, o gênero do
MC por ele não atender às expectativas de masculinidade que permeiam o funk.
Vejamos:
Figura 23 — ​Comentário no clipe "Ela é Incrível", de Loretto McCallister.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 24 —​ Comentário em "Safadinha", do MC Veiga.

Fonte: Reprodução/YouTube.
92

Figura 25 —​ Comentário em "Chegou o Verão", do MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Aparecem também associações com símbolos culturalmente reconhecidos


como tipicamente femininos ("parece música da barbie") e termos pejorativos para
se referir a homens gays ("barbie", "bixona"76, "um jeitinho"). Alguns comentários
questionam a heterosexualidade do artista do clipe afirmando que as modelos do
clipe estão lá apenas por questões profissionais — afirmação que tem como
pressuposto a ideia de que, em demais clipes de funk, as modelos participariam
também por interesse sexual em relação ao MC, principalmente na vertente do funk
putaria. Outro comentário ainda faz referência ao bordão "isso é uma bichona", de
um finado quadro do programa humorístico Zorra Total, da TV Globo.

Figura 26 — ​Comentário no clipe "Chegou o Verão", do MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube.

76
Referência a um bordão do personagem Severino "Cara-Crachá", do programa humorístico Zorra
Total, exibido pela Rede Globo.
93

Figura 27 — ​Comentários no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 28 —​ Comentário no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Outros comentários são mais explícitos e mais agressivos, abordando a voz


ou os trejeitos afeminados do artista com referências à pornografia ("voz de quem
chupou rola de Kid Bengala77") ou a imagens sexuais de cunho violento ("voz de
priquito estuprado").

Figura 29 —​ Comentário no clipe "Ela Merece Respeito", do MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube.

77
Kid Bengala é um ator pornô brasileiro conhecido por ter um pênis grande. Gravou mais de 100
DVDs em sua carreira.
94

Figura 30 —​ Comentário no clipe "Mais Eu", de Davi Dyller.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 31 —​ Comentário em "Chegou o Verão", do MC Misa.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Em sua dissertação de mestrado sobre a funkeira Valesca Popozuda,


Mariana Gomes Caetano aponta que "apenas a presença da mulher não serve como
prova de que houve 'abertura' para elas nestes espaços" (2015, p. 14) e o funk
permanece ainda muito atrelado a expressões de masculinidade. Tanto pelas
disposições cênicas que, como vimos no capítulo 1, podem ser conferidas nos
próprios clipes da KondZilla (as mulheres postas em cena como objetos sexuais
pertencentes ao MC; os closes nos seios e na bunda das modelos; a postura de
predador sexual; os carros e motos potentes como extensão de sua própria potência
sexual, os cordões grossos como elementos fálicos, a corporalidade bruta), como
pela presença reduzida e invisibilizada de mulheres, transexuais e homens gays no
sistema produtivos do funk e no mercado da música periférica. Neste contexto, se
um artista é taxado como "bixona" ou "barbie" pelos seus trejeitos corporais ou sua
voz não é considerada viril e máscula, as associações a uma suposta passividade
sexual ("deve ganhar chuva de bilada toda noite") ou a condição de vítima de
violência sexual ("voz de priquito estuprado") cumprem um papel de acusar o desvio
associando-o a ideais de fragilidade e feminilidade em oposição a masculinidade e
sua suposta virilidade e força — a passividade é socialmente tida como inerente à
sexualidade feminina, enquanto o horror, ojeriza e repulsa à passividade seria das
características da sexulidade masculina (POLI, 2007). Embora questionada pelas
95

poéticas queer de uma nova geração de artistas LGBTQs (ALBUQUERQUE, 2019),


esta configuração é naturalizada no funk, consolidando-se como uma
heterossexualidade compulsória que, como percebemos nos comentários acima, é
enraizada como uma premissa de masculinidade e torna-se uma baliza valorativa
tácita para definir o que é uma boa performance funkeira.
Pensamos aqui a performance como invenção e teatralidade, a qual, no
contexto do videoclipe musical, é sobreposta ainda uma camada extra de
ficcionalidade e ludicidade. Mas vale destacar que a ficção não é "propor engodos,
porém, elaborar estruturas inteligíveis" (RANCIÈRE, 2009, p. 53). A
performatividade, por sua vez, é fruto de um processo contínuo de reiterações de um
arsenal cultural e simbólico que "nos move por outros corpos, outros gestos,
fantasmagorias, por aquilo que julgamos ser uma forma bem-sucedida de
performatizar" (AMARAL et al, 2017, p.16), que ancora-se na memória, nos ritos e
formas. Deste modo, nos vemos diante de uma questão da performatividade de
gênero, conceito teorizado por Judith Butler que pode ser descrito como:
...A forma de encenação do gênero, a ideia de teatralização
identitária em torno do que se mostra e do que se esconde – sem ser, no
entanto, uma prática voluntária, antes, é um processo contínuo de
reiterações que vão se sobrepondo, se ajustando, se acomodando naquilo
que é visível na superfície de uma corporalidade (AMARAL et al, 2017,
p.15).

Em outras palavras, podemos dizer que os acionamentos em torno das


noções de masculinidades e feminilidades através da performatividade tem a ver
com a maneira com que os corpos se apresentam e com o que eles encenam sobre
si. No circuito do funk e da música pop periférica brasileira, a reiteração consensual
da performatividade de masculinidade atua como uma força que disciplina corpos e
gestos e, portanto, engendrando performances associadas à valores. As vozes
"finas" ou roucas de MC Misa e Loretto McAllister e os trejeitos afeminados de Davi
Dyller no clipe de "Mais Eu" representam uma rasura e um choque contra as
matrizes hegemônicas de masculinidade e heterosexualidade que transformaram-se
em elemento valorativo vinculado às temáticas de putaria e ostentação do funk.
Em síntese, os fracassos da KondZilla se dão por uma questionamento da
legitimidade dos artistas filmados pela produtora. Um problema que toma duas
formas distintas, por vezes simultâneas: 1) o "vale tudo" excessivamente comercial,
96

onde o capital econômico se sobrepõe ao capital estético e 2) um problema de


gênero, onde rasuras performáticas de masculinidade quebram expectativas
particulares do funk. Ambos levam ao questionamento do "casting" da KondZilla e o
pedido por uma "lista de requisitos" que teria o papel de manter o "padrão de
qualidade" do canal/selo musical.

3.5 ​ Clipes de artistas identificados a outros gêneros musicais que não o funk
A segunda constelação de videoclipes formada reúne artistas que não
pertencem ao funk e gêneros musicais afins mas que produziram e lançaram vídeos
pelo canal da KondZilla, como é o caso do cantor de trap e R&B Jé Santiago (o
primeiro artista que não é do funk a ser contratado pela KondZilla Records), os
ícones do rap nacional Racionais MCs, a escola de samba carioca Grande Rio, a
banda de rock alternativo Vespas Mandarinas, entre outros. Assim, selecionamos
sete clipes:

● Jé Santiago - Netflix (publicado em 12 de junho de 2018)


● Evolusamba - Festa na Mansão (publicado em 20 de março de 2018)
● Julia Nogueira e Them CON - Liberdade (publicado em 22 de
novembro de 2018)
● Escola de Samba Grande Rio - Quem Nunca (publicado em 2 de
fevereiro de 2019)
● Racionais MCs - Preto Zica (publicado em 26 de abril de 2016)
● Vespas Mandarinas - Daqui Pro Futuro (publicado em 9 de fevereiro de
2017)

Um carro vermelho esportivo de luxo da marca Porsche percorre o


sambódromo do Rio de Janeiro e para em frente a um tapete vermelho. A porta se
abre e um pé com calçado com salto alto prateado de bico fino é posto pra fora.
Quem sai do carro é a atriz global Juliana Paes. Vestida de rainha de bateria, ela
​ avid Brazil, que está dançando em
caminha e cumprimenta o ​digital influencer D
meio à bateria da escola de samba Grande Rio. Ela então sorri e cai no samba com
os músicos. Pode nem parecer, mas o artista desse clipe é uma escola de samba: a
97

Grande Rio, com o samba-enredo "Quem Nunca?". Se com a Grande Rio é s;o
alegria, o clipe de "Preto Zica", do Racionais MCs, é tenso e sombrio. Com estilo
cinematográfico, o vídeo de tons escuros evoca os filmes de máfia e espionagem
enquanto a letra vai criando suspense ao repetir os versos "Preto zica, truta meu,
disse assim: 'Mó fita, mó treta!'". Vemos os membros do grupo chegando em um bar
e conversando no balcão, onde um ​bartender instala uma escuta. Do outro lado, um
​ uve a conversa e liga para um homem branco e rico, que está jantando com
hacker o
a família. Pouco depois, camburões da polícia com homens armados com fuzis
invade o bar onde estão os Racionais. Depois, um corte seco: os membros da banda
pegaram o "cagueta", o traidor, o dedo-duro, o amarraram, e o colocaram de joelhos
em um matagal. Todos olham para ele, até que o rapper Edi Rock faz o movimento
para golpeá-lo com um bastão de madeira — e o clipe acaba subitamente.

Figura 32 — ​Frame do clipe "Quem Nunca? ", da Grande Rio. Juliana Paes, madrinha de bateria,
chega na avenida em um carro esportivo importado.

Fonte: Reprodução/YouTube
98

Figura 33 — ​A digital influencer Mileide Mihaile, ex-esposa do cantor Wesley Safadão, e musa da
Grande Rio, é é destacada em close no clipe da escola de samba.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 34 — ​Frame do clipe "Preto Zica", do Racionais MCs.

Fonte: Reprodução/YouTube.
99

Figura 35 — ​Frame do clipe "Preto Zica", do Racionais MCs.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Em "Netflix", de Jé Santiago, vemos um casal curtindo uma noite de "dez


graus em São Paulo, pipoca, TV, Netflix", como diz o refrão da canção que tem ecoa
o R&B romântico, as ​love songs dos anos 2000 . Mas em "Liberdade", outra canção
R&B, Julia Nogueira e Then Con encenam uma "DR" (discussão de relação) de
casal em plena manhã nos cômodos de uma casa luxuosa. O cenário luxuoso
aparece também em "Festa na Mansão", clipe do trio de pagode Evolusamba, que
arma uma festa instruindo a fazer "um grupo só com elas e avisa pra ela chamar as
amigas e as amigas" e ainda "chamar outras amigas delas". Rodeados por mulheres
de todos os biotipos e raças na beira da piscina, a banda descreve a "festa louca":
"Olha o que a Paulinha tá fazendo/ Tá me seduzindo eu tô querendo/ Fernandinha
geral tá te vendo/ A Thais tá bem louca lá dentro/ Espreme limão na tua boca/ Acho
que vou dar beijo na loira/ A Priscila quer dançar sem roupa". Muito diferente do
ambiente do vídeo de "Daqui Pro Futuro", onde a banda de rock Vespas Mandarinas
aparece tocando sobre um simples fundo amarelo enquanto os dois integrantes
tocam baixo, bateria e teclado cantam uma música que diz querer "falar do sossego
que se apoderou de mim".
100

Figura 36 — ​Frame do clipe "Netflix", de Jé Santiago.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 37 — ​frame do clipe "Daqui Pro Futuro", do Vespas Mandarinas.

Fonte: Reprodução/YouTube.
101

Quais os interesses destes com artistas em aproximar-se de um canal


associado ao funk e à música periférica? Como a KondZilla representa outros
gêneros musicais? Como a rede de música pop periférica posiciona-se diante
desses cruzamentos e polinizações estéticas? E quais redes e conexões novas são
formadas em meio a essa salada de estéticas radicalmente diferentes?
Partimos do entendimento de que boa parte da comunicação e valores
expressos pela música popular massiva estão inscritos nas operações de
codificação dos gêneros musicais e que estes determinam, em parte, diferentes
tipos de julgamentos estéticos e competências diferenciadas para que se construam
determinados quadros de valor em relação a expressões musicais. O principal
problema deste tipo de abordagem, no entanto, é que ela pode causar uma
impressão de “regras genéricas” rígidas e fixas que acabam por cristalizar
determinadas fronteiras, quando as dinâmicas de trocas aceleradas das culturas
musicais periféricas revelam uma estrutura mais porosa e aberta a hibridações.
Neste sentido, Jeder Janotti ressalta que os gêneros musicais não são demarcados
somente pela forma ou “estilo” de um texto musical em sentido estrito, mas sim pela
percepção de formas e estilos pela audiência através das performances
pressupostas pelos gêneros. Em outras palavras, ressaltamos que um gênero
musical não é hermeticamente fechado, mas está aberto à apropriações e
hibridizações dos ouvintes, dos artistas e do mercado. Assim, uma ideia de gênero
na música popular massiva amarra simultaneamente aspectos mercadológicos,
semióticos e sociológicos.
Assim, quando um artista de rap como o Racionais MCs, de R&B como os
cantores Julia Nogueira e Them Con ou de pagode como o Evolusamba fazem um
clipe com a KondZilla eles não estão necessariamente abandonando o seu gênero
musical "de origem" para cantar funk. A relação é complexificada via aberturas e
conexões em rede, onde todos os gêneros se contaminam indistintamente.
Aproximar-se da KondZilla leva estes artistas a orbitar em torno dos símbolos, dos
clipes e de todo repertório da produtora, formando redes onde os gêneros se
acumulam, misturam e interpenetram reciprocamente (PEREIRA DE SÁ, 2017).
Passamos das distinções entre gêneros musicais-midiáticos para as conexões
estabelecidas entre eles por "vasos comunicantes" que constituem um bloco
102

conjunto de gêneros diferentes. Uma salada musical que, embora mantenha certas
distinções e carregada de estéticas dissonantes, tem seus ingredientes intimamente
amalgamados.
Não obstante, em determinados contextos a KondZilla — devido a sua
trajetória midiática — ainda é um ator que "abre as portas" para o funk, de modo
mais detido. Para a comunidade de fãs de funk especificamente, a KondZilla pode
ser apenas um ator dentre dentro de um ecossistema produtivo do funk e da música
periférica, responsável pela promoção de uma vertente do funk entre outras muitas
possíveis. No entanto, na rede de música pop em seu contexto amplo, existe um
certo distanciamento das especificidades funkeiras que ocasiona induz a uma
porosidade maior entre a KondZilla e a própria cultura funk, capaz de fazer com que
a KondZilla e o funk por vezes se confundam, como se a produtora fosse o próprio
funk — e não um representante de uma vertente do gênero.
Em comum, os artistas aqui levantados buscam aproximar-se de uma setor
(estético e econômico) pop da música brasileira, e a conexão com a KondZilla abre
essa porta ao potencializar a formação de uma nova rede, que pode se dar tanto
​ o YouTube
pelo posicionamento do clipe no canal pop da KondZilla (o ​mainstream d
ou o ​mainstream periférico)​ quanto através de clichês funk que podem ser
destacados na estética do clipe. Em outras palavras, podemos dizer que a KondZilla
tem um "foco" duplo e simultâneo: em sentido restrito, pode ser uma ponte para o
funk; em sentido amplo, pode ser uma conexão com o ​mainstream,​ o ultramidiático e
um passaporte para a rede de música pop periférica urbana, que por sua vez
encena-se como uma música pop globalizada e ultra midiática.
Vemos estas duas diferentes possibilidades de conexão com a KondZilla em
clipes de dois artistas que, em tese, são do mesmo gênero: o grupo Evolusamba e a
escola de Samba Grande Rio. O Evolusamba é um trio composto por percussionista,
vocalista e cavaquinista que se autoclassifica como "pagofunk"78. Embora não
definam exatamente o que é este subgênero, fica evidente pelos clipes de "Festa na
Mansão" e "Concurso do Rabetão" que se trata de uma mistura de elementos do

78
O release da banda informa: "​O grupo iniciou a gravação do vídeoclipe produzido nessa nova
junção do funk com o pagode, que se tornou conhecido como pagofunk, juntamente com a música de
trabalho (Festa na mansão ) a qual os músicos estão trabalhando para conquistar mais espaço e
reconhecimento". Disponível em: ​www.bit.ly/2F5oLsN​. Acesso em 27 de novembro de 2019.
103

pagode (a batida sincopada do pandeiro, as levadas do cavaco) com o funk


(​acapellas de MCs, o canto-falado, temáticas e expressões clichês do funk como
"rabetão" e um clipe que se passa em festas em mansões). Neste entrelugar, a
banda pode vender-se como uma proposta inovadora e abre um campo de atuação
tanto no mercado do pagode quanto do funk79. Além de ampliar a visibilidade ao
projeto, um vídeo produzido e lançado pela KondZilla materializa essa aproximação
do funk ao evocar códigos visuais que remetem de imediato ao gênero e podem ser
devidamente reconhecidos pelo público, como a festa na piscina com muitas
mulheres (a superioridade numérica de mulheres em relação aos homens parece ser
elemento definidor de uma festa, inclusive), as garrafas de bebidas sendo
ostentadas, os óculos Juliet Oakley etc. Pequenos elementos do funk (como um
sample da voz do MC Lan fazendo som de "hã"), que a princípios seriam detalhes,
também passam a ser reconhecidos nos comentários como espécie de ​easter egg80.

79
Vale lembrar que o pagode não é exatamente um gênero afastado do funk. Os principais bailes de
favela do Rio de Janeiro costumam receber artistas de pequeno, médio ou grande porte de pagode
semanalmente para abertura da festa. Esses grupos de pagode ocupam ainda um local privilegiado
na economia dos bailes cariocas, pois recebem cachê para tocar, enquanto os DJs residentes dos
bailes, que "personificam" o baile, apenas recebem apenas uma ajuda de custo. Em entrevista ao
autor em dezembro de 2017, o DJ Polyvox, do Baile da Nova Holanda, diz: “Hoje a gente não tira
grana do baile porque todo dinheiro que é gerado no baile é pro barraqueiro [pequenos comerciantes]
pagar seu aluguel, sustentar a família dele. O nosso dinheiro a gente ganha por fora, com show. Eu
faço o baile porque quero fazer e é pela comunidade. Eu não tiro um real do baile da Nova Holanda
(...) Pegamos o dinheiro [para financiar o baile] com o barraqueiro. São 15, 20 barracas. Cada um dá
uma certa quantia — R$ 200, R$ 300 — e paga o som. Aí se tiver uma atração extra, tipo um grupo
de pagode, a gente junta dinheiro e paga o cachê. Às vezes trabalha duas, três semanas para na
outra semana botar um pagode, um palco melhor. Todo baile da Nova Holanda é sustentado pelos
barraqueiros”.
80
Termo em inglês que diz respeito a referências escondidas em obras da cultura pop que podem ser
reconhecidas apenas por uma comunidade de fãs ou iniciados em determinado assunto.
104

Figura 38 — ​Frame do clipe "Festa na Mansão", do Evolusamba.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 39 —​ Comentários no clipe "Festa na Mansão", do Evolusamba.

Fonte: Reprodução/YouTube.
105

Por sua vez, a rede que se estabelece entre a Grande Rio e a KondZilla não é
visível através de clichês do funk presentes na superfície do clipe. A rede que se
forma é de outra ordem, ainda que ela, em tese, pertença ao mesmo gênero musical
do Evolusamba. A Grande Rio é uma escola de samba que tem como "promoter" o
​ radialista David Brazil. Auto-definido como "babysitter de
digital influencer e
famosos", David levou para a avenida famosos como o jogador de futebol Neymar e
as atrizes da Rede Globo Paolla Oliveira e Juliana Paes (que virou rainha de
bateria), sendo assim um ator importante na rede de música pop por ser um
mediador de músicas e tendências bem colocado entre o ​star system ​brasileiro. Ter
o clipe de seu samba-enredo na KondZilla parece ter a função estratégica de tornar
a escola de samba ainda mais pop e midiática, rumo a uma ​celebritização​. Deste
modo, a aproximação da KondZilla visa menos uma aproximação com o funk do que
uma articulação em rede com o cenário pop, midiático, ​mainstream que pode fazer a
escola de samba adentrar outros circuitos, que vão além do circuito do samba, das
escolas e do carnaval. Principal jornalista de celebridades do país, Leo Dias, outro
ator importante no ​star system ​nacional, destacou o vídeo em sua coluna no jornal O
Dia e afirmou que "A Grande Rio sai na frente com um clipe da Kondzilla, com ares
de superprodução e entra para a história do Carnaval.81"
Além disso, os comentários do clipe praticamente não falam sobre a música
ou o vídeo em si e são quase que totalmente exaltando a presença da ​digital
influencer e empresária Mileide Mihaile, ex-esposa do cantor Wesley Safadão, que é
musa da escola e faz uma participação no clipe. Mileide é citada pelos comentaristas
como motivo para se ter visto o vídeo ("quem veio pela Mileide", diz um dos posts
mais curtidos). Assim, se a KondZilla insere a Grande Rio em uma outra rede, mais
transversal, além do pagode e do ambiente das escolas de samba, Mileide Mihaile
— e David Brazil e Juliana Paes, que também são realçados no clipe com imagens
em ​close-ups ​— também torna-se uma agente importante na circulação da KondZilla
ao atuar na ampliação de mercado para além do funk, fazendo-o transitar por outros

81
DIAS, Leo. "KondZilla grava clipe da Grande Rio com Juliana Paes e Mileide Mihaile". Rio de
Janeiro, O Dia, 12 de dezembro de 2018. Disponível em: ​www.bit.ly/3gLUX2g​. Acesso em 7 de
janeiro de 2020.
106

círculos, acionando uma outra rede que se forma pela via da ​celebritização da
cultura pop brasileira.

Figura 40 —​ Comentários no clipe de "Quem Nunca?", da Grande Rio.

Fonte: Reprodução/YouTube.

A KondZilla pode levar o elementos funk para artistas de outros universos


(caso dos Evolusamba), mas produzir clipes para faixas de outros gêneros musicais
por vezes implica também o caminho contrário, isto é, adaptar as suas marcas
imagéticas para borrar e tensionar as fronteiras do funk, integrando-se a outros
107

gêneros para formar novas redes. Vemos isso nos clipes de "Netflix", do cantor e
rapper Jé Santiago, e em "Liberdade", parceria dos cantores Julia Nogueira e Them
CO. Ambas as faixas são ​R&B​s, gênero musical de batidas eletrônicas mais lentas e
letras de cunho romântico, e ambas falam sobre a relação de um casal — "Netflix" é
sobre um casal que vai curtir uma noite em casa, aproveitando os "10 graus em São
Paulo, pipoca, TV, Netflix", enquanto "Liberdade" é sobre separação e o desapego
do amor romântico. As cenas exibidas nos dois clipes nada têm a ver com as festas
em mansões cheias de mulheres rebolando, garrafas de bebidas, carros importados,
grandes cordões de ouro, maços de dinheiro e outros elementos recorrentes nos
clipes da KondZilla que constituem uma certa iconografia do funk. Pelo fato das
músicas trazerem um leque de influências oriundas do R&B dos Estados Unidos —
como os ​melismas vocais e sonoridades semelhantes às músicas de Usher, Chris
Brown, Justin Timberlake, Alicia Keys e outros artistas dos anos 2000 —, esses
videoclipes acabam por emular os clipes consagrados do gênero, refletindo inclusive
uma estética "americanizada" que afasta-se da realidade estética e material do funk
brasileiro. Notemos, por exemplo, o roupão, a cueca samba-canção com estampa de
dólares, o champanhe importado (em vez do uísque ou da tequila), o lustre no clipe
de "Liberdade", elementos que, somados ao som R&B, remetem diretamente aos
clipes americanos.
108

Figura 41 — ​Frame do clipe "Liberdade", de Júlia Nogueira e Them Con.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Mas é importante notar que esse "mimetismo colonial" (TAYLOR, 2013),


ainda assim, envolve uma camada de produção — e não somente reprodução ou
cópia. A mímese opera também como uma tentativa de inserir estéticas globais e
formar redes com outras matrizes estéticas, que possam amalgamar clipes e
confundi-los com outros. Neste sentido, a rede estética pode transformar, negociar o
conjunto de valores do funk e o horizonte de expectativas de um clipe da KondZilla,
que, aos poucos, pode deixar de ser uma produtora de clipes associada somente a
este gênero específico. Nos comentários de "Liberdade", o público comenta sobre o
virtuosismo vocal dos cantores — qualidade que não costuma ser realçada pela
comunidade de fãs de funk nos comentários de clipes de MCs. Assim, a KondZilla
não apenas se "camufla" de uma produtora pop global como também pode incitar
novas balizas valorativas para os artistas do seu casting através da incorporação de
clichês de outros gêneros musicais — que por sua vez remetem a outros conjuntos
de valores.
109

Figura 42 — ​Comentários no clipe de "Liberdade", de Júlia Nogueira e Them Con.

Fonte: Reprodução/YouTube

O clipe de "Netflix", de Jé Santiago, é potente ao revelar como estética e


mercado estão intimamente imbricadas neste processo de formação de novas redes,
associadas a outros referenciais artísticos. Jé Santiago é um cantor que envereda
pelo trap82 (como integrante do grupo Recayd Mob) e pelo R&B (em carreira solo).
Em janeiro de 2018, o cantor se envolveu numa "treta" pública com a Pineapple,
uma das principais produtoras/gravadoras do trap no Brasil, que, embora muito
popular (sua série de vídeos "Poetas no Topo" e "Poesia Acústica" acumulam
centenas de milhões de visualizações e fazem shows disputados83), é motivo de
controvérsia entre os fãs de rap por promover uma versão romântica do gênero,
supostamente mais desconectada da realidade das periferias84. Após defender um
rapper que era desafeto da Pineapple, Jé teve um clipe deletado do canal da

82
Vertente mais atual do rap, de sonoridade eletrônica caracterizada pelos graves.
83
Sobre o rap acústico e a série Poesia Acústica, ver: MAXX, Matias: "Por que o rap ficou romântico
no Rio e toca na favela e no carro do playboy?" Disponível em: ​www.bit.ly/3kxQbrM​. Acesso em 7 de
janeiro de 2020.
84
Ver CAVALCANTI, Amanda. "Passei um dia inteiro ouvindo rap acústico". Vice Brasil, 4 de maio de
2018. Disponível em: ​www.bit.ly/2Cc1DYv​. Acesso em 8 de janeiro de 2020.
110

produtora (REDAÇÃO, 2018). Três meses depois, o músico foi contratado pela
KondZilla Records, sendo a primeira aposta da produtora fora do funk.
"Netflix" foi o primeiro clipe de Jé Santiago na KondZilla e a recepção
celebratória dos fãs de trap e rap demonstram a ampliação do mercado da KondZilla
para outras áreas, formando outras ligações sem perder o "estatuto funk" que fez a
história da produtora — comentários como "Jé na KondZilla trappers nacionais no
topo" e "Obrigado DEUS por colocar o TRAP no 3º maior canal do mundo!"
comemoram ao mesmo tempo a presença do trap no canal de funk e a abertura de
um canal de funk para o trap. Um dos posts mais curtidos parece rivalizar a
Pineapple (descrita pejorativamente como "Pineprou") e a KondZilla, demonstrando
implicitamente uma disputa comercial que se dá também em nível de rede,
apontando o atravessamento das demarcações de gêneros musicais. Outros
comentários salientam uma suposta superioridade na qualidade musical por não
recorrer a "besteiras, palavrões" (comuns no funk) para "estourar". Assim, ao abrir
esse tipo de rede com o hip hop a KondZilla conecta-se ainda a um público que
rejeita as temáticas de cunho sexual do funk. Em entrevista à revista americana
Billboard (especializada em informações sobre a indústria musical), Konrad Dantas
mencionou explicitamente a formação de redes com outros gêneros musicais a partir
uma chave coletiva que ele descreve como "urban music": "Eu quero alcançar um
novo público que não conhece funk mas consome ​urban music (...) É o momento da
urban music:​ reggaetón, kizomba, kuduro, hip-hop. Em todo o mundo, nós somos a
base da pirâmide"85.

85
Disponível em: ​www.bit.ly/2TgLlTr​. Acesso em 7 de janeiro de 2020.
111

Figura 43 —​ Comentários no clipe "Netflix", de Jé Santiago.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Aproximar-se da KondZilla e de tudo aquilo que ela representa terá sentidos,


recepções e resultados diferentes também de acordo com o gênero musical e a
trajetória de cada artista. Quando o Racionais MCs — mais popular e mais
conceituada banda de rap do Brasil, com 30 anos de história e um forte discurso de
social e anti-racista — produz um clipe com a KondZilla, a proposta e os objetivos
serão sensivelmente diferentes de quando clipe da KondZilla para o Vespas
Mandarinas — duo de rock alternativo do circuito paulistano ​underground formada
112

por homens brancos, um deles um ex-VJ da MTV. No caso do Racionais, esse


trabalho, antes de mais nada, indica uma superação ou conciliação de uma disputa
que foi colocada entre o rap e o funk, muitas vezes tratados como antagônicos por
críticos musicais, fãs e mesmo pela comunidade hip-hop. Nesse âmbito, o rap
representaria a "verdadeira" voz da periferia devido às suas críticas contra
desigualdades sociais, pobreza e racismo, enquanto o funk, com postura dionisíaca
acerca de temáticas sobre sexualidade, seria um gênero menor ou alienado86. Ao
lançar o clipe de "Um Preto Zica" na KondZilla em 2016, os Racionais tensionam
esse dualismo e se posicionam ideologicamente sobre ele ao indicar tacitamente um
apoio ao funk — nas palavras de Mano Brown, líder do grupo, "uma cultura de
morro, de subúrbio, de periferia do Rio de Janeiro, como é o rap, que nasceu nos
bairros pobres de São Paulo" (LEAL, 2007). Mas ainda que o Racionais se posicione
desta maneira, sua visão não é automaticamente "transferida" para a totalidade de
seus fãs, que, nos comentários do vídeo, reiteram o antagonismo, colocando em
oposição o funk (comercial) e o rap (autêntico): enquanto "Anitta" fala "de prexeca e
bunda e tem 1 bilhão de visualizações" e o funk "repete 50 vezes a mesma frase",
"Racionais tem categoria, não se envolve" e fica "7/8 minutos sem repetir uma
frase":

Figura 44 — ​Comentários no clipe "Preto Zica", de Racionais MCs.

86
As palavras do MV Bill em entrevista de 18 de abril de 2012 ao programa ​Agora é Tarde,​ na
Bandeirantes, sintetizam essa visão: “Certas letras [do funk] beiram a pedofilia e só falam de põe lá e
tira de lá, mas não explica que tem que usar camisinha. Enquanto isso, o rap tem um lado mais
social”. Disponível em: ​www.bit.ly/31DDRx8​. Acesso em 27 de novembro de 2019. Para um
aprofundamento na controvérsia funk versus hip hop, ver o capítulo 4 do livro escrito pelo DJ TR:
LEAL, Sérgio José de Machado. ​Acorda hip-hop!: despertando um movimento em transformação.​ Rio
de Janeiro: Aeroplano, 2007. Disponível em ​https://issuu.com/tramas.urbanas/docs/acorda_hip_hop​.
Acesso em 27 de novembro de 2019.
113

Fonte: Reprodução/YouTube.

Por outro lado, quando o Racionais "entra" na rede da KondZilla, a produtora


parece se recuperar da crise que artistas considerados ruins ou inautênticos (como
os MCs playboys/filhinhos de papai) e o "vale tudo" comercial causara. A produtora
associa-se à "voz do povo", "a voz da quebrada" (os fãs classificam o rap) e envolve
o Racionais — que historicamente posicionou-se pelo ​underground ​— em uma
trama de conexões com saída para o ​mainstream​. Do mesmo modo que KondZilla
pode se confundir com funk, os Racionais por vezes se confundem com o rap
nacional. Assim, o encontro entre os dois gêneros sintetizados por estes atores
posiciona-se como uma espécie de atualização e polinização estética entre ambos,
que responde aos clamor feito nos comentários para não deixar "o rap morrer". E,
novamente, a KondZilla expande-se e fagocita o rap: não é apenas uma produtora
114

de funk, mas, a partir do capital social do Racionais, está "licenciada" a produzir rap
também.
Já o clipe de "Daqui Pro Futuro", do Vespas Mandarinas, tem particularidades
importantes. A primeira é a de que o vídeo não foi lançado no canal principal da
KondZilla, mas sim no "KondZilla Apresenta", um canal menor (recentemente
renomeado como "Playlist de Funk") e com vídeos mais simples, apenas com o
artista interpretando a música em um fundo colorido de ​chroma key e a letra da
música sendo apresentada com animações. Este tipo de vídeo é denominado "lyric
video" e fez parte de uma estratégia de divulgação de um novo álbum da banda, que
tinha sonoridade mais pop e radiofônica, com guitarras distorcidas dando lugar a
sintetizadores e participações de artistas reconhecidos do pop rock brasileiro dos
anos 1980 e 1990, como Samuel Rosa (do Skank), Edgard Scandurra (Ira!) e Leoni.
O lançamento foi amplamente divulgado em ​blogs e sites de música alternativa
como Scream & Yell, Monkeybuzz e Tenho Mais Discos Que Amigos, que
destacavam com certa surpresa a ponte entre a banda e o canal de funk. Em
entrevista a este último site, o músico Thadeu Meghini disse que a música foi
inspirada em uma declaração de Samuel Rosa, que afirmou que o rock vivia o
"complexo da república de anão". "Achamos a crítica construtiva e chamá-lo para
cantar foi uma consequência disso. Procurar o Kondzilla também. A gente acha foda
o trabalho deles nesse sentido, da comunicação com as massas", explicou o músico
do Vespas Mandarinas87.
A princípio, nesse caso do Vespas Mandarinas, a KondZilla possui um papel
duplo: é um modo de alcançar um público mais amplo e massivo, além do circuito do
rock alternativo, como também é uma maneira de colocar-se criticamente contra a
ortodoxia e conservadorismo do rock contemporâneo. Entretanto, um olhar mais
atento revela que a publicação do vídeo em um canal menor e mais barato reduziu
as possibilidades do contato deste "outro" público com a banda, e o resultado — a
julgar pelos comentários do vídeo no YouTube — foi que a maior parte das
visualizações vieram de pessoas que já conheciam a Vespas Mandarinas.
Novamente, há uma porosidade que faz a KondZilla ser sinônimo de funk (em sua

87
RIBEIRO, Laís. "Vespas Mandarinas lança clipe de 'Daqui Pro Futuro', dirigido por KondZilla". SÃO
PAULO: Tenho Mais Discos Que Amigos, 14 de fevereiro de 2017. Disponível em:
www.bit.ly/2XHQwhK​. Acesso em 27 de novembro de 2019.
115

totalidade) e forma-se uma rede entre o rock alternativo e o funk, amalgamando-os


não em seu sentido musical mas no aspecto ideológico dos gêneros musicais. Nos
comentários um fã observa que "o rock sempre incomodou por onde passou",
aproximando tacitamente rock e funk.
No caso dos Racionais, a maior parte dos comentários comparava o funk com
o rap e valorizava este último em detrimento do outro — isto é, ainda que
acumulados e conectados, a controversa dicotomia entre os gêneros prevaleceu.
Com o Vespas Mandarinas, os comentários do YouTube refletiam uma visão mais
positiva de que o rock e o funk, em suas diferenças, compõem a rica "diversidade da
música brasileira", "com rock, funk e a porra toda". Evocam ainda um ideal de
"rebeldia" inerente à ideologia e história do rock, um valor reconhecido e
manifestado, na visão dos fãs, pela suposta "inovação" da banda ao "quebrar
barreiras" e fazer uma conexão entre gêneros distantes. Vale notar que este é
precisamente o interesse da banda. Fazer um disco de sonoridade mais pop e
"acessível" poderia dar sustentação ao argumento para críticas eventuais de que a
banda estaria deixando o mainstream, e, portanto, abandonando a rebeldia e a
sinceridade (JANOTTI JR e SOARES, 2014) ao privilegiar uma sonoridade mais
radiofônica e comercial. Porém, ao lançar um clipe na KondZilla, a banda aciona a
baliza valorativa da rebeldia, da "atitude" e do ímpeto contracultural do rock — sem
no entanto abandonar seu projeto pop, porque compõe uma rede com a KondZilla, o
terceiro maior canal do YouTube do mundo. Percebe-se então que a banda está
produzindo e publicando um clipe num canal de funk mas não necessariamente
tendo em vista o público do funk com o objetivo de conquistá-lo, e sim tendo em
vista o seu próprio público e a comunidade de gostos do rock com a finalidade de
provocá-lo, tensioná-lo e confundir limites e preconcepções — não à toa ainda
recorrem a recursos visuais estimados no contexto do clipe de rock, como os
instrumentos sendo tocados pela banda, exibindo até certo esforço (como o baterista
sem camisa) que por sua vez acionam o ideal de virtuosismo técnico. Nos
comentários, o público reconhece e comemora: "Vespas sempre inovando e
quebrando barreiras" com "atitude rock and roll" e, se o rock quiser sobreviver
artística e comercialmente, precisaria ter "a iniciativa de acabar com uma
segragação babaca", "é assim que tem que ser daqui pro futuro".
116

Se na comunidade do funk a KondZilla é por vezes questionada pela


preponderância do capital econômico sobre o capital artístico, associado em rede
com o rock a produtora pode ser uma forma de ​statement rebelde contra a
separação dos gêneros musicais e a favor da confluência dos mesmos. E ainda, é
vista como uma forma de democratizar e expandir gêneros musicais independentes
para além dos nichos específicos: quando um fã se mostra preocupado com "o tanto
de deslikes" e os clipes regulares de funk da KondZilla nos recomendados do
YouTube", dizendo que a música do Vespas Mandarinas tem "público-alvo
diferente", Chuck Hipolitho, um dos membros da banda, responde: "público alvo é
todo ser humano".
Figura 45 —​ Comentários no clipe "Daqui Pro Futuro", de Vespas Mandarinas.

Fonte: Reprodução/YouTube.
117

Figura 46 — ​Comentário em "Daqui Pro Futuro", de Vespas Mandarinas, com resposta de


Chuck Hipolitho, músico da banda.

Fonte: Reprodução/YouTube.

O que esta constelação de clipes nos revela é que um clipe na KondZilla pode
formar diversos tipos de associações, com diferentes finalidades, resultados e
recepções. Em algumas ocasiões, a KondZilla pode ser apenas um canal com
muitos inscritos e que, portanto, visa amplia o alcance do artista para inseri-lo num
circuito mais — como parece ser o interesse da Grande Rio e do Vespas
Mandarinas. Mas publicar um clipe na KondZilla também pode ser um modo de
inserir-se no mercado do funk ou ampliar a área de atuação dentro da música
popular periférica — como o Evolusamba. E existe ainda uma dimensão mais
complexa e sutil. Como um gênero musical ultrapassa as dimensões puramente
textuais e musicais e incorpora questões de ordem econômica, sociológica e
técnicas/formais, publicar um clipe KondZilla não necessariamente é endereçá-lo ao
público orgânico e "nativo" do funk. Um clipe pode ser publicado na KondZilla para
evocar apenas a ideia de funk e seus valores para, assim, estimular a formação de
novos vínculos, filiações, referências e conexões em redes, onde o acúmulo,
sobreposição e trocas mútuas entre gêneros musicais vão com contestar,
embaralhar e dilatar valores e símbolos dos gêneros musicais e suas fronteiras entre
si, amalgamando-os estética e comercialmente — ao mesmo tempo em que
preservam certas distinções entre si. Quando o Racionais, o Vespas Mandarinas o
Evolusamba fazem seus clipes na KondZilla, eles tocam o funk mas parecem falar
mais sobre o rap, o rock e o pagode, respectivamente, do que sobre o funk
propriamente dito. Isso ocorre porque a própria KondZilla também é, em si, uma
rede de música pop periférica — devido a sua hegemonia financeira, a grande
118

quantidade de artistas no seu acervo e seu funcionamento transmídia (é clipe no


YouTube, é série na Netflix, é portal jornalístico, é gravadora). Neste sentido, ao
produzir vídeos de músicos de outras áreas a KondZilla também está falando de si,
afirmando que pode ser mais do que uma "fazedora" de clipes de exclusivamente de
funk, que pode lidar com uma salada de estéticas divergentes que convergem em
sua rede ​urban music​.

3.6 Clipes de encontros internacionais com artistas brasileiros

Neste tópico selecionamos todos os clipes de encontros entre artistas


brasileiros e internacionais, de diferentes partes do mundo que foram produzidos e
publicados no canal da KondZilla:

● WM, MC Marks e Sevenlox - Sem Boi (publicado em 14 de março de


2018)
● J Nup & Brandon Louis - Americano Funk Part. MC Rodolfinho
(publicado em 15 de outubro de 2016)
● K2RHYM feat. MC Guimê - Escobar 2 (publicado em 21 de outubro de
2017)
● MC Lan, Skrillex, TroyBoi feat. Ludmilla e Ty Dolla $ign - Malokera
(publicado em 20 de agosto de 2019)
● Kekel e Soraia Ramos - Quero Te Ver Mexer (publicado em 6 de abril
de 2019)

Em "Sem Boi", o MC paulistano WM está na varanda de uma casa luxuosa,


sem camisa, de óculos escuros e bandana quando o seu celular toca. Ele atende.
Do outro lado da linha está Diima, membro do duo Sevenlox, que, de dentro de um
carro conversível diz, em inglês: "E aí, WM? Ei mano, não sei se estou no lugar
certo". A cena seria comum, não fosse o fato do Sevenlox ser um grupo musical de
Guiné-Bissau, país da África ocidental que também tem o português como sua
língua oficial. O cenário do telefone, o mise-en-scène do "acerto do local" no Brasil
remete diretamente a um roteiro midiático dramatizado anteriormente em outro clipe
119

da música popular massiva: "Beautiful", um hit de Snoop Dogg com participação de


Pharrell Williams. Lançado em 2003, o vídeo dos americanos foi filmado no Rio de
Janeiro e coloca em cena os maiores clichês construídos e associados à capital
carioca, ao Brasil e à "brasilidade" — as favelas, o Pão de Açúcar e os morros, os
azulejos coloridos da Escadaria Selarón, a praia, o cristo redentor, o futebol, as
mulheres de biquínis curtos, camisas da seleção brasileira, o calçadão de Ipanema.
Mas por mais estereotipado que seja, ainda vemos o Brasil. No encontro entre os
funkeiros brasileiros com os rappers guineenses, tanto o Brasil quanto Guiné Bissau
estão longe, muito longe. Na verdade, o clipe parece querer apagar qualquer
possível indicação de sua origem e localizar-se virtualmente nos Estados Unidos.
Além do diálogo no início do vídeo, a música é um trap (tipo de rap que ocupa o topo
das paradas americanas) e o Sevenlox divide seus versos em português e inglês
(Lenzo Rizzo canta sua parte em português; Diima, em inglês) e todo o visual do
clipe é construído em torno de signos que compõem uma imagética a mimetizar
vídeos de rapper e filmes norte-americanos, com WM vestindo um uniforme do time
de basquete Los Angeles Lakers, os Sevenlox com camisas de futebol americano,
uma rodada de poker com dólares espalhados na mesa e uma maleta metálica no
estilo James Bond. A referência não passa batida pelo público, que, ao elogiar a
música e o clipe, o fazem exaltando explicitamente uma ideia de "padrão gringo" de
qualidade: "Esse vídeo tá igual ao dos gringo parça", elogia um; outro continua na
onda pop global e diz que "WM cantando em espanhol seria foda"; outro ainda usa
gírias em inglês: "nem parece que o nigga é brasileiro, inglês foda do crlh !".
120

Figura 47 — ​Frame do clipe "Sem Boi", do MC WM, MC Marks e Sevenlox.

Fonte: Reprodução/YouTube.
121

Figura 48 — ​Comentários no clipe "Sem Boi", de MC WM, MC Marks e Sevenlox.

Fonte: Reprodução/YouTube.

"​Sem Boi" é o exemplo mais evidente e marcante, mas não é o único. Todos
os clipes entre artistas brasileiros e estrangeiros da KondZilla tentam apagar, em
menor ou maior grau, as de marcas de subalternidade e da identidade brasileira ou
latino-americana para afirmar-se sob uma estética americanizada. Se sonoramente
"Sem Boi" é um trap, "Malokera", do paulistano MC Lan com a carioca Ludmilla e os
norte-americanos Skrillex, Troyboi e Ty Dolla $ign, é um funk, mas o clipe é todo
articulado a partir de uma iconografia do hip hop novaiorquino do fim da década de
1970 — o ​tracksuit (​ conjunto esportivo) de gola alta e visual retrô vestido pelo MC
Lan, bem como os dentes de ouro do MC, o rádio antigo portátil (​boombox​), a
televisão antiga, o ambiente da quadra esportivo dos subúrbios americanos. "Quero
Te Ver Mexer" une o paulistano Kekel e a cantora cabo-verdiana Soraia Ramos, dois
122

artistas do Sul Global (DE SOUSA SANTOS, 2018), mas, novamente, o clipe é
construído tendo como espelho uma produção audiovisual norte-americana — os
filmes da franquia ​Mad Max​. Unindo o funkeiro brasileiro MC Guimê e o rapper
tunisiano K2RHYM, o clipe de "Escobar 2" foi filmado pelo próprio Konrad e deixa
claro no título do vídeo: "Filmado em Dubai", enquanto mostra os dois cantores,
rodeados apenas por mulheres brancas, em festas na piscina e num iate com os
modernos arranha-céus espelhados da cidade árabe ao fundo. Os californianos J
Nup & Brandon Louis vieram ao Brasil para mostrar o que eles chamam de
"Americano Funk" — e no clipe-manifesto, o MC Rodolfinho tem espaço apenas para
uma ponta, onde canta o título da música, que entrega ao norte-americano o funk,
essa "cultura dos massacrados" brasileira, na definição de Mr. Catra (in SOU FEIA
Mas Tô Na Moda, 2005).

Figura 49 —​ Frame de "Malokera", de MC Lan, Skrillex e Troyboi com Ludmilla e Ty Dolla $ign.

Fonte: Reprodução/YouTube.
123

Figura 50 — ​Frame de "Malokera", de MC Lan, Skrillex, TroyBoi com Ludmilla e Ty Dolla $ign.

Fonte: Reprodução/YouTube.

De onde vem esse desejo de mostrar-se como um americano? Como ele é


materializado na dimensão do videoclipe? E quais os impasses políticos e
desigualdades que estes movimentos estéticos apontam? Aníbal Quijano chama
atenção para a ideia de Colonialidade, isto é, o conjunto de valores e lógicas oriundo
do sistema econômico-racial colonial (colonialismo) e que opera na construção de
ideias de modernidade, que se estabelecem de fora para dentro e concentram sob
sua hegemonia o controle de todas as formas de controle da cultura e da produção
de conhecimento.
A concepção de um Centro ou Metrópole ocidental de onde emanam todas as
possibilidades da modernidade que devem ser ser seguidas sob o risco de incorrer
em estagnação, obsolescência ou provincianismo, torna-se então uma característica
fundamental da colonialidade. Nos clipes, vemos essa colonialidade emergir no
imperativo de portar-se ​como americano, de tentar ​parecer ​moderno e cosmopolita
através da incorporação de elementos estéticos advindos do pop do Norte Global
(em constante negociação com suas próprias características) quando se busca
formar uma rede com vistas à mercado global. Em vez de paredões e bailes de
124

favelas, a ação ocorre em ​pool partys​ , mesas de poker, quadras de basquete com
boombox​s, iates na área tecnocrata da elite de Dubai e cenários de filmes
holywoodianos. As ideias de multiculturalismo e cosmopolitismo, embora defendam
uma convivência simultânea e pacífica de culturas diferentes, ainda são marcadas
pela hegemonia de uma elite oriunda do Norte Global e seus sistemas de
pensamento, conforme descreve Silviano Santiago:
Há um antigo multiculturalismo — de que o Brasil e demais nações
do Novo Mundo são exemplo — cuja referência luminar em cada nação
pós-colonial é a civilização ocidental tal como definida pelos conquistadores
e construída pelos colonizadores originais e pelas levas dos que lhes
sucederam. Apesar de pregar a convivência pacífica entre os vários grupos
étnicos e sociais que entraram em combustão em cada melting pot
(cadinho) nacional, teoria e prática são de responsabilidade de homens
brancos de origem europeia, tolerantes (ou não), católicas ou protestantes,
falantes de uma das várias línguas do Velho Mundo. A ação multicultural é
obra de homens brancos para que todos, indistintamente, sejam
disciplinarmente europeizados como eles. (SANTIAGO, 2004, p. 54)

Segundo Ângela Prysthon (2002), os cruzamentos entre o ocidental e o


não-ocidental tornam-se os motores para a própria constituição das culturas e
identidades latino-americanas. O estatuto da modernidade, no entanto,
concretizou-se para apenas poucos latino-americanos, aqueles que descendem e
pertencem a uma elite econômica e intelectual letrada, que por sua vez continua
orientando-se sob os preceitos de imitação da metrópole enquanto "tenta ignorar as
margens das margens, os ainda mais atrasados dentro do 'grande atraso' que seria
a condição periférica" (idem, p. 26). Assim, ideais gestados no interior das dinâmicas
de Colonialidade — como modernidade e cosmopolitismo — tomarão peso ainda
maior nos contextos das periferias do mundo:
Nos países da América Latina, a ideia de cópia de modelos
metropolitanos foi desde o período colonial e quase sempre durante as
épocas anteriores aos movimentos modernistas tida como característica
inerente das culturas dessa região, como um fardo a ser carregado por
todos os artistas, escritores e pensadores das “margens”. Na verdade, a
cópia da cultura europeia configurava-se como a única forma de legitimar a
produção cultural desses países. Neste sentido, a adoção de uma postura
cosmopolita talvez tenha um peso, uma gravidade maior na periferia do que
no centro. Os sonhos tecnológicos e a fascinação pela moda são mais
fantasmagóricos (porque mais distantes, porque em geral chegam depois)
para o artista periférico e quiçá por isso de alguma forma mais intenso.
(PRYSTHON, p. 17-18)
125

Esse "peso" da modernidade e do cosmopolitismo parece se intensificar no


contexto do funk, dado o fato de ser uma cultura marginalizada e criminalizada em
um país periférico. No caso dos clipes aqui elencados, fazer-se de americano pode
ser uma tentativa de pegar emprestado a modernidade canônica dos Estados
Unidos para se destacar dentro de um referencial, colocando-se como diferente no
interior do gênero musical funk e/ou da rede de música pop periférica, por exemplo.
Deste modo, quando o MC Guimê estampa "gravado em Dubai" no título do vídeo
"Escobar 2", com o cantor tunisiano K2RHYM, este deixa de ser mais um clipe
ostentação em um iate para ser a demarcação de um MC cuja territorialidade
transcende as favelas de São Paulo. Em seus versos, Guimê explicita sua
característica internacional citando a grife Versace (que não é parte das marcas do
funk das favelas) e dizendo que está "saindo do Brasil hoje às 13" e "amanhã vou
ficar crazy naquele rolê dos sheiks". Do mesmo modo, quando o MC Lan e Ludmilla
vestem roupas que remetem ao rap da década de 1970 e cantam ao lado do rapper
Ty Dolla $ign e de uma referência da EDM (Electronic Dance Music) como Skrillex,
eles estão se colocando como artistas que transitam para para além das
demarcações estéticas do funk brasileiro — e, portanto, podem também transitar por
outras esferas de mercado que a princípio não teriam a ver com o funk.
126

Figura 51 — ​MC Guimê (à esquerda) com K2RHYM no clipe de "Escobar 2", com o edifício Burj Al
Arab ao fundo. O arranha-céu tem forma de vela e funciona como hotel em uma ilha artificial.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 52 — ​Frame de "Escobar 2", de MC Guimê e K2RHYM, com o Hotel Atlantis Dubai ao fundo.

Fonte: Reprodução/YouTube.
127

O modo americanizado opera também, simultaneamente, como tática


comercial e jogo artístico. Incorporando clichês da cultura pop internacional — isto é,
"as referências estéticas postas em prática nos produtos mercantilizados da cultura"
(SOARES, 2014) —, os MCs podem se mascarar, evocando um outro repertório de
imagens midiáticas que acionam novas filiações estéticas e comerciais as quais,
enquanto funkeiros, eles não são comumente associados, visando assim novamente
posicionar-se para além do circuito funk. Nos clipes de encontros internacionais,
essa tática de imitação fica mais evidente por naturalmente ocuparem uma posição
privilegiada de visibilidade internacional e disputa por legitimidade. Decodificar,
transtornar e tentar refundar os clichês para inserir sua subjetividade enquanto se
mascara de americano: ​"O colonizado buscou imitar o senhor, ou ser como ele.
Entretanto, o 'como' era sempre um 'não exatamente'" (TAYLOR, p. 156).
Embora emule o Centro, esses artistas colocam-se no estatuto da
modernidade de uma outra maneira. Em cada um desses videoclipes, a performance
dos artistas brasileiros é negociada de modos específicos, com outros corpos, outras
sonoridades e cenários cenários que dialogam com uma moldura mais ampla da
música pop periférica (ou da ​urban music,​ na terminologia de Konrad). Ao mesmo
em que ocorrem apagamentos das marcas locais, esse apagamento da
territorialidade, não se dá por completo, evocando assim a presença de
multi-territorialidades (PEREIRA DE SÁ, 2019). No contexto da desigualdade
transnacional e apropriando-se do cosmopolitismo em uma posição socioeconômica
periférica, arvora-se um tipo particular de cosmopolitismo, uma maneira distinta de
habitar a cultura pop global. Prysthon o nomeia como um "cosmopolitismo
periférico", enquanto Santiago o descreve como um "cosmopolitismo do pobre":
Ao ser reconfigurado pragmaticamente pelos atuais economistas e
políticos, para que se adeque às determinações do fluxo do capital
transnacional, que operacionaliza as diversas economias de mercado em
confronto no palco do mundo, a cultura nacional estaria (ou deve estar)
ganhando uma nova reconfiguração que, por sua vez, levaria (ou está
levando) os atores culturais pobres a se manifestarem por uma atitude
cosmopolita, até então inédita em termos de grupos carentes e
marginalizados em países periféricos. (SANTIAGO, 2004, p. 50 - 51)
128

Os clipes da KondZilla dão vazão às ambiguidades destas disputas na


medida em que os MCs e o funk, através da incorporação dos clichês e do
apagamento das marcas locais, performatizam o "ser americano" e, ao mesmo
tempo, se ressaltam enquanto MCs pop internacionais. Ao mesmo tempo, esse
mimetismo colonial adquire um valor importante para a rede de música pop
periférica porque servem para legitimá-lo fora e dentro desta rede. Acionando este
universo simbólico estrangeiro e explicitando suas referências pop, o funk passa a
ser reconhecido para além do discurso social condescendente ("um movimento do
povo") e passa a ser visto como uma expressão de certo valor artístico em um
padrão de qualidade reconhecido como superior — basta ver o tom de surpresa ou
incredulidade dos textos que noticiam que os MCs ouvem outros tipos de música; ou
quando um artista gringo se aproxima do funk88. A feição cosmopolita que modela
estes vídeos da KondZilla só é possível de ser aclimatada na periferia pela
transformação dos meios de comunicação clássicos para a difusão mais veloz,
barata e descentralizada característica do YouTube — paradoxalmente, uma
organização de cunho periférico e do porte financeiro e midiático da KondZilla não
existiria sem a Internet. Mas a atitude cosmopolita adotada por esses artistas e
materializadas no clipe não provém de conquista democrática, de um pertencimento
integral das benesses da modernidade, mas, ao contrário, de uma condição
marginal, interna e externa. O cosmopolitismo é uma tática para destacar-se dentro
da rede e adaptar-se para ser reconhecido pela sua identidade própria — ainda que
esta seja negociada. Em resumo, o cosmopolitismo periférico ou o cosmopolitismo
do pobre que atravessa estes clipes da KondZilla tem a ver com táticas complexas,
por vezes paradoxais, que buscam afirmar um vetor de diferença no interior de um
panteão de valores e formas culturais canonizadas. Ao americanizar-se, o funkeiro
encarna um cavalo de troia que por fora leva as cores da bandeira americana e com
rótulo de ​urban music ​mas, por dentro, pode detonar uma bomba de elementos
culturais e expressivos que foram segregados do intercâmbio multiculturalismo pela
violência permanente da colonialidade.

88
Ver "MC Carol revela seu gosto musical megaeclético no Toca Aquela", disponível em:
www.bit.ly/3fE9XOl e "MC Livinho: "Minha vontade era gravar um soul antigo, na pegada Nina
Simone", em: ​www.bit.ly/2XIlE0m​. Acesso em 29 de novembro de 2019.
129

3.7 Além do eixo Rio-São Paulo: a rede de clipes do bregafunk de Recife

A KondZilla nasce em contexto de transição do centro econômico do funk do


Rio de Janeiro para São Paulo durante o funk ostentação, e depois consagra sua
fase de maior popularidade também focando-se em artistas e ambientes próprios da
cultura periférica urbana de São Paulo. Mas à medida que o canal e a produtora
foram crescendo, artistas de cenas pop periféricas de outros estados despertaram o
interesse de produzir seus clipes com a KondZilla, articulando uma rede de música
periférica em contextos locais. Como o canal retrata estes artistas e como ele
emoldura visualmente as suas respectivas cenas musicais locais? Para entender
melhor esta questão, vamos analisar o caso da cena bregafunk do Recife e os clipes
do gênero produzidos pela produtora paulista.

● MC Loma e as Gêmeas Lacração - Envolvimento (publicado em 9 de


fevereiro de 2018)
● Dadá Boladão - De Ladin (publicado em 15 de fevereiro de 2018)
● Shevchenko & Elloco e Maneiro na Voz - Ninguém Fica Parado
(publicado em 4 de junho de 2019)
● Dadá Boladão, Tati Zaqui feat OIK - Surtada Remix BregaFunk
(publicado em 25 de setembro de 2019)
● DJ Pernambuco, MC Elvis e MC Ingryd - Vem Me Satisfazer (publicado
em 6 de novembro de 2019)
● MC Cego Abusado feat. Kevin O Chris - Cafajeste (publicado em 5 de
novembro de 2019)

No início de 2018, MC Loma e as Gêmeas Lacração, até então


desconhecidas do público, fizeram sucesso no Brasil com o clipe amador da música
"Envolvimento", que teve 25 milhões visualizações em menos de um mês. Esta era a
primeira música. O sucesso rápido espontâneo imediatamente levou as
pernambucanas a se profissionalizar. Foram contratadas por uma produtora de funk
de São Paulo (a Start Music) e correram para produzir ainda antes do Carnaval um
videoclipe com a KondZilla. Em fevereiro, exatos 20 dias após a publicação do vídeo
130

original, foi publicada a versão KondZila de "Envolvimento", que faz um movimento


de inversão: em vez da estética do improviso e do precário vista no clipe original,
temos a ostentação e a superprodução — carros de luxo em vez de bicicleta, trono e
"divã egípcio" em vez de cadeiras de praia, trajes de odalisca em vez de maiôs.

Figura 53: ​Frame do clipe caseiro de "Envolvimento", de MC Loma e as Gêmeas Lacração.

Fonte: Reprodução/YouTube.
131

Figura 54: ​Frame do clipe de "Envolvimento", da MC Loma e as Gêmeas Lacração, feito pela
KondZilla.

Fonte: Reprodução/YouTube​.

Seis dias depois de "Envolvimento", mais um clipe da cena do bregafunk


pernambucano saiu na KondZilla: "De Ladin", de Dadá Boladão. Mas enquanto a
música de Loma "bombou", a de Dadá reverberou bem menos: "De Ladin"
atualmente está perto dos 19 milhões de visualizações, enquanto "Envolvimento"
ultrapassa os 267 milhões. Como explicar um impacto tão diferente de uma faixa
para outra, sendo que Dadá Boladão era um MC com quase uma década de
carreira, com shows lotados no Recife e algumas outras capitais nordestinas, e
vários hits na cena pernambucana — entre eles, a própria "De Ladin", que era a
principal música do cantor na época? Um indício está na própria música música
ouvida no clipe da KondZilla, que não é aquela que fora lançada anteriormente e já
tocava nas caixas de som e celulares nas ruas do Recife. Ao lançar-se no maior
canal de música do Brasil, Dadá Boladão fez uma nova versão da batida da música,
transformando-a em um arrocha que deixava de lado as particularidades sonoras da
cena do Recife (enquanto o funk é majoritariamente centrado na potência das
frequências graves e sub-graves, "De Ladin" valorizava a experiência dos sons
agudos) para conectar-se a um mercado nacional mais amplo.
132

O caso de Loma e Dadá tem resultados diferentes, mas em comum


demonstram uma normatização das diferenças regionais ​pela KondZilla — quando
apenas inclui o MC em sua "fórmula", desconsiderando as particularidades estéticas
de músicas e artistas oriundos de contextos fora do eixo Rio-São Paulo — e ​na
KondZilla — quando os próprios artistas decidem apresentar uma outra versão de si
mesmos, hipoteticamente mais condizente com a "vitrine" nacional possibilitada pelo
canal89.
Esse quadro viria a mudar somente um ano depois. A dupla Shevchenko &
Elloco foi o terceiro artista a sair na KondZilla com o clipe de "Ninguém Fica Parado",
que constantemente ressalta a estética do bregafunk e o seu local de origem — os
movimentos da dança passinho dos maloka, as roupas e acessórios coloridos da 24
por 48 (marca de roupas criada pelos dois MCs que caracteriza o passinho dos
maloka de Recife) em vez do ​stylist ​da KondZilla e até uma bandeira de
Pernambuco ostentada por Elloco são destaque no clipe. O tratamento mais
sensível para a cena local está demarcado também na descrição do vídeo no
YouTube, onde lê-se uma apresentação efusiva e entusiasmada: "'Ninguém Fica
Parado' é o hit de Pernambuco que tomou o país. Schevchenko [sic] e Elloco são os
principais nomes do bregafunk atual, junto com a Tropa (grupo de dança que fazem
parte) e Maneirinho Na Voz eles conquistaram tudo!".

89
A estratégia de mudar o arranjo ou beat da música para adequar-se ao que é feito no eixo Rio de
Janeiro-São Paulo é recorrente, não sendo uma exclusividade de Dadá Boladão e sua "De Ladin".
Um exemplo é a música "Popotão Grandão", do capixaba MC Neguinho do ITR. A música foi
publicada em novembro de 2016 e foi um hit do funk de Vitória, Espírito Santo, durante todo o ano de
2017 (ALBUQUERQUE, 2017c). Mas o seu beat era o chamado "beat fino", uma batida de beatbox
aguda popularizada pelo DJ Jean du PCB que fazia sucesso apenas na cidade. No dia 1 de março de
2018, "Popotão Grandão" ganhou clipe na KondZilla com outro arranjo em outra versão e tornou-se
um ​hit nacional, aparecendo em diversos canais de dança no YouTube e incorporada por cantores de
forró eletrônico em seus repertórios.
133

Figura 55 — ​Frame do clipe "Ninguém Fica Parado", de Shevchenko & Elloco e Maneiro na Voz.

Fonte: Reprodução/YouTube.

Figura 56 — ​frame do clipe "Ninguém Fica Parado", de Shevchenko & Elloco e Maneiro na Voz.

Fonte: Reprodução/YouTube.
134

Depois disso, todos os clipes de MCs de Pernambuco na KondZilla buscavam


conciliar o tratamento apurado e o refino técnico reconhecidos da produtora paulista
sem excluir as suas especificidades regionais, na verdade, ressaltando-a, mesmo
quando trata-se de uma parceria com MCs de outras regiões. "Surtada", de Dadá
Boladão com a funkeira paulistana Tati Zaqui e rapper carioca Oik, tem os três
fazendo o passinho dos maloka, por exemplo. "Cafajeste", de Cego Abusado, além
do passinho, tem como estrela do vídeo Joyce Pereira, dançarina e influencer do
bregafunk. "Vem me Satisfazer", do recifense MC Elvis com a carioca MC Ingryd e o
DJ Pernambuco (um pernambucano radicado em São Paulo que construiu sua
carreira no funk toda na capital paulista, recém-contratado pela KondZilla Records) é
ainda mais enfático: além do passinho e dançarinos famosos do circuito bregafunk, o
clipe evidencia pontos turísticos e elementos icônicos do Recife — as ladeiras de
Olinda; o Marco Zero com o Parque das Esculturas de Brennand ao fundo e o
letreiro da cidade; close em artesanatos típicos; uma idosa vendedora de tapioca;
bonecos gigantes; frevo; a bandeira do estado erguida pelo DJ Pernambuco logo na
primeira cena do vídeo.

Figura 57 — ​Frame de "Vem Me Satisfazer", de MC Elvis, DJ Pernambuco e MC Ingryd.

Foto: Reprodução/YouTube.
135

Figura 58 — ​Frame de "Vem Me Satisfazer", de DJ Pernambuco, MC Elvis e MC Ingryd.

Fonte: Reprodução/YouTube​.

Em menor escala, o caso do bregafunk ilustra um problema análogo ao do


tópico anterior na questão da hegemonia entre centro e periferia — no caso, São
Paulo e a KondZilla representam uma espécie de "centro periférico" (GUTIÉRREZ,
2019) dentro do ecossistema do funk e da rede de música pop periférica. No
primeiro momento, as implicações estéticas dessa nova conexão mercadológica que
se abre com o sudeste parece ser a de um apagamento das especificidades para
"mascarar-se" como um funkeiro do sudeste do país — caso dos clipes de Loma e
Dadá Boladão. No entanto, a entrada na rede da KondZilla e as vistas para um
mercado nacional, que ultrapassa as fronteiras do Nordeste, também é capaz de
acentuar um senso de pertencimento entre os artistas pernambucanos a ponto de
eles se enxergarem de forma mais coesa em termos de territorialidade (se vêem
mais claramente como pernambucanos) e gênero musical (se anunciam como
bregueiros, como representantes do bregafunk). Exibir a roupa e o passinho, e
ostentar a bandeira, o letreiro de Recife e outros ícones do estado parece incidir
exatamente nesta "pernambucanidade" que é ressaltada nos clipes de "Ninguém
Fica Parado", "Surtada", "Vem Me Satisfazer" e "Cafajeste". Assim, a conexão que
se forma entre os atores do sudeste (Tati Zaqui, Oik, MC Ingryd e a própria
136

KondZilla) e os MCs de Recife revela um acúmulo e justaposição de gêneros da


música pop periférica que passam a se comunicar transversalmente em via de mão
dupla, influenciando um ao outro e abrindo espaços tanto no mercado do Nordeste
quanto no Sudeste.
No que se refere a KondZilla, vale notar que reconhecer e fazer proliferar a
diferença nos vídeos dos MCs de bregafunk integra-se ao projeto de Konrad Dantas
e da KondZilla de ir além de um canal e produtora de clipes e afirmar-se como o
principal mediador do funk e da cultura periférica jovem e urbana, processo que
passa pelo reconhecimento de outras cenas musicais e vertentes estéticas mais
localizadas, divulgando-as e ao mesmo tempo nutrindo-se de inovações trazidas por
elas. Os primeiros trabalhos que fiz como repórter freelancer para o Portal KondZilla
foram nesse sentido, mapeando a história e as novas tendências das cenas funk de
Rio de Janeiro (antes do movimento 150 BPM se popularizar), Belo Horizonte e
Espírito Santo. Quando o Portal KondZilla inaugurou um canal próprio e criou
programas no Facebook, também investiu nessa abordagem, criando a série "Funk
Pelo Brasil"90, em que Dani Russo viaja pelo País e mostra os MCs e as danças
(passinhos) de diferentes cenas e suas particularidades locais.

90
Primeiro episódio disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=2566966726867151&external_log_id=55626ce134481c06cf06c1
6172128488&q=kondzilla%20funk%20pelo%20brasil​. Acesso em 2 de dezembro de 2019.
137

Considerações finais: favela venceu?

4.1. A KondZilla como agente na rede de música pop periférica e como rede em
si
Quando Konrad Dantas começou a filmar clipes de MCs de funk ostentação
em 2011, o seu objetivo era materializar visualmente aquela cena musical que
emergia no litoral paulista. A dinâmica descentralizada da produção, distribuição e
curadoria de conteúdos própria da cultura digital, somada à política de incentivo ao
consumo, que impulsionou e ampliou o acesso a bens como notebooks,
smartphones e tablets, foram fincando as bases para o estabelecimento de uma
rede de música brasileira pop periférica no YouTube, onde formou-se uma espécie
de ecossistema do funk do qual a KondZilla se destacou.
Formulada a partir da Teoria Ator Rede (TAR) desenvolvida por Bruno Latour,
o conceito de rede de música brasileira pop periférica diz respeito a "uma noção que
aponta para os vínculos que se constroem entre gêneros distintos no ambiente das
redes sociais; mas que ao mesmo tempo busca não homogeneizar – ou nos dizeres
da TAR - não “tornar plana” as diferenças que se mantém entre eles" (PEREIRA DE
SÁ, 2017). A KondZilla figura como um ator importante desta rede não só pela sua
hegemonia numérica e econômica no interior do YouTube — é o maior canal do
Brasil e o terceiro maior do mundo em número de inscritos — e por seu tratamento
estético deliberadamente pop e mainstream do funk, mas também por fazer circular
e mesmo confluir estéticas divergentes, formando assim redes com gêneros
musicais diferentes que se acumulam, se vinculam, se influenciam e se transformam
mutuamente — sem no entanto eliminar as suas especificidades e diferenças.
Mas ao mesmo tempo em que a KondZilla é um agente importante da rede de
música pop periférica por atuar na formação de novas redes, ela também parece ser
uma rede em si. A trajetória da produtora e do seu fundador, Konrad Dantas, estão
intimamente entrelaçadas com a história do funk e com sua expansão para novos
públicos ao ponto de fazer com que a empresa seja muitas vezes confundida com o
138

próprio funk. No entanto, a rede KondZilla vai além do próprio universo do funk.
Mesmo com uma assinatura, um estilo próprio consolidado, a KondZilla é eficiente
em atrair uma rica diversidade de artistas — de diferentes estilos de funk ou de fora
dele — para o interior do seu canal. O que os conecta é uma inclinação pop e
mainstream: uma escola de samba cheia de celebridades , parcerias entre um DJ de
EDM, rappers americanos e funkeiros, clipe gravado em Dubai, maquiagens e
figurinos holywoodianos, grupos de hip hop com clipes de tom cinematográfico,
vídeos patrocinados por marcas multinacionais. A KondZilla em si oferece uma rede
de música pop periférica sob a sua perspectiva, que seria a ​urban music,​ um coletivo
enraizado no funk brasileiro (mas capaz de incluir outros gêneros e de fagocitar seus
elementos) e equivalente ou análogo ao reggaetón da Colômbia e Porto Rico, o
Kuduro de Angola e o hip-hop dos Estados Unidos. Este projeto estético e
econômico se espalha e se comunica em dinâmica transmídia, tanto pelo ambiente
do canal de YouTube como nos demais produtos da rede-KondZilla: o Portal
KondZilla com matérias e reportagens, o canal do Portal no YouTube com
entrevistas com MCs, séries em vídeo publicadas no Facebook91, e a série de ficção
Sintonia produzida para o serviço de streaming Netflix. Compreender essa chave
dupla — a codificação dos gêneros musicais e sua disseminação e conexão em
redes vivas e múltiplas — faz-se fundamental para aprimorar nosso entendimento
sobre a circulação da música pop, que, ao mesmo tempo em que se dá a partir das
balizas genéricas, a todo momento parece também tensionar as fronteiras e
incorporando elementos estéticos de locais distintos.
A imponência comercial da KondZilla e a expansão do funk no cenário
nacional e internacional levaram Konrad Dantas a cunhar o bordão "favela venceu".
O comunicador, diretor e empresário negro evita se posicionar publicamente com
altivez sobre casos de criminalização do funk (como a prisão do funkeiro DJ Rennan
da Penha, a violência e mortes causadas pela polícia no baile funk em Heliópolis92) e

91
Em novembro de 2018, a KondZilla lançou quatro séries no Facebook com patrocínio da rede
social: “Nas Ideia com o Lan“ é o programa de entrevistas do MC Lan; “Criando um Hit“ mostra os
bastidores da parceria entre MC Jottapê, MC Kekel e Kevinho; “Funk Pelo Brasil“ é uma viagem pelo
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Belo Horizonte que documenta a cena funk de cada cidade, com
apresentação da cantora Dani Russo; e “Um Funkeiro Pelo Mundo”, que mostra a turnê internacional
do MC Fioti.
92
Sobre o caso do DJ Rennan da Penha, ver: ​www.bit.ly/2PDvk7Z​. Sobre o ataque policial no baile
funk em Heliópolis, ver: ​www.bit.ly/3gKAIC3​. Acesso em 8 de janeiro de 2020.
139

de questões políticas consideradas polêmicas. Mas, contraditoriamente, a KondZilla


possui uma atuação política importante na materialização e trânsito de sonoridades,
narrativas, imaginários, gestos, enfim, de toda uma cultura expressiva que foi
excluída das políticas culturais oficiais do Estado e das narrativas midiáticas
tradicionais e aponta para uma outra ideia de povo e de cultura popular, disputando
diretamente a representação sobre essa população marginalizada. A KondZilla
passa a compor uma narrativa que vai na contramão da estereotipia histórica do
funk, associado à miséria, a violência e selvageria, dando abertura para uma outra
matriz simbólico-dramática. Ao emular clipes do cânone pop dos Estados Unidos, a
produtora paulista estrategicamente decodifica e fagocita os clichês da indústria
cultural. O véu da ficcionalidade permite aos MCs mascarar-se, negociando suas
performances para ​parecer ser ​como as estrelas do pop internacional na tentativa de
expandir seu mercado e, discretamente, levar suas marcas e sua história para o
"centro" do mundo e, em último caso, ter a possibilidade de inverter o fluxo do capital
cultural e desatar hegemonias.
140

Bibliografia

ADICHIE, Chimamanda. ​“O perigo da história única”. Palestra disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=D9Ihs241zeg​. Acesso em 4 de junho de 2019.

ALBUQUERQUE, GG. “O nascimento do bregafunk é a história de sobrevivência


dos MCs do Recife”. ​Vice Brasil​, 2018. Disponível em: ​http://bit.ly/2vJX9Eu​. Acesso
em 4 de junho de 2019.
___________. “Entenda a evolução do funk de Minas Gerais”. ​Portal KondZilla​,
2017a. Disponível em:​ ​https://bit.ly/3c2sYII​. Acesso em 4 de junho de 2019.
___________. “Do baile da Vilarinho ao cavaco do Delano: uma história do funk
mineiro”. ​Portal KondZilla​, 2017b. Disponível em:​ ​https://bit.ly/3c2sYII​.
___________. “No Espírito Santo, o beat é fino e o funk é forte”. ​Portal KondZilla​,
2017c. Disponível em:​ ​https://bit.ly/34bm2IT​.
___________. "Entrevista: musicólogo Carlos Palombini analisa o funk
contemporâneo". Recife: ​Jornal do Commercio​, 2016. Disponível em:
https://bit.ly/3aBKCnm​. Acesso em 31 de julho de 2019.

ALMEIDA, Laís Barros Falcão de. Nova MPB Como Dispositivo: Uma Nova
Abordagem nos Estudos Sobre Gêneros Musicais. ​XXXVII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação​ — Foz do Iguaçu, PR — 2 a 5/9/2014.

AMARAL, Adriana; MONTEIRO, Camila. SOARES, Thiago. O Queen, a Queen:


Controvérsias sobre gêneros e performances. ​Revista Famecos - Mídia, tecnologia
e cultura. Porto Alegre, v. 24, n. 1, janeiro, fevereiro, março e abril de 2017.

BENTO, Emannuel. O "envolvimento diferente" de MC Loma e as Gêmeas Lacração:


A produtora Start Music e a nacionalização do funk. ​XX Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Nordeste​, 2018.

BHABHA, Homi K. ​O bazar global e o clube dos cavalheiros ingleses. Rio de


Janeiro: Rocco Digital, 2012.

CACERES, Guillermo; FERRARI, Lucas; PALOMBINI, Carlos. "A Era


Lula/Tamborzão: política e sonoridade". ​Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros​, Brasil, n. 58, p.157-207, jun. 2014
141

CAETANO, Mariana Gomes. ​My pussy é o poder. Representação feminina


através do funk: identidade, feminismo e indústria cultural​. Dissertação em
Cultura e Territorialidades. Universidade Federal Fluminense, 2015.

CANCLINI, Néstor García. ​Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da


Modernidade.​ São Paulo: Editora da Universidade São Paulo, 2015.

CAVALCANTI, Amanda. "Em alto mar com MC Kevinho e KondZilla". ​Vice Brasil​, 10
de maio de 2018. Disponível em: ​https://bit.ly/3iT249M​. Acesso em 7 de janeiro de
2020.

CARDOSO, Leonardo. ​Sound-Politics in São Paulo​, Oxford University Press, 2019.

COSTA, Antonio Maurício; CHADA, Sônia. "Tecnobrega: a produção da música


eletrônica paraense". Em: L. Vieira; C. Tourinho; L, Robatto (orgs). ​Trânsito entre
Fronteiras na Música​. Belém: PPGARTES/UFPA, 2013.

DARLINGTON, Shasta. "How KondZilla Took Funk Out of the Favelas and Into the
Mainstream". ​Billboard​, 18 de julho de 2019. Disponível em: ​https://bit.ly/2TgLlTr​.
Acesso em 7 de janeiro de 2020.

DE SOUSA SANTOS, Boaventura. ​Construindo as Epistemologias do Sul:


Antologia Esencial. Volume 1: Para um pensamento alternativo de alternativas.
Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2018.

DIDI-HUBERMAN, Georges. ​Diante da imagem: questão colocada aos fins de


uma história da arte.​ São Paulo: Editora 34, 2013.

ESSINGER, Silvio. ​Batidão: uma história do funk.​ Rio de Janeiro: Record, 2005.
142

FABBRI, F. ​Genre theories and their applications in the historical and analytical
study of popular music: a commentary on my publications. Doctoral Thesis,
University of Huddersfiled (UK).

FACINA, Adriana; MENDES, Vinícius; NOVAES, Dennis; PALOMBINI, Carlos. "O


errado que deu certo": 'Deu Onda' e o comentário musical do funk
paulistano-carioca. ​Anais do Décimo Terceiro Encontro Internacional de Música
e Mídia​, 2017.

FACINA, Adriana e PALOMBINI, Carlos. “O Patrão e a Padroeira: festas populares,


criminalização e sobrevivências na Penha, Rio de Janeiro”. IN: MATTOS, Hebe
(org.), ​História oral e comunidade - reparações e culturas negras. São Paulo:
Letra e Voz, 2016.

FACINA, Adriana e PASSOS, PAMELA. "'Baile modelo!': reflexões sobre práticas


funkeiras em contexto de pacificação". ​VI Seminário Internacional de Políticas
Culturais​, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, Brasil, 2015.

FANON, Frantz. ​Pele negra, máscaras brancas.​ Salvador: EDUFBA, 2008.

FRITH, S. ​Performing Rites: on the value of popular music. Cambridge/


Massachusetts, Harvard University Press, 1996.

GARCÍA GUTIÉRREZ, Antonio. ​Desclassification in knowledge organization: a


post-epistemological essay. In Transinformação, Campinas, 23(1):5-14,
janeiro-abril, 2011.

GILROY, Paul. ​O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo:


Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos
Afro-Asiáticos, 2012.
143

GUADAGNUCCI, Natália. “O que está por trás da mudança de estilo dos principais
funkeiros do país”. ​UOL Universa.​ Disponível em: ​https://bit.ly/2yhYAfC​. Acesso em
9 de junho de 2019.

GUTIÉRREZ, Antonio García. Desclassification in knowledge organization: a


post-epistemological essay. ​Transinformação​, vol. 23, no. 1, Campinas, São Paulo,
2011.

HERSCHMANN, Micael. ​Funk – um circuito marginal/alternativo. Lugar Comum


(UFRJ). , v.1, 1998.

_________. ​O funk e o hip-hop invadem a cena. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora


UFRJ, 2005.

JANOTTI Jr, Jeder. À procura da batida perfeita: a importância do gênero musical


para a análise da música popular massiva. ​Revista Eco-Pós. Rio de Janeiro. UFRJ.
Vol. 6, n.2, 2003, p. 31-46.

_________. "Por uma análise midiática da música popular massiva Uma proposição
metodológica para a compreensão do entorno comunicacional, das condições de
produção e reconhecimento dos gêneros musicais". ​Revista E-Compós​, Revista da
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2006.

JANOTTI Jr, Jeder e PEREIRA DE SÁ, Simone. "Revisitando a noção de gênero


musical em tempos de cultura musical digital". ​Galaxia (São Paulo, online), ISSN
1982-2553, n. 41, mai-ago., 2019, p. 128-139.

JANOTTI Jr, Jeder e SOARES, Thiago. "Mentiras Sinceras Me Interesssam"​. XXIII


Encontro Anual da Compós​, Universidade Federal do Pará, 27 a 30 de maio de
2014. Disponível em: ​https://bit.ly/3kXOMLe​.

KONDZILLA. "Manifesto da Favela", ​Portal KondZilla,​ YouTube, 22 de agosto de


2019​.​ Disponível em: ​https://youtu.be/O6oNnXsMgDg​. Acesso em 14 de novembro
de 2019.
144

KONDZILLA. ​Provocações​. São Paulo: TV Cultura, 4 de junho de 2019. Disponível


em: ​https://youtu.be/vmO0I_SkoIw​.

MARTEL, Frédéric. ​Mainstream​. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

MARTINS, Denis. ​Direito e cultura popular: o batidão do funk carioca no


ordenamento jurídico. 2006. Monografia (Bacharel em Direito) - Faculdade de
Direto, UERJ, - Universidade Estadural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p.
100.

MARTINS, Renato. “Séloko Hein Cachorrera, o DJ Perera Tem o Dom Memo”. ​Vice
Brasil​. 2015a, Disponível em: ​https://bit.ly/2YcXADa​. Acesso em 9 de junho de
2019.
_________. MARTINS, Renato. “Do Megane ao Coringa: 13 Clipes para Entender a
Linguagem do Funk Pós-Ostentação”. ​Vice Brasil.​ Disponível em:
https://bit.ly/30laNdj​. Acesso em 9 de junho de 2019.

MOUFFE, Chantal. ​Sobre o político.​ São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2015.

NEGUS, K.; PICKERING, M. ​Creativity, Communication and Cultural Value.


London: Routledge, 2004.

OLIVEIRA, Luciana Xavier. ​A cena musical da black rio: estilo e mediação nos
bailes soul dos anos 1970.​ Salvador: Edufba, 2018.

ORTEGA, Rodrigo. “Kondzilla vira maior canal do YouTube no Brasil e quer dominar
funk além dos clipes”. São Paulo: ​G1​, 2017. Disponível em: ​https://glo.bo/2Zf2uks​.
Acesso em 26 de julho de 2019.
________. “Como Bum Bum Tam Tam de MC Fioti se tornou o 1º clipe brasileiro a
alcançar 1 bilhão de views no YouTube”. São Paulo: ​G1​, 2017b. Disponível em:
https://glo.bo/2FEuSot​l​. Acesso em 26 de julho de 2019.
145

_________. “Kondzilla em queda: Por que o canal de funk perdeu audiência e a


liderança das paradas?”. São Paulo: ​G1​, 2019a. Disponível em:
https://glo.bo/36w1Dxi​. Acesso em 26 de julho de 2019. Acesso em 26 de julho de
2019.
_________. "KondZilla defende 'filtro de palavrão' no funk e diz que MCs se
deixaram seduzir por duetos com sertanejos". São Paulo: ​G1​, 2019b. Disponível em:
https://glo.bo/2M2Iidz​. Acesso em 26 de julho de 2019.

PALOMBINI, Carlos. "O som à prova de bala". ​IV Seminário Música, Ciência e
Tecnologia: Fronteiras e Rupturas. São Paulo, 2012. Disponível em:
https://bit.ly/2Q0bwMm​.
_________. “Do Volt-Mix ao Tamborzão: morfologias comparadas e neurose”. ​Anais
do Simpom​, 2016. Disponível em:​ ​https://bit.ly/3azDUy8​.

PEREIRA DE SÁ, Simone. "Cultura Digital, Videoclipes e a Consolidação da Rede


de Música Brasileira Pop Periférica". ​Anais da Compós​, 2017.
________. "Os feats de videoclipes como estratégia de consolidação da rede de
música pop periférica". ​XVIII Encontro Anual da Compós​, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14. de junho de 2019.
Disponível em: ​https://bit.ly/2TDEZxB​.

PINHO, Osmundo. "'Baixaria': O Paredão-Dispositivo." ​Cachoeira​: UFRB, 2016.


Disponível em: ​https://bit.ly/2Q0bSCG​.

POLI, Maria Cristina. "A Medusa e o gozo: uma leitura da diferença sexual em
psicanálise". ​Ágora​, Rio de Janeiro, vol. 10, no. 2. Dezembro, 2007.

RANCIÈRE, Jacques. ​A partilha do sensível –– estética e política. São Paulo:


Lote 49, 2009.
146

REDAÇÃO. "Pineapple exclui '#Perfil' de Jé Santiago e artista revela o motivo".


Portal Rap Mais​, 25 de janeiro de 2018. Disponível em: ​https://bit.ly/2E3dYPK​.
Acesso em 7 de janeiro de 2020.

REGEV, Motti. ​Pop-Rock Music. Aesthetic Cosmopolitanism in Late Modernity.


London: Policy, 2013.

REZENDE, Aline da Silva Borges. "Sobre Periferias, infâncias e o funk ostentação".


Congresso Internacional e Consumo - Comunicon​, 2018. Disponível em:
https://bit.ly/3gapp5h​. Acesso em 7 de janeiro de 2020.

RINCÓN, Omar. “O Popular na Comunicação: culturas bastardas e cidadanias


celebridades”. ​Revista Eco-Pós​, UFRJ, 2016.

ROCHA, Guilherme Lucio. “Após onda de violência, funk do litoral de SP se recicla e


ganha o mundo”. ​G1 Santos​, SP: 2012. Disponível em: ​https://glo.bo/2ZKRhIJ​.

SOARES, Thiago. ​A Estética do Videoclipe.​ Paraíba: Editora UFPB, 2013.


__________. "Abordagens teóricas para estudos sobre cultura pop". ​Logos​, v. 2, n.
24, 2014. Disponível em: ​https://bit.ly/3hbWRcP​.
__________. ​"Ninguém é perfeito e a vida é assim": a música brega em
Pernambuco.​ Recife, PE: Carlos Gomes de Oliveira Filho, 2017.

TAYLOR, Diana. ​O Arquivo e o Repertório. Belo Horizonte: Editora da UFMG,


2013.

VAN DIJCK, José. ​The Culture of Connectivity: a critical history of social media.
New York: Oxford Press, 2013.

VIANNA, Hermano. ​O mundo funk carioca.​ Expresso Zahar, 2014 (edição digital).
147

Anexos

Anexo 1

Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2016, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: ​www.bit.ly/topradio2016​.
Acesso em 30 de março de 2020.

1. Zé Neto & Cristiano – “Seu Polícia” (Ao Vivo)


2. Marília Mendonça – “Infiel” (Ao Vivo)
3. Eduardo Costa – “Pronto Falei”
4. Marcos & Belutti part. Fernando Zor – “Romântico Anônimo”
5. Maiara & Maraisa – “Medo Bobo”
6. Victor & Leo – “Vai Me Perdoando”
7. Jorge & Mateus – “Sosseguei”
8. Naiara Azevedo part. Maiara & Maraisa – “50 Reais” (Ao Vivo)
9. Henrique & Diego – “Esqueci Você” (Ao Vivo)
10. Gusttavo Lima – “Que Pena Que Acabou” (Ao Vivo)
11. Henrique & Juliano – “Como é que a Gente Fica”
12. Matheus & Kauan – “O Nosso Santo Bateu”
13. Bruno & Barretto – “40 Graus de Amor” (Ao Vivo)
14. Lucas Lucco – “Batom Vermelho”
15. Thaeme & Thiago – “Pra Ter Você Aqui” (Ao Vivo)
16. Gusttavo Lima – “Homem de Família”
17. Zé Neto & Cristiano – “Sonha Comigo”
18. Maiara & Maraisa – “10%”
19. João Neto & Frederico part. Jads & Jadson – “Vício”
20. Thiaguinho – “Cancun” (Ao Vivo)
21. Wesley Safadão – “Coração Machucado” (Ao Vivo)
22. Michel Teló – “Chocolate Quente” (Ao Vivo)
23. Thiaguinho – “Vamo Que Vamo” (Ao Vivo)
24. Simone & Simaria – “Quando o Mel é Bom” (Ao Vivo)
25. Michel Teló – “Não Tem Pra Ninguém”
26. Luan Santana – “Eu, Você, o Mar e Ela”
27. Henrique & Juliano part. Marília Mendonça – “A Flor e o Beija-Flor” (Ao Vivo)
28. Leonardo – “Pergunte ao Dono do Bar”
29. Zé Felipe part. Ludmilla – “Não me Toca”
30. Luan Santana – “Cantada” (Ao Vivo)
31. Bruninho & Davi – “Beija-Flor me Beija”
32. Marília Mendonça – “Eu Sei de Cor”
33. Henrique & Juliano – “Na Hora Da Raiva”
34. João Bosco & Vinicius part. Henrique & Juliano – “Deixa a Gente Quieto”
35. Jads & Jadson – “Zé Trovão”
148

36. Bruno & Barretto – “To Pouco Me Lixando”


37. Jads & Jadson – “Se Toca Essa Moda”
38. Simone & Simaria – “126 Cabides”
39. Marcos & Belutti – “Tão Feliz”
40. Matheus & Kauan – “Decide Aí”
41. Jorge & Mateus – “Louca de Saudade” (Ao Vivo)
42. Lucas Lucco – “Só Não Deixa eu Tomar Birra”
43. Bruno & Marrone & Chitãozinho & Xororó – “Você me Trocou”
44. Luan Santana – “Chuva de Arroz” (Ao Vivo)
45. Bruninho & Davi part. Luan Santana – “E Essa Boca Aí?” (Ao Vivo)
46. Loubet – “Vira Lata” (Ao Vivo)
47. Zé Felipe – “Maquiagem Borrada”
48. Fernando & Sorocaba – “Casa Branca” (Ao Vivo)
49. Humberto & Ronaldo part. Jorge & Mateus – “Carência” (Ao Vivo)
50. Paula Fernandes – “Piração”
51. João Gustavo & Murilo – “Fecha o Porta Mala”
52. Anitta part. Maluma – “Sim ou Não”
53. Cesar Menotti & Fabiano – “Cachorro de Rua”
54. Munhoz & Mariano – “Amor a 3” (Ao Vivo)
55. Matheus & Kauan – “A Rosa e o Beija-Flor” (Ao Vivo)
56. Paula Fernandes – “Depende da Gente”
57. George Henrique & Rodrigo – “Desisto ou Insisto”
58. Kleo Dibah & Rafel part. Maiara & Maraisa – “Podia Ser Nós Dois”
59. George Henrique & Rodrigo part. Henrique & Juliano – “Seu Oposto” (Ao Vivo)
60. Daniel – “Inevitavelmente”
61. Jorge & Mateus – “Pra Sempre Com Você”
62. Luan Santana – “Dia, Lugar e Hora”
63. Anitta part. Jhama – “Essa Mina é Louca”
64. João Neto & Frederico – “Moda Derramada”
65. Zé Felipe – “Curtição”
66. Justin Bieber – “Sorry”
67. Matogrosso & Mathias part. Gusttavo Lima – “E Aí” (Ao Vivo)
68. Conrado & Aleksandro part. Bruno e Barretto – “To Bebendo de Torneira”
69. Munhoz & Mariano part. Zé Neto & Cristiano – “Pen Drive de Modão”
70. Guilherme & Santiago – “Pindaíba”
71. Israel & Rodolffo – “Não Existe Amor Sem Briga”
72. Leonardo – “Dona do Meu Destino”
73. Simone & Simaria – “Meu Violão e o Nosso Cachorro” (Ao Vivo)
74. Loubet – “Muié, Chapéu e Butina”
75. Gustavo Mioto – “Três da Manhã”
76. Ed Sheeran – “Photograph”
77. Sorriso Maroto – “Dependente”
78. Wesley Safadão part. Matheus & Kauan – “Meu Coração Deu PT”
79. Bruno & Marrone – “Isso Cê Num Conta”
80. Marcos & Belutti part. Wesley Safadão – “Aquele 1%” (Ao Vivo)
81. Anselmo & Rafael – “Sobre Você e Eu” (Ao Vivo)
149

82. Paula Mattos – “Rosa Amarela”


83. Gustavo Mioto – “Impressionando os Anjos”
84. Fernando & Sorocaba – “Rolo e Confusão”
85. Wanessa Camargo – “Coração Embriagado”
86. Gusttavo Lima – “Jejum de Amor”
87. Ludmilla – “Bom”
88. João Bosco & Vinicius – “Que Bar Que Cê Tá”
89. Cleber & Cauan – “To Com Pena de Você” (Ao Vivo)
90. Bruno & Barretto – “Eu Quero É Rolo”
91. Anitta – “Bang”
92. Thaeme & Thiago – “Nunca Foi Ex” (Ao Vivo)
93. João Bosco & Vinicius – “Ponto Fraco”
94. Marcos & Fernando part. Henrique & Juliano – “Trocaria Tudo” (Ao Vivo)
95. Fiduma & Jeca – “Que Susto” (Ao Vivo)
96. Cesar Menotti & Fabiano – “To Mal”
97. Eduardo Costa – “Sapequinha”
98. Turma do Pagode – “Deixa em Off” (Ao Vivo)
99. Fernando & Sorocaba – “Anjo de Cabelos Longos”
100. Maiara & Maraisa – “Você Faz Falta Aqui” (Ao Vivo)

Anexo 2

Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2017, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: ​www.bit.ly/radiotop2017​.
Acesso em 30 de março de 2020.

1. Luan Santana – “Acordando o Prédio”


2. Henrique & Juliano – “Vidinha de Balada”
3. Zé Neto & Cristiano – “Cadeira de Aço”
4. Maiara & Maraísa – “Sorte Que Cê Beija Bem (Live)”
5. Gusttavo Lima – “Abre o Portão Que eu Cheguei”
6. Marília Mendonça – “Amante Não Tem Lar”
7. Simone & Simaria feat. Anitta – “Loka (Live)”
8. Simone & Simaria – “Regime Fechado”
9. Wesley Safadão – “Ar Condicionado no 15”
10. Marcos & Belutti – “Eu Era”
11. Bruno & Marrone – “Na Conta da Loucura”
12. Matheus & Kauan – “Te Assumi Pro Brasil”
13. Bruno & Marrone – “Enquanto Eu Brindo Cê Chora”
14. Zé Neto & Cristiano – “Amigo Taxista (Live)”
15. João Neto & Frederico part. MC Kevinho – “Cê Acredita”
16. Henrique & Diego part. Simone & Simaria – “Raspão”
17. Henrique & Juliano – “Aquela Pessoa”
150

18. Naiara Azevedo part. Ivete Sangalo – “Avisa Que Eu Cheguei”


19. Zezé Di Camargo & Luciano – “Destino”
20. Matheus & Kauan – “Nessas Horas”
21. Marília Mendonça - "De Quem é a Culpa?"
22. Bruno e Barreto part. DJ Kelvin - "Lá Se Foi o Boi com a Corda"
23. Luis Fonsi e Daddy Yankee part. Justin Bieber - Despacito
24. Eduardo Costa - Forró e Paixão
25. Michel Teló part. Maiara & Maraísa - Modão Duído
26. Gustavo Mioto - Impressionando os Anjo
27. Maiara & Maraisa - Bengala e Crochê (ao vivo)
28. Felipe Araújo part. Jorge & Mateus - Chave Cópia
29. Gusttavo Lima part. Hungria Hip Hop - Eu Vou te Buscar (Cha La La La La)
30. João Neto & Frederico - Saudade do Caramba
31. Victor & Leo - Senhorita
32. George Henrique & Rodrigo - De Corpo em Corpo
33. Marília Mendonça - Eu Sei de Cor
34. Jefferson Moraes - Beber Com Emergência
35. Julia & Rafaela - Paredes Pintadas
36. Anitta - Paradinha
37. Wesley Safadão part. Marília Mendonça - Ninguém é de Ferro
38. Bruninho & Davi part. Gusttavo Lima - Faixa 3
39. Gusttavo Lima - Homem de Família
40. Nego do Borel part. Anitta & Wesley Safadão - Você Partiu Meu Coração
41. Cleber & Cauan - Quase
42. Zé Felipe part. Menor - Você Não Vale Nada
43. Naiara Azevedo - Mordida, Beijo e Tapa
44. Eduardo Costa - Saudade
45. Lucas Lucco - Fé no Pai
46. Diego & Arnaldo - Sofri em Dobro
47. Gustavo Mioto - Relógio
48. Luan Santana part. Sandy - Mesmo Sem Estar
49. João Bosco e Vinícius - Não Era Você
50. Guilherme & Santiago - Casa Amarela
51. Jads & Jadson - Na Riqueza e na Pobreza
52. Zé Felipe - O Errado Sou Eu
53. Michel Teló - O Mar Parou
54. Henrique & Diego part. Dennis DJ - Malbec
55. Day & Lara - Digitando (ao vivo)
56. Fernanda Costa - Chame o Juiz
57. Bruno & Barreto - Cópia Mal Feita
58. Marcos & Belutti - Solteiro Apaixonado
59. Luiza & Maurilio - Pra Que Isso?
60. Julia & Rafaela - Na Mesma Moeda
61. Jads & Jadson - Quem Aguenta
62. Thaeme & Thiago - Sarcasmo
63. Leonardo & Eduardo Costa - Laço Aberto (ao vivo)
151

64. Felipe Araújo part. Henrique & Juliano - A Mala é Falsa


65. Shape of You - Ed Sheeran
66. Breno & Caio Cesar - Nosso Infinito
67. Maiara & Maraisa - Você Faz Falta Aqui (ao vivo)
68. Solange Almeida part. Wesley Safadão - Se é pra Gente Ficar
69. Jorge & Mateus - Medida Certa
70. Jorge & Mateus - Se o Amor Tiver Lugar
71. Fernando & Sorocaba - Terapinga (Terapia)
72. Felipe Araújo - Amor da Sua Cama
73. Jads & Jadson part. Gusttavo Lima - Noites Frustradas
74. Conrado & Aleksandro - Velho Namorado Novo
75. Munhoz & Mariano - Box do Chuveiro
76. Diego & Victor Hugo part. Bruno & Henrique - Sem Contra-Indicação
77. Kleo Dibah & Rafael - Baldinho de Balada
78. Conrado & Aleksandro part. Marco Brasil Filho & DJ Kelvin - Põe no 120
79. Sorriso Maroto - Eu Já Te Quis Um Dia
80. George Henrique & Rodrigo part. Jorge & Mateus - Deixa Eu Voar (ao vivo)
81. PH & Michel part. Maiara & Maraísa - Amizade de Ex
82. Munhoz & Mariano - Tomador de Whisky
83. Luiza & Maurilio - Tô Bem
84. Victor & Leo - Momentos (ao vivo)
85. Luiz Henrique & Leo part. Henrique & Diego - Amores Rasos
86. Kell Smith - Era Uma Vez
87. Fernando & Sorocaba - Luzes de São Paulo
88. Thiaguinho - Fotos Antigas (ao vivo)
89. Paula Mattos - Coisa de Ex
90. Thiaguinho - Energia Surreal
91. Kungs vs Cookin' on 3 Burners - This Girl
92. Pedro Paulo & Alex - Me Chama
93. Michel Teló part. Jorge & Mateus - Coisa de Deus
94. Marcos & Belluti - Mais Um Ano Junto
95. Luan Santana - Acertou a Mão
96. Bruninho & Davi part. Luan Santana - E Essa Boca Aí? (ao vivo)
97. Antony & Gabriel - Seu Padre
98. Nego do Borel part. Maiara & Maraísa - Esqueci Como Namora
99. Loubet - Naturalment
100. Fernando & Sorocaba - Notícia Boa

Anexo 3
152

Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2018, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: ​www.bit.ly/topradio2018​.
Acesso em 30 de março de 2020.

1. "Apelido Carinhoso" - Gusttavo Lima


2. "Largado às Traças" - Zé Neto & Cristiano
3. "Transplante" (Part. Bruno & Marrone) - Marília Mendonça
4. "Mais Amor e Menos Drama" - Henrique & Juliano
5. "Rapariga Não" (Part. Simone & Simaria) - João Neto & Frederico
6. "Olha Ela Aí" - Eduardo Costa
7. "Quem Ensinou Fui Eu" - Maiara & Maraisa
8. "Sua Melhor Versão" - Bruno & Marrone
9. "Ausência" - Marília Mendonça
10. "Propaganda" - Jorge & Mateus
11. "Dona Maria" (Part. Jorge) - Thiago Brava
12. "Beijo de Varanda" - Bruno & Marrone
13. "Anti-Amor" (Part. Jorge & Mateus) - Gustavo Mioto
14. "Pegada que Desgrama" - Naiara Azevedo
15. "Não Fala Não Pra Mim" (Part. Jerry Smith) - Humberto & Ronaldo
16. "Bom Rapaz" (Part. Jorge & Mateus) - Fernando & Sorocaba
17. "Tô Com Moral no Céu" - Matheus & Kauan
18. "Buá Buá" - Naiara Azevedo
19. "Ainda Sou Tão Seu" - Felipe Araújo
20. "2050" - Luan Santana
21. "1,2,3" - Cleber & Cauan
22. "Por Trás da Maquiagem" (Part. Marília Mendonça) - Michel Teló
23. "Zé da Recaída" - Gusttavo Lima
24. "Contramão" - Gustavo Mioto
25. "Paga de Solteiro Feliz" (Part. Alok) - Simone & Simaria
26. "Cliente Preferencial (Um Modão Atrás do Outro)" - George Henrique & Rodrigo
27. "Cê Gosta" - Leo & Raphael
28. "Cancela o Sentimento" (Part. Marília Mendonça) - Marcos & Belutti
29. "Quem Pegou, Pegou" - Henrique & Juliano
30. "Notificação Preferida" - Zé Neto & Cristiano
31. "Casa Mobiliada" (Part. Edson & Hudson) - Israel & Rodolffo
32. "Se Eu Te Procurar" - Diego & Arnaldo
33. "Coração Infectado" - Maiara & Maraisa
34. "TBT" - Cleber & Cauan
35. "Reggae in Roça" (Part. Otávio Augusto & Gabriel) - Zezé di Camargo & Luciano
36. "Só pra Castigar" - Wesley Safadão
37. "Te Assumo" - Diego & Arnaldo
38. "Romance com Safadeza" (Part. Anitta) - Wesley Safadão
39. "Segue o Plano" - George Henrique & Rodrigo
40. "Oi Nego" (Part. Maraisa) - Jefferson Moraes
153

41. "Nega" - Bruno & Barretto


42. "Ao Vivo e a Cores" (Part. Anitta) - Matheus & Kauan
43. "Coração Ressacado" - Jads & Jadson
44. "Prefiro Nem Perguntar" - Diego & Victor Hugo
45. "Já Convenci" - Thiago Brava
46. "Nosso Contrato" (Part. Luan Santana) - Edson & Hudson
47. "Oi" - Léo Magalhães
48. "Siga a Seta" (Part. Matheus & Kauan) - Marcos & Belutti
49. "MC Lençol e DJ Travesseiro" - Luan Santana
50. "Cada Um Na Sua" - Fernando & Sorocaba
51. "Amor da sua Cama" - Felipe Araújo
52. "O Alvo" (Part. Henrique & Juliano) - Diego & Victor Hugo
53. "Coleção de Ex" (Part. Matheus & Kauan) - Jefferson Moraes
54. "Moleque" (Part. Marília Mendonça) - Pacheco
55. "Saudade Nível Hard" - Yasmin Santos
56. "O Sol" - Vitor Kley
57. "Super-Homem Chora" - João Bosco & Vinícius
58. "Havana" (Feat. Young Thug) - Camila Cabello
59. "Aquela Pessoa" - Henrique & Juliano
60. "Onde Já Se Viu" - Thaeme & Thiago
61. "Um em um Milhão" - Simone & Simaria
62. "Perfect" - Ed Sheeran
63. "Ciúmes" (Part. Jorge & Mateus) - Edu Chociay
64. "Contrato" - Jorge & Mateus
65. "Pirata e Tesouro" - Ferrugem
66. "10 Beijos de Rua" - Léo Santana
67. "Sofazinho" (Part. Jorge & Mateus)" - Luan Santana
68. "12 Horas" - Dilsinho
69. "Chave e Cadeado" - Sorriso Maroto
70. "Põe Ele Pra Nanar" - Zé Ricardo & Thiago
71. "Nem Aqui Nem Na China" - Humberto & Ronaldo
72. "Pesadão" (Part. Marcelo Falcão) - IZA
73. "É Natural" (Part. Bruno Cardoso) - Ferrugem
74. "Quem É Seu Favorito" (Part. Zé Neto & Cristiano) - Zé Ricardo & Thiago
75. "Saudade" - Eduardo Costa
76. "Mais um Ano Juntos" - Marcos & Belutti
77. "Vai Malandra" (Part. MC Zaac, Maejor, Tropkillaz & DJ Yuri Martins)" - Anitta
78. "Acertou a Mão" - Luan Santana
79. "Coração de Quatro" - Israel & Rodolffo
80. "Disco Arranhado" - Cesar Menotti & Fabiano
81. "Atrasadinha" (Part. Ferrugem) - Felipe Araújo
82. "Cerveja de Garrafa" - Atitude 67
83. "Desbotequei (Ai Bebê)" - Pedro Paulo & Alex
84. "Pra Você Acreditar" - Ferrugem
85. "Deixa a Menina" (Part. Maiara & Maraisa) - Luíza & Maurílio
86. "Tô Bebendo Demais" - Conrado & Aleksandro
154

87. "Ponto Fraco" - Thiaguinho


88. "Trincadinho" - Jorge & Mateus
89. "Medicina" - Anitta
90. "Terapinga (Terapia)" - Fernando & Sorocaba
91. "Sonhei Que Tava Me Casando" - Wesley Safadão
92. "Meu Coração Não Chora, Urra" (Part. Gusttavo Lima) - Day & Lara
93. "Bengala e Crochê" - Maiara & Maraisa
94. "Bêbado no Máximo" - Bruno & Barretto
95. "Rimas Não Combinam" - Julia & Rafaela
96. "Coisa de Deus" (Part. Jorge & Mateus)" - Michel Teló
97. "Ar Condicionado no 15" - Wesley Safadão
98. "Traição" (Part. Marília Mendonça)" - Kleo Dibah
99. "Na Luz do Som" - Victor & Leo
100. "Só Vem!" (Part. Ludmilla) - Thiaguinho

Anexo 4

Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2019, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: ​www.bit.ly/topradio2019​.
Acesso em 30 de março de 2020.

1. Cem mil – Gusttavo Lima


2. Vingança – Luan Santana com MC Kekel
3. Estado decadente – Zé Neto & Cristiano
4. Não abro mão – Maiara & Maraisa
5. Bem pior que eu – Marília Mendonça
6. Cidade vizinha – Henrique & Juliano
7. Surto de amor – Bruno & Marrone com Jorge & Matheus
8. Tonelada de solidão – Marcos & Belutti com Ferrugem
9. Atrasadinha – Felipe Araújo com Ferrugem
10. Igual Ela Só Uma - Wesley Safadão
11. Fake News - Gustavo Mioto
12. Nem Tchum (ao vivo) - Maiara & Maraísa
13. Ferida Curada - Zé Neto & Cristiano
14. Atrasadinha - Felipe Araújo part. Ferrugem
15. Bem Pior Que Eu - Marília Mendonça
16. Tonelada de Solidão - Marcos & Belluti part. Ferrugem
17. Para, Pensa e Volta (ao vivo) - Yasmin Santos part. Marília Mendonça
18. Espaçosa Demais - Felipe Araújo
19. A Culpa é do Meu Grau (ao vivo) - Diego & Victor
20. A Flor Que Se Cheira (ao vivo) - Guilherme & Benuto
21. Aperte o Play - Simone e Simaria
155

22. Rapariga Digital - Naiara Azevedo


23. Solteiro Não Trai - Gustavo Mioto
24. Do Copo Eu Vim - Diego & Victor Hugo part. Marília Mendonça
25. Pedaço Meu (ao vivo) - Cleber & Cauan part. Jorge
26. Volta Pro Seu Nego - Humberto & Ronaldo
27. Vou ter Que Superar - Matheus & Kauan part. Marília Mendonça
28. Não Planeje Nada - Marcos & Bellutti
29. Casava de Novo - Daniel
30. Casal Modão - Michel Teló
31. 3 Batidas (ao vivo) - Guilherme & Benuto
32. Então Fica Assim - Edy Britto & Samuel part. Eduardo Costa
33. Golzinho Quadrado - Edy Britto & Samuel part. Eduardo Costa
34. De Preferência Pra Mim - Thiago Brava part. Gusttavo Lima
35. Dois Lados - Wesley Safadão
36. Tijolão - Jorge & Matheus
37. Misera - Jads & Jadson
38. Cerveja, Sal e Limão - Matheus & Kauan
39. Zona de Risco - Fernando & Sorocaba part. Maiara & Maraísa
40. Bagunça Minha Vida - George Henrique & Rodrigo
41. Aham (ao vivo) - Lucas Lucco
42. Show de Recaída - Bruno & Marrone
43. Quem Me Dera - Márcia Fellipe part. Jerry Smith
44. Infarto - Diego & Victor Hugo
45. Sofro Onde Eu Quiser - Yasmin Santos
46. Despedida (ao vivo) - Icaro & Gilmar
47. Foi Né - Danilo Bottrel
48. Namorada Reserva - Hugo & Guilherme
49. Não Tem Tu, Vai Tu Mesmo - João Neto & Frederico
50. Tiro Certo (ao vivo) - Zé Felipe part. Gusttavo Lima
51. Chopp Garotinho - Ferrugem
52. Cara Feio - Fernando & Sorocaba
53. Metade da Laranja - Edy Britto & Samuel
54. Não é Segredo Pra Ela - Amado Batista
55. Posto 24 Horas (ao vivo) - Lucas Lucco part. Wesley Safadão
56. Lençol Dobrado - Analaga part. Jõao Gustavo & Murilo
57. Eu Me Acostumei - PH & Michel part. Belo
58. Compartilhando Mágoa - George Henrique & Rodrigo part. Zé Neto & Cristiano
59. Quem Me Viu, Quem Me Vê - Edson & Hudson
60. Controle Remoto (ao vivo) - Dilsinho
61. Delicinha - Gabriel Gava part. Naiara Azevedo
62. 50 Vezes (ao vivo) - Sorriso Maroto part. Dilsinho
63. Você Humilha (ao vivo) - Luana Prado
64. Dois Enganados - Murilo Huff. Part. Marília Mendonça
65. Só Pra Castigar - Wesley Safadão
66. Pouco a Pouco - Dilsinho part. Sorriso Maroto
67. Cobaia - Luana Prado part. Maiara & Maraísa
156

68. Péssimo Negócio (ao vivo) - Dilsinho


69. Drive Thru - Márcia Fellipe part. Gusttavo Lima
70. Amor e Cerveja - Os Parazim
71. Zé da Recaída - Gusttavo Lima
72. Terremoto - Anitta part. Kevinho
73. Espelho Meu - Henrique & Diego
74. Meio Seu - João Netto & Frederico part. Leo Santana
75. Céu da Sua Boca - PH & Michel
76. Casa Pequenininha - Thaeme & Thiago
77. Ouvi Dizer - Melim
78. Nesse Embalo - Ferrugem
79. Notificação Preferida - Zé Neto & Cristiano
80. Jenifer - Gabriel Diniz
81. Conselho - Israel & Rodolfo
82. Relógio Parado - Diego & Arnaldo
83. Saudade Boa - Jonas Esticado part. Felipe Araújo
84. Por Amar Demais (ao vivo) - Danilo Bottrel part. João Bosco & Vinícius
85. Cortesia - Juan Marcus & Vinícius part. Dilsinho
86. Sofrendo ao Quadrado - Pedro Paulo & Alex
87. Jogo de Cama - Lu & Alex part. Leo Magalhães
88. Vou Mudar de Cidade - Leo Magalhães
89. Domingando (ao vivo) - Thiaguinho
90. Licença Aí - Luiza & Maurilio
91. Radin Ligado - João Neto & Frederico
92. Quem Pegou, Pegou - Henrique & Juliano
93. Dois Dedin - Zé Ricardo & Thiago part. Leo & Raphael
94. Clichê - Ludmilla part. Felipe Araújo
95. Pronta Pra Trair - Yasmin Santos
96. Amor de Cana - Bruno & Barreto
97. Trincadinho - Jorge & Mateus
98. Qualidade de Vida (ao vivo) - Simone & Simaria part. Ludmilla
99. Casal Raíz (ao vivo) - Xand Avião
100. Contatinho (ao vivo) - Leo Santana part. Anitta

Anexo 5

Top 10 vídeos mais vistos no YouTube Brasil em 2016 na categoria música.


Fonte: YouTube. Disponível em: ​www.bit.ly/2WCtSHH​. Acesso em 30 de março de
2020.

1. MCs Zaac & Jerry, ​Bumbum granada


2. Matheus & Kauan, ​O nosso santo bateu
157

3. Naiara Azevedo ft. Maiara e Maraís, ​50 reais


4. Anitta ft Jhama, ​Essa mina é louca
5. Rihanna ft Drake, ​Work
6. Fifth Harmony, ​Work from Home​ ft. Ty Dolla $ign
7. MC Livinho, ​Cheia de Marra​ (KondZilla)
8. Calvin Harris, ​This Is What You Came For ​(Official Video) ft. Rihanna -
9. Dennis e Mc's Nandinho & Nego Bam, ​Malandramente​ (Video Clipe Oficial)
10. Luan Santana, ​Eu, você, o mar e ela

Anexo 6

Top 10 vídeos mais vistos no YouTube Brasil em 2017 na categoria música.


Fonte: Youtube. Disponível em: ​www.bit.ly/3gZi6Pb​. Acesso em 30 de março de
2020.

1. Simone & Simaria - Loka ft. Anitta


2. Luis Fonsi - Despacito ft. Daddy Yankee
3. Henrique e Juliano - VIDINHA DE BALADA - DVD O Céu Explica Tudo
4. MC Kevinho - O Grave Bater (KondZilla)
5. Marília Mendonça - Amante Não Tem Lar - DVD Realidade
6. Ed Sheeran - Shape of You [Official Video]
7. Major Lazer - Sua Cara (feat. Anitta & Pabllo Vittar) (Official Music Video)
8. Nego do Borel - Você Partiu Meu Coração ft. Anitta, Wesley Safadão
9. MC Fioti - Bum Bum Tam Tam (KondZilla)
10. Luan Santana - Acordando o Prédio (Videoclipe Oficial)

Anexo 7
Top 10 vídeos mais vistos no YouTube Brasil em 2018 na categoria música.
Fonte: Youtube. Disponível em: ​www.bit.ly/2DTWQLK​. Acesso em 30 de março de
2020.

1. Zé Neto e Cristiano - Largado às Traças


2. MC Kekel e MC Rita - Amor de Verdade (KondZilla)
3. MC WM - Fuleragem (KondZilla)
4. Jorge & Mateus - Propaganda [Terra Sem CEP]
5. Marília Mendonça - Estranho (Agora Que São Elas 2)
6. MC Loma e as Gêmeas Lacração - Envolvimento(KondZilla)
7. MC MM feat DJ RD - Só Quer Vrau (KondZilla)
158

8. Kevinho e Simone & Simaria - Ta Tum Tum (KondZilla)


9. Wesley Safadão e Aldair Playboy ft. Kevinho - Amor Falso
10. Humberto e Ronaldo - Não Fala Não Pra Mim feat. Jerry Smith

Anexo 8

Top 10 vídeos mais vistos no YouTube Brasil em 2019 na categoria música. Fonte:
YouTube. Disponível em ​www.bit.ly/33MYfPm​. Acesso em 30 de março de 2020.

1. Matheus & Kauan - Vou Ter Que Superar (Ao Vivo) ft. Marilia Mendonça
2. Marília Mendonça - TODO MUNDO VAI SOFRER (Todos Os Cantos)
3. Anitta & Kevinho - Terremoto (Official Music Video)
4. Jorge & Mateus - TIJOLÃO (Vídeo Oficial)
5. Gusttavo Lima - Milu (Clipe Oficial)
6. Marília Mendonça - BEBAÇA feat. Maiara e Maraisa
7. Jerry Smith Feat. Wesley Safadão - Quem Tem o Dom (Clipe Oficial)
8. Matheus & Kauan - Quarta Cadeira (Ao Vivo Em Goiânia / 2018) ft. Jorge & Mateus
9. Xand Avião feat. Gusttavo Lima - Algo Mais (Amante) (DVD: Errejota) [Clipe Oficial]
10. Enzo Rabelo - Perfeitinha

Você também pode gostar