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APOSTILA ANÁLISE DE TEXTO

É a etapa prioritária em qualquer processo de criação teatral. Não basta uma emocional e de
improvisação em relação ao texto. A análise estrutural deve ser dominada como uma técnica suscetível
de ser usada em qualquer abordagem de qualquer tipo de peça. Muita gente torce o nariz para o
conceito de análise de texto, achando que ela tem uma conotação acadêmica e corresponde a uma
dissecação fria e científica que ameaça matar a resposta subjetiva da pessoa ao texto. É claro que
existem em muitas peças aspectos que dificilmente podem ser traduzidos verbalmente, mas isto não
significa que uma peça viva num mundo místico que desafia um exame lógico. É importante que se
chegue a uma verdadeira percepção do conteúdo e de forma de uma peça, percepção da qual sairão os
caminhos para a sua transposição cênica. A palavra percepção significa ao mesmo tempo um impulso
emocional, do qual sairá em grande parte o vôo criativo do diretor, mas também uma consciência
objetiva básica de como uma peça é feita. Significa mais do que o impacto sentido na primeira leitura
no sentido:
 Gosto desta peça. Ela me diz muita coisa. Mas não consigo especificar o que ela me diz, e por
quê?

Percepção: Significa um mergulho dentro da obra, indispensável para sua compreensão. O que o
diretor vai encontrar na peça depende em ampla medida da sua capacidade de desmonta - lá
mentalmente e depois juntar de novo os seus pedaços, agora mais bem compreendidos,
individualmente e em conjunto. Em última análise:

Percepção: É a visão global que o diretor tem da obra depois da reação emocional que a leitura lhe
proporcionou e do exame intelectual detalhado ao qual ele a submeteu. Se ele teve uma reação
emocional forte, e se ele domina a técnica da análise, só poderá ter uma visão mais ampla da peça ao
fim deste processo do que tinha antes.Temos de partir da premissa que uma peça não é vida, mas arte.
Sendo uma obra de arte, ela é artificial - um objeto fabricado que pode ter semelhança com a vida, mas
que não é a vida. Isto se aplica até aos textos mais naturalistas, que mais se parecem com “a vida como
ela é”.

Análise de texto: É, portanto, uma espécie de suporte para os sentimentos que o diretor tem em
relação à peça. Enquanto técnica, ela está vinculada à idéia de que não é um processo inteiramente
intuitivo, mas um processo de criação artística através do qual o diretor leva a (matéria - prima - a peça)
das profundezas da intuição para a superfície da consciência. Isto é, ele se torna consciente das
características desta matéria-prima, interessado em achar suas forças e fraquezas, seus pontos altos e
baixos, seus movimentos e ritmos internos, com vistas a uma adequada realização cênica. Uma
adequada análise de texto não garante sucesso, coisa que não existe, mas pelo menos garante ao
diretor uma familiarização com o material em cima do qual está trabalhando.
Definições: Vamos dividir o processo de análise de texto em sete áreas básicas:

 Circunstâncias dadas;
 Diálogo;
 Ação dramática;
 Personagens;
 Idéias;
 Tempos;
 Modos.

Esta é uma divisão arbitrária, para efeitos de estudo e discussão; mas teremos de lembrar sempre que
nenhuma destas áreas existe em estado estanque, e que muitas vezes elas se interpenetram de tal
modo que cada uma delas só vai tomar forma à luz do estudo de todas as outras. Ainda para efeito de
discussão, agrupamos estas sete áreas em três grupos, cada um dos quais ocupará uma aula. Esta
esquematização não é arbitrária, pois circunstâncias dadas e diálogo constituem aquilo que poderíamos
chamar a moldura da peça; a ação dramática; e as idéias, tempos e modos decorrem, do ponto de vista
teatral, da ação dramática. Cada um destes rótulos representa um conceito. Simplesmente defini-los
não basta para compreendê-los. Em qualquer trabalho teatral-interpretação, direção, a atividade
criativa não consiste em definir termos ou debater conceitos, mas em absorvê-los tão intimamente que
eles se tornem quase espontaneamente reconhecíveis em qualquer contexto imaginável. Cada um
deve procurar familiarizar-se com estes conceitos tão intimamente que eles se tornem parte integrante
do processo intuitivo do nosso pensamente. Na nossa exposição sobre as sete áreas, cada termo será
inicialmente definido e a seguir desenvolvido como conceito; mas a compreensão só virá através da
aplicação destes conceitos a toda uma série de peças. O tempo será insuficiente para essa aplicação
sistemática, mas achei útil fazer acompanhar a exposição teórica de tentativas de aplicação dos
conceitos a pelo menos uma obra dramática. Espero que isto seja suficiente para dar-lhes uma técnica
básica capaz de ser utilizada por cada um no seu futuro trabalho teatral. Ao referir-me ás duas
primeiras áreas, circunstanciais dadas e diálogo:

Moldura da Peça: Uma imagem mais clara seria talvez a de um edifício, do qual as circunstâncias dadas
seriam as fundações, profundamente cravadas no solo, como se fossem raízes que prendem a estrutura
visível a um embasamento invisível; enquanto diálogo, sendo justamente o que é mais imediatamente
visível, uma espécie de casca externa, seria a fachada do edifício.

Circunstâncias dadas - cenário do dramaturgo

Definição: Este termo refere- se a todo o material de uma peça que define o ambiente, ou seja, o
“universo” da peça, dentro do qual a ação se desenrola. Este material abrange:

Fatores ambientais: Condições específicas, local, época;

Ação anterior: Informações sobre o que aconteceu antes do início da ação da peça;

Atitudes de polarização: Posições adotadas pelos principais personagens em relação ao ambiente em


que vivem. Há uma tentação natural em procurar as circunstâncias dadas nas rubricas, mas não é esta
melhor fonte de informação. As rubricas correspondem em geral a uma visualização subjetiva de um
possível espetáculo concebida pelo autor, que pode não coincidir com as futuras opções do diretor. Às
vezes elas nem são de autoria original do autor, mas descrevem apenas o cenário usado na montagem
original. Muito mais do que nas rubricas, é no diálogo que procura informações sobre as circunstâncias
dadas. Quando a gente se acostuma analisar peças, percebe que os autores conscientemente ou não,
criam uma espécie de “cenário implícito” através do diálogo, fornecendo grande variedade de dados,
fornecendo grande variedade de dados sobre o ambiente, sobre objetos e lugares em que os
personagens vivem, sobre o tempo que faz sobre o que aconteceu antes do início da peça, sobre os
sentimentos específicos dos personagens em relação ao seu universo. O dramaturgo precisa transmitir
a soma disso tudo à platéia com clareza e exatidão, pois tudo o que na peça baseia - se nessas
circunstâncias dadas. Os dois primeiros tópicos, fatores ambientais e ação anterior, são muito mais
objetivos e factuais do que o terceiro, atitudes de polarização, que já depende de uma interpretação de
quem está lendo e analisando. Mas é este, provavelmente, o mais importante dos três. No teatro, fatos
contam muito, mas as atitudes das pessoas em relação a estes fatos costumam mais ainda.

Fatores ambientais: Todas as peças fornecem algum tipo de informação sobre o local e a época em que
decorre a ação dramática, bem como sobre o meio ambiente. Quer sejam historicamente exatos ou
não, estes dados costumam balisar todo o decorrer da ação. Devemos identifica - los e anota - los,
isolando - os dentro das seguintes categorias:
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Localização geográfica: O local exato incluir clima, pois condições de tempo repercutem sobre
cenografia, comportamento e ação.

Data, ano, estação, hora do dia: A data tem uma significação especial.

Ambientação econômica: Nível social, condições de riqueza ou pobreza. Caso a ação se desenrole em
mais um nível, constata-lo e estudar os relacionamentos entre os diversos níveis.

Ambientação política: Os relacionamentos específicos das personagens com a forma de governo


debaixo da qual vivem. Muitas peças têm um cenário político claramente definido, que afeta
fortemente o comportamento. Outras admitem tacitamente uma forma de governo que implica
determinadas repressões sobre os personagens. Não se deve presumir que uma aparente omissão de
tais dados quer dizer que eles sejam de pouca importância. Devemos procurar deixas espalhadas pelo
texto, pois o autor pode ter partido do princípio de que quem lê o texto vai assimilar essas c.d. a partir
do contexto, mas o diretor não pede partir de tal princípio. É mais do que provável que o autor terá
deixado pelo menos um discreto rastro, que nos cabe levantar.

Ambientação social: Os hábitos e as instituições sociais que predominam na vida dos personagens.
Estes fatos são particularmente valiosos, pois podem manifestar-se através das pressões que exercem
sobre os padrões de comportamento e, por conseguinte podem resultar em determinar conflitos que
integrarão a ação dramática.

Ambientação religiosa: Suas repercussões explícitas e implícitas. Muito do que foi dito sobre
ambientação política aplica - se também aqui. Ao estudarmos as circunstancias dadas de uma peça,
devemos conter rigorosamente a nossa imaginação: todos os fatos devem estar explicitamente
contidos no texto e procurados. Não devemos tentar inserir a nossa própria idéia do fato
historicamente em torno da peça: se ele não está na peça, não existe. Um dramaturgo não está
escrevendo História, mas contando uma estória. Ele pode não conhecer bem História, ou pode estar
querendo deliberadamente modificar os fatores históricos para os propósitos que está visando. Não
devemos, na etapa da a.t., corrigi-lo, mas sim levantar os fatos como estão consignados. A parte
interpretativa da direção virá na etapa subseqüente.

Ação anterior: É preciso fazer uma nítida distinção entre ação presente àquilo que o espectador vê
acontecer diante dos seus olhos e a ação anterior aquilo que nos é dito que aconteceu antes que a ação
presente comece. Todas as peças começam “no meio” dos acontecimentos; assim, as circunstâncias
dadas precisam abranger alguma narração de ações prévias, de modo que a ação presente tenha uma
base a partir da qual se vai desenrolar. Algumas peças dependem muito pouco da ação anterior,
enquanto outra - as de Ibsen, p.ex. - pedem muita narração de acontecimentos do passado. As duas
ações, anterior e presente, compõem aquilo que designamos vagamente como a estória, ou o enredo.
Mas o diretor trabalha sempre especificamente com a ação presente, embora muitas vezes um dos
seus grandes problemas seja o de como tornar as necessárias narrações sobre o passado teatralmente
dinâmicas. Nas peças modernas baseadas em relações psicológicas, o passado desempenha um papel
importantíssimo na explicação do presente, do mesmo modo como acontece na psicanálise; ainda
assim, a parte vital da peça para o espectador é a que mostra o que acontece diretamente diante dos
seus olhos. Precisamos, portanto, aprender a separar os dois tipos de ação. A ação anterior, embora
possa ocupar praticamente todo o primeiro ato e às vezes mais até ser, determina o ponto em que a
ação presente realmente começa. Uma vez feita esta distinção, ficarão mais fácil tentar a narração viva
no palco, pois por si só ela é chata em comparação com a ação com a ação direta. Um bom autor,
porém, sabe facilitar as coisas, dando ao personagem uma ação presente dentro do processo de narrar
à ação passada; ou seja, arranja as coisas de modo que o próprio ato de narrar afete de algum modo à
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ação presente do personagem que estamos vendo. Assim, o diretor não precisará manejar uma chata
exposição, mas trabalhar em cima de um ato de relembrar o passado dentro da excitação e do
engajamento ativo de uma ação presente que o vincula aos outros personagens. A técnica para separar
estar duas áreas de ação é simples. Basta sublinhar no texto todas as falas que relembram o passado.
Um texto de Ibsen vai conter muitas falas deste tipo, especialmente no primeiro ato, mas também mais
adiante, sobretudo quando novos personagens são introduzidos. Se fizermos uma lista dessas ações
anteriores numa metade de uma folha de papel, na ordem na qual elas aparecem, e inscrevermos na
outra metade as ações presentes ligadas às ações anteriores, veremos o relacionamento direto que
existe entre umas e outras. Uma direção pode tornar o espetáculo dificilmente compreensível
manejando anadequadamente às ações anteriores: alguns autores as introduzem de modo tão sutil que
o espectador poderá perder essenciais pontos de referência, se eles não forem valorizados na
encenação. As peças não falam por si mesmas: elas são ditas por atores e diretores que sabem
claramente sobre o que estão falando. Acrescenta-se a isto a notória dispersão da percepção de
espectador nos primeiros minutos de espetáculo.

Atitudes de polarização: Cada personagem na peça, como na vida, é condicionado pelo universo
específico no qual está inserido, e terá atitudes específicas, ou pontos de vistas específicos, em relação
a esse universo. Essas atitudes abrangem os seus preconceitos, suas simpatias, suas opiniões acerca
desse universo, dentro do qual ele é forçado a ter relacionamentos com outras personagens e agir
através de atos que afetarão os outros bem como a ele mesmo. O que entendemos por universo
específico de um personagem? Ele está condicionado, bem entendido, por fatores ambientais e ações
anteriores, mas situa-se num nível significante mais alto, pois começa a se definir quando o
personagem se relaciona com outros personagens e assim entra forçosamente em conflito com eles. O
universo específico é o universo dos relacionamentos entre os personagens, com todas as suas
implicações. Este é o ambiente interno de uma peça, o ambiente que contém os conflitos e problemas:
o ambiente do relacionamento amoroso dentro e fora do casamento, o ambiente das pressões
familiares que causam amor e ódio entre mães e filhos, pais e filhos, etc., o ambiente das pressões
políticas, religiosas e sociais que obrigam as pessoas de uma maneira que às vezes causa a destruição
das suas famílias e do relacionamento com essas famílias, o ambiente do medo do poder, de desprezo
pelos outros, da indiferença ou da cobiça das riquezas, da indiferença ou paixão pela religião. Qualquer
personagem costuma ter atitudes fortes para com esse universo específico. Um detalhe importante: Ao
longo de uma peça, um personagem principal não costuma modificar-se enquanto personagem, mas as
suas atitudes para com o universo ambiental da peça se modificam diante de pressões que vem de
forças fora de seu controle, ou seja, os outros personagens que servem de instrumentos para essas
modificações. Ao enfrentar essas forças, ele precisa ajustar-se a elas, e ao fazê-lo, certas características
latentes dentro dele vêm à tona e o obrigam a agir; características que têm estado presente o tempo
todo, mas nunca haviam sido solicitadas e portanto reconhecidas como traços marcantes de
personagem. O desenrolar da ação da peça compõe-se, portanto de uma série de modificações nas
atitudes dos personagens principais para com seu ambiente interior. Vale constatar, também, que não
são todos os personagens de uma peça que modificam suas atitudes de polarização, mas apenas os
principais, e é este, aliás, o fato que os torna principais. Os personagens secundários servem de
instrumentos nessas modificações, mas habitualmente não se modificam. Na a.t., são sempre os
personagens principais que mais nos interessam, pois é através do seu estudo que poderemos melhor
determinar a força e função exata dos personagens secundários. Na maioria das peças poderemos
constatar radicais modificações nas atitudes dos personagens principais, comparando as posições que
lês adotavam no início e no fim. Podemos resumir filosoficamente essas modificações dizendo que um
personagem caminha da ignorância para o conhecimento: ele enxerga o mundo em que vive, melhor e
mais claramente, depois de ter caracterizado os atos que constam da ação dramática do que antes: Por
isso, é preciso identificar as atitudes para com o ambiente interno que existem, para cada personagem
principal, no início da peça, de modo que o diretor possa ver claramente os pólos finais de cada
personagem, e ajudar os atores a encontrá-los. A trajetória entre os pólos iniciais e finais é,
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precisamente, a ação dramática. Determinando essas atitudes de polarização para cada um dos
principais personagens, o diretor é capaz de avaliar a extensão do que existe entre o pólo inicial e final,
a dimensão dos personagens e os efeitos explícitos que as circunstâncias dadas exercem sobre os
personagens. Assim, o esquema essencial da peça define-se através das polaridades dos personagens.
O que entendemos por início da peça é portanto, o conjunto das posições e atitudes assumidas pelos
personagens principais em relação ao universo específico no qual se acham inseridos e dentro do qual
vão atuar. Essas posições vão determinar com precisão onde começa a ação presente. Na maioria das
peças (as anti - peças de Ionesco são exceção). As personagens principais têm forte aprovação ou
desaprovação em relação ao ambiente em que se encontram. A trama que se segue, ou seja, a ação
presente, provavelmente anulará ou enfraquecerá as suas aprovações, ou transformará a
desaprovação em aprovação, ou pelo menos em aceitação. Se um personagem não acaba aceitando
aquilo ele aprovava no início, ele provavelmente morrerá ou se exilará ao longo do processo de
resistência às modificações que as forças lhe pretendem impor, tornando-se assim um herói trágico. Se
um personagem resiste obstinadamente a abrir mão daquilo de que intensamente gostava no início, vai
sobreviver, mas será ridicularizado, tornando-se um bobo alegre (Fidalgo). Mas o que quer que lhe
aconteça, ou as atitudes que tinha no início estarão substancialmente modificadas no final, ou então,
no caso do herói ridículo, ele continuará cegamente a sua trajetória, sem sequer perceber que alguém
procurou impor-lhe modificações. No início da peça uma atitude é habitualmente mais geral que
específica. Ela foi assumida pelo personagem sem que ele esteja plenamente consciente dela, embora a
platéia esteja diretamente informada dela pelo autor. A ação da peça fará com que o personagem tome
consciência do seu universo especifico, ao submete - lo ao teste das suas atitudes através do conflito
direto com outros personagens. No início da ação presente o personagem normalmente começará a se
dar conta de onde se encontra nos seus relacionamentos com os outros, embora possa estar
absolutamente cego quanto às razões pelas quais se encontra ali. As atitudes das personagens
deveriam, portanto, ser depoimentos de ordem geral, sem ligação direta com a ação presente que vai
seguir. Alguns exemplos: Os homens são tolos e românticos e podem ser manipulados com bastante
facilidade. (Helda Gabler) O Rei é sagrado e ninguém pode contestar seu direito divino de ditar regras.
(Édipo) Quando aprendermos a identificar o universo específico de uma peça, vamos compreender os
segredos dos seus esquemas internos, pois conheceremos as forças ambientais que mantêm os
personagens principais em xeque no início, e este conhecimento nos mostrará contra o quê eles
precisam lutar para superar essas forças a fim de chegar ao pólo final. No trabalho de tentar determinar
as atitudes de polarização é mais fácil achar o pólo inicial para cada personagem começando por anotar
a posição de cada personagem no desfecho e remontando para o início. O interesse da platéia estará
focalizado naquilo que aconteceu entre estes pólos, ou seja, na ação dramática.

Diálogo a fachada do texto

Definição: Obviamente, diálogo é conversação entre dois ou mais personagens numa peça. Menos
obviamente, sua função consiste em conter a ação dramática. O diálogo é o veículo da ação dramática,
o fluxo sanguíneo da peça. Por outro lado, embora o diálogo apareça originalmente como linhas
expressas numa página, sua finalidade essencial é de ser ouvido mais do que lido. Ele é linguagem
falada, e não escrita.

Diálogo é ação: Para começar a analisar o texto, é preciso entender a complexidade do diálogo. Ele não
é um mero intercâmbio verbal entre personagens, mas um artificial, econômico e simbólico canal de
interligação de ações entre os personagens, através do qual eles impõem suas vontades e necessidades
uns aos outros. O diálogo é redigido em tempo presente, porque sai da boca de pessoas que, como na
vida real, só pensam em termos de presente, e que falam uns com os outros para obter dos outro
aquilo que querem. Diálogo é um processo de construção:
A: diz alguma coisa a B;
B responde; isto faz com que A responda a B e B responde a A.
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Estabelecendo - se um ciclo. Independente de quão requintada seja a fala, de quão elaborada a escolha
das palavras, o objetivo é sempre o mesmo, obter resposta ou reação da outra pessoa, como acontece
na vida real. Deste modo, na própria natureza do diálogo está inserida a ação, forçar. As palavras
usadas para uso externo podem tentar ocultar essa ação do modo mais elaborado, ou podem ser muito
diretas e não esconde-la em absoluto. O diálogo é a cobertura, a vestimenta da ação dramática. A
primeira vista, ele é o “texto” da peça; mas a sua função básica é conter a alma da peça - o subtexto, a
ação dramática.

Em verso ou prosa: As peças variam amplamente na escolha da linguagem usada pelos personagens,
escolha ditada pelas circunstâncias dadas, que constroem o “cenário” que determina a maneira pela
quais os personagens se expressam suas boas ou más maneiras. A maioria das peças modernas é
escrita em prosa, por causa pretendida semelhante com a vida real, mas continuam sendo também
escritas peças em versos, como se fazia habitualmente no passado. O objetivo essencial é sempre o
mesmo: conter a ação dramática. Diálogo versificado não é apenas uma fachada decorativa, mas uma
maneira especial de transmitir sentimentos intensos e ações elevadas. Pelo mesmo motivo, muitos
dramaturgos escrevem numa prosa rebuscada do que a usada na vida diária.

Diálogo é linguagem falada e ouvida: O diretor precisa aprender a ouvir o diálogo para além do sentido
das palavras. Ele não é uma reprodução literal dos sons que ouvimos na vida diária, mas reprodução de
um contexto emocional que o autor colocou nos personagens através de recursos verbais. Em muitas
peças contemporâneas, o potencial sonoro do diálogo chega a ser um recurso de comunicação tão ou
mais significante do que o sentido restrito das palavras.

Estrutura das falas: O diálogo é uma construção artificial. Um autor experiente tem tendência a deixar
a frase mais importante para o final da fala. Ela se torna assim um clímax da fala. É um detalhe que
pode ajudar o diretor a obter dos atores uma ênfase adequada nas inflexões. Para inflexionar bem, é
preciso um domínio pleno tanto do subtexto como do texto.

A mola mestra da peça - ação dramática e personagens:

Ação dramática: É o choque de forças na peça - o conflito continuo entre as personagens.

Drama: Significa fazer, agir, portanto ação e personagens são a mola mestra do teatro; personagens
sendo entendidos como instrumentos que executam a ação ou são afetados por ela no sentido de
forçados a agir. Enredo ou trama é a seqüência dos incidentes e que suportam a ação. Ação dramática e
personagens são interligadas, mas para efeito de explicação vamos abordá-los separadamente. Como já
foi dito, uma peça é uma obra de arte, que pode ser desmontada e desmontada. Quem não sabe
analisar a ação de uma peça vai basear-se apenas em reações emocionais. O diretor não pode trabalhar
apenas em reações emocionais. O diretor não pode trabalhar apenas em cima do que ele sente a
respeito de uma peça, mas sim em cima dos elementos objetivos que o autor colocou nela.

Características da ação dramática

Tempo presente: Ação dramática só existe no tempo presente. Os personagens que participam da ação
estão sempre num estado de “estou fazendo” e não de “eu fiz”. É isto o que dá vitalidade à peça e faz
com que sintamos que ela está realizando aqui e agora. Quando duas pessoas se encontram na peça,
elas começam a fazer coisas uma à outra, e é isto o que vamos ver na seqüência do seu encontro. O uso
de tempo passado não existe na vida da peça: tudo que acontece, mesmo as maneiras pelas quais a
ação anterior é transmitida, deve ocorrer no presente. (Flashbacks).

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Ação x ação física: É importante, de saída, entender a diferença entre ação dramática e as ações físicas
que o autor executa. Estas são uma ilustração daquela, ilustrações escolhidas pelo ator ou diretor para
mostrar a ação dramática da melhor maneira possível. A gama das ações físicas - sentar na cadeira,
cruzar o palco, gesticular com mãos, etc., é infinita, mas a ação dramática básica define-se dentro de
limites estreitos. A arte do ator, portanto, é o processo de ilustrar a ação dramática. A representação é
o de que maneira a ação dramática é o quê. Devemos enfatizar esta distinção, pois as más tradições do
séc. 19 tenderam a confundir as ilustrações e marcações dos atores com as ações propriamente ditas, e
esta tradição ainda existe na ópera. A confusão repercutiu sobre a formação do ator, com o resultado
de às vezes descolar a atenção do diretor para superficiais mais do que os impulsos e forças essenciais
que atuam na peça. Só com a identificação obstinada da ação dramática será possível elaborar ações
físicas que sejam adequadamente ilustrativas desta.

Toda ação é recíproca: A ação é o choque de forças, as forças sendo (geralmente) os personagens.
Assim, toda ação gera uma reação, com uma etapa intermediária do ajuste ou assimilação entre uma e
outra. O ciclo desenha-se assim:
A faz alguma coisa a B;
B sente a força da ação do A (assimilação) e decide como reagir;
B faz alguma coisa a A;
A sente a força de B (assimilação) e decide como reagir.
O ciclo está então pronto a recomeçar, mas num nível novo e diferente. Este processo recíproco
continua até que
A ou B é destruído (ou a vontade que o impulsionava é destruída);
Uma força externa interrompe a progressão do ciclo (um outro personagem entra);
O autor interrompe arbitrariamente essa progressão (com um fim de ato, ou arbitrariamente fecha a
ação).
Portanto, toda ação dramática é recíproca, nunca existe em mão única, mas sempre com ida e volta. As
pressões exercidas tem duas mãos. Uma parte importante do ciclo reside no ajuste que cada
personagem faz antes de empreender uma nova ação. Por isso, boa parte do ator concentra - se no
receber a ação do outro personagem e decidir o que deve fazer para reagir. Existem, porém, tantas
nuanças possíveis para o exercício das pressões recíprocas que muitas vezes pode parecer que um
personagem está dominando o outro tão completamente que a cena assume a aparência de ação em
mão única. Mas trata-se de um certo tom passivo e discreto dado aos ajustes. É possível que o sentido
seja invertido dentro de algum tempo, e o dominado passará a dominador. Em muitas cenas A domina
e B executa ações defensivas; depois B domina e A executa ações defensivas. O clímax da cena
acontece quando um dos dois consegue dominar o outro completamente. Mas depois disso existe
sempre a possibilidade de um novo encontro, pois a peça é em parte feita de ajustes adiados, e das
novas ações que eles geram. Mais cedo ou mais tarde o dominado vai ter nova chance, e emergir como
força dominadora. A peça progride, e o público continua interessado, enquanto A e B continuam em
conflito sobre quem vai dominar, impor sua vontade ao outro. Quando esta pergunta é finalmente
respondida, instala-se um estado de relativa calma, e a peça chega ao desfecho. Mas, a não ser que as
forças sejam destruídas, o final da peça pode criar potenciais circunstâncias dadas para o inicio de uma
outra peça. Quando os personagens tem estrutura suficientes, podem ser retomados para uma nova
série de conflitos, como acontecia rotineiramente nas trilogias gregas. Todos os desfechos são
arbitrários, alguns são altamente arbitrários. Por isso, em vez de dizer que uma ação dramática
termina, melhor seria dizer que ela chega a um estado de relativa calma, uma letargia provisória na
qual aguarda a manifestação de novas forças e pressões.

Divisão das ações: A ação total da peça divide - se em seções grandes que normalmente são os atos. Os
gregos, que encenavam suas peças sem intervalo, pontuavam suas seções maiores com canções do
coro. Shakespeare frequentemente concluirá uma seção maior com uma refrão rimado, eventualmente
seguido de um interlúdio musical. Hoje costumamos fechar a cortina ou dar um black-out, e o público
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vai esticar as pernas durante 10 ou 15 minutos. Mas que haja intervalos formais ou não, sabemos que
todas as peças são artificialmente construídas, fracionadas em partes menores: Abaixo dos atos, temos
a divisão em cenas, que pode ser explicitamente declarada ou não (ato I, cena 2), mas que sempre
pode ser estruturalmente localizada, e é sempre arbitrária. Os franceses costumam separar suas peças
explicitamente em atos e cenas, de uma maneira que facilita o trabalho de análise da estrutura. Toda
vez que um personagem entra ou sai, ou um ciclo parcial de ação se fecha de outro modo, declara-se o
fim de uma cena. Ao analisarmos o texto mais de perto, veremos que embora não existe um símbolo
impresso para isso, cada cena francesa pode ser ainda desdobrada: Toda vez que os personagens em
confronto deslocam a linha do diálogo - ação para um novo sentido, ou o foco dominante desloca-se de
um para o outro personagem, fecha-se uma unidade e começa outra. A palavra unidade foi adotada
por Stanislavski para dividir a ação dramática em segmentos, ás vezes minúsculos. Este esquema
permite ao diretor ver melhor a ação da peça do que o esquema francês de ato/cena pois ele pode
visualizar a ação global subdividida em dezenas de sub-unidades todas interrelacionadas e articuladas
em torno de uma espinha dorsal principal. As grandes unidades - atos, cenas - são fáceis de detectar,
mas as pequenas são muito mais difíceis, pois variam de duas ou três falas a uma dúzia ou mais, e às
vezes podem consistir de uma única fala seguida de uma marca significativa (atividade física silenciosa).
O diretor experiente sabe o impacto que exerce sobre o público uma encenação bem estruturada
dessas pequenas unidades, com a devida ênfase dada ao momento mais revelador de cada uma. Cada
unidade tem o seu próprio objetivo, cada personagem persegue um alvo da unidade. É a construção
progressiva desses pequenos objetivos unitários, que se juntam e acumulam em objetivos maiores, que
finalmente vai resultar na espinha dorsal global de personagem para a peça intera, e por extensão na
espinha dorsal da própria peça. O trabalho primordial do diretor consiste em ajudar os atores não só a
identificarem, fala por fala, a ação dramática da peça, mas também a definirem seus objetivos dentro
de cada unidade. O autor que ao longo da peça, sabe em cada momento qual é o objetivo imediato
perseguido pelo seu personagem, e como ele se articula com o super-objetivo desse personagem, terá
resolvida metade dos seus problemas interpretativos. Na base deste conceito está a hipótese de que
todas as ações são recíprocas, e que faz parte da função do diretor assegurar que cada ator reaja
sempre adequadamente a cada ação que se exerce sobre ele o processo do ator não se compõe de
ações individuais, mas de reação ações alheias. Sem que A faça alguma coisa a B e B faça alguma coisa a
A, nada vai acontecer. A emoção só surgirá na platéia, só quando houver a seqüência ações-reações,
pois ela é um produto da ação dramática e portanto, das pressões exercidas por um personagem sobre
um outro. Um ator que atua sozinho, sem receber feed-back dos estímulos que os outros lhe fornecem,
diferirá pouco de um show - man que trabalha em teatro de variedades, sem receber ajuda do conflito
com os outros. Um monólogo numa boa peça não é um monólogo, mas um confronto entre dois
aspectos conflitantes de um mesmo personagem, muitas vezes entre a sua fachada externa aquilo que
os outros o forçam a ser e o seu caráter autêntico aquilo que ele sabe que precisa ser.

Identificar e rotular as ações: Uma vez que cada fala pretende ser uma maneira de agir, de forçar, de
pressão, ela pode ser sintetizada por um verbo no tempo presente, já que verbos são de ações. Este é o
subtexto da fala. Podemos, por exemplo, consigná-los como segue:
A se envergonha - B ignora - A pede perdão - B amolece - A súplica - B rejeita, etc.
Notem bem que o subtexto assim concebido não se confunde com um resumo do que o personagem
diz na fala, pois A pode muito bem querer disfarçar a sua vergonha com palavras cheias de orgulho,
embora seu subtexto de ação seja precisamente o de sentir vergonha. Reparem como cada uma dessas
ações, expressas em tempo presente, surge do verbo que precede, efetuando-se uma seqüência de
ações recíprocas. E reparem que nenhum outro verbo de qualificação é utilizado. Este processo de
determinação de subtextos já é um processo interpretativo no qual entra contribuição subjetiva de
quem está analisando, e portanto não pode ser feito só com recurso cerebrais, mas também com
intuição e sentimentos. Mas uma vez que o diretor aprendeu a técnica de definição dos subtextos e de
sua tradução em forma de verbos, ele estará dominando uma chave valiosíssima na sua comunicação
com os atores, pois ambos estarão falando a mesma linguagem: a dos verbos motivadores em cima dos
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quais o ator que pode representar. Caso contrário ficaremos no sempre vago “é assim que eu estou
sentindo”, em vez do “é disso o que eu (o personagem) estou falando”.Vejamos de novo os exemplos
de verbos citados. Este é tipo de verbos que devemos usar, porque eles podem ser representados. Há
verbos que simplesmente não podem ser representados. Todos os que são de caráter muito geral ou
abstrato, ou se referem à própria natureza do diálogo, são de pouca utilidade como instrumentos de
trabalho para o ator. P. ex. perguntar, dizer, falar, questionar, interrogar, explicar, mostrar, ver,
perceber; ou amar, odiar, pensar. A pergunta que nos devemos colocar sempre é: este verbo pode ser
representado? Pode ser ilustrado? Descobriremos que a busca deve ser por verbos específicos, porque
representação é um atividade específica, e não geral. Outra categoria de verbos a evitar: as que pedem
de modo óbvio ilustrações diretas: correr, pular, andar, rir. Ás vezes podem servir, mas na maioria das
vezes conduzirão o ator a ilustrações superficiais e não a ação originais e motivadoras que se deve
procurar. Os melhores verbos são os que sugerem ação direta, embora não óbvia, pois contêm
pressões e emoções essenciais.
As palavras a serem usadas são verbos. Acrescentemos iniciais dos personagens, e nada mais. Preferir
verbos transitivos, que mais facilmente possuem potencial de ação.

Registrar a ação: Esquema de trabalho útil para diretor pouco experiente:

Dividir um curto segmento da peça (10 min. com 2 personagens) em unidades;


Anotar em forma de verbos todas as ações em cada uma dessas unidades;
Fazer um resumo para unidade utilizando um único verbo que sintetize a ação de cada personagem
dentro da unidade;
A faz a B e B faz a A. (Maria pede perdão e Jorge amolece).

A anotação acima é agora uma síntese para toda a unidade; é recíproca, porque ambas as forças são
mostradas. A conjunção e contribui para a reciprocidade, pois liga os dois personagens, como se
estivessem nas duas extremidades de uma mesma corda. Reunir os resumos de todas as unidades do
segmento selecionado. Os resumos são aquilo que o diretor pode reter na sua mente como objetivos a
serem alcançados. Se o resumo é bem feito, os verbos bem escolhidos, a estrutura da peça poderá ser
percebida. O diretor assim, só vai comunicar aquilo que percebeu com clareza, pois se a sua percepção
não for clara, tampouco será dos atores e do público.

Outro truque útil: Titular as unidades com uma frase com substantivo. É uma outra maneira, embora
não muito exata, de descrever o que acontece numa unidade. A frase deve ser simples: A chegada: O
compromisso assumido; O anúncio do novo plano; O anúncio do outro plano; O corpo-a-corpo. Tais
frases completam utilmente os resumos de ações recíprocas, e podem ajudar o diretor a encontrar as
definições em forma de verbos. Podem também ajudar o diretor a transmitir os objetivos de cada
unidade quando fala com os atores. Mas, embora úteis como acessórios de comunicação, estas frases
são por si só insuscetíveis de serem representadas.

Tipos de ação: Não vamos tratar aqui dos diversos gêneros de ação - trágica, cômica, farsesca - pois
trariam problemas complexos que confundiriam o esquematismo voluntário da proposta de a.t. Estes
conceitos virão num outro nível de análise, mais tarde. Por enquanto, vale observar que do ponto de
vista prático é melhor treinar a manipulação do esquema em cima de textos sérios, que são geralmente
mais diretos. A ação dramática na comédia é normalmente mais difícil de perceber, e apresenta muitos
outros problemas.

A segunda mola mestra: as personagens

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Definição: O personagem é soma de todas as ações dramáticas executadas por um indivíduo o decorrer
da peça. Podemos definir o personagem através de uma síntese das suas ações. (Trata-se aqui de
personagens no sentido de criação do autor, não ainda no sentido de composição do ator).

Personagem e ação: Na Poética, Aristóteles colocando a ação em primeiro e personagem em segundo


lugar, o segundo resulta do primeiro. Embora os autores não escrevam nesta ordem, o que seria
arbitrário, no resultado final é essencial uma vinculação íntima entre personagem e suas ações, sem
que o personagem não terá vida. Um personagem não existe, senão superficialmente, através de que
ele diz que é ou de outros dizem que ele é; ele existe através daquilo que as suas ações, sobretudo as
executadas sob pressão nos informam que ele é. O personagem tem ação por invólucro. Simples
impressões sobre o p., aquilo que sentimos que ele é não substituem a análise que o diretor submete
as ações do p., por outro lado, o ator pode descobrir o seu p. passo a passo, no processo de montar as
suas peças avulsas, representando, e. vivendo os diversos incidentes nos quais o p. está envolvido. Por
isso é sempre melhor o diretor obrigar os atores a repetirem vezes à representação, enriquecendo-a
sempre com novas sugestões, do que perder tempo excessivo com discussões intelectuais.

Como a personagem se revela: O autor não pode construir o p. de uma só vez. É claro que na frase final
dos ensaios ele deve ter visão orgânica do p. no seu todo; mas se ele procurar representar o p. inteiro
de saída, vai ficar perdido. Um p. toma forma e se revela no decorrer da ação. Ele não muda: é
“desembrulhado”. Os materiais de que ele é feito estiveram sempre lá, latentes, mas só sob o impacto
do conflito, das pressões exercidas sobre ele e os outros, é que as suas características ocultas se
revelarão e virão à superfície. Como já vimos, ação dramática é uma série de incidentes, um
conduzindo o outro. A ação é, portanto uma auto-revelação, conduzida por uma espécie de
inevitabilidade; isto precisa ser dito aquilo precisa surgir. Disso resulta que uma peça é feita de
descobertas e surpresas. Algumas são menores outras maiores; e uma em geral é essencial. Estes são
os clímax da peça. Cada vez que o p. enfrenta um destes momentos, alguma coisa dentro dele surge
para enfrentar as circunstâncias: um traço do caráter. Os traços de caráter são, portanto ilustrados
numa série de clímax. O espectador vai guardá-los na memória, pois, sobretudo se o autor é bom, eles
terão um relacionamento lógico com os traços que vão se revelar nos clímax seguintes. Assim, a
progressiva revelação dos traços de caráter que finalmente se juntam com clareza e força nos principais
clímax, quando todas as revelações prévias sobre o personagem se juntam numa ação maior e na
descoberta essencial do personagem. O espectador está ansioso por saber como será o p. quando
totalmente revelado, que motivações aparecerão em última análise como suas molas mestras. O que
normalmente se segue é um curto anticlímax, pois tudo que precisamos saber é como será o p depois
da sua colisão cara-a-cara com as forças que ele procurou superar.

Personagens simples e complexos: A densidade de um p.,quão simples ou complexo ele possa ser,
depende da quantidade da sua participação nela. Esta densidade é o que distingue os p. principais dos
secundários ou coadjuvantes, que funcionam como instrumentos para a revelação doa principais, só
conhecemos dele alguns traços, pois eles têm menos oportunidades de se testar contra o pano de
fundo da ação para nos dizer quem são, já que a atenção é concentrada nos principais. Existe um
terceiro nível-criado, etc. – que quase não conhecemos, embora bons atores lhes possam dar mais
personalidade do que eles princípio teriam. O quarto nível pode ser um corpo coletivo, p.ex. um coro,
que não chegaremos a conhecer absolutamente em termos individuais, pois só vemos um pensamento
e sentimento coletivo. A atenção está concentrada em todos os principais, mas habitualmente um
protagonista domina a ação. Como não há conflito em duas forças, precisa-se de um protagonista e de
antagonista, e a ação gira em torno destes dois eixos, ou talvez três, quando há mais de um
antagonista, quem é o principal antagonista. Os p. da tragédia grega em geral são simples, porque as
peças têm poucos incidentes para revelar traços de caráter; mas essa simplicidade não os torna menos
densos. Um p. simples pode exercer grande impacto sobre a platéia. Uma das contribuições do
realismo, além das minúcias das circunstâncias dadas, foi o crescimento da complexidade do
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desenvolvimento dos p., trazidos por um grande número de incidentes na peça. Mas essa
complexidade psicológica pode ser fonte de confusão, quando há tantos traços revelados que se
tornam difíceis de assimilar: bom diretor vai ordenar essa complexidade com clareza e distribuição de
ênfase, de modo a capacitar o público a assimilar os traços essenciais, ficando os secundários relegados
ao seu adequado lugar.

Técnicas de descrição das personagens: Tomar notas sobre o p. é bom para assegurar que a análise de
p. será realizada por completo. Mas precisamos estar certos de que determinações sobre o que p. é
sejam feitas através de uma análise de ação, resistindo à tentação de partir das descrições que o autor
frequentemente insere na peça. Os tópicos abaixo partem da percepção da ação dramática aplicada a
personagem.

Desejo: Determinar aquilo que o p. mais almeja. Pode ser uma posse material, mas é mais
frequentemente um elemento intangível: poder, domínio sobre os outros, amor de uma pessoa,
integridade moral, vitória sobre o medo, etc.

Força de vontade: É a força relativa de que o p. dispõe para alcançar seus desejos. Sua força interior é
grande ou pequena? Ele é capaz de ir até os seus limites, ou vai fazer concessões? A maioria das
decisões que tomamos na vida dependem da nossa força de vontade; nas peças de teatro essa força
costuma ser clara e dinamicamente ilustrada.

Moral: O sistema de valores morais também condiciona fortemente a possibilidade de o p. alcançar


seus objetivos. Quão honesto ele é consigo mesmo e com os outros? Assume moralmente
responsabilidade para com os outros? Qual o código moral que rege o seu comportamento? Qual o seu
senso de integridade? Podemos, em função da sua postura moral, considerá-lo um herói?

Aparência: Como o p. é fisicamente, seus modos, sua postura. Tal projeção de uma imagem, sendo
apenas a fachada externa do p., é superficial – o que a pessoa parece não nos permite dizer o que ela é
mas pode ser valioso para ajudar a enquadrar o p. na sociedade em que ele vive. A imagem física que
ele compõe pode, também, estar intimamente ligada ao seu temperamento mental e emocional. Pode
ser útil, também, fazer uma lista das características físicas do personagem aparentemente indicadas
pelas circunstâncias dadas, embora possa perfeitamente optar justamente pelo contrário ao escolher o
elenco. Como ele se comporta, nos vários contextos da peça: como anda, como fica de pé, como fala,
qual a qualidade da sua voz, etc. Sua aparência é afetada pela ocupação, os hábitos sociais, pelos
outro? Resumir todas as categorias acima apenas com objetivos.
Intensidade: Este é o estado físico ou corporal do p., o seu nervosismo, no início da peça e de cada
grupo de unidades interligadas. Definindo este estado inicial, o diretor tem um ponto de partida para
todos crescendo e diminuindo do p. que vão seguir. A intensidade é o nível de emoção de p. quando
começa, pois se e ator pode dar a partida num adequado nível de intensidade, tendo boa concentração
e consciência da ação, vai continuar estruturando o p. apartir desse nível.
A considerar, no estado físico do p.; batidas do coração, respiração, transpiração, tensão ou
relaxamento muscular, sensações estomacais.

Nervosismo abrange tudo isso: Vibração nervosa global, percepção sensorial. Sendo estes estados
pontos de partida, a forma da peça pode ser tornada evidente a partir deles na representação. Cada
personagem começa com uma intensidade diferente, pois é independente por definição e vai sentir-se
diferentemente dos outros personagens, que estarão num outro estado de nervosismo, embora na
mesma situação. O trabalho do diretor consiste frequentemente em apontar para os atores as
diferenças nestes pontos de partida. Para começar, o ator sente o nível das suas sensações físicas;
depois enquanto representa a ação dramática, pode sentir a validade deste ponto de partida. Como
tudo que se seguirá vai partir daí, ele se dará conta da importância dos pontos de partida adequados. A
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trilha da ação pode assim ser assegurada. Devemos lembrar que o ator enfrenta um novo p., este lhe
parecerá inicialmente estranho, porque é diferente dele mesmo. Para o ator, abordar um novo p. é
como experimentar um casaco de uma outra pessoa: e cumprido demais, aperta, tem cheiro estranho.
Neste sentido, a intensidade é o novo casaco devidamente definido, pois o ator saberá por que o
casaco é estranho e o que fazer para que ele lhe caia bem.

Idéias, textos e climas

No início comparamos circunstâncias dadas com fundação de um prédio e diálogo com sua fachada.
Ação dramática e personagens poderiam ser estrutura, ou então a energia elétrica que impulsiona o
seu funcionamento. Agora vamos colocar o telhado que abriga tudo o que está debaixo dele: a idéia.

Idéia - definição: A idéia de uma peça é um enunciado do seu significado, daquilo que “a peça quer
dizer”. Essa idéia deriva do estudo dos personagens em ação, e constitui uma interpretação da própria
ação.

Intenção prévia ou resultado acidental da criação? Geralmente admitimos que o autor parte
originalmente de uma idéia que quer transmitir, e com vistas à sua eficiente transmissão elabora os
personagens e a ação. Este costuma ser o caso com peças de tese, que assumem sua intenção didática
ou polêmica. Onde tal intenção não é assumida, é mais provável que o processo. P. ex., o autor pode
ter visualizado um personagem de ficção enfrentando um outro personagem dentro de uma
determinada situação dramática, esclarecida por algum dado de circunstâncias dadas; e à medida que
vai trabalhando em cima dos personagens, insuflando-lhes vida própria, eles próprios vão
determinando o fluxo da ação e, finalmente, a idéia. Qualquer que seja o processo, mais cedo ou mais
tarde o autor vai precisar decidir o que, afinal, os personagens estão fazendo de uma maneira
consistente, o que é que eles estão tentando descobrir. Em outras palavras, começa a preocupar-se
com a unidade temática da ação, a fazer com que essa ação seja sobre uma coisa, uma idéia. Talvez ele
não chegue a verbalizar explicitamente essa idéia central, porque acredita que criação dramática é
essencialmente subliminar, que o público deve perceber. A idéia sentindo a ação, e não recebê-la como
uma mensagem mastigada. Por isso, a definição da idéia na a.t. pode ser difícil, e muitas vezes é
altamente subjetiva. Mas é essencial que o diretor descubra aquilo que para ele é a idéia que dá
unidade ao texto; é disso que dependerá, em alto grau, a unidade e a coerência da sua encenação.

Identificação da idéia: A fonte principal na qual devemos procurar a idéia são os personagens
envolvidos nos incidentes da ação. Só após analisarmos a ação completa, e os personagens na sua
trajetória total, é que poderemos definir corretamente a idéia, pois o clímax principal e o desfecho nos
dizem mais do que qualquer outro trecho o que a peça quer dizer. Entretanto, existem fontes
auxiliares, tais como o título ou uma declaração filosófica na diálogo. O título é frequentemente uma
representação simbólica ou metafórica do sentido interior uma imagem que o autor oferece de
depoimento que está tentando escrever. O Auto da Compadecida, Um Grito Parado no Ar, Tempo de
Espera, A Morte do Caixeiro Viajante. Seis personagens à procura de um autor, nos dão uma dica certa
sobre os respectivos conteúdos, embora fosse perigoso tomá-los muito ao pé da letra, simplificando
excessivamente a essência conteudística. Já outros títulos podem mudar-nos a conclusão: A Cantora
Careca, Festa de Aniversário, Oh, Que Belos Dias. Outros nos dizem alguma coisa, mas pouco: Hedda
Glaber, O Canto da Cotovia, Hamlet, O Pagador de Promessas. Mas se a análise da ação foi
corretamente, o título põe sempre ao alcance do diretor uma metáfora que poderá aproximá-lo mais
da idéia do autor. Depoimentos filosóficos
podem ocasionalmente ser identificados em diálogos, mas não são muito freqüentes, e podem até
confundir, pois muitos autores, no seu desejo de se manter num plano poético, evitam explicações
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óbvias do significado. A experiência do espectador abrange o prazer da descoberta do sentido, não
porque o autor pretende ser confuso ou hermético, mas porque quer atingir o espectador no plano
mais primitivo de percepção, a percepção emocional. Para isso, declarações intelectuais são
autoconscientes e o vias demais, em geral. Então, o melhor meio de descobrir a idéia é perscrutar a
ação dramática da(s) personagem(s) principal. Onde está colocada a ênfase da ação, para onde conduz.
Porque o p. principal escolhe no momento de clímax esta e não outra ação? Qual é o resultado dessa
escolha? Haveria outras opções para ele – quais? No momento da sua maior tensão em sofrimento, o
que é que lhe parece mais importante? Depois do clímax principal, qual é o efeito da descoberta sobre
ele e os outros? Estas e muitas outras perguntas podem conduzir o diretor à idéia da peça. Quando ele
acha que a encontrou, deve anotar a idéia da maneira mais sintética, e voltar a checá-la contra a ação.
Pode ser conveniente formulá-la através de uma frase que combine a presença do p. e da ação: A peça
é sobre um jovem príncipe que... Podemos muitas vezes achar a idéia da peça relembrando a ação,
tomando cuidado em relatá-la o mais exatamente possível, na ordem qual ela se desenrola. O diretor
deve desenvolver a capacidade de relatar o enfoque principal pelo qual o autor aborda a ação.
Finalmente, indicações sobre a idéia podem ser encontradas nos conceitos e valores defendidos pelos
personagens simpáticos, e combatidos pelos personagens antipáticos. Ou ainda em recursos
simbológicos ou metafóricos outros que o título.

Andamentos

Definição: Os andamentos são as diferentes velocidades da ação. Quando há um arranjo em seqüências


dos andamentos, i. e, quando várias unidades consecutivas apresentam nítidas variações de cadência,
podemos identificar a pulsação da peça - o seu ritmo.

Unidades e suas cadências: As peças são compostas de unidades de ação que, embora
interrelacionadas, são diferentes em conteúdo e objetivos; assim, cada unidade tem o seu tempo
próprio, a sua batida própria. O diretor deve conscientizar essa construção música interna, não só
porque ela determina consideravelmente a individualidade da peça, mas também por que indica um
importante instrumento para manter a atenção do público. A sensibilidade musical é um dos mais
importantes instrumentos do trabalho do diretor. Nas partituras, há indicações do andamento, que
através de rubricas tais como largo, allegro, etc., quer através de precisas indicações metronômicas. As
peças não contêm tal material. Só excepcionalmente o autor dá uma informação sobre o andamento. É
necessário que o diretor e os atores sintam as batidas naturais do texto. Se o leitor tiver imaginação
dramática, também vai senti-las, vai sentir o fluxo. Mas um diretor com bom ouvido precisa analisar o
texto para tornar juntar as unidades para conseguir a música de cada cena, de cada ato, e da peça
inteira. Exercícios rítmicos, p.ex. bater num tambor os tempos de cada unidade, pode ajudar. O ritmo,
efeito cumulativo dos andamentos parciais, é também consideravelmente condicionado pelos climas da
peça.

Silêncios: Jean Louis Barrault disse: “Teatro é silêncio interrompido por ocasionais de momentos de
silêncio”, mas apresentou a paradoxal formulação invertida. É certamente uma formulação radical, mas
que dá uma metáfora do conceito do teatro. Num certo sentido, pode-se considerar que um ator
começa com um vazio silencioso, e depois o preenche com som. Mas se for dotado de bom ouvido,
nunca vai preenchê-la completamente, vai apenas pontuá-lo.

Os silêncios que ele deixa são as pausas: A pausa é um intervalo silencioso cujo efeito cênico pode ser
muito forte: o que não é dito pode ser tão importante quanto o que é dito, e a duração da pausa é um
dado muito expressivo. O diretor, ao analisar o texto, deve marcar antecipadamente as pausas, mesmo
que venha a alterar essas marcações nos ensaios. Pelo menos ele vai saber que os intervalos estão lá,
que fazem parte da estrutura rítmica, e que não podem ser ignorados sem colocar em risco o equilíbrio
dessa estrutura.
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Climas

Definição: Os climas são uma tradução das emoções ou sentimentos criados pelo choque de forças na
ação dramática. Quando vistas no seu conjunto, define o tom ou a atmosfera da peça. Impor o tom
adequado ao seu espetáculo é um dos principais objetos do diretor.

Efeito sobre o público: A discussão deve começar da observação do público, pois o conceito de clima
pode ser mais bem compreendido partindo de como a platéia recebe a peça para estudar a peça
enquanto gera dessa determinada recepção. O conceito do clima é particularmente difícil de ser
verbalizado e grande parte da sua criação só pode ser concebida no palco, mas a compreensão
intelectual da pureza dos climas e do seu relacionamento com os outros elementos na a.t...ajudará o
diretor no seu trabalho. Os climas são sentimentos básicos: as sensações de perturbação excitação,
etc., que nos atingem quando assistimos ao espetáculo. Quando estamos na platéia, recebemos o
impacto da peça, abrimos mão da nossa fria objetividade e mergulhamos na realidade da peça,
sentimos esta realidade e somos comovidos por ela, basicamente pelos valores do clima que ela
contém. Esta manifestação emocional pode começar logo cedo, intensificar-se gradualmente, chegar
ao auge no clímax, e ir-se acalmando dali para o final. Todos nós sabemos que a graça da comunicação
teatral está nesta experiência de substituição. Acompanhar as sucessivas modificações do clima não só
mantêm atenção desperta, mas pode no final deixar-nos cansados, exaustos, alegres, em êxtase.
Ficamos tão concentrados experimentando, através da empatia, os sentimentos gerados pelos
personagens em ação que mesmo sabendo perfeitamente que a peça é um produto artificial, que não é
vida real, mas só uma representação dela, parece-nos que gastamos quase tanta energia física e
emocional como gostaríamos se os acontecimentos vistos fossem reais. Foi uma experiência por
transferência, mas que envolve nossos sentimentos, nosso sistema nervoso. As duas experiências, uma
ficcional,outra real, não se confundem, e no entanto parecem ser uma só. Não nos sentimos logrados
pela experiência “fingida”, sabíamos de antemão que ela seria assim, e achamos que participar de
comportamento humanos de pessoas colocadas em situações e circunstâncias talvez semelhantes às
que seriam possíveis no nosso próprio universo enriquece a nossa própria vida. Os climas da peça,
portanto, são o que emociona a platéia e a desloca assim para além dela mesma e dentro de uma
experiência imaginável.

Ação dramática e climas: Podemos formar uma idéia mais clara do trabalho do diretor em cima de
climas estabelecendo relações dos climas com ação dramática. Assim como concebemos a a.d. em
unidades podemos pensar dos climas do mesmo modo. A peça aparecerá assim composta de várias
mudanças de clima, cada unidade tendo seu clima específico. Como vimos, cada personagem inicia uma
unidade numa certa intensidade físico-nervosa – o estado nervoso do p. neste determinado momento.
Se começa na intensidade certa, o que ele fizer aos outros p. e estes a ele vai modificar sua intensidade,
tornando-o mais relaxado ou tenso. Nessas modificações decorrem automaticamente modificações de
clima. Os climas são resultados das cambiantes intensidades dos personagens.

Tom

O tom de espetáculo é a soma, a síntese dos diversos climas parciais. É o que o diretor procura como
marca registrada do seu espetáculo. É através do tom que ele vai, basicamente, transmitir o sentido da
peça. A maneira como o público vai receber a peça dependerá em grande parte da percepção dos
climas e da articulação deles num tom global pelo diretor e, por seu intermédio, pelos atores. Sendo
um conceito subjetivo e emocional, o tom deve ser sentido pelo diretor a partir das primeiras leituras
que ele faz da peça, mas ele deve ser capaz de não perder a clareza quanto ao tom que está
procurando criar após semanas de envolvimento em ensaios.

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Análise dos valores do clima pelo diretor: Como registrar e anotar essas primeiras sensações relativas
a climas pode parecer quase impossível, pois se trata de reações pessoais, subjetivas e fluidas. Algumas
técnicas poderão ajudar a torná-las mais conscientes. Uma delas é a que usa adjetivos climáticos; a
outra usa metáforas. Os climas sendo emoções e sentimentos, podem ser registrados num processo
semelhante ao trabalho do ator, uma vez que o objetivo do ator é mostrar através de recursos visuais e
sonoros o que o p. ta sentindo. Na vida real alguém pode estar sendo submetido a grande pressão
emocional, mas exteriormente não demonstrar nada. No palco, o ator precisa demonstrar o que está
acontecendo. Sua linguagem para essa demonstração está toda no domínio dos sentidos: tato, gosto,
olfato, audição, visão. Portanto, as palavras mais apropriadas para descrever climas estão nas
categorias dos sentidos, p.ex.:
Tato: rude, áspero, suave, duro, liso, frio, quente;
Gosto: doce, ácido, frio, quente, enjoativo, saboroso;
Olfato: perfumado, fedorento, doce, áspero, forte;
Audição: alto, baixo, rouco, suave, estridente;
Visão: Palavras que expressam cores, tamanhos, formas, graduações de claro e escuro.

Alinhavar alguns adjetivos deste tipo vai ajudar a relembrar climas sentidos na leitura e falar sobre eles
expressivamente. Uma metáfora é uma imagem verbal através da qual uma palavra ou frase que
literalmente correspondem a um determinado objetivo ou idéia são usadas no lugar de outro objeto ou
idéia, para sugerir uma semelhança, analogia ou correspondência entre uma e outra. Mais do que os
adjetivos climáticos, as metáforas permitem um jogo livre da imaginação e estimulam a criatividade,
pois procuramos achar imagens que se parecem com sentimentos que estamos experimentando basta
dizer: o clima nesta unidade é como... E completar com uma imagem criada através de livre vôo da
imaginação. P.ex.:
Uma mosca voando em torno da lâmpada (a unidade tem um clima nervoso, tremido, indeciso, etc.);
Uma britadeira (o clima é barulhento, martelado, perturbador);
Um suco de limão (clima ácido, flui como líquido, cheira bem deixa gosto áspero na boca).

Aprendera pensar em metáforas ajuda a trazer à superfície sentimentos subjetivos do diretor. Mas o
que transformará a metáfora em clima será a ação do ator e do cenógrafo.
O ritmo é intimamente ligado à criação de climas e do tom.
Não só a ação dramática deve ser tratada com vistas à obtenção de climas e do tom, mas também as
circunstâncias dadas.

Análise: base da comunicação do diretor

Dever de casa: Por mais capaz e experiente que seja um diretor, ele terá de fazer os seus deveres de
casa – o estudo do texto. Com a prática diminui a necessidade de registrar detalhadamente por escrito
todos os dados componentes da estrutura da peça, e o diretor poderá fazer parte deste trabalho
mentalmente a outra parte por escrito, mas sempre com o objetivo de tornar suas idéias claras e
desenvolver uma comunicação específica com seus atores e equipe. Já o diretor inexperiente deve dar
duro na análise escrita, para certificar-se que todos os aspectos foram cobertos. O objetivo básico não é
só de dissecar a peça, mas também certos, sugestões adequadas e econômicas. O trabalho do ator é
atuar, fisicamente; não é o trabalho do estudante num seminário, onde é preciso falar muito. As
sugestões do diretor devem ser simples, diretas, honestas, econômicas, objetivas. Ao mesmo tempo,
devem ser imaginosas e imagísticas, formuladas num código que tanto o diretor como os atores
entendem. O processo de ensaios é como uma escada: o diretor constrói um degrau, em cima do qual o
ator constrói um outro, a partir do qual o diretor construirá um outro, etc., este processo recíproco de
contribuições repetindo-se até o fim. O diretor preparado terá sempre material para construir um novo
degrau que ajudará o ator; o mal preparado, que confiar na sua inspiração, em vez de responder
perguntas vai sempre fazer perguntas aos seus confusos atores. Ele precisa conduzir, não ser
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conduzido. Para isso, precisa conhecer não só a pele da peça, mas também seus ossos, músculos e
sangue.

Por que por escrito? Alguns acham perigoso o processo das anotações por escrito, pensando que
restringirá seu vôo como artista. É um preconceito absurdo. Depois de fazer algumas análises, vai-se
perceber que acontece exatamente o oposto: uma boa preparação é um processo de libertação. Ao
escrever as idéias, o criador vê aberta de novos caminhos. Se o cenógrafo começasse a comprar direto
os móveis e objetos e arrumá-los no palco, sem ter registrado a sua idéia detalhadamente no papel de
desenho, a construção do cenário se tornaria uma loucura. O trabalho de análise pode começar com
qualquer ponto, mas é melhor sistematizá-lo na ordem sugerida: a análise das circunstâncias dadas
tende a dar impulso ao diálogo, o diálogo à ação dramática, etc. Também a cada nova idéia que ocorre
no decorrer do processo podemos checá-la contra o que já foi anotado. Se a idéia for lógica, vai
encaixar-se facilmente, e o processo libertador vai mostrar o seu funcionamento. O esquema abaixo
não pode ser respondido como um teste de múltipla escolha. Para cada item deve-se fazer uma
exposição detalhada baseada numa reflexão em profundidade.

Ação dramática e ação física - as duas grandes ações do ator

A palavra drama é de origem grega e significa ‘eu faço’. Aristóteles em sua obra:A Poética, referindo-se
á tragédia – o que se aplica também aos demais gêneros - é a imitação, não das pessoas, mas de uma
ação. A ação é portanto, a base da arte dramática e, consequentemente o principal instrumento do
ator. Neste ensaio vamos definir com clareza o significado e a função da ação dramática e da ação física
na representação teatral. Para Hegel: “Ação dramática é o movimento interno do drama, que se produz
a partir de personagens livres, conscientes, que têm vontade, conhecem seus objetivos e os
perseguem. A finalidade de uma ação só é dramática se produzir outros interesses e paixões opostas.
Ação dramática é a vontade humana que persegue seus objetivos, conscientes do resultado final.” Para
Dryden: “O objetivo de cada ação é aquilo que está primeiro na intenção e por último na execução.
Portanto, ação dramática é a que provém da execução de uma vontade humana, com intenção e
buscando sempre cumprir essa intenção.”
Diante dessas observações, podemos selecionar algumas palavras essenciais que qualificam uma ação
dramática. Em primeiro lugar temos:

Objetivo - interesse/intenção - (ação dirigida): Toda ação, seja de ordem física, dramática ou vocal, se
dirige a um objetivo. O objetivo da ação desperta um movimento interno na personagem que o motiva
a conquistar seu objetivo.

Vontade - (ação motivada): Quando surge a motivação interior, a vontade é despertada e dirigida a um
determinado fim, noutros termos, não basta para a ação ter um objetivo, é necessário persegui-lo.

Consciência - saber/conhecer - (ação consciente): Uma ação casual ou acidental não é admitida como
dramática. No texto dramático o personagem conhece os objetivos de suas ações, e é consciente dos
meios que emprega para conseguir seu intento. A vontade quer alcançar um bem que é conhecido pela
inteligência. Notemos que esse bem é percebido pelo sujeito como algo que lhe falta algo que, se
possuído, lhe trará certa felicidade. Já sabemos que a ação dramática é o movimento interno do drama.
Esse movimento interno é o que está implícito na ação e é onde reside o seu objetivo fundamental.
Tomemos como ex., algumas situações, para esclarecermos o que não é uma ação dramática: um rapaz
chega para uma moça e lhe pergunta as horas. Se realmente seu único objetivo é apenas se inteirar das
horas, sua ação não despertará interesse dramático. Será uma ação simples e trivial. Agora, se sua
verdadeira intenção for a ‘conquista’ dessa garota, surgirá, então, um outro interesse. Na simples ação
de perguntar as horas estará implícito o desejo de conquistá-la. Saber das horas é o seu objetivo
simples e imediato, porém, conquistá-la, será seu objetivo fundamental. O mesmo ocorre quando
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Hamlet contrata um grupo de atores para se apresentarem em seu castelo. Nesta sua ação está
implícito um objetivo maior fundamental: certificar-se de que seu tio, Cláudio, é realmente o assassino
de seu pai. Nossa primeira grande ação surge do dramaturgo através do texto e é transmitida ao
público através do ator. Pela sua própria natureza, o texto dramático é escrito visando à
Representação. Entra em cena, então, o ator na fiscalização do texto no palco e na confrontação do
personagem com a platéia. Nossa segunda grande ação: a ação física, surge, então, do ator. O ator
materializa a ação dramática, através das ações físicas. Ambas devem andar de mãos dadas, pois
dependem uma da outra. A ação está a serviço da ação dramática, pois a qualidade física da ação se
fundamenta inicialmente na dramaturgia. Noutros termos o objetivo, à vontade e a consciência que
qualificam a ação dramática, também noteiam o plano físico das ações, e essas qualidades as ações
físicas se dissolvem, restando apenas movimentos mecânicos e atividade física sem propósito e sem
contexto com a cena nem com o papel. Procurem empregar essas qualidades a todas as ações que
realizarem em cena, pois são elas que garantirão a autenticidade das ações físicas. Stanislavski diz: “O
que quer que aconteça no palco, deve ser com um propósito determinado”. Mesmo ficar sentado deve
ter um propósito, um propósito especifico e não apenas um propósito geral de ficar visível para o
público. Em cena, não corram por correr, nem sofram por sofrer. Não atuem de modo vago, pela ação
simplesmente, atuem sempre com um objetivo. O material necessário para o ator promover a fusão
das duas grandes ações, reside no texto através das circunstancias dadas, e se completa com a
imaginação criativa do próprio ator através de circunstancias imaginárias. Todo esse material orienta e
justifica cada ação física executada. O método das ações físicas foi sistematicamente pelo mestre russo
Stanislavski ao longo de várias décadas de trabalho e investigação sobre a arte do ator. Bem no inicio
de seus estudos, o autor acreditava que a melhor maneira para um ator começar a abordar o seu papel
era através da técnica psicológica, ou seja, pela ação interior, a qual ele nomeou: período de
experiência emocional.Com o tempo, particularmente anos últimos anos de sua vida, Stanislavski foi
percebendo que o ator, no inicio da abordagem do seu papel, precisava de meios mais concretos,
alguma coisa material, já que os sentimento e as coisas do espírito são difíceis de fixar-se com firmeza,
principalmente no inicio do processo criativo.A partir de 1930 Stanislavski passa a enfatizar a técnica
exterior do ator como ponto de partida na abordagem do papel, ‘pois o corpo é incomparavelmente
mais sólido que nossos sentimentos. Essa inversão na ordem de aplicação entre os recursos internos e
externos do ator, revolucionou seu método. É muito importante notar, porém, que não se trata de uma
inversão de valores. Como diz o próprio autor: O ser físico do papel não é pouca coisa, mas é apenas a
metade (e não metade mais importante) da vida de um papel. A tarefa mais importante para o ator é a
criação da entidade espiritual do papel.

A ação física: É portanto, um meio de libertar a vida interior de um papel. Eis o novo segredo de seu
método. Vamos recorrer às palavras do próprio autor para justificar essa afirmação: “O meu novo e
inesperado método baseia - se na estreita relação das qualidades interiores com as exteriores,
pretende ajudá-los a sentir o papel, criando uma vida física para ele”. Se um papel não consegue
formar-se espontaneamente dentro do ator, este não tem outro recurso senão abordá-lo de maneira
inversa, partindo dos aspectos exteriores para dentro. É isso que eu faço. Vocês não sentiam seus
papéis intuitivamente, e portanto eu comecei pela parte física desses papéis. Esta é uma coisa material,
tangível, atende as ordens, aos hábitos, à disciplina, ao exercício, é mais fácil de manejar do que o
esquivo, efêmero e caprichoso sentimento, que nos foge. Mas não é só isso. Há fatores mais
importantes escondidos em meu método: o espírito não pode deixar de reagir às ações do corpo, desde
que - evidentemente - estas sejam autênticas, tenham um propósito e sejam produtivas. Esse estado de
coisas é particularmente importante no palco porque um papel – mais do que uma ação na vida real –
precisa juntar as duas linhas (a da ação externa e a da ação interna), num esforço mútuo para atingir
um determinado fim. O fator favorável, no teatro, é que ambas são tiradas da mesma fonte, a peça, o
que dá afinidade. Sobre essa estreita relação entre a natureza física e espiritual do papel, o autor nos
presenteia com mais palavras valiosas: “O elo entre o corpo e a alma é indissolúvel. A vida de um gera a
da outra, e vice-versa. Em todo ação física, a não ser quando é puramente mecânica, acha-se oculta
17
alguma ação interior, alguns sentimentos. Assim é que são criados os dois planos da vida de um papel,
o plano interior e o exterior”. Agora que estamos um pouco mais familiarizados com as duas grandes
ações do ator o momento é propício para abordarmos a aplicação do método das ações físicas pelo
ator na criação de seu papel. O material apresentado foi coletado de algumas fontes do mesmo autor,
e não tem por objetivo mostrar um formato definitivo, até porque o método de Stanislavski nunca foi
rígido, transformou-se permanentemente ao longo de vários anos. A maioria das palavras usadas são
do próprio autor, tomei apenas a liberdade de unir trechos de diferentes obras, conservando o sentido
essencial e a ordem de aplicação.

A Criação da Vida Física do Papel

O primeiro encontro com o papel: Leia o texto inteiro com muita atenção e livre de qualquer
preconceito, pois as primeiras impressões do texto influenciarão todo o trabalho posterior de criação.
Portanto, escolha um lugar onde você possa receber melhor as impressões do texto e crie um clima
favorável para que suas emoções se abram para receber com alegria as impressões artísticas. Busque
uma disposição de espírito receptiva, com um estado interior adequado. Evite o contato puramente
racional com a peça; nada deverá obstruir a intuição. As primeiras impressões são sementes.

O fio da peça: Anote, pela ordem, toda a seqüência dos acontecimentos da peça. O fio é o esqueleto da
peça, é quem lhe dá sustentação. Cada peça tem seu esqueleto e para encontrá-lo respondam à
pergunta: sem que coisa, que circunstâncias, acontecimentos, experiências, não haveria a peça?
Registrem todas essas circunstâncias propostas e fixem-nas firmemente.

Preparativos: Selecione um episódio da peça. Divida-o em pequenas unidades definindo seus


respectivos objetivos. Encontre as ações contidas no episódio. Inicialmente concentre-se apenas nos
fatos externos do texto e nos objetivos físicos mais simples, a principio é só isso que se pode executar
com sinceridade. E finalmente, defina no espaço cênico seus focos de atenção, ou seja, por onde deve
entrar, em que direção deve se deslocar, para onde olhar etc.

Ação lógica e coerente: Suba ao palco e sem texto, execute os objetivos físicos mais simples de modo
lógico e coerente com as circunstancias propostas pelo autor. Tudo que fizerem em cena deverá ter
uma ligação com o texto. Mantenha sua atenção no palco, concentrando-se apenas na realização de
suas ações. Execute essas ações físicas e mesmo em estado bruto, faça um esboço, justificando os atos
a partir dos fatos externos de enredo, a fim de que estes lhes dêem base e impulso para agir: de onde
vim, para onde vou, por que etc. O que faltar pode ser inventado de acordo com o espírito da peça.
Quando precisar falar, use suas próprias palavras para exprimir o pensamento de seus papéis; mesmo
não sabendo as palavras exatas do texto impresso, é possível lembrar o sentido geral da conversa, e o
diretor pode ir apontando a ordem de pensamento do diálogo.

A linha física do papel: Dirija suas ações movimento após movimento, ligando as ações separadas para
formar períodos maiores, até alcançar uma seqüência coerente; criando assim um esboço da linha
direta de ações físicas: a linha física do papel. Obedeçam estritamente à lógica e à consecutividade das
físicas. Anotem-nas por escrito e as fixem firmemente por meio de repetições freqüentes. Libertem-na
de tudo que for supérfluo.

Ação crível: Repassem a linha física do papel até que ela chegue ao ponto de ser bastante fiel para
merecer crédito. Para reforçar a crença nos seus atos físicos, análise a si mesmo nas circunstâncias
dadas, colocando-se numa situação análoga a do papel, para isso, faça a seguinte pergunta: o que eu
faria se me encontrasse na mesma situação que o meu papel? Com isso, você justifica cada ação a
partir de si mesmo. Se a linha física for executada com lógica, coerência e apartir de uma base interior,
conduzirá naturalmente à veracidade e à fé. A crença e a fé nos nossos atos físicos é uma das iscas mais
18
irresistíveis para as nossas emoções. Basta que o ator creia em si mesmo, para que a sua alma se abra,
acolhendo todos os objetivos e emoções interiores de seu papel. Mas se forçar seus sentimentos,
jamais acreditará neles. E sem essa fé nunca sentirá realmente seu papel. Quando você se convencer da
veracidade de seus atos físicos, alcançará o que chamamos de uma ação física plenamente justificada.
O público quer, antes de mais nada, acreditar em tudo que você fizer em cena. Até mesmo uma
pequena inverdade contaminará e destruirá todo o resto, todo o teor da ação se converterá em
falsidade teatral: o excesso de esforço e a ausência de lógica e consecutividade nas ações; são algumas
das notas falsas. Evite, portanto, o hábito de falscar. É uma tarefa difícil, já que é tão mais fácil mentir
quando se está em cena do que dizer a verdade e traduzir-la em atos. É preciso plantar sob a falsidade,
um grão de verdade, que eventualmente a suplantará, como a segunda dentição expulsa a primeira.

Aprofundamento: Se, antes, nossa atenção estava voltada, exclusivamente, para as ações e objetivos
mais simples, agora concentre-se na melhor execução possível do objetivo e da ação fundamental da
cena em questão. Dirija todas as suas ações trabalhadas anteriormente a um único objetivo
fundamental. Paralelamente a isso, execute detalhadamente cada ato físico até seu mais pleno limite.
Esses movimentos, por mais breves que sejam, merecem o maior apreço, pois, até a mais ínfima ação,
só pode adquirir uma significação mais profunda em cena se for impelida até o seu limite de
possibilidades, até a fronteira da verdade, da fé e do sentido de eu sou. Repasse a cena, reforçando
assim o objetivo e ação fundamental, de forma da vez mais profunda, de modo a torná-la mais
atraente, fixando-a com mais precisão, como sinais numa estrada.

Despertando seus impulsos interiores: Fique agora completamente imóvel, procure não fazer nenhum
movimento, mas transmita o que se passa dentro de você usando apenas os olhos, a máscara facial e
aponta dos dedos e comece a repassar a seqüência de suas ações, repetidas vezes, na imobilidade,
visando despertar e evocar, cada vez mais, os impulsos naturais para cada ação, bem como a fixação
das mesmas. É importante notar que o ponto principal não está na ação propriamente dita, mas na
evocação natural de impulsos para agir, e na crença e veracidade com que realiza seus atos. Depois que
tiver estabelecido os impulsos interiores, as ações não poderão ser coibidas, se desenvolverão
espontaneamente. Em suma, o principal, nas ações físicas, não está propriamente nelas, mas naquilo
que elas evocam: condições, circunstâncias propostas, sentimentos. O fato de um herói de uma peça
matar-se não é tão importante quanto a razão de seu suicídio

De volta ao texto: A maior vantagem do nosso método refere-se aos pensamentos, palavras e dicção
do papel. Só depois de estabelecida toda a partitura física do papel, e só depois de bem martelado o fio
certo de objetivos, ações e pensamentos é que você poderá retomar o texto impresso da peça. No
início, você escolheu, como faria na vida real, as palavras que lhe vinha à cabeça e à língua. Desse
modo, sua linguagem e seu papel foi se desenvolvendo em condições normais, com atividade e
eficiência. E, em resultado disso, as palavras de uma outra pessoa foram enxertadas em você por meios
naturais, sem nenhuma imposição forçada, conservando, assim, sua qualidade mais importante: a
vivacidade. Agora, você não dispara seu texto como matraca, mas age por meio das palavras, para
executar um objetivo fundamental da peça. Se você tivesse começado seu trabalho esforçando-se
como escravo para decorar o texto mecanicamente, teria treinado os músculos de seus órgãos vocais
para reproduzir os sons de palavras e frases. Neste processo, o pensamento contido em seu papel se
evaporado e o texto se separaria dos objetivos e ações. Estabelecemos de modo sólido e permanente,
a longa seqüência de movimentos individuais da verdadeira ação física: a vida do papel. É uma das
metades da imagem a ser criada, embora não seja a metade mais importante. Agora podemos começar
a pensar no passo seguinte, ainda mais importante que é:

A Criação da Vida Espiritual do Papel

19
Na realidade, isso já aconteceu dentro de você, sem que o soubesse. Ela começou a existir por sua
própria conta, e independente de sua vontade e consciência. Isso aconteceu naturalmente. Porque o
elo entre o corpo e a alma é indivisível. A vida de um dá vida ao outro. Todo ato físico tem uma fonte
interior de sentimento. Um objetivo comum liga-os em parentesco e lhe reforça os elos. “Quanto mais
revivo a vida física, mais definida e firme vai se tornando a linha da vida espiritual. Quanto mais
firmemente sinto a fusão dessas duas linhas, mais fortemente acredito na veracidade psicofísica desse
estado, e mais fortemente sinto os dois planos de meu papel”. A entidade física de um papel é um bom
terreno para que nele cresça a semente da entidade espiritual. Espalhemos mais sementes destas.
Espalhar, no sentido de criar mais estímulos, novas idéias imaginativas, “se” mágicos. Elas acentuarão
cada vez mais a veracidade de seus atos, e portanto, reforçando também a sua crença nessa
veracidade. Essas novas sementes, imediatamente, cobrarão vida e se fundirão com a entidade física de
seu papel, ao mesmo tempo evocando e dando base a novas ações. O corpo é convocável. Os
sentimentos são caprichosos. Portanto, se vocês não puderem criar espontaneamente um espírito
humano em seus papéis, criem a entidade física do papel. Esta forma de despertar as emoções, criando
primeiro a vida física do papel, é valiosa não só quando criamos o papel, mas também quando temos
de reviver um papel já criado. Dá-nos um meio de evocar sensações já provadas. Se não fosse por elas,
os momentos inspirados de atuação reluziriam por uma vez em nossos olhos e desapareceriam, depois,
para sempre.

Estudo de Texto

A) Peça;

A.1 - Estudo do autor ( sua obra; essa peça dentro da obra);

A.2 - Resumo;

A.3 - Resumo dos atos;

A.4 - Trajetória dos acontecimentos;

A.5 - Idéia central da peça;

A.6 - Quais as cenas ou falas em que o objetivo é revelado?

A.7 - Com que finalidade o autor criou tais personagens?

A.8 - Qual o tempo, qual o lugar e qual a atmosfera da peça? (contexto)

A.9 - Quais os problemas que a peça levanta? (prioritariamente)

A.10 - Divisão em cenas (francesa e unidade cênica)

A.11 - Transições

B) Cena

B.1 - Resumo

B.2 - Finalidade da cena para o todo (para o autor criar tal cena?)

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B.3 - Atmosfera da cena

B.4 - Evolução dramática da cena / transições

B.5 - Objetivo das personagens e emoções correspondentes

B.6 - Relacionamento e comportamento dos personagens

B.7 - Evolução dramática dos personagens

B.8 - Trajetória dos acontecimentos

C) Personagens

C.1 - Quem é o protagonista?

C.2 - Qual seu objetivo?

C.3 - Em que cenas ou falas o objetivo é revelado?

C.4 - Consegue seu objetivo? Como?

C.5 - Não consegue? Por quê?

C.6 - Como chega ao fim da peça? O que lhe acontece?

C.7 - Com relação aos protagonistas, defina os demais personagens.

C.8 - Quem é (ou são) o Antagonista (s)?

C.9 - Defina todos os personagens entre si.

C.10 - Para os demais personagens, responder os itens 2, 3, 4, 5 e 6.

C.11 - Quais os fatores anteriores que têm significado para esclarecer as necessidades dos
personagens?

C.12 - Qual a evolução dramática de cada personagem? (transições)

C.13 - Biografia de cada personagem (análise psicológica, física e cultural).

C.14 - Quais os momentos em que os personagens entram em crise? Como reagem?

Análise de Texto Visando o Espetáculo

A) Peça;

A.1 - Resumo (no máximo, dez linhas, para trabalhar apenas com o essencial).
O uso do Esquema Clássico ajuda na maioria das vezes:

Apresentação (algo acontece)


21
Desenvolvimento (alguma coisa precisa ser feita)
Resolução (alguma coisa é feita)

A.2 - Resumo de cada ato.

A.3 - Resumo de cada unidade cênica.

A.4 - Defina a idéia central. (Observar o significado do título às vezes é uma boa dica). Juntar
personagens e ação ao definir a idéia. Exemplo: “A peça é sobre um personagem que faz...”

A.5 - Levantamento do contexto (circunstâncias dadas).

A.6 - Ação dramática: Roteiro dos acontecimentos (ato por ato; unidade cênica por unidade cênica).

A.7 - Em quais cenas ou falas a idéia é revelada?

A.8 - Defina o tema principal (entre vários possíveis) para diferenciar o espetáculo, impedindo que se
torne disperso pela mesma ênfase aos diversos temas.
Atenção: As vezes, na comédia, o ato de brincar com determinado tema é que na verdade, é o próprio
tema.

A.9 - Divida a peça em unidades cênicas (existe também a divisão à francesa).

Dê títulos a cada unidade cênica.


Faça o roteiro dos acontecimentos (por unidade).
Dê título ao clima de cada unidade (use os 5 sentidos).
Defina o ritmo de cada unidade.
Faça o roteiro doa mini-objetivos de cada personagem.
Dê título ao subtexto (com uma ação recíproca e continua entre os personagens). Use verbos. Exemplo:
A ameaça B; B seduz A; A sente-se atraído por B; B rejeita A; etc.
Explore as transições de uma unidade cênica para outra.
Trabalhe sempre com a cena zero.

A.10 - Qual o tempo, lugar e atmosfera da peça?

A.11 - Quais os problemas que a peça levanta? (em ordem de prioridade. Depois use isso para
determinar as ênfases de seu espetáculo).

A.12 - Localizar os momentos da ação anterior (para dar mais dinâmica a seu espetáculo).

A.13 - Que Tipo de diálogo tem a peça? Como você pretende trabalhá-la criativamente? Clareza -
entrelinhas - beleza.

A.14 - Relacione os elementos que mais atraíram a sua atenção na primeira leitura (para voltar a
impedir que a rotina dos ensaios faça com que você esqueça exatamente dos elementos da peça que
foram os mais mobilizadores e que certamente serão os mais fortes estímulos à sua criatividade).

A.15 - Defina o espírito do todo com adjetivos - leve, rude, poético, surrealista, mórbido, etc. Isso te
ajudará na concepção de clima, do ritmo, das imagens e da linha de interpretação dos atores.

A.16 - Qual a proposta estética trazida pelo texto?


22
A.17 - Faça o diagrama. Em termos clássicos, temos exposições, complicações, clímax, auto-clímax (nem
sempre nesta ordem!) Observar, para dar equilíbrio ao seu espetáculo, os momentos de tensão e
repouso.

A.18 - Com que finalidade o autor cria tais personagens?

A.19 - Objetivo de cada personagens.

B) Personagens

B.1 - Quem é o protagonista?

B.2 - Qual seu objetivo? E a necessidade emocional? Exemplo: A que...porque sente...

B.3 - Tem força de vontade para realizar seu objetivo?

B.4 - É honesto ou usará de qualquer expediente para alcançar seu objetivo?

B.5 - Em que cenas ou falas o objetivo é revelado?

B.6 - O personagem consegue seu objetivo? Como?

B.7 - Não consegue? Por quê?

B.8 - Polaridade: Como o personagem começa a peça e como acaba?

B.9 - Com relação ao protagonista, defina os demais personagens.

B10 - Quem é (ou são) o (s) antagonista (s)?

B.11 - Roteiro com a trajetória de ação do personagem / definir o objetivo e a emoção correspondentes
(variáveis com o correr dos ensaios) / definir o comportamento (variável).

B.12 - Auto-biografia do personagem (preenchimento dos vazios deixados pelo autor).

B.13 - Num quadro sinótico, especifique:

Local; tempo
Situação social, política, econômica, profissional, escolar, cultural, religiosa, filosófica, sexual, afetiva,
familiar.
Idade da personagem
Obs: Usar frases curtas.

B.14 - Características (procure explorar as contradições / use adjetivos)

 Psicológicas.
 Comportamentais
 Físicas (postura, voz, saúde, ritmo, modo de falar, andar, respirar).

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B.15 - Como o personagem se comporta a partir dos relacionamentos com cada um dos demais
personagens?
A sente...por B, por isso, se comporta...quando está com B ou quando fala a ele.

B.16 - Relacione tudo que dizem do personagem (quem diz, incluindo ele próprio). Atenção: os
personagens muitas vezes mentem ou caluniam.

B.17 - Quais dos fatores anteriores que têm significado para esclarecer as necessidades das
personagens?

B..18 - Quais os momentos em que o personagem entra em crise? Como reage?

B19 - Responder às mesmas questões para as personagens que não são protagonistas (exceto as de n°
1 e 10).

B.20 - Imagem simbólica do personagem.

B.21 - Que estímulos, como ator, você sente ao fazer este personagem?

B.22 - O que você acha que estimulará o público?

Observações:

Criar respostas que sejam não apenas lógicas e coerentes, mas que sejam elementos de estímulos para
sua criatividade (de Diretor para Ator) e estímulo para o interesse do público. Não ficar apenas na
primeira idéia inteligente porque certamente outras idéias melhores virão.
Técnicas não é prisão. É base de lançamento para o vôo criativo.
Nas falas, sublinhe as frases que devem ser enfatizadas; nas frases sublinhe a (s) palavra (s).
O diretor estuda o texto antes de ter o primeiro contato com o elenco; mas deve ir “aberto” para o
primeiro ensaio, pois a discussão com os atores poderá alterar/ enriquecer seu “dever de casa”.
O Diretor deve ser provocador.
O Diretor deve pedir ao elenco, logo após a primeira leitura, que anote tudo o que achar estranho,
contraditório, fascinante, surpreendente. Depois, use o que considerar bom.
Não perder a essência, não se limite ao genérico.
A análise do texto deve levar o diretor a ter pleno domínio de QUÊ (mas sempre visando a criação de
espetáculo e não apenas a compreensão intelectual). Entendido o QUÊ, criar o COMO (a concepção).

A análise deve sempre visar o espetáculo. Não pode virar masturbação intelectual.

2 - Relação entre o texto e a produção

2.1 - Por que escolheu esse texto? Por que montar essa peça? Quais os objetivos?

2.2 - É indicado para a platéia que você pretende atingir?

2.3 - Você se considera em condições de encenar tal peça?

2.4 - Você dispõe de elenco adequado para essa peça?

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2.5 - Há possibilidades reais de produzir um trabalho de qualidade? Ou é mais importante fazer (mesmo
sem o mínimo necessário) do que criar uma obra de arte? Seu teatro é arte, é veículo ou são as duas
coisas?

Ensaiar é Tornar Carne a Palavra

O texto dramático possui uma especialidade própria: trata-se de uma composição predominante
dialogada, girando em torno de situações e personagens criados pela imaginação de um autor com a
finalidade de serem vivenciados por um elenco de atores. Seria, em última análise, uma improvisação
imaginária sobre as ações que tais personagens, incorporados por atores, fariam num ambiente cênico.
No formato que vem apresentado, sua fruição através da leitura é limitada, à diferença de qualquer
peça literária em prosa ou verso, que não necessita de outra interface que não a da fantasia do leitor.
Muito embora possa méritos puramente literários, para atingir sua expressão máxima, o texto requer a
conversão de suas imagens em cena, sua materialização diante de uma platéia de espectadores, por
meio de um corpo de atores e de todo um aparato visual e acústico que concorre para intensificar-lhes
os conteúdos emocionais, simbólicos e conceituais. À medida que o processo de ensaio evolui, vai
ocorrendo uma mudança de estado, onde a fábula adquire forma material através do corpo físico do
ator, segundo parâmetros definidos pela concepção do encenador. Recodificadas no espetáculo, as
imagens nela sugeridas ganham vida cênica - o diálogo adquire força expressiva pela mediação da
palavra falada, e a ação dramática contida no subtexto e rubricas é reconhecida por meio da atividade
cênica.

O projeto de encenação

O Texto é, portanto, uma obra “artificial”, sua vocação é desprender-se da dimensão literária para a
tridimensionalidade da cena. De estrutura bidimensional, reúne uma série de informações escritas
(diálogos e rubricas) acerca de uma realidade ficcional (fábula) a ser tridimensionalizada por meio de
imagens cênicas - o espetáculo teatral. Podemos dizer que, no processo inicial de levantamento do
espetáculo existem dois pólos de criação: num deles está o diretor, responsável pela coordenação e
concepção da cena como um todo e no outro, o ator, aquele que deverá vestir, encarar, defender esta
concepção. Ligando os dois, está o texto dramático, o fundamento gerador das imagens a serem
exploradas e transmitidas para o público. Embora o ator possa acumular as duas funções, cabe ao
diretor o papel de presença externa ao processo através do qual esse substrato dramático vem à luz e
toma corpo e vida próprio na cena. Neste processo, as imagens originais sofrem a interferência seletiva
de vários veículos: a do próprio autor, ao escrever e estruturar a forma final do seu “improviso”, a do
encenador, que comunica sua percepção ao elenco e à equipe de criação e a dos atores e designers que
também contribuirão com suas visões particulares, constituindo as diversas interfaces que irão refratar
as imagens originais e imprimi-las, com maior ou menor grau de mutação, no produto final, fazendo
com que o improviso inicial do autor evolua por diferente substratos criadores antes de chegar em sua
leitura final até o espectador - uma obra artística constituída. O valor do espetáculo será diretamente
proporcional ao poder de comunicação com que cada uma desses veículos de transmissão tiver
transferido para a etapa subseqüente e força criadora do projeto inicial. Um espetáculo de teatro é
portanto, um todo concebido por diferentes criadores, organizados segundo uma estratégia de
significação que enuncie um tom e uma concepção de um encenador/coordenador do espetáculo. As
imagens produzidas pelo espetáculo são recebidas pelo espectador-fruidor que, por sua vez, participa
do processo de construção do espetáculo com suas próprias imagens. A comunicação dessas imagens,
para que se organizem num todo único, deve ser cuidadosamente planejada para que o espectador não
se disperse ou possa criar imagens que não tenham aderência ao tema proposto. Essa é a principal
função de encenador, que se valerá, para permitir o reconhecimento visual do texto e estruturá-lo em
uma unidade, de ilustradores visuais que registrem a ação dramática - as marcas. O espetáculo
necessita de uma forte dose de humanidade e organicidade para ilustrá-lo numa realidade cênica.
25
Nessa medida, a busca final de uma mise-en-scène, como sustenta Peter Brook, é conferir-lhe
naturalidade, seja qual for a linguagem ou estilo que se pretenda estabelecer. Para conquistar essa
naturalidade, a tarefa do encenador junto a sua equipe consiste em nada mais que “recuperar ao texto
o caráter de improviso com o qual ele foi concebido”, num processo que se divide em três etapas, a
saber, percepção, quando ele codifica e organiza as imagens propostas pelo autor dramático;
comunicação, quando as repassa para seus atores e designers e estilização, quando organiza essas
imagens na forma final a ser apresentada par o público. Um projeto de encenação é, na verdade, o
conjunto, coordenado pelo diretor, de projetos subordinados, a saber:
 Projeto de cenografia
 Projeto de iluminação
 Projetos de figurinos e adereços
 Projetos de som

O projeto de marcação

A marca como veículo de comunicação entre o diretor e ator. Numa análise mais rigorosa, todo ensaio,
espetáculo ou performance exibido diante de uma assistência será composto de marcas. Isso porque a
marca é o reconhecimento visual de qualquer atividade física do ator, ou ainda, de sua colocação
diante dos demais atores e em relação ao espaço cênico. Cada gesto, cada deslocamento, cada nova
atitude ou posicionamento constatável pela visão, portanto, cada ilustrador visual, constituirá uma
nova marca. A marca é, portanto, uma ilustração cênica. O ator, quando improvisa, nada mais faz que
reproduza padrões físicos a partir de um vocabulário adquirido em sua experiência de vida que é
depurado em seu processo de treinamento e no exercício de seu ofício. Esses padrões, registrados em
seu inconsciente, são evocados quando estimulados pela situação cênica, constituindo seqüências de
ações que acabam por se organizar numa partitura física. A cada estímulo da cena, o ator recorre a um
desses registros e o executa, não sem antes filtra-lo através de um senso de proteção nascido do
próprio estar em cena o que deferência o ator doa demais seres humanos em suas ações cotidianas.
Tais registros inserem-se no todo a partir de relações do ator com o espaço ou com os demais atores,
disposições que pode depurar ou não pela repetição, mas que, invariavelmente constituem-se numa
tradução para a realidade cênica, por meio do seu corpo físico e das relações com o espaço, de uma
percepção sobre um fato ou vivência. Em outras palavras, o ator “se marca”. E, num processo de
feedback, cada nova ação, cada nova marca, funcionará como um novo estimulo, resultando numa
nova resposta física, num novo ilustrador, numa nova marca. Por meio dessa atividade, desses registros
físicos, ele compreende, internaliza, codifica sua ação, reorganiza seu vocabulário expressivo e através
de tais ilustrações expressa suas idéias e emoções acerca do que seja. Quando o ator “cria” uma marca,
está até certo ponto, sugerido, de maneira integrada ao seu processo criador, uma forma cênica que
pode ser visualizada e lida pela platéia, uma forma visual que fala para o diretor do seu entendimento
sobre determinada situação ou circunstância, da mesma maneira que o diretor, ao sugerir uma marca,
está também sugerindo formalmente uma ilustração para aquela circunstância. Sem que haja uma
troca verbal de idéias, a marca se estabelece no processo entre diretor e ator como uma unidade
lingüística, uma “palavra” física que comunica a idéia acerca de determinado fato cênico. Por ser uma
via de mão dupla, a marca é ferramenta indispensável na comunicação entre diretores e atores, daí
podermos afirmar que a marca seja “abonada” pelo sentimento de verdade e a sensibilidade criadora
do ator, o que pode significar em reavaliação de marcas fornecidas pelo diretor, com conseqüente
modificação do plano original de encenação. Um encenador menos experiente pode perder-se neste
processo, seduzido pela atuação de um ator em particular, esquecendo-se da totalidade e unidade do
espetáculo que concebeu. Donde, a necessidade de um projeto inicial que possa dar conta do
planejamento global e ordenação das diferentes marcas num todo uníssono. Todo o plano de marcação
e as interpretações dos atores influenciarão os designers em suas concepções, como também os
projetos destes últimos, apresentados durante os ensaio para os atores, influenciarão sua compreensão
dessa concepção. A marca pode ser proposta logo de início, quando o ator ainda aprende sobre suas
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ações na cena, como apresentação do diretor de seu projeto de encenação, ou pode se fixada depois
dele ter abordado a ação cênica de forma improvisada, por meio de marcações experimentais,
esboçadas apenas com o intuito de descoberta do contexto dramático ou da linguagem cênica. Pode,
portanto aparecer como forma final do espetáculo ou aprimorar-se a partir um esboço improvisado ao
longo dos ensaios. Conforme a opção escolhida, surgem duas tendências de processo de trabalho para
o diretor: uma, de característica mais improvisacional e outra, onde prevalece a marcação. Um
processo não exclui o outro, podendo se dividir o ensaio em fases onde predomina a experimentação,
ora predomina a marcação. Tanto o plano de marcação e as interpretações dos atores influenciarão os
designers em suas concepções, como também os projetos destes últimos apresentados durante os
ensaios para os atores, influenciarão sua compreensão dessa concepção.

Direção de Atores: da Improvisação a Marcação

Improvisação e marcação são dois importantes momentos de uma encenação, que se situam entre a
escolha de texto (fase inicial) e o acabamento do espetáculo (fase final). É até possível, porém muito
comum, um diretor ir diretamente à fase das marcações, sem antes ter examinado e expandido o
universo da peça através das improvisações. Ao contrário, a diretores que se demoram o máximo na
fase das improvisações. Stanislavsky fez inclusive experiências com a improvisação total de uma peça,
tendo sido o texto retirado das mãos dos atores imediatamente após a primeira leitura. A estratégia da
improvisação tem duas implicações: com o cronograma do plano de trabalho e com o tipo de diretor.
Evidentemente, numa montagem de um texto comercial, pago em dólar ou real, com um elenco de
veteranos tarimbados, contratados pelo produtor a peso de ouro ou se auto-produzindo, e com apenas
quarenta dias de prazo entre o primeiro ensaio e a estréia, é mais comum (mas não obrigatório) o
diretor omitir a fase das improvisações. Em contrapartida, numa montagem de um texto não comercial,
feita no campus universitário (portanto, sem qualquer tipo de ônus), com um elenco formado por
estudantes de teatro, no máximo cooperativos, e com um ou até dois semestres de prazo a finalização
do trabalho, seria um desperdício total não aproveitar as infinitas possibilidades proporcionais pela
improvisação. Neste caso, o tipo de diretor estaria sendo decisivo.
Didaticamente, é possível dividir os diretores em três grandes grupos:
O diretor de atores;
O diretor de espetáculo;
O diretor de atores e espetáculo.
A passagem da improvisação à marcação faz parte do grande universo denominado direção de atores,
que passo a examinar. As bases da direção de atores encontram-se na ciência (Teoria do Teatro,
Estudos sobre Interpretação e Improvisação, Psicologia, Terapia Corporal, Psicodrama), na experiência
pessoal acumulada e na intuição do diretor talentoso. Os grandes mestres da direção de atores são, no
consenso quase geral, pelo menos no Brasil, Stanislavsky, Grotowsky e Eugênio Kusnet. As pesquisas de
Viola Spolin (seguidora de Stanislavsky) e de Augusto Boal (no presente mais voltado à linha brechtiana)
também podem ser muito úteis. O diretor de atores precisa saber Interpretação, porém como aplicador
de técnicas e não como ator. Estão certos, portanto, os cursos de Direção Teatral que exigem como
pré-requisito disciplinas na área de Interpretação, ainda que introdutórias. Stanislavsky e seu famoso
método são indispensáveis na formação e preparação do ator. O professor de interpretação que
desconhece este universo, ainda que não seja um defensor dele, seguramente será um charlatão. O
diretor de atores, uma vez compreendidos os seus principais mecanismos, pode tirar dele estratégias
infindáveis, visto o Método ter sido abstraído da organicidade do ser humano. Finalmente, nele o ator
encontra amparo para criar a personagem e para mantê-la viva, durante longas temporadas. Em
termos mais do que sintéticos, pode-se lembrar que, para Stanislavsky, o psíquico e o físico são vasos
comunicantes, as duas pistas da mesma avenida. Seu Método das Ações Físicas pode ajudar o diretor
de atores a conseguir que seus intérpretes tornem físico (fisicalização) o que está no papel em forma de
diágolos e rubricas. Se tal “fisicalização”, antes de ser fixada através das marcações, for improvisada,
haverá um nítido salto qualitativo no que tange ao trabalho do ator. O método de Grotowsky, por sua
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vez também oriundo do de Stanislavsky, e todo ele baseado na integração psicofísica e na erradicação
dos bloqueios que dificultam e até mesmo impedem o acesso do ator ao universo da criatividade e das
emoções mais profundas, é fundamental para a formação e preparação geral do ator (Escola de
Teatro), porém nem sempre operacionalizável quando da criação de uma personagem específica. O
sistema de Eugênio kusnet, também ele desenvolvido a partir de Stanislavsky, é o mais próximo dos
diretores e dos atores brasileiros, visto o grande professor de interpretação ter ‘adaptado’ as
características do novo país (ele era de origem russa) as bases fundantes do Método original. Além dos
fundamentos abstraídos das experiências de Stanislavsky, Grotowsky e Eugênio Kusnet, podem
também ser usados como estratégias de direção de atores: exercícios adaptados de outras fontes;
criados previamente pelo próprio encenador e/ou inventados no calor do ensaio, para suprir alguma
passagem da peça. Seja qual for a fonte dos exercícios, todos eles se submetem ao que costumo
denominar lei da individualidade: cada ator é único; portanto, uma determinada estratégia, aplicada a
duas pessoas distintas, pode dar resultados completamente diferentes. O equilíbrio final deve então ser
obtido através de trabalhos específicos. Líder grupal e artístico, o diretor de atores está também sujeito
a duas regras: a da previsibilidade e a da imprevisibilidade. Ao se encaminhar para um ensaio, supõe-se
que um bom diretor já tenha pensado no que vai fazer. Se anotar suas propostas e os respectivos
resultados, nascerá daí um documento precioso, seu Caderno de Direção, que funcionará como uma
espécie de diário de bordo desta longa travessia que vai da escolha do texto à temporada de um
espetáculo. Este é o lado previsível do Teatro. Em contrapartida, o diretor de atores precisa acostumar-
se desde o início com o caráter imprevisível do fazer teatral, decorrente do seu equivalente humano. Se
por exemplo, uma determinada estratégia de direção for aplicada antes do tempo certo, os resultados
podem ser desastrosos. Fazer a marcação de uma peça no início do processo, sem ter passado pela fase
das improvisações, pode ser inclusive uma violência em termos artísticos, porque formaliza de antemão
aquilo que ainda nem, começou a nascer começou a nascer, ou seja, a personagem. Porém, ainda que o
diretor esteja agindo corretamente, do ponto de vista metodológico, podem ocorrer imprevistos, aos
quais ele precisa se adaptar com rapidez. É característica do diretor de atores a disponibilidade para
absorver surpresas. A capacidade de reciclá-las, no mesmo momento, em novas estratégias, é o seu
corolário quase que imediato, uma vez que o ator não pode ser dispensado, nem o ensaio cancelado,
só porque o diretor fraquejou diante do imprevisto. Em caso de dúvida, Eugênio Kusnet recomendava
voltar ao texto, á sua análise, evidentemente à procura da verdadeira ação dramática subjacente. O
diagnóstico rápido de uma determinada situação de ensaio é, portanto, o melhor antídoto para
decepções diante dos obstáculos normais, que devem ser enfrentados com obstinação e disciplina. O
trabalho de encenação de um espetáculo pode ser dividido em três fases, assim organizadas:

Fase da liberação e expansão da criatividade:

Neste momento inicial das atividades voltadas à montagem, o diretor trabalha o envolvimento grupal,
o impulso energético de cada ator e a criatividade, de preferência a partir de temas retirados da peça
que está sendo encenada ou que a eles sejam, no mínimo, paralelos. Estes temas são improvisados um
a um e discutidos no final de cada sessão de trabalho. (Discutir cada exercício imediatamente após sua
realização é péssimo para o ator, que, a esta altura, está aquecido em todos os níveis: intelectual -
trabalho de mesa - físico, emocional, individual e grupal). Esta fase, paralela à análise de texto, verifica
todos os temas e sub-temas da peça, através das improvisações. Há, portanto, um intercâmbio muito
grande entre texto e criatividade. Porém, é uma fase limitada: esgotadas as estratégias, se o diretor
não avançar em termos metodológicos, o trabalho corre o risco de ‘encruar’. Ao passar para a próxima
fase, o diretor (ou seu assistente) já deverá ter anotado os momentos mais ricos e que possam ser
recuperados mais à frente.

Fase da escolha, da seleção e das opções:

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Esta fase coincide com a marcação. Neste momento do processo, é comum o ator já ter o texto
decorado, o que facilita a fixação dos movimentos cênicos. Energizado pelas improvisações, o ator
emite material vivo, da melhor qualidade. Resta ao diretor fazer as opções e fixa-las (marcação), o que
implica perdas: dentre várias alternativas de natureza semelhante, apenas uma delas poderá ser
escolhida e fixada no sintagma, na partitura do espetáculo. Opções igualmente viáveis, porém opostas,
serão arbitradas a partir dos mais poderosos. Começa, assim, a concretizar-se a hierarquia temática,
deixada em suspenso quando da análise do texto. Neste momento, se os temas e sub-temas não forem
devidamente equacionados, corre-se o risco do ‘empastelamento’ dos conteúdos. Ao passar
definitivamente da improvisação para a marcação, o diretor de atores (e, agora, também de
espetáculo) precisa ter respostas muito claras para, dentre outras, três questões fundamentais: sobre o
que é, outras, três questões fundamentais: sobre o que é, definitivamente, esta peça? Qual o tom
predominante? Qual o tratamento, a concepção estética do espetáculo? Munido destas três certezas,
poderá o diretor enfrentar o dragão da terceira fase.

Fase da amarração e do acabamento:

Este momento do processo coincide com a direção do espetáculo propriamente dita e também com a
finalização dos aparatos sonoros (sonoplastia ou música ao vivo) e visual (cenografia, figurinos,
adereços, iluminação), que devem ter vindo se desenvolvendo paralelamente, desde o início dos
trabalhos, e interagindo de forma gradativa com os demais elementos da produção, até atingir esta
fase de integração total e final. Recapitulando, a fase inicial, caracterizada pelas improvisações, e
expansiva, deflagadora de processos, quase anarquise. A fase final, caracterizada pelo acabamento do
espetáculo, é concentradora, seletiva quanto aos resultados, disciplinadora. A fase intermediária, da
maior importância, é o momento em que os elementos dispersos das improvisações vão-se agrupando
e formando os sistemas das marcações que, por sua vez alinhados, chegam ao público em forma de
codificação artística prazerosa e passível de decodificações múltiplas, tão mais ricas quantos forem os
elementos ativados pela equipe, do autor à camareira. A fase do expandir (aquecimento,
desbloqueamento, energização, criatividade) sucede - se a fase do controlar (seleção, acabamento,
filtragem, limpeza, escolhas definitivas). Finalizando, proponho a seguinte imagem - síntese do
processo teatral, tomando a Música como parâmetro: O ator é - ao mesmo tempo - instrumentista e
instrumento. Treinar o ator (em Escolas de Teatro, preferencialmente) é afinar o instrumento, prepara-
lo para o grande concerto. Dirigir uma peça é ajudar o instrumentista a executar bem determinada
obra. O espetáculo teatral é um concerto de solistas sem teatro aparente.

PESQUISA

UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES

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