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1.

Assista ao curta-metragem abaixo, Stellar, de Stan Brakhage (1993):


Stan Brakhage - Stellar [1993]
Além de cineasta, Brakhage foi também um grande teórico do cinema, movido pelas
capacidades mágicas desse aparato e sua possibilidade de produzir experiências
sensoriais inéditas. Um de seus mais célebres ensaios Metáforas da Visão, inicia com a
seguinte reflexão: "Imagine um olho não governado pelas leis fabricadas da perspectiva,
um olho livre dos preconceitos da lógica da composição, um olho que não responde aos
nomes que a tudo se dá, mas que deve conhecer cada objeto encontrado na vida através
da aventura da percepção".
A partir do filme e das discussões em sala, reflita:
a) Com qual das metáforas abordadas em sala o trabalho artístico e teórico de
Brakhage se relaciona? Por que?
b) Relacione o filme de Brakhage ao texto O cinema como janela e moldura, de Thomas
Elsaesser e Mate Hagener.
O filme “Stellar” está associado principalmente a premissa do “cinema como moldura” tendo
em vista a exploração e experimentação do conteúdo tornando a tela do filme uma superfície
opaca a ser contemplada. O abstrato desse filme me remetem a impressão de uma viagem
espacial em uma galáxia distante ou até mesmo o instante do nascimento de uma vida não
necessariamente humana por meio de pinturas à mão e fotografias microscópicas. Diante
disso, há um rompimento com a invisibilidade do cinema e da ilusão de realidade ao tornar
evidente o fazer artístico do cineasta, sendo a moldura associada principalmente às teorias
formalistas e construtivistas, priorizando a forma e absorvendo e realizando vanguardas,
enquanto a janela vincula-se às teorias realistas de acordo com Elsaesser e Hagener (2009), o
que evidencia o contraste entre esses pensamentos. A visão do espectador em “Stellar” ainda
é distante ao que é exposto visualmente assim como o “cinema como janela”, mas, nesse
caso, é orientada a observar as manipulações audiovisuais propostas por Brakhage, tornando
o filme metaforicamente um “quadro emoldurado”.

2. No texto "O cinema como porta: a tela e o limiar", Thomas Elsaesser e Malte Hagener
argumentam que "A porta não só assinala a travessia de um espaço físico para outro, ela
também invoca o transporte de um domínio ontológico ou temporal para outro. Como
vimos em Rastros de Ódio, as portas no início e no fim do filme se abrem e se fecham não só
para uma paisagem real, mas também para os mitos do oeste americano [...] As portas
estão profundamente enraizadas como metáforas em nossa consciência cultural: a porta
que se abre para um futuro brilhante ou se fecha com força; a porta na qual se coloca um
pé ou em que se coloca uma tranca depois que a casa foi arrombada".
Com base no texto e nas reflexões realizadas em sala, escolha uma obra audiovisual
(filme de ficção, documentário, série, reality show, game, etc.) que invoca o "transporte
de um domínio ontológico ou temporal para outro", com ênfase nas diferenças culturais
que se apresentam entre os mundos em trânsito.
Em “Sonhos” (1990) de Akira Kurosawa há a exibição de oito curta-metragens na qual o
diretor relata ser representações fílmicas de seus próprios sonhos, todos os curtas trazem uma
perspectiva de “cinema como porta” tendo em vista algo que é inerente ao campo onírico de
transporte para uma outra possível realidade ainda que inconsciente. Akira Kurosawa explora
muito bem na maioria dos curtas um conceito do que está “dentro” e do que está “fora” sendo
separados principalmente por portões, portas, túneis e até mesmos quadros de galerias, há um
limiar de separação entre o mundo real e um outro mundo fantástico de seus sonhos com
criaturas que fogem ao padrão social. No primeiro curta há o desejo de uma criança em sair
de casa gravado sob uma perspectiva já de fora da casa que já antecipa que essa criança
fugirá mesmo com a intervenção negativa de sua mãe para não fazê-lo, o menino então se
depara com raposas personificadas por pessoas trazendo a perspectiva de outras regras de
funcionamentos porém que correspondem a uma certa diegese onírica, esse menino é
proibido de retornar para casa, a câmera nunca atravessou essa porta da casa pois está
interessada em outras travessias tendo em vista que essa primeira história finaliza com o
menino desaparecendo em um arco-íris. As outras sete histórias também trazem um tom
similar tendo em vista que são todos sonhos elaborados e gravados, mas essa perspectiva de
transporte está presente na maioria deles assim como o choque com essas criaturas que não
são usuais mas que trazem novas perspectivas de vida para o protagonista. Esse personagem
assemelha-se a um andarilho, um viajante que está sempre cruzando esses portais para novas
possibilidades de encontro, constantemente viajando por eles.
"A estética reflexiva modernista também reivindicou para si outra das teorias de
Brecht, a do 'distanciamento', que queria romper o contrato mutuamente conivente do
'faz de conta' entre o espectador e a peça teatral. No cinema, como vimos, esses efeitos
de duplo e espelhamento e o jogo de distância e proximidade, no entanto, eram comuns
desde o início, fosse com intenção crítica e desconstrutiva ou como reviravolta de
enredo, piada ou outra maneira de envolver os espectadores nas tomadas e tomadas
duplas da autoexposição performativa. Porém, nos anos 1960, uma nova urgência ou
incerteza se ligou a esse tipo de reflexividade: já não bastava simplesmente contar uma
história; uma narrativa tinha de assegurar seu direito de ser, recontando seu próprio
surgimento junto com a história (e, às vezes, no lugar da história) que provocara o ato da
narração em primeiro lugar. Como linguagem de um cinema de crise, essa estética
modernista, contudo, mostrou-se extremamente inventiva na transposição hábil do
duplo e do espelhamento - como hesitação, adiamento, subterfúgio ou autoavaliação
crítica - para formas narrativo-pictóricas distintas, fosse por meio da narrativa em
abismo (um filme dentro de um filme), do enquadramento pictórico que destacava a
construção da mise-en-scène, ou de uma paráfrase acentuada de tradicionais clichês de
enredo, padrões de gênero e citações-pastiche. O espectador já não entra num filme
através da ficção da janela transparente nem cruzando limiares claramente marcados",
(Thomas Elsaesser e Malte Hagener, Teoria do cinema - uma introdução através do
sentido, p. 94).
Com base na citação acima, reflita e responda as questões abaixo:
a) A estética reflexiva modernista citada diz respeito a qual das metáforas abordadas ao
longo da disciplina?
b) Cite um filme do período que se convencionou chamar de cinema moderno e
argumente como o filme expõe em sua narrativa a citada "crise da linguagem clássica".
Demonstre seu argumento por meio da descrição de pelo menos uma cena.

O trecho disponibilizado associa-se a metáfora do “cinema como espelho”, tendo em vista a


busca por novas formas de narrativas que se contrapõem ao cinema clássico hollywoodiano,
entre elas o próprio fazer cinematográfico por meio da metalinguagem. Um dos aspectos da
reflexividade é o cinema enquanto produtor audiovisual de si mesmo por meio de uma
retroalimentação de conteúdo de realização, tornando-se evidente os meios de produção.
Entre os filmes desse período de realização está “A Noite Americana” (1973) dirigido por
François Truffaut, o qual se coloca no filme atuando também como diretor, ao longo do filme
torna-se evidente diferentes partes do processo de produção de um set cinematográfico mas
que busca elaborar as relações interpessoais da equipe de filmagem ao longo de praticamente
todo o set. A sequência inicial aproxima-se primeiramente a ideia de um filme que se
remeterá ao “cinema como janela”, mas que é rapidamente “cortada” pela voz da direção
tornando evidente as maquinarias e equipe de produção por trás da obra levando o espectador
a uma mudança de perspectiva da obra para um outro tipo de relações, mas ainda assim
conjugais, afetivas, pessoais, assim como algumas problemáticas e questões do fazer
cinematográfico, repetições de takes, gambiarras de efeitos, maquinarias e decisões para o
filme, os quais sempre estiveram presentes na cinematografia mas que não estava evidente
para os espectadores. Dessa forma Truffaut amplia o debate da crise narrativa ao tornar a
óptica de seu filme para a produção de um filme que não é visto, apenas a equipe e suas
relações. É possível observar uma dinâmica parecida no filme nacional e mais recente
“Saneamento Básico, o Filme” (2007) em que os protagonistas precisam realizar um projeto
de saneamento da cidade, mas só conseguem verba em um edital de cinema, o que traz uma
jornada de realização desse curta-metragem e dos processos de construção de um filme por
pessoas se deparando pela primeira vez com alguns empecilhos da realização
cinematográfica, assim como por pessoas mais especializadas, como o montador dirigindo a
cena e as problemáticas de se ter apenas um vestido para rasgar, assim como as relações
familiares que permeiam a trama. Tal premissa reflexiva e metalinguística é constantemente
reelaborado em diversos outros filmes por meio de se tornar evidente a produção do fazer
fílmico.

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