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AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DO DESEMPENHO E

EMISSÕES DE MOTORES DIESEL USANDO


MISTURAS DE ÓLEO DE MAMONA E ÓLEO DIESEL

VALÉRIA SAID DE BARROS PIMENTEL

Departamento de Engenharia Mecânica


Universidade Federal do Rio de Janeiro – Pesquisadora

CARLOS RODRIGUES PEREIRA BELCHIOR

Departamento de Engenharia Oceânica


Universidade Federal do Rio de Janeiro – Professor

PEDRO PAULO PEREIRA

Departamento de Engenharia Mecânica


Universidade Federal do Rio de Janeiro – Pesquisador

Resumo
Este trabalho refere-se a avaliação experimental da COPPE/UFRJ em parceria com o CENBIO, de
diesel geradores operando com misturas de óleo mamona “in natura” e óleo diesel . Foram
realizados testes de desempenho e emissões em um motor diesel de injeção direta. Devido a alta
viscosidade da mistura foi instalado um dispositivo (kit) para pré-aquecer a mistura afim de
aproximar a sua viscosidade a do óleo diesel. Os resultados obtidos nos testes apontam para a
possibilidade de utilização da mistura óleo de mamona e óleo diesel como combustível para diesel-
geradores, com modificações introduzidas nos motores.

Abstract
This work refers to the experimental evaluation of diesel generators operating with blend of crude
castor oil and diesel. Performance and emissions tests were accomplished in a diesel engine of
direct injection. Because of the high viscosity of the blend a device was installed on the engine in
order to lower the blend viscosity. A comprehensive analysis of the results obtained in these tests
indicates the possibility of use of the blend of castor oil and diesel as fuel for diesel-generators, with
modifications introduced in the engines.

Introdução
Brasil tem 15% de sua população (25 milhões de pessoas) sem acesso à fontes seguras de
eletricidade [1]. A maioria desta população têm uma renda muito baixa e vivem nas áreas rurais
onde os custos para instalar o acesso à eletrificação convencional são elevados. Para a geração
de eletricidade em áreas remotas, a configuração de sistema básico inclui um motor diesel
acoplado a um gerador de CA. O sistema é conectado geralmente a uma mini-rede, que serve à
parte central da vila. O uso de óleo vegetal como combustível já foi investigado por muitos
pesquisadores na última década [2-6].

Este artigo discute o uso da mistura de óleo de mamona e óleo diesel em motores diesel
estacionários para a fonte de energia de vilas pequenas na Amazônia.

Objetivo
O objetivo do teste de um motor diesel em uma bancada dinamométrica foi analisar o efeito da
utilização da mistura de óleo de mamona “in natura” com óleo diesel em motores diesel sobre as
variáveis de operação e, consequentemente, sobre as emissões e o desempenho do motor,
comparativamente com o motor operando com óleo diesel.

Com base em experiência anteriores [2,3,4,5,8,9,10], foram realizados testes com a mistura
aquecida a 95o C , já que acima de 100 oC de aquecimento da combustível o sistema de
alimentação do motor começa apresentar problemas operacionais.

Apparatus
No desenvolvimento do trabalho, foi utilizado um motor diesel de injeção direta de 6 (seis) cilindros
de 5.9 litros e 168 Hp - motor Cummins 6 BT AA 5.9 . Para determinação da potência efetiva
produzida pelo motor, foi empregado um dinamômetro hidráulico da marca Motor Power com
capacidade para 600 kW.

Figura 1 – Motor Cummins instalado em bancada dinamométrica no LMT

O controle de carga foi realizado por um sistema de Controle de Carga Land & Sea. Este
dinamômetro é conectado a um microcomputador através de um módulo de aquisição de dados,
permitindo o registro de dados

Como a viscosidade da mistura óleo de mamona e óleo vegetal é maior que a do óleo diesel a
temperatura ambiente, foram realizadas algumas alterações no sistema de alimentação de
combustível do motor, para que se pudesse operar o motor com a mistura a aquecida a 95o C.
Table - Propriedades Físico-Químicas
Propriedades Óleo de Mamona Óleo Diesel
Poder Calorífico Superior (kcal/kg) 8.766 10.843
Poder Calorífico Inferior (kcal/kg) 8.163 10.246
Densidade (a 20 oC) 0.9102 0.87
Indice de Acidez (mgKOH/g) 2.19 –
Ponto de Fulgor (oC) 260 60
Ponto de Fluidez (oC) (-21) 23
Ponto de Névoa (oC) (*) 45
Teor de Cinzas (%) 0.011 0.001
Viscosidade (40 oC) (Cst) 234.4 2.6
Viscosidade (60 oC) (Cst) 80.17 –
Viscosidade (100 oC) (Cst) 18.23 1.10
Análise realizada pelo INT
(*) Não foi evidenciada a turvação característica do ponto de névoa

A alimentação de combustível passou a ser feita através de dois tanques de combustível


interligados, um para o diesel e outro para a mistura. Foi desenvolvido um dispositivo (kit) fabricado
em de aço inoxidável equipado com uma resistência elétrica para aquecimento da mistura até
95oC, já que a essa temperatura a mistura fica com a viscosidade próxima a do diesel. O kit possui
uma bureta calibrada para permitir a medição volumétrica de consumo de combustível.

Legenda:
1-Motor Diesel 2- Gerador
3-Tambor de óleo vegetal 4-Entrada de óleo Diesel
5-Válvula de 3 vias 6-Aquecedores imersão
7-Bomba de transferência 8-Filtro de óleo vegetal
9-Tanque de aquecimento 10-Tanque de transição
11-Bomba manual 12-Filtro de combustível
13-Bomba injetora

Figura 2 – Dispositivo (kit) de conversão

Para possibilitar um controle de temperatura em vários pontos do motor foram instalados vários
termopares tipo J para registras e controlar as temperaturas de:
9 Ar de admissão
9 Água de arrefecimento
9 Combustível
9 Gases de Descarga
A medição das emissões de gases poluentes foi realizada por um analisador de quatro gases (CO,
CO2, HC e NOx) . Este analisador determina as concentrações de HC , CO e CO2 através do
método de absorção de infravermelho. As análises das emissões de NOx são determinadas através
de um detetor químico-luminescente. A medição de opacidade foi realizada através de opacímetro
de fluxo total que não mede a massa das partículas emitidas, apenas uma estimativa dos níveis
de emissão mássica.

Procedimento de Teste

O procedimento de teste adotado foi desenvolvido especificamente para diesel geradores


operando com óleos vegetais in natura, possibilitando a comparação dos resultados com aqueles
obtidos com o óleo Diesel.

Após a análise das características físico-químicas do óleo de mamona “in natura” observamos que
a amostra de óleo de mamona submetida à análise pelo Instituto nacional de Tecnologia INT e do
óleo utilizado nos testes do LMT e da CUMMINS, poderiam não corresponder plenamente às
características de um combustível a ser utilizado em motores diesel.

Baseado nessas informações, o procedimento visa estabelecer uma metodologia de testes que
possibilite a comparação de desempenho entre o óleo diesel e o da mistura sob as mesmas
condições de teste, e a identificação da influência desses combustíveis no desempenho do motor e
emissões de poluentes.

Para atingir estes objetivos foram realizados testes que tinham como metodologia a seqüência
abaixo:

A partida do motor era dada com óleo diesel permanecendo nessa condição (aquecimento)
durante 30 minutos, para que fossem atingidas as condições ideais de funcionamento. Esse critério
foi usado para atenuar os problemas causados pela pior atomização e vaporização do combustível
quando o motor está frio, levando à formação de depósito.

Após o aquecimento, iniciava-se o primeiro ciclo de teste seguindo o seguinte procedimento:

Através da atuação automática da válvula de controle do dinamômetro, era possível manter


constante a RPM do motor, à semelhança de suas condições operacionais quando acionando o
Grupo Gerador a 1800 RPM.

Em seguida, atuava-se simultaneamente no débito da bomba injetora do motor Diesel, de maneira


a se obter as potências de 20, 40, 60 e 80 kW.

As potências escolhidas estão dentro da faixa de valores que seriam desenvolvidas pelo grupo
gerador CUMMINS em operação normal.

Em todas as potências acima, foram registrados os valores de:


- Torque
- RPM
- Temperatura de Gases de Descarga
- Consumo de Combustível
- Análise dos Gases de Exaustão (CO, HC, NOx e Opacidade)

Após o término dos testes diários, o motor permanecia funcionando durante 30 minutos com óleo
diesel para promover uma limpeza no sistema de injeção. Esse cuidado era tomado para evitar a
solidificação do combustível na tubulação, causando entupimento após o desligamento do motor.

Os ensaios foram realizados primeiramente com o motor funcionando com óleo Diesel.
Após os testes com o óleo diesel o motor foi ensaiado com o óleo vegetal.

Tendo em vista os resultados da análise do óleo de Mamona, que registravam valor de viscosidade
de 234,40 cSt a 40 oC e de 18,23 cSt a 100 oC (3 vezes o valor apresentado pelo óleo Diesel à
temperatura ambiente), vimos que uma atomização adequada não seria obtida no injetor do motor.
Temperaturas acima desse valor afetam o funcionamento da bomba de combustível. Assim, optou-
se em utilizar no ensaio uma mistura (blend) [7] de 80% de óleo de Mamona e 20% de óleo Diesel
cuja viscosidade a 100 oC apresenta um valor próximo à do Diesel na temperatura ambiente .

Análise dos Resultados


Analisando a figura 3 observa-se que os valores gráficos das emissões específicas de monóxido
de carbono (CO) com o motor operando com óleo diesel são maiores do que quando operando
com óleo de mamona com 20% de óleo diesel a 95 oC em cargas mais altas. Este fato não é
esperado, entretanto, Pimentel [8,9,10] também encontrou resultados similares com o motor
operando com óleo de dendê “in natura”. Uma possível explicação seria devido à presença de
oxigênio na estrutura molecular do combustível.

Podemos observar também que as emissões de CO decresceram com o aumento de potência.


Entretanto, na potência de 20kW as emissões de CO com o motor operando com óleo diesel foram
bem menores do que com o motor operando com a mistura, sendo justificada pelo consumo de
diesel muito inferior ao da mistura nessa potência. Em cargas baixas o motor opera mais frio, fora
das condições ideais de funcionamento, favorecendo a combustão incompleta.

10
9
8
7
CO (g/kWh)

6
5
4
3
2
1
0
20 40 60 80
Potência (kW)

CO (g/kWh) d CO (g/kWh) m+d

Figura 3 – Emissões específicas de Monóxido de Carbono em função da Potência

O gráfico das emissões específicas de hidrocarbonetos (HC) (figura 4), mostra uma queda
progressiva das emissões de HC com o aumento de carga . O motor em baixa carga trabalha mais
frio ocorrendo combustão incompleta. As emissões de HC com o motor operando com a mistura
apresentam valores inferiores do que as do diesel, o que contraria as expectativas. Entretanto,
o
pode ser explicado pela alta temperatura de aquecimento da mistura (99 C), facilitando a
vaporização do combustível.
0.6
0.5
HC (g/kWh) 0.4
0.3
0.2
0.1
0
20 40 60 80
Potência (kW)

HC (g/kWh) d HC (g/kWh) m+d

Figura 4 – Emissões específicas de Hidrocarbonetos em função da Potência

O gráfico das emissões específicas de NOx (figura 5) mostra o aumento das emissões desse gás
com o aumento da carga, como esperado, já que a formação de NOx é função da temperatura
máxima de combustão.

Observa-se também que com o motor operando com diesel os índices de emissões de NOx foram
os mais altos. Esses índices podem ser explicados pelo menor atraso de ignição do diesel gerando
temperaturas mais altas de combustão. No caso da mistura óleo de mamona mais 20% de diesel,
sendo o atraso de ignição maior, ocorrem picos de pressão e temperatura de combustão,
entretanto, a combustão irá se processar no período de expansão, diminuindo a emissão de NOx.

7
6
5
NOx (g/kWh)

4
3
2
1
0
20 40 60 80
Potência (g/kWh)

NOx (g/kWh) d NOx (g/kWh) m+d

Figura 5 – Emissões específicas de Óxidos de Nitrogênio em função da Potência


O gráfico da opacidade (figura 6) apresenta comportamento inverso das emissões de material
particulado com o motor operando com óleo diesel e a mistura.

O motor operando com óleo diesel apresenta menores emissões de material particulado em cargas
mais baixas. Isso pode ser explicado pela menor quantidade de combustível consumida em
cargas mais baixas. Nesta condição o motor operando com a mistura emite mais material do que
em cargas mais altas, demonstrando a inadequação da utilização dessa mistura quando o motor
opere em regime de baixa carga.

O gráfico de consumo específico (figura 7) mostra menor consumo específico demonstrando um


melhor desempenho do óleo diesel, fato já esperado, devido ao seu maior poder calorífico
comparativamente ao do óleo de mamona com 20% de óleo diesel, gerando maior potência.

5
Opacidade (%)

0
20 40 60 80
Potência (kW)

opac (%)d opac (%) m+d

Figura 6 – Opacidade em função da Potência

0.6
0.55
Cons Esp (kg/kWh)

0.5
0.45
0.4
0.35
0.3
0.25
0.2
20 40 60 80
Potência (kW)

Gfuel (kg/kWh) d Gfuel (kg/kWh) m+d

Figura 7 – Consumo específico em função da Potência


O gráfico da figura 8 mostra maiores temperaturas dos gases de exaustão, quando utilizado a
mistura como combustível. Esse aumento de temperatura é conseqüência do maior atraso de
ignição que o óleo de mamona com 20% de diesel provoca. Devido ao maior atraso de ignição,
maior quantidade de combustível queima no início da combustão provocando um aumento de
pressão (picos) e temperatura.

400

Temperatura de Descarga (C)


380
360
340
320
300
280
260
240
220
200
20 40 60 80
Potência (kW)

Temp. desc (C) d Temp. desc (C) m+d

Figura 8 – Temperatura dos Gases de Descarga em função da Potência

Comparando-se a temperatura dos gases de exaustão do motor operando com óleo diesel e com a
mistura, é possível observar que as menores temperaturas de exaustão ocorreram com o motor
operando com óleo diesel. Este fato era esperado, pois um aumento na temperatura de exaustão é
um indicativo de menor desempenho do motor devido às menores taxas de liberação de calor
associadas à menor eficiência térmica .

Conclusões
Ao final do trabalho é possível concluir que a utilização da mistura, em particular a mistura de óleo
mamona com óleo diesel que foi objeto da pesquisa, apresenta-se como uma das soluções viáveis
em substituição aos combustíveis derivados de petróleo. O óleo vegetal mostra-se vantajoso
principalmente pelo aspecto do menor impacto ambiental, apesar da questão operacional em que
são necessárias adaptações de projeto no motor para um funcionamento regular e compatível com
à do motor operando com óleo diesel.

A viscosidade da mistura a temperatura ambiente é muito alta para que seja possível a sua
utilização como combustível sem maiores danos ao motor. Para atingir um valor de viscosidade
próximo ao do óleo diesel é necessário aquecer a mistura a uma temperatura próxima dos 95o C, o
que resulta em melhores condições de operação do motor.

A utilização da mistura modificou alguns dos valores de emissões esperados, muitas vezes
confirmando a vantagem em se utilizar o óleo vegetal em relação ao óleo diesel. As emissões de
CO, NOx e HC foram menores com o motor operando com a mistura, já os níveis de opacidade
foram maiores em potências menores.

Palavras Chaves
Óleo vegetal; combustível alternativo; óleo de mamona; diesel gerador.
Referências Bibliográficas

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