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Programa de Pós-graduação em Saúde Pública - Disciplina: TEORIA SOCIAL

Profas: Maria Lúcia de Macedo Cardoso e Delaine Martins Costa * Rio, 22 julho 2021

SIMONE DE BEAUVOIR
CONTEXTO
No mundo
• Pós-guerra: Europa devastada
• Anti-semitismo
• Colonialismo
• Racismo institucionalizado
• Mulher no mercado de trabalho, sobretudo durante
a guerra
• Mulheres: movimentos sufragistas
• Revolução cultural – surrealismo

Ciência e Filosofia
• Psicanálise – subjetividade (Sigmundo Freu, 1856-1939)
• Marxismo – socialismo
• Existencialismo: crítica ao essencialismo darwinista
• Mulheres invisibilizadas na academia
• Mulheres invisibilizadas na Teoria Social: a sociedade é narrada e escrita
pelos homens – episteme masculina
• Poucos estudos em que se podia identificar a situação das mulheres, as
diferenças de socialização. Sexo e Temperamento (1935), de Margareth
Mead (EUA, 1901-1978)
• Engels, baseado em Morgan, evolucionista, pesquisas antigas (colonial)
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Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir
1908 – 1986: Paris, França

• De família nobre, mas sem recursos


• Da mãe, beata e burguesa, recebeu formação moral e religiosa
• Do pai, advogado e requintado, ex-burguesia, a paixão pelo teatro e literatura
• Desde adolescência pensava em ser escritora – começou a escrever aos 15 anos

“Desde a adolescência descobri que as pessoas,


quando investidas de autoridade, tornavam-se estúpidas”.

• Estudou matemática no Instituto Católico de Paris e literatura e línguas no


colégio Sainte-Marie de Neuilly
• Filosofia na Universidade de Paris (Sorbonne), onde conheceu outros jovens
intelectuais, como Maurice Merleau-Ponty, René Maheu e Jean-Paul Sartre
• Em 1929, com 21 anos de idade, tornou –se a pessoa mais jovem a ser aprovada
no exame para recrutamento de professores do ensino secundário, em filosofia,
e a nona mulher a obter este grau. Ficou em segundo lugar; Sartre, com 24 anos
de idade, foi o primeiro (ele havia sido reprovado em seu primeiro exame). O júri
do discutiu sobre a possibilidade de dar a Sartre ou a Beauvoir o primeiro lugar
na competição. No final, o concederam a Sartre
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
• Em 1931, com 23 anos, foi nomeada professora de Filosofia na Universidade de Marseille,
onde permaneceu até 1932.
• Professora no Liceu Janson-de-Sailly, foi colega de Merleau-Ponty e Claude Lévi-Strauss.
• Mais tarde tomou-se docente em Paris, Marseille e Rouen.
• Em 1941 foi destituída do cargo pelo governo nazista.
• Voltou a ensinar até 1943, data em que o sucesso obtido por sua primeira novela, A
convidada, permitiu-lhe dedicar-se profissionalmente a escrever. Nessa primeira obra,
abordou temas existencialistas, como a liberdade e a responsabilidade.
• Anos 1940: integrava um círculo de filósofos literatos que conferiam ao existencialismo um
aspecto literário, sendo que seus livros enfocavam os elementos mais importantes da filosofia
existencialista.
• Com Sartre, Merleau-Ponty, Raymond Aron e outros fundou, em 1945, a revista política,
literária e filosófica de extrema esquerda Les Temps Modernes
• A publicação de O segundo sexo (1949) confirmou-a como figura representativa do
feminismo.
• Em 1954 recebeu o prêmio Goncourt pela novela Os mandarins.
• Em 1971 assumiu a direção da revista Les Temps Modernes e, em 1973, inaugurou a seção
feminista da revista.
• Apaixonada por viagens, conheceu diversos países como Estados Unidos, Cuba, China,
Marrocos e Brasil (1960). 4
ATUAÇÃO POLÍTICA
• Entre 1943 e 1944, período da ocupação nazista,
trabalhou na Rádio Vichy, como porta voz da
propaganda Nacional Socialista.
• Ligada aos movimentos sociais, foi convidada para
visitar e dar palestras em diversos países, entre
eles, China (1955), Cuba e Brasil (1960) e União
Soviética.
• Na década de 1970, tornou-se ativa no
movimento de libertação das mulheres francesas:
assinou o Manifesto das 343, em 1971, uma lista
de mulheres famosas que alegavam ter feito um
aborto (na época, ilegal no país). Entre as
signatárias estavam Catherine Deneuve, Delphine
Seyrig e a irmã de De Beauvoir, Poupette. Em
1974, o aborto foi legalizado na França.
• Em 1977 assinou, ao lado de outros intelectuais em geral, uma petição enviada ao
parlamento francês pela abolição da idade de consentimento e em prol da
descriminalização do sexo consensual. A petição foi assinada por 69 personalidades, como
os filósofos Louis Althusser, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Michel Foucault, Jean-François
Lyotard, Jean-Paul Sartre, André Glucksmann, Roland Barthes, os escritores Louis Aragon,
Catherine Millet e Philippe Sollers, a pediatra e psicanalista infantil Françoise Dolto, entre5
outros.
OBRAS: romances, ensaios, biografias, autobiografia e
monografias sobre filosofia, política e questões sociais
1943 : A convidada (L'Invitée), romance
1944 : Pyrrhus et Cinéas, ensaio
22 LIVROS
1945 : O sangue dos outros (Le Sang des autres), romance
1945 : Les Bouches inutiles, peça de teatro
• Romances/novelas: 8
1946 : Tous les hommes sont mortels, romance • Autobiográfico: 6
1947 : Pour une morale de l'ambiguïté, ensaio • Ensaios: 6
1948 : L'Amérique au jour le jour, literatura de viagem • Teatro: 1
1949 : O segundo sexo, ensaio • Literatura de viagem: 1
1954 : Os mandarins (Les Mandarins), romance
1955 : Privilèges, ensaio
1957 : La Longue Marche, ensaio
1958 : Memórias de uma moça bem-comportada (Mémoires d'une jeune fille rangée), autobiográfico
1960 : A Força da idade (La Force de l'âge), autobiográfico
1963 : A força das coisas (La Force des choses), autobiográfico
1964 : Une mort très douce, autobiográfico
1966 : Les Belles Images, romance
1967 : A mulher desiludida (La Femme rompue), novela
1970 : A velhice (La Vieillesse), ensaio
1972 : Tudo dito e feito (Tout compte fait), autobiográfico
1979 : Quand prime le spirituel, romance
1981 : A cerimônia do adeus (La Cérémonie des adieux suivi de Entretiens avec Jean-Paul Sartre, 1974), biografia
1966 : Malentendu à Moscou (Mal-Entendido em Moscou) , novela – PUBLICADO DEPOIS DA MORTE
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SIMONE DE BEAUVOIR:
filósofa, escritora, política e mulher
CONJUGA
– Filosofia
– Ciências humanas (sociologia, antropologia, psicanálise...)
– Literatura
– Mitos
– Movimentos sociais – feminista, negro, judeus, trabalhadores
– Observações e vivências sobre o seu tempo, especialmente a Europa e
o mundo no pós-guerra
– Sua atuação política por liberdade – socialismo, mas com crítica
feminista
– Sua experiência como mulher

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O SEGUNDO SEXO - 1949

Como a mulher faz o aprendizado de sua


condição, como a sente, em que universo se
acha encerrada, que evasões lhe são
permitidas, eis o que procurarei descrever.

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O SEGUNDO SEXO – 800 páginas
VOLUME 1 VOLUME 2

Introdução Introdução

primeira parte Destino primeira parte Formação


1. Os dados da biologia 1.Infância
2. O ponto de vista psicanalítico 2.A jovem
3. O ponto de vista do materialismo histórico 3.A iniciação sexual
4.A lésbica

segunda parte História


1 segunda parte Situação
2 1.A mulher casada
2.A mãe
3
3.A vida social
4 4.Prostitutas e cortesãs
5 5.Da maturidade à velhice
6.Situação e caráter da mulher

terceira parte Os mitos terceira parte Justificações


1 1. A narcisista
2 2. A apaixonada
I/Montherlant ou o pão do nojo 3. A mística
II/D. H. Lawrence ou o orgulho fálico
III/Claudel ou a serva do Senhor
IV/Breton ou a poesia quarta parte A caminho da libertação
V/Stendhal ou o romanesco do verdadeiro
VI
3
A mulher independente

Conclusão 9
O SEGUNDO SEXO
Volume 1: Fatos e Mitos

• Crítica ao determinismo biológico, às abordagens psicologizantes e ao


materialismo histórico, argumentando que mulher é uma construção
social, historicamente determinada, construída no pensamento ocidental
como “o outro”.

• Estudou como a Feminilidade era interpretada como um destino para as


mulheres

• Objetificação sexual do corpo da mulher: papel importante na


perpetuação da opressão

• Mulher como construção social


=> Não aparece a palavra gênero

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O SEGUNDO SEXO
Volume 1

• Compara com outros grupos discriminados e situações de subordinação e


dominação: negros, judeus, índios: um fato histórico subordinou um grupo
– Mas diferencia a condição das mulheres, como numericamente igual, para além das
condições históricas.
– “sua dependência não é consequência de um evento ou de uma evolução, ela não
aconteceu. É, em parte, porque escapa ao caráter acidental do fato histórico que a
alteridade aparece aqui como um absoluto.”
– “Em verdade, a natureza, como a realidade histórica, não é um dado imutável.“
– “Muitas vezes, a desigualdade numérica que confere esse privilégio” [dominação]
– Os proletários dizem “nós”. Os negros também. As mulheres não dizem “nós”.
– "O fato é que os homens encontram em sua companheira mais cumplicidade do que em
geral o opressor encontra no oprimido; e disso tiram autoridade para declarar com má-
fé que ela quis o destino que lhe impuseram.“
– "nunca se pode criar justiça no seio da injustiça. Um administrador colonial não tem
nenhuma possibilidade de se portar corretamente com os indígenas, nem um general
com seus soldados; a única solução consiste em não ser nem colono nem chefe; mas
não há como um homem impedir a si mesmo de ser um homem."

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O SEGUNDO SEXO
Volume 2: a experiência vivida
O que é ser mulher?

• Iniciado com a famosa frase, “não se nasce mulher, torna-se mulher”

• Analisa como ocorre esse “tornar-se” na França do pós-guerra, e como se manifesta a


subordinação da mulher nesse contexto.

• Do ponto de vista das próprias mulheres, nos diferentes estágios da vida

• Reverte a perspectiva filosófica sobre o poder: em vez de analisar a “mulher” do ponto de


vista daqueles que dominavam, se voltou à vida cotidiana

• Discutiu tópicos que a elite filosófica não considerava: divisão do trabalho domésticos,
avaliação do trabalho das mulheres pelos chefes, iniciação e práticas sexuais

• Difícil que as mulheres falassem por si mesmas – uma das características da opressão. A voz
era menos pública, testemunho menosprezado ou julgado como parcial, falso, malicioso ou
imoral.

• Aborda questões bastante polêmicas ainda hoje, a exemplo da desconstrução do “mito da


maternidade” como destino feminino. Nessa perspectiva, contrapõe-se à antropóloga
americana Margaret Mead, cuja obra, “Macho e Fêmea”, da mesma época, faz o “elogio da
maternidade”, com base numa perspectiva liberal, culturalista.
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O SEGUNDO SEXO
Método

• Método filosófico original


• Apresentar várias perspectivas em primeira pessoa: descrever o mundo
proposto para as mulheres do ponto de vista delas
– Submissão das mulheres experimentada por elas como degradação de sua liberdade:
problema moral
• Citou experiências particulares da mulheres na esfera privada
• Mitos
• Processo de aprendizagem da condição feminina: preparação para
renunciar à autonomia e se submeter à expectativa de que “tornar-se
mulher é existir para os homens”

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O SEGUNDO SEXO
Sujeito e alteridade
“Como se entende, então, que entre os sexos essa reciprocidade não tenha sido
colocada, que um dos termos se tenha imposto como o único essencial,
negando toda relatividade em relação a seu correlativo, definindo este como a
alteridade pura? Por que as mulheres não contestam a soberania do macho?
Nenhum sujeito se define imediata e espontaneamente como o inessencial; não
é o Outro que se definindo como Outro define o Um; ele é posto como Outro
pelo Um definindo-se como Um.”

• O homem é o positivo e o neutro (a humanidade), a mulher, o negativo.

• “A humanidade é masculina e o homem define a mulher não sem si, mas


relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo.”

• A identidade da mulher é definida pelo homem. Mulher como ser


“inessencial”

Transcendência x imanência => passividade

É nos projetos que se afirma como sujeito => transcendência


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Impactos de O SEGUNDO SEXO

• Lançado na França em maio de 1949, o primeiro volume de O segundo sexo foi um


fenômeno editorial. Na primeira semana, 22 mil exemplares foram vendidos.
• Logo depois o livro foi retirado de várias livrarias, devido às reações hostis contra a
obra e a autora.
• Colette Audry, escritora, professora e militante socialista francesa amiga de Simone
de Beauvoir, tornou-se uma das principais defensoras da obra. Viajou pela França
dando conferências sobre o livro. (Sororidade rocks!)
• François Mauriac, um dos principais nomes da intelectualidade de direita e católica
na França naquele momento, foi um dos principais opositores da obra. Organizou
um debate convocando intelectuais franceses a criticarem a obra nos jornais e
revistas franceses logo após o lançamento.
• Trechos do livro foram publicados – antes do lançamento – na revista Les Temps
Modernes, que Beauvoir dirigia juntamente com Jean-Paul Sartre. As vendas da
revista, nas edições em que os trechos foram publicados, bateram recordes. A
edição com trechos do volume 1 vendeu 513.418 exemplares; a edição com
trechos do volume 2 vendeu 459.237 exemplares.

(Sylvie Chaperon, Cadernos Pagú, 1999: pp.37-53)15


Impactos de O SEGUNDO SEXO

• Em 1956, o livro entrou para o Index, a listra de livros proibidos criada pela igreja católica para
controlar as leituras dos fiéis. Os mandarins, que Beauvoir lançou em 1954, também entrou para a
lista no mesmo ano.
• Também em 1956, O segundo sexo foi proibido em Portugal e na Rússia.
• Entre os grupos intelectuais mais influentes na França no momento – católicos e protestantes (de
viés direitista), comunistas e existencialistas (de esquerda) – os mais receptivos e objetivamente
críticos à obra foram os protestantes. Até mesmo dentro do existencialismo Beauvoir desagradou
alguns intelectuais (especialmente Camus, que afirmou que Beauvoir atingiu a honra do “macho”
francês. Beauvoir conta esse episódio em A Força das Coisas.)
• As organizações femininas na época procuraram se desconectar da polêmica gerada pelo livro. Em
sua maioria ligadas à igreja católica e ao partido comunista, essas associações não concordavam
com duas das principais pautas da agenda política inaugurada pelo livro no contexto da sociedade
francesa da época: o direito à contracepção gratuita e o direito ao aborto legal.
• Traduzido para mais de 30 idiomas e publicado em vários países, constituindo-se, ainda hoje, em
alvo de críticas e fonte de reflexão e inspiração feministas por todo o mundo.

Outras observações:
. Leitura fluida, sai do hermetismo acadêmico e atinge um público mais amplo
. Efeito terapêutico para mulheres: Simone de Beauvoir recebeu centenas (milhares?) de cartas
. “Elogios muito generosos na geração seguinte”.
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Au revoir!

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