Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?

Espera em
Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu (Sl 42.5).
Há alguns anos as igrejas tinham a prática de fazer pequenas ‘esquetes’, minipeças
teatrais cômicas ou instrutivas. Uma muito comum era ‘vestirem’ um personagem de
Jesus segundo a imagem e vontade do freguês, digo, cristão. Cada um ornamentava
o seu Jesus como mais lhe agradava. O nome disto, na prática, é religiosidade, e não
há ninguém que não passe por esta tentadora experiência, fabricando um Jesus à sua
imagem e semelhança. Podemos avançar um pouco mais também em relação à igreja.
Cada um de nós idealiza a igreja de acordo com certas expectativas pessoais, e vai
tentando moldar as situações, estruturas e até pessoas de acordo com a sua própria
visão de mundo. E é neste momento que procuramos resistir a dois erros. O primeiro
foi cometido pelos judeus que se decepcionaram com Jesus porque ele não era o
messias como eles esperavam que fosse e como não conseguiram moldá-lo, o
rejeitaram. O segundo erro é o de determinar como a igreja deve ser impondo regras
e comportamentos, esquecendo que a igreja pertence ao Senhor Jesus e não aos
homens. Estes são servos de Cristo, não é Cristo que pertence à igreja. Cada crente
é um pedaço da igreja, o corpo de Cristo, e a igreja não é propriedade de homem
algum. É Cristo quem dá o crescimento e é Ele quem a preserva, é ele quem a faz
frutificar. Eu e você somos chamados para obedecer e descansar nele. Desta maneira
jamais cairemos na decepção, no abatimento de alma e na angústia de coração.
O salmista faz uma afirmação que é ao mesmo tempo um grito por socorro: “a minha
alma está abatida”. Como não sou psicólogo não vou categorizar o sentimento, não
vou interpretar psicologicamente, mas vamos entender exegeticamente o que ele diz
neste texto. Ele se lembrava de como era sua vida religiosa e pensava em como ela
deveria ser, mas a realidade se impunha sobre seus desejos e sonhos, e as coisas não
eram como ele queria. A verdade é que nunca são. Sempre há algum fator de
insatisfação pessoal, relacional ou circunstancial. E sempre há a tentativa de resolver
as coisas por força ou imposição, mas esquecendo-se que a obra é do Senhor e ela é
feita na força do seu poder. Às vezes o homem quer o abraço e o riso quando o tempo
de Deus é outro, é de disciplina e choro. A angústia vem quando o esforço é feito na
tentativa de colher quando o tempo é de semear, e isto também leva a faltar o que
ceifar porque a semeadura não foi feita no tempo certo. E com isso vem a angústia de
alma, o terrível desânimo, a sensação de que aquilo que é experimentado não é o que
deveria ser, produzindo um vazio interior e a vontade de deixar as mãos descaírem.
Isto sempre acontece quando o padrão é o do homem, quando o homem estabelece
as suas lembranças e expectativas como o parâmetro para a ação de Deus na
condução de seu povo. Mas lembre-se: Deus é Deus, e ele é o Senhor do seu povo.
Como explicar a expressão ‘porque te perturbas dentro de mim’? o que o salmista
quer dizer com esta expressão? Eis um homem tomado de ansiedade, provavelmente
‘justificável’ aos nossos olhos porque ele via que alguma coisa não estava do jeito que
ele achava que aprendera ser devido. Como lidar com essa sensação, com este
sentimento que era real e lhe tirava o sossego? Talvez conheçamos pessoas assim. Um
exemplo é maria, a irmã de lazaro, que se inquietava com sua irmã porque ela não
estava obedecendo os costumes. Maria deveria estar servindo, ajudando nos serviços
domésticos, e não ouvindo o estudo bíblico. Depois Lazaro passaria as novidades para
elas. Marta fica inquieta e vai dizer ‘o que Jesus deveria fazer’. Para fazer o ‘seu
melhor’ maria estava perdendo a melhor parte. Ela estava perdendo o ensino de Jesus
e ainda estava perdendo a alegria de servir. Mesmo o servo chamado para ser
mordomo dos bens do seu Senhor deve ser visto dando a cada um segundo o desejo
de seu mestre, que é a quem ele deve prestar contas no fim do prazo estipulado. A
ansiedade não faz a planta produzir mais rápido, nem antecipa a colheita, nem traz a
alegria de comer dos frutos antes da época. Ansiedade é expectativa frustrada no que
eu acho que o homem deveria fazer, é não confiar do tempo e do modo de Jesus
conduzir as coisas, é ver que não será feito do seu próprio modo.
Quando se percebe a incapacidade de lidar adequadamente com as limitações tanto
de capacidade quanto de conhecimento das circunstâncias inquietação e abatimento
são consequências muito naturais, considerando que ‘somos frágeis como a erva’ ou
que nossa estrutura é mero pó. Quando os anseios e expectativas são tornados o
padrão de realização e satisfação pessoal o resultado é uma condenação ao fracasso.
É sábio considerar que o caminho de Deus é mais elevado que os caminhos dos
homens, os pensamentos de Deus são muito mais sábios do que toda a ciência humana
e Deus não conta o tempo como o homem conta. O homem quer tudo ao seu modo e
dentro de sua agenda enquanto Deus age no decorrer dos séculos e das gerações.
Por isso uma das ordens mais constantes de Deus aos crentes é esperar nele, pois ele
é longânimo e paciente, e faz do crente, por meio do Espírito, uma pessoa longânima.
O rei Josias, por exemplo, demorou 18 anos para começar a alcançar os melhores
frutos de sua tarefa reformadora (destes 10 anos foram de trabalho duro desde que
começou a buscar o Senhor). Isaías foi chamado para anunciar uma obra que só se
completaria 150 anos depois e curaria Israel da idolatria. Noé anunciou o julgamento
por um século inteiro e somente sua família foi salva. Isto sem dúvida é um claro
recado de Deus para o crente aprender a esperar.
Guarde estas três afirmações que podem ter traz paz ao coração mesmo em tempos
de angústia:
(1) você não determinará o tempo e o modo em que as coisas de Deus irão se

realizar;
(2) você acabará tomado de inquietação em seu coração se quiser que as coisas

de Deus sejam feitas do seu jeito e no seu tempo;

(3) sempre que o homem estabelece a sua maneira de ver o mundo como o modo

que Deus deveria agir vai acabar frustrado e angustiado. O salmista demonstra
estar acostumado com situações que pareciam normais e ele via como normativas,
querendo que tudo seja do seu jeito. Mas nada estava do seu jeito, e ele queria que
fosse. Ser o definidor do padrão do mundo não faz bem e acaba em frustração. Achar
que o mundo tem que ser do seu jeito faz mal e acaba em perturbação. O crente
precisa aprender a confiar e esperar confiantemente no Senhor e falhará em sua
principal missão: adorar a Deus e glorificá-lo por causa de seus poderosos feitos.
Crente é servo, crente é criatura, crente é vaso de barro. O oleiro é um só, e seu nome
é Senhor. A obra do Senhor não é feita por força humana nem poder terreno. É sempre
pelo seu Espírito, e ele tanto pode fazer as coisas de Deus instantaneamente ou em
décadas e gerações. Mas sempre fazendo tudo fazendo cooperar para o bem dos que
são amados e chamados para servir a Deus. Sirva, e espere!