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DOI: 10.1590/1413-81232015217.

08802016 2101

Direito à saúde mental no sistema prisional:

ARTIGO ARTICLE
reflexões sobre o processo de desinstitucionalização dos HCTP

Right to mental health in prison system:


reflections on the process of deinstitutionalization of the HCTP

Marden Marques Soares Filho 1


Paula Michele Martins Gomes Bueno 2

Abstract This study aimed to discuss the close Resumo O presente estudo tem por objetivo
relationship between mental health, the criminal discutir a estreita relação entre a saúde mental,
justice system and the prison system, whose specif- o sistema de justiça criminal e o sistema prisio-
ic interfaces are the HCTP (Hospital de Custódia nal, cujas interfaces concretas são o hospital de
e Tratamento Psiquiátrico, or Judicial Psychiatric custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) e a
Hospital) conflict and the person with mental pessoa com transtorno mental em conflito com a
disorder in conflict with the law. There will be lei. Serão apresentadas amplas discussões sobre a
presented extensive discussions on the Penal Exe- Lei de Execução Penal e a Lei da Reforma Psiquiá-
cution Law and the Brazilian Psychiatric Reform trica brasileira, bem como das ações intersetoriais
Law, as well as cross-sector actions taken by the adotadas pelo Judiciário e pelo Governo Federal
judiciary and the federal government (Brazilian (Sistema Único de Saúde - SUS e Sistema Úni-
National Health System - SUS and National So- co de Assistência Social - SUAS) para adequar o
cial Assistance System - SUAS) to bring the crimi- sistema de justiça criminal e o sistema prisional à
nal justice system and the prison system to the an- luta antimanicomial. Serão também apresentadas
ti-asylum combat. Two successful experiences in duas experiências exitosas nos estados de Minas
the states of Minas Gerais and Goiás will also be Gerais e de Goiás, que lastraram o surgimento de
presented for they reflect the emergence of a new uma nova estratégia na política pública de saú-
1
Departamento de
strategy on public health policy: The Evaluation de: o Serviço de Avaliação e Acompanhamento
Monitoramento e Service and Monitoring Therapeutic Measures de Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com
Fiscalização (DMF) do for the Person with Mental Disorder in Conflict Transtorno Mental em Conflito com a Lei, dispo-
Sistema Carcerário e do
Sistema de Execução de
with the Law, device connector between systems, sitivo conector entre os Sistemas, disposto a atuar
Medidas Socioeducativas, willing to operate in the process of deinstitutional- no processo de desinstitucionalização das pessoas
DMF do Conselho Nacional ization of people with mental disorders of HCPT. com transtornos mentais dos HCTP.
de Justiça. Pça. Três Poderes/
Supremo Tribunal Federal/
Key words Mental disorder, Psychiatric reform, Palavras-chave Transtorno mental, Reforma psi-
Anexo I/Sala 361, Zona Prison system, Criminal justice quiátrica, Sistema prisional, Justiça criminal
Cívico-Administrativa.
70175-900 Brasília DF
Brasil. mardenfilho@
gmail.com
2
Secretaria da Criança e do
Adolescente, Governo do
Distrito Federal. Brasília DF
Brasil.
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Soares Filho MM, Bueno PMMG

Introdução países ocidentais, a atenção às pessoas com trans-


tornos mentais foi sinônimo de internação em
O presente artigo busca debater as pesquisas no hospitais psiquiátricos especializados, aqueles
campo da saúde mental, as políticas públicas nes- que proporcionavam isolamento do meio comu-
se campo e as normas infraconstitucionais que nitário. O recurso quase que exclusivo à reclusão
tratam das pessoas com transtorno mental em prolongada em hospitais psiquiátricos resultou
conflito com a lei, assim como as possíveis estra- em processos de estigmatização e acentuação do
tégias intersetoriais para a desinstitucionalização isolamento desta clientela3.
dos hospitais de custódia e tratamento psiquiá- A partir da década de 70, tem início a adoção
trico (HCTP). Para tanto, desenvolveu-se uma de experiências de transformação da assistência
pesquisa de natureza exploratória, documental em saúde mental pautadas no começo pela reo-
indireta e bibliográfica baseada nos escritos de rientação das instituições psiquiátricas, no intui-
estudiosos do direito, da saúde mental, da so- to de humanizar o ambiente manicomial, e mais
ciologia e nas disposições constantes no ordena- tarde pela proposição de um modelo centrado na
mento jurídico brasileiro. comunidade substituindo o modelo hospitalo-
Assim, para o Conselho Federal de Psicolo- cêntrico.
gia1, historicamente, o tratamento oferecido aos Segundo Tundis e Costa4, motivados pela re-
ditos “loucos” teve como único recurso o hospital democratização do país na segunda metade da
psiquiátrico. Este foi um lugar de violência, mor- década de 80, grande número de trabalhadores
te, silenciamento, humilhação, segregação, des- de saúde mental denunciaram, por meio de cam-
respeito aos direitos humanos e exclusão social, panhas, a situação dos hospitais psiquiátricos,
correlatos diretos de um modelo que concebe o em relação às situações de maus tratos e violên-
sofrimento mental como pura negatividade sub- cia aos pacientes. Tal movimento intensificou es-
jetiva e civil. forços para demonstrar, na prática, a necessidade
Corroborando com esse pensamento, o Pro- de substituição do modelo hospitalocêntrico por
grama de Atenção Integral ao Paciente Judiciário diversas iniciativas políticas, científicas, sociocul-
- PAI-PJ (2002), implantado nos estados brasi- turais, administrativas e jurídicas, no sentido de
leiros de Minas Gerais e de Goiás, afirma não transformar a relação da sociedade com as pesso-
ser mais possíveis, o descaso, a insensibilidade e as com transtornos mentais, permitindo a garan-
a cômoda postura de não fazer justiça, alegando tia do seu direito de cidadania.
exatamente o cumprimento da lei. Este programa Em 1987 estabeleceu-se o lema do movimen-
destaca que há mais de um século o portador de to “Por uma sociedade sem manicômios”, sendo a
sofrimento mental infrator vem sendo encarce- data de 18 de maio definida como o Dia Nacional
rado no exílio do silêncio, na intolerância da se- da Luta Antimanicomial, data comemorada des-
gregação; afastado de seus familiares, sem direito de então em todo o país4. Com a proclamação da
a ser sujeito de direitos, grifando o fato de que Constituição, em 1988, cria-se o Sistema Único
estes sujeitos não recebem, sequer, o tratamento de Saúde (SUS) e são estabelecidas as condições
mínimo estabelecido pela Política Nacional de institucionais para a implantação de novas polí-
Saúde Mental por conta da sua relação estreita ticas de saúde5.
com o sistema de justiça, sinalizando uma dupla Na década de 90, o Ministério da Saúde, con-
punição: por ser “mensageiro do caos”, por ser soante com diversas experiências de reforma da
“diferente”2. assistência psiquiátrica no mundo ocidental, mas
No começo do século XIX, segundo Fou- principalmente com a Lei 180/1978, da Itália6 e as
cault3, iniciaram-se nos asilos, prisões, colégios recomendações da Organização Pan-Americana
e manicômios e os métodos de “repartição ana- de Saúde (OPAS), contidas na Carta de Caracas
lítica” do poder, promovendo um conjunto de (1990)7, definiu uma nova política de saúde men-
técnicas e instituições que medem, controlam e tal, iniciado com o Programa de Apoio e Desospi-
corrigem os “anormais”. Os discursos penais e talização (PAD). Na sequencia dos avanços polí-
psiquiátricos se confundem para estabelecer re- ticos, em 2001, a Organização Mundial de Saúde
des de causalidade entre a biografia do indivíduo declarou aquele ano como o Ano Internacional
e uma sentença, entendida por Foucault como de Saúde Mental e no Brasil entrou em vigor a Lei
“punição-correção”. nº 10.216/2001, da reforma psiquiátrica8.
A internação de pessoas com transtornos Atualmente, o governo brasileiro tem como
mentais no Brasil também possui seu início no principais objetivos para a política de saúde
século XIX. Desde então, como na maioria dos mental: a) reduzir progressivamente os leitos psi-
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quiátricos; b) qualificar, expandir e fortalecer a O sistema prisional brasileiro
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)9; c) incluir e suas interfaces com o de saúde
as ações da saúde mental na atenção básica; d) e o de justiça criminal
implementar uma política de atenção integral
a usuários de crack, álcool e outras drogas; e) O Sistema Prisional brasileiro é um universo
fortalecer o programa “De Volta Para Casa”; f) amplo e complexo: segundo o Sistema de Infor-
manter um programa permanente de formação mação Penitenciária (2014), os estabelecimentos
de recursos humanos para a reforma psiquiátri- prisionais, no país, mantêm sob custódia mais
ca; g) promover direitos de usuários e familiares, de 607.731 pessoas, sendo 41% delas ainda sem
incentivando a participação no cuidado; h) ga- condenação definitiva. Neste sistema, atuam, co-
rantir tratamento digno e de qualidade ao lou- tidianamente, 67.176 profissionais, sendo estes
co infrator (superando o modelo de assistência compostos por agentes de segurança (aproxima-
centrado no Manicômio Judiciário); e i) avaliar damente 85%), os demais fazem parte do uni-
continuamente todos os hospitais psiquiátricos. verso das equipes de saúde, educação, trabalho,
Tais ações se justificam pelos dados de 2003 do serviços social, além de apoio administrativo e
Ministério da Saúde: 3% da população geral gestores10, distribuídos, segundo o Conselho Na-
sofre com transtornos mentais severos e persis- cional de Justiça (2013), em cerca de 2.720 uni-
tentes; 6% da população apresenta transtornos dades prisionais, entre penitenciárias, cadeias,
psiquiátricos graves decorrentes do uso de álco- delegacias, casas de albergado, colônias agrícolas,
ol e outras drogas; 12% da população necessita centros de remanejamento e detenção provisória,
de algum atendimento em saúde mental, seja ele hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico.
contínuo ou eventual9. Tais estabelecimentos localizam-se em mais de
Estes dados se refletem também no sistema 1880 municípios, notadamente em sedes de Co-
prisional brasileiro que, segundo informações marcas e em regiões denominadas “carcerárias”,
do Sistema de Informações Penitenciárias - IN- que concentram complexos penais13.
FOPEN (2014), possui 813 homens e 33 mulhe- Tal estrutura necessita de uma complexida-
res com deficiência intelectual e 2.497 pessoas de legal que envolve questões éticas, estratégicas
em cumprimento de Medida de Segurança na e operacionais, que contribuiu com condições
modalidade de internação psiquiátrica. Aproxi- favoráveis à realização de estudos e debates que
madamente 85% destas pessoas estão em Alas propiciassem a pactuação de estratégias e de
Psiquiátricas ou Hospitais de Custódia e Trata- agendas orçamentárias e, evidentemente, à pro-
mento Psiquiátrico (HCTP) e 15% em unidades dução das intervenções necessárias no sistema
prisionais comuns10. prisional brasileiro. Como exemplo, a partir da
De acordo com o estudo sobre os Desafios da publicação da Portaria Nº. 3.088, de 23/12/2011,
Loucura Judicializada (2013), faz-se necessário que institui a Rede de Atenção Psicossocial para
desconstruir o duplo estigma do louco infrator e pessoas com sofrimento ou transtorno mental e
investir nas experiências existentes que levam em com necessidades decorrentes do uso de crack,
consideração as possibilidades de incorporação álcool e outras drogas, no âmbito do SUS9, tem-
da luta antimanicomial e da execução de políticas se uma definição da estruturação e integração
sociais, como as pautadas pelo SUS11. de ações serviços de saúde destinados à atenção
Conforme afirma Basaglia12, analisando a si- psicossocial: organizada, em primeiro momento,
tuação do paciente internado num hospital psi- por centros de referência para atenção integral
quiátrico, podemos afirmar que ele é, antes de articulados à lógica de atenção primária e saúde
mais nada, um homem sem direitos, submetido da família. Têm direção única e, dependendo da
ao poder da instituição, à mercê, portanto, dos complexidade da demanda, alcança níveis mais
delegados da sociedade que o afastou e excluiu. complexos em seus dispositivos.
No caso da desinstitucionalização da loucura no Pelo regramento citado, os próprios órgãos da
sistema judicial, tem-se o agravante do crime, da justiça criminal, em âmbito nacional, podem en-
pena e da imperiosa necessidade de trabalho co- contrar caminhos, no sistema normativo vigente,
ordenado das políticas públicas, a partir da expe- para tornar-se mais congruentes com as premis-
riência do serviço de acompanhamento e avalia- sas da seguridade social, ainda que se configure
ção de medidas terapêuticas. uma situação de confrontação normativa, mo-
dificando-se, claramente, a finalidade da medida
de segurança: uma transposição, do “tratamen-
to”, da “presunção criminal”, para o “cuidado”, a
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“prevenção” e a “inclusão social”. Configura-se aí, desinternação condicionada à cessação da peri-


ao nosso ver, o reconhecimento da “titularidade culosidade, sendo esta uma rara providência no
de direitos” das pessoas com transtorno mental sistema de justiça; internações perpétuas, sem
em conflito com a Lei. indicação clínica para tal e independente da gra-
A intervenção do SUS corre ao encontro vidade do delito; tratamento realizado na esfera
do contexto normativo exposto no art. 1º, a Lei da Justiça; escassa participação da rede pública
7.210/1984, a Lei de Execução Penal (LEP), onde de saúde/assistência social, com desresponsabi-
é determinada a execução penal14 com o objeti- lização da rede de saúde e assistência social na
vo de efetivar as disposições de sentença ou de- atenção à esta clientela; cronificação, reforço do
cisão criminal e proporcionar condições para a estigma e institucionalização dos pacientes; per-
harmônica integração social do condenado e do da irreversível de vínculos familiares e impossibi-
internado. Como também no art. 99, da mesma lidade de retorno ao meio sociofamiliar; consu-
lei, aonde vem consignar que o HCTP se desti- mo de recursos públicos que deveriam estar sen-
na aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos do utilizados para financiar os serviços abertos,
também no artigo 26 e seu parágrafo único do inclusivos e de base comunitária.
Código Penal15. Assim, as decisões a serem tomadas pelo sis-
Destaca-se ainda a visão sobre o tratamento tema de justiça, em congruência com os sistemas
ambulatorial, no art. 101, da LEP, quando dispõe de saúde e de assistência social, podem consi-
que o tratamento ambulatorial, previsto no arti- derar as seguintes possibilidades: trabalhar, em
go 97, segunda parte, do Código Penal, será rea- âmbito estadual, na reorientação do modelo de
lizado no HCTP ou em outro local com depen- atenção, antes predominantemente custodial e
dência médica adequada. Sendo que o HCTP de- hospitalocêntrico: o lugar de cuidado passa a ser
verá ser gradativamente substituído por medidas a própria comunidade; promover a internação
terapêuticas de base comunitária, sendo possível do paciente judiciário como último recurso te-
vislumbrar, pelo esforço dos sanitaristas e mili- rapêutico e pelo menor tempo possível; proibir
tantes dos movimentos de luta antimanicomial as internações em instituições asilares; criar ser-
no país, um modelo substitutivo, especialmente a viços substitutivos ao hospital e garantir inves-
partir da publicação da Lei 10.216, de 06 de abril timentos maiores na rede básica de saúde; criar
de 20018. políticas específicas para a desinstitucionaliza-
Outrossim, o atendimento à pessoa com ção e reinserção social dos pacientes longamente
transtorno mental em conflito com a lei, no internados; melhorar as políticas intersetoriais
âmbito da justiça criminal, tem sido consig- para a integralização do cuidado.
nado em marcos legais importantes, que esta- Observa-se, também, outro fator agravante:
belecem diretrizes para atenção aos pacientes com a publicação da Lei 11.343, de 23/08/2006
judiciários, a saber: Resolução CNPCP nº 5, de que institui o Sistema Nacional de Políticas Pú-
04/05/2004, que dispõe a respeito das Diretrizes blicas sobre Drogas (SISNAD)18 e define medidas
para o cumprimento das Medidas de Seguran- para a prevenção do uso, atenção aos usuários
ça; Resolução CNPCP nº 4, de 30/07/2010, que e dependentes e repressão à produção e tráfico,
dispõe sobre as Diretrizes Nacionais de Atenção ao contrário do que se esperava, tem crescido o
aos Pacientes Judiciários e Execução da Medida indiciamento e o aprisionamento de muitos que,
de Segurança, adequando-as à previsão contida ainda que fossem usuários, são tipificados como
na Lei nº10.216/200116; Resolução CNJ nº. 113, traficantes. A exemplo disso, no art. 28 desta lei,
de 20/04/2010, que dispõe sobre o procedimento o juiz deverá determinar, ao Poder Público, que
relativo à execução de pena privativa de liberda- coloque à disposição do infrator, gratuitamente,
de e medida de segurança; e Recomendação CNJ estabelecimento de saúde, preferencialmente am-
nº 35, de 12/07/2011, sobre as diretrizes a serem bulatorial, para tratamento especializado. Soma-
adotadas em atenção aos pacientes judiciários e a se a isso, em razão do que vem consignado no
execução da medida de segurança17. Código Penal, art. 2819, e na Lei 10216/2001, em
Ao analisar esta dicotomia de posições entre seu art. 6º, em que os Tribunais têm determinado
o SUS e as normas da execução penal, diante da internações, em caráter compulsório, em HCTP,
realidade vivenciada pelas pessoas com trans- alas psiquiátricas e prisões8.
torno mental mantidas sob custódia pela justiça Nesse sentido, torna-se imprescindível a
criminal, depreende-se que são característicos: produção de evidências (estudos, pesquisas) e
modelo de tratamento determinado pela legisla- de intervenções, possibilitando o adequado co-
ção criminal e não pela política pública de saúde; nhecimento dos indivíduos “sujeitados” nesses
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contextos, a adequação da oferta assistencial, das tognomônica da periculosidade seria a presença
práticas e das diversas dimensões institucionais de doença mental em atividade”.
e jurisdicionais importantes, com a construção Delmanto15 afirma que com a mudança da
de arranjos estratégicos e operativos, bem como legislação penal (LEP) em 1984, os psiquiatras
a produção de interfaces que melhorem a intera- peritos brasileiros retornaram ao interior dos
ção normativa (superando, aí, a ambiguidade e manicômios judiciários, deixando de ter que en-
as confrontações normativas). Do mesmo modo, frentar-se com a periculosidade do infrator co-
considera-se imperativa a necessidade de oferta mum. Nesse âmbito, as pessoas que cometem um
de apoio às unidades federativas para redirecio- delito e que por ventura estão em situação aguda
namento dos seus modelos de atenção aos pa- ou crônica com sintomas de transtornos men-
cientes judiciários e ao tratamento das questões tais, necessariamente passam por uma avaliação
pertinentes aos usuários de drogas psicotrópicas, psiquiátrica forense por meio do instrumento
adotando como referência central o paradigma “Incidente de Insanidade Mental”. Constatada
do SUS. essa relação entre o delito e o transtorno men-
tal por meio do Incidente, o Juiz, dependendo
A medida de segurança e os manicômios da gravidade do que foi praticado, irá absolver o
judiciários: a única forma de prisão sujeito de uma pena e aplicará uma sanção penal
perpétua no Brasil de Medida de Segurança de caráter “preventivo”
e de “tratamento”. Sendo inimputável, poderá ser
Para Foucault3, por ser um conjunto de insti- aplicada a Medida de Segurança na modalidade
tuições, discursos e normas submetidos à huma- de internação em HCTP (ou assemelhado, caso
na imperfeição, a psiquiatria fez de sua própria não exista) e, sendo semi-imputável, poderá ser
evolução técnica o instrumento de correção per- aplicada a sanção penal na modalidade trata-
manente de rumo e dominação dos corpos. mento ambulatorial.
Segundo Delgado20, é necessário, entretanto, Voltando na história, no final do século XIX,
distinguir, da estrutura fundamental da regra em houve em várias sentenças a necessidade de se
vigor, a economia de suas distorções e erros. A re- substituir a pena por um novo tipo de sanção
gra diz que o louco não é punível nem capaz, ou penal: a Medida de Segurança, com o objetivo
seja, inimputável. Essa é uma premissa, da qual de tratamento da pessoa autora de uma infração
decorrem as normas, a ética e a processualística. penal. A nova sanção desvinculava-se da ideia de
As distorções, os abusos e os erros, definidos en- castigo e sua função principal seria de retirar do
quanto tal, não contestam a validade universal meio social todo o indivíduo que, por seu com-
da regra. Deve-se compreender a economia das portamento anterior ou, principalmente por sua
distorções e descrevê-las, conhecer seus mecanis- constituição bio-psicológica, revelasse real perigo
mos acidentais e sistemáticos, suas regularidades. para a sociedade3.
Quando foi fundado em 1921 o Manicômio Segundo Leal21, o Direito Penal, portanto,
Judiciário do Rio de Janeiro, já se vinha consoli- seria transformado numa disciplina médico-psi-
dando o prestígio do médico “mentalista” como quiátrica e desapareceria como disciplina de na-
perito forense indispensável. Nesse período, se- tureza puramente ético-política. A transformação
gundo Delgado20, se iniciou a discussão a res- preconizada, no entanto, chocava-se com uma das
peito do alcance do conceito de “alienado” e sua premissas básicas do Direito Penal liberal de que
abrangência no interior da noção mais ampla de o crime é ato de vontade livre e consciente contra
psychopatha, que reflete as agruras do saber peri- certos valores e interesses do grupo social e de que
cial dos alienistas, quando tinham que afirmar a seu julgamento exige necessariamente um racio-
responsabilidade penal do delinquente. cínio de natureza ético-jurídica, não podendo ser
A conclusão pericial de “cessação de pericu- fruto de um simples diagnóstico biomédico.
losidade” é absolutamente excepcional no ar- As espécies de medidas de segurança são
rastado quotidiano dos manicômios judiciários apontadas no Art. 96 do Código Penal (CP) onde
brasileiros. Pois ou os exames não se realizam, ou a intenção era de funcionar como uma medida
concluem monotonamente pela “manutenção da de tratamento em que o sujeito submetido a esta
periculosidade”. Delgado20 afirma que psiquia- sanção penal fosse isento da pena comum e con-
tras, chamados a atestar se mantinham perigo- vertida para medida de segurança, por ser consi-
sos infratores imputáveis, quando assim exigia a derado inimputável19.
legislação penal, tinham a loucura como índice Segundo Mirabete22, a internação é em hos-
privilegiado: “a única condição considerada pa- pital psiquiátrico (CP, Art. 96, I) e tem caráter
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detentivo, sendo exemplo a medida de segurança cional para o crime punha em questão a doutri-
detentiva imposta a inimputável por enfermi- na clássica do direito penal (que era baseada no
dade mental (CP, Art. 26). Em outros casos, se a livre-arbítrio) e subvertia a lógica punitiva em
pena prevista para o delito não for a detenção, questão na época, a qual se voltava a uma ten-
o autor considerado semi-imputável poderá ser tativa de recuperação do delinquente e não mais
submetido a tratamento ambulatorial (CP, Art. funcionava como uma vingança contra o crime.
96, II), cujo caráter é restritivo. O autor afirma Para Castel23, o argumento utilizado pelos
que a medida de segurança possui duas espécies: alienistas, era no sentido de demostrar a neces-
detentiva e restritiva. Sendo que a detentiva é a sidade de construção de um local específico para
internação em HCTP e representa, a rigor, a fu- os loucos enfatizando o caráter perigoso destes,
são de medidas de segurança previstas na legisla- além das dificuldades presentes na identificação
ção anterior: internação em manicômio judiciá- e diagnóstico da doença mental naquela época.
rio e em casa de custódia e tratamento.
Para que as medidas de segurança sejam im- Experiências exitosas de substituição
postas, vinculam-se aos seguintes pressupostos: a do modelo manicomial judiciário
prática de fato previsto como crime e a pericu- por um extra-hospitalar
losidade do agente. É importante ressaltar que,
antes da reforma do Código Penal Brasileiro, de No Brasil existem duas grandes experiências
1984, todos os “excluídos” eram considerados pe- exitosas com aproximadamente 10 anos de ati-
rigosos para a sociedade. Depois desta data, so- vidades no acompanhamento das Medidas de
mente as pessoas com transtornos mentais foram Segurança, substituindo o modelo manicomial
consideradas perigosas15. judiciário por um modelo extra-hospitalar calça-
O Brasil somente implementou esse direito, a do nas premissas da Reforma Psiquiátrica brasi-
partir do Anteprojeto de LEP de 1981, que garan- leira (Lei 10.216/2001). Trata-se do Programa de
tia às pessoas submetidas à medida de internação Atenção Integral ao Louco Infrator (PAI-LI), do
psiquiátrica todos os direitos inerentes à sua con- estado de Goiás e do Programa de Atenção In-
dição humana e jurídica, observadas as restrições tegral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ), do estado
decorrentes da sentença e da lei. Também foi ga- de Minas Gerais. O que difere um do outro é que
rantida a medida restritiva que se constitui em o PAI-LI está sob a gestão da Secretaria Estadual
tratamento ambulatorial, devendo o sentenciado de Saúde e o PAI-PJ sob a gestão do Poder Judi-
comparecer ao hospital nos dias que lhe forem ciário24.
determinados pelo médico que o acompanhará, Esses dois programas não trabalham com a
a fim de que seja avaliado e indicado para trata- interpretação da LEP para as pessoas em Medi-
mento adequado. da de Segurança, mas sim com a Lei da Reforma
Nesse sentido, a periculosidade das pessoas Psiquiátrica brasileira articulada com as Políticas
com transtornos mentais é definida como a pro- Nacional e Estadual de Saúde Mental. Possuem
babilidade que estes apresentam de cometerem equipes multiprofissionais que exercem ações de
atos violentos e delituosos. A legislação penal em conexão entre o sistema de justiça criminal e as
torno da questão da loucura-criminosa se utiliza Redes do SUS e do SUAS.
deste conceito de forma explícita para justificar o O Ministério da Saúde, inspirado nesses dois
tipo de sanção penal que é aplicada aos doentes programas exitosos e respondendo ao disposto
mentais15. no § 3° do Art. 8º da Portaria Interministerial
Para Delmanto15, as medidas de segurança nº 1.777/200325, resolveu elaborar, pactuar e
são, também, conforme discutidas anteriormen- publicar uma estratégia nacional, em 2014, que
te, sanções penais, à semelhança das penas. Dife- não observasse apenas as Medidas de Segurança,
rem, porém, destas, principalmente pela nature- mas que pudesse alcançar todas as pessoas com
za e fundamento. Enquanto as penas têm caráter transtornos mentais em conflito com a lei. O pa-
retributivo-preventivo e se baseiam na culpabili- rágrafo do artigo citado diz que “Os Hospitais
dade, as medidas de segurança têm natureza só de Custódia e Tratamento Psiquiátrico serão be-
preventiva e encontram fundamento na pericu- neficiados pelas ações previstas nesta Portaria e,
losidade do sujeito. em função de sua especificidade, serão objeto de
Foucault3 já percebe a forte relação entre norma própria”.
a psiquiatria e a justiça penal ao afirmar que a Essa estratégia nacional, denominada de “ser-
“irracionalidade” do ato delinquente, ou seja, a viço de avaliação e acompanhamento de medidas
impossibilidade de se identificar um motivo ra- terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno
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mental em conflito com a lei”, instituída pela pliada”, contribuindo para a realização do projeto
Portaria nº 94, de 14 de janeiro de 2014, criou terapêutico singular e dos processos de desinsti-
um dispositivo de desinstitucionalização para os tucionalização daqueles que ainda estiverem sob
ditos “pacientes judiciários”, conectando os siste- custódia das administrações prisionais; a articu-
mas de justiça criminal o SUS e o SUAS26. lação com o poder judiciário, influenciando-os
no sentido da adoção das conversões de medida
O serviço de avaliação de segurança para tratamento ambulatorial ou
e acompanhamento de medidas para a extinção da medida; a contribuição para
terapêuticas aplicáveis à pessoa com que o sistema de saúde, em consonância com
transtorno mental em conflito com a lei o sistema de justiça criminal, garantam a in-
dividualização das medidas, nos termos da Lei
O grande marco legal para a avaliação e o 10216/2001, acompanhando-as e avaliando-as;
acompanhamento de medidas terapêuticas apli- e, por fim, a atuação como referência técnica e
cáveis à pessoa com transtorno mental em con- como polos de apoio e capacitação dos que atu-
flito com a lei foi a partir da publicação da Por- am no conjunto de instituições que propiciam
taria nº 94, de 14 de janeiro de 2014, resultado tais medidas, para sensibilização e recebimento
dos debates realizados por diversas instituições, dos desinstitucionalizados na Rede de Atenção à
por meio de um grupo técnico que tratou das Saúde e na Rede Socioassistencial26.
questões pertinentes às medidas de segurança, Desse modo, tal dispositivo pretende apoiar
em âmbito nacional, tais como o Ministério da a adoção de modelos alternativos ao tratamento
Saúde, o Ministério da Justiça, o Conselho Na- no âmbito da justiça criminal, este aplicado his-
cional de Justiça (CNJ), a Procuradoria Federal toricamente com forte viés periculosista, com ca-
dos Direitos do Cidadão (PFDC), dentre outras racterísticas asilares e escassa compreensão acer-
instituições26. ca do sujeito da medida de segurança e de sua
A presente normativa surgiu como alterna- rede de relações.
tiva para a constituição de um mecanismo “co- Propõe-se, então, que as pessoas com trans-
nector” entre o sistema de saúde, por meio das torno mental em conflito com a Lei sejam in-
políticas de saúde do privado de liberdade e de seridas, preferencialmente, em redes de saúde,
saúde mental, o sistema de assistência e proteção sobretudo, além de reconhecer a importância
social, dentre outras políticas setoriais, e o siste- da assistência e proteção sociais, dos benefícios
ma de justiça criminal26. assistenciais e da inclusão em redes de sociabi-
Trata-se de um serviço de saúde do SUS que lidade.
conta com 5 (cinco) profissionais com as seguin- Os potenciais beneficiários desse Serviço de
tes formações em nível superior: 1 (um) Enfer- Avaliação são as pessoas que, presumidamente
meiro; 1 (um) Médico Psiquiatra ou Médico com ou comprovadamente, apresentem transtorno
experiência em Saúde Mental; 1 (um) Psicólogo; mental e que estejam em conflito com a Lei, sob
1 (um) Assistente Social; e 1 (um) profissional as seguintes condições: com inquérito policial
com formação em ciências humanas, sociais ou em curso, sob custódia da justiça criminal ou
da saúde. São destacadas as atribuições dessa em liberdade; ou, com processo criminal, e em
equipe, convocada a atuar pela gestão do SUS, cumprimento de pena privativa de liberdade ou
baseada em demandas apresentadas por diver- prisão provisória ou respondendo em liberdade,
sos atores: coordenações e serviços de saúde da e que tenha o incidente de insanidade mental
PNAISP, Juizado, Ministério Público, o próprio instaurado; ou em cumprimento de medida de
paciente judiciário ou seu representante e os ser- segurança; ou sob liberação condicional da me-
viços de referência da rede26. dida de segurança; ou, com medida de segurança
Estes profissionais deverão realizar as seguin- extinta e necessidade expressa pela justiça crimi-
tes atribuições: estudos multifacetados e integrais nal ou pelo SUS de garantia de sustentabilidade
sobre as condições sociais e de saúde das pessoas do projeto terapêutico singular26.
com transtorno mental em conflito com a lei e A partir da composição do Grupo Condutor
seu conjunto de relações (familiares e sociais), da PNAISP, instituído pela Portaria Interminis-
indicando medidas terapêuticas, ao contrário terial nº 01/2014, prevê-se a constituição de co-
das medidas de internação e asilamento; o ma- missão de trabalho específica, para proposição
peamento das redes existentes (de saúde e de as- e apoio ao Serviço de Avaliação, estruturado em
sistência social) e agenciamento da produção de âmbito estadual, composto por representantes
medidas pautadas em premissas da “clínica am- do Tribunal de Justiça, do Ministério Público
2108
Soares Filho MM, Bueno PMMG

Estadual, da Defensoria Pública Estadual, da Se- e do executivo estadual. Além do mais, somen-
cretaria Estadual de Assistência Social ou congê- te cinco equipes multiprofissionais do Serviço
nere, de instâncias de controle social, em âmbito de Avaliação foram implantadas em dois desses
estadual, sendo preferencialmente dos Conselhos quatro estados, indicando a clara necessidade de
de Saúde, de Assistência Social, de Políticas Sobre se criar uma estratégia de divulgação desse servi-
Drogas ou congênere e de Direitos Humanos ou ço aos membros do judiciário em suas comarcas,
congênere26. aos gestores do executivo nas pastas da Saúde, da
Espera-se que, em cada contexto onde se Assistência Social, da Administração Penitencia-
instalará o Serviço de Avaliação aqui discutido, ria e da sociedade civil em geral.
surjam bons modelos matriciais, com ampla Historicamente o Sistema de Justiça Criminal
capacidade interativa, junto ao judiciário e aos e o Sistema Prisional tratam o paciente judiciário
governos estaduais e locais. Nesse caso, níveis de como muito perigoso, mesmo sabendo que o in-
competências ou de insuficiências locais – polí- dicador de reincidência deles é ínfimo compara-
ticas sociais em desarranjos, injunções políticas, do ao infrator comum, desconsiderando o saber
etc. – podem afetar diretamente a implementa- dos profissionais de saúde mental que afirmam
ção do Serviço de Avaliação em questão, compro- que não é ele o perigoso, mas sim a sua desassis-
metendo os seus efeitos sobre a vida das pessoas tência e que os delitos praticados, em sua grande
com transtorno mental em conflito com a lei. maioria, são em momentos em que ele não está
sendo assistido.
A instituição HCTP, por mais que tenham o
Considerações finais nome “Hospital”, é uma estrutura de responsabi-
lidade exclusiva do sistema prisional, substituin-
Trata-se de um dos temas mais complexos deba- do a lógica terapêutica por um funcionamento
tido nos âmbitos do Sistema de Justiça Criminal, manicomial, segregador e carcerário, fazendo
do SUS e do SUAS, pois exige mudanças de pa- com o que o paciente judiciário viva um duplo
radigmas: para a Justiça Criminal exige extinguir estigma: o de “louco” e o de “criminoso”.
a interpretação e a aplicação da Lei de Execução Por essa lógica manicomial e carcerária, se
Penal e passar a interpretar a Lei da Reforma Psi- pode vislumbrar as péssimas condições de aten-
quiátrica; para o SUS e o SUAS, exige incluir ou dimento ofertados ao paciente judiciário, motivo
implantar e monitorar os serviços de desinstitu- suficiente para a urgente elaboração de um proje-
cionalização e de inclusão social. to de desinstitucionalização, contemplando me-
Dessa forma, o serviço de avaliação e acom- todologias já estruturadas pela Política de Saúde
panhamento de medidas terapêuticas aplicáveis à Mental e com um cronograma pactuado, tendo
pessoa com transtorno mental em conflito com a como foco o fechamento definitivo do HCTP.
Lei, é um modelo que encontra alicerces em três Diante deste cenário, entraremos em um
sistemas complexos: a justiça, o SUS e o SUAS. tema controverso e polêmico, principalmente
Apoia-se na descentralização da gestão e na ope- para a militância da reforma psiquiátrica, mas
racionalização baseada em competências locais, necessário como última alternativa a ser adotada:
adotando como perspectivas a responsabilidade a transinstitucionalização.
mútua entre níveis de governos, a intersetoriali- Em não havendo mais qualquer solução ou
dade, a acessibilidade, o desenvolvimento de ca- serviços de desinstitucionalização no território,
pacidades locais para qualificação interpretativa acredita-se na criação de uma metodologia de
acerca dos pacientes judiciários, do redireciona- “transinstitucionalização provisória” dos pacien-
mento da sua atenção e do provimento de ser- tes dos HCTP para os hospitais psiquiátricos con-
viços sociais básicos e de saúde, reconhecendo, vencionais, desde que esteja estreitamente alinha-
tais sujeitos criminalizados, como titulares de da entre o poder judiciário e o poder executivo,
direitos. com o intuito primordial de criar condições e me-
Essa complexidade conceitual adicionada à didas judiciais para a extinção da Medida de Segu-
falta de um plano de divulgação dessa estratégia rança. A transinstitucionalização será transitória
política podem ser interpretadas como os prin- para visibilizar esses pacientes no SUS e ao mesmo
cipais fatores para o baixo número de demanda tempo iniciar o processo de desinstitucionalização
pelo Serviço de Avaliação. Desde a sua implan- progressiva e construção do Projeto Terapêutico
tação, em 2014, apenas quatro estados brasileiros Singular junto a Rede de Atenção à Saúde (RAS)
manifestaram interesse pelo serviço, principal- por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)
mente por conta da sensibilidade do judiciário e da rede de assistência social do SUAS.
2109

Ciência & Saúde Coletiva, 21(7):2101-2110, 2016


Esse alinhamento intersetorial entre o judici-
ário e o executivo para a traninstitucionalização
provisória deve gerar acordos normativos locais
de transferência de responsabilidade dos pacien-
tes judiciários para o SUS, assim como a interdi-
ção definitiva do HCTP, a extinção das Medidas
de Segurança e a implantação de serviços públi-
cos como o Serviço de Avaliação (discutido nesse
artigo) e/ou a equipe de desinstitucionalização
da Política de Saúde Mental, contemplando pro-
jeto terapêutico singular a ser elaborado com as
Redes do SUS e do SUAS. Portaria nº 2.840, de
29 de dezembro de 2014, que cria o Programa de
Desinstitucionalização integrante do componen-
te Estratégias de Desinstitucionalização da Rede
de Atenção Psicossocial (RAPS), no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), e institui o res-
pectivo incentivo financeiro de custeio mensal.

Colaboradores

MM Soares Filho trabalhou na pesquisa docu-


mental, concepção e na redação inicial e PMMG
Bueno na metodologia e na redação final.
2110
Soares Filho MM, Bueno PMMG

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