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NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESTUDOS CLÁSSICOS

RELATÓRIO DE ACTIVIDADES
DO ANO LECTIVO DE 1970-1971

Em conformidade com os Estatutos, reuniu-se em 30 de Novem-


bro de 1970 a Assembleia-Geral da Associação Portuguesa de
Estudos Clássicos, a rim de eleger a Direcção para o ano lectivo
de 1970-1971.
Na ausência do Tesoureiro cessante, que por motivo de doença
só pôde comparecer mais tarde, o Prof. Doutor Américo da Costa
Ramalho leu o relatório das contas do ano findo. Este relatório foi
aprovado.
Por proposta do Dr. José Marques Pereira, foi reeleita a Direcção
do ano anterior.

Na primeira sessão, realizada em 16 de Dezembro, o Dr. Jorge


de Alarcão falou sobre As escavações de Conímbriga. Após um breve
excurso sobre a cultura material das povoações lusitanas do baixo
Mondego antes da chegada dos Romanos, referiu os factos mais salientes
da história de Conímbriga, expôs os resultados principais obtidos nas
campanhas arqueológicas anteriores e sublinhou o interesse dos últimos
achados.
A lição foi ilustrada com numerosos diapositivos. O Dr. Jorge
de Alarcão deu ainda alguns esclarecimentos complementares, que
lhe foram solicitados pelo Prof. Doutor Costa Ramalho e por vários
alunos.
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482 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

Um símbolo helenístico: o Ciclope de Teócrito foi o tema da comuni-


cação apresentada em 28 de Janeiro de 1971 pelo Prof. Doutor Manuel
de Oliveira Pulquério. Através de uma análise dos idílios VI e XI,
procurou demonstrar que o Ciclope desenhado pelo poeta siracusano
se opõe fundamentalmente aos Ciclopes da tradição, fixados por
Homero e por Eurípides. No caso de Teócrito, poderia afirmar-se
que o nome de Polifemo é uma máscara bucólica de que o poeta se
serve para representar um amoroso da época helenística.
Na troca de impressões que se seguiu, intervieram os Professores
Doutores Costa Ramalho, Hamilton Elia e Giacinto Manuppella,
bem como o estudante Francisco António Gomes Pais Monteiro,
que trouxeram ou provocaram subsídios sobre a projecção do tema
dos Ciclopes nas literaturas latina, italiana, espanhola, portuguesa e
brasileira. O Prof. Doutor Costa Ramalho sugeriu, a propósito,
uma revisão (que poderia fazer-se nas comemorações do IV centenário
da publicação de Os Lusíadas) das fontes do episódio camoniano do
Adamastor; e o Prof. Doutor Manuel Pulquério deu informações
sobre o paralelismo do tema noutras línguas e noutras religiões, bem
como sobre interpretações alegóricas e psicologistas que o mesmo
tem suscitado.

Na sessão de 17 de Fevereiro, o Prof. Doutor Américo da Costa


Ramalho apresentou uma comunicação intitulada O poema «De supersti-
tionibus Abrantinorum» de Pedro Sanches. Depois de mostrar as
relações que existem entre esta composição e a sátira XV de Juvenal,
pôs em relevo a semelhança de opiniões que se observa entre Pedro
Sanches e Erasmo, acerca de atitudes censuráveis do catolicismo
da época.
Referindo-se ao tema versado, o Padre Dr. José Geraldes Freire
confirmou o rigor da descrição de Abrantes; sublinhou a beleza lite-
rária da mesma; e declarou que as rivalidades satirizadas no poema
ainda hoje se mantêm entre as freguesias de São João e São Vicente.
Em comentário a uma observação do Prof. Doutor Manuel Pulquério
sobre a utilização do maravilhoso pagão em poema que atacava as
superstições, o Prof. Doutor Costa Ramalho, a Prof.a Doutora Maria
Helena da Rocha Pereira, o Dr. Aníbal Pinto de Castro e o Dr. Geraldes
Freire deram exemplos da naturalidade com que, desde a Idade Média
até ao século xvni, se empregavam, referidos a Deus, aos santos, aos
monarcas, termos pagãos do tipo de Iuppiter, Tonans, diuus, caelites.
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A Dr. a Maria José Moura Santos sugeriu possíveis relações de Pedro


Sanches com gramáticos espanhóis do tempo; e o Prof. Doutor Costa
Ramalho aludiu ao interesse que haveria em estudar a figura do gramá-
tico quinhentista Estêvão Cavaleiro.
O Prof. José van den Besselaar, director do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de Nimega, leu, na sessão de 10 de Março,
uma comunicação sobre Humanitas Romana. Ocupou-se das origens
do helenismo em Roma, da reacção dos tradicionalistas (encabeçada
por Catão), da influência do círculo dos Cipiões, criador de um «novo
humanismo»; definiu o conceito de humanitas, tal como foi elaborado
por esse círculo e integrado pela contribuição de Cícero, de Gélio e
de outros autores; e salientou a acção dos gregos Políbio e Panécio
na formação de um novo conceito de história e de pensamento.
Seguiu-se uma troca de impressões entre os Professores Besselaar,
Costa Ramalho, Maria Helena da Rocha Pereira e Manuel Pulquério
sobre o significado da helenofobia em tradicionalistas como Catão
e Juvenal, e sobre a eventual presença de elementos religiosos no con-
ceito de humanitas.

Hélène dons la legende et dans la pensée foi objecto de uma comuni-


cação da Doutora Jacqueline Duchemin, professora da Universidade
de Paris. Depois de mostrar a popularidade do tema entre os Gregos
— documentado na pintura vascular e na poesia épica, lírica, dramá-
tica, na história como na oratória —, estudou os aspectos por que
foi encarado em Homero, Estesícoro, Eurípides e Teócrito. Observou,
por último, que o poeta siracusano conservou, afinal, a verdade mais
antiga sobre Helena, senhora da vegetação, hipóstase da grande Pótnia
mediterrânica, personagem sagrada, que ninguém pode condenar,
porque é uma verdadeira deusa.
No comentário final da comunicação, o Prof. Hamilton Elia
aludiu à presença de Helena na poesia brasileira e o Prof. Doutor
Manuel Pulquério ao tratamento do tema em Estesícoro e em Eurípides.

Na sessão de 30 de Abril, a Dr. a Maria Margarida Pérez Brandão


ocupou-se de Duas orações de Catalão Sículo. Começou por indicar
que a primeira destas orações foi proferida em 1490, na cidade de Évora,
durante a solene recepção da princesa D. Isabel, noiva do infante
D. Afonso, filho de D. João II; a outra, escrita entre 1501 e 1504,
deveria ter sido pronunciada (mas possivelmente nunca o foi) na ceri-
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mónia de boas-vindas da vila de Santarém à rainha D. Maria, segunda


mulher de D. Manuel I. Referiu-se depois às circunstâncias históricas
em que se inserem as duas orações do humanista siciliano; apreciou
o seu conteúdo, nutrido — segundo o gosto da época — por ditirâm-
bicos encómios das pessoas reais; analisou o elogio de Santarém,
que figura na segunda dessas orações; e aludiu à influência que o mesmo
exerceu noutros autores.
Ao apreciar a comunicação, o Prof. Doutor Costa Ramalho mani-
festou a sua concordância com algumas observações da autora sobre
a data do segundo discurso, possivelmente anterior a 1504, uma vez
que Isabel, a Católica, morta nesse ano, é dada ainda como viva;
mostrou-se pouco inclinado a admitir a possibilidade, sugerida pelo estu-
dante Francisco António Gomes Pais Monteiro, de a oração ter sido
emendada depois da morte da soberana espanhola, porquanto o huma-
nista Cataldo se não preocupa muito com actualizar referências históri-
cas; e explicou a omissão, estranhada pelo Padre Dr. José Geraldes
Freire, do nome do orador siciliano na descrição da cerimónia de recepção
a D. Isabel em Évora como provável atitude de malevolência do cronista
contra o estrangeiro que usurpara o lugar devido a um português.

O Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho apresentou, em 28 de


Maio, uma comunicação sobre O «Prologus» de Estêvão Cavaleiro.
Salientou que a Ars Virginis Mariae deste gramático português, publi-
cada em 1516, se insere em um movimento de reacção contra a tradição
medieval representada pelos livros de Pastrana — nomeadamente o
Baculus caecorum, reeditado em 1497 por António Martins e Pedro
Rombo —, livros que, embora estivessem largamente divulgados na
Península, Estêvão Cavaleiro condena e ataca como fautores de bar-
bárie. O estudioso português reivindica o papel de pioneiro na ela-
boração de uma Ars grammaticae, inspirada na lição dos melhores
gramáticos latinos — Diomedes, Donato, Prisciano, e t c , que viva-
mente elogia —, e julga-se capaz, com o amparo dos homens bons
do seu tempo (Diogo Pacheco, Luís Teixeira, Francisco Cardoso,
Cataldo) de vencer e desterrar a hidra que se lhe opõe. Admite, porém,
que em tempos estudara e ensinara Pastrana (caecus ego cum caecis
certabam): mas agora rejeita um comentário dessa fase, o qual corre
com o seu nome, por iniciativa precipitada e não autorizada de um
aluno. O Prologus de Estêvão Cavaleiro permite, deste modo, afirmar
que o gramático tinha sido, a princípio, seguidor de Pastrana; que
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Pedro Rombo, apesar de discípulo de Cataldo, também o fora; e que,


no início do século xvi, o siciliano não era figura isolada no panorama
humanístico português: outros estudiosos havia, empenhados no
mesmo movimento.
No final, o Prof. Doutor Costa Ramalho deu vários esclareci-
mentos que lhe foram solicitados. Assim, a Prof.a Doutora Maria
Helena da Rocha Pereira, depois de algumas considerações sobre o
genus irritabile grammaticorum, indagou da existência de comentários
de Pastrana em Portugal; o Prof. Doutor Manuel de Oliveira Pul-
quério pediu informações sobre o conhecimento de Nebrissa por parte
de Estêvão Cavaleiro; os Professores Doutores Manuel de Oliveira
Pulquério e Walter de Sousa Medeiros aludiram à influência de Pérsio
e de Juvenal no estilo do gramático português; o estudante Francisco
António Gomes Pais Monteiro fez perguntas sobre o sentido da expres-
são fraterculus Gigantis, referida a Pedro Rombo, e sobre a data tradi-
cional da introdução do humanismo no nosso país; e o Dr. António
de Oliveira pediu indicações sobre a figura de Mestre João Vaz.

Uma visita de estudo, realizada em 20 de Agosto, encerrou — como


tem sido hábito ultimamente — o programa de actividades da
Associação durante o ano lectivo. Um numeroso grupo de profes-
sores, estudantes e personalidades diversas dirigiu-se à Casa de Sobre-
-Ripas, onde o professor de História da Arte em Portugal, da Faculdade
de Letras de Coimbra, Padre António Nogueira Gonçalves, falou
sobre as peculiaridades do manuelino da fachada da Casa de Baixo
e mostrou, depois de percorridas as salas do interior, a necessidade de
uma completa obra de restauro, que restitua ao edifício a sua traça
primitiva: obia que seria de grande interesse cultural, pois que se
trata de um exemplo valioso, e cada vez mais raro no nosso país, de
arquitectura civil do século xvi.

RELATÓRIO DAS ACTIVIDADES


DO ANO LECTIVO DE 1971-1972

Em 24 de Novembro de 1971, reuniu-se a Assembleia-Geral da


Associação, a fim de eleger a Direcção para o ano lectivo de 1971-1972.
O Tesoureiro cessante, Prof. Doutor Manuel de Oliveira Pul-
quério, apresentou as contas do ano findo, que revelavam um saldo
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total positivo. O Presidente cessante, Prof. Doutor Américo da Costa


Ramalho, louvou o Prof. Doutor Manuel Pulquério pela sua zelosa
administração. A este louvor se associaram todos os sócios presentes.
Por proposta do Prof. Doutor Giacinto Manuppella, foi reeleita
a Direcção do ano anterior. O Presidente reeleito, Prof. Doutor
Américo da Costa Ramalho, agradeceu, em nome da Direcção, a con-
fiança que à mesma era testemunhada. Estudou-se depois o programa
das próximas sessões, bem como o processo mais eficaz de assegurar
o interesse dos alunos pela inscrição como sócios da Associação.

Em 16 de Dezembro, o Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho


apresentou uma comunicação A propósito de Luísa Sigeia. Par-
tindo da análise de dois trabalhos recentes (1970) sobre a huma-
nista portuguesa — a edição por Odette Sauvage do Duarum uirginum
colloquium de uita aulica et priuata, e o artigo Recherches sur Luisa
Sigea de Léon Bourdon e Odette Sauvage —, expôs o tema do Collo-
quium, salientou que neste diálogo há referências pouco lisonjeiras
para a realeza, de que Sigeia era alumna, e indicou a sua provável
explicação. Ocupou-se, depois, do poeta egregius et philosophus
Britonius, mencionado na carta dirigida pela humanista ao papa
Paulo III, o qual não é Jerónimo de Brito — como pensaram Luís
de Matos e, na sua esteira, os autores do artigo —, mas sim o huma-
nista italiano Gerolamo Britonio, autor de um Ulysibonae .... carmen
de fraca inspiração. Aludiu, por último, à paradoxal atribuição,
hoje cabalmente rejeitada, da Sátira sotadica de Chorier à humanista
portuguesa, que, pelo contrário, tão severa se mostra com as pequenas
fraquezas da garridice feminina.
Na troca de impressões que se seguiu, e em que interveio princi-
palmente o Prof. Doutor Giacinto Manuppella, o autor da comuni-
cação referiu-se ainda à identificação de Britonio e a alguns erros de
vários investigadores, resultantes, por vezes, da utilização de citações
em segunda e terceira mão. Facto que tornava necessária e urgente
a publicação de algumas teses do Seminário de Latim da Faculdade
de Letras de Coimbra.

Na sessão de 27 de Janeiro de 1972, os quintanistas Virgínia da


Conceição Soares Pereira e Sebastião Tavares de Pinho — auxiliados, na
parte técnica das projecções, pela sua colega Maria Fernanda do Amaral
Soares — apresentaram e comentaram algumas dezenas de diapositivos,
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fotografias, postais e gravuras das paisagens e monumentos da Ática


(Atenas, Pireu, cabo Súnion) que haviam admirado durante a excursão
dos finalistas de Filologia Clássica, realizada em Agosto-Setembro
de 1971, à Itália e à Grécia.
Os mesmos quintanistas ilustraram, em 24 de Fevereiro, uma
nova série de diapositivos e estampas, desta vez sobre paisagens e
monumentos de Creta, Micenas, Epidauro e Delfos.

A elegia a Sílvia, de António Ferreira, foi objecto de uma comuni-


cação da Prof.a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, realizada
em 8 de Março. Depois de esclarecer as relações entre elegia e écloga,
aproximou a elegia a Sílvia de outras éclogas de Ferreira, apontou
coincidências ou reflexos em relação a Diogo Bernardes e a Camões,
apreciou aspectos de dependência no tocante a Virgílio, estudou o
problema das fontes gregas e concluiu que, na composição de Ferreira,
imitatio e uariatio ocupam o seu lugar.
Na habitual troca de impressões sobre o tema da comunicação,
o Dr. Aníbal Pinto de Castro exprimiu a opinião de que Ferreira,
mais do que Sá de Miranda, fora o verdadeiro mestre da arte poética
quinhentista. A Prof.a Doutora Rocha Pereira manifestou a sua
concordância e lembrou que fora Diogo Bernardes que imitara Ferreira,
e não vice-versa. O Padre Doutor José Geraldes Freire lembrou
que outros adynata, como os citados de Virgílio, figuravam no epodo XVI
de Horácio, mas a Prof.a Doutora Rocha Pereira insistiu em que lhe
parecia mais natural a procedência virgiliana. Quanto à origem do
nome de Sílvia — objecto de uma pergunta formulada pelo Prof. Dou-
tor Costa Ramalho —, declarou que poderia tratar-se de nome extraído
da tradição bucólica ou dotado de valor simbólico. E notou, a este
propósito, em concordância com uma opinião do Dr. Aníbal Pinto
de Castro, que a paisagem de Ferreira, ao contrário do que sucedia
com outros bucolistas do tempo, não poderia dizer-se muito povoada
de nomes mitológicos ou convencionais. O Prof. Doutor Costa
Ramalho lembrou que, no tempo de Ferreira, a elegia era, por alguns
aspectos críticos, aproximada por vezes da sátira, o que explicava
títulos como Elegia ou Sátira, usados indiferentemente para a mesma
composição, em André Falcão de Resende.

Na sessão de 24 de Abril, o Dr. José Ribeiro Ferreira apresentou


uma comunicação sobre A figura de Andrómaca em Eurípides. Depois
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de analisar sucintamente a estrutura de As Troianas e da Andró-


maca, estudou, nesta última peça, a figura da heroína, que mostrou
ser caracterizada por uma profunda fidelidade à memória do primeiro
esposo, Heitor.
Depois de felicitar o autor da comunicação, o Prof. Doutor Manuel
de Oliveira Pulquério lembrou a vantagem de acautelar a posição de
Eurípides em relação a Neoptolemo, porquanto, se é certo que Andró-
maca não ama o filho de Aquiles, tinha confiança na sua intervenção;
e, de qualquer modo, havendo intenção polémica contra Delfos, a
morte do herói deveria aparecer como um crime. O Dr. Ribeiro
Ferreira concordou em que não havia desenho, negativo de Neopto-
lemo, mas que, por outro lado, sem quebra da unidade da figura,
Andrómaca não poderia manifestar afecto pelo homem que a cons-
trangera a um indesejável casamento. Quanto ao problema da uni-
dade da peça — contestada, entre outros, por Norwood—, perguntou
o Prof. Doutor Manuel Pulquério se, no entender do Dr. Ribeiro
Ferreira, para tal unidade não resultariam prejuízos do aparente afasta-
mento de Andrómaca da cena e da transferência da acção para Delfos.
O Dr. Ribeiro Ferreira manifestou a convicção de que Andrómaca,
ao contrário de Hermíone, não chega a desaparecer da mente do espec-
tador e que o transporte da acção para Delfos ajuda a valorizar a
própria figura da heroína.
A uma pergunta da Prof.a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira
sobre o significado dos ornatos estilísticos na fala do Mensageiro,
que parecem próprios da tendência euripidiana para criar esses quadros
marginais de oratória, o Dr. Ribeiro Ferreira respondeu que, em sua
opinião, essa fala se destinava a evitar que Neoptolemo recebesse uma
caracterização negativa.
O Prof. Doutor Costa Ramalho lembrou, por último, o teste-
munho de Virgílio no canto III da Eneida: à passagem de Eneias pelo
porto de Butroto, no Epiro, o herói troiano encontra Andrómaca a
prestar uma homenagem à memória de Heitor; no profundo senti-
mento de desengano em que vive, a recordação dolorosa do primeiro
esposo contrasta com a indiferença pelos sucessivos, Neoptolemo e
Heleno.

Preencheu a sessão de 3 de Maio a exibição de dois documentários


emprestados pela Embaixada da Grécia e intitulados Rencontre de deux
civilisations: Grèce et Byzancee The immortal land.
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O Presidente da Associação, Prof. Doutor Américo da Costa


Ramalho, agradeceu aos alunos Maria de Deus Ramos Pinheiro e
José Barata António as diligências feitas em Lisboa para a obtenção
dos filmes. Por se terem previamente verificado certas deficiências
da coluna sonora, o Prof. Doutor Walter de Sousa Medeiros deu,
antes da projecção, alguns esclarecimentos sobre o conteúdo dos dois
documentários.

De colaboração com os Seminários de Latim e de Grego da Facul-


dade de Letras de Coimbra, a Associação Portuguesa de Estudos Clás-
sicos realizou, nos dias 25, 26 e 27 de Julho, um passeio de estudo,
que teve como meta principal a cidade de Évora, mas que compreendeu
também outras povoações ligadas ao florescimento do humanismo
em Portugal.
No dia 25, os excursionistas visitaram: em Abrantes, o museu
municipal, dedicando especial atenção aos túmulos dos Almeidas;
em Avis, a igreja e o mosteiro da Ordem, onde lhes foi mostrado o
relicário que mandou executar o condestável D. Pedro; em Pavia,
a igreja paroquial e um primitivo monumento funerário. O dia 26 foi
todo consagrado à cidade de Évora: visitaram-se a igreja dos Lóios,
o templo romano, a sé, o museu, a antiga universidade e as igrejas da
Graça e de S. Francisco. No regresso, a 27, foram demoradamente
percorridos, em Vila Viçosa, o paço ducal e o castelo; em Flor da
Rosa (Crato), a igreja do mosteiro, antiga sede da Ordem de Malta.
A excursão foi dirigida pelo Padre Doutor José Geraldes Freire.
Deu as explicações de carácter histórico e artístico o professor de
História da Arte em Portugal, da Faculdade de Letras de Coimbra,
Padre António Nogueira Gonçalves.
W. S. M.

I CURSO DE ACTUALIZAÇÃO PARA PROFESSORES


DE FILOLOGIA CLÁSSICA

Por iniciativa do Instituto de Estudos Clássicos da Universidade


de Coimbra, realizou-se, de 4 a 7 de Janeiro de 1972, o I Curso de
Actualização para Professores de Filologia Clássica. Não pôde ser
concedido qualquer subsídio aos participantes: mas tal facto não
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impediu que as inscrições fossem numerosas (cerca de sessenta docentes


— das três Universidades, dos principais Liceus e outros estabeleci-
mentos de ensino médio do país —, a que se juntaram alguns alunos
finalistas) e muito assídua a frequência das aulas.
Presidiu à sessão inaugural do Curso o Reitor da Universidade,
Prof. Cotelo Neiva, que elogiou a decisão da Faculdade e se con-
gratulou com o encontro — advogado pelo Ministério da Educação
Nacional — de professores de níveis diferentes de ensino.
Em cinco aulas diárias, três de manhã e duas de tarde, foram
versados os temas seguintes: O micénico. A questão homérica, pela
Prof.a Doutora Maria Helena Monteiro da Rocha Pereira; A tragédia
grega, pelo Prof. Doutor Manuel de Oliveira Pulquerio; A «Cena
Trimalchionis» de Petrónio, pelo Prof. Doutor Walter de Sousa Medeiros;
Metodologia do latim. Latim cristão. Latim medieval, pelo Doutor
José Geraldes Freire; Estudos sobre o Humanismo em Portugal, pelo
Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho.
Cada um destes temas foi desenvolvido em quatro lições, assim
distribuídas:

O micénico. ' A questão homérica:

—A questão homérica: teorias mais antigas.


—A questão homérica: principais posições da crítica actual.
—A questão homérica e a arqueologia.
—O micénico e as consequências da sua decifração.

A tragédia grega:

— Problemas da tragédia esquiliana: análise do Prometeu.


— Problemas da tragédia esquiliana: análise do Agamémnon.
— Problemas da tragédia sofocliana: análise da Antígona.
— Problemas da tragédia sofocliana: análise do Rei Édipo.

A «Cena Trimalchionis» de Petrónio:

— Importância e interesse do episódio.


— Caracterização das figuras.
— Tradição e inovação na linguagem.
— A arte do narrador.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 491

Metodologia do latim. Latim cristão. Latim medieval:


— Métodos activos no ensino do latim.
— Técnicas de tradução.
— Latim cristão.
— Latim medieval.

Estudos sobre o Humanismo em Portugal:


— Introdução do Humanismo em Portugal.
— Prosadores novilatinos.
— Poetas novilatinos.
— Estudos recentes e perspectivas actuais.

A primeira lição dos Estados (1) constituiu simultaneamente a


conferência inaugural do Curso. Na maior parte das aulas se forne-
ceram folhas policopiadas de textos e de bibliografia.
Imediatamente após a última lição, realizou-se, sob a presidência
do Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho, a sessão de encerramento,
em que foi aprovado o seguinte texto de conclusões e votos:
«1. Os participantes—professores de Latim e de Grego no
Ensino Secundário (oficial e particular) e nas Faculdades de Letras
de Lisboa e do Porto — congratulam-se com a organização deste
Curso e, com os seus agradecimentos, felicitam todos os professores
do Instituto de Estudos Clássicos de Coimbra pelo elevado nível com
que foram apresentados todos os temas. Formulam o voto de que
esta iniciativa se repita, quanto possível, de dois em dois anos, e propõem
que no próximo ano se realize, na primeira semana do segundo período
lectivo, um Colóquio especialmente dedicado ao ensino do latim no
Liceu.
«2. Profundamente convictos do valor formativo e cultural das
Humanidades Clássicas, anseiam por que o estudo do latim seja alar-
gado para quatro anos no ensino liceal. Com efeito, só a extensão
dos anos de ensino poderá permitir a desejada inclusão, nos programas,
de autores de grande importância, mesmo para a Literatura Portuguesa,
como Horácio e alguns humanistas nacionais.
«3. Manifestam a sua unanimidade em que deve manter-se no
ensino secundário o estudo da língua grega, de modo que nela sejam

(1) Impressa neste volume de Humanitas, pp. 435-452.


492 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

iniciados quantos desejam ingressar em cursos superiores relacionados


com a Antiguidade Clássica.
«4. Propõem-se envidar todos os esforços para que os métodos
de ensino e o material didáctico sejam renovados e actualizados, a
fim de se tirar do conhecimento das línguas clássicas a maior utilidade.»
No mesmo dia, à noite, a Reitoria ofereceu uma recepção aos
professores e alunos do Curso.
Por sugestão dos professores que exercem o seu magistério longe
de Coimbra, realizou-se ainda, extra programa, em 8 de Janeiro, uma
visita de estudo à estação arqueológica de Conímbriga e respectivo
Museu Monográfico. Os visitantes foram recebidos pelo Dr. Jorge
de Alarcão, que evocou a história daquela cidade romana e explicou
in loco o significado dos elementos subsistentes e a importância das
escavações levadas a efeito nos últimos anos.

W. S. M.

VIAGENS DE CURSO
DOS FINALISTAS DE FILOLOGIA CLÁSSICA DE COIMBRA
À GRÉCIA E A ROMA

1971

Uma conjunção feliz de esforços e boas vontades permitiu mate-


rializar um sonho longamente acalentado e sempre diferido: a viagem
de curso dos finalistas de Filologia Clássica de Coimbra à Grécia.
As satisfações recolhidas em doze dias de excursão na Hélade (a que
se juntaram mais dois em Roma) ficam a pertencer àquele pecúlio de
experiências agradáveis que não esquecem e nos compensam dos sacri-
fícios exigidos por uma empresa de vulto. A Grécia não desiludiu,
porque excedeu as nossas esperanças. Uma terra admirável, na trans-
parência das paisagens e dos monumentos evocativos da mais harmo-
niosa das civilizações; um povo acolhedor, fraterno e cordial, intacto
a despeito de tantas lutas e provações — ofereceram os elementos
ideais para que a nossa breve estadia constituísse um precioso enri-
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 493

quecimento de cultura e humanidade. Como «pioneiros» de uma


viagem que supomos inédita entre os estudantes de Coimbra, está-
vamos preparados para enfrentar alguns embaraços e contrariedades:
mas a simpatia que nos rodeou e a mútua amizade dos participantes
permitiu que o programa organizado pudesse ser cumprido na sua
melhor parte. Não estivemos na Grécia e em Roma a «fazer turismo»:
antes procurámos que cada dia vivido nas duas pátrias do classicismo
representasse para nós — como da história dizia Tucídides — «uma
aquisição para sempre». Cremos que os benefícios desta viagem
serão inestimáveis; que a experiência deverá ser repetida em anos
próximos; que o Ministério da Educação Nacional, a Fundação Calouste
Gulbenkian e o Senhor Director da Faculdade de Letras de Coimbra,
Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho, são credores do nosso
reconhecimento pela oportunidade que nos proporcionaram.
Indicamos a seguir, muito sucintamente, as nossas actividades
principais durante a excursão:

25 de Agosto. A utilização da via aérea permitiu que, partindo


de Lisboa pelas 9 e 30, chegássemos a Atenas, com passagem por
Milão e Roma, ao princípio da noite. Ficámos instalados no Hotel
Omonia, na praça do mesmo nome, que é um dos centros mais impor-
tantes da cidade moderna.

26 de Agosto. De manhã, fomos recebidos pelo Subsecretário de


Estado da Presidência do Conselho, Prof. Dimitrios Tsákonas, que
nos deu uma breve lição sobre a evolução política da Grécia, de 1820
aos nossos dias; e visitámos o Museu de Arte Popular, onde fomos
guiados pela própria directora, a etnógrafa Popi Zoras. De tarde,
admirámos o Jardim Nacional, o parque do Zappeion, o Estádio
Olímpico, as ruínas do Olimpieu e a porta de Adriano. À noite, o
Prof. Tsákonas e sua esposa ofereceram-nos um jantar no restaurante
Marina Zeas, do Pireu. Estiveram presentes alguns representantes
da Embaixada de Portugal em Atenas. O professor acompanhante
exprimiu, em nome dos excursionistas, a emoção das primeiras horas
vividas na Grécia e todo o reconhecimento pelas atenções recebidas.

27 de Agosto. De manhã, após a devida preparação histórico-


-cultural, percorremos, na vertente sul da Acrópole, o teatro de Dio-
niso, o Asclepieu, o pórtico de Êumenes e o odeão de Herodes Ático.
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De tarde — momento mais alto da nossa excursão —, subimos, pela


estrada das Pan-Ateneias, até aos Propileus, para recolhermos dentro
de nós a sua graça soberana, e religiosamente observarmos, depois,
o templo de Atena Nike, o Pártenon, o altar de Zeus Polieus, o Erecteu.
Ao pôr-do-sol, subimos à colina do Areópago; e, à noite, demos um
passeio pelo quarteirão típico da Plaka.

28 de Agosto. Regressámos pela manhã à Acrópole para visi-


tarmos o seu precioso museu e seguimos depois para a Agora, onde,
a partir do Hefesteu, o professor acompanhante explicou a arrumação
da praça, desde a linha do templo até ao pórtico de Atalo, recons-
truído pela Escola Americana de Atenas. De tarde, percorremos a
colina das Musas, a Pnix e a colina das Ninfas, de onde se desfrutam
largos panoramas sobre Atenas, o Pireu e o golfo Sarónico. De
noite, deslocámo-nos a Daphni, atraídos pelo Festival do Vinho, que
anualmente se realiza em um parque próximo do célebre mosteiro
bizantino.

29 de Agosto. A manhã foi destinada à visita de duas catedrais


ortodoxas — a Pequena e a Grande Metrópole — e da Torre dos
Ventos, situada à beira da Agora Romana. À tarde, partimos do
Pireu para Creta, a bordo do «Minos».

30 de Agosto. Chegámos a Heraclíon às primeiras horas da manhã


e seguimos para a praia de Amnissos, junto ao velho porto de Cnossos.
À tarde, como preparação para a visita ao palácio do rei Minos, o
professor acompanhante fez uma longa exposição (que continuou no
dia seguinte) sobre a civilização cretense.

31 de Agosto. Com deslumbramento, misto de incredulidade,


percorremos as ruínas do fabuloso palácio de Minos, escavado e recons-
truído por Evans, e, mais tarde, as salas do Museu Arqueológico de
Heraclíon, aonde voltámos depois do almoço para completarmos a
nossa informação. Cerca das 17 horas, reembarcámos, agora no
navio-motor «Sophia», para o Pireu.

1 de Setembro. De novo em Atenas, partimos de tarde para o


cabo Súnion, pela deslumbrante auto-estrada litoral: as ruínas do
templo de Posídon e a paisagem que as circunda bem mereciam esta
NOTICIAS E COMENTÁRIOS. 495

deslocação. O dia terminou em beleza, na colina das Musas, com a


exibição de danças regionais gregas, pela companhia de Dora Stratou.

2 de Setembro. Quis o Governo helénico oferecer-nos ainda a


clássica excursão de um dia na Argólida. Por Daphni e Mégara nos
dirigimos ao canal de Corinto, e depois às ruínas da grande cidade
do istmo. A guia explicou rapidamente o plano da urbs Romana,
dominada pela fortaleza natural do Acrocorinto. Dali seguimos
para Micenas, onde admirámos, na cidadela, as muralhai ciclópicas,
a Porta das Leoas, o círculo A dos túmulos reais (descoberto por Schlie-
mann) e o palácio dos Atridas; e, no exterior, o «tesouro de Atreu».
Em Epidauro, onde fomos surpreendidos por uma bátega de chuva,
recitaram-se versos de Camões na orquestra do maravilhoso teatro
«da acústica perfeita»; e visitou-se o pequeno museu, valorizado por
alguns fragmentos do templo de Asclépio e da «tholos» de Policleto-o-
-Moço. Ao fim da tarde, parámos em Elêusis e lamentámos que os
restos do santuário dos Mistérios se encontrem agora sufocados, a
toda a volta, por fábricas e construções modernas de mau gosto.

3 de Setembro. Outro dia grande da nossa viagem: para muitos,


talvez o mais impressionante. O cenário grandioso de Delfos, «umbigo
do mundo», encheu de funda comoção a alma de todos os excursio-
nistas. Depois da visita ao museu, ao santuário de Apolo Pítio, ao
teatro e à fonte Castália, tivemos ainda ensejo de admirar, na viagem
de regresso, o mosteiro de Osios Lukas, famoso sobretudo pela beleza
dos seus mosaicos.

4 de Setembro. A manhã foi destinada à visita do Museu Nacional


de Atenas, onde, por cativante atenção da Presidência do Conselho
grego, beneficiámos da orientação de uma jovem arqueóloga, que nos
mostrou também os frescos encontrados nas recentes escavações da
ilha de Terá. Uma ascensão ao Licabeto, a colina mais alta da cidade,
preencheu a tarde desse dia, já que a noite estava destinada a um espec-
táculo de teatro clássico no odeão de Herodes Ático. A representação
de Os Heraclidas de Eurípides, em ambiente de tão poderosa sugestão
(à sombra do Pártenon e à beira do teatro de Dioniso), deixou-nos
inolvidáveis recordações. Mais belos, no entanto (se é lícito estabe-
lecer graduação), foram os momentos que a seguir vivemos, no alto
da Acrópole, reaberta em noite de plenilúnio iminente.
496 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

5 de Setembro. Depois de tantas emoções, resolvemos consagrar


ao repouso o dia de domingo: para isso escolhemos a praia de Glyphada,
enobrecida pela vizinhança do local onde se celebravam as Tesmofórias,
de aristofânica memória.

6 de Setembro. Tivemos a grata surpresa de encontrar no aero-


porto do Hellinikon, para se despedir do «Grupo de Clássicas de
Coimbra», o Prof. Dimitrios Tsákonas, que, na última recomposição
ministerial, fora transferido para o cargo de Subsecretário do M i s -
tério de Negócios Estrangeiros. Chegámos a Roma ao cair da noite>
e fomos instalar-nos na Casa Gasparri, em Via Col di Lana. M a s
ainda aproveitámos as horas disponíveis depois do jantar para um
primeiro contacto com o centro da Urbe: Via dei Corso, Piazza Colonna
(coluna de Marco Aurélio), Piazza delia Fontana di Trevi, Via dei
Tritone, Piazza Barberini, Via Vittorio Veneto, Trinità dei Monti,
Piazza di Spagna.

7 de Setembro. Visitámos, pela manhã, o Museu das Termas


de Diocleciano; de tarde, após uma breve romagem a Santo António
dos Portugueses (igreja e instituto), o estádio de Domiciano (Piazza
Navona), o panteão de Agripa, o mausoléu de Augusto, a Ara Pacis,
o miradouro do Pincio (em Villa Borghese) e a Piazza dei Popolo; de
noite, em um teatro da encosta do Janículo, assistimos à representação
do Miles gloriosus de Plauto.

8 de Setembro. O mausoléu de Adriano (Castel Sant'Angelo),


a basílica de São Pedro e os Museus Vaticanos preencheram todas
as horas da manhã: e poucas foram, como é óbvio, para tão desmedida
riqueza de arte e civilização. A tarde permitiu um contacto, forçosa-
mente muito sumário, com a Piazza Venezia, o Capitólio, a Rocha
Tarpeia, o teatro de Marcelo, o arco de Jano, Santa Maria in Cosme-
din (Bocca delia Verità), os templos ditos da Fortuna Viril e de Vesta,
a ilha Tiberina, os Foros Imperiais, o Coliseu, o arco de Constantino
e o Foro Romano.

9 de Setembro. Ao amanhecer, partimos para o aeroporto Leo-


nardo da Vinci, em Fiumicino, de onde regressámos, via Madrid,
a Lisboa.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 497

Um voto apenas a encerrar esta notícia: que os organizadores de


nova excursão possam beneficiar da nossa experiência para fazerem
mais e melhor. Péla, as Termópilas, Maratona, Bráuron, Dodona,
Olímpia, Pilos, as ilhas de Egina, Delos, Terá e Rodes são metas de
tanto interesse que bem justificam a sua inclusão em um itinerário
mais longo e mais ambicioso do que o nosso.
W. S. M.

1972

Quando, nos últimos meses do ano lectivo, a nossa esforçada


campanha de angariamento de fundos se viu fortalecida pelos subsídios
do Ministério da Educação Nacional, da Fundação Calouste Gulben-
kian e do Senhor Director da Faculdade de Letras de Coimbra, sen-
timos claramente que o projecto de uma nova viagem de estudo à
Itália e à Grécia não tardaria em converter-se em saborosa realidade.
Uma realidade que, afinal, não desmereceu do sonho acalentado.
Deslumbrou-nos a Itália, arrebatou-nos a Grécia. Depois da majes-
tade de Roma, o encanto do golfo partenopeu; depois do azul sombrio
das águas egeias, a luminosidade da Ática e da Argólida. No dia
do regresso, havia já a saudade de duas pátrias que eram também a
a nossa pátria. E a esperança de voltar, uma vez mais e sempre, aonde
nos chamavam tantas afinidades de cultura e civilização.

25 de Agosto. Era alegre e ruidosa a disposição dos dezoito


participantes, à largada do aeroporto da Portela. Depois de uma
viagem serena, que para alguns se revestia do encanto da novidade,
aterrámos em Fiumicino, de onde seguimos para Roma. A noite,
fizemos a primeira peregrinação através da Urbe: Piazza Colonna,
Via dei Tritone, Via Vittorio Veneto, Piazza di Spagna... Na Fon-
tana di Trevi, não faltou quem procurasse garantir, com o ritual das
liras lançadas na concha neptunina, o seu regresso à Cidade Eterna.

26 de Agosto. A ideia da grandiosidade de Roma, que nos ficara


da véspera, concretizou-se neste dia, em que um sol esplendoroso
iluminava os tesouros que a Mãe da Latinidade tinha para nos oferecer.
32
498 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

Perdura em nós a recordação da grandeza do Panteão de Agripa, a


solenidade da Ara Pacis e do mausoléu de Augusto, a atmosfera profunda-
mente evocativa do Foro e do Palatino, a majestade do Coliseu. Santo
António dos Portugueses foi um cantinho da pátria onde penetrámos com
emoção, para saudarmos os beneméritos fundadores esculpidos no «cor-
tile» e admirarmos os mármores de Carrara que adornam a igreja.

27 de Agosto. Era o nosso último dia de permanência na capital


italiana. A manhã foi dedicada a uma visita, forçosamente rápida,
à basílica de São Pedro e aos Museus Vaticanos, que nos impressio-
naram pela imensidade dos edifícios, o fausto das decorações, a beleza
das esculturas e pinturas que os povoam. De tarde, procurámos
recrear o espírito e o corpo na frescura de Tivoli, no ambiente renas-
centista da «villa» do cardeal Ippolito d'Este. A sombra da verdura
que nos cercava, ouvindo cantar a água das fontes, evocámos os poetas
que ali buscaram motivos de inspiração. Na impossibilidade de assis-
tirmos à representação da Asinaria de Plauto — que, a despeito da
informação contrária dos jornais, terminara na véspera —, fomos
à noite ver o Decameron realizado por Pasolini, em exibição num
cinema do Janículo.

28 de Agosto. Após uma manhã despendida ao gosto de cada


um, partimos para Nápoles, que logo nos descerrou as portas do seu
encanto: o desenho harmonioso do golfo, a alacridade do casario
disseminado pelas encostas, a mancha verde e branca do Posillipo, a
sombra inquietante do Vesúvio. A noite, durante o reconhecimento
do porto de Santa Lúcia, embalou-nos a música das canções que che-
gavam até nós fundidas no marulhar das ondas.

29 de Agosto. Capri ofereceu-nos a beleza agreste das suas rochas,


a exuberância da sua vegetação semitropical, o sortilégio da história
e das lendas que a envolvem. Além da Gruta Azul, outras paisagens
nos encantaram, à medida que subíamos para Anacapri. A estreiteza
do tempo impediu-nos de visitar a Villa Iouis, muito distante, mas não
retirou a alguns a possibilidade de, no regresso ao cais, se banharem
nas águas da Marina Grande.

30 de Agosto. Pompeios preencheu a manhã: e, a despeito da


rapidez da visita (motivada por um atraso do comboio e outras obri-
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 499

gações do programa), ficou-nos o claro sentimento de que valia a pena


auscultar com demora a pulsação inextinta de vida que ali se vivia há
quase dois mil anos. De volta a Nápoles, incorporámo-nos em uma
excursão aos Campos Flegreus: os objectivos, excessivamente turís-
ticos, da empresa organizadora não nos permitiram beneficiar satis-
fatoriamente de um percurso que compreendia zonas campanas de
grande interesse cultural (Putéolos, Baias, Cumas, lago Averno).

31 de Agosto. Uma visita ao Museu Nacional de Nápoles, deposi-


tário de tantos tesouros da arte clássica (esplêndida, entre outras mara-
vilhas, a sua colecção de mosaicos), constituiu o indispensável comple-
mento da nossa excursão a Pompeios. Depois veio a partida para
Roma e dali para Atenas. Quando, ao princípio da noite, pisámos
o solo grego, havia lágrimas nos olhos de alguns, e em todos a emoção
do encontro com o povo que tanto influiu nos destinos culturais da
Europa e do mundo civilizado.

/ de Setembro. Depois das boas-vindas que recebemos, pela


manhã, do Secretário de Estado da Cultura e das Ciências, Prof. Gior-
gios Kornoutos, e de outros altos funcionários do seu Ministério,
entre os quais é justo salientar — pela gentileza do trato e eficiência
da actuação — a Senhora Dora Stypa, demos um breve passeio
pelas ruas da cidade moderna e visitámos o Jardim Nacional e o Está-
dio Pan-Atenaico. De tarde, não resistimos por mais tempo à atrac-
ção da Acrópole: com passagem pelo Olimpieu, porta de Adriano,
teatro de Dioniso e Asclepieu, atingimos, através do caminho das
Pan-Ateneias, a entrada majestosa dos Propileus de Mnésicles. Os
olhos deslumbrados corriam do esplendor do Pártenon para a graça
do Erecteu e do templo de Atena Nike, e embebiam-se da poesia do
sol que dourava as velhas pedras, antes de se sumir, para além do
Sarónico, no longínquo Ocidente. Em aceitação do convite que no
Ministério havíamos recebido, comparecemos à noite na «taverna»
Arethusa, situada no coração da Plaka, onde, na companhia dos
nossos amáveis anfitriões, saboreámos as novidades da cozinha grega
e a música, ora dolente, ora animada, do bouzouki.

2 de Setembro. Enquanto uma parte dos Argonautas aproveitava


as horas livres da manhã para sondar os mistérios (impenetráveis
aliás!) de Elêusis, a outra mergulhava no azul de Glyphada. De novo
500 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

reunidos, ascendemos ao Licabeto, para admirarmos toda a amplidão


de Atenas: o imenso aglomerado que se dilata, sem interrupção, até
ao Pireu; o Himeto, «coroado de violetas»; a Acrópole imortal; a colina
das Musas; o Areópago e a Agora. Por momentos, cada qual foi
rei do pequeno mundo que se estendia a seus pés.
Estava reservada para a noite a hora mais inesquecível de quantas
tínhamos vivido: a representação de Os Persas de Esquilo. No sopé
da Acrópole, o velho odeão de Herodes Ático foi cenário de um espec-
táculo de arte incomparável. A poesia de Esquilo e o talento dos
actores do Teatro Nacional da Grécia criaram com extrema eficácia
o clima de terror e de emoção que a tragédia da derrota exigia. Toda
a assistência comungou, intensamente, na dor de um povo castigado
por culpa da hybris do seu soberano.

3 de Setembro. Apesar das condições desfavoráveis do tempo,


partimos de manhã para a excursão à Argólida. De Corinto vimos
o que foi possível sob um forte aguaceiro: o templo de Apolo, o mer-
cado, a fonte Pirene, a agora, o museu. Micenas deixou-nos a impres-
são de uma grandeza torturada, cenário ideal dos crimes dos Atridas.
Impressionaram-nos a vastidão e a acústica admirável do teatro de
Epidauro, enquadrado, como todo o santuário de Asclépio, num
ambiente grandioso de montanhas e vegetação. Em Náuplia e ao
longo do istmo de Corinto, retomámos o contacto apetecido com o mar.

4 e 5 de Setembro. A caminho de Delfos e Olímpia, a nossa jovia-


lidade fez valer, perante turistas de vários países, o encanto da música
portuguesa. A paisagem majestosa de Delfos calou profundamente
no nosso coração. Pisámos a Via Sagrada, respirámos a ambiguidade
dos oráculos de Apolo Lóxias, e bebemos as águas inspiradoras da
fonte Castália. Olímpia ofereceu-nos a sua visão de verdura aveludada
a envolver as ruínas brancas dos monumentos. Acompanhados de
uma guia que nos ilustrou com apropriadas explicações e nos con-
quistou com a sua natural simpatia, percorremos os caminhos do
santuário onde se sagrou a lealdade como apanágio do espírito des-
portivo. Registamos aqui a admiração que nos causaram os museus
de Delfos e de Olímpia: embora de pequenas dimensões, encerram
obras muito belas, como o auriga de Delfos, a coluna das tíades dan-
çantes, os frontões do templo de Zeus Olímpico, a Nike de Peónio,
o Hermes de Praxíteles.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 501

6 de Setembro. De regresso a Atenas, subimos de novo à Acró-


pole, tendo como fito, desta vez, o museu, que guarda, entre outras
peças valiosas, muitas «kórai» arcaicas, alguns trechos do friso interior
do Pártenon, e uma linda Nike a descalçar a sandália. Dali seguimos,
sob sol inclemente, para a Agora: com verdadeiro refrigério entrámos
na sombra fresca do pórtico de Átalo e do Hefesteu. A tarde foi
preenchida com a deslocação ao cabo Súnion, ao longo da esplêndida
estrada litoral conhecida por Argossarónico. Depois da visita às
ruínas do templo de Posídon, aguardámos o pôr-do-sol. O silên-
cio era profundo, o ar leve, o mar rosado. Reminiscências de
Homero nos acudiam ao espírito, enquanto o astro-rei se afastava
«em carro alado». A noite, assistimos ao espectáculo de bailados
da companhia de Dora Stratou, na colina das Musas. Talvez
porque fosse muito grande a nossa expectativa, não ficámos plena-
mente satisfeitos.

7 de Setembro. Destinámos a manhã à compra de recordações


e a tarde à visita do Cerâmico. A Alameda dos Túmulos, povoada
de admiráveis esteias, prendeu vivamente a nossa emoção. Voltámos,
à noite, ao odeão de Herodes Ático para assistirmos à representação
da Ifigénia Aulidense, de Eurípides. A impressão foi menos forte
do que no caso de Os Persas, mas não nos impediu de vibrar com a
angústia de Agamémnon e o martírio de uma jovem, bela e amante
da vida, que ia ser imolada por ordem do próprio pai.

8 de Setembro. Sem um contacto com as ilhas, a nossa viagem


helénica ficaria incompleta. O cruzeiro a Egina, Poros e Hidra asse-
gurou essa oportunidade. Egina ofereceu-nos a transparência das
suas águas e a graça do templo de Atena Afaia, isolado no alto de
um monte; Poros, a cenografia de uma povoação densamente apinhada
sobre o minúsculo estreito que a separa do Peloponeso; Hidra, o pito-
resco do seu casario, encravado em inóspitas colinas. Depois de
um dia de sol e ar livre, regressámos a Atenas e registámos, à noite,
a experiência de um ambiente «dionisíaco» — o Festival do Vinho,
em Daphni.

9 de Setembro. Apresentados os nossos cumprimentos no Minis-


tério da Cultura e das Ciências, dirigimo-nos para o Museu Nacional,
onde não soubemos que mais admirar: se o esplendor dos despojos
502 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

de Micenas, «rica de ouro», se a nobreza ou graciosidade de esculturas


como o Posídon do Artemísion, o Efebo de Anticitera, o Jóquei, se
os tesouros da sua extraordinária colecção de cerâmica grega. À tarde,
fomos despedir-nos de Atenas à colina das Musas. Últimas fotografias
da Acrópole, último olhar ao vasto panorama da cidade — e prepa-
rámo-nos para a representação de Os Heraclidas de Eurípides. Os mes-
mos lábios que se haviam contraído de emoção com a derrota do povo
persa, com o drama de um pai coagido a impelir a filha para o altar
do sacrifício, entreabrem-se agora num sorriso perante a atitude do
velho lolau que, já sem forças para pegar em armas, se pavoneia ao
seguir para o campo de batalha. Eurípides diverte-se a quebrar a
rigidez tradicional da tragédia. Com estas reflexões deixámos, não
sem saudade, o velho anfiteatro.

10 de Setembro. Não dizemos adeus à Grécia, porque ela nos


acompanha e nos conforta com a esperança de um próximo regresso.

MARIA DE FáTIMA DE SOUSA E SILVA

O ACTÉON DA NATIONAL GALLERY DE LONDRES

Durante uma visita a Londres, em Maio de 1972, para fazer uma


conferência sobre Os Lusíadas no King's CoUege, tive oportunidade de
ver «A morte de Actéon» de Ticiano, em exposição na National Gallery.
Esperava eu encontrar uma daquelas «poesie», como lhes chamava
o célebre pintor, grandes quadros de nu feminino, em que a beleza
física da mulher é vista de ângulos diferentes, mas sempre com a mesma
carnalidade voluptuosa, igual sensualidade de forma e de cor, só de leve
disfarçada pelo dinamismo da composição.
São todas as «poesie» quadros famosos: Dánae, Vénus e Adónis,
Perseu e Andrómeda, Diana e Actéon, Diana e Calisto, o Rapto de Europa,
etc. E da intenção com que foram compostas para Filipe II de Espanha,
fala este trecho de uma carta ao monarca, que traduzo das folhas poli-
copiadas em que a National Gallery explicava as excelências do quadro:
«...porque a Diana... foi vista inteiramente de frente, quero dar varie-
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 503

dade a esta outra «poesia» (Vénus e Adónis) e mostrar o lado oposto,


por tal forma que a sala em que elas ficarem possa dar mais prazer
à vista. Em breve remeterei a Vossa Majestade a «poesia» de Perseu
e Andrómeda, que será vista de um ângulo diferente destas...».
E o folheto esclarece que a Dánae foi entregue a D. Filipe em 1554,
enquanto Diana e Actéon e Diana e Calisto o foram em 1559. Ao mesmo
tempo, o pintor trabalhava em duas outras composições para o mesmo
cliente: O rapto de Europa e A morte de Actéon.
Esta última é o quadro da National Gallery e difere das «poesie»
atrás mencionadas. Representa Diana que faz o gesto de desferir uma
seta mortífera contra um Actéon cuja cabeça e pernas já são de veado,
enquanto o tronco permanece humano. Os cães começaram já a atacar
o seu antigo amo. Todavia, é a deusa em movimento quem domina
o primeiro plano da composição.
Na cena tudo sugere dramática acção: o céu é tempestuoso, as árvo-
res da floresta, sacudidas pelo vento, reflectem uma luz de trovoada,
a água encrespada, em segundo plano, para sugerir a ideia do banho
interrompido, espelha a luz cinzenta e eléctrica das nuvens. Maior
do que o natural, grave e corada, da marcha rápida e talvez de indigna-
ção, de face branca e cabelos de um louro quente, a deusa corre em
direcção a Actéon. Vai coberta de uma túnica vermelha, de cor esba-
tida e acima do joelho. Na pressa, não teve tempo de cobrir o seio
direito que irrompe do vestido aberto. Só este pormenor recorda as
«poesie» sobre o mesmo tema.
Diana vai só e o quadro impressiona sobretudo pela harmonia do
movimento da figura da deusa em uníssono e contraste, na sua sere-
nidade, com a agitação da floresta. A atitude da caçadora lembra
mais a da cratera de figuras vermelhas do Museum of Fine Arts em
Boston, que já tive ocasião de ver duas ou três vezes, do que o manei-
rismo dos nus mais conhecidos de Diana e Actéon da National Gallery
de Edimburgo.
A Morte de Actéon, de que me venho ocupando, encontrava-se
exposta com o fim de obter dinheiro para a sua aquisição para a National
Gallery de Londres que tentava impedir a todo o custo a sua saída
para a América, depois de o milionário Paul Getty a ter adquirido num
leilão da firma Christie's.
Para isso, a famosa pinacoteca londrina criou um amplo e esclare-
cido movimento de interesse popular, por meio de conferências ilustradas
às terças-feiras e sábados, das 14 h. 30 m. para as 15 h., sobre a Morte
504 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

de Actéon; pela venda de postais a cores com a reprodução do quadro;


e pela distribuição de um convite à participação monetária do público
para «The Titian Appeal Fund» em que, num folheto de quatro pági-
nas, se reproduzia o quadro a preto e branco e se contava a história
da sua saída próxima de Inglaterra. Na folha posterior, que podia
separar-se daquela que reproduzia a pintura, vinha o formulário que
os contribuintes podiam preencher e enviar juntamente com a sua
oferta.
Do «apelo» impresso nas costas da reprodução do quadro, respigo
as notas seguintes: «A Morte de Actéon por Ticiano é uma obra-prima
de tamanho grande, da autoria de um dos maiores pintores, e do período
final da sua carreira, que se não encontra bem representado nas colecções
nacionais. Está neste país há cerca de 200 anos e, na situação de
empréstimo, na National Gallery, há 10 anos.
Foi recentemente vendido a um museu americano (o «Paul Getty
Museum» em Malibu, na Califórnia), mas a licença de exportação
encontra-se temporariamente suspensa. Se fundos suficientes forem
reunidos rapidamente, o quadro será adquirido pela National Gallery.
O preço é de 1763000 libras».
O folheto explica depois como a Galeria Nacional de Londres já
obteve um milhão de libras e como, para o pagamento das 763000 libras
que faltavam, o Governo Britânico se comprometeu a dar outra libra
por cada libra que fosse oferecida para a sua aquisição.
Para melhor esclarecimento do público, havia ainda o texto poli-
copiado, a que já me referi, escrito por um especialista capaz de falar
à sensibilidade do leitor comum.
Quando visitei a National Gallery, em 10 de Maio de 1972, estava
anunciado um «Titian Appeal Concert», marcado para o Domingo,
28 de Maio, às 20h. 15m. Os bilhetes custavam 5 libras cada, com
direito a uma bebida.
Posteriormente, no Diário de Notícias de 13 de Agosto do mesmo
ano, podia ler-se que a National Gallery comprou o cobiçado Ticiano
por 110 000 contos, dos quais a subscrição pública obtivera
18 500 000 escudos.
Esta notícia, um pouco mais longa do que é meu hábito, destina-se
a recordar uma exposição que foi simultaneamente lição de civismo
e cultura desse grande povo que continua sendo o inglês.
No que me diz respeito, à emoção estética da contemplação dum
belo quadro quinhentista veio juntar-se a trama subtil das ideias de uma
NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS 505

época, como o século XVI, em que arte e literatura se compaginam. Dei


por mim a recordar, além de Ticiano e as suas «poesie», Ovídio e Camões,
a Ilha dos Amores e el-rei D. Sebastião, Actéon e Faria e Sousa, a «Ode
a D. Anrique de Meneses» e André Falcão de Resende (1).

AMéRICO DA COSTA RAMALHO

O IV CENTENÁRIO DA PUBLICAÇÃO DE OS LUSÍADAS


NO CURSO DE FÉRIAS DE COIMBRA

A Faculdade de Letras de Coimbra, com um subsídio da Comissão


Executiva do IV Centenário da Publicação de Os Lusíadas, a que presidia
o Prof. Doutor Manuel Lopes de Almeida, promoveu a realização de
cinco conferências sobre o poema de Camões, no XLVIII Curso de
Férias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Julho
e Agosto de 1972.
A conferência inicial, que serviu de lição solene de abertura do
Curso, foi pronunciada pelo Director da Faculdade em 11 de Julho
e teve por tema «A tradição clássica em Os Lusíadas»; a de 21 Julho,
falou a Doutora Ofélia Milheiro Caldas de Paiva Monteiro sobre «Os
Lusíadas: significado epocal e estrutural do poema»; a 25 de Julho,
o Dr. Aníbal Pinto de Castro tratou de «O episódio do Adamastor:
seu lugar e significado na estrutura de Os Lusíadas»; a 28 de Julho,
o Doutor Vítor Manuel Pires de Aguiar e Silva dissertou sobre «O signi-
ficado do episódio da Ilha dos Amores na estrutura de Os Lusíadas»;
e finalmente, a 3 de Agosto, o Doutor Salvador Manuel Dias dos Santos
Arnaut sobre «O episódio de Inês de Castro à luz da História».
Das cinco conferências publicou a Comissão Executiva uma bonita
edição com prefácio do Director da Faculdade de Letras de Coimbra.
O livro, de 128 páginas, foi valorizado com um «índice de Nomes Pró-
prios», elaborado pela licencianda em Filologia Clássica, D. Nair de
Castro Soares.

(1) Cf. «O mito de Actéon em Camões», Humanitas XIX-XX, 1967-68,


p. 68 segs.
506 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

OS CLASSICISTAS E OS LUSÍADAS

Neste ano de 1972, um despacho inopinado do Ministro da Educa-


ção Nacional, Prof. Doutor José Veiga Simão, quase liquidou o pouco
Latim e Grego que se estudava nos liceus portugueses, ao reduzir as duas
línguas clássicas a meras disciplinas de opção. Maneira bizarra de
comemorar o IV Centenário de Os Lusíadas, poema quase incompreen-
sível para quem não tiver umas luzes de latim!
No entanto, e confirmando o que acabamos de escrever, foram dois
latinistas os vencedores do concurso de «Esquemas de lições sobre
Os Lusíadas», aberto a professores do ensino secundário, portugueses
e brasileiros, pela Comissão Executiva do IV Centenário da Publicação
de Os Lusíadas.
As coisas passaram-se assim.
O júri constituído pelos professores Doutores Hernâni Cidade
(presidente), Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Américo da Costa Ramalho,
D. Andrée Crabée Rocha, Jacinto do Prado Coelho, José Gonçalo
Herculano de Carvalho e Manuel Lopes de Almeida, e secretariado
pelo Dr. José António de Souza Barriga, reuniu em 8 de Novembro
de 1972 no palácio de São Bento, em Lisboa.
Feito o apuramento dos votos, verificou-se que o primeiro lugar
fora atribuído, por unanimidade, ao concorrente que usava o pseudó-
nimo de «Professor X»; e que, para o segundo lugar, reunia o maior
número de votos o concorrente brasileiro que usava os pseudónimos de
«João Matraga», «Eça Veríssimo» e «Quaresma Pascoal».
Abertos os envelopes fechados, correspondentes a estes pseudóni-
mos, verificou-se que o primeiro pertencia à Dr. a Maria do Céu Novais
de Faria, professora do 1.° Grupo do Liceu de Pedro Nunes e metodóloga
de Latim; e que os segundos eram do latinista brasileiro Hennio Morgan
Birchal, professor do Colégio Militar e do Colégio Estadual «Governador
Milton Campos», em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Os Esquemas de Lições sobre Os Lusíadas foram posteriormente
editados em Lisboa, em dois livros, pela Comissão Executiva do IV Cen-
tenário da Publicação de Os Lusíadas, neste ano de 1972.

A.C.R.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 507

REUNIÃO DA FEDERATION INTERNATIONALE


DES ASSOCIATIONS D'ETUDES CLASSIQUES

Em 25 e 26 de Agosto de 1972, nas instalações do Collège de France,


reuniu a «XIV.a Assembleia Geral dos Delegados da F.I.E.C», sob
a presidência do Professor Mareei Durry, presidente da Federação.
Encontravam-se aí também os Vice-Presidentes, Professores Kurt
von Fritz e Manuel Fernández-Galiano, a Secretária Doutora Juliette
Ernst, o Tesoureiro Professor J. Bingen e o Professor H. Lloyd-Jones,
membro adjunto.
Assistiram delegados das Associações de Estudos Clássicos da
África Central, África do Sul, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária,
Canadá, Egipto, Espanha, Estados Unidos da América, Finlândia,
França, Grécia, Holanda, Hungria, Inglaterra, Irlanda, Noruega,
Polónia, Portugal, Suécia, Suíça, Turquia e os representantes de um certo
número de Associações internacionais como a Association Internationale
des Études Byzantines, a Association Internationale de Papyrologie,
a Société Internationale de Bibliographie Classique, a Association
Internationale d'Épigraphie Latine, a Société d'Histoire des Droits
de TAntiquité, a dos Rei Cretariae Romanae Fautores, a Association
Internationale pour 1'Étude de la Mosalque Antique, a Association
Internationale des Études Patristiques. Estiveram ainda presentes,
como observadores, delegados da Associación Argentina de Estúdios
Clásicos, da Société d'Histoire du Droit e da Association Sénégalaise
des Professeurs de Langues Anciennes. Estas três sociedades, junta-
mente com a Israel Society of Classical Studies, seriam admitidas na
F.I.E.C, no decurso da reunião. Falando em defesa da candidatura
da Associação Senegalesa, a Secretária M.elle Ernst revelou que no
Senegal se estudava mais Latim do que em alguns países europeus.
Foram discutidos problemas de subvenção às publicações subsi-
diadas pela F.I.E.C, com fundos provenientes da UNESCO, nomeada-
mente a VAnnée Philologique, Fasti Archaeologici, Lustrum, Thesaurus
Linguae Latinae e Archives Photographiques des Papyrus Grecs et Latins;
e da contribuição financeira da F.I.E.C ao «IV Congresso Internacional
de Estudos Clássicos», a realizar em Madrid, e ao «II Colóquio sobre
o IV Século», a reunir em Budapeste.
508 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

A cotização anual das Associações membros da F.I.E.C. foi elevada


de 20 para 30 dólares, de preferência pagos em francos belgas, por
conveniência do tesoureiro que vive na Bélgica.
O Professor Manuel Fernández-Galiano informou a Assembleia
Geral de pormenores da organização do «VI Congresso Internacional»,
a realizar em Madrid, em Setembro de 1974, e quanto ao ternário disse
constar ele de:
«a) um tema central, intitulado Resistência e assimilação à civilização
antiga no mundo mediterrâneo. Este duplo fenómeno geral poderá
ser examinado sob diversos aspectos:
— Filosofia e religião.
— Expressão literária e artística, cultura.
— História política, social e económica.
— Linguística.
b) um tema secundário, constituído pela extensão do colóquio
da Assembleia Geral sobre as «Relações dos Estudos Clássicos e a Ciên-
cia contemporânea».
c) a comemoração do XXIV centenário do nascimento de Platão.
d) um certo número de comunicações sem ligação necessária com
os três temas atrás citados, mas com interesse e novidade».

A Associação Portuguesa de Estudos Clássicos estava representada


pelo seu presidente que, no final do primeiro dia de trabalhos, chamou
a atenção para as comemorações internacionais do «IV Centenário da
Publicação de Os Lusíadas» e para as relações do poema de Luís de
Camões com o Humanismo Greco-Latino.
No segundo dia da Assembleia Geral, a 26 de Agosto de 1972,
realizou-se o «Colóquio sobre as Relações entre os Estudos Clássicos
e a Ciência Contemporânea», baseado numa comunicação do Prof.
Kurt von Fritz, intitulada «The Position of Classical Studies in our
Time» e comentada pelo Prof. Alain Michel. É este um tema que
o congresso de Madrid, segundo atrás vimos, pretende retomar.

A.C.R.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 509

DECLARAÇÃO DOS CLASSICISTAS ALEMÃES


SOBRE O ENSINO DO LATIM E DO GREGO

A Associação dos Classicistas Alemães (Deutscher Altphilologen-


Verband) elaborou uma declaração sobre a finalidade do ensino das
línguas clássicas, destinada a servir de base à estruturação de um pro-
grama didáctico moderno dessas mesmas línguas, de tão premente neces-
sidade. O respectivo texto em alemão encontra-se publicado na revista
Gymnasium, de Heidelberg, tomo 78, fase. 4 (1971), pp. 271-273.
Dado o interesse de que se reveste um documento destes para qualquer
país empenhado no renovamento da educação, apresentamos segui-
damente a sua tradução integral:

FINALIDADES DO ENSINO DO LATIM E DO GREGO

I
A sociedade dá à escola a incumbência de desenvolver nos jovens
capacidades, que lhes tornem possível uma vida autodeterminada e res-
ponsável. Aprender, designadamente aprender no ensino, deve fornecer
os alicerces da possibilidade de julgar e despertar a capacidade de decisão
e de acção.
O contacto crítico com uma língua, que é fomentado pelo trato
comparativo com diversas línguas, serve a estes fins. Porquanto o apren-
dizado de cada língua estrangeira alarga a competência linguística;
a reflexão sobre ela e a interpretação do pensamento que nela se formou
aprofundam a compreensão do mundo e capacidade de julgar. Desse
modo se criam os pressupostos para uma acção racionalmente funda-
mentada.
O Latim e o Grego possuem, para este processo de aprendizado,
devido à sua estrutura linguística e devido à qualidade da forma e con-
teúdo dos seus documentos literários, uma adequação didáctica da melhor
qualidade.
O ensino de cada uma destas línguas

— é uma escola de saber falar e pensar e desenvolve a capa-


cidade de expressão e interpretação,
510 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

— abre caminhos para importantes domínios do mundo espiritual


e social,
— desperta a consciência histórica e facilita a orientação na
actualidade,
— possibilita o incremento do pensamento autónomo criador
e assim contribui para o desabrochar das forças próprias
ao homem.
II
O ensino visa estes fins, valorizando, através da interpretação, reservas
já preparadas pelos Gregos e Romanos, em forma linguística que se pode
dominar, para questões e tentativas de solução, e tornando-as didactica-
mente frutuosas. Por tal meio, confronta os jovens com experiências
e modelos de pensamento dos Gregos e Romanos, força a uma distância
crítica dos hábitos de pensamento e expressão próprios ou condicionados
pela época e ambiente, e obriga a tomar uma posição. Oferece um
processo metodológico, para apreender, ordenar e explicar os conteúdos
objectivos expressos pela palavra, e assim desenvolver padrões para um
juízo e acção proporcionados.
Este domínio do trabalho escolar faculta assim, de um modo específico
e não substituível, o seu contributo para a auto-realização do homem
no quadro das possibilidades individuais e das oportunidades sociais e
pode, por esse processo, com base na sua força motivadora, precisamente
num tipo de formação que serve as necessidades do nosso tempo, aspirar
a um lugar sólido.
III
No centro de uma formação humanística assim compreendida, está
o trabalho da língua. A língua não é somente um meio de comunicação
verbal directo, mas também, como sistema de abstracções, um instrumento
de apreensão e explicação do mundo. O aprendizado de uma língua
estrangeira significa que com isso se ganha um novo ponto de apoio para
o alargamento e correcção da visão do mundo que até então se tinha.
O Latim e o Grego oferecem, por um lado, as vantagens especiais
da limitação no tempo e da distância; por outro lado, os seus elementos
estão presentes, em parte no domínio linguístico europeu, em parte na
linguagem científica internacional, e continuam a ser produtivos. Numa
repartição inteligente de atribuições com o ensino das línguas modernas,
o ensino do Latim e do Grego possibilita, com base na morfo-sintaxe
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 511

especialmente diferenciada destas línguas, o entendimento das estruturas


básicas da linguística. Por isso, o aprendizado destas línguas, em cada
fase, incita a uma frutuosa reflexão sobre a linguagem e conduz à cons-
ciência da língua e atitude crítica da expressão. Os esforços metodo-
lógicos que para tal se exigem formam o jovem na observação e análise
de fenómenos linguísticos de toda a espécie e criam uma disposição favo-
rável para o aprendizado de línguas estrangeiras sobretudo.
A Língua Latina distingue-se pela clareza e regularidade da sua
estrutura e pela economia dos seus meios, que força à análise intensiva
da expressão e sua forma. Através da sua maneira de se exprimir pre-
dominantemente concreta, alcança um pensar e comportamento linguís-
tico próximo do real.
A Língua Grega possui, em consequência da sua grande riqueza
formal e tesouro lexicográfico, possibilidades de expressão particular-
mente flexíveis, ao mesmo tempo que uma importante capacidade de
abstracção. A sua força criadora, que lhe possibilita representar com
exactidão uma pluralidade de coisas, educa para um pensamento e com-
portamento linguístico diferencial.

IV

A leitura interpretativa de textos importantes confronta o leitor


hodierno com as experiências do mundo e da vida de Gregos e
Romanos.

Em especial trata-se de

— experiências e ideias histórico-políticas e sociais,


— problemas e conhecimentos científicos,
— especulações, sistemas e métodos filosóficos,
— explicações poéticas de situações humanas.

Ao trabalhar com os textos, apresenta-se visível aos olhos dos alunos


uma pluralidade de questões fundamentais da existência humana. Uma
confrontação dessa espécie torna-os conscientes de tais problemas e pro-
voca uma análise das soluções propostas; daí podem partir frutuosos
impulsos de acção.
Além disso, o ensino da leitura, em consequência da unidade indes-
trutível da expressão-intenção e da forma linguístico-literâria, è sempre,
512 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

ao mesmo tempo, ensino da língua; essa unidade só se obtém pelo trabalho


com textos originais. A leitura de textos originais pode ser completada
com traduções, mas não substituída por elas. Para ilustração do mundo
do pensamento e da força de realização dos Gregos e Romanos serão
também incluídas na interpretação obras das Belas Artes.
Finalmente, a experiência adquirida da vasta influência das línguas
antigas e suas conquistas culturais, que actua até ao presente, contribui
para o reconhecimento da continuidade histórica e das transformações
espirituais.

Hannover, 2.10.70

CONGRESSOS HUMANÍSTICOS

Diversos congressos, em que a nota da especialização alternou


com a da interdisciplinaridade, se efectuaram em não menos variadas
cidades europeias. Salientamos os seguintes, por ordem de realização:

— 13.° Congresso Internacional de Papirologia, em Marburgo,


de 2 a 6 de Agosto de 1971.

—1.° Congresso Internacional de Estudos Neolatinos, na Uni-


versidade Católica de Lovaina, de 23 a 28 de Agosto de 1971.
Promovido pelo Prof. J. Ijsewijn, que em 1966 abriu em Lovaina
um Seminarium Philologiae Humanisticae, teve representação de quase
todos os países europeus (incluindo o nosso), e também de norte-ame-
ricanos e australianos, num total de cerca de duzentos e cinquenta
participantes. A diversidade da natureza dos textos a considerar
(de teologia, filosofia, história, ciências naturais, direito, medicina,
para além dos literários) condicionou o carácter interdisciplinar deste
encontro, que foi completado com visitas aos lugares relacionados
com a história do Humanismo, como o Museu Plantin, em Antuérpia;
a terra natal de Justo Lípsio, em Overijse; a casa de Erasmo, em Ander-
lecht; a terra de origem de J. Badius Ascensius, em Asse, e a do impres-
sor Teodoricus Martens, em Aalst (e a este propósito é-nos grato lem-
brar que um dos incunábulo saídos da oficina desse mestre foi a primeira
edição latina do Thesaurus Pauperum de Pedro Hispano); a do geógrafo
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 513

Gerardus Mercator, em Rupelmonde; e ainda Mecheien, onde vive-


ram Janus Secundus e Hieronymus Busleiden. Outro complemento
que merece registo foi o recital de canto subordinado ao título Cantiones
Latinae in decursu X saeculorum, que, principiando nos Carmina Can-
tabrigiensia, chegou a Hindemith e outros.
Ficou decidida a preparação dos estatutos de uma Sociedade
Internacional de Estudos Neolatinos e a transformação dos Huma-
nística Lovaniensia, que desde 1968 se ocupam deste género de estudos,
em órgão da referida sociedade. O próximo congresso terá lugar em
Amsterdam, de 19 a 24 de Agosto de 1973.
Ao chamarmos a atenção para este encontro, em que se evidencia a
importância do conhecimento do latim renascentista como meio de
expressão e vínculo de unidade entre os sábios europeus durante tantos
séculos, não queremos deixar de sublinhar o facto de esta especialidade
estar a ser cultivada também em Portugal, sobretudo a partir de 1962, ano
em que o Prof. A. Costa Ramalho iniciou um Seminário de Latim
dedicado ao Humanismo, no qual se têm estudado e publicado textos,
até aqui desconhecidos ou mal entendidos, que são essenciais à história
da nossa cultura.

— Symposion de História do Direito Grego, organizado pela


Universidade de Bielefeld, no Castelo de Rheda, de 1 a 4 de Setembro
de 1971.
Também de carácter interdisciplinar, reuniu juristas, historiadores
da Antiguidade e classicistas de Alemanha, França, Itália, Áustria,
Suíça e Estados Unidos.

— Symposion sobre os Problemas dos Selos Minóicos e Micé-


nicos, em Marburgo, de 1 a 3 de Outubro de 1971, a convite da Deutsche
Forschungsgemeinschaft.
Esta reunião altamente especializada teve participantes da Ingla-
terra, França, Grécia, Turquia, Estados Unidos e Alemanha Federal,
colaboradores do Corpus dos Selos Minóicos e Micénicos, em curso
de publicação pela Academia das Ciências e Letras de Mogúncia, com
o patrocínio da Deutsche Forschungsgemeinschaft e da Fundação
das Fábricas Volkswagen — obra essa em vinte e seis volumes, de que
já saíram seis.
O Symposion versou especialmente as relações com a glíptica da
Anatólia, cronologia relativa e distinção entre glíptica minóica e helá-
33
514 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

dica. De tema aparentemente restrito, põs em causa, no entanto,


toda a reconstituição da fisionomia da bacia oriental do Mediterrâneo
entre o terceiro e o segundo milénios a.C.

—12.° Congresso da Sociedade Mommsen, na Universidade do


Ruhr, em Bochum, em Maio de 1972.
Cobrindo um vasto período (desde os primórdios da Literatura
Grega à poesia latina medieval, abrangendo também a História Antiga
e a Arqueologia), não descurou os problemas do ensino, pois se dis-
cutiu o papel dos exercícios de estilo na formação linguística e a relação
entre a gramática contrastiva e tais exercícios.
Os congressistas puderam ainda assistir à representação do Escudo
de Menandro, traduzido (e completado) por K. Gaiser, e visitar a
colecção de antiguidades da Universidade do Ruhr.
Se é interessante que se tenha escolhido uma peça grega «nova»
— uma vez que a sua maior pai te ainda não há muito que foi recuperada,
pois a publicação do Papiro Bodmer XXV é de 1969 —, não é menos
significativo o facto de uma universidade nova, implantada numa
zona industrial, ter querido e podido reunir em poucos anos uma
colecção de Antiguidades.

—12.° Congresso Internacional sobre a Antiguidade, em Cluj


(Roménia), de 2 a 7 de Outubro de 1972.
Organizado pela Eirene (comissão promotora dos Estudos Clás-
sicos nos Países Socialistas), compreendeu temas de linguística («Termi-
nologia técnica e específica em Grego e em Latim»), história da lite-
ratura («Prosa narrativa grega e latina»), história («O séc. li p.C»),
história da filosofia, da ciência e da religião («Assimilação das culturas
indígenas dos lugares conquistados ou colonizados pelos Gregos e
Romanos») e arqueologia («Novos achados nos países da Comissão
da Eirene»). Completaram-no um seminário epigráfico e um colóquio
de Micenologia.

SOCIEDADE INTERNACIONAL DE ESTUDOS HOMÉRICOS

Fundada em 1969 por um grupo de Classicistas prestigiosos (entre


os quais o Prof. Lloyd-Jones, de Oxford, que ocupa o presidência),
em ligação com a Sociedade Grega de Estudos Homéricos, a qual,
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 515

por sua vez, datava de 1966, destina-se esta agremiação a promover,


na Grécia e noutros países, o conhecimento dos Poemas Homéricos e
da cultura e civilização gregas em geral.
Com esse fim, abriram ao público, em Atenas, uma biblioteca
onde estão a ser reunidas obras de autores antigos e modernos que se
dedicaram à investigação, tanto no domínio literário como no arqueo-
lógico, dos Poemas Homéricos e da sua influência. Esperam ainda
conseguir estabelecer um centro cultural para Classicistas gregos e
estrangeiros se encontrarem e aí prosseguirem os seus estudos.
Têm, além disso, realizado Seminários Homéricos Internacionais
no verão, em Quios, com a presença de grandes especialistas de várias
procedências. Assim por exemplo, em 1971, alternaram professores
ingleses, franceses, americanos e gregos, que versaram os seguin-
tes temas:

H. Lloyd-Jones (Univ. Oxford) — Lei, justiça e ética em Homero.


A Ilíada e a Odisseia.
Theseus Tzannetatos (Univ. Atenas) — Homero e o Monte Athos.
F. Chamoux (Sorbonne) — A escrita alfabética em Homero. Homero
e a sua época.
Eric A. Havelock (Yale Univ.) — A transição da poesia oral para a
escrita.
Christine M. Havelock (Vasser College) — O Apocalipse de Homero.
A. Skiadas (Univ. Atenas) — Em torno da Poesia Homérica.
Takis Mouzenidis (Director do Teatro Nacional da Grécia) — Homero
e o drama grego antigo.
E. Mamounas (Presidente-Fundador) — O movimento homérico inter-
nacional.

O elenco de 1972 era ainda mais variado e numeroso:

H. Lloyd-Jones (Univ. Oxford) — O enredo da Ilíada.


F. Chamoux (Sorbonne) — Os retratos de Homero.
Hesíodo, contemporâneo de Homero (3 sessões).
Hans Herter (Univ. Bonn) — A criança em Homero.
J. Humbert (Sorbonne) — O hexâmetro homérico. Estudo do seu
ritmo expressivo.
O humor na poesia épica de Homero a Hesíodo (2 sessões).
516 NOTÍCIAS E COMENTÁRIOS

E. Délèbecque (Univ. Aix-en-Provence) — Cronologia, interna da


Odisseia.
As narrativas na Odisseia.
O arquitecto da Odisseia.
J. Griffin (Univ. Oxford) — Deuses e homens em Homero.
Loufti Ab. Yehia (Univ. Alexandria, Egipto) — Homero e Hesíodo.
S. West (Univ. Oxford) — De Atenas a Alexandria.
Ch. Fantazzi (Windsor Univ., Ontário, Canada) — Linguagem e
estilo de Homero.
A. Skiadas (Univ. de Atenas) — Sobre a poesia de Homero.
Dimitrios Couretas (Univ. Atenas) — A lenda de Édipo segundo
Homero, Sófocles e Freud.
H. Martin (Kentucky Univ., U.S.A.) — Tema e estrutura na Odisseia.
Eleftherios Mamounas (Presidente-Fundador) — O movimento homé-
rico internacional.

Diversas excursões e passeios de interesse histórico e arqueológico


completaram estas reuniões de estudo.

ACTIVIDADES DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO ALEMÃO EM ROMA

Prossegue a realização de cursos de arqueologia in situ (cf. Huma-


nitas XXI-XXII, p. 447). Assim, efectuou-se novo curso em Pom-
peia, de 10 a 20 de Maio de 1972, com visitas guiadas a essas ruínas,
às de Herculanum, e Stabiae, e ao Museu Nacional de Nápoles, e excur-
sões a Cápua, Caserta, Campos Flegreios e Capri.
Anteriormente, em Março, tivera lugar outro curso em Ravena,
constituído também por prelecções e visitas guiadas.
O mesmo Instituto concede bolsas de estudo a jovens diplomados
em Arqueologia e Filologia Clássica, História Antiga, Pré-História
e Proto-História, Antiguidades Egípcias e do Próximo Oriente, His-
tória da Arquitectura Antiga, Arqueologia Cristã e Islamística.

ARQUIVO DE PLATÃO EM TUBINGEN

Depois de Aristóteles (cf. Humanitas, XVII-XVIII, p. 234), cabe


agora a vez a Platão de ter um arquivo que lhe é especialmente consa-
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 517

grado. Fundado em 1970 no Seminário de Filologia da Universidade


de Tubingen pelo Prof. Dr. K. Gaiser, propõe-se reunir uma biblioteca
especializada e manter-se informado de projectos de trabalho sobre
o filósofo. Planeia, além disso, constituir um ficheiro lexicográfico.

CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CIVILIZAÇÃO MEDIEVAL,


DA UNIVERSIDADE DE POITIERS

Para o ano lectivo de 1972-1973, este Centro, destinado, como


se sabe, a estudar nos seus múltiplos aspectos as sociedades medievais
e sua civilização especialmente no período dos sécs. x a XII, tem pro-
gramados diversos seminários, dos quais salientamos, pelo seu interesse
para os Classicistas, os de Marie-Thérèse d'Alverny sobre História
das Ideias e codicologia; de Robert Favreau, sobre Epigrafia medieval
e paleografia; e de Yves Lefèvre, sobre Língua e literatura mediolatinas.
No XIX Curso de verão, efectuado de 3 a 29 de Julho de 1972,
distinguimos, também pela sua relevância para a Latinidade tardia,
as lições de Yves Lefèvre sobre «O conhecimento dos autores antigos
nos meios escolares do séc. ix ao séc. xin» e as de Jean Rychner, sobre
«A tradução de Júlio César nos Feitos dos Romanos (começo do
séc. xin)».
TRABALHOS EM CURSO

Em 1970, a Academia das Ciências de Atenas fundou um Ins-


tituto de Investigação de Filosofia Grega, onde se prepara um léxico
da terminologia filosófica e científica dos Pré-Socráticos.

No Instituto de Filologia Clássica da Universidade de Bergen


(Noruega), o Prof. Dr. Knut Kleve prepara uma nova edição do livro I
de Filodemo, Sobre os Deuses, com o auxílio de dados fornecidos elec-
tronicamente.

No Instituto de Filologia Clássica da Universidade de Odense


(Dinamarca), o Dr. Bjarne Schartau projecta uma edição crítica dos
escólios de Thomas Magister e Triclínio à Tríade Bizantina de Eurípides.

No Seminário de Filologia Clássica da Universidade de Gõttin-


gen, o Dr. Paul Gerhard Schmidt passou a dirigir a publicação (iniciada
518 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

pelo Prof. Hans Walther) dos Initia carminum ac versuum medii aevi
posterioris Latinorum e dos Proverbia sententiaeque Latinitatis Medii Aevi.

REVISTAS NOVAS

Diversas revistas, exclusivamente consagradas aos Estudos Clás-


sicos ou a disciplinas compreendidas dentro do seu âmbito, apare-
ceram no decurso destes dois anos. É interessante notar a amplitude
geográfica da localização dessas publicações, que não se limitam aos
países europeus directamente influenciados pela cultura greco-latina,
mas abrangem outros que desejam também permanecer seus herdeiros
espirituais, desde o Canadá à Austrália, passando pela Nigéria. Eis
a lista daquelas de que tivemos conhecimento, com indicação do local
de publicação e matérias versadas:

— Bollettino di Studi Classici — Napoli.


Principalmente para informação bibliográfica, embora com-
preenda artigos e recensões críticas.
— Chiron — Mitteilungen der Kommission fiir alte Geschichte
und Epigraphie des Deutschen Archáologischen Insti-
tuís — C. H. Beck. Miinchen.
Além da História Antiga e Epigrafia, abrange a Numismática,
Papirologia e Topografia histórica.
— Cronache Ercolanesi — Bollettino dei Centro Internazionale per
lo Studio dei Papiri Ercolanesi — Napoli.
Órgão do Centro cuja criação anunciámos no volume ante-
rior (cf. Humanitas XXI-XXII, p. 448), dedica-se à publi-
cação de papiros daquela proveniência, em edições
críticas e comentadas.
— Cuadernos de Filologia Clásica — Facultad de Filosofia y Letras —
Madrid.
Estudos Clássicos em geral, com predomínio da língua e
literatura.
— Museum Africum — West African Journal of Classical and
Related Studies — Ibadan, Nigéria.
Continuando Nigéria and the Classics (de 1900 a 1971), abrange
a Linguística e Literatura Grega e Latina, História Antiga
e Filosofia.
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 519

• Ramus — Criticai Studies in Greek and Roman Literature —


Department of Classical Studies, Monash University,
Clayton, Victoria, Austrália.
Análise crítica da Literatura Antiga e definição dos seus nns
e métodos.
• Rivista Storica delV Antichità — R. Pàtron — Bologna.
Estudos de História Antiga.
- Teiresias — Department of Classics — McGill University —
Montreal.
Sobre as investigações arqueológicas em curso na Beócia,
com bibliografia.
M. H. ROCHA PEREIRA

DUAS EXPOSIÇÕES NO MUSEU DO LOUVRE

Ao procurarmos, no jornal que se nos apresenta na primeira paragem


em França, a caminho de Paris, as notícias do dia a dia cultural e artís-
tico, para escolher a que haveríamos de destinar alguns intervalos dis-
poníveis do trabalho na Biblioteca Nacional parisiense, logo fixámos
a exposição temporária, aberta desde 10 de Julho, na Galeria Mollien
do Museu do Louvre. O que acontece, porém, é que, antes de lá che-
garmos, inevitavelmente, reavistando, ao cimo de um pátio, a «Vitória
de Samotrácia», tínhamos de parar e demorar. Se quiséssemos contem-
plar apenas de frente esta escultura de celebridade tão popularizada,
nem seria preciso subir todos os degraus. A meio da escadaria se ficava,
até, em melhor ponto de vista. Mas, pretendendo olhá-la de várias
perspectivas, vamos até ao patamar. E aí, modestamente colocada
em uma esquina do pátio, onde todos passam junto da «Vitória de
Samotrácia», tinha sido posta para temporária apreciação do público
uma peça de bronze.

O Efebo de Agde

Trata-se da estátua a que foi dada provisoriamente a desi-


gnação de «O Efebo de Agde». Em 13 de Setembro de 1964 o
grupo de investigações arqueológicas submarinas e de mergulhadores
520 NOTICIAS E COMENTÁRIOS

de Agde, dirigido pelo Prof. Fonquerle e subvencionado pelo «Service


National des Fouilles», encontrou no leito do rio Hérault, na cidade
de Agde, uma parte desta estátua, logo colocada em um banho de água
destilada, para primeira limpeza. Na Primavera do ano seguinte
uma nova missão de escafandristas pôde, no lugar da primeira desco-
berta, achar um pedaço da perna esquerda, que perfeitamente se adapta
ao alto da coxa e fica incompleta abaixo do joelho. Esta junção
permite dar à estátua a sua linha geral e o seu aprumo. Tem, no estado
actual, a altura de um metro e trinta e três centímetros, mas é preciso
acrescentar cerca de seis centímetros para se lhe obter o tamanho total
primitivo.
O desgaste do bronze, corroído pela secular permanência sob
as águas poluídas dos esgotos, prejudicou a delicadeza da modelação,
ainda sensível, sob luz especial, quanto à arcadura torácica e à
nervosidade das pernas. Felizmente, a cabeça é a parte melhor
conservada, cheia ainda de expressão, apesar de terem desaparecido
os glóbulos que preenchiam o vão das órbitas.
A designação de «efebo» é seguramente imprópria, neste caso,
como sempre que é utilizada para denominar figuras de jovens cuja
caracterização não é facilitada por elementos singularizantes. A atitude
geral da figura parece a de ágil atleta dispondo-se para a corrida. Os tra-
ços de certa expressão individual tornam impossível que seja a represen-
tação de uma divindade. Por outro lado, alguns pormenores, como
a forma do diadema que prende os cabelos, a disposição destes, a clâmide
dobrada nos dois sentidos e enrolada à volta do braço esquerdo, assim
como outras particularidades, conduzem à hipótese de que se trate da
figuração de um monarca helenístico.
O ante-braço, que apareceu no mesmo sítio, embora de liga
metálica diferente e de dimensões que se não ajustam exactamente,
se pertence à estátua, significa ter ela sido objecto de um antigo restauro.
De qualquer modo, esta peça constitui obra romana de inspiração
helenística, destinada a ocupar um dos primeiros lugares entre os
bronzes antigos encontrados em França.
Seria descabido pronunciarmo-nos sobre a perfeição técnica com
que a estátua foi tratada e reconstituída quanto aos pedaços que lhe
faltam. Mas apraz referir que, para elucidação dos visitantes, se dis-
puseram ao seu lado, em caixilhos apostos na parede, as páginas do
artigo da Revue du Louvre que descreve a história do seu achado e os
elementos que possibilitam estas conclusões provisórias dos primeiros
NOTICIAS E COMENTÁRIOS 521

estudos realizados (1). Assim, o trabalho dos especialistas se torna


comodamente acessível ao público, por vezes meramente curioso, ao
mesmo tempo que essa eventual simples curiosidade é encaminhada
para eficiente despertar de alargamento de interesses culturais.

Artes do Mediterrâneo, dos séculos II a VI

No Museu do Louvre, entre as várias exposições temporárias, deci-


dimo-nos pela da Galeria Mollien, além do resto, porque se não trata
só de um agrupamento provisório das colecções que reúnem as mais
importantes estátuas e esculturas de colecções que actualmente se não
acham patentes, em razão de obras em curso. Incluem-se também
aqui peças de arte popular, em terracota, vidro, bronze, prata e marfim,
que na maior parte se encontravam guardadas em salas de depósito.
Em todos os grandes museus do mundo acontece que não dispõem
de espaço, nas instalações de exposição permanente, para tudo quanto
possuem. Por isso, ou se apresentam somente as peças mais significa-
tivas, deixando as restantes de maneira habitual armazenadas, ou se
organizam exposições rotativas, dando vez a serem apreciados, suces-
sivamente, todos os espécimes.
Houve agora o propósito de fazer o melhor aproveitamento das
riquezas do Louvre, susceptíveis de se integrarem no tema. Às colecções
romanas e cristãs da secção de Antiguidades Gregas e Romanas, junta-
ram-se peças trazidas dos Departamentos de Objectos de Arte, Escul-
turas e Antiguidades Orientais e Egípcias, assim como do «Cabinet des
Médailles» da Biblioteca Nacional de Paris. Deste modo se constituiu um
conjunto de obras executadas tanto em Roma como na vastidão do
Império, desde as Províncias orientais ao Norte de Africa, proporcio-
nando um variado panorama das civilizações desenvolvidas ao redor
do Mediterrâneo, no âmbito do mundo romano.
Não é possível, evidentemente, descrever de forma circunstanciada
o valiosíssimo conteúdo desta exposição, distribuída por sete salas,
alargadas ainda com vitrinas embutidas nas paredes.
A entrada abre com três peças espectaculares de mármore: dois
bustos monumentais, de Marco Aurélio e de seu irmão adoptivo, Lucius
Verus, provenientes de Acqua Traversa, próximo de Roma. São

(1) J. Charbonneaux, «Une statue de bronze découverte à Agde», Revue du


Louvre, 1966, 1-4.
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excelentes exemplos da arte oficial romana do fim do século segundo,


que esculpe os imperadores já depois da sua morte e, por isso, os repre-
senta de modo friamente impessoal. E a estela funerária de Diogas
e Fausta, de origem frigia, que combina o tema da porta da sepultura
com motivos decorativos. Esta representação dos defuntos é testemu-
nho da arte popular das províncias orientais do Império.
São ainda esculturas expressivas das diversas tendências da arte
do século segundo que preenchem a sala inicial, como dois bustos de
Trajano e um de Adriano, este encontrado em Creta. A par desta arte
a que se poderia chamar «aristocrática», oferece-se amostra de arte de
características mais «plebeias», como um grande relevo de mármore,
em que estão alinhados os cinco retratos dos defuntos de uma família,
e ainda urnas funerárias, usadas nos começos do Império, executadas
nas oficinas de Roma, e esteias realizadas nas províncias mais afastadas,
a Trácia, a Síria, por exemplo. Numa vitrina reunem-se vidros dos
primeiros séculos da era cristã, provenientes, na maioria, da Síria, da
Fenícia, de Chipre. Chamam especialmente a atenção alguns vasos
acostelados, que ilustram a mais antiga e a mais difícil técnica do vidro
moldado, tipo que apareceu no século primeiro antes de Cristo, e que
desapareceu nos começos do século segundo. Foi a invenção da asso-
pragem, pouco antes da era cristã, que permitiu a difusão de um fabrico
de vidros, por vezes de grande qualidade. De entre os apresentados, na
maior parte caracterizados por formas simples e decoração sóbria
e, geralmente, de uma só cor, sobressaem alguns com aspecto curioso,
como os que têm forma de cabeça humana.
Na sala seguinte, aos espécimes de escultura da metade final do
século segundo, como um busto couraçado de Marco Aurélio, de origem
grega e encontrado em Atenas, que possibilita confronto com o de Acqua
Traversa, referido atrás, reúnem-se em uma vitrina objectos de uso na
vida quotidiana, em bronze (uma chave, ornamentada com carranca de
leão) ou em osso (em particular, um fuso votivo). E variados utensílios
de iluminação: lanternas em terracota, pequenas lâmpadas fabricadas
em Tarso, numerosas lucernas com decoração muito variada e grandes
lâmpadas de bronze. Uma outra vitrina está inteiramente dedicada
à produção de cerâmica chamada «sigillata clara», fabricada essencial-
mente em oficinas que se situavam na actual Tunísia, de onde, desde
o fim do século primeiro até ao começo do século sexto, era exportada
para toda a área do Mediterrâneo. Notável se tornou a oficina do
oleiro Navigius, de entre o fim do século segundo e o princípio do
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seguinte, que se especializou na produção de vasos com a forma de


cabeça humana, de que se encontra patente um belo exemplar. Não
pode, todavia, passar-se adiante, sem demorar em frente da expressivi-
dade das formas movimentadas de um mármore frontal de sarcófago,
que representa o funeral de Heitor.
A terceira sala contém exclusivamente retratos do fim do século
segundo e início do terceiro: cabeças, bustos e alto-relevos, quer de
personagens privados como de figuras da família imperial, quase todas
da dinastia dos Severos. Proventura terá despertado maior interesse
entre os visitantes a colecção que se lhes juntou de retratos pintados,
geralmente sobre madeira, provenientes de Faium, no Egipto, onde
foram descobertos junto dos túmulos. São talvez de desde a época de
Augusto e não aparecem para além dos finais do século quarto. André
Malraux dedica-lhes algumas páginas de Les voix du silence e tornou
muito conhecida a chamada «Dama de Faium», que pertence a este con-
junto do Louvre e foi reproduzida a cores em extra-texto do livro (1).
Nos dois grandes mostruários da sala seguinte vêem-se objectos
convencionalmente chamados de «artes menores»: taças de prata
lavrada, bronzes, marfins, e terracotas, entre as quais uma expressiva
máscara de escravo, proveniente da Ática, utilizada pelos actores da
Comédia Nova. Dois objectos de bronze com incrustações de ouro
e prata, datados do século quarto, são igualmente produtos caracterís-
ticos de oficinas orientais, um dos quais, vaso de bronze com incrus-
tações em prata, está decorado com uma cena histórica: a fundação de
Cesareia da Palestina.
A quinta sala, a última das consagradas a retratos, reúne ainda
obras dos séculos terceiro e quarto, onde se repara em um retrato
imperial, cuja cabeça em mármore branco do século quarto foi inserido
em um busto de mármore da Renascença. Há ainda aqui uma segunda
vitrina, que completa a secção de vidros, com espécimes desta época,
a que valeria a pena dar atenção para apreciar, por exemplo, uma
taça, já dos fins do século quarto ou inícios do seguinte, com decoração
cristã, o crisma (X e P).

(1) André Malraux, Les voix du silence, La Galerie de la Plêiade, 1951,191-195.


Dois destes retratos de Faium, um deles, já da decadência, conservado no Museu
do Cairo, e pormenor de um outro, incluem-se como ilustração no corpo da compo-
sição tipográfica. Na versão portuguesa, em dois volumes, estas gravuras não
foram utilizadas (As vozes do silêncio, Lisboa, s.d., I, 172-176).
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São duas colunas em mármore esculpido, provenientes da igreja


de Notre-Dame de la Daurade, em Toulouse, que dão acesso às duas
últimas salas, reservadas ao sector paleo-cristão. Demorámos, por
exemplo, diante de uma pequena caixa de prata, parcialmente dourada,
conhecida por «Capsella de Brivio». A decoração da prata batida desta
peça, que decerto serviu de relicário, figura na tampa a ressurreição de
Lázaro e, nas faces laterais, os Três Hebreus na Fornalha, a Adoração
dos Magos, e duas representações de cidades, que serão, provavelmente
Jerusalém e Belém. O objecto é proveniente da região milanesa e atri-
bui-se-lhe o século quinto, como data de execução. Uma vitrina central
reúne a ourivesaria que na maior parte pertenceu à célebre e rica colecção
de Clerc-Boisgelin, oferecida há alguns anos ao Louvre, originária
quase integralmente da Síria.
Dos mosaicos expostos, perante os quais estão suspensos dois
imponentes lustres de igreja, em bronze, com lâmpadas de vidro verde,
trazidos do Egipto, não é dos menos merecedores de atenção ao por-
menor um painel mais pequeno. Foi recentemente doado ao Museu
e representa uma igreja em que, através da abertura das portas, se deixa
ver o lançamento de dois reposteiros.
Ao fundo da galeria, fixados à parede, como remate de tão esplen-
dorosas preciosidades de arte e relíquias históricas, ainda dois painéis
de mosaico, que pertenceram ao pavimento da igreja de Kabre Hiram,
perto de Tiro: um deles é a inscrição dedicatória, situada ao meio da
nave principal, e fornece o nome dos doadores, e a data — 575.

Não seria preciso terminar referindo a disposição das peças,


tecnicamente perfeita, conforme não podia deixar de esperar-se. Mas
deve acrescentar-se que as sete salas se percorrem com um bom guia,
que são as legendas, ao lado de cada uma das peças, fornecendo dados
rigorosos e suficientes para esclarecida «leitura» da exposição, posta
deste modo ao alcance de todos os visitantes, qualquer que seja o nível
da sua preparação cultural. É, na verdade, como se andássemos acom-
panhado por um especialista de cada secção.

Paris, Setembro de 1971

J. M. DA CRUZ PONTES
Bolseiro do Instituto de Alta Cultura

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