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A Evolução da Grafipar e

os Quadrinhos Eróticos
Celbi Vagner Melo Pegoraro
Doutorando em Comunicação
(ECA-USP) - Bolsista Fapesp

Dentro do universo de de perfis dos artistas que estão es-


lançamentos literários e acadêmi- palhados pelos capítulos de acor-
cos sobre as histórias em quadri- do com sua influência na editora,
nhos (ou narrativas gráficas) neste e finalmente um terceiro eixo
início de século XXI, permanece sobre os roteiros e a produção
necessário o aparecimento de gráfica dos quadrinhos eróticos.
obras que tratam da história da O autor inicia sua
produção nacional. A obra descrição traçando um perfil sobre
“Grafipar – A editora que saiu do a família e as origens japonesas
eixo”, que também inclui em sua de Cláudio Seto, figura mais
capa “A história da criativa usina importante em toda a evolução da
de quadrinhos eróticos do Brasil”, Grafipar. Há uma evidente preocu-
não é somente uma contribuição pação em contextualizar com o
positiva do ponto de vista histórico, período histórico da ditadura
mas oferece elementos narrativos militar, envolvendo o clima de D A N TON, Gian. Grafipar: a editora que
e de estética que poderão no censura, o AI-5 e o milagre saiu do eixo.São Paulo: Kalako, 2012.

futuro servir de fonte para desdo- econômico. Seto, uma espécie de


bramentos de pesquisa. faz tudo (da parte artística ao
Resultado de mais de vinte gerenciamento), foi figura
anos de pesquisa, a obra é de destacada na editora Edrel, que
autoria de Gian Danton, escritor e possuía um largo quadro de
roteirista de histórias em quadri- artistas de descendência japone-
nhos com trajetória reconhecida sa como Paulo Fukue, Fernando
no mercado. Trata-se mais de uma Ikoma, Wilson Hisamoto e os dois
descrição histórica do que irmãos Seto. Na Edrel surgiu a
propriamente analítica, com o livro personagem Maria Erótica,
podendo ser estruturado em três criação de Cláudio Seto, cujas
eixos. Um primeiro, e principal, “aventuras misturavam aventura,
que trata da criação e evolução da erotismo, humor e mistério, e
Grafipar dentro do contexto foram publicadas entre 1970 e
histórico brasileiro, um segundo 1972, em diversas revistas” (p.21).
eixo tendo como base uma série Discordâncias sobre os rumos

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editoriais e a crise do papel, que em 1979. O sucesso foi fundamen-
precisava ser importado do Cana- tal para o surgimento de revistas
dá, forçaram o fechamento da como a Próton (de ficção cientí-
Edrel. Havia também intensa re- fica), a Neuros (de terror), Kial
pressão aos quadrinhos, com uma (artes marciais) e a Perícia (com
discussão sobre valores tendo por histórias policiais), todas com
base o livro “A Sedução dos Ino- liberdade artística desde que
centes” (Fedric Wertham), que inserida numa linha editorial que
resultou no fechamento de outras pedia ao menos 30% de conteúdo
editoras. Iniciou-se uma repressão com abordagem mais sexual.
não apenas ideológica mas do Importante ressaltar que as
conteúdo erótico, sobre o que histórias tendiam muito mais para
poderia ser publicado nas revistas. o romântico inicialmente, e o
Neste desdobramento de erotismo em boa parte não era
acontecimentos surgiu em algo chocante, até porque
Curitiba a Grafipar, com revistas conteúdo explícito ainda era
destinadas a um público mais reprimido pelos censores.
popular. O autor dedica um Em 1979, após uma
capítulo para falar sobre o início pesquisa de mercado, revelou-se
da editora e a importância de um promissor quadro para a
Faruk El Khatib, chamado pelo produção de quadrinhos nacionais
Pasquim de “o Hugh Hefner dos e um aumento do interesse do
pobres”, em referência ao criador público por diversos gêneros.
da Playboy. A revista de maior Houve a consolidação de um
sucesso chamava-se Peteca, grupo de talentos brasileiros e
publicação inicialmente com fotos diversas reuniões ocorreram sobre
pudicas de mulheres que evoluiu os rumos dos quadrinhos no
para o nu frontal após a liberação Brasil. Uma das metas era o
pela censura. A primeira oferecimento de uma produção
experiência de quadrinhos constante e diversificada, como
nacional da Grafipar surgiu na forma de limitar o espaço para os
revista Personal, e a produção “enlatados” estrangeiros, cujos
evoluiu sensivelmente na revista agentes editoriais já sondavam as
Eros, transformada em carro- editoras em busca de espaço para
chefe da editora, com “histórias suas criações. Há um
urbanas, com crítica social e de nacionalismo exacerbado nas
costumes” (p. 31). O sucesso novas revistas e histórias em
levou a criação de uma linha de quadrinhos da Grafipar de um
gibis eróticos com os talentos de modo a promover a produção
Cláudio Seto, Carlos Magno e nacional, como na definição de
Júlio Shimamoto. “Meia Lua: O Rei da Capoeira”
Uma importante fase foi a como “uma resistência de nosso
da diversificação de títulos e subdesenvolvimento em busca de
gêneros da Grafipar. Por já existir nossas raízes culturais” (p. 47).
o registro da marca Eros por uma O auge da Grafipar
editora paulista, a revista passou ocorreu em 1981 e 1982. Houve
a se chamar Quadrinhos Eróticos uma tentativa de entrada no
e as vendas aumentaram chegan- mercado norte-americano com
do a 30 mil exemplares quinzenais uma revista em inglês chamada

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“Sexy Comics”. Após uma visita de publicações não renderam o es-
Faruk à redação de “Heavy Metal” perado, houve um desgaste
nos Estados Unidos, ta m b é m natural das publicações do gêne-
tentou-se uma parceria e troca de ro, e também um grande investi-
conteúdo, porém os americanos mento para trazer ao Brasil a
recusaram alegando que as Penthouse para concorrer com a
histórias em quadrinhos fugiam da Playboy, cujo resultado foi desas-
temática de ficção-científica. A troso para as contas da editora.
revista em inglês brasileira acabou Franco de Rosa também alega ra-
sendo produzida, com o melhor zões políticas por conta da editora
dos artistas brasileiros e com todo ter comprado um jornal que fazia
o exotismo nacional que pudesse oposição ao governo (p. 111). Foi
impressionar os estrangeiros. A o fim da Grafipar e de um projeto
publicação fracassou, em boa conjunto de artistas que ainda
parte, pelas dificuldades logísticas tentou, sem o mesmo sucesso,
de se enviar as edições por via buscar novos meios de
marítima. Sem uma parceria sobrevivência no mercado
concretizada, a Grafipar lançaria editorial nos anos seguintes.
“Xanadu, o universo em fantasia”, Os outros dois eixos da
no rastro da “Heavy Metal”. obra, sobre o conteúdo e os perfis
Promovida como uma revista com dos artistas permeiam todo o
a nata dos quadrinhos nacionais histórico da Grafipar. No capítulo
e internacionais (incluindo 7, “Roteiros”, há uma maior
Moebius e Crumb), as edições atenção ao desenvolvimento de
eram na verdade recheadas tramas e personagens e como o
somente com a nata do talento estilo pessoal dos artistas era
nacional produzindo material comumente encaixado estrategi-
obviamente inspirado no filme. A camente em publicações especí-
Grafipar chegava ao auge da ficas da editora. Temos, por
diversificação de temas com o exemplo, as histórias para o
intuito estratégico de atrair público gay ou a prostituta Lilybel
públicos diversificados. Havia um de Nelson Padrella; a preocupa-
pouco de tudo: humor, crítica ção social de Jorge Fischer, que
social, prostituição, personagens chegou a ser preso na ditadura;
gays (cujo interesse foi revertido o folclore nacional com Flávio
em revistas específicas para este Colin; ou mesmo o humor de
público) e almanaques diversos. Carlos Magno, que usava este
A crise veio dentro de um elemento “seja na história do
outro contexto brasileiro em 1982. homem educado que acaba
Apesar de abertura política lenta sempre apanhando ou no ídolo da
e gradual, a economia sofreu com juventude que na verdade é um
uma inflação alta e a grave crise anão monstruoso” (p. 94).
desencadeou uma decadência no O capítulo 6, “A Vila dos
mercado de quadrinhos, com Quadrinistas”, revela um dos
muitos de seus artistas precisando períodos de maior intensidade
mudar de ramo (como a publicida- criativa com a reunião de um
de) para sobreviver. Não apenas grupo de talentos nacionais em
a crise econômica foi responsável Curitiba, atraídos pelo carisma de
pela crise na Grafipar. Diversas Claudio Seto e a intensa

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produção da Grafipar. Franco de marcantes de suas vidas que
Rosa, Sebastião Seabra, resultaram em elementos impor-
Fernando Bonini, Watson Portela, tantes para uso em suas
I
t amar Gonçalves, Gustavo carreiras.
Machado, Rodval Matias, entre O autor, como roteirista e
outros da nata dos quadrinhos conhecedor da produção de
nacionais desembarcaram para histórias em quadrinhos, exalta o
viver em Curitiba, muitos deles aspecto humano e criativo do
vizinhos em um mesmo processo editorial, deixando
quarteirão. O convívio trouxe não lateralmente análises mais
apenas a amizade, mas a profundas dos momentos turbu-
formação de uma escola informal lentos, até porque as fontes
com troca de informações e dicas. ouvidas são os artistas. Porém,
O grupo conviveu bem até o o livro preenche uma lacuna
período da crise quando todos se importante da história editorial
separaram em busca de trabalho. brasileira, com tópicos antes
Tão importante quanto a somente citados genericamente
evolução histórica da editora, os por outros autores.
perfis são particularmente Portanto, dentro da
marcantes por ilustrar a realidade perspectiva de resgate histórico
social dos artistas. Flávio Colin, da da produção nacional e de
revista “Sertão e Pampas”, revela perfilar artistas, o livro é
o preconceito que havia em igualmente uma contribuição
trabalhar com quadrinhos, importante para compreender,
chegando a omitir o que fazia da ainda que não de forma densa,
família – “costumo dizer que meus como os movimentos da política
pais fizeram o artista e perderam e da economia influem nas
o espetáculo” (p. 43). Na fase mais posturas editoriais no Brasil. A
explícita da Grafitar, diversos história da Grafipar, suas
artistas passaram a usar pseudô- inspirações, ideais e convivência
nimos. O autor descreve as ori- artística, revelam aspectos
gens de artistas como Cláudio importantes não apenas das
Seto, Júlio Shimamoto, entre histórias em quadrinhos, mas da
outros, trazendo características cultura brasileira.

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