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Horizontes do genocídio
antinegro na Diáspora
Organização
Ana Luiza Pinheiro Flauzina
João Helion Costa Vargas
Brado Negro
2017
Morte Íntima:
A gramática do genocídio antinegro na Baixada Fluminense
Luciane de Oliveira Rocha
Fonte: ISP-RJ
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Homicídios
Unidades População Ranque
Números Taxas
Territoriais Nacional
Branca Negra Total Branca Negra Branca Negra
Duque de
302.089 542.300 855.048 138 426 45,7 78,6 41º
Caxias
Itaguaí 42.320 65.613 109.091 11 44 26,0 67,1 65º
Japeri 26.254 67.325 95.492 11 43 41,9 63,9 75º
Niterói 307.654 176.132 487.562 71 108 23,1 61,3 83º
Cabo Frio 88.847 95.916 186.227 33 58 37,1 60,5 84º
Nova Iguaçu 289.612 498.496 796.257 105 297 36,3 59,6 89º
Fonte: ISP-RJ
Até as décadas de 1980 e 1990, podia-se ver esta exposição não somente
nas ruas dos municípios, como também nas bancas em que jornais sangrentos
expunham essas atrocidades como um espetáculo de corpos negros mutilados
e perfurados por balas. O racismo nas políticas públicas de segurança no
Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense é expresso através de um cultivo do
medo, caos e desordem que serve para detonar estratégias de neutralização
e disciplina da população preta e pobre, e as políticas formuladas fazem
Fonte: ISP-RJ
49 O advogado João Tancredo afirma que “o Auto de Resistência tem os nomes das
vítimas e dos policiais militares. Se a família (da vítima) cobra providências, a sociedade civil se
mobiliza e o PM que matou alguém de forma covarde vai para a cadeia. (...) Desaparecimento
não tem autor” (CARPES, 2014). Ou seja, se não tem corpo, não tem autor, logo, não tem
crime.
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Maternidade ultrajada e a gramática do genocídio na
experiência das mulheres
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tem importância fundamental para a sobrevivência da comunidade negra,
pois é uma forma cultural e política que as mulheres negras encontraram
para garantir a sobrevivência dos seus filhos.
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Abaixo apresento um quadro de identificação das entrevistadas para esta
pesquisa e um resumo da interrupção de sua maternidade:
Nome e
Nome da Idade do Ano da Morte/
Ocupação Contexto da Morte Segundo as Mães
Mãe Filho ao Desaparecimento
morrer
Desaparecido. Estava envolvido com
Auxiliar de Felipe - 17
Marta 2002 venda de drogas. Acha que caiu em
Creche anos
emboscada.
Auto de Resistência – estava voltando
Eduardo – da casa da namorada que morava perto
Patrícia Aposentada 2002
14 anos de boca de fumo. Foi ameaçada pelos
policias a não denunciar.
Homicídio. Jovem havia parado de
Márcio –
Alda Aposentada 2011 usar e vender drogas há 2 anos e estava
34 anos
trabalhando em regime CLT.
Não
Ari – 22 Envolvido com roubo. Torturado e
Olinda trabalha 2000
anos assassinado a mando de facção rival.
(doença)
José (filho) 2010
Envolvimento com roubo. Assassinado
dentro de casa.
Não
Dora
trabalha
Envolvimento com roubo. Assassinado
Ivo 2010 (2 dias
numa festa ao tentar vingar a morte de
(sobrinho) depois)
seu primo.
Assassinado, esquartejado e os pedaços
Carla Catadora Patrick 2011 postos em sacos de lixo. Dívida de
drogas.
Não Assassinado pela polícia confundido
Nia Hélio 2000
trabalha com traficante.
Assassinado perto de casa. Suspeita de
Joana Cosme –
Cozinheira 2007 queima de arquivo por envolvimento
Dark 24 anos
com milícia.
Maria Vendedora Marcos 2009 Auto de Resistência
Primeiro Morto em chacina promovia por gru-
15
Mãe Que Filho - po de extermínio.
Perdeu Não traba- Segundo Venda de drogas. Assassinado ao sair
18
Três lha (doença) Filho - de casa.
Filhos Terceiro Venda de drogas. Assassinado dentro
14
Filho - da favela em que morava.
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Através de entrevistas com as mulheres qualificadas acima foi possível
classificar a Maternidade Ultrajada em cinco estágios: Alegria Amedrontada,
Aviso Carinhoso, Iminência Ansiosa, Triste Aceitação e Outra Maternidade.
Neste artigo, essas categorias foram revisitadas e ampliadas para esboçar
a gramática do genocídio antinegro na Baixada Fluminense através da
perspectiva das mulheres. Foi utilizado o programa QSR NVivo 11© para a
análise quantitativa, que permite a codificação de trechos das transcrições de
entrevistas de acordo com temas principais que informam a experiência das
mães. As transcrições das 10 entrevistas em profundidade foram codificadas
segundo a árvore temática [tree nodes] abaixo descrita.
- Alegria Amedrontada
• Desafios da Gravidez
• Projetos
- Aviso Carinhoso
• Conselhos
• Conjecturas
- Iminência Ansiosa
• Iminência da morte
• Estratégias
- Triste Aceitação
• Reflexão sobre a morte
• Lidar com a dor
• Saudade
• Reconstrução própria
- Renovação Saudosa
• Busca de sentido e significado
• A redescoberta dos outros filhos
• Os filhos da comunidade
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Esta árvore temática foi elaborada considerando a morte como
experiência comum entre as 10 mulheres que fizeram parte do estudo.
Diante disso foi possível criar tipos ideais (WEBER, 2009) sobre as
experiências de pré-morte e pós-morte. Como tipos ideais, estas estruturas
de maternidade não são uma regra para todas as mulheres negras, tampouco
para todas as mães de vítima de violência. No contexto de genocídio e
antigenocídio, dependendo dos determinantes sociais e da rede de apoio
que elas desenvolvem, as mães negras podem ter a experiência de todos,
algum ou nenhum estágio de uma maternidade ultrajada.
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Conforme pode ser visto na nuvem de palavras acima (figura 2), nesta
fase as mães se preocupam tanto com a “polícia” quanto com os “bandidos”.
Essas duas palavras aparecem do mesmo tamanho quando quantificados o
léxico de suas narrativas. Preocupação é o sentimento central nas mães, e
entendem que o racismo pode ser fator que gera insegurança à vida de seus
filhos e filhas. Diante disto, a vestimenta preferida dos jovens homens – boné,
bermuda e tênis Nike – também é vista como marcadora da diferença que
põe em risco a integridade física dos jovens. O mesmo pode ser dito quanto a
alguns locais, tais como a rua e a esquina. Fica também evidente a necessidade
de identificação dos jovens. É recorrente entre elas os avisos para que seus
filhos carreguem documentação e carteira. “Assim eles podem mostrar quem
são. A gente nunca sabe o que pode acontecer”, avisou Maria.
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A nuvem de palavras que retrata esse momento na vida das mães de
vítima de violência pode ser apreciada na figura 3 abaixo.
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Similarmente, A Mãe Que Perdeu Três filhos descreve sua experiência de
luto como algo que transborda o limite do emocional. Ela narra:
Joana Dark também expressa certo sentimento de culpa por ter perdido
seu filho. Ela revela:
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Sobre esta fase, Nia revela:
Conclusão
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As histórias de Martha, Alda, Olinda, Dora, Carla, Nia, Patrícia, Maria,
Joana Dark e da Mãe Que Perdeu Três Filhos estão cheias de sofrimento,
tristeza e desespero, mas elas nos mostram o seu poder para lutar contra a
estrutura mortal que desmantela suas famílias. Se o objetivo principal do
genocídio é a morte negra, a maternidade negra tenta evitá-lo através de
atos que tentam assegurar a manutenção da Diáspora. Este texto mostrou
as minúcias dessa luta de sobrevivência através da maternidade. Essas mães
negras não tiveram o poder para evitar a morte, mas elas mostram uma enorme
resistência na micropolítica da vida cotidiana. Suas experiências ilustram que
as ideologias genocidas geram a individualização do sofrimento mediante a
criação de vergonha em torno de sua suposta falta como mães. Esta vergonha
é evidente em sua autoculpa e sentimento que eles deveriam ter feito algo
diferente para evitar as mortes. Suas estratégias para garantir a possibilidade
de a maternidade revelam uma gama de sentimentos e lutas internas que,
embora forte, não as paralisam, mesmo na tristeza.
Referências
———. (1994). “Shifting the Center: Race, Class, and Feminist Theorizing
about Motherhood.” In Mothering: Ideology, Experience, and Agency, edited by
Evelyn Nakano Glenn, Grace Change, and Linda Rennie Forcey. New York:
Routledge.
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VARGAS, Joao.H. Costa . Never Meant to Survive: Genocide and Utopias in
Black Diaspora Communities. Lanhan, MD: Rowman & Littlefield Publishers,
Inc. 2010
WEBER, Max. The Protestant ethic and the spirit of Capitalism. New York:
Oxford University Press. 2009
WILDERSON, F III. Red, White and Black: Cinema and the Structure of U.S.
Antagonisms. Durhan: Duke University Press. 2010
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