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OS FANZINES E FANZINEIROS DOS COMICS NORTE-AMERICANOS – DO

AMADORISMO À AUTORIA PROFISSIONAL, UMA SINERGIA CRIATIVA

Gazy Andraus

Pós-doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual - PPGACV da


Faculdade de Artes Visuais – FAV (UFG). Bolsista PNPD – CAPES

RESUMO

O fanzine despontou nos EUA a partir da década de 1930, com a temática da ficção científica (FC),
então tida como subliteratura. Inicialmente, os amadores escreviam contos e textos utilizando a
tecnologia do mimeógrafo e posteriormente a fotocopiagem, ampliando as temáticas para as
ilustrações, histórias em quadrinhos (HQs), charges e cartuns bem como veiculando em fanzines
aportes críticos acerca de FC, HQs, músicas etc. Dois fanzineiros que vieram a ser reconhecidos na
área dos quadrinhos eram Joe Shuster e Jerry Siegel, que elaboraram um conto de um personagem
que anos depois viria a ser conhecido como o Super-Homem. A partir de então, e com o
desenvolvimento do mercado de quadrinhos e ampliação do gênero superheroístico, fãs amadores
desta arte temática constituíram, em paralelo (paratopicamente), principalmente da década de 1960
em diante, seus fanzines com versões não oficiais como paródias e contos usando os super-heróis
das duas grandes editoras (Marvel e DC) e criando seus próprios personagens, dos quais alguns
vieram a ser abarcados ou reformulados no mercado oficial editorial. Alguns desses autores vieram
a ser famosos como Roy Thomas, Jim Shooter, Jim Starlin, Frank Miller dentre outros. Este
trabalho visa demonstrar: a) a importância do fanzinato também para a área editorial artística e
especializada das HQs; b) o potencial criativo inerente e essencial dos fanzines e c) um universo
paralelo desconhecido ao público, em que os autores por ele venerados singraram (e ainda singram)
pelo universo paratópico dos fanzines. O referencial principal da pesquisa advém de R.Guedes
(2008), S. McCloud (1995), T. Groensteen (2004) e G. Andraus (2017) dentre outros autores acerca
dos fanzines e comics.

PALAVRAS-CHAVE: Histórias em Quadrinhos; fanzines, fanzinato

INTRODUÇÃO

A questão da publicação de histórias em quadrinhos imiscui-se com a possibilidade


de reprodução independente dos fanzines, a partir de determinado período do século
passado.
Embora os fanzines tenham se iniciado em final da década de 19201, alguns
precursores das histórias em quadrinhos como Toppfler, trouxeram antes suas artes num
sistema predecessor de fotocopiagem, conforme esclarece Groensteen:

1
Mais especificamente em 1929.
Töpffer teve a ideia de buscar um processo de que nenhum outro artista se
serviria, então, um processo considerado indigno – o equivalente, para a
época, ao estêncil ou à fotocópia. A autografia, para chamá-lo pelo seu
nome, consistia em desenhar em um papel de transferência, papel especial
em cujo desenho, executado no local, poderia ser realizado ao inverso sobre
a pedra litográfica, em seguida, para a impressão de várias centenas de
cópias. (GROENSTEEN apud COSTA, p.51, 2016)

Assim, com este exemplo introdutório, este trabalho visa demonstrar: a) a


importância do fanzinato também para a área editorial artística e especializada das HQs; b)
o potencial criativo inerente e essencial dos fanzines e c) um universo paralelo
desconhecido ao público, em que os autores por ele venerados singraram (e ainda singram)
pelo universo paratópico2 dos fanzines.

Pois que o fanzine se torna importante à medida que é uma revista gerada pelo fã de
determinado assunto, quer seja de cinema, de música, de poesia ou história em quadrinhos,
que disserta acerca de seu objeto de paixão, ou ainda, atualmente, um veículo de expressão
e vazão do autor apaixonado por determinado assunto, que não tem outro modo de divulgar
suas idéias (ANDRAUS, 2006, p. 192).

BREVE HISTÓRICO DOS FANZINES

Há uma proximidade muito grande entre os fanzines e a ficção científica (FC). A


literatura da ficção científica era tratada como subliteratura no início do século XX. Assim,
os fãs desta literatura acostumaram-se a criar seus contos, e, para que conseguissem
publicá-los e fazer intercâmbios, desenvolveram um tipo de boletim datilografado e
mimeografado. Os dados de pesquisas mais atualizados apontam como o ano de 1929 sendo
a data da criação do primeiro fanzine de que se tem notícia (MAGALHÃES, 2018). O nome
fanzine ainda não existia, mas a publicação que era um tipo de boletim passava a ser
disseminada aos poucos e a atravessou na década de 1930, chegando até o ano de 1940,
somente sendo então quando seria denominada por Russ Chaveunet de fanzine, um
neologismo que ele criou contraindo duas palavras em inglês: fan mais magazine, cujo
significado literal seria a revista do fã. Retomando, sua criação que se deu em 1929 foi

2
Zavam (2004) expõe que a paratopia é a possibilidade de existirem formas de expressão que seriam tidas
como marginais, não oficiais,pela sociedade. Logo, existiriam paratopicamente, ou seja, não existindo
oficialmente, mas coabitando ao mesmo tempo.

2
idealizada pelo jovem Jerry Siegel que trouxe o primeiro fanzine chamado Cosmic Stories.
Siegel, posteriormente, junto a Joe Shuster, veio a cocriar o personagem Superman. Já em
1930, Ray Palmer criou o The Comet para o Science Correspondance club e Alllen Glasser
desenvolveu o The Planet para o The New York Scienceers (MAGALHÃES, 2018).
Os fanzines (ou também chamados simplesmente de zines) se espalharam então pelo
mundo, graças principalmente ao punk e rock da Inglaterra e EUA, ampliando seu alcance a
partir dos anos de 1960 e 70 em diante, expressando idéias e informações adjuntas de
variados temas e assuntos, de forma livre e independente, graças ao seus baixos custos, por
serem geralmente rodados inicialmente em mimeógrafos e depois em fotocopiadoras, sendo
divulgados através dos correios, e/ou, atualmente, também na web (internet). No Brasil,
aportaram em 12/10/1965, pelo fanzine mimeografado “Ficção” de Edson Rontani, que
trazia textos e imagens sobre histórias em quadrinhos (HQs) de ficção científica, como
Flash Gordon e seu autor. Nas décadas de 1980 e 1990, com a expansão e barateamento das
máquinas reprográficas (“xerox”) que substituíram as de mimeógrafo, o número de fanzines
se alastrou pelo mundo, e no Brasil se tornou o carro-chefe das publicações de quadrinhos
independentes, já que a editoria oficial não cedia espaço aos quadrinhistas tupiniquins.
Desta maneira, sabe-se que os fanzines, embora existam como opções não oficiais, portanto
paratópicas3, inexistem como publicações oficiais (comerciais), num interessante paradoxo
no tecido social e comercial auxiliando a todos que queiram, a publicarem seus trabalhos,
sejam artísticos e\ou textuais – pois os zines trazem tanto textos, crônicas e contos, bem
como poesias, ilustrações, charges, HQs e igualmente artigos e entrevistas, numa também
possível mescla de todos, ou separados por temas e expressões, a depender das vontades de
seus faneditores.

Fanzineiros nos EUA e sua contraparte brasileira

Embora nos EUA as publicações amadoras existissem como opção de autores


novatos e amadores, que depois se lançariam às editoras oficiais do mainstream (e no Japão
e França, de forma similar), no Brasil esta situação era distinta nas décadas de 1980 e 1990.

3Paratopia, então, é um conceito de algo que está em um lugar paralelo, mas não oficial (como o fanzine) a outro que
existe oficialmente (como as revistas e livros vendidos).

3
Naquele período, além da dificuldade em se publicar nacionalmente (de maneira
oficial), havia no país uma inflação exponencial que solapava quaisquer tentativas de
estabilização econômica, o que também agravava o quadro geral, incluindo o de
subsistência no Brasil. Com isso, já que as publicações oficiais de quadrinhos traziam
autores estrangeiros (em geral norte-americanos), muitos dos autores amadores nacionais
conseguiam inserir suas artes publicando-as nos fanzines.
Eis que, a este paralelo (guardadas as devidas proporcionais editoriais dos EUA e
Brasil), ver-se-á que os autores norte-americanos, como Jim Starlin, Roy Thomas e outros,
percorreram caminhos pelo fanzinato norte-americano e depois entraram nas grandes
editoras. Distinto, portanto, do mercado nacional, mas importante como subsídio de
informações, já que muitos autores daquelas gerações setentistas e oitentistas influenciaram
os próprios leitores brasileiros também (e muitos destes, artistas amadores e fanzineiros), e
que, apesar de não haver uma indústria de HQs de super-heróis aqui, acabaram singrando
por outros caminhos da Nona Arte, inicialmente nos fanzines e depois profissionalmente,
como Laudo Ferreira e André Diniz, os irmãos Fábio Bá e Gabriel Moon e mesmo Edgar
Franco, dentre outros. Embora não seja este o tópico do artigo, mister se fez mencionar este
capítulo da história da HQB4 pelas influências e pelo caminho similar a que foi levado o
fanzineiro em geral (incluindo o brasileiro).

A influência inicial pela ficção científica (FC)

O início do fanzine teve motivação por jovens amadores que escreviam seus contos
de ficção científica, influenciados pela revista “Amazing Stories” (lançada em abril de 1926
pela editora Experimenter Publishing de Hugo Gernsback, tendo a revista ajudado a definir
o novo gênero da ficção pulp” (AMAZING, s/d.) (fig. 1).

4
História em Quadrinhos brasileira.

4
Figs. 1, 2 e 3: Fanzines iniciais de FC: The Comet e Amazing Stories. Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Amazing_Stories e http://zinefestpt.wordpress.com/2015/08/10/zine-and-do-
it/
.
Já o fanzine pioneiro “The Comet” de 1930 (figs. 2 e 3), de Raymond Arthur
Palmer, se tornou célebre a ponto de influenciar com seu nome o personagem de super-
herói Elektron, batizado de Ray Palmer por seu criador Gardner Fox (GUEDES, 2014, p.
46-50). Mas Guedes (2014, p. 46-50) explica que foi Forrest J. Ackerman que cunhou o
termo sci fi, em 1932, com os amigos Mort Weisinger e Julius Schwartz, tendo editado o
fanzine Time Travel, enquanto Schwartz editou revistas de publicação baratas (as pulp
magazines) e posteriormente com a chancela da DC Comics editou o Fantasy Magazine.
Outro fanzine interessante foi o “Star Studded Comics (1947), tendo este título tido “três
publicações relacionadas, incluindo uma de quadrinhos da era de ouro, um fanzine de HQ e
uma revista de história em quadrinhos moderna em homenagem às anteriores5” (STAR
Studded Comics, s/d, tradução nossa).
Fã dos mais ativos de quadrinhos, além de grande influenciador no início do
fanzinato (fandom), foi o bombeiro e escritor amador de apelido “Biljo” (Bill J. White) que
começou com a Komix Illustrated em 1962, tendo sido co-criador do personagem "The
Eye", do qual desenhou muitas tiras e foi diretor de arte do fanzine (ou prozine6) Alter Ego,
bem como editor do The Comiccollector, The Stripper, dentre outros fanzines. The Eye, seu
personagem, foi um combatente bizarro com um olho que era uma cabeça. Já Alter Ego foi
um prozine, ou uma revista de história em quadrinhos dedicada aos criadores dos períodos
conhecidos como Era de Ouro e Era de Prata: “A revista surgiu como um fanzine por Jerry
Bails em 1961, e, posteriormente foi assumida por Roy Thomas sendo atualmente é

5
No original: Star Studded Comics is the name of three comics-related publications, including a comic from
the Golden Age of Comics, a comics fanzine and a modern comic homage to the previous.
6 Obs: há uma denominação menos utilizada como “Prozines” aos zines que se apresentam com melhor qualidade de
impressão e papel tendendo a um certo “profissionalismo” (cuidados editoriais como uma revista independente com
postura profissional). Muitas vezes são fanzines feitos por profissionais da área, por exemplo, dos quadrinhos. Se ela vier a
se tornar oficial, com distribuição e objetivo de lucro, pode também passar a ser uma revista.

5
Fig. 4: The Eye. Fonte: https://www.budsartbooks.com/the-best-of-star-studded-comics-signed-8979.html
.

publicada pela editora TwoMorrows Publishing” (ALTER EGO, s/d). Thomas se tornou um
célebre roteirista de histórias em quadrinhos de temática dos super-heróis, tendo escrito
arcos clássicos, inclusive para os Vingadores e outros personagens. Outros autores
celebrados, como Thomas, advieram dos fanzines, como se verá a seguir.

Autores de fanzines norte-americanos

Como já se apontou, dois fanzineiros vieram a ser reconhecidos na área dos


quadrinhos norte-americanos, em seus primórdios, que eram Joe Shuster e Jerry Siegel, ao
pré-elaborarem conceitos em seus fanzines, que depois usariam para criar o Superman. A
partir de então, e com o desenvolvimento do mercado de quadrinhos e ampliação do gênero
superheroístico, fãs amadores desta arte temática constituíram, em paralelo
(paratopicamente7), principalmente da década de 1960 em diante, seus fanzines com
versões não oficiais como paródias e contos usando os super-heróis das duas grandes
editoras (Marvel e DC) e também criando seus próprios personagens, dos quais alguns
vieram a ser abarcados ou reformulados no mercado oficial editorial. Alguns desses autores
vieram a ser famosos como o já mencionado Roy Thomas, bem como Jim Starlin, Frank
Miller dentre outros, conforme se verifica:
Um caso curioso é o de Jim Shooter. Em 1975, com 13 anos, ele já
escrevia e criava os layouts das HQs da Legião dos Super-Heróis para a
DC, mas logo se aventurou também pelo circuito alternativo escrevendo e
desenhando a história do Infernal enxofre (Brimstone), em Sense of
Wonder 4 (1967). Anos depois, Shooter se tornaria editor e criaria

7
Segundo Zavam (2004) a paratopia apresenta uma possibilidade de formas de expressão que existem em
paralelo como marginal à oficialidade que a sociedade aceita existir, não as reconhecendo.

6
algumas revoluções, e muitas polêmicas na Marvel. (GUEDES, julho de
2014)

Marv Wolfman e Len Wein, dois autores que despontaram posteriormente nas
grandes editoras Marvel e DC Comics, desenvolveram nos fanzines o personagem Black
Nova (rebatizado depois por Nova), publicado em seu fanzine Super Adventures em 1966,
via mimeógrafo . (GUEDES, julho de 2014).
Havia também autores que publicavam ou contribuíam a outros fanzines (ou
prozines), como Bob Layton e Al Milgron, bem como Rick Buckler, que era oriundo dos
fanzines e mimetizava com facilidade traços de outros autores como Gil Kane ou Neal
Adams (GUEDES, 2008). Porém, autores mais reconhecidos como Jim Steranko (fig. 5) e
Neal Adams também colaboraram nos fanzines, com ilustrações e pin ups como em Alan
Light's All Dynamic Special Fanzine de 1971.
Wally Wood, grande artista e um dos pilares iniciais da revista Mad, fez seu próprio
fanzine (ou, neste caso, prozine) batizado por ele como “Witzend” (de 1966) tendo recebido
colaboração de vários autores como Steve Ditko, Frank Frazetta dentre outros (WITZEND
FANZINE; 21/03/2014).

Figs. 5, 6 e 7: Jim Steranko e arte para Comic Crusader 3, Scott McCloud e arte para BCCR e Frank Miller
em um de seus trabalhos iniciais num fanzine. Fontes: 5:
https://br.pinterest.com/pin/321092648404542473/?lp=true 6:
http://voiceofodd.blogspot.com/search/label/Rocket%27s%20Blast%20Comic%20Collector; 7:
7
https://www.cgccomics.com/boards/topic/214164-fanzine-frank-millers-first-work/
Figs. 8, 9 e 10: Dr. Weird desenhado por Jim Starlin. Fonte: https://comicbookhistorians.com/1969-to-
1972-early-jim-starlin-fanzine-arts
.
Da atualidade, Scott McCloud (fig. 6), quadrinhista teórico idealizador do livro
Desvendando os Quadrinhos (dentre outros), trabalhou junto de Kurt Busiek em fanzines,
em especial na década de 1990 no fanzine RBCC – Rocket’s Blast Comic Collector,
trazendo a série “The mutant handbook”8 recriando HQs de X-Men e pin-ups, tendo o
fanzine durado de 1964 a 1983.
Autores como Steve Ditko, Dave Cockrum e Jim Starlin são considerados também
parte dos grandes artistas do universo dos super-heróis. Neste caso, Jim Starlin, em 1969
iniciou como amador no Star Studded Comics 16, em 1969, uma revista amadora (então,
um fanzine) contendo seus trabalhos iniciais (bem como também artes de Ditko e
Cockrum). Starlin, especialmente, desenhava para a arte-final de Howard Keltner na Star
Sudded Comics e no início da década de 1970 começou a trabalhar com o personagem Dr.
Weird (figs. 8, 9 e 10) de Keltner junto ao escritor George R.R. Martin (GRAND,
21/10/2016). O curioso que no início de carreira, as HQs de Starlin já traziam muito das
epopéias cósmicas e das questões filosóficas de vida e morte, tendo Starlin aparentemente
influenciado numa de suas narrativas em fanzines, o final do primeiro longa-metragem da
cássica série original cinematográfica Planeta dos Macacos, conforme assevera Grand
(21/10/2016).
A seguir, uma interessante entrevista dada por Starlin, que desvela um pouco mais
de sua época como fanzineiro:
Entrevista (trecho) com J. Starlin e Al Milgron:
CBA: [para Jim] Quando você começou a contribuir para fanzines?
Jim: Bem, Allen me ligou a fanzines.
Allen: Realmente? Eu não lembro disso.
Jim: Caso contrário, eu não teria nenhuma saída. Allen fez seu primeiro
trabalho de fanzine em algum lugar durante o ensino médio, então eu fiz
uma série de contribuições para eles quando eu estava no serviço. Nós não

8 http://voiceofodd.blogspot.com/2019/07/mutants-walk-among-us.html

8
fizemos um para a Star-Studded Comics quando eu estava no colegial?
CBA: Isso foi para Buddy Saunders?
Allen: Sim, o Texas Trio.
Jim: Nós fizemos "The Defender" e "Doctor Weird", e então, quando
consegui o trabalho, fiz mais alguns "Doctor Weirds" e duas edições de
uma coisa chamada The Eagle. [...]9 (TWOMORROWS. tradução nossa).

Autores afamados como Frank Miller (fig. 7) e Alan Moore também se iniciaram
nos fanzines, bem como outros autores como Paul Chadwick e Mark Verheiden (que depois
veio a se tornar produtor da série televisiva Smallville10). Miller participou como membro
do fanzine APAfive, nº39, lançado em 1974 e Moore começou escrevendo para fanzines
como Anon e Black Street Bugle (GAGLIONI, 23/07/2019), em 1978, e depois fez carreira
vertiginosa principalmente na DC Comics escrevendo para o Monstro do Pântano e criando
V de Vingança e Watchmen.
Além de autores amadores que se profissionalizaram publicando suas artes, outros
nomes criaram fanzines (ou prozines) abalizados pelas grandes editoras norte-americanas,
como Marvel e DC: Foom, revista de fãs produzida pela Marvel em meados da década de
1970, teve 22 números, foi inicialmente editada por Jim Steranko (FOOM, s\d) e Amazing
World da DC que teve 17 números, publicada também na década de 1970, apresentando
personagens da editora e seus criadores11.

Autores fanzineiros em outros países

No Brasil, o fanzine clássico “QI”, idealizado por Edgard Guimarães, que traz
divulgação de fanzines e revistas independentes, além de textos, seção de cartas e outros,
funcionava por assinatura anual e atualmente é disponibilizado gratuitamente em pdf pelo
site da editora Marca de Fantasia12. Nele começaram alguns autores brasileiros que na

9
No original: CBA: [to Jim] When did you start contributing to fanzines? Jim: Well, Allen turned me on to fanzines.
Allen: Really? I don't remember that. Jim: Otherwise I would not have had any outlets whatsoever. Allen did his first
fanzine work somewhere during high school, then I did a series of contributions to them when I was in the service. Didn't
we do one for Star-Studded Comics back when I was in high school? CBA: Was that for Buddy Saunders? Allen: Yeah,
the Texas Trio. Jim: We did "The Defender" and "Doctor Weird," and then when I got into the service, I did a few more
"Doctor Weirds," and two issues of this thing called The Eagle.[…]
http://twomorrows.com/comicbookartist/articles/18cosmic.html
10
https://www.worthpoint.com/worthopedia/early-comics-art-by-frank-miller-apa-5-apafive
11 https://dc.fandom.com/wiki/Amazing_World_of_DC_Comics_Vol_1_12
12 https://marcadefantasia.com/revistas/ego/qi.html

9
atualidade são profissionais (embora na área dos quadrinhos de super-heróis), como Laudo
Ferreira, André Diniz e Edgar Franco.
Na Inglaterra, o fanzine KA-Pow teve 2 edições, entre 1967\68 e foi impresso em
uma máquina Ditto machine (que nos EUA se chamava Banda Duplicator e coexistia com a
máquina de mimeógrafo), que usava um álcool colorido com cheiro forte e podia ser usado
apenas para imprimir poucas impressões (DEZSKINN s\d), enquanto que na França, houve
o prozine “Pulps” do início da década de 1970:
“O fenômeno cultural dos fanzines se espalhou por vários países. O
precursor na Inglaterra foi Novae Terrae (1936), enquanto Giff-Wiff
(1962) é considerado o primeiro fanzine sobre quadrinhos lançados na
França e se tornou uma luxuosa revista escrita por intelectuais como o
cineasta Alan Resnais. (GUEDES, 2014, p8)
E em Portugal
a produção de fanzines (ou fanedição, como se diz) teve início em 1944
com a publicação de O Melro. No Japão, antes de emplacar seu Astro
Boy, Osamu Tezuka editava Com, um fanzine de 300 páginas, repleto de
artigos sobre HQs de ficção científica”. (GUEDES, 2014, p8)

O própio Roberto Guedes, fã de quadrinhos de super-heróis, lançou o fanzine


Gibilândia em 2001, como um zine teórico sobre quadrinhos, trazendo reportagens, dossiês,
e teve 3 números. Recentemente, e a partir de um grupo virtual de quadrinhos via gmail
(chamado GB), Guedes retomou recentemente o gibilândia (GUEDES, s\d), que já está no
quarto número, trazendo HQs raras com autores reconhecidos e outras histórias e textos
feitos igualmente por autores amadores nacionais, incluindo o próprio Guedes (que já criou
o personagem Meteoro).

CONSIDERAÇÕES
Os fanzines surgiram como meio dos amadores da literatura de FC escreverem seus
próprios textos e de intercambiar informações com outros fãs.
Espalharam os fanzines pelo mundo como forma de promover o intercâmbio de ideias e de
criação e seus temas se difundiram, tanto para os fanzines de artigos como para os de artes
como HQs e de divulgação.
Neste artigo, centrou-se foco nos fanzines (e prozines) elaborados por amadores,
principalmente os que viriam a se tornar autores de quadrinhos do mainstream norte-

10
americano, tais como Marv Wolfman, Jim Starlin, Frank Miller e outros, inlcluindo alguns
de nacionalidades distintas como da Inglaterra, França, Portugal e até Brasil.
Com isto se demonstra a importância do fanzinato (e dos fanzines) como
experiências que servem de desenvolvimento autoral ao profissionalismo, mas não só;
servem os fanzines também como laboratórios de criação e até de manutenção da
criatividade, pois muitos autores ainda singram pelo meio alternativo, como no Brasil,
Roberto Guedes (com seu personagem “Meteoro” e seu fanzine de nova edição
“Gibilândia”).
O artigo também descortina um universo paralelo desconhecido ao público leitor –
em especial o acadêmico brasileiro que pode ter estado em contato com os quadrinhos
norte-americanos e talvez desconheça o potencial fanzineiro alavancador do
desenvolvimento profissional e criativo dos autores de HQs de ficção científica e super-
heróistica, dentre outros, conforme se viu aqui, por exemplo com Jim Starlin. Alguns desses
autores vieram a ser famosos como Roy Thomas, Jim Shooter, Jim Starlin, Frank Miller
dentre outros.
Assim, este trabalho visou demonstrar:
a) a importância do fanzinato também para a área editorial artística e especializada das
HQs;
b) o potencial criativo inerente e essencial dos fanzines e
c) um universo paralelo desconhecido ao público, em que os autores por ele venerados
singraram (e ainda singram) pelo universo paratópico dos fanzines.
Espera-se que futuramente pesquisadores explorem com mais amplitude a vertente dos
fanzines, pois decerto sempre foram um esteio e laboratório para o desenvolvimento de
variadas áreas, em especial a de histórias em quadrinhos, como se demonstrou neste artigo.

Referências bibliográficas

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Alter_Ego_(revista)> Acesso em 09/06/2019.

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<https://pt.wikipedia.org/wiki/Amazing_Stories> Acesso em 09/06/2019.

11
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de doutorado - Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

COSTA, Lucas Piter Alves. Uma análise do discurso quadrinístico: práticas institucionais e
interdiscurso. Tese de doutorado em Estudos Linguísticos da facudade de Letras da Universidade
federal de Minas Gerais, 2016. Disponível em < http://hdl.handle.net/1843/MGSS-ACENCR>
Acessado em 10\09\2019.

DEZSKINN. Fanzines. Disponível em: < http://dezskinn.com/fanzines/>. Acesso em 05/08/2019.

FOOM. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/FOOM>


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GAGLIONI, Cesar. Por que Alan Moore foi tão importante para as HQs. NEXO Jornal.
23/07/2019. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/07/21/Por-que-Alan-
Moore-foi-t%C3%A3o-importante-para-as-HQs?fbclid=IwAR0eEsumHr_i65X54A-
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GRAND, Alex. 1969 To 1972 Early Jim Starlin Fanzine Art. In: Comic book historians. An online
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GUEDES, R. Era de bronze dos super-heróis. São Paulo: HQM, 2008.

GUEDES, R. A história dos fanzines. Mundo dos Super-Heróis. Nº 57. São Paulo: Ed. Europa,
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