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"SERÁ QUE A MINHA COR VAI SUJAR A ÁGUA?

"

"Num domingo, mudo de programa. Vou para um clube com o pessoal da


casa. Aviso para a Bete, na sexta, ela dá força, eu não estava muito a fim.
(...)
Parto para a piscina com o meu desconfiômetro de cachorro n'água ligado no
máximo.
(...)
Era uma piscina azul, como são as piscinas. Mas aquele azul estava demais,
com o calorão que fazia. Era dia de sol forte e tudo. O pessoal dentro dela, então, até
convidava sem querer, tão grande a algazarra, ô barulheira infernal.

Eu, sapo de fora, já estava malucão de vontade de cair naquela água


gostosa no meio da farra, dos gritos, da brincadeira de jogar água nos outros. Todo
mundo brilhava ao sol, todos satisfeitos, molhados, rosados, malpassados.

O que me segurava? Nada. Já de calção, só faltava mesmo era tomar uma


ducha e cair n'água, como todos faziam.

Abri a torneira. Nem bem senti a ducha fria direito, um mãozudo


qualquer me pegou pelo ombro:

– Aonde pensa que vai?


– Eu ia dar um mergulho.
– Ia, né? Mas não vai.

Era preto o distinto que tomava conta daquilo ali. Primeiro, ele disse que nunca
me vira ali, e que não era sócio. Só os sócios podiam freqüentar a piscina.

Tudo bem, ele estava mais do que certo.


Mas, depois, falou que os meninos brancos não iriam gostar nem que eu
entrasse nem que eu fosse sócio. E completou a xaropada com uma frase que já
ouvi muitas vezes: "Pretinho, conheça o seu lugar".

Quem é negro sabe bem do que falo, e quem é branco também sabe, mesmo
que não tenha sentido o que eu sinto. Mas não estou aqui para promover pega de
raça. Eu só me defendo. Conheço muito branco bom e muito preto ruim. Mas
ninguém é ruim ou bom só por ser preto ou branco. E sei que isso não é novidade
nenhuma.

Confiro o meu lugar de antes ... onde eu estava quieto, tomando o meu
refrigerante ... ouvindo música. Mas olho meio na gozação. O fiscal nota, claro, e
manda o troco:

– Veja lá, rapaz. Olhe a sua cor.


Não olho a minha cor. Não fico branco de susto. Fico é rubro-negro, o sangue
subindo, a vergonha tomando conta da cara. Fico é vermelho, até onde um negro
pode envermelhar.

Explico que tomei banho de chuveiro e tudo. Se não tomei a ducha da piscina
foi porque ele não deixou. Não adianta explicar nada para um fiscal mal-intencionado.

E a turma só chegando, chegando, forma aquele grupinho, a rodinha de


curiosos que a gente vê muito por aí, na rua.

Não vejo a hora de cair fora: Mas, ainda, tento:

– Será que a minha cor vai sujar a água?


– Ninguém aqui conhece você. É estrangeiro.
– Mentira. Não é nada disso. É porque sou preto. Só por isso. E você
também.

Ele se sente ferido, eu noto. A cara muda. E fala, com raiva:


– Cadê a carteirinha?
– Entrei porque deixaram.
– Ah, é? Porque achou a porta aberta? Igual cachorro na igreja?
– Não senhor.
– Fala, crioulinho mal-educado. É? Cachorro na igreja?
– Quer saber de uma coisa? Entrei porque estava a fim de criar um
caso.
– Piscina é diferente, pô.
– Tá bom, tá bom. Se é diferente, eu não nado. Não precisa brigar.

Roberto e Júnior abrem caminho no meio do pessoal, entram do meu lado:


– É nosso irmão – diz Júnior.

O fiscal dá uma risadona debochada:


– Irmão preto?

Dr. Marcelo e Dona Sara tinham visto tudo de longe, porque aí já era negócio
de clube inteiro tomando partido. E vieram. Mas, já não resolveriam mais nada. O
caso já estava criado."

Após a leitura vamos pensar um pouco...


1- De acordo com o texto apresente as características principais do narrador:
R: Pelo que é descrito no seguinte trecho do texto: “Mas, depois, falou que os
meninos brancos não iriam gostar nem que eu entrasse nem que eu fosse sócio”.
Neste trecho percebe-se que o narrador é negro e um garoto. Logo no começo do
texto percebe-se que ele é desconfiado, por conta do preconceito que é existe na
sociedade contra os negros,

2- Num dos parágrafos o narrador diz:” Parto para a piscina com o meu
desconfiômetro de cachorro n'água ligado no máximo.” Por que na sua concepção ele
diz estar desconfiado?
R-Por conta do preconceito que é existe na sociedade contra os negros. O clube a que
o personagem foi era frequentada por brancos.

3- Na sua opinião o que levou o fiscal (segurança) a impedir o narrador de entrar na


piscina?
4- Neste trecho, percebe-se o motivo: “falou que os meninos brancos não iriam gostar
nem que eu entrasse nem que eu fosse sócio”. Este é o motivo, porque era a parcela
da sociedade considerada “branca” que eram os sócios majoritários eram
preconceituosos e, o fiscal, era um empregado e estava com medo de ser
repreendido por quem comandava o clube.

5- Ao longo do diálogo entre os personagens aparecem diversas frases


preconceituosas atreladas a um caráter discriminatório. Encontre uma dessas frases,
registre e explique com as suas palavras porque essa é uma frase discriminatória?

R-"Pretinho, conheça o seu lugar". É uma frase que diz que o lugar de pessoas
negras é na cozinha, no trabalho braçal longe dos locais frequentados pelos
“brancos”. Essa é uma frase profundamente racista. O lugar do negro é em qualquer
lugar que queira estar. A constituição brasileira garante direitos iguais para todos.

6- No texto há palavras em destaque, elas compõem a fala de narrador. Através da


forma como o narrador fala é possível supor a que classe social ele faz parte?
Justifique:
R: Da classe social sem privilégios, excluído da sociedade; como ocorre com grande
parte da população negra.

7- O Fantástico, programa da rede globo, vem apresentando um quadro chamado


“VAI FAZER O QUÊ?”no qual o repórter analisa a atitude das pessoas comuns diante
de situações discriminatórias.
Agora é a sua... se você estivesse no clube e fizesse parte daquele grupinho de
curiosos o que faria?
Que atitude tomaria? Em defesa de quem? Como argumentaria? Que final daria a
esse caso?
Pessoalmente falando como descendente de negros, como grande maioris da
população brasileira, colocaria-me no lugar do garoto e o defenderia.Recorreria aos
direitos humanos garantidos pela Constituição Federal no artigo 5° “Todos são iguais
perante a lei” e no artigo 7º da Declaração Universal dos direitos humanos” O artigo
7° reforça ainda que “todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
Procuraria a lei e processaria a direção do clube por preconceito racial.

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