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PROVÍNCIA PORTUGUESA

DOS SACERDOTES DO CORAÇÃO DE JESUS


(DEHONIANOS)

Fazer da vida uma


eucaristia permanente

A Eucaristia
na espiritualidade dehoniana

Lisboa – Janeiro 2005


APRESENTAÇÃO

«A Igreja vive da Eucaristia», afirma o Santo Padre na recente encíclica Ecclesia


de Eucharistia. Essa afirmação traduz aquilo que a Igreja experimenta desde os seus
primórdios. Em princípios do século XX, o Pe. Dehon estava consciente dessa verdade,
como verificamos no seu Diário, onde escreve: «A Eucaristia é a chama, a base, o centro
de toda a vida, de toda a obra, de todo o apostolado. Toda a redenção gravita à volta do
Calvário, toda a sua aplicação gravita à volta do altar. O operário do Evangelho que não
vive da vida eucarística, tem uma palavra sem vida e uma acção ineficaz» (Pe. Dehon,
NQT, XXV, 46-47).
Por feliz coincidência, a Beatificação do Pe. Dehon acontece no “Ano da
Eucaristia”. Sabemos a importância que tal sacramento teve na vida pessoal do
Fundador. Como afirmam as nossas Constituições, a sua adesão a Cristo exprimia-se e
concentrava-se no sacrifício eucarístico, transformando a sua vida numa missa
permanente (cf. Cst 5). Para o Beato Leão Dehon, a Eucaristia foi a inspiração, o
modelo e a forma da sua santidade. Santificou-se fazendo-se “eucaristia”, fazendo da sua
vida pessoal, do seu ministério e da sua acção social, uma “eucaristia” para Deus. Dessa
atitude interior, brotava a sua caridade e o seu zelo incansável para com todos,
especialmente para com os pequenos e os que sofrem (cf. Cst 18).
As nossas Constituições afirmam esta centralidade da Eucaristia no carisma e na
missão que herdámos do Fundador. A Eucaristia, diariamente celebrada, comungada e
adorada, inspira, anima, é modelo e forma da oblação, pela qual somos chamados a unir
a nossa vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens
(cf. Cst 6). É modelo e forma da nossa santidade. Estamos em sintonia com a doutrina
da Igreja. De facto, lemos no Catecismo da Igreja Católica: «A Eucaristia (sacrifício de
Cristo) é igualmente sacrifício da Igreja. A Igreja, que é o Corpo de Cristo, participa na
oblação do seu Chefe. Com Ele, ela própria é oferecida integralmente. Ela une-se à sua
intercessão junto do Pai em favor de todos os homens. Na Eucaristia, o sacrifício de
Cristo torna-se também o sacrifício dos membros do seu Corpo. A vida dos fiéis, o seu
louvor, o seu sofrimento, a sua oração e o seu trabalho unem-se aos de Cristo e à sua
total oblação, adquirindo assim novo valor. O sacrifício de Cristo presente sobre o altar
dá a todas as gerações de cristãos a possibilidade de se unirem à sua oblação» (CIC
1368). A Prece Eucarística III transforma esta doutrina em oração, uma oração muito
bela que, a meu ver, é uma bela síntese da nossa espiritualidade.
Estas duas referências parecem-me suficientes para mostrar que a espiritualidade
oblativa/reparadora não é uma pieguice, ou uma devoção como qualquer outra, mas uma
verdadeira espiritualidade fundamentada na fé e na vivência litúrgica da Igreja. Se, como
dehonianos, somos chamados a vivê-la com maior consciência e intensidade, e segundo
o dom que o Espírito nos concedeu por meio do Pe. Dehon, é para animarmos os nossos
irmãos cristãos a fazerem a mesma experiência. Divulgar esta espiritualidade não é algo
de facultativo para nós, mas é um verdadeiro dever, uma parte essencial daquele serviço
que somos chamados a prestar na Igreja (cf. Cst 6), para que ela, a humanidade e a
criação inteira se ofereçam como oblação viva, santa e agradável (cf. Cst 22).
Na elaboração deste opúsculo, fiz uso do livro «L’Eucaristia nostra santificazione»,
que recolhe os textos de um ciclo de pregações feitas por Raniero Cantalamessa ao Papa
e à Capela Pontifícia, no ano de 1982.

2 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


O meu trabalho está organizado para uma semana de pregação e oração
(domingo a domingo). Mas pode ser usado para meditação pessoal, para preparar
retiros, para homilias em celebrações eucarísticas, para animar tempos de adoração,
para outros momentos de oração ou simplesmente para conferências de carácter
espiritual, durante uma semana, durante a Quaresma, ou noutros momentos de
formação e oração. O material proposto será usado do modo que for julgado mais
conveniente, nas circunstâncias concretas. O que mais importa é que sirva aos meus
confrades e àqueles com quem o quiserem partilhar, pelo menos, como me serviu a mim,
ao prepará-lo.
Para terminar, gostava que este trabalho fosse uma pequena homenagem ao
Fundador, no ano da sua beatificação. Que interceda por mim e por todos nós para que,
como ele, façamos da nossa vida «uma missa permanente».

Aveiro, 22 de Janeiro de 2005.


Pe. Fernando Fonseca, scj

ENQUADRAMENTO

Os esquemas agora publicados pretendem ajudar a celebrar e a viver o Ano da


Eucaristia em contexto da Beatificação do Padre Leão Dehon. Estão pensados para um
conjunto de celebrações durante uma semana, integradas na celebração da Eucaristia ou
numa celebração própria.
Esta iniciativa, pensada na Comissão Provincial para a Beatificação do Padre Leão
Dehon e apoiada pelo Conselho Provincial, pode ser aproveitada nos espaços eclesiais
onde vivemos e colaboramos: paróquias, capelanias, reitorias, santuários, seminários,
Obra ABC, colégios e outros estabelecimentos de ensino, centros de espiritualidade,
grupos de jovens e da Família Dehoniana, equipas de casais, tempos de retiro, etc.
Estamos profundamente agradecidos ao Pe. Fernando Fonseca pela elaboração
deste material, realizada de uma maneira dedicada e competente. Estou certo que
constituirá um excelente subsídio para meditação pessoal e comunitária, além de servir
como proposta, a sugerir às diversas comunidades eclesiais, de um itinerário de oração e
reflexão sobre a Eucaristia segundo a experiência eucarística do Padre Dehon.
A obra de Raniero Cantalamessa, que serve de suporte a uma boa parte da
reflexão, acaba de ser divulgada em tradução portuguesa pelas Ed. Paulus, com o título
“Eucaristia, nossa santificação”.
Estes esquemas serão divulgados através da nossa página na Internet.
Que este subsídio nos ajude a uma maior vivência quotidiana da Eucaristia,
celebrada, vivida e adorada, tal como nos propõe continuamente o Padre Leão Dehon.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2004.

Pe. Manuel Joaquim Gomes Barbosa, scj


Superior Provincial

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 3


ESQUEMA PARA UMA SEMANA DE PREGAÇÃO
(domingo a domingo)

1. A Eucaristia, memorial da oblação de Cristo (domingo)

• As figuras da Eucaristia
• A Eucaristia como acontecimento
• A Eucaristia como Sacramento

2. Unidos à oblação de Cristo pela consagração (segunda-feira)

• “Partiu o pão”: união à oblação de Cristo, ao Pai


• “Tomai e comei”: União à oblação de Cristo… pelos homens
• “Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue”: oblação total da vida e da morte

3. Unidos à oblação de Cristo pela comunhão (terça-feira)

• “A Igreja vive da Eucaristia”


• Comunhão na vida e na morte de Cristo
• Com Cristo, um só espírito (cf. 1 Cor 6, 17)
• Comungar o Corpo de Cristo que é a Igreja

4. Unidos à oblação de Cristo pela adoração eucarística (quarta-feira)

• A contemplação e vida cristã


• Fazer memória de Jesus
• “Hão-de olhar Aquele que trespassaram”

5. Unidos à oblação de Cristo pelo serviço aos irmãos (quinta-feira)

• O mistério do lava-pés
• O espírito de serviço
• O serviço do Espírito

6. O Mistério da presença real do Senhor na Eucaristia (sexta-feira)

• “Eis a morada de Deus entre os homens”


• Uma presença real, mas escondida
• A nossa resposta à presença real

7. A Eucaristia e a comunhão na morte de Cristo (Sábado)

• “Corações ao alto”
• A Eucaristia e a igreja peregrina
• A Eucaristia, esperança e compromisso

8. A Eucaristia e o empenhamento eclesial e social

• A Eucaristia e a evangelização
• A Eucaristia, fermento de “caridade e de justiça”
• A Eucaristia e a transformação do mundo

4 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


1. A EUCARISTIA,
MEMORIAL DA OBLAÇÃO DE CRISTO
(domingo)

CÂNTICO

Mandai, Senhor, o vosso Espírito e renovai a terra.

A minha alma glorifica o Senhor.


meu Deus, como vós sois grande!
Os vossos feitos são incontáveis,
encheu-se a terra com as vossas criaturas.

Retirai-lhes o alento e logo expiram


e ao pó donde vieram elas voltam.
De novo o concedeis e as recriais,
e renovais a face da terra.

Glória a Deus para sempre!


Ele se alegra nas suas obras.
Seja-lhe agradável o meu hino,
E eu terei alegria no Senhor.

(in Novo Cantemos Todos, n. 184)

BREVE LEITURA: 1 Coríntios 5, 6-8

Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Purificai-vos do
velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois
Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento
velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da
pureza e da verdade.

TÓPICOS PARA A MEDITAÇÃO

1. As figuras da Eucaristia
2. A Eucaristia como acontecimento
3. A Eucaristia como Sacramento

A Eucaristia tem uma importância decisiva na vida cristã e na espiritualidade


dehoniana: «Toda a nossa vida cristã e religiosa encontra a sua fonte e o seu ponto
culminante na Eucaristia» (cf. LG 11).
A celebração do Memorial da morte e ressurreição do Senhor constitui para nós o
momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus
(Cst 80).
Podemos até dizer que toda a história da salvação é marcada pela Eucaristia,
que está sempre presente: como figura no Antigo Testamento, como evento em Jesus
Cristo e como sacramento na Igreja. Como uma gota de orvalho espelha toda a
abóbada celeste, assim a Eucaristia espelha toda a História da Salvação.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 5


1. As figuras da Eucaristia

São várias: o maná (Ex 16,4ss; Jo 6,31ss); o sacrifico de Melquisedec (Gn 14,18;
Sl 110,4; Hb 7,1ss); o sacrifico de Isaac (Gn 22). Entre as figuras eucarísticas do Antigo
Testamento destaca-se a Páscoa hebraica, em que era imolado um cordeiro e se fazia
memória das magníficas intervenções de Deus na História para salvar o seu Povo,
especialmente quatro delas. Três já passadas: a Criação, o sacrifício do Moriá, o Êxodo
(passagem do Mar Vermelho e dom da Lei e da Terra); uma de que ainda se estava à
espera, a vinda do Messias.

2. A Eucaristia como acontecimento

Quando chegou a plenitude dos tempos: “Cristo, nossa Páscoa foi imolado” (1 Cor
5,7). As figuras deram lugar à realidade. O evento que funda, ou institui a Eucaristia, é a
Morte e a Ressurreição de Cristo, o seu “dar” a vida para retomá-la. S. João realça a
imolação real na cruz; os Sinópticos realçam a imolação mística na última Ceia. Mas é o
mesmo evento contemplado a partir de dois pontos de observação: esse evento que
funda a Eucaristia, que lhe dá conteúdo, é a imolação/ressurreição de Cristo, ou, se
quisermos usar a linguagem das nossas Constituições (n. 81), é “a oblação perfeita
que Cristo faz de Si mesmo ao Pai pelos homens”.
Esta oblação é oblação de amor, um amor fiel até ao sofrimento, até à morte e
morte de Cruz. A Eucaristia nasce do amor:

– o amor do Pai que, para nos salvar, faz o sacrifício de não poupar o próprio
Filho e de O entregar por todos nós (Rom 8,32);
– o amor do Filho que nos amou e Se entregou por nós, ou “me amou e Se
entregou por mim” (Paulo);
– o amor do Espírito Santo que animou a oblação perfeita de Cristo ao Pai
pelos homens (“por um espírito eterno ofereceu-Se sem mácula a Deus” (Heb
9,14).

A Eucaristia é, pois, obra da Trindade, obra de Deus/Amor.

3. A Eucaristia como Sacramento

Segundo a História, a Eucaristia realizou-se uma só vez na vida, morte e


ressurreição de Jesus; segundo a Liturgia, renova-se pelo Sacramento, todas vezes
que nos reunimos para fazer memória de Jesus e repetir as palavras e os gestos da
Última Ceia. É como se se repetisse mais vezes aquilo que a História diz ter acontecido
uma só vez. Tudo isto, graças ao Espírito Santo. S. Basílio diz-nos que “Cristo
realizou todas as suas obras, especialmente o seu sacrifício, com a intervenção do
Espírito Santo”. É o que nos diz a Escritura: Cristo animado “por um espírito eterno
ofereceu-se sem mácula a Deus” (Heb 9,14).

O “evento” da Cruz foi, pois, um evento espiritual, isto é, operado pelo Espírito.
Foi o Espírito Santo que suscitou em Cristo aquele movimento de auto-doação, de
oblação de Si mesmo ao Pai, que O fez abraçar a Cruz. Ora o Espírito Santo é “um
Espírito eterno” (Heb 9,14), um Espírito que permanece connosco “para sempre”.

Os Sacramentos, e especialmente a Eucaristia, tornam-se possíveis graças ao


Espírito Santo que vive na Igreja. Ao morrer, Jesus “rendeu o Espírito” (Jo 19,30), deu o

6 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


seu Espírito que ficou como que a pairar sobre a Igreja e sobre o mundo. Quando nos
reunimos para celebrar a Eucaristia, o Espírito desce sobre nós e enche a assembleia da
presença de Cristo. Renova-se de modo totalmente espiritual e invisível, o prodígio que
aconteceu, pela oração de Elias, sobre o monte Carmelo, quando um fogo desceu do céu
e queimou a lenha do holocausto, consumando o sacrifício (cf. 1 Re 18,20).

As Constituições SCJ dizem: «Chamados a participar todos os dias neste sacrifício


da Nova Aliança, unimo-nos à oblação perfeita que Cristo oferece ao Pai, para
fazê-la nossa, pelo sacrifício espiritual das nossas vidas. "Exorto-vos, pois, irmãos,
pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como hóstia viva, santa e
agradável a Deus: tal é o culto espiritual que lhe deveis prestar" (Rom 12,1). Testamento
do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim
anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e
vivemos» (n. 81).

Não é possível “unirmo-nos à oblação perfeita que Cristo oferece ao Pai” sem o
Espírito Santo. E “a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos”, se formos
animados pelo Espírito que animou Jesus Cristo. Por isso, cada Eucaristia é uma espécie
de Novo Pentecostes para a Igreja. E tem de sê-lo para cada um de nós. Só assim
poderemos “inserir-nos no movimento de amor redentor, doando-nos a Deus e aos
irmãos, com e como Cristo” (cf. Cst 21). Só assim poderemos fazer da nossa vida “uma
missa permanente” (cf. Cst 5). Só assim podemos efectivamente contribuir para que “a
comunidade humana, santificada pelo Espírito Santo, se torne uma oblação agradável a
Deus” (cf. Rom 15, 16), seja reunida no Corpo de Cristo, e consagrada “para Glória e
Alegria de Deus” (cf. Cst 25).

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 11

«O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue» (1 Cor 11,23), instituiu o sacrifício
eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as
circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia. Esta tem indelevelmente inscrito
nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença
sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos. Esta verdade
está claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino, responde à
proclamação «mistério da fé» feita pelo sacerdote: «Anunciamos, Senhor, a vossa
morte… Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu
Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e «realiza-
se também a obra da nossa redenção». Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do
género humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado
o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel
pode tomar parte nela, alimentando-se dos seus frutos inexauríveis… Que mais poderia
Jesus ter feito por nós? Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado
até ao «extremo» (cf. Jo 13,1), um amor sem medida».

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 7


Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 423s

Jesus na santa Eucaristia está no estado e no espírito de vítima. Vários autores místicos
não prestaram atenção suficiente a isto. Não vêem quase exclusivamente na santa
Eucaristia, para além bem entendido do sacrifício da missa, senão a extensão da
Incarnação. Mas este amor incarnado é também o mesmo amor que sofreu por nós, e
este coração aparece-nos precisamente na santa Eucaristia encimado pela Cruz, o sinal e
o instrumento da Redenção.
É verdade que as circunstâncias acidentais e passageiras da Paixão desapareceram; o
sofrimento já não existe, mas o essencial está lá: este Coração que me amou e que por
amor se entregou por mim: «Christus dilexit me et tradidit semetipsum pro me». É
precisamente este Coração que chorou pelas nossas ingratidões no Jardim, este Coração
que foi partido pelos nossos pecados, este Coração que o amor mais do que a lança feriu
sobre o Calvário. Ele já não sofre, é verdade, mas alegra-se por ter sofrido por nós, por
ter morrido por nós, por ter compadecido as nossas misérias e por ter levado todas as
nossas fraquezas e todas as nossas enfermidades.
Presta-se tão pouca atenção à alegria que experimenta agora o Sagrado Coração de
Jesus por ter sofrido por nós, e no entanto, Ele indicou-a com tanto amor à Bem-
Aventurada Margarida Maria! Assegurou-lhe que perseveraria sempre na intenção de
sofrer e de morrer ainda por aqueles que ama, mas isto já não é necessário, e no
entanto esta afirmação de Nosso Senhor prova que no seu Coração Sagrado a disposição
de imolação por amor persiste sempre. E é por meio desta disposição que Ele oferece
sempre a Deus Pai, os seus méritos, os seus sofrimentos e a sua morte por nós, e que
renova sem cessar o espírito da Paixão, mesmo se não renova o exterior sangrento que
aliás era apenas acidental e passageiro. Mas esta oblação constante dos seus sofrimentos
passados, esta alegria morosa, contínua, de ter sofrido e de ter morrido por nós,
constituem o Sagrado Coração de Jesus todo alegre e glorioso como é, no estado
perpétuo de vítima eucarística, fora mesmo do santo Sacrifício da missa.

Texto 3
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 456

O Santo Sacrifício não é outro sacrifício senão o da cruz, é a sua renovação mística e a
continuação, excepto a morte física que não é essencial para uma morte real, porque a
essência do sacrifício consiste sobretudo na oblação do coração e não no degole da
vítima, quando esta vítima é um ser espiritual; de modo que a morte de Jesus é
renovada realmente pela oblação que de Si faz o seu divino Coração. De resto, todos os
mistérios de Jesus estão representados no augusto sacrifício e também todos os estados
da Igreja.

PRECES

Irmãos e irmãs:
Por nosso amor, o Pai enviou-nos o seu Filho Unigénito que,
animado pelo Espírito Santo, Se entregou por nós,
deixando-se imolar no altar da Cruz.
Oremos, pois, confiantes pela Santa Igreja,
e por todos os homens, dizendo:

Nós vos rogamos, Senhor, ouvi-nos.

8 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


1. Pela Santa Igreja de Deus,
para que seja congregada na mesma fé,
em torno da Santíssima Eucaristia,
oremos ao Senhor.

2. Pelos povos do mundo inteiro,


para que Deus os ajude a desenvolver-se
e faça dos seus governantes homens de paz,
oremos ao Senhor.

3. Por todos quantos celebram a Eucaristia,


para que saibam ver nela
o sinal mais excelente do amor de Deus por nós,
oremos ao Senhor.

4. Por todos nós,


chamados a participar no sacrifício da Nova Aliança,
para que nos unamos à oblação perfeita,
que Cristo oferece ao Pai,
pelo sacrifício espiritual das nossas vidas,
oremos ao Senhor.

5. Pelos que carecem do pão de cada dia, e de outros bens essenciais,


para que, pela Providência generosa de Deus
e pela solidariedade dos que os possuem com maior abundância,
possam alcançar o alimento e aquilo de que precisam
para viver dignamente,
oremos ao Senhor.

Senhor, nosso Deus, que fortaleceis continuamente a vossa Igreja


com o Corpo e o Sangue de Cristo,
fazei-nos encontrar uma santa alegria
na abundância dos bens com que nos saciais.
Por Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amen.

CÂNTICO FINAL

Sempre que comemos o pão e bebemos deste vinho


Anunciamos ao mundo a Ressurreição do Senhor.

1. O Corpo de Jesus Cristo


É o pão da nossa unidade,
O banquete dos filhos
Chamados para o Pai.

2. O sangue de Jesus Cristo


É a nova vida para o homem,
O mistério da Morte
E da Ressurreição do mundo.

(in Novo Cantemos Todos, n. 198)

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 9


2. UNIDOS À OBLAÇÃO DE CRISTO
PELA CONSAGRAÇÃO
(segunda-feira)

CÂNTICO

Tomai e comei, diz o Senhor:


Isto é o meu corpo entregue por vós;
Este cálice é a nova Aliança no meu Sangue.
Fazei isto, em memória de mim.

1. Louvarei o Senhor de todo o coração,


No conselho dos justos e na assembleia.
Grandes são as obras do Senhor,
Admiráveis para os que nelas meditam.

2. A sua obra é esplendor e majestade


E a sua justiça permanece eternamente.
Instituiu um memorial das suas maravilhas,
O Senhor é misericordioso e compassivo.

(in Novo Cantemos Todos, n. 132)

LEITURA BREVE: Romanos, 12, 1-2

Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos


como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Será este o vosso verdadeiro culto, o
espiritual. Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar,
adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de
Deus: o que é bem, o que lhe é agradável, o que é perfeito.

TÓPICOS PARA A MEDITAÇÃO

1. “Partiu o pão”: união à oblação de Cristo, ao Pai


2. “Tomai e comei”: União à oblação de Cristo… pelos homens
3. “Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue”: oblação total da vida e da morte

Ontem considerámos a Eucaristia ao longo da História da Salvação, em três


grandes etapas: como figura, como evento e como Sacramento. Hoje consideramo-la no
centro de um círculo que representa a Igreja e que, por sua vez, está dentro de outro
círculo maior que representa o Universo. Assim a Eucaristia aparece-nos como o Sol da
Igreja e do Mundo.
Mas a relação Eucaristia-Igreja-Mundo não é simplesmente estática. É uma
relação dinâmica. A Eucaristia faz a Igreja, transforma-a e transforma o Mundo,
como um pouco de fermento leveda a massa (cf. Mt 13,33). Enquanto o Baptismo faz a
Igreja em extensão, a Eucaristia fá-la em profundidade, transforma-a, cada vez mais,
em Corpo Místico de Cristo, em Oblação Santa e agradável a Deus. Faz tudo isso:
pela Consagração, pela comunhão, pela contemplação, pela imitação. Vamos, hoje,
deter-nos no primeiro ponto. A Eucaristia faz a Igreja, torna-a Corpo Místico de Cristo,
oblação, pela consagração.

10 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


1. “Partiu o pão”: união à oblação de Cristo, ao Pai

Viver a Eucaristia quer dizer tornar-nos eucaristia, “fazer da nossa vida uma missa
permanente”. É viver aquilo que nos recomenda Paulo na Carta aos Romanos: “Exorto-
vos, irmãos, pela misericórdia de Deus a que ofereçais os vosso corpos como
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; é esse o vosso culto espiritual” (Rom 12,1).
Estas palavras do Apóstolo lembram-nos imediatamente as de Jesus na Última Ceia:
“Tomai e comei: isto é o meu corpo entregue por vós”. Paulo convida-nos, portanto, a
fazermos o que Jesus fez. É como se dissesse: “Fazei o que Jesus fez; fazei-vos também
vós Eucaristia para Deus! Ele ofereceu-Se a Deus em sacrifício de suave odor; oferecei-
vos também vós em sacrifício vivo e agradável a Deus!
Mas também o próprio Cristo nos convida a fazer-nos Eucaristia: “Fazei isto em
memória de Mim” (Lc 22,19) – disse Ele aos discípulos na Última Ceia. Não se trata só de
repetir o rito… Trata-se de fazer o essencial daquilo que Ele fez: oferecer os nossos
corpos como Ele ofereceu o seu em sacrifício. De facto, acrescenta: “Dei-vos o
exemplo para que façais como Eu fiz” (Jo 13, 15).
Nos somos Corpo de Cristo, membros de Cristo (cf. 1 Cor 12,12ss). Por isso, de
certo modo, o sacrifício de Cristo não está completo sem a oferta do nosso próprio corpo,
sem nos oferecermos nós mesmos: “Completo na minha carne o que falta a Paixão de
Cristo” – escrevia Paulo (Col 1, 24).
Para celebrarmos com verdade a Eucaristia, precisamos de fazer o que Jesus
fez. Ele “partiu o pão”, isto é, partiu-se a si mesmo, imolou-se para remissão dos nossos
pecados; “obedeceu até à morte” para proclamar que só Deus é Deus e que só Deus
basta. Entrega-se amorosa e confiadamente à vontade do Pai, dizendo: “Não quisestes
sacrifícios nem holocaustos… Eis que venho, ó Deus, para fazer a vossa vontade”… “Ecce
venio” (cf. Hebr 10,5-9).
O que Jesus entrega aos discípulos, para eles comerem, é o pão da sua obediência
e do seu amor ao Pai.

Tornar-se Eucaristia é tornar-se “pão puro” para Deus, é “partir-se”, é “entregar-


se”, é pôr de parte os projectos pessoais para, em completa disponibilidade, aceitar o
projecto de Deus; é tornar-se “pão bom” para os irmãos, pão que os irmãos possam
comer, ainda que não o façam do melhor modo, ainda que não agradeçam.
Lemos nas nossas Constituições: «Jesus submeteu-Se amorosamente à vontade
do Pai: disponibilidade particularmente manifesta na sua atenção e abertura às
necessidades e aspirações dos homens. "O meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que
Me enviou e realizar a sua obra" (Jo 4,34). Queremos, a seu exemplo, pela profissão da
obediência, fazer o sacrifício de nós mesmos a Deus e unir-nos, de uma maneira mais
firme, à sua vontade de salvação. "Vindo ao mundo, Cristo disse: não quiseste sacrifício
nem holocausto, mas fizeste-Me um corpo. Não Te agradavam nem holocaustos, nem
sacrifícios expiatórios pelos pecados. Então Eu disse: eis que venho… para fazer a tua
vontade… E é pela vontade de Deus que somos santificados, graças à oferta que, uma
vez por todas, Jesus Cristo fez no seu corpo" (Heb 10,5-7.10)» (n. 53).
A obediência é uma atitude fundamental, não só para os religiosos, mas para
todos os cristãos: ao dom divino da fé, responde-se com a obediência a Deus (Gn 12;
Rm 1,5; 16,26), através das mediações de que também se serve para nos comunicar a
sua vontade: a Palavra, a Igreja, as diversas autoridades…

2. “Tomai e comei”: União à oblação de Cristo… pelos homens

As palavras de Jesus, que o sacerdote pronuncia na consagração eucarística


“Tomai e comei: isto é o meu Corpo... Tomai e bebei, este é o cálice do meu sangue…”
têm um alcance eclesial e pessoal. É toda a Igreja que se oferece com Cristo; é cada
um dos cristãos que se oferece com Cristo. Somos, de facto, Corpo de Cristo. E Cristo
une-nos a Si na acção mais santa e sublime da História. Para Santo Agostinho, e para o

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 11


Vaticano II, a Eucaristia não é apenas acção de Cristo, mas também acção da Igreja. A
Igreja oferece Cristo ao Pai e, com Ele, oferece-se a si mesma (Eucar. Mysterium
13). Na Eucaristia somos oferentes e oferta. Cada um dos membros da Igreja é
sacerdote e vítima, tal como Cristo, salvaguardando sempre a doutrina sobre o
sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial.
No altar, há, pois, dois corpos: o corpo real (“nascido da virgem Maria,
ressuscitado e subido ao Céu”), mas também o Corpo místico, que é a Igreja,
inseparável da Cabeça. Não há confusão das duas presenças, mas nem sequer
separação. A oferta da Igreja, sem a de Cristo, não teria valor, não seria santa, nem
agradável a Deus, porque somos pecadores… Mas a oferta de Jesus, sem a da Igreja,
que é o Seu Corpo, seria incompleta, insuficiente, de tal modo que todos podemos dizer
como Paulo: “Completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo” (Col 1,24).
Porque há dois corpos, há duas epicleses: uma sobre o pão e o vinho, para
que tornem Corpo e Sangue de Jesus; outra sobre a Igreja reunida, para que se torne
Corpo místico de Cristo, cada vez mais profundamente, para que “cheios do Espírito
Santo, sejamos um só corpo e um só espírito” e nos tornemos “uma oferenda
permanente”, como rezamos na Oração Eucarística III, que verificamos ser uma
magnífica síntese litúrgica da nossa espiritualidade oblativa-reparadora.

3. “Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue”:


oblação total da vida e da morte

Estamos a ver como a espiritualidade dehoniana, uma espiritualidade oblativa-


reparadora, é profundamente eucarística, e não se funda numa qualquer devoção, mas
que se enquadra no que há de mais profundo no mistério da Igreja, no mistério
eucarístico.
Daqui derivam importantes consequências para a nossa vida que deve
efectivamente tornar-se uma missa permanente, uma eucaristia perene. A
Eucaristia que celebramos, comungamos e adoramos deve efectivamente reflectir-se em
tudo o que somos e vivemos para sermos fiéis ao nosso carisma (cf. Cst 81).
Há que oferecer o nosso corpo: a nossa vida, as nossas forças, as nossas
qualidades, o nosso tempo, os nossos dons, tudo aquilo que um corpo animado de
espírito pode fazer. Há que oferecer o nosso sangue: a nossa morte, tudo o que nos
mortifica, isto é, nos faz morrer pouco a pouco, por exemplo, o trabalho desgastante
pelo Evangelho e pelos irmãos, as humilhações, os insucessos, as doenças, os achaques
da velhice, as nossas limitações. Mas há também que oferecer os nossos
sentimentos, a nossa vontade, a nossa inteligência: “Transformai-vos renovando a
vossa mente”, diz-nos Paulo na Carta aos Romanos (12, 2).
Como seria bela a nossa vida de dehonianos se celebrássemos diariamente com
estes sentimentos a Eucaristia. Como seria bela e cheia de valor a vida dos cristãos, se
vivessem realmente a Eucaristia que celebram, comungam e adoram: a vida de uma
mãe, de uma dona de casa, esmigalhada em tantas pequenas coisas… A vida de um
operário desfeita num serviço por vezes rotineiro e escondido… A vida de uma
educadora, de um educador… A vida de um doente… de um idoso… Graças à Eucaristia
não há vidas inúteis, vidas perdidas… Todas se podem tornar “um sacrifício vivo» (Rm
12,1), uma Eucaristia, uma oblação unida à de Jesus. Que o Espírito nos faça
compreender esta espiritualidade para vivermos, no dia a dia, a Eucaristia que
celebramos.

12 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 13

Em virtude da sua íntima relação com o sacrifício do Gólgota, a Eucaristia é sacrifício em


sentido próprio, e não apenas em sentido genérico como se se tratasse simplesmente da
oferta de Cristo aos fiéis para seu alimento espiritual. Com efeito, o dom do seu amor e
da sua obediência até ao extremo de dar a vida (cf. Jo 10,17-18) é em primeiro lugar um
dom a seu Pai. Certamente, é um dom em nosso favor, antes em favor de toda a
humanidade (cf. Mt 26,28; Mc 14,24; Lc 22,20; Jo 10,15), mas primariamente um dom
ao Pai: «Sacrifício que o Pai aceitou, retribuindo esta doação total de seu Filho, que Se
fez “obediente até à morte” (Flp 2,8), com a sua doação paterna, ou seja, com o dom da
nova vida imortal na ressurreição».
Ao entregar à Igreja o seu sacrifício, Cristo quis também assumir o sacrifício espiritual da
Igreja, chamada por sua vez a oferecer-se a si própria juntamente com o sacrifício de
Cristo. Assim no-lo ensina o Concílio Vaticano II: «Pela participação no sacrifício
eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, [os fiéis] oferecem a Deus a
vítima divina e a si mesmos juntamente com ela».

Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p.486s

Associamo-nos com todo o nosso coração ao Sagrado Coração de Jesus que se oferece e
se imola ao seu Pai. De resto, o Sagrado Coração de Jesus não é outra coisa senão o
amor, a reparação e a acção de graças viventes e incarnadas. Esta associação faz-se de
um modo mais ou menos perfeito, conforme o queremos com mais ou menos força, mais
ou menos amor. Todo o nosso coração deveria abismar-se nesta união sacerdotal ao
Sagrado Coração de Jesus sacerdote e vítima. É o exercício mais sublime, mais fecundo,
o que nos subtrai mais a nós mesmos e às criaturas, e que obtém sempre o seu efeito,
desde que estejamos em estado de graça.
A união ao sacerdócio do Sagrado Coração de Jesus, a oferenda sacerdotal que d’Ele
fazemos, e de nós mesmos com Ele, se é feita com um amor real e uma grande
confiança, apaga no instante todos os nossos pecados veniais, porque é um acto de amor
perfeito; paralisa as nossas más disposições e dispõe-nos a prestar, de facto, uma
enorme glória, um enorme amor e uma eficacíssima reparação ao Sagrado Coração de
Jesus…
Ex opere operato, toda a Missa, mesmo que fosse celebrada por um padre indigno, é
essencialmente um acto infinito de amor, de reparação e de acção de graças da parte de
Nosso Senhor; mas quando nós nos associamos a estas disposições sacerdotais do
Sagrado Coração de Jesus através de um acto positivo e pessoal, obtemos, ex opere
operantis, graças incalculáveis destinadas a formar o Coração místico de Jesus na Igreja.
Eis como se faz, como dissemos, que a santa Missa seja a nossa devoção especial e o
nosso fundamento. Para tornar a nossa união bem real ao Coração sacerdotal de Jesus, é
necessário estarmos unidos a Ele pelo exercício da contemplação contínua.

PRECES

Irmãos e Irmãs:
Reunidos em nome do Senhor,
a reflectir sobre o mistério da Eucaristia,
oremos com toda a confiança ao Pai celeste, dizendo:

Nós vos rogamos, Senhor.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 13


1. Pelas Igrejas de todo o mundo,
que celebram a Eucaristia em memória de Jesus,
como Ele mandou fazer,
oremos, irmãos.

2. Pelos bispos, presbíteros e diáconos da Igreja,


que distribuem aos fiéis o pão do Céu,
e pelos cristãos que o recebem e dele vivem,
oremos, irmãos.

3. Pelos povos que não têm os bens de que precisam,


pelas organizações que socorrem os mais pobres
e pelos responsáveis pela economia mundial,
oremos, irmãos.

4. Por todos nós, que meditamos sobre o mistério da Eucaristia


para que façamos de nós mesmos corpo entregue e sangue derramado,
oferecendo a nossa vida e a nossa morte
para glória e alegria de Deus,
oremos, irmãos.

5. Por todos aqueles a quem Deus concede a graça


de compreenderem que o homem não vive só de pão,
mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus,
oremos irmãos.

Senhor, nosso Deus,


que nos reunistes para meditarmos sobre o mistério da Eucaristia,
concedei-nos que, unindo ao sacrifício de Cristo, teu Filho,
o que somos, temos, fazemos e sofremos,
façamos da nossa vida uma missa permanente.
Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amen.

CÂNTICO

Na hóstia sobre a patena


Vai o nosso coração,
A oferta da nossa vida,
Nosso ser em doação.

Aceitai-nos, Senhor,
Por Jesus, nosso irmão,
Imolado na Cruz,
No altar da redenção.

Nós somos a gota de água


Que se vai sobre o altar,
No sangue de Jesus Cristo
Como vinho transformar.

Misturado ao vosso Sangue


Vai nosso trabalho e dor
Matéria do sacrifício
Somos também nós, Senhor

(in Novo Cantemos Todos, n. 248)

14 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


3. UNIDOS À OBLAÇÃO DE CRISTO
PELA COMUNHÃO
(terça-feira)

CÂNTICO

Pai nosso que estais no céu,


Sempre louvado sejais
Pela santa Eucaristia,
Pão divino que nos dais.

Bendita, bendita seja


A divina Eucaristia
Que ilumina a Santa Igreja
Como o sol de cada dia.

Venha a nós o vosso Reino,


Enchei-nos da vossa luz
Pela santa Eucaristia
- Corpo e Sangue de Jesus.

(in Novo Cantemos Todos, n. 270)

BREVE LEITURA: João, 6, 54-58

Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e
Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira
comida e o meu sangue uma verdadeira bebida. Quem realmente come a minha
carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. Assim como o Pai que
me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por
mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados
comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.

TÓPICOS PARA A REFLEXÃO

1. “A Igreja vive da Eucaristia”


2. Comunhão na vida e na morte de Cristo
3. Com Cristo, um só espírito (cf. 1 Cor 6,17)
4. Comungar o corpo de Cristo que é a Igreja

Um ateu escreveu: «O homem é aquilo que come». Queria com isso dizer que, no
homem, tudo se resume à componente orgânica e material. Mas saiu-lhe da pena uma
bela definição para o mistério da comunhão eucarística. Graças à comunhão eucarística,
o cristão torna-se aquilo que come, ou, mais precisamente, torna-se Aquele que come.
Já o ensinava S. Leão Magno: “A nossa participação no corpo e no sangue de Cristo
não tende a outra coisa senão a tornar-nos aquilo que comemos” (Sermão 12,
sobre a Paixão 3, 7), portanto, a tornar-nos Cristo, Corpo de Cristo.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 15


1. A Igreja vive da Eucaristia

«A Igreja vive da Eucaristia» afirma João Paulo II, em recente encíclica. Jesus já o
tinha dito: «Quem me come viverá por mim” (Jo 6,57). A preposição “por” pode indicar
“finalidade” (vive para mim, em vista de mim, do meu reino), ou “proveniência” (vive de
mim, com a vida que recebe de mim…).
Os Padres explicavam este mistério servindo-se do exemplo da alimentação,
segundo os conceitos do seu tempo. Diziam: é o princípio vital mais forte que assimila o
mais fraco, e não o contrário; o vegetal assimila o mineral, o animal assimila o vegetal, o
espiritual assimila o material. Assim, aquele que se aproxima de Jesus não O assimila,
mas é assimilado por Ele. É incorporado mais profundamente em Cristo. Passa a viver
d’Ele, com a vida que recebe d’Ele. Assim, torna-se semelhante a Ele: semelhante nos
sentimentos, nos desejos, no modo de pensar, nos ideais, nas preocupações, no modo de
viver. Graças à comunhão, podemos realizar o desejo de Paulo: “Irmãos, tende em vós
os mesmos sentimentos que estavam em Cristo Jesus...” (Fil 2, 5).

2. Comunhão na vida e na morte de Cristo

Na comunhão, comungamos no “Corpo” e comungamos no “Sangue” de Cristo (cf.


1 Cor 10,16). Comungamos no Cristo Todo, na sua vida e na sua morte. Pela
Eucaristia, podemos aproximar-nos dos vários momentos e mistérios da vida e da morte
do Senhor (do Senhor que reza, que trabalha, que prega, que se compadece das
pessoas, que sofre, que morre por nosso amor); podemos aproximar-nos da sua
Ressurreição gloriosa. E tudo isto não é ficção, porque Jesus continua a existir, está vivo,
não já segundo a carne, mas segundo o espírito, que é um Espírito eterno. A comunhão é
o mais excelente meio para vivermos a “união a Cristo”, o caminho espiritual escolhido
por Leão Dehon.

3. Com Cristo, um só espírito (cf. 1 Cor 6,17)

A união a Cristo, na comunhão, é tão maravilhosa que não há expressão humana


adequada para o dizer. Os Padres da Igreja, nomeadamente S. Cirilo de Jerusalém,
dizem que nos tornamos concorpóreos e consanguíneos com o Senhor (cf. Cat.
Mistagógicas IV,3; PG 33,1100). Santo Agostinho escreve: “Alegremo-nos e demos
graças a Deus. Não só nos tornámos cristãos, mas tornámo-nos uma só coisa
com Jesus, uma só família, um só corpo com Ele. Cristo é a Cabeça e nós os
membros. Compreendeis, irmãos? Dais-vos conta do infinito amor de Deus por
nós? Admirai-vos, alegrai-vos: tornámo-nos Jesus!”
Jesus usa a imagem da videira e das varas; S. Paulo usa a imagem do corpo ou a
da união esponsal. Mas a realidade da união do fiel com Cristo, realizada no Baptismo e
consumada na comunhão eucarística, é mais profunda. S. Paulo diz que “quem se une ao
Senhor forma com Ele um só Espírito” (1 Cor 6,17). O Espírito dá-nos Jesus na
consagração… Jesus dá o Seu Espírito, torna-nos participantes da sua unção espiritual,
na comunhão.
Mas, na comunhão eucarística, também nos unimos ao Pai. Unindo-nos ao Filho,
unimo-nos ao Pai: o Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma única e inseparável natureza
divina. São “uma só coisa” (cf. Jo 17,21).

4. Comungar o corpo de Cristo que é a Igreja

Mas a comunhão eucarística não realiza só a nossa união com a Trindade, só uma
união vertical. Realiza a união entre nós, uma união horizontal, com os irmãos: “Porque
há um só pão, nós, embora sejamos muitos, somos um só Corpo” (cf. 1 Cor 10,16-17).

16 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


Diz Santo Agostinho: “Tendo sofrido a Paixão, o Senhor entregou-nos, neste
sacramento, o seu corpo e o seu sangue, para que, também nós, nos
tornássemos essas coisas. Assim também nós somos o seu corpo, sendo o que
recebemos”. E o Santo Doutor lembra as vicissitudes por que passa o trigo para se
tornar pão. E recorda as várias fases porque passam os cristãos para o serem:
catecúmenos, moídos com jejuns e exorcismos, amassados na água do baptismo, cozidos
no fogo do Espírito. Assim se tornam pão do Senhor.
O Corpo de Cristo, que é a Igreja, formou-se de modo semelhante ao pão
eucarístico: passou por várias vicissitudes. O pão realiza a unidade dos membros,
significando-a. Na comunhão “a unidade do Povo de Deus é adequadamente
expressa e admiravelmente produzida” (LG 11). O que o pão e o vinho expressam, é
realizado, no plano interior e espiritual, pelo sacramento. É realizado não de modo
automático, mas com a nossa colaboração, com o nosso compromisso. Daí que, se me
aproximo da Eucaristia, não posso afastar-me, desinteressar-me, recusar o irmão. Se
digo “amen” ao verdadeiro corpo de Cristo, nascido de Maria, tenho que dizer “amen”
ao Corpo místico que é a Igreja, e a cada um dos irmãos, membros da mesma Igreja.

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 24

O dom de Cristo e do seu Espírito, que recebemos na comunhão eucarística, realiza plena
e sobreabundantemente os anseios de unidade fraterna que vivem no coração humano e
ao mesmo tempo eleva esta experiência de fraternidade, que é a participação comum na
mesma mesa eucarística, a níveis que estão muito acima da mera experiência dum
banquete humano. Pela comunhão do corpo de Cristo, a Igreja consegue cada vez mais
profundamente ser, «em Cristo, como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da
íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano».

Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 421s

A comunhão é uma extensão da Incarnação.


Em que consiste propriamente este mistério inefável (da Incarnação)? É que o homem se
torna Deus pela união hipostática da natureza divina à natureza humana. Ora, não
convinha que o Verbo se incarnasse em cada um de nós. E todavia o Coração de Jesus,
tão ávido de se dar, dizia para Si mesmo: Entre todos os meus tesouros, há um, o mais
precioso de todos, a minha divindade, que se torna inacessível aos meus irmãos e aos
meus amigos; não gozam como Eu da união hipostática. Ora bem! Eis o que farei: dar-
lhes-ei a minha carne que é a vida do mundo, inebriá-los-ei com o meu sangue, no seu
coração colocarei o meu Coração e então a minha divindade unir-se-á a eles de um modo
muito especial, embora não hipostático, dado que não o é por natureza. É assim que a
divina Eucaristia, por meio da santa comunhão, nos faz entrar no mistério mesmo da
Incarnação, e estende-o a todos os filhos de Adão que quiserem pôr-se em estado de
dele aproveitar. Que há de maior? Que há de mais belo? Que há de mais terno e de mais
generoso!
Associar-nos à divindade unindo-nos à humanidade santa de Jesus, ao seu Coração
divino; tal é então o fim da santa Comunhão, e é assim que este Coração amante não se
contenta com a qualidade de irmão, de amigo, ou de pai, mas torna-se o esposo das
nossas almas e do nosso coração mesmo. «A minha carne, diz, é verdadeiramente uma
comida, e o meu sangue verdadeiramente uma bebida». Comer Deus, dessedentar-se de
Deus, incorporar-se em Jesus Cristo, não fazer senão uma só coisa com Ele, oh! Que
glorioso privilégio! E quanto a incarnação eucarística é um complemento maravilhoso da
primeira Incarnação.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 17


Todos os autores místicos descrevem muito longamente os efeitos maravilhosos da santa
Comunhão. Faltar-nos-ia o tempo para os analisar, mas nós encontramos tudo e muito
mais nesta magnífica síntese: A divina Eucaristia não é outra coisa senão a Incarnação
aplicada a cada um de nós.

PRECES

Irmãs e irmãos:
todos nós que temos por alimento espiritual
o mesmo Pão descido do Céu,
imploremos, numa só voz, o Senhor Jesus Cristo,
dizendo:

Cristo, tende piedade de nós.

1. Pelos fiéis e pelos ministros que os servem,


para que, ao celebrarem a Eucaristia,
aprendam a oferecer-se a si mesmos,
oremos, irmãos.

2. Pela justiça e paz em todo o mundo,


para que os cristãos, fortalecidos pela Eucaristia,
trabalhem pela concórdia entre os homens,
oremos, irmãos.

3. Por todos quantos comungam o Corpo e o Sangue de Cristo


para que, unindo-se intimamente ao Senhor,
construam aquela unidade do Povo de Deus
que a comunhão eucarística expressa e admiravelmente produz,
oremos, irmãos.

4. Pelas necessidades de todos os homens,


para que Jesus lhes dê remédio com a sua misericórdia,
e os mais infelizes encontrem quem os acolha com amizade,
oremos, irmãos.

5. Pelos pobres e aflitos e pelos que sofrem,


para que encontrem junto de si quem os console
e os faça participar dos seus próprios bens,
oremos, irmãos.

Senhor Jesus Cristo,


que alimentais continuamente a Igreja
com o mistério do vosso Corpo e Sangue,
concedei-nos a graça de encontrar a verdadeira alegria,
a fraternidade e a paz
na riqueza infinita dos vossos dons.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
Ámen.

18 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


CÂNTICO FINAL:

Quem comer deste Pão


E beber deste vinho,
Viverá para sempre.

1. Disse Jesus: Eu sou o Pão vivo


Que desceu do céu para vida do mundo.

2. A minha carne é verdadeira comida,


O meu sangue é verdadeira bebida.

3. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue,


Permanece em mim e Eu nele.

4. Assim como Eu vivo pelo Pai que é a Vida,


Quem me come, viverá por mim.

(in Novo Cantemos Todos, n. 272)

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 19


4. UNIDOS À OBLAÇÃO DE CRISTO
PELA ADORAÇÃO EUCARÍSTICA
(quarta-feira)

CÂNTICO

Louvado seja o bom Jesus, Nosso Senhor,


Qu’está na Santa Eucaristia
Pelo seu infinito amor.
Louvado seja!

Louvado seja o bom Jesus, meu Redentor,


Que veio ao mundo e se fez homem,
P’ra me salvar com sua dor.
Louvado seja!

Louvado seja no esplendor da sua luz


No Céu, um dia, com os Anjos,
Diremos sempre ao Bom Jesus:
Louvado seja!

(in Novo Cantemos Todos, n. 695)

BREVE LEITURA: Apocalipse 5, 11-12

Na visão, ouvi a voz de uma multidão angélica, à volta do trono, dos seres
viventes e dos anciãos; o seu número era de miríades de miríades, milhares de
milhares e cantavam com voz forte: «O Cordeiro que foi imolado é digno de
receber o poder e a riqueza, a sabedoria a força, a honra, a glória e o louvor.»

TÓPICOS PARA A REFLEXÃO

1. A contemplação e vida cristã


2. Fazer memória de Jesus
3. “Hão-de olhar Aquele que trespassaram”

«Na adoração, intimamente ligada à celebração eucarística, meditamos nas


riquezas desse mistério da nossa fé, a fim de que a carne e o sangue de Cristo, alimento
de vida eterna, transformem mais profundamente as nossas vidas."Quem come a minha
carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Pois a
minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a
minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele" (Jo 6,54-56).
Correspondemos, assim, a uma exigência da nossa vocação reparadora. Na adoração
eucarística, queremos aprofundar a nossa união ao sacrifício de Cristo para a
reconciliação dos homens com Deus» (Cst 83).
A Eucaristia, celebrada, comungada, adorada, contemplada, imitada, é o
sacramento do Amor, da Caridade, o sacramento, por excelência, da união a Cristo e à
sua oblação reparadora.
Vamos, hoje, meditar na Eucaristia como mistério a contemplar, a adorar para nos
enchermos de caridade e sermos saciados na plenitude de Deus.

20 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


A adoração eucarística é, por vontade do Pe. Dehon, a nossa primeira opção
apostólica da Congregação. Os que querem partilhar da sua espiritualidade não podem
deixar de ter em grande conta a adoração do Senhor, presente na Eucaristia.

1. A contemplação e vida cristã

A adoração eucarística é, sobretudo, contemplação, tempo silencioso e gratuito,


na presença d’Aquele que sabemos que nos ama e queremos amar. Não devemos, pois,
encher a adoração eucarística de muitas leituras, muitos cânticos, muitas orações. Só o
necessário para nos ajudar a contemplar, a estarmos diante de Jesus, recolhidos,
experimentando a sua presença, deixando-nos iluminar e aquecer por Ele, tal como as
plantas verdes diante do sol. Assim nos encheremos da sua energia divina, do seu
Espírito, que nos faz viver e actuar com Ele e como Ele, em favor da Igreja e do mundo.
Não basta comer o corpo de Cristo e beber o seu sangue para nos tornarmos
semelhantes a Ele. É preciso contemplar o mistério. Mais importante do que recebê-lo no
corpo é recebê-lo na mente, no coração. E isso faz-se por meio da contemplação. Já
Santo Agostinho escreveu que Maria recebeu Jesus na mente, antes de O receber no
corpo: concebeu-O primeiro na mente do que no corpo (prius concepit mente quam
corpore). E acrescenta que de nada teria servido recebê-lo no corpo se, antes, O não
recebesse com amor no coração (cf. De S. virg. 3; PL 40,398). Depois da Encarnação,
Maria estava cheia de Jesus, não só no seu corpo, mas também no seu espírito. Estava
cheia de Jesus porque esperava Jesus, pensava em Jesus, amava Jesus… como qualquer
mãe que espera um filho. Lucas diz-nos isso claramente quando afirma: “Maria
conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (2,19). Maria é perfeito
modelo de contemplação eucarística.
Se bastasse recebermos Jesus no corpo, já seríamos grandes santos, pois já
fizemos milhares de comunhões. O problema é que, muitas vezes, O recebemos no
corpo, mas o nosso espírito está ausente. Muita gente tocava em Jesus, mas só a mulher
que sofria com um fluxo de sangue ficou curada, porque só ela O tocou com fé (Lc 8,43;
cf. Mt 9,18-26; Mc 5,21-43). Há que receber o Senhor com fé e pensar n’Ele, olhar para
Ele, contemplá-l’O, lembrar-se d’Ele, fazer memória d’Ele e de tudo quanto fez por nosso
amor…

2. Fazer memória de Jesus

A Eucaristia serve para fazermos memória de Jesus, para nos recordarmos d’Ele,
e de tudo quanto fez por nós. “Recordar” é a palavra-chave. “Re-cordar” é fazer voltar
ao coração. Não é, pois, só uma actividade da inteligência. É, sobretudo, uma actividade
do coração. É pensar com amor…
A contemplação eucarística, feita na adoração, permite-nos ter em nós “os
sentimentos que estavam em Cristo Jesus” (Fil 2,5), permite-nos “pensar segundo Deus,
e não segundo os homens” (cf. Mt 16,23), e torna “puro” o nosso coração. O que, de
facto, nos torna impuros é a busca de nós mesmos, da nossa glória. Mas o homem que
contempla a Deus, volta as costas a si mesmo, esquece-se de si. Quem contempla, não
se contempla.
Assiste-se ao renascimento da adoração eucarística. Os cristãos voltam a gostar
de estar diante de Jesus, como Maria de Betânia (Lc 10,39). É à volta do “Corpo real”,
que é a Eucaristia, que redescobrimos e aprofundamos a realidade do Corpo Místico,
que é a Igreja.
Estando silenciosos e calmos diante do Senhor, presente na Eucaristia,
percebemos os seus desejos a nosso respeito, depomos a seus pés os nossos projectos e
aceitamos os d’Ele. A sua luz penetra o nosso coração e cura-o. As almas eucarísticas,
contemplando o “sol da Justiça”, Cristo Nosso Senhor, fixam o seu Espírito e
transmitem-no a toda a grande árvore que é a Igreja, tornam-se servidores do Reino do

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 21


«amor e da justiça» entre os homens, como foi Leão Dehon, e nos recomendou que
fôssemos. Por isso é que a adoração eucarística é a primeira opção apostólica da
Congregação. É o grande apostolado que todos podem fazer, mesmo quando lhes
faltarem as forças para outros serviços apostólicos, mesmo quando estiverem limitados
pela doença ou pelos anos. É o apostolado que todo o cristão pode fazer, mesmo sem
grande preparação teológica e pastoral, mesmo quando é mais prudente estar calado que
falar…

3. “Hão-de olhar Aquele que trespassaram”

Contemplar é fixar-nos intuitivamente sobre a realidade divina, que pode ser o


próprio Deus, um seu atributo, ou um mistério da vida de Cristo. É fruir da sua presença.
Contemplar a Eucaristia é fixar-nos intuitivamente sobre naquilo que ela é para nós:
presença do Senhor Ressuscitado e fruir, gozar, essa presença. Enquanto na meditação
prevalece a busca da verdade, na contemplação prevalece o gozo da Verdade
encontrada.
A contemplação eucarística é realização da profecia “Hão-de olhar para aquele que
transpassaram” ou «n’Aquele que trespassaram» (Videbunt in quem transfixerunt) (Jo
19,37). Mas é, por sua vez, profecia daquilo que um dia faremos no Céu, quando nos
juntarmos à grande liturgia celebrada pelos redimidos à volta do trono do Cordeiro, como
nos descreve o Apocalipse (Apoc 5).
Quando descia do monte Sinai, Moisés trazia o rosto radiante de luz, porque tinha
conversado com Deus, como com um amigo, frente a frente, “boca a boca” segundo a
expressão do livro do Êxodo (cf. Ex 33,11). Moisés não se dava conta desse brilho. Mas
ele era real… Também nós, depois da adoração, talvez não nos demos conta disso, mas
voltamos para junto dos irmãos com o rosto tornado brilhante, porque contemplámos o
Senhor. E será esse o mais belo testemunho que lhe podemos dar ao nosso mundo
materialista e consumista, mas com uma grande ânsia de encontrar a Deus.

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucaristia, n. 25

O culto prestado à Eucaristia fora da Missa é de um valor inestimável na vida da Igreja, e


está ligado intimamente com a celebração do sacrifício eucarístico. A presença de Cristo
nas hóstias consagradas que se conservam após a Missa – presença essa que perdura
enquanto subsistirem as espécies do pão do vinho – resulta da celebração da Eucaristia e
destina-se à comunhão, sacramental e espiritual. Compete aos Pastores, inclusive pelo
testemunho pessoal, estimular o culto eucarístico, de modo particular as exposições do
Santíssimo Sacramento e também as visitas de adoração a Cristo presente sob as
espécies eucarísticas.
É bom demorar-se com Ele e, inclinado sobre o seu peito como o discípulo predilecto (cf.
Jo 13,25), deixar-se tocar pelo amor infinito do seu coração. Se actualmente o
cristianismo se deve caracterizar sobretudo pela «arte da oração», como não sentir de
novo a necessidade de permanecer longamente, em diálogo espiritual, adoração
silenciosa, atitude de amor, diante de Cristo presente no Santíssimo Sacramento?
Quantas vezes, meus queridos irmãos e irmãs, fiz esta experiência, recebendo dela força,
consolação, apoio!
Desta prática, muitas vezes louvada e recomendada pelo Magistério, deram-nos exemplo
numerosos Santos. De modo particular, distinguiu-se nisto S. Afonso Maria de Ligório,
que escrevia: «A devoção de adorar Jesus sacramentado é, depois dos sacramentos, a
primeira de todas as devoções, a mais agradável a Deus e a mais útil para nós». A
Eucaristia é um tesouro inestimável: não só a sua celebração, mas também o

22 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


permanecer diante dela fora da Missa permite-nos beber na própria fonte da graça. Uma
comunidade cristã que queira contemplar melhor o rosto de Cristo, … não pode deixar de
desenvolver também este aspecto do culto eucarístico, no qual perduram e se
multiplicam os frutos da comunhão do corpo e sangue do Senhor».

Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 487s

A adoração do Sagrado Coração de Jesus no seu Sacramento exposto é também um dos


principais exercícios de reparação. No nosso tempo, o Espírito Santo impele com uma
força toda divina a Igreja a tomar frequentemente como objecto de contemplação o
Santíssimo Sacramento exposto sobre os nossos tabernáculos. (…)
As exposições do Santo Sacramento multiplicaram-se ao infinito. Vários institutos
religiosos têm o Santo Sacramento exposto todos os dias; outros, todas as semanas. A
divina vítima é o objecto das suas contemplações mais frequentes.
Para os amigos do Sagrado Coração de Jesus, não esquecem de O contemplar sobretudo
na humanidade santa do Salvador, a fonte e o fundamento de todo o resto, o amor, o
Coração mesmo de Jesus. Não há, depois da santa Missa, exercício que o supere em
mérito e em eficácia.
No Santíssimo Sacramento, a oração do Coração de Jesus, esta oração que é toda amor,
reparação, acção de graças, dura sempre, ardente, abrasadora, toda-poderosa, capaz de
tudo reparar. Saibamos portanto unir-nos a ela, tomá-la, colocá-la no nosso coração,
para que viva desta vida de amor e de imolação, e que nela se consuma como a lâmpada
do santuário.
Tais são os sentimentos que nos devem inspirar, quando nos apresentamos à adoração
do Sagrado Coração de Jesus no Santo Sacramento.
A nossa adoração não reclama sempre muitas palavras; há também momentos de
silêncio que são eloquentes por si mesmos. Nada de mais belo e de mais tocante do que
a união a este Coração sempre silencioso e sempre actuante por nós. Santo Afonso de
Ligório diz que esta oração do divino Sacramento produz às vezes graças sensíveis como
própria sagrada Comunhão. Nesta adoração, é o amigo que fala ao seu amigo sobre os
interesses do seu amor e da sua glória.
Enfim, não nos podemos esquecer que esta devoção ao Sagrado Coração de Jesus
nasceu no meio de uma adoração ao Santíssimo Sacramento. É por meio deste exercício
que ela se espalhará, se fortificará e se tornará o órgão todo-poderoso do amor, da
reparação e da acção de graças.

PRECES

Irmãs e irmãos:
Cristo quis permanecer connosco
no sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue.
Invoquemo-l’O dizendo:

Cristo, Pão do Céu, dai-nos a vida eterna.

1. Para que Cristo, Filho de Deus vivo,


que nos mandou celebrar a Eucaristia em sua memória,
enriqueça sempre a Igreja com os seus dons,
oremos, irmãos.

2. Para que Cristo, sacerdote único do Altíssimo,


que aos sacerdotes confiou a oblação da Eucaristia,
faça que eles vivam o que sacramentalmente celebram,
oremos, irmãos.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 23


3. Para que a Santíssima Eucaristia,
adorada em nossos tabernáculos,
seja o sol que nos alumia e fortalece,
oremos, irmãos.

4. Para que Cristo, médico celeste,


que no Pão da vida nos dá um remédio de imortalidade,
restitua a saúde aos doentes e a esperança aos pecadores,
oremos ao Senhor.

5. Para que Cristo, maná descido do Céu,


e presente no sacramento da Eucaristia,
faça de todos os que participam do mesmo pão um só corpo
e confirme na paz e na concórdia os que n’Ele acreditam,
oremos, irmãos.

Fazei, Senhor Jesus Cristo,


que o sacramento pelo qual nos renovais
encha o nosso coração
com a suavidade do vosso amor
e nos leve a desejar os bens do alto.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
Ámen.

Cântico final

Ó Sagrado Banquete
Em que se recebe Cristo
E se comemora a sua Paixão,
Em que a alma se enche de graça
E nos é dado o penhor
Da futura glória.

1. Louvarei o Senhor de todo o coração,


no conselho dos justos e na assembleia.

2. Grandes são as obras do Senhor,


admiráveis para os que nelas meditam.

3. Instituiu um memorial das suas maravilhas,


o Senhor é misericordioso e compassivo.

(in Novo Cantemos Todos, n. 266)

24 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


5. UNIDOS À OBLAÇÃO DE CRISTO
PELO SERVIÇO AOS IRMÃOS
(quinta-feira)

CÂNTICO

Dou-vos um mandamento novo,


Dou-vos um mandamento novo,
Que vos ameis uns aos outros
Como Eu vos amei.

Quando todos vos amardes como irmãos,


Tereis força para vencer a opressão.
Quando todos procurardes a justiça,
Dais ao mundo a conhecer o Evangelho.

(in Novo Cantemos Todos, n. 739)

BREVE LEITURA: João 13,12-15

Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à
mesa e disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o
Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os
pés, também vós vos deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos
exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também».

TÓPICOS PARA A REFLEXÃO

1. O mistério do lava-pés
2. O espírito de serviço
3. O serviço do Espírito

É curioso que S. João, ao falar da Última Ceia, não faça qualquer referência à
instituição da Eucaristia, mas se detenha a descrever o episódio do lava-pés. Porquê?
São várias as respostas possíveis. Uma resposta bastante provável parece ser aquela diz
que o Apóstolo e Evangelista não terá necessidade de lembrar o que toda a Igreja já
sabia e praticava: a celebração da Eucaristia. Mas achou importante lembrar as
consequências sociais dessa celebração, as exigências de tal rito para a vida da Igreja.

1. O mistério do lava-pés

De facto, o lava-pés é um gesto que esconde um mistério que vai muito para
além do facto contingente. “Dei-vos o exemplo” – diz Jesus. Exemplo de como se devem
lavar os pés? Muito mais do que isso, esclarece S. João: “Ele deu a sua vida por nós;
também nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1 Jo 3,16). É disso que Jesus nos dá
exemplo. É isso que devemos imitar.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 25


2. O espírito de serviço

Jesus dá-nos exemplo de uma vida gasta pelos outros, ao serviço dos outros.
“Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,19): com estas palavras, Jesus institui na Igreja
a Diaconia, o serviço, elevando-o a lei fundamental, ou melhor, a um estilo de vida e a
um modelo de todas as relações na Igreja. Pedro, a princípio não compreendeu. Por isso,
não queria que Jesus lhe lavasse os pés. Compreendeu-o depois da Páscoa.
Compreendeu-o toda Igreja que jamais deixou de inculcar o espírito de serviço aos seus
membros. Paulo, ao traçar o perfil da viúva ideal, aponta o lava-pés como critério de
qualificação: “Tenha lava os pés aos santos...” (1 Tim 5,10). A doutrina dos carismas é
toda orientada para o serviço. Paulo afirma que toda a “manifestação particular” do
Espírito é para “utilidade comum” (1 Cor 12,7) e que os carismas são distribuídos “para
tornar os irmãos idóneos para o serviço” (diaconia) (Ef 4,12). Pedro recomenda: “Cada
um viva segundo a graça (o carisma) recebida, pondo-a ao serviço (diaconia) dos outros”
(1 Pe 4,10).
Carisma, ministério, serviço, aparecem sempre ligados entre si; o carisma que se
não torne serviço é um talento enterrado, que se transforma em título de condenação
(cf. Mt 25,25). A Igreja é carismática para servir.

O serviço, para ser evangélico, precisa de ser feito com as atitudes e com os
sentimentos de Jesus. Há muitos serviços na sociedade de que fazemos parte, no país,
no mundo… Mas não são todos evangélicos só por serem serviços. São evangélicos, ou
segundo o Evangelho, aqueles que são prestados com os sentimentos de Jesus.
A propósito do lava-pés, João escreve: “Tendo amado os seus que estavam no
mundo, amou-os até ao fim” (13,1). E vem a descrição do lava-pés. O serviço
evangélico, a diaconia, brota da caridade, é a manifestação mais clara da ágape. Servir é
amar, não com palavras nem com a língua. O serviço feito por amor “não busca o próprio
interesse” (1 Cor 13,5), mas o daqueles que serve. O serviço evangélico é imitação do
agir de Deus que, sendo “o Bem, o Sumo Bem”, na expressão de S. Francisco, não pode
senão amar e beneficiar gratuitamente, sem qualquer interesse…
A gratuidade é, pois, uma característica do serviço evangélico. Mas há outra: a
humildade. Jesus dá exemplo de um serviço feito por amor e com humildade. Lavar os
pés era um serviço humilde, próprio dos servos, dos escravos… “Deveis lavar os pés uns
dos outros” (Jo 13,14), diz-nos Jesus: quer dizer, deveis prestar-vos uns aos outros os
serviços de uma caridade humilde. Caridade e humildade, conjuntamente, formam o
serviço evangélico.
Toda a existência de Jesus foi caracterizada pelo serviço de Deus e dos homens,
feito por amor, feito com humildade. Jesus é, na verdade, o Servo de Deus e dos
homens. É o que significa o episódio do lava-pés; é o que canta S. Paulo na Carta aos
Filipenses (2,1ss). Da Encarnação ao lava-pés, Jesus não fez outra coisa que, por amor e
para servir o homem, aniquilar-se, humilhar-se: “O Criador colocou-Se de joelhos
perante a criatura! Envergonha-te soberba cinza: Deus abaixa-se e tu exaltas-te!” –
exclama S. Bernardo ao meditar no mistério do lava-pés.

3. O Serviço do Espírito

Celebrar, com verdade, a Eucaristia é dispor-se a viver o mistério de Cristo que,


por amor e com humildade, serve a Deus e ao homem. No fim de cada missa, Jesus pode
dizer-nos o que disse ao fariseu depois de contar a parábola do Bom Samaritano: “Vai e
faz também tu o mesmo” (Lc 10,37): «Fiz-me Eucaristia para glória e alegria do Pai e
para salvação dos irmãos; Vai e faz também tu o mesmo!»
Ainda na Última Ceia, depois do lava-pés, Jesus disse aos discípulos: “Sabendo
estas coisas, sereis felizes se as puserdes em prática” (Jo 13,17).

26 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


A contemplação deste mistério deve levar-nos a uma revisão corajosa de toda a
nossa vida (serviços que aceitamos ou recusamos, que fazemos de melhor ou pior
vontade, costumes, horários de trabalho, distribuição e emprego do tempo) para
verificarmos se ela é realmente serviço a Deus e aos outros, e se nesse serviço há amor
e humildade. Não servimos com amor e humildade:

- quando actuamos com qualquer espécie de interesse pessoal...


- quando tocamos a trombeta para dar nas vistas...
- quando as nossas obras se tornam pedestal, donde nos recusamos a sair, às
vezes com “piedosos” pretextos...

O Evangelho é muito exigente:

- “Não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita” (Mt 6,3);
- Tudo o que fizerdes “para ser vistos pelos homens” é coisa perdida (cf Mt 6,1;
23,5);
- “Cristo não procurou satisfazer a Si mesmo” (Rom 15,3).

Para terminar, cito uma palavra do Pe. Dehon no Directório Espiritual: “Amemo-
nos como Jesus nos amou, isto é, com generosidade, com fidelidade e
desinteressadamente, até ao sacrifício da vida” (DSP, ed. portuguesa, n. 162).

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Mane nobiscum Domine, n. 27

A eucaristia não é expressão de comunhão apenas na vida da Igreja; é também projecto


de solidariedade em prol da humanidade inteira. A Igreja renova continuamente na
celebração eucarística a sua consciência de ser «sinal e instrumento» não só da íntima
união com Deus mas também da unidade de todo o género humano»… O cristão que
participa na Eucaristia, dela aprende a tornar-se promotor de comunhão, de paz, de
solidariedade, em todas as circunstâncias da vida. A imagem lacerada do nosso mundo,
que começou o novo milénio com o espectro do terrorismo e a tragédia da guerra,
desafia ainda mais fortemente os cristãos a viverem a Eucaristia como uma grande
escola de paz, onde se formem homens e mulheres que, a vários níveis de
responsabilidade na vida social, cultural, política, se fazem tecedores de diálogo e de
comunhão.

Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 513

A caridade mútua deve também informar a nossa vida, tal como a levamos com os
nossos irmãos. Recordemo-nos das palavras do Senhor: «Dou-vos um mandamento
novo, que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Todos conhecerão que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns para com os outros!» Ah! Amando-nos ternamente,
amamos o Sagrado Coração de Jesus que vive em nós. Também que este amor seja
totalmente sobrenatural! Amamo-nos a fim de que o Sagrado Coração de Jesus, vivendo
em nós, viva também em todos os seus membros.
Entre nós, o egoísmo não deve existir; tudo deve ser amor e dilecção, porque nos
devemos esquecer de nós mesmos para não vivermos senão pelo Coração de Jesus, e o
Coração de Jesus não é senão suavidade e misericórdia. Com a caridade bem
estabelecida nos nossos corações, não pensaremos senão numa coisa: expandirmo-nos
em perfumes de gratidão e de acção de graças. Todo o nosso desejo será de nos
tornarmos a Eucaristia vivente do Sagrado Coração de Jesus, como este divino Coração é
a nossa.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 27


PRECES

Irmãs e irmãos:
Elevemos as nossas súplicas para Jesus,
que lavou os pés aos Apóstolos
e nos deu o sacerdócio, a Eucaristia e a diaconia,
dizendo com toda a confiança:

Cristo, ouvi-nos. Cristo, atendei-nos.

1. Pelas Igrejas fundadas pelos Apóstolos


e pelas comunidades locais que lhes sucederam,
para que celebrem santamente a Eucaristia,
oremos, irmãos.

2. Pelo Papa…, pelos bispos, presbíteros e diáconos,


escolhidos para o sacerdócio e para o serviço,
para que façam o que Jesus fez aos seus discípulos,
oremos, irmãos.

3. Por todos quantos celebramos a Eucaristia,


para que imitemos Jesus nas palavras e nas obras,
servindo com amor e humildade os irmãos,
oremos, irmãos.

4. Por todos os que vivem sem amor,


abandonados, esquecidos e rejeitados,
para que encontrem o carinho que lhes falta,
oremos, irmãos.

5. Pelos jovens das nossas comunidades


para que estejam atentos ao chamamento
para o ministério sacerdotal
e respondam com generosidade e alegria,
oremos, irmãos.

Senhor Jesus Cristo,


que nos deixastes em herança a Eucaristia
e, com ela, o mandamento novo do amor,
dai-nos a graça de, ao celebrar o sacramento,
cumprirmos fielmente o que nos mandais,
amando e servindo os nossos irmãos.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
Ámen.

CÂNTICO FINAL

Se vos amardes uns aos outros, Deus permanece em vós (bis)

1. Este é o meu mandamento: amai-vos como Eu vos amei.

2. Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos amigos.

3. Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que vos mando.

(in Novo Cantemos Todos, n. 274)

28 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


6. O MISTÉRIO DA PRESENÇA REAL
DO SENHOR NA EUCARISTIA
(sexta-feira)

CÂNTICO

Veneremos, adoremos
A presença do Senhor,
Nossa luz e Pão da Vida,
A presença do Senhor;
Cante a alma o seu louvor!
Adoremos o Sacrário,
Adoremos no sacrário
Deus oculto por amor.

Demos glória ao Pai do Céu,


Infinita majestade;
Glória ao Filho e ao Santo Espírito,
Infinita majestade,
Em espírito e verdade
Veneremos, adoremos,
Veneremos, adoremos
A Santíssima Trindade.

(in Novo Cantemos Todos, n. 134, estrofes 5 e 6).

BREVE LEITURA: Apocalipse 21, 3

Ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia: «Esta é a morada de Deus entre
os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e o próprio Deus estará
com eles e será o seu Deus.

TÓPICOS PARA A REFLEXÃO

1. “Eis a morada de Deus entre os homens”


2. Uma presença real, mas escondida
3. A nossa resposta à presença real

Reflectimos sobre a Eucaristia presente ao longo de toda a história da salvação.


Vimos como ela nos une a Cristo, nos transforma n’Ele pela consagração, pela
comunhão, pela contemplação e pela imitação, fazendo de nós «uma Missa
permanente». Vamos agora olhar a Eucaristia no presente e no futuro. Começamos pelo
presente.

1. “Eis a morada de Deus entre os homens”

S. Mateus conta-nos aquele episódio em que alguns doutores da Lei e fariseus lhe
pediam um sinal feito para crerem n’Ele. Jesus responde-lhes que não terão outro sinal,
a não ser o do profeta Jonas: «Como Jonas esteve no ventre do monstro marinho, três
dias e três noites, assim o Filho do Homem estará no seio da terra, três dias e três

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 29


noites». Depois Jesus lembra-lhes que os ninivitas fizeram penitência quando ouviram a
pregação de Jonas. E termina afirmando solenemente: «Ora, aqui está quem é maior do
que Jonas!» E continua: «No dia do juízo, a rainha do Sul há-de levantar-se contra esta
geração para a condenar, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de
Salomão». E termina com a mesma solenidade: «Ora, aqui está alguém quem é maior do
que Salomão!» (Mt 12,38-42)
«Ora, aqui está quem é maior do que Jonas!»; «Ora, aqui está alguém quem é
maior do que Salomão!» Quando entramos na igreja, Jesus, do sacrário, poderia dizer-
nos estas palavras. E até podia traduzir os nomes de Jonas e Salomão por outros onde,
actualmente, muitos dos nossos contemporâneos, e talvez também nós, buscamos
sabedoria e conhecimento de Deus e da sua vontade. Verdadeiramente, realiza-se na
Eucaristia, com uma densidade inimaginável, a palavra de Jesus: «Ficarei convosco todos
os dias, até ao fim dos tempos» (Mt 28,20). O sacrário é a “sarça-ardente”, onde Deus
nos revela o seu nome: “Javé”, “Aquele que está presente” (Ex 3,14), “Emanuel”, “Deus
connosco” (Is 7,14). No sacrário actualiza-se, torna-se presente a nós «o Verbo feito
carne» porque, de facto «habita entre nós» (cf. Jo 1,14). No Antigo Testamento, Deus
manifestava-se na nuvem que vinha e ia, sem se poder tocar. Na plenitude dos tempos,
manifestou-se em carne visível, palpável, estável entre nós. Por isso, os apóstolos
poderão dizer: «O que vimos, ouvimos, contemplámos, relativamente ao Verbo da vida,
isso vos anunciamos…» (cf. 1 Jo 1,1-4). Depois da Ceia pascal, podiam acrescentar:
«comemos»: De facto, Jesus diz-lhes: «Tomai e comei…»; «Quem come a minha carne e
bebe o meu sangue…». Na Eucaristia, a presença de Deus torna-se pessoal, real,
concreta, plenamente adaptada à nossa condição de seres incarnados. Como os antigos
hebreus, podemos dizer: «Que grande nação tem a sua divindade tão próxima de si,
como o Senhor está próximo de nós?» (Dt 4,7). Verdadeiramente, diante do sacrário,
podemos exclamar, como João no Apocalipse: «Eis a morada de Deus entre os homens!»
(Apoc 21,3).

2. Uma presença real, mas escondida

Muito se discutiu na Igreja sobre o modo como Cristo está presente na Eucaristia.
Houve até quem negasse essa presença, ou a interpretasse de modo incorrecto. Não é
fácil encontrar palavras para expressar, de modo minimamente adequado, o mistério da
presença real de Cristo na Eucaristia.
A Igreja latina fala de presença real, mas escondida, realizada na consagração.
O sacerdote repete as palavras de Cristo, na Última Ceia. São essas palavras que fazem
o sacramento: «Este pão, antes das palavras sacramentais é pão. Mas, pronunciadas as
palavras da consagração, o pão torna-se carne de Cristo… Vês quanto é eficaz o falar de
Cristo? Antes da consagração não havia o Corpo de Cristo, mas, depois da consagração,
eu to afirmo, há o Corpo de Cristo. Ele disse e fez, mandou e foi criado», escreve Santo
Ambrósio (De sacr. IV,14-16). A Eucaristia não é, pois, simples sinal ou símbolo de
Cristo. É presença verdadeira, presença real de Cristo Ressuscitado no meio de nós. Por
isso, a Igreja pode cantar: «Ó verdadeiro Corpo do Senhor, nascido para nós da Virgem
Mãe, penhor da eterna glória prometida! Ó verdadeiro Corpo do Senhor!» (Inocêncio IV).
S. Agostinho esclarece que essa presença acontece «no sacramento» (in sacramentum).
Não se trata pois de uma presença física, mas sacramental, mediada por sinais, que são
o pão e o vinho consagrados. Esses sinais não excluem a realidade, mas tornam-na
presente como é possível tornar presente a nós, que vivemos neste mundo, uma
realidade espiritual como a do Corpo de Cristo ressuscitado. S. Tomás escreve que essa
presença acontece «segundo a substância» e que só a fé a pode detectar: «A vista, o
tacto, o gosto, aqui enganam-se; só pelo ouvido tudo acreditamos… Eu Te adoro
devotamente, Deus escondido, que sob estas figuras verdadeiramente Te escondes»
(Hino “Adoro Te devote”…). Escondido, mas está; está, mas escondido. O Beato
Francisco Marto percebeu bem esta verdade da fé, passando horas a fio na igreja da sua
paróquia, junto de “Jesus escondido”.

30 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


Os nossos irmãos ortodoxos acentuam a acção do Espírito na consagração. Mas
não há contradição. É o Espírito Santo que torna eficazes as palavras de Cristo ditas pelo
sacerdote na consagração. Por isso, tem todo o sentido a oração de epiclese sobre o pão
e sobre o vinho. A presença de Cristo na Eucaristia deve-se a uma especial intervenção
do Espírito Santo. É o ponto culminante das suas intervenções maravilhosas ao longo da
história da salvação. Mas o Espírito actua em união com Jesus. Jesus diz «isto é o meu
Corpo» e o Espírito realiza a palavra de Jesus. Há uma maravilhosa colaboração. Na
consagração, o Espírito Santo dá-nos Jesus; na comunhão, Jesus dá-nos o Espírito Santo.

3. A nossa resposta à presença real

É, pois o Espírito Santo que torna eficaz a palavra de Jesus e faz o sacramento.
Não é a fé que “faz” o sacramento. É a palavra de Jesus tornada eficaz pelo Espírito. Mas
o sacramento só se torna eficaz para nós na fé. Já Orígenes, S. Agostinho e S. Bernardo
perguntavam: «De que me serve que Cristo tenha nascido uma vez de Maria, se não
nascer novamente, pela fé, no meu coração?». O mesmo se pode perguntar sobre a
presença de Cristo na Eucaristia: «De que serve que Cristo esteja na Eucaristia se, pela
fé, não se tornar presente no meu coração?». Só a fé torna pessoal a presença real de
Jesus no sacramento. Como nos mostra o episódio da mulher que sofria de um fluxo de
sangue, não basta tocar em Jesus para ser curado (Lc 8,43; cf. Mt 9,18-26; Mc 5,21-43).
É preciso tocá-lo com fé. Não basta comungar. É preciso comungar com fé.
A fé na presença de Cristo na Eucaristia faz brotar em nós a admiração, a
gratidão, o louvor, a reverência e a adoração. A Eucaristia é o preço do nosso resgate.
Por isso os santos se comoviam intensamente diante de Jesus sacramentado. A
Eucaristia há-de ser rodeada de respeito e veneração, manifestados pela lâmpada, pelas
flores, pelas toalhas limpas, pela genuflexão. O sacrário há-de ser o coração das nossas
igrejas, das nossas comunidades.
É importante estarmos presentes à Presença, para que não aconteça connosco
aquilo que dizia S. Agostinho: «Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo»
(Confissões, X,27). O nosso comportamento diante da Eucaristia há ser para todos,
também para os não-crentes, um testemunho semelhante ao que dava João Baptista:
«Está no meio de vós quem vós não conheceis» (Jo 1,26). A Eucaristia é certamente um
dom, mas também uma responsabilidade: há que rodeá-la de respeito e veneração; há
que corresponder a um dom tão maravilhoso. O culto da Eucaristia torna-nos atentos ao
amor e à fidelidade do Senhor presentes no mundo (cf. Cst 84). Queremos responder ao
convite de encontro e de comunhão que Cristo nos faz por meio da Eucaristia, sinal
privilegiado da sua presença no meio de nós (cf. Cst 84).

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 15

A reprodução sacramental na Santa Missa do sacrifício de Cristo coroado pela sua


ressurreição implica uma presença muito especial, que – para usar palavras de Paulo VI
– «chama-se “real”, não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem
“reais”, mas por excelência, porque é substancial, e porque por ela se torna presente
Cristo completo, Deus e homem». Reafirma-se assim a doutrina sempre válida do
Concílio de Trento: «Pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a
substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância
do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de
modo conveniente e apropriado, transubstanciação». Verdadeiramente a Eucaristia é
mysterium fidei, mistério que supera os nossos pensamentos e só pode ser aceite pela
fé, como lembram frequentemente as catequeses patrísticas sobre este sacramento

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 31


divino. «Não hás-de ver – exorta S. Cirilo de Jerusalém – o pão e o vinho [consagrados]
simplesmente como elementos naturais, porque o Senhor disse expressamente que são o
seu corpo e o seu sangue: a fé tudo assegura, ainda que os sentidos possam sugerir-te
outra coisa».

Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 4e19s

Não se encontrando mais sobre esta terra a humanidade santa, a fonte da graça parece
esgotada, ou transportada para uma distância incomensurável de nós. Porque, saibamo-
lo bem, toda a graça é o produto do Sagrado Coração de Jesus, brota d’Ele como o
sangue material; identifica-se com o seu sangue e o seu amor. Mas, se este Coração se
afastava de nós, mesmo que nos deixasse os outros sacramentos, que solidão nos seria
feita aqui em baixo! Que isolamento! Que vazio! O nosso terno irmão, o nosso amigo já
não estaria lá connosco! O seu Coração de homem já não escutaria de perto os nossos
suspiros e as nossas lágrimas! Em que nos tornaríamos?
Mas o seu terno Coração soube tudo arranjar, e a fim de permanecer sempre connosco,
inventou o sacramento do amor. Não vemos Jesus, mas Ele está lá; só as fracas
aparências eucarísticas nos separam d’Ele, e temos a fé para as penetrar, e temos um
coração que voa para o Coração de Jesus, tornado mais do que nunca o Coração do
nosso irmão e do nosso amigo. É assim que o Coração de Jesus cumpre a sua promessa:
«Não vos deixarei órfãos». É assim que a Eucaristia continua o mistério da Incarnação e
multiplica por toda a parte Belém e Nazaré. A Eucaristia torna mesmo Nosso Senhor mais
perto de nós do que o mistério da Incarnação, e quando reflectimos bem nisto vemos
que Ele não se afastou do homem pela Ascensão senão para estar mais perto dele pela
Eucaristia, porque as condições da vida mortal não permitiam ao Salvador tornar-se
presente em todos os pontos do espaço, em todo o coração que o amasse e que
desejasse a sua visita, mas a sua vida gloriosa permite-lhe a omnipresença do amor; o
seu Coração está em toda a parte, encontramo-lo em todos os santuários, e se a nossa
ligeireza e a nossa indiferença não impedissem as efusões deste amor insaciável no dom
de si mesmo, ser-nos-ia permitido como aos primeiros crentes de o guardar nas nossas
casas e de o levar sempre no nosso coração. Tal teria sido a condescendência deste
Coração generoso, se a Igreja não tivesse tomado, de algum modo contra Ele mesmo, o
cuidado do respeito que Lhe é devido.
Mas se este privilégio não nos é concedido, nós podemos sem grande fadiga, e quando
queremos, a toda a hora do dia e da noite, aproximar-nos do Coração eucarístico, falar-
lhe, abrir-lhe todo o nosso coração, atraí-l’O a nós e fazer d’Ele tudo o que quisermos.
Porque, na santa Eucaristia, o seu Coração tornou-se dependente de nós, mais ainda do
que não o era em Belém e em Nazaré. É certamente fácil pegar numa criança, abraçá-la
e acariciá-la, mas é ainda bem mais fácil pegar num bocadinho de pão, colocá-lo onde se
quiser. E quando se pensa que sob esta débil aparência o Coração de Jesus mesmo está
lá; quando se pensa neste amor que quis até este ponto tornar-se dependente de nós,
como não chorar, como fazia o santo Cura de Ars exclamando: «Faço d’Ele o que quero,
coloco-o onde quero!» Porque o privilégio de dispor da humanidade santa tornou-se um
dos mais preciosos privilégios que possam ter as mãos sacerdotais. Mas é meditando na
vida eucarística escondida que nos será dado aprofundar este prodígio de amor. Para
hoje, basta-nos verificar este primeiro ponto.
Pela santa Eucaristia, a Incarnação multiplica-se sobre todos os pontos da terra
habitável; em toda a parte aonde nos é dado dirigir os nossos passos, encontramos o
Coração do nosso irmão e do nosso amigo, sempre pronto a nos receber, sempre pronto
a nos consolar, sempre pronto a nos cumular de graças, a nos iluminar, a nos levantar e
a nos perdoar. Assim, nesta Incarnação nova, é sobretudo o Coração de Jesus que está
presente; Ele esconde todo o resto, a sua divindade, a sua humanidade, a fim de melhor
deixar ver o seu Coração; e se os olhos do corpo não podem ver, como o vêem os olhos
do coração e como sabem penetrar os véus que o envolvem! Ah! Porque não nos é dado
multiplicar também o nosso coração para o dar a este Coração que se multiplica por nós!
Pelo menos, arranquemos os nossos pensamentos, as nossas afeições ao mundo, a nós

32 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


mesmos, para os dar todos ao único Coração que nos ama, e se não podemos superá-lo
nem mesmo igualá-lo em amor, ao menos que todo o nosso amor lhe pertença, todo,
absolutamente todo; e ainda, depois disto, digamos que não somos senão servos inúteis.

PRECES

Irmãs e irmãos:
Cristo quis ficar connosco na Eucaristia,
sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue.
Invoquemo-l’O dizendo:

Cristo, pão do Céu, dai-nos a vida eterna.

1. Para que Cristo, sacerdote da nova e eterna aliança,


que no altar da cruz ofereceu o sacrifício perfeito,
nos ensine a oferecer-nos com Ele ao Pai celeste,
oremos, irmãos.

2. Para que Cristo, rei de paz e de justiça,


que, na última Ceia, consagrou o pão e o vinho,
faça de nós uma oferenda agradável a Deus Pai,
oremos, irmãos.

3. Para que Cristo, verdadeiro adorador do Pai,


oferecido pela Igreja como oblação pura,
torne um só corpo os que comem o mesmo pão,
oremos, irmãos.

4. Para que Cristo, maná descido do Céu,


que alimenta a sua Igreja com o seu Corpo e Sangue,
nos faça caminhar fortalecidos por este pão,
oremos, irmãos.

5. Para que Cristo, hóspede invisível do nosso banquete,


que está à porta e nos chama a cear com Ele,
entre em nossa casa e permaneça connosco para sempre,
oremos, irmãos.

Fazei, Senhor Jesus Cristo,


que o sacramento pelo qual nos renovais
encha o nosso coração
com a suavidade do vosso amor
e nos leve a desejar as coisas do alto.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
Ámen.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 33


CÂNTICO FINAL

Cantemos a Jesus Sacramentado,


Cantemos ao Senhor,
Deus está aqui, dos Anjos adorado,
Adoremos a Cristo Redentor.

Glória a Cristo Jesus.


Ó céus e terra, bendizei ao Senhor.
Hosana e glória a Ti, ó Rei da Glória!
Amor p’ra sempre a Ti, Ó Deus de amor!

Oh! Rara caridade e real fineza,


Oh! Doce memorial!
Deus está aqui com toda a sua riqueza,
Com seu corpo e sangue divinal.

(in Novo cantemos todos, n. 690)

34 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


7. A EUCARISTIA E A COMUNHÃO
NA MORTE DE CRISTO
(Sábado)

CÂNTICO

Eu sou o Pão da vida:


Quem Me come não morrerá;
Eu sou a luz do mundo:
Quem Me segue viverá.

1. O Senhor é meu Pastor nada me falta;


Leva-me a descansar em verdes prados.

2. Conduz-me às águas refrescantes


e reconforta a minha alma.

3. Ele me guia por sendas direitas


Por amor do seu nome.

(in Novo Cantemos Todos, n. 262)

LEITURA BREVE: 1 Coríntios, 11,23-26

Irmãos, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: na noite em que foi
entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse:
«Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim». Do
mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova
Aliança no meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória
de mim». Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste
cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.

TÓPICOS PARA A MEDITAÇÃO

1. “Corações ao alto”
2. A Eucaristia e a Igreja peregrina
3. A Eucaristia, esperança e compromisso

S. Paulo escreveu aos Coríntios: «Todas as vezes que comerdes deste pão e
beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor até que ele venha» (1 Cor 11,26).
Em todas as eucaristias, a Igreja grita após a elevação do cálice: «Vem, Senhor Jesus!».

1. “Corações ao alto”

A Páscoa hebraica já incluía a expectativa da passagem do Senhor. Por isso, os


hebreus deviam comer o cordeiro de rins cingidos, sandálias nos pés, cajado na mão e
depressa (cf. Ex 12,11). O Senhor ia passar para libertar o seu povo da escravidão do
Egipto e introduzi-lo na Terra Prometida. A Páscoa de Jesus foi a sua passagem deste
mundo para o Pai. A presença velada de Cristo na Eucaristia acende em nós o desejo de
algo mais, de O contemplarmos de rosto descoberto, face a face. S. Tomás de Aquino

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 35


rezava: «Jesus, que agora contemplo velado, faz, eu Te suplico, que se realize o meu
ardente desejo de te ver de rosto descoberto e ser assim feliz na visão da glória» (Hino
Adoro Te devote). A Eucaristia aumenta em nós o desejo da presença de Deus. É primícia
que nos faz desejar a plenitude.
A Eucaristia faz experimentar à Igreja a sua condição de “peregrina”. Por isso é
chamada “alimento dos caminhantes”, do êxodo, da passagem. Desde os mais remotos
tempos se ouve, na celebração eucarística o grito: «Corações ao alto!». Respondemos:
«O nosso coração está em Deus!». Quer dizer: estamos cheios de esperança em Deus,
que há realizar em nós o que fez no seu Filho muito amado, isto é, levar-nos para junto
de Si.

2. A Eucaristia e a Igreja peregrina

A Eucaristia faz-nos viver como peregrinos, de olhos erguidos para o alto, para a
Nova Jerusalém que nos espera. A Eucaristia lembra-nos que não temos aqui morada
permanente, que somos peregrinos e forasteiros neste mundo. Por natureza,
pertencemos a este mundo. Por vocação, estamos destinados a outro mundo. A
ressurreição de Cristo fundamenta esta certeza e anima-nos na caminhada: «Se
ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto» (Col 3,1). Os cristãos estão
espalhados pelo mundo. São “sementeira de Deus” (cf. 1 Pe 1,1) para que todo o mundo
se torne campo de Deus, colheita de Deus, que Cristo um dia virá recolher para
apresentar ao Pai.
Somos, pois, viandantes e peregrinos em todos os campos, desde o espiritual ao
cultural e ao apostólico. Deus nos defenda que nos tornemos cristãos, religiosos, padres
“sedentários”, satisfeitos connosco mesmos, porque já chegámos ao termo do nosso
caminho espiritual, cultural, apostólico. Recordemos S. Paulo: “Não é que eu já tenha
alcançado a meta (Cristo e a sua Ressurreição) ou que já seja perfeito, mas prossigo a
minha carreira para ver se de algum modo a poderei alcançar, visto que já fui alcançado
por Jesus Cristo. Irmãos, não penso que já a alcancei, mas uma coisa faço: esquecendo-
me do que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo em direcção à
meta, para obter o prémio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fil 3,12-14).
O importante é correr para a meta “até que cheguemos todos à unidade da fé e do
conhecimento do filho de Deus ao estado do homem perfeito, à medida da estatura
completa de Cristo” (Ef 4,13).

A Eucaristia mantém-nos despertos e atentos. Lembra-nos que vivemos no


mundo, mas não somos do mundo. As nossas comunidades e instituições eclesiais
deveriam deixar transparecer essa consciência, de modo a que os não crentes pudessem
dizer de nós o que se dizia das primeiras comunidades: «Verdadeiramente Deus está no
meio de nós!» (1 Cor 14,25).

Os cristãos estão a redescobrir o seu papel no mundo. E é importante que o


façam. Mas não devem cair no erro das virgens loucas, deixando-se adormecer… Há que
estar alerta, porque «O Senhor vem!» (cf. Apoc 22,20) e é preciso estar pronto para sair
ao seu encontro, acompanhá-l’O e entrar no banquete nupcial. Além disso, devem ser no
mundo um alerta permanente, dizendo a todos, com a palavra e o testemunho pessoal:
«O Senhor vem!». Não sabemos quando nem como… Mas «vem». A figura deste mundo
passa. Basta olhar para a história para verificarmos essa realidade.

A Eucaristia, unindo-nos à oblação perfeita de Cristo ao Pai, prepara-nos para


vivermos, de modo positivo e frutuoso, os momentos de sofrimento, as noites escuras da
fé e a própria morte, em comunhão com os sofrimentos e a morte de Cristo para
redenção do mundo (cf. Cst 24).

36 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


3. A Eucaristia, esperança e compromisso

A vinda do Senhor não nos deve encher de medo, mas de esperança. S. Paulo fala
da «feliz esperança» da manifestação gloriosa do nosso Salvador (cf. Tt 2,13). Sem essa
esperança, seríamos os mais desgraçados dos homens (cf. 1 Cor 15,19).
Há que restituir aos nossos contemporâneos a nostalgia, a saudade e o sentido da
Pátria celeste. Não falar disso seria cair no erro dos parentes que não alertam um
familiar para a morte que se aproxima: não o impedem de morrer; mas podem impedi-lo
de morrer bem!
A saudade da Pátria celeste não nos afasta do compromisso para com os outros e
para com o mundo em que vivemos. Pelo contrário, purifica-o, ensina-nos a avaliar
convenientemente os valores deste mundo, os bens da terra. S. Paulo, que nos diz que
«este tempo é breve», acrescenta: «Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a
todos, especialmente aos irmãos na fé» (cf. Gal 6,10). A celebração da Eucaristia torna-
nos atentos, não só ao amor e à fidelidade do Senhor, presentes no mundo, mas
também ao próprio mundo, com todas as suas carências e anseios. A Eucaristia suscita
em nós a esperança na Pátria futura, e compromete-nos no mundo actual, onde já estão
em construção os novos céus e a nova terra.
Desejar a vinda do Senhor não é desejar a morte. «Procurar as coisas do alto» é
orientar a nossa vida em vista do encontro com o Senhor, venha quando vier…
A vinda do Senhor é uma alegre notícia que havemos de encarar como tal. S.
Paulo desejava ardentemente essa vinda, para se encontrar com Cristo: «Desejo
dissolver-me para estar com Cristo» (Fl 1,23). Os santos encaravam com alegria o dia da
sua morte, porque, então, podiam encontrar-se face a face, e definitivamente, com o
Senhor. Alguns cantavam no leito de morte: «Que alegria quando me disseram: vamos
para a casa do Senhor!» (Sl 122 (121), 1). Sabemos que não vamos sós. Jesus vai à
nossa frente e nós seguimos os seus passos, atraídos pelo seu perfume, que é o Espírito
Santo. Em cada Eucaristia, o Espírito e a Esposa dizem (a Jesus): Vem! (Apoc 22,17). E
nós repetimos: «Vem!».

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 20

Consequência significativa da tensão escatológica presente na Eucaristia é o estímulo que


dá à nossa caminhada na história, lançando uma semente de activa esperança na
dedicação diária de cada um aos seus próprios deveres. De facto se a visão cristã leva a
olhar para o «novo céu» e a «nova terra» (Ap 21,1), isso não enfraquece, antes estimula
o nosso sentido de responsabilidade pela terra presente. Desejo reafirmá-lo com vigor ao
início do novo milénio, para que os cristãos se sintam ainda mais decididos a não
descurar os seus deveres de cidadãos terrenos. Têm o dever de contribuir com a luz do
Evangelho para a edificação de um mundo à medida do homem e plenamente conforme
ao desígnio de Deus.
Muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar
quanto seja urgente trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de justiça e
solidariedade nas relações entre os povos, defender a vida humana desde a concepção
até ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições dum mundo
«globalizado», onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres
pouco podem esperar? É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também
para isto que o Senhor quis ficar connosco na Eucaristia, inserindo nesta sua presença
sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo seu amor. É
significativo que, no lugar onde os Sinópticos narram a instituição da Eucaristia, o
evangelho de João proponha, ilustrando assim o seu profundo significado, a narração do
«lava-pés», gesto este que faz de Jesus mestre de comunhão e de serviço (cf. Jo 13,1-

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 37


20). O apóstolo Paulo, por sua vez, qualifica como «indigna» duma comunidade cristã a
participação na Ceia do Senhor que se verifique num contexto de discórdia e de
indiferença pelos pobres (cf. 1 Cor 11,17-22.27-34).
Anunciar a morte do Senhor «até que Ele venha» (1 Cor 11,26) inclui, para os que
participam na Eucaristia, o compromisso de transformarem a vida, de tal forma que esta
se torne, de certo modo, toda «eucarística». São precisamente este fruto de
transfiguração da existência e o empenho de transformar o mundo segundo o Evangelho
que fazem brilhar a tensão escatológica da celebração eucarística e de toda a vida cristã:
«Vinde, Senhor Jesus!» (cf. Ap 22,20).

Texto 2
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 472

A presença sacerdotal de Jesus tem por fim, antes de mais, produzir e revelar a sua
presença eucarística. Nosso Senhor uniu-se moralmente ao sacerdote e habita nele pela
sua graça, para que este revele ao mundo os segredos da sua vida Eucarística.
Deus segue na Igreja uma conduta semelhante à que seguiu na criação. Depois da obra
dos seis dias, parece ter-se retirado; vela-se e deixa às criaturas o cuidado de transmitir
o movimento, a luz, a actividade, a vida… Assim, Nosso Senhor, depois de ter instituído a
Eucaristia, fundado o sacerdócio e a Igreja, reentrou no céu. Esconde-se depois da
Ascensão. A terra não voltará a vê-lo até ao fim dos tempos; e, se permanece connosco,
é de uma maneira invisível, velada, embora real. E encarregou os seus sacerdotes de o
consagrarem, de o revelarem, de o distribuírem, de serem os propagadores da sua luz,
do seu amor, da sua vida.

PRECES

Irmãs e irmãos:
ao celebrarmos a Eucaristia, anunciamos a Morte do Senhor,
proclamamos a sua Ressurreição,
enquanto esperamos a sua vinda.
Rezemos e digamos:

Maranathá! Vem, Senhor Jesus!

1. Pela santa Igreja de Deus,


que se estende do Oriente ao Ocidente,
para que se mantenha firme até ao fim dos tempos,
oremos, irmãos.

2. Pelo Santo Padre o Papa…


e pelos bispos que pregam fielmente o Evangelho,
para que Deus lhes conceda longa vida e santidade,
oremos, irmãos.

3. Pela nossa paróquia e seus habitantes


e pelos que andam cansados pelo trabalho,
para que Deus os ajude e conforte,
oremos, irmãos.

4. Por todos nós,


para que a celebração da Eucaristia nos mantenha alerta
no cumprimento dos nossos deveres
enquanto esperamos a vinda do Senhor,
oremos, irmãos.

38 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


5. Por todos nós aqui presentes nesta assembleia
e pelos que nos pediram que os lembrássemos,
para que Deus nos reúna no seu reino,
oremos, irmãos.

Deus de bondade infinita,


que sem cessar vos lembrais do vosso povo
e o alimentais com o Corpo e Sangue do vosso Filho,
conservai-nos vigilantes e despertos
para o dia da Sua vinda.
Pelo mesmo Cristo, nosso Senhor.
Ámen.

CÂNTICO FINAL

Oh! Verdadeiro Corpo do Senhor,


Nascido para nós da Virgem Mãe,
Penhor da eterna glória prometida.
Oh! Verdadeiro Corpo do Senhor,

1. O Cordeiro de Deus oferecido


A seu eterno Pai em sacrifício
morre na cruz para salvar o mundo.

2. Do lado aberto corre sangue e água


e o discípulo amado é testemunha
desta fonte de graça e de saúde.

3. Quando a morte bater à nossa porta


e travarmos o último combate,
Jesus piedoso, Filho de Maria,
fica connosco, Pão da vida eterna.

(in Novo Cantemos Todos, n. 269)

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 39


8. A EUCARISTIA E O EMPENHAMENTO
ECLESIAL E SOCIAL
(domingo)

CÂNTICO

Felizes os convidados para a ceia do Senhor! (bis)

O eterno Pai nos deu a glória de vivermos


Em unidade com Seu Filho Jesus Cristo!

Do vosso templo nós levamos para o mundo


O esplendor da vossa luz excelso Cristo.

Cristo conduz-nos por estradas de justiça;


A paz habita o coração de quem O segue.

(in Novo cantemos todos, n. 264)

LEITURA BREVE: Actos 2, 42-47

Os discípulos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção


do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos
Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e
possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro
por todos, de acordo com as necessidades de cada um. Como se tivessem uma só
alma, frequentavam diariamente o templo. Partiam o pão em suas casas e
tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e
tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o
número dos que tinham entrado no caminho da salvação.

TÓPICOS PARA A MEDITAÇÃO

1. A Eucaristia e a evangelização
2. A Eucaristia, fermento de “caridade e de justiça”
3. A Eucaristia e a transformação do mundo

1. A Eucaristia e a evangelização

A Eucaristia tem sido definida como «cume e fonte da evangelização». Já no


capítulo sexto do Evangelho de S. João o anúncio da Palavra e o Pão da vida aparecem
intimamente unidos. Só quem acreditou pode receber o Pão da vida, e só quem recebe
esse Pão pode acreditar e alcançar a vida terna.
A Eucaristia é o próprio Cristo total (vida, páscoa e glória) presente e actuante na
Igreja. Se isso é verdade, a Eucaristia também é actualização e continuação da missão
evangelizadora de Cristo. Cristo, que durante a vida terrena evangelizou pela palavra e
pelos sinais, continua a evangelizar-nos, hoje, pela Palavra do Evangelho e pelo sinal da
Eucaristia.
Mas também a Igreja, quando se reúne para celebrar a Eucaristia, realiza um acto
público de evangelização, que é um chamamento para todos.

40 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


A centralidade evangelizadora da Eucaristia é um facto porque ela é o centro do
Evangelho, o centro da Igreja, o centro da vida cristã, o centro da missão, o centro do
itinerário sacramental. Portanto, a Eucaristia é o centro e o cume da evangelização. Na
Eucaristia, toda a Igreja e cada cristão sentem-se provocados a avançar na sua própria
evangelização e a assumir a missão evangelizadora dos demais.

2. A Eucaristia, fermento de “caridade e de justiça”

A Eucaristia tem a estrutura de um banquete. Sabemos como comer e beber à


mesma mesa seja importante para comunicar, criar laços, partilhar, confraternizar. O
banquete eucarístico cria comunhão, partilha fraterna, caridade entre aqueles que a
celebram. Mas também os interpela a abrir o coração aos outros homens, cristãos ou não
cristãos, carenciados de relações fraternas, de alimentos e bebidas, de bens necessários
para uma vida digna de filhos de Deus. A última ceia, com o lava-pés, manifesta, como
já meditámos, a ligação entre a celebração da Eucaristia e a caridade e o serviço (Jo
13,1-20). As primeiras comunidades manifestavam essa ligação, unindo à fracção do pão
a comunhão de bens (cf. Act 2,42.44;4,34), fazendo colectas em favor dos necessitados
(Act 11,29;12,25; 2 Cor 8,3…), servindo às mesas (Act 6,2), ultrapassando toda a
divisão e discriminação (1 Cor 10,16;11,18-22; Tg 2,1-13). A Eucaristia é actualização
de uma história de amor, entrega, serviço, caridade e comunhão de Deus com os
homens. No fim de cada Eucaristia, Jesus pode dizer-nos o que disse àquele a quem
contou a parábola do “Bom samaritano”: «Percebeste?... Então vai e faz o mesmo!» (Lc
10,37). A ligação entre a Eucaristia e o serviço da caridade implica comunhão de bens e
solidariedade para com todos os que precisam, especialmente os mais pobres e
desprotegidos. A Eucaristia actualiza a diaconia de Cristo e é escola e fonte de amor. Na
Eucaristia, e pela Eucaristia, promovem-se os valores do acolhimento, da comunhão de
bens, a atenção preferencial pelos pobres. E isto é a essência do testemunho de quem
evangeliza. É evangelização.
No mundo em que vivemos, detectamos ainda muitas e graves injustiças:
manipulação do homem, exploração de quem trabalha, injusta distribuição dos bens,
discriminações de todo o tipo, agressões à natureza, distâncias gritantes entre ricos e
pobres… Ora tudo isto se opõe radicalmente ao ideal de comunhão de vida e de amor, de
fé e de bens, de Pão eucarístico e pão material de que nos fala o Novo Testamento. Jesus
estabelece uma relação entre o convite eucarístico e o banquete do reino, na base de
uma atitude de serviço e de justiça fundados, não no poder que domina, mas no serviço
que se partilha (cf. Lc 22,15-30). No episódio da multiplicação dos pães também estão
relacionadas a eucaristia e a justiça para com os necessitados (cf. Jo 6,1-15; cf. Mt
14,13-21). S. Paulo, que vê no baptismo a raiz da comunhão (Rm 6,6.8;8,7; Col 2,12),
vê a manifestação mais plena dessa comunhão na Eucaristia (1 Cor 10,14-22;14,26-40).
A comunhão no Corpo de Cristo implica a comunhão com o corpo eclesial. Por isso, são
intoleráveis as divisões e discriminações, a injustiça e a falta de caridade. Não é possível
celebrar a Eucaristia sem se comprometer com a caridade e a justiça.

3. A Eucaristia e a transformação do mundo

O mundo é uma realidade dinâmica e evolutiva. O homem é chamado por Deus a


intervir na transformação do mundo. Mas o materialismo e o consumismo, a ânsia do
poder para ter, levam a um falso desenvolvimento e progresso, a uma transformação
unidimensional e parcial do mundo e do próprio homem.
Para o cristão, o desenvolvimento integral, a transformação plena encontra o seu
verdadeiro sentido e referência na acção do Espírito Santo, tal como aparece na história
da salvação e na própria Eucaristia, em que a acção do Espírito sobre as oferendas é
símbolo da sua acção transformadora no mundo.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 41


Já no Antigo Testamento o Espírito aparece como força transformadora e criadora.
Mas Cristo é o «momento privilegiado» da actuação transformante do Espírito. N’Ele
manifesta-se em que consiste a verdadeira transformação, o verdadeiro progresso do
homem. Ora, o Espírito que actuava em Jesus foi transmitido à Igreja, como fruto maior,
como dom definitivo da redenção, da ressurreição (cf. Jo 14,16-17;15,26-27;19, 30-
37;20,22-23; Act 1,8…). Todo o baptizado e confirmado é transformado pelo Espírito
Santo, e chamado a colaborar na sua acção transformadora do mundo (cf. 2 Cor 5,15;
Rm 6; Col 2-3; Rm 8,8-24…). Esta transformação, como realidade viva e missão
pendente, celebra-se na Eucaristia.
Na Eucaristia aparece sacramentalizada a acção transformadora do Espírito que
torna presente o acontecimento salvador de Cristo, a sua morte e ressurreição. É pela
sua acção que o pão e o vinho se transformam em Corpo e Sangue de Cristo. É o mesmo
Espírito que transforma a Igreja em Corpo místico de Cristo, em oblação santa e
agradável a Deus. Portanto, a Eucaristia é já o mundo novo, a antecipação dos novos
céus e da nova terra para onde peregrinamos. Quando o cristão se deixa transformar na
Eucaristia, e realiza a missão transformadora do mundo, aplicando ao trabalho e ao uso
dos bens, ao progresso e à técnica, então realiza uma verdadeira obra de evangelização,
e torna-se fermento de verdadeiro progresso (cf. LG 31; AA 7-9).
Para concluir, afirmamos que a Eucaristia é o lugar privilegiado de concentração e
expressão, de renovação e compromisso com a missão. Reunião eucarística e missão
evangelizadora integram-se como pólos de uma única realização ou cumprimento da
missão de Cristo.

TEXTOS DE APOIO

Texto 1
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 22

Unindo-se a Cristo, o povo da nova aliança não se fecha em si mesmo; pelo contrário,
torna-se «sacramento» para a humanidade, sinal e instrumento da salvação realizada
por Cristo, luz do mundo e sal da terra (cf. Mt 5,13-16) para a redenção de todos. A
missão da Igreja está em continuidade com a de Cristo: «Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós» (Jo 20,21). Por isso, a Igreja tira a força espiritual de que
necessita para levar a cabo a sua missão da perpetuação do sacrifício da cruz na
Eucaristia e da comunhão do corpo e sangue de Cristo. Deste modo, a Eucaristia
apresenta-se como fonte e simultaneamente vértice de toda a evangelização, porque o
seu fim é a comunhão dos homens com Cristo e, n’Ele, com o Pai e com o Espírito Santo.

Texto 2
João Paulo II, Mane nobiscum Domine, n. 28

Há ainda um ponto para o qual queria chamar a atenção, porque sobre ele se joga em
medida notável a autenticidade da participação na Eucaristia, celebrada na comunidade:
é o impulso que esta aí recebe para um compromisso real na edificação duma sociedade
mais equitativa e fraterna… Penso no drama que atormenta centenas de milhões de seres
humanos, penso nas doenças que flagelam os países em vias de desenvolvimento, na
solidão dos idosos, nas dificuldades dos desempregados, nas desgraças dos imigrantes.
Trata-se de males que afligem, embora em medida diversa, também as regiões mais
opulentas. Não podemos iludir-nos: do amor mútuo e, em particular, da solicitude por
quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo
(cf. Jo 13,35; Mt 25,31-46). Com base neste critério, será comprovada a autenticidade
das nossas celebrações eucarísticas.

42 Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente”


Texto 3
Padre Dehon, NQT, XXV, 46-47

O apostolado uma irradiação de graça e de santidade. A Eucaristia é a chama, a base, o


centro de toda a vida, de toda a obra, de todo o apostolado. Toda a redenção gravita à
volta do Calvário, toda a sua aplicação gravita à volta do altar. O operário do Evangelho
que não vive da vida eucarística, tem uma palavra sem vida e uma acção ineficaz.

Texto 4
Padre Dehon, Eucaristia, OSP 2, p. 502

A prática da acção de graças faz que o coração, sendo ele mesmo dilatado, dilate
facilmente os corações que sofrem a sua acção. Enfim, este fogo que diviniza um coração
de apóstolo, o ardente desejo que tem de testemunhar algum regresso ao Coração
amabilíssimo de Jesus, dar-lhe-á, na pregação e nos exercícios do zelo, uma eloquência,
um calor verdadeiramente divinos. Não se pregará a si mesmo, pregará o Coração de
Jesus. «Oh! Quando é que este divino Coração poderá dizer com toda a verdade: o meu
amor está em todos estes corações que resgatei e Eu neles! Quando é que será dado,
sobretudo aos corações consagrados, saborear as suavidades do Coração de Jesus, de o
exprimir neles, não vivendo senão para Ele!»

PRECES

Irmãs e irmãos:
Oremos a Deus nosso Pai,
para que, pela Eucaristia que celebramos, recebemos e adoramos,
nos encha de caridade e zelo apostólico.
Digamos com fé:

Inflamai-nos, Senhor, no vosso amor.

1. Pela Igreja, para que o Senhor lhe conceda


sacerdotes segundo o seu Coração,
cheios de caridade e zelo apostólico
como o Beato Leão Dehon,
oremos, irmãos.

2. Pelos ministros da Igreja


para que transmitam, com a sua vida, a muitos jovens cristãos
a paixão pelo Reino de Cristo e pela salvação dos homens,
oremos, irmãos.

3. Pelos missionários dos nossos dias


para que reconheçam que a Eucaristia
é a fonte de toda a evangelização,
oremos, irmãos.

4. Pelos todos quantos trabalham


em prol do progresso, da justiça e da paz,
entre os homens e entre as nações,
oremos, irmãos.

5. Pelo mundo inteiro,


pelo qual o Pai entregou o seu amado Filho,
para que acredite no seu amor e se converta,
oremos, irmãos.

Semana de Oração/Reflexão “Fazer da vida uma eucaristia permanente” 43


Deus, nosso Pai,
enchei-nos com a suavidade do amor
que ardia no Coração de Cristo, vosso Filho,
para que, com Ele e como Ele,
nos entreguemos ao serviço do Reino
e ao bem dos nossos irmãos.
Por Cristo, nosso Senhor.
Ámen.

CÂNTICO FINAL

Ide por todo o mundo, anunciai a Boa Nova. (bis)

Os céus proclamam a glória de Deus


E o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
O dia transmite ao outro esta mensagem
E a noite a dá a conhecer à outra noite.

Não são palavras nem linguagem


Cujo sentido se não perceba.
O seu eco ressoou por toda a terra
E a sua notícia até aos confins do mundo.

Em Vós está a fonte da vida,


E é na vossa luz que vemos a luz.
Conservai a vossa bondade aos que Vos conhecem
E a vossa justiça aos homens rectos de coração.

(in Novo cantemos todos, n. 355)

Composição e impressão:

Casa Provincial
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus
(Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
scj.lu@netcabo.pt – www.ecclesia.pt/dehonianos

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