Você está na página 1de 6

Manutenção da Saúde (ética): Eutanásia

I. Definição
1.1. Eutanásia
Etimologicamente, a palavra "eutanásia" deriva do grego "eu", que significa "bom", e
"thanatos" que significa "morte". Eutanásia, portanto, significa:

• “Boa morte”, morte aprazível, morte sem sofrimento;


• Conjunto de procedimentos que proporcionam a morte sem sofrimento, por critério próprio de
quem actua (médico, enfermeiro, familiar, etc.) ou por solicitação de quem sofre 1;
• Acto em que um indivíduo, em situação de sofrimento constante por um mal ou doença
incurável, escolhe cessar sua própria vida;
• Forma de abreviar a vida sem sofrimento e sem dor daqueles pacientes enfermos, praticada
por um médico com o consentimento do paciente ou da família.

II. Breve historial

Historicamente, a eutanásia é um fenómeno muito antigo e a sua prática é registada nalguns


povos ao longo dos séculos, regida por crenças e costumes. De facto, é possível encontrar, ao longo da
história da humanidade, desde a antiguidade, em alguns povos, a prática de os filhos matarem os
próprios pais quando velhos e com doenças incuráveis, bem como a do sacrifício de crianças
anomalias. É também comum, ao longo da história, a prática de guerreiros feridos em batalha tirarem
a própria vida para se livrarem da dor e do sofrimento.
Pensa-se que o termo eutanásia tenha sido usado pela primeira vez pelo filósofo britânico
Francis Bacon, no século XVIII2, em sua obra intitulada "Historia vitae et mortis" o qual afirma que a
eutanásia é o tratamento adequado para doenças incuráveis e defende a sua prática quando feita por
médicos, uma vez esgotados todos os meios para a cura de um doente.
No século XX, esta prática destacou-se significativamente no conhecimento do homem do
século XX, por levantar questionamentos éticos e morais, face às novas descobertas da ciência e de
uma sociedade mais humanizada.
A discussão em torno da eutanásia está muito acesa e longe de chegar a um desfecho tanto no
campo sanitário quanto no do direito. Ela envolve questões de natureza ética, religiosa, social e
cultural.

III. Classificação da eutanásia

Actualmente a eutanásia pode ser classificada de diversas formas não fáceis de estabelecer.

3.1. Classificação quanto tipo de acção

a) Eutanásia activa ou positiva3

1
Dicionário de Termos Médicos consultado em 26 de Maio de 2021, Porto Editora .
2
Cf. MENEZES, E. C., Direito de matar,
3 Cf. NEUKAMP, F. Zum Problem der Euthanasie. Der Gerichtssaal 1937;109:403, in

https://www.ufrgs.br/bioetica/eutantip.htm
− A eutanásia activa, também conhecida como positiva ou por comissão é aquela em que é
praticada a acção para causar morte ou abreviar a vida e o sofrimento do paciente enfermo.
Essa é a eutanásia propriamente dita.
− Consiste em ajudar o paciente a morrer para se livrar do sofrimento.
− Pode ser cometida com o uso de injecção letal ou medicamentos com dose excessiva, aplicada
por um médico.
− Esse tipo de eutanásia se subdivide ainda em eutanásia activa directa e eutanásia activa
indirecta:
o Na eutanásia activa directa o objectivo maior é o fim da vida do paciente e, assim,
são praticados actos para ajudar o paciente a morrer.

o Na eutanásia activa indirecta, além de encurtar a vida do paciente, pretende-se


também aliviar a sua dor. Nesse caso, também pode ser abarcada a chamada eutanásia
pura ou genuína, que é uma ajuda à boa morte sem abreviar seu curso vital, mas usando
apenas drogas ou outros meios paliativos e morais que diminuem o estado de prostração
do enfermo.

b) Eutanásia passiva
− É aquela em que a morte do enfermo ocorre por falta de meios necessários para a manutenção
de suas funções vitais.
− Consiste na abstenção de tratamentos médicos que poderiam prolongar a vida do paciente.
− É uma omissão com o propósito de causar ou acelerar a morte.
− Nesse tipo de eutanásia, há a escolha de não iniciar um tratamento ou de interrompê-lo quando
já iniciado.
− Neste caso, essas medidas incluem suspender alimentos, hidratação, oxigenação e a medicação.
Alguns autores identificam a

c). Eutanásia de duplo-efeito


− É aquela em que a morte é acelerada como consequência indirecta de acções médicas, que são
executadas com o objectivo de diminuir a dor do paciente.

c) Ortotanásia

− A palavra ortotanásia tem sua origem no grego, sendo orthos reto/correto e thanatos morte:
− Consiste em suspender o tratamento de um doente incurável, sem interferência nenhuma da
ciência para abreviar, prolongar ou distorcer o caminho natural da morte da pessoa,
continuando-se, porém com o tratamento artificial que mantém as funções vitais.
− Alguns autores identificam a ortotanásia com a eutanásia passiva. Essa identificação não é
acolhida por todos. O principal ponto de questionamento diz respeito ao facto da ortotanásia
advogar a legitimidade de se continuar com os cuidados básicos ao doente.
− Diferente da eutanásia seja passiva ou activa, a ortotanásia já é adoptada como acção lícita, já
que não é nenhum facto típico, pois tal medida não provoca o encurtamento da vida e não
distorce o caminho natural da morte da pessoa.

d) Distanásia
− Do grego Dis, “afastamento”, e thanatos, “morte”, também conhecida como “intensificação
terapêutica”, consiste no emprego de recursos médicos com o objectivo de prolongar a vida
humana, ainda que não haja esperança nenhuma de cura.
− Age atrasando a morte por algumas horas ou alguns dias.
− A distanásia peca por, procurando prolongar a vida a todo o custo, causar sofrimento no
paciente; erra por não saber discernir o momento em que as intervenções para atrasar a vida se
tornam inúteis.
− Perceber que a morte de um paciente é inevitável e saber parar nesse ponto, deixando as coisas
seguirem sua ordem natural não é auxílio ao suicídio, omissão ou irresponsabilidade, mas
apenas aceitação da vida humana.

3.2. Classificação quanto ao consentimento do paciente4


Quanto ao consentimento do paciente, a eutanásia pode ser:

− Voluntária, quando há a vontade do paciente para que seja provocada sua morte;
− Involuntária, quando a abreviação da vida do paciente é consentida pela família, mas sem a
vontade do paciente.
− Não Voluntária, ocorre quando não há nenhuma manifestação do doente.

3.3. Classificação quanto à finalidade

a) Eugenia ou eutanásia económica – é aquela que consiste em eliminar, sem dor, seres
humanos considerados degenerados ou economicamente inúteis para a sociedade.

b) Mistanásia ou Eutanásia Social


− Esta forma de eutanásia não tem nada a ver com o alívio ou diminuição da dor de um paciente
enfermo.
− Também conhecida como eutanásia social, é a morte miserável, fora e antes da hora, que pode
acontecer por diversos factores.
− Verifica-se quando uma grande massa de doentes e pessoas portadoras de deficiência não tem
acesso ao sistema de saúde pública (mistanásia passiva) ou quando doentes crónicos ou
terminais são vítimas de erro médico (mistanásia activa).
− A mistanásia activa é considerada um fenómeno propositado do homem. A mistanásia passiva
ocorre quando há negligência, imprudência ou imperícia por parte do médico, inacessibilidade
do paciente ao tratamento adequado para sua enfermidade. Normalmente são pessoas em
condição de carência ou exclusão.

c) Eutanásia criminal – ocorre quando há a eliminação de pessoas socialmente perigosas.

Distanásia

− Do grego Dis, “afastamento”, e thanatos, “morte”, também conhecida como “intensificação


terapêutica”, consiste no emprego de recursos médicos com o objectivo de prolongar a vida
humana, ainda que não haja esperança nenhuma de cura.
− A distanásia pode opor-se ao conceito de eutanásia passiva.
− Age atrasando a morte por algumas horas ou alguns dias.

4
Cf. NEUKAMP, Idem.
− A distanásia peca por, procurando prolongar a vida a todo o custo, causar sofrimento no
paciente; erra por não saber discernir o momento em que as intervenções para atrasar a vida se
tornam inúteis.
− Perceber que a morte de um paciente é inevitável e saber parar nesse ponto, deixando as coisas
seguirem sua ordem natural não é auxílio ao suicídio, omissão ou irresponsabilidade, mas
apenas aceitação da vida humana.

IV. Princípios fundamentais em jogo

No debate sobre os pró e os contra a eutanásia estão em jogo dois princípios fundamentais: a).
A “dignidade da pessoa humana” e b). A “autonomia da pessoa humana”.

4.1. A dignidade da Pessoa Humana


A dignidade da pessoa humana pode ser definida como “a qualidade intrínseca e distintiva de
cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer acto de cunho degradante e desumano, como venham
a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação activa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humano (…)”5.

4.2. Princípio da “autonomia da vontade”

O Princípio da autonomia da vontade é o princípio que garante a pessoa agir e fazer algo de
acordo com suas escolhas e com o julgamento do que é melhor para si mesmo, agindo de acordo com
seus valores, ideais e convicções. Devem ser respeitadas as crenças e os valores morais de cada um.
Esse princípio compreende o fato de o paciente, no uso de suas faculdades mentais e razão, ou não
impossibilidade disso, de seus responsáveis, fazer a escolha de até aonde vai um tratamento médico, e
o limite para se conformar com a morte.

V. Debate: argumentos pró e contra a eutanásia

5.1. Argumentos da deontologia médica


a). Os defensores deste argumento sustentam-no da seguinte maneira:
− O Juramento de Hipócrates proíbe os médicos de matar doentes e que a função destes é salvar
vidas e não terminá-las6;
− Permitir ao médico matar o doente subverteria a relação de confiança entre ambos.
b). Os opositores do argumento da deontologia médica consideram o seguinte:
− Originalmente, o Juramento de Hipócrates também proibia os médicos de realizar cirurgias, de
administrar medicamentos indutores do aborto e de cobrar dinheiro por exercer a medicina.
Ora, se o juramento foi modificado para contemplar estas práticas, também pode ser
modificado para os casos em que o paciente tem uma doença terminal e pede ajuda ao médico.

5
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
6
BATTIN 2005, pp. 24–25.
− A relação de confiança aumenta se o paciente souber que terá ajuda do médico nas decisões
que tomar em relação à morte7.

5.2. Argumentos da doutrina cristã


a). Os defensores da doutrina cristã alegam o seguinte:

− Matar é proibido e é moralmente errado em praticamente todas as religiões, culturas e sistemas


sociais;
− A vida é uma dádiva de Deus e não é permitido o suicídio, nem mesmo nos casos de doença
terminal;
− Chega-se à boa morte quando se prepara espiritualmente ao encontro com Deus. Só dentro da
perspectiva cristã da redenção, o sofrimento alcança seu valor pleno.
− A dor pode ser um instrumento de salvação, quando é vivido de maneira cristã e iluminada pela
Palavra de Deus.
− Uma vez que o suicídio é um acto de matar, os proponentes deste argumento sustentam o
suicídio medicamente assistido é intrinsecamente errado do ponto de vista moral8, como o é o
suicídio não assistido.
− A eutanásia, portanto, é um suicídio.
− Deus é o único que pode tirar a vida do paciente

a). Os objectores da doutrina cristã alegam o seguinte:

− Existem, na vida, circunstâncias em que o acto de matar pode ser moralmente aceitável, como
em auto-defesa ou guerra. Ora, se, nesses casos, matar é moralmente aceitável, pode também
ser moralmente aceitável o caso em que é a própria pessoa que toma a decisão consciente e
voluntária de morrer para acabar com o seu sofrimento.

VI. Argumentos da ordem moral e comunitária.

6.1. Argumento do risco de abuso


a). Os defensores deste argumento, contra a legalização da eutanásia, alegam o seguinte para
condenarem esta prática:
− Permitir a prática da eutanásia, mesmo que em casos justificáveis, pode, no futuro, abrir
caminho para situações em que os enfermos venham a ser mortos contra a própria vontade 9.
− Esta previsão se baseia na pressão económica, ganância, preguiça, insensibilidade e outros
factores que influenciam médicos, instituições de saúde e a sociedade a cometerem atrocidades
contra a humanidade.
− Os doentes vulneráveis, como os doentes crónicos, doentes mentais e idosos, poderão ser
manipulados pela sociedade para que se considerem inúteis e forçados a terminar a vida.
b). Aqueles que objectam este argumento, alegam o seguinte:
− Antes de se suprimir escolhas pessoais e direitos individuais, o argumento do risco de abuso
deve ser demonstrada com factos;

7BATTIN 2005, pp.24.


8BATTIN 2005, pp. 21-22
9BATTIN 2005, p. 25.
− Com uma lei bem elaborada e medidas de controlo eficazes é possível proteger os doentes de
eventuais abusos;
− Caso a eutanásia seja legalizada, a opção de morte assistida seria disponibilizada apenas
aos doentes terminais. Ademais, nos países onde a morte assistida é legal não existem
evidências de impacto significativo em grupos vulneráveis 10.

6.2. Argumento do alívio da dor e do sofrimento

a). Os defensores deste argumento, a favor da legalização da eutanásia, alegam o seguinte para
sustentarem a própria posição:

− Nenhum doente deve ser obrigado a suportar o sofrimento injustificável durante uma doença
terminal. Quando o médico é incapaz de aliviar sofrimento do doente de forma aceitável, a
única saída é a morte. Por isso, deve ser dada ao doente a possibilidade de morte assistida11.
− Sedar completamente o doente quando os paliativos já não dão efeito é colocar o doente num
estado equivalente à morte.
− Contra a alegação segundo a qual mesmo com a dor e o sofrimento, o fim da vida pode ser um
processo de intimidade e crescimento espiritual, defensores deste argumento afirmam que não
existe garantia de qualquer experiência transformadora ou positiva.
− Os proponentes contrapõem que "praticamente toda" não é toda e que a eutanásia é reservada
para os casos em que não existe outra possibilidade de aliviar a dor e sofrimento.

b). Os objectores deste argumento, contra a legalização da eutanásia, alegam o seguinte para
sustentarem a própria posição:

− A morte não é a única saída para aliviar a dor. Com os cuidados paliativos modernos é possível
evitar praticamente toda a dor e sofrimento.
− Nos casos em que os paliativos não têm efeito, é possível sedar completamente o doente.
− Mesmo com dor e sofrimento, o fim da vida pode ser um processo de intimidade e crescimento
espiritual.

6.3. Conclusão do debate

Com a excepção da situação vigente no Uruguai, na Holanda, na Bélgica e em Luxemburgo, a


prática da eutanásia activa não é aceite internacionalmente, nem pelos médicos nem pela Igreja.

10BATTIN 2005, pp. 25–26.


11 BATTIN 2005, p. 29.

Você também pode gostar