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AO DOUTO JUÍZO DE DIREITO DO 1º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E DAS

RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE OLINDA/PE.

COLISEUM MULTISERVICE LTDA., sociedade empresária já


qualificada nos autos da Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização por
Danos Morais – processo nº. 0005155-70.2021.8.17.8223, que lhe move RENATO
ROBSON REMIGIO MACIEL, em curso perante esse MM. Juízo, vem, por seu
advogado regularmente constituído, apresentar sua CONTESTAÇÃO, pelos motivos
de fato e de direito que passa a expor:
I – DOS FATOS
I-1) Da versão autoral

Alega o demandante haver adquirido um veículo LAND ROVER/DISCOVERY 4


BLACK AND WHITE 3.0 TURBO, ano/modelo 2010/2011, de cor preta, a diesel, de
placas PEK 5050, em 16/10/2020, mediante arremate em leilão promovido pela
instituição financeira AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A,
havido nas dependências da empresa contestante, pagando o valor total de R$
62.475,00 (sessenta e dois mil quatrocentos e setenta e cinco reais).

Afirma que, após efetuar o pagamento devido, foi receber o bem e constatou
que as informações apostas no edital, supostamente, divergiam da realidade. Isso
porque, além de não haver a ressalva de “numeração do motor divergente da BIN”, o
modelo ofertado também seria outro, um simples “Discovery 4”, e não da série especial
“Black and White”.

Tais discrepâncias/omissões estariam a causar-lhe embaraços na


transferência de titularidade do bem arrematada, e, ao mesmo tempo, ter-lhe-iam
causado prejuízo, pois a indicação existente no edital, de que se trataria de exemplar
da série especial Black and White, teria sido determinante para a participação no
certame até se sagrar vencedor.

Após discorrer longamente, e de forma flagrantemente confusa, sobre a


causa de pedir da demanda, e acerca da pretensa aplicabilidade do CDC à hipótese,
postula o autor a inversão do ônus da prova, com a condenação da demandada ao
pagamento de: (i) indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) e (ii) repetição do indébito, atinente ao que, pretensamente, teria pago a maior
na aquisição do veículo, tomando-se como parâmetro as estimativas da Tabela
FIPE.

Ocorre que, como se verá adiante, a pretensão adversária não há de ter lugar,
seja porque ausente conduta antijurídica por parte da contesta, seja porque inaplicável,
na hipótese, a regra do art. 42/CPC, como pretende fazer crer o autor.
I-2) Da realidade dos fatos

De saída, cumpre desmentir as acusações de que houve publicidade


enganosa, que teria, supostamente, induzido a erro o arrematante/autor.
Absolutamente, não se trata disso. Diferentemente do que pretende fazer crer a
atrial, o autor não se conduziu a uma agência ou concessionária para adquirir um
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veículo. E sim, participou de um leilão, um certame com disputa de lanços com
várias outras pessoas porventura interessadas num mesmo bem, em que os lotes
são oferecidos ao público no estado em que se encontram, sem garantia de
qualquer natureza. Nesses eventos, os arremates vencedores costumam sair até
25 ou 30% abaixo do preço de mercado do mesmo veículo, daí a vantajosidade de
se participar deles.

Por óbvio, requer-se que o partícipe tenha experiência no mercado veicular,


para saber se vale ou até onde vale seguir com os lanços, de acordo com o estado
de conservação do veículo, a fim de fazer valer a prerrogativa de se pagar menos
por algo que, no mercado convencional, em tese, vale mais. Tanto é assim que
inúmeros partícipes de eventos da modalidade são vendedores autônomos de
veículos e/ou proprietários de lojas/agências.

Posta tal distinção, é imperioso registrar que as normas que regem os


eventos realizados no estabelecimento da empresa de guarda estão claramente
redigidas no respectivo edital – que é disponibilizado no site
www.coliseumleiloes.com.br e franqueado aos partícipes que se encontrem
presencialmente no local.

Fato é que, o autor estava ciente das regras do certame, tanto que
acostou o respectivo edital (consoante se observa dos ID a partir de 88900019 -
Pág. 1). Dentre tais disposições, merece especial destaque aquela que alerta que os
veículos são vendidos no estado de conservação em que se encontram, cabendo ao
potencial interessado a diligência de inspecionar previamente o lote de o eventual
interesse, no prazo avisado, a saber:

Tudo isso foi ratificado pelo autor/arrematante no ato da vinculação,


conforme Nota de Venda acostada sob 88895728 - Pág. 1.

Ou seja, a despeito da ocasional necessidade de providenciar reparos ou


serviços sobre o bem ou algum componente desse, a fim de sanar possíveis
pendências burocráticas junto aos órgãos de trânsito – como a regularização da
numeração do motor perante a base nacional de dados veicular/BIN -, o autor tinha
pleno e prévio conhecimento de que tais circunstâncias, passíveis de ocorrer,
estavam previstas nas regras do certame. Desse modo que não lhe é dado, depois
de aperfeiçoado o arremate, alegar desconhecimento, ou mesmo que lhe foram
sonegadas informações essenciais sobre o bem.

II – DO DIREITO
II-1) PRELIMINARMENTE:
II-1.a) Da complexidade da causa a impor a necessidade de produção de prova técnica, incompatível
com a sistemática da Lei nº. 9.099/95.

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Ainda que não esteja exatamente clara na narrativa autoral, qual seria a
causa de pedir da demanda – se a alegada discrepância quanto ao modelo do lote
arrematado, entre a informação aposta no edital e bem entregue após o pagamento;
ou se a dificuldade na regularização da documentação, a partir do problema com a
numeração do motor junto à base de dados nacional -, fato é que a petição inicial se
conduz de forma a induzir que o fato controvertido se refere ao modelo do bem.

Nos dizeres da adversa parte, as informações divulgadas no edital para o lote


35 discrepariam da realidade, pois o bem entregue após o pagamento seria um
Discovery 4, e não um da série especial Discovery 4 Black and White.

Não obstante todas as ressalvas quanto às condições para participação no


evento e quanto ao possível estado de conservação do lote, estampadas no edital, e
abordadas no tópico precedente, a discussão proposta na atrial passa pela
investigação acerca das características mecânicas e dos fatores de distinção
próprias de cada um dos modelos controvertidos (Discovery 4 e Discovery 4
Black and White).

E tal investigação só é possível a partir de minuciosa inspeção/exame


técnico a ser empreendido no bem. Trabalho presencial, de genuíno escopo
pericial, a ser realizado por técnico habilitado. Afinal, não se tem como perceber,
apenas a partir das fotos e pelas informações contidas nos prospectos de cada
modelo, carreados pelo autor, a qual dos modelos pertence o lote
arrematado/entregue. Até porque, pelo que se deduz dos referidos documentos,
mesmo o modelo alegadamente mais luxuoso não possui grafismos ou emblemas
com os dizeres “Black and White”.

Como a sistemática da Lei Especial não admite a produção de prova pericial,


V. Exa. deve, data venia, considerar a necessidade de produção de prova técnica, e,
ante tal complexidade, extinguir o feito sem apreciação meritória.

Por cautela, e apenas na improvável hipótese de se superar tal prejudicial,


resta impugnada a prova documental acostada à exordial, que tenha o escopo de se
referir ao pleito ora contrariado, tendo em vista que se apresentam insuficientes para
evidenciar a pretendida distinção entre o bem ofertado e aquele entregue ao autor.
II-1.b) Da flagrante ilegitimidade passiva ad causam da contestante.

Como agente de guarda dos bens levados a leilão pela instituição financeira
AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, a contestante
apenas ficou responsável pelo depósito dos lotes (veículos) e por ceder o espaço para
a realização do certame. Dito certame, convém esclarecer, tem suas diretrizes fixadas
conforme a determinação dos comitentes vendedores (ou seja, os proprietários dos
lotes levados a leilão), e estampadas no respectivo edital (já acostado aos autos pelo
autor), do qual têm conhecimento todos os potenciais partícipes/interessados/licitantes.

Ditas regras possuem caráter geral e específico, sendo que: as primeiras


são aplicáveis a todos os partícipes, e fixadas com base na experiência do leiloeiro
presidente do certame e nas normas da lei civil ordinária; as segundas são ditadas
por cada um dos comitentes vendedores, p. ex., prazos de entrega de
documentos diferenciados, limite mínimo para ressarcimento de débitos dos veículos
etc., e têm aplicabilidade restrita, a depender do lote/comitente a que se reporta.

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O evento é presidido/conduzido por um leiloeiro oficial, autônomo, sem
qualquer participação societária e/ou ingerência sobre os atos desta empresa de
guarda, por força de expressa dicção legal (art. 36, do Decreto nº. 21.981, de
19/10/1932, norma reguladora da profissão). Dito leiloeiro, assim como a empresa de
guarda contestante, é contratado pelos comitentes vendedores/proprietários dos lotes
(AYMORÉ, no caso dos autos).

Com efeito, a contestante não vende; cede o espaço para a realização de


leilões para alienação de bens de terceiros, mediante prévia e expressa autorização
do respectivo dono/proprietário, no caso, a AYMORÉ, e seguindo as diretrizes
por essa estabelecidas. Em sendo assim, não é errado afirmar que, entre a comitente
vendedora (AYMORÉ) e a contestante existe um contrato de prestação de serviços; e
que entre a comitente vendedora (AYMORÉ) e o arrematante/autor forma-se negócio
jurídico distinto (compra e venda), devendo a primeira proporcionar ao segundo o
recebimento da coisa ou bem livre e desembaraçado, mediante, é claro, prévio
pagamento do lanço e respectivos consectários previstos em edital.

É óbvio, a partir dos termos do aludido contrato de prestação de serviços


firmado entre os codemandados, que a empresa de guarda aqui contestante agiu
na condição de preposta da instituição financeira, a mando e por conta dessa
última.

Não é por outra razão, que diversas Cortes do país vêm entendendo que não
cabe à empresa de guarda (nem tampouco ao leiloeiro) qualquer responsabilidade
perante atos extrínsecos ao certame, em casos semelhantes ao destes autos.
Vejamos arestos que embasam a tese aqui defendida:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. VEÍCULO AUTOMOTOR ADQUIRIDO
EM LEILÃO EXTRAJUDICIAL. COMPRA DE VEÍCULO SINISTRADO E COM CHASSI
REMARCADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO LEILOEIRO. O leiloeiro que promove a venda
de veículo sinistrado em leilão extrajudicial atua como mero mandatário da seguradora
proprietária/vendedora. Não detém legitimidade passiva em demanda na qual se discute
vícios sobre o bem ou irregularidades na documentação ou no edital. DECADÊNCIA
EVIDENCIADA. A compra e venda realizada no caso dos autos materializa relação de
consumo e atrai a incidência da Lei 8.078/90, aplicando-se o prazo decadencial de 90 dias
indicado pelo artigo 26, II, do Código de Defesa do Consumidor, para lançar reclamação por
vícios aparentes ou de fácil constatação. Decadência do direito em relação ao pedido de
indenização por dano material. A pretensão de indenização por danos morais não se sujeita ao
prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC, mas sim ao prazo prescricional previsto no art.
27 do CDC. ART. 1.013, §4º DO CPC. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. A situação
dos autos - informação de que o veículo possui chassi remarcado com o recebimento da
documentação do bem - não passou de dificuldades comuns das relações negociais,
especialmente em se tratando de compra e venda através de leilão extrajudicial
de veículos sinistrados. A remarcação de chassi não se trata, por si, de prática ilegal.
PRELIMINAR CONTRARRECURSAL ACOLHIDA. DECADÊNCIA AFASTADA EM PARTE.
APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70080737000, Décima Quinta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em: 24-04-2019)

Apelação. Indenizatória. Veículo adquirido em leilão eletrônico. Chassi adulterado. Edital que
descrevia expressamente a normalidade do bem. Vício oculto manifesto. Responsabilidade
do leiloeiro. Não ocorrência. Mero mandatário. Precedentes deste E. Tribunal. Danos
morais não configurados. Recursos providos. (TJSP; Apelação Cível 1009073-
43.2018.8.26.0003; Relator (a): Walter Exner; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito
Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/09/2020;
Data de Registro: 21/09/2020) (destaques nossos)

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Mutatis mutandis, a situação exemplificada nos excertos jurisprudenciais
acima colacionados aplica-se ao caso concreto, tendo em vista que a empresa de
guarda contestante, assim como o leiloeiro oficial, não pode ser responsabilizada por
fato extrínseco à função para a qual foi contratada pelo comitente vendedor.

Tanto é assim, que o multicitado edital do certame, publicado com a


antecedência regular, e de conhecimento de todos os potenciais interessados,
inclusive o autor, prevê total responsabilidade dos comitentes vendedores perante
os lotes, ipsis litteris:

Ante o exposto, requer-se, respeitosamente, que se digne V. Exa. de


reconhecer a manifesta ilegitimidade passiva ad causam da contestante,
extinguindo, consequentemente, o presente feito sem julgamento de mérito, quanto ao
que lhe cabe, à luz do disposto no art. 337, XI c/c art. 485, VI/CPC.

II-2) NO MÉRITO

Por questão de zelo processual e na improvável hipótese de superação das


questões previamente arguidas, o que se concebe apenas com esforço de raciocínio,
deverá ser inteiramente improcedente a pretensão autoral, como aduzido nas razões
meritórias a seguir esposadas.
II-2.a) Da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto.

Não obstante o que se argumenta na exordial, cumpre frisar que a empresa de


guarda contestante não assumiu, na relação jurídica em debate, posição de
fornecedor, nos termos da definição contida no art. 3º do CDC, abaixo transcrita:

Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública


ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

A colocação do bem em litígio no mercado, além de não ter partido de


iniciativa sua (mas da comitente vendedora, AYMORÉ), não se deu por meio de
venda direta ao consumidor, mas por habilitação/participação em concorrência
aberta, mediante apresentação de lanços. Ou seja, o produto arrematado não
estava à disposição dos potenciais interessados em um mostruário/stand de vendas,
como aconteceria, por exemplo, se o negócio tivesse sido realizado em uma
concessionária de automóveis. Não houve, portanto, comercialização direta dos
bens junto ao consumidor final. Pelo contrário: a condição para sua
aquisição/arremate dependeria de o potencial interessado oferecer o maior lanço, e
sair vencedor no certame, e não de efetuar simples pagamento.

Assim, seria equivocado, data venia, o emprego das normas protecionistas


contidas no CDC, especialmente a inversão do ônus da prova propugnada pela
adversa parte, quando a relação jurídica a ser tutelada não se enquadra na hipótese.
Pede-se, de logo, o pronunciamento desse MM. Juízo quanto à norma de regência a
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ser aplicada ao caso (pugnando-se, desde já, para que seja a norma civil ordinária),
a fim de possibilitar o adequado prequestionamento da matéria, viabilizando, assim,
sua eventual discussão nas instâncias excepcionais.

II-2.b) Conduta da COLISEUM amparada estritamente nas regras do certame. Vinculação ao edital.
Ausência dos elementos caracterizadores da responsabilidade indenizatória.

Como visto em tópico anterior, àquele que se dispõe a participar de certame


envolvendo alienação extrajudicial de bens, a maior vantajosidade reside justamente
no fato de adquirir bem em preço consideravelmente inferior ao mercado regular de
consumo. Por isso, os bens são vendidos no estado em que se encontram.

É o que estampa, com clareza, o edital do certame, documento esse que


deve servir de baliza para todos os partícipes do evento, seja comitente vendedor,
empresa de guarda, leiloeiro ou interessados/arrematantes.

As normas reguladoras do certame estão claramente redigidas, de forma


perfeitamente compreensíveis ao cidadão-médio, em edital que é disponibilizado
permanentemente no site da empresa de guarda, e distribuído aos
interessados no pátio, quando se trata de leilão presencial. Ao aceitar participar
do certame, o licitante/autor vincula-se, automaticamente, àquele compêndio de
regras, especialmente quanto à essência de eventos do tipo: os bens são vendidos
no estado em que se encontram, não cabendo reclamação quanto ao seu estado de
conservação.

Não prospera a alegação autoral quanto à ausência de informações acerca do


lote no site da empresa contestante e/ou no edital. A Nota de Venda fornecida após
o arremate contém informações coincidentes com o que fora divulgado no
compêndio de regras do leilão, consoante faz prova documentação acostada pelo
próprio autor (ID’s 88895728 - Pág. 1 e 88900019 - Pág. 1 e seguintes).

Se o documento de transferência fornecido pela comitente vendedora


(AYMORÉ) – ID 88895730 – espelha informações divergentes do que trazem o edital
e a Nota de Venda não se pode imputar tal responsabilidade à proposta, ora
contestante. A COLISEUM somente em contato com a documentação veicular após
essa ser disponibilizada à entrega (a arrematante) pelo comitente vendedor
(AYMORÉ).

Desse modo, se o edital é expedido conforme as diretrizes e os dados


específicos de cada lote, impostas e informados, respectivamente, pelos comitentes
vendedores; e os documentos hábeis à transferência dos bens, entregues aos
arrematantes, ficam sob guarda dos respectivos proprietários/comitentes
vendedores, não se pode imputar responsabilidade à COLISEUM por eventual
discrepância entre esses.

Não há que se falar, portanto, em conduta antijurídica por parte da


COLISEUM, porquanto seguiu-se à risca as regras previstas no edital do certame.
Com efeito, não restou demonstrada nos autos a existência de nexo de
causalidade – elemento objetivo imprescindível à imputação da responsabilidade
civil – entre a conduta da contestante, mera guardiã do bem vendido pela instituição
financeira, e os prejuízos pretensamente suportados pela parte autora.

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Não bastasse a licitude da conduta em discussão, elemento por si só capaz
de afastar a responsabilidade indenizatória da contestante, a parte autora não logrou
provar nenhum prejuízo em sua esfera extrapatrimonial, que pudesse ensejar a
reparação desejada. Não se trata, com efeito, de hipótese de dano moral puro, pelo
qual o só acontecimento do fato ensejaria responsabilidade indenizatória, como
acontece, p. ex., em casos de inscrições indevidas em cadastros de proteção ao
crédito. No caso em apreço, mesmo que se verificasse antijuridicidade na conduta
da contestante, o que, como visto, não acontece, cabia, ainda, ao postulante,
comprovar o reflexo de tal ofensa sobre seu patrimônio imaterial.

Ademais, se o edital do certame não continha informação pormenorizada


acerca do estado de conservação do bem, o fato, por si só, configuraria, no máximo,
eventual descumprimento de contrato, com reflexos que não ultrapassam o razoável
quando se trata de relações interpessoais.

Para o tema, o entendimento sedimentado em nossa mais destacada


jurisprudência afasta a responsabilidade indenizatória em casos de simples
descumprimento contratual, ou seja, sem que haja prova dos reflexos desse
inadimplemento sobre o patrimônio da parte inocente. Vejamos:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATRASO NA ENTREGA DA


OBRA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE
CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O mero
descumprimento contratual pela promitente-vendedora, que deixa de entregar o imóvel
no prazo contratado, não acarreta, por si só, danos morais, salvo se as circunstâncias
do caso concreto demonstrarem a efetiva lesão extrapatrimonial, o que não foi
comprovado nos autos. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no
AREsp 893.156/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe
15/09/2020)

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DESFAZIMENTO DE NEGÓCIO. VEÍCULO


ADQUIRIDO EM LEILÃO. RESTRIÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERIR O
AUTOMÓVEL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. DANO NÃO CONFIGURADO. Constatado o defeito (ausência de documentos) que
torna o bem impróprio ou inadequado ao fim a que se destina (transferência), impositivo
indenizar ao requerente o valor que ele deixou de ganhar com a negociação do bem a terceiro,
os lucros cessantes e demais despesas. Reputa-se como dano moral a dor, vexame,
sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no
comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em
seu bem-estar. Não é qualquer aborrecimento, transtorno ou dissabor que enseja a
reparação por danos morais. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº
70033429614, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira
Martins, Julgado em 25/02/2010) (grifou-se)

É dever de quem alega a prova do fato constitutivo do seu direito, à luz da


regra de distribuição do ônus da prova consubstanciada no art. 373/CPC. Como
visto no tópico precedente, a relação jurídica existente entre os litigantes não admite
aplicação da prerrogativa processual estatuída no inciso VIII, do art. 6º/CDC
(inversão do ônus da prova), de modo que cabia ao autor a prova de reflexos
concretamente negativos do fato ensejador da lide sobre os direitos da
personalidade.

II-2.c) Da ausência de má-fé a justificar a aplicabilidade da regra do art. 42/CDC. Entendimento


sedimentado na jurisprudência superior.

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De saída, não se vislumbra em qual indicador de mercado ou documento
concretamente confiável o autor lastreia a alegação de que teria pago indevidamente
a importância de R$ 13.807,00, para postular a repetição do “indébito” em dobro.

Se seu raciocínio se pretende escorar na diferença de cotações entre os


modelos do veículo arrematado, espelhada nas consultas à Tabela FIPE, não é
possível, data venia, que venha a prevalecer. É que, como se sabe, tais dados
constituem um apanhado de informações múltiplas do mercado automotivo em
âmbito nacional, e servem como mera estimativa, sempre a depender de elementos
como aquecimento do mercado local, estado de conservação do veículo, oferta e
demanda.

Não têm o escopo de servir como garantia de concretização de negócios


entre particulares por determinado preço. Desse modo, o valor-base encontrado pelo
autor para o pedido de repetição do indébito, a partir das malsinadas consultas, não
possui concretude, a ponto de servir como eventual parâmetro de condenação.
Afinal, diante das ponderações aqui trazidas, as cotações espelhadas nos
documentos de ID 88900010 e 88900011 se baseiam em circunstâncias
escancaradamente abstratas.

Como se pode reputar “indébito”, como quer fazer crer a adversa parte,
acréscimo/decréscimo de valor, num patrimônio eventualmente adquirido, que não
pode ser atribuído ao papel de qualquer das partes, mas às circunstâncias próprias
do mercado?

Não bastasse tudo isso, tem-se a circunstância primordial para afastar o pleito
de repetição do indébito em dobro: a ausência de má-fé na conduta da contestante.
Conforme sedimentado, há muito, pela jurisprudência do STJ, a aplicabilidade da
norma do art. 42/CDC, que lastreia o pleito autoral, depende da verificação da má-fé
do pretenso credor. Vejamos:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE


DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR E
PROCESSUAL CIVIL. TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM
DOBRO. PROVA DE MÁ-FÉ DO CREDOR. DESNECESSIDADE. PRECEDENTE DA CORTE
ESPECIAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. "A repetição em dobro,
prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida
consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer
independentemente da natureza do elemento volitivo" (EAREsp 600.663/RS, Rel. Min.
MARIA TEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. para Acórdão Min. HERMAN BENJAMIN, CORTE
ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021). 2. Na hipótese, o acórdão embargado
exigiu como requisito a má-fé, para fins de aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC,
com a orientação firmada pela Corte Especial do STJ. 3. AGRAVO INTERNO A QUE SE
NEGA PROVIMENTO. (AgInt nos EDcl nos EAREsp 656.932/RS, Rel. Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2021, DJe 10/09/2021)

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO


C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS -
TRANSAÇÕES BANCÁRIAS REALIZADAS POR PREPOSTO DA EMPRESA MEDIANTE
FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA DA REPRESENTANTE LEGAL - RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DA FINANCEIRA RECONHECIDA NA SENTENÇA COM A CONDENAÇÃO DO
BANCO EM DANO MATERIAL - AUSÊNCIA DE RECURSO DA CASA BANCÁRIA -
TRIBUNAL LOCAL QUE, RELATIVAMENTE AO DANO MORAL, AFIRMOU A EXISTÊNCIA
DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO - IRRESIGNAÇÃO
DA AUTORA. Hipótese: Cinge-se a controvérsia a três pontos específicos: a) ocorrência de

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dano moral à pessoa jurídica por suposta falha na prestação do serviço bancário decorrente de
fraude perpetrada por funcionário/contratado/preposto da empresa; b) aplicabilidade da
repetição do indébito em dobro e c) termo inicial dos juros moratórios. [...] 4. Conforme
entendimento consolidado no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, a repetição em
dobro do indébito requer a demonstração de má-fé na cobrança, o que não foi
comprovado na hipótese. Precedentes. 5. É inviável o acolhimento da tese de incidência dos
juros moratórios a partir da data do evento danoso nos termos da súmula 54/STJ, haja vista
que, no caso, a relação estabelecida entre as partes é contratual, pois a fraude somente se
perfectibilizou mediante contrato de refinanciamento de dívida em virtude da empresa
previamente manter com a financeira uma relação jurídica vinculada a operações bancárias. 6.
Recurso especial desprovido. (REsp 1463777/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA
TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020) (sublinhamos)

Como cediço, a má-fé não se presume; depende de prova da parte de quem a


invoca. Não há nenhum elemento nos autos que indique haver a COLISEUM
agido de má-fé, em qualquer instante das tratativas com a adversa parte. Seja
quando da divulgação do evento, seja quando das conversas pós-arremate, quando
o autor demonstrou sua insatisfação.

O fato de os reclamos do arrematante, na fase administrativa, não haver sido


atendidos – sobretudo porque isso depende, essencialmente, da vontade da
comitente vendedora, AYMORÉ, e não da parca autonomia da contestante – não
pode induzir à conclusão pela existência de má-fé, passível de justificar a incidência
da indigitada norma do Diploma Consumerista.

III – DOS REQUERIMENTOS

Ante o exposto, requer-se, respeitosamente, que se digne V. Exa. de acolher


qualquer das preliminares retro suscitadas, extinguindo-se o feito sem julgamento do
mérito no que toca à contestante. Em caso de sua superação, do que se cogita em
homenagem ao princípio da eventualidade, pugna-se pelo acolhimento das razões
de mérito ora esposadas, para que seja decretada a total improcedência dos
pedidos formulados na inicial, por ser medida de justiça.

Declarando o signatário, nos termos e sob as penas da lei, a autenticidade


das cópias documentais que instruem a presente defesa, protesta-se pela prova do
alegado por todos os meios admitidos em direito, especialmente, a juntada de novos
documentos, o depoimento pessoal da parte autora e a oitiva de testemunha.

Pede deferimento.
Olinda, 18 de abril de 2022.

Ivanildo Berardo C. da Cunha Neto


OAB/PE 18.150

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