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17/05/2022 10:15 Las distancias en el gobierno de los imperios ibéricos - Segredos coloniais sob o controle do rei - Casa de Velázquez

Casa de
Velázquez
Las distancias en el gobierno de los imperios
ibéricos  | Guillaume Gaudin,  Roberta Stumpf

Segredos coloniais
sob o controle do
rei
A reforma dos correios em Portugal e no ultramar
em finais do século xviii: modelos, resistências e
limites

Nívia Pombo
p. 57-72

Texte intégral
1 A historiografia dedicada ao estudo dos impérios coloniais
tem se mostrado sensível ao tema da distância, em particular
as formas como as monarquias na Europa elaboraram
soluções para «vencê-la». As interpretações conferem um

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destaque específico para o fenômeno das comunicações


entre as monarquias europeias e os territórios ultramarinos,
posto que o governo de territórios longínquos se realizou na
dependência de uma intensa troca de papéis. Ao lado das
preocupações com a defesa das colônias, as metrópoles
estabeleceram uma ampla rede de informações sobre as
terras e os povos que conquistaram1.
2 Para além dos conteúdos que estavam fadados a transportar,
os escritos tornaram-se também registros das angústias
provocadas pelo tema da distância: preocupações com a
morosidade das trocas de informação, com sua
irregularidade, com a incerteza de que as comunicações
chegariam seguras em seus destinos. Ao mesmo tempo em
que as dimensões oceânicas dos impérios da época moderna
impunham uma separação abissal entre os territórios de
uma mesma monarquia, cada vez mais a experiência da
modernidade acrescentava uma outra categoria para medir a
extensão de um lugar a outro: o tempo investido nos
deslocamentos2.
3 Nesse processo, os sistemas de correios, tanto internos
quanto para o ultramar, colocam-se como um recorte
privilegiado para compreender uma face fundamental do
governo à distância3. Na Península Ibérica, as primeiras
redes de correspondência foram oficialmente criadas no
início do século  xvi, simultaneamente à experiência da
«abertura do mundo». Passadas as duas primeiras centúrias
da colonização, o serviço postal do século  xviii foi alvo de
intensos debates nos centros políticos das monarquias
europeias, contribuindo tanto para a modernização da
estrutura das comunicações internas e entre os reinos,
quanto para a criação de novas dinâmicas ao seu
funcionamento no ultramar.
4 Sob o prisma da racionalidade econômica de viés ilustrado, a
reforma dos correios visava transformar o serviço em fonte
de receita para os cofres das monarquias, integrando-o a um
leque de outras melhorias fiscais e fazendárias. No que se
refere às comunicações ultramarinas, as reformas
contribuiriam para a ampliação do controle sobre as

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colônias, transferindo para as monarquias europeias o


domínio sobre os fluxos de informações. A eficiência
almejada traria grande contribuição ao comércio, em
particular as redes de negócios instaladas nas principais
capitais europeias e coloniais.
5 Como Portugal participou desse processo transformador do
serviço de comunicação postal? No final do século xviii
assistiu-se a um grande esforço para a reestruturação dos
correios, trabalho capitaneado pelo ministro D.  Rodrigo de
Sousa Coutinho (1755-1812). Sua gestão da Secretaria de
Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801)
coloca-se como um momento privilegiado para analisarmos
os embates políticos, as resistências e os desafios de
implantar um sistema mais eficiente de correspondência,
ponto nevrálgico para um bom governo. Neste estudo,
colocaremos em exame algumas faces da reforma dos
correios encaminhada por D.  Rodrigo: as críticas e as
experiências reformistas que embasaram seu projeto; as
resistências que sofreu na corte; as reflexões sobre o correio
marítimo a partir da colaboração dos governadores
coloniais; e, por fim, alguns reveses da reforma postal e seus
limites na região norte da América portuguesa.

Sistemas postais em exame: modelos e


reformas
6 Ao assumir sua função no ministério em setembro de 1796,
D.  Rodrigo encaminhou um conjunto de medidas para
recriar o sistema postal em Portugal. A orientação principal
do projeto previa o estabelecimento de um sistema que fosse
rentável aos cofres régios, sem negligenciar os entraves que
tornavam o sistema de correios lento e pouco eficaz. Sua
análise sobre o serviço postal foi marcada pela sua
experiência como plenipotenciário em Turim, de onde foi
possível comparar a realidade portuguesa com estruturas de
comunicação mais ágeis, presentes na Espanha, França,
Inglaterra e Itália.
7 Boa parte das proposições de D.  Rodrigo resultaram das
observações que realizou dos sistemas implementados na
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Europa, em particular na Grã-Bretanha e na Espanha. No


caso inglês, o processo revolucionário do século xvii expôs a
fragilidade do sistema postal em tempos de guerra e de
conflitos civis, aspecto que contribuiu para o
estabelecimento de um serviço de cartas monopolizado pela
Coroa4. O controle exercido no interior do território,
integrava a Escócia e, na virada do século xvii para o xviii, a
Inglaterra tornou-se pioneira na criação de um sistema de
comunicação ágil com as colônias da América. O serviço
postal cresceu acompanhando o incremento mercantil entre
a Inglaterra e suas colônias ultramarinas, evidenciando a
importância de uma troca eficiente de correspondência para
o aumento dos lucros comerciais.
8 O meio mais comum de comunicação atlântica até 1740
foram as ship letters, embarcações criadas especificamente
para o transporte das cartas. Segundo Ian K.  Steele, os
habitantes da América ou de algum porto na Inglaterra
estavam seguros de que sempre havia um navio carregando
para um destino de um ou outro lado do Atlântico, aspecto
que teria contribuído para o fomento da escrita de cartas.
Para além dos navios mercantes e das frotas militares, a
Inglaterra investiu nas embarcações de avisos para as
notícias vitais e urgentes do governo, os chamados advices
boats5.
9 Esse processo foi considerado um elemento fundamental à
integração do Atlântico inglês e de unificação política e
econômica britânica, e contribuiu para tornar os correios
parte significativa da receita real até 1760. O volume de
cartas —  do governo, dos comerciantes, de banqueiros, de
militares e privadas  — bem como a circulação de jornais e
outros suportes de notícias, representavam o grande
monopólio de informações sob controle do governo inglês.
Londres revelava-se como um centro incontestável de
notícias, afirmando-se como a capital dos investidores
financeiros e de negócios6.
10 O sistema postal inglês serviu de exemplo às reformas
implementadas na Espanha e, mais tarde, em Portugal. Em
particular, a introdução dos packet boats, embarcações que

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faziam o transporte do correio ordinário semanalmente da


Inglaterra para a América inglesa e vice-versa. Esse modelo
influenciou a reforma realizada pelo ministro Pedro
Rodríguez Campomanes em 1764, visando mais regularidade
das notícias entre a Espanha e as colônias7. No caso
espanhol, a Guerra dos Sete Anos foi um componente
fundamental para fomentar as reformas, pois a invasão pelos
ingleses de Manila e Havana em 1762, evidenciou a
necessidade de fortalecer os vínculos com os territórios
coloniais estratégicos para a Monarquia Espanhola. A guerra
deixou exposta a falta de um sistema de informação
organizado, mais urgente em tempos de conflitos
diplomáticos8.
11 Nos casos inglês e espanhol, as conjunturas de guerras
foram fundamentais ao estabelecimento de correios
eficientes controlados diretamente pelas monarquias. Tais
experiências serviram de amparo as propostas feitas por
D.  Rodrigo para a reforma do sistema de correios em
Portugal. A conjuntura diplomática de guerra no final do
século  xviii tornavam o controle das cartas uma urgência e
esse tom acompanhou diretamente as preocupações do
ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos 9.
12 Para além dos modelos de sistema postal implementados na
Europa, D.  Rodrigo possivelmente considerou as críticas
elaboradas nos círculos políticos portugueses. Conforme
Margarida Sobral Neto identificou, observa-se a ocorrência
de uma rica discussão sobre o funcionamento dos correios
em Portugal nos anos de 1740. Em particular, as reflexões do
ministro e diplomata D.  Luís da Cunha (1662-1749)
registradas em seu Testamento político. Além das duras
críticas à morosidade do giro das cartas, recomendou ao rei
D. João V abolir a propriedade do ofício de Correio-mor por
meio de uma indenização. Em seu entendimento, a Coroa
deveria administrar o serviço postal, conforme ocorria na
Inglaterra, na França e na Holanda10.
13 Ainda de acordo com a análise de Sobral Neto, a conjuntura
ficou marcada pela circulação dos chamados «Três papéis
anônimos» que, além de ecoarem as críticas elaboradas por

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Cunha, atacavam o fato do serviço postal gerar despesas


extraordinárias à Coroa. As demandas postais do governo
eram garantidas por frequentes contratações de serviços de
particulares. Os textos também defendiam a necessidade de
os correios gerarem rendas aos cofres régios e, apesar de não
terem surtido efeito prático ao circularem em meados do
século, aproximam-se das propostas que D.  Rodrigo
defenderia em 179611.
14 As proposições de D.  Rodrigo mostram-se afinadas com as
críticas que, ao longo do século  xviii, foram formuladas ao
sistema postal em Portugal. Os correios precisavam ser
ágeis, lucrativos e deveriam facilitar «todas as comodidades
da vida»12. Para cumprir tal finalidade, os modelos
implementados na Inglaterra e na Espanha serviram de clara
inspiração. No entanto, colocar em prática as ações que
culminariam com a reforma dos correios a partir do Alvará
de 1798 não foi tarefa fácil. O ministro teve que enfrentar a
oposição do titular do ofício de Correio-mor, cuja
propriedade pertencia a uma única família em Portugal.
Trataremos desse ponto a seguir.

Resistências ao novo sistema postal


15 A implantação dos correios gerou obstáculos e revelou
profundas resistências na corte do príncipe regente D. João.
Encarregado de transferir para o poder da Coroa o controle
sobre o serviço postal, D.  Rodrigo se viu diante do
enfrentamento dos interesses da família Gomes da Mata
que, desde o século xvii, esteve à frente dos serviços postais
do reino, tanto por terra e quanto por mar.
16 O ofício de Correio-mor foi adquirido por Luís Gomes da
Mata Coronel em 1606, tornando-o responsável pelo correio
em toda a metrópole. Já em 1657, D.  Luísa de Gusmão
concedeu à família o acréscimo do ofício das cartas do mar,
uma recompensa por serviços prestados pelos Gomes da
Mata para a Campanha do Alentejo, bem como para atender
as solicitações feitas por negociantes para a regulamentação
do serviço postal13. Se para D.  Rodrigo era claro que a
reforma traria mais dinâmica, rapidez e racionalidade ao
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cotidiano administrativo, bem como servir de uma


importante fonte de lucro para os cofres régios, para seus
pares na corte, as medidas afrontavam negócios
profundamente enraizados.
17 O interesse de D.  Rodrigo pela situação dos correios em
Portugal não surgira apenas quando de posse do ministério.
Em suas «Reflexões sobre a fiscalidade e as finanças de
Portugal», de 1786, sintetizou o que futuramente seria o
cerne do seu plano para o sistema postal:
Sobre os outros impostos, quem ignora que o soberano em
Portugal não é o senhor do correio, o que o priva de uma
grande renda, que seria muito considerável se fizesse as
estradas que então aumentariam e fariam mais rápidas todas
as comunicações. O mesmo se pode dizer das postas de
cavalos diligências e recovagens, que formariam um ramo
muito importante de renda pública, enquanto seriam muito
úteis aos particulares, facilitando as comodidades da vida14.

18 A relevância do tema pode ser mensurada pelo desejo que


manifestou em duas cartas particulares de ocupar um cargo
na corte que permitisse a administração do sistema postal.
Em de 3 de agosto de 1791 afirmou ao seu irmão José
António, futuro principal Sousa:
Sabes tu o único lugar que eu desejaria, seria que a
Rainha N. S. tomasse para si como deve o correio das cartas,
e que depois m’o confiasse, com a inspeção das estradas,
pontes e canais. Então poderia servir utilmente a nossa
Soberana e o Reino que valeria mais do que agora vale15.

Em janeiro de 1792, declarou:


Se tivesse crédito, o único lugar que ambicionaria seria o de
uma Repartição que compreendesse «estradas, correios de
cavalos e cartas, rios, canais e pontes». Parece-me que
apesar da minha ignorância, com algum crédito havia de
surpreender […] a favor do engrandecimento das rendas
reais16.

19 A aspiração de administrar os correios pode ser traduzida na


intenção de D. Rodrigo em retirar o serviço postal das mãos
de particulares e transferi-lo para a gestão da Coroa. Para
além desse aspecto primordial, seus escritos revelam a

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preocupação em modernizar os correios, tornando-os


lucrativos e integrados a uma infraestrutura que garantisse
mais agilidade às comunicações. A circulação de papéis era
dependente também do investimento na melhoria das
estradas, pontes e canais viários. A reforma dos correios
fazia parte de um programa mais amplo de recuperação
financeira da Coroa em uma conjuntura de guerras, tal como
a que se desenhou no final do século  xviii. Tais ações
extrapolavam o âmbito de sua jurisdição na Marinha e
Domínios Ultramarinos, pois como demonstrou durante os
anos que atuou junto ao poder central, preocupou-se em
oferecer uma visão de conjunto para os dilemas enfrentados
por Portugal frente à acirrada competição entre as potências
europeias17.
20 O primeiro passo era, assim, enfrentar o monopólio da
família Mata na administração dos correios. Para isso,
D.  Rodrigo convocou em 13 de outubro de 1796 o
proprietário do ofício, Manuel José da Maternidade da Mata
de Sousa Coutinho, um jovem de 14  anos18. A proposta de
resgate oferecida pelo ministro era uma renda anual de
30  mil cruzados e um título hereditário de conde, o que foi
recusado pelo representante do menino, seu tio D. Duarte de
Souza, pois o correio rendia 60  mil ou 70  mil cruzados
anuais. Após as negociações, o acordo final garantiu uma
renda anual de 40 mil cruzados advindos, a escolher, de um
bem territorial, comenda ou título da dívida pública, mais
uma pensão vitalícia do mesmo montante19.
21 Meses depois, em 18 de janeiro de 1797, D. Rodrigo entregou
ao príncipe regente D.  João uma minuta do alvará de
suspensão do Correio-mor, contendo às condições do acordo
e os detalhes da administração do novo correio. O
documento sugeria que a Secretaria dos Negócios
Estrangeiros ficaria encarregada da gestão do correio no
reino e a Marinha e Domínios Ultramarinos pelo correio
marítimo. O acordo com a família titular do ofício tramitou
pela Secretaria dos Negócios Interiores e do Reino sob a
responsabilidade de José de Seabra da Silva. Durante quatro
meses, entre o intervalo da assinatura do acordo e do decreto

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que suspendeu o ofício, a correspondência entre D. Rodrigo


e Seabra da Silva está repleta de tensões:
Dorme novamente nas mãos de José de Seabra a conclusão
do que se determinou e ajustou sobre a extinção do ofício de
Correio-mor, e tem este procedimento dois fins: o 1.o manter
o sistema que sempre seguiu de desacreditar um tão Augusto
Príncipe, e tão adorado pelos seus ditosos vassalos, fazendo
ver que ele obedece quando quer, e que nada tem que temer;
o  2.o  de mostrar ao público que o negócio se não conclui
porque eu o ajustei por ordem de Vossa Alteza Real, e fazer o
contrário de tudo o que eu proponho como útil ao real
serviço […] Um dos seus aderentes ameaçou-me anteontem,
lembrando-me todo o poder das suas astúcias e artifícios20.

22 D. Rodrigo estava convicto de que havia uma «cabala forte e


bem organizada contra ele», impedindo-o de concluir suas
proposições «úteis ao real serviço»21. Nas entrelinhas,
atribuía as resistências à sua forma de administrar aos
conluios políticos do marquês de Ponte de Lima e de Seabra
da Silva contra a regência do príncipe D.  João22. Sua
avaliação ficou expressa em uma carta para o príncipe
D. João de 22 de janeiro de 1797:
Hoje os meus inimigos (oxalá fossem somente meus!) se
propõem de vilipendiar-me fazendo ver que V. A. R. não há
de ter firmeza em proteger as suas criaturas, e  […] não
assine o Decreto de abolição do ofício de correio-mor, já que
V.  A.  R. me encarregou desse negócio. […]  insinuam
indiretamente que eu pretendo ter toda a influência, que
V.  A.  R. não deve confiar-se em mim, porque desejo
governar tudo, como na sua Real presença se atreveu já a
proferir o marquês de Ponte de Lima. Estes fatos que ouso
asseverar na sua augusta presença, combinados com a
situação difícil do momento, que poderia somente ser feliz
tirando-se partido da mesma, o que contudo é impossível
com Luís Pinto vendido torpemente à Espanha, com o
marquês que arruína cada dia mais a sua Real Fazenda, com
José de Seabra, que V. A. R. conhece melhor do que eu23.

23 Os argumentos de D.  Rodrigo —  a favor da implementação


dos correios e das suas vantagens financeiras e políticas  —,
não eram suficientes para conter as objeções do grupo
liderado pelo marquês de Ponte de Lima e de Seabra da
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Silva. Este chegou a elaborar um novo texto para o alvará,


propondo que a jurisdição do correio marítimo ficasse a
cargo dos Negócios Estrangeiros. D. Rodrigo reagiu pedindo
demissão, pois se o novo texto fosse aprovado esvaziaria sua
competência no assunto:
A minha dor he tal que a minha saúde não resiste ao
trabalho de que V. A. R. se dignou encarregar-me, e de rastos
vou hoje ao Conselho de Justiça, e amanhã aos reaes pés de
V. A. R., para o suplicar humildemente que se digne nomear
outro Ministro do Estado24.

24 As oposições de Seabra da Silva ao decreto carecem de


maiores investigações. No entanto, as cartas trocadas entre
ele e D.  Rodrigo evidenciam os conflitos entre distintos
grupos de poder na corte em torno das decisões que
ampliariam o controle das informações circulantes no reino
e no mundo ultramarino25. Resistências que acabavam por
beneficiar os interesses corporativos em torno do ofício de
Correio-mor e, em particular, o correio marítimo. Em linha
divergente, marcado pelas leituras da economia política de
meados do século  xviii, em particular pela obra de Adam
Smith, D. Rodrigo representava a defesa de ideais contrários
às práticas monopolistas e advogava o controle, por parte da
Coroa, de áreas estratégicas do governo26.
25 Tal linha de defesa encontrava-se em consonância com a
«política pombalina do direito», como se referiu António
Manuel Hespanha. De acordo com este autor, Portugal,
seguindo outros países da Europa, buscou submeter o direito
e os juristas a um controle maior da Coroa a partir da
segunda metade do século xviii. Essa política «desenvolveu-
se em três frentes de reforma — a da legislação, a do sistema
das fontes de direito e a do ensino do direito»27. Frente aos
questionamentos sobre a eficácia desse processo, alguns
movimentos podem ser identificados no esforço da Coroa em
abolir os estancos, como ocorreu com o do sal e o da pesca
da baleia em 1801. Registra-se também a abolição dos
privilégios criados por contratos de exclusividade, como a
dos cortes de madeira na América portuguesa28.

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26 A ameaça de demissão de D. Rodrigo surtiu algum efeito. No


discurso proferido na abertura da Sociedade Real Marítima,
Militar e Geográfica em dezembro de 1798, após
propagandear os objetivos da nova instituição, tratou de
oferecer aos seus ouvintes um arrazoado dos feitos do
príncipe durante seus anos de regência. Destacou, entre
outros assuntos, a incorporação do «correio das cartas» à
Coroa. Louvou a generosidade da indenização ao último
administrador e, na contrapartida, sua honrosa contribuição
à monarquia, «um sacrifício tão útil à coisa pública, e que faz
de uma vez cessar o ridículo que se dava ao governo
português por ser o único Estado em que o correio público
era o património de um particular»29.
27 O discurso colocava o ministro do Ultramar na posição de
vencedor da disputa e, desse modo, marcava seu lugar de
influência junto ao príncipe. Mas suas palavras também
revelam a tentativa de criar um equilíbrio harmônico entre
os interesses da Coroa e a felicidade pública. Uma forma de
compreender a realidade social marcada pela noção de
«polícia» característica das administrações nos estados
reformistas europeus na segunda metade do século  xviii30.
Esse «Estado de Polícia», na definição de Hespanha, operou
como um «novo desígnio ordenador do poder em relação a
uma sociedade que já não é considerada como refletindo
uma ordem natural, mas [que] carece de ser organizada»31.
28 Conceito que contribuiu para a elaboração de uma nova
ordem interna, estabelecida pela ação do Estado, com base
no bem comum e público, que em Portugal só foi possível a
partir do reformismo. Tal como sugeriu Michel Foucault,
este foi um momento em que se reuniram os «meios (leis e
regulamentos) através dos quais seria viável fazer crescer as
forças do Estado, mantendo a boa ordem do Estado». Esse
mesmo autor, ainda afirmaria um tipo de atitude política
que se encontra nas iniciativas de D.  Rodrigo: «o que se
chama até o fim do Antigo Regime de Polícia não é somente
a instituição policial; é o conjunto dos mecanismos pelos
quais são assegurados a ordem, o crescimento canalizado

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das riquezas e as condições de manutenção do bem-estar em


geral»32.
29 O enfrentamento do monopólio dos correios e a ampliação
do controle da Coroa do serviço postal ocorreram
simultaneamente as ações do ministro para o
estabelecimento do correio marítimo. Este era um assunto
central na pasta da Marinha e Domínios Ultramarinos e,
para que seu funcionamento ocorresse de modo eficiente,
D.  Rodrigo contou diretamente com o apoio dos
governadores das conquistas, particularmente com as ilações
de seu irmão D. Francisco Maurício de Sousa Coutinho sobre
o assunto.

O sistema postal do Grão-Pará: um modelo


para o correio marítimo
30 Poucos são os registros que evidenciem a preocupação direta
de D. Rodrigo com o correio marítimo antes de sua entrada
no ministério. No entanto, a proposta de reforma do sistema
postal estaria incompleta sem a consideração das trocas de
informações entre Portugal e suas colônias. No que tange aos
territórios da América portuguesa, a inquietação com o tema
aparece dias após ao início de sua gestão, quando endereçou
aos governadores uma circular sobre o estabelecimento de
um correio entre cada capitania e Portugal, bem como destas
com os outros domínios da África e Ásia33. Antes mesmo de
receber as respostas dos governadores e do vice-rei conde de
Resende, em 21 de março de 1797, anunciou o
estabelecimento de um serviço de paquetes entre as colônias
e o reino, dando ordens para a construção das embarcações
adequadas ao serviço34. As respostas dos governadores
chegam, desse modo, simultaneamente a implementação do
novo serviço e, em alguns casos, como os de Pernambuco e
Bahia, é possível perceber críticas ao sistema35.
31 A urgência na implantação de um correio marítimo advém
da compreensão do perigo representado pela distância na
comunicação entre o centro e as periferias do império, em
particular em conjunturas diplomáticas complexas como a
que se apresentava no final do século  xviii. A orientação
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ilustrada de suas reformas pressupunha o monopólio da


informação por parte da Coroa. Era pouco produtivo
solicitar aos governadores mapas pormenorizados sobre a
demografia, o comércio, a produção agrícola, a organização
militar, o recolhimento dos impostos, entre outros relatórios
de governo, caso não se viabilizasse a redução do tempo
entre as trocas de correspondência, vital à saúde
administrativa.
32 O conhecimento do território, suas potencialidades
econômicas, abarcava também uma dimensão política:
noções detalhadas sobre as conquistas estavam diretamente
relacionadas à eficácia na cobrança de impostos, no
planejamento ordenado de intervenções estruturais nas vilas
e cidades, além do controle eficiente de vassalos rebeldes.
Informações valiosas que não estavam sob o controle direto
da Coroa, mas sim ramificadas no cotidiano do transporte
realizado por comerciantes, vulneráveis à cobiça das
potências inimigas. O segredo sobre as riquezas coloniais
nos quadros do mercantilismo era uma prática das
monarquias europeias. Como afirmou Robert Darnton, a
política no Antigo Regime era uma atribuição do rei, «que
tratava a ciência de governar como arcana imperii, uma arte
secreta restrita aos soberanos e seus conselheiros»36. Era
preciso cuidar, assim, do contrabando de notícias37.
33 O desconhecimento prático de D.  Rodrigo acerca das
distâncias no interior do território colonial tornava suas
ações dependentes dos olhares dos capitães-generais da
América portuguesa sobre o assunto. Como demonstrou
Mayra Guapindaia, a reforma do correio marítimo,
corporificada no Alvará de 20 de janeiro de 1798, contou
com uma ampla troca de ofícios entre D.  Rodrigo e os
governadores. No intenso debate gerado por esses escritos,
Guapindaia destacou a ocorrência de duas visões sobre o
sistema postal: uma que acreditava na necessidade de
intervenção direta da Coroa; e outra que defendia a
manutenção da estrutura existente, controlada pelos navios
mercantes38.

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34 Das ideias que emergem dos ofícios dos governadores,


destaca-se o «Plano sobre o estabelecimento de um correio
marítimo para as correspondências de Portugal com as suas
colônias da parte setentrional do Brasil», elaborado por
D.  Francisco Maurício de Sousa Coutinho, governador do
Pará, datado de 10 de maio de 179739. Na ausência de um
estudo sistematizado assinado por D.  Rodrigo sobre o
correio marítimo, a atenção que o ministro confere a esse
texto, como veremos adiante, nos permite afirmar que o
manuscrito traduzia a forma como ele acreditava ser a mais
eficiente para a implantação dos correios no interior da
América. Tal assertiva se ampara no fato de que foi esse o
texto que forneceu a base para a formulação do Alvará de 20
de janeiro de 1798 que regulamentou a implantação do
correio marítimo com a América portuguesa até que ele fosse
suspenso na conjuntura de 1820.
35 O escrito mostra o comprometimento do governante com as
ações que trariam benefícios à Coroa e aos súditos, tendo,
como princípio, o bem-estar e a felicidade dos povos40. Em
formato de perguntas e respostas, o texto endossa a
necessidade de organização da comunicação interna e está
permeado de ideais que justificavam as reformas ilustradas
com intervenções no território colonial. São exemplos dessa
necessidade as preocupações com a demarcação mais exata
das distâncias entre as vilas, a extração de drogas do sertão e
de madeiras. Revela também uma preocupação com a
necessidade de criar rotas internas mais ágeis para o giro das
cartas, aspecto que daremos maior atenção, posto que a
solução capaz de conferir mais eficiência dos portos
litorâneos à Lisboa, já estava dada por meio do sistema de
paquetes. Estava claro para D. Francisco que, para garantir a
segurança e a rapidez postal, era fundamental resolver os
obstáculos internos.
36 O documento foi, aparentemente, uma resposta à demanda
da Secretaria de Estado da Marinha e Domínios
Ultramarinos sobre o melhor meio de implantar o correio
marítimo na América portuguesa. Seu resultado, no entanto,
reflete um amplo conhecimento que D.  Francisco havia

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acumulado sobre a geografia da região norte, pois governava


a região desde 1790.
37 D.  Francisco apresentou todos os pontos que pretendia
solucionar a respeito da «rara regularidade» dos correios em
tempos de paz que, quando ocorria, resultava de «mero
acaso», e da necessidade de tê-los em bom funcionamento
em «tempo de guerra», quando a demora «chega a um ponto
insofrível»41. A ação nefasta da guerra sobre os canais de
comunicação era uma experiência comumente lembrada
pelos governantes, tema que surgiu no contexto da
Revolução Inglesa no século  xvii e, como tratamos
anteriormente, durante a Guerra dos Sete Anos, para o caso
espanhol42.
38 O problema da falta de notícias em «tempo de guerra»,
afirmava D.  Francisco, tornava o bom funcionamento dos
correios central «para aproximar as colônias da Metrópole,
para estreitar os laços entre uns e outros habitantes e
promover a recíproca felicidade»43. A preocupação do
governador do Pará combinava-se com o princípio de
unidade política defendida por seu irmão D.  Rodrigo, para
quem a «centralização dos governos da América» garantiria
mais força frente aos inimigos externos e permitiria à Coroa
portuguesa «ocupar o verdadeiro limite natural das nossas
possessões» na América. «Estreitar os laços» entre os
habitantes era a chave para o fortalecimento do «enlace
natural» dos domínios ultramarinos com a metrópole.
Afinal, como apregoava o ministro, a reunião das
«províncias da América, que se denominam com o genérico
nome de Brasil» promovia uma «mútua e recíproca defesa
da monarquia» e a realização do «inviolável e sacrossanto
princípio da unidade», o que permitia a todos os povos
sentir «os felizes efeitos da reunião de um só todo composto
de partes tão diferentes que separadas jamais poderiam ser
igualmente felizes»44.
39 D.  Francisco revelou um conhecimento profundo sobre o
problema das distâncias entre as capitanias do norte da
América portuguesa. Sua proposta era que toda a
correspondência do Mato Grosso, Goiás, Grão-Pará,

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Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,


Pernambuco e Bahia fosse destinada a Assú (Vila Nova da
Princesa) no Rio Grande do Norte e, do cabo de São Roque,
para a corte45. A correspondência do reino também chegaria
a esta região e dali seria dirigida por via terrestre para as
capitanias. Na ótica do governador, a via terrestre fornecia
uma leve vantagem quando comparada ao envio de paquetes
diretos para cada capitania, pois permitiria às localidades
receber as cartas com pouca diferença de tempo entre elas46.
Pelos seus cálculos, a viagem de Assú à corte ocorreria com
uma regularidade de trinta dias e, com mais cinco ou dez
dias no máximo, as capitanias receberiam as notícias da
Europa.
40 A eficiência do correio também dependeria do número de
embarcações a serem construídas, com recursos da
metrópole, para esse fim. Pelos cálculos do governador, com
quatro paquetes, a Coroa teria, entre cento e vinte e cento e
quarenta dias, a resposta de um ofício enviado para uma
capitania. As despesas para a construção seriam facilmente
compensadas por meio do carregamento de «tabuados de
louro, cedro e pau amarelo», madeiras que podiam ser
levadas em embarcações pequenas. Prevendo possíveis
«oposição e embaraços» aos novos estabelecimentos postais,
D.  Francisco «julg[ava] mui necessária toda a Economia
neste, e que as Cartas fiquem a preço mui comodo»,
evitando-se gastos com carregamentos supérfluos e
tripulação, até que «o povo não sente[sinta] as vantagens
[dos correios] para afoitamente os desfrutar»47.
41 A aceitação das proposições do governador do Pará —  em
detrimento a outras propostas encaminhadas por outros
capitães-generais, como analisado por Guapindaia  —
materializa-se no texto do Alvará de 20 de janeiro de 1798,
como afirmamos anteriormente. Mesmo antes da assinatura
do documento final, em setembro de 1797, D.  Rodrigo
enviou a todos os governadores da América, África e Ásia, a
notícia sobre o estabelecimento do novo correio marítimo48.
Ao que parece, o ministro conferiu pouca atenção às
informações e sugestões de outros governadores, pois o

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documento final é muito próximo ao plano escrito por


D. Francisco. O que estava por trás dessa medida?
42 A dinamização das comunicações internas entre o Pará,
Goiás, Mato Grosso e Rio Negro, inscrita no controle
geográfico e político dessa ampla região, completava-se com
as pretensões expansionistas sobre um território de limites
em definição. Na mesma linha, a centralização da
correspondência das capitanias mais ao interior da América
portuguesa nas mãos do governador do Grão-Pará ligava-se
às pretensões de D. Rodrigo em criar um vice-reinado para a
região norte, com sede em Belém do Pará. Tal proposta
previa, inclusive, a abertura de um Tribunal da Relação,
evitando-se a necessidade dos habitantes da região
recorrerem ao reino, a Bahia ou ao Rio de Janeiro49. A
corroborar com tais intenções, data do mesmo contexto a
elaboração de um plano para a Conquista de Caiena,
também de autoria de D. Francisco50.
43 O plano do correio marítimo de D.  Francisco precisa ser
examinado em atenção a outras proposições ligadas a um
maior controle geoestratégico da América portuguesa. Essa
visão sistêmica era partilhada por seu irmão na corte, pois
sua proposta de reforma do sistema postal também não pode
ser compreendida sem que se considere um conjunto de
medidas de caráter fazendário e fiscal visando a ampliação
das rendas reais, de uma maior eficiência financeira, capaz
de garantir a defesa do Império Português em tempos de
guerras. Uma diferença, no entanto, parecer ser
fundamental: enquanto D.  Rodrigo em Lisboa enfatiza o
papel dos correios na ampliação das rendas reais, todo o
plano de D.  Francisco está focado na necessidade de
controlar e acelerar a circulação das informações tanto no
interior da colônia, quanto das capitanias com Lisboa.

Os limites da reforma postal na América


portuguesa: notas finais
44 O correio marítimo foi criado a partir de outros modelos que
reestruturaram o sistema postal entre as colônias e suas
metrópoles na Europa. Apesar dessa aproximação parecer
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evidente para os que analisam o período, não se identificam


menções na documentação aos exemplos das Américas
inglesa ou espanhola. Mas algumas comparações podem ser
feitas, em especial acerca dos limites da reforma. Como
demonstram os estudos de Araneda Riquelme e Moreno
Cabanillas para o caso espanhol, a implantação de um novo
sistema de correios gerou conflitos, oposições e resistências
por parte daqueles que, anteriormente, eram responsáveis
pelo serviço. Examinando os planos encaminhados pelos
governadores das distintas capitanias da América
portuguesa, Guapindaia também apontou como um desafio
ao correio marítimo a ruptura com o monopólio dos navios
mercantes no tráfico postal51.
45 A leitura da documentação do período, em particular os
manuscritos avulsos do Conselho Ultramarino, aponta para
as resistências locais no transporte da correspondência em
especial nas redes estabelecidas no interior da América
portuguesa. Uma delas é o controle dos comerciantes locais
no transporte das cartas. É necessário considerar que o
processo de ocupação do território colonial exigiu a abertura
progressiva de caminhos pelo interior da América
portuguesa que garantissem a circulação de mercadorias,
animais de tração, escravos e gentes. À medida que a
administração se tornava mais complexa e as redes
mercantis mais constituídas, tais passagens serviam também
para a condução das correspondências oficiais.
46 Para além desse aspecto, uma novidade parecia ser a
cobrança postal. No plano dos correios, Francisco Maurício
de Souza Coutinho registrou as queixas e «os sentimentos de
alguns Negociantes [que] achavam excessivo o [valor] de
80 réis costumados a não pagar nada», lembrando ao poder
central «que o grande inconveniente para o Correio»
resultava «da concorrência de Cartas gratuitas vindas em
Navios de Sua Majestade»52. Guapindaia aponta para a
existência de uma «escrita momentânea», na qual o
comerciante enviava suas cartas por qualquer navio sem
precisar aguardar as datas rígidas de saídas dos correios. Os
tropeços colocados à plena aplicação do alvará podem ser

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variáveis de acordo com a região e colocam-se como um


campo aberto às pesquisas53.
47 A reforma postal era, para D.  Rodrigo, um aspecto da sua
agenda de recuperação dos cofres régios. A preocupação com
a arrecadação postal marcou todo o encaminhamento para
suspender o monopólio da família Gomes da Mata, mas
também guiou as diretrizes para o estabelecimento do
correio marítimo e do interior da América portuguesa. Todos
os governadores tiveram que responder sobre as despesas e
os lucros que podiam advir desse novo sistema. Mas, como
observamos, as respostas dos governadores às demandas da
Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos
parecem caminhar em outra direção. Demonstravam estar
mais interessados na criação de um sistema capaz de
garantir a regularidade e a eficiência do giro de informações,
do que com as rendas resultantes do negócio das cartas.
48 Comparado as rendas anuais do Correio-mor, em curto
espaço de tempo o correio marítimo mostrou um
desempenho mais lucrativo para a Coroa do que o sistema de
transporte realizado pelas embarcações mercantis54.
Aparentemente, a reforma do correio marítimo foi um
sucesso. No entanto, dois séculos de enraizamento de um
sistema de trocas de cartas realizado por comerciantes não
se desfazem em alguns meses. Há indícios de que tanto o
ofício de Correio-mor quanto o transporte feito pelos navios
mercantes tenham continuado a funcionar em paralelo às
novas diretrizes. Em 26 de março de 1798, o ministro
anunciava ao príncipe D. João:
O correio marítimo produziu 353$956  réis que vão
imediatamente entrar no Erário, e que seria uma maior
soma se o Correio-mor estivesse já satisfeito e expulso do
lugar que pretende sempre não largar. Digne-se Vossa Alteza
Real ver que as disputas com os meus colegas são sempre
sobre os interesses da sua Real Coroa, e que apesar de não
ser nem nunca ter sido amigo do Marquês [de Ponte de
Lima], sempre contribui da minha parte com todas as
noções e com aquela atividade que poderia ter posto a
Fazenda Real no pé o mais respeitável55.

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49 A queixa de D. Rodrigo pode ser um indicativo de que uma


rede não oficial de correspondência seguiu em
funcionamento, garantindo os interesses de particulares no
negócio das cartas. Hipótese que merece investigação. O
porto de Assú, defendido como o melhor local para o envio e
recebimento das correspondências, nunca saiu do papel,
como assegura Guapindaia56. Cabanillas, em seu estudo
sobre o caso espanhol, apontou para a intensa polêmica
provocada pela transferência do correio marítimo para La
Coruña em detrimento do porto de Cádiz. Teria ocorrido
algum tipo de resistência por parte dos comerciantes da
América portuguesa em favor da oposição e embaraços
manutenção dos antigos portos como local de despacho das
correspondências? Mais uma pergunta que merece atenção.
50 Há também razões para desconfiar que o correio com o
interior da América portuguesa não funcionou tão bem
quanto o plano de D.  Francisco parece demonstrar. Um
breve exame da correspondência dos governadores do Mato
Grosso e de Goiás no período revela alguns entraves. No
final de 1797, reiterando as queixas da demora das ordens
vindas de Lisboa, o governador do Mato Grosso, Caetano
Pinto de Miranda Montenegro, havia recebido «notícias
particulares» sobre o «rompimento da guerra (entre
Portugal e Espanha) e outras a davam por já declarada»,
mas ansiava por notícias oficiais. Isolado, tratou de
consertar com urgência as armas que, «muito velhas»,
praticamente não tinham mais serventia. Escreveu sobre
suas intenções em pedir socorros ao vice-rei no Rio de
Janeiro e ao governador do Pará, mas não queria agir
precipitadamente antes de receber alguma instrução da
corte. Na espera por mais de dois anos, acabou surpreendido
com a invasão espanhola do presídio de Nova Coimbra em
180157, localizado às margens do rio Paraguai, capitania do
Mato Grosso.
51 Montenegro tinha noção exata dos prejuízos provocados pela
dificuldade de comunicação entre o Mato Grosso e a corte.
Impressionado com o tamanho do território que governava,
mandou elaborar um novo mapa da capitania para que no

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reino se pudesse «fazer ideia mais completa de toda sua


extensão»58. Em seu diagnóstico, o isolamento do Mato
Grosso seria resolvido caso «fossem vencidos os obstáculos
naturais de comunicação com o Pará», uma vez que as
«costumadas inundações dos rios» provocavam a «demora
dos correios» por mais de dois meses. Alertou a D.  Rodrigo
sobre a necessidade de «facilitar a comunicação das suas
importantes colônias do Brasil com a Metrópole», porque as
diretrizes do poder central eram úteis «no tempo da paz»,
mas faziam-se «mais necessária no tempo da guerra, porque
de outra sorte, ou se tomam as medidas tarde, ou antes do
tempo, estando elas sempre dependentes de combinações
vagas e falíveis»59.
52 Ao elaborar suas considerações acerca das condições de
estabelecimento do novo correio no interior da capitania que
administrava, Caetano Pinto de Miranda Montenegro
apontou não apenas para o isolamento da região, mas para
um aspecto negligenciado pelos que contribuíram com o
debate sobre as melhores formas de estabelecer e regularizar
o correio marítimo na América portuguesa. Segundo ele:
Os Posseiros e Mineiros vivem concentrados no meio da sua
Escravatura, e esta espécie de Sociedade Doméstica, de viver
violenta, para que os aparta de toda a cultura, e comércio
humano. […] Donde concluo, que o número das cartas há de
ser pequeno, enquanto a Povoação, e as fortunas destes
Colonos não tiverem um aumento considerável, e talvez que
nem a despesa do Estabelecimento chegarão a cobrir60.

53 A ausência de uma cultura de escrita de cartas no interior da


América portuguesa talvez tornasse as chances de lucro com
o correio marítimo uma quimera. Imersos na faina colonial,
na mineração ou na agricultura, os vassalos dos sertões
mostravam-se avessos aos princípios que guiavam as Luzes
do ministro D.  Rodrigo e seus governadores letrados. A
experiência da colonização se fez de acordo com os
imperativos da distância. Se nas colônias inglesas, os súditos
britânicos passaram a escrever mais cartas por estarem
certos de que sempre havia uma embarcação pronta a dar
destino as suas palavras, no interior do Mato Grosso súditos
de «viver violento» não se mostravam seduzidos por tal
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possibilidade. Curiosamente, as condições de letramento da


população forjavam, para além das distâncias geográficas e
temporais, uma nova noção de afastamento, de ordem
cultural, tornando o habitante do interior da América
portuguesa um súdito distante dos padrões civilizatórios
impostos pela ilustração europeia.

Notes
1. Uma síntese importante do assunto e do debate historiográfico acerca
do tema da distância encontra-se em Gaudin et alii, 2017.

2. Sobre as pressões exercidas pela categoria do tempo: Le Goff, 1995.


Ver também Hartmut, 2019.

3. Sobral Neto, 2005; Araneda Riquelme, 2017; Moreno Cabanillas,


2017; Guapindaia, 2017.

4. Steele, 1986, pp. 113-116.

5. Ibid.

6. Ibid.; Le Roux, Richez, 2014; Caplan, 2016.

7. Moreno Cabanillas, 2017.

8. Ibid.

9. Sobre a conjuntura diplomática e as guerras do final do século  xviii,


ver Alexandre, 1993.

10. Sobral Neto, 2005, pp. 36-38.

11. Ibid.

12. «Reflexões sobre a fiscalidade e as finanças de Portugal [1786]», em


Coutinho, Textos políticos, t. I, pp. 234-239.

13. Sobral Neto, 2005, pp. 19-25.

14. «Reflexões sobre a fiscalidade e as finanças de Portugal [1786]», em


Coutinho, Textos políticos, t. I, p. 235.

15. Carta de D. Rodrigo a José António, Turim, 3/8/1791, ANTT, Condes


de Linhares, [Cartas pessoais], mç. 62, doc. 12.

16. Carta de D. Rodrigo a José António, Turim, 25/1/1792, ibid., doc. 13.

17. Cardoso, 1989; Silva, 2006; Pombo, 2015.

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18. Silva, 2006, p. 25; Pombo, inédita, p. 113.

19. Além do que foi proposto no acordo, o jovem proprietário do ofício


do Correio-mor foi agraciado com o título de conde de Penafiel. Ver
Pereira, 1990, t. II, p. 97.

20. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho ao príncipe regente D. João,


Lisboa, 12/11/1796, ANRJ, Negócios de Portugal, cx. 716, pct. 1, doc. 36.

21. Ibid.

22. Pombo, inédita, pp. 62-120.

23. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho ao príncipe regente D. João,


Lisboa, 22/1/1797, ANRJ, Negócios de Portugal, cx.  681, pct.  1,
no 1, doc. 37.

24. Carta de D. Rodrigo de Souza Coutinho ao príncipe regente D. João,


Lisboa, 27-28/3/1797, ibid., doc. 53.

25. Anexos às cartas de D.  Rodrigo ao príncipe D.  João, ibid., cx.  716,
pct. 2. Encontra-se uma rica correspondência entre o ministro e Seabra
da Silva sobre o assunto.

26. Pombo, 2015, p. 186 sqq.

27. Hespanha, 1998, p. 196.

28. Novais, 2001, pp. 246-254.

29. «Discurso feito pelo Ilmo. e Exmo. Sr.  D.  Rodrigo de Souza
Coutinho, na abertura da Sociedade Real Marítima [1798]», em
Coutinho, Textos políticos, t. II, p. 183.

30. Raeff, 1975.

31. Hespanha, 1984, p. 68.

32. Foucault, 2008, pp. 419-457; Id., 1984, p. 197.

33. Carta de D.  Rodrigo de Souza Coutinho aos governadores das


capitanias do Brasil, Lisboa, 22/9/1797, ANRJ, Negócios de Portugal,
cx. 744, pct. 1, no 2a.

34. Carta de D.  Rodrigo de Souza Coutinho aos governadores das


capitanias do Brasil, Lisboa, 21/3/1797, ibid., cx. 747, pct. 1.

35. Sobre as respostas dos governadores ver o estudo de Guapindaia,


2017.

36. Darnton, 2005, p. 46.

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37. Para o caso espanhol, Araneda Riquelme, 2017.

38. Guapindaia, 2017.

39. «Ofício (2a via) do D.  Francisco de Sousa Coutinho, para o


D.  Rodrigo de Sousa Coutinho, remetendo um plano para o
estabelecimento de um correio marítimo…», Pará, 10/5/1797, AHU-CU,
Pará, cx.  109, doc.  8578 [doravante «Ofício (2a  via)»]. O plano foi
analisado com mais detalhes em minha tese de doutorado, Pombo,
inédita, cap. vii. Ver também o estudo de Guapindaia, 2017.

40. Astuti, 1984, pp. 264 e 266-267; Raeff, 1975.

41. «Ofício (2a via)», § 1.

42. Steele, 1986, p. 114; Moreno Cabanillas, 2017.

43. «Ofício (2a via)», § 1.

44. «Memória sobre o melhoramento dos domínios de sua majestade na


América [1797]», em Coutinho, Textos políticos, t. II, p. 49.

45. Mais detalhes sobre o funcionamento dos postos de recolhimento e


distribuição da correspondência podem ser lidos em Pombo, inédita,
p. 283 sqq.; Guapindaia, 2017.

46. «Ofício (2a via)».

47. Ibid., § 9.

48. Carta de D.  Rodrigo de Souza Coutinho aos governadores das


capitanias do Brasil solicitando o estabelecimento de um correio mensal
entre cada capitania e o reino, Lisboa, 22/9/1797, ANRJ, Vice-reinado,
cx. 744, pct. 1, no 2a.

49. Ofício de Francisco de Sousa Coutinho a D.  Rodrigo de Sousa


Coutinho, 20/9/1797, BNRJ, Mss.  I-28,  25,  30. Vale lembrar que em
1812 foi criado na região norte um Tribunal da Relação, mas com sede
em São Luís do Maranhão.

50. Pombo, inédita.

51. Araneda Riquelme, 2017; Moreno Cabanillas, 2017; Guapindaia,


2017.

52. «Ofício (2a via)», § 22.

53. Guapindaia, 2017.

54. Silva, 2006, p. 32.

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55. Despacho de D.  Rodrigo de Souza Coutinho à S.  A.  R. o príncipe


regente D.  João sobre os rendimentos do correio marítimo, Lisboa,
26/3/1798, ANRJ, Negócios de Portugal, cx. 697, pct. 2, no 2, doc. 5.

56. Guapindaia, 2017.

57. «Ofício do [governador e capitão general da capitania de Mato


Grosso] Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao [secretário de estado
da Marinha e Ultramar] Rodrigo de Sousa Coutinho sobre informações
recebidas do Presídio de Coimbra; a visita de um soldado dos domínios
de Castela, com pretexto de buscar escravos e índios fugidos; o reforço da
guarnição do presídio e orientações para o comandante do forte do
Príncipe da Beira», Vila Bela, 3/8/1797, AHU-CU, Mato Grosso, cx.  33,
doc. 1756 (doravante «Ofício sobre informações do Presidio»).

58. «Ofício do [governador e capitão general da capitania de Mato


Grosso] Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao [secretário de estado
da Marinha e Ultramar] Rodrigo de Sousa Coutinho a informar que
mandou fazer um mapa geral da capitania», Vila Bela, 1/3/1798, ibid.,
cx. 34, doc. 1771.

59. «Ofício sobre informações do Presidio».

60. «Ofício do [governador e capitão general da capitania de Mato


Grosso] Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao [secretario de estado
da Marinha e Ultramar] Rodrigo de Sousa Coutinho, sobre o
estabelecimento de Correio com a corte e os domínios ultramarinos»,
Vila Bela, 5/7/1798, ibid., cx. 35, doc. 1796.

Auteur

Nívia Pombo

IFCH, Universidade do Estado do


Rio de Janeiro  – Rede-Proprietas,
Universidade Federal Fluminense
© Casa de Velázquez, 2022

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Référence électronique du chapitre


POMBO, Nívia. Segredos coloniais sob o controle do rei : A reforma dos
correios em Portugal e no ultramar em finais do século xviii: modelos,
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resistências e limites In : Las distancias en el gobierno de los imperios


ibéricos  : Concepciones, experiencias y vínculos [en ligne]. Madrid  :
Casa de Velázquez, 2022 (généré le 17 mai 2022). Disponible sur
Internet  : <http://books.openedition.org/cvz/29206>. ISBN  :
9788490963456.

Référence électronique du livre


GAUDIN, Guillaume (dir.) ; STUMPF, Roberta (dir.). Las distancias en
el gobierno de los imperios ibéricos  : Concepciones, experiencias y
vínculos. Nouvelle édition [en ligne]. Madrid : Casa de Velázquez, 2022
(généré le 17 mai 2022). Disponible sur Internet  :
<http://books.openedition.org/cvz/29051>. ISBN : 9788490963456.
Compatible avec Zotero

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