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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES – DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS


BACHARELADO EM HISTÓRIA DA ARTE
ARTE E COMUNICAÇÃO (ART02128)
PROF. DR.: PAULO SILVEIRA
ACADÊMICO: IURI LANG MEIRA (00276323)

Análise de Pictures of the Lost World

Selecionado para fazer parte da seção “Questionando a realidade”, dentro


da subseção “Melodramáticos e excêntricos” da Documenta 6, o filme gravado
em 16mm de Klaus Wyborny (Alemanha, 1945) intitulado Pictures of the Lost
World, possui um foco meticuloso na montagem de vídeo e som e em suas
imagens evoca bucolismo em contraste à indústria e urbanização. Oriundo de
um passado acadêmico na física teórica, Wyborny usa uma estrutura matemática
neste experimento. Gravado de 1971 a 1975, possui narração semi
autobiográfica com elementos humorosos e ao mesmo tempo melancólicos,
amparada pelo seu tom monótono:

“Eu me tornei um músico, e o quente sol de


outono do ano de 68 me descobriu dentro dos
portões da cidade de Nova Iorque, começando a
trabalhar numa tese sobre estrelas de nêutrons. Em
uma manhã, porém, uma menina me pegou pra
passear dentro de seu velho Dodge. E a noite
colapsou sobre nossas cabeças, e de repente eu as
podia enxergar. Pela primeira vez na minha vida eu
vi as estrelas. Que experiência decepcionante. “No
dia seguinte me divorciei e deixei a América.” 12
(WYBORNY, 2021)

Enquanto ele fala, as imagens são de paisagens urbanas e rurais


desfocadas e com tons azuis, que não se relacionam com o que é mostrado na
mise-en-scène. Eventualmente surgem pessoas na tela, porém também são

1Todas citações diretas deste texto são traduções livres do autor.


2O tom deste excerto espelha o esquema emocional do filme, começando de maneira
nostálgica e simpática, até se desenvolver em melancolia, decepção e conflito.
borradas, sem identidade e vistas de longe, servindo somente como
componentes das personagens principais: as paisagens.

O filme é separado em cinco partes no seguinte estratagema: desde seu


começo até os 13 minutos e 50 segundos aparecem paisagens com filtro azul,
com cada plano durando 2 segundos, sendo que a cada três desses diferentes
planos há uma transição de tela preta. Também existem variações entre planos
gerais, médios e detalhe.

A partir do minuto 13, imagens de paisagens em filtro branco são


mostradas, com a transição preta sendo substituída por uma branca. Outras
cores de filtro e de transição são introduzidas ao longo do tempo e no ápice de
tensão do filme elas são intercaladas entre si, recuperando imagens de
momentos anteriores em rápida sucessão, avançando a estruturação e evolução
de paletas em poucos minutos.

A aceleração na montagem pode ser notada na primeira ou segunda


mudança de filtros, quando o branco aparece em cena e os planos duram 1
segundo. Pouco tempo depois retornamos ao azul e aos seus 2 segundos, para
em seguida experienciarmos menos de 1 segundo com as paisagens em filtro
amarelo. Além deste tipo de experimentação, também existem exemplos de
variações rápidas entre planos focando no mesmo objeto de posições diferentes,
usando o zoom e movimentando a câmera, mesmo estando estática. Aos 13
minutos e 30 segundos um barco pequeno ancorado em um lago e gravado por
Wyborny da perspectiva do solo, recebe esse tratamento, sendo cercado por
planos, zooms e perspectivas diferentes.

A pouca temática que pode ser extraída do filme remete à uma discussão
e conversa visual entre os vários tipos de paisagens mostradas durante seus 50
minutos. Em poucos segundos a praia é seguida pela fábrica e a floresta seguida
por uma cidade.

A trilha sonora e a edição de som afetam a experiência do espectador e


possuem uma potência que em alguns momentos superam as impressões
causadas por todos os efeitos visuais que mencionei anteriormente. No início do
filme uma peça para piano, que remete aos melhores trabalhos de Erik Satie —
como menciona o crítico e historiador da arte Mark Nash (WYBORNY, 2021) —
começa a ser repetida e dura por pelo menos dois terços do filme. Ela possui
uma característica que pode ser compreendida primeiramente como falha:
interrupções abruptas rápidas, que não duram nem meio segundo, e que
aumentam em duração ao longo do filme até estas “falhas” abrirem espaço (aos
23 minutos e 27 segundos) para uma melodia angustiante, nervosa, que desfaz
a ilusão de problema técnico que a primeira melodia sugeria e se contrapõe a
ela tematicamente por ser quase o oposto, mesmo sendo tocada no mesmo
instrumento.

Há um elo que pode ser feito entre essa conversa entre trilhas
discordantes e a conversa das paisagens que se contrastam com uma
intensidade similar. A conversa termina assim que a segunda melodia toma
conta, e com ela e seu ritmo ansioso as imagens também ficam ansiosas,
preenchidas por efeitos de cores intensas e com os planos sendo rapidamente
substituídos uns pelos outros. A conversa é retomada e cessada ao longo dos
próximos minutos, ajudando a ilustrar finalmente, aos 37 minutos e 56 segundos,
como a grande diferença entre as duas trilhas afeta a percepção do que é
mostrado. Na tela surge uma montanha coberta de névoa, que assume suas
características mais amedrontadoras com a segunda melodia, e as mais belas
com a primeira, que retoma sua presença bucólica juntamente com as paisagens
naturais (montanhas, praias e ondas).

A narração é retomada após tudo isto. Wyborny menciona que Werner


Herzog o levou à Irlanda para gravar algumas cenas. Aquele ano foi terrível,
segundo ele, completo por embriaguez e trabalhos não relacionados ao cinema,
tão inútil que não houveram imagens dignas de serem gravadas (WYBORNY,
2021). O filme continua e introduz uma ópera como trilha, e imagens da
mencionada Irlanda e de outros países ao qual Herzog e Wyborny visitaram para
gravações, porém logo são eclipsadas pelas transições de cores sólidas que
foram utilizadas durante todo o filme. E acaba desta maneira, retomando, e desta
vez agregando juntas, estas transições que anteriormente serviram como
“limpadoras do olhar” entre as cenas de paisagens.

Sabemos um pouco do que Wyborny pensa em retrospecto quanto ao


filme pela resposta que deu ao entrevistador Frederico Rossin, do site
Experimental Cinema, ao ser perguntado sobre filmes experimentais que
usavam estruturas matemáticas:

A maioria deles é muito boba. Somente


permutações, proporção áurea, etc. Em Pictures of
the Lost Word (1971-1975) trabalhei extensivamente
com permutações entre três parâmetros com
propriedades que mudavam e alternavam entre si
mesmas, algo que foi interessante por um tempo,
mas no final das contas descobri ser chato e pouco
exigente intelectualmente. (ROSSIN, 2012)

Mesmo sendo realmente cansativo em certos momentos, penso que foi


um exercício interessante e libertador no sentido de se desprender de amarras
narrativas, visuais e auditivas. As regras e convenções do cinema já haviam sido
revistas, exploradas e discutidas por vários outros cineastas — especialmente
pelos americanos envolvidos com o Fluxus, assim como estruturalistas que
possuem filmes que se assemelham à Pictures of the Lost World, e escolas de
filmes experimentais ou de vanguarda ao redor do mundo 3 — porém Wyborny
consegue esclarecer o que estava sendo discutido em termos de forma, nos
oferecendo um filme que discute o tempo e o espaço com poucos assuntos além
da conversa entre trilhas e paisagens, fazendo uso de uma montagem com
potência e foco equivalente entre som e imagem, algo raro de se ver, seja no
cinema convencional ou na avant garde, que geralmente favorece um destes
elementos e o relega como complemento ao outro.

3 Exemplos variados de filmes que exploram a montagem e as convenções narrativas: Um


Homem com uma Câmera (1929) de Dziga Vertov, Traité de bave et d’Eternité (1951) de
Isidore Isou, A Movie (1958) de Bruce Conner, Mothlight (1963) de Stan Brakhage, Empire
(1964) de Andy Warhol, Funeral das Rosas (1969) de Toshio Matsumoto e Solaris (1972) de
Andrei Tarkovski, para nomear alguns.
REFERÊNCIAS

PICTURES of the Lost World. Direção de Klaus Wyborny. Produção de Klaus


Wyborny. Roteiro: Klaus Wyborny. Música: Klaus Wyborny. Hamburgo: Gobsek
Film, 1975. (50 min.), 16mm, son., color. Disponível em:
<youtu.be/m7rGyow1zUw>. Primeiro acesso em: 8 out. 2021.

ROSSIN, Federico. RHYTHMIC WRITINGS AND ATMOSPHERIC


IMPRESSIONS: An interview with Klaus Wyborny. 2012. Disponível em:
expcinema.org/site/en/interviews. Acesso em: 12 nov. 2021.

WYBORNY, Klaus. "PICTURES OF THE LOST WORD". Disponível em:


wyborny.cinegraph.de/Wymac/ATYPEE/Vita/Film/Bildverl.htm. Acesso em: 10
nov. 2021.

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