Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Afirma que, após efetuar o pagamento devido, foi receber o bem e constatou
que as informações apostas no edital, supostamente, divergiam da realidade. Isso
porque, além de não haver a ressalva de “numeração do motor divergente da BIN”, o
modelo ofertado também seria outro, um simples “Discovery 4”, e não da série especial
“Black and White”.
Ocorre que, como se verá adiante, a pretensão adversária não há de ter lugar,
seja porque ausente conduta antijurídica por parte da contesta, seja porque inaplicável,
na hipótese, a regra do art. 42/CPC, como pretende fazer crer o autor.
I-2) Da realidade dos fatos
Fato é que, o autor estava ciente das regras do certame, tanto que
acostou o respectivo edital (consoante se observa dos ID a partir de 88900019 -
Pág. 1). Dentre tais disposições, merece especial destaque aquela que alerta que os
veículos são vendidos no estado de conservação em que se encontram, cabendo ao
potencial interessado a diligência de inspecionar previamente o lote de o eventual
interesse, no prazo avisado, a saber:
II – DO DIREITO
II-1) PRELIMINARMENTE:
II-1.a) Da complexidade da causa a impor a necessidade de produção de prova técnica, incompatível
com a sistemática da Lei nº. 9.099/95.
2
Ainda que não esteja exatamente clara na narrativa autoral, qual seria a
causa de pedir da demanda – se a alegada discrepância quanto ao modelo do lote
arrematado, entre a informação aposta no edital e bem entregue após o pagamento;
ou se a dificuldade na regularização da documentação, a partir do problema com a
numeração do motor junto à base de dados nacional -, fato é que a petição inicial se
conduz de forma a induzir que o fato controvertido se refere ao modelo do bem.
Como agente de guarda dos bens levados a leilão pela instituição financeira
AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, a contestante
apenas ficou responsável pelo depósito dos lotes (veículos) e por ceder o espaço para
a realização do certame. Dito certame, convém esclarecer, tem suas diretrizes fixadas
conforme a determinação dos comitentes vendedores (ou seja, os proprietários dos
lotes levados a leilão), e estampadas no respectivo edital (já acostado aos autos pelo
autor), do qual têm conhecimento todos os potenciais partícipes/interessados/licitantes.
3
O evento é presidido/conduzido por um leiloeiro oficial, autônomo, sem
qualquer participação societária e/ou ingerência sobre os atos desta empresa de
guarda, por força de expressa dicção legal (art. 36, do Decreto nº. 21.981, de
19/10/1932, norma reguladora da profissão). Dito leiloeiro, assim como a empresa de
guarda contestante, é contratado pelos comitentes vendedores/proprietários dos lotes
(AYMORÉ, no caso dos autos).
Não é por outra razão, que diversas Cortes do país vêm entendendo que não
cabe à empresa de guarda (nem tampouco ao leiloeiro) qualquer responsabilidade
perante atos extrínsecos ao certame, em casos semelhantes ao destes autos.
Vejamos arestos que embasam a tese aqui defendida:
Apelação. Indenizatória. Veículo adquirido em leilão eletrônico. Chassi adulterado. Edital que
descrevia expressamente a normalidade do bem. Vício oculto manifesto. Responsabilidade
do leiloeiro. Não ocorrência. Mero mandatário. Precedentes deste E. Tribunal. Danos
morais não configurados. Recursos providos. (TJSP; Apelação Cível 1009073-
43.2018.8.26.0003; Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito
Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/09/2020;
Data de Registro: 21/09/2020) (destaques nossos)
4
Mutatis mutandis, a situação exemplificada nos excertos jurisprudenciais
acima colacionados aplica-se ao caso concreto, tendo em vista que a empresa de
guarda contestante, assim como o leiloeiro oficial, não pode ser responsabilizada por
fato extrínseco à função para a qual foi contratada pelo comitente vendedor.
II-2) NO MÉRITO
II-2.b) Conduta da COLISEUM amparada estritamente nas regras do certame. Vinculação ao edital.
Ausência dos elementos caracterizadores da responsabilidade indenizatória.
6
Não bastasse a licitude da conduta em discussão, elemento por si só capaz
de afastar a responsabilidade indenizatória da contestante, a parte autora não logrou
provar nenhum prejuízo em sua esfera extrapatrimonial, que pudesse ensejar a
reparação desejada. Não se trata, com efeito, de hipótese de dano moral puro, pelo
qual o só acontecimento do fato ensejaria responsabilidade indenizatória, como
acontece, p. ex., em casos de inscrições indevidas em cadastros de proteção ao
crédito. No caso em apreço, mesmo que se verificasse antijuridicidade na conduta
da contestante, o que, como visto, não acontece, cabia, ainda, ao postulante,
comprovar o reflexo de tal ofensa sobre seu patrimônio imaterial.
7
De saída, não se vislumbra em qual indicador de mercado ou documento
concretamente confiável o autor lastreia a alegação de que teria pago indevidamente
a importância de R$ 13.807,00, para postular a repetição do “indébito” em dobro.
Como se pode reputar “indébito”, como quer fazer crer a adversa parte,
acréscimo/decréscimo de valor, num patrimônio eventualmente adquirido, que não
pode ser atribuído ao papel de qualquer das partes, mas às circunstâncias próprias
do mercado?
Não bastasse tudo isso, tem-se a circunstância primordial para afastar o pleito
de repetição do indébito em dobro: a ausência de má-fé na conduta da contestante.
Conforme sedimentado, há muito, pela jurisprudência do STJ, a aplicabilidade da
norma do art. 42/CDC, que lastreia o pleito autoral, depende da verificação da má-fé
do pretenso credor. Vejamos:
8
dano moral à pessoa jurídica por suposta falha na prestação do serviço bancário decorrente de
fraude perpetrada por funcionário/contratado/preposto da empresa; b) aplicabilidade da
repetição do indébito em dobro e c) termo inicial dos juros moratórios. [...] 4. Conforme
entendimento consolidado no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, a repetição em
dobro do indébito requer a demonstração de má-fé na cobrança, o que não foi
comprovado na hipótese. Precedentes. 5. É inviável o acolhimento da tese de incidência dos
juros moratórios a partir da data do evento danoso nos termos da súmula 54/STJ, haja vista
que, no caso, a relação estabelecida entre as partes é contratual, pois a fraude somente se
perfectibilizou mediante contrato de refinanciamento de dívida em virtude da empresa
previamente manter com a financeira uma relação jurídica vinculada a operações bancárias. 6.
Recurso especial desprovido. (REsp 1463777/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA
TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020) (sublinhamos)
Pede deferimento.
Olinda, 18 de abril de 2022.