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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

ADRIANO ANDRÉ ROSA DA SILVA

COREOEDIÇÃO: Fluxo Criativo na


videodança

NATAL/RN
2021
ADRIANO ANDRÉ ROSA DA SILVA

COREOEDIÇÃO: Fluxo criativo na videodança

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Artes Cênicas, Departamento
de Artes da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito para obtenção do grau
de Mestre em Artes Cênicas.

Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Garcia Leal

NATAL/RN
2021
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Silva, Adriano André Rosa da.


Coreoedição : fluxo criativo na videodança / Adriano André Rosa da Silva. -
2021.
110 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas, Natal, 2021.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Patrícia Garcia Leal.

1. Videodança. 2. Cinema. 3. Dança. 4. Coreografia. 5. Imagens. I. Leal,


Patrícia Garcia. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 793.3

Elaborado por Ively Barros Almeida - CRB-15/482


RESUMO

Esta dissertação discute a criação de imagem por meio da coreoedição, tendo como
objetivo refletir, por meio de técnicas e processos criativos em videodança, formas
de gravação e edição de imagens. Apresenta um percurso artístico-docente, por
meio de experiências entre a dança e o cinema, dialogando com autores da
montagem, como Sergei Eisenstein (2002), Andrei Tarkovsky (1998) e Maya Deren
(1960). Discute teorias tais como a dialética da montagem do cinema soviético, o
plano sequência e a poética dos elementos expressos na cena do filme e como
estas podem ser utilizadas como forma de transição durante a edição de um vídeo
ou filme. Os conceitos aqui abordados mostram caminhos pelos quais desenvolvi
esta pesquisa que ampliou sua poética através da residência artística “Coreoedição:
fluxo criativo na videodança”, desenvolvido pelo Cena Universidade (UFPE -
Universidade Federal de Pernambuco). Também se faz refletir, nesta dissertação, as
relações conscientes e cinestésicas do processo de coreoedição, pois o ato de
coreoeditar é um processo coreográfico corporal. Por fim, aponta a videodança e a
coreoedição como uma possibilidade artística que pode ser vivenciada por diversos
artistas, sejam do audiovisual ou das artes cênicas, pois no processo dessa
pesquisa foi identificado a singularidade do corpo que se expressa ao videodançar,
criando poéticas por meio de imagens em movimento utilizando câmeras, softwares
de computadores e aplicativos de celular.

Palavras-Chave: Coreoedição; Videodança; Cinema; Cinestesia; Dança.


ABSTRACT

This dissertation discusses image creation through choreoediting, aiming to reflect


through techniques and creative processes in videodance ways of recording and
editing images. It presents an artistic-teaching path, through experiences between
dance and cinema, dialoguing with authors of the montage, such as Sergei
Eisenstein (2002), Andrei Tarkovsky (1998) and Maya Deren (1960). It discusses
theories such as the dialectic of Soviet cinema montage, the sequence plan and the
poetics of the elements expressed in the film scene and how these can be used as a
form of transition during the editing of a video or film. The concepts discussed here
show the ways in which I developed this research that expanded his poetics through
the artistic residency “Coreoedition: creative flow in videodance”, developed by Cena
Universidade (UFPE - Federal University of Pernambuco). This dissertation also
reflects on the conscious and kinesthetic relationships of the choreoediting process,
as the act of choreoediting is a bodily choreographic process. Finally, it points out
videodance and choreoediting as an artistic possibility that can be experienced by
many artists, whether from the audiovisual or the performing arts, because in the
process of this research, the singularity of the body that expresses itself in
videodancing was identified, creating poetics through of moving images using
cameras, computer software and cell phone applications.

Key-Words: Choreoedition; Videodance; Cinema; Kinesthesia; Dance.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Troi-Frère 15
Figura 2 - O nascimento de Vênus, Sandro Botticelli. 16
Figura 3 - Cinderella (1899), George Melies. 20
Figura 4 - Intolerância !1916), D. W. Griffith. 21
Figura 5 - Fome 22
Figura 6 - Tristeza 23
Figura 7 - Desejo 23
Figura 8 - 911 (Short Film) - Lady Gaga, 2020. 24
Figura 9 - Videodança SWINE #1MinutoApenas 25
Figura 10 – Flash Dance - Final Dance / What A Feeling (1983) 26
Figura 11 - Climax, 2019 27
Figura 12 - Blush, 2005. 27
Figura 13 - A Greve, 1925. 28
Figura 14 - Crisálida (2020), André Rosa. 31
Figura 15 - O Espelho - Andrei Tarkoysky (1974). 32
Figura 16 - O Espelho - Andrei Tarkoysky (1974). 33
Figura 17 - Maya Deren Ritual in Transfigured Time (1946) 36
Figura 18 - The Very Eye of Night (1958). 38
Figura 19 - Exemplo do registro escrito de uma dança em notação Feuillet 40
Figura 20 - Variations V (1966) - Merce Cunningham Dance Company 41
Figura 21 - Birds (2000) - David Hinton 42
Figura 22 - Dança em rede. 46
Figura 23 - A Questão is When / The Question 47
Figura 24 - Corações em Espera 47
Figura 25 - Videodança Rio Cor de Rosa (2019). André Rosa. 48
Figura 26 - (UFPB) 49
Figura 27 - A step-by-step guide to creating dance for the screen 50
Figura 28 - Imagem da linha do tempo do software - Adobe Premiere 2020 50
Figura 29 - Home Alone 52
Figura 30 - Encontro regional dos PIBIDS - 2016 53
Figura 31 - videodança OLINAD (2015) 54
Figura 32 - Videodança Dentro de Cada Um (2019) 55
Figura 33 - Videodança Abaixo do Equador (2020). 57
Figura 34 - Videodança Temor (2021) 59
Figura 35 - Videodança Corpo Ilha (2021) 59
Figura 36 - Foto do primeiro exercício prático 2020, dinâmica do copo e câmera. 61
Figura 37 - Foto do primeiro exercício prático 2021, corpo natureza. 62
Figura 38 - Vídeo tutorial 63
Figura 39 - Exercício de edição 64
Figura 40 - Exercício de edição, movimento contínuo em quadros. 64
Figura 41 - Exercício de edição, a partir de Eisenstein e Tarkoysky. 65
Figura 42 - Exercício de edição sonora, Cosme Gregory. 66
Figura 43 - Encontro síncrono da residência Coroedição (2021). 67
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus mestres, professores, amigos e familiares,


que me possibilitaram escrever esta dissertação e acreditaram na evolução da
minha arte.
Agradeço especialmente a minha avó, Maria Natividade de Lima, que
acreditou sempre na arte da dança. Uma mulher que me inspira até hoje, pela sua
garra, teimosia e determinação, que deu à luz a duas grandes mulheres que são
partes de mim e me ensinaram a erguer minha cabeça diante dos desafios, minha
mãe Andrea Patricia e minha tia Claudia de Lima.
Agradeço a minha orientadora Patrícia Leal, por todos os seus ensinamentos
compartilhados, sua dança, voz e cheiro me causam conforto e me abrem caminhos
para criação.
Agradeço a minha mãe e diretora da dança Wanie Rose, por acreditar na
minha dança e abrir portas que nunca fecharam em minha vida, pois sua alegria é
tão contagiante e cheia de energia.
Agradeço ao Guilherme Schulze (UFPB) por me receber e me ensinar muito
sobre o universo da videodança.
Agradeço ao Arnaldo Siqueira por toda sua luz, ensinamento e por me
oferecer a oportunidade de fazer parte de um projeto tão incrível como Cena
Cumplicidades. Foi através dessa experiência que eu tive uma maior percepção
sobre a minha arte.
Agradeço a Clébio Oliveira, esse artista cuja força poética me inspira e me faz
querer dançar no palco, na videodança e na vida.
Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
(PPGARC-UFRN) pelo apoio financeiro e aos profissionais maravilhosos que fazem
parte dessa pós-graduação tão cheia de amor e ensinamento.
Agradeço especialmente a Marcondes Filho, por estar ao meu lado me
fazendo desligar das tensões da vida, por segurar na minha mão sempre que
precisei me fazendo sorrir com nossos amados filhos Algodão, Bonnie e Teodoro.
Gratidão a todos aqui citados!
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

2 MOVIMENTO EM MÚLTIPLOS QUADROS E PLANOS COREOGRÁFICOS 15

2.1 PRIMEIROS REGISTROS EDITADOS 15

2.2 ÂNGULOS E PLANOS 17

2.3 CINEMA AMERICANO O PRIMEIRO MOVIMENTO DA CÂMERA 19

2.4 A DIALÉTICA DA MONTAGEM: CINEMA SOVIÉTICO 22

2.5 ANDREI TARKOVSKY, MÚLTIPLOS DISCURSOS EM UM PLANO 29

2.6 O CHOREOCINEMA DE MAYA DEREN 35

3 FLUXO COREOGRÁFICO: UM GESTO EM CORTES, COREOEDITADO 40

3.1 COREOEDIÇÃO 42

3.2 VIDEODANÇA (NOVOS PERCURSOS) 44

3.3 CÂMERA 48

3.4 LINHA COREOGRÁFICA 50

4 COREOVIDEODANÇA 51

4.1 ESPAÇOS MÚLTIPLOS PARA CRIAÇÃO EM MOVIMENTO 51

4.2 ENCONTRO COM A COREOEDIÇÃO 54

4.3 DIÁLOGOS ENTRE A CENA E O DIGITAL NA VIDEODANÇA 56

4.4 FLUXO CRIATIVO 59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 70

REFERÊNCIAS..........................................................................................................72
GLOSSÁRIO..............................................................................................................76
APÊNDICE.................................................................................................................78
8

1 INTRODUÇÃO

Nesta dissertação, pretende-se discutir sobre a criação de imagem digital a


partir da coreoedição, uma prática artística que vem sendo discutida como forma de
coreografia no processo de edição com software de computadores e aplicativos de
celular. Não pretendo dividir ou categorizar formas de criação, mas buscar formas de
refletir sobre as possibilidades e os conceitos técnicos que podem estimular o
processo de criação artística coletiva e independente, por meio da criação de
videodanças e de residências artísticas.
A escrita desta dissertação segue o fluxo pandêmico da covid-19 que se
iniciou em 2020, alterando e configurando a criação do projeto. Fez-se necessário
pensar em alternativas que pudessem dar continuidade à pesquisa acerca da
videodança. Foram desenvolvidos trabalhos em coletivo e independentes, bem
como revisitados arquivos de dança gravados antes da pandemia, por eu acreditar
que este trabalho possa servir de exemplo para outros artistas que precisaram se
adaptar ao contexto pandêmico e podem encontrar nele resiliência para dançar.
Antes da pandemia (2019) gravei alguns arquivos na cidade de Natal/RN a partir das
obras cênicas do coreógrafo Clébio Oliveira e pretendo apresentá-las nesta
dissertação, são elas: Temor (2021) fragmento coreoeditado para videodança da
obra cênica Proibido Elefante (2013) e Corpo Ilha (2021), também coreoeditada para
videodança, a partir da obra cênica Inverno dos Cavalos (2017).
Será de suma importância apresentar outras criações que foram resultados de
residências artísticas das quais participei como artista, na Rede Ibero-americana de
Videodança (REDIV) e como orientador, na Cena Universidade - Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Essas experiências trazem a poética da
coreoedição como fluxo criativo, apresentando uma diversidade de artistas que, por
meio da videodança,seguiram fortalecendo sua arte. Além disso, serão
apresentadas videodanças e entrevistas feitas com os participantes das oficinas.
O que compõe a coreoedição é o ritmo expressivo da imagem, não no sentido
ritmado de acompanhar uma música, mas sim através de associações de imagens
digitais que são transformadas em composição dramatúrgica, criando poéticas
9

cinestésicas1, afirmando o movimento da dança no espaço digital. “Como os


coreógrafos, os editores trabalham com a dinâmica temporal e espacial do
movimento, a fim de criar um fluxo de imagens em movimento que transmita
significado” (PEARLMAN, 2011, p. 224.).
A dança contemporânea é um movimento com múltiplas possibilidades em
perspectivas, entre elas a videodança, cuja característica é a hibridez. Esse
movimento, que é a dança contemporânea, insere os saberes do corpo como
principal ponto de criação estético e técnico. A videodança é uma dimensão possível
de refletir possibilidades coreográficas no meio digital, podendo configurar o corpo e
o tempo no espaço da câmera e da tela. “A dança contemporânea expõe o processo
criativo. A materialidade em suas transformações na criação coreográfica” (LEAL,
2012, p. 115). A contemporaneidade na dança é uma expressão do nosso corpo, um
discurso poético que ganha força em nosso processo artístico.
“Se a videodança extrema e complexifica questões da própria dança
contemporânea, ainda tratar-se-á de reconhecer nela uma dimensão
coreográfica qualquer, algo que afirme uma lógica cinética como poética:
uma dramaturgia de movimento”. (CALDAS, 2012, p. 253).

A videodança é uma poética que atravessa os saberes do corpo e explora os


processos criativos por meio da imagem, uma manifestação artística que não é só
vídeo nem só dança e, tampouco, a somatória simplesmente do vídeo com a dança.
Trata-se de um hibridismo das duas linguagens no novo contexto tecnológico e
cultural em que vivemos, construindo movimento e sendo movimento, movendo
sensações, empatia, dialogando com cinema, video-art, televisão e outros processos
que implicam a criação e manipulação de imagens com uso das ferramentas
tecnológicas. Nesse sentido, a videodança mostra que “A hibridação é, hoje em dia,
o destino do corpo que dança, um resultado tanto das exigências da criação
coreográfica, como da elaboração de sua própria formação” (LOUPPE, 2000, p.31).
Na escrita desta dissertação, opta-se por usar a palavra videodança, pois esta
vem ganhando força e se tornando parte de um grande movimento nos países
ibero-americanos2, com festivais e grupos de pesquisa que se propõem a criar e

1
Gretchen Schiller (2003) diz que o corpo cinestésico consciente vem acompanhando a evolução
tecnológica. Sendo assim as tecnologias não estão separadas da percepção do movimento, mas
enredadas na maneira como passamos a experimentar, compreender e perceber o movimento.
2
Em 2020, participei do projeto Desbordamientos - Rede Ibero-americana de Videodança (REDIV),
com alunos do Brasil, Argentina, Paraguai, México e Portugal.
10

experimentar uma linguagem que transborda no quadro do vídeo sendo uma


extensão das inquietações artísticas, fazendo da videodança um estado de
experiência da dança que encontra novos discursos, diálogos e possibilidades
audiovisuais.
No Brasil, a videodança é uma expressão artística que traz o movimento da
dança e a imagem gravada por meio de câmeras como principais processos de
criação artística, sendo ela uma identidade particular e compartilhada, na qual cada
autor/artista escreve sobre suas experiências afirmando seu processo de criação, a
exemplo de Paulo Caldas (2012), Leonel Brum (2012), Guilherme Schulze (2010),
Ivani Santana (2006) e Ludmila Pimentel (2008). Esses são alguns autores que
desenvolvem dança e tecnologia no Brasil e abordam a videodança a partir de suas
experiências e saberes do corpo na contemporaneidade. Em seus trabalhos, é
possível identificar a evolução da videodança que não parou no tempo, mas vem
sendo configurada, coreografada e coreoeditada a cada nova construção de
imagem.
Nesta pesquisa, afirma-se a identidade da videodança, por meio da minha
percepção e técnicas de edição. Nela, apresenta-se uma discussão sobre a edição
de filmes e vídeos na dança, por meio da perspectiva coreográfica e do cinema
experimental. Segundo Juliana Moraes (2019), não importa se uma coreografia é
feita com corpos humanos, objetos, softwares ou robôs, o que importa é se a obra
possui uma lógica coreográfica. Ela ressalta que no momento em que a dança
cênica e a coreografia deixarem de existir como sinônimos, a coreografia será vista
como uma função estruturante que estimula, provoca e organiza movimento.
A respeito do processo de criação em coreografia digital interativa, Pimentel
(2008) indica que o uso das tecnologias digitais adicionou um novo elemento à
composição coreográfica, uma informação a mais a ser considerada pelo coreógrafo
durante a criação de uma obra artística. Dessa forma, a autora expõe que
a função de um coreógrafo de corpos híbridos é a mesma que a de um
coreógrafo que não trabalha com as novas tecnologias, ou seja, os dois
buscam construir suas próprias poéticas coreográficas. (PIMENTEL, 2008,
p. 444).

A coreografia será discutida aqui como um processo rítmico do corpo no meio


digital ou, como prefiro chamar, em quadros, que rompem a sua forma e
11

transbordam seu movimento, possibilitando novas dimensões. Na videodança, o


quadro compõe dois aspectos de conexão: o primeiro é o quadro da câmera em
relação ao olhar que desenvolve possibilidades de planos e ângulos de gravação e
o segundo é o quadro que estabelece um conjunto de comunicação no processo de
edição, o que nos faz refletir sobre a dinâmica criativa em movimento desses
quadros, por meio da coreoedição na linha do tempo3 do software, que, quando
unidos com outros quadros criam uma dança, a partir dos estudos de Marcel Martins
(2011) e Maya Deren (1960), que caracterizam o cinema por sua natureza fílmica, ao
romper com os clichês do realismo e da dramaturgia linear Hollywoodiana4. O
cinema, para esses autores, é uma construção do corpo sensível, fluxo poético da
percepção criativa e possibilidade de novas comunicações e criações.
No caso específico desta pesquisa, procura-se refletir sobre os conceitos
técnicos e estéticos da montagem, a partir de autores do cinema e da edição digital
como Karen Perelman (2009), Gilles Deleuze (2004), Walter Murch (2004), Katrina
McPherson (2006), Maya Deren (2018) e Serguei Eisenstein (2002), ampliando o
diálogo entre a dança e os processos criativos em videodança. Em geral, esses
autores criam e discutem sobre a criação de filmes que contam com uma relação:
câmera/corpo/imagem/movimento/edição, potencializada pelo corpo cinestésico na
criação de imagens, rompendo com realismo estruturante e ressignificando a forma
de fazer filme em uma perspectiva cinematográfica.
A partir do século XX, percebe-se que, com o avanço do cinema e dos
recursos técnicos da montagem e da dança, o corpo se torna uma grande tela física
de edição. Segundo Caldas (2012, p. 245), “hoje, mais do que nunca, reconhecemos
o efeito cinema na dança, nas cenas que estabelecem dramaturgias do fragmento e
que se constroem a partir de procedimentos de edição”. Na obra de Pina Bausch
(1940– 2009), por exemplo, além do efeito de repetição e reversão do tempo no
espetáculo cênico Vollmond (2006), é possível perceberem-se técnicas de
montagem advindas do pensamento de Sergei Eisenstein (1898–1948) em sua
dança-teatro, como justaposição de imagens, ao levar para o palco elementos
cênicos (uma grande pedra) que se fundem ao corpo do intérprete em movimento.

3
Doravante chamada de linha coreográfica.
4
O cinema hollywoodiano tem normas, técnicas estruturadas e formas de criação de imagens por
meio de narrativas lineares e personagens que estruturam toda dramaturgia das obras.
12

A escrita desta dissertação perpassa algumas obras de cinema, vídeo e


videoclipe como: Blush5 (2005), de Wim Vandekeybus, The Mirror6 (1974), de Andrei
Tarkovsky, 991 (2020), de Lady Gaga, Flash Dance (1983), de Adrian Lyne, Climax
(2018), de Gaspar Noé e A Greve (1925), de Sergei Eisenstein. Obras que considero
videodanças, pois trazem, em sua narrativa poética, fragmentos de corpo, espaço,
tempo, movimento e plano, por meio do fluxo das imagens. Essas obras despertam
empatia cinestésica por meio de sua edição, transcendem o corpo do espectador e o
inserem em sua dramaturgia, pelo movimento de suas narrativas.
Em sua tese, Tarkovsky (1998) escreve que o fator dominante e
todo-poderoso da imagem cinematográfica é o ritmo que expressa o fluxo do tempo
no interior do quadro. O ritmo, no filme, é criado pela edição dos enquadramentos e
planos; é um processo coreográfico que cria fluxos poéticos, ampliando a qualidade
do movimento no filme pré-gravado. Karen Pearlman (2009) afirma que o ritmo do
nosso corpo está ligado a nossas experiências e, no processo de edição, elas
acontecem de forma intuitiva, por isso a autora propõe seis estados ao nosso
corpo/mente: experiência, aprendizado implícito, julgamento, sensibilidade,
criatividade e ruminação. Cada estado pode funcionar a qualquer momento em que
a intuição é ativada e, geralmente, em combinações complexas no processo de
edição, sendo conscientes ou não, projetamos o ritmo do nosso corpo ao editar um
vídeo ou um filme.
O ritmo, na edição, é a projeção de movimento e criação de energia de um
editor, onde várias imagens perpassam nossa percepção que, de forma intuitiva,
escolhemos e fragmentamos. Ao cortar um quadro, não estamos negando um
movimento, estamos ampliando-o ao associá-lo com outros quadros, liberando fluxo
entre as imagens. Vale salientar que, nesta dissertação, o coreoeditor pode alterar
os sentidos das imagens, recoreografando e dando novos percursos criativos por
meio da sua percepção (PEARLMAN, 2009).
A coreoedição cria/recria a dança, através de imagens pré-gravadas ou de
arquivos de imagens selecionadas, para criar uma nova narrativa, como a obra Birds
7
, de David Hinton (2000), que ganhou a premiação Best Screen Chorography no

5
https://www.youtube.com/watch?v=QtKUONLBP-8&t=2s
6
https://www.youtube.com/watch?v=CYZhXm02kN0&t=1029s
7
https://www.youtube.com/watch?v=VPAPKuRpDfk&t=152s
13

festival IMZ Dance Screen. Paulo Caldas (2009) e Gretchen Schiller (2003)
descrevem a manipulação dessa videodança como uma produção lógica e
coreográfica, uma comunicação de movimento entre imagens documentais de
pássaros, mas que, quando coreoeditada, ganha uma dimensão coreográfica e se
torna dança. O que se pretende refletir nesta dissertação é como a coreoedição
revela o ritmo que está projetado no quadro liberando fluxos que compõem, de
forma coreográfica, a dramaturgia da imagem.
Segundo Gilles Deleuze (2004), o cinema é o sistema que reproduz o
movimento em função do instante qualquer, isto é, em função de momentos
equidistantes, escolhidos de modo a dar impressão de continuidade. Dessa forma,
escolhemos o fluxo e o tempo para transição da imagem em cada quadro. Na dança
contemporânea compreende-se essa função por um gesto orgânico (fluxo) de
liberdade de fluência. Quando fazemos uma transição de um movimento para outro,
sem nos prendermos a poses e estruturas, liberamos tensão e criamos energia de
forma que o corpo passa a ter consciência das qualidades do movimento impressas
na ação do mover contínuo.
As imagens digitais também possuem qualidades e, no processo de edição,
abrimos nosso corpo para uma experiência cinestésica. Segundo Gretchen Schiller
(2003, p.67), “coreoeditar é uma experiência tátil”, o corpo é aberto por uma troca de
informação entre tecnologia e pele, por meio de funções neurológicas que acionam a
empatia cinestésica que acontece a partir dos estímulos e cuja função é enviar
sinais eletroquímicos até a parte do córtex cerebral correspondente à área
sensório-motora, fazendo com que tenhamos percepção de como nos movemos,
onde estamos no espaço e o estado geral do nosso corpo. Segundo Karen Perlman
(2009, p.12), o que um editor pode fazer ao criar ritmo em imagens em movimento é
envolver sua memória corporal e/ou espelhar, neurologicamente, partes do que ela
vê e ouve.8 Durante o processo de edição, você passa a habitar as imagens no
quadro, é uma troca de informações em movimento.
Foi escolhida, assim, para dialogar com o nosso propósito, a linguagem do
cinema, por motivos de reflexão teórica e desenvolvimento prático, já que a edição

8
So, what an editor may be doing in making rhythm in moving pictures is engaging her corporeal
memory and/or mirroring, neurologically, parts of what she sees and hears.
14

de imagens gravadas em seu contexto histórico inicia no processo mecânico da


montagem cinematográfica em 1885. Já a edição digital data de 1995, quando o
primeiro filme com edição digital ganhou um Oscar de melhor edição, o que acabou
proporcionando uma diminuição de filmes montados mecanicamente e um aumento
na produção do cinema digital (MURCH, 2004). Ademais, será feita uma reflexão
sobre a criação de imagens poéticas no fluxo da edição digital.
No que diz respeito aos caminhos metodológicos que acompanham esta
pesquisa, destacamos seu caráter qualitativo, pois, conforme afirma Gil (1999),
trata--se de um método utilizado com o objetivo de problematizar e refletir sobre
determinado fenômeno.
Durante este estudo, encontramos quatro autores brasileiros que citam
diretamente a palavra coreoedição em seus processos criativos: Guilherme Schulze
(Videodança: uma proposta de formação - 2014); Larissa Barbosa (Dança
Transmídia: As táticas de corpo composto - 2016); Guilherme Fraga (De Arbeu ao
Robô: um percurso historiográfico sobre procedimentos de composição coreográfica
- 2017) e a minha pesquisa de trabalho de Conclusão de Curso (TCC) (Imagens em
fluxo: uma perspectiva da videodança - 2018). Foram feitas buscas no google
acadêmico, festivais e repositórios acadêmicos com o intuito de demonstrar a
relevância do trabalho. Pretende-se, nesta análise, olhar para a coreoedição em seu
processo criativo a fim de construir conhecimento acerca da relação da dança com
os equipamentos de filmagem e edição digitais.
Para tal, esta dissertação será dividida em três capítulos subsequentes. No
primeiro, Movimento em múltiplos quadros e planos, partimos da análise histórica
das configurações da dança no cinema, apresentando um breve histórico sobre os
primeiros diálogos entre a dança e a montagem das imagens em movimento a partir
de coreógrafos e cineastas que contribuem para perspectiva dessas relações em
diálogo com o cinema e a videodança. No segundo, Fluxo coreográfico: um gesto
em cortes coreoeditados, será discutido o conceito de coreografia por meio de seu
contexto histórico, além disso, vamos refletir sobre o percurso da videodança
atualmente e será desenvolvida uma reflexão a partir da coreoedição com as
autoras Gretchen Schiller (2003) e Karen Pearlman (2009), dialogando com os
conceitos dos cineastas Sergei Eisenstein (2002), montagem/justaposição e Andrei
15

Tarkovsky (1998), plano sequência, a fim de promover uma reflexão sobre essas
técnicas e formas de ressignificação para videodança. Discutirei sobre a importância
dos softwares de edição para composição da coreoedição na linha coreográfica. No
terceiro capítulo, Coreovideodança, será apresentado meu percurso artístico e
docente, trazendo algumas reflexões e técnicas que podem ser desenvolvidas nas
residências artísticas do Cena Cumplicidades (2020 e 2021).
16

2 MOVIMENTO EM MÚLTIPLOS QUADROS E PLANOS COREOGRÁFICOS

2.1 PRIMEIROS REGISTROS EDITADOS

A dança é uma das manifestações humanas mais antigas. Rituais,


comemorações e confraternizações tribais são apenas alguns exemplos de onde
podemos encontrar vestígios de dança muito antes de pensá-la como é vista
contemporaneamente. Paul Bourcier (2001) propõe que a história da dança esteja
ligada à história da humanidade e que, ao longo dos tempos, a dança foi
transformada, a partir do desenvolvimento cultural do homem. É possível identificar
que o registro de movimento e a criação de imagem em movimento antecedam a
história do cinema e se configurem como formas de compreender os processos
tecnológicos e expressivos de cada período.
Uma imagem (Figura de Trois-Frère) que se tornou muito conhecida e é
datada de 10.000 a.C., encontra-se na gruta de Trois-Frère, próxima de
Montesquiou-Avantès (Ariège), é um dos registros mais antigos que trazem a
imagem de um ser em movimento, vestido com pele de animal dançando de forma
vertiginosa um ritual. Bourcier (2001) considera, em sua escrita, como dança
xamânica, um estado de transe. Acreditava-se que essa dança fosse uma forma de
comunicação espiritual através de intensos giros e movimentos. Nesse registro da
pré-história, o homem demonstra através de sua técnica e conhecimento, formas de
comunicação e expressão por meio do movimento corporal.
Figura 1 - Troi-Frère

Fonte: https://donsmaps.com/troisfreres.html
17

O movimento faz parte do corpo humano, seja através da dança ou de


qualquer outro tipo de expressão. Com o passar dos anos, os egípcios descobriram
formas de contar suas histórias em seus grandes templos; e os gregos e os
romanos, com suas técnicas de artesanato, esculpiam em vasos suas bravuras e as
danças dionisíacas. No renascimento, Sandro Botticelli traz em seus quadros as
divindades romanas que dançam em movimento com natureza e as estações do
ano.
Figura 2 - O nascimento de Vênus, Sandro Botticelli.

Fonte: https://www.saiacomarte.com/obra/nascimento-de-venus/

A obra mais conhecida de Botticelli é o Nascimento de Vênus, na qual temos


a figura central de Vênus dentro de uma concha nascida da mistura do sêmen de
Urano com a espuma do mar, podemos perceber pelo movimento em seu cabelo o
sopro do deus do vento Zéfiro que direciona a deusa até a ilha de Chipre, onde é
recebida pela primavera e coberta com seu manto de flores. Tudo ao redor da deusa
são símbolos da primavera, estação de novos começos e renovação da natureza.
Dessa forma, a imagem começa a conduzir narrativas, por meio da imaginação,
sobre povos que, por meio da técnica e da tecnologia de seu tempo, contavam
histórias sobre os acontecimentos e interesses de sua cultura.
Com o passar dos anos, a fotografia nasce em meio à revolução industrial e,
no século XIX, é construída a primeira máquina óptica que registrava um instante do
movimento fixado. Entretanto, é somente com o nascimento do cinema que as
imagens entram em movimento verossímil. É possível olhar para a tela de projeção
e perceber o corpo em movimento por meio de quadros, planos, ângulos e
18

processos de montagem. Com o desenvolvimento do cinema novas técnicas foram


sendo elaboradas para a captura de imagens em movimento, segundo Dorotea
Bastos:
Esse diálogo entre as novas tecnologias e o campo das artes torna-se ainda
mais evidente no cinema, o qual tem sido fonte de pesquisa e estudo por
várias gerações e é considerado um meio de comunicação de massa capaz
de influenciar na mudança de comportamento da sociedade. (BASTOS, 2013,
p.23).

Podemos considerar a história do cinema como um conjunto de


acontecimentos recentes para a humanidade, pois está datada apenas a partir de
1895, ano em que o cinematógrafo marca a sua criação. Em sua dissertação
Cinema, Dança e Videodança, Ana Nunes (2009) diz que a história do cinema se
assemelha muito com a história da dança. Para ser preciso com contexto histórico, a
dança moderna e o cinema entram em um diálogo de experimentação em
movimento.

2.2 ÂNGULOS E PLANOS

Para criação de uma imagem de natureza fílmica e para compreensão dos


leitores nesta pesquisa, é importante que todos tenham um entendimento de como
serão consideradas as diferenças entre a criação de ângulo e de plano nesta
dissertação, a partir dos estudos e práticas de autores na montagem e na edição de
filmes. Para reflexão, cito Karen Pearlman (2009), Gilles Deleuze (2004), Walter
Murch (2004), Katrina McPherson (2006), Maya Deren (1960), Serguei Eisenstein
(2002) e Andrei Tarkovsky (1998).
O ângulo diz respeito ao enquadramento, como enquadrar o que vejo por
meio da câmera e como interpretar essas imagens ao capturá-las no espaço. “O
quadro é o retângulo criado pela lente da câmera” (McPHERSON, 2006, p.25). O
quadro se faz presente no campo audiovisual. A partir de uma dinâmica múltipla,
você pode ter diferentes ângulos/quadros e criar uma conexão entre as imagens,
expressando uma ou mais ideias.
Chamamos enquadramento à determinação de um sistema fechado,
relativamente fechado, que compreende tudo o que está presente na
imagem, cenários, personagens e acessórios. O quadro constitui, portanto,
um conjunto que tem um grande número de partes, isto é, de elementos que
entram, eles próprios, em subconjuntos. (DELEUZE, 2004, p.18).
19

“O enquadramento é dividido em duas ou mais partes, nas quais duas ou


mais ações paralelas podem ser mostradas simultaneamente” (TARKOVSKY, 1998,
p.81) No quadro existe uma limitação espacial e manter-se consciente desse espaço
pode ampliar a criação e sobrepujar o seu limite. “Você pode treinar para entender o
impacto das diferentes formas de enquadramento. O mais importante é olhar
regularmente para o mundo - e corpos dançantes - através do visor de sua câmera”
(McPHERSON, 2006, p.25).
Mas, de acordo com o próprio conceito, os limites podem ser concebidos de
dois modos, matemático ou dinâmico: ou como condições para a existência
dos corpos cuja essência os limites vão fixar, ou como algo que se estende
precisamente até onde vai a potência do corpo existente. (DELEUZE, 2004,
p.20).

O plano, por sua vez, determina o tamanho dos personagens e objetos


apresentados em cada quadro, assim como qual parte deles veremos. A escolha do
plano controla o que podemos saber de um tema numa certa cena e também pode
exercer um efeito poderoso em nossa resposta emocional. Na criação de um plano
você expressa uma narrativa sequencial, criando uma atmosfera. “Quando os planos
são unidos, se configura uma cena” (MONTEIRO, 2017, p.20). Existem diversos
termos para designar a diversidade de planos9: plano geral, plano médio, plano
americano, primeiro plano (close-up), primeiríssimo plano, plano detalhe, plano
inicial e plano sequência,
Mas qualquer que seja, o plano tem sempre dois aspectos: por um lado,
apresenta modificações de posição relativa num conjunto ou conjuntos, por
outro, exprime mudanças absolutas num todo ou no todo. Em geral, o plano
tem uma face voltada para o conjunto, do qual traduz as modificações entre
as partes, e uma outra voltada para o todo, do qual exprime a mudança ou,
pelo menos, uma mudança. Disto decorre a situação do plano, que pode ser
definido abstratamente como intermediário entre o enquadramento do
conjunto e a montagem do todo. Ora voltado para o pólo do enquadramento,
ora para o pólo da montagem. O plano é o movimento considerado em seu
duplo aspecto: translação das partes de um conjunto que se estende no
espaço, mudança de um todo que se transforma na duração. (DELEUZE,
2004, p.27)

A noção de plano não se baseia em sua duração, já que são inúmeras as


possibilidades, e também não há parâmetros para determinar a quantidade de
planos num filme, é possível utilizar um único plano ou mais para criar uma cena. “O

9
No anexo da pesquisa, você pode encontrar de forma descritiva cada plano.
20

plano é como o movimento que está sempre assegurando a conversão, a circulação”


(DELEUZE, 2004, p.27).
(...) o plano é a determinação do movimento que se estabelece no sistema
fechado, entre elementos ou partes do conjunto. (...) o movimento diz
respeito também a um todo, que difere em natureza do conjunto. O todo é o
que muda, é o aberto ou a duração. O movimento exprime, portanto, uma
mudança do todo, ou uma etapa, um aspecto dessa mudança, uma duração
ou uma articulação de duração. (DELEUZE, 2004, p.26).

2.3 CINEMA AMERICANO O PRIMEIRO MOVIMENTO DA CÂMERA

A dança e o cinema, no final do século XIX, criam um diálogo de


experimentação e registro de gravação com uso de câmeras, sendo os primeiros
registros denominados enquadramentos, gravados em estúdios, onde a câmera
ficava estática e as imagens eram filmadas. “Os filmes eram gravados a partir de um
único lugar, o do espectador, e a função do técnico de montagem10 consistia em
dispor os planos uns a seguir aos outros por ordem cronológica da história narrada”
(DELEUZE, 2004, p.32). O processo de montagem era composto de histórias e
fantasias. Leonel Brum (2012) afirma que era uma prática de reprodução
teatral-filmada, seguindo a mesma lógica espacial do palco.
“Quando o cinema começou a se moldar, a dança já fazia parte do cotidiano
das pessoas há muito tempo” (BASTOS, 2018, p.1). Os primeiros registros da dança
com cinema consideravam o corpo do bailarino como uma experiência de registro
em movimento: “Esses registros de movimento se estabeleceram a partir de uma
lógica de câmera fixa que procurava enquadrar todo o corpo das bailarinas, dos pés
à cabeça, pois eram elas, as bailarinas, que se movimentavam, não a câmera”
(BRUM, 2012, p.80). O corpo era preso aos limites da tela, sem construir uma
relação com a câmera. A visão desses primeiros cineastas se limitava ao
enquadramento visual do corpo no cenário fixo e seus processos de montagem
tinham como objetivo apresentar narrativas por meio de entretenimento comercial.
Com essa perspectiva de registro, segundo Brum (2012), Thomas Edison

10
“Quando se fala em edição de filmes, a montagem é a palavra-chave para sua definição. A palavra
montagem vem de uma época que os rolos de filmes eram cortados e montados literalmente, para
criar as cenas e sequências. Para chegar à palavra edição eu vou seguir de forma cronológica até
ao processo atual de construção fílmico que são os softwares de edição. “A montagem constitui,
efetivamente, o fundamento mais específico da linguagem fílmica, e uma definição de cinema não
poderia passar sem a palavra ‘montagem’” (MARTIN, 2011, p. 147).
21

(1847–1931) filmou várias artistas, entre elas Annabelle Whitford Moore


(1878–1961), uma imitadora de Loïe Fuller (1862–1928) daquela época; Ruth St.
Dennis (1879–1968), que dançava uma “dança da saia” composta de grandes saltos
ao ar livre; e Catherina Bartho (1870–1943), dançando, em Princesa Rajah (1904),
uma espécie de dança do ventre segurando uma cadeira entre os dentes. Os
primeiros registros são pequenos vídeos filmados sem muito recurso de montagem.
Em 1899, um dos primeiros registros da montagem em diálogo com a dança
no cinema é uma obra feita por Méliès, Cinderella (1899)11. Nessa obra é possível
perceber as mudanças dos quadros a cada corte no filme. A montagem é usada com
objetivo de criar uma atmosfera de magia. Ao começar o filme é possível identificar
uma tentativa de cor no negativo. No decorrer das imagens, o filme permanece com
baixa saturação. Nessa obra narrativa, filmada de forma frontal com a câmera,
percebem-se os corpos amadores da técnica clássica. Os bailarinos clássicos
temiam perder a autenticidade de sua arte e foram resistentes a dialogar com o
cinema. Nos primeiros filmes, as dançarinas eram crianças se exibindo, com o
tempo foram substituídas por profissionais de vaudeville, cabarés ou teatro musical
(BRUM, 2011).
Figura 3 - Cinderella (1899), George Melies.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Wv3Z_STlzpc

O filme Cinderella (1899) tem uma visão clara dos teatros italianos. Segundo
Carlos Canelas (2010), Méliès era apaixonado pela magia dos espetáculos cênicos,
e ele encontra no cinema uma possibilidade de potencializar essas narrativas,

11
https://www.youtube.com/watch?v=Wv3Z_STlzpc&t=45s Ciderella, 1899. Star Film, Georges Méliès.
22

trazendo o espetáculo para o estúdio de gravação. Marcel Martins (2011) comenta


que Méliès não tinha noção da dimensão dos recursos da montagem, ele não
compreendeu a natureza dos planos e não suspeitava da dimensão da
imagem-movimento.
Uma década após essas experiências do cinema de Georges Méliès com o
ballet clássico, D. W. Griffith, no filme Intolerância (1916)12, realizou, com inúmeros
bailarinos da Denishawn School of Dance, o movimento de câmera conhecido hoje
por travelling; nele a câmera se movia para trás e para cima, mostrando a dimensão
do cenário e mostrando, de outra perspectiva, a coreografia dos bailarinos dançando
em uma escadaria. Para realização desse plano, a câmera foi colocada em um
elevador e deslizava sobre trilhos, proporcionando uma alteração e intensificação na
qualidade estética do plano filmado e no impacto cinético do movimento da dança.
Griffith aproxima a câmera do corpo (close-up), e faz da montagem uma força de
expressão, revelando dramaturgias com fragmentos. Martin (2011) e Canelas (2010)
salientam que se não foi Griffith o inventor nem da montagem nem do plano
sequência, pelo menos foi ele o primeiro a saber organizá-los e a fazer deles um
meio de expressão.
Figura 4 - Intolerância! 1916), D. W. Griffith.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=O7Ak36xJPQs

Percebe-se que a organização da montagem, com o passar do tempo, rompe


os padrões fixos da câmera e a montagem começa a contribuir com movimento da
câmera no filme, começando a dialogar com corpo, tempo e espaço no plano,

12
https://www.youtube.com/watch?v=O7Ak36xJPQs Assista à tomada feita em 2:04:40
23

criando uma aproximação e construindo dramaturgias. Deleuze (2004) chama esse


processo de “imagem-movimento”. Para ele, o movimento já começa no plano e na
montagem, não quando as câmeras saem do estúdio.
Mas, se perguntamos como se constituiu a imagem-movimento, ou como o
movimento se liberou das pessoas e das coisas, constatamos que isto se
deu sob duas formas diferentes, e, nos dois casos, de maneira
imperceptível: por um lado, evidentemente, através da mobilidade da
câmera, quando o próprio plano torna-se móvel; mas por outro lado,
também, através da montagem, isto é, do raccord de planos, cada um ou a
maioria dos quais podiam perfeitamente continuar fixos. (DELEUZE, 2004,
pg.33).

Percebe-se que, para mover a câmera, não é preciso acompanhar um objeto


ou uma pessoa durante as gravações, com a câmera fixa também é possível criar
movimento. É possível ajustar os enquadramentos relacionando-os com movimento
e espaço durante o processo de montagem, ampliando o ritmo da imagem. O
cinema soviético fazia isso muito bem, relacionando dois quadros fixos, ou em
movimento, para ampliar a dramaturgia das suas obras.
Entre os anos 1910 e 1925, dois cineastas foram fundamentais na
constituição da importância da montagem para o desenvolvimento da
linguagem cinematográfica: David W. Griffith e Serguei Eisenstein. O
primeiro é reconhecido por introduzir o procedimento da montagem paralela
para a criação de tensões por meio da alternância de planos. Já Eisenstein
está inserido na escola da montagem soviética, ao lado de outros
importantes nomes como Esfir Chub, Liév Kulechov, Dziga Viértov, dentre
outros, cujas experimentações ressaltam aspectos que extrapolam a
constituição de uma narrativa fílmica e, graças às soluções criativas
permitidas pela montagem, voltam-se às questões da expressividade da
imagem artística e do discurso cinematográfico. (BARROS, 2019, p.31).

2.4 A DIALÉTICA DA MONTAGEM: CINEMA SOVIÉTICO

A partir do cinema soviético, é possível perceber uma mudança de interesse


na criação da montagem com Lev Kulechov, Vsevolod Pudovkin, Sergei Eisenstein e
Dziga Vertov, cineastas da União Soviética famosos devido aos seus estudos sobre
as técnicas da montagem cinematográfica, expondo diversas teorias acerca das
possibilidades narrativas, expressivas e plásticas desse recurso (CANELAS, 2010).
Dentre eles, destacamos dois grandes nomes: Lev Kulechov, que ficou
conhecido pelo efeito de Kulechov e foi o pioneiro de toda a estética da montagem
soviética; e Sergei Eisenstein, que ficou conhecido por sistematizar, a partir do ritmo
da imagem, cinco métodos de montagem que também se encontram empregados
24

em seus filmes. Os métodos são uma progressão dialética em que cada um engloba
o anterior e o supera: montagem métrica, montagem rítmica, montagem tonal,
montagem atonal e montagem intelectual (justaposição).
O efeito Kuleshov foi umas das primeiras experimentações do cinema
soviético, intercalando um grande plano inexpressivo e neutro de um ator, chamado
Mosjukhin, com três planos distintos:
Figura 5 - Fome

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=DwHzKS5NCRc
Figura 6 - Tristeza

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=DwHzKS5NCRc
Figura 7 - Desejo

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=DwHzKS5NCRc
25

Canelas (2010) salienta que o público, após o visionamento das imagens,


interpretou as três sequências como a de um homem com fome, um marido triste e
um adulto feliz. No entanto, o plano do ator era sempre o mesmo. Kulechov
demonstra que a construção de planos pode depender exclusivamente da relação
das imagens, o espectador vai olhar para imagem a partir da sua percepção e
experiência. A montagem cria múltiplos sentidos na imagem, é uma coreografia que
revela sentidos e sensações manipulados pelo editor.
A montagem ajuda na solução desta tarefa. A força da montagem reside
nisto, no fato de incluir no processo criativo a razão e o sentimento do
espectador. O espectador é compelido a passar pela mesma estrada criativa
trilhada pelo autor para criar a imagem. O espectador não apenas vê os
elementos representados na obra terminada, mas também experimenta o
processo dinâmico do surgimento e reunião da imagem, exatamente como
foi experimentado pelo autor. E este é, obviamente, o maior grau possível
de aproximação do objetivo de transmitir visualmente as percepções e
intenções de autor em toda sua plenitude, de transmiti-las com “a força de
tangibilidade física”, com a qual elas surgiram diante do autor em sua obra e
em sua visão criativa. (EISENSTEIN, 2002, p.25).

Apesar de não ter sido o inventor da montagem, Sergei Eisenstein foi um


grande estudioso que escreveu sobre o processo e ampliou a discussão. O autor
criou diversos métodos de montagem através da percepção do seu ponto de vista
teatral. Ainda ligado ao teatro e fortemente influenciado por um referencial teórico
pavloviano13, elaborou o conceito de montagem de atração (CANELAS, 2010),
referindo-se às diferentes partes dentro das sequências e dos filmes que poderiam
atrair a atenção do espectador (PEARLMAN, 2012). A atração, do ponto de vista
teatral, pode ser entendida como “todo aspecto agressivo do teatro, ou seja, todo
elemento que submete o espectador a uma ação sensorial ou psicológica
experimentalmente verificada e matematicamente calculada” (EISENSTEIN, 2002, p.
189). A montagem de atrações baseia-se no movimento expressivo com o intuito de
introduzir no espectador determinados choques emocionais, atraindo-o e
envolvendo-o emocionalmente, possibilitando assim uma associação de imagens
por meio de suas experiências.

13
Análise sobre o comportamento humano com uma ênfase nos reflexos, que são nada mais do que
a resposta automática aos estímulos do ambiente que nos rodeia.
26

Para os cineastas russos, a força do cinema se obtém na sala de montagem14


na ligação entre dois ou mais quadros. É a partir do conceito de cinema de
montagem que Eisenstein desenvolve sua teoria, a justaposição. Segundo ele, duas
imagens colocadas lado a lado criam um significado novo, uma terceira imagem. A
justaposição é o quinto elemento desse processo, antes dele, outros quatro
elementos delineiam o método da montagem. Pretende-se aqui exemplificar e
ilustrar os cinco processos técnicos, para ampliar a discussão e a reflexão das
possibilidades criativas.
“A montagem métrica caracteriza-se por ser fragmentos únicos de acordo com
seus comprimentos através de uma fórmula semelhante a de um compasso musical”
(Eisenstein, 2002, p. 79). Nesse tipo de montagem, a tensão da cena é obtida de
acordo com a aceleração, assim como em um compasso musical. A montagem
métrica é a conexão entre quadros que gera uma cadência.
Figura 8 - 911 (Short Film) - Lady Gaga, 2020.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=58hoktsqk_Q

Esse tipo de procedimento é bastante utilizado atualmente em videoclipes.


Canelas (2010, p.8) assinala que
“[...] independentemente do seu conteúdo, encurtar a duração temporal dos
planos diminui o tempo que o público tem para absorver a informação de
cada um deles, por conseguinte, esse procedimento aumenta a tensão da
cena”. (CANELAS, 2010, p. 8).

O clipe 911, dirigido pelo cineasta indiano Tarsem Singh (1961) e interpretado
por Lady Gaga, é um ótimo exemplo. As transições nessa obra seguem um
compasso bem-marcado por uma batida sonora, a cada transição, aparece um
quadro indicando um novo espaço e aspectos narrativos do clipe.

14
Pensamento contrário de Tarkovsky, para ele, cada quadro possui seu próprio tempo e elementos
de montagem, a montagem acontece na construção do quadro e não só na moviola (na edição).
27

Figura 9 - Videodança SWINE #1MinutoApenas

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=B3ekwepgrw4

A videodança Swine lll (2019) é uma obra gravada por mim em parceria com
Tiago Lima15. Na edição dessa obra optei pela técnica métrica criando uma conexão
entre os quadros, ao ritmo da canção Swine (2013) da cantora Lady Gaga. Tendo
em vista o ritmo da música como condutora da imagem, vivenciar essa técnica me
fez perceber as escolhas que podem transformar o fluxo da imagem. A condução
pela música pode potencializar ou negar a narrativa da imagem. Essa obra ganhou o
prêmio Galinha Choca como obra revelação no ano de 2019, no Festival de Cinema
Sertão e Diversidade da Cidade de Quixadá/CE. Era a única obra de dança no
festival de cinema.
A montagem rítmica é a organização linear dos quadros, levando em
consideração a narrativa da imagem de forma contínua no espaço. Nesse processo
a imagem não precisa seguir uma cadência. Carlos Canelas (2010) frisa que esse
tipo de montagem está relacionado com a continuidade visual entre planos. De
acordo com o mesmo autor (CANELAS, 2010), esse tipo de procedimento tem
considerável potencial para demonstrar conflitos, porque a oposição pode ser
representada a partir de diferentes direções dos elementos no quadro, bem como
por diferentes enquadramentos de uma mesma imagem. Nesse processo os cortes
direcionam a percepção do espectador.
O filme Flash Dance, da década de 80, com direção de Adrian Lyne (1941),
narra a história da personagem Alex que sonha em fazer parte de uma renomada
companhia americana. A dramaturgia traz o cotidiano da personagem até a cena
final da audição. No primeiro quadro, Alex encontra-se sentada amarrando seus
sapatos e nesse quadro é possível perceber a tensão da personagem. A imagem

15
Fotógrafo, videomaker e artista de Natal/RN.
28

corta para uma porta que se abre e Alex encontra a sua frente a banca avaliadora da
sua performance de dança. Em seguida, ela fecha a porta e um plano sequência
acompanha seus passos até uma vitrola. Um ângulo fixo mostra Alex abrindo a
bolsa e tirando um disco, no mesmo instante, em plano americano, os jurados
aparecem sentados. A câmera enquadra os pés de Alex, que segue para o centro da
sala. A música cria uma transição em corte que logo mostra a personagem
interpretando a canção What A Feeling, de Irene Cara (1959). Esse jogo de quadros
e planos permanece dentro de um único espaço traçando uma narrativa rítmica da
montagem. Em nenhum momento o quadro foge para um lugar externo, ele
permanece no fluxo da cena potencializando a coreografia e a narrativa da obra.
Figura 10 – Flash Dance - Final Dance / What A Feeling (1983)

Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=VzALZjoIx0g

A montagem tonal cria um estado emocional dos planos que vão agir sobre o
espectador. Os planos são maiores e “seu sentido é mais amplo que a montagem
rítmica, a movimentação abrange mais sensações” (TERRA, 2012, p.4). Na
montagem tonal, o movimento é percebido num sentido mais amplo, todo elemento
no plano é percebido pelo espectador. “Aqui, a montagem se baseia no
característico som emocional do fragmento – de sua dominante. O tom geral do
fragmento” (Eisenstein, 2002, p. 143).
Figura 11 - Climax, 2019

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Hwkacrln26o
29

O filme Climax, com direção de Gaspar Noé (1963), segue uma montagem
tonal por meio dos seus longos planos em que a música proporciona uma
sensação psicodélica ao espectador. No início do filme um grupo de jovens dança
intensamente uma música eletrônica. A câmera, em um plano sequência,
movimenta-se no espaço por 4 minutos, acompanhando o ritmo e os corpos dos
intérpretes em movimento. Uma única canção potencializa a imagem, não como
transições (montagem métrica), mas, como elemento que compõe a dramaturgia da
obra.
A Montagem atonal, por sua vez, apresenta cenas em espaços diferentes,
que, juntas no filme, expressam uma ideia ao espectador. Nesse processo, as
imagens desenvolvem uma dramaturgia de acontecimentos em diferentes lugares ao
mesmo tempo. Essa expansão do tempo no espaço cria uma tensão na conexão da
imagem. No filme, o espectador compreende essa narrativa a partir do diálogo da
montagem e dos fluxos de acontecimentos simultâneos.
Figura 12 - Blush, 2005.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=QtKUONLBP-8&t=2416s

Nesse filme, o processo de montagem atonal é bem presente. A imagem aqui


traz duas cenas em espaços diferentes e horários similares. Ambas apresentam
diferentes sequências e juntas, na edição, criam uma única dramaturgia, dois
acontecimentos ao mesmo tempo, só que em lugares diferentes.
Uma das técnicas mais utilizadas por Eisenstein é a justaposição, nesse
processo o editor une duas imagens de contextos diferentes e cria um diálogo entre
elas. A justaposição é maior que a soma das partes envolvidas. Para exemplificar
esse processo trago alguns frames do filme A Greve (Sergei Eisenstein) - 1925.
30

Figura 13 - A Greve, 1925.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=VD40vLjRaNA

O filme traz a narrativa da exploração de trabalho e as péssimas condições


em que se encontram os trabalhadores de uma fábrica na Rússia. No final do filme
os empregados resolvem ir às ruas lutar por seus direitos e são recebidos por tiros e
violência pela polícia, para simular a morte e o medo desses personagens,
Eisenstein relaciona duas imagens que trazem a sensação de morte e violência no
filme. À medida que as pessoas correm desesperadas, ele cria uma justaposição
com imagens de vacas sendo mortas em um abatedouro. A violência sobre esses
corpos é cinestésica, nossa percepção logo desenvolve a dramaturgia da cena. A
justaposição de duas figuras, uma junto à outra, só acontece na mente do
espectador que, munido de suas referências e cultura, cria o significado para o
conjunto. Significado este programado pelo editor.
A montagem consiste em que a emoção e o raciocínio interferem no processo
de inteligência, criação e sensibilidade do espectador. A individualidade do
público-performer é o dispositivo fundamental no conceito de montagem de
Eisenstein:
A força do método [de montagem] reside também no fato de que o
espectador é arrastado para o ato criativo no qual sua individualidade não
está subordinada à individualidade do autor, mas se manifesta através do
processo de fusão com a intenção do autor, exatamente como a
individualidade de um grande ator se funde com a individualidade de um
grande dramaturgo na criação de uma imagem cênica clássica. Na
realidade, todo espectador, de acordo com sua individualidade, a seu
próprio modo, e a partir de sua própria experiência – a partir das entranhas
de sua fantasia, a partir da urdidura e trama de suas associações, todas
condicionadas pelas premissas de seu caráter, hábitos e condição social,
cria uma imagem de acordo com a orientação plástica sugerida pelo autor,
levando-o a entender e sentir o tema do autor. É a mesma imagem
concebida e criada pelo autor, mas esta imagem, ao mesmo tempo, também
é criada pelo próprio espectador. (Eisenstein, 2002, p. 29).
31

Eisenstein colocava o espectador no dispositivo crítico da montagem,


direcionando ações que apresentavam uma ou mais ideias sendo direto na narrativa
de suas obras por meio de cortes e de justaposição. Gilles Deleuze (2004) via, na
montagem de Eisenstein, uma dialética orgânica na criação de imagens.
Após o cinema soviético, surgiram grandes movimentos e pensamentos que
foram ampliando o discurso do cinema e seu formato de filmagem e montagem,
foram eles Cinema de Vanguarda (França e Alemanha, 1920), Surrealismo (1920),
Neo-realismo Italiano (1940), Cinema Experimental (Estados Unidos, 1940) e a
Nouvelle Vague (1950).

2.5 ANDREI TARKOVSKY, MÚLTIPLOS DISCURSOS EM UM PLANO

Em oposição às técnicas do cinema de montagem de Eisenstein, Andrei


Tarkovsky acredita que a imagem quando captada possui elementos de composição
no espaço filmado que ajudam a impulsionar a narrativa da obra. A montagem, para
ele, deve ajudar a manter o ritmo, o fluxo de tempo no filme fazendo com que o
espectador tenha sua própria relação com a imagem, sem buscar por raciocínio
lógico na imagem norteando por um único caminho exato, mas que essa imagem
possa mostrar diferentes percursos por onde o espectador possa andar e imaginar
livremente por meio da sua relação com a imagem na tela.
Tarkovsky utiliza o plano sequência na maioria de suas obras, por meio de
uma única tomada gravada com a câmera fazendo um movimento de travelling.
Esse artista utiliza os recursos da filmagem para compor sua edição durante a
gravação. É possível perceber em suas obras o espaço como um potente vetor.
As cenas da obra O Espelho (1975) são marcadas por diversos planos
sequências nos quais as transições surgem no espaço filmado. Portas e janelas são
portais que conectam uma película a outra, deixando o corte da imagem sutil quando
juntada a outras películas. Uma técnica utilizada por ele em seus filmes é o
movimento de câmera que acompanha o personagem e se mantém no espaço,
criando um diálogo entre o corpo, o espaço e a câmera. Ao assistir a obra, O
Espelho, o espectador se sente inserido no filme, este traz uma experiência da fala
32

do personagem, da localidade onde acontece a narrativa e do movimento de câmera


que captura os elementos que compõem aquele espaço. Tarkovsky insere o
espectador no filme, fazendo com que ele sinta o movimento da câmera, andando
pelos corredores das casas e dos prédios, criando uma experiência tridimensional
capaz de nos direcionar por meio de nossos sentimentos, memórias, imaginação e
percepção.
Não aceito os princípios do "cinema de montagem" porque eles não
permitem que o filme se prolongue para além dos limites da tela, assim
como não permitem que se estabeleça uma relação entre a experiência
pessoal do espectador e o filme projetado diante dele. O "cinema de
montagem" propõe ao público enigmas e quebra-cabeças, obriga-o a
decifrar símbolos, diverte-se com alegorias, recorrendo o tempo todo à sua
experiência intelectual. Cada um desses enigmas, porém, tem sua solução
exata, palavra por palavra. Assim, creio que Eisenstein impede que as
sensações do público sejam influenciadas por suas próprias reações àquilo
que vê. (TARKOVSKY, 1998, p.140).

Tarkovsky reconhece a importância da montagem, quando ela se faz


necessária para criar um fluxo entre os cortes e a junção dos quatros. A montagem
não precisa ser o principal fator, ela deve ser a passagem do tempo de um quadro
para outro. “A montagem não gera nem recria uma nova qualidade; o que ela faz é
evidenciar uma qualidade já inerente aos quadros que ela une” (TARKOVSKY, 1998,
p.141). O quadro no filme é composto por uma tensão de tempo e quando você une
duas ou mais partes com a mesma força e densidade você libera esse fluxo, criando
uma profundidade de campo tridimensional no filme. Com a profundidade de campo,
o espectador tem uma relação mais próxima da imagem, seu olhar se torna
contemplativo ao espaço do filme presente na tela, “enquanto que, na montagem
analítica, ele só precisa seguir o guia, dirigir sua atenção para a do diretor, que
escolhe para ele o que deve ser visto” (BAZIN, 1991, p. 77).
A profundidade de campo mergulha no espaço filmado, trazendo uma relação
visual que resulta no próprio poder da câmera em adentrar a cena e mostrar
diferentes ações, diferentes informações que acontecem simultaneamente. O
movimento da câmera nos aproxima de forma orgânica e poética.
“Quando falo de poesia, não penso nela como gênero. A poesia é uma
consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a
realidade. Assim, a poesia torna-se uma filosofia que conduz o homem ao
longo de toda a sua vida”. (TARKOVSKY, 1998, p.12).
33

A poética presente nas imagens de Tarkovsky são fragmentos da percepção


do artista que projeta o seu mundo interior por meio da arte cinematográfica.
Os artistas se dividem entre aqueles que criam seu próprio mundo interior, e
aqueles que recriam a realidade. Pertenço, sem sombra de dúvida, à
primeira categoria — isso, porém, não muda nada: meu mundo interior pode
ser de interesse para alguns, enquanto outros permanecerão frios diante
dele, quando não irritados. A questão é que o mundo interior criado através
de recursos cinematográficos deve sempre ser tomado como realidade,
estabelecido objetivamente na imediação do momento registrado.
(TARKOVSKY, 1998, p.141).

Existem duas formas de criação importantes para esta dissertação que são
apontadas por Tarkovsky que parte do mundo interior do artista. A primeira diz
respeito à relação que construímos com outras obras artísticas: dança, música,
literatura, teatro, e como somos afetados de forma que esses afetos se transformam
em imagem em nossa percepção. Um dos exemplos que posso citar é a minha
relação com obras cênicas de dança e como me sinto afetado por elas a ponto de
querer deslocar seu movimento para os espaços urbanos.
A segunda é a nossa relação com o mundo e como criamos poéticas por meio
de nossas experiências, através dos nossos corpos e histórias. Criar por meio do
nosso corpo e memórias são desafios que buscamos em meio a complexidade dos
nossos sentimentos, para mim, buscar esse lugar é olhar de forma consciente para
relação que tenho com mundo e como me projeto nele. Foi dessa forma que criei a
videodança Crisálida (2020) em meio ao caos pandêmico da covid-19 que afetou a
vida e a história de muitas pessoas no mundo. Irei falar mais sobre essa experiência
no terceiro capítulo.
Figura 14 - Crisálida (2020), André Rosa.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=2tt8BzZ8EJI&t=5s
34

Voltando para as obras de Andrei Tarkovsky, destaco a obra O Espelho


(1975), que já foi citada nesta dissertação e agora pretendo mergulhar nela. Não vou
fazer uma análise dessa obra, por isso optei pela palavra mergulhar, saltar em meio
ao mar das memórias desse artista. Para mim essa obra traz em seu contexto a
ordem em desordem dos acontecimentos que fazem parte das nossas lembranças.
É impossível ter plena consciência dos detalhes dos acontecimentos que ocorrem
em nossa vida sem nosso cérebro criar fragmentações. A obra O Espelho traz essa
sensação poética da vida em sua narrativa. São fragmentos de acontecimentos que
são lançados ao espectador de forma múltipla, criando camadas reflexivas sobre o
passado, presente e futuro. Destacarei duas cenas da obra que me fizeram refletir
sobre seu processo técnico e narrativo.
A primeira cena que pretendo destacar16 inicia-se dentro de casa com a
câmera fixa em um cenário que parece uma cozinha, essa mesma câmera ganha
movimento quando duas crianças se levantam rapidamente da mesa correndo com
expressão de curiosidade após sua mãe chamá-las. A mãe pede para as crianças
ficarem em silêncio, pois está acontecendo um incêndio. A câmera desliza pelo
interior da casa e um movimento sutil ao mesmo tempo capta o movimento de um
objeto que cai da mesa, o som de um objeto de vidro, o gato preto sentado no
banco, o cão que late lá fora, o som da chuva, os sons acompanham o movimento
da câmera que vai se distanciando da cozinha e para de frente ao espelho. Uma luz
brilhante reflete revelando um incêndio que está acontecendo num palheiro
localizado no exterior da casa, logo em seguida um homem grita e uma outra criança
aparece, a câmera acompanha o movimento da criança saindo de dentro da casa e
mostrando o incêndio. A sonoridade do fogo e da água ficam mais intensas.
Figura 15 - O Espelho - Andrei Tarkoysky (1974).

16
https://www.youtube.com/watch?v=CYZhXm02kN0 cena 00:14:33
35

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=CYZhXm02kN0

Nessa cena é perceptível o conjunto de elementos que formam a poética


através do movimento de câmera em um plano sequência. Tudo acontece de forma
orgânica em sua dramaturgia. A câmera move a nossa percepção ao mesmo tempo
que adentramos aos detalhes da cena, a sonoridade é uma transição ativa que narra
o percurso da câmera.
A próxima cena17 que pretendo comentar é posterior à cena do incêndio.
Nela, Tarkovsky utiliza o plano sequência e, em alguns momentos, ele faz uso de
cortes utilizando o efeito Kuleshov. A cena inicia com uma criança dormindo, que
acorda chamando por seu pai, ela levanta e a câmera a segue até o meio do
cômodo quando a personagem para e observa uma peça de roupa que é lançada no
ar. Um corte acontece mostrando um homem que enche uma bacia de água para
uma mulher lavar seus cabelos abaixada. Ela levanta e a câmera segue
acompanhando-a. Em seguida a câmera vai criando uma distância do seu corpo. A
bacia com água some em um plano geral, agora só temos o corpo da mulher com
seus cabelos e vestido molhados, um corte na imagem é feito, fazendo a mulher
desaparecer e a sala onde ela lavava seu cabelo começa escorrer água pelo teto e
paredes. A sala vai desabando e outro corte acontece, agora acompanha a mulher
que caminha dentro de casa até encontrar uma toalha e para diante do espelho
onde olha para sua imagem envelhecer.

17
https://www.youtube.com/watch?v=CYZhXm02kN0 cena 00:17:17
36

Figura 16 - O Espelho - Andrei Tarkoysky (1974).

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=CYZhXm02kN0

Essas cenas que foram apontadas por mim continuam suas narrativas ao
longo do filme que tem quase duas horas de duração. Tarkovsky comenta que
quando fez O Espelho não tinha percepção de como as cenas seriam juntadas no
processo de montagem, ele só tinha certeza de que gostaria de materializar suas
memórias. E por serem memórias de infância as imagens não deveriam aparecer de
forma linear-casual, as imagens deveriam ser as próprias lembranças do artista.
Uma das grandes crises de Tarkovsky nesse filme diz respeito ao roteiro, que
passou por diversas modificações até a conclusão do filme.
(...) O Espelho ilustra o meu ponto de vista de que o roteiro é uma estrutura
frágil, viva e em constante mutação, e que um filme só está pronto no
momento em que finalmente terminamos de trabalhar com ele. O roteiro é a
base a partir da qual tem início a exploração, e, durante todo o tempo em
que estou trabalhando num filme, sinto a angústia permanente de que talvez
nada resulte dele. (TARKOVSKY, 1998, p.157).

Quando nos dedicamos à criação de imagens com aparato de câmera e


métodos de montagem (edição), é preciso deixar sentir o processo e os
acontecimentos, perceber o movimento da obra que ganha vida a cada segundo
filmado no espaço. Ao iniciar um processo, seja com roteiro ou por meio de nossa
intuição, estamos sujeitos a vivenciar mudanças.
37

Temos duas perspectivas de montagem discutidas até então: analítica


(Eisenstein) e plano sequência (Tarkovsky) que são importantes para esta
dissertação, ideias opostas no sentido estético e de procedimento. Ambas as formas
de criação não estão sendo comparadas por acertos ou erros, mas quero que o
leitor perceba que existem técnicas que dizem respeito à criação de movimento e de
ritmo no vídeo que se dá por meio do processo de edição. Embora Eisenstein e
Tarkovsky tenham, em geral, pensamentos opostos, ambos defendem a criação de
ritmo e movimento por meio do processo de montagem. Sergei Eisenstein nos
mostra a importância de cortar uma imagem e juntá-la a outras sem perder a
qualidade emocional expressa no quadro, Andrei Tarkovsky nos revela que um plano
sequência pode ser um processo de montagem em movimento quando nos
relacionamos com o espaço e seus acontecimentos. Venho utilizando essas técnicas
para deixar a minha coreoedição mais consciente e meus ensinamentos também.
Isso de fato vem potencializando as minhas obras e me fazendo enxergar múltiplas
poéticas e outros trabalhos audiovisuais.
Após falar citar Eisenstein e Tarkovsky, é importante mencionar também a
cineasta Maya Deren (1917–1961), posterior a Eisenstein e anterior a Tarkovsky. As
obras criadas por essa artista trazem o discurso da coreografia como principal vetor
na criação de movimento e imagem no cinema de vanguarda americano. Em
meados do século XX, o coreocinema (choreocinema) foi o termo que surgiu em
conexão com o curta-metragem de Maya Deren e Talley Beatty (1918–1995), A
study in choreography for camera (1945)18. John Martin, responsável pelo termo
choreocinema afirma que, neste tipo de união, cineastas e coreógrafos trabalharam
unidos para a criação de “algo que não poderia existir sem a fusão dessas duas
artes” (SNYDER, 1965, p. 34), neste caso, fazendo referência à arte da dança e do
cinema. É possível identificar na obra de Deren uma relação estética com Eisenstein
e Tarkovsky. Sua técnica de montagem traz referências claras de Eisenstein e a sua
manipulação de câmera no espaço, através de planos-sequência, remetem ao
cinema de Tarkovsky.

18
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dk4okMGiGic
38

2.6 O CHOREOCINEMA DE MAYA DEREN

Maya Deren era russa e migrou para os Estados Unidos ainda criança. Na
década de 1930, estudou fotografia e cinematografia. Ainda jovem, Deren teve
contato e começou a trabalhar com nomes que, junto ao seu, são considerados
como parte do cinema de vanguarda dos Estados Unidos, como Marcel Duchamp e
Man Ray. Os trabalhos de Deren receberam reconhecimento por unir a dança e o
cinema, ficando conhecidos como choreocinema. O contato da artista com a dança
partiu da sua relação com Katherine Dunham e sua companhia de dança, com quem
Deren trabalhou em 1941, em viagem para o Haiti, onde ela aprendeu sobre as
tradições da dança ritual do Voudoun (vodu) haitiano19.
Nas décadas de 1930 e 40, o ritual era geralmente entendido, pelas
comunidades artísticas e acadêmicas na Europa ou EUA, como uma
sobrevivência ou retenção de um estágio mais primitivo de desenvolvimento
humano e que não tinha relevância para as pessoas modernas
intelectualizadas como Deren e Dunham. Nenhuma das artistas, entretanto,
considerava o ritual como irrelevante para as pessoas modernas. Cada uma
delas usou experiências com vaudun haitiano para criar obras que foram
fundamentais em uma abordagem africana para os corpos que dançam
(embora no caso de Deren isso raramente tenha sido reconhecido pelos
estudiosos). (BURT, 2016, p.45).

Dunham desenvolveu obras cênicas de dança com sua companhia e Deren


buscou utilizar das técnicas cinematográficas para projeção e criação de seus filmes,
ambas trouxeram suas experiências vividas com dança no Haiti. Deren colaborou
com a companhia de Duham para criação de suas obras, com o coreógrafo e
bailarino negro Talley Beatty em 1945 para fazer A Study in Choreography to the
Camera e com a bailarina Rita Christiani, que contribuiu para o filme Ritual in
Transfigured Time, de 1946.
Uma das observações mais conhecidas de Deren sobre filmes de dança é
que, através do uso de edição para manipular o tempo e o espaço, é possível criar
uma coreografia que exista no filme, mas que seria impossível de se executar de
forma cênica. Por exemplo em Ritual in Transfigured Time, a manipulação de
imagens repetidas por diferentes ângulos e aproximação da câmera causam, no

19
Deren cria obras a partir dessa experiência, a mais conhecida é Ritual in Transfigured Time, 1946.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PCrq7xwGnUU
39

espectador, um Déja-vu, um impulso cinestésico na percepção quando as imagens


são associadas umas às outras, segundo Maya Deren:
A repetição de cenas de uma situação casual envolvendo muitas pessoas
pode ser usada num contexto profético, como um déjà-vu; a reiteração
exata, através da alternância de quadros repetidos daqueles movimentos,
expressões e trocas espontâneos, pode também mudar a qualidade da cena
de uma informalidade para uma estilização coreográfica; desse modo ela
atribui dança a não dançarinos, mudando a ênfase do propósito do
movimento para o movimento em si, fazendo assim com que um encontro
social informal adquira a solenidade e a dimensão de um ritual. (BURT,
2016, p.45).

Em Ritual in Transfigured Time, a intérprete inicia o filme entrando em conflito


com o espaço e com as pessoas em sua volta em um contexto onírico. Criando uma
realidade paralela e abstrata revelando, no ritmo do filme, uma coreografia entre as
transições espaciais, expondo a tensão da dramaturgia da imagem, o frame do
vídeo congelado por segundos cria uma pausa no fluxo da fotografia.
Figura 17 - Maya Deren Ritual in Transfigured Time (1946)

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=nkBx7vaCbic

Deren acreditava que a câmera e o corpo poderiam construir uma dramaturgia


interativa, possível de criar novas dimensões a partir do espaço explorando as
possibilidades técnicas da montagem. Ela denunciou que, com a aproximação de
dramaturgos e atores modernos do teatro, o cinema Hollywoodiano na década de 40
passou a buscar uma fidelidade ao realismo. Alguns diretores dessa época
consideravam a imagem como um sistema de informações e não de intenções,
tendo como principal objetivo representar o real (DEREN, 1960), privando o meio
cinematográfico de sua dimensão criativa. Os personagens passaram a se tornar
celebridades.
O início da história do cinema é cravejado de figuras arquetípicas: Theda
Bara, Mary Pickford, Marlene Dietrich, Greta Garbo, Charles Chaplin, Buster
40

Keaton etc. Estes aparecem como personagens, não como pessoas ou


personalidades, e os filmes que foram estruturados em torno deles eram
como mitos monumentais que celebravam verdades cósmicas. (DEREN,
1960, p.142).

A câmera, o corpo e o espaço, para Deren, são elementos essenciais para a


narrativa e a dramaturgia de uma obra fílmica. Não existe uma hierarquia na
construção do filme, pois todos os elementos são corpos em movimento. Uma
paisagem pode ser tão potente de informações quanto um diálogo expressivo que
nos direciona a uma ideia no filme.
O cinema pode, entretanto, substituir o artifício do teatro pela concretude de
paisagem, distâncias e lugares; as interrupções dos intervalos podem ser
transpostas em transições que sustentam e, até mesmo intensificam, a
importância do desenvolvimento dramático; e assim, como eventos e
episódios, podem não ser convincentes em seu aspecto e lógica dentro do
contexto do artifício teatral; no cinema eles podem se revestir da veracidade
que emana da realidade da paisagem ambiente, do sol, das ruas e dos
edifícios. (DEREN, 1960, p.144).

Deren abriu espaço para o experimentalismo em uma era que favorecia os


filmes de documentário ou variedade comercial de entretenimento entre dança e
música (filme musical). Segundo Maíra Spanghero (2003), Maya Deren era “hábil no
tratamento da iluminação, alternando perspectivas de espaço e tempo, criando
ilusão e explorando técnicas de edição” (SPANGHERO, 2009 p.33). Tal pensamento
é compartilhado por Erin Brannigan (2011), que ressalta as técnicas utilizadas por
Deren como slow-motion, freeze-frame e matches-on-action que alteram a
estabilidade da narrativa do plano sequência e apresentam características
cinestésica do diretor à cena.
A obra de Maya Deren tornou-se tão significante para a relação entre dança
e cinema que, por volta de 1946, o crítico de dança norte-americano John
Martin desenvolveu um termo, um neologismo, para especificar o tipo de
produção artística que Maya Deren realizava, na qual unia, de forma
colaborativa, o trabalho da câmera com o dançarino, não sendo possível
separá-los. Dessa forma, John Martin conseguiu sintetizar o trabalho de
Deren de junção do corpo humano em movimento e a técnica
cinematográfica com a expressão “choreocinema”. (BASTOS, 2013, p.46).

Ela ampliou o movimento da dança no processo da edição. Na obra The Very


Eye of Night (1958), os corpos dos intérpretes são lançados no espaço cósmico
vasto pela escuridão, usando o negativo fotográfico como filtro. As silhuetas dos
41

intérpretes se transformam em constelações, criando uma coreografia no céu infinito


por meio de uma sobreposição20 de imagens.
Figura 18 - The Very Eye of Night (1958).

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=VsLdAmK_8LE

Ela coreografou o espaço, bem como os corpos e os objetos nele. Deren


descobriu uma maneira única de filmar o movimento e abriu o conceito de
coreografia a ser explorado cinematograficamente. Segundo Rosenberg (2013),
como resultado da formação em dança de Deren e do estudo da performance, ela
desenvolveu um cinema que era mais mágico do que surreal (ela teve muito cuidado
para distinguir seu trabalho dos surrealistas21), mais sonho do que inconsciente,
mais ritual do que intelectual.
A centralidade do corpo e da dança nos filmes de Deren fez com que ela
fosse também pioneira de uma linguagem posterior, como a videodança. Nos seus
filmes podemos perceber a relação poética entre corpo-câmera-espaço.
Percebem-se, nas obras de Deren, especificidades coreográficas e cinematográficas
que, experimentadas na montagem, tornam-se dança:
“Destruir as figuras coreográficas cuidadosamente concebidas para o
espaço de um palco teatral e uma audiência frontal fixa. (...) O espaço
cinematográfico – o mundo inteiro – transforma-se num elemento ativo da
dança ao invés de ser um espaço no qual a dança tem lugar. E o bailarino
partilha com a câmera e com a montagem uma responsabilidade partilhada
pelos próprios movimentos. O resultado é uma dança fílmica que apenas
pode ser executada no cinema”. (DEREN, 2008, p.22).

20
Sobreposição não é o mesmo de justaposição. Para criar uma sobreposição, duas imagens ocupam
o mesmo quadro no vídeo.
21
A fundação teórica do Surrealismo como movimento organizado ocorreu em 1924, com a publicação
do Manifesto do Surrealismo, escrito por André Breton. Essa arte é refletida a partir do universo
freudiano de estudos do inconsciente humano com o pensamento social de Marx, Engels e Trotski.
O surrealismo foi considerado por seus fundadores como um meio de conhecimento, explorando: o
sonho, o inconsciente, o maravilhoso, a loucura e os estados de alucinação.
42

Ela compreendeu o cinema como um sistema orgânico e associativo das


imagens através das narrativas. Uma narrativa que não determina criações lineares
e causais de acontecimentos realistas (neo-realismo), mas uma narrativa composta
pelos elementos (corpos) que têm seus princípios coreográficos por meio do editor.
Maya Deren (2012) considerava o cinema uma possibilidade metafórica que deve
ser aproveitada para novas criações.
Maya Deren faleceu aos 44 anos de idade deixando muitas obras inacabadas,
segundo o The International Journal of Screendance que fez uma edição especial
com título After Deren (2013), artistas do Screendance e Dancefilm escreveram
artigos falando sobre os processos de filmagem e edição dessa artista.
43

3 FLUXO COREOGRÁFICO: UM GESTO EM CORTES, COREOEDITADO

A coreografia é considerada, nesta pesquisa, como um movimento dos corpos


em transformação e, para refletir sobre seu percurso, vamos olhar para o seu
contexto histórico que, impulsionada pela criação do movimento, foi se
transformando até chegar as suas relações tecnológicas. O termo “coreografia” foi
estabelecido primeiramente em 1700, com a publicação do livro de Raoul Auger
Feuillet (1659– 1710) intitulado Chorégraphie, literalmente a grafia da dança, no qual
o autor concebeu maneiras de descrever os movimentos codificados da dança
aristocrática da época usando caracteres, figuras e sinais.
Figura 19 - Exemplo do registro escrito de uma dança em notação Feuillet

Fonte: O Mundo Gira, A Lusitana Roda, disponível


em:https://trezende.wordpress.com/2012/08/03/a-traducao-da-danca/

No período de sua criação, o termo “coreografia” designava o ato de registrar


uma dança no papel. A partir do século XX, esse conceito ganhou novas
perspectivas e iniciou-se o desenvolvimento de uma corrente artística na dança que
ficou conhecida como dança moderna. “Os espaços da dança agora extrapolavam
as referências dos bailes de corte ou do palco italiano para o contato com a
natureza, com o espaço urbano, com a tridimensionalidade” (MUNDIM, 2014, p. 32).
O sistema de anotações continuou ganhando outras formas de escrita, inspirando o
desenvolvimento de novos sistemas, como a Labanotation (1926) e a notação
Benesh (1955).
44

Não se sabe ao certo como aconteceu a mudança no emprego do termo


“coreografia” como sistema de notação para estrutura de organização dos
movimentos do corpo no tempo e no espaço; a hipótese provável é de que,
como em outros casos, a marca coreografia tenha assumido tamanha
popularidade que substituiu o produto Dança. Sabe-se, no entanto, que foi
Serge Lifar quem publicou o Manifesto Coreográfico (1935), em que a
coreografia aparecia em sua nova acepção. Este manifesto seguiu a lógica
de outros manifestos da época em diferentes áreas da arte: não trazia uma
sistemática de abordagem prática e sim apresentava linhas gerais, nas
quais a arte da dança deveria se pautar. (TRINDADE, VALLE, 2007, p.206).

É na Judson Church (1960) que o corpo ganha perspectiva de expansão, a


coreografia se torna um lugar possível de experimentação para além de movimentos
pré-estabelecidos de anotações, e a sala de dança bem como a tecnologia do vídeo
e do software de computadores começam ser inseridos como uma possibilidade de
criação coreográfica.
Figura 20 - Variations V (1966) - Merce Cunningham Dance Company

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yOAagU6cfBw

Uma nova geração de coreógrafos buscava experimentar novas escritas em


articulação com outras expressões ou mediações tecnológicas. Eram corpos abertos
para a interdisciplinaridade das artes. O coreógrafo Merce Cunningham (1919–2009)
expandiu as fronteiras da coreografia através da sua exploração e inovação,
tornou-se um líder na aplicação das novas tecnologias na dança, criou diversas
obras com diversos artistas, entre eles Charles Atlas (1949), descobriu as
características do espaço fílmico, a começar com Westbeth, de 1975, depois em
Fractions I (1978), Locale (1980) e Channels/Inserts (1982), de acordo com ROSINY,
2011. Nesse percurso, a dança já não mais se enquadrava na arquitetura do teatro.
45

O corpo coreografado na contemporaneidade desejava experimentar múltiplos


lugares, texturas, temperaturas e geografias.
Em 2003, Gretchen Elizabeth Schiller desenvolve sua pesquisa a partir das
relações coreográficas e cinestésicas, coreomedidas entre corpo e a tecnologia. Em
sua tese de doutorado The Kinesfield: a study of movement-based interactive and
choreographic, no último capítulo, ela descreve sua relação com a arte coreográfica
da edição, intitulada por ela de coreoediting, traduzido para o português
coreoedição. “Para mim, dança, coreografia e vídeo são uma única coisa - todos
procedem da dança dos elétrons. Minha energia como dançarina de vídeo vem de
encontrar o ritmo dos elétrons dentro de mim” (SCHILLER, 2003, p.120).
A partir dessas referências, considero a coreografia como uma força de
expansão capaz de estruturar e transformar o movimento de múltiplas artes, pois a
coreografia, em seu devir, é marcada pelo tempo e nela as mudanças ocorrem no
processo artístico, não impondo limites, mas criando novas possibilidades e
ressignificando técnicas existentes. O corpo cria ritmos vivenciando uma diversidade
de movimentos, coreografar é permitir sentir a natureza do mundo.

3.1 COREOEDIÇÃO

A coreoedição é um processo técnico que diz respeito a movimento,


percepção e expressão de quem edita comumente videodança. Desconheço até
então outros artistas que usam dessa perspectiva para editar outras artes
audiovisuais. Não existem fórmulas ou formas de coreoeditar, principalmente quando
a relacionamos com a videodança. O ato de coreoeditar, é expressar emoções, criar
universos por meio de cortes, filtros, sons, cores, dimensões, ângulos e planos. E
podemos ir mais além dos softwares e aplicativos de edição, quando relacionamos a
perspectiva de Tarkovsky e Deren que acreditam que a edição também pode
acontecer durante o processo de gravação e movimento de câmera.
Acredito que quando David Hinton coreoeditou Birds (2000) utilizando imagens do
documentário de pássaros, ele estava criando um movimento que partia da sua
percepção, organizando o tempo dos quadros e buscando criar uma atmosfera
coreográfica que só seria possível por meio dos recursos da edição.
46

Figura 21 - Birds (2000) - David Hinton

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=VPAPKuRpDfk&t=168s
Essa obra é uma manifestação que afirma a possibilidade de criar e dançar
através das imagens impressas no quadro, dessa forma o objeto presente no quadro
pode ser uma cadeira, um animal, uma paisagem não precisa ser um corpo físico
em movimento dialogando constantemente com a câmera. Por isso, reconhecer, na
edição, diferentes movimentos, constitui dançar através de múltiplos elementos
impressos no quadro, independente do objeto filmado, arquivos escolhidos ou
decupados.
(...) Birds (2000), uma das obras mais famosas de David Hinton.O material
bruto escolhido pelo diretor é oriundo de arquivos cinematográficos sobre a
criação, alimentação e o comportamento social de pássaros, que o cineasta
reconstrói com uma partitura de som original para criar textura e padrões
visuais e sonoros distintos. Em muitos pontos, as imagens escolhidas são
editadas de maneira a conter certo antropomorfismo, isto é, utiliza-se da
repetição para desenvolver diálogos entre diferentes pássaros ou grupos de
pássaros. (BRUM, 2012, p.111).

Segundo Karen Pearlman (2009), o que move a edição é a intuição rítmica do


editor e como ele expressa seu ritmo corporal através dos quadros. Vale ressaltar
que o ritmo indicado aqui não tem nenhuma relação com a música, mas sim com a
percepção de imagens no cotidiano de forma visual e sonora. O universo é rítmico
pela sua variedade de acontecimentos e informações. Estamos produzindo e nos
relacionamos com imagens o tempo todo até na hora de dormir. Para Walter Murch
(2004), sonhar é ato poético que constitui fragmentos editados:
Bom, apesar da realidade do “dia-a-dia” parecer contínua, existe aquele
outro mundo no qual passamos pelo menos um terço de nossas vidas: os
sonhos. E as imagens dos sonhos são muito mais fragmentadas, pois se
entrelaçam de um jeito muito mais abrupto do que as imagens da realidade -
o que os aproxima da interação produzida pelos cortes. (MURCH, 2004,
p.63).
47

No processo da coreoedição, o quadro é energia que contém e libera


múltiplos fluxos de informações em movimento que, quando associado a outros
quadros, criam forças poéticas. É importante refletir que a coreoedição é um
processo que emerge nessa dissertação a partir do ritmo cinestésico do editor
gerando uma troca de informações entre o corpo e a máquina. Segundo Gretchen
Schiller (2003), coreoeditar é uma experiência háptica, uma organização qualitativa
de movimento na tela que é acoplada por meio da sensibilidade cinestésica. Essa
sensibilidade inclui transferência de peso, ritmo, fluidez, emoção e tensão. O ato de
editar cria uma atração dinâmica entre as propriedades materiais da imagem em
movimento, através da experiência cinestésica.
Ao escolher alterar tempo, cor, transições, efeitos, destacar objetos e criar
repetições no vídeo, espelho minha intuição rítmica projetando minha percepção e
criando uma atmosfera no vídeo. Ao editar uma obra também compartilho com o
público minha atmosfera, isso acontece em diversas linguagens da arte:
A montagem existe, por certo, em todas as formas de arte, uma vez que é
sempre necessário escolher e combinar os materiais com que se trabalha. A
diferença é que a montagem cinematográfica junta pedaços de tempo, que
estão impressos nos segmentos da película. Montar consiste em combinar
peças maiores e menores, cada uma das quais é portadora de um tempo
diverso. A união dessas peças gera uma nova consciência da existência
desse tempo, emergindo em decorrência dos intervalos, daquilo que é
cortado, arrancado ao longo do processo. (TARKOVSKY, 1998 p.141).

Venho buscando desenvolver, por meio da minha forma de coreoeditar, uma


interatividade com as técnicas cinematográficas, por meio de um processo
coreográfico consciente, dialogando com a montagem de Eisenstein e o plano
sequência de Tarkovsky. Quando edito me expresso, crio informações e novas
dimensões em movimento. Em meu percurso artístico percebo que, no geral, quem
coreoedita não está interessado em técnicas narrativas de contar histórias (cinema
hollywoodiano), mas em criar poemas visuais, narrativas abertas que possam
aproximar o público de vivenciar experiências na videodança.
É notável que alguns exemplos da videodança mostrem um modo singular
de narrativa. Entretanto, não é o texto nem a fala o que determina um
enredo, mas os elementos dessa narrativa e o enredo estão sendo
expressos através de movimentos e gestos. E, além disso, espaços
diferentes e estruturas do tempo cinematográfico ajudam a transportar
essas histórias. Todos os movimentos de câmera, pontos de vista e
enquadramento podem funcionar como parâmetros para que uma narrativa
crie qualquer possibilidade de ilusão. (ROSINY, 2012, p.138).
48

Considero a coreoedição uma arte de “esculpir o tempo”22 em movimento, a


arte daqueles que investem tempo com a qualidade pessoal, transpondo,
transcendendo e transformando. Dançando com as imagens em seu ritmo corporal.
A coreoedição, em seu fluxo criativo, aproxima-nos da videodança, evidenciando a
arte da dança de forma orgânica e interativa.

3.2 VIDEODANÇA (NOVOS PERCURSOS)

Quando se pensa na criação coreográfica de imagem digital em dança


dialogando com audiovisual, a videodança é uma das linguagens mais solicitadas
pelos artistas da dança; porém, ainda hostilizada, parece ser uma técnica difícil de
se aplicar na criação artística, pois, comumente, são procuradas definições manuais
ou formas prontas para sua efetivação. Acredito que isso se dê por meio das mídias
digitais que padronizam as imagens e os fazeres estéticos da dança no meio digital.
Por outro lado, de acordo com Leonel Brum (2014), é exatamente essa falta de
definição que é libertadora para criação artística na videodança.
A videodança não é em si uma forma de arte nova, mas sua estética e seus
mecanismos de percepção podem ser rastreados a precedentes históricos
de outras formas de arte. Seja como for, ela é parte de uma evolução geral
em direção à intermidialidade e à mistura de diferentes formas de arte,
como se tornou aparente desde o começo do século XX. (ROSINY, 2012,
p.118).

A dança e a tecnologia do vídeo no Brasil ganharam força na década de 70,


com a pesquisadora e bailarina Ana Lívia Cordeiro (1954), a primeira artista da
dança a trabalhar com videodança como um produto de arte no Brasil
(SPANGHERO, 2003, p.40). Praticamente duas décadas depois, em 2003, a
videodança ampliou sua perspectiva no projeto Dança em Foco com Paulo Caldas e
Leonel Brum. A videodança acontecia de forma muito tímida no país, e a produção
brasileira dessa arte estava voltada para produção acadêmica. Entretanto, devido à
quarentena para contenção da pandemia de covid-19, a relação da dança com o
audiovisual ganhou força nunca antes alcançada na história da videodança. Foram
vários festivais, workshops, oficinas, residências etc, além de editais de apoio

22
Título do livro Andrei Tarkovsky (1998)
49

emergencial e leis de incentivo voltadas exclusivamente para criação de novas


imagens digitais em dança.
Em decorrência do isolamento social, alguns artistas passaram a reconhecer
a tela como um espaço para criação e composição em dança. Os artistas que já
dialogavam com a arte da videodança ampliaram ainda mais sua pesquisa e prática.
Outras formas de criação foram sendo inseridas como Composição de videodança
ao vivo: dança em rede (2020), da qual participei ao lado de dois grandes artistas da
videodança Sarah Ferreira23 e Claudinei Sevegnani24. Ambos os artistas residem no
sul do país, mas, por meio dos recursos tecnológicos de redes como Zoom Meeting
e Google Meet, nós nos encontrávamos para dialogar sobre a criação e execução
dessa performance em improvisação. Tínhamos como objetivo utilizar imagens
pré-gravadas do nosso cotidiano e dialogar com elas ao vivo pelo Instagram,
mediadas por Sarah Ferreira.
Figura 22 - Dança em rede.

Fonte: https://www.instagram.com/tv/CD7T_dkn9Cs/?utm_medium=copy_link

23
Mestra em teatro, artista e pesquisadora da videodança responsável pelas redes da
VIDEODANÇA+.
24
Professor, artista e pesquisador. Doutor em Artes Cênicas. Mestre em Dança. Especialista em
Estudos Contemporâneos em Dança. Bacharel em Artes Cênicas. Licenciado em Artes Visuais.
50

Durante o processo, cada intérprete passou a filmar seu cotidiano durante


uma semana, foram feitos vídeos curtos de aproximadamente 40 segundos ou
menos. Esses vídeos foram enviados para Sarah 30 minutos antes da performance
acontecer, para serem editados em tempo real pelo Instagram @sarillatch, enquanto
Claudinei e eu dançávamos em diálogo com essas imagens, Sarah selecionava os
vídeos curtos que estariam sendo exibidos na performance.
Muitos artistas se aproximaram por meio das redes, devido ao isolamento
social em 2020, e também criaram trabalhos em parcerias, compartilhando suas
imagens e danças filmadas. Coreoeditei alguns trabalhos que foram filmados nos
lares de cada intérprete e enviados para mim, com objetivo de criar uma rede de
conexões entre movimento e imagens, entre eles a videodança A Questão is When /
The Question é Quando (2020), a qual é movida pela resiliência em compartilhar os
espaços da dança onde cada artista se encontrava. Esse trabalho foi uma parceria
entre a Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM), Grupo de
Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (GDUFRN) - Natal/Brasil e
Arte Move - Maine/EUA. Cada artista enviou sua obra por e-mail e a associação em
fluxo dessas imagens se deu pela minha percepção, tendo a canção do músico
norte-americano Davy Sturdevant como estímulo para o ritmo da videodança.
Figura 23 - A Questão is When / The Question

Fonte: https://www.facebook.com/CSCExchange/videos/361043038464722/
51

Além das videodanças já mencionadas, pude vivenciar o espetáculo


Corações em Espera (2020) com a Focus, Cia de Dança do Rio de Janeiro,
espetáculo editado em tempo real pelo Open Broadcaster Software (OBS) e Zoom
Meeting e coreografado por Alex Neoral, diretor e coreógrafo da companhia. Para a
construção dessa obra, que dialogou com vários grupos do país, foi preciso
constituir um roteiro. As imagens eram manipuladas pelo OBS enquanto os artistas
dançavam de suas casas, tendo o Zoom como principal software de captura de
imagem que era projetado no canal do Youtube da companhia. A entrada dos
quadros, a escolha dos ângulos e da sonoridade fazem deste espetáculo uma
videodança analógica. É uma obra poética e cinestésica que revela a intimidade da
casa e a potência da comunicação da dança com os espaços do cotidiano.
Figura 24 - Corações em Espera

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Bk0vrHM_XMk

Percebo que a videodança ampliou sua forma de criação e vem dialogando


com outras mídias digitais que também possibilitam a criação em dança de forma
orgânica e interativa. Acredito que todas essas obras também são formas de
coreoedição, suas dramaturgias foram pensadas para tela e compartilhadas por
meio de softwares, em redes, com objetivo de aproximar os corpos.

3.3 CÂMERA

A câmera não é um palco. Precisamos perceber que a câmera digital é uma


outra possibilidade que deve ser vivenciada. No palco, percebemos o corpo em sua
52

totalidade de forma efêmera, diferente da câmera, que nos aproxima dos detalhes
do corpo e cria novas dimensões em diálogo com audiovisual de forma atemporal.
“Não considerar e nem aproveitar essas variações condena a câmera a operar uma
redução da presença cênica sem recolocar novas possibilidades abertas pela
presença audiovisual” (VERAS, 2012, p.211).
No processo de gravação, dois espaços coexistem: o espaço da câmera e o
espaço físico; e criar uma conexão em fluxo com esses dois espaços nos leva a ter
percepção e consciência durante a manipulação da câmera.
A câmera enquadra o mundo da sua videodança, ela pode estar fixa ou em
movimento, ela pode criar clima e capturar a atmosfera, ela pode transmitir emoção,
contar uma história, representar uma perspectiva e fazer parte da ação. Por meio do
uso de ângulos e planos diferentes, a câmera pode levar o espectador a lugares que
normalmente não alcançaria.
Figura 25 - Videodança Rio Cor de Rosa (2019). André Rosa.

Fonte: https://filmfreeway.com/VideodancaRioCordeRosa

As lentes podem entrar na cinesfera do dançarino, focando detalhes de


movimento e permitindo uma intimidade inatingível no palco cênico. Ao dialogar com
a câmera, seu manuseio deve ser uma conexão, “produzindo, desse modo, uma
reação cinestésica”. (ROSINY, 2012 p.137).
No processo de filmagem, temos três camadas em criação coletiva: espaço
externo, corpo do intérprete e câmera (olhar). É importante considerar suas
53

variações no espaço e no tempo. Dependendo do material de filmagem será fácil ou


difícil manuseá-lo, por isso é importante treinar novos enquadramentos ou formas de
criação de imagens e perceber as possibilidades para o processo de criação.

Imagem 26 - Fotografia de Guilherme Schulze, Videodança - Dentro de Cada Um - ContemDança


Figura 26 - (UFPB)

Fonte: autoria própria.

O corpo, no palco, quando deslocado, é possível perceber toda sua ação


durante seu movimento de forma frontal, diferente da câmera, que ocupa a
dimensão digital da tela do aparelho de filmagem, intitulada por McPherson de
“efeito cone”:
É essencial para qualquer pessoa que faz videodança saber sobre o
chamado "efeito cone". Ele forma a base do contraste entre como o espaço
é percebido na tela, e não no palco. Uma compreensão dessa característica
da lente e seu efeito no movimento dentro e através do quadro deve
informar como a coreografia é criada para a câmera e como a câmera é
posicionada em relação à dança. (McPHERSON, 2006, pg.27).

Isso nos faz perceber formas de criar relação com o corpo no espaço da
câmera, percebendo de forma consciente as possibilidades de aproximação e
distanciamento do objeto filmado. Essa perspectiva frontal do corpo no palco não
cabe no quadro da câmera. Ao aproximar a câmera do corpo, você terá a
54

fragmentação do corpo no quadro, capturando gestos, nuances e formas. Ao


distanciá-la, você terá uma maior relação com espaço.
Figura 27 - A step-by-step guide to creating dance for the screen

Fonte: Making Video Dance:, Katrina McPherson (2006, p.27).

3.4 LINHA COREOGRÁFICA

Após o processo de filmagem na câmera, a edição é um dos próximos


elementos mais solicitados ao se desenvolver uma videodança. A cada software de
edição, várias possibilidades são encontradas para serem adicionadas sobre o
frame da imagem na linha de tempo do programa de edição, conhecida, dessa
forma, por muitos editores.
Figura 28 - Imagem da linha do tempo do software de edição Adobe Premiere 2020

Fonte: acervo pessoal.

Em minhas práticas em diálogo com a dança e a tecnologia, percebo essa


linha a partir de uma perspectiva coreográfica para criação de movimento entre
imagens; para mim o software de edição é uma sala de dança, onde desenvolvo
55

meus movimentos e cujo espaço utilizo para criação de minhas obras. Por isso
intitulo esse espaço de “linha coreográfica”, um espaço a mais para se pensar em
dançar e criar movimento. Dessa forma, o editor se torna um ato poético na criação
de videodança.
É na linha coreográfica que criamos múltiplas atmosferas, podemos modificar
a cor da imagem, adicionar áudios, criar dimensões com filtros, colorir e permitir usar
do preto e branco para construir narrativas. No processo de filmagem, ter percepção
sobre o software que utilizamos nos permite criar imagens por meio dele. Nos meus
últimos trabalhos, venho utilizando a linha coreográfica como um lugar a mais para
criação dos meus roteiros. Dessa forma percebo que o número de imagens
gravadas se tornou menor. Quando tenho percepção das imagens que pretendo
editar e da dinâmica que vou utilizar na gravação, economizo tempo e energia
durante o processo.
Assim venho desenvolvendo trabalhos independentes, em que faço a
construção da trilha, gravação e edição, venho encontrando técnicas e estéticas que
tenham a poética que pretendo desenvolver na videodança.
56

4 COREOVIDEODANÇA

Pretendo, neste capítulo, traçar um percurso metodológico da minha relação


com a videodança, refletindo sobre minhas experiências e como elas desenvolveram
a minha percepção por meio de grupos de pesquisa e extensão na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e na Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), além de escolas públicas pelas quais passei e vivenciei imagens e danças
que influenciaram meus processos por meio de recursos tecnológicos de filmagem e
de edição. É importante fazer esses apontamentos para que possamos refletir sobre
a importância de grupos de pesquisa e extensão no campo das artes e como esses
espaços transformam a arte por meio de orientação, reflexão e relações em grupo.
Essas experiências me ajudaram a repensar meu fazer artístico e didático, que foi
compartilhado nas residências artísticas do Cena Cumplicidades entre 2020 e 2021.

4.1 ESPAÇOS MÚLTIPLOS PARA CRIAÇÃO EM MOVIMENTO

Iniciei os processos em videodança através do Programa Institucional de


Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto Dança, com coordenação de
Karenine Porpino e a professora Rosane Dantas, na Escola Municipal Ivanira
Paisinho, em 2015, com crianças do Ensino Fundamental I. Nesse período, a escola
tinha um espaço bem limitado para dança. Em reunião de planejamento do PIBID,
que acontecia às segundas-feiras, chegamos ao questionamento da dança em
múltiplos espaços da escola. Como os alunos poderiam perceber possíveis espaços
para se dançar na escola? Foi um grande questionamento feito a nós bolsistas, pois
as salas de aula eram de dança também, afastávamos as cadeiras e iniciávamos
sequências de movimentação, alongamento e aulas expositivas. Após o
questionamento feito por Karenine, foi compartilhado um Vídeo Teaser do
espetáculo Home Alone, da Batsheva Dancers Create, companhia de dança
Israelense; hoje considerada uma videodança, esse trabalho teve a direção da
cineasta Adi Halfin (1977).
57

Figura 29 - Home Alone

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=26GrAfZ4sc8

Essa videodança traz a narrativa de corpos que dançam em conjunto com o


espaço sendo justapostos com os elementos espaciais. Olhando para as imagens ,
é possível perceber três grandes possibilidades espaciais que podem ser discutidas.
A primeira possibilidade é o espaço físico onde os bailarinos estão localizados de
forma presencial; a segunda é o espaço da câmera e como a cineasta a manipula,
relacionando os corpos dos intérpretes com as paredes e o chão do ambiente; a
terceira diz respeito ao espaço de edição pela qual esses corpos foram
fragmentados e unidos em um único frame, criando múltiplas possibilidades de
corpos e ritmos e um único movimento no vídeo.
Ao assistir essa videodança, veio-me o desejo de querer experimentar o
espaço da câmera como um possível instrumento de criação de movimento na
escola com as crianças, fazendo-os perceber seus corpos em outros lugares que
não fossem a sala de aula. Iniciamos o planejamento e os processos de filmagem e
dança com os alunos do PIBID, com o uso dos aparelhos celulares dos bolsistas,
inclusive o meu.
Em geral, aparelhos, instrumentos e máquinas semióticas não são
projetados para a produção de arte, pelo menos não no sentido secular
desse termo, tal como ele se constituiu no mundo moderno a partir mais ou
menos do século XV. Máquinas semióticas são, na maioria dos casos,
concebidas dentro de um princípio de produtividade industrial, de
automatização dos procedimentos para a produção em larga escala, mas
nunca para a produção de objetos singulares, singelos e “sublimes”.
(MACHADO, 2008 p.21).
58

Desenvolvemos práticas de como manipular o celular durante as gravações


com os alunos, preparamos aulas expositivas e dividimos a sala em nove pequenos
grupos de seis alunos para visitar outros espaços dentro da escola, com objetivo de
desenvolver um mapa-roteiro para criação de suas coreografias, que seriam
filmadas após as escolhas feitas pelos grupos. Foram três meses de preparação,
pois as aulas do meu grupo do PIBID aconteciam uma vez por semana nos quartos
anos. O meu grupo era composto por Eliamary Teixeira e Rodolpho Santos, alunos
do ano de 2015, do curso de licenciatura em dança da UFRN e bolsistas do
programa.
A edição ficava sob responsabilidade dos pibidianos -nome dado para os
bolsistas - que eram responsáveis pela criação das videodanças após o processo
de filmagem com os alunos. A escola não dispõe de bons computadores para fazer
edição, por isso fez-se necessário o uso dos computadores da UFRN, que dispõe do
software de edição Movie Maker, bem como de aplicativos de celular. A escolha da
música e das imagens gravadas era dos alunos. Os monitores eram os responsáveis
por criar ritmo, transição, efeitos e unir as imagens escolhidas pelos alunos. Como
resultado final, toda comunidade escolar, inclusive os pais dos alunos assistiriam às
produções que seriam projetadas no refeitório da escola. Dessa forma, encontramos
uma possibilidade de expandir os corpos dos alunos e fazê-los refletir sobre a dança
e seus possíveis espaços de arte e como utilizar o aparelho celular de forma
expressiva em videodança.
Figura 30 - Encontro regional dos PIBIDS - 2016

Fonte: autoria própria.


59

Por não ter mais contato com os familiares e os alunos do PIBID Dança -
Escola Municipal Ivanira Paisinho, dos anos de 2015 a 2018, para esta dissertação,
optei por não mostrar os materiais desenvolvidos pelos alunos, para evitar a
violação de direitos de imagem. Fiz a escolha de alguns frames das videodanças
realizadas na Escola Municipal Ivanira Paisinho, para ilustrar e aproximar o leitor
dessa vivência.
Figura 31 - videodança OLINAD (2015)

Fonte: autoria própria.

4.2 ENCONTRO COM A COREOEDIÇÃO

A criação de videodanças, na escola pública, trouxe inquietações e me fez


refletir sobre os espaços da câmera. Isso me despertou a vontade de explorar mais
e conhecer outros percursos técnicos e estéticos da videodança, iniciando meus
estudos teóricos sobre essa arte audiovisual do corpo em movimento. Nesse
percurso, conheci o Prof. Dr. Guilherme Schulze, que é coordenador do grupo de
pesquisa e extensão Contem Dança, do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre o
Corpo Cênico (NEPCênico), da UFPB. Foram idas e vindas entre a geografia do Rio
Grande do Norte e da Paraíba para ampliar minha pesquisa prática e teórica. A
relação que tive com Contem Dança reflete-se na edição de vídeos, isto é, na
coreoedição, arte apresentada por Schulze a mim e discutida nesta dissertação.
O Contem Dança traz a técnica de improvisação no processo criativo da
videodança, explorando o espaço durante o processo de gravação sem roteiros
definidos, mas reconhecendo, no espaço, fluxos criativos e insights do artista que
vão acontecendo na relação entre corpo, espaço e câmera. Durante a pós-edição,
sem definições pré-estabelecidas, o coreoeditor cria ritmos por meio da escolha dos
60

quadros, filtros e sons ao passo em que o corpo é redimensionado e a narrativa é o


próprio movimento da dança. Segundo Schulze (2019), não se trata, então, de
registrar uma dança, mesmo que artisticamente, mas sim de criar uma dança cujo
suporte não está mais sob as regras físicas e biológicas do espaço convencional.
Nesse sentido, no ano de 2019, desenvolvi com o ContemDança a videodança
Dentro de Cada Um, partindo das reflexões do grupo, mas compartilhando minha
forma de criação.
Figura 32 - Videodança Dentro de Cada Um (2019)

Fonte: https://filmfreeway.com/VideodancaDentrodeCadaUm
Foto de Guilherme Schulze.

A videodança Dentro de Cada Um nasce da canção e da poesia da


compositora e cantora Elza Soares (1930). Para o processo de imagens dessa obra,
utilizei a técnica de montagem métrica de Sergei Eisenstein, editei e dancei com a
música Dentro de Cada Um (2018). Não busquei outro título para a videodança, pois
quis afirmar que essa música é um ato coreoeditado pela letra e melodia dessa
canção, tendo os corpos como principal vetor das imagens editadas,
aproximando-se da relação com videoclipe, que é uma forma técnica de ilustrar uma
música por meio do audiovisual. O que difere, para mim, da criação de um videoclipe
para uma videodança, é como eu pretendo me expressar na produção da minha
obra. Como citado anteriormente, na videodança Dentro de Cada Um dei ênfase à
dança, aos corpos impressos nos quadros, fazendo da música movimento do meu
processo de edição, não como princípio central das minhas imagens. A autora
Dorotea Bastos (2013) amplia essa discussão em sua dissertação de mestrado
61

Midiadance: campo expandido entre a dança e as tecnologias, abordando diversos


aspectos e relações do videoclipe com a videodança. Segundo a autora (2013,
p.119), o videoclipe tem-se mostrado um meio capaz de difundir não apenas
músicas e danças, mas ideias, inquietudes e tem sido um dos trabalhos de arte
visual em que mais se observa a utilização das novas tecnologias.
No processo de gravação, desenvolvi dois percursos criativos: o primeiro se
deu a partir de uma estrutura coreografada por mim, e o segundo da relação dos
intérpretes com os espaços escolhidos por eles durante as gravações. Após o
processo de gravação, foi feita uma decupagem de todo material gravado e, após a
decupagem, o material que eu havia selecionado estava pronto para ser cortado e
unido à música, que também foi editada. A sonoridade foi influenciada pelo filtro
Glitch, um efeito que fragmenta o vídeo deixando a imagem pixelada, causando uma
sessão de interferência na imagem; ademais, foi possível usar a sonoridade criada
como forma de transição entre um quadro e outro.

4.3 DIÁLOGOS ENTRE A CENA E O DIGITAL NA VIDEODANÇA

Como foi postulado por Tarkovsky (1998), em nosso primeiro capítulo, a


criação de filmes, por meio de obras literárias, música e outras artes, não trata
apenas de como enxergamos a obra, mas também da forma que ela nos toca e nos
faz imergir em seu universo. A dança contemporânea sempre me envolveu por suas
possibilidades e dramaturgia que fogem do convencional ou do linear. Em 2018,
comecei a desenvolver videodanças a partir de obras cênicas como Rio Cor de Rosa
(2010), de Clébio Oliveira25 e Abaixo do Equador (2018), de Airton Tenorio26. As
videodanças criadas permaneceram com título original de suas obras cênicas, pois a

25
Clébio Oliveira é bailarino, coreógrafo e professor de dança contemporânea graduado pelo Centro
Universitário da Cidade (Rio de Janeiro). Como bailarino, dançou na Cia. de Dança Deborah Colker
(Rio de Janeiro) e na Toula Limnaios (Alemanha). Como coreógrafo cria projetos solos e trabalhos
para diversas companhias no Brasil e no exterior. Em 2012, recebeu o prêmio Hoffnungträger
(Coreógrafo Mais Promissor), concedido pela revista alemã TanzMagazine. Disponível:
https://spcd.com.br/verbete/clebio-oliveira/
26
Artista importante no cenário da dança de Pernambuco, por fundar a Companhia dos Homens, em
1988, um dos primeiros expoentes da dança contemporânea local. Atua como bailarino em
companhias internacionais e ministrou aulas de modern jazz na Europa durante a década de 1980.
Em Recife, na década de 90, destaca-se como professor e coreógrafo, influenciando a geração
seguinte de coreógrafos.
62

dramaturgia era mantida e as alterações aconteciam na estética e no tempo dos


vídeos. As gravações foram feitas em espaços urbanos e a coreoedição
recoreografou27 a poética das obras durante a escolha dos quadros e união deles,
mantendo as trilhas sonoras originais dos espetáculos.
Figura 33 - Videodança Abaixo do Equador (2020).

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=TgmhDhe6JXM

Conheci as obras de Clébio Oliveira por meio da Companhia de Dança do


Teatro Alberto Maranhão (CDTAM) e vivenciei com ele meu primeiro processo
artístico em uma companhia profissional de dança (Inverno dos Cavalos, 2017). As
suas obras sempre chamaram minha atenção. Quando assisti a Rio Cor de Rosa
(2011) pela primeira vez, a força da coreografia e dos corpos no palco me deixaram
encantado. Não falarei da forma de criação e composição em dança de Clébio nesta
dissertação, meu foco e interesse estão na ressignificação de suas obras para
videodança, processo que venho desenvolvendo desde de 2018.
Criar videodanças, por meio de obras cênicas, não é novidade, existem
grandes artistas que já desenvolveram essa prática e continuam a produzir nessa
perspectiva, como Philippe Decouflé (1961) - Iris (2002), Wim Vandekeybus (1963) -
Blush (2005), Anne Teresa De Keersmaeker (1960) - Rosas Dants Rosas (1997) e
outros grandes nomes. Essa forma de produção sempre chamou minha atenção e
encontrei nela caminhos para os meus processos artísticos em videodança
dialogando com os processos cinematográficos de filmagem e edição.
A primeira videodança que eu desenvolvi foi Rio Cor de Rosa em 2018, é
possível acessar a obra, artigo e fotos na minha rede do FilmFreeway28. Em
novembro de 2019, iniciei o projeto de mestrado Bio em Movimento com autorização

27
Segundo Karen Pearlman (2009), recoreografar envolve mudar a sequência de movimentos no filme
aplicando técnicas de edição.
28
https://filmfreeway.com/VideodancaRioCordeRosa
63

de Clébio Oliveira e das companhias de dança que têm suas coreografias em seu
repertório cênico. Esse projeto tinha como objetivo criar uma videodança tendo em
vista três obras cênicas de Clébio Oliveira. São elas: Proibido Elefantes (2013), Tia
Robenize (2014) e Inverno dos Cavalos (2017). Iniciei em 2020 os ensaios com a
Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM) e com a Companhia
Gira Dança29 com o intuito de pensar o diálogo dessas obras para os espaços
urbanos e traçar uma narrativa entre as imagens filmadas no processo de
coreoedição.
Com a pandemia, o projeto para o mestrado teve de ser interrompido, abrindo
espaço para criação de uma nova videodança, Nebulosa, que acabou não sendo
executada. Entretanto, durante a escrita desta dissertação, olhei para as imagens
gravadas que foram arquivadas e decidi criar duas videodanças: Temor (2021),
fragmento da obra cênica Proibido Elefante (2013); e Corpo Ilha (2021), Inverno dos
Cavalos (2017), com base nos métodos de montagem de Eisenstein e Tarkovisky e
considerando o princípio fundamental da coreoedição, que é dançar com os quadros
e desenvolver ritmos.
Na medida em que o sentimento de tempo está ligado à percepção inata da
vida por parte do diretor, e na medida em que a montagem é determinada
pelas pressões rítmicas nos segmentos do filme, a marca pessoal do diretor
é percebida na montagem. Ela expressa sua atitude para com a concepção
do filme, representa a definitiva concretização da sua filosofia de vida.
(TARKOVSKY, 1998 p.145).

Diferente de outras obras cênicas filmadas como Rio Cor de Rosa (2018), que
desenvolvi e tem na sua narrativa com mais de um fragmento do espetáculo cênico;
Temor e Corpo Ilha são fragmentos específicos de partes dos espetáculos cênicos:
Proibido Elefantes e Inverno dos Cavalos. A videodança Temor apresenta um dueto
que narra uma briga psicológica entre a intérprete Jânia Santos e suas memórias
interpretadas por Álvaro Dantas. Corpo Ilha, por sua vez, trata de um corpo
esquecido que chora lágrimas contidas. A trilha presente nas duas obras foi mixada

29
A Cia. Gira Dança foi criada pelos bailarinos Anderson Leão e Roberto Morais em 2005, em Natal,
com a proposta de pesquisar uma linguagem própria na dança contemporânea a partir do uso de
corpos diferentes como ferramenta de trabalho. Na prática, isso se deu com a formação de um
elenco de bailarinos com e sem deficiência física, que possibilitou uma investigação em torno dos
limites do corpo.
64

por mim, não sendo ela o principal fator das obras. Durante o percurso de edição
busquei perceber a energia expressa no quadro para criação das videodanças.
Figura 34 - Videodança Temor (2021)

Fonte: https://youtu.be/Nob11MJw00g

Figura 35 - Videodança Corpo Ilha (2021)

Fonte: https://youtu.be/a28-ccSPuyu

4.4 FLUXO CRIATIVO


Após olhar para esse percurso artístico e de pesquisa, em 2020 e 2021,
recebi o convite de Arnaldo Siqueira30 para ser orientador de três residências
artísticas com artistas de Recife/PE e Natal/RN, cujo objetivo era criar imagens em
videodança, com foco nos processos criativos da coreoedição, através do Cena

30
Professor do Curso de Licenciatura em Dança do Dept. de Artes da UFPE. Produtor, curador,
responsável pela internacionalização de festivais, pela implantação do curso de dança da UFPE,
além da idealização e coordenação do Festival Internacional Cena CumpliCidades.
65

Cumplicidades e Cena Universidade E-Dança/UFPE. A residência intitulada de


Coreoedição: Fluxo criativo na videodança aconteceu em dois momentos. O primeiro
momento se desenvolveu em dois meses: outubro e novembro, pela manhã, com
dois encontros semanais, em 2020; o segundo momento, com o mesmo título,
aconteceu em 202131 com outros artistas, nos meses de março e abril, no horário da
tarde e com dois encontros semanais. Os artistas da residência de 2020 tiveram a
oportunidade de ampliar suas práticas de videodança em 2021, na residência
Imersões Poéticas na Videodança, que tinha como objetivo trazer as múltiplas
formas e experiências de criação em vídeo dos artistas. Minha participação em
Imersões Poéticas na Videodanças foi como mediador, pois o foco da criação nessa
residência era o compartilhamento de todos os artistas envolvidos. Os encontros das
residências foram feitos on-line através do Google Meet, de forma síncrona e
assíncrona.
Neste subcapítulo, focarei na residência Coreoedição: Fluxo criativo na
videodança, em que foram utilizados conceitos, reflexões e formas de criações
presentes na escrita deste texto, onde pude trabalhar com os residentes técnicas
que venho desenvolvendo em meu percurso como coreoeditor. A residência
Imersões Poéticas na Videodança será pontuada em alguns momentos da escrita,
mas ela não será foco da pesquisa. Como ambas as residências de coreoedição
tiveram a mesma metodologia e forma de criação com foco na coreoedição, irei
mencioná-las juntas e destacar alguns pontos que considero relevantes para a
dissertação. Ambas as residências tiveram em sua produção final uma videodança e
um relatório com depoimentos das vivências dos participantes.
A primeira turma (2020) foi desenvolvida com 16 participantes e a segunda
turma (2021) com 18. Considerando os que ficaram até o final da residência, essa é
a quantidade de pessoas que se fizeram presentes até o final. A maioria eram
estudantes de dança e bailarinos independentes e de companhias. Nos encontros
on-line, foram realizadas aulas práticas e teóricas acerca dos contextos históricos da
montagem, a partir de Sergei Eisenstein, Andrei Tarkovsky e autores da edição
como Karen Pearlman e McPherson; além disso, também foram abordados textos e

31
https://www.youtube.com/watch?v=0P5Muz6WN0A&list=PLb3LZdrQPO4wsoZbFOmYysyOnJlZbJY3
g Playlist com as videodanças.
66

videodanças de Paulo Caldas, Guilherme Schulze, Ivani Santana, Lilian Graça,


Ludmilla Pimentel, Leonel Brum, Bia Cerbino, Andréa Bardawil, Claudia Muller e
Valeria Valenzuela. A escolha dos artistas brasileiros se deu pela necessidade de
perceber os estudos teóricos e práticos da videodança no Brasil, bem como sua
evolução prática e teórica. Considero que as produções que foram criadas nas
residências somaram bastante para criação em videodança no Brasil, cada qual com
sua singularidade e formas de expressão trouxeram poéticas para o vídeo e fizeram
do espaço digital um lugar possível para dançar e transformar seus corpos e
movimentos.
Sendo assim, as aulas foram divididas com objetivo de se perceber o
desenvolvimento dos residentes. Na primeira semana foi possível identificar que os
participantes não tinham noções básicas de como cortar e unir um vídeo e não
conheciam nenhum aplicativo e software de edição. Alguns se limitavam aos
aplicativos de celulares como TikTok, Instagram e outros convencionados às mídias
sociais. O que considero ser bem limitado no campo da criação e expressão
artística, uma vez que as mídias exploram a massificação de conteúdos e utilizam
formas pré-estabelecidas para criação de imagens.
No nosso primeiro encontro prático, foi desenvolvida uma dinâmica de
aproximação e distanciamento da webcam, com intuito de perceber formas de
interação com o espaço digital e visual da câmera e o extracampo (fora do campo
visual da câmera). “O extracampo remete ao que, embora perfeitamente presente,
não se ouve nem se vê” (DELEUZE, 2002, p. 23). Nessa dinâmica, eles tinham a
linguagem de improvisação para dialogar de forma consciente com a câmera.
Também pedi a eles para utilizarem um copo com água, a fim de que pudessem
perceber diferentes formas que surgem quando o copo com água é colocado em
frente à câmera durante a gravação, criando um filtro.
67

Figura 36 - Foto do primeiro exercício prático 2020, dinâmica do copo e câmera.

Fonte: acervo pessoal.

Essa relação com a câmera aconteceu de forma bem espontânea e diversas


imagens foram surgindo. No final dessa dinâmica, desenvolvi um exercício de
fotografia utilizando celulares , tendo como estímulo quatro palavras ditadas por
mim: corpo natureza, corpo janela, copo no corpo e o que vejo? Eles tinham um
minuto para desenvolver cada imagem. Quando terminavam de fotografar, eles
enviavam a imagem por um grupo de WhatsApp, e todos tinham um minuto para
fazer a apreciação, feita apreciação voltamos para sala do Google Meet. No final da
dinâmica, após terem feito todas as imagens, dei mais cinco minutos para todos
olharem as imagens no grupo e escolher uma que não fosse a sua para comentar.

Figura 37 - Foto do primeiro exercício prático 2021, corpo natureza.

Fonte: acervo pessoal.

Ainda na primeira prática, após os exercícios de fotografia, iniciamos os de


filmagem. Sugeri a todos que gravassem um vídeo de 20 segundos tendo em vista
as palavras que foram ditadas anteriormente no processo de fotografia. Ao terminar
68

a gravação, foi solicitado que eles enviassem o vídeo para o grupo de WhatsApp
para ser feita uma apreciação. A dificuldade de apresentar as imagens na reunião do
Meet, me fez usar o aplicativo de WhatsApp como um lugar de rápido acesso, já que
as imagens para os exercícios eram feitas pelo celular. Sugeri então, como uma
atividade assíncrona, que eles fizessem a edição do vídeo do colega. Para isso
aconteceu um sorteio, foi anotado em um papel o nome de todos que estavam
presentes e sorteados na seguinte ordem.
Tabela 1- Primeira experiência prática: duplas sorteadas.

Editor Vídeo

Cosme Mayara

Júlia Vasques Isabella

Isabella Iris

Taci Júlia Vasques

Kenne Cosme

Marcio Taci

Iris Júlia Gusmão

Alba Jonas

Mayara Kenne

Marília Alba

Júlia Gusmão Marcio

Jonas Marília
Fonte: autoria própria

Para ajudá-los no processo de escolha de um editor, criei uma lista de


editores e enviei os links para eles baixarem no celular ou no computador. Dar uma
aula de como utilizar os softwares e aplicativos pode levar dias de forma síncrona,
então optei por criar tutoriais com os princípios básicos da edição como cortar,
juntar, inserir sons e criar cenas. Deixei que descobrissem os demais processos de
modo independente e, durante as aulas, qualquer dúvida referente ao programa era
sanada. Os programas escolhidos foram dois: o Movavi 2020 (conseguimos um
69

pacote com uso da ferramenta por dois meses para quem usava computador) e o
aplicativo de celular Inshot (gratuito).
Figura 38 - Vídeo tutorial

Fonte: autoria própria, disponível em: https://youtu.be/ozXFNXYycZY

Na entrega dos vídeos, foi possível identificar o uso de muitos filtros, sua
utilização tanto pode criar uma nova dimensão espacial na imagem, quanto pode
fazer poéticas desaparecerem quando não usadas de forma consciente. O filtro não
deve ser uma ilustração ou um instante qualquer no vídeo, deve ser considerado o
desenvolvimento de seu ritmo na imagem e, principalmente, os espaços criados
através de suas formas.
Figura 39 - Exercício de edição

Fonte: acervo pessoal.

Após a apreciação das obras editadas, percebi que eles já haviam construído
alguma relação com programas de edição, então me senti seguro para iniciar uma
discussão sobre movimento contínuo no espaço entre um quadro e outro na edição.
Essa forma de composição pode mostrar múltiplos diálogos com a câmera em um
70

único movimento no espaço. É uma das técnicas cinematográficas em que você


direciona o olhar do espectador para o movimento, usando ângulo e planos.

Figura 40 - Exercício de edição, movimento contínuo em quadros.

Fonte: https://youtu.be/3YNcBcmGBWI

O exercício de movimento contínuo em quadros fê-los perceber que é


possível dialogar com a câmera fixa e criar movimento no processo de edição. Essa
ilusão de que, para dançar com a câmera, você precisa movimentá-la limita a
percepção criativa. Nos meus processos, geralmente faço gravações sozinho
explorando a minha relação com a câmera e percebendo, na tela do dispositivo, os
espaços e formas que quero construir durante a filmagem, percebendo dinâmicas
que podem ser potencializadas durante a edição. Uma obra que trago como
referência e já foi citada anteriormente é Crisálida (2020). Se observar, a câmera
nessa videodança encontra-se fixa o tempo todo, mas a manipulação dos quadros
coreoeditados cria movimento, potencializando a narrativa.
Decidi muito usar o movimento contínuo de quadros durante a minha
vídeodança, esse método me fez olhar para todo movimento do meu corpo,
e pude escolher o que eu considerava potente nas gravações. (SANTOS,
Rebecca. Residência Coreoedição: Fluxo criativo na videodança, 2020).

Os processos de montagem a partir de Eisenstein e o plano sequência a


partir da perspectiva de Tarkovsky foram apresentados a eles por meio de uma aula
expositiva, na qual assistimos as obras dos artistas O Encouraçado Potemkin (1925)
- Sergei Eisenstein e The Mirror (1974) - Andrei Tarkovsky discutimos sobre suas
formas de criação. Muitos se identificaram com a forma de montagem de Eisenstein.

Foi um processo de prática intensa! Tive que realmente me projetar para


ele, me dedicar e me permitir que o trabalho realmente acontecesse. O
trabalho da escuta e da visualização das referências me ampliou
possibilidades para entender a imagem e o processo de edição como
expressão consciente do corpo. (ALVES, Jonas. Residência Coreoedição:
Fluxo criativo na videodança. 2020).
71

Após nossa aula expositiva sobre montagem, organizei um exercício


assíncrono em dupla, no qual os residentes fizessem a edição de um vídeo em
conjunto que trouxesse alguns processos técnicos de Eisenstein ou Tarkovsky que
foram abordados. Para divisão das duplas, utilizei o mesmo sistema de sorteio do
primeiro encontro prático. As duplas tiveram uma semana para organizar seus
vídeos de um minuto, tempo proposto por mim. Entre as duplas, vou citar como
exemplo desse exercício, a obra Ao Caso (2020), de Alba Vieira e Júlia Gusmão.
Figura 41 - Exercício de edição, a partir de Eisenstein e Tarkoysky.

Fonte: https://youtu.be/qr9cQaeAlso

Nessa obra é possível perceber a sutileza entre os filtros que foram utilizados
criando uma sobreposição32. Essa edição teve uma relação com o processo técnico
atonal de Eisenstein, a escolha dos quadros e das cores passa a sensação de
tempo contínuo. A cor nesse vídeo é um ótimo exemplo de como podemos criar e
desenvolver uma única atmosfera relacionando duas imagens gravadas em dias e
espaços diferentes. As imagens pertencem a lugares distintos (Minas Gerais/MG e
Recife/PE) e, quando relacionadas na linha coreográfica, conectaram-se criando
uma relação espaço temporal, transmitindo uma sensação de que ambas
aconteciam na mesma hora do dia.
O que me deixou feliz foi poder editar com outra pessoa, foi uma conexão
tão boa, relacionar a minha dança com alguém e fazer dois corpos tornarem
um só na videodança. (LIMA, Rebecca. Residência Coreoedição: Fluxo
criativo na videodança. 2020).

Um outro exercício importante de ser realizado na residência foi o de


construção sonora. O processo de áudio é tão importante quanto as imagens

32
Uma sobreposição de vídeo, também conhecida como efeito Picture-in-Picture (PIP), é um efeito
que sobrepõe um vídeo a outro vídeo criando uma camada sutil. Dessa forma duas imagens dialogam
ao mesmo tempo e o espectador consegue perceber e visualizar as duas no mesmo instante.
72

visuais, mesmo que optemos por utilizar o silencioso no audiovisual. As escolhas


sonoras também direcionam o ritmo que criamos para imagem. A sonoridade pode
liberar fluxo que pode ser captado no espaço de gravação e criar outros espaços no
processo de edição. Uma das questões, com que sempre me deparo na criação de
videodança, é a escolha dos sons e músicas para a narrativa das imagens, até hoje,
ainda busco formas de articular o som com a imagem de forma poética. As imagens
são sempre a primeira instância da minha criação e os outros elementos surgem de
acordo com elas. Geralmente os softwares de edição de vídeo trazem alguns
recursos que nos permitem mixar, usar efeitos, cortar e juntar áudio. Então, para
esse exercício, optei por criar perguntas para os residentes: o que escuto? quais
espaços sonoros estão à minha volta? como eu me ouço?
Figura 42 - Exercício de edição sonora, Cosme Gregory.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yyh5BtBB6Yc

Esse exercício foi o último desenvolvido, nele os residentes tinham como


objetivo desenvolver um vídeo de um minuto com sons do ambiente; poderiam
utilizar algum instrumento, objeto ou a própria voz. Trago como exemplo, o vídeo
criado pelo Cosme Gregory. Ele captou o som da sua voz e criou profundidade no
áudio trazendo um efeito de sussurros e desenvolveu repetições de frases causando
uma sensação de ecos dentro da cabeça. No fundo do áudio um chiado bem sutil
que dialoga com a atmosfera na imagem.
(...) O que me deixou surpreso foi a utilização de sons do ambiente e da
minha própria voz para criação de vídeos. Criar vídeos dessa forma traz
uma originalidade para o trabalho e pode aproximar as pessoas de nossas
criações. Acho que dessa forma o vídeo ganha tridimensionalidade.
(GREGORY, Cosme. Residência Coreoedição: Fluxo criativo na videodança.
2020).

Após semanas com os disparadores e exercícios desenvolvidos, os


residentes tiveram duas semanas para criação de suas videodanças de forma
assíncrona. Nosso contato permaneceu através do grupo de WhatsApp, onde todos
73

poderiam compartilhar suas dúvidas e dividir imagens de seus processos. Acredito


que o compartilhamento das imagens dos processos no grupo aproximou bastante
os artistas.
Ao longo da residência, os participantes criaram, de forma individual e
processual, seus trabalhos com base nas referências e nos exercícios propostos. Os
exercícios foram estímulos que tinham como objetivo ampliar o conhecimento em
edição e aproximar os participantes da linguagem da videodança e da coreoedição.
A exibição das videodanças dos residentes ainda se encontra no canal do Youtube –
Cena Cumplicidades33, onde o espectador pode acessar as playlists com as obras.

Figura 43 - Encontro síncrono da residência Coroedição: fluxo criativo na videodança (2021).

Fonte: acervo pessoal.

É possível encontrar, nas videodanças dos artistas das residências,


particularidades dos movimentos e das narrativas escolhidas de forma rítmica. As
dramaturgias apresentadas por eles trazem questões religiosas (Eparrey Oyá; Irla
Sab - 2020; Sonho Nire; Vivian Marvel - 2020 e Liberdade, Lu Araújo - 2021),
releitura de uma obra secular como a Sagração da Primavera (1910) com música de
Stravinsky (Sagração da Primavera; Cosme Gregory - 2020), literatura e poesia
como estímulo criativo (Terra Corpo, Rebeca Lima - 2020; Noturna, Júlia Gusmão -
2020 e O Despertar da Essência, Mel Sheherazade - 2021; Raízes, Alice Lacerda -
2021; Sinais, Maria Flor - 2021), questões sociais e políticas (Eu sou natureza; Júlia
Vasques - 2020 e Vírus; J. C. Júnior - 2020), estado de resiliência (VTS; Alba Viera -
2020, Descobrir para desconstruir, entender para superar; Íris Claudia - 2020,

33
https://www.youtube.com/c/CenaCumpliCidades/playlists
74

Resiliência; Gabi Dalberto - 2021, Tarde a Dentro; Sheylla Cavalcanti - 2021, In


Nature; Míquéias - 2021 e Transcendendo Sentimentos; Kleiton Nascimento - 2021)
e conceitos ressignificados através dos corpos (Arisco; Márcio Fellipe - 2020,
Cápsula XX; Kenne Felipe - 2020, UMBIT - Jonas Alves - 2020 e Hiato; Fran
Herculano - 2021).

Nessas obras, percebe-se a capacidade do indivíduo de lidar com problemas


e adaptar-se às mudanças, abrindo sua percepção com intuito de querer continuar
expressando a sua arte, e aprendendo novas formas de coreografar. O que, no
início, mostrou ser falta de domínio na criação de imagem com uso de aparelhos de
gravação e softwares de edição, caracteriza-se agora como uma prática contínua
desses intérpretes, que vão continuar criando suas obras de forma consciente no
ambiente virtual, por meio do audiovisual.

Neste contexto, o fluxo criativo desses intérpretes não foi limitado ao


isolamento social da covid-19, a tecnologia se tornou uma forma contínua de suas
criações, estudos e relacionamento artístico. Mesmo diante das dificuldades
apresentadas como queda de rede, interrupções externas e equipamentos
eletrônicos precários, foi possível se desenvolverem formas de adaptação no grupo.
A escuta e a troca de informações foram constantes entre os residentes e mim,
ocasionando uma ótima experiência que refletiu em suas criações. Sinto-me feliz ao
perceber que técnicas e exercícios propostos por mim foram estímulos que abriram
caminhos na videodança para esses artistas. Foi preciso acompanhar as mudanças
e ressignificar os espaços, fazendo da videodança uma possibilidade possível de
habitar, imaginar, inventar e expressar, sem perder a pulsação do ritmo da dança.
75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma parte substancial da minha pesquisa sobre videodança e coreoedição é


necessariamente prática. Editei uma série de videodanças antes e durante a
pesquisa e cada uma dessas criações forneceu insights sobre o processo de
coreoedição que venho realizando até hoje. Então, é importante para o leitor assistir
às obras, cujos links estão disponíveis neste trabalho, para que seja possível
compreender melhor este processo e a inserção neste universo, tendo em vista que
as videodanças citadas aqui são partes fundamentais desta pesquisa.
A videodança vem traçando novos percursos e, com o passar dos anos, sua
forma criativa e coreográfica pôde ser abordada a partir de diferentes técnicas e
estéticas. Para esta dissertação, desenvolveu-se uma relação com o cinema a partir
dos conceitos de montagem de Sergei Eisenstein e Andrei Tarkovsky com o objetivo
de refletir e praticar, de forma consciente, os processos de coreoedição. Todo
material apresentado aqui é fruto da pesquisa que venho desenvolvendo a partir de
meu diálogo entre a dança e a edição digital de vídeo.
Percebo que a videodança traz em sua comunicação múltiplas experiências,
considerando que é possível reconhecer, no movimento dos corpos, um diálogo com
as referências poéticas aqui citadas, como Maya Deren, Douglas Rosenberg, Wim
Vandekeybus, Analivia Cordeiro, Paulo Caldas, Guilherme Schulze, entre outros
artistas da videodança. O vídeo tem sua característica atemporal, se imortaliza no
tempo da obra, ou seja, uma obra audiovisual é capaz de atravessar o tempo e
trazer à tona emoções e experiências sempre que assistida. Tal característica nos
faz perceber percursos e transformações que são importantes para o aprendizado e
fluidez criativas na arte da videodança. Cada artista da videodança aqui citado
utilizou diferentes ferramentas tecnológicas para criação de suas obras, essas que
estão suspensas no tempo e trazem olhares e poéticas que aproximam o espectador
de suas obras.
Além das imagens das obras, o que também me conecta com esses artistas
são as dinâmicas e as narrativas construídas com diferentes dispositivos, cada qual
pertencente a um período; uns com número maior de possibilidades de gravação;
outros com uma única possibilidade de gravação. Contudo, isso não limitou a
76

materialização das obras. O que me fez perceber que esses artistas utilizaram ao
seu favor a tecnologia de seu tempo.
Independente do aparato tecnológico escolhido para a gravação de imagens,
ou softwares de edição, ou para a junção de imagens, você deve perceber formas
de dialogar e se movimentar com as ferramentas que estão à sua disposição, pois,
na condição de artista da videodança, em meu percurso criativo utilizei diferentes
dispositivos e cada um me conectou de diferentes formas para criação em
videodança. Hoje, considero que uma das principais características da videodança é
o movimento. O mover na videodança é uma aproximação do meu corpo em relação
às ferramentas que eu utilizo e às narrativas que desejo criar. Não defino percursos
para criação de minhas videodanças, gosto de perceber o fluxo de como elas se
movimentam desde o processo de gravação até durante o processo de coreoedição.
Ao escrever esta dissertação, optei por trazer minhas experiências que
estavam guardadas e relacioná-las com as residências, que foram momentos de
grande aprendizado para mim. Olhar para esses arquivos me fez perceber o quanto
venho compartilhando e aprendendo múltiplas formas de me relacionar com a
videodança. São formas que considero como forças e venho buscando transmitir
para outros artistas. Considero a coreoedição e a videodança artes democráticas e
possíveis de serem realizadas por todos que queiram dançar com suas imagens. A
pandemia da covid-19 me aproximou de outros artistas e me fez perceber outras
possibilidades no audiovisual. Espero que os arquivos aqui disponíveis possam
despertar a fruição em outros artistas que queiram se relacionar com a videodança.
A arte da videodança ampliou seu campo em meio a pandemia da covid-19,
possibilitando aos artistas conhecer mais os espaços digitais para continuar
dançando e aproximando-se do público dentro de casa, fazendo assim surgir novos
festivais e construindo diferentes narrativas, pensadas para o campo do audiovisual.
Não tenho como objetivo criar um manual de edição de vídeo para dança,
uma vez que acredito que a coreoedição e a videodança são duas forças artísticas
que devem evoluir a cada nova pesquisa e criação, desenvolvendo novos percursos
cósmicos, sem parar no tempo em um conceito fechado e ancorado. Não cabe a nós
criar definições na videodança, mas vivenciar suas transformações, manifestações e
movimento, compartilhando e criando novos processos como possibilidade de
77

expressão da dança. Ademais, meu percurso como artista e educador mostra que a
possibilidade de criação de imagens por meio da videodança pode ser inserida em
múltiplos espaços, transformando a percepção de crianças e adultos, ampliando
poéticas cênicas, recoreografando para tela, materializando emoções por meio dos
aparatos tecnológicos da câmera e da edição. Sendo assim, posso afirmar que o
corpo do coreoeditor projeta suas experiências e, por meio da sua intuição, as
transforma em imagens na videodança. Nesta pesquisa, a coreoedição, em seu
fluxo criativo, é um ato de tensão que advém de forças impressas nos quadros que,
unidos na linha coreográfica, liberam fluxo poético.
Ao desenvolver uma obra, nos comunicamos por meio dela e aqui foram
apresentados diferentes fluxos expressivos e criativos de obras coreoeditadas para
videodança, essa arte que se expressa por meio do audiovisual e nos conecta com
diferentes corpos e movimentos. Ao coreoeditar as imagens na linha coreográfica,
eu me expresso por meio das minhas escolhas; ao videodançar para o mundo, lanço
experiências que serão vividas e sentidas por outras pessoas. Então, proponho a
você, lançar-se ao mundo e se mover por meio de suas escolhas.
78

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Artes Cênicas, ABRACE, 2008, Florianópolis. ANAIS. [S.l.: s.n.], 2008. p. 1–4. v. 9.

SNYDER, Allegra Fuller. Three kinds of Dance Film: A Welcome Clarification.


Dance Magazine, New York n. 39, p. 34–39, 1965.

SPANGHERO, M. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo: Rumos Itaú Cultural
Transmídia, 2003.

TARKOVSKY, Andrei. Esculpir o tempo, São Paulo: Martins Fontes. 1998.

TERRA, F. M. O conceito de montagem de Eisenstein na animação Mary e Max.


Anagrama, [S. l.], v. 5, n. 4, p. 1–6, 2012. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/35659. Acesso em: 28 ago. 2021.

TRINDADE, Ana Lígia; VALLE, Flavia Pilla do. A escrita da dança: um histórico da
notação do movimento Movimento, vol. 13, núm. 3, septiembre-diciembre, 2007, p.
201–209 Escola de Educação Física Rio Grande do Sul, Brasil.

VERAS, Alexandre. Kino-Coreografias — Entre o Vídeo e a Dança. In: BONITO,


Eduardo; CALDAS, Paulo; LEVY, Regina (org.). Dança em Foco v. 4: Dança na tela.
Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria Oi Futuro, 2012, p.193–214.
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GLOSSÁRIO

Plano geral: é o plano panorâmico da cena. O plano geral também pode ser
utilizado para dar sentido de isolamento colocando uma pequena figura humana
numa vasta paisagem. O plano geral permite a utilização como elemento de
contraste com planos médios e primeiros planos dos elementos nele incluídos,
relaciona os personagens e quem os rodeia.

Plano médio: inclui todas as características importantes de uma cena. Estabelece


relações entre o tema e o meio ambiente. São visíveis apenas gestos largos. Mostra
a pessoa da cintura para cima, está entre o plano geral e o close.

Plano americano: revela expressões, mas não enfoca um tema. Estabelece uma
inter-relação entre dois personagens. Mostra a pessoa do joelho para cima.

Primeiro plano: concentra-se num rosto ou detalhe de uma cena. Revela o


personagem e seus sentimentos. Desempenha função mais emocional. Plano é
cortado pouco abaixo das axilas. Permite, por exemplo, imagens de alguém a fumar,
cortando totalmente o ambiente em redor. Este tipo de plano privilegia o que é
transmitido pela expressão facial.

Primeiríssimo plano: enquadra e enfoca uma parte do rosto do tema como os


olhos, as mãos ou outro detalhe. Cria um efeito de choque. Essencial para se
alcançar a máxima intensidade dramática, apresenta nitidamente a expressão do
rosto e projeta as características do personagem e pode revelar pensamentos e o
momento interior do personagem.

Plano detalhe: enfoca um detalhe mínimo, muitas vezes de maneira que não se
consegue reconhecer o objeto. Cria um sentido de mistério e surpresa quando o
tema é revelado. Plano de impacto visual e emocional, mostrando uma parte
essencial do assunto, às vezes criando uma imagem abstrata.
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Plano inicial / Plano de passagem: são planos que podem utilizar vários tipos de
planos. Eles são usados para que o público possa se situar e compreender onde se
localiza a história ou a passagem do tempo na trama do filme.

Plano sequência: o plano sequência é um plano sem cortes. Segue uma sequência
contínua, podendo ser executado com a câmera na mão ou utilizando vários tipos de
estabilizadores de imagem.
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APÊNDICE
APÊNDICE – Entrevistas dos participantes da residência do Cena Cumplicidades
2020
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Ficha técnica de videodanças produzidas:

Título:
A Questão is When / The Question

Direção:
André Rosa
Debi Irons
Companhias e Intérpretes:
Art Moves (EUA)
Debi Irons, Brie Hinman e Sasha Richardson.

CDTAM (BRA)
André Rosa, André Castro, Bárbara Marinho, Flávia Nery, Júlia Vasques e Olívia
Macedo.

GDUFRN (BRA)
Teodora Alves, Bruno Thierre, Jane Andrade, Gaby Brito, Ronaldo Teodósio, Brenda
Leslie, Ana Txay, Kathleen Louise, Claudio Silva, Yara Camila, Francilanny Marques,
Ana Lincka, Nathaly Lima, Manuel Evaristo, Rayssa Oliveira e Tato Takai

Música:
Davy Sturtevant - The Question Is When

Coreoedição:
André Rosa

Ano:
2020

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Título:
Rio Cor de Rosa

Direção:
André Rosa

Coreografia:
Clébio Oliveira

Intérpretes:
André Rosa, Gabriela Gorges, Gustavo Santos, Juarez Moniz, Julia Vasques,
Marghot Lima, Tatyelli Raulino e Will Gomes.
Câmeras:
André Rosa
Olivia Macedo
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Músicas:
Wim Mertens - Iris, Terje Isungeset - London, Antony and The Johnons - Hope
There’s a someone, Electric President - Explanation e Glen Hansard e Marketa
Iglova - If you want me.
Coreoedição:
André Rosa
Ano:
2018
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Título:
Dentro de Cada Um
Direção:
André Rosa

Intérpretes:
Artur Xavier, Leonardo Sabino, Luana Brandão, Rafael Maurício, Thiago Rodrigues e
Weslla Procópio.

Câmeras:
André Rosa
Música:
Elza Soares - Dentro de Cada Um

Direção de fotografia:
Guilherme Schulze
Coreoedição:
André Rosa
Ano:
2019
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Título:
Dentro de Cada Um
Direção:
André Rosa

Intérpretes:
Artur Xavier, Leonardo Sabino, Luana Brandão, Rafael Maurício, Thiago Rodrigues e
Weslla Procópio.
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Câmeras:
André Rosa
Música:
Elza Soares - Dentro de Cada Um

Direção de fotografia:
Guilherme Schulze
Coreoedição:
André Rosa
Ano:
2019
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Título:
Abaixo do Equador
Direção:
André Rosa

Coreografia:
Airton Tenorio

Intérpretes:
Sérgio Galdino

Câmera:
André Rosa
Música:
Luís Cília - Linhas

Direção de fotografia:
Guilherme Schulze
Coreoedição e mixagem de som:
André Rosa
Ano:
2019
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Título:
TEMOR
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Direção:
André Rosa

Coreografia:
Clébio Oliveira

Intérpretes:
Alvaro Dantas e Jania Santos

Câmera:
André Rosa
Coreoedição e mixagem de som:
André Rosa
Ano:
2020
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Título:
TEMOR
Direção:
André Rosa

Coreografia:
Clébio Oliveira

Intérpretes:
Alvaro Dantas e Jania Santos

Câmera:
André Rosa
Coreoedição e mixagem de som:
André Rosa
Ano:
2020
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Título:
Corpo Ilha
Direção:
André Rosa

Coreografia:
Clébio Oliveira

Intérpretes:
Margoth Lima
108

Câmera:
André Rosa
Tiago Lima
Coreoedição e mixagem de som:
André Rosa
Ano:
2020

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