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“O Último Baile de Blanche DuBois”

A exploração da feminilidade no campo performativo.


A construção de uma personagem por meio da estética “drag”.
A narrativa conduzida pela música.

Projeto de Iniciação Científica


Escola Superior de Artes Célia Helena

São Paulo, SP
Maio, 2021
1. Introdução

“Eu não quero realismo. Eu quero magia!” uma fala de Blanche na peça
“Um Bonde Chamado Desejo” escrita pelo dramaturgo norte-americano
Tennessee Williams. Essa fala exalta o desejo inexorável de Blanche em ver o
mundo de uma perspectiva mais bela, generosa e esperançosa, mesmo que
ninguém, nem ela mesma, acreditem realmente. Ela sempre se forçará e a
todos a sua volta a vislumbrar a alternativa fantástica e fantasiosa.
É desta personagem que se origina o gatilho para essa pesquisa. Como
interpretar esse lado feminino tão potente que se manifesta constantemente em
minha trajetória de vida? Trato esse impulso quase como uma persona, uma
que não se tranquiliza com as pequenas oportunidades que tem para se
apresentar.
Nessa noção se da o elemento da performance. De fato uma
performance de gênero, não o gênero biológico, e sim o gênero social. O
comportamento esperado do sexo masculino e do sexo feminino. Blanche, por
mais que tente, não se encaixa nas normas e inconscientemente segue numa
vertente contrária do que é esperado de uma mulher da sua posição e
semblante. Existe ai uma identificação entre performer e personagem, agora
objeto de estudo.
Talvez esse reconhecimento venha da presença tão forte de mulheres
em minha vida. Isso é confirmado pela escolha de figurino. As roupas da minha
mãe, que contém tantas histórias muitas vezes doloridas. São essas mazelas
que as roupas carregam que conferem a maior proximidade a um feminino
legitimo.
Mesmo com toda a identidade e aproximação ainda é uma performance.
Pelo simples fator biológico. Como superar esse fator?
Faz-se necessário o drag. Uma performance puramente estética sem
nenhuma relação com conflitos a respeito do sexo biológico de um indivíduo.
Permite que um homem cisgênero possa emular a aparência feminina.
A escolha do drag vai além de uma questão estética, corrobora com uma
sugestão para interpretação. Venho flertando coma idéia do camp para a
interpretação. O exagero e a dilatação corporal. Entra nesse momento outra
questão: como fazer justiça a essa personagem e ao mesmo tempo tratar de
um tema que atravessa a questão da identidade de gênero de forma sensível e
respeitosa?
A partir de todos esses gatilhos desenvolvi um texto intitulado “O Último
Baile de Blanche DuBois” que conta a história da última noite de Blanche na
fazenda Belle Reeve antes de partir para a casa de sua irmã em Nova Orleans.
Nessa noite Blanche relembra sua infância, seus amores e sua jornada
até se tornar a mulher que é hoje, numa catarse induzida pela bebida e pela
solidão.
O texto se apoia fortemente nas músicas que trazem mais uma
aproximação ao feminino: Todas são cantadas por mulheres, de Elza Soares a
Dalva de Oliveira. O texto apresenta um prefácio aos conflitos internos da
personagem que são expostos e escrachados durante a intervenção sonora.
As músicas conduzem a movimentação da personagem e a passagem
de um tema para o outro. Em alguns momentos elas chegam a resolver os
conflitos ou trazer alguma claridade em meio à loucura.
O texto desenvolvido servirá apenas como base para o trabalho e está
mais do que poroso para o aprofundamento ou supressão.
A pesquisa pede um detalhamento da gênese do drag e seu papel na
arte. Pede também uma exploração interna dos conflitos do performer em
relação as suas inquietudes internas e aos estímulos externos que fazem parte
da sua trajetória.

2. Objetivos

 Montar uma apresentação final a partir da personagem Blanche DuBois


da peça “Um Bonde Chamado Desejo” de Tennessee Williams;
● Explorar a feminilidade no corpo masculino;
● Entender o recorte da estética drag no teatro;
● Pesquisar o conflito do papel de gênero enquanto pesquisa de
personagem;
● Ampliar a noção da música como impulso protagonista na narrativa;
● Trazer a discussão da feminilidade e diversidade no contexto de uma
personagem e de um texto clássico contemporâneo;
● Fazer com que a inquietação pessoal transpasse o performer e atinja o
público.

3. Aspectos Metodológicos

A metodologia não segue em uma linha direta, porém cada aspecto é


dependente do outro.

Aspecto 1: Estudo do texto original de Tennessee Williams;

Aspecto 2: Estudo da personagem Blanche;

Aspecto 3: Aprofundamento do estudo da performance de gênero e da


aproximação do feminino pessoal ao feminino da personagem. Relação dos
conflitos internos do performer com os conflitos internos da personagem;

Aspecto 4: Estudo desse corpo acumulado dentro do texto proposto e estudo


do figurino e das influências externas neste texto;

Aspecto 5: Desenvoltura da narrativa e das ações com o elemento protagonista


da música.

Aspecto 6: Estudo da estética drag e da linguagem camp com enfoque na


personagem e na interpretação do texto;

Aspecto 7: Ensaios focados na montagem final a partir de todo conteúdo e


todas as reflexões levantadas no processo, para enfim, abrir o processo ao
público.

4. Desenvolvimento

Primeiramente é necessário o estudo do texto “Um Bonde Chamado


Desejo” de Tennessee Williams para entender o contexto em que a
personagem Blanche está inserida. É importante ter esse entendimento do que
acontece após a saída dela de Belle Reeve, pois o texto original revela muito
do seu passado e da sua relação com a família. Também revela a
personalidade e o temperamento de Blanche que são vitais para uma
construção digna da personagem fora da narrativa escrita pelo autor.
A partir disso o estudo toma um foco específico na personagem. É de
suma importância entender Blanche. A razão de sua saída e Belle Reeve e as
questões que envolvem essa motivação, além das motivações das suas ações
no texto original. Também é relevante a gênese dessa personagem e o
entendimento do contexto que ela está inserida além das mudanças no seu
status e no seu olhar único sobre a vida. A gênese permitirá uma noção
profunda do imaginário de Blanche.
Para a clareza no procedimento é necessário mergulhar em dois pontos
importantes: a estética drag e a linguagem camp. Entender sua historicidade,
relevância na arte, seus usos e variações, o efeito que causa, seus símbolos, a
importância na modernidade e como se aplicam especificamente nesta
pesquisa.
Sabendo disso, nos viramos para a pesquisa mais focada na
performance e na persona feminina. Esse aprofundamento da performance de
gênero traz os conflitos pessoais do performer em encontro com os conflitos
internos da personagem tornando legítima essa ligação. Essa legitimação é
importante, pois o objeto de estudo central é a personagem Blanche DuBois e
é ela o grande ponto de junção de todas as influências.
Nesse momento o estudo estético se mistura com a caracterização
clássica de Blanche, o estudo do drag e a questão tão pessoal do uso das
roupas da minha mãe para o figurino. Essa mistura bate nos pontos de
identidade de gênero, o aspecto pessoal da pesquisa e o estudo da
personagem. É necessário um entendimento muito claro de todos esses
elementos em conjunto para uma apresentação sensível e verdadeira da
narrativa e da pesquisa como um todo.
Levantado o conteúdo teórico e a exploração interna é possível o início
do processo prático, experimentando no corpo todo esse acúmulo com uma
preocupação na precisão das ações físicas e uma coerência da palavra. A
sugestão da utilização da linguagem camp para a interpretação deve ser
avaliada a partir do questionamento se ela serve para a ligação e aproximação
da personagem ou se de fato distância e causa um estranhamento.
O processo prático vai ao encontro com as reflexões e reescrita da
proposta de texto. Que histórias são importantes a serem contadas?
Com a proposta de texto encaminhada, chegamos de fato no cerne para
a apresentação. Inicia-se o processo de ensaios com todos os elementos
colocados. As ações físicas e a palavra nesse corpo feminino e íntimo, agora
em função da música. Como ele reage? Como ele se movimenta? Como essa
personagem pensa e vai de um tema para outro sendo guiada pela
sonoridade? Esses questionamentos só serão sanados na prática.
No geral o desenvolvimento dessa pesquisa tem pontos centrais que
são dependentes uns dos outros. Mesmo assim, por mais que exista a tentativa
de um processo em sequência, em muitos momentos será necessário retornar
e repensar as ferramentas ou até excluir e substituir outras. A pesquisa se
manterá sempre porosa e aberta, mesmo depois do fim dos doze meses.

5. Cronograma de Desenvolvimento

Esta pesquisa resultará na montagem de uma apresentação. Ela será


gravada e apresentada por meio de uma plataforma digital (ex: Youtube) e a
gravação seguirá todos os protocolos de distanciamento, uso de máscara e
higienização. A equipe terá o menor número possível.
Caso não estejamos vivendo num contexto pandêmico no momento da
montagem, será apresentada para uma plateia ao vivo.

Mês 1 Estudo do texto original de Tennessee Williams.

Mês 2 Estudo da personagem Blanche.

Mês 3 Enfoque no estudo da performance de gênero, exploração da


feminilidade interna.

Mês 4 Relação e identificação dos conflitos internos com os da


personagem, aproximação do feminino do performer com a
personagem.

Mês 5 Estudo da estética drag e da linguagem camp. Organização do


conteúdo teórico.

Mês 6 Entrega do relatório parcial.


Mês 7 Paralelo entre o conteúdo levantado nos primeiros meses com a
proposta de texto. Reescrita ou refinamento da proposta de texto.

Mês 8 Estudo do figurino junto com a estética drag. Estudo das ações
físicas e da palavra nesse corpo.

Mês 9 Estudo de ações físicas e do andamento da narrativa com o recorte


da música como protagonista. Aprofundamento desse entendimento
da musicalidade.

Mês 10 Ensaios com música e figurino, continuando o estudo de ações


físicas e da palavra. Agora com o novo recorte da música como
impulso da narrativa.

Mês 11 Finalização para a abertura de processo.

Mês 12 Entrega do relatório anual.

6. Referências

WILLIAMS, Tennessee (1985). Um Bonde Chamado Desejo. [S.l.]: São Paulo:


Círculo do Livro S. A. Trad. Brutus Pedreira;

“A Streetcar Named Desire” (2014) dir: Benedict Andrews – prod: Teatro Young
Vic, Londres. Transmitido em 2020 no YouTube como parte do evento
“National Theatre At Home;

“Um Bonde Chamado Desejo” (1951) dir: Elia Kazan – prod: Charles K.
Feldman;

BERNAL, Óscar C. (2018). Atuar "de verdade". a confissão como estratégia


cênica. Urdimento - Revista De Estudos Em Artes Cênicas, 2(13), 099-111;

FABIÃO, Eleonora. Corpo cênico, estado cênico. Revista Contracorpos –


Eletrônica, v.10, n.3, p.321-326, set-dez 2010;
Carreira, A., & Bulhões-Carvalho, A. M. de. (2013). Entre mostrar e vivenciar:
cenas do teatro do real. Sala Preta, 13(2), 33-44;

DANAN, Joseph. Mutações da dramaturgia – tentativa de enquadramento (ou


desenquadramento). Revista Moringa, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 117-123,
janeiro 2010;

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de


experiência. Rev. Bras. Educ. 2002, n.19, pp.20-28. ISSN 1413-2478;

FABIÃO, Eleonora. (2008). Performance e teatro: poéticas e políticas da cena


contemporânea. Sala Preta, 8, 235-246;

FABIÃO, Eleonora. Programa performativo: O corpo-em-experiência. Revista


do Lume, n 4, dez 2013;

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva;


2013.

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