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OS DESAFIOS DO TRATAMENTO EM LIBERDADE NA ATUAL

CONJUNTURA DA POLÍTICA DA SAÚDE MENTAL BRASILEIRA.

Andréa Teixeira de Freitas


RESUMO
A discussão acerca do tema faz uma revisão bibliográfica da
trajetória da reforma psiquiátrica brasileira até a criação dos
equipamentos substitutivos. O estudo traça uma abordagem
crítica do capitalismo tardio que intensifica as expressões da
questão social provocando um cenário brutal de retrocessos na
luta antimanicomial. A partir desse contexto é importante
fortalecer o Serviço Social como classe trabalhadora para
fomentar estratégias de resistência diante das tentativas de
desmonte da Política de Saúde Mental no Brasil.

ABSTRATC

The discussion on the subject makes a bibliographical review of


the trajectory of the Brazilian psychiatric reform until the
creation of substitutive equipment. The study traces a critical
approach to late capitalism that intensifies the expressions of
the social question, provoking a brutal scenario of setbacks in
the anti-asylum struggle. From this context, it is important to
strengthen Social Work as a working class to foster resistance
strategies in the face of attempts to dismantle the Mental Health
Policy in Brazil.

Palavras-chave: Capitalismo tardio. Reforma Psiquiátrica. Serviço Social.

1. INTRODUÇÃO
É necessário buscar uma trajetória da reforma psiquiátrica brasileira para melhor
descrever o serviço ofertado na atualidade pelo Centro de Atenção Psicossocial – CAPS
com o intuito de refletir a problemática da saúde mental ao longo do tempo até chegar à
atualidade. Esse ponto é balizar para construir nossa perspectiva de análise social
contemporânea no âmbito da saúde mental.
A nossa reflexão parte para compreender o movimento do capital tardio na atual
conjuntura do Estado neoliberal para relacionar com as estratégias de retrocessos e
desmonte da política de saúde mental no Brasil.
Para finalizar essa abordagem é importante compreender as possibilidades de ações
do Serviço Social diante da política pública de saúde mental como estratégia de mudança
diante da realidade.
2. UM BREVE CONTEXTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA ATÉ OS EQUIPAMENTOS
SUBSTITUTIVOS NO BRASIL.
No Brasil, os primórdios traços para o tratamento do uso abusivo de substâncias
psicoativas era realizada como um julgamento moral do indivíduo na relação
médico/paciente. Os médicos seguiam as bases conceituais de exclusão, ou seja,
internação. As pessoas ditas não normais não poderiam conviver com a família ou em
sociedade. Em outras palavras, “... os médicos advogavam a necessidade de um asilo
higiênico e arejado, onde os loucos pudessem ser tratados segundo os princípios do
tratamento moral” (COSTA, 2007, p. 39).
Em 1927, os atendimentos psiquiátricos avançaram para a criação de uma nova
administração. “... Cria-se o Serviço da Assistência aos doentes mentais no Distrito
Federal...” (COSTA, 2007, p.41), o qual tinha como fundamento coordenar e administrar os
estabelecimentos públicos do Rio de Janeiro. Em 1930, este mesmo serviço assume a
responsabilidade de todos os serviços psiquiátricos no Brasil.
Importante destacar que nesse período a internação é à base da proposta da
psiquiatria no Brasil. A Liga Brasileira de Higiene Mental seguia as bases teóricas da
psiquiatria francesa, tendo como princípio a internação em hospitais psiquiátricos, no qual
esse modelo era defendido como “proteção a sociedade”. Nesse contexto se constituiu os
primeiros atendimentos em saúde mental, em espaço fechado que atendesse isoladamente
os loucos no Brasil.
A questão é que todos que não se enquadravam na concepção moral da sociedade
eram forçados sem o menor critério ao tratamento psiquiátrico e excluídos do convívio
social, onde
“Submetidos a condições de vida extremamente inumanas, os negros e brancos
pobres foram forçados, para sobreviver, a recorrer à marginalização,
vagabundagem, à prostituição e ao alcoolismo. O alcoolismo era uma constante
nesta situação social e, por isso, os psiquiatras tornaram-no como causa da
desorganização moral e social da sociedade” (COSTA, 2007, p. 91).

O autor trouxe à tona uma perspectiva da loucura ou do tratamento psiquiátrico pelo


viés do julgamento moral da pobreza. As expressões da questão social vão aparecendo
como um condicionante ao adoecimento mental. Em contrapartida a burguesia reage a
pobreza como uma doença social que merece internação e isolamento social.
Vale destacar, que o Brasil entra em pleno processo de industrialização nesse
período, os avanços do capitalismo trazem mudanças significativas na economia e na vida
social nas cidades. Nesse contexto, entram em cena as propostas ideológicas, ou seja ... “o
homem brasileiro torna-se intransigente, reivindicante, revolucionário na defesa de seus
interesses políticos e econômicos; racista e xenófobo nas suas relações interétnicas”
(COSTA, 2007, p.82). As ideias individualistas e do acúmulo de capital constrói, intensifica e
altera as relações sociais no Brasil.
Esse componente étnico vem à tona na psiquiatria brasileira no movimento chamado
de eugenia. O racismo entrava em sua era científica, pois conseguia ser legitimado pelas
ações médicas. A eugenia foi um retrato da discriminação racial disseminada no Brasil pelas
elites médicas que influenciaram a sociedade e encontram-se relacionadas ao modelo de
produção capitalista.
“A higiene mental e a eugenia, a primeira, um movimento preocupado em preservar
e estimular o desenvolvimento mental normal, pretendendo uma psicoeducação
reduzir a exposição dos indivíduos a fatores de risco para o desenvolvimento de
transtornos mentais graves. A eugenia estendia tais presunções a uma melhoria da
raça tanto física quanto mental” (STOKINGER, 2007, p.29).

A eugenia defendia a esterilização dos ditos débeis e improdutivos como tratamento e


conduta médica, com isso, consegue formar uma “cultura de morte” aos degenerados. Esse
processo disseminou o preconceito e o racismo no Brasil aos indivíduos com transtornos
mentais, deficiências em geral e as pessoas em uso prejudicial de substâncias psicoativas.
Na década de 1950, o tratamento psiquiátrico era totalmente realizado em grandes
manicômios, que abrigavam todos os tipos de pessoas, como baderneiros, desajustados,
degenerados entre outras nomenclaturas utilizadas para a identificação das pessoas sem
qualquer definição ou diagnóstico. Esses grandes manicômios eram depósitos humanos
tanto na área privada como na pública.
As décadas de 1960 e 1970 apresentam as primeiras mudanças nos atendimentos
psiquiátricos brasileiros. Iniciou-se um movimento social impulsionado pelos desafios
políticos vivenciados no período onde suscitou mudanças na saúde mental com o advento
de mobilizações por direitos nas
“Conjunturas políticas de democratização, de processos revolucionários ou de
emergência de movimentos sociais populares em geral, processos políticos sociais
de afirmação dos direitos civis e políticos (reconhecimento da existência dos direitos
dos doentes mentais e dos cidadãos em geral), e organização e avanço de
movimentos sociais de trabalhadores, usuários e familiares atuando diretamente no
campo da saúde mental” (VASCONCELOS, 2008, p.21).

Os movimentos sociais foram balizadores no processo de mudança das pessoas em


tratamento na área de saúde mental. Os movimentos que surgiram através dos
profissionais de saúde mental que era um movimento de antipsiquiatria e visava a garantia
de direitos que “... eclodiu basicamente num movimento que incentivava o conhecimento da
saúde e de suas condições facilitadoras, além do desenvolvimento humano” (STOKINGER,
2007, p. 34). Esse movimento buscava superar o modelo asilar de institucionalização.
A partir de 1978, surge como meta reduzir a indústria da loucura, ou seja, reduzir os
grandes manicômios privados que tinham até 600 leitos de internação psiquiátrica que
ofertavam espaços insalubres de desumanos como tratamento.
A reforma psiquiátrica se inicia com uma nova estratégia de superação ao modelo
asilar. Um novo viés desinstitucionalizante que fomenta o cuidado em liberdade, é uma
quebra de paradigmas de cuidado que demanda uma transformação aos aspectos culturais
e preconceituosos na sociedade.
Com a constituição de 1988, é criado o Sistema Único de Saúde – SUS. Sem dúvida
alguma a promulgação da Constituição Cidadã como é conhecida, foi fundamental para a
efetivação de um novo modelo de Saúde Pública no Brasil.
Em 1989, com a Lei do Deputado Paulo Delgado, que defende os direitos dos
usuários da política de saúde mental e propõe o tratamento em serviços substitutivos de
base comunitária. Essa lei tramitou pelo Congresso Nacional por 12 anos e só foi aprovada
em 2001, a Lei nº 10.216/01.
No ano de 1987, mesmo sem a legislação, surge o primeiro CAPS no Brasil, na cidade
de São Paulo é o início de um processo de intervenção que traz a possibilidade de um novo
modo de cuidar em liberdade. Assim, criam-se os serviços substitutivos no Brasil, os CAPS,
Residências Terapêuticas, entre outros. Os CAPS são direcionados ao atendimento não de
forma geral, mais dentro de especificidades, sem misturar os transtornos, pensando às
singularidades. Como por exemplo.
O CAPS AD III é o Ponto de Atenção do Componente da Atenção Especializada da
Rede de Atenção Psicossocial destinado a proporcionar a atenção integral e
contínua a pessoas com necessidades relacionadas ao consumo de álcool, crack e
outras drogas, com funcionamento nas 24 (vinte e quatro) horas do dia e em todos
os dias da semana, inclusive finais de semana e feriados. (BRASIL, 2012).

Assim, se mostra importante traçar essas considerações da reforma psiquiátrica no


Brasil até a criação dos equipamentos substitutivos, para avançar na atual conjuntura do
capitalismo tardio e do movimento neoliberal como ponto nevrálgico de retrocessos na
política de saúde mental.

3. OS RETROCESSOS NA LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL EM UMA OFENSIVA


DO CAPITAL TARDIO PARA MANUTENÇÃO DOS MANICÔMIOS.

A reestruturação produtiva, a partir de um processo histórico em constante


movimento de progressos, retrocessos e adaptações na sociedade capitalista, estabelece
um novo padrão de acumulação em escala global, associada ao processo de financeirização
e aos ideais neoliberais para superar as crises do capital. Tais mudanças impactam
fortemente o mundo do trabalho e a vida social contemporânea, desencadeando múltiplas
expressões da questão social e impossibilitando o avanço nos direitos fundamentais
constitucionais. Verificam-se alterações nas condições de organização, mobilização e
reivindicação na vida social que
“As feições assumidas pela questão social são indissociáveis das responsabilidades
dos governos, nos campos monetário e financeiro, e da liberdade dada aos
movimentos do capital concentrado para atuar sem regulação e controle,
transferindo lucros e salários oriundos da produção para se valorizar na esfera
financeira especulativa. Reafirma-se a hipótese antes referida que o predomínio do
capital fetiche conduz a banalização do humano, à descartabilidade e indiferença
perante o outro, o que se encontra na raiz da questão social na era das finanças”
(IAMAMOTO, 2014, p.37).

A reestruturação do capitalismo transformou ainda mais a sociedade, onde tudo se


torna mercadoria, se compra e vende qualquer item, sendo essencial ou não. Dentro dessa
lógica, o principal é o ganho, o lucro no mercado financeiro, com isso, as relações sociais
estão imbricadas no ganho, capital e valor. O valor está na subjetividade do ter que traduz
poder e ser. Ou seja, super supervalorização da condição material que em contrapartida
exerce uma coerção social a quem não consegue uma ascensão social através do capital.
Com isso, a banalização do humano, não importa se a pessoa tem o suficiente para o
sustento de sua família, entra em cena o fenômeno do capital fetiche.
Nesse cenário do capital financeiro especulativo, o Estado sustenta os interesses da
burguesia e ao mesmo tempo de forma complexa, busca minimamente atuar na área social
com o apoio junto aos segmentos mais vulneráveis da população, à luz da reprodução de
desigualdades, tensões e antagonismos de classes na vida contemporânea, em que.
“... o Estado burguês no capitalismo monopolista procura administrar as expressões
da questão social de forma a atender as demandas da ordem monopólica
conformando, pela adesão que recebe as categorias e setores cujas demandas
incorpora, sistemas de consenso variáveis, mas operantes” (NETO, 2009, p. 30).

São nesses contextos que o modo de produção impõe novas regras na relação
capital trabalho, isso influencia diretamente o comportamento do Estado na esfera política,
econômica e social. Assim, as medidas para superar as crises do capital exigiram uma
adequação no modelo de Estado, com isso, a precarização das políticas públicas como:
saúde, educação, habitação, entre outras, são essenciais e estratégicas, dando ao capital
privado a ideia de mais eficiência, que consiste em avanços significativos a um modelo de
Estado cada vez mais liberal, ou seja, Estado mínimo, inviabilizando a garantia de direitos,
melhores condições de vida e justiça social. Ou que... “mais exatamente, no capitalismo
monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com as funções
econômicas” (NETO, 2009, p.25).
Sob o exposto, sinaliza-se uma crescente dificuldade de manter na atual conjuntura a
garantia aos direitos já conquistados, como o acesso à seguridade social – saúde,
previdência e assistência social. Se não conseguimos manter a seguridade social como tripé
essencial na proteção social das pessoas, como garantir a Reforma Psiquiátrica no Brasil?
De um lado o Estado garante os avanços ao capital imperialista no Brasil, do outro,
como estratégia, a permissão de investimento no campo social. Essa dinâmica política e
econômica vêm sendo uma ofensiva cruel nesse desenho da contemporaneidade e, mesmo
com a luta dos movimentos sociais não se altera as bases fundamentais na ordem
burguesa, na qual
“... não foram alteradas pelo equilíbrio conjuntural da luta de classes nos anos de
1980 e 2000, de maneira que, no que lhe é fundamental, a forma política brasileira
continua sendo o Estado Burguês que tem por principal característica organizar o
domínio de uma pequena parte da sociedade (na origem uma aliança burguesa
oligárquica que se desenvolveu para um bloco burguês monopolista em aliança com
o imperialismo e o latifúndio, culminado num bloco monopolista em seus diferentes
segmentos com o capital imperialista) sobre a maioria da população, dos
trabalhadores e demais segmentos explorados pela ordem capitalista burguesa, que
só podem chegar a uma inserção precária na ordem democrática nos termos de
uma democracia de cooptação ou restrita” (IASI, 2019, p. 420).

Segundo IASI (2019) a política de cooptação no Brasil integra os interesses do


capitalismo tardio à ascensão política da esquerda brasileira. A esquerda consegue
programar algumas pautas sociais sem mexer nas bases conservadoras da burguesia,
mantendo os interesses do capitalismo em uma junção perfeita, ou seja, “um Estado de
direito e sua conversão em formas híbridas que representam a autocracia burguesa sob a
formalidade do ordenamento jurídico burguês” (IASI,2019, p.421). Esse ponto é essencial
para retornar a discussão da luta antimanicomial que é o foco da nossa reflexão.
Apesar de tramitar por 12 anos no congresso nacional é justamente em 2001, que
conseguimos a aprovação da Lei de Paulo Delgado, será por acaso? A lacuna temporal é
significativa, porém conseguimos avanços. Contudo, pode-se afirmar que na medida em que
se aprova a lei da Reforma Psiquiátrica se estagna a proposta de substituição ao modelo
asilar, o avanço da reforma, contraditoriamente, ocorreu no mesmo período de
contrareforma do Estado brasileiro.
Neste sentido, verifica-se a junção do capitalismo tardio ao Estado em uma
conjuntura intrínseca entre a questão econômica e a vida social, esse cenário redesenha um
velho estágio. A crise do capital intensifica as manifestações da questão social e retornamos
aos primórdios das reflexões em saúde mental, as mazelas sociais que subjazem a loucura
no Brasil como uma questão moral. O modelo manicomial volta à cena como
potencializador da visão retrógrada, moralizadora em que parte da sociedade enxerga os
pacientes como perigosos, incapazes de conviver em sociedade e que, portanto, necessitam
de ser excluídos.
Continuamos a reflexão sobre a perversa política proibicionista e de marginalização
da pobreza. Ora, os usuários que fazem uso de substâncias ilícitas estão marcados como
marginais, assim se propaga a ideia de periculosidade de quem as usa, dificultando as
mudanças de paradigmas para o novo modelo de atendimento nos equipamentos
substitutivos. Assim, se reproduz a ideia de “internação” como proposta eficaz, retirando a
liberdade dos sujeitos e os submetendo a uma conversão moral e social que faz parte do
estigma de quem usa prejudicialmente as substâncias psicoativas.
Por tanto, justifica-se a condução da atual política de saúde mental no âmbito
federal no Brasil, a legislação é atacada como ineficaz. Retiram-se recursos dos
equipamentos substitutivos do CAPS AD III, por exemplo, para as Comunidades
Terapêuticas. Aqui, entra em cena a velha política de saúde mental, o modelo interventivo
que conduz o tratamento com bases moralizantes e excludentes às pessoas que fazem uso
abusivo de substâncias psicoativas. Dessa forma, fortalecem ações como a abstinência e de
fortalecimento às comunidades terapêuticas incentivando a avaliação exclusivamente
biológica.
As vulnerabilidades sociais são tratadas como culpabilização do sujeito, criam-se
ideologias para manutenção da grande acumulação do capital como a meritocracia -o
individualismo e que o pobre é pobre porque não gosta de trabalhar- é essencial para
manutenção da ideologia burguesa, o que tende a reforçar a manutenção da lógica pré-
existente... “trata-se de combater as manifestações da “questão social” sem tocar nos
fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se aqui, obviamente, um reformismo para
conservar” (NETO, 2012, p. 205). Com isso, parece que estamos correndo em círculos, sem
chegar a lugar nenhum.
Esse retrato é fato. Vejamos as medidas de desmonte tomadas pelo governo federal
a partir de 2016, onde se inaugura uma série de investidas para o retrocesso na reforma
psiquiátrica brasileira. A resolução nº 32 redireciona o modelo assistencial em saúde mental,
a nova diretriz apontada nessa resolução propõe e aumenta os recursos para o atendimento
hospitalar psiquiátrico, estabelece um novo direcionamento à Rede de Atenção Psicossocial,
com isso, fragmenta a luta antimanicomial. Essas ofensivas comprometem as intervenções
e as diretrizes da reforma, as estratégias veladas trazem de volta o modelo manicomial e
contraria o progresso alcançado ao longo das últimas décadas.
Em 2018, as ações manicomiais no SUS foram fortalecidas na questão de
financiamento pela portaria nº 2.434, que reajustou o valor das diárias de internação em
hospitais psiquiátricos e pela portaria nº 3.659, que suspendeu um repasse financeiro ao
custeio mensal aos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
O cenário de luta antimanicomial no Brasil se retrai e o avanço eminente do
capitalismo tardio redesenha a conjuntura política e introduz políticas de saúde mental
conservadoras no cenário atual. O modelo “biomédico” de fragmentação da Saúde Mental
vem se tornando a ideologia hegemônica na contemporaneidade.
Importante destacar o papel do Serviço Social crítico na perspectiva de luta e
resistência a esse cenário como pontuaremos a seguir.

3. A IMPORTÂNCIA DA PERSPECTIVA CRÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL NA DEFESA DA


REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL.
É imperativa a defesa do Serviço Social nos Centros de Atenção Psicossocial de
Álcool e outras Drogas - CAPS AD III. Parece que estamos falando do retrógrado, repetitivo,
sem fundamento, contudo, nas últimas ofensivas neoliberais verifica-se que a precarização
da política pública de saúde mental avança consideravelmente na lógica do modelo
manicomial. O que isso quer dizer? Com a diminuição de recursos para os equipamentos
substitutivos se faz necessário um redirecionamento do financiamento a outras esferas da
política pública, aqui elencamos as internações. Essas internações vêm sendo recorrentes
pelo viés jurídico conservador, que em suas bases reforçam a construção social do
tratamento moral.
A partir do olhar crítico da realidade como assistente social que atua no CAPS AD
III – Petrópolis - RJ é necessário traçar observações da prática na atual conjuntura dentro do
equipamento substitutivo para conhecer de forma mais alargada e profundada a realidade
social em que os usuários e famílias convivem. Para tanto, é importante descrever o que se
percebe no cotidiano dos atendimentos para traçar uma avaliação do atual cenário da
reforma psiquiátrica.
Para as famílias dos usuários dos serviços substitutivos está cada vez mais difícil
manter o cuidado em liberdade sem o suporte social necessário do Estado. A seguridade
social está sucateada e não consegue proporcionar de fato uma “proteção social” que
garanta os direitos sociais conquistados. Pelo contrário, cada vez mais se vivencia a
ausência dos direitos com a perda significativa da qualidade de vida, principalmente após a
pandemia da COVID 19. Com isso, as estratégias de cuidado institucionalizante ganham
uma dimensão de “proteção às famílias e aos usuários do serviço”, esses na sua grande
maioria não possuem renda para seu auto-sustento ou para prover o sustento de sua
família, acabam se sujeitando as condições de privação de liberdade como oferta de
tratamento, retornando ao modelo manicomial como base.
Na avaliação, aceitar ir para as comunidades terapêuticas é amenizar as
expressões da questão social que incide nas famílias nesse cenário desumanizante de luta
pelas condições mínimas de sobrevivência. As falas são recorrentes na grande maioria dos
que buscam os atendimentos no CAPS AD III Petrópolis – RJ na tentativa de acessar o
atendimento com o psiquiatra para conseguir o atestado e se “internar”.
Reitera-se que há um aumento significativo das demandas por atendimento no
Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas – CAPS AD III de Petrópolis - RJ,
essa procura cada vez maior pelo serviço é uma demonstração da necessidade de
problematizar que uso abusivo de substâncias psicoativas é uma das expressões da
questão social, porém, não é uma fala de todas as categorias profissionais.
É importante destacar que nas intervenções como assistente social no CAPS AD III
da unidade de Petrópolis – RJ a partir dos atendimentos coletivos no grupo SUS,
semanalmente, refletimos sobre as expressões da questão social e como elas estão
presentes na realidade do uso prejudicial de substâncias psicoativas.
As violações de direitos quanto aos segmentos vulneráveis causados pelas
violências tanto no contexto macrossocial quanto no inter-relacional são preponderantes na
relação com o uso abusivo de substâncias. Essas substâncias servem para minimizar os
sofrimentos mentais na era do capital fetiche.
Qual o papel do Serviço Social na Saúde Mental nesse cenário sombrio da atual
conjuntura política de desmonte da Reforma Psiquiátrica brasileira? Pode-se destacar a
leitura crítica da profissão ao desvendar a estratégia do modo de produção capitalista com
objetivo de criar processos criativos de resistência às incisivas do capital tardio.
O projeto ético político da profissão é um alicerce que nos distingue e ao mesmo
tempo nos compromete como classe trabalhadora na luta constante por melhores condições
de vida aos seguimentos sociais estigmatizados, aqui os usuários e familiares do CAPS AD
III.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que a descrição da trajetória da reforma psiquiatra trouxe elementos


a serem refletidos como a exclusão e marginalização da pobreza como um foco das elites
burguesa no Brasil. Além da disseminação dos preconceitos de várias formas, com projetos
de eliminar os diferentes ou os que não se enquadram no projeto de sociedade hegemônico.
Reintegrando práticas obsoletas e reforçando o modelo asilar para os loucos e pobres no
Brasil.
Outro ponto importante foi desvendar movimento do capital tardio no Brasil no bojo
do Estado neoliberal e suas investidas no desmonte da política de saúde mental. Não se
trata só da defesa da luta antimanicomial ou dos serviços substitutivos, se trata do retrato da
miséria das pessoas que passam por um sofrimento mental e que são totalmente
descartadas sob o viés conservador e punitivo.
Nesse cenário tenebroso que enxergamos a relevância do assistente social na
saúde mental, é nesse contexto de contradições e retrações que o profissional necessita
criar meios e metodologias criativas nos atendimentos para fomentar mudanças diante atual
conjuntura.
Cabe aos profissionais do Serviço Social se apropriar de seu mandato social no
cerne do projeto ético-político em um movimento de resistência ao cenário atual que
consideramos essencial estar ao lado da luta como classe trabalhadora provocando
mudanças.
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