Breve histórico e caracterização da Luta Antimanicomial
O movimento da Luta Antimanicomial no Brasil, iniciou-se na década
de 70, pelos próprios funcionários dessas instituições que denunciaram a prática de tortura, fraude e corrupção. O tratamento nos manicômios era desumano e insuficiente, usavam altas doses de medicações que os deixavam dopados para que não dessem nenhum trabalho para eles, utilizavam métodos violentos como o eletrochoque, camisas de força, choques elétricos e muitos experimentos que eram feitos sem anestesia perfurando o cérebro e os olhos desses internados.
Naquela época as pessoas com doenças mentais ficavam isoladas nos
manicômios sem qualquer tipo de cuidado, sem interação social, perdiam totalmente sua identidade, sendo que eles não eram somente pessoas com transtornos mentais, mas sim, pessoas que a sociedade considerava como desagradáveis e incômodas como os opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documento, com deficiência, meninas grávidas, negros que não eram aceitos na sociedade entre outros grupos.
A década de 70 ficou marcada por vários movimentos relacionados a saúde
mental que deixaram em evidência a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil. Um dos principais responsáveis pela iniciativa foi o Movimento Sanitário e o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), que tinham o apoio e participação da população e dos familiares dos pacientes.
No ano de 1987 na cidade de Bauru/SP, houve um Congresso de
Trabalhadores de Serviços de Saúde Mental, onde foi destacado o Movimento de Luta Antimanicomial que aconteceu no dia 18 de maio, onde é lembrado até hoje como o dia que nasceu a proposta para a reforma do sistema psiquiátrico brasileiro. Assim, o MSTM se tornou um Movimento de Luta Antimanicomial que trouxe toda a sociedade para discutir e reconstruir a relação com o "louco" e a "loucura", adotando um novo lema de luta: "Por uma Sociedade sem Manicômios" (Tenório,2002).Em 1988 foi promulgada a nova Constituição da República do Brasil, que "considerou a saúde um direito de todos, sendo dever do Estado assegurar o acesso universal e igualitário às medidas e serviços destinados à promoção, proteção e recuperação da saúde (artigo 196)" (Desviat, 1999). Através desses acontecimentos marcam o início de uma trajetória de desconstruir o cotidiano das instituições e da sociedade as formas de lidar com a loucura (Tenório, 2002).
Na década de 1990 a portaria n°224 da Secretaria Nacional de Assistência à
Saúde (SNAS) do Ministério da Saúde, de 29/1/1992, que estabelece diretrizes e normas para a organização de saúde mental (BRASIL,2004), fortaleceu o movimento pela reforma em saúde mental. A portaria apresenta suas diretrizes como "baseadas nos princípios de universalidade, hierarquização, regionalização e integralidade das ações", mostrando a preocupação do Ministério em se adaptar, ao menos em termos de legislação, aos princípios do SUS. Ainda nesse período, implementam-se políticas para construção da rede de serviços substitutivos, com ênfase nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
A Lei 10.216 é conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, onde relaciona o
direito das pessoas com transtornos mentais. Segundo Tenório(2001), a Lei faz, neste 5° artigo, referência aos Serviços Residenciais Terapêuticos, ou moradias assistidas, para aquelas pessoas que não podem mais ficar sem um cuidado, devido ao seu quadro clínico ou por sofrerem as consequências de internações prolongadas. Através da Reforma Psiquiátrica, foi possível iniciar o processo de desinstitucionalização: redução de leitos, ampliação dos serviços Residenciais Terapêuticos e o Programa " De Volta para Casa". Esses programas são duas estratégias diferentes de desinstitucionalização, mas estão associados enquanto diretrizes políticas de construção do processo de reinserção social de pessoas afastadas de instituições psiquiátricas (Campos, 2008). Depois de 20 anos da promulgação da Lei Federal 10.216/2001, ainda não é possível ver a plena efetivação da Lei, pois entre os anos 2016 a 2020 ocorreram grandes retrocessos e modificações na direção política da saúde mental no país, indicando retorno das práticas manicomiais através do que foi chamado de comunidades terapêuticas que geram um custeio de verba pública, uma tentativa de retomada da tão lucrativa mercantilização da loucura, do qual durante décadas os grandes oligarcas brasileiros lucraram.
Na Luta Antimanicomial existem características importantes como:
1- Desinstitucionalização, que foi um dos pilares para o fechamento gradual dos manicômios e a substituição por serviços de saúde mental, com o objetivo de reintegrar os pacientes à comunidade. 2- Valorização da autonomia, visa a participação ativa das pessoas com transtornos em seu tratamento. 3- Inclusão Social, promove a inclusão das pessoas com transtornos mentais na sociedade e impulsiona a participação nas atividades culturais, no trabalho e nas comunidades. 4- Direitos Humanos, inclui o direito à saúde, igualdade e liberdade. 5- Atendimento Multidisciplinar e Integral, envolve os cuidados de saúde mental, onde inclui o tratamento psicológico, cultural, social e econômico. 6- Diminuição da Discriminação, investimento no combate contra a discriminação, preconceito e intolerância contra pessoas com transtornos mentais.
A Luta antimanicomial, visa combater as práticas desumanas de tortura,
maltrato e discriminação, buscando uma sociedade mais inclusiva e que respeite os direitos à dignidade de pessoas com transtornos mentais, dando-lhes o direito de se reintegrarem na sociedade. Referência Bibliográfica
BRASIL. Legislação em saúde mental. 5. ed. Ampl. Brasília, DF: Ministério da
Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, 2004.
CAMPOS, F.N. Trabalhadores de Saúde Mental: incoerências, conflitos e
alternativas no âmbito da Reforma Psiquiátrica brasileira. 2008. 180 f. tese (doutorado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
Constituição Federal da República Federativa do Brasil. (1988, 5 de outubro).
Brasília, DF: Presidência da República.
DESVIAT, M. (1999) A reforma psiquiátrica, Rio de Janeiro: Fiocruz.
Lei n° 10,216. (2001, 6 de abril). Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadores de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF: Presidência da República.
TENORIO, Fernando A psicanálise e a clínica da reforma psiquiátrica. 2001
Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos.
TENORIO, Fernando. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980
aos dias atuais: história e conceito. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, n.1, 25-59, jan.-abr. 2002.
Internação Compulsória e biopolítica: o direito fundamental à liberdade e autonomia à luz do pensamento de Michel Foucault e a política de drogas brasileira