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Caso - Pilkington Brothers e a Inovação no sector do vidro

Adaptado de: Business Strategy. An Introduction – second edition; David Campbell, George
Stonehouse, Bill Houston. Editado por BH – Butterworth Heinemann
Traduzido por Vasco Viana

Breve história da empresa

A empresa Pilkington,plc. foi fundada em 1826 na cidade de St Helens no


Lancashire, Reino Unido. Tornou-se na empresa Pilkington Brothers em 1849
quando o negócio foi totalmente adquirido pela família Pilkington, tendo
passado a sociedade limitada em 1894.

A família Pilkington, de natureza paternalista, influenciou de forma marcada a


cultura da empresa. A reputação de companhia socialmente responsável
deveu-se à postura da família e ao papel determinante que esta teve na
definição da estratégia da empresa até ao ano de 1970.

A Pilkington Brothers gozou do controlo do mercado do vidro durante a


segunda metade do século XIX, devido ao facto de ter sido uma das
primeiras a entrar na produção em massa. A sua posição de domínio no
Reino Unido foi fortalecida por vendas substanciais para a Europa e para os
USA – foi uma das primeiras empresas a conseguir sucesso nos mercados
externos.

Por volta dos anos trinta do século XX, a Pilkington Brothers tinha criado
companhias industriais no estrangeiro. Nos anos cinquenta era já uma
empresa internacional dominando o mercado europeu, com fábricas na
Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul.

A reputação como empresa responsável do ponto de vista social resultava


das relações que conseguia estabelecer com os seus funcionários e com a
comunidade local. No início da sua actividade foi mesmo pioneira na criação
de fundos de pensões para os seus empregados, bem como na construção
de centros ambulatórios para assistência às suas famílias. Os funcionários
reformados recebiam sementes, carvão, transporte para as viagens diárias,
refeições, apoio às famílias na morte e outros benefícios.

A lealdade da empresa para com os seus colaboradores era muito grande,


tendo fundado uma organização sem fins lucrativos – “The Community of St
Helen’s Trust” - que tinha como objectivo dar suporte a todas as famílias
cujos membros tivessem sido vítimas de despedimento, sempre que
houvesse necessidades de desenvolver acções de racionalização de
efectivos. De 15000 empregados em 1970, a força de trabalho foi reduzida
para 8000 em 1986. Em 1987 “O Fundo” tinha já ajudado a criar 500
empresas pequenas e mais de 6000 postos de trabalho na região, tendo
algumas destas empresas passado a fornecedoras da Pilkington Brothers.

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A companhia desenvolvia ainda, outras iniciativas de natureza comunitária.
Foi membro fundador da organização – “Business Community and the Per
Cent Club” – constituída por um conjunto de grandes empresas que doavam
anualmente 0,5 % dos seus resultados antes de impostos para um fundo com
fins de caridade. No estrangeiro, comparticipou no financiamento de projectos
de educação e formação, incluindo a abertura de uma escola situada num
país do Terceiro Mundo.

A produção de vidro

Desde o ano 1830 que o vidro era produzido segundo o processo do cilindro
castanho – um processo em que as folhas de vidro (sobretudo para janelas)
resultavam da compressão de vidro termoplástico aquecido por dois cilindros.
O processo foi melhorado por volta de 1890, através de inovações trazidas
dos USA, bem como, por outros estímulos, a que não foi alheia a altamente
exigente indústria automóvel da época, a dar os primeiros passos na
massificação da produção. No entanto, o essencial do processo manteve-se
imutável até meados do século XX. Era, até essa altura, o processo standard
utilizado por toda a indústria.

Os problemas com o processo do cilindro estavam relacionados com duas


questões principais. A primeira, tinha a ver com a lentidão do processo e com
o facto de ser mão-de-obra intensivo. A segunda, relacionava-se com a
qualidade final do produto; era difícil conseguir vidro completamente plano
devido a imperfeições dos cilindros e outras partes das fases de aquecimento
e arrefecimento. Assim, o produto final sofria de problemas ao nível do
acabamento, não se conseguindo obter uma visão completamente clara e
transparente quando se olhava através do vidro. Algumas casas antigas
ainda estão equipadas com vidros produzidos nessa época onde se podem
verificar estas não conformidades.

O aparecimento do processo de vidro flutuante

A partir de 1950, a Pilkington Brothers conseguiu influenciar decisivamente


todo o sector do vidro através de uma (r)evolução tecnológica. O responsável
técnico – Alistair Pilkington – desenvolveu a ideia de conseguir uma tira de
vidro, pondo a flutuar as matérias-primas derretidas a altas temperaturas,
num banho de estanho fundido.

Este processo do vidro flutuante prometia oferecer duas vantagens


fundamentais. A primeira, tinha a ver com conseguir vidro plano das duas
faces da placa, obtendo-se assim uma qualidade muito superior do que a
fornecida pelo processo do cilindro, mesmo após as melhorias alcançadas
neste processo, até ao momento. Esta inovação trazia melhorias evidentes
consequência de uma característica própria dos líquidos, que conseguem
nivelar naturalmente. Uma vez que o estanho fundido se encontra em estado
liquido, o vidro derretido ficaria com a superfície de contacto com o estanho

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completamente lisa. Por sua vez, estando o vidro também em estado liquido,
a outra face da placa atingiria um formato absolutamente liso.

A segunda vantagem, tinha a ver com os volumes de produção que


aumentariam substancialmente quando comparados com o processo usado
até então. Esta questão permitiria ganhar uma vantagem competitiva muito
importante em termos de custos de produção.

A empresa decidiu investir montantes elevados de capital no sentido de


transformar esta ideia num produto de alta qualidade, grandes volumes e
custos reduzidos. Tratando-se de uma companhia detida na sua totalidade
pela família seria mais fácil guardar, bem guardado, o segredo desta
inovação – as empresas cotadas em bolsa revelam normalmente estas
questões para influenciar o seu preço, no sentido da alta, nas bolsas de
valores -. Em 1959 o produto estava preparado para ser lançado.

Implicações desta inovação

Desde o surgimento e maturação desta ideia que a administração da


empresa tinha consciência das possíveis implicações da implementação
desta inovação. Se o propósito fosse entrar em produção sem revelar os
segredos da tecnologia, conseguir-se-ia surpreender a concorrência obtendo-
se, assim, uma vantagem competitiva irrefutável – produto de alta qualidade
a custos mais baixos que a concorrência -.

O Presidente da altura, Lord Pilkington, relembrou mais tarde os termos da


decisão tomada pelo Conselho de Administração:

“ Muito foi dito sobre ética nos negócios a propósito de não termos o direito
de negar aos nossos concorrentes a oportunidade de competir connosco.
Não penso que nos tenha faltado visão. Havia muito investimento feito a nível
mundial, no processo do cilindro e tinha que ser dado tempo ao sector para
se reorganizar e reconverter. A alternativa seria uma ruptura caótica e
completa do sector.”

Lord Pilkington estava a referir-se ao sentido da decisão tomada pelo


Conselho na altura. Se implementassem, em segredo, o novo processo do
vidro flutuante, poderiam acabar com toda a concorrência em poucos meses.
Obviamente que os clientes não iriam comprar aos seus concorrentes
pagando um preço mais alto por um produto de menor qualidade. Tomando
esta decisão, a Pilkington Brothers conquistaria em pouco tempo todo o
mercado.

A alternativa seria patentear a nova tecnologia. Isto tornaria o processo


disponível a todos que o quisessem implementar, permitindo-os sobreviver.
Em troca e pelo uso desta patente e da tecnologia, a Pilkington Brothers
receberia verbas substanciais em termos de royalties pagos pelos seus
concorrentes, conseguindo obter um retorno do investimento efectuado no

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desenvolvimento da tecnologia. Estas verbas poderiam ser canalizadas para
outras áreas de investimento, permitindo obter novas vantagens competitivas.

Nos arquivos históricos da empresa pode-se encontrar a seguinte passagem:

“A Pilkington Brothers decidiu disponibilizar ao sector do vidro a nova


tecnologia, licenciando-a aos interessados. Ao mesmo tempo, a empresa
encorajou os seus licenciados a continuar a desenvolver a tecnologia, desde
que partilhassem essas inovações com a Pilkington Brothers. A primeira
licença foi vendida à PPG – Pittsburg Plate Glass – em 1962. Outros
seguiram-se rapidamente na adopção deste processo. A empresa deixou de
produzir vidro segundo o processo do cilindro em 1967 após o que, todo o
sector adoptou o processo do vidro flutuante”.

Os ganhos em royalties chegaram aos £400 milhões durante os vinte anos


em que a patente esteve activa. No fim dos anos setenta o processo do “vidro
flutuante” tinha-se tornado um standard do sector e o vidro de qualidade a
preço baixo era uma realidade, que se ficou a dever ao engenho e arte de
Alistair Pilkington, trinta anos antes.

Entretanto, a empresa entrou na Bolsa de Valores de Londres em 1970.


Quando a patente expirou alguns dos concorrentes da Pilkington tinham
utilizado a tecnologia para consolidar as suas posições competitivas
conseguindo emergir como fortes e importantes intervenientes no sector.

A tentativa de OPA hostil por parte da BTR

Em 1986, a empresa inglesa BTR,plc. tentou uma Operação Pública de


Aquisição – OPA - sobre a Pilkington Brothers. No sentido de conseguir
convencer os accionistas desta empresa a vender, a BTR comentou
criticamente a estratégia implementada em relação ao processo do vidro
flutuante. Mencionaram que não percebiam porque é que a Administração da
Pilkington Brothers tinha escolhido a via do licenciamento do processo em
troca de um ganho de curto-prazo e do fortalecimento de alguns dos seus
concorrentes.

A Pilkington Brothers defendeu-se contrapondo os ganhos de £400 milhões


alcançados com a venda de royalties e no relatório anual de 1987 o
Presidente apresentou as seguintes considerações:

“A nossa capacidade de demonstrar que era possível alcançar a liderança


mundial no sector enquanto mantínhamos o difícil equilíbrio de interesses de
accionistas, empregados e comunidade alargada, foi um argumento de peso
em relação ao ataque de que fomos alvo (a OPA da BTR). Durante o
processo pudemos contar com o apoio sincero dos nossos funcionários. Este
apoio desenvolveu-se e estendeu-se às comunidades onde operamos. Não
me recordo de uma oferta em que tivesse havido um movimento de apoio à
empresa-alvo tão grande”.

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Questões

Ètica

1) Identifique as opções em aberto à Administração da Pilkington Brothers


quando desenvolveu a inovação do processo produtivo.
2) Que opções seriam recomendáveis à luz da teoria da estratégia
convencional?
3) Que factores foram importantes, na sua opinião, na tomada de decisão
realizada pela Administração da empresa?
4) Concorda com a decisão tomada? Justifique.

Propósitos e partes interessadas

1) Identifique as partes interessadas no caso Pilkington Brothers.


2) Quais eram os propósitos da empresa e como é que mudaram no tempo?
3) Quais as partes interessadas mais influentes no processo de definição de
propósitos no decorrer da história da empresa e quais as suas aspirações,
preocupações e motivações.

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