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A Preservacao Do Patrimonio Arqueologico e o Turismo
A Preservacao Do Patrimonio Arqueologico e o Turismo
A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO E O TURISMO
Nesta abordagem, pretendemos discorrer sobre a preservação do patrimônio arqueológico e os impactos motivados pela
Visitar sítios arqueológicos significa um sonho para grande número de pessoas, embora boa parte delas desconheça a questão
ou dela tenha uma visão romântica; podemos dizer que não desejariam contribuir para sua destruição, participando de visitas
irregulares a locais não previamente agenciados para esse fim. Falamos em destruição porque a arqueologia é uma ciência
social, que se desenvolve sobre um objeto fragmentário e bastante sensível. Dessa forma, no escopo de abordagens de
arqueologia pública, pós-processual e reflexiva, cabe-nos buscar maneiras seguras e construtivas de disponibilizar o uso de
sítios para turismo, visando garantir a sensibilização do cidadão, assim como a devolução do conhecimento produzido sobre
esses bens. O tema, entretanto, abrange campo de atuação vasto e muitas interfaces que envolvem discussões sobre pós-
modernismo, globalização, inclusão social entre outros.2 A discussão que queremos suscitar é sobre questões operacionais que
fomentem e estimulem boas práticas, por exemplo: como possibilitar o uso de sítios arqueológicos para turismo, garantindo a
preservação; como usar parte desse patrimônio, integrando-o às rotinas das comunidades e populações de forma a produzir
renda e inclusão; como devolver, nesse processo, o acesso a valores culturais aos quais o cidadão tem direito; se o processo
depende da iniciativa privada ou da ação do Estado; se é possível inserir um sítio em roteiro sem prévia pesquisa e
licenciamento; se pode ser cobrada entrada para visitação; como é o trato desses sítios quando inseridos nas Áreas e Locais de
Interesse Turístico (Lei n° 4.717/65); como essas questões são resolvidas no exterior; que tipo de políticas existe no setor; e o 305
que significa, afinal, preservar patrimônio arqueológico?
selecionar os locais que representam
referências culturais e lhes fornecer outra
O QUE É PRESERVAR proteção jurídica selecionar os locais que
Maria Lúcia Pardi A preservação do Patrimônio arqueológico...
ARQUEOLÓGICO?
fornecer outra proteção jurídica através do
tombamento,
que aumenta sua visibilidade e o destaca como
No que tange ao Estado é garantir a execução dos objeto para ações de incentivos e de políticas
macros processos básicos que envolvem todos os públicas. Preservar é manter um sistema de
procedimentos necessários para a consecução da missão informações informatizado aglutinando todo
do Iphan nesse setor, em atendimento às atribuições legais conhecimento gerado pelo setor, operando para
que lhes são conferidas pela Constituição e pela legislação fornecer indicadores e diretrizes de gestão, e
3 disponibilizado para uso da sociedade. Preservar
complementar. Esses processos garantem a instalação de
serviços para o desenvolvimento de uma política de ação é avaliar o impacto
ativa e reativa, em resposta às demandas da sociedade. de um empreendimento que vai alterar
Como pode ser observado no quadro resumo (figura 1),
o solo e o subsolo e garantir a realização
de pesquisas prévias de qualidade, devidamente
licenciadas, para evitar o aumento do custo
social da obra e ampliar os benefícios
promovidos com as verbas, grande parte das
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vezes, públicas! Preservar é, sobretudo, conhecer
o patrimônio, definir um planejamento e
estabelecer políticas preventivas que incluam a
participação dos Estados, municípios, dos
diversos segmentos afetos e do cidadão. A
missão do Iphan na área é preservar a herança
dos antepassados,
gerir o uso atual desse tipo de bens e legá-los de
forma qualitativa e quantitativamente
constituem-se de atividades de identificação,
expressiva às gerações futuras, que têm direito a
documentação, proteção e promoção desses bens.
construir e a reconstruir suas raízes conforme
Preservar, então, pode significar identificar bens ainda
seus próprios questionamentos
não conhecidos4 nas diferentes partes do território
e com apoio do avanço tecnológico
nacional e registrá-los nos termos da Lei n° 3.924/61.5
do momento.
Existe um modelo padrão de ficha6 acessível a qualquer
Entretanto, é necessária uma política forte e
cidadão, que é co-responsável pela proteção física desses
ativa para proteger de forma orientada e
bens. Preservar é também
consciente esse patrimônio, para não se correr o
risco de os futuros arqueólogos possuírem apenas
arquivos e sítios eletrônicos para escavar. Assim,
preservar pode significar dezenas de coisas, um
leque que apenas
se amplia, mas, na presente questão, preservar
é pesquisar e abrir sítios e áreas para turismo, para
No canal da cidade de São Sebastião (SP),
educação e lazer do cidadão, de maneira consciente, com o
é grande a quantidade de mergulhadores que em barcos
uso de práticas orientadas que possam ir se aperfeiçoando,
afundados revolvem os vestígios, provocando sua dispersão ou
sem incorrer na sua destruição física.
ainda os coletam para obter souvenir ou vender para antiquários.
Aterros do Pantanal sofrem mutilação pela construção e uso das
FIG 4
o México possui 220 mil sítios cadastrados
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sendo 200 mil zonas arqueológicas,20 15%
identificadas e apenas 2% (cerca de 400) com
Revista do Patrimônio Histórico e Artísticos Nacional
de museu,30 ampliação dos atrativos e aumento da o acesso à cultura e o respeito à identidade cultural.
permanência do turista, Os bens arqueológicos, devido ao seu caráter
assim como para divulgação do atestado ancestral e universal, perpassam por todos esses
de autenticidade e antiguidade, como observou o aspectos. Ao observar as tabelas apresentadas
consultor Marley R. Brown III,31 durante o colóquio pudemos perceber a expressividade do Parque
promovido pelo Iphan e pela ABA - Associação Nacional Serra da Capivara (Pama), que é
Brasileira de Antropologia. No Brasil, nessa categoria de responsável por estimativas bastante positivas em
sítio arqueológico urbano, em situação de usufruir da termos
experiência e reflexão mexicana, podemos enquadrar de turismo científico, com abertura ao
desde os Sete Povos das Missões do Sul (São Borja, São ecoturismo e turismo de aventura. 35
Nicolau, São Luís Gonzaga, São Miguel, São Lourenço, Em termos de trânsito com outros
São João Batista, Santo Ângelo) e do Nordeste (Vila Flor) países, os dados mostram o privilégio
como o de Amaro Leite,32 Pirenópolis, Olinda, das relações de vizinhança em regiões
Tiradentes, Ouro Preto, Mariana que compartilham traços culturais e
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e tantos outros nomes ainda conhecidos apenas como a importância do Mercosul.
patrimônio histórico e arquitetônico.
A cultura é um elemento vital do desenvolvimento, e A PRÁTICA
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a Unesco vem trabalhando em diversos países esses NACIONAL
aspectos culturais, tendo aberto uma linha de pesquisa em MODELOS E PROBLEMAS
indicadores culturais. Esses indicadores são vistos como
ferramentas de diálogo político, pois trazem informações No que tange às práticas, não podemos ser
que vão além dos dados descritivos; elas servem para apocalípticos e impedir o uso turístico dos bens
34
avaliar. Sakiko Fukuda Parr assume que as dimensões arqueológicos nos termos de Turner e Ash: O turismo
da cultura são muito complexas e que não podem ser moderno é uma forma de imperialismo cultural, uma
integralmente captadas apenas pelos indicadores. Devem perseguição interminável de diversão, sol e sexo, pelas hordas
em relação ao desenvolvimento, em dois aspectos: os locais e poluem o mundo em suas buscas (. . .) O turismo é uma
a participação na atividade criadora, já que não podemos imputar más intenções a milhões de
arqueológico
E AS POLÍTICAS
como de Defesa e Adaptação.46
PÚBLICAS
Como questões a serem superadas identificamos os
aspectos relacionados a seguir: a baixa visibilidade
A questão do uso turístico de sítios arqueológicos,
dos vestígios arqueológicos, ausência ou insuficiência
também chamado de socialização de sítio, tem
de planejamento, ausência ou insuficiência de
amadurecido, mas a falta de modelos viáveis é um
monitoramento para garantir a eficácia da iniciativa, o
problema recorrente e observado em diversas regiões; já
pouco conhecimento científico produzido com base
foi discutida na Sociedade de Arqueologia Brasileira -
interpretativa, o envolvimento e interesse insuficiente das
SAB e em encontros científicos no Sul, Nordeste e Norte,
comunidades locais e sociedade em função da baixa
levando à elaboração de um documento que revela aspectos
identificação com esses bens em se pesando que 98% das
básicos da questão.
áreas pesquisadas dependeriam de iniciativas de
Em suma, a preservação do patrimônio arqueológico
preservação do cidadão, a solução de continuidade de
realizada por intermédio da atividade do turismo representa
alguns projetos na medida em que apenas ao Estado
uma boa política e um caminho inevitável, uma vez que já
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caberiam os projetos de longo prazo e cunho social,
se encontra informalmente em operação em escala bastante
a precariedade da vigilância dos sítios
expressiva. Cabe-nos, então, procurar a melhor maneira de
nos moldes do uso definidos do projeto. Exposição
atuar nesse setor de forma intensa e sem ignorar as etapas
prematura dos sítios na mídia
necessárias. O empreendimento nesse campo
no uso da interpretação e sinalização. Iniciativas isoladas
requer, antes de tudo, planejamento. Conhecimento sobre
sem licenciamento prévio; falta de uma política ativa do
a área é também essencial, pois é o que permite selecionar
executivo em assumir de forma consciente seu papel no
locais já pesquisados ou propiciar a pesquisa científica nos
fomento e regularização das práticas do setor;
locais desejados.
desconhecimento e baixa sensibilidade dos envolvidos
O Iphan tem como uma de suas funções ser um banco de
no manejo
memória para o que se produz diretamente e para o que se
e conservação dos registros rupestres
recebe dos pesquisadores licenciados e dos cidadãos. Um
desenvolvimentos de projetos sem a participação
dos instrumentos, o CNSA,47 no seu atual estágio de
de arqueólogos; a criação
desenvolvimento do sistema, nos oferece possibilidades de
de ambientes artificiais; guias estereotipados e
análise limitadas; com cerca de 13 mil sítios,
padronizações.
nos mostra o potencial efetivo disponível atualmente em
termos de sítios pesquisados.
Pouco mais da metade dos dados trata de sítios do tipo
pré-colonial (56,58%); a comunicação com diferentes tipos de público, assim
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o ENFOQUE PRESERVACIONISTA PARA UM TURISMO MELHOR........................................................................................................................................
REDUZIR - A densidade - não superlotar uma área com demasiados hotéis, lojas para turistas ou visitantes.
MELHORAR - A sensação de isolamento e privacidade, para preservar o "clima" da área e a psicologia que os viajantes desejam, isto é, um retiro e uma
BUSCAR - A qualidade o tempo todo, uma vez que isso incentiva a permanência dos turistas, faz com que voltem repetidas vezes e garante uma
vida mais longa para a área.
SALIENTAR - A diversidade - quanto mais atividades estiverem disponíveis, maior a probabilidade de que cada visitante encontre algo de
interesse, a cada dia.
VALORIZAR - A cultura local e tradições para proteger as populações locais, seu patrimônio e cultura.
NEGOCIAR - Para que áreas abertas ofereçam "pulmões verdes" que melhorem cada projeto.
OBTER - A aceitação da comunidade, de modo que as populações locais sejam aquelas a se beneficiarem mais do turismo (a casa é delas), em
parceria com empreendimentos comerciais.
………………………………………………………………………………………………………………………………………
questão análoga, o processo é semelhante
memória dos grupos formadores da cultura e sua dinâmica roteiros e os circuitos turísticos,
própria e a valorização da autenticidade dos bens e das as intervenções e as especificações das edificações, a
experiências. Incluem também a proteção do patrimônio, a avaliação dos impactos, medidas mitigadoras, a
interpretação histórica e presente, o respeito às diversas o perfil do turista, propostas de integração, a previsão
a viabilidade econômica da manutenção desses bens, a O trabalho é bastante competente, entretanto ainda não
grupos; a química para entender as características naturais de Inúmeras são as possibilidades no Brasil
paredões que possuem grafismos rupestres e no exterior; a questão está sendo analisada. O tema
Dessa forma fica claro que existe um caminho que necessita recente no Centro Regional das Beiras,
ser percorrido para que o país possa se sensibilizar como da Universidade Católica Portuguesa,
Estado e como governo. Estruturas sólidas precisam ser no pólo de Viseu, que, em maio de 2006, promoveu
implantadas, no nosso entender, com base na responsabilidade discussão com especialistas para reafirmar a importância
compartilhada, 58 como forma de gestão mais eficiente para a do patrimônio cultural como recurso turístico, e a do
área. Assim articulado, o governo federal, por meio do setor turismo como fator de desenvolvimento
responsável para a gestão do patrimônio arqueológico, estará que não pode ser ignorado como setor estratégico. O
naturalmente atuando com os co-responsáveis e suas parcerias, patrimônio foi ressaltado como forma de individualização e
em espaços de discussão institucionalizados e mais qualificação da visita, ressalvada sua condição de bem
Esses fóruns poderão propiciar a durabilidade necessária De forma convergente, foi também levantada a questão da
levando a questão inclusão da população local porque "( ... ) se não houver
regulamentado e inserido nas políticas públicas, com diretrizes nos locais não há turismo que resista". Registrou-se ainda
e internacional demanda e merece fluir o gastronômico e o perfil do "novo turista", como pessoas
da beleza e do imaginário que os sítios arqueológicos cultas que procuram novos conhecimentos. Em 2006,
dos mais eficientes instrumentos da educação patrimonial. em Barcelona, o Congresso Internacional de Turismo
O turismo cultural facilita ao cidadão o cumprimento de seu Arqueológico, que enfocou a gestão de rotas, sítios e
papel na preservação desses bens, por entender os monumentos, além de experiências inovadoras. "Interpret
Europe" (2002)59 é uma rede européia para interpretação
de patrimônio, cuja maior expressividade está na
visibilidade e na cooperação que fornece para o trato dos
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bens. Entendida como primeiro passo para a criação da diretrizes e prioridades assim como criar
European Association for Heritage Interpretation,60 tem e desenvolver programas e ações de médio
como missão fomentar a cooperação e o e longo prazos, estruturar as instituições de turismo e de
desenvolvimento cultura com setores que tratem especificamente de
sustentável da herança natural e cultural arqueologia e turismo, respectivamente. É preciso que os
para as futuras gerações. A Itália criou um observatório governos assumam sua parte, pois como nos diz Aceves:
de turismo, em iniciativa pioneira, que envolve a La protecci6n de Ias manifestaciones materiales de Ia memoria
comunidade nos projetos e que mostra as tendências do coIectiva y Ia salvaguarda del medio natural o del medio
setor. Existe uma Rede Internacional de Políticas armoniosamente antropizado, es una responsabilidad de Ia
Culturais da qual participam África do Sul, Suíça, naci6n, es una responsabilidad de Ia sociedad y del Estado,
Canadá, Filipinas e México, que, em reunião virtual, quienes 1o deberán mantener por exigencia moral, por impulso
examinaram as diferentes possibilidades que o ético, con la mira de poner a salvo Ia ldentidad propia de cada
patrimônio cultural pode oferecer para o sitio y de transmitir su mensaje material a Ios hombres del futuro.
desenvolvimento econômico e social das nações. Além A ação do Estado, entretanto, passa pelas políticas
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de conhecer as características próprias de cada nação, econômicas o que leva a questão
reconheceu-se que todas vêem o turismo como provedor a ser inserida necessariamente nas discussões sobre
de recursos para desenvolvimento. Atualmente vivemos um momento em
o desenvolvimento econômico e social que a esmagadora maioria dos projetos de pesquisas
das comunidades. Tal conclusão se deu no processo de arqueológicas é efetuada de forma empresarial, no bojo
busca do ponto de equilíbrio entre os aspectos sociais de projetos de impacto ambiental (usinas hidrelétricas,
e econômicos positivos do turismo cultural e a rodovias, gasodutos, distritos industriais, loteamentos,
exigência etc.); como a prioridade é a liberação da área, os prazos
de proteger o patrimônio. A África do Sul investiu na são curtos e a pressão política e econômica é grande,
criação de empregos através do desenvolvimento de dificilmente um projeto cogita ou consegue inserir ou
produtos artesanais como da comunidade de Khoi-San, executar iniciativas para abertura de sítios ou áreas para
onde existem sítios de pinturas rupestres e cemitérios turismo cultural. O potencial, porém, é grande e
que são parte da ata de recursos do patrimônio o compromisso também, na medida em que envolve
nacional decretada em 1999. O Canadá busca a projetos de educação patrimonial
preservação e o estímulo ao turismo, mas o apóia com e eventualmente compensações, cujas altas somas
fundos públicos para que os atrativos se tornem podem ser aplicadas na construção de museus,
acessíveis e cumpram sua missão. Na França, o museus de sítio, centros culturais, casas de memória e
turismo cultural é subsidiado. Dessa forma fica claro outros
que para atuar no setor turismo é fundamental a ação
do Estado. No Brasil temos muito a fazer: definir
instrumentos,
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equipamentos que efetivamente sirvam de referência para dar
e trato dos bens na pesquisa científica. a Froehlich, que fala de trabalhos que defendem o
de relativizar a atenção fornecida pelos políticos ao PIB que beiram o generalismo e as superficialidades, com
e criar e valorizar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), se deve à expectativa de um projeto redentor diante da
enriquecendo o nível das análises, discussão e ação. crise, projeto este que envolve
o crescimento da produção material, a cultura é vista como o objetivo do todos. Questiona-se que grupos de interesse
desenvolvimento e
efetivamente ganham nesse processo? Sobre a
I sua base social e não como estImulo ou impedimento para o abordagem do trickle down64 sempre "respinga" alguma
61
crescimento econômico. Como gabarito para ações internacionais,
benesse para as camadas mais pobres da população. 329
Entretanto, a questão não seria apenas a de gerar
o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas criou um
emprego e renda, mas
modelo sobre
de redistribuir esta renda e diminuir as desigualdades
a concepção das necessidades básicas e os paradigmas de
socioeconômicas. Sem perfil e capacidade de
desenvolvimento para enfrentar o pensamento do crescimento
endividamento65 dos agropecuaristas patronais e dos
econômico.62 Esse contexto se impõe em qualquer iniciativa
agricultores familiares, apenas os "respingos" restariam
com atrativos internacionais, que se constitui aspecto inerente à
para os demais, como a venda de
arqueologia na medida em
artesanato de alguns tipos de produtos caseiros e o
que estamos falando de bens anteriores
trabalho sazonal.
à constituição da nação brasileira,
Assim consideram que a atividade turística sustentável ou
de interesse para as demais nações,
integrante da possibilidade de desenvolvimento sustentável é
em especial as vizinhas. Dessa forma fica
apenas desviar os
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sensibilizando o Programa Nacional de Apoio à Será maravilhoso o dia em que tivermos a opção de
Cultura (Pronac) para esse tipo de demanda realizar roteiros temáticos, nacionais e internacionais,
específica, ou por meio do Imposto Predial e que incluam sítios de arqueologia histórica, de
linhas de financiamento para projetos regularizados (negros, índios e outras minorias), das sociedades complexas
pelo Iphan. da Amazônia, que acompanhem a rota de migração dos tupi-
Fica claro dessa forma, que necessitamos de guaranis, as expressões dos grafismos rupestres deixados
planejamento, estudos prévios aprofundados e uma voluntariamente em registros por todo o país.66 Para tal, seria
postura moderna que posicione as iniciativas em necessário um esforço integrado para se verificar o estado de
plataformas de complementação de renda, conservação dos sítios que foram objetos de pesquisas
sustentabilidade, evitando gerar expectativas de densas e que teriam conhecimento a ser interpretado. Mas,
"desenvolvimento", trata-se, enfim, de processo como seria sua visibilidade arqueológica, estariam em
mais complexo. Necessita-se ainda de efetuar condições favoráveis ao agenciamento para uso turístico
abordagens de maior escala, que envolvam edição e controlado? Seria possível agregar alguns aos roteiros já
implementação continuada de políticas públicas existentes?
conscientes para o desenvolvimento de alguns pólos Em síntese, a preservação dos sítios arqueológicos por
que reflitam minimamente uma amostragem meio do turismo é possível e irreversível. Já está
do patrimônio arqueológico nacional no tempo, ocorrendo e promovendo impactos significativos no
no espaço e na sua diversidade cultural. Neste
caso, mesmo que fosse prioridade política
durante alguns
patrimônio, na maioria das vezes, sem dar o devido brasileira, que mudou o paradigma desta referência
retorno ao cidadão e ao mercado. Para ser sustentável cultural ancestral, a Serra da Capivara, está publicamente
desenvolvido . .Brasil. Meu negócio é turismo. Brasília: desenvolvimento: avanços e propostas". Em lriforme mundial sobre a culturo
Revista do Patrimônio Histórico e Artísticos Nacional
Ministério do Esporte e Turismo Embratur, 2001. 2000 - Densidade cultural, conflito e pluralismo. Op. cito
25 Planos que detalham a utilidade cadastral, a determinação da 35 Informe mundial sobre a culturo 2000 - Densidade cultural, conflito e
vocação, a potencialidade, a regulamentação dos usos, densidades e pluralismo. Op. cit., p. 362.
intensidades. 26 As metodologias e estratégias atuam em três 36 Turner e Ash (1975: I 29) citado em Peter Bums. Op. cit., p. 99.
vertentes: a) identificação dos bens, automaticamente protegidos 37 Margarita Barretto. "O imprescindível aporte das ciências sociais para
pelas leis, b) controle das atividades particulares e estabelecimento o planejamento e a compreensão do turismo". In: Horizontes
de medidas de fomento como estímulo fiscal, e c) formação de antropológicos: antropologia e turismo. Porto Alegre: PPGAS, 2003. p.16.
agentes sociais e associações civis para atuar em parcerias por meio 38 Esse tipo de turismo foi proposto pelo setor com modalidades de
de licenciamentos, fiscalização e sanções. Entretanto, os gestores baixo impacto ambiental e grande retorno social para as comunidades
mexicanos do Conaculta e da Coordenação de Patrimônio carecem receptoras.
de parcerias comunitárias e acadêmicas, estabelecimento de normas 39 O turismo seletivo pressupõe visitas controladas, com número
técnicas específicas, planos de manejo, regulamento das zonas e a restrito de visitantes.
criação de um sistema de gestão do patrimônio cultural com espaço 40 Em 1989 desenvolvemos o projeto de resgate cultural bakairi, que
de discussão e análise de conselhos consultivos e de corpos de apoio tinha no seu bojo uma iniciativa de abrir a aldeia para que grupos de
técnico. Acreditam ainda que deve ser instrumentalizada uma turistas pudessem receber aprendizado de diversas práticas além de
política de descentralização e coordenação intergovernamental, outras vivências. No ano de 1990 elaboramos o projeto de
incremento à participação da comunidade, à criação de opções de Etnoarqueologia do Negro no Mato Grosso, que visava avaliar a base
financiamento, programas integrais de proteção e de difusão, patrimonial para turismo étnico nas ruínas de sete arraiais de mineração
ferramentas de avaliação e redesenho da legislação. 27 O Instituto que eram popularmente conhecidas como a Macchu Pichu Brasileira. Em
Nacional de Arqueologia e Humanidades (INAH, México) está com 1991, participamos do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da
novas políticas com a visitação aos bens arqueológicos, a integração Chapada dos Guimarães efetuando amplo levantamento de sítios,
334 com o entorno natural e humano, a promoção de valores culturais classificando-os, entre outros, para disponibilizar os que poderiam ter uso
diversificados, como o imaterial, conhecimentos, medicina, turístico monitorado. Treinamos guias, incluímos os sítios e áreas con1
vivências e aventuras. perfil para uso turístico em projetos pilotos de zoneamento que definem
28 Registrado no Cadastro Nacional de Sítios áreas de interesse arqueológico nos municípios de Montemor e
Arqueológicos - CNSA/Iphan. Ouro este / SP (1999). Em gestões diversas elaboramos vistorias e
29 Gislaine Valério de lIMA. "Cotidiano e Cultura Material em diagnósticos de proteção de sítios abertos a turismo no Piauí e em
Vila Boa de Goiás nos Séculos XVIII e XIX". Anais XIII Congresso Serranópolis. Elaboramos levantamentos, planejamento de parque
Sociedade de Arqueologia Brasileira. Campo Grande, 2005. arqueológico para uso turístico em Palestina de Goiás e no Amapá (de
30 A região foi objeto de diversos projetos, como a Casa da 1998 a 2005).
Fundição do Ouro (Catarina Eleonora Ferreira da Silva & Maria 41 Mais conhecido na literatura como Caiapônia, o nome do antigo
Lúcia Pardi. "A pesquisa arqueológica na Casa de Fundição do Ouro município, antes da divisão.
de Goiás, GO. Dédalo, 1989). 42 A sinalização foi especialmente projetada por nós para resistir à
31 Diretor do Departamento de Pesquisa Arqueológica da grande amplitude térmica verificada nesses abrigos, assim como à
The Colonial Williansburg Foundation, na Virgínia. necessária convivência com diversos tipos de animais e a segurança
contra furtos eventuais. A arte foi aplicada como adesivo
32 Ruínas, entreposto comercial, talvez do início do século XIX,