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OS ELEMENTOS

Jean Chevalier e Alain Gheerbrant,


in Dicionário de Símbolos
Compilação de Constantino K. Riemma

Para as Tradições Ocidentais, os Elementos são em número de quatro:


a Água, o Ar, o Fogo, a Terra.
Eles não são irredutíveis entre si
e transformam-se uns nos outros, com um
rigor semelhante ao do raciocínio
matemático.
Por isso, no Timeu, de Platão, a teoria dos
elementos está ligada à das Ideias e dos
Números, como também à da Participação,
que está no âmago da dialética platônica.
Cada um desses elementos subdivide-se em
variedades, segundo as medidas da
participação e das misturas. Assim sendo,
pode-se distinguir três espécies de Fogo:
a chama ardente, a luz e os resíduos incandescentes da chama.
Havia um quinto elemento que se podia ligar tanto ao Ar quanto ao Fogo:
o ÉTER.
Cada elemento age como condutor para uma outra realidade que não é
a sua. A imagem do ar, por exemplo, está na base da psicologia
ascensional, que, por sua vez, tem seus contrários no alçar voo e na
queda. De igual modo os quatro elementos correspondem aos
temperamentos: a Água ao fleumático ou linfático, a Terra ao
melancólico ou bilioso, o Ar ao sanguíneo, o fogo ao colérico ou nervoso.
Bachelard descreve os Elementos como “hormônios da imaginação”,
que acionam grupos de imagens. Ajudam a assimilação íntima do real
disperso em suas formas. Através deles efetuam-se as grandes sínteses
que dão qualidades regulares ao imaginário.
Assim, o Ar imaginário, em particular, é o hormônio que nos faz crescer
no sentido psíquico.
A psicologia moderna retomou a distinção tradicional entre os princípios ativos e
masculinos, Ar e Fogo, e os princípios passivos e femininos, Água e Terra.
As variadas combinações desses elementos e de suas relações
simbolizam a complexidade e a infinita diversidade dos seres ou da
manifestação, bem como sua perpétua evolução de uma combinação a
outra, conforme a predominância de um determinado Elemento.
No plano interior e espiritual, igualmente, a evolução psíquica se
encontra evocada pela valência de condutor própria a cada elemento.
O Fogo é muitas vezes considerado como o Elemento Motor, que anima,

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transforma, que faz com que evoluam de um para outro os três estados
da matéria: sólido (Terra), líquido (Água), gasoso (Ar). O ser de fogo
simboliza o agente de toda evolução.
Os Elementos estabelecem uma ligação entre a Astrologia e a antiga
doutrina dos grandes filósofos (Pitágoras, Empédocles, Platão,
Aristóteles...), segundo a qual os diversos fenômenos da vida estão
sujeitos às manifestações dos elementos, que determinam a essência das
forças da natureza que, por sua vez, realiza sua obra de geração e de
destruição por meio desses Elementos: a Água, o Ar, o Fogo e
a Terra. Cada elemento surge da combinação de dois princípios
primordiais: a Água procede do Frio e do Úmido; o Ar, do Úmido e
do Quente; o Fogo, do Quente e do Seco; e a Terra, do Seco e do Frio.
Cada um deles é representativo de um estado: líquido, gasoso, ígneo e
sólido.
Cada um deles está relacionado a um conjunto de condições dadas à
vida, numa concepção cíclica. Assim, tem-se uma ordem quaternária da
natureza, dos temperamentos e das etapas da vida humana:
inverno, primavera, verão e outono;
da meia-noite ao nascer do sol; do nascer do sol ao meio-dia; do meio-
dia ao poente; do poente à meia-noite;
fleumático ou linfático, sanguíneo, melancólico ou bilioso, colérico ou
nervoso;
infância, juventude, maturidade, velhice;
formação, expansão, culminação, declínio etc.
As operações da Alquimia, da Astrologia e das disciplinas esotéricas
repousam na base desses valores universais.
Na iniciação maçônica, o Recipiendário começa por sair da Terra.
Em seguida, ele é sucessivamente purificado pelo Ar, pela Água e pelo
Fogo. Liberta-se, de escalão em escalão, da Vida material, da Filosofia e da
Religião e, por fim, consegue chegar à Iniciação pura.
Partes do
Elementos Etapas Naipes do Tarô
Ser humano
Fogo Espírito Iniciação Paus
Água Alma Religião Copas
Ar Mente Filosofia Espadas
Terra Corpo Vida material Ouros
Os Elementos são conceitos básicos na Astrologia Tradicional:
ao Elemento Fogo corresponde o ardor e o entusiasmo;
ao Elemento Água, a sensibilidade e a emotividade;

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ao elemento Ar, a intelectualidade;
ao elemento Terra, a materialidade.
As correspondências zodiacais com os elementos são as seguintes:
Fogo: Áries, Leão. Sagitário;
Água: Câncer, Escorpião, Peixes;
Ar: Gêmeos, Libra, Aquário;
Terra: Touro, Virgem, Capricórnio.
A realidade aparente sendo puramente ilusória, não tem nenhuma
materialidade – é o elemento ar.
Aquele que envereda pelo caminho da perfeição (tarik) e pretende
prosseguir nele terá de principiar, portanto, por queimar dentro de si as
imagens dessa realidade ilusória (elemento fogo).
Graças a isso, ele começará a apreender a divina e única realidade,
inicialmente no que ela tem de mais fluido e impreciso – Elemento Água.
E, por fim, ele conseguirá fundir-se na total e única realidade, o Hak,
a divindade, a única verdadeiramente sólida – Elemento Terra.
Os quatro elementos são representados tradicionalmente por linhas
com variações ornamentais em torno do tema central:
Água - ondas:
Ar - volutas:
Fogo - relâmpagos:
Terra - quadrados:
Os triângulos e os quadrados, associados aos Elementos Fogo e Terra,
remetem à simbólica dos números três e quatro, e ajudam,
principalmente, a compreender o valor masculino ligado ao número três,
e o valor feminino ligado ao número quatro.

Fogo (Paus)

O simbolismo do Fogo encontra-se resumido na doutrina hindu, que lhe


confere fundamental importância. Agni, Indra e Surya são os Fogos dos
Mundos: terrestre, intermediário e celeste, ou seja, o fogo comum, o raio
e o Sol. Além disso, existem outros dois fogos; o da penetração ou
absorção (Vaishvanara), e o da destruição (outro aspecto do Agni).
Segundo o I Ching, o Fogo corresponde ao sul, à cor
vermelha, ao verão e ao coração. Essa última relação, aliás, é
constante, quer o fogo simbolize as paixões (principalmente
o amor e a cólera), quer simbolize o Espírito (o Fogo do
Espírito, que é também o sopro e o trigrama Li) ou o
conhecimento intuitivo a que se refere a Gita.

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A significação sobrenatural do Fogo estende-se das almas
errantes (fogos-fátuos, lanternas do Extremo Oriente), até o Espírito
divino. Brama é idêntico ao Fogo.
O símbolo do Fogo Purificador e regeneradores desenvolve do Ocidente
ao Japão. A liturgia católica do Fogo Novo é celebrada na noite de Páscoa.
A do Xinto coincide com a renovação do ano. Há, ainda, as ‘ Línguas de
Fogo’ de Pentecostes. O papel do ferreiro segue a direção do Alquimista,
que fabrica a imortalidade na chama de seu fornilho, e até mesmo,
acreditam os chineses, no fogo do cadinho interior, que corresponde,
pouco mais ou menos, ao plexo solar e ao manipura-chakra, que os Iogues
colocam sob o signo do Fogo. De resto, os Taoístas entram no fogo para
liberar-se do condicionamento humano, apoteose a propósito da qual não
se pode deixar de evocar a de Elias, em seu ‘carro de fogo’. Além do mais,
eles entram no fogo sem se queimar; e isso, permite-lhes chamar a chuva
– bênção celeste – mas evoca, também, o ‘fogo que não queima’ do
Hermetismo Ocidental, ablução, purificação alquímica, simbolizada pela
salamandra.
O homem é Fogo, diz São Martinho; sua lei, como a de todos os fogos, é
a de dissolver (seu invólucro) e unir-se ao manancial do qual está
separado. Seria preciso acrescentar a esses fogos purificadores o da China
antiga, que acompanhava, nas entronizações rituais, o banho e a
fumigação. Também não se pode deixar de mencionar o fogo dos
ordálios (= prova judiciária feita com elementos da natureza e cujo
resultado era interpretado como um julgamento divino; juízo de Deus).
O Buda substitui o fogo sacrifical do Hinduísmo pelo fogo interior, que
é, ao mesmo tempo, conhecimento penetrante, iluminação e destruição
do invólucro: Atiço em mim uma chama... Meu coração é a lareira, e a
chama é o eu domado. Os Upanixades asseguram, paralelamente, que
queimar pelo lado de fora não é queimar. Daí os símbolos da Kundalini
ardente na Ioga Hindu, e o do Fogo Interior no Tantrismo Tibetano.
O aspecto destruidor do fogo implica também, evidentemente, um lado
negativo e o domínio do fogo é igualmente uma função diabólica.
A propósito da forja, deve-se observar que seu fogo é a um só tempo
celeste e subterrâneo, instrumento de demiurgo e de demônio. A queda
de nível é representada por Lúcifer, portador da luz celeste, no momento
em que é precipitado nas chamas do inferno: Fogo que queima sem
consumir, embora exclua para sempre a possibilidade de regeneração.
Os inumeráveis Ritos de Purificação pelo fogo – em geral, ritos de
passagem – são característicos das culturas agrárias. Com efeito,
simbolizam os incêndios dos campos que se adornam, após a queimada,
com um manto verdejante de natureza viva.

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O Fogo, nos ritos Iniciáticos de morte e renascimento, associa-se ao seu
princípio antagônico, a Água. A purificação pelo fogo, portanto, é
complementar à purificação pela água, tanto no plano microcósmico
(Ritos Iniciáticos), quanto no plano macrocósmico (mitos alternados de
Dilúvios e de Grandes Secas ou Incêndios).
A significação sexual do Fogo está ligada, universalmente, à primeira
das técnicas usadas para a obtenção do fogo: por meio da fricção, num
movimento de vaivém – imagem do ato sexual.
Podemos distinguir duas direções ou duas constelações psíquicas na
simbologia do fogo, conforme a maneira como ele for obtido, isto é: por
meio da percussão ou da fricção. No primeiro caso, o fogo aparenta-se
ao relâmpago e à flecha, e possui um valor de purificação e de
iluminação; ele é o prolongamento ígneo da luz. Puro e fogo, em sânscrito,
são conceitos designados pela mesma palavra. Ao fogo espiritualizante
relacionam-se os ritos de incineração, o Sol, as fogueiras de elevação e de
sublimação, enfim, todo fogo que transmita uma intenção de purificação e
de luz. Esse fogo opõe-se ao fogo sexual, obtido por meio da fricção, tal
como a chama purificadora se opõe ao centro genital da sede matriarcal, e
tal como a exaltação da luz celeste se distingue de um ritual de
fecundidade agrária. Assim orientado, o simbolismo do fogo marca a
etapa mais importante da intelectualização do cosmo, e afasta o homem
cada vez mais da condição animal.
Assim como o Sol, pelos seus raios, o fogo simboliza por suas chamas a
ação fecundante, purificadora e iluminadora. Mas ele apresenta também
um aspecto negativo: obscurece e sufoca, por causa da fumaça; queima,
devora e destrói: o fogo das paixões, do castigo e da guerra.
Nessa perspectiva, o Fogo, na qualidade de Elemento que queima e
consome, é também símbolo de purificação e de regeneração.
Reencontra-se, pois, o aspecto positivo da destruição: nova inversão do
símbolo. Todavia, a Água é também purificadora e regeneradora. Mas o
Fogo distingue-se da Água porquanto simboliza a purificação pela
compreensão, até a mais espiritual de suas formas, pela luz e pela
verdade; ao passo que a água simboliza a purificação do desejo, até a mais
sublime de suas formas – a bondade.

Terra (Ouros)

Simbolicamente, a terra se opõe ao céu como o princípio passivo ao


principio ativo; o aspecto feminino ao aspecto masculino da
manifestação; a obscuridade à luz; o yin ao yang; Tamas (tendência
descendente) a Sattva (tendência ascendente); e densidade, fixação e

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condensação à natureza sutil, volátil, à dissolução.
Segundo o I Ching, a Terra é o hexagrama K'un, a
perfeição passiva, recebendo a ação do princípio ativo,
K'ien. Ela sustenta, enquanto o céu cobre. Todos os seres
recebem dela o seu nascimento, pois é mulher e mãe, mas a
Terra é completamente submissa ao princípio ativo do Céu.
O animal fêmea tem a natureza da terra. Positivamente,
suas virtudes são doçura e submissão, firmeza calma e
duradoura.
É necessário acrescentar a humildade, etimologicamente ligada ao
húmus, em direção ao qual a Terra se inclina e do qual foi modelado o
homem.
A terra é a substância universal, Prakriti, o caos primordial, a prima
matéria separada das Águas, segundo o Gênesis, levada à superfície das
Águas pelo javali de Vixenu; coagulada pelos heróis míticos do Xintoísmo;
matéria de que o Criador molda o homem. A Terra é a virgem penetrada
pela lâmina ou pelo arado, fecundada pela chuva ou pelo sangue, o sêmen
do céu. Universalmente, a Terra é uma matriz que concebe as fontes, os
minerais, os metais.
A Terra é “quadrada”, determinada pelos seus quatro horizontes. O
império chinês é também quadrado, dividido em quadrados e
representado, no seu centro, pelo quadrado doming-t'ang.
A Terra simboliza a função maternal: Tellus Mater. Dá e rouba a vida.
Prostrando-se sobre o solo, Jó exclama: Nu saí do seio materno, nu para lá
retornarei, identificando a Terra-Mãe com o colo materno.
Identificada com a Mãe, a Terra é um símbolo de fecundidade e
regeneração. Dá à luz todos os seres, alimenta-os, depois recebe
novamente deles o germe fecundo. Seguindo aTeogonia de Hesíodo, a
Terra (Gaia) pariu até o Céu (Urano), que deveria cobri-la em seguida para
fazer nascerem todos os deuses. Estes imitaram essa primeira hierogamia
(hiero = sagrado, divino; gamia), depois os homens, os animais; revelando-
se à Terra como a origem de toda a vida, foi-lhe conferido o nome
de Grande Mãe.(Pacha mama, dos Incas).
Há enterros simbólicos, semelhantes à imersão batismal, seja para
curar e fortificar, seja para satisfazer a Ritos Iniciáticos. A ideia é sempre a
mesma: regenerar pelo contato com as forças da Terra, morrer para uma
forma de vida, para renascer em outra forma.
Das Águas, que também dão origem às coisas, distinguimos a Terra, pelo
fato de as Águas precederem a organização do Cosmo, e a Terra produzir
as formas vivas. As Águas representam o conjunto do que é
indiferenciado, a Terra, os germes das diferenças. Os ciclos aquáticos

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envolvem períodos mais longos que os ciclos telúricos na evolução geral
do Cosmo.
A terra fértil e a mulher são frequentemente comparadas na
literatura: sulcos semeados, o lavrar e a penetração sexual, parto e
colheita, trabalho agrícola e ato gerador, colheita dos frutos e
aleitamento, o ferro do arado e o falo do homem. Quando as mulheres
grávidas atiram sementes nos sulcos enriquecem as colheitas, pois são
fonte de fecundidade. Vossas mulheres, diz o Corão, são para vós como os
campos (11, 223). Foi em um sulco semeado que, na primavera, Jasão
uniu-se a Deméter (Odisséia).
No Japão, a Terra é simbolicamente carregada por um peixe enorme; na
Índia, por uma tartaruga; entre os ameríndios, por uma serpente; no
Egito, por um escaravelho; no sudoeste da Ásia, por um elefante etc. Os
terremotos são explicados por movimentos súbitos desses animais
geóforos, que correspondem a fases de evolução.
A denominação de Terra Santa se aplica, para os judeus e os cristãos, à
Palestina; mas é evidente que ela admite homólogos em outras tradições
ou recebe outros nomes, tais como: Terra dos Santos, dos Bem-
Aventurados, Terra de Imortalidade etc. Em todos os casos, trata-se de
centros espirituais, correspondendo ao Centro do mundo particular a cada
Tradição, o próprio reflexo do Centro primordial ou do Paraíso terrestre.
A isso podemos relacionar a Terra prometida, objetivo de uma busca que
também é de ordem espiritual, e ainda a Terra negra (Kemi) dos egípcios,
cujo caráter principal não deixa dúvida alguma. A Terra prometida é um
dos polos do espírito (Dante), como Canaã para os hebreus, Ítaca para
Ulisses, a Jerusalém Celeste para os cristãos... A Terra pura corresponde,
para Platão, ao que imaginamos como a Terra Santa.
Mas a terra definitiva não é estranha à das origens. Esta não abandona
seu caráter sagrado. Assim, quando um grupo quer regenerar-
se espiritualmente, pratica uma espécie de retorno à terra natal.
Com esse caráter sagrado, esse papel maternal, a Terra intervém na
sociedade como garantia dos juramentos. Se o juramento é o elo vital do
grupo, a Terra é mãe o sustento de toda sociedade.
Numa “psicogeografia” dos símbolos, em que a superfície plana da terra
representa o homem como ser consciente; o mundo subterrâneo, com
seus demônios e seus monstros ou divindades malevolentes, figura o
subconsciente; os cumes mais elevados, mais próximos do céu, são a
imagem do supraconsciente. Toda a Terra se torna, assim, símbolo do
consciente e de sua situação de conflito, símbolo do desejo terrestre e de
suas possibilidades de sublimação e de perversão. É a arena dos conflitos
da consciência no ser humano.

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Ar (Espadas)

O Ar representa, como o Fogo, um Elemento ativo, masculino, ao passo


que a Terra e a Água são considerados Elementos passivos, femininos.
Enquanto estes dois últimos símbolos são materializantes, o Ar é um
símbolo de espiritualização.
O Ar é o meio próprio da luz, do alçar voo, do perfume, da cor, das
vibrações interplanetárias; é a via de comunicação entre a Terra e o Céu.
A trilogia do sonoro, do diáfano e do móbil é... uma
produção da impressão íntima de alívio, de alijamento. Ela
não nos é dada pelo mundo exterior. É conquista de um ser
outrora pesado e confuso que, graças ao movimento
imaginário, e escutando as lições da imaginação aérea, se
tornou leve, claro e vibrante... A liberdade aérea fala,
ilumina, voa.
O ser aéreo é livre como o Ar e, longe, de ser evaporado, participa das
propriedades sutis e puras do Ar. O Elemento A r, diz São Martinho, é um
símbolo sensível da vida invisível, um móbil universal e um purificador.
O Elemento Ar é simbolicamente associado ao vento, ao sopro.
Representa o mundo sutil intermediário do Céu e da Terra, o mundo da
expansão que, dizem os chineses, é insuflado pelo sopro (k'i), necessário à
subsistência dos seres. Vayu, que o representa na mitologia hindu, está
montado numa gazela, levando um estandarte que tremula ao vento, que
se poderia identificar com um leque. Vayu é o sopro vital, o sopro
cósmico, e se identifica ao Verbo que é, ele próprio, sopro. Os vayu são,
no nível do ser sutil, as cinco funções vitais, consideradas modalidades do
prana, o sopro vital.
No esoterismo ismaelita, o Ar é o princípio da composição e da
frutificação, o intermediário do Fogo e a Água, o primeiro lam do Nome
divino. Corresponde à função doTali, a Alma universal, origem da
frutificação do mundo, da percepção das cores e das formas, o que nos
leva mais uma vez à função do sopro.

Água (Copas)

As significações simbólicas da Água podem se reduzir a três temas


dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regeneração.
Esses três temas se encontram nas mais antigas tradições e formam as
mais variadas combinações imaginarias e, também, as mais coerentes.
As Águas, massa indiferenciada, reapresentando a infinidade dos

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possíveis, contêm todo o virtual, o informal, o germe dos germes, todas as
promessas de desenvolvimento, mas de igual modo todas as ameaças de
reabsorção.
Mergulhar nas águas para delas sair sem se dissolver de
todo — salvo por uma morte simbólica — é retornar às
origens, carregar-se de novo num imenso reservatório de
energia e nele beber uma força nova: fase passageira de
regressão e desintegração, condicionando uma fase
progressiva de reintegração e regeneração (banho, batismo,
iniciação).
Na Ásia, a Água é a forma substancial da manifestação, a origem da vida
e o Elemento da regeneração corporal e espiritual, o símbolo da
fertilidade, da pureza, da sabedoria, da graça e da virtude. Fluída, sua
tendência é a dissolução; mas, homogênea também, ela é igualmente o
símbolo da coesão, da coagulação. Como tal, poderia corresponder
a sattva; mas, como escorre para baixo, para o abismo, sua tendência
é tamas; como se estende na horizontal, sua tendência é ainda rajas.
A Água é a matéria-prima, a Prakriti: Tudo era Água, dizem os textos
hindus; as vastas Águas não tinham margens, diz um texto
Taoísta. Bramanda, o Ovo do Mundo, é chocado à superfície das Águas.
Da mesma forma, o Sopro ou Espírito de Deus, no Gênesis, pairava sobre
as águas. A Água é Wu-ki, dizem os chineses, o Sem-Crista, o caos, a
indistinção primeira. As Águas representam a totalidade das possibilidades
de manifestação e se dividem em Águas superiores, que correspondem às
possibilidades informais (indeterminadas); e Águas inferiores, que
correspondem às possibilidades formais(determinadas). É a mesma
dualidade que o Livro de Enoch traduzirá em termos de oposição sexual e
que a iconografia representa frequentemente pela dupla espiral. As águas
inferiores estão, ao que se diz, fechadas num templo de Lhassa, dedicado
ao rei dos nagas. As possibilidades informais são representadas na Índia
pelas Apsaras (de Ap, água). A noção de águas primordiais, de oceano das
origens, é quase universal. Pode ser encontrada até na Polinésia e a maior
parte dos povos austros-asiáticos situa na água o poder cósmico. A ela se
junta muitas vezes o mito do animal mergulhador, como o javali hindu,
que traz um pouco de Terra superfície, embrião que aflora à manifestação
formal.
Origem e veículo de toda vida: a seiva é água e, em certas alegorias
tântricas, a água representa prana, o sopro vital. No plano corporal, e por
ser também um dom do céu, ela é símbolo universal
de fertilidade e fecundidade. A água do céu faz o arrozal, dizem os
montanheses do sul do Vietnã, sensíveis à função regeneradora da água,

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OS ELEMENTOS
que consideram medicamento e poção de imortalidade.
Da mesma forma, a Água é o instrumento da purificação ritual. Do Islã
ao Japão, passando pelos ritos dos antigos fu-chuei taoístas (senhores da
água benta), sem esquecer aspersão dos cristãos, a ablução tem papel
essencial.
A Água, oposta ao Fogo, é yin. Corresponde ao norte, ao frio (no
hemisfério norte), ao solstício do inverno, aos rins, à cor negra, ao
trigrama K'an, que é o abismo. Mas, de outro modo, a Água está ligada ao
raio, que é Fogo. Na Alquimia Interior dos chineses, o banho e a lavagem
poderiam bem ser operações de natureza ígnea. O mercúrio alquímico,
que é Água, é às vezes qualificado como água ígnea.
Nas Tradições judaica e cristã, a Água simboliza, em primeiro lugar,
a origem da criação. O mem (M) hebraico simboliza a água sensível: ela é
mãe e matriz (útero). Fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente
e deve ser, em consequência, considerada como uma hierofania
(= manifestação do sagrado).
Por outro lado, a Água, como, aliás, todos os símbolos, pode ser
encarada em dois planos rigorosamente opostos, embora de nenhum
modo irredutíveis, e essa ambivalência se situa em todos os níveis. A água
é fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora.
Na Bíblia, os poços no deserto, as fontes que se oferecem aos nômades
são outros tantos lugares de alegria e encantamento. Junto das fontes e
dos poços operam-se os encontros essenciais. Como lugares sagrados, os
pontos de água tem papel incomparável. Perto deles, nasce o amor e os
casamentos principiam. A marcha dos hebreus e a caminhada de todo
homem na sua peregrinação terrena estão intimamente ligadas ao
contato exterior ou interior com a água. Esta se torna, então, um centro
de paz e de luz, oásis. A hospitalidade exige que se apresente água fresca
ao visitante, que seus pés sejam lavados, a fim de assegurar a paz do seu
repouso. Todo o Antigo Testamento celebra a magnificência da água. O
Novo receberá esse legado e saberá utilizá-lo.
É muito natural que os orientais tenham visto, assim, a água, primeiro
como um sinal e um símbolo de bênção: pois não é ela que permite a
vida? Quando Isaías profetiza uma era nova, diz: brotará água no
deserto... o país da sede se abrirá em fontes... (35, 6-7). No Apocalipse não
fala outra linguagem: O Cordeiro... os conduzirá às fontes das Águas da
vida (Apoc. 1, 17).
A água se torna o símbolo de vida espiritual e do Espírito, oferecidos por
Deus e muitas vezes recusados pelos homens. Símbolo, antes de tudo, de
vida no Antigo Testamento, a água se tornou, no Novo, símbolo do
Espírito (Apocalipse, 21).

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Jesus retoma esse simbolismo no seu diálogo com a samaritana: Aquele
que beber da água que eu lhe darei não terá mais sede... A água que eu
lhe darei se tornará nele fonte de água a jorrar em vida eterna (João, 4, 4).
A água, possuidora de uma virtude lustral, exercerá um poder
soteriológico (= de salvação). A imersão nela é regeneradora, opera
um renascimento, por ser ela, ao mesmo tempo, morte e vida. A água
apaga a história, pois restabelece o ser num estado novo. A imersão é
comparável deposição do Cristo no santo sepulcro: ele ressuscita, depois
dessa descida nas entranhas da terra. A água é símbolo de regeneração: a
água batismal conduz explicitamente a um novo nascimento (João, 3, 3-
7), é iniciadora. O Pastor de Hermes fala daqueles que desceram à água
mortos e dela subiram vivos. É o simbolismo da água viva, da fonte da
juventude.
Se as águas precedem a criação, é evidente que elas continuam
presentes para a recriação. Ao homem novo corresponde a aparição de
outro mundo.
Símbolo da dualidade do alto e do baixo: água de chuva – água do mar. A
primeira é pura; a segunda, salgada. Símbolo de vida: pura, ela é criadora
e purificadora (Ezequiel, 36, 25); amarga, ela produz
a maldição (Números, 5, 18). Os rios podem ser correntes benéficas ou
dar abrigo a monstros. As águas agitadas significam o mal, a desordem.
Dos símbolos antigos da água como fonte de fecundação da terra e de
seus habitantes podemos passar aos símbolos analíticos da água como
fonte de fecundação da alma: a ribeira, o rio, o mar representam o curso
da existência humana e as flutuações dos desejos e dos sentimentos.
Como no caso da terra, há que distinguir na simbólica da água a superfície
e as profundezas. A navegação ou o viajar errático dos heróis na superfície
significa que estão expostos aos perigos da vida, o que o mito simboliza
pelos monstros que surgem do fundo. A região submarina se torna, dessa
forma, símbolo do subconsciente. A perversão se acha, igualmente,
figurada pela água misturada à terra (desejo terrestre) ou pela água
estagnada que perdeu suas propriedades purificadoras: o limo, a lama, o
pântano, A água gelada, o pelos, exprime a estagnação no seu mais alto
grau, a ausência de calor na alma, a ausência do sentimentos vivificante e
criador que é o amor. A água gelada representa a completa estagnação
psíquica, a alma morta.

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