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Prefácio

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Hino do Colégio Naval
Ao deixarmos com orgulho nossos lares
Nós dizemos com fé e emoção
A Marinha sempre forte pelos mares
É o desejo de nossos corações.

Pela honra de servir à Pátria amada


E por ela viver e lutar
Somos hoje a Esperança da Armada
E o futuro da Pátria no Mar.

Colégio Naval!
Esperança da Armada Brasileira
O nosso ideal
É no alto manter nossa Bandeira.

Colégio Naval!
Sempre avante com garbo varonil
Daremos nossas vidas!
Para glória do Brasil.

Sempre unidos pela Pátria lutaremos


Como Greenhalgh lutou até morrer
O auriverde pavilhão defenderemos
Sempre atentos à lei e ao dever.

À Marinha dedicamos nossa mente


Nossa alma e o braço viril
Porque somos na hora presente
Marinheiros do nosso Brasil.

Letra: Júlio de Camargo Música: Luís Felipe Magalhães

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Prefácio

É
com grata satisfação que apresentamos
ao leitor este Livro Comemorativo dos 70
anos do Colégio Naval, que tem como pro-
pósito recordar estórias e momentos vividos por
ex-alunos na Enseada Batista das Neves.
Essa é uma oportunidade de exaltar a his-
tória do Colégio com relatos das passagens e
eventos que marcaram a vida dos alunos des-
sa Instituição, tanto os que seguiram no servi-
ço ativo da Marinha, como aqueles que esco-
lheram seguir outra carreira. Por meio de uma
linguagem casual, descontraída e saudosista,
esta obra proporcionará uma viagem no tem-
po, tendo como marca a amizade, a alegria e
o companheirismo, características intrínsecas
dos marinheiros.
Nesse momento de grande júbilo, cabe des-
tacar que o Colégio Naval alcançou o prestígio
que hoje desfruta, graças à dedicação, compro-
metimento e profissionalismo dos homens e
mulheres, civis e militares, que orgulhosamen-
te mantiveram o firme propósito de bem pre-
parar intelectual, física e moralmente os jovens
que são a “Esperança da Armada”. A valoriza-
ção de uma Instituição de Ensino pode ser atri-
buída à qualidade das pessoas que ela forma, e, “Somos hoje a Esperança da Armada e
por isso, destaco meu reconhecimento a todas o futuro da Pátria no Mar.”
as antigas tripulações que aqui se dedicaram
de forma resiliente na melhor preparação dos Viva o Colégio Naval!!!
nossos alunos. Viva a Marinha!!!
Assim, concito o comandante e sua tripula-
ção a continuarem firmes no cumprimento da Renato Garcia Arruda
sua missão, mantendo o ensino e a formação Vice-Almirante
militar-naval de excelência como referências Diretor de Ensino da Marinha
para a nossa juventude. Continuem obstina-
dos, seguindo, ensinando e cultivando os va-
lores da Rosa das Virtudes para que, no futuro,
os alunos de hoje possam conduzir os destinos
da nossa Força rumo a um futuro de glórias e
conquistas.
Livro Comemorativo alusivo aos
70 anos do Colégio Naval

Expediente
Comandante do Colégio Naval: CMG Leonardo Pacheco Vianna
Equipe editorial: 1º Ten (RM2-T) Aline Franca dos Santos
1º Ten (RM2-T) Rafael de Oliveira Barbosa Leite
Colaboração: CT (AA) Claudeniz Fernandes Guimarães
Foto da capa: 1º Ten (RM2 -T) Veridiana Francisca de Deus
Fotografias: Erick Viana Serva
Bekas Formaturas
MN-RM2 Angelo Paulo Paulino R. de Souza
Imagens históricas: Acervo do Colégio Naval
Acervo particular cedido
Criação e diagramação:

atendimento@grupovianacomunicacao.com.br
(21) 98135-0365

Devido a pandemia do Novo Corana Vírus, todos os eventos que causariam aglomerações foram
cancelados. As fotos das turmas atuais presentes nesta edição, ou foram registradas antes da
pandemia, ou ocorreram durante o período em que os alunos estavam em isolamento, aquartelados
e testados para a CoViD-19, além disso, ocorreram procedimentos de desinfeção e o uso de
máscaras por todos participantes.
Sumário

APRESENTAÇÃO ......................................................................... 4
INTRODUÇÃO............................................................................. 6
7 DÉCADAS DE ENSINO E FORMAÇÃO MILITAR .................... 18
COLÉGIO NAVAL ANOS 50 ...................................................... 20
1956 - Turma Face...................................................................... 22
1957 - Turma Quevedo............................................................... 26
1958 - Turma Rodin.................................................................... 30
1959 - Turma Mendes................................................................. 32
COLÉGIO NAVAL ANOS 60 ...................................................... 42
1960 - Turma Centenário da Batalha Naval do Riachuelo.......... 44
1962 - Turma Didier................................................................... 50
1964 - Turma Almirante Grenfell................................................ 56
1965 - Turma Barão de Tefé....................................................... 64
1966 - Turma Visconde de Ouro Preto....................................... 72
1967 - Turma Barão de Jaceguay................................................ 78
1968 - Turma John Taylor........................................................... 82
1969 - Turma Esperança............................................................. 86
COLÉGIO NAVAL ANOS 70 ...................................................... 42
1971 - Turma Almirante Conde.................................................. 92
1975 - Turma Almirante Saldanha da Gama............................... 96
1976 - 2º ano - Turma Mariz e Barros....................................... 108
1978 - Turma Barão de Melgaço............................................... 112
COLÉGIO NAVAL ANOS 80..................................................... 116
1983 - Turma Comandante Ferraz............................................ 118
1987 - Turma Almirante Paulo Moreira.................................... 122
1989 - Turma Custódio de Melo............................................... 130
COLÉGIO NAVAL ANOS 90..................................................... 136
1990 - Turma Almirante Rademaker......................................... 138
1992 - Turma Almirante Ary Parreiras...................................... 146
1995 - Turma Almirante Barroso.............................................. 150
1996 - Turma Almirante Soares Dutra...................................... 154
COLÉGIO NAVAL ANOS 2000................................................. 156
2001 - Turma Almirante Dodsworth......................................... 158
2007 - Turma Almirante (FN) Sylvio de Camargo...................... 162
2015 - Turma CF Luiz Barroso Pereira...................................... 168
2018 - Turma Almirante Bosísio................................................ 172
COLÉGIO NAVAL HOJE........................................................... 176
E A HISTÓRIA CONTINUA...................................................... 180

5
Apresentação

H
á setenta anos, jovens esperançosos e
felizes desembarcavam dos contrator-
pedeiros “Beberibe” e “Baependi”, no
porto da cidade e marchavam até a bela Enseada
“Batista das Neves”. Iniciava-se assim, a histó-
ria do Colégio Naval em Angra dos Reis. Hoje,
estamos nós, oficiais, praças, professores e servi-
dores públicos, orgulhosos em dar continuidade
a esta dignificante missão de formar cidadãos;
de preparar jovens para ingressarem na Escola
Naval, que no futuro, serão os oficiais que terão
a responsabilidade de timonear uma Marinha
cada vez mais importante no cenário mundial.
Para marcar essa data, a ideia inicial foi ela-
borar um livro histórico, a fim de homenagear
todos que passaram por esta renomada Insti-
tuição e agradecer a todas as tripulações pelo
profícuo trabalho até aqui realizado. Mas, por

6
já haver livros que contam muito bem essa his- Desejo a todos uma boa leitura e belas recor-
tória, resolvemos contar algumas estórias que dações. Como atual Comandante do Colégio
foram vividas pelos milhares de alunos que Naval, sinto-me honrado e feliz por ter a opor-
passaram pelo Colégio Naval. Portanto, com tunidade de organizar essas estórias e fazê-los
o propósito de reavivar essas recordações, nos relembrar da juventude e do primeiro “passo”
propusemos a elaborar o presente livro come- dado na nossa Marinha do Brasil.
morativo. Buscando na memória daqueles que
aqui passaram, vamos tentar ajudar os leitores Parabéns Esperança da Armada!!
a lembrarem-se de episódios aqui vividos, a re-
encontrarem amigos que há muito tempo não Viva o Colégio Naval !!
são vistos e a sentirem, novamente, emoções
juvenis que marcaram a vida de tantas pesso- CMG Leonardo Pacheco Vianna
as. Por fim, aproveito para agradecer a contri- Comandante do Colégio Naval
buição de vários ex-alunos que, representando
suas respectivas turmas, dedicaram parte de
seu tempo para deixar um legado que perpe-
tuará muitas narrativas passadas na “Enseada
Batista das Neves”.

7
Introdução
Por CT (AA) Claudeniz Fernandes Guimarães

Chegada de nova turma de


alunos ao Colégio Naval , a
bordo do CTE Baependi -
Angra dos Reis - 06 / 04 /1953
Coleção : Roberto Carrazedo

8
A
ideia de se criar um curso preparató-
rio para a Escola de Marinha (atual-
mente a Escola Naval é a congênere
dessa Escola de Marinha) remonta à segunda
metade do século XIX.
Assim, em seu relatório apresentado à
Câmara Legislativa, no ano de 1869, o Barão
de Cotegipe, explica a relevância da criação
de colégios navais para preparação dos fu-
turos oficiais da Marinha do Brasil. Dessa
forma, antes mesmo da concretização dos
colégios navais, criou-se o Externato de Ma-
rinha, pelo Decreto nº 4.679 de 17 de janeiro
de 1871. Porém, essa Instituição de Ensino
não obteve o êxito esperado, porque apenas
34 alunos, dentre os quais estavam matricu-
lados àqueles que tinham mais recursos ou
que frequentavam e viviam na corte. Infeliz-
mente, essa tentativa inicial findou em 1876
e, neste mesmo ano foi efetivada a Criação
do Colégio Naval, primeiro educandário
militar de nível médio do Brasil, por meio
do Decreto nº 6.440 de 28 de dezembro de
1876, assinado pela Princesa Isabel, então
ocupando a Regência do Trono.
Mas, essa primeira fase do Colégio Na-
val não durou muito tempo, terminando
seus trabalhos no ano de 1886, por meio do
Decreto nº 9.611 que estabeleceu a união em
um só estabelecimento a Escola de Marinha
e o Colégio Naval, sob a denominação de
Escola Naval. Mas, devido a diversos fato-
res, a ideia não se perdeu no meio do cami-
nho a ser traçado em busca de um educan-
dário preparatório para Escola Naval.

9
Introdução

10
Desde a construção, iniciada em 1911, na para o Rio de Janeiro, as instalações do “Bar-
cidade de Angra dos Reis, em frente a anti- co Amarelo” passaram a abrigar a Escola de
ga Enseada da Tapera, até a inauguração em Grumetes Almirante Batista das Neves, até o
1951, uma longa história foi construída até o ano de 1949.
Colégio Naval se tornar a Organização Mili- Sete décadas se passaram, mas a essência
tar, componente do Sistema de Ensino Naval, da formação do Aluno do Colégio Naval per-
responsável pela preparação dos aspirantes manece até os dias atuais. A consolidação dos
para ingressarem na Escola Naval. valores contidos na Rosa das Virtudes, a li-
Inicialmente, o prédio, hoje conhecido derança, a fidalguia naval, o respeito, o amor
como “Barco Amarelo”, inaugurado em 1914, à Instituição e o desenvolvimento do Espíri-
foi escolhido, pelo, então, Ministro da Mari- to de Equipe são trabalhados, diariamente,
nha, Almirante Alexandrino Faria de Alen- pelo Comandante, pelo Comando do Corpo
car, para abrigar a Escola Naval que funcio- de Alunos e pelo Departamento de Ensino,
nou neste local até o ano de 1920, ocasião em responsáveis diretos pela formação Militar-
que retornou para a Ilha das Enxadas (hoje, -Naval e acadêmica do Corpo de Alunos, que
sede do Centro de Instrução Almirante Wa- representa a Esperança da Armada Brasileira
ndenkolk). Com o retorno da Escola Naval e o futuro da Marinha do Brasil.

Chegada de nova turma de


alunos ao Colégio Naval , a
bordo do CTE Baependi -
Angra dos Reis - 06 / 04 /1953
Coleção: Roberto Carrazedo

11
Introdução
Assim, como no passado, a cada encontro de Alunos foram mantidas por meio das tecnologias
turma ou visitas programadas pelas autoridades da informação e pela capacidade de adaptação de
navais, é sempre motivo de orgulho e honra ou- todos os envolvidos, sem perder a qualidade que
vir dos integrantes das turmas que retornam a esperamos da formação de um Aluno do Colégio
este Colégio a seguinte frase “O Colégio de hoje Naval.
está melhor do que no meu tempo”. O brilho no Nossos alunos vivenciaram a História e terão
olhar dos integrantes das turmas e das Autorida- muitas para contar nas próximas décadas cele-
des Navais e a reciprocidade contidas nos olhares brativas, como esta do ano de 2021 e farão sua
atentos dos alunos refletem a certeza de que es- valorosa contribuição para continuar contando
tamos na singradura correta e dela não devemos as proezas e desafios enfrentados nesta maravi-
nos desviar a fim de bem preparar os nossos ho- lhosa Instituição, assim como seus antecessores
mens do mar. brilhantemente fizeram, ao enviar os belos textos
O Ano de 2020 foi desafiador para o Corpo que compõem este livro comemorativo. Não po-
Discente. Nesse Ano de 2020, e ainda no corren- deremos contar a parte deles que vivenciaram, na
te período, a pandemia do novo Coronavírus as- própria pele, um ano tão peculiar como o de 2020,
solou o mundo e trouxe incertezas que forçaram no qual algumas atividades tiveram que ser para-
os seres humanos a se reinventarem. Não foi di- lisadas, como as visitas, reuniões dos grêmios e
ferente com o Ensino, seja a parte acadêmica ou treinamentos de equipe, além da implementação
militar naval. Mas, o planejamento antecipado e do tão incômodo, mas necessário distanciamen-
a rapidez de reação de todos os setores do Colé- to entre as turmas. Faz-se questão de citar o “in-
gio Naval permitiram que nos adaptássemos aos cômodo distanciamento”, pois não é inerente ao
protocolos estabelecidos para proteção contra o ser humano se distanciar, mas, sim, organizar-se
coronavírus, como também ao período de aquar- em sociedade e, com o nauta não é diferente, pois
telamento dos alunos. Porém, cabe destacar, que dependemos um do outro quando estamos em-
o obstáculo mais desafiador ainda estava por vir: barcados em nossos vasos de guerra singrando os
como manter a formação de qualidade com os mares, fazendo exercícios e nos preparando para
alunos em suas residências? O Ensino a Distância, o combate no mar: é para essa atividade que so-
híbrido e as atividades do Comando de Corpo de mos treinados.

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Continuaremos a honrar todos os alunos que por aqui passaram, es-
pecialmente aos integrantes da turma de 1951, pioneiros da Esperança da
Armada Brasileira que numa viagem memorável a bordo de dois contra
torpedeiros chegaram às novas instalações que tem o mar verde reluzente
à sua proa e uma mata exuberantemente verde à retaguarda. Honraremos
também todos os Comandantes, Oficiais, Docentes e tripulações que guia-
ram conjuntamente, no passado, o timão do nosso “Barco Amarelo” por
sete décadas de êxito em muito bem cumprir a missão de preparar com
excelência os Aspirantes para Escola Naval.
Novas reformas estruturais acontecem, novas práticas peda-
gógicas são implementadas, novos conhecimentos surgem,
mas a essência permanecerá!
Viva a Marinha!
Viva aos que por aqui passaram!
E Vida longa ao Colégio Naval – Esperança
da Armada Brasileira com o Ideal de no alto
manter, SEMPRE, a nossa Bandeira!



13
Introdução

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Introdução

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17
7 Décadas de Ensino
e Formação Militar

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20
1951 - AACN - 51
1952 - AACN - 52
1953 - José Humberto de Farias
1954 - DEDO
1955 - ELMO
1956 - FACE
1957 - Quevedo
1958 - Rodin
1959 - Mendes

A Fragata - revista organizada pela Sociedade Mesa doada pela Turma


Acadêmica Greehalgh com objetivo de cobrir Elmo pelos seus 50 anos de
diversos eventos da formação dos Alunos, admissão no Colégio Naval.
desde a Adaptação até o Baile da Âncora.
Edição de 1960 que cobriu a Turma de 1959.

21
1956

Sempre na Linha do Vento


Uma história vitoriosa da Turma Face
Por Carlos Alberto Almeida Pereira da Silva
e CMG (Refº) - Presidente da Turma Face

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“1956: Pensando bem, nós nascemos nesse ano”
(palavras do colega Marcello Silva que estão gravadas para sempre na placa colocada
ao pé do Gingilim, hoje morador no espaço cultural do Colégio Naval).
MEMÓRIA, SAUDADE, AMIZADE, é o que vou comentar.
Começamos mal!

A
cerimônia da declaração de Guardas-marinha, sem brilho,
foi realizada no dia 27 de janeiro, não em 13 de dezembro,
como era costume, e no minúsculo ginásio da Escola Naval,
porque o tempo não ajudou: chovia muito!
Como decorrência, passamos 13,5 meses como aspirantes ulti-
manistas, com um atraso original de cerca 1,5 meses para sermos
declarados Guardas-marinha.
Sobreveio a renúncia do presidente da República, atrasando
a viagem de instrução e mudando-a para o continente africano,
quando, tradicionalmente, era para Europa e Estados Unidos.
Tudo isso resultou no atraso na promoção a Capitão-Tenente
de 1,5 meses, a mesma demora original ocorrida quando da decla-
ração de Guardas-marinha.
Um livro nosso - Circunavegação da África e outras histórias
- narra, em retrospectiva pelos Guardas-marinha da viagem de
1961 nossas aventuras (desventuras?) no continente negro.
Na primeira contracapa: “Início do ano da graça de 1956”. Ja-
neiro, dia 29, um domingo. Quem sabe muitos de nós tenhamos
comemorado nesse dia, no almoço em família, seu mais recente
sucesso: aprovação para o Colégio Naval... Seguiríamos em março
para Angra dos Reis.
Éramos, em geral, muito jovens, aí pelos quinze, dezesseis anos,
embora alguns poucos estivessem no limite de idade para ingres-
so, chegando aos dezoito.
Vínhamos de diversos recantos do País, mas o maior contingen-
te era do Rio de Janeiro e Niterói.
Um concurso nacional selecionara uma centena e meia de ado-
lescentes, uns quase imberbes, outros nem tanto, constituindo a
sexta turma daquela escola preparatória de futuros aspirantes de
Marinha, para exercícios da profissão do mar. Receberíamos, mais
tarde, o título de Turma Face, nome da sexta letra do alfabeto na-
val daquele tempo.
23
1956
São membros vitalícios da Associação da
Turma Face 383 colegas que, chegando, fize-
ram história, protagonizando “estórias” e ou-
tros “causos”. Muitos partiram deixando sau-
dades.
A passagem pelo Colégio Naval foi marca-
da pelo Código de Honra, por nós adotado,
que tinha como finalidade original “a educa-
ção moral do aluno, concorrendo, assim, para
aprimoramento do seu caráter, para sua nítida
consciência de padrões de honra e dignidade
pessoal. Essa educação moral far-se-á, prin-
cipalmente, em torno de certos princípios de
conduta, cuja transgressão envolve ou acarre-
ta determinado grau de deformação moral ou
poluição de caráter, incompatível com a honra
militar”.
Narrei, até agora, alguns fatos que consti-
tuem os pilares da Turma Face.
Após a viagem de instrução, nomeados ofi-
ciais, tudo mudou!!!
Faceanos brilharam em todos os cursos de
aperfeiçoamento, bem como nos de Comando
e Estado-Maior em países estrangeiros como
França, Inglaterra e Estado Unidos.
Comandaram toda a classe de navios da
Marinha: os minúsculos “caças-pau” da Se-
gunda Guerra Mundial, navios varredores,
rebocadores, navios hidrográficos, oceanográ-
ficos, contratorpedeiros, fragatas, submarinos
e, até mesmo, o Navio-Aeródromo “Minas
Gerais”.
Um colega intendente tem o recorde de dias
de mar dos Intendentes, navegados em navios
da Diretoria de Hidrografia e Navegação e na
Esquadra.
Engenheiros navais construíram navios da
nossa Marinha.
O Navio-Escola “Brasil”, comandado por
faceano, fez a circunavegação do mundo.

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Um colega comandou o Navio de Apoio Oceanográfico
“Barão de Tefé” em duas operações de abastecimento da Es-
tação Antártica “Comandante Ferraz”, assim designada para
homenagear o faceano que tanto trabalhou para estabelecer o
Brasil naquele continente.
Faceanos comandaram Forças Navais, Distritos Navais, Di-
retorias Especializadas, Diretorias Gerais, Esquadra e Estado-
-Maior da Armada com grande eficiência.
Um Almirante comandou uma Operação Unitas com doze
navios de diversas Marinhas, desde La Guaira, Venezuela, até
à Patagônia.
Nossa turma deu onze Contra-Almirantes, oito Vices e qua-
tro Almirantes de Esquadra, sendo dois ministros do Superior
Tribunal Militar, um Comandante-Geral do Corpo de Fuzilei-
ros Navais e um colega exercendo o comando da Marinha.
Devemos todos esses êxitos às nossas crenças.
Acreditamos que sempre existe uma pessoa que sentirá
imensa falta na nossa ausência.
Acreditamos poder transcender a
morte no amplo sentido de legado como
uma família bem criada, filhos, netos,
uma obra para a posteridade, uma con-
tribuição à pesquisa, um livro escrito
ou mesmo uma árvore plantada.
Acreditamos que o Serviço Naval
não foi um fardo, mas oportunidade
de crescimento, evolução e realiza-
ção. Certamente, não passamos para
a Reserva com tristeza, porque fomos
muito felizes na Marinha do Brasil.

Assim, é a vitoriosa
TURMA FACE!

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1957

Encontro de Amigos
Por Aluno Trayahú Moreira Filho

Foto tirada em 1959

26
Aconteceu sem que tivesse sido programado.

L
embro-me de que em 1958, éramos do 2º
ano, estávamos de bobeira na ponte do
nosso querido Colégio Naval, em um fim
de semana, eu (do Maranhão), Trigueiro (da
Paraíba) e Pimentel (do Espírito Santo). Con-
versa para lá, conversa para cá (brincadeiras à
parte), quando um de nós, não me lembro quem,
teve a ideia: “Vamos tirar uma foto?”. Pedimos
a alguém para tirar a foto, em uma máquina
da época, com filme preto e branco. O filme foi
revelado e guardamos essa foto com cada um.

Foto tirada em 2017

27
1957

28
Cinquenta e nove anos depois, na festa de comemoração dos 60 anos da en-
trada da Turma Quevedo no CN, em 2017, pois entramos em 1957, eis que nos
encontramos e após a euforia do reencontro e a matança de saudades, alguém
perguntou:”Por que não repetimos aquela foto de 1958, no mesmo local e na
mesma ordem que saímos na foto antiga?”. Imediatamente aprovado, pedi-
mos para um colega de turma tirar a foto, agora com câmera digital e em cores
(que diferença!). E, assim fizemos, com uma preparação um pouco demorada,
compatível com a idade da trinca, e usando o celular do Pimentel, a foto foi,
finalmente, tirada (e repetida para evitar problemas). Após a festança que a
data merecia, a foto histórica foi distribuída para os demais.
Recebemos a foto e decidi montar um comparativo entre as duas. Passa-
ram-se 59 anos, ocorreram muitas histórias e cada um de nós teve o seu cami-
nho, com sucessos, fracassos, decepções, alegrias, tristezas, etc. Enfim, tudo
aquilo que a vida proporciona. As diferenças físicas marcantes entre nós fo-
ram evidenciadas nesse pequeno pedaço de papel, porém a antiga e profunda
amizade que construímos no CN, não pareceu diferente. Parece que tiramos a
segunda foto no dia seguinte. Saudades.

29
1958

Aula de Natação para


"afogados"
Por Carlos Leão

30
E
m 1958, aos sábados pela manhã, reunidos na cabeceira do
píer do Colégio Naval, a turma de afogados aguardava o
professor brasileiro, “catedrádico em esportes aquáticos e
talassoterapia”, conforme se apresentava aos jovens alunos.
Olhos esbugalhados atentos à chegada do professor que vinha
de bicicleta de Angra, trajando seu tradicional terno branco.
Não havia piscina no Colégio e as aulas eram dadas em mar
aberto.
“- Salta fulano e prepara beltrano”, berrava o professor bra-
sileiro, que com uma cordinha orientava os alunos em direção à
praia.
Maré baixa, os pilares do píer encrustados de corais eram os
abrigos dos praticantes apavorados que desistiam de prosseguir
e lá sentavam sangrando, aguardando a canadense para condu-
zi-los no restante do percurso.
E, assim, sábado após sábado, os alunos, mesmo apavorados,
iam dando as primeiras das muitas braçadas que a carreira naval
exigiria.

31
1959

Uma aventura
inesquecível
Por Paulo Décio Ribeiro

32
A
no de 1959. Fim do primeiro semestre no Colégio
Naval. Hora de desfrutar das tão esperadas férias.
Depois de superar os desafios de um semestre que
marcou de forma permanente a nossa formação moral e
intelectual, deixávamos Angra com um misto de sentimen-
to de alegria e de superação, por termos sobrevivido ao
período de adaptação no rígido Regulamento Interno do
Colégio Naval.
Já estava distante a emoção do primeiro dia, em que de-
pois de desembarcarmos no cais, entramos marchando, no
pátio interno do Colégio Naval. A partir dali, as nossas vi-
das estavam, indelevelmente, marcadas para o futuro que
havíamos escolhido. Mas, jamais imaginávamos os desa-
fios que teríamos que superar, para atingir nossos sonhos.
O dia começava com a Alvorada, às seis horas da manhã.
Levanta rápido no alojamento, desce do beliche, arruma a
cama, lava o rosto, escova os dentes na Rotunda, volta cor-
rendo ao alojamento, veste o uniforme de ginástica e parte
para a formatura da sua companhia. Para os alunos que
não sabiam nadar, “os afogados”, a rotina era mais pesada.
Depois do aquecimento no cais, tinham que mergulhar na
água gelada, onde aprendiam com o instrutor a dar as pri-
meiras braçadas.
E o ritmo se acelerava, em uma gincana: após a ginás-
tica, vinha o banho, a barba, o uniforme do dia, o café da
manhã, e antes das oito horas, a formação para a Cerimô-
nia de Hasteamento da Bandeira. Em pouco tempo, o alu-
no estava “safo” para iniciar as aulas, que duravam até às
doze horas.
Almoço que se aproxima, barriga com fome, e um ver-
dadeiro desafio. Cada mesa no rancho era formada por
oito alunos. Minha mesa, em particular, era composta por
três veteranos, dois repetentes, também considerados ve-
teranos e três calouros. Desse modo, os pedidos de refor-
ma de pratos especiais, tais como empadas e pastéis eram
disputados, ferozmente, pelos veteranos. Jamais chegavam
aos pratos dos calouros. Em compensação, os bolinhos La-
voisier, referência à Lei de que na natureza nada se cria
tudo se transforma, sempre sobravam.

33
1959

Decorridos os meses de adaptação, os calouros já esta-


vam integrados e ávidos para desfrutar aqueles 15 dias de
merecido descanso. Este, porém, não era o meu caso e de
outros dezenove calouros, que se inscreveram, voluntaria-
mente, para fazer uma viagem de instrução no Navio Es-
cola Guanabara. Para quem não tinha experiência de alto-
-mar aquele era um sonho. A viagem durava uma semana,
saindo do Rio de Janeiro, parando em Vitória e Salvador e
retornando ao Rio.
Veleiro famoso, com três mastros de 45,1m de altura,
com comprimento de 89,5m, boca de 12m e calado de
5,5 m era, originalmente, usado para viagens de Instrução
dos Guardas-Marinha. Dessa forma, embarcamos no NE
Guanabara, atracado no cais do Ministério da Marinha, de
onde partimos.
Para nossa surpresa, não éramos simples convidados,
curtindo dias de férias. Tínhamos que seguir todas as ro-
tinas, inclusive dar serviço nas dependências do navio.
Eram turnos de 4 horas por 8 horas de descanso ao longo
das 24 horas do dia. Raramente, conseguia-se ter uma noite
de sono completa. Além disso, participávamos das fainas
regulares de rotina do navio, como içar velas e guarnecer
postos de combate. Isso fez com que o tempo de viagem do
Rio a Vitória passasse despercebido.
Já estávamos prontos para visita à cidade, quando na
inspeção de formatura feita pelo Imediato do navio, eu e
outro colega fomos impedidos de baixar à terra, por estar
com o cabelo grande.
Essa decepção de não poder visitar a cidade, porém, logo
se transformou em motivo de satisfação. Havia se formado
uma fila imensa de pessoas ansiosas para visitação desse
Veleiro de rara beleza. Foi um dia espetacular ao conviver
com visitantes ávidos de conhecimento e crianças deslum-
bradas.
No dia seguinte, partimos para Salvador. Em Salvador, é
desnecessário dizer que o meu cabelo estava rigorosamen-
te cortado, e o uniforme impecável, na revista para baixar

34
à terra. Cada um tomou o destino que mais lhe convinha:
Mercado Modelo, Elevador Lacerda, Pelourinho, Igreja do
Bonfim e Farol da Barra. Eu escolhi visitar as igrejas e mu-
seus sacros, com destaque para a Igreja de São Francisco,
em estilo Barroco, considerada uma das Sete Maravilhas de
Origem Portuguesa no Mundo. Depois do almoço, percorri
os principais pontos turísticos da cidade e já era tempo de
retorno ao navio para continuação da viagem,
Partimos durante a noite de regresso ao Rio de Janeiro.
A viagem transcorria normalmente, quando na altura de
Abrolhos, enfrentamos uma grande tempestade. Diferente-
mente do que se vê em filmes, esta tempestade era ao vivo e
em cores. Mais ainda, apesar de ser um veleiro com grande
estabilidade, os movimentos dentro do barco eram de uma
realidade a toda prova. As ondas penetravam pela proa e
varriam, completamente, o convés, arrastando tudo pelo
caminho.
A permanência no convés era, terminantemente, proi-
bida. Circular pelos corredores internos do navio era um
desafio. Alguns alunos preferiram ficar no alojamento. Ou-
tros ficaram no passadiço, apreciando a batalha da tripu-
lação para levar o navio a um porto seguro. Eu me instalei
no refeitório, onde permaneci até que um balanço lateral
derrubou todos os armários de louças, e fui, a seguir, me
refugiar no alojamento. Não lembro quanto tempo durou a
tempestade, e não sei se tive medo. Mas, para marinheiro
de primeira viagem, a experiência superou todas as minhas
expectativas.
Diz o ditado que depois da tempestade vem a bonança.
Realmente, passado o sufoco em Abrolhos, a nossa viagem
de volta ao Rio de Janeiro transcorreu em um mar de Almi-
rante. Chegamos orgulhosos da nossa experiência e loucos
para contar essa aventura aos familiares que nos espera-
vam no cais.
Nessa viagem, tinha sido forjado o espírito marinheiro
naqueles alunos aventureiros.

35
1959

NE “Guanabara”
no Colégio Naval
S
obre um fato relevante que aconteceu na-
quela época, destaco a visita que o NE
“Guanabara”, hoje o NE “Sagres” de Por-
tugal, fez ao CN em 1960.
O navio fundeou em frente ao CN e cha-
mou muita atenção pela beleza de suas linhas
com os seus três mastros imponentes. Des-
pertou logo em todos nós o desejo de conhe-
cer de perto aquele enorme veleiro, novidade
para os alunos do CN.
Foi oferecida uma viagem rápida, de um
dia, para uma parte da turma. Os que pirua-
ram primeiro fizeram essa pequena viagem.
Quando o navio regressou, foi aberta pirua-
ção para quem quisesse viajar até à cidade de
Vitória no ES, voltando depois ao CN. Essa
viagem, logicamente, era mais longa, demo-
rando cerca de 15 dias mais ou menos.
Dos alunos que participaram da primeira
viagem, nenhum “piruou” participar da se-
gunda viagem, comentando o desconforto
que havia, já que os alunos utilizaram as ins-
talações dos marinheiros no navio.
A viagem a Vitória foi “piruada” somente
pelos alunos que não tinham realizado a pri-
meira viagem e que não sabiam de nada. Eu
estava nesse grupo.

36
Realmente, a viagem foi um desconforto
total, principalmente para nós que nunca
tínhamos viajado em navios da MB. Navio
jogando muito, alojamentos com beliches de
lona com 5 andares, banheiros fétidos devi-
do à pouca limpeza, comida ruim e, ainda,
fazíamos vários serviços a bordo. Logo des-
cobrimos porque os alunos que conheceram
antes o navio não “piruaram” a viagem mais
longa.
Mas, nem tudo foi tão ruim. Tivemos
o primeiro contato com o alto-mar, vimos
como é a rotina da vida a bordo, aprende-
mos muita coisa marinheira, acompanha-
mos serviços de navegação, participamos
das manobras de pano (velas), tiramos ser-
viço de timoneiro e conhecendo o sacrifício
da vida a bordo. Além do mais, conhecemos
a cidade de Vitória no Espírito Santo, onde
fomos muito bem recebidos.
Creio que essa primeira viagem, e
logo em um enorme veleiro da Marinha,
foi um acontecimento inesquecível para a
minha turma, ou pelo menos por uma parte
dela...

37
1959

O recorde
de salto triplo
O
s esportes eram muito incentivados e
praticados no Colégio Naval. Por isso, as
competições internas eram acirradas e to-
dos procuravam fazer de tudo. Muitos dos alunos
descobriram suas habilidades esportivas nessa
época. Serviam também para manter os alunos
em atividade para que não ficassem pensando
“besteiras”.
A principal competição interna reportava aos
jogos entre as Companhias. Havia de tudo: nata-
ção, remo, futebol, tênis de mesa, inclusive, logi-
camente, o atletismo; e foi aí que aconteceu uma
coisa inusitada.
Há que se registrar que o pessoal que arbitra-
va a competição era integrado por Cabos e Sar-
gentos de Educação Física (EPs) da Marinha e
que, na época, tinham conhecimento um pouco
limitado, além de serem em pequeno número.
No atletismo, durante a prova de salto triplo,
havia um árbitro observando se o atleta “quei-
mava” ou não, isto é, se, realmente, o salto tinha
sido iniciado antes da marca oficial (como deve-
ria ser). Havia outro árbitro observando o local
exato, onde o aluno caía na caixa de salto. De-
pois, era só medir a distância entre uma marca
e outra e estaria medida a distância que o atleta
saltou. Simples assim.

38
Até aí tudo bem, já que todo atleta de salto triplo deve
saber dar os três saltos regulamentares. Mas para alunos
com pouquíssima experiência, a coisa pode ser diferente.
O Aluno Araújo (vulgo Moringa para todos nós) foi
competir no salto triplo e, após o seu salto, a distância me-
dida estava perto do recorde brasileiro. Todos se espanta-
ram e a marca foi remedida e conferida. Era isso mesmo!
Seria um fenômeno? Um talento nato desabrochando? O
Moringa não parecia um atleta tão bom assim e nos trei-
namentos não chegou nem perto daquela marca. O que
houve, então?
A verdade é que havia árbitros na saída e na chegada
do salto, mas ninguém para verificar o meio do salto. O
Moringa deu quatro saltos em vez do salto “triplo” que
era esperado e a sua marca foi homologada como recorde
do Colégio. Alguns alunos que viram o salto “quádruplo”
foram reclamar com os árbitros:
- Ele deu quatro ou cinco saltos para chegar a essa marca!
Mas os árbitros foram irredutíveis.
- A medida foi checada! Não há erro! O salto foi válido!
Não sei se já corrigiram a falha. Caso contrário, o recor-
de de salto triplo do Colégio Naval jamais será quebrado
e o nome do Araújo (Moringa) ficará, eternamente, para a
história...

39
1959

Corrida rústica
U
ma das atividades para os alunos do Colégio Naval no início do
ano de 1959 foi a corrida rústica. Os ônibus do CN transportavam
os alunos até à ponta do cais de Angra dos Reis e todos, após dada
a partida, deveriam correr até à pista de atletismo do Colégio. Acho que
o percurso deveria ter cerca de 5 ou 6 km. Um ônibus vinha atrás para
recolher quem não aguentasse a corrida, além de uma ambulância para
os casos mais graves.
Na época, a cidade de Angra era muito pequena, todos se conheciam
e não havia muita coisa para fazer. A rústica passou a ser um programa,
e as pessoas se dirigiam até à praça para ver os cerca de 180 alunos, cor-
rendo pela cidade.
No meu caso seria um evento muito especial, pois conhecia muita
gente em Angra, principalmente os jovens, já que no ano anterior, em
1958, havia cursado o quarto ano ginasial, além de fazer curso prepara-
tório naquela cidade. Frequentei, diariamente, o Ginásio Angrense do
saudoso Prof. Travassos, fui a muitas festas, namorei algumas garotas,
saí com amigos para bares, em suma, era uma figura conhecida na área.
Quando o ônibus em que eu estava passou por Angra em direção ao
local de partida da rústica, reparei que muitas das pessoas em pé nas
ruas e na praça eram rostos conhecidos. Comecei a pensar que tinha de
fazer algo, pois os meus amigos e amigas, que estavam no percurso da
rústica, esperavam me ver. Mas, o que fazer? Quando todos corressem,
formaria um bolo de gente e seria difícil identificar alguém.
Para uma corrida daquela distância, todos sabiam que o ritmo tinha
que ser dosado para que o aluno não se cansasse logo. Antes da partida,
os Oficiais aconselharam que o início deveria ser devagar e depois au-
mentar o ritmo quando o aluno se sentisse mais à vontade. E foi aí que
tive uma ideia.
Após o tiro de partida, todos começaram em um ritmo mais lento e
foi a minha oportunidade de disparar como se estivesse em uma cor-
rida de 100 metros rasos. Lógico que saí na frente de todos, mantendo

40
velocidade máxima, embora sabendo que aquilo não ia demorar muito.
Contudo, demorou o suficiente para atravessar o cais, as ruas e, princi-
palmente, a praça com muitos conhecidos meus.
Foi uma vibração só, com gente gritando meu nome, com palavras
de incentivo, alguns correndo um pouco ao meu lado, pois afinal, um
amigo - quase angrense - estava em primeiro lugar disparado na frente
dos 180 competidores da rústica. Eu, ainda, saudava a todos abanando
o braço, mostrando que estava bem.
Estava bem só por fora, porque por dentro estava morrendo de can-
sado, torcendo para alcançar logo um ponto em que ninguém mais da
cidade pudesse me ver.
Foi no início da estrada do CN que contorna um morro: na base do
morro havia uma pedra que identifiquei como uma confortável poltro-
na. Sentei ali e não me levantei mais. Faltava ar nos pulmões e a mus-
culatura estava doída. Vi todos passarem correndo e só levantei para
entrar no primeiro ônibus que recolhia os “amorfos” (pessoal fraco, que
não faz esportes). Quando entrei, ainda perguntaram:
- O que você está fazendo aqui? Você não é atleta de basquete e vôlei?
- Sou sim, mas imprimi um ritmo muito forte. Estou morto!
Mais tarde, toda vez que estava em Angra dos Reis de folga, os ami-
gos perguntavam se eu havia vencido a rústica que eles lembravam.
Lógico que eu não poderia dizer o que aconteceu. Fazia uma cara de
modéstia e respondia.
- Sabe que no finalzinho conseguiram me passar? Acho que cansei
um pouco, mas foi uma boa prova.
Todos me cumprimentavam e, para eles, que me viram correndo em
primeiro lugar, fui o herói - meio angrense - da rústica do CN.
Só não sabiam é que o meu “finalzinho” foi naquela pedra na base
do morro, depois da cidade, no início da estrada que vai para o Colégio
Naval.

41
Turmas
1960 - Centenário da Batalha do Riachuelo
1961 - Aspirante Moura
1962 - Comandante Didier
1963 - Almirante Cox
1964 - Almirante Grenfell
1965 - Ricardo de Moraes
1966 - Visconde de Ouro Preto
1967 - Barão de Jaceguai
1968 - John Taylor
1969 - Esperança

O Gingilim - revista totalmente produzida pelos alunos do Colégio Naval, onde, com desenhos,
“causos” e estórias pitorescas narram um pouco da vida da caserna e desestressam por meio
do humor. Edições de 1966, 1967 e 1968, respectivamente.

43
1960

Turma
Centenário da Batalha
Naval do Riachuelo
O nevoeiro
Por CMG(Refº) Eden G. Ibrahim

44
E
ntrei para o CN em 1960. Naquele ano e nos seguintes, participei no que
chamamos até hoje de “patescaria”. Isso significa sair para navegar na
baía da Ilha Grande com uma embarcação do CN e parar em uma ou
mais praias para um pequeno “rancho”.
As águas calmas e límpidas de Angra dos Reis, nos anos 1960, eram um
convite para navegar. Hoje em dia, sei a angústia que os Oficiais responsá-
veis deviam sentir vendo jovens com idades em torno dos 16 anos, saindo em
uma embarcação com remos e/ou velas.
Entre 1983 e 86, fui COMCA e Imediato do CN. Em quase todo fim de
semana vivenciei algum “suspense” por causa de alguma embarcação com
regresso atrasado. Em uma ocasião, o mau tempo, incomum e fora de tempo-
rada, causou atraso no regresso de embarcações, canadenses na maioria. “Lei
de Brooke”: nessa ocasião, também estavam nas canadenses vários alunos da
EsPCEx e da EPCAr que tinham acabado de chegar no CN para a competição
daquele ano. Seus respectivos COMCAs ficaram muito preocupados, para
não dizer outra coisa.
Mas, voltemos aos anos 1960. Reunimos uns 12 colegas e pedimos o uso
de um escaler durante o domingo de outono, que se previa sem chuva, o
que realmente aconteceu. Na maior parte do dia, tivemos céu claro e sem
nuvens, exceto no início da manhã. Logo cedo, nos reunimos e começamos a
embarcar o material de rancho. Resumidamente, eram itens para vários tipos
de sanduiches e água. O nosso planejamento previa mergulhos em praias
de ilhas mais afastadas. Mas, não sem antes passar na praia do Bonfim para
comprar algum “reforço” para o rancho.
Durante a faina de embarque do material de rancho, notamos que uma
névoa começava a cobrir as águas próximas ao CN. Em uma rápida reunião o
mais antigo aceitou a opinião da maioria. Desatracar antes que a névoa fosse
notada e acabasse com o nosso passeio. Cabe lembrar que nos anos 1960, os
Alunos saiam para o Rio, apenas, a cada dois meses, em média. A patescaria
era a válvula de escape antes de mais uma semana de aulas etc. Saímos!
Logo em seguida, um nevoeiro de proporções inesquecíveis se formou e
a visibilidade caiu a zero. Como de costume, o colega no leme tinha afasta-
do o escaler da ponta da Tapera, onde residiam vários Oficiais, o COMCA,
inclusive. Então, foi feita meio que no “olho marinheiro” uma guinada com
cerca de 90° para BE em direção à praia do Bonfim, sempre com o cuidado de
não se aproximar da ponta da Tapera, na extremidade sul da enseada Batista
das Neves. Depois disso, foi preciso achar o caminho para a praia do Bonfim
dentro do nevoeiro, denso como nunca tínhamos visto. Agora, sei que ele, re-
almente, era muito denso após ter entrado em mais de 100 portos em dúzias
de países, em dois continentes, Europa e Américas.

45
1960

A patescaria também é aprendizado!

Escaler do CN ao iniciar patescaria nos anos 1960.

Capela do Senhor do Bonfim.

46
Alguém mais inteligente e/ou preocupado propôs uma solução:
“vamos até à igrejinha e aí guinamos 90° em direção ao Bonfim”. A
mencionada “igrejinha” é a Igreja do Bonfim ou Capela do Senhor do
Bonfim, construída no final do séc. XVIII, sobre uma pequena ilha, qua-
se uma pedra grande. Essa “pedra grande”, realmente, fica em frente
ao Bonfim. Mas, enxergar a “igrejinha” era o problema. Não recordo
quem disse, mas é uma verdade até hoje: “vamos bem devagar”, disse-
ram. E lá fomos nós, remando bem devagar para, dentro do nevoeiro,
achar o ponto certo para guinar, sem instrumentos, sem carta e sem
radar, quase como Cabral chegou ao Brasil em 1500! Entretanto, ele
tinha uma bússola, chegou a pano enquanto nós navegávamos a remo.
Eu me voluntariei para guarnecer o bico de proa e tentar achar a
“igrejinha”. Mais tarde, descobri que o marujo que guarnece essa posi-
ção é chamado “o vigia de proa”. Não demorou muito para vislumbrar
os contornos de uma construção bem na direção da proa. Olhei para
baixo e enxerguei as pedras da ilha. Gritei para parar no que fui, ime-
diatamente, atendido. Mas, o escaler chegou a encostar, quase subir,
na pedra embora com pouca força em decorrência da baixa velocidade
e dos remos atuando ao contrário. Quase caí na água e alguns colegas
caíram dos bancos onde remavam. Mas, achamos a ilha! Afastamos o
escaler da ilha, guinamos 90° e remamos para chegar ao Bonfim, onde
alcançamos a areia da praia, ainda remando!
Enquanto comprávamos no comércio local, formou-se a discussão
sobre seguir em frente ou não. Entretanto, o nevoeiro começou a se
desfazer sob o sol da manhã. Assim, fomos em frente para outras ilhas
de Angra dos Reis.
Após esse evento, vi muitos nevoeiros, mas apenas três tão densos
quanto o aqui narrado. Um na entrada de Rio Grande em 1975, outro
na chegada ao Rio de Janeiro em 1980. E o último, cerca de 1995, com
o porta contêineres Belatrix da Transroll Navegação ao entrar no porto
de Antuérpia. Cada um dos três permite um conto em separado. Em
todos, a velocidade foi reduzida e um vigia foi colocado na proa além
de outras providências, algumas partes do RIPEAM em vigor.
Da experiência narrada, o que interessa é que, nos momentos em
que naveguei sem visibilidade, a primeira memória que vinha à minha
mente era a navegação no escaler do CN com nevoeiro e as pedras da
“igrejinha” do Bonfim.
A patescaria também é aprendizado!

47
1960

A primeira vez
P
ara tudo sempre existe uma primeira vez! Colocar os pés sobre
um convés também! Navegar com um navio e, principalmente,
balançar no mar aberto com a embarcação é uma novidade para
99,9% dos brasileiros e brasileiras, Alunos do CN incluídos. Observe
que, até à pandemia de 2019, o turismo em cruzeiros marítimos na
costa brasileira cresceu vertiginosamente. Em abril de 2021, quase
todos os navios de cruzeiro (de passageiros) estavam parados, mas
algumas empresas já ensaiavam pequenos cruzeiros.
Mas, no início dos anos 1960, quase nenhum Aluno do CN ti-
nha pisado em um convés. Muito menos navegado em mar aberto e
ainda menos em um navio de guerra. Eis que surge na Baía da Ilha
Grande uma força tarefa (FT) composta por quatro Contratorpedei-
ros de Escolta, os chamados DEs. E atracaram no cais de Angra dos
Reis. O Comandante da FT, sabedor das dificuldades, de então, para
licenciar os Alunos, ofereceu transportar os cerca de 300 jovens para
o Rio de Janeiro. Alegria geral! Alegria dos Alunos que vislumbra-
vam a realização do sonho de irem para casa, da administração do
CN que economizaria no rancho e alegria das tripulações dos navios
em voltar mais cedo para a sua base. Só a chefia do Ensino não ficou
satisfeita com a perda de alguns tempos de aulas.
A travessia marítima de Angra até o Rio dura cerca de 12 horas,
quase o mesmo tempo que uma “viagem” usando o Aviso Rio das
Contas até Mangaratiba e de lá o trem da Central (hoje Supervia) até
o centro do Rio. Mas, cabe lembrar que os pequenos e ágeis navios
percorrem um grande trecho em mar aberto após a saída da barra
norte da Ilha Grande até entrar a Baía da Guanabara.
E embarcamos. Mais de 200 jovens com idades entre 16 e 18 anos.
Cerca de 50 em cada navio. Claro que os espaços habitáveis não
comportavam todos os Alunos que ficaram no convés apanhando
sol, matando a curiosidade sobre os equipamentos do navio. As fo-
tos se multiplicavam e os tripulantes se revezavam para afastar os
jovens Alunos dos equipamentos mais “sensíveis” às mãos de ado-
lescentes.

48
Primeira viagem. DE e atual Navio Museu Bauru

Mas, então, saímos da Baía da Ilha Grande! A altura das ondas, em-
bora não muito grandes, se fez sentir nos estômagos dos Alunos quase
instantaneamente, justo quando se iniciava o serviço de rancho. A maio-
ria dos Alunos não almoçou. Alguns “devolveram aos peixes” o alimen-
to ingerido, carne seca com abóbora, o conhecido “jabá com jerimum”
naval. A maioria se adaptou ao balanço em pouco tempo, mas alguns
marcaram, mentalmente, aquele dia e em função da experiência vivida
e decidiram ser Fuzileiros Navais ou Intendentes.
A entrada na Baía da Guanabara e consequente redução do balanço a
poucos graus voltou a deixar todos animados para o regresso ao lar da
família. Os DEs atracaram no AMRJ na Ilha das Cobras e pegamos caro-
nas de alguns colegas ou o ônibus que nos aguardava para transportar
até o centro do Rio.
Naquela época, não existiam os celulares. Mesmo os telefones fixos
eram uma raridade. Por isso, muitos chegaram em casa famintos e sem
aviso. Choveram perguntas sobre a chegada inesperada e incomum.
Mas, no final todos ficaram satisfeitos.

49
1962

Turma
Comandante Didier
Uma turma pequena
e singular
Por CMG (Refº) William Carmo Cesar

50
A
melhor definição de nossa Turma CN quem vai querer?” Inesquecível. Na baía de
1962-63 foi forjada pelo saudoso amigo Sepetiba, nos aguardava o saudoso “Rio das
Gil, em artigo publicado pouco tempo Contas”, o Aviso que nos transportaria à en-
antes de ele nos deixar: “Uma Turma Singular!”. seada Batista das Neves, onde, recepcionados
Éramos cerca de 1.200 candidatos. Mil não no cais pelos veteranos, desembarcamos e pi-
conseguiram transpor o primeiro obstáculo, a samos, pela primeira vez, o convés de pedra
Matemática, e uma centena esbarraria nas de- do “Velho Barco”.
mais provas: Português, História/Geografia e A OS Nº18/1962 do Diretor, CMG Mário
Inglês/Francês (sim, àquela época o Francês Geraldo Ferreira Braga, nos matriculou no 1º
fazia parte de nosso currículo escolar). Em ano, conferindo identidade à nossa pequena
uma última etapa, mais 35 seriam excluídos Turma, uma das menores da Marinha. Mas,
em exames de Saúde e Psicotécnico e, ao final, ela era brasileiríssima, pois integrava cidadãos
67 foram aprovados. dos quatro cantos do País. Aos 63% do então
Com emoção, na manhã do dia 9 de mar- Estado da Guanabara e ex-DF, se somavam os
ço de 1962, na Estação Pedro II da Estrada de 20% de fluminenses do antigo Estado do Rio,
Ferro Central do Brasil, conhecemos os futu- da capital Niterói e do interior, maioria, a meu
ros colegas, alguns já companheiros de bairros juízo, justificada pela concentração de nossas
e de colégios. Estávamos começando a compor forças e navios na baía de Guanabara. Mas, os
nossa Turma e, sem percebermos, formando 17% restantes eram bem distribuídos regio-
mais um ramo de uma grande família, que nalmente, oriundos de nove estados: dois ce-
ainda pouco conhecíamos: a Família Naval. arenses e dois paulistas, um amazonense, um
Um trem nos conduziu até Mangaratiba. baiano, um mineiro, um mato-grossense, um
Quem não se lembra da garotada, na parada paranaense, um catarinense e um gaúcho...
do trem, aos brados, vendendo aquela gulo- representantes, portanto, de todas as regiões,
seima típica da região: “Olhe a Bananada Tita, inclusive de cidades distantes do nosso litoral.

Aviso “Rio das Contas”

51
1962

Missa de formatura no Mosteiro de São Bento - 1963

Rústica Terrestre em Angra dos Reis

52
Instalados no CN, iniciamos o curso, que a partir de 1962 deveria ter a duração de três anos. Em
meados do ano, a Administração Naval achou por bem revogar tal decisão, o que resultou em um
curso intensivão suplementar para os nossos veteranos e em uma superférias, de cinco meses, para a
nossa Turma. Em compensação, em 1963 tivemos que encarar um 2º Ano compacto, mais complexo
e deveras trabalhoso.
Foram dois anos envergando inesquecíveis uniformes, hoje não mais utilizados, como o “mescla”,
o “branco interno”, o desconfortável “cheviô” de casimira azul-marinho, todos com as golas sempre
fechadas. Havia, ainda, a elegante pelerine, a velha japona de lã armada em jaquetão com seis grandes
botões, e o caxangá, o tradicional chapéu de marinheiro, além da famosa mala marrom. A partir de
1963, os caxangás dos oficiais-alunos receberam a simbólica fita azul na borda superior. Quem não
se recorda, também, das camisas brancas dos jaquetões, com suas golas postiças e engomadas, presas
por aqueles dois minúsculos pinos dourados? Quão dificultoso era colocá-los, principalmente quan-
do às pressas, nas correrias para a licença... E das capas brancas dos bonés, que tínhamos que manter
sempre branquinhas e engomadas?
No início, tudo era novidade: o internato, a rotina, os uniformes, o corte de cabelo no artigo, os
procedimentos e, obviamente, a rigidez da disciplina militar... Tivemos que assimilar, rapidamente,
tudo isso e muito mais, de leva arriba, no safa a onça. Obviamente, a gíria marinheira somada à ter-
minologia náutica curricular, constituíam complicações à parte:
... andaina, mostra, reforma, jacuba, maca ferrada, toque de alvorada, matutina, rústica, papiro,
audiência, impedimento, bailéu, ronda, tolda, cochado, quarto de serviço, pau de zero às quatro, boca
de ferro, antiguidade é posto, baixar à terra, estar à garra, não deixar pegar, dar baixa, arvora, toque
de silêncio, formar pelotão, leva arriba, safa a onça ...

53
1962

Operação Saci - Agostinho

Uma parada diária - 1963

54
Com o tempo, essas expressões foram se incorporando à nossa fala diária, não sem alguns lances,
típicos de calouro que ainda não entendia que “volta ao rancho” não era para “regressar ao refeitó-
rio”,“farmácia” não era “remédio”, e que “passo o serviço sem preso no bailéu” não era “passo o
serviço se não vou preso no bailéu!”. Aconteceu, acreditem!
Como alunos, visita ao Cruzador “Tamandaré”, fundeado na enseada, e Viagem de Adaptação
nos contratorpedeiros “Bauru”, “Bracuí” e “Baependi”, com mareações, é claro.
A 31 de agosto, no 2º Ano, a patescaria-operativa “Operação Saci!”. Uma verdadeira operação
anfíbia, com um grupo por terra escalando morros, vegetação hostil, cipós e espinhos; e outro por
mar, em escaler a remo. O destino, a Praia da Fazenda, onde todos acamparam.
Na tarde de 22 de novembro de 1963, no pátio interno do CN, ouvimos, pelo rádio, bombástica
notícia: o assassinato, em Dallas, do presidente dos EUA, John Kennedy. Cinco anos depois, a 6
de junho, em Los Angeles, quando nossa Turma, então GM, se despedia daquele porto, a bordo
do NE “Custódio de Mello”, na circum-navegação de 1968, soubemos do assassinato do senador
Robert Kennedy naquela cidade. O destino cruzara nossas histórias.
Ao final de 1963, com emoção na alma, nos despedimos do “Velho Barco”, gratos pelas amiza-
des ali iniciadas, pelos ensinamentos e pelos momentos de felicidade, indelevelmente guardados
em nossos corações. Parabéns, “Velho Barco”, por toda sua história! Bravo Zulu!

55
1964

Turma
Almirante Grenfell
Por AE (Refº) João Afonso Prado Maia de Faria

56
N
a clara manhã de cinco de março de 1964, o Aviso
“Rio das Contas” atracou na ponte à vista do pe-
destal in memoriam de Batista das Neves, desem-
barcando pouco mais de uma centena de jovens, entre os
15 e 18 anos de idade.
A geografia local, além do belo azul da enseada, exibia
montanha e floresta; e ao centro, imponente, uma branca
e distinta arquitetura: o Colégio Naval! Na recepção, ofi-
ciais do Colégio e alunos remanescentes de 1963.
O instante marcava a chegada daqueles adolescentes
ao primeiro porto de suas vidas, após vencerem as duras
provas de um dificílimo concurso. Essa vitória criara um
justo orgulho no coração de seus pais. Se sondássemos as
motivações de nossa escolha, a resposta poderia ser: tra-
dição familiar; segurança financeira; uma formação sólida
e promissora; ou mesmo outros aspectos, desses que mo-
Revista A Fragata, editada 50 anos
vem em segredo a alma humana.
depois da formatura no Colégio Naval.

57
1964

Seleção de Futebol de Salão


que jogou contra o Clube
Naval, no Piraquê, em julho
de 1965, e venceu por 2 x1.
Alunos Luciano, Aranha,
Assis, Folhes, Faria, - CT
Fabio -, Rego, Jorge Vianna,
Nobre e Azevedo

Seleção de Basquetebol, em jogo


em 1965, em Brasília. Alunos
Coimbra, Luiz Fernando, Luiz
Celso, Cardoso, - CT Athayde
-, Destri, Ednisio, Cambiaghi,
Jannuzzi, Rocha Moura e Douglas

58
Equipe de Futebol
da 2ª Cia no Campe-
onato de Novos em
1964

Campeonato Interno de
Futebol de Salão em 1965.
Chedid, Brito, Figueiredo,
Faria, Destri, Rocha Mou-
ra, Delcio e Azevedo

59
1964

Futebol de salão da 3ª Cia. Campeonato Interno em 1965.


Alunos Nobre, Assis, Moreira Dias, Aranha, Ari, Tasso, Luciano, Jorge Vianna e Greenhalgh

Equipe de futebol de campo da


3ª Cia - Campeonato interno
em 1964. Alunos Gonçalves,
Chedid, Xerez, Prata, Faria,
Gallo, Luiz Antonio, Lopes, Lapa,
Liberato, Ney, Benício, Rubimar,
Wanderley (Veríssimo) e Aranha

60
Cerimônia de Encerramento do Ano Esportivo de 1965, entrega do Prêmio Olímpico - Melhor
Atleta - ao aluno Jannuzzi. Em sequência os alunos Jannuzzi, Folhes, Rego, Dalmo, Almeida,
Lincoln, Vilarinho e Chedid

Desembarque no porto de Santos em janeiro de 1965. Alunos: Goyano, Cardoso, Caldeira, Paulo
Cesar, Chedid, NS, NS, Folhes, Libonati, NS, Trovão, Cid, NS, NS, MacCulloch, NS, Valdir, NS, NS,
Rios, Moura, Zambeli, NS, Zacca e Rabello

61
1964

Divididos em grupos, percorre-


mos toda a área: alojamentos, salas de
aula, biblioteca, quadras de esporte,
pista de atletismo, ginásio, garagem
de barcos, enfermaria, cinema, cape-
la, vila e clube dos Oficiais, escaleres
e canadenses. A seguir, faina de rece-
ber os uniformes: mesclas, brancos,
caxangás, o cheviot, cintos afivela-
dos, as plaquetas com os nossos nú-
meros e nomes de guerra.
Novidade e estranhezas em quase
tudo. E assim, novos hábitos se im-
punham: formaturas, continências,
sinais de apito, toques de corne-
ta, silêncios, alvoradas, calistêni-
cas, rotinas, faxinas. No linguajar,
novíssimos costumes: sentido,
cobrir, alinhar, direita, volver, es-
querda, meia volta, alto, em fren-
te, marche, descansar, à ordem,
acelerar!
Na tarefa precípua dos estudos,
exaltemos nossos amados mestres, dedicados e pacientes, notáveis no traquejo com jovens
nem sempre fáceis de levar, e assim se firmaram em nossas vidas como belos exemplos a
seguir.
Foram avanços e dificuldades no trato com as ciências exatas: professor Serrão, na Ál-
gebra; Pitta, na Física; Coelho e Renato, na Química; Ovídio, no Desenho Geométrico; na
Trigonometria, Figueiredo e Frei Bernardo; incrementos com Jordão e França, no Portu-
guês; com Edison, no Inglês; na Geografia, Gilberto; Sócrates, na História; iniciamos em
Psicologia e Filosofia, com Farina. Igualmente inesquecíveis os militares, professores e
instrutores: no Ensino Militar Naval, o CT Valdes; em Armas Portáteis e Tiro, o CT-FN
Athayde; em Semáforas e Bandeiras, o CT Cardoso; e na Educação Física, o SG-EP Hilton.
E nós, aqueles jovens, quem éramos? Oriundos de todas as regiões do país, expressá-
vamos, um a um, complexas e naturais diferenças, mas um desígnio comum nos unira:
éramos uma turma!
Juntos, em momentos delicados e difíceis, aprendemos a moldar caráter e personali-
dade, fixamos lealdades, solidariedades, companheirismo, e criamos perenes amizades,
muitas das melhores de nossas existências. Adolescentes, padecíamos dos limites pró-
prios da idade. Daí, as incorrências no RDM, os “papiros”, as audiências com o ComCA,
e até com o Diretor. Sem dúvida, tudo isso virou aprendizado.

62
Sejam quais forem as vicissitudes sofridas, a turma CN-64 sempre é, como até
hoje, alegria e festa.
Alegria nas gozações dos colegas; nos apelidos; nos lances; nas torcidas es-
portivas; nas edições do Gingilim; na vitória de fazer a revista “A Fragata” anos
depois, dado que, por motivos adversos, não foi editada à época; alegria nas pa-
tescarias (caso daquele retorno a uma ilha da região, para consertar uma traves-
sura nossa, repintando as paredes de uma igreja local); alegria nas voltas para o
Rio por Aviso e trem, ou em 6 horas de ônibus, com divertidas paradas em Lídice
e Passa-Três; alegria nas rústicas natatórias; nas confusões em Angra; nos encon-
tros com as namoradas; nas visitas dos familiares; nas idas e vindas ilesas pelo
caminho aéreo!
E somos festa, como no “arraiá” junino de 65, organizado com baile, forró,
gincana e quadrilha, e as belas presenças de normalistas do Instituto de Educa-
ção; destoante apenas o dia seguinte, por uma atitude impensada da Turma, que
decidira não realizar uma prova, fato lamentável a ensejar consequências graves,
felizmente contornado com habilidade
pelos oficiais do ComCA; festa outra,
em que tudo deu errado, como a da or-
questra feminina das Golden Girls; festa
pra valer, no dia em que deixamos de ser
calouros; e ainda melhor, no dia em que
passamos para a Escola Naval, como ale-
gremente registrou o aluno Cavalcanti
“Pardal” em um desenho de Papai Noel
com seu trenó cheio de espadins.
O balanço de hoje, passados 57 anos,
é novamente festa e alegria,
pois que a CN-64 se mantém
mais que nunca unida e soli-
dária. Os colegas que não se-
guiram na carreira naval são
sempre lembrados e, sempre
que possível, os reencontra-
mos e comemoramos.
Nos 70 anos do intrépido
Velho Barco, se ao fonoclama
convocarem do Corrêa de Sá
(1001) ao Ferreira dos Santos
(1167), responderemos em
uníssono, onde quer que es-
tejamos: Presente!

63
1965

Turma
Barão de Tefé
Nosso tempo
no Colégio Naval

64
“Ao deixarmos com orgulho nossos lares”.

A
ssim começa o hino do Colégio Naval. Além do sentimento descrito nesse pri-
meiro verso, outros, certamente, a ele se incorporavam, como receio, ansiedade
e insegurança. Afinal, éramos adolescentes, entre 14 e 18 anos de idade que,
em sua maioria, ficariam internos pela primeira vez, longe de casa, onde contavam com
o apoio e a solidariedade proporcionados pela convivência com os amigos e a família.
Sabíamos que a vida mudaria completamente. Estaríamos sujeitos a uma rígida rotina,
à qual deveríamos nos acostumar rapidamente.
Vamos recordar algumas lembranças que marcaram a passagem da Turma
CN-65 por essa bela Instituição de ensino.
A primeira foi o encontro de um grupo, que mais tarde chamaríamos de Tur-
ma, no Cais da Bandeira, no Rio de Janeiro, para embarque no AvOc BEBERIBE.
Viagem Rio – Angra dos Reis inesquecível.
Alguns eram oriundos de Colégios Militares e, a maioria, ingressou por meio
de Concurso Público realizado em todos os rincões do Brasil. Nesse Grupo,
devemos destacar o Aluno NUNES, primeiro colocado nas provas intelectuais.
A segunda foi logo na chegada, em março de 1965, a arquitetura do Colégio,
semelhante a uma fortaleza medieval, embora sem fosso nem ponte levadiça.
Atravessávamos por uma porta em arco, embutida em paredes largas, para

FOTO 1 - 1965 – Postos de Continência na ponte do Colégio Naval, Alunos no


uniforme “Cheviot”

65
1965

o acesso a um amplo pátio retangular que frequentaríamos diariamente em


constantes formaturas. No térreo, situavam-se as salas de aula; no segundo
pavimento os vestiários, os dormitórios e a “rotunda”, apelido dado ao ba-
nheiro por sua forma circular.
Cedo, aprendemos que os alunos se dividiam em três categorias sociais bem
distintas: os “reps”, os veteranos, e nós, os calouros. A primeira tinha ligação
direta com a segunda, pois ambos integravam a turma anterior. Aos calouros
cabia obedecer e pouco aparecer. Como na época o curso era realizado em
dois anos, o rito de passagem para a categoria superior, o segundo ano, era en-
tendido como uma conquista a ser alcançada com muito estudo, dedicação e
disciplina para um final vitorioso merecido, a aprovação para a Escola Naval.
No período de 1965 a 1966, a licença para o Rio de Janeiro era de 15 em 15
dias e, nos fins de semana em que não éramos licenciados para o Rio, tinha a
licença para Angra dos Reis, onde, normalmente, os alunos frequentavam os
restaurantes de Angra, tais como o “Jacques” e a Pizzaria “Bambina”, que, ali-
ás, existe até hoje. Aos sábados à noite, vez por outra tinham bailes no Clube
Comercial e os alunos eram convidados.

FOTO 2 - 1966 – Guarda-Bandeira da Turma CN-65. Da esquerda para a direita: na testa,


Alunos Braga, Ricardo de Moraes, Marinho e Barros. Na segunda fileira: Alunos Lawrence,
Christiano e Brandão.

66
FOTO 3 - 1966 – Sala de Aula (da
esquerda para a direita e de vante para
trás) – Alunos Marinho, Cavalcanti,
Max, Aristeu, Costa Pereira, Coelho,
Perlingeiro, Pfaltzgraff, Lima, José de
Souza, Lyra, Batista, Setta, Élcio e De
Paula (mão erguida).

FOTO 4 - 1965 (66) – Diretoria do Grêmio


dos Alunos: da esquerda para a direita
– Alunos Brandão, Pelingeiro, Machado,
Setta, Marinho, Ricardo de Moraes, Barreto,
Fortes, Lawrence e Luiz Ernani

FOTO 5 - 1966 – Companhia em Desfile em


Continência: Comandando a Companhia
Aluno Cruz, Comandando o Pelotão Aluno
Tozzinni.

67
1965

Nesses fins de semana em que ficávamos em Angra, durante o dia,


muitos saíam para velejar na Baía da Ilha Grande, outros saiam de “ca-
nadenses” e em muitas ocasiões eram organizadas as famosas “patesca-
rias’, onde, normalmente, o destino era uma ilha e lá se praticava algum
esporte.
Certamente, uma lembrança que muitos devem ter é o do primeiro
fim de semana em Angra, onde muitos de nossos colegas receberam
seus pais e familiares, ficando marcado este primeiro encontro após o
início da vida de internato.
Como segundanistas, tivemos a nossa esperada viagem de instrução,
a bordo do Cruzador Barroso, onde tivemos como porto a cidade de
Salvador que também, certamente, essa estada deixou muitas boas lem-
branças em nossas memórias.
Nos dois anos em que estivemos no colégio, os diretores foram os
CMG Hélio Marroig de Mello, Affonso José Pereira e Ney Parente da
Costa. Entre os oficiais do Corpo de Alunos tivemos como COMCA, os
CC Quadra e Lima, como IMCA, os CT Waldes e Ennes e como Coman-
dantes de Companhia os CT Fábio, Antônio Carlos, Lima Barros e Paulo
Gustavo e os CT FN Athayde e Cardinot.
Certamente, também guardamos boas lembranças dos nossos mes-
tres: Gilberto de Geografia, Sócrates de História, Figueiredo de Álgebra,
Pitta de Física, Coelho e Jacob de Química, Farina de Filosofia, Serrão de
Trigonometria, Ovídio de Geometria Descritiva, Frei Bernardo e Edison
de Inglês e Jordão de Português.
Em pouco tempo, nos acostumamos ao cardápio do rancho, área
na qual imperava o cabo “Caixote”, o “chef” dos domínios culinários.
“Silveirinha”, “Frango atropelado”, “Vendaval na floresta”, “Banana
de jaquetão”, “Manto sagrado”, eram algumas das finas iguarias que
consumíamos diariamente, sempre acompanhadas da famosa jacuba. A
sobremesa predileta dos alunos era o doce de leite que, embora muito
prestigiado, não aparecia com frequência.
Nos fins de semana em que havia licença para o Rio de Janeiro, a
viagem era realizada no Aviso Rio das Contas ou em ônibus fretados. A
primeira era gratuita até Mangaratiba, onde pegava-se um trem para a
estação Leopoldina. Se o mar estivesse revolto, o sofrimento dos marea-
dos era de dar pena. O aluno sofredor jurava que não voltaria. A viagem
rodoviária sacolejava menos, mas durava seis horas. Isso se as estradas
secundárias existentes à época não sofressem desmoronamentos. A ver-
dade é que as duas opções eram pouco atraentes, especialmente para

68
FOTO 6 - 1966 – Licenciamento -
Uniforme de Licença “Jaquetão”.
Em pé da esquerda para a direita:
Hollanda, Alci, Dácio, Luiz Machado,
Amaral, Washington, Coutinho,
Romel, Cavalcanti, Luiz Ernani,
Carlos Azevedo, Botelho e Sérgio
Alberto.Agachados: Romani,
Sérgio Ferreira, Lawrence, Coelho,
Pfaltzgraff, Demerval e Quadra.

FOTO 7 – 1966 – Formatura no Pátio


Interno – Chegada da Delegação que
foi à NAE – Aluno Galvão com o
Troféu.

FOTO 8 - 1966 – Licenciamento


geral com uniforme “Jaquetão”,
em pé, da esquerda para a direita:
Alunos Pfaltzgraff, Délcio, Ari,
Bravo, Lawrence, Brandão, Carlos
Ferreira, Max, Jaime, Barca, ?, Galvão.
Agachados: Pimentel, Aristeu, Cruz,
Pinheirao, Botelho, Fortes, Sérgio
Ferreira, Augusto e Moisés.

69
1965

quem era obrigado a viajar de jaquetão, traje pouco recomendado para


viagens longas, sobretudo no verão. Mas, a felicidade de rever nossos fa-
miliares valia todo esse sacrifício. Triste era o regresso no domingo à tarde.
Fazer uma chamada telefônica para casa era uma experiência angus-
tiante. Em 1965, a espera por uma ligação de Angra dos Reis para o Rio de
Janeiro levava, em média, seis horas, condição inacreditável para quem no
século XXI fala em segundos, por meio de um celular, para qualquer parte
do mundo.
No final de 1966, depois de um ano como veteranos, sentindo-nos com
poderes de elevada autoridade, preparamo-nos para deixar o Colégio Na-
val e sermos, novamente, calouros na Escola Naval. Como fator positivo,

FOTO 9 – 1966 – Viagem de


adestramento a Salvador no Cruzador
Barroso, da esquerda para a direita
em pé: Alunos Nobre, Carlos Ferreira,
Guedes, Duarte, Luiz Ernani.
Agachados: Lawrence, Max e Ari.

FOTO 10 – 1966 – Viagem de Ades-


tramento a Salvador no Cruzador
Barroso, da esquerda para a direita:
Carlos Ferreira, Guedes, Villaboim,
Max, Ari e Nobre.

70
tínhamos a experiência dos dois (três para alguns) anos de vida militar e
a amizade dos colegas, pois agora constituíamos uma Turma que havia
criado vínculos de respeito, consideração, solidariedade e camaradagem
que durariam para sempre. Infelizmente, alguns de nossos colegas resol-
veram seguir outros caminhos, outras carreiras, outras especialidades e
não foram para Villegagnon. Mas, com uma certeza, o Colégio Naval os
havia preparado, intelectualmente e civicamente, para qualquer segmento
da vida que escolhessem. E mais importante de tudo, continuamos amigos
até os dias atuais.
Sentimos falta dos tempos de Colégio Naval? Certamente, sim. Como
definiu o poeta português Francisco Manuel de Mello, “Saudade é um bem
que se padece e um mal que se desfruta”.

FOTO 11 – 2015 – Comemoração


do Cinquentenário da entrada no
Colégio Naval da Turma CN-65. Foto
Oficial em frente ao Colégio Naval.

FOTO 12 – 2015 - Comemoração


do Cinquentenário da entrada no
Colégio Naval da Turma CN-65.

71
1966

Turma
Visconde de Ouro Preto
A licença -
O Aviso “Rio das Contas!”
(U21)
Por CMG (Refº) Gilson Antonio Victorino da Silva

72
72
N
os idos de 1966/1967, a cidade de Angra dos Reis não “era logo ali”.
Sua arquitetura colonial decadente sobrepujava, em muito, o esplendor
das mansões e condomínios que hoje pululam em seu litoral. Era iso-
lada, espremida pelo mar e pela luxuriante Mata Atlântica, sem atrativos para
os jovens e adolescentes alunos que lá, no Colégio Naval (CN), iniciavam sua
carreira naval.
Afastada do Rio de Janeiro por cerca de 200 quilômetros de estradas e ro-
dovias, ou 70 milhas náuticas, no viés marítimo de medição, Angra dos Reis
constituía-se em dura prova de obstáculos para os internos alunos que só, de
quinze em quinze dias (às vezes mais), podiam rever seus familiares e dar va-
zão aos sonhos e aventuras que infestavam a mente de qualquer um da mesma
faixa etária.
O licenciamento, então, era sempre aguardado com ansiedade e marcado,
dia a dia, em folhetins riscados, progressivamente, que ocorria de duas manei-
ras: por via rodoviária ou marítima, à escolha do aluno e de acordo com seus
gostos e/ou disponibilidades financeiras, uma vez que o trajeto terrestre não
era gratuito.

Missa de Formatura na Candelária.


73
73
1966

Formatura tradicional na Ponte.

Grupo em adestramento de tiro.

74
Primeiras remadas.

75
1966

Aqui, vou me ater ao marítimo, que se inicia-


va às 13 horas das sextas-feiras, quinzenalmen-
te (regra geral), precedido de rigorosa inspeção
de apuro de uniformes e de apresentação pes-
soal. A bordo do Aviso U 21 - RIO DAS CON-
TAS podíamos viajar mais à vontade, sem o pa-
letó do jaquetão e a gravata.
Largado o cais do CN, passada a Ilha Fran-
cisca e seu peculiar castelo residência, ao longe,
como que saída do túnel do tempo, por bom-
bordo, avistava-se a colonial cidade de Angra
dos Reis. Mais adiante, em contraste moderno,
na Baía de Jacuecanga, o pujante Estaleiro Ve-
rolme, àquela época ícone industrial do “Brasil
Grande”. Na mesma linha de visada, em repas-
sar histórico, o avistamento do obelisco que ho-
menageava os mortos do trágico afundamento Grupo no CL Barroso em Viagem de Instrucao
do Encouraçado AQUIDABÃ. Por boreste, a a Santos
enigmática Ilha Grande, de identidade mais as-
sociada ao famoso presídio que lá existia do que
à exuberante beleza natural que possuía, ainda
enriquecida pelas lendas que permeavam a sua
pequena Vila do Abraão. Enfim, íamos cruzan-
do a paradisíaca Baia da Ilha Grande, displicen-
temente, a desprezar a soberba natureza que
nos era oferecida em invulgares cenários de
ilhas verdejantes, Mata Atlântica (quase intoca-
da) e as inusitadas visitas de tubarões-martelo,
em espreita, para colher as sobras que huma-
nos desmazelados lhes ofereciam sem se darem
conta.
Chegávamos, então, à imensa Restinga da
Marambaia, com seu estirão tedioso a contri-
buir para o desconforto daqueles que sofriam
com o mar de través. Alívio visual era atingir
a altura de Pedra de Guaratiba, em prenúncio
de breve atracação na cidade do Rio de Janei-
ro (doce ilusão, porque ainda faltava muito).
Recreio dos Bandeirantes, Barra de Tijuca e
São Conrado como recantos quase desertos.
Já entardecendo, ou mesmo noite, a visão da

76
76
Avenida Niemayer, esporadicamente delineada pelos faróis acessos de eventuais
veículos. Tudo na triste penumbra de uma iluminação débil e amarelada. Leblon,
Ipanema e Copacabana, feericamente iluminados, mas nada comparável ao cenário
de “cartão postal” que se descortinava depois de entrar na Baía de Guanabara, onde
os edifícios em Botafogo, Flamengo e, sobretudo, Centro, multicoloriam o horizonte
urbano com neons diversos. Niterói, sem desdém, coadjuvante. E chegávamos ao
Cais da Bandeira, em torno das 19 horas, lúgubre, sem a intensa movimentação do
“expediente”. Uma pequena caminhada até o transporte urbano e o esperadoretor-
no para casa poucas horas depois.
Repousados, matadas as saudades, é chegado o domingo, dia de regresso. De
igual forma, partida às 13 horas do Cais da Bandeira. Especial destaque ao momen-
to, quando se observava que a espera por mais uma despedida reunia famílias e for-
java amizades indestrutíveis que, por certo, se estenderiam a planos transcendentes
as existências materiais dos protagonistas.
A volta ao CN fazia-se mais nostálgica, como todas as viagens de retorno às res-
ponsabilidades cotidianas: despedida do aconchego do lar; a alegria “de chegar”
substituída pela angústia das dificuldades a
enfrentar “em solitário”; o opaco diurno da
cidade sem luzes; o tédio da Restinga; o mar
de través; e a beleza da Baía da Ilha Gran-
de encoberta pela escuridão noturna, aqui e
acolá, flashiada por imprescindíveis farole-
tes e boias de auxílios à navegação.
Cerca de 19 horas, via-se o CN próximo,
imponente guardião da Enseada Batista das
Neves. Em formatura, adentrávamos o seu
portão principal, salpicados pelo mar e, tan-
to quanto possível, bem arrumados. Uma
breve ida ao alojamento para acomodar per-
tences, troca do jaquetão pelo “mescla” e rá-
pido atender ao “reunir para o cinema”. Em
seguida, “volta à calma”. O choroso toque
de SILÊNCIO. No beliche, sob a tênue luz
de polícia, reflexões finais, o reviver de mo-
mentos prazerosos. E eis que tudo era (foi)
muito bom (Gêneses 1:31). Uma lágrima,
por vezes. Sonhos. No dia seguinte, com o
lépido toque de ALVORADA recomeçar-se-
-ia o ciclo - nova gênese - da aventura naval
de viver.
Grupo no Patio Interno.

77
77
1967

Turma
Barão de Jaceguay
Por CA (RM1) Carlos Testoni

78
No início de 1967, as manchetes dos principais jornais do país destacavam notícias como:
CONGRESSO APROVA NOVA CONSTITUIÇÃO!
PRESIDENTE COSTA E SILVA TOMA POSSE!
MUDANÇA NA MOEDA: SURGE O CRUZEIRO NOVO!

M
as, para um grupo de jovens sonhadores, a única notícia que interessava era a que foi
publicada na página 4 do jornal Diário de Notícias, em 24 de fevereiro: “Chamados ao
Colégio Naval os candidatos aprovados”. O texto informava que os candidatos deveriam
comparecer no dia 1º de março na Escola Naval, a fim de receberem instruções sobre uniformes.
Haveria uma condução largando às 9 horas, em frente à Bolsa de Valores, na Praça XV.
Dias depois, em uma ensolarada manhã de domingo, a maioria daqueles jovens se despedia
discretamente dos seus parentes no cais e embarcavam no Aviso “Rio das Contas”, o U 21, com
destino à enseada Batista das Neves, em Angra dos Reis. Tinha início, no mar, a primeira “reu-
nião de turma” da futura Turma “Barão
de Jaceguay”.
Ao ser largada a última espia, come-
çava para aqueles garotos uma série de
aprendizados. O primeiro era sobre a
importância da família e dos entes que-
ridos, que acenavam de longe, saudosos,
alguns com lágrimas nos olhos. Os de-
mais aprendizados eram lições que so-
mente a Marinha pode proporcionar.
Ao chegarmos a Angra, começava a
difícil e desafiadora Semana de Adapta-
ção. Os, agora, alunos do 1º ano do Co-
légio Naval foram separados em nove
grupos, que depois iriam saber que se
“Diário de Notícias” de Jan/1966 com as relações dos
aprovados no concurso ao CN.

5 de março de 1967,
rumo ao Colégio 79
Naval.
1967

denominavam companhias e pelotões. Receberam plaquetas


de identificação nas cores azul (1ª Cia), verde (2ª Cia) e ver-
melha (3ª Cia) com seus respectivos nomes de guerra. Para
fins acadêmicos, foram distribuídos em cinco turmas com
suas respectivas salas de aulas de números 11 a 15. Em segui-
da, foi realizada a entrega dos uniformes, com destaque para
o indefectível mescla, quase sempre três números maior, mas
que após a segunda lavagem na lavanderia do Colégio, se
ajustava, perfeitamente, ao corpo do usuário. Além do mescla
e de outras peças, receberam o caxangá, o terrível cheviot, o
branco, a bermuda do oitavo uniforme, a capa de chuva que
ninguém usava e o pijama, com o qual ouviriam naquela mes-
ma noite, pela primeira vez, o triste toque de silêncio, que se
executado pelo “Corneteiro Apaixonado” teria cerca de três
minutos a mais de duração, parecendo que nunca iria termi-
nar.
Ao longo de duas semanas chegaram os outros compa-
nheiros que por algum motivo não puderam vir na primeira
viagem do Aviso. O 1º ano estava completo.
Dentro da rotina básica: sala de aula – ginástica ou ordem
unida – sala de aula transcorreu a adaptação. Nesse período,
os calouros tinham de conhecer os significados de diversas
siglas como GDP (Ginástica e Defesa Pessoal), EAQ (Espor-
tes Aquáticos), ETE (Esportes Terrestres), MEM (Manobra de
Embarcações Miúdas), PD (Plano de Dia), OU (Ordem Unida)
e dos diversos termos navais como “Parada”, “Calistênica”,
“Sétimo Tempo”, “Rancho Avançar” e o enigmático toque
de“Volta ao Banho”, cuja interpretação equivocada fez com
que alguns ficassem muito asseados.
É importante recordar que na ocasião o contato com os fa-
miliares só era possível por carta, isso quando o correio fun-
cionava. Falar ao telefone era, como o seriado de TV da época,
missão impossível. Era o tempo em que os pais entregavam
seus filhos para a Marinha e diziam: cuide dele e boa sorte! E
tudo dava certo. O Colégio Naval cuidava!
O ano de 1967 prosseguiu. Vieram as letras “P”: as provas,
as “pembas”, as partes, as punições. A descoberta do cami-
nho aéreo. O Baile da Âncora. A atriz Leila Diniz na Sala de
Estado, provocando agitação no Corpo de Alunos. As férias
de julho, o segundo semestre, as competições NAE, o 2º ano, a
repetição das letras “P”, a caminhada Angra – Rio, o discurso

80
80
do “Arrego”, o desfile de 7 de setembro em São Paulo, o
tradicional “Bacalhau”, a almejada formatura.
Diante de tantos desafios acadêmicos e impostos pela
vida militar, começou a brotar nos alunos da Turma
Barão de Jaceguay, o Espírito de Corpo, presente até os
dias atuais. Junto com esse espírito surgiu o amor e o
carinho pela Marinha.
O Colégio Naval tem, praticamente, a idade dos com-
ponentes da nossa Turma. Quando chegamos em 1967,
o Colégio também era um adolescente. Agora, comple-
ta 70 anos e durante todo esse tempo fez jus ao seu
tradicional lema: “A Esperança da Armada”.
Resta, portanto, cumprimentar nosso querido e
tradicional Colégio Naval no transcurso dos seus 70
anos, desejando mais uma longa derrota no rumo
certo, contribuindo, de maneira indelével, para a for-
mação dos futuros oficiais da Marinha do Brasil.
Viva o Colégio Naval!
Viva a Marinha!

81
1968

Turma
John Taylor
A infância e o mar
Por CMG (IM-Refº) Paulo Francisco Silva Leitão de Souza

82
83
1968

O maravilhoso nascer do sol.


O incansável vai e vem das ondas cobrindo as E, assim foi feito, junto a centenas de candida-
areias.

Q
tos prestamos concurso em 1967 para ingressar
uando menino, nosso primeiro contato na Força e formamos, os aprovados, juntamen-
com o mar se dava nas idas à praia com te com os transferidos dos Colégios Militares e
a família. Bons tempos em que as brinca- aqueles que tinham resolvido fazer o curso pela
deiras na água e na areia eram as nossas maiores segunda vez, a Turma de 1968 do Colégio Naval.
preocupações.
No dia 03 de março seguinte, um grupo de jo-
Os anos foram passando e o contato com o mar vens reuniu-se no Cais da Bandeira para embar-
aumentava e passamos a nos divertir praticando car na belonave U21 – Aviso Rio das Contas, em
vários tipos de esportes e promovendo reuniões direção a Angra dos Reis, carregando sonhos e
com os amigos. expectativas sobre o futuro que estava se aproxi-
Muito cedo, a ideia de entrar para a Marinha mando.
foi se formando, incutida, é certo, em meu caso, A bordo daquele simples navio fizemos a via-
pela vontade de minha mãe, admiradora da car- gem inicial em que nossa imaginação foi, rapi-
reira militar, que achava linda e especial onde, damente, diminuindo seu ímpeto, passando de
ainda jovens, poderíamos obter nossa indepen- uma aventura épica para uma mera questão de
dência. sobrevivência tão logo cruzamos a barra.

84
Ao chegarmos à enseada Batista das Neves e trar para as Forças Armadas – não sabiam o que
nos depararmos com aquele prédio imponente, significava ser militar. Ouso afirmar que, de fato,
aquele grupo procedente de várias partes do Bra- nem nossos parentes sabiam. Exceto, aqueles que
sil, com diferentes culturas, regionalismos, sota- tinham militares em suas famílias. “Defender a
ques, níveis de educação, de padrões de vida, se pátria com o sacrifício da própria vida”, prova-
encontrou para constituir esta Turma. O grupo velmente, não estava entre os desejos de nossos
somado aos demais colegas que embarcaram até pais.
1973, compuseram a Turma John Taylor. Em Angra, debaixo daquele prédio de arquite-
A Marinha juntou-nos, preparou-nos, educou- tura colonial, começamos a forjar novas amizades
-nos, com as matérias clássicas e com as coisas do criando e solidificando o chamado “Espírito de
mar, de modo a formar uma Turma uniforme, Turma”, que nos acompanha até hoje.
importante para a continuidade dos trabalhos Isso nos lembra o velho grito de guerra dos alu-
navais. nos, entoado nos momentos marcantes de nossos
A partir daquele instante inicial, passamos a dois anos e nos deixando uma imensa saudade
dispor de tudo de forma organizada: saúde, edu- no peito.
cação, esportes, proteção, que aliados à nossa ju-
ventude carregada de hormônios e de vitalidade, “AO COLÉGIO NAVAL TUDO OU
levou-nos até os dias atuais. NADA!!!!!
Jovens que não faziam a menor ideia da res- TUDO O OOOOO
ponsabilidade que estavam assumindo ao en- E ENTÃO COMO É QUE É...............”
85
1969

Turma Esperança
1969 - A Turma Esperança
Por CA (RM1) Guilherme Mattos de Abreu (Aluno 1022)

“Que não sejam apenas a esperança de seus pais, irmãos e namoradas, mas que trans-
cendam as fronteiras do lar, para representarem a esperança desta Marinha que se renova.”
Contra-Almirante Rubem José Rodrigues de Mattos, em 11 de junho de 1971.

Alunos Guilherme e
José Carlos, na torre,
em 28 de novembro de
1970. 
Autor da foto: Paulo de
Tarso Sampaio Rocha
(hoje CMG (Refº).

86
E
m 19 de fevereiro de 1969, jovens adolescentes ansiosos e inseguros, oriundos de diversos
estados, chegaram à Angra dos Reis e alinharam-se em uma formatura algo desajeitada,
junto ao Monumento a Baptista das Neves, onde foram recepcionados por “amistosos”
adaptadores.
Juntamente com outros 21 remanescentes do ano anterior, somariam 280 Alunos - a maior
turma da história deste septuagenário Colégio Naval. Esse grupo, ao longo do tempo, receberia
adesões e sofreria perdas voluntárias e involuntárias.
Assim, começou a história da notável Turma “Esperança”!
Ao ingressarmos no Colégio, hoje vemos que as amendoeiras do pátio interno cresceram e
parece sem sentido, por exemplo, contarmos a história do Comandante da Primeira Companhia,
que, em um treinamento de ordem unida, ficou enganchado com o fuzil em uma delas, ao fazer
uma demonstração para a tropa, de pé, sobre um dos bancos. No seu entusiasmo frustrado,
queria nos tornar marciais como os “Guardas da Rainha”, dizia. Aliás, os Alunos não mais ma-
nuseiam armamento!
O Colégio evoluiu em instalações, no ensino e em diversos outros aspectos, no qual ressalto a
atenção ao Corpo de Alunos. Atualmente, não se admite, por exemplo, a inobservância de nor-
mas de segurança.
Hoje, não seria permitido sair com as antigas canadenses de alumínio sem coletes salva-vidas,
o que quase custou a vida de dois Alunos, quando viraram com a embarcação distante de terra,
em algum dia de 1970. Foram resgatados pela tripulação de um navio mercante que aguardava
vaga para atracação no Porto de Angra.

87
1969

Foi um ano difícil, aquele 1969! Para muitos No primeiro dia, todos os veteranos embar-
- alguns mal tinham completado quatorze anos caram. O Colégio era só nosso! Pudemos fazer
- era a primeira vez que se viam afastados dos tudo o que queríamos, inclusive o que nos era
pais e tinham que se arranjar sozinhos, em um proibido, como sair com as canadenses, utilizar
ambiente novo e agressivo. as quadras de esporte, campo de futebol e pisci-
Felizmente, ou melhor, infelizmente , tínha- na nas horas de recreação. Calouros expunham
mos os nossos veteranos a cuidar da gente e ze- as suas “farmácias”, sem receio.
lar pelo nosso sono! Nesse ponto, destaca-se O dia seguinte foi magnífico! Foi o nosso
que, diferentemente das demais turmas, algum quebra-sal! Poucos, até então, haviam tido a
luminar decidira que os remanescentes do ano oportunidade de entrar em um navio de guer-
anterior seriam posicionados a frente dos no- ra. De repente, surgiu a de embarcarmos em
vos Alunos, ocupando os números de 1001 a contratorpedeiros e em um submarino. Magní-
1021, redundando em uma concentração de ve- ficos navios para realizarmos o nosso primeiro
teranos, tanto nos alojamentos quanto em salas dia de mar na carreira!
de aula, o que contribuía para a organização e No outro dia, veio a retaliação, pois, em
intensificação do trote. nossa ausência, os veteranos tomaram conhe-
Não bastassem as dificuldades, naquele ano cimento dos abusos da véspera. Os ousados ca-
a Marinha decidiu renovar os uniformes dos louros haviam deixado as suas estripulias do-
Alunos, que passaram a ser iguais aos dos ofi- cumentadas nas diversas papeletas de controle.
ciais. Assim, os desconfortáveis mescla e bran- Consequência: alguns dias de “abrolhos”.
co de manga comprida foram aposentados e Certamente, cada um de nós teria muito que
substituídos, respectivamente, pelos uniformes contar das experiências vividas no Colégio Na-
cinza e branco de manga curta. Tratava-se de val. Das primeiras aventuras, que, por vezes,
uma evolução, por certo! Mas, com consequên- acabavam em brigas na cidade, que exigiam a
cias para os recém-chegados. atuação de escoltas para resgatar os Alunos be-
Obviamente, essa substituição iniciou-se ligerantes. Das passagens pelo bailéu, o que,
pelo primeiro ano! Com isso, os calouros eram para os usuários contumazes, não eram tão
identificados à distância, enquanto os vetera- duras, pois, sabe-se lá como, tinham cópia da
nos podiam ser confundidos com militares da chave.
guarnição, por vestirem uniformes semelhan- Das saídas não autorizadas para Angra (com
tes. Não havia como se escamar! frequência, via “caminho aéreo”), para as quais
Somente em maio teríamos o primeiro alívio. se necessitava de algum preparo físico, criativi-
O então Contra-Almirante Joaquim Américo dade e sorte. Os Alunos ficavam limitados ao
dos Santos Coelho Lobo, Comandante da For- prédio principal, após o jantar, sendo a única
ça de Contratorpedeiros, pai de um de nossos saída regular pela Sala de Estado. A fuga para
colegas de turma, programou uma comissão de Angra demandava realizar um rapel, a partir do
adestramento para a região de Angra dos Reis e segundo andar do prédio, onde ficavam os alo-
enviou convite ao Colégio para que embarcas- jamentos (e consequentemente, esforço na vol-
sem todos os Alunos, em duas levas, no que foi ta, se pelo mesmo caminho); seguir pela trilha
atendido. Foram dois dias marcantes. na mata para cidade; e driblar o OSCA duas ou

88
três vezes, considerando a possibilidade de que queimadas. Muitos de nós tínhamos os fuzis
este resolvesse realizar uma inspeção noturna municiados, nos desfiles de Sete de Setembro,
(um simulacro de um boneco era montado no em 1969 e 1970. Em 1970, o nosso desfile foi
beliche, com esta finalidade). Alguns insuces- interrompido no início da marcha, sem expli-
sos eram cômicos, como é o caso daqueles dois cação. Especulamos tratar-se de ameaça terro-
espertos que, querendo ir para o Rio de Janeiro rista em que éramos as vítimas em potencial.
em um fim de semana, pegaram carona em um O ano de 1971 assinala o início de uma
fusca de um oficial recém-embarcado, na saída nova fase, na Escola Naval. Em 11 de junho,
da cidade. Muito falantes e vangloriando-se do a Turma, constituída de 232 Aspirantes, jurou
feito, puseram tudo a perder. Foram deixados à bandeira e recebeu os espadins. Na ocasião,
na Estrada Angra-Getulândia, com ordem de seria associada à explosão de desenvolvimen-
retornar para o CN, onde se apresentaram ca- to e otimismo que vivia o nosso País e que
bisbaixos, não escapando da cadeia e de rece- também se refletia na Marinha e receberia um
berem criativos apelidos. nome que passaria a distinguir os seus inte-
Durante dois ou mais anos, o Colégio Naval grantes entre os seus pares, qualquer que fosse
foi o lar que nos acolheu. Foi um período em o período que dela tenham feito parte.
que frequentamos uma Angra dos Reis bucó- Ecoando os sentimentos de então, o Almi-
lica e escassamente povoada, e vivenciamos rante Rubem José Rodrigues de Mattos, en-
uma Baía da Ilha Grande ainda pouco afetada tão Diretor da Escola Naval, afirmou que era
pelos grandes empreendimentos imobiliários e tempo de semear a terra com esperança e de
pelos vícios de nosso tempo. Foi um período construir; e que por isso dar-nos-ia um batis-
que ficou na memória como uma época difícil, mo afetivo: denominar-nos-ia de Turma Espe-
em função da dedicação ao estudo, pela neces- rança.
sidade de se mudar de hábitos, pelo sacrifício Naquela época, as medidas relacionadas
do sono e das horas de lazer e pelo afastamento a um ambicioso plano de renovação imple-
da família, dos amigos e das namoradas. Como mentadas pela Alta Administração Naval,
uma época alegre, pelos incontáveis momentos que incluíam a construção de modernos na-
felizes vividos entre companheiros e amigos vios, obtenção de equipamentos e inovações
e, seguramente, como uma época inesquecível gerenciais, tornar-se-iam marcos importantes
em nossas vidas. Foi um período em que ama- do processo evolutivo que levou a Marinha a
durecemos e que condicionou as nossas vidas. um salto qualitativo expressivo em vários seg-
É forçoso dizer que também vivíamos isola- mentos a partir dos anos setenta, em função da
dos, com pouco acesso aos meios de comunica- incorporação de novos sistemas, procedimen-
ção e, em consequência, afastados dos dilemas tos e meios. A partir de 1975, muitos desses
e agitação que afetavam a nossa geração. Mas, meios teriam os Tenentes da Turma Esperança
a própria Marinha se encarregava de nos acor- como tripulantes no recebimento ou no início
dar, vez por outra, como nas duas oportunida- de sua vida operativa.
des em que fomos para São Paulo na Semana Colégio Naval! Obrigado por ter sido cená-
da Pátria, ocasião em que pudemos ver diver- rio e condutor de um período inesquecível de
sas marcas de confronto no campus da USP, nossas vidas, onde, jovens adolescentes, emer-
como pichações e viaturas policiais viradas ou gimos para vida adulta.

89
Turmas
1970 - Aspirante Cesar Henriques
1971 - Aspirante Conde
1972 - Humaitá
1973 - Visconde de Inhaúma
1974 - Almirante Alexandrino
1975 - Almirante Saldanha da Gama
1976 - Almirante Álvaro Alberto - 1º ano
1976 - Mariz e Barros - 2º ano
1977 - Torres e Alvim
1978 - Barão de Melgaço
1979 - Barão da Passagem

Revista A Fragata
da Turma 1970,
edição de 1971.

91
1971

Turma
Almirante Conde
Turma Colégio Naval 1971
Por CMG (IM-Refº) Sergio Henrique

92
E
ra um domingo, pela manhã, início de fe- Dada a partida da caravana de ônibus, a via-
vereiro de 1971, nós muito jovens, alguns gem transcorreu em um ambiente de camarada-
ainda imberbes, aglomerados na praça em gem e estabelecimento de novas amizades. A par-
frente ao Edifício Almirante Tamandaré, aguar- tir daquele momento teríamos muito tempo para
dando o embarque em ônibus especiais fretados nos conhecermos.
da Empresa EVAL que nos conduziriam para o O percurso Rio - Angra dos Reis demoraria
Colégio Naval. quatro horas e meia, seguindo pela Via Dutra (Rio
Acompanhados das famílias, umas mães cho- - São Paulo), entrando em Passa Três e Lídice, pe-
ravam pelo afastamento próximo de seus filhos, quenos lugarejos que mais tarde em nossos licen-
outras demonstravam alegrias pela conquista do ciamentos passamos a conhecer mais amiúde e,
ingresso de seus pequenos adolescentes em tão finalmente, Angra. Ainda, não existia a rodovia
seleto colégio. Alguns se confraternizavam, pois Rio-Santos, prontificada em 1975 e que encurtaria
já se conheciam desde o ano anterior, nos cursi- bastante o percurso.
nhos preparatórios, em especial o Tamandaré – A chegada no Colégio Naval, por volta de
na Rua Gonçalves Dias, no Centro – RJ; o Soeiro, meio-dia, foi cheia de expectativas, surpresas e
em Cascadura; e o Mallet Soares em Copacabana. incertezas. Fomos recebidos pelo Diretor do Co-
Observava-se, naquele momento, uma mistura légio Naval, CMG Paulo Freire, pelo Vice-Diretor
de vários sentimentos expressados pelos jovens CF Marciano, demais oficiais e pelos veteranos
futuros Alunos do Colégio Naval e seus familia- segundanistas, que seriam responsáveis em nos
res. aplicar a famosa “adaptação”, período em que
Esse era o grupo do Rio de Janeiro e Niterói. nos seriam ensinados a rotina do Colégio, trata-
Os paulistas já lá se encontravam e alguns do mento hierárquico, marchar e tantas coisas que
Nordeste e de outros estados demoraram mais nos trazem recordações boas e más daquela época.
a chegar. Os cearenses foram os últimos, já com Logo nos primeiros dias foram atribuídos nos-
a semana de adaptação iniciada. “Dizem as más sos “nomes de guerra” e “um número de corpo”
línguas que demoraram, pois vieram de jegue”. que nos acompanharia por toda a vida na Mari-
O último a chegar seria o Aluno Guimarães, do nha.
Rio de Janeiro, tendo recebido o último número Passamos a conhecer as instalações: o aloja-
classificatório. mento, os armários, nossas camas que logo apren-
Reunidos todos, dos mais distantes recantos demos a fazê-las, impecavelmente, sob o risco de
do País, passaríamos a conviver um multicultu- ficarmos “impedidos contra nossas vontades”
ralismo, ainda, desconhecido da maioria, porém nos fins de semana, onde aconteciam os licencia-
muito divertido, em decorrência dos sotaques mentos, caso não se enquadrasse no padrão es-
tão distintos. Isso nos proporcionou cultivar um tabelecido. Recebemos os uniformes, uns muito
sentimento de brasilidade muito saudável. Tal- largos e outros apertados, mas era assim mesmo,
vez, nosso primeiro aprendizado no Colégio Na- tínhamos que nos safar. Conhecemos as salas de
val tenha sido um sentimento de democracia e aula onde passaríamos grande parte de nossos
meritocracia, pois quem ali estava era por puro dias, ora em aula, ora em estudos, além dos obri-
esforço pessoal, conquistado sem seleção de sua gatórios após o jantar e antes da ceia. Ah!!! a ceia!!!
origem, raça, religião, riqueza ou outro qualquer Era um lanche servido após o estudo obrigatório
que não tenha sido o mérito de ser aprovado em e que aprendemos, rapidamente, a conhecer o fa-
um concurso transparente e público, com alto moso mate “brochante” e o bolo “asiático”.
grau de dificuldade.
93
1971

Não podemos esquecer das formaturas e Bacalhau.....era o ato de nos jogarmos da


inspeções diárias, quando tínhamos que raspar ponte do Colégio para comemorar nossa apro-
nossos “buços”, cortar o cabelo de acordo com vação escolar ou outro evento alegre;
o gabarito (tinha sempre uma foto na barbearia Hidráulica.....um saco de plástico cheio de
de um Aluno Calouro servindo como modelo), água, normalmente, lançado das marquises do
numa época que era moda os cabelos longos, Colégio que atingiam os desatentos e era mo-
usar uniforme, marchar, não se mexer em for- tivo de muitas gargalhadas quando acertados
matura e escutar, efusivamente, por parte dos em cheio;
nossos veteranos, “olha a mão espalmada, po-
legar também é dedo...” Bailéu........Na Marinha, a cadeia chama-se
bailéu. Local destinado a cumprirmos nossas
Do relacionamento diário com os colegas,
penas disciplinares. Diz a máxima de quem não
começaram as intimidades que nessa idade não
pegou alguns dias de bailéu, não passou pelo
possuía muitos freios sociais e, então, os apeli-
Colégio Naval;
dos surgiam, naturalmente, de forma diversa,
dependendo de quem era a pessoa ou o “lance Caminho aéreo.....caminho alternativo “não
cometido”. oficial” para a cidade e utilizado pelos alunos
Não irei mencioná-los para não constranger mais afoitos, principalmente nos dias de sema-
nenhum amigo. Alguns impublicáveis, outros na para Angra. Exigia muita coragem e equi-
nem tanto, tornando o seu titular a ser conhe- líbrio, principalmente no regresso ao Colégio
cido pelo apelido que perduram até os dias de depois de uma boa noitada no Farracho, Vera
hoje e não mais pelo dito “nome de guerra”. Cruz e Comercial, regada a bebidas alcoólicas.
Muitos são engraçadíssimos, nos divertindo E outros que não serão enumerados, pois a
quando os relembramos em nossas reuniões lista é extensa.
mensais. Nosso dia começava com o “toque de alvo-
Uma transformação rápida acontecia co- rada”, às 06h. Desejando ou não, tínhamos que
nosco sem percebermos, a começar pelo pala- nos levantar, arrumar a cama, fazer a higiene
vreado típico naval, que, naturalmente, fomos matinal, nos vestir, impecavelmente, e descer
assimilando. Alguns que não podemos deixar para a formatura. Tomávamos o café da ma-
de lembrar, pois nos trazem excelentes recor- nhã e, após, íamos direto para a sala de aula,
dações. ocupada em ensinamentos por todo o primeiro
Prefixo.......algum nome relacionado a um tempo, como era definido o dia até a hora do
lance em que o Calouro tinha que torná-lo real almoço. À tarde, praticaríamos o treinamento
ao ser chamado. Do tipo: Aluno Peru, prefixo: físico-militar, o conhecido TFM, chovendo ou
“glú, glú, glú” e, por aí, haja imaginação; não. Os Alunos pertencentes às equipes repre-
Lance.........algum acontecimento feito de sentativas esportivas do Colégio, treinavam à
forma a fugir às regras e que ficaram marcados, parte e, por muitas das vezes, extrapolavam os
principalmente os lances divertidos; horários do TFM. Banho geladíssimo na “Ro-
Farmácia......algumas guloseimas que trazía- tunda” - nome peculiar dado ao banheiro, jan-
mos de casa no regresso dos licenciamentos e tar, estudo obrigatório, ceia e o tão esperado
que, normalmente, eram “confiscadas” pelos “toque de silêncio”. Entre esses dois toques,
nossos veteranos; nosso tempo era totalmente ocupado.

94
Durante as aulas, aprendemos a nos levantar da, no início dessa jornada decidiram singrar
respeitosamente quando da entrada do “Mes- por outros mares e desbravar outras terras. En-
tre”, tratamento dispensado aos nossos pro- tretanto, isso não seria motivo para se afasta-
fessores na sala de aula, após o “mais antigo” rem do grupo, sendo muitos deles atuantes na
comandar o “levantai-vos”, palavra até aquele Associação de turma criada anos mais tarde.
momento desconhecida em nossos vocabulá- Finalizando, podemos afirmar que as lem-
rios. branças daqueles tempos estão bem marcadas
Aguardávamos o tão desejado final de sema- em nossas memórias. Foram momentos difí-
na, com a rotina mais “solecada”, com as saídas ceis de desprendimento do ambiente de nossa
de “canadense”, de barco à vela, nos bronze- primeira família, com certeza, possuidora de
armos na praia do colégio e, à noite, ir ao cine- raízes bem profundas, mas estávamos ingres-
ma adaptado no Ginásio de esportes ou para os sando em uma nova família, tão acolhedora e
que tinham namoradas em Angra, passear pela vibrante como a primeira.
cidade, curtindo os bailinhos do Vera Cruz, Co- Hoje, sabemos que “a vida só pode ser com-
mercial, Farracho, sem antes comerem uma pi- preendida olhando-se para trás; mas só pode
zza saborosa na Bambina. ser vivida olhando-se para frente”. Já não tere-
Mas, tinha o estudo, tão “puxado”, que, mos mais tanto tempo de vida como eram as
muitas das vezes, impedia qualquer atividade expectativas daqueles primeiros momentos vi-
mencionada, transformando-os em períodos de vidos no Colégio Naval, pois, assim, é a natu-
estudos, a fim de se colocar as matérias em dia, reza. Temos, hoje, muito mais passado do que
sempre atrasadas, só restando o cinema. futuro.
Quantas pressões sentidas, começando com Amizades desinteressadas por mais de cin-
as primeiras notas vermelhas em nossas vidas quenta anos não perduram por acaso. Cada um
escolares. de nós deu um pouco de si e recebeu em troca
Apesar de tantas atividades repletas de am- muito do grupo.
bientes formais, encontrávamos espaço para as Não podemos deixar de regressar ao nosso
brincadeiras, a cordialidade e o compromisso querido Colégio Naval, que, em breve, comple-
de amizade e a construção do espírito de cor- tará 70 anos, início dessa tão bela e fantástica
po cultivado até os dias de hoje. E isso nos aju- amizade e dedicar-lhe um dos mais nobres sen-
dava a enfrentar o afastamento de nossos lares timentos do Ser Humano, que é a GRATIDÃO
e as pressões a que não éramos acostumados. por ter forjado nosso espírito marinheiro entre
Estávamos nos tornando irmãos de farda, com outros atributos dos Homens do Mar.
quem iríamos para a guerra, se necessário fos- Obrigado, Colégio Naval, pela formação in-
se, com o sacrifício da própria vida. Éramos a telectual, física e moral que nos proporcionou.
Esperança da Armada!
A ideia de pertencermos a um grupo, com Viva o Colégio Naval!
identidade própria, acomodado e convivendo
em um mesmo ambiente, sob os mesmos im- Parabéns pelos seus 70 anos!
pulsos, com certeza, iria forjar a união e cama- Viva a Marinha!
radagem entre seus componentes. Muitos, ain- Viva o Brasil!

95
1975

Turma
Almirante
Saldanha da
Gama
Memórias marinheiras
Por CMG (RM1-EN) Adelson Silva Lucena
CMG (RM1) Julio Cesar Marrocos Pedreti
CMG (RM1) Nilberto Silva da Cruz
CF (RM1-FN) Sérgio Merola Junger

96
E
screver ou transcrever histórias nem sem-
pre é uma tarefa fácil, ainda mais quando
se trata de momentos vividos por alguns
dos leitores. Corre-se o risco de não sermos fi-
dedignos nos relatos e, até mesmo, torná-los in-
verossímeis. No entanto, quaisquer pequenos
exageros e/ou excessos contidos no texto devem
ser relevados, pois servem, principalmente, para
enfatizar o momento mágico vivido nos anos de
1975 e 1976 pelos integrantes da Turma Almi-
rante Saldanha da Gama (TASG), dando cores
e ritmo à narrativa.
Reunimos, aqui, algumas histórias e momen-
tos hilários contados durante nossos chopps
mensais e nos eventos (churrascos, festas juni-
nas e outros), e que, até aquele momento, eram,
totalmente, desconhecidos por alguns colegas.
São registros reais da vida de jovens inexpe-
rientes ingressando na Marinha. Momentos
que nos marcaram e representaram o espírito
aventureiro, às vezes, imaturo e, por vezes, ir- descobríamos o quão pesado era aquele alicate
responsável. Tudo o que foi vivido serviu para enorme usado para cortar o cadeado de alguém
forjar parte de nossa personalidade e nos fazer que havia perdido a chave do seu armário e, na
aprender com os erros e acertos, encarando os falta de um nome mais adequado, foi batizado
desafios que a vida marinheira nos apresentou como“trolha”.Descobríamos palavras novas ao
ao longo do tempo. Do sótão da memória, os calçar as guetas, beber jacuba e conviver com os
“causos” e lances vivenciados pela TASG, desde amigos aratacas. Das janelas dos alojamentos
seu ingresso na Marinha em 1975, emolduram no 2º andar, principalmente os das 1ª e 2ª Cia,
com flashes cômicos um período de nossa for- tínhamos o privilégio de poder observar de
mação, no qual foram moldados valores morais nossos beliches o lindo mar que a Enseada nos
e profissionais e iniciadas grandes amizades. apresentava e, à noite, embalava nosso sono
Como não sentir saudades daquela Enseada com o ruído das ondas. Para desbravar a natu-
Batista das Neves, onde o Colégio Naval (CN) reza da Enseada Batista das Neves não era raro
ergueu-se incrustado entre o mar e a vegetação que alguns Alunos seguissem pelo “aéreo”, tri-
angrense? Nos primeiros dias, foi difícil enten- lha “secreta” por trás do CN, para chegarem
der aquele uniforme de camisa com bermuda até Angra dos Reis. Era uma das alternativas
cinza, sapatos pretos e bibico. Que coisa estra- fujonas nos períodos em que a saída pelo por-
nha! E como era difícil entender o recebimento tão principal não era permitida. Aproveitar o
de ordens de outros jovens como nós! E quando “golpe” e estar na noite angrense era o melhor
algum temido veterano nos mandava buscar a dos programas. Quase sempre o destino eram
“trolha” na tolda? Mesmo sem saber do que se as boates (Dendecos, Farracho) e inferninhos
tratava, íamos o mais rápido possível e, então, da “Linda”, onde os locais, enciumados com os
97
1975

garbosos Alunos do CN, arrumavam confusão militar na cidade, representando a Marinha do


na disputa pelas gatinhas da região. Apesar Brasil, onde éramos uma das principais atra-
disso, a conhecida 1001, carinhosamente assim ções. Naquele dia, tivemos um café da manhã
chamada devido aos seus lindos dentes, e suas reforçado, pois seriam horas seguidas em for-
amigas (trepeléia, jubiléia e outros), preferiam matura sob sol forte até o momento do desfi-
os Alunos. Vez por outra, os incautos eram sur- le. O cardápio incluía uma proteína (bife, ovo
preendidos com a escolta do CN que os condu- cozido, iogurte e outros) como coadjuvante do
zia de volta para bordo. famoso CLPM (café com leite, pão e manteiga),
Os treinamentos de ordem unida e algumas no intuito de dar sustância aos Alunos. Lá pelas
cerimônias mais simples aconteciam quase tantas, já próximo do início do desfile, depois
sempre na área do campo de atletismo do CN, de muitos comandos de “sentido!”, “descan-
cuja pista de carvão levantava uma poeira escu- sar!” e “à vontade!”, um dos Alunos, trajando o
ra quando marchávamos, e que sujava não só seu apertado e vistoso uniforme branco, come-
nosso uniforme branco, como também a roupa çou a sentir os efeitos danosos que a tal refeição
bonita “de festa” dos convidados e autoridades reforçada provocou no seu trato intestinal. Na
que nos assistiam. O centro da cidade de Angra dúvida, temeroso de falar com os oficiais que
dos Reis também era palco de cerimônias em comandavam a tropa, resolveu esperar mais
algumas datas cívicas. Em uma manhã de 7 de um pouco. Porém, logo a seguir teve início o
setembro, todos se preparavam para o desfile desfile, e no primeiro passo forte sentiu a emo-

98
ção descer líquida e quente por dentro de sua nado a ilhota em frente, onde havia uma linda
calça em direção às polainas que encobriam capela. Após o jantar também era quase rotina
seus sapatos. Estas, apertando as bocas das cal- para muitos uma visita à Santinha, entrona-
ças, impediram aquela “coisa” de extravasar. da em uma redoma sobre uma grande pedra
Sentiu-se, então, aliviado tanto por cumprir de ao lado da piscina. As orações vinham não só
forma brilhante seu dever cívico marinheiro, dos devotos católicos, mas também daqueles
quanto pelo fim do desconforto fisiológico. Ao fervorosos que só tinham nota vermelha e em
final do desfile, embora ninguém aguentasse um desespero, quase sempre antes das provas,
mais ficar perto dele, pelo menos garantiu um em vez de estudar mais, buscavam o refúgio
elogio do seu comandante de companhia, ape- divino para o milagre de uma nota boa. As pri-
sar da chacota de todos. meiras experiências marinheiras vieram com
Que saudade das festas juninas do CN nas as “canadenses”, os pequenos barcos à vela e
noites frias de junho! Saudades também dos os escaleres onde explorávamos, em animadas
bailes, aguardados ansiosamente em alguma patescarias, as bonitas ilhas da região. Chegar
sexta-feira do mês. Para os bailes, os salões à Ilha Grande e à região do Abrahão era desa-
eram decorados com imagens e pinturas fosfo- fiante.
rescentes sob os reflexos de um globo espelha- Os primeiros embarques em meios navais
do que refletia raios de luz neon. Eram convida- nos trouxeram novas sensações. Um determi-
das meninas de colégios de nível médio do Rio nado Aluno que se dizia experiente, por ter
de Janeiro, que chegavam na sexta-feira à tarde, estudado em uma escola marinheira, e orien-
em ônibus fretados pelo CN e ficavam alojadas tava aos colegas para que se posicionassem a
no hotel de trânsito. Os próprios Alunos fica- sotavento (mais uma nova palavra!) quando
vam encarregados de arrumar os beliches das estivessem mareados. Foi engraçado ver o “ex-
meninas e alguns deixavam embaixo dos tra- periente” Aluno mareado abraçado por seu
vesseiros um maroto e bem-intencionado bilhe- próprio conteúdo estomacal ser expulso, vio-
tinho de boas-vindas, assinado pelo Don Juan. lentamente, pela boca ao se posicionar errada-
Durante o baile, havia sempre alguma beldade mente a barlavento, onde toda maresia e vento
procurando o anfitrião pelo nome deixado no do grande mar invadia seu corpo. Depois desse
bilhete. Quando a beldade não era tão beldade dia, ninguém jamais se esqueceu das palavras
assim, o “procurado” tentava mudar de nome barlavento e sotavento!
ou fugir dela. Apesar disso, alguns romances A Turma de 1975 foi a última que conheceu
começaram ali. Pares se formavam naquelas as agruras de encarar cerca de quatro horas de
noites embaladas ao som de Paul McCartney, ônibus da EVAL em uma viagem entre o Rio
Morris Albert, Carpenters, Bee Gees, Barry Ma- de Janeiro e Angra dos Reis, via as cidades de
nilow e outros, em danças com rostos coladi- Passa Três, Rio Claro e Lídice. Felizmente, foi
nhos e alguns casais bem agarradinhos. inaugurado o trecho da Rodovia Rio-Santos,
Mesmo com tantas atividades sociais e com- onde o mesmo trajeto levava pouco mais de
petições esportivas, nosso foco sempre era o duas horas. Em ônibus fretados pelos Alunos,
mar, onde tivemos os primeiros contatos com os chamados “especiais”, também passávamos
a marinharia. Era bom demais ir caminhando sufoco na condição de calouros. Nos domingos
ou correndo até a Praia do Bonfim e alcançar a à tarde, no regresso para o CN, junto com a

99
1975

roupa lavada e passada, levávamos em nossas picaz. Sua aula de interpretação seguia uma
maletas pretas as guloseimas que as mamães técnica para que todos participassem da leitura
preparavam para nosso deleite ao longo da se- “não silenciosa”. Os Alunos abriam o livro em
mana, as “farmácias”, muito cobiçadas pelos determinado texto e eram chamados, aleatoria-
veteranos. Não tínhamos onde esconder e era mente, para lê-lo em voz alta. O mestre, da sua
difícil chegar com alguma no CN. mesa, indicava as mudanças pela lista de cha-
Inesquecíveis também eram as aulas e pro- mada. Um de nós começava a ler e, de repen-
vas. A rotina nos primeiros dias de CN era: te, outro era chamado para dar continuidade à
pela manhã, aulas ou provas; à tarde, um bre- leitura. Dessa forma, ele conseguia que todos
ve descanso, além do TFM (treinamento físico- se mantivessem atentos e identificava proble-
militar); e, à noite, o estudo obrigatório, que mas de dicção ou entonação, importantes para
mantinha os Alunos do primeiro ano, das 19h a oratória do futuro oficial de Marinha. Fun-
até às 22h em sala estudando e aguardando o cionava, mas era muito enfadonho. Muitos se
horário da ceia, até a hora do toque de recolher. perdiam no acompanhamento do texto, assim
Dentre os vários mestres, um nos trazia os en- como aqueles que eram pegos de surpresa dor-
sinamentos da Língua Portuguesa, com todas mindo no fundo da sala e que tinham que ser
as suas nuances interpretativas de texto e as despertados por um colega para seguir na lei-
artimanhas da Gramática. Tratava-se do deca- tura. Alguns desses dorminhocos, mesmo sem
no do corpo docente; uma figura marcante que terem sido chamados pelo
gerou situações engraçadas. Ao entrar em sala, mestre, de gozação eram,
comandados pelo Aluno repentinamente, acorda-
mais antigo, todos se le-
vantavam em deferência
ao decano. O professor
Jordão, ou melhor, “Piu-
-Piu”, como era, ca-
rinhosamente, cha-
mado, devido ao
seu biotipo fran-
zino, lembrando
o personagem de
desenho animado,
era simpático e pers-

100
dos pelo colega ao lado, que o avisava para em alguma parede. Ele, ainda, dizia para todos
continuar a leitura. O incauto, desesperado, le- que andava sem cueca sob a calça para manter
vantava-se no susto e começava a ler o trecho a temperatura dos testículos controlada.
indicado. Ninguém entendia nada e o profes- Um caso desconcertante foi o de um certo
sor ficava atônito, causando uma risada geral Aluno, muito aplicado, que gostava de ter seu
e deixando a vítima sem graça. A partir daí, o uniforme sempre “na marca” para ganhar a
mestre criou a estratégia da leitura de pé, en- papeleta azul de BA - “Boa Apresentação”. An-
tendendo que, às vezes, o sono falava (ou dor- tes de dormir, gostava de engraxar os sapatos
mia) mais alto que o texto em si. Das aulas de e passar Kaol nos seus distintivos, já que pela
Desenho Técnico, lembramos do professor Oví- manhã o tempo era muito curto entre a “Al-
dio que, com sua “épura”, deixava muitos de vorada” e o café da manhã. Ocorre que todos
nós enlouquecidos. Não foram raras as vezes tinham que estar, obrigatoriamente, nos beli-
que nosso amigo “Jacaré” passou toda a prova ches às 22h, quando tocava “Silêncio”, as luzes
raspando a tinta nanquim derramada sobre a se apagavam e o oficial de serviço passava nos
folha de papel vegetal. Por falar em Jacaré, ele alojamentos para verificar se tudo estava “nos
gostava de bater recordes. Por vezes, ele cha- conformes” para o pernoite. Uma vez, nosso
mava alguns amigos de alojamento para crono- amigo estava no vestiário fazendo sua faxina
metrar suas corridas de costas, em um espaço após o Silêncio, sob os protestos do Aluno de
de pouco mais de 10m, que na maioria plantão do alojamento, já que podia “pegar”
das vezes acabava em um “estabacar” para ele, quando o oficial de serviço se aproxi-
mou. O garboso, mas incauto e irresponsável
Aluno foi avisado e, desesperado, pediu ao co-
lega de serviço que o trancasse no seu armário,
muito apertado, de onde só sairia quando o
“perigo” cessasse. Apesar do silêncio no
ambiente, depois que o “homem” foi em-
bora, o plantão deixou o colega trancado
dentro do armário em posição fetal por
mais uns 45 minutos, retribuindo
com crueldade o susto que havia
tomado devido ao Aluno “babão”.

101
1975

102
Como não se lembrar dos Alunos brilhan- Ao término do estudo obrigatório havia
tes que ao serem pegos dormindo em plena uma ceia noturna, onde, normalmente, ser-
aula pelo professor Armando, durante um viam biscoitos ou bolo “asiático” (causador
difícil exercício de Álgebra, eram chamados de uma azia sem fim) regados com um mate
ao quadro para resolver o tal exercício e o re- “brochante”, assim batizado devido aos bo-
solviam com maestria? O mestre autorizava atos de que eram acrescidos nele produtos
então: - pode voltar a dormir! O inglês téc- para diminuir ou controlar a libido juvenil.
nico também era temido por alguns. Nosso Verdade ou mentira, até hoje não se sabe a
colega “Sapão” acabou indo para a 2ª época resposta, nem o porquê de uma bebida tão
e, na prova, o professor Mr Galloway ten- estimulante ser servida à noite no lugar das
tou avaliar o desempenho do Aluno em uma famigeradas jacubas.
prova oral, e depois de várias tentativas sem Nos alojamentos e banheiros, os Alunos se
sucesso com as respostas às suas perguntas, aglomeravam para a higiene do fim do dia
por fim, para encerrar a prova, pediu que e preparando seus uniformes para o dia se-
ele simplesmente contasse até 20 em inglês. guinte. Antes do toque de “Silêncio”, apro-
Foi tudo muito bem até o número 11 (eleven), veitavam para engraxar os sapatos e limpar
daí em diante foi: “eleven-one ... eleven-two ... os distintivos e fivelas, bem como separar
eleven-three...”. Ficou de aprender um pouco uma camiseta limpa.
mais no ano seguinte, sem passar de ano. Al- Na calada da noite é que as coisas acon-
guns Alunos conheceram a chamada “mesa teciam nos alojamentos do CN. Certa vez,
de operação”, onde um dos Alunos era imo- após o estudo obrigatório, um Aluno descan-
bilizado dentro da sala de aula por outros, sava, em sono profundo, na parte superior
que tiravam sua roupa, deixando-o de cueca do beliche, quando seus ardilosos colegas
e meias; tudo era jogado no pátio interno ou resolveram aplicar um plano diabólico. Cui-
arremessado pela janela. Era muito engraça- dadosamente, içaram seu beliche da posição
do ver o seminu desesperado catando suas original, levaram-no pelo corredor, desceram
roupas no pátio interno. as escadas e o posicionaram no centro do pá-
As refeições deixaram marcas indeléveis tio interno, onde o incauto Aluno pernoitou
naqueles jovens marinheiros. No café da ma- relaxadamente... ao relento.
nhã, de vez em quando, um mingau ralo de Determinadas noites eram mais conturba-
maizena, aveia ou sagu caía bem. No almoço, das que outras, atrasando a realização das
tínhamos de tudo: do frango explodido aos últimas tarefas noturnas. Era época da NAE,
bifes duros (sola de sapato), ou o filé de pei- a tradicional competição entre as escolas
xe à milanesa (sandália de pescador). Tudo preparatórias militares (Colégio Naval, EP-
regado com uma boa e gelada jacuba de sa- CAr e EsPCEx) e nessas datas não existia a
bores diversos e indecifráveis. Muitos experi- formatura matinal. À noite, a preocupação
mentaram o “carnaval na zona”, pela primei- dos Alunos-atletas era descansar bem para a
ra vez, sem saber que era dobradinha. Para competição do dia seguinte. Todos no aloja-
aqueles que não conseguiam encarar certos mento aguardavam o toque de “Silêncio” e o
quitutes, a opção era correr para o Grêmio e descanso merecido. Em uma noite de um dos
safar a noite comprando um hambúrguer. dias de competição, agitados pela adrenalina

103
1975

do momento, a movimentação no alojamento era útil naquela época) e uma caixa de fósforos. Um
uma só confusão. Precisando repousar para, mais pedaço de barbante foi amarrado em uma das
uma vez, cair na piscina, um dos atletas recordis- extremidades do fundo do saco plástico e na ex-
tas da equipe de natação reclamava do barulho, tremidade oposta, na boca do saco, outro pedaço
enquanto outros do atletismo faziam bagunça, de barbante. Em seguida, encheu-se o saco com
recém-acomodados embaixo de seus cobertores. água até cerca de 2/5 da sua capacidade. Após
Sem conseguir ouvir o aviso do Aluno de servi- isso, amarrou as pontas soltas dos barbantes pre-
ço avisando que o “homem vem aí”, recebemos sos ao saco, no estrado da cama superior do beli-
insones a visita do oficial de serviço. Ao chegar che onde, em sono profundo, dormia a vítima. O
em nosso alojamento, um espaço amplo com be- saco com água ficou, longitudinalmente disposto,
liches ao longo de quase 40 metros de extensão, alinhado sobre o Aluno que lá dormia. O “grand
ouviu-se um burburinho vindo do fundo. Nesse finale” da montagem foi a colocação de um peda-
momento, que deveria ser de silêncio total, o pró- cinho da espiral de Fulminset, presa no meio do
prio oficial desloca-se em passos rápidos (ligeiri- barbante que prendia a boca do saco no estrado.
nho) ao provável local de onde vinha o barulho O resultado foi uma linda “hidráulica” de tempo
e pergunta: “Quem foi que estava falando?”. Al- autopropulsada que varreu, completamente, o
guns segundos se passaram em silêncio até que seu alvo, molhando-o da cabeça aos pés.
alguém do outro lado respondeu “Ninguém!”. Nenhum esforço físico nos fazia esmorecer.
Novamente, nosso algoz e brioso oficial de servi- Éramos mais fortes e persistentes do que ima-
ço desloca-se, rapidamente, para o lado oposto do ginávamos ser. Pagar flexões de braço era uma
alojamento e, novamente, pergunta: “Quem foi o constante quando algum “lance” era dado. Quan-
engraçadinho?”. Foram apenas alguns segundos do o “lanceiro” era reincidente ou a falta era mais
de silêncio recheado de risos contidos, quando do grave, não se fugia de uma boa “suga”. Eram
outro lado veio a irônica resposta em bom tom exercícios físicos intensos que aconteciam a qual-
ouvida por todos: “Alguém”. Gargalhada geral! quer hora do dia ou da noite, sem os oficiais per-
Não tinha como conter-se com as artimanhas ceberem. Ficar de “pinguim”, imóvel em uma po-
daquele bando de inconsequentes. Fomos todos sição de pernas semiflexionadas e com os braços
dormir com o espírito lavado e, no dia seguinte, quase levantados, era um sacrifício enorme, em
saiu mais uma medalha de ouro para o CN nos que só descansávamos quando era permitido tro-
100m livre. car um dos dedos das mãos, que ficavam apon-
Lembramos bem de uma ocasião em que um tados fixamente para o alto. Todo o corpo tremia
Aluno dormia, tranquilamente, após o “Silêncio”, até a exaustão. O chamado “peitômetro”servia
na parte de baixo do seu beliche. O que ele não para medir nossa capacidade de aguentar todas
sabia é que um ardiloso e inventivo colega havia as pressões do dia a dia ao sentirmos no tórax in-
preparado uma armadilha que tornaria sua noite flado a força da razão da mão de algum veterano.
memorável. Minuciosamente planejada, consis- Tudo passou sem traumas.
tia em um lançador pendular, acionado por uma Um dos momentos de maior descontração em
“espoleta de tempo”. O material era um saco sala de aula como calouros eram os “prefixos”.
plástico transparente de embalar camisa social, Eram apresentações teatrais de conhecidos perso-
um rolo de barbante, um pedaço de “Fulminset” nagens ou propaganda que algum veterano nos
(repelente de insetos em forma de espiral, muito obrigava a fazer. Um dos Alunos mais gordinhos

104
incorporava o Jarrão do Ki-Suco. Colocava as
mãos na cintura, representando as alças do Jar-
rão, e saía cantando “ Ki- Suco saboroso, geladi-
nho...”. Hilário! E como não lembrar e rir muito
do Pantera Cor-de-Rosa incorporado por al-
guém alto, esguio e desengonçado que, como
o famoso felino, aparecia só com a cara na por-
ta, olhando para todos de dentro da sala com
expressão de espanto e entrava caminhando
lentamente em passos largos e lentos com tre-
jeitos corporais entonando a famosa melodia
de suspense característica do desenho da TV.
“Ta ram! Ta ram!”.
Naqueles tempos, apelidar os amigos eram
as melhores referências para nos relacionar-
mos, divertidamente, com tal sarcasmo. As
alcunhas surgiam, naturalmente, e, de certo
modo, podemos classificá-las em categorias. Uma
seria a dos Personagens: Pantera Cor-de-Rosa /
Leão da Montanha / Pateta / Wilma / Cascão / dinha / Mineiro / Sailor / 05 / Real / Rep / Rep
Kabup / Abissal / Pedro Bó / Dick Vigarista / Safo / Rep Sério / Naba / Sub da Capemi / Ami-
Príncipe Namor / Maguila / Bruxinho / Memeia gúúú / Zeca Chinelão / Jalex / Devasso. Por fim,
/ Madame Zoraide / Norminha / Joca / Bam- temos alcunhas que podemos considerar, Obsce-
-Bam / National Kid / Cro-Magnon / Falcon nas / Censuradas: Xixxx / Pixx / Piroxxxxxx /
/ Mad Max. Outra categoria seria a dos Bichos: Couro dexxxx / Coxx. O tempo passou, mas, até
Passarinho / Cobrinha / Sapão / Xambá / Ba- hoje esses codinomes servem para lembrarmos
ratinha / Siri / Corujinha / Mosca / Zé Galinha com mais saudades e carinho dos nossos amigos.
/ Boi Manso / Guaxinim / Sapo da Lua / Ca- Curioso notar que transcorridos mais de 45 anos,
valinho / Baguinho de Bode / Jacaré / Caracol quando nos encontramos e relembramos aqueles
/ Jaburu / Quati / Aranha / Marreco / Taman- momentos inesquecíveis vividos no nosso queri-
duá. Há também apelidos que remetem a alguma do CN, algumas vezes lembramos mais dos ape-
Característica Física: Navarone (cabeça) / Taioba lidos do que dos nomes de guerra dos colegas.
/ Peitinho / Morelha / Caroço de Manga / Boli- Quando dizemos que o tempo voa, não con-
nha de Cristal / Bicudo / Trombinha / Boca de seguimos expressar toda a saudade e nostalgia
Veia / Cotoco de Vela / Nil Cabecinha / Bisteca que essa velocidade do passar dos anos nos traz.
/ Boca de Gueta. Outra categoria é dos apelidos Relembrar momentos vividos é trazer a certeza
genéricos ou que envolva algum Comportamen- do quanto nos divertimos e fomos felizes. Assim,
to: Chatão / Sacal / Faina / Cabota / Chuchu / valorizamos cada vez mais os dias de hoje, no que
Buzina / Padre / Chorão / Ébano / Xinxeiro / nos tornamos, o que construímos, e termos o pri-
Gosminha / Planta / Fígado / Pinel / Popoio / vilégio de poder rir, e porque não até chorar, com
Diabinho / Calcinha / Sabonete / Poita / Empa- essas lembranças.

105
1975

Memórias marinheiras
de um “paisano” -
Esperança da Armada
Por Engº Luiz Antonio Gouvêa de Albuquerque

E
ra o despertar de 1975, e ainda hoje me lem- de um valoroso e renovado trabalho nessa insti-
bro! Após uma viagem de ônibus pela antiga tuição que permanece em nossas vidas. Eu, como
estrada Rio-Angra, chegamos ao Colégio Na- todos os meus colegas que, em algum momento,
val e, meio pasmados, nos vimos formados, cada passaram por nosso Colégio, teria várias estórias
qual ainda com sua mala, diante do pórtico de en- engraçadas ou curiosas, mas, agora, quero contar
trada do Colégio Naval, aguardando ansiosos por algo mais inusitado. Vou relembrar uma rotina
nosso futuro. Éramos todos meninos! Todos meni- que mantínhamos e que, suponho, ainda hoje se
nos! Mas, não éramos quaisquer meninos; éramos, conserve, qual seja a de, diante de todo o batalhão
sem dúvida, meninos ousados, obstinados, com escolar, participarmos de cerimonial de hastea-
índole de encarar desafios, como enfrentar uma mento ou de arriamento da bandeira do Brasil,
dura preparação e sermos aprovados no concurso escolhendo-se, a cada oportunidade, um grupo
mais difícil que então havia no País para aquele de alunos para conduzir o içamento ou a descida
nível de formação. Éramos meninos orgulhosos de do pavilhão. Em um desses dias, fui o escolhido
nós mesmos e da oportunidade de servir à nação. para realizar a descida de nossa bandeira, voltado
Logo mais, enquanto copiávamos, meio confusos, a à Enseada Batista das Neves, sob aquele icônico
letra do “quiricomba” ou quando tínhamos nossas mastro, ainda hoje à frente de nosso Colégio. Cabe
aulas e demais atividades, fomos despertados para mencionar que, àquela época, éramos acostuma-
o fato de que nós, aqueles meninos, éramos também dos nas escolas públicas a cantar, calorosamente, o
a Esperança da Armada! Diziam-nos isso e nos Hino Nacional e a acompanhar, de forma respeito-
faziam refletir sobre essa responsabilidade. Não sa, o hasteamento da bandeira. Eu participara dis-
fiz nenhuma enquete, mas estou certo de que todos so, inúmeras vezes, antes de ingressar no Colégio
nós sentíamos um enorme orgulho por isso. Anos Naval. Naquele dia, todavia, foi tudo diferente!
mais tarde, já fora da Marinha, concluo que esse Tudo muito mais intenso! Emoção absurda! Ain-
lema, ainda hoje tão presente (quase tanto quanto da hoje consigo lembrar. Lembro do cuidado ex-
o “quiricomba”), era de extrema modéstia e vou tremo para não acelerar demais a descida ou para
explicar o porquê, com base na minha própria ex- não a retardar além do devido tempo; lembro do
periência. zelo na dobradura da bandeira, dos passos aten-
Vou contar uma breve estória, que não tem nada tos e cautelosos para não prejudicar a ritualística.
de curiosa ou engraçada, mas que eu creio que se Realmente, muito emocionante! À noite, durante
encaixe muito bem no momento atual, quando se o tempo de estudo obrigatório, outra marca de
comemora o transcurso de um período de 70 anos nosso Colégio, ainda não pensava em outra coisa

106
e, burlando, ligeiramente, as regras, não estudei alto meu quepe na cerimônia de encerramento do
Álgebra, Geometria Descritiva ou Trigonometria; ano letivo, como uma comemoração pela conclu-
escrevi um soneto. Sim, escrevi um soneto que, são do curso. Na ocasião, já matriculado no curso
apenas recentemente, com o falecimento de minha de Engenharia, tinha a esperança de ter feito uma
mãe, voltei a encontrar entre os seus guardados, boa escolha, mas tinha a certeza de que jamais me
protegidos pelo carinho de mãe e pelo cuidado de esqueceria de minha passagem pelo nosso Colé-
uma antiga e apaixonada professora de Português. gio Naval. Formei-me, segui a vida e, devo ad-
Acho que ela sabia que aquele texto, dentre outros mitir que, como “paisano”, acho que sempre fui
guardados, ainda poderia ter algum emprego e, um bom militar. Não comandei navios, batalhões
confesso que, um pouco por causa dela e um pou- anfíbios ou importantes centros logísticos, mas es-
co por causa da mensagem que quero deixar aos tive à frente de grandes Usinas Hidroelétricas, Su-
meninos de hoje, permitirei-me compartilhar esse bestações de Potência e Centros Tecnológicos de
segredo, após tantos anos. uma grande Empresa, genuinamente, brasileira,
considerada, como se diz, a verdadeira joia da co-
O Brasil em minhas mãos roa do Setor Elétrico de nosso País! Lá, entre erros
e acertos que todos cometemos, tenho a certeza de
que servi ao nosso povo e deixei em cada canto
Na primeira vez na vida por onde estive um pouco dos valores que tive a
Arriei minha bandeira; graça de construir em casa, na família, e reforçar
Senti a Nação inteira no Colégio Naval, igualmente uma família. Deta-
Nas minhas mãos estendidas… lhe: por onde passei, onde não havia, sempre dei-
xei um completo dispositivo de bandeiras, onde
os jovens poderiam ter a mesma oportunidade
Segurei de norte a sul que eu mesmo havia tido tantos anos atrás. Por
A minha Pátria querida… isso, considero que, quando a Marinha do Brasil
Com a alma de amor imbuída, se orgulha de dizer que o Colégio Naval detém a
Sob o imenso céu azul… Esperança da Armada, é extremamente modesta,
porque, na verdade, temos ali a esperança de toda
a Nação Brasileira, pois que, daquela escola, ano
Olhava o mar e nem cria após ano, egressam jovens, não apenas capazes
Desfrutar tal alegria de bem servir à Armada, mas de servir a todo um
Neste tempo arrevezado… povo carente de bons exemplos e de valores, mo-
ralmente sustentáveis.
Mas, o mar me avisava Por fim, antecipo aos que hoje estão no nosso
Colégio Naval que, como já disse, à época éramos
Que na hora eu sustentava, todos meninos. Atualmente, após tanto tempo,
Nas mãos o Brasil amado… sempre que reunimos nossa Turma temos a cer-
Aluno Gouvêa, 31/05/1976 teza de que sempre seremos meninos, pasmados,
orgulhosos e amigos!
Como disse, não segui carreira na Marinha e Parabéns à nossa Marinha de Guerra e ao nos-
meu último gesto como militar foi o de lançar ao so Colégio Naval! Que a esperança sempre se re-
nove!

107
1976
2º ano

Turma
Mariz e
Barros
CMG (RM-1) Márcio Leite Teixeira

108
I
rmãos em armas, hoje comemoramos o sucesso do Co-
légio Naval e lembramos as contribuições e os sacrifícios
daqueles que nos precederam, tornando o serviço naval
melhor de variadas e importantes maneiras.
Ao deixarmos com orgulho nossos lares, adentramos,
por vez primeira, o pátio interno em roupas civis, sem ha-
bilidades e incertos de nosso potencial, para encarar uma
seleção rigorosa, sendo testados e julgados em cada aspecto
de nossas capacidades. Movidos apenas por nossa crença e
determinação, iniciamos a jornada de uma vida e de uma
união que seguirá além do nosso tempo.
Aqui, aprendemos camaradagem e lealdade para com o
companheiro ao lado, essência da coesão militar, que evo-
luiu para o sentimento de amor fraternal que está na base
das boas recordações que trazemos em nossos corações. O
Colégio integrou-nos em um grupo coeso e feliz. Esse é um
mérito que pertence à Instituição e a todos nós.

109
1976
2º ano

110
Fomos bem preparados pelos ensinamentos as antigas canadenses, sabem o quanto elas eram
que recebemos, e abraçamos nossas carreiras com instáveis, mas o oficial em questão resolveu viajar
a pretensão de contribuir na construção de um fu- de cócoras por razões que só ele poderia explicar,
turo melhor para a Marinha e para o Brasil. Essa é o que fez elevar o centro de gravidade da canoa.
uma dádiva da juventude e um presente que o Co- Como atraído por um magneto invisível, o Corpo
légio nos deu. Fomos dignos do investimento em de Alunos concentrou-se no bordo de aproxima-
nossa formação e gratos por todos que nela contri- ção. Os alunos que remavam não ousavam pedir
buíram: mestres, instrutores, educadores. Grandes para que o capitão-tenente sentasse, enquanto sen-
oficiais forjaram nossa têmpera e vivem em nossas tiam o olhar de seus companheiros queimarem
memórias para sempre. sobre si, na torcida para que a canadense virasse.
Hoje, nossa turma incorpora aqueles que aqui Aquela foi uma remada intensa. No final, todos so-
não cursaram, mas que compartilham a forma- breviveram ao passeio, apesar de que, talvez, esse
ção do etos que nos define. Sem eles não seríamos não fosse o desejo de todos a bordo (risos).
quem somos. A luz do seu espírito contribuiu, e Uma segunda passagem de nota aconteceu
continua a contribuir, para inspirar nosso caráter e em uma noite de verão, quando o OSCA, em sua
nossos valores. Eles pertencem a estas páginas tan- ronda noturna, notou que a quase totalidade dos
to quanto qualquer outro entre nós. Alunos dormia “fora do uniforme”, na época, o pi-
Antônio Carlos de Mariz e Barros, herói naval, jama branco de camisa e calças compridas.Acesas
filho do Chefe-de-Esquadra Joaquim José Inácio as luzes de todos os alojamentos, o OSCA passou
de Barros, Visconde de Inhaúma, nomeia nossa a anotar, zelosamente, o nome de todos os faltosos
turma. Ferido de morte em combate, durante a por dormir fora do RUMB, naquele que foi um dos
Guerra do Paraguai, Mariz e Barros transmitiu a maiores episódios de “papiro em massa” de nosso
seu pai o recado que sempre soubera honrar o seu tempo.
nome. Que nossos esforços coletivos ao longo das Alunos de hoje e de sempre, sejam tão felizes
décadas do serviço ativo, bem como filhos, mari- quanto nós fomos. Com o passar do tempo, uma
dos e pais dedicados, estejam à altura de honrar o tendência de esquecer tantos sacrifícios crescerá
nome de nosso patrono. dentro de cada um. Não permitam que isso acon-
De tantas anedotas a escolher para o tema deste teça; jamais esqueçam a determinação que lhes
livro, em certa ocasião, em um Dia do COMCA, trouxe a alegria desse momento. Façam-na durar
o Corpo de Alunos saiu para uma patescaria em para sempre enquanto brilham como nosso mais
uma praia próxima, transportado por um dos anti- valioso recurso, nossa rendição, nosso futuro, nos-
gos avisos. Para diversão e para contribuir no mo- sa herança. Aqueles que graduam na mais rigoro-
vimento navio-terra, algumas canoas canadenses sa escola prosperarão. Vós sois os melhores que já
também foram embarcadas. No final do dia, um existiram, segundo apenas para aqueles que vos
capitão-tenente muito conhecido e que era, par- sucedereis.
ticularmente, rigoroso com os Alunos, ficou na Que estas páginas unam nossas turmas na noite
praia para certificar-se de que ninguém fora deixa- dos tempos, uma lembrança de que um dia nossa
do para trás. Todos a bordo, ele embarcou na últi- chama brilhou, e que fomos jovens também. Ao
ma canadense para o retorno. fim e ao cabo, quando tudo o mais passar além da
O vento da tarde soprava forte e as ondas ha- memória de nossa existência, o mar lembrar-se-á
viam crescido bastante. Aqueles que conheceram dos seus.

111
1978

Turma E
m 28 de fevereiro de 1978, um gru-
po de adolescentes desembarcou na
Enseada Batista das Neves, sem ne-
nhuma selfie, check-in no Face, post no Insta,

Barão de
e sem fazer parte de nenhum grupo do
“Zap”. #OSDIASERAMASSIM.
Aqui, chegamos com uma autonomia,

Melgaço
surpreendente para os dias de hoje, fun-
damentada na educação que recebemos
dos nossos pais ou responsáveis. Os dias
eram assim!
Esse grupo foi formado com histórias

A formação da de vida bem diferentes, de Porto Alegre a


Manaus, que, aqui, se encontraram, com

Turma Barão
o mesmo objetivo: entrar na Marinha, es-
tudando no Colégio Naval.
No desembarque, deparamo-nos com

de Melgaço pessoas em trajes pouco familiares. Bi-


bico, camisa e bermuda cinza, sapato e
meias pretos. Bem diferentes dos perso-
Por CF (RM1) Alexandre Fernandes Soares nagens da novela da época, Dancin`Days.

112
Missa de ação de graças na Catedral Metropolitana
do Rio de Janeiro. Formatura 1980.

113
1978

Chamados de Adaptadores, aparente-


mente, não eram muito mais velhos do
que nós, mas depois de algum tempo e
pela forma assertiva de transmitir suas
orientações, começamos a acreditar que
possuíam certa divindade.
Divisão em pelotões, alojamentos, ar-
mários e escaninhos, sempre correndo! À
noite, pela primeira vez, - e trajando um
pijama branco de tergal, carimbado com
oito algarismos, que nos acompanhariam
pelo resto de nossas vidas – escutamos o
toque de silêncio. Momento de reflexão:
o que estou fazendo aqui? A resposta de-
veria ser rápida, pois às 6h escutaríamos,
também, pela primeira vez, o toque de al-
vorada.
Na adaptação conhecemos persona-
gens que fariam parte das nossas eternas
lembranças: os saudosos Tenentes Rodri-
gues de Almeida, o “Cachorrão”; e Pas-
choal, “o Tosi”. O primeiro, ao dizer que
parecíamos um “bando de normalistas”,
e o segundo, repe-
tindo o “já foi dado
reunir”! Outros per-
sonagens, como o
Sargento Messias, e
seu inconfundível so-
taque nordestino, nos
levava para passear
como se conduzisse
uma verdadeira “cor-
da de caranguejos”.
“Pinguins” e “Can-
gurus”, apesar de não
fazerem parte da nos-
sa fauna, se tornaram
bastante familiares.
O vencedores do concurso:
Alexandre Ribeiro LADEIRA (Crônica)
Leonardo José de Queiroz SEIXAS (Poesia)
José Maricéu da COSTA MONTEIRO (Conto)
O ano letivo começou com 146 veteranos, 22 horas de Angra, o Dendeco`s e a Taberna
bastante ansiosos por nossa presença. Sempre 33. Ainda naquele ano, a verve literária se fez
correndo! Nesse ano, fomos batizados com “pre- presente e fomos brindados com os prêmios de
fixos” e apelidos de autoria desconhecida, os melhores conto, poesia e crônica, publicados na
mais variados (animais, tribos, estados de nasci- edição da Revista “Recado”. Os “mais novos
mento, cantores e até peças íntimas). Os estudos Lobos do Mar” fariam a sua primeira Comissão
demandavam muito tempo e atenção nas aulas. em Navios da Esquadra, tendo Salvador como
Passamos a conhecer professores, cujos nomes Porto Visitado. Divididos entre Contratorpedei-
jamais esqueceríamos: Tarciso; Carlos Alberto; ros e o saudoso NAeL Minas Gerais, os exercí-
Maria Aparecida; Suzete; Jácomo Raimundo; cios que presenciamos, e o mareio, nos mostra-
Caninas; Sérgio Fonseca; Farina e Luiz Sérgio, ram que ainda teríamos um caminho longo para
entre outros. Vivenciamos também inesquecí- trilhar. Ao final do ano, ao deixarmos o Colégio
veis momentos de lazer, carregando e lavando Naval e Angra dos Reis, levando conosco lem-
barcos; praticando surfe rodoviário; lustrando branças, experiências e camaradagem eternas,
cintos e sapatos e, eventualmente, passeando não nos deixa dúvidas em dizer que, mesmo
até à Pizzaria “La Bambina”, para trazer pizzas com chuva, “quem te conhece, volta outra vez”!
na elegante maleta 007 que, invariavelmente, Dezenove colegas foram promovidos a Con-
ficava ensopada de azeite, ou alguma gordura tra-Almirante e muitos outros, em nada ficavam
trans não identificada. Em meio a esse período, a dever em relação aos nossos novos Oficiais-
tivemos o Baile do Calouro no Tijuca Tênis Clu- -Generais. Nove foram a Vice-Almirante e, até
be, onde aprendemos que, em situações que se o momento, dois a Almirante de Esquadra. Sen-
exige formalidade, toda criatividade será casti- timos como se todos nós estivéssemos lá, pois
gada! Imitar John Travolta de Jaquetão não dá o sucesso deles é também o de todos nós, como
certo! de todos nós é o sucesso daqueles que seguiram
Enfim, o segundo ano! Desfrutaríamos dos outros caminhos, que não a Marinha. A Turma
passeios de canadense (alguns com Ações de “Barão de Melgaço” foi forjada não apenas para
Superfície, simulando pirataria na canadense ser exemplo de dedicação, honra e dignidade na
do Barreiros); as patescarias na Ilha Grande, Marinha, mas na vida, de todos nós.
com direito a catanho e mordida de morcego; a O tempo passou, mas carregamos conosco o
ceia com direito a sonho e a sobremesa, de mar- mesmo brilho nos olhos daquele fevereiro dis-
ca alienígena, chamada de “Dengo”; idas ao ci- tante, quando aqui chegamos, sem “Face” nem
nema sem sermos importunados; jogar pelada “Zap”, naqueles dias que eram assim! Brilho
na quadra ou no campo de futebol; malhação que se renova ao nos encontrarmos em qual-
voluntária, no cemitério; noites de Lua cheia quer hora e qualquer lugar, pois os dias sempre
na ponte; comer pizza em Angra ou sanduba serão assim!
no bar dos Alunos, sem pedágios; as competi- Aos atuais Alunos do Colégio Naval, nosso
ções esportivas e a NAE de 1979, com inúmeros exemplo, força e fé: mantenham a Marinha no
“Quiricombas”. rumo vitorioso e invicto de Tamandaré e contri-
Chegamos ao terceiro ano. Uma constelação buam para um Brasil melhor. Acreditem. Vocês
se instalou em nossas platinas! Éramos vetera- jamais se arrependerão de serem a “Esperança
nos! Agora, podíamos conhecer o circuito pós- da Armada”.

115
Turmas
1980 - Almirante Guilhobel
1981 - Barão de Tefé
1982 - Almirante Protógenes
1983 - Comandante Ferraz
1984 - Almirante Áttila Monteiro Aché
1985 - Almirante Benjamin Sodré
1986 - Almirante Júlio de Noronha
1987 - Almirante Paulo Moreira
1988 - Almirante Wandenkolk
1989 - Almirante Custódio de Mello

117
1983

Turma
COMANDANTE
FERRAZ
Por CMG (RM1) Giucemar
Aluno 1086 e orador da turma

Missa de formatura na Candelária - Rio de Janeiro

118
O
Embaixador Roberto Campos, já faleci- toando o Hino do Colégio e observando a ma-
do, inspirando-se no poeta inglês Samuel jestosa torre do edifício principal do Colégio. O
Taylor Coleridge (1772-1834), ao escrever comandante, o então Capitão de Mar e Guerra
famoso livro de memórias, pretendeu, conforme Milton Marciano, depois Almirante, proferiu
o referido poeta, aproveitar a “luz que a experi- motivantes palavras de boas-vindas, parabeni-
ência nos dá, que é a de uma lanterna na popa, zando-nos pela difícil conquista e enfatizando o
iluminando apenas as ondas que deixamos para esforço que a Marinha estava fazendo para apri-
trás”. A constatação é boa e também dela nos morar as acomodações do Colégio.
serviremos, sem o mesmo brilho do ilustre di- Seguiram-se momentos dificultosos, sobretu-
plomata, para iluminar a marcante experiência do para pessoas recém-saídas da adolescência.
de outrora, quando, ainda muito jovens, começa- O período de adaptação, sobretudo, arrancou-
mos a conhecer a Marinha, mediante ingresso no -nos do conforto a que estávamos habituados no
Colégio naval, Esperança da Armada brasileira. aconchego do lar, mas havia a consciência ou ao
Após um dos mais difíceis, senão o mais di- menos a expectativa, posteriormente confirmada
fícil para aquela faixa etária, concursos públicos para a maioria, de que valeria a pena enfrentar
do País, que oferecia cento e cinquenta vagas a os desafios vindouros. Houve, decerto, vontade
egressos do antigo curso ginasial, pouco mais de de desistir, mormente nos primeiros dias, mas
cento e oitenta estudantes, incluídos os Reser- o apoio dos familiares foi essencial à continua-
vas, obtiveram aprovação e tornaram-se Alunos ção da jornada. Para muitos existiu a agradável
do famoso Colégio. Para a grande maioria, o êxi- surpresa de conhecer pessoas dos mais variados
to alcançado exigiu mais de um ano de estudos rincões do Brasil, sotaques e visões de mundo
intensos, inclusive em famosos cursinhos prepa- diversas, que contribuíram sobremodo para a
ratórios.
Sonho realizado,
em uma manhã de
vinte e seis de janei-
ro de 1983, um con-
siderável grupo de
jovens esperançosos
embarcava em ônibus
tipo frescão, saindo do
Primeiro Distrito Na-
val, rumo à Enseada
Baptista das Neves. Lá
chegando, fomos co-
locados em formatura
e iniciamos o desloca-
mento para o campo
dos esportes, em mar-
cha desengonçada, en-

Viagem na Esquadra, Salvador - BA.


119
1983

consolidação do verdadeiro sentimento de bra- ouvíamos, preocupados e receosos de uma re-


silidade, jamais perdido. A primeira visita de provação: “Todo ano tem Natal, Final, Carnaval
nossos pais, após o referido período, foi tocan- e Segunda época…”
te, sobretudo porque já nos encontrávamos com Há, sem dúvida, outros nomes inolvidáveis
o uniforme cinza com plaqueta azul, que nos como os talentosos Sérgio Fonseca, de Português
acompanharia até o terceiro ano. Ver-nos farda- e Literatura; Laranjeira, de Física; Molica, de Li-
dos emocionou-os. Lágrimas, cumprimentos e teratura; Frota, de História do Brasil; o capelão
palavras de encorajamento foram testemunha- Bittencourt, de Educação Moral e Cívica; Suzete,
dos, como se fossem a antecipação dos apoios de Biologia; entre tantos com os quais tivemos o
que seriam tão necessários ao longo de nossas privilégio de adquirir conhecimentos tão valio-
carreiras. Éramos altivos Alunos do Colégio sos. Da mesma forma, tragamos à memória as
CLASSIS SPES. lições do então Capitão de Corveta Éden Gonza-
Em retrospectiva, seguiram-se os anos letivos lez Ibrahim, comandante do Corpo de Alunos,
e outras tantas circunstâncias indeléveis. Inicial- de quem era, praticamente, impossível ganhar
mente, os novos calouros entravam em conta- na argumentação quando recebíamos os famo-
to com as Turmas mais antigas, do Segundo e sos “papiros brancos”(Partes de Ocorrência de
Terceiro Anos, esses chamados Veteranos, cuja natureza disciplinar). Em suas audiências apren-
autoridade era incontestável. Aprendíamos as demos a essência da singular sentença “Explica,
primeiras noções de Hierarquia e Disciplina, mas não justifica”.
basilares da carreira militar. Fomos protegidos Do cotidiano, impossível apagar as horas do
pelo comandante Marciano, que proibira o tro- rancho; as comidas características, as jacubas, o
te, já bem mais atenuado naquela época. Ob- toque de alvorada, implacável às seis da manhã!
viamente, os Veteranos não gostavam nem um As formaturas no campo de esportes para a edu-
pouco dessa atitude e nossa Turma ganhou o, a cação física e os exaustivos treinamentos milita-
princípio, pejorativo epíteto de Turma “Pão de res (Ordem Unida); as Paradas com os Oficiais
Mel”, logo sublimado e hoje orgulhosa e infor- do COMCA, para leitura de ordens e inspeção
malmente adotado por todos que têm o orgulho de barba feita e dos uniformes; as competições
de pertencer à turma Comandante Ferraz, insig- esportivas intra e extra-MB; as provas difíceis, o
ne chefe naval, hidrógrafo, incentivador da pre- estudo obrigatório, das dezenove às vinte e uma
sença do Brasil na Antártica. Cumpre assinalar horas e trinta minutos; o silêncio às vinte e duas
que seu ilustre nome batiza a Estação Brasileira horas, em geral ultrapassado por mais horas de
naquele continente e seu filho, o estimado Nezi, estudo; as saídas-tipo nos Avisos de Instrução
pertence à Turma. (“Voga Picada”, “Leva-Arriba” e “Rosca Fina”)
Não poderíamos deixar de lembrar a con- pela Baía de Angra, pequenos navios com boa
vivência com professores e instrutores de alto manobrabilidade, que também realizavam Gru-
nível, alguns inesquecíveis com seus bordões e pos-Tarefa de maior duração em viagens para
estilo peculiar. Recordemos, com admiração e localidades como Paraty e nos quais colocáva-
carinho o saudoso mestre Djalma, de Trigono- mos em prática conhecimentos teóricos de na-
metria, no segundo ano e a não menos querida vegação, operações navais, controle de avarias;
e afetuosa professora Leila, de Português, no o primeiro embarque em navios da Esquadra e
primeiro ano. Do excelente professor Djalma o primeiro porto no Brasil, na cidade de Salva-

120
dor; os licenciamentos em ônibus especiais, que do espírito de união da Turma realçado nesses
continham os nomes de alguns bairros do Rio momentos, quando restou evidente a força da
de Janeiro, comumente nos finais de semana. amizade que nos une até hoje.
Nesse turbilhão de atividades que ocupa- Assim, passaram-se três anos de intensa pre-
vam o tempo dos Alunos de modo quase inin- paração, aprimorando-se os carácteres e a for-
terrupto, ocorreram eventos marcantes como a mação intelectual e moral que levaríamos para
encenação de peças de teatro (o Auto da Com- toda a vida, dentro ou fora da Casa de Taman-
padecida, de Ariano Suassuna); o concurso de daré.
oratória, no terceiro ano, em que, entre temas
Quando menos esperávamos, estávamos às
variados, aprendemos algo sobre a famosa
portas da Fortaleza de Villegagnon e havíamos
história da abertura da “Caixa de Pandora”e
tido uma das mais fascinantes experiências de
suas consequências para a humanidade; e, com
nossas vidas!
apreço, o Festival da Canção, ao final do segun-
do ano, ocasião na qual foram homenageados Ao relembrarmos tantos episódios e feitos,
amigos que deixaram o Colégio para aventu- podemos constatar que assiste razão ao gran-
rarem-se em outros mares. Alguns, lamenta- de escritor Guimarães Rosa, quando afirma em
velmente, deixaram-nos para sempre, rumo ao “Grande Sertão: Veredas”: “Tem horas antigas
plano superior, mas estão sempre em nossos que ficaram muito mais perto da gente do que
corações. Importante registrar o fortalecimento outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.”

Encenação do Auto da Compadecida.

121
1987

turma
almirante
paulo moreira
Vida de residente
CF (RM1-IM) Bruno Sodré

122
123
1987

P
restamos o concurso em 1986. Lembro-me As patescarias durante o final de semana a
de ter ligado para o então Comando Naval bordo de canoas canadenses ou dos pequenos
de Brasília, e ter recebido a notícia de que veleiros eram fantásticas! Conseguíamos gene-
havia sido selecionado. Que felicidade! rosos vales com geleias de mocotó, caixa de bis-
Nós que éramos fora de sede (não tínhamos coitos recheados, frutas, bastante água mineral
familiares no Rio de Janeiro) ficamos hospeda- para todo o fim de semana na belíssima baia de
dos no Alojamento do 1° ano da EN durante Ilha Grande...
os exames médicos. Desse período, ficaram na Aos finais de semana, íamos, uniformizados,
memória as flexões que pagamos, ainda como para a cidade de Angra dos Reis. Havia os sau-
candidatos, por causa da algazarra em função dosos “Papão” e “Dito e Feito” , para matar a
da “briga” entre paulistas e brasilienses (gru- fome de sanduíches e pizzas. Boas recordações
pos que se destacavam dos demais pelo núme- da telefônica da cidade, de onde ligávamos
ro) no alojamento logo após o silêncio... para nossas famílias a fim de diminuir a sau-
Embarcamos para Angra dos Reis a bordo dade e ficávamos sentados na mureta “dando
dos ônibus da EVAL, contratados pelo 1° Distri-
to Naval. Naquela manhã de 02 de fevereiro de
1987, iniciávamos nossa caminhada. Começava
a adaptação. Daí em diante, fora as diversas
exigências de nossos veteranos e dos oficiais do
COMCA, guardamos várias boas lembranças:

124
tiros” nas meninas de Angra. Alguns de nós da única boate que de tão velha e fechada cha-
colocavam o paisano para flertar com mais li- mávamos de bailéu. Durante o dia íamos tam-
berdade as angrenses. Vale lembrar ainda o fa- bém para a praia do Pontal para relaxar um
moso “Aéreo”, caminho secreto para as saídas pouco... Bons tempos!
furtivas dos Alunos a fim de apreciar a vida E, então, chegou o momento de nossa for-
noturna de Angra. Ocasionalmente, participá- matura. Lembro dos bonés jogados para o alto
vamos de Bailes de Debutantes (a maioria no quando foi dado o fora de forma para a Turma
Rio de Janeiro), onde fazíamos sucesso com o Almirante Paulo Moreira! Inesquecível... E aca-
glorioso “Chiquinho” ou Dólmã. bou a nossa feliz estada no Colégio Naval. Mui-
Não podemos deixar de registrar os Grupo tos decidiram sair, mas até hoje nos reunimos
Tarefa para Paraty a bordo dos Avisos de Ins- para falar sobre o cotidiano e relembrar essa
trução, experiência marcante de atracarmos em época tão especial de nossas vidas. Finalizando
outras cidades! Começávamos a sentir o gosto o texto, relembro o grito de guerra criado pelo
da vida de nauta... As estórias das noites na- Fausto, que atualmente é Prático do Porto de
quela pacata cidade eram hilárias! Lembro-me São Francisco do Sul – SC: AUÍCA!!!

125
1987

Pão com Nescau,


mas ainda bem que não
caiu o mapa!!!!
Por CMG (RM1) Erick

A história foi mais ou menos as-


sim... Colégio Naval, 1987...

O
s Alunos do primeiro ano,
tradicionalmente conhecidos
como “calouros”, possuem,
normalmente, uma rotina atribula-
da, e além das diversas fainas e do
veterano sugando alma, as temidas
provas periódicas (PPs) eram um de-
safio a ser superado.
Às vésperas de uma dessas PPs,
precisamente de His-
tória, cuja professora
era a charmosa Co-
mandante Edina, um
certo calouro, não tão
aplicado, mais per-
sistente e sabedor da
sua capacidade de
decoreba, querendo
safar férias um pou-
co mais tranquilas,
deixou para estudar
por último a locali-
zação das cidades e
regiões mais impor-
tantes na formação
do Ocidente. Assim

126
sendo, iniciou a “madruga” dentro da sala da ceia?”. A resposta dada teria sido “pão com
Turma 15, mentalizando detalhadamente os Nescau!”, costumeira ceia noturna do CN. O
rincões destacados pela Comandante Edina: Aluno teria sido, devidamente, “grampeado”
Atenas, Esparta e outros. pela sentinela...
Ocorria que em paralelo, o Colégio Naval A “guerra” do “pão com Nescau” se per-
passava por um exercício de verificação da petuou. Entretanto, ainda tinha uma prova a
segurança orgânica das instalações, mais co- ser feita, com o mapa bem estudado, o calou-
nhecido por RETREX. Nesse tipo de exercí- ro foi para a PP de História. Detalhe, o mapa
cio, a Organização Militar (OM) fica de pron- valia 4 pontos de 10.
tidão, com sentinelas espalhados por vários Cansado da noite longa, mas sabendo
pontos, pois a ação da equipe de Mergulha- tudo, ele saiu da PP na certeza de que tinha
dores de Combate (MEC) é inesperada e con- gabaritado, só chateado porque a professora
siste na tentativa de realizar uma infiltração não havia colocado o mapa tanto estudado na
nas instalações da OM, com o objetivo de ren- noite anterior. Ao sair de sala, os comentários
der a guarnição de serviço. Os Alunos, embo- giravam em torno da prova e um dos amigos
ra avisados, não participavam do exercício. lhe perguntou: “O que você achou do mapa?”
Pois bem, já era por volta das 2 horas da A resposta, em tom desolador, foi: “mapa,
manhã, o calouro já finalizando seus estu- que mapa?!!!”. A bendita Comandante Edi-
dos, quando, de repente, ouviu explosões na, colocou o mapa no verso da última folha.
nas proximidades da tolda. Sem saber o que Nota do calouro na prova: 5,5.
estava se passando, dirigiu-se ao local, pron- Enfim, realmente não era o dia desse Alu-
to a ajudar, quando deparou com um militar no, quase virou a noite estudando, foi rendi-
MEC, completamente camuflado que lhe per- do pelos MECs, não fez o mapa, tirou nota
guntou: “qual é a senha?”. Obviamente, sob baixa, e ainda teve que aguentar a guerra dos
a mira de um fuzil, rapidamente falou que camaradas pelo “pão com Nescau”... ao me-
não sabia. Dessa forma, foi detido e coloca- nos conseguiu safar a prova final... Obrigado,
do sob guarda junto com os demais militares Comandante Edina!!!
da guarnição. Desfeito o exercício, ainda, na
madrugada, Aluno liberado, cansado,
mas aliviado por ter dado tempo de es-
tudar o mapa.
Por ocasião da alvorada, a resenha
do exercício que corria pelos corre-
dores do alojamento, era de que o re-
ferido calouro, no seu regresso para
o PIPA (prédio de alojamentos), em
meio à penumbra do caminho, teria
sido interpelado pela senha por uma
das sentinelas do CN, e ao ter enten-
dido que a pergunta fora “qual era a
127
1987

O “voo da morte”
Ex- aluno 1001 Fayal

O
nosso eterno Aluno 1111 Merlin, já no Certo dia, ele resolveu fugir de tarde para An-
seu terceiro ano de CN (1989), tinha apri- gra para encontrar sua namorada. Ao retornar
morado suas técnicas para enlouquecer ao CN, foi recepcionado pelo saudoso CT Lu-
os oficiais do Corpo de Alunos. Ele acabara de que, alcunhado pela turma de “Pipoca”, que lhe
inventar o “Vôo da Morte”. Era um salto mala- conferiu três partes de ocorrência: saída a Angra
sem permissão, regresso após o limite de horá-
barístico (e extremamente perigoso) através da
rio (mesmo se tratando de saída não autorizada)
janela do alojamento do terceiro ano (a uns sete
e uniforme em desalinho. Quando o “Pipoca”
metros do térreo). Ele vinha correndo e quando foi lhe entregar as partes para serem assinadas
estava atravessando a janela segurava com a mão e, talvez, justificadas, o nosso amigo malabaris-
direita o parapeito e aterrissava na pequena mar- ta exclamou: “Tenente, não aguento mais essa
quise que havia logo abaixo da janela. vida!!” e se projetou pela janela do alojamento...

128
O rotundo Tenente Luque ao ver Merlim sal-
tar através da janela correu para ela gritando: “
Merlim, Merlim!”.
Quando olhou para baixo, já pensando que
iria ver o resultado de uma tragédia, viu o Alu-
no Merlim agachado na pequena marquise sob
a janela sorrindo e lhe dizendo: “Achoooou!”
Mais um “papiro” para o nosso herói....

129
1989

Turma
almirante
custódio de melo

130
70 anos do CN
Por CF (RM1-IM) Luiz GALHARDO Pessôa

Segundo ano do Colégio Naval


A
qui vemos a alegria e descontração dos Alunos da turma 21, no
ano de 1990. Nessa foto podemos destacar a presença do 01 da
turma, o CMG Villas, o CMG André Martins (Babu), ilustre figura
da turma CN 89, o saudoso Emerim, entre outros.
O CMG Nilson Augustus aparece estudando, compenetrado, alheio
a toda confraternização; enquanto o “mundo se acabava”, ele permane-
cia sério.
Sem desmerecer ninguém, alguns Alunos da Turma 21 não aparece-
ram na foto. Mas, o rol da turma 21 elenca os nomes desse time comple-
to, para que possam ser lembrados, assim como suas histórias.

131
1989

Festival Interno da Canção


E
ntre os eventos culturais marcantes no Colégio Naval, podemos destacar o Festival Interno
da Canção (FIC), e os de 1990 e 1991 foram especiais para a turma 89.
No Festival Interno da Canção de 1990, Guilherme Guimarães Feliciano participou com
a música “Idílios de Safo”, que ficou em primeiro lugar. A letra tratava das angústias dos amores
condenados, a partir da referência à poetisa grega Safo.
No Festival Interno da Canção de 1991, em primeiro lugar, “Pedacinhos de nós dois”, de Gláu-
cio Cavalcanti Tak-Ming e, em terceiro lugar, “Todo Amor do Mundo”, de Guilherme Saeger.
O Aluno Tak-Ming, sozinho no palco, sentado em um banco, com violão e microfone, apresen-
tou sua composição, a qual remetia a um namoro casual vivido à época, que havia terminado, e
a letra combinava sentimentos de empatia, acolhimento, proteção, entrega, amor ao próximo, in-
terrupção de sonhos, despedida. O amor dos jovens tem intensidade própria, ainda mais quando
você vive num internato, cuja comunicação naquela época era principalmente por meio de troca
de cartas. A música foi o caminho que procurou externar aquele momento.

Pedacinhos de nós dois


Composição: Aluno Gláucio Cavalcanti TAK-MING

EU MOSTREI PARA VOCÊ FIZ DEMAIS POR AMAR


A RAZÃO DE VIVER E RESTOU-ME A DOR DE SÓ TE CONSOLAR
AO VOCÊ ME CONTAR SUAS HISTÓRIAS
DE AMOR EU QUERIA A GENTE ASSIM
QUE TE ATIRAVAM NO CHÃO VIVER JUNTOS, PARA SEMPRE, ENFIM
EM TOTAL SOLIDÃO FOI UM SONHO BONITO E PASSOU
E SEU MUNDO CAÍA AO FINDAR SUA PAI- POIS O TEMPO TIROU DESSA VEZ
XÃO O CAMINHO QUE GUIAVA NÓS DOIS

MEU CORAÇÃO SE ABALOU PEDACINHO(S) RESTOU DE NÓS DOIS


SE ENTREGOU SEM PENSAR MIL CARINHOS GUARDEI PRA DEPOIS
QUIS SÓ TE PROTEGER E O CALOR DO SEU CORPO NO MEU
PARA NÃO VÊ-LA SOFRER, PARA NÃO VÊ- CONGELOU AO SEU OLHAR DE ADEUS
-LA CHORAR
ESSE AMOR, TÃO DIVINO, SE FOI”

132
Uma das cenas mais engraçadas foi o Aluno An-
dré Martins, conhecido como Babu, cantando, eufo-
ricamente, um heavy metal, com um moletom, estilo
“gordinho gostoso”, incorporava um grande ro-
queiro, voz rouca, expressão facial “ta puto, vá de
baixa”, pescoço com a veia saltitante, e, fazia uma
coreografia inesperada, que levava uma das mãos
no microfone, e outra na sua bolsa escrotal , e apro-
veitava para dar uma leve coçadinha, levando os fãs
para boas risadas.
Após o evento, os Alunos do terceiro ano se jun-
taram e foram para a piscina, ali mergulhando em
comemoração. Era uma festa tremenda. Nem imagi-
no qual seria o final se as bebidas alcoólicas fossem
permitidas. Mas, certamente, todos se embebeda-
ram eufóricos na água.

1990 – Rol da Turma 21.

FESTIVAL INTERNO DA CANÇÃO


– 1990 e 1991, com a participação do
Aluno Tak-Ming.
133
1989

Eventos
religiosos
O
Colégio Naval pro-
movia os encontros
e eventos religiosos,
muito bem organizados, e
era uma oportunidade de
a família estar presente e
participando todos juntos.
No ano de 1989, a crisma foi
celebrada pelo Capelão Nel-
son Dendena, o qual fazia os
encontros jovens em Manga-
ratiba.
Importante mencionar
que a capela era um lugar
especial, onde após toda a
correria do dia a dia, o Alu-
no podia buscar naquela at-
mosfera um pouco de paz,
fé e força para continuar a
batalha. Ali, apesar da hie-
rarquia, você conseguia es-
tar mais próximo dos mais
antigos e trocar experiên-
cias. Que saudades dessas
ocasiões.

Crisma na Capela do
Colégio Naval em 1989.
Alunos Tak-Ming,
Guilherme Saeger e
respectivas famílias.

134
Encontro de 30 anos

Encontro da Turma CN 1989 de 30 Anos de Ingresso no Colégio Naval.

T
raduzir em palavras o que representa estar com os amigos
que você conheceu há três décadas e poder relembrar todo
um período de internato, quando naquele tempo o sonho era
defender a Pátria no mar, ser comandante de um navio, servir ao
País e à sociedade.
Mais do que um objetivo comum, ali eram jovens que abdicaram
de estar no convívio da família para um propósito que já era con-
quistado mesmo antes do Colégio Naval, passar no próprio con-
curso de ingresso.
Cada qual seguiu seu destino, mas a foto acima ilustra quão rica
é a amizade que foi forjada.
Nossa homenagem ao Aluno Claudio Xavier, primeiro a partir
para o plano celestial depois desse encontro de turma ocorrido em
Angra dos Reis.

135
Turmas
1990 - Almirante Rademaker
1991 - Almirante Lúcio Meira
1992 - Almirante Ary Parreiras
1994 - GM Greeenhalgh - 1º ano
1994 - Almirante Ary Rongel - 2º ano
1995 - Almirante Barroso
1996 - Almirante Soares Dutra
1997 - Almirante Maximiano
1998 - Almirante Bonoso
1999 - Almirante Luzi Leal Ferreira
137
1990

Turma
Almirante Rademaker
Turma
Teste de Natação
Almirante Rademaker
Por CMG Gustavo Sant´Ana Coutinho
CMG (RM1) Roberto Pita Lopes de Medeiros

138
E
m uma bela tarde de primavera, nos idos bloco de partida e lá vem o apito para começar
de 1992, estávamos formados no campo uma nova bateria... E aí começa a saga do “Bana-
de esportes, aguardando a chamada para na”. Para a surpresa da turma, logo após cair na
os testes de verificação física. Alguns Alunos já água, nosso colega está com a sunga no joelho e
fazendo aquecimento, outros, apenas esperando nadando seminu. “Olha o “Banana” na raia 3”,
a famosa chamada do nosso Encarregado de Es- grita um... Gargalhada geral na borda da piscina,
portes com sua famosa voz: “TuuuurmaTriiiiiin- enquanto nosso colega pára no meio do percurso
ta e uuuuum – baaaarra / TuuuurmaTriiiiiinta e para subir a sunga. Lá vai o “Banana” de novo
doooois – Corriiiiida/TuuuurmaTriiiiiinta e Trê- batendo braços e pernas, porém sua sunga roxa
eeeees – Nataçãaaaao....” e por aí foi até a última insiste em deslizar perna abaixo. Ele chega aos
turma. A “33”, então, dirigiu-se para a piscina de
25m (a única piscina do CN na época) para iniciar
o teste de natação.
Ao iniciarmos a preparação e aquecimento
para a prova, o nosso colega “Banana” já chamou
a atenção de todos pela sua sunga de cor roxa, to-
talmente diferente do nosso famoso sungão naval
de cor preta. Só isso já foi motivo de risos e brin-
cadeiras com o “Banana”, mas isso não era nada
comparado com o que testemunharíamos logo a
seguir.
“Prrriiiiiiii”, apita o EP, e pulam na água os
Alunos da primeira bateria para nadarem os
100m da prova. Na sequência, algumas bate-
rias depois, o “Banana” é chamado para nadar.
“Aos seus lugares”, brada o EP, todos sobem no

139
1990

140
25m e, na batida da borda, pára de novo para chegavam exaustos do TVF de corrida, cuja che-
ajeitar a sunga. Nesse momento, outros colegas gada era bem próxima à piscina, recuperavam o
de turma, que estavam na área do campo de es- fôlego para rir do“Banana”, que, valentemente,
portes começam a chegar na piscina atraídos pela concluiu a prova algum tempo depois.
quase “algazarra” que estava a se formar. Chega Porém, ao chegar exausto à borda, onde lan-
o “Banana” aos 50 metros, e para surpresa de to- çara a sunga, ele coloca a mão para fora, come-
dos em vez de tentar ajeitar a sunga novamen- ça a tatear e, É CLARO, não encontra nada. Os
te, ele, simplesmente, tira a sunga, roda, e a joga colegas da bateria deixando a piscina sem enten-
perto do seu bloco de partida. O EP que estava der “xongas” – qual seria o motivo daquela con-
conduzindo a prova ficou atônito, e começou a fusão e gargalhada a beira da piscina. Só enten-
apitar, penso eu, na tentativa de parar a prova, dem quando o EP começa a apitar, mandando o
mas seus esforços foram em vão, pois nada mais “Banana” sair da PISCINA e ele nada de sair. Eis
faria o “Banana” parar de nadar... que, de repente, chega o Encarregado da Educa-
Essa hora já estava formada a bagunça. Garga- ção Física, querendo saber o motivo da zombaria.
lhada geral e não demorou muito um colega foi O silêncio faz-se repentinamente! Quando o EP
até à mata, pegou um graveto e, cuidadosamente, começa a explicar que o motivo seria a NUDEZ
removeu a sunga do “Banana” atirando-a para de um Aluno, um “SPLASH” quebra o silêncio.
bem longe da borda da piscina. TUDO ISSO fora Era a sunga, arremessada na piscina por alguma
da vista dos nadadores da bateria, é claro. En- “alma caridosa” ao ver o aperto da situação do
quanto isso, nosso incauto colega (recém saído da “Banana”. “O que é isso?”, interroga o Tenente.
famosa Turma “Delta”) DAVA SUAS BRAÇA- “Saia já daí. Vai tomar uma parte. Onde já se viu,
DAS NA TENTATIVA DE SAFAR O ÍNDICE, nadar pelado?”.
MAS AGORA COM UM PESO A MENOS, POIS E assim, após vestir sua sunga e sair da piscina,
ESTAVA, TOTALMENTE, PELADO. termina o TVF de natação, que até hoje é motivo
A RISADA ERA GERAL. Até os colegas que de piada na turma.

141
1990

0,4=1 gatinho
Por CMG Leonardo Pacheco Vianna
CF (RM1) Leonardo Welp Sá

E
ste “cenário” não se inicia com o deslum- - Eu tenho certeza que acertei todas as ques-
bramento do Aluno que avista pela pri- tões.”
meira vez a fachada do Colégio Naval, Essas confidências, logo após as avaliações,
tampouco com o melódico toque de alvorada. eram normais entre nós. Restava agora aguar-
Ele começa com a “ameaçadora sirene do pátio dar, ansiosamente, a correção da prova, orar e
interno indicando o encerramento da primeira se enganar com a promessa - nunca cumprida
Prova Periódica (PP) de Álgebra do ano. O ar - de que para a próxima prova iríamos “estudar
pairava pesado para esses tantos que deixavam muito” para não ficar “na onça” novamente.
por último as salas de prova, esses “menos fa- Nessa época, as notas não surgiam em um
vorecidos” academicamente. Era como se trinta aplicativo de smartphone com câmeras 4K. Elas
pneus queimassem no meio do pátio interno. Di- eram apresentadas em uma tabela formatada
fícil respirar e acreditar na catástrofe que acabara por uma máquina de escrever e escritas à ca-
de se abater sobre esses jovens desafortunados. neta, sendo afixadas em um quadro de avisos
Mas, alguns estavam confiantes... como nos- com envoltório em madeira e duas portinholas
so colega “Pasteur”, por exemplo. Vulgarmen- em vidro, localizado no corredor dos “ladrilhos
te conhecido como ““gatinho”” - com muitas vermelhos” das salas de aula. Perceba a “mis-
aspas mesmo - ele estava com um semblante tura explosiva”. Adolescentes, seres angustia-
plácido e confiante, apesar de sua classificação dos por natureza, longe de casa, com o orgulho
na turma não o colocar nem na faixa dos 80% ferido pela provável humilhação do fracasso
primeiros: em sua prova de Álgebra. Adicione a isso tudo
“- E aí, “Pasteur”? Que agreste essa “PP” de um quadro de avisos... de vidro.
Álgebra, hein? Me arrebentei, cara. “- SAIU A NOTA DE ÁLGEBRA!”, alguém
- Sério? O que houve? Em qual questão você bradou de algum lugar do pátio interno.
teve dúvida? A descarga de adrenalina foi brutal. No alto
- Em qual questão?!?!? Do que você está fa- dos seus quinze, dezesseis ou dezessete anos
lando? Só lembro de ter feito duas... você é capaz de saltar, correr e empurrar como
- Que pena… Eu gabaritei. nunca imaginou, caso tenha a motivação ade-
- O que?! Fala sério! Você é da “rabada heroi- quada. A “horda” formou-se quase que instan-
ca”. Como assim gabaritou? taneamente no entorno do quadro de avisos,
com Alunos em manada saindo das salas de
142
aula, da rotunda, da tolda e de onde mais es- Mas, entre um desabafo e outro, houve quem
tivessem. Rumavam em “desembestada” cor- lembrasse do “Pasteur”, aquele que julgava ter
rida buscando “esperança no meio do caos” gabaritado a sua “PP” de Álgebra:
(equipamentos de última geração que calculam “Quanto o “gatinho” tirou? Vamos ver...”,
a densidade de pessoas em manifestações se- alguém tornou pública a sua dúvida.
riam levados ao seu extremo). Nada menos que
Eis então, que se observa a nota “zero vírgu-
oito ou nove Alunos por m2 no entorno daque-
la quatro” (0,4) atribuída àquele que dissera ter
las “barreiras” de vidro, acotovelando-se como
gabaritado a prova que valia dez pontos:
na saída de um Maracanã lotado. “Gazela” e
“Chucky”, espirituosos como poucos, não per- “E aí, “gatinho”? Tirou quanto?”, a pergunta
deriam aquela oportunidade. Ao verem a mas- em si já era o próprio escárnio.
sa de companheiros de turma prestes a romper Talvez ele tivesse muito pouco a argumen-
as vidraças das portas do quadro de avisos, tar mas mantendo uma expressão facial cuja
começaram a empurrar aquele amontoado de fleuma era inatacável, respondeu com invulgar
gente. “NA BOLAAA!!!” – gritavam eles. Nem convicção:
uma bomba de efeito moral seria capaz de dis- “- Espere aí, meu caro… Você quer saber
persar tanta gente tão instantaneamente. quanto eu tirei ou quanto o professor me deu?
De repente, um estalo!!! Em menos de três Eu gabaritei, mas o professor só me deu 0,4.
segundos, restaram apenas a estrutura de ma- Mas, não ficará assim não... Irei na vista de
deira na parede, a “rela” das notas no quadro prova e entrarei com recurso.”
de avisos e os cacos de vidro despedaçados ao Não precisa nem dizer que a partir daí nin-
chão, sem qualquer Aluno ao seu redor. guém mais da turma expressava sua nota em
O resultado das avaliações apontado naque- pontos, mas sim em “gatinhos”. Informes dão
la folha A4 era o esperado - um mar de notas conta que após as provas do C-Ap, CEMOS,
vermelhas. E do vidro quebrado... Desconto anos depois, ouvia-se pelos corredores: “- Cam-
da SAG e muitas OUs no carvão. Só derrota! panha, tirei 15 gatinhos”...
143
1990

“Ótilidade” do banho no
fim de “sumana”
Por Marco Antonio Dominoni dos Santos

E
m 1991, em uma fria manhã de sábado, estavam aquartelados somente os aratacas e alguns
impedidos. Após o café, organizou-se uma pelada. Formamos dois times e fomos jogar na
quadra de Futsal ao lado do PIPA.
Como não havia time de fora, após algum tempo já estávamos todos cansados, e a partida
foi encerrada, subindo todos para o alojamento e, em seguida, para o banheiro, pois o cheiro de
“ranço”, próprio da adolescência, já era percebido por todos!
Após algum tempo, já estavam todos bem limpos e asseados de volta ao alojamento, à exceção
de um colega: o “Freud”.
“- Gente, cadê o “Freud”?
- Ele subiu com todos... Eu vi. Não acredito que ele está arvorando banho...”
Partimos em direção ao “Delta 2” e, procurando nas camas, percebemos uma cabeça para fora
das cobertas. Corremos na direção e indagamos:
“- “Freud”!!!! Cara, você está deitado sujo na cama?
- Euuuu? Eu não estou muito sujo nããããão!
- Que isso??? Todos suamos “horrores”, cara!!!!
- Euuuu? Eu não suei muito nãããão!
- “Freud”, deixa de ser porco e vai tomar um banho!!!!”
Nesse exato momento, surge a célebre frase do “Freud”, com seu característico sotaque do
“Médio São Francisco” e conhecida por todos da turma:
“- EU NÃO VEJO NENHUMA “ÓTILIDADE” DO BANHO NO FIM DE “SUMANA”.”
Muitos risos e alguns empurrões, o tiramos à força dos cobertores e o conduzimos ao chuveiro
de roupa e tudo – sob veementes protestos!!! Vamos combinar que era doído demais tomar banho
no frio dos invernos da “Batista das Neves”, mas estávamos todos muito sujos... era necessário!!!
Hoje, o “Freud”diz que toma banho todos os fins de semana, e que quando jovem ele era
muito à frente do seu tempo, pois, já na década de 1990, estava preocupado com a economia dos
recursos naturais.
Quem quiser que acredite...

144
145
1992

Turma
Almirante Ary Parreiras
Minha história com o
“Barco Amarelo”
Por Ex-aluno Gomes Leal
1114 em 1992
2061 em 1993
3053 em 1994

146
M
inha história com o Barco Amarelo foi
iniciada no longínquo dia 27 de janeiro
de 1992 junto com todos os meus cam-
panhas de turma. Eu era mais um adolescente,
entre tantos outros da minha turma, que não
tinha a mínima ideia do que me esperava por
trás do portaló da imponente fachada localizada
na belíssima Enseada “Batista das Neves”. Uma
mistura de sentimentos distintos me dominou
nesse dia: alegria por estar concretizando um
sonho de infância, e ao mesmo tempo um pouco
de receio por ter de enfrentar o desconhecido
por conta própria com apenas 16 anos de idade.
Passei por aquele portaló e minha vida nunca
mais seria a mesma. Em “Batista das Neves”,

147
1992

aprendi valores que até hoje norteiam meus passos, tais como
disciplina consciente, pontualidade, foco em um objetivo, poder
de concentração, resiliência nas adversidades e o espírito de cama-
radagem. Nunca esquecerei o primeiro “picado” dentro do barco
amarelo: bife à milanesa, arroz , feijão, purê de batatas e Pepsi.
Com o passar do tempo percebi que “CPLM” e “Silveirinha”
seriam mais presentes em minha rotina como Aluno. A famosa
competição do tablado promovida pelos veteranos do terceiro
ano ao término da adaptação no CN para escolhermos o campa-
nha do primeiro ano “mais desprovido de beleza” é um marco
histórico na minha turma até hoje. Durante a adaptação no CN
aprendi com os adaptadores Alunos do terceiro ano, da forma
mais “pedagógica” possível, que não poderia ostentar um cabelo
com topete dentro da MB (não cometi o mesmo erro quando me
apresentei três anos depois para a adaptação na EN). Ao longo
de 1992, ainda como “boy”, iniciei amizades verdadeiras que
cultivo até os dias atuais. Já como segundanista participei de uma
visitação à Diretoria de Hidrografia e Navegação em Niterói - RJ
junto com alguns campanhas de turma (conforme registrado na
foto), e uma fala de um Capitão-Tenente na época para mim até
hoje ecoa em minha mente: “Esses caras que estão aqui agora ao
seu lado são e sempre serão seus melhores amigos, aqueles com
quem você poderá contar nos momentos mais difíceis.” Palavras
sábias e verdadeiras. Obrigado, “Barco Amarelo”, por ter me
proporcionado tantos “irmãos” para uma vida inteira. Ainda
como segundanista lembro que minha turma venceu o Festival
Interno da Canção de lavada com uma “Axé Music” parida por um
campanha de turma que era de Salvador. Ter conseguido safar a
“Turma Delta” no segundo ano também foi marcante para mim.
Nunca vou esquecer a sensação de vitória após ter completado o
teste de permanência no mar no segundo ano, uma vez que não
havia feito o mesmo no primeiro ano.

148
Agora, a cereja do bolo...
Meu terceiro ano no “Barco Amarelo” para ser resumido em
uma única palavra foi inesquecível. Minha turma teve duas tur-
mas de calouros, pois a MB não havia realizado concurso para o
CN em 1992, portanto em 1993 foi feito um concurso para duas
turmas distintas (primeiro e segundo anos). Desafio gigantesco
para uma turma de apenas 138 veteranos ter de comandar quase
400 calouros. Minha turma, a incomparável Turma “Almirante
Ary Parreiras”, cumpriu sua missão com louvor. Não posso dei-
xar de mencionar a cena pitoresca de alguns campanhas terceira-
nistas da minha turma que estavam de bailéu adentrando o pátio
interno do CN de mãos dadas da mesma forma que a seleção
brasileira de Bebeto e Romário fazia ao entrar nos gramados no
início da década de 1990, com certeza uma cena para a eternida-
de. A imagem da minha turma arremessando os quepes para o
alto ao término da nossa formatura em dezembro de 1994 nunca
sairá da minha cabeça.
No ano seguinte, parti para Villegagnon com muitos campa-
nhas de turma oriundos do CN, mas que me desculpe a EN, pois
é o “Barco Amarelo” que me traz uma enxurrada de lembranças
da MB que levarei para sempre comigo em minha mente.

Parabéns, “Barco Amarelo”,


Continue a ser a Esperança da Armada por muitos anos,
Parabéns pelos seus 70 anos de excelência,
Parabéns por ter encaminhado a vida de tantos jovens que
por ti passaram,
Obrigado por tudo Colégio Naval !
Disciplina, educação e amor ao Brasil.

Bons ventos e mares tranquilos para ti, hoje e sempre.

149
1995

V
iver isoladamente, em uma espécie

Turma
de Ilha, faz com que os indivíduos
criem crenças e superstições pró-
prias. Na década de noventa, era comum
que as notícias dentro do Colégio Naval

Almirante
circulassem somente por intermédio do
contato com quem podia sair do “Barco
Amarelo”. Por vezes, os assuntos tratados
nas segundas-feiras, tomavam um rumo

Barroso
diferente fora da Enseada “Batista das Ne-
ves” e o Aluno ao chegar em casa no fim
de semana vindouro, já se deparava com
outro cenário.

Boatos,
medos e
supertições
Por CF Marcelo Haroldo
Domingos da Silveira

150
151
1995

152
Frequentemente, boatos da morte de alguns artistas, tais como Ro-
berto Carlos ou Sílvio Santos, eram passados entre os Alunos e discuti-
dos exaustivamente. Com o tempo, nenhum boato era levado mais tão
a sério, e ouvir que a Xuxa havia deixado esse mundo era, prontamen-
te, rechaçado junto ao boateiro, mas, ainda assim verificado na manhã
seguinte com um dos professores que vinham do mundo exterior.
Quando em 1996, foi anunciado o acidente aéreo com o grupo mu-
sical Mamonas Assassinas, pouco se levou a sério, mas no fim de se-
mana os detalhes do acontecimento foram, exaustivamente, noticiados
em todos os canais de televisão. Foi um desastre que mexeu com os
sentimentos de todos, dada a pouca idade dos seus integrantes. Em
um dos programas dominicais, uma senhora que afirmava ter o dom
de prever acontecimentos, bradava que o acidente havia sido previsto
por ela alguns meses antes. Entre crentes e descrentes, todos discu-
tiam, nas assembleias dos bancos escolares, se ela poderia ou não pre-
ver um desastre como aquele.
Foi então, que em uma noite de terça-feira, nos corredores do pátio
interno, se espalhou a notícia, que a vidente havia dito, que ocorre-
ria um acidente rodoviário, na estrada do Rio de Janeiro para Santos
e que todos os passageiros estariam vestidos com roupa branca. Um
pequeno boato despretensioso, que gerou inúmeras testemunhas que
afirmavam ter ouvido alguém falar que era verdade.
O isolamento, quase insular, fez com que todos buscassem as mais
diversas fontes externas. Filas nos “orelhões” nunca vistas, de Alunos
que aguardavam, pacientemente, a chance de ligar para casa e que ao
conseguirem falar com seus pais pelo telefone, não conseguiram con-
firmar a veracidade da notícia, mas recebiam a ordem de não voltarem
para casa naquele fim de semana, na dúvida era melhor não arriscar.
Talvez, pela primeira vez, em todos os então 45 anos do Colégio Na-
val, não havia na sua totalidade, Alunos ansiosos pela chegada do fim
de semana. As relações dos ônibus fretados não fechavam por falta de
quórum. As reuniões dos grupos evangélicos e espíritas ficaram abar-
rotadas. Muitos debutavam na capela, pois todos queriam se apegar a
alguma coisa. Nos dias que se seguiram, Alunos conversavam depois
do toque de silêncio em seus beliches. Boatos, Medos, Superstições.
E do mesmo modo que surgem os boatos, eles desaparecem com a
mesma intensidade e rapidez, na medida que novos boatos são cria-
dos. Um suposto acidente em Ubatuba, com um grupo de médicos
vindo de um congresso surgiu na noite de quinta-feira… e todos foram
para casa na sexta-feira, despreocupados com as curvas da Rio-Santos,
certos de que mal nenhum os alçariam.

153
1996

Turma
Almirante Soares Dutra
A operação “Alfajor”
Por CF Alan Freitas

E
m toda turma tem uma galera conhecida por A ceia é uma refeição, a qual é realizada após
comer além da conta. Nunca declinam para o Estudo Obrigatório. Eu e meu cúmplice pas-
qualquer tipo de rancho. Eu disse nunca! samos parte do Obrigatório planejando como
Além de não arvorarem qualquer tipo de rancho, iríamos safar o nosso Alfajor. Juntos, esquema-
comiam como se não houvesse amanhã. Especifi- tizamos o seguinte plano: quinze minutos antes,
camente, na minha turma, esses seres são conhe- sairíamos do Estudo Obrigatório, alegando que
cidos, carinhosamente, como “ratazanas”. Já em íamos ao banheiro e de lá, se a “barra estivesse
1996, no nosso primeiro ano, um Tenente apeli- limpa”, iríamos correndo para o rancho degustar
dou a nossa turma de “Turma Flinstones”, pois, o apetitoso bolinho. Estava planejada a Operação
os pratos preparados, no almoço ou no jantar, por “Alfajor”! Para nós, jovens garotos, o plano per-
esse pessoal, eram compatíveis com as refeições feito era perfeito! Não tinha como garrar!
realizadas pelos Homens da Idade da Pedra! Quando restavam quinze minutos para termi-
Na época, o saudoso Colégio Naval estava re- nar o Estudo Obrigatório, solicitei ao Chefe de Es-
alizando grande esforço para melhorar a qualida- tudo para ir ao banheiro e, logo em seguida, meu
de do rancho e, consequentemente, começaram campanha também. Estávamos colocando em
a aparecer algumas iguarias deliciosas na nossa prática a nossa audaz Operação. O nosso ponto
ceia. Uma das delícias preferidas do Corpo de de encontro foi, precisamente, na rotunda perto
Alunos e, fatalmente, das ratazanas era o sucu- das salas de aula do terceiro ano. Pela vigia, fize-
lento e disputado Alfajor. Quando o apetitoso mos uma busca visual para procurar o Oficial de
quitute estava escalado no cardápio, os Alunos Serviço do Corpo de Alunos (OSCA) e constata-
de serviço no rancho sabiam que seria um dia di- mos que ele estava passando inspeção em uma
fícil para controlar os impulsos de jovens adoles- sala de aula do segundo ano. Cabe ressaltar que
centes famintos e cheios de energia, ávidos pela ele já havia passado nas salas de aula do terceiro
saborosa guloseima. ano, o qual nós estávamos cursando.

154
Em ato contínuo, fomos correndo agachados Depois de alguns dias, eu e alguns amigos fa-
da rotunda para o rancho. Chegamos! Já estava mintos fomos em audiência com o ComCA. Eu
até sentindo o gostinho do Alfajor! Mas, quan- nunca tinha entrado na sala dele, tampouco an-
do olhei para o rancho... ele estava tomado por dado naquele corredor! Ficamos em descansar
alguns Alunos do terceiro ano. Muitos tiveram por horas esperando a audiência, mas que pare-
a mesma ideia que nós! Corri os meus olhos ao ciam alguns anos. O ComCA era muito querido
longo do imponente rancho dos Alunos do Colé- e respeitado pelos Alunos e decepcioná-lo foi o
gio Naval e, infelizmente, constatei que as maio- nosso pior castigo.
res “ratazanas” da minha turma estavam lá. Um Durante a audiência, ele nos explicou que o
pensamento lógico veio na minha mente: Tem esforço para melhorar a qualidade do rancho
tudo para garrar! havia partido dele e reforçou que ações, como
Quando eu vi o ser mais faminto da minha as nossas, poderia comprometer todo o trabalho
turma, a minha preocupação aumentou consi- que ele havia desenvolvido. Eu entendi o que ele
deravelmente. Para contextualizar a magnitude falou, mas eu só queria saber qual e quantas pu-
da sua respectiva fome, cabe contar um caso do nições eu iria receber, já que cumpríamos nossas
ex-aluno em lide: em uma ceia, na qual o cardá- punições nos finais de semana, os quais eram
pio era pão doce e jacuba do grupo amarelo, ele muito sagrados para nós.
consumiu tanto pão doce que, como consequên- Nos meus piores pensamentos, achei que ga-
cia, baixou enfermaria para tomar soro, pela veia. nharia, no máximo, dois serviços extraordiná-
Diante ao exposto, acredito que os senhores en- rios como punição, afinal eu tinha pego apenas
tenderam a minha preocupação. um Alfajor! Depois de alguns minutos, saímos
Eu e meu amigo decidimos agir, independen- todos impactados pelas punições: tomamos cin-
temente, dentro do rancho. Minha consciência co dias de impedimento cada um! Isso significa-
pesou e eu fui à mesa que sempre sentava para va que eu ia ficar detido no Colégio Naval por
consumir as refeições diárias e peguei o meu Al- dois finais de semana, sem poder sair! Quase 20
fajor. Fiquei com pena dos Alunos-rancheiros e dias! Realmente, o pensamento que tive no ran-
falei para um deles: se garrar para vocês, podem cho durante a Operação “Alfajor” tornou-se re-
me acusar! Do refeitório voltei para rotunda por- alidade: garrou!
tando apenas o meu Alfajor, a fim de encontrar Essa história foi selecionada, pois sempre nos
o meu campanha. Meu cúmplice, por sua vez, recordamos dela nos momentos de descontra-
encontrava-se vestindo uma volumosa japona e, ção da turma, seja no nosso tradicional chope
quando a abriu, constatei que seu casaco estava natalino realizado todos os anos, no dia 23 de
transbordando do referido bolinho! dezembro, ou em outros encontros planejados
No dia seguinte, o assunto era um só: faltou da turma. Encontros possíveis graças aos laços
Alfajor na ceia para os demais alunos e o Coman- que começamos a construir no Colégio Naval.
dante do Corpo de Alunos (ComCA) determinou Honestamente, em 1998, o referido “lance”
que todos os Alunos que entraram no rancho an- não compensou, mas, diante das risadas que
tes do horário tomassem uma parte de ocorrência essa simples e pitoresca história já desprendeu
e que ele próprio daria a audiência. O pior cenário dos meus irmãos de turma e da oportunidade
possível aconteceu! Isso não fazia parte do plano! de eternizá-la no aniversário de 70 anos do nos-
Ao longo daquele dia, as partes de ocorrência fo- so querido Colégio Naval, ter planejado e exe-
ram sendo distribuídas para nós reconhecermos. cutado a Operação “Alfajor”, mesmo sem êxito,
Não deu outra! A minha chegou! E rápido. valeu a pena.
155
Turmas
2000 - Almirante Sylvio de Noronha
2001 - Almirante Dodsworth
2002 - Almirante Marques de Leão
2003 - Almirante Guilhem
2004 - Almirante Frontin
2005 - Marquês de Tamandaré
2006 - Almirante Graça Aranha
2007 - Almirante Sylvio de Camargo
2008 - Almirante Felinto Perry
2009 - Almirante Carneiro Ribeiro
2015 - Capitão de Fragata Luís Barroso Pereira
2016 - Barão de Ladário
2017 - Visconde de Cabo Frio
2018 - Almirante Bosísio

157
2001

Turma
Almirante Dodsworth
Em um piscar de olhos
Por CC LEONARDO GOMES de Araujo

158
E
m 21 de janeiro de 2001 iniciou-se a jor- privilégio de perceber, ainda como calouros, o
nada da turma que pouco tempo depois quanto o Colégio Naval marcaria nossas vidas.
viria a se chamar de Turma “Almirante Entre 2001 e 2003 vivemos intensamente na
Dodsworth”, a primeira turma do século 21. Dei- Enseada “Batista das Neves”, que deixou suas
xamos o convívio diário com a família para dar memórias marcadas em nossas almas. Bastam
início à inesquecível fase de adaptação. Além da breves palavras para nos remeter a todo um
beleza do amanhecer visto do Prédio dos Alu-
conjunto de emoções e lembranças: Abrolhos,
nos, encontramos formaturas, ordem unida, exi-
Acelera, Almoço dos 50 dias, Alvorada, Aten-
gências físicas e psicológicas, hierarquia e disci-
ção rancho, Baile da integração, Baile do Calou-
plina. Um esforço que se materializou no dia da
ro, BDA, BDE, BDF, BDO, Bravo, Caso contrá-
entrega de platinas, onde vestimos o “branco”
pela primeira vez e fomos reconhecidos como rio receberão parte de ocorrência, Céu, Cheiro
Alunos do Colégio Naval, um dos momentos de adaptação, Colgativite, ComCA, ComCia,
mais emocionantes em nossas vidas. Criptonita, Disco, Embarque em navios ou visi-
ta a OM do CFN, Equipe, Espalma a mão, Fes-
Nesse mesmo ano, vivenciamos o aniversá-
tival Interno da Canção, Grêmio, Grupo religio-
rio de 50 anos do Colégio Naval, que contou
com representantes das 50 turmas (de 1951 até so, ImCA, Imped, Jacuba de amarelo, Marafar,
2001). Foi a primeira vez que vimos uma for- MercNav, Mike-Mike, NAE, OfAl, Olhar à di-
matura de tamanha proporção, contando com reita, OLICON, OsCA, Paiol de barcos, Parada
militares de todos os postos de nossa carreira, escolar, Patescaria, Patinho, Peitômetro, Pelo-
de Aluno à Almirante de Esquadra, incluindo tão elétrico, Pelotão Tamandaré, PIPA, Plantão
Veteranos e pessoas que seguiram outros cami- banheiro, Rancheiro, Regata, RIG, Ronda, Ro-
nhos, mas que formaram junto. Fomos a turma tunda, SAG, SE, Silêncio, TFM, Troféu amiza-
mais moderna de toda a formatura e tivemos o de, e muitas outras.

159
2001
1970

Em um piscar de olhos nos tornamos veteranos e já estávamos envol-


vidos com a adaptação dos novos calouros. Momento de entender me-
lhor os conceitos de liderança, transmitir experiências e amadurecer, con-
quistando o respeito e confiança dos adaptandos, e vivenciar a honra de

Turma
lhes colocar a primeira platina da carreira. Mais um piscar de olhos e
chegamos à Passagem da Cana do Leme, marcando o fim de nosso ciclo,
celebrado no Baile da Âncora, caminhando para outros “portões” que se
seguiram em nossas vidas.

Almirante Rademaker
Ainda muito jovens, os desafios e obstáculos foram nos ensinando
como ser fortes, e como nos adaptar para vivenciar as peculiaridades dos
homens do mar. Independente do destino que os membros da “Turma
01” seguiram após tempo vivido no Colégio Naval, não há dúvidas de
que ele nos mudou. O conhecimento de nossas capacidades e limitações

O nevoeiro
se expandiu, a noção de responsabilidade e respeito foi melhor assimila-
da e, acima de tudo, ocorreu a verdadeira compreensão da palavra “Ami-
zade”, explicando o nosso orgulho de ser “Dodsworth”.
Por Paulo Décio Ribeiro

Casos pitorescos
Partes nossas de cada dia
Ao longo dos anos passados no CN, a temida “Parte de Ocorrência”
se fez presente em muitas ocasiões. As razões para se receber uma delas
eram tão diversas que os casos mais pitorescos passaram a ser comparti-
lhados sempre que aconteciam. Dois desses casos foram: um Aluno acor-
dou com pigarro na garganta e, sentindo-se desconfortável, decidiu se
livrar do incômodo da maneira mais rápida possível. Ao avistar a janela
mais próxima, não teve dúvidas e se livrou do problema. Acontece que
quem estava logo abaixo da janela, fazendo inspeções de rotina era o Ofi-
cial de Serviço! Resultado: Parte por “cuspir no OSCA”. O segundo caso
ocorreu motivado pelo Campeonato Mundial de Voleibol Masculino de
2002, no qual o Brasil conquistou seu primeiro título. Dois Alunos apro-
veitaram o intervalo entre as aulas e foram para o pátio interno reprodu-
zir os principais lances do jogo da vitória, mas não tinham bola e usaram
a imaginação. O OSCA, ao ver tal cena, não teve dúvidas: Parte por “jogar
vôlei imaginário no pátio interno”!

160
161
2007

Turma
Almirante (FN)
Sylvio de Camargo
Linhas tortas
Por CT (IM) Tarcio Fonseca de Castro

H
oje, véspera da Páscoa, acordei refle- consequência válida para si mesmo, estaria eu,
tindo sobre a gratidão que deveria ter assim, moralmente compelido a relatá-la.
para com todas as coisas. Se, há dois Admito que, inicialmente, vários feitos tor-
milênios, um Sujeito materializou aquilo que, naram à mente, suplicantes por terem os ho-
abstratamente, entende-se por abnegação; como lofotes mais uma vez a eles voltados, como se
poderia eu, quase sempre alvo das próprias boas não bastassem os louros de seus próprios tem-
ações, ser ingrato ante os percalços da vida? pos: a conquista do Circuito Poder Marítimo de
Não fosse, aliás, a extraordinária experiência remo em escaler; ou a satisfação em recitar ao
autoedificante por que passei nos tempos de palco a poesia que alcançou a primeira coloca-
Aluno militar, não teria, decerto, tornado-me o ção no concurso literário. Mas, estaria apenas
que sou hoje. José Ortega y Gasset com razão alimentando a vaidade sedenta. Pobres histó-
pensava: “Eu sou eu e minha circunstância”. rias! Nada são senão resultados de algo muito
Ora, se não amo a realidade a minha volta, a maior, muito mais importante: os obstáculos
circunstância que me constrói, não amo, por- ironicamente propulsores da vida mesma.
tanto, a mim mesmo. Finjo-me vítima do mun- Ao tomar conhecimento da aprovação no
do e calo a própria consciência. concurso de admissão, como todos, fiquei de-
Passando os olhos nas mensagens do celular, masiadamente contente. Comemorei com a
deparei-me, por acaso (ou não), com o convite família. Procedi aos exames médicos e testes
quase cósmico de relatar um momento marcan- físicos. Aguardei ansioso o início da nova jor-
te durante minha formação no Colégio Naval. nada. Toda a dedicação havia valido à pena.
Refletindo, concluí que se alguém também pu- A oportunidade a mim concedida havia sido,
desse depreender dessa experiência qualquer devidamente, aproveitada. No ano seguinte,
162
aos dezesseis, lá estava iniciando a quinzena Logo descobri que, embora degenerativa,
de adaptação, sentado à mesa da sala de aula, essa condição última da doença era raríssima
tomado por satisfação indescritível e alegria já naqueles tempos, tendo em vista os avança-
inabalável, não fosse aquele instante singular dos tratamentos. A utilização de lentes de con-
prestes a gelar-me a alma. tato rígidas era o principal deles, por estagnar
Enquanto os primeiros ensinamentos eram o avanço gradual do formato cônico que a cór-
transmitidos, o Adaptador-Aluno a mim vol- nea tenderia a assumir. Por isso, foi o método a
tou sua atenção, indagando (em vão) se já havia mim indicado.
eu decorado as patentes desenhadas no quadro Insisti, todavia, por anos a fio. Lutei, dia-
branco. “Ora, que patentes?”, pensava atônito. riamente, para permanecer com as lentes nos
Ao insistir na questão, dele me livrei dizendo olhos. Infelizmente, mais pareciam pequenas
apenas o esperado: “Não, senhor!”. Pouco após facas que qualquer coisa. É que um coadju-
a inevitável repreensão simbólica, deixando de vante, desde tenra idade, acompanhava-me: a
ser o foco das atenções, pude notar que outro hipersensibilidade. Ocasionada por constante
Adaptador-Aluno, estranhamente, rabiscava alergia aliada a inconveniente conjuntivite crô-
qualquer coisa com aquele marcador azul-escu- nica, a mistura de dor e ardência agravou-se
ro. O quadro, porém, que branco estava, branco com o ceratocone. Era de jorrar lágrimas! - sem
permanecia, como se ignorasse, secretamente, a figuras de linguagem. Lembro-me bem dos gol-
escrita do rapaz. pes que desferia contra a parede para suportar
Naquele instante, percebi que algo havia de a dor. E pensava: “- Mais um minuto! Mais um
errado comigo. De repente, em um paralelo minuto!” Nunca me adaptei... A clareza da vi-
existencial, senti-me só, tomado pelo desespe- são dava lugar à nova realidade, estava fadado
ro. A mente, incrédula, procurou uma expli- a lutar por minha sobrevivência lá dentro.
cação, uma desculpa. Não tardou, entretanto, O conteúdo exposto em aula era apenas es-
para aceitar que o quadro, na realidade, escon- cutado. Tinha que dar meu jeito para compen-
dia apenas de mim as nítidas patentes apresen- sar! Utilizava os livros didáticos ou copiava
tadas. cadernos de colegas. Procurava toda forma de
Oportunamente, procurei um especialista, compreender a matéria. Para ler, contraía as
mas, ingênuo, não percebi o diagnóstico, já que pálpebras e inclinava a cabeça, levemente, para
minha amável mãe planejou revelá-lo à beira trás e à direita. A longo prazo, naturalmente, os
de um córrego pertencente a um daqueles ho- músculos da face fatigavam e a cervical doía. A
téis cinco estrelas de Angra dos Reis. Incapaz solução alternativa era aproximar-me, tocando
de conter-se, quase não se completou, em pran- a página com o nariz. Por alguma razão ótica, a
tos: “Você está com ceratocone, uma doença visão daquela distância ficava perfeita, em que
que leva à cegueira.”. Foi um baque! Mas, só pese a cervical assumir outra posição incômo-
parei mesmo para processar e digerir a novi- da. Alguns perguntavam se não estaria eu chei-
dade após reconfortá-la em meu colo. Sua dor rando o livro. Eu só ria! Ora, havia sensatez!
diante de mim era pior que a própria notícia. Que mais poderiam pensar?
163
2007
1970

Turma
Almirante Rademaker
O nevoeiro
Por Paulo Décio Ribeiro

164
Agora, pare um instante e imagine-se em
regime de internato. A visão desfocada. Olhe
para baixo. Isso é uma poça ou barro seco?
Onde pisar? Qual o limite deste degrau? Olhe
para frente. Quem está adiante? Presta conti-
nência? De que está se servindo nesta refeição?
O medo de não conseguir seguir adiante,
confesso, era quase incontrolável, era irracio-
nal, mas, simultaneamente, autossuficiente na
busca pelo oposto, era, portanto, autocontra-
ditório. Cada vez que me deparava com novo
obstáculo, obstinava-me em transpô-lo. A re-
siliência não era opcional, mas obrigatória. A
vontade imperava em meu espírito. Por isso
mesmo, conquistei muito mais do que espera-
va. Até que, próximo ao fim da Escola Naval,
fiz o transplante de uma das córneas e, três anos
mais tarde, o da outra. Hoje, já disse, sou gra-
to por essa expiação. Mais que materialmente
curado, estou intimamente reformado.
Sei que, com orgulho, os Alunos deixam seus
lares, contudo reconheço, ainda mais, que a an-
gústia se faz presente no seio de muitos, senão
de todos. Que essa narrativa sirva, portanto,
como exemplo mais próximo aos residentes à
belíssima Enseada Batista das Neves. Que pen-
sem, mais que duas vezes, antes de clamarem
pelo retorno definitivo ao lar. E que se lembrem,
por fim, do que a vida outrora ensinou-me: não
existe conquista sem mérito, como não existe
mérito sem esforço. Esforcem-se! Para tudo na
vida, esforcem-se!

165
2007
1970

Chamas a galope
Por CT (IM) Tarcio Fonseca de Castro

M
Turma
uitos são os personagens do folclore do”. Fui descuidado por não aguardar de fora
brasileiro, mas se teve um capaz de de- que ela fosse despejada e desse lugar à corrente
finir-me nesta história, sem dúvidas, foi fria.
a mula sem cabeça. Lembro-me como se fosse Nesse momento, tentando explicar o que se

Almirante Rademaker
hoje. Eis como tudo ocorre. passou, noto que minha cabeça parece estar em
Ao belo entardecer de uma quinta-feira - como chamas. O que faço? É claro, adentro de volta
na lenda - arrumo a mala ansioso para pegar o ao fluxo d’água, desta vez, já resfriada. Graças
primeiro “reunir licenciados” do dia seguinte. a Deus a ardência desaparece e sinto o alívio es-
Ao término, já atrasado, acelero em direção ao perado.

O nevoeiro
banho para não perder o horário da janta. Vejo
uns três colegas espalhados pela ala dos chuvei-
ros, escolho com pressa minha ducha e, já despi-
Por Paulo Décio
Doce ilusão a minha! Passados alguns segun-
dos sob a água, percebo que ressurge forte dor
no mesmo lugar. É o resultado da temperatura
do, preparo-me paraRibeiro
aquela água “congelante”. baixa sobre o couro cabeludo sensibilizado pela
Antes de continuar, preciso esclarecer duas queimadura. Retiro a cabeça novamente e em
coisas. A primeira é que, sim, havia água quente mais alguns segundos a sensação se inverte ou-
disponível, porém eu tinha o péssimo costume tra vez, voltando aquela ardência insuportável.
de tomar banhos completamente frios - até en- Retorno em seguida com a cabeça abaixo d’água
tão, nunca havia pensado em apenas “quebrar” e, repetindo o movimento para fora e para den-
a temperatura. Para isso, dentre os dois registros tro, feito um pêndulo invertido, concluo: “Pron-
(o quente e o frio) sempre abria somente o da to, estou num ciclo infinito!”
direita, correspondente ao frio. A segunda é que, “- Vicente! Vicente! Vai chamar ajuda, não
em decorrência disso, normalmente me posicio- consigo ficar dez segundos sem molhar a cabe-
nava na direção do fluxo d’água para me molhar ça! Corre!” - clamo ao amigo mais próximo. Mas,
o mais rápido possível, evitando uma adaptação infelizmente, após algum tempo, ao regressar
demorada, que mais parece tortura que qual- da enfermaria, ele diz que devo ir até lá para ser
quer coisa. tratado. Crendo eu que Vicente não percebeu a
Abro, então, o registro e, em uma fração de situação, “gentilmente”, insisto: “CRIATURA,
segundos, sinto-me como se estivesse sendo ele- NÃO TEM COMO! JÁ ESTOU MORRENDO
trocutado, escapando, rapidamente, da água em DE FRIO E A ÁGUA ESTÁ AJUDANDO CADA
um grito estridente - qual o forte relinchar equi- VEZ MENOS!”.
no. Em alguns segundos, enquanto ouço distan- Passados uns tantos minutos, volta ele com
te “O que houve?! O que houve?!” percebo que minha sunga e meu roupão, acompanhado do
não foi um choque elétrico - seria impossível, o próprio enfermeiro, que disse: “- Aluno, o se-
sistema era a gás, mas, sim, térmico. Só há uma nhor deve se dirigir à enfermaria” - a essa altura,
explicação para isso: a água retida na parte da definitivamente quis chorar, só não sabia se por
tubulação mais próxima à ducha estava “ferven- dor ou por raiva.
166
Mais de trinta minutos transcorridos, ante o Após o alívio, começo a notar mais algumas
tremor intenso provocado pelo frio e o ardor queimaduras pelo corpo que nem estava sen-
da superfície capilar, não me resta opção senão tindo até então. Aplica-se o divino gel e, na se-
vestir a sunga, o roupão, enrolar uma toalha quência, fecham-se-me as pálpebras em sono
molhada na cabeça e correr como nunca. tão repentino e necessário quanto à extinção
Pois bem, já tendo perdido a toalha pelo ca- das chamas.
minho e deixado o roupão se abrir pela frente, É claro que, como um bom calouro, “con-
encontro-me, à semelhança do ícone folclóri- venientemente” sou acordado cinco minutos
co, aos berros, atravessando o Pátio Interno do depois para narrar o ocorrido a meu veterano,
Prédio dos Alunos (PIPA) em ritmo galopante, um tanto curioso, que lá hospedado - coitado
sob chamas que crescem tão depressa quanto - pôde acompanhar apenas o final da história.
corro. “- SAI DA FRENTE!” - repito aos farda-
dos do caminho.
Chegando ao destino, como louco, imploro
à doutora: “ONDE ESTÁ O CHUVEIRO?!” e,
apontando-me a direção, torno ao ciclo sem
fim.
Já exausto, escuto-a comentando com o en-
fermeiro recém-chegado algo sobre hipotermia
e que aplicaria uma ou duas injeções. Sem he-
sitar, mesmo de pé, abaixo a sunga e pergun-
to, palpitante: “o que estão esperando!?” ao
que responde o rapaz: “deite-se sobre a maca”.
Como no mito da mula, basta que se me retire
sangue, nem que seja com a ponta de um alfine-
te - no caso, a agulha - para que o encanto seja
quebrado. Pois, não é que aquilo era até pior
que a própria maldição? A primeira injeção,
aviso: “Não adiantou! A dor permanece!” Após
a segunda, insisto: “Minha cabeça está igualzi-
nha, PEGANDO FOGO!” Até que da geladei-
ra, qual um alquimista experiente, saca ele um
gel milagroso e espalha sobre o local afetado,
trazendo alívio instantâneo: “Ufa” - suspiro em
um sorriso cansado.

167
2015

Turma
CF Luiz Barroso
Pereira
Instinto
Marinheiro
Por Aspirante 4001 Eduardo da Silva
Bauer Guimarães

168
N
os idos de 2017, já bastante próximo da formatura do
3° ano e passadas as últimas provas, resolvemos fazer
uma saída com o então Veleiro Oceânico Zepelim, como
maneira de darmos uma espécie de “última despedida” àquela
enseada que tanto nos acolheu e que já presenciou tantas histórias.
Já havíamos feito uma saída parecida por volta de duas se-
manas antes, quando tudo ocorreu da melhor maneira possível.
E apostávamos todas as nossas fichas que a “última velejada”
no Barco Amarelo sairia sem erros ou contratempos. O grande
problema é que quando se é aluno nunca se pode confiar plena-
mente no “instinto marinheiro”.
No curto intervalo de tempo decorrido entre sairmos pelo
portaló e nos aproximarmos do píer, o clima, até então estável só
ligeiramente mais frio que o de costume, resolveu fazer daquela
calma enseada um verdadeiro mar digno dos mitos das Grandes
Navegações lusófonas do século XV. Como alunos que éramos,
não desistimos e prosseguimos mesmo encharcados com a água
da chuva torrencial, afinal era a nossa despedida.

169
1970 2015
Terminando os últimos preparativos para suspender e com toda a “experiente” tripulação a
bordo do Zepelim, começamos a ouvir uns sons estranhos e perceber que o nosso querido veleiro
trepidava. Como num piscar de olhos, um dos moitões arrebentou e deu início a uma reação em
cadeia de tal magnitude que parecia ser o próprio barco nos expulsando de dentro dele. Diversos
moitões, guias e parafusos começaram a voar em todas as direções e nós, instintivamente, fize-
mos o mesmo, disparando para fora do barco até que tudo se acalmasse. Por sorte ninguém saiu

Turma
ferido, já que, apesar de faltar experiência marinheira, um pouco de sorte de aluno nós tínhamos.
Tivemos que “dar volta” na nossa última despedida, já que a chuva e o agora avariado Zepe-
lim nos deram um ultimato o qual não éramos loucos de contrariar. Por fim, pulamos para dentro
de um dos Avisos que lá estava fundeado e aguardamos a chuva passar para voltarmos para o

Almirante Rademaker
alojamento, dessa vez encharcados, assustados, mas felizes que a formatura se aproximava e que
tínhamos uma ótima história para contar aos nossos companheiros de turma.

O nevoeiro
Por Paulo Décio Ribeiro

170
Foto após o “susto”,
já dentro do Aviso
aguardando a chuva passar.

171
19702018

Turma Almirante Bosísio


Turma
Almirante Rademaker
O nevoeiro
Esperança
Por Paulo Décio Ribeiro

da Armada
Brasileira
Por Aspirante Hartmann

172
E
lá estamos nós, novamente. O dia é 14 de as cortinas e olhem pela janela à esquerda dos
janeiro de 2018. O local é o Centro de Ins- senhores. Isso que verão agora é o lugar que hoje
trução Almirante Graça Aranha. Foi lá que, é o meu lar e, futuramente, será o dos senhores.”
depois de nos despedirmos de nossos familiares e É impossível esquecer a primeira vista que se tem
amigos, embarcamos naqueles 6 ônibus rumo ao do imponente “Barco Amarelo”, dominando a
desconhecido Colégio Naval. Éramos cerca de 160 paisagem da Enseada “Batista das Neves”.
jovens que não faziam ideia do que os esperava. Durante as três semanas de adaptação que se
Já nos ônibus, aprendemos que a altura de nossas seguiriam, aprenderíamos toda a teoria sobre
vozes podia sim ser proporcional à quantidade como ser um Aluno do CN e, depois de uma
de vezes que repetíamos algo. Impressionante Noite de Entrega de Platinas que jamais será es-
como a cada vez que entoávamos o Hino Nacio- quecida por aqueles que por ela passaram, con-
nal ou o Hino do Colégio Naval conseguíamos seguiríamos a tão esperada honra de ostentar-
fazê-lo ainda mais alto. Depois de cerca de três mos nosso Ferro, com sua única Estrela abaixo,
horas de estrada, veio a ordem dada por um de no ombro. Mal sabíamos que os desafios esta-
nossos Adaptadores-Alunos: “Senhores. Abram vam apenas começando.

173
19702018
Agora, em 186 Alunos, no dia 05 de fevereiro agitados “Bailes do Braga” e dos temerosos
de 2018, iniciávamos o ano letivo não mais com “Aplauskalipses”, apelidos carinhosos que de-
os 53 adaptadores, mas sim com uma turma in- mos às vésperas das provas desses nossos dois
teira de 199 veteranos dispostos a nos ensinar, professores.
pelas formas mais pedagógicas possíveis, como Vencida a etapa do Segundo Ano, veio o
sermos, agora na prática, Alunos do Colégio Na- maior desafio de minha turma: Estar à frente

Turma
val. Foi assim que, após um longo ano de mui- do Corpo de Alunos, no ano em que a pande-
tos desafios e aprendizagens, conseguimos a tão mia do Novo COVID-19 abalou todo o mundo.
esperada “promoção” para o Segundo Ano. Após um mês de aquartelamento, três meses
Já sem o desafio dos Veteranos, o que po- em nossas casas afastados das atividades pre-

Almirante Rademaker
deria tirar nosso sono durante as noites? Para senciais e mais três meses isolados a bordo do
essa pergunta, nossos queridos mestres Bra- CN, terminamos o ano letivo com palavras de
ga e Plauska, professores, respectivamente, de elogio do nosso Sr. ComCA pela forma com que
Geografia e Física, tinham a resposta na pon- conduzimos o Corpo de Alunos durante as in-
ta da língua. Impossível não lembrarmos dos certezas daquele ano.

O nevoeiro
Por Paulo Décio Ribeiro

174
Finalmente, no dia 10 de dezembro de um lar tão importante e acolhedor quanto o
2020, entoamos nosso último “Fora de For- CN, com tantas lembranças e amizades que
ma” no Campo de Esportes do “Barco Ama- levarão por toda a vida. Nessa data tão im-
relo”, prontos a nos apresentarmos, em janei- portante que é o aniversário de 70 anos do
ro do ano seguinte, no “Solo Sagrado” da Ilha Colégio Naval, não deixem que a placa que
de Villegagnon para continuarmos nossa for- se encontra em frente ao Portaló com os dize-
mação na Escola Naval, agora como a Turma res “Esperança da Armada” seja apenas um
“Almirante Bosísio”. adereço à paisagem. Acreditem nela. Acredi-
Por fim, só posso deixar aos novos Alu- tem que os senhores são todo o futuro que a
nos do Colégio Naval o seguinte conselho: Marinha do Brasil tem e, desde já, deem seu
Aproveitem cada segundo a bordo do “Barco melhor para que esse seja o melhor futuro
Amarelo”. Os senhores nunca irão encontrar possível.

175
CN hoje

M
uito se tem a falar sobre a passagem adaptadores nos recepcionando. Após um in-
da turma Uno-9 pelo Colégio Naval, tenso treinamento para bem cantarmos os prin-
que em breve se encerrará. Em 2019, cipais hinos, finalmente chegou o momento de
ao embarcarmos no tão sonhado barco amarelo, adentrarmos os portões do Colégio Naval!
não imaginávamos os desafios que nos aguar- Quando achávamos que estavam terminan-
dariam, nem as incríveis experiências a serem do as atividades mais intensas daquele dia,
vivenciadas nessa valorosa instituição. percebíamos que era somente o início. Come-
Começamos nossa trajetória com a tradicio- çávamos a cantar canções militares, costurar a
nal adaptação. Éramos civis, jovens e sem o co- farda, engraxar o sapato, fazer a barba, arrumar
nhecimento do que viria pela frente. Logo no a cama e muito mais. Com isso, logo descobri-
início, ainda a caminho da Enseada Batista das mos que essas atividades fariam parte de nosso
Neves, deparamo-nos com nossos calorosos cotidiano a vida inteira. Após uma semana nes-

176
sa rotina, os erros já não eram mais tolerados; Porém, nem tudo são flores. Ao iniciar o ano
todos já sabiam os nomes nas plaquetas verdes letivo, chega a bordo toda a turma do 3º ano,
de cada monitor-aluno e, aqueles que não lem- cujos integrantes são conhecidos como vetera-
bravam, eram gentilmente convidados a parti- nos. Agora já não eram mais quarenta e cinco
cipar do pelotão de reforço. Assim, pelo revolto monitores e sim cerca de duzentos terceiranis-
mar e em meio a muitas flexões, fomos forja- tas que, como irmãos mais velhos, ensinaram-
dos marinheiros, adquirindo em nossa alma -nos com muito carinho, paciência e força de
os valores estabelecidos na rosa das virtudes, vontade a rotina do corpo de alunos.
a fim de manter sempre vivas nossas tradições Diuturnamente corríamos pelos corredores
navais. Passadas três calorosas semanas, final- do Colégio Naval, sendo amigavelmente cor-
mente, atingimos o primeiro grande marco de rigidos caso não atendêssemos às ordens de
nossas vidas como militares: marchar com o tão nossos veteranos. O corte de cabelo que utilizá-
precioso uniforme branco de nossa renomada vamos mudava a aparência de qualquer um. Já
Marinha. em relação às memoráveis seletivas de equipes,

177
CN hoje
em especial as de náutica, essas nos impeliram Após completar cinco meses como milita-
a demonstrar todo o vigor e empenho necessá- res da Marinha, festejamos a nossa conquista
rios ao esporte, além de fazer parte de um sele- no tão aguardado baile do calouro. Foi uma
to grupo, não somente de colegas, mas de ver- grande festa, na qual tivemos a oportunida-
dadeiros amigos. Outro ponto a destacar era a de de, juntamente aos familiares e namora-
convivência nos grêmios, que nos motivavam a das, aproveitar aquela que muitos afirmam ter
seguir a dura rotina imposta e nos ajudavam a sido a melhor noite da vida. Celebrar a união
compreender que por detrás das insígnias com de nossa turma nos deu ainda mais força para
três estrelas, havia sempre um irmão de farda cumprirmos nossa missão, pois sabemos que
disposto a apoiar. nunca estaremos sozinhos. A partir de então,
Aulas exigentes, paradas escolares, ordem o convívio com os veteranos melhorou. Já não
unida e o clima tropical peculiar de Angra dos éramos “crianças” agindo sem conhecimento
Reis, eram superados pela extrema vontade de do que fazer; amadurecemos como militares e
licenciar na sexta-feira, dia mais aguardado pe- como homens e assumiríamos responsabilida-
los alunos, pois veríamos, em breve, nossos fa- des cada vez maiores.
miliares. E nada nos deixava mais ansiosos que A missão de conduzir o barco amarelo como
a rigorosa inspeção feita pelos oficiais do Com- turma mais antiga foi desafiadora, pois servir
CA (Comando do Corpo de Alunos) durante o de exemplo aos demais alunos exige bastante
“reunir licenciados”. profissionalismo, dedicação e postura adequa-
Hoje, olhando tudo o que passamos, temos da.
a certeza que, caso não tivéssemos passado Ressalta-se que ficamos muito orgulhosos ao
por isso, não seríamos quem somos. Tudo que sabermos que Dom Pedro I foi escolhido como
aprendemos tem um fundamento e nada é por nosso patrono, uma escolha assertiva e que tra-
acaso. rá grandes responsabilidades.
Outra experiência marcante foram as repre- A satisfação em fazer parte da Marinha do
sentações aos finais de semana por ocasião dos Brasil, o desejo de servir à pátria e os valores
encontros de turmas mais antigas que passaram aprendidos a bordo do Colégio Naval nos con-
pelo Colégio Naval, durante as quais observa- duzirão sempre a rumos seguros.
mos que a união formada neste solo sagrado Por fim, a invicta Marinha de Tamandaré
dura a vida inteira e que o espírito militar que continuará a cumprir sua missão com excelên-
nos une é mais forte que qualquer dificulda- cia e tudo aquilo que aprendemos será manti-
de que se possa enfrentar. Nesses momentos, do. Muito obrigado a todos os ex-alunos do Co-
tivemos a grata oportunidade do contato di- légio Naval. A contribuição dos senhores para
reto com os mais antigos, que diversas vezes o progresso do Brasil será sempre lembrada.
conversavam conosco sobre a importância da
carreira naval, incentivando-nos a seguir nos-
so rumo e orientando-nos sobre como viver o Viva a Marinha!
período de formação de um oficial de Marinha. Viva ao Brasil!
Foram realmente oportunidades ímpares. Alunos da Turma Dom Pedro I – CN - 2019

178
179
E a história
continua...
Por 1º Ten (RM2-T) Aline Franca dos Santos
1º Ten (RM2-T) Rafael de Oliveira Barbosa Leite

E
assim segue a ESPERANÇA DA ARMADA perseguindo seu compro-
misso de bem formar os seus alunos que serão os futuros Aspirantes
da Escola Naval.
Mesmo em tempos de pandemia em que o mundo precisou se isolar
e praticar o distanciamento social, o Colégio Naval buscou adotar uma
política de enfrentamento e se reinventou para continuar a sua missão de
“assegurar aos alunos o preparo intelectual, físico, psicológico, moral e mi-
litar-naval e incentivá-los para a carreira naval, a fim de iniciar a formação
militar-naval, prepará-los e selecioná-los para o ingresso na Escola Naval.”
Para isso fez-se necessário adotar novas tecnologias e metodologias que
auxiliassem e reforçassem as práticas pedagógicas de excelência e, assim,
abrir novas possibilidades para navegar em outros mares, através do ensino
virtual conectando o corpo docente, corpo discente e a instituição militar.
Tendo sempre em mente os sinais de Barroso, “Sustentar o fogo, que a
vitória é nossa” pois “o Brasil espera que cada um cumpra o seu dever” a
Instituição segue enfrentando e superando os desafios.
Os casos pitorescos citados neste livro são infindáveis e muitos não pu-
deram ser narrados aqui mas, com certeza, vivem de forma clara e distinta
na mente dos campanhas de turma que lembram com saudosismo os mo-
mentos marcantes na Esperança da Armada.

Viva a Marinha! Viva o Brasil!


Sempre vivo, o Colégio Naval vai seguir na memória afetiva de seus
ex-alunos.
Bravo Zulu!

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