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GABRIEL ALBUQUERQUE
Recife
2020
GABRIEL ALBUQUERQUE
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade
Federal de Pernambuco como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Comunicação.
Área de concentração:
Comunicação
Recife
2020
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Ricardo e Alice, por todo amor, esforço e sacrifícios que me
possibilitaram chegar até aqui e ser quem eu sou.
Ao meu parceiro Igor Marques, que há três anos embarcou comigo na ideia
de montar a festa Embrazado, que agora virou também podcast e portal, e foi
indispensável nas reflexões sobre música periférica enquanto estava ao meu lado
tocando músicas para as pessoas dançarem e se divertirem.
Por fim, agradeço a todos os amigos que estiveram comigo nesses últimos
dois anos. Acredito que mais do que teorias, hipóteses, análises e bibliografias, um
trabalho acadêmico é atravessado por uma rede de afetos que nos move de maneira
discreta e misteriosa, mas decisiva. Portanto, todos os meus amigos que cultivaram
carinho, amor, perseverança, companheirismo e admiração estão nestas páginas
comigo. Citar todos levaria uma eternidade, mas sua importância foi fundamental.
RESUMO
Founded in 2012 and based in Sao Paulo, music video producer and YouTube
channel KondZilla is at the center of mainstreaming of Brazilian funk music. In
September 2018 the KondZilla channel had the first Brazilian music video with over 1
billion views on YouTube. A year later in October 2018, KondZilla surpassed
Canadian singer Justin Bieber to become the third largest YouTube channel in the
world and the largest in Latin America in subscriber numbers. This dissertation aims
to analyze the effects, causes and consequences of this funk pop direction through
KondZilla, seeking its aesthetic, commercial and political implications. We started
from the idea of Peripheral Pop Brazilian Music Network (PEREIRA DE SÁ, 2017), to
understand how diverse musical genres accumulate, connect and interpenetrate in
the environment of contemporary digital culture and how KondZilla acts in this
multiple and dynamic sphere, negotiating its performance to form networks with wider
markets beyond the funk niche.
Introdução 12
Capítulo 1: A reconfiguração do funk na era digital e a emergência do funk paulista 18
1.1 A centralidade do YouTube 18
1.2. Contextos históricos: Os bailes blacks, "Funk Brasil" e a pacificação violenta nas
favelas cariocas 23
1.3 A emergência do funk paulista e o despontar da KondZilla 27
1.4. Dilatando o funk: as reconfigurações do gênero musical-midiático nos vídeos da
KondZilla 29
Bibliografia 139
Anexos 148
Anexo 1: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2016 148
Anexo 2: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2017 150
Anexo 3: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2018 152
Anexo 4: Top 100 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 2019 155
Anexo 5: Top 10 vídeos musicais mais vistos do YouTube Brasil em 2016 158
Anexo 5: Top 10 vídeos musicais mais vistos do YouTube Brasil em 2017 159
Anexo 6: Top 10 vídeos musicais mais vistos no YouTube Brasil em 2018 159
Anexo 7: Top 10 vídeos musicais mais vistos no YouTube Brasil em 2019 190
12
Introdução
1
Do total de 1 bilhão de acessos, 37% vieram do Brasil e os outros 63% do exterior. Além do Brasil,
outros seis países tiveram força nestes números: França (56 milhões de cliques), Colômbia (49 mi),
Argentina (43 mi), Turquia (43 mi), México (37 mi) e Índia (35 mi). Estatísticas disponíveis em:
https://glo.bo/2TIrjS9. Acesso em 31 de março de 2019.
2
Definição dada pelo cantor Mr. Catra em depoimentos no filme S ou Feia, Mas Tô na Moda.
Direção: Denise Garcia. Distribuidor: Imovision. 2005. Rio de Janeiro - RJ, 2005. 61 min.,
son., color.
3
VIANNA, Hermano apud PALOMBINI, Carlos. "Um funk muito barulhento". In: ANACAONA, Paula
(org.), Coletivo Eu Sou Favela - Contos e Artigos. Rio de Janeiro: Anacaona Edions, 2012.
4
Sobre a ilegalidade da prisão do DJ Rennan da Penha, ver: ALBUQUERQUE, GG. "O que o caso do
DJ Rennan da Penha diz sobre o estado atual do Judiciário brasileiro". São Paulo: Vice Brasil, 24 de
abril de 2019. Disponível em: https://bit.ly/2PDvk7Z. Acesso em 21 de março de 2020.
13
5
Matéria disponível em: https://bit.ly/2XHRBpu, último acesso em 17 de setembro de 2017.
6
Ver: https://glo.bo/3iuXtKR. Acesso em 31 de julho de 2019.
7
Ver: https://bit.ly/3af5aCb. Acesso em 31 de julho de 2019.
14
8
Conferir entrevista de Konrad Dantas ao Meio e Mensagem, disponível em: https://bit.ly/3fHKwvA.
Acesso em 20 de março de 2020.
15
9
Disponível em: https://bit.ly/2XNSLzY. Acesso em 31 de julho de 2019.
10
Disponíveis em https://bit.ly/2Dy5Gzj e https://bit.ly/2Dy5Gzj. Acesso em 31 de julho de 2019.
11
Disponível em: https://bit.ly/3fIZLUR. Acesso em 31 de julho de 2019.
16
12
Ver: https://kondzilla.com/m/uma-historia-da-luta-lgbt-no-funk/. Acesso em 31 de julho de 2019.
17
Capítulo 1
13
2015 foi o ano em que artistas rotulados pela imprensa e fãs como "pop rock" nacional sumiram de
vez do Top 100. No anterior, o Skank foi o único representante do gênero. Ver: ORTEGA, Rodrigo.
"Rock nacional some do top 100 anual de rádios do Brasil; sertanejo domina". G1: São Paulo, 2014.
Disponível em: <https://glo.bo/3fD7g0w>. Acesso em 20 de novembro de 2019.
14
As listas das músicas mais tocadas das rádios estão disponíveis na íntegra nos anexos deste
trabalho.
15
As listas das músicas mais ouvidas do YouTube brasileiro também estão nos anexos.
19
Anitta revisita suas origens no mundo funk em parceria com o produtor musical DJ
Yuri Martins e o MC Zaac mais o duo eletrônico brasileiro Tropkillaz e o rapper
norte-americano Maejor, e "Terremoto", outra parceria de Anitta, desta vez com o
MC carioca Kevinho, que mistura o funk com batidas do reggaeton caribenho. Por
outro lado, no Top 10 vídeos musicais mais vistos do YouTube Brasil contabiliza-se
dez funks e mais uma música de bregafunk16 — 11 em um total de 40. Em resumo,
enquanto o funk está praticamente ausente nas mais tocadas das rádios, ocupando
apenas 0,5% do Top 100 das rádios entre 2016 e 2019, no Youtube a sua presença
é imponente, ocupando 27,5% das posições do Top 10 deste mesmo período de
tempo com músicas como "Bum Bum Tam Tam" (MC Fioti), "Bumbum Granada"
(MCs Zaac & Jerry), "Cheia de Marra" (MC Livinho) e "O Grave Bater" (MC Kevinho),
"Malandramente", (Dennis e MCs Nandinho e Nego Bam), entre outras.
Considerando que o YouTube é o segundo site mais acessado pelos
brasileiros17 e que estes vídeos batem a marca de milhões de visualizações, este
contraste entre as músicas mais tocadas nas rádios brasileiras e as mais
visualizadas na plataforma de vídeos nos revela uma desafiante complexificação na
radiografia das preferências populares. Nesta radiografia, é explicitada a ausência
de gêneros historicamente vinculados à sensibilidade estética das classes médias
urbanas — como a bossa nova, a MPB e o rock — em prol de outros gêneros,
tradicionalmente taxados como "de mau gosto", "má qualidade" e "baixo valor" pelas
mesmas classes médias urbanas e deslegitimados pela imprensa cultural — como o
funk e o sertanejo. Avistamos aqui um sintoma de uma problemática mais ampla e
densa acerca das representações do popular. As listas do YouTube põem em
evidência rastros de sonoridades periféricas, músicas provenientes de classes
econômicas e raças subalternizadas, que foram social e culturalmente silenciadas
ou estrategicamente esquecidas, e nos oferecem o vislumbre de uma outra matriz
de cultura popular, aquela que está fora dos compêndios críticos da música
16
O bregafunk é um movimento que nasce nas periferias do Recife com influências de funk e do
cancioneiro romântico do Nordeste, o chamado brega. Ao mesmo tempo em que tem o funk como
referência, o bregafunk possui características musicais e sociais próprias que o colocam numa outro
lugar dentro do ecossistema de músicas periféricas brasileiras. Ver ALBUQUERQUE, GG. "O
nascimento do bregafunk é a história de sobrevivência dos MCs do Recife". Vice Brasil, 2018.
http://bit.ly/2vJX9Eu>. Acesso em 31 de março de 2019
Disponível em: <
17
Disponível em: < https://bit.ly/2Tgc2rB>. Acesso em 31 de março de 2019.
20
brasileira oficial e, muitas vezes, dos espaços da mídia corporativa. O fato do funk
estar fora do Top 100 das rádios, mas fortemente presente no Top 10 do Youtube
aponta a centralidade desta plataforma de vídeos na discussão sobre cultura
musical periférica e revela a pluralidade de ferramentas para mensuração de um
sucesso musical. É possível perceber não só uma fragmentação dos modos de
escutar música articulados às diferentes materialidades dos dispositivos, aplicativos
e plataformas de musicais, bem como ao próprio modo como os consumidores
agenciam os conteúdos musicais em distintas ambientações de escuta. O modo
como a ambientação midiática do YouTube acabou por entrelaçar aos modos de
produzir e consumir funk aponta para a emergência de novos agenciamentos entre
música, classe, raça e gênero na cultura digital. O YouTube, por exemplo, apesar de
seu novo serviço de assinatura YouTube Music, ficou conhecido pelo acesso gratuito
e pela facilidade que todos usuários têm para disponibilizar conteúdos audiovisuais
— uma dinâmica conhecida como User Generated Content (UG) ou conteúdo
gerado por usuários. Já os mais novos aplicativos de consumo de música como
Spotify e Deezer firmaram-se no mercado através de assinaturas premium que
permitem sem anúncios publicitários. No panorama atual, escutar música sem
interrupções de anúncios tornou-se sinal de distinção cultural, o que mostra como
fatores socioeconômicos não podem ser separados da ambientação tecnológica.
Deste modo, é na tessitura do YouTube os gêneros musicais periféricos do
Brasil, em consonância com o crescimento do acesso das classes populares à
internet, vão constituir seus processos comunicativos, produzir sentido para uma
comunidade de fãs, fundar e consolidar um mercado próprio, que opera por linhas
distintas daquelas do mercado fonográfico tradicional das grandes gravadoras e por
fora dos dispositivos de circulação da mídia corporativa, mas, ainda assim, com
alcance amplo e disseminação massiva, constituindo uma espécie de mainstream18
paralelo, não-oficial.
Fundada em 2012 com sede em São Paulo, a KondZilla é uma produtora de
videoclipes que ocupa o epicentro da irrupção das músicas periféricas no cenário do
18
"A palavra, de difícil tradução, significa literalmente 'dominante' ou 'grande público', sendo usada
em geral para se referir a um meio de comunicação, um programa de televisão ou um produto cultural
que vise um público amplo. Mainstream é o inverso da contracultura, da subcultura, dos nichos
(MARTEL, 2012, p. 20)".
21
19
A lista completa está disponível nos seguintes links: mais vistos de 2016:
<www.bit.ly/topyoutube2016>. Mais vistos de 2017: <www.bit.ly/topyoutube2017>. Mais vistos de
2018: <www.bit.ly/topyoutube2018>. Acesso em 23 de março de 2020.
20
Dados disponíveis em: <https://bit.ly/3dZFMAJ>. Acesso em 19 de maio de 2020.
21
Isto é, o processo de tornar-se mainstream, disputando o mercado hegemônico do entretenimento.
22
Nome de uma vertente do funk, destinada à temática sexual.
22
23
Vale salientar que, em nossa argumentação, tratamos dos mais vídeos do YouTube brasileiro na
categoria música, enquanto Simone Pereira de Sá, no artigo citado, trabalha a partir da lista dos mais
vistos na categoria geral.
23
24
Em 1991, Rômulo Costa, dono da Furacão 2000, abriu seu próprio selo para lançar o LP "Força
Funk". Em entrevista a Essinger (2005), o empresário conta: "Eu vendi 1 milhão e 300 mil cópias na
Som Livre e eles me deram 80 mil reais. Era muito pouco dinheiro. Depois que eu comecei a vender
10 mil CDs [pela minha gravadora] eu ganhei muito mais".
25
25
É importante ressaltar como tais medidas visavam apenas a repressão ao funk. "A série de
episódios violentos por que passaram os bailes funk pode ser explicada em parte pela atuação
meramente repressiva das autoridades, que, ao invés de oferecerem segurança aos frequentadores,
se limitavam a interditar os bailes, confundindo a vítima com o problema" (MARTINS, Denis. 2006, P.
103)
26
26
Os MCs tiveram prisão temporária decretada por 30 dias (quando o máximo permitido são 15) pelos
delitos de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal), apologia ao crime ou ao criminoso (art. 287
do CP), indução instigação ou auxílio ao uso indevido de droga (art. 33, § 2º da Lei 11.343/2006), e
associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei 11.343/2006), sem qualquer evidência concreta
dos delitos, que nem mesmo admitem a possibilidade de prisão temporária. Ver CACERES,
Guillermo; FERRARI, Lucas; PALOMBINI, Carlos. "A Era Lula/Tamborzão: política e sonoridade".
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 58, p.157-207, jun. 2014.
27
Carlos Palombini (2012) diz que, de acordo com a história oral, os bailes do Complexo da Penha
rendiam ao batalhão da Polícia Militar de 20 a 25 mil reais por fim de semana. Em entrevistas que fiz
em 2018 no Rio de Janeiro, fontes citaram que no Baile da Gaiola, também na Penha, o valor do
arrego era de 80 mil reais por semana.
27
Portanto, ainda que novos talentos sempre venham a despontar, vemos que o funk
carioca foi sendo constantemente sufocado por uma série de ações repressivas do Estado.
28
O MC Felipe Boladão e seu DJ, Felipe da Silva Gomes, ambos com 20 anos, foram baleados em
Praia Grande por um homem de moto no dia 10 de abril de 2010. O MC Duda do Marapé (Eduardo
Antônio Lara), aos 27 anos, foi executado com 9 tiros disparados por dois homens em uma moto no
centro de Santos no dia 12 de abril de 2011.O MC Primo foi morto aos 28 anos com 11 tiros ao
estacionar seu carro com a esposa e os filhos em frente da sua casa, em São Vicente, no dia 19 de
abril de 2012. MC Careca foi morto aos 33 anos com três tiros na cabeça enquanto trabalhava no seu
salão de cabeleireiro em Santos no dia 19 de abril de 2012. MC Daleste foi executado aos 20 anos,
no auge da carreira, com dois tiros no palco enquanto fazia show em Campinas no dia 7 de julho de
2013.
28
(ROCHA, 2015c). Os paulistas aderiram então à vertente que ficou conhecida como
ostentação.
Surgida no contexto do aumento do poder de compra das classes C, D e E —
só no ano de 2013, este público consumiu algo em torno de R$ 1,27 trilhão; só os
jovens da classe C consumiram, naquele ano, R$ 129 bilhões, contra R$ 80 bilhões
das classes A e B e R$ 19,9 bilhões da D29 —, a ostentação é caracterizada pelas
letras que exaltam bens de consumo, superação da pobreza e as glórias da vida de
luxo, versando sobre festas em áreas vips e camarotes e elencando uma série de
marcas e modelos de bebidas, roupas e acessórios, carros e motos, cordão de ouro,
perfumes. O MC Guimê, por exemplo, deixou de cantar músicas que falavam em
armas e crimes como "Especialista em Fugas" ("Acelera forte, os malote no tanque e
o fuzil na garupa/ Pilota com uma mão e atira com a outra/ Especialista em fugas")
para cantar músicas como "Plaquê de 100" ("Contando os plaquê de 100/ Dentro de
um Citroën/ Aí nóis convida porque sabe que elas vêm/ De transporte nóis tá bem,
de Hornet ou 1100/ Kawasaky, tem Bandit, RR tem também"). Em entrevista à
revista Veja São Paulo, Guimê explicou a mudança nas temáticas: "A galera não
quer mais saber de coisa errada, está mais interessada em letra sobre marca de
roupa e de coisas que precisa ter para ficar bem na fita"30
Assim, em São Paulo desenvolve-se uma nova categoria de funk, que,
aproveitando-se das dificuldades econômicas e sociais e de um certo esgotamento
criativo dos MCs do Rio, expande-se em sintonia com a crescente popularização da
internet e das mídias digitais. De acordo com Guilherme Lucio da Rocha (2015) e
Aline Borges Rezende (2018), o funk ostentação começa a aparecer nos fluxos e
bailes de São Paulo entre 2007 e 2008, "consolidando, posteriormente, um circuito
musical singular dentro do movimento funk brasileiro" (REZENDE, 2018). Música
que introduziu o funk ostentação na capital paulista, "Bonde da Juju", dos MCs
Backdi e Bio G3 foi lançada em setembro de 2008 e fez a dupla rodar diferentes
estados do Brasil fazendo shows com base apenas em divulgação pela internet31.
29
Dados levantados pelo instituto Data Popular, especializado em pesquisas nas classes média e
baixa e que atende empresas como Mastercard, Santander e TAM. Disponível na revista Veja, edição
2358, ano 47, nº 5, 29 de janeiro de 2014, p.64
30
Disponível em: https://bit.ly/2ZB5N54. Acesso em 19 de setembro de 2019.
31
Ver documentário "Funk Ostentação - O Filme" (2012). Direção Renato Barreiros e Konrad Dantas.
Disponível em: https://bit.ly/2CL0JlT. Acesso em 15 de julho de 2020.
29
Mas é por volta de 2011 que a vertente estoura e se expande online como um todo,
tornando-se um movimento mais bem definido, que serviu de trilha sonora dos
fenômenos sociais conhecidos como rolezinhos32 e espalhando-se em diversos
vídeos pela Internet. É neste cenário que os MCs paulistas produzem seus primeiros
videoclipes, a produtora KondZilla desponta e tem o seu primeiro momento de
consagração. Para um novo som e uma nova poética, era preciso ser formulada
uma novo visual do funk. Em série de reportagens publicada no portal G1 sobre o
movimento na Baixada Santista, Guilherme Lucio da Rocha (2012c) afirma que "o
primeiro nome local do funk ostentação a brilhar na Capital não foi um músico, mas
um produtor de clipes". O produtor em questão é Konrad Dantas, mais conhecido
como Kondzilla ou Kond, fundador da produtora KondZilla.
32
Ver Pinheiro-Machado, R., & Scalco, L. (2014). Rolezinhos: Marcas, consumo e segregação no
Brasil. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revistaec/article/view/98372; e FACINA, Adriana;
PASSOS, Pâmela, Consumo, inclusão e segregação: reflexões sobre lan houses e um comentário
sobre rolezinhos. pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura. Ano 4, número 6,
março 2014
30
Fabbri (1980), por exemplo, sugere cinco eixos para análise do gênero musical: 1)
"convenções de composição e de instrumentação"; 2) "regras semióticas" – que
dizem respeito não somente às letras, mas a como a música, de maneira mais
ampla, utiliza-se de símbolos e sentimentos para se comunicar; 3) as "regras
comportamentais", tais como rituais de performance musical (ao vivo ou gravadas);
4) "regras sociais e ideológicas" – que apontam para os valores reconhecidos pelos
consumidores do determinado gênero musical; 5) "convenções econômicas e
jurídicas" em torno da cadeia produtiva fonográfica e da propriedade intelectual.
Em paralelo, Jeder Janotti (2003) propõe a noção de gênero midiático, que
abarca "estratégias de convenções sonoras (o que se ouve), convenções de
performance (o que se vê, que corpo é configurado no processo auditivo),
convenções de mercado (como a música popular massiva é embalada) e
convenções de sociabilidade (quais valores são ‘incorporados’ e ‘excorporados’ em
determinadas expressões musicais)". Mais adiante, o autor aglutina em três campos
as diretrizes para análise dos gêneros musicais no âmbito da música popular
massiva:
33
Em 2013, a venda de smartphones no Brasil cresceu 122%, sendo que 58% dos aparelhos no país
estavam nas mãos das classes C, D e E, que também possuíam 60% de todos os computadores do
país e 46% dos tablets. Dados da pesquisa Data Favela realizada pelo Sebrae e Data Popular
disponíveis em Revista VEJA, edição 2358, ano 47, nº 5, 29 de janeiro de 2014. Para mais detalhes,
ver o capítulo 2.
32
própria favela como cenário, como é o caso do vídeo "Passinho do Volante (Ah
Lelek Lek Lek)", do MC Federado e os Leleks, um dos dez mais visualizados no
YouTube em 2013. O vídeo custou somente 70 reais e foi gravado no churrasco da
favela onde moram os integrantes do grupo, no Rio de Janeiro, a partir de um tablet
e com os vizinhos e amigos atuando como figurantes, repetindo uma coreografia de
passos fáceis (PEREIRA DE SÁ, 2017). A KondZilla foi um marco de ruptura com
essa estética e também com o sistema de produção de clipes musicais. Em 2013,
Thiago Soares (p. 92) registrava que a realização de um videoclipe "não se dá na
própria gravadora ou selo, mas, em geral, em produtoras de TV, cinema ou
publicidade que, entre programas de TV, filmes e VTs publicitários, realizam
videoclipes". Mas a Kondzilla acumula funções e atua como produtora de clipes,
distribuidora, gravadora, portal de notícias e reportagens e marca de roupas,
indicando um novo desdobramento do mercado fonográfico na era digital.
No entanto, ainda que a KondZilla tenha se destacado, é importante ressaltar
que ela não foi a única produtora de clipes e canal do YouTube a aparecer no
cenário do funk neste momento. No contexto da popularização ao acesso à internet,
surgiram outros importantes canais de produção audiovisual e distribuição digital no
YouTube. Circulando na mesma plataforma de vídeo (a mais popular), estes canais
passaram a compor um ecossistema amplo e diversificado da música pop periférica
urbana, com notável inclinação para o funk e suas variações. Em Recife, por
exemplo, a Pro Rec (primeiro vídeo publicado em 9 de outubro de 2012) e Thiago
Gravação (primeiro vídeo em 20 de setembro de 2014) foram centrais na circulação
e na definição imagética das cenas de brega romântico e bregafunk da cidade. Do
mesmo modo, o canal Tom Produções, principal concorrente da KondZilla entre
2013 e início de 2015, fez clipes muito populares com funkeiros do Rio de Janeiro
que ecoaram por todo o Brasil, caso de "Os Caras do Momento” (de Nego do Borel),
"Bigode grosso" (de MC Marcelly) e "Aquecimento das maravilhas" (do Bonde das
Maravilhas". Uma matéria publicada pelo jornal O Globo em 2 de fevereiro de 201434
informa o número de acessos dos três clipes na época — 27 milhões, 13 milhões e
11 milhões, respectivamente. O texto compara as cifras dos clipes de Tom
34
KAZ, Roberto. "Mineiro e evangélico, Tom Rodrigues assina os principais clipes do funk ostentação
no Rio". O Globo, 2 de fevereiro de 2014. Disponível em: <https://glo.bo/398JCqa>. Acesso em 8 de
novembro de 2019.
33
Produções com "o sucesso" de Valesca Popozuda "Beijinho no Ombro" — que tinha
apenas 4 milhões de visualizações. A música de Valesca tocava em rádios e era
popular na internet, onde serviu de mote para memes nas redes sociais. Tamanha
discrepância no número de acessos, portanto, poderia ser explicada exatamente
pelo papel de mediador ocupado por canais deste tipo dentro da rede de música
brasileira pop periférica, onde estão em posição privilegiada e funcionam como um
tipo de portal de novidades e tendências.
Mas o canal Tom Produções não prosperou como esperado. Após atravessar
um período de cerca de um ano de inatividade, o canal mudou de proposta
curatorial, de logomarca e de nome. Atualmente chama-se Funketon e, como
informa na descrição do canal, "tem a intenção de incentivar colaborações especiais
e participações em singles e videoclipes e aposta tanto na exportação do funk, rap e
suas derivações para fora do Brasil como na importação do reggaeton, hip-hop e
outros ritmos"35. O canal está na marca dos 6,8 milhões de inscritos, enquanto a
KondZilla possui 58,9 milhões no momento.
Por que razão a KondZilla se sobressaiu em meio a este ecossistema
produtivo do funk? A localização privilegiada na maior capital e centro econômico do
Brasil no mesmo momento em que a cena do Rio de Janeiro enfrentava
complicações (devido às questões questões sociais e políticas comentadas
anteriormente) é um bom caminho, mas resposta envolve uma série de decisões
mercadológicas e financeiras internas as quais não é possível ter acesso
integralmente — Konrad Dantas ou qualquer outro representante da empresa nunca
falou sobre as cifras de contratos publicitários e afins. Contudo, podemos analisar as
orientações estéticas dos seus clipes e atrelá-las a concepções mercadológicas, de
modo a ter uma visão panorâmica de onde a KondZilla se posiciona neste momento
contemporâneo do mainstreaming do funk.
Incorporando códigos visuais da vertente bling do hip hop36, os vídeos de
funk ostentação produzidos pela KondZilla em São Paulo afastaram-se da estética
35
Texto de descrição do Funketon, antigo Tom Produções, disponível no "sobre" do canal.
36
Também chamado de "bling-bling" em referência ao som de caixas registradoras antigas, este estilo
de rap caracteriza-se pela ostentação de joias, carros, iates, mulheres. Ficou muito popular com
rappers como Jay-Z, 50 Cent e Lil’ Wayne nos anos 2000, mas pode ser visto em rappers mais
antigos como Notorious B.I.G. Ver: <https://bit.ly/2E6fTCZ>
34
oblíqua e tangencial do que na vertente funk pop de Anitta, Ludmilla e Valeska, por
exemplo. No núcleo estético da ostentação, irrompem marcadores de classe e raça
que vão posicioná-lo em outra esfera de reconhecimento. Longe de um apagamento
total das características locais, vemos uma performance negociada onde marcas
locais e globais se acumulam sem direção definitiva.
Figura 1 — Frame de "Como é Bom Ser Vida Loka", do MC Rodolfinho, de 04 de fevereiro de 2012.
Fonte: Reprodução/YouTube.
Fonte: Reprodução/YouTube.
ouro, camisa da Hollister, aparelho colorido, óculos espelhado e tênis de corrida com
molas — vai se consolidar, ser reiterada e, por extensão, constituir uma nova
visualidade midiática do gênero funk. Ou seja, a KondZilla será um dos atores
principais no estabelecimento de um nova imagem que define o que é um funkeiro,
sintetizado nestes objetos citados e nessa trama visual.
Esta imagem do funkeiro e sua iconografia — que posteriormente será outra
vez negociada, expandida, transformada pela KondZilla, como veremos mais
detidamente no capítulo dois — difere radicalmente da figura do funkeiro que foi
consolidada nas primeiras narrativas sobre o gênero, no Rio de Janeiro, nos
programas de TV do início dos anos 2000 citados no início deste capítulo. A imagem
do funk ostentação que vemos nas telas de notebooks, celulares e tablets através do
canal KondZilla é também muito distante daquela descrita nos bailes funks cariocas
por Hermano Vianna naquela época:
37
Fluxo é o nome dado a festas de rua realizadas em bairros na periferia de São Paulo, com carros
tocando funk e barracas de bebidas e lanches. A música "Baile de Favela" do MC João cita em suas
letras uma série de bairros onde estes fluxos ocorrem. Para mais detalhes sobre o fluxo, ver o
documentário "No fluxo". Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ChFb8lhhjs8. Acesso em
9 de junho de 2019.
37
produtor musical de muito destaque nesta fase foi o DJ Perera, produtor de faixas
como "Tudo de Bom" do MC Livinho (171º colocada no Top 500 Mundial do
YouTube em 2015) e "Namorar Pra Quê?" do MC Kekel (193º em 2016), ele busca
uma certa suavidade radiofônica dentro do campo sonoro mais duro e abrasivo do
funk. Da Vila Maria, Zona Norte de São Paulo, Perera ficou conhecido por ter
incrementando suas músicas com instrumentos como flauta, piano e cavaquinho,
ressaltando a melodia da música e complexificando a harmonia do funk. Em
entrevista a Renato Martins para o portal Vice Brasil em maio de 2015, o produtor
comenta que naquele momento o funk passava a soar "como uma música mesmo".
Ele explica:
"O funk antigamente era só base reta, tipo no Proibidão. O funk tem que se
tornar música de verdade. A música só é música se ela tem acorde, nota, tá ligado?
Tipo, os caras chegavam no baile e colocavam um DVD de base, davam play e o MC
cantava em cima. Às vezes não tinha nem DJ. O funk tem que ter melodia. A partir do
momento que você escuta a melodia da música, você pode até não saber cantar o
som, mas você vai cantar a melodia se ela ficar na cabeça. Isso que é o daora do
funk de hoje" (DJ PEREIRA in MARTINS, Renato, 2015a).
Esta ideia de que "o funk tem que ter melodia"não é exatamente inédita. Em
1989, no processo de composição do álbum "Funk Brasil Volume 1", DJ Marlboro
defendia que o funk deveria ser melódico para se popularizar38. Mas, de todo modo,
a visão de Perera, bem como sua música, com acompanhamentos de violão,
cavaquinho, flauta, são representativos de uma importante transformação sonora do
funk: a agressividade ruidosa da base beatbox e produção musical mais simples das
músicas da ostentação perde espaço para uma concepção musical mais trabalhada,
"redonda", baseada numa estrutura cancional, com refrões destacados, melodias
ressaltadas e texturas sônicas mais próximas do espectro do pop rock, abrindo-se a
hibridações com o sertanejo, com o brega, com o arrocha, com o trap, com o
reggaeton e o pop (ALBUQUERQUE, 2016; FACINA et al, 2017). Ocorre um
desgaste — sonoro e temático — da ostentação que emergira na Baixada Santista.
38
Ver ALBUQUERQUE, GG. "Álbum Funk Brasil do DJ Marlboro completa 30 anos". Disponível em:
https://bit.ly/2CoeZRt. Acesso em 25 de julho de 2019.
38
39
MARTINS, Renato. "Do Megane ao Coringa: 13 Clipes para Entender a Linguagem do Funk
Pós-Ostentação". Vice Brasil. Disponível em: https://bit.ly/30laNdj. Acesso em 9 de junho de 2019.
40
Putaria é a vertente do funk caracterizada pelas letras mais explícitas sobre sexualidade, com
palavrões, mas que tocam, também em outras questões dependendo da música e do MC.
39
Fonte: Reprodução/YouTube
41
Figura 4 — Frame do clipe "The Beauty and a Beat", de Justin Bieber, de 12 de outubro de 2012.
Fonte: Reprodução/YouTube
Fonte: Reprodução/YouTube.
42
Figura 6 — Kekel e Pabllo Vittar em frame do clipe "Sente a Conexão", de 10 de setembro de 2019.
Fonte: Reprodução/YouTube.
suas origens nas favelas e regiões periféricas do Brasil (por vezes afasta-se, por
vezes aproxima-se), buscando uma "limpeza" a fim de se dissociar de certos
estigmas do gênero e tornar mais palatável o funk — uma música que incita "a
violência, o estupro e a pedofilia", nas palavras do colunista Arthur Xexéo no jornal O
Globo41.
Evidencia-se portanto o caráter dinâmico, processual e móvel da noção de
gênero musical, envolto em constantes disputas, negociações e consecutivos
rearranjos engendrados por diferentes setores — fãs, artistas, produtores, críticos,
influenciadores digitais etc. Como produtora de clipes, canal de YouTube, portal de
notícias, gravadora e agência de artistas, a KondZilla desponta como um ator
hegemônico nessa disputa de significação do funk, construindo uma narrativa
específica do gênero, uma nova imagética, que orbita em torno de um referencial
mais pop a partir de diretrizes estéticas norte-americanas. Não quero dizer com isso
que a KondZilla "falseia" ou apresenta um funk menos autêntico, afinal o funk é um
gênero diverso e aberto à mutações e está continuamente sujeito à propostas de
experimentações artísticas por parte dos MCs e dos produtores. Quero ressaltar
apenas o direcionamento dado pela empresa e produtora, que apresenta a sua visão
ou versão do funk e da música periférica, e de que modo ela nos é oferecida. Nesse
sentido, a ideia de gênero midiático permanece importante na medida em que a
produtora dialoga a todo momento com o funk, mas buscando dilatar suas fronteiras
em vez de reiterá-las ou conservá-las.
Ainda assim, ao mesmo tempo em que o gênero musical musical revela-se
um operador conceitual importante para compreender a relação em mão-dupla entre
o funk e a KondZilla, ele é também insuficiente para lidar com a complexidade,
velocidade e efemeridade de movimentos que ocorrem internamente (dentro do
funk) e externamente (do funk com outros gêneros). Nas dinâmicas de consumo dos
streamings, particularmente do YouTube, intensifica-se o trânsito e as zonas de
contato entre os diversos gêneros até pouco tempo tido como inconciliáveis — como
o funk e sertanejo, música eletrônica de rave, o trap e o arrocha — que se imbricam
e dialogam, mas sem apagar definitivamente suas fronteiras, encenando e
41
XEXEO, Arthur. "O funk, o espelho e o reflexo". Publicado em 5 de junho de 2016. O Globo.
Disponível em: <https://glo.bo/30wGeS8> . Acessado em 25 de julho de 2019.
44
Capítulo 2
42
Paulo Cesar de Araújo (2002) aborda situação semelhante entre o fim da década de 1960 e início
dos anos 1970 ao mostrar como artistas da canção romântica desta época, tais quais Odair José,
Nelson Ned, Agnaldo Timóteo, Waldik Soriano e Dom & Ravel e seu complexo repertório expressivo
popular foram empurrados às margens da crítica cultural, ficando de fora da linha evolutiva daquilo
que viria a institucionalizar-se sob o rótulo da “MPB” ao serem pejorativamente taxados como “brega”.
43
Texto disponível em: www.bit.ly/2ZbFBhP (acesso em 3 de junho de 2019).
49
44
DIsponível em: www.bit.ly/3dOJ4XE. Acesso em 26 de julho de 2019.
45
Disponível em. Acesso em 26 de julho de 2019.
46
Sobre o caso, ver: www.bit.ly/3cLsYxY. Acesso em 26 de julho de 2019.
50
Não vamos nos dedicar a destrinchar e rebater as falácias dos textos aqui
elencados, até porque respostas apropriadas foram feitas no momento48. O objetivo
é mostrar um panorama histórico da criminalização e/ou deslegitimação do funk na
arena pública da imprensa. Ainda que a mídia produza brechas e, no limite, para o
bem e para o mal, acabe pautando a cultura periférica no debate público, o
imaginário em torno do funk é construído em associação a estigmas tanto de ordem
social (violência e criminalidade, incitando "a violência, o estupro e a pedofilia")
quanto estética ("sem um mínimo de inteligência"; ou um louvor à "simplicidade
formal, a estereotipia dos afetos, a segurança do já visto", "inserção social
conformada e conformista"). Vale notar que, contrariando o senso comum, a
reprodução de preconceitos ou análises erguidas com base em desconhecimento
sobre a cultura funk não ocorre somente entre a classe média baixa ou com baixa
escolaridade, mas também entre intelectuais. Álvaro Pereira Jr. é formado em
química pela USP com especialização em jornalismo científico pelo Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), crítico de música, ex-editor chefe do
"Fantástico". Vladimir Safatle é filósofo e professor da USP; Arthur Xexéo é
jornalista, escritor e tradutor. Observe-se também que os três possuem ou possuíam
47
Disponível em: https://glo.bo/2ZeDXvN. Acesso em 26 de julho de 2016.
48
Para uma resposta às colunas de Vladimir Safatle na Folha de São Paulo, ver: FACINA, Adriana;
GOMES, Mariana; PALOMBINI, Carlos. "Pavana para 20 infantes mortos: 50 falácias que não
ressuscitam defunto". Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, V.13, n.1, p.
69-91, mai. 2016. Disponível em: www.bit.ly/2DO9UCq. Acesso em 26 de julho de 2019.
Para uma resposta à coluna de Arthur Xexéo, ver: FRANCO, Marielle; MC LEONARDO. "O funk, por
funkeiros". Disponível em: www.glo.bo/2PG39oS. Acesso em 26 de julho de 2019. Outra resposta às
acusações de Xexéo podem ser lidas em: PALOMBINI, Carlos. "Caneta desmanipuladora: 'O funk, o
espelho e o reflexo'. Disponível em: www.bit.ly/2DRT4CU. Acesso em 26 de julho de 2019.
51
Santo (idem, 2017c), Recife (idem, 2018) e São Paulo (ROCHA); é o caso do
tecnobrega e do circuito das enormes aparelhagens no estado do Pará (COSTA e
Chada, 2013); do pagodão e do arrocha nas periferias de Salvador, na Bahia
(PINHO, 2016); do forró eletrônica que atravessa o Nordeste brasileiro como um
todo (TROTTA; 2010), o brega e o bregafunk da região metropolitana do Recife
(SOARES; 2017; BENTO, 2018 e ALBUQUERQUE, 2018). São gêneros que não se
associam à linha canônica da MPB mas, ao contrário, derivam da outra constelação
estética popular, aquela associada ao “mau gosto”, aquela que está fora dos
compêndios e tratados críticos sobre a música brasileira. Aquela que não é
considerada digna de cuidados das políticas públicas de preservação da memória e
da cultura, mas sim caso de polícia e censura.
Mas para além de uma disputa entre polos reconhecidos como opostos — o
patrulhamento do "bom gosto" das músicas legitimadas por mecanismos
pertencentes à classe média alta versus a música dita de "baixa qualidade" da
classe mais pobre —, as mídias digitais e consumo musical via internet descortinam
um processo de reconfiguração do que determinamos como hegemônico. Existe
uma disputa interna, por assim dizer, no próprio cerne do "mau gosto" que
úsica periférica. Enquanto nas
ultrapassa o velho binarismo da MPB contra a m
rádios prevalece o monopólio do sertanejo, no YouTube artistas como Marília
Mendonça, Luan Santana e Henrique & Juliano passam a dividir espaço com outros
gêneros, principalmente o funk. E embora o sertanejo possua uma estrutura
operacional com conexões mais firmes e intensas com o mercado fonográfico
tradicional e com os veículos da mídia corporativa, o seu público definitivamente não
é hegemônico e atravessa diferentes classes sociais. Assim, tensionam-se
quaisquer vinculações óbvias e automáticas entre estética, consumo musical e
classe social. O sertanejo e o funk representam duas dentre diferentes formas de
acepções e encenações do popular, que, coexistem, chocam-se e misturam-se em
uma emaranhada trama dialética de enfrentamento e intercâmbio, conflito e diálogo,
ntre artistas destes dois gêneros
resistência e trocas — como veremos nos feats e
mais adiante e com mais detalhes no capítulo três. Portanto, a ideia de "música
periférica", não é uma dicotomia estática, mas sim uma dinâmica relacional, que
opera a depender do contexto e dos recortes analíticos. Para desfazer dicotomias,
53
49
Em seu artigo "Cultura digital, videoclipes e a consolidação da rede de música brasileira pop
periférica", Simone Pereira de Sá não trata das políticas públicas de incentivo ao consumo como um
fator do desenvolvimento das redes de música brasileira pop periférica. No entanto, tomo a liberdade
de acrescentá-lo na formulação do conceito. De nada adianta a conectividade em fluxo da
comunicação digital se as camadas populares não tiverem aos seus dispositivos básicos, como
computadores, smartphones e tablets. Vale lembrar que no período entre 2011 e 2012, quando a
KondZilla lançou seus primeiros vídeos de sucesso e o funk ostentação explode no cenário nacional,
o crescimento médio da renda real no Brasil subiu 5,8% acima da inflação, de acordo com o IBGE. No
Nordeste, essa taxa foi ainda maior, registrando 8,1%. Dados disponíveis em: www.bit.ly/2yc84c6.
Acesso em 31 de março de 2019
55
Visualizamos este fenômeno com clareza na tensão que ronda as listas que
abrem o primeiro capítulo. Silenciado nas rádios brasileiras, o funk torna-se visível e
audível através da rede de música popular periférica do YouTube — por sua vez, um
ator central nesta reconfiguração, que se nutre do crescimento do acesso digital das
classes populares no Brasil na última década50. O levantamento Data Favela,
realizado pelo Sebrae e pelo Data Popular, deu os dados deste movimento de
democratização do acesso à Internet: em 2013, a venda de smartphones no Brasil
cresceu 122%, sendo que 58% dos aparelhos no país estavam nas mãos das
classes C, D e E. Estas mesmas classes possuíam 60% de todos os computadores
do país e 46% dos tablets. O efeito desta inclusão digital apareceu na lista dos
nomes mais buscados no Google naquele ano: dentre o top dez, três eram
funkeiros, com o MC Daleste, que fora assassinado em cima do palco durante show
em julho daquele ano e estava no topo da lista51.
50
Não obstante esta presença afirmativa nas redes digitais, o funk e as músicas de origens periféricas
como um todo ainda lutam contra a invisibilidade dentro de um sistema de disputas de legitimação e
autenticidade. Em texto publicado em 2009 na Revista Trip, Ronaldo Lemos levantou uma fortuita
contradição que sintetiza bem essa questão: a imprensa apresentava a artista Mallu Magalhães,
cantora de voz e violão da chamada “nova MPB” sob o prisma do “fenômeno do ‘artista de internet’”,
enquanto o sucesso do “pagode elétrico” baiano do Fantasmão nas redes era ignorado. Os dados
apresentados pelo autor mostravam que o vídeo mais popular de Mallu no YouTube (uma entrevista
no Altas Horas) tinha 532 mil visualizações, frente a 790 mil do vídeo mais popular do Fantasmão
(uma montagem de fotos feita por fã por cima da música “Kuduro”). Na extinta rede social Orkut, o
haviam 810 comunidades dedicadas ao Fantasmão, sendo a maior composta por 35 mil fãs. Já Mallu
Magalhães possuía apenas 140 comunidades, sendo a maior composta por 27 mil fãs. Ainda assim,
Mallu era destaque em 77 artigos na mídia tradicional contra cinco do Fantasmão. Disponível em:
www.bit.ly/3kwbbPi.
51
Os dados da pesquisa foram divulgados em matéria da revista Veja com o paulistano MC Guimê na
capa, com a chamada, em aspas: ‘”Só você não me conhece’”. Revista VEJA, edição 2358, ano 47,
nº 5, 29 de janeiro de 2014.
56
dos pequenos relatos. Em comum, ambos os tipos buscam extrair poder na vida
cotidiana para o mesmo fim: o bem-estar e a felicidade coletiva. No entanto, o autor
salienta que as chamadas cidadanias fracas “dão conta das outras aspirações (para
não chamá-las direitos) que as pessoas consideram importantes para sua felicidade
cotidiana”. Dentro deste grupo, Rincón indica “as cidadanias comunicativas”, entre
elas as “cidadanias celebrities”, que dizem respeito ao “direito” de estar nas telas, o
“direito” de ter telas próprias, o “direito” ao entretenimento (aspas do autor).
E dentro destas cidadanias comunicativas, está a que me interessa
aqui: as cidadanias celebrities. Essas que desenvolvem o querer estar nas
telas da autoestima pública (meios e redes) com voz, rosto, história e
estética própria. Dito vulgarmente: assim como o sistema de saúde pública
aumenta a felicidade coletiva e a autoestima de uma sociedade; ser
reconhecido e estar nas telas midiáticas é condição para a felicidade e a
autoestima do sujeito nesta sociedade do espetáculo. Por que só podem
aparecer nas telas os que têm poder através do dinheiro, da formação
acadêmica, da posição de classe e dos critérios de gestão (modelos, atores,
jornalistas, políticos, governantes...)? Por que os cidadãos do comum
devem ser “agendizados” pelos enunciadores dos meios públicos e privados
como sujeitos-problema, sujeitos que se queixam, sujeitos do medo?
(RINCÓN, 2016, p.41).
Adichie ressalta que, embora histórias tenham sido usadas para expropriar e
desumanizar, também podem ser usadas para fortalecer e humanizar. O discurso da
escritora parece ressoar nas palavras de Konrad Dantas, diretor de cena e fundador
da KondZilla, ao comentar sobre as diretrizes que norteiam os videoclipes da
produtora: “Eu sempre enxerguei a música como entretenimento. Para eu ver o
sofrimento, era só abrir a porta da minha casa. Então eu achava que a música tinha
um papel fundamental como entretenimento para quem é de comunidade”52. Da
ostentação dos seus primeiros clipes em 2013 à imagética mais conectada a um
imaginário visual de cosmopolitismo pop presente nas produções a partir de 2015,
os clipes da KondZilla são fenômenos políticos por atuarem na construção uma
narrativa que vai na contramão da estereotipia histórica do funk — este ambiente
“onde se realizam atos de violência incentivada, erotismo e pornografia”, como
descrevia a primeira lei que restringia os bailes cariocas, em 2000. Persistem
questões sérias e complexas a serem tensionadas, particularmente o
embranquecimento e objetificação do corpo feminino persistem. Mas ainda assim,
os clipes da KondZilla ainda são obras importantes por abrigarem a produção de um
discurso contra-hegemônico. Não a estética da fome, mas a estética do sonho: um
homem negro e/ou favelado que, como diria Frantz Fannon, não permite que a
densidade da História determine seu destino e seus atos (FANON, 2008, p.190).
Com todas as contradições inerentes à cultura popular, as telas da KondZilla vão
representar um homem negro e/ou favelado que desfruta da felicidade a partir de
bens materiais diversos, das boas bebidas, da festa, do amor, do sexo e da
amizade, povoando o imaginário de outros jovens periféricos com outras
possibilidades além do subemprego ou da morte em um país onde a população
negra e periférica tem índices de mortalidade não muito distantes do extermínio53.
Em seus pouco mais de mil videoclipes, a KondZilla vai alternar momentos em que
52
ORTEGA, Rodrigo. “Kondzilla vira o maior canal do YouTube no Brasil e quer dominar funk além de
clipes”. G1, 11 de abril de 2017. Acesso em 04 de junho de 2019. Disponível em: www.bit.ly/2Zf2uks.
53
De acordo com o Atlas da Violência de 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são
negras. Disponível em: www.bit.ly/33INkGo.
60
por vezes evidencia e por vezes oculta marcadores periféricos e raciais. Mas a partir
de suas interconexões em rede, os vídeos da produtora tomam consistência política,
simbolizando sua força através de narrativas e imagens que ajudam a construir uma
cultura em constante disputa por visibilidade e legitimidade. O homem periférico
retratado em suas vitórias, sonhos, ambições, amizades, relações, desejos,
celebrações, para além das estatísticas ou de sua condição socioeconômica. Uma
condição socioeconômica ou racial que caracteriza subjetividades e molda
perspectivas, mas não as determina.
Em agosto de 2019, o Portal KondZilla — que publicava notícias e
reportagens sobre cultura periférica apenas em textos — abriu também um canal de
vídeos próprio no YouTube. A estratégia de lançamento foi particular: os seus
vídeos, já produzidos, só iriam ao ar quando o canal batesse a marca de um milhão
de inscritos. E assim foi. Após ter um milhão de inscritos sem nenhum vídeo, no dia
22 de agosto foram publicados os primeiros conteúdos. Dentre eles, um "Manifesto
da Favela", em que são apresentadas diversas imagens de favelas enquanto
ouve-se, em off, uma mulher dizendo:
O passado nos ensinou muito. Tentaram nos segurar, e até
conseguiram. Mas somos fortes. Hoje, somos a cara do futuro. Somos
batidas; empreendedores. Somos artes; dançarinos. Somos diversidade.
Ousadia. Somos rimas; relíquias. Somos lindas. Somos um novo dialeto.
Somos inovação. Somos notícia e conteúdo. Somos o que quisermos ser.
Somos kondzilla.com (KONDZILLA, 2019).
um imaginário estético pop oriundo dos clipes de rap dos anos 2000, uma imagética
que antes era colocada nas telas de modo amador através de montagens
produzidas no programa Windows Movie Maker. Em entrevista de 2015 ao G1
Santos, Konrad explica:
“Já eram citados os sonhos, os produtos, os desejos de consumo,
só que eles eram representados através de slide. A galera pegava... Tipo
assim, falava da camiseta da marca tal, pegava uma foto do Mercado Livre
e fazia um slide. Na hora que [a música] falava da camiseta, mostrava uma
foto da camiseta. Na hora que falava da moto, mostrava a moto. Eu falei:
bom, tenho uma câmera, sei fazer uns videozinho e tal…” (in ROCHA,
2015).
Gráfico 1 — Buscas pelo termo “kondzilla” de janeiro de 2012 a junho de 2018 no YouTube. Os
números representam o interesse de pesquisa relativo ao ponto mais alto no gráfico de uma
determinada região em um dado período — neste caso, de janeiro de 2012 a junho de 2018. Um valor
de 100 representa o pico de popularidade de um termo. Um valor de 50 significa que o termo teve
metade da popularidade. Uma pontuação de 0 significa que não havia dados suficientes sobre o
termo.
54
Termo utilizado na descrição do próprio canal da KondZilla no YouTube.
55
Miguel Rodrigues expôs o caso em live no seu Facebook e depois em entrevista ao site Fala
Universidades. Conferir: https://bit.ly/2EJLc6O. Acesso em 20 de abril de 2020.
56
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rsGgHt8Dd7E
65
57
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NnwDpSHapWs
58
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y8WVANlouP8
59
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7Sjdgfm1gFk
60
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DEHqqsgCnDM
61
Entre os artistas empresariados pela KondZilla estão MC Kevinho, Dani Russo, MC Kekel, Tainá
Costa, MC Dede, MC Guimê, Tati Zaqui, MC MM, MC Rodolfinho e MC Lan. Destaca-se uma linha
mais ligada ao funk pop.
62
Sinopse disponível em: www.bit.ly/30IGWwE.
66
63
Em entrevista ao site Meio & Mensagem. Disponível em: www.bit.ly/3fHKwvA. Acesso em 31 de
março de 2019.
64
Ver: www.bit.ly/2PDvk7Z. Último acesso em 31 de março de 2019.
65
Matéria disponível em: www.bit.ly/2XHRBpu, último acesso em 17 de setembro de 2018.
66
Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vmO0I_SkoIw. A fala de Konrad citada
está na marca dos 6:40.
67
67
Estratégia de marketing adotada por Berry Gordy, da gravadora Motown, que tinha como objetivo
atravessar fronteiras musicais, misturar gêneros e entrar em várias paradas de sucesso. “Para Berry
Gordy, a questão era consumir uma música ‘crossover’, feita e controlada pelos negros para os
brancos” (MARTEL, 2012, p. 129).
68
68
GUADAGNUCCI, Natália. “O que está por trás da mudança de estilo dos principais funkeiros do
país”. Uol Universa. Disponível em: www.bit.ly/2yhYAfC. Acesso em 9 de junho de 2019.
69
ORTEGA, Rodrigo. “Kondzilla em queda: Por que o canal de funk perdeu audiência e liderança nas
paradas?”. G1. Disponível em: www.bit.ly/36w1Dxi. Acesso em 9 de junho de 2019.
70
O vídeo da entrevista está disponível em: www.bit.ly/2BWcWEe. A fala de Konrad referente ao
"compliance" está por volta dos 6:40.
71
pai te ama” e foi a terceira música mais tocada do mundo no YouTube71. A música
“Oh Nanana” do Bonde R300 (2017) também teve de ganhar uma “versão light”. Os
versos “Eu te pegava de quatro até sua xereca inchar/ Eu lambia tua xota até fazer
tu gozar” foram substituídos por “Eu te pegava no quarto, te fazia delirar/ Te
chamava de gostosa, era mordida sem parar”. Bem diferente de “Baile de Favela”,
que pouco antes do compliance, em 2015, era um dos maiores hits do canal com os
seguintes versos (não censurados): “Mexeu com o [DJ] R7 vai voltar com a xota
ardendo”.
O movimento da KondZilla nesta fase entre 2015 e 2018 — mais
localizadamente a partir do final de 2016, após o dito compliance — é de relativo
apagamento das marcas de subalternidade do funk, tanto em aspectos visuais
quanto no ambiente de escuta que o canal do YouTube instaura, dentro de um
contexto maior de reconhecimento e afirmação no mercado pop nacional e
transnacional. O CEO Fábio Trevisan diz que as novas diretrizes da empresa abriu
as portas para lucrativas parcerias com marcas ("ajuda na parte comercial"),
enquanto Konrad o define como "o motivo do sucesso. Dos nossos 10 vídeos de
mais sucesso, todos têm o filtro" (apud ORTEGA, 2019b). O compliance
estabelecido para os novos clipes cumpriu um papel tanto econômico quanto
estético na KondZilla, posicionando a produtora em uma vertente mais pop, em
deliberado processo de mainstreaming do funk e da música periférica como um todo
que vai engendrar um conjunto determinado de diretrizes nos interstícios da rede de
música pop periférica constituída no YouTube.
Se a KondZilla posiciona-se no polo do mainstream, seus concorrentes
alocam-se no polo oposto das estratégias de consumo e produção da indústria
cultural: o underground. Principal concorrente da KondZilla, a GR6 é uma agência de
shows, gravadora e produtora de clipes, o canal GR6 produz vídeos sem filtros de
palavrões ou putaria. "Lei do Retorno", por exemplo, lançada em maio de 2017 pelos
MCs Don Juan e Hariel, é o segundo vídeo mais visto do canal da GR6 e o refrão
diz: "Vou marcar de te ver e não ir/ Vou te comer e abandonar/ Essa é a lei do
retorno e não adianta chorar". Quarto vídeo mais visto no canal, "Hoje Eu Vou Parar
71
A música de G15 ficou atrás apenas de clipes de Shakira e Chainsmokers com Halsey no ranking
do YouTube. Disponível em: www.bit.ly/36bDfRB. Acesso em 30 de julho de 2019.
72
Contudo, nota-se que esses “modelos mundiais” descritos por Regev têm
muito pouco da totalida do mundo, da diversidade e diferenças internas e externas
entre o Norte Global e o Sul Global, e focalizam sobretudo os Estados Unidos,
estabelecendo uma relação estética hierárquica, que associa as tecnologias
74
72
Por transculturação, entende-se o processo transformativo por que passam todas as sociedades
quando entram em contato com material cultural estrangeiro ou o adquirem, voluntariamente ou não.
75
Capítulo 3
73
Madonna gravou o funk "Faz Gostoso" ao lado de Anitta no álbum "Madame X" (2019), enquanto
Future fez um feat com o MC Fioti na regravação da música "Bum bum Tam Tam" (2018) e Skrillex
fez feat com MC Lan e Ludmilla na música "Maloqueira" (2019), que foi trilha sonora de uma desfile
da Savage X Fenty, grife de lingerie da cantora pop Rihanna.
79
na rede de música periférica brasileira sob as cenas locais? Para tratar das questões
selecionei os clipes de artistas do bregafunk de Recife devido ao crescimento do
gênero musical em plataformas de mainstream, pela crescente inserção dos MCs
pernambucanos assinando contratos com gravadoras de nível nacional e pela alta
quantidade de artistas que lançaram vídeos com a produtora.
Chamaremos metaforicamente esses conjuntos de "constelações". De onde
vem essa nomenclatura? Astrônomos afirmam que de uma determinada posição no
planeta, é possível ver a olho nu cerca de 2.500 estrelas em um dia propício para
observação. Mas foi através da seleção e agrupamento de estrelas específicas que
os astrônomos da antiguidade puderam formar figuras de pessoas, animais ou
objetos que serviram de ferramenta para localização no espaço e no tempo. De
modo similar, estamos olhando para uma grande quantidade de estrelas ao mesmo
tempo (os mais de mil clipes) e precisamos formar imagens que vão nos situar nos
meandros da KondZilla enquanto projeto estético. Assim, as quatro "constelações"
de clipes aqui elencadas, embora baseadas em elementos da subjetividade do
pesquisador, não são de modo nenhum aleatórias. Cada uma delas apontará para
problemas, hipóteses ou tensionamentos teóricos relevantes para nossa discussão
de forma que um olhar dedicado apenas aos clipes mais famosos e mais vistos não
poderia revelar.
Compreendendo que o videoclipe articula-se na extensão da canção popular
massiva, integra dinâmicas de endereçamentos de gênero musical e está
circunscrito em uma lógica de consumo do mercado musical e da indústria do
entretenimento, a análise midiática do vídeoclipe prevê o reconhecimento de "modos
de mediação entre as estratégias de produção e o sistema de recepção, entre os
modelos e os usos que os receptores fazem dos produtos midiáticos através das
estratégias de leituras inscritas nesses produtos (JANOTTI, 2006; SOARES, 2013,
p. 102). Em consonância com as qualidades dinâmicas, plurais e dialéticas da
perspectiva conceitual da Rede de Música Brasileira Pop Periférica tratada no
capítulo anterior, nossas análises não vão se deter às especificidades de cada um
dos clipes que formam a "constelação". Ao contrário, nossa análise em rede recairá
sobre elementos que se destacam exatamente por serem comuns, que atravessam
todos ou a maior parte dos videoclipes que formam cada constelação. Em outras
80
palavras, poderíamos dizer que não nos interessa neste momento as singularidades
individuais, mas sim as particularidades coletivas e compartilhadas de cada
conjunto. Partimos, então, para as constelações.
De boné para trás e jaqueta jeans rasgada, o MC Misa surge no clipe de "Ela
Merece Respeito" deixando uma bandeja de café da manhã no quarto de uma
mulher loira. De lingerie, ela acorda e sorri ao notar o presente, que vem
acompanhado de um bilhete assinado por Misa que diz: "Quero te encher de beijos.
Saudades". O vídeo então passa a acompanhar o casal trocando carinhos e
brincando enquanto se bronzeia à beira de uma piscina enquanto o MC canta: "Em
vez de xingar ela, tira a roupa dela/ não bate nela, dá beijo nela (...) em vez de
brigar, curte essa donzela/ em vez de bater nela faz jantar à luz de vela". Depois, em
"Chegou o Verão", o mesmo Misa convoca sua "best" (como descrito no nome do
contato no aplicativo de mensagens do celular) a chamar suas amigas para uma
festa numa lancha, onde o MC aproveita o dia de sol ao lado de seis mulheres, que,
de biquíni, são mostradas com closes nas nádegas e na virilha.
Em "Ela é Incrível", de Loretto McAllister, o tom é de flerte e romantismo. O
cantor adolescente, de topete loiro e relógio dourado, sai do seu carro esportivo e
conhece três meninas, mas parece demonstrar interesse especial em uma delas. Ele
81
mostra fotos dela para os amigos: "Ela é outro nível, ela é incrível". Mais tarde o trio
de meninas também aparece na festa e, enquanto os amigos de McAllister ficam na
conversa com as garotas, o cantor sai de mãos dadas com a sua pretendida. Já
"Mais Eu", de Davi Dyller, é sobre o fim de uma relação que não mais voltará.
Enquanto comemora em uma balada, o artista, endereçando sua música para um
homem que "já não é mais o mesmo quando te conheci", anuncia que agora é ele
que não quer "viver de passado pois o meu coração se encontra curado".
Fonte: Reprodução/YouTube
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A expressão é oriunda da música "Versículo 4, Capítulo 3", do Racionais MCs, em que o rapper
Mano Brown critica a condição dos negros no Brasil com os versos "Permaneco vivo, não sigo a
mística/ Fiz 27 anos, contrariando as estatísticas". De acordo com o Atlas da Violência de 2017, a
cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253.
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Fonte: Reprodução/YouTube
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75
“O normal é que todo vídeo tenha 1 milhão de views em 24h”, afirmou Konrad Dantas em entrevista
ao portal G1. ORTEGA, Rodrigo. "Kondzilla vira maior canal do YouTube no Brasil e quer dominar
funk além de clipes". São Paulo: G1, 11 de março de 2017. Disponível em: www.glo.bo/3gJ1r1P.
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Fonte: Reprodução/YouTube.
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A pergunta a ser feita, então, é: quais seriam os valores do funk que estas
músicas e seus videoclipes violam, chocam ou enfrentam — deliberadamente ou
não — para serem consensualmente reconhecidas entre ouvintes de funk como
ruins no interior da rede de música popular pop periférica?
3.3.: "Não precisa mais cantar, só ter dinheiro": disputas entre autenticidade e
comercialismo
Nos comentários, as críticas manifestam-se por duas vias principais. A
primeira, diz respeito à qualidade das letras e aparece com mais ênfase nas músicas
"Tu Vai Levar Bolo" (do MC Groove), "Ela é Incrível" (Loretto McCallister) e
"Safadinha" (do MC Veiga), descritas como "sem nexo" ou até mesmo "sem letra" —
"Nossa KD a letra disso??", escreveu uma pessoa; "Música horrorosa nem tem letra
só umas três palavras", disse outra. Esse tipo de reação contraria a ideia de que
uma música de funk pode fazer sucesso independente da qualidade de sua letra. Se
por um lado a comunidade de gostos do funk (em específico) e a rede de música
pop periférica brasileira (no geral) não têm em seu horizonte de expectativas um
certo refinamento lírico como baliza valorativa (essa não é uma prioridade e nem
mesmo uma qualidade esperada como em outros gêneros, como a MPB ou o folk) ,
por outro lado a recepção negativa a estes produtos audiovisuais revela que há
limites no pacto de autenticidade. No caso dos dois clipes, esse limite é violado
quando elementos biográficos, estéticos ou performáticos indicam um desconexão
com o universo estético, poético e social da cultura periférica. "Tu Vai Levar Bolo" é
uma espécie de versão musicada das pegadinhas de humor pastelão que têm torta
88
na cara. A letra faz uma contagem regressiva para arrematar, num microrefrão: "Tu
vai levar bolo! Vai curioso...". No clipe, o MC Groove, vestido de palhaço, se
esconde por trás de uma cabine, onde se lê o aviso "não olhe". Quando as modelos
passam e colocam a cabeça dentro do buraco da cabine, contrariando o aviso,
levam a torta na cara do Groove. Neste caso, a temática da letra e o ambiente do
clipe, como no citado "Safadinha", de MC Veiga, provocam um deslocamento, um
distanciamento dos clichês do funk, fenômeno que é observado pelo público no
campo dos comentários. Vemos então um tipo de reação específica, que critica uma
queda no "padrão de qualidade" do canal e recomenda uma curadoria ("lista de
requisitos necessários para fazer clip") para que se mantenha no mesmo nível, como
"na época do MC Lan", em 2017 — curiosamente o ano do ápice na consagração da
KondZilla em termos de acessos (ver capítulo 2).
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"Nem precisa mais cantar, só ter dinheiro", comenta um. "KondZilla tá produzindo
qualquer um agora?", questiona outro. A KondZilla tenta equilibrar-se então entre a
autenticidade e o "comercialismo". Ao mesmo tempo em que produz clipes de
artistas desconectados da comunidade funk ou reprovados por ela, busca manter
sua ligação com a cultura periférica através de reportagens, perfis e matérias sobre
tendências do funk em textos e séries de vídeos.
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Referência a um bordão do personagem Severino "Cara-Crachá", do programa humorístico Zorra
Total, exibido pela Rede Globo.
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Kid Bengala é um ator pornô brasileiro conhecido por ter um pênis grande. Gravou mais de 100
DVDs em sua carreira.
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3.5 Clipes de artistas identificados a outros gêneros musicais que não o funk
A segunda constelação de videoclipes formada reúne artistas que não
pertencem ao funk e gêneros musicais afins mas que produziram e lançaram vídeos
pelo canal da KondZilla, como é o caso do cantor de trap e R&B Jé Santiago (o
primeiro artista que não é do funk a ser contratado pela KondZilla Records), os
ícones do rap nacional Racionais MCs, a escola de samba carioca Grande Rio, a
banda de rock alternativo Vespas Mandarinas, entre outros. Assim, selecionamos
sete clipes:
Grande Rio, com o samba-enredo "Quem Nunca?". Se com a Grande Rio é s;o
alegria, o clipe de "Preto Zica", do Racionais MCs, é tenso e sombrio. Com estilo
cinematográfico, o vídeo de tons escuros evoca os filmes de máfia e espionagem
enquanto a letra vai criando suspense ao repetir os versos "Preto zica, truta meu,
disse assim: 'Mó fita, mó treta!'". Vemos os membros do grupo chegando em um bar
e conversando no balcão, onde um bartender instala uma escuta. Do outro lado, um
uve a conversa e liga para um homem branco e rico, que está jantando com
hacker o
a família. Pouco depois, camburões da polícia com homens armados com fuzis
invade o bar onde estão os Racionais. Depois, um corte seco: os membros da banda
pegaram o "cagueta", o traidor, o dedo-duro, o amarraram, e o colocaram de joelhos
em um matagal. Todos olham para ele, até que o rapper Edi Rock faz o movimento
para golpeá-lo com um bastão de madeira — e o clipe acaba subitamente.
Figura 32 — Frame do clipe "Quem Nunca? ", da Grande Rio. Juliana Paes, madrinha de bateria,
chega na avenida em um carro esportivo importado.
Fonte: Reprodução/YouTube
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Figura 33 — A digital influencer Mileide Mihaile, ex-esposa do cantor Wesley Safadão, e musa da
Grande Rio, é é destacada em close no clipe da escola de samba.
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conjunto de gêneros diferentes. Uma salada musical que, embora mantenha certas
distinções e carregada de estéticas dissonantes, tem seus ingredientes intimamente
amalgamados.
Não obstante, em determinados contextos a KondZilla — devido a sua
trajetória midiática — ainda é um ator que "abre as portas" para o funk, de modo
mais detido. Para a comunidade de fãs de funk especificamente, a KondZilla pode
ser apenas um ator dentre dentro de um ecossistema produtivo do funk e da música
periférica, responsável pela promoção de uma vertente do funk entre outras muitas
possíveis. No entanto, na rede de música pop em seu contexto amplo, existe um
certo distanciamento das especificidades funkeiras que ocasiona induz a uma
porosidade maior entre a KondZilla e a própria cultura funk, capaz de fazer com que
a KondZilla e o funk por vezes se confundam, como se a produtora fosse o próprio
funk — e não um representante de uma vertente do gênero.
Em comum, os artistas aqui levantados buscam aproximar-se de uma setor
(estético e econômico) pop da música brasileira, e a conexão com a KondZilla abre
essa porta ao potencializar a formação de uma nova rede, que pode se dar tanto
o YouTube
pelo posicionamento do clipe no canal pop da KondZilla (o mainstream d
ou o mainstream periférico) quanto através de clichês funk que podem ser
destacados na estética do clipe. Em outras palavras, podemos dizer que a KondZilla
tem um "foco" duplo e simultâneo: em sentido restrito, pode ser uma ponte para o
funk; em sentido amplo, pode ser uma conexão com o mainstream, o ultramidiático e
um passaporte para a rede de música pop periférica urbana, que por sua vez
encena-se como uma música pop globalizada e ultra midiática.
Vemos estas duas diferentes possibilidades de conexão com a KondZilla em
clipes de dois artistas que, em tese, são do mesmo gênero: o grupo Evolusamba e a
escola de Samba Grande Rio. O Evolusamba é um trio composto por percussionista,
vocalista e cavaquinista que se autoclassifica como "pagofunk"78. Embora não
definam exatamente o que é este subgênero, fica evidente pelos clipes de "Festa na
Mansão" e "Concurso do Rabetão" que se trata de uma mistura de elementos do
78
O release da banda informa: "O grupo iniciou a gravação do vídeoclipe produzido nessa nova
junção do funk com o pagode, que se tornou conhecido como pagofunk, juntamente com a música de
trabalho (Festa na mansão ) a qual os músicos estão trabalhando para conquistar mais espaço e
reconhecimento". Disponível em: www.bit.ly/2F5oLsN. Acesso em 27 de novembro de 2019.
103
79
Vale lembrar que o pagode não é exatamente um gênero afastado do funk. Os principais bailes de
favela do Rio de Janeiro costumam receber artistas de pequeno, médio ou grande porte de pagode
semanalmente para abertura da festa. Esses grupos de pagode ocupam ainda um local privilegiado
na economia dos bailes cariocas, pois recebem cachê para tocar, enquanto os DJs residentes dos
bailes, que "personificam" o baile, apenas recebem apenas uma ajuda de custo. Em entrevista ao
autor em dezembro de 2017, o DJ Polyvox, do Baile da Nova Holanda, diz: “Hoje a gente não tira
grana do baile porque todo dinheiro que é gerado no baile é pro barraqueiro [pequenos comerciantes]
pagar seu aluguel, sustentar a família dele. O nosso dinheiro a gente ganha por fora, com show. Eu
faço o baile porque quero fazer e é pela comunidade. Eu não tiro um real do baile da Nova Holanda
(...) Pegamos o dinheiro [para financiar o baile] com o barraqueiro. São 15, 20 barracas. Cada um dá
uma certa quantia — R$ 200, R$ 300 — e paga o som. Aí se tiver uma atração extra, tipo um grupo
de pagode, a gente junta dinheiro e paga o cachê. Às vezes trabalha duas, três semanas para na
outra semana botar um pagode, um palco melhor. Todo baile da Nova Holanda é sustentado pelos
barraqueiros”.
80
Termo em inglês que diz respeito a referências escondidas em obras da cultura pop que podem ser
reconhecidas apenas por uma comunidade de fãs ou iniciados em determinado assunto.
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Fonte: Reprodução/YouTube.
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Por sua vez, a rede que se estabelece entre a Grande Rio e a KondZilla não é
visível através de clichês do funk presentes na superfície do clipe. A rede que se
forma é de outra ordem, ainda que ela, em tese, pertença ao mesmo gênero musical
do Evolusamba. A Grande Rio é uma escola de samba que tem como "promoter" o
radialista David Brazil. Auto-definido como "babysitter de
digital influencer e
famosos", David levou para a avenida famosos como o jogador de futebol Neymar e
as atrizes da Rede Globo Paolla Oliveira e Juliana Paes (que virou rainha de
bateria), sendo assim um ator importante na rede de música pop por ser um
mediador de músicas e tendências bem colocado entre o star system brasileiro. Ter
o clipe de seu samba-enredo na KondZilla parece ter a função estratégica de tornar
a escola de samba ainda mais pop e midiática, rumo a uma celebritização. Deste
modo, a aproximação da KondZilla visa menos uma aproximação com o funk do que
uma articulação em rede com o cenário pop, midiático, mainstream que pode fazer a
escola de samba adentrar outros circuitos, que vão além do circuito do samba, das
escolas e do carnaval. Principal jornalista de celebridades do país, Leo Dias, outro
ator importante no star system nacional, destacou o vídeo em sua coluna no jornal O
Dia e afirmou que "A Grande Rio sai na frente com um clipe da Kondzilla, com ares
de superprodução e entra para a história do Carnaval.81"
Além disso, os comentários do clipe praticamente não falam sobre a música
ou o vídeo em si e são quase que totalmente exaltando a presença da digital
influencer e empresária Mileide Mihaile, ex-esposa do cantor Wesley Safadão, que é
musa da escola e faz uma participação no clipe. Mileide é citada pelos comentaristas
como motivo para se ter visto o vídeo ("quem veio pela Mileide", diz um dos posts
mais curtidos). Assim, se a KondZilla insere a Grande Rio em uma outra rede, mais
transversal, além do pagode e do ambiente das escolas de samba, Mileide Mihaile
— e David Brazil e Juliana Paes, que também são realçados no clipe com imagens
em close-ups — também torna-se uma agente importante na circulação da KondZilla
ao atuar na ampliação de mercado para além do funk, fazendo-o transitar por outros
81
DIAS, Leo. "KondZilla grava clipe da Grande Rio com Juliana Paes e Mileide Mihaile". Rio de
Janeiro, O Dia, 12 de dezembro de 2018. Disponível em: www.bit.ly/3gLUX2g. Acesso em 7 de
janeiro de 2020.
106
círculos, acionando uma outra rede que se forma pela via da celebritização da
cultura pop brasileira.
Fonte: Reprodução/YouTube.
gêneros para formar novas redes. Vemos isso nos clipes de "Netflix", do cantor e
rapper Jé Santiago, e em "Liberdade", parceria dos cantores Julia Nogueira e Them
CO. Ambas as faixas são R&Bs, gênero musical de batidas eletrônicas mais lentas e
letras de cunho romântico, e ambas falam sobre a relação de um casal — "Netflix" é
sobre um casal que vai curtir uma noite em casa, aproveitando os "10 graus em São
Paulo, pipoca, TV, Netflix", enquanto "Liberdade" é sobre separação e o desapego
do amor romântico. As cenas exibidas nos dois clipes nada têm a ver com as festas
em mansões cheias de mulheres rebolando, garrafas de bebidas, carros importados,
grandes cordões de ouro, maços de dinheiro e outros elementos recorrentes nos
clipes da KondZilla que constituem uma certa iconografia do funk. Pelo fato das
músicas trazerem um leque de influências oriundas do R&B dos Estados Unidos —
como os melismas vocais e sonoridades semelhantes às músicas de Usher, Chris
Brown, Justin Timberlake, Alicia Keys e outros artistas dos anos 2000 —, esses
videoclipes acabam por emular os clipes consagrados do gênero, refletindo inclusive
uma estética "americanizada" que afasta-se da realidade estética e material do funk
brasileiro. Notemos, por exemplo, o roupão, a cueca samba-canção com estampa de
dólares, o champanhe importado (em vez do uísque ou da tequila), o lustre no clipe
de "Liberdade", elementos que, somados ao som R&B, remetem diretamente aos
clipes americanos.
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Fonte: Reprodução/YouTube.
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82
Vertente mais atual do rap, de sonoridade eletrônica caracterizada pelos graves.
83
Sobre o rap acústico e a série Poesia Acústica, ver: MAXX, Matias: "Por que o rap ficou romântico
no Rio e toca na favela e no carro do playboy?" Disponível em: www.bit.ly/3kxQbrM. Acesso em 7 de
janeiro de 2020.
84
Ver CAVALCANTI, Amanda. "Passei um dia inteiro ouvindo rap acústico". Vice Brasil, 4 de maio de
2018. Disponível em: www.bit.ly/2Cc1DYv. Acesso em 8 de janeiro de 2020.
110
produtora (REDAÇÃO, 2018). Três meses depois, o músico foi contratado pela
KondZilla Records, sendo a primeira aposta da produtora fora do funk.
"Netflix" foi o primeiro clipe de Jé Santiago na KondZilla e a recepção
celebratória dos fãs de trap e rap demonstram a ampliação do mercado da KondZilla
para outras áreas, formando outras ligações sem perder o "estatuto funk" que fez a
história da produtora — comentários como "Jé na KondZilla trappers nacionais no
topo" e "Obrigado DEUS por colocar o TRAP no 3º maior canal do mundo!"
comemoram ao mesmo tempo a presença do trap no canal de funk e a abertura de
um canal de funk para o trap. Um dos posts mais curtidos parece rivalizar a
Pineapple (descrita pejorativamente como "Pineprou") e a KondZilla, demonstrando
implicitamente uma disputa comercial que se dá também em nível de rede,
apontando o atravessamento das demarcações de gêneros musicais. Outros
comentários salientam uma suposta superioridade na qualidade musical por não
recorrer a "besteiras, palavrões" (comuns no funk) para "estourar". Assim, ao abrir
esse tipo de rede com o hip hop a KondZilla conecta-se ainda a um público que
rejeita as temáticas de cunho sexual do funk. Em entrevista à revista americana
Billboard (especializada em informações sobre a indústria musical), Konrad Dantas
mencionou explicitamente a formação de redes com outros gêneros musicais a partir
uma chave coletiva que ele descreve como "urban music": "Eu quero alcançar um
novo público que não conhece funk mas consome urban music (...) É o momento da
urban music: reggaetón, kizomba, kuduro, hip-hop. Em todo o mundo, nós somos a
base da pirâmide"85.
85
Disponível em: www.bit.ly/2TgLlTr. Acesso em 7 de janeiro de 2020.
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86
As palavras do MV Bill em entrevista de 18 de abril de 2012 ao programa Agora é Tarde, na
Bandeirantes, sintetizam essa visão: “Certas letras [do funk] beiram a pedofilia e só falam de põe lá e
tira de lá, mas não explica que tem que usar camisinha. Enquanto isso, o rap tem um lado mais
social”. Disponível em: www.bit.ly/31DDRx8. Acesso em 27 de novembro de 2019. Para um
aprofundamento na controvérsia funk versus hip hop, ver o capítulo 4 do livro escrito pelo DJ TR:
LEAL, Sérgio José de Machado. Acorda hip-hop!: despertando um movimento em transformação. Rio
de Janeiro: Aeroplano, 2007. Disponível em https://issuu.com/tramas.urbanas/docs/acorda_hip_hop.
Acesso em 27 de novembro de 2019.
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de funk, mas, a partir do capital social do Racionais, está "licenciada" a produzir rap
também.
Já o clipe de "Daqui Pro Futuro", do Vespas Mandarinas, tem particularidades
importantes. A primeira é a de que o vídeo não foi lançado no canal principal da
KondZilla, mas sim no "KondZilla Apresenta", um canal menor (recentemente
renomeado como "Playlist de Funk") e com vídeos mais simples, apenas com o
artista interpretando a música em um fundo colorido de chroma key e a letra da
música sendo apresentada com animações. Este tipo de vídeo é denominado "lyric
video" e fez parte de uma estratégia de divulgação de um novo álbum da banda, que
tinha sonoridade mais pop e radiofônica, com guitarras distorcidas dando lugar a
sintetizadores e participações de artistas reconhecidos do pop rock brasileiro dos
anos 1980 e 1990, como Samuel Rosa (do Skank), Edgard Scandurra (Ira!) e Leoni.
O lançamento foi amplamente divulgado em blogs e sites de música alternativa
como Scream & Yell, Monkeybuzz e Tenho Mais Discos Que Amigos, que
destacavam com certa surpresa a ponte entre a banda e o canal de funk. Em
entrevista a este último site, o músico Thadeu Meghini disse que a música foi
inspirada em uma declaração de Samuel Rosa, que afirmou que o rock vivia o
"complexo da república de anão". "Achamos a crítica construtiva e chamá-lo para
cantar foi uma consequência disso. Procurar o Kondzilla também. A gente acha foda
o trabalho deles nesse sentido, da comunicação com as massas", explicou o músico
do Vespas Mandarinas87.
A princípio, nesse caso do Vespas Mandarinas, a KondZilla possui um papel
duplo: é um modo de alcançar um público mais amplo e massivo, além do circuito do
rock alternativo, como também é uma maneira de colocar-se criticamente contra a
ortodoxia e conservadorismo do rock contemporâneo. Entretanto, um olhar mais
atento revela que a publicação do vídeo em um canal menor e mais barato reduziu
as possibilidades do contato deste "outro" público com a banda, e o resultado — a
julgar pelos comentários do vídeo no YouTube — foi que a maior parte das
visualizações vieram de pessoas que já conheciam a Vespas Mandarinas.
Novamente, há uma porosidade que faz a KondZilla ser sinônimo de funk (em sua
87
RIBEIRO, Laís. "Vespas Mandarinas lança clipe de 'Daqui Pro Futuro', dirigido por KondZilla". SÃO
PAULO: Tenho Mais Discos Que Amigos, 14 de fevereiro de 2017. Disponível em:
www.bit.ly/2XHQwhK. Acesso em 27 de novembro de 2019.
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O que esta constelação de clipes nos revela é que um clipe na KondZilla pode
formar diversos tipos de associações, com diferentes finalidades, resultados e
recepções. Em algumas ocasiões, a KondZilla pode ser apenas um canal com
muitos inscritos e que, portanto, visa amplia o alcance do artista para inseri-lo num
circuito mais — como parece ser o interesse da Grande Rio e do Vespas
Mandarinas. Mas publicar um clipe na KondZilla também pode ser um modo de
inserir-se no mercado do funk ou ampliar a área de atuação dentro da música
popular periférica — como o Evolusamba. E existe ainda uma dimensão mais
complexa e sutil. Como um gênero musical ultrapassa as dimensões puramente
textuais e musicais e incorpora questões de ordem econômica, sociológica e
técnicas/formais, publicar um clipe KondZilla não necessariamente é endereçá-lo ao
público orgânico e "nativo" do funk. Um clipe pode ser publicado na KondZilla para
evocar apenas a ideia de funk e seus valores para, assim, estimular a formação de
novos vínculos, filiações, referências e conexões em redes, onde o acúmulo,
sobreposição e trocas mútuas entre gêneros musicais vão com contestar,
embaralhar e dilatar valores e símbolos dos gêneros musicais e suas fronteiras entre
si, amalgamando-os estética e comercialmente — ao mesmo tempo em que
preservam certas distinções entre si. Quando o Racionais, o Vespas Mandarinas o
Evolusamba fazem seus clipes na KondZilla, eles tocam o funk mas parecem falar
mais sobre o rap, o rock e o pagode, respectivamente, do que sobre o funk
propriamente dito. Isso ocorre porque a própria KondZilla também é, em si, uma
rede de música pop periférica — devido a sua hegemonia financeira, a grande
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"Sem Boi" é o exemplo mais evidente e marcante, mas não é o único. Todos
os clipes entre artistas brasileiros e estrangeiros da KondZilla tentam apagar, em
menor ou maior grau, as de marcas de subalternidade e da identidade brasileira ou
latino-americana para afirmar-se sob uma estética americanizada. Se sonoramente
"Sem Boi" é um trap, "Malokera", do paulistano MC Lan com a carioca Ludmilla e os
norte-americanos Skrillex, Troyboi e Ty Dolla $ign, é um funk, mas o clipe é todo
articulado a partir de uma iconografia do hip hop novaiorquino do fim da década de
1970 — o tracksuit ( conjunto esportivo) de gola alta e visual retrô vestido pelo MC
Lan, bem como os dentes de ouro do MC, o rádio antigo portátil (boombox), a
televisão antiga, o ambiente da quadra esportivo dos subúrbios americanos. "Quero
Te Ver Mexer" une o paulistano Kekel e a cantora cabo-verdiana Soraia Ramos, dois
122
artistas do Sul Global (DE SOUSA SANTOS, 2018), mas, novamente, o clipe é
construído tendo como espelho uma produção audiovisual norte-americana — os
filmes da franquia Mad Max. Unindo o funkeiro brasileiro MC Guimê e o rapper
tunisiano K2RHYM, o clipe de "Escobar 2" foi filmado pelo próprio Konrad e deixa
claro no título do vídeo: "Filmado em Dubai", enquanto mostra os dois cantores,
rodeados apenas por mulheres brancas, em festas na piscina e num iate com os
modernos arranha-céus espelhados da cidade árabe ao fundo. Os californianos J
Nup & Brandon Louis vieram ao Brasil para mostrar o que eles chamam de
"Americano Funk" — e no clipe-manifesto, o MC Rodolfinho tem espaço apenas para
uma ponta, onde canta o título da música, que entrega ao norte-americano o funk,
essa "cultura dos massacrados" brasileira, na definição de Mr. Catra (in SOU FEIA
Mas Tô Na Moda, 2005).
Figura 49 — Frame de "Malokera", de MC Lan, Skrillex e Troyboi com Ludmilla e Ty Dolla $ign.
Fonte: Reprodução/YouTube.
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Figura 50 — Frame de "Malokera", de MC Lan, Skrillex, TroyBoi com Ludmilla e Ty Dolla $ign.
Fonte: Reprodução/YouTube.
favelas, a ação ocorre em pool partys , mesas de poker, quadras de basquete com
boomboxs, iates na área tecnocrata da elite de Dubai e cenários de filmes
holywoodianos. As ideias de multiculturalismo e cosmopolitismo, embora defendam
uma convivência simultânea e pacífica de culturas diferentes, ainda são marcadas
pela hegemonia de uma elite oriunda do Norte Global e seus sistemas de
pensamento, conforme descreve Silviano Santiago:
Há um antigo multiculturalismo — de que o Brasil e demais nações
do Novo Mundo são exemplo — cuja referência luminar em cada nação
pós-colonial é a civilização ocidental tal como definida pelos conquistadores
e construída pelos colonizadores originais e pelas levas dos que lhes
sucederam. Apesar de pregar a convivência pacífica entre os vários grupos
étnicos e sociais que entraram em combustão em cada melting pot
(cadinho) nacional, teoria e prática são de responsabilidade de homens
brancos de origem europeia, tolerantes (ou não), católicas ou protestantes,
falantes de uma das várias línguas do Velho Mundo. A ação multicultural é
obra de homens brancos para que todos, indistintamente, sejam
disciplinarmente europeizados como eles. (SANTIAGO, 2004, p. 54)
Figura 51 — MC Guimê (à esquerda) com K2RHYM no clipe de "Escobar 2", com o edifício Burj Al
Arab ao fundo. O arranha-céu tem forma de vela e funciona como hotel em uma ilha artificial.
Fonte: Reprodução/YouTube.
Figura 52 — Frame de "Escobar 2", de MC Guimê e K2RHYM, com o Hotel Atlantis Dubai ao fundo.
Fonte: Reprodução/YouTube.
127
88
Ver "MC Carol revela seu gosto musical megaeclético no Toca Aquela", disponível em:
www.bit.ly/3fE9XOl e "MC Livinho: "Minha vontade era gravar um soul antigo, na pegada Nina
Simone", em: www.bit.ly/2XIlE0m. Acesso em 29 de novembro de 2019.
129
Fonte: Reprodução/YouTube.
131
Figura 54: Frame do clipe de "Envolvimento", da MC Loma e as Gêmeas Lacração, feito pela
KondZilla.
Fonte: Reprodução/YouTube.
89
A estratégia de mudar o arranjo ou beat da música para adequar-se ao que é feito no eixo Rio de
Janeiro-São Paulo é recorrente, não sendo uma exclusividade de Dadá Boladão e sua "De Ladin".
Um exemplo é a música "Popotão Grandão", do capixaba MC Neguinho do ITR. A música foi
publicada em novembro de 2016 e foi um hit do funk de Vitória, Espírito Santo, durante todo o ano de
2017 (ALBUQUERQUE, 2017c). Mas o seu beat era o chamado "beat fino", uma batida de beatbox
aguda popularizada pelo DJ Jean du PCB que fazia sucesso apenas na cidade. No dia 1 de março de
2018, "Popotão Grandão" ganhou clipe na KondZilla com outro arranjo em outra versão e tornou-se
um hit nacional, aparecendo em diversos canais de dança no YouTube e incorporada por cantores de
forró eletrônico em seus repertórios.
133
Figura 55 — Frame do clipe "Ninguém Fica Parado", de Shevchenko & Elloco e Maneiro na Voz.
Fonte: Reprodução/YouTube.
Figura 56 — frame do clipe "Ninguém Fica Parado", de Shevchenko & Elloco e Maneiro na Voz.
Fonte: Reprodução/YouTube.
134
Foto: Reprodução/YouTube.
135
Fonte: Reprodução/YouTube.
90
Primeiro episódio disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=2566966726867151&external_log_id=55626ce134481c06cf06c1
6172128488&q=kondzilla%20funk%20pelo%20brasil. Acesso em 2 de dezembro de 2019.
137
4.1. A KondZilla como agente na rede de música pop periférica e como rede em
si
Quando Konrad Dantas começou a filmar clipes de MCs de funk ostentação
em 2011, o seu objetivo era materializar visualmente aquela cena musical que
emergia no litoral paulista. A dinâmica descentralizada da produção, distribuição e
curadoria de conteúdos própria da cultura digital, somada à política de incentivo ao
consumo, que impulsionou e ampliou o acesso a bens como notebooks,
smartphones e tablets, foram fincando as bases para o estabelecimento de uma
rede de música brasileira pop periférica no YouTube, onde formou-se uma espécie
de ecossistema do funk do qual a KondZilla se destacou.
Formulada a partir da Teoria Ator Rede (TAR) desenvolvida por Bruno Latour,
o conceito de rede de música brasileira pop periférica diz respeito a "uma noção que
aponta para os vínculos que se constroem entre gêneros distintos no ambiente das
redes sociais; mas que ao mesmo tempo busca não homogeneizar – ou nos dizeres
da TAR - não “tornar plana” as diferenças que se mantém entre eles" (PEREIRA DE
SÁ, 2017). A KondZilla figura como um ator importante desta rede não só pela sua
hegemonia numérica e econômica no interior do YouTube — é o maior canal do
Brasil e o terceiro maior do mundo em número de inscritos — e por seu tratamento
estético deliberadamente pop e mainstream do funk, mas também por fazer circular
e mesmo confluir estéticas divergentes, formando assim redes com gêneros
musicais diferentes que se acumulam, se vinculam, se influenciam e se transformam
mutuamente — sem no entanto eliminar as suas especificidades e diferenças.
Mas ao mesmo tempo em que a KondZilla é um agente importante da rede de
música pop periférica por atuar na formação de novas redes, ela também parece ser
uma rede em si. A trajetória da produtora e do seu fundador, Konrad Dantas, estão
intimamente entrelaçadas com a história do funk e com sua expansão para novos
públicos ao ponto de fazer com que a empresa seja muitas vezes confundida com o
138
próprio funk. No entanto, a rede KondZilla vai além do próprio universo do funk.
Mesmo com uma assinatura, um estilo próprio consolidado, a KondZilla é eficiente
em atrair uma rica diversidade de artistas — de diferentes estilos de funk ou de fora
dele — para o interior do seu canal. O que os conecta é uma inclinação pop e
mainstream: uma escola de samba cheia de celebridades , parcerias entre um DJ de
EDM, rappers americanos e funkeiros, clipe gravado em Dubai, maquiagens e
figurinos holywoodianos, grupos de hip hop com clipes de tom cinematográfico,
vídeos patrocinados por marcas multinacionais. A KondZilla em si oferece uma rede
de música pop periférica sob a sua perspectiva, que seria a urban music, um coletivo
enraizado no funk brasileiro (mas capaz de incluir outros gêneros e de fagocitar seus
elementos) e equivalente ou análogo ao reggaetón da Colômbia e Porto Rico, o
Kuduro de Angola e o hip-hop dos Estados Unidos. Este projeto estético e
econômico se espalha e se comunica em dinâmica transmídia, tanto pelo ambiente
do canal de YouTube como nos demais produtos da rede-KondZilla: o Portal
KondZilla com matérias e reportagens, o canal do Portal no YouTube com
entrevistas com MCs, séries em vídeo publicadas no Facebook91, e a série de ficção
Sintonia produzida para o serviço de streaming Netflix. Compreender essa chave
dupla — a codificação dos gêneros musicais e sua disseminação e conexão em
redes vivas e múltiplas — faz-se fundamental para aprimorar nosso entendimento
sobre a circulação da música pop, que, ao mesmo tempo em que se dá a partir das
balizas genéricas, a todo momento parece também tensionar as fronteiras e
incorporando elementos estéticos de locais distintos.
A imponência comercial da KondZilla e a expansão do funk no cenário
nacional e internacional levaram Konrad Dantas a cunhar o bordão "favela venceu".
O comunicador, diretor e empresário negro evita se posicionar publicamente com
altivez sobre casos de criminalização do funk (como a prisão do funkeiro DJ Rennan
da Penha, a violência e mortes causadas pela polícia no baile funk em Heliópolis92) e
91
Em novembro de 2018, a KondZilla lançou quatro séries no Facebook com patrocínio da rede
social: “Nas Ideia com o Lan“ é o programa de entrevistas do MC Lan; “Criando um Hit“ mostra os
bastidores da parceria entre MC Jottapê, MC Kekel e Kevinho; “Funk Pelo Brasil“ é uma viagem pelo
Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Belo Horizonte que documenta a cena funk de cada cidade, com
apresentação da cantora Dani Russo; e “Um Funkeiro Pelo Mundo”, que mostra a turnê internacional
do MC Fioti.
92
Sobre o caso do DJ Rennan da Penha, ver: www.bit.ly/2PDvk7Z. Sobre o ataque policial no baile
funk em Heliópolis, ver: www.bit.ly/3gKAIC3. Acesso em 8 de janeiro de 2020.
139
Bibliografia
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Abordagem nos Estudos Sobre Gêneros Musicais. XXXVII Congresso Brasileiro de
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de maio de 2018. Disponível em: https://bit.ly/3iT249M. Acesso em 7 de janeiro de
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Acesso em 7 de janeiro de 2020.
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metodológica para a compreensão do entorno comunicacional, das condições de
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_________. MARTINS, Renato. “Do Megane ao Coringa: 13 Clipes para Entender a
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https://bit.ly/30laNdj. Acesso em 9 de junho de 2019.
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bailes soul dos anos 1970. Salvador: Edufba, 2018.
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https://glo.bo/2FEuSotl. Acesso em 26 de julho de 2019.
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VAN DIJCK, José. The Culture of Connectivity: a critical history of social media.
New York: Oxford Press, 2013.
VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Expresso Zahar, 2014 (edição digital).
147
Anexos
Anexo 1
Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2016, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: www.bit.ly/topradio2016.
Acesso em 30 de março de 2020.
Anexo 2
Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2017, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: www.bit.ly/radiotop2017.
Acesso em 30 de março de 2020.
Anexo 3
152
Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2018, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: www.bit.ly/topradio2018.
Acesso em 30 de março de 2020.
Anexo 4
Lista das 100 músicas mais tocadas nas rádios em 2019, de acordo com
levantamento feito pelo Instituto Crowley disponível em: www.bit.ly/topradio2019.
Acesso em 30 de março de 2020.
Anexo 5
Anexo 6
Anexo 7
Top 10 vídeos mais vistos no YouTube Brasil em 2018 na categoria música.
Fonte: Youtube. Disponível em: www.bit.ly/2DTWQLK. Acesso em 30 de março de
2020.
Anexo 8
Top 10 vídeos mais vistos no YouTube Brasil em 2019 na categoria música. Fonte:
YouTube. Disponível em www.bit.ly/33MYfPm. Acesso em 30 de março de 2020.
1. Matheus & Kauan - Vou Ter Que Superar (Ao Vivo) ft. Marilia Mendonça
2. Marília Mendonça - TODO MUNDO VAI SOFRER (Todos Os Cantos)
3. Anitta & Kevinho - Terremoto (Official Music Video)
4. Jorge & Mateus - TIJOLÃO (Vídeo Oficial)
5. Gusttavo Lima - Milu (Clipe Oficial)
6. Marília Mendonça - BEBAÇA feat. Maiara e Maraisa
7. Jerry Smith Feat. Wesley Safadão - Quem Tem o Dom (Clipe Oficial)
8. Matheus & Kauan - Quarta Cadeira (Ao Vivo Em Goiânia / 2018) ft. Jorge & Mateus
9. Xand Avião feat. Gusttavo Lima - Algo Mais (Amante) (DVD: Errejota) [Clipe Oficial]
10. Enzo Rabelo - Perfeitinha