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Herta Herzog (1910-2010) foi uma académica e cientista austríaca especializada nos
Estudos da Comunicação. Tendo nascido e estudado em Viena, Herzog emigrou para os
Estados Unidos em 1935, onde participou no Radio Research Project. Este projeto,
organizado e financiado pela Fundação Rockefeller no final dos anos 30, tinha o objetivo de
estudar o efeito e o alcance dos mass media nas audiências. Dentro destas investigações
também participaram, entre outros, mais dois autores de referência no campo da Sociologia
da Comunicação, máximos exponentes de escolas antagônicas: Paul Lazarsfeld,
relacionado com a corrente do Mass Communication Research (e marido de Herzog), e
Theodor Adorno, um dos teóricos principais da conhecida Escola de Frankfurt. A natureza
das investigações e contribuições de Herzog situam a investigadora perto do corpus da
Escola de Columbia, mas os seus estudos sobre o comportamento dos ouvintes de rádio
mudaram a perspetiva dos estudos sobre a comunicação e colocaram o foco nas causas e
nas motivações dos utilizadores para consumir conteúdos dos mass media. Assim, Herzog
foi uma parte fundamental da terceira fase de estudos comunicacionais do Mass
Communication Research, da sua re-orientação analítica para o funcionalismo e os estudos
a longo prazo.
Assim, Herzog reage à atitude behaviorista, própria dos primeiros trabalhos de Lasswell,
Lazarsfeld e Merton (estudiosos também dos efeitos dos media) para investigar as causas e
os processos que condicionam o funcionamento do consumo dos meios. Assim, a autora
não só estudou os efeitos da rádio, a influência dos meios de comunicação e os processos
de recepção das séries televisivas, mas também as “condutas motivacionais” dos
utilizadores. Por isto, Herzog foi pioneira na teoria Uses and Gratification Theory -
conhecida também como UGT- juntamente com outros autores como Suchman, Wolfe e
Fiske e Berelson. Todos eles estudaram, durante os anos 40, as "gratificações" de distintos
tipos de consumidores de conteúdo. Estas respondem ao propósito que um utilizador quer
ver cumprido, mais ou menos conscientemente, quando lê um jornal ou ouve a rádio: o que
é que um utilizador procura quando escolhe um meio de comunicação concreto? Por que é
que escolhe um e não outro?
Uma das obras iniciadoras da UGT, e uma das mais relevantes conduzida por Herzog, é o
estudo realizado no 1941 On Borrowed Experience: An Analysis of Listening to Daytime
Sketches, publicado na edição nº9 da revista Zeitchsritft für Sozialforschung, a publicação
principal do entorno do Instituto de Investigação Social de Frankfurt. O objetivo era
estabelecer um marco teórico para uma investigação futura sobre os efeitos das populares
radionovelas estadunidenses sobre as mulheres ouvintes. Com tudo, é um pequeno
exemplo do enfoque da UGT e da análise dos media: este estudo está baseado numa série
de entrevistas feitas a 100 mulheres da zona de Nova Iorque durante 2 anos. Todas elas
ouviam entre 2 e 22 programas todos os dias, e foram entrevistadas várias vezes num estilo
coloquial e direito. A conclusão do artigo, desenvolvida com profundidade mais para a frente
neste trabalho, é que as utilizadoras de radionovelas recebiam 3 tipos de gratificações,
relacionadas com as emoções, o otimismo e a aprendizagem. Além disto, On Borrowed
Experience põe também em valor as “borrowed experiences” (“experiências emprestadas”),
compreendidas como experiências transmitidas através de relatos de ficção o não ficçao,
com os que o utilizador se pode identificar. Assim, a investigadora faz foco no potencial da
ficção (mais adiante estudará os efeitos de novelas televisivas como Dallas) frente à
abordagem anterior da Escola de Chicago e do Mass Communication Research, centrados
principalmente na imprensa. O estudo não conta com uma mostra o suficientemente grande
para obter conclusões - Herzog nunca quis que as suas conclusões foram aplicadas
universalmente-, mas é destacável por vários motivos: em primeiro lugar, é uma boa mostra
da metodologia e do enfoque funcionalista novedoso que tinham adotado as investigações
da Escola de Columbia, com a inclusão de novos métodos qualitativos de pesquisa (neste
caso, a entrevista presencial). Por outro lado, este estudo propõe por vez primera o conceito
de “usos e gratificações", de grão relevância no futuro e, além disso, centra-se nas
preocupações, ponto de vista e problema das mulheres e também na ficção como objeto de
estudo, frente à anterior predominância do jornalismo, publicidade e relações públicas nas
pesquisas do Mass Communication Research.
Herzog continuou as suas pesquisas sobre este tópico em artigos como Professor Quiz: A
gratifications study (1941), What Do We Really Know About Daytime Serial Listeners
(1942-1943) e Motivations and Gratifications of Daily Serial Listeners (1954). Herzog
também teve grande influência na publicidade e no marketing, tendo trabalhado na empresa
publicitária McCann Erickson e no think tank publicitário Jack Tinker And Company. Herzog
foi pioneira na utilização de focus group no processo de criação de produtos publicitários.
Voltou à Áustria no ano 1979, onde continuou as suas investigações até 2010, ano de sua
morte.
On Borrowed Experience
O presente estudo elaborado por Herta Herzog pretende mostrar e tentar perceber
que influência é que as radionovelas tinham nas mulheres que as ouviam.
Pelo menos dois milhões de mulheres ouviam programas de rádio (8 ou 9 seguidos)
que são dramatizações de cenas do quotidiano da classe média.
Levantou-se, então, a questão: será possível a rádio influenciar a atitude das
ouvintes perante as suas próprias vidas e problemas do seu dia a dia através dos seus
programas?
Para se responder a esta pergunta foi necessário saber o conteúdo dos programas,
que mulheres ouviam e que mulheres não ouviam, e fazer um estudo periódico sobre o
impacto que os programas poderão ou não ter na forma de pensar destas mulheres.
De forma a preparar futuros estudos, Herzog elaborou uma série de entrevistas a
mulheres ouvintes para perceber o que os programas significam para estas, o porquê de
ouvirem e o que fazem com a informação que absorvem. O objetivo deste estudo foi
preparar um enquadramento sobre as reações das mulheres entrevistadas de forma a que
seja possível uma análise mais completa no futuro.
The Material
Num período de 2 anos, 100 mulheres residentes em Nova Iorque de diferentes
idades e diferentes classes sociais foram entrevistadas. É de realçar que a maioria das
entrevistadas eram donas de casa, tendo algumas trabalhado antes de casarem,
juntamente com algumas alunas de secundário e empregadas.
As entrevistadas ouviram entre 2 a 22 programas diariamente e, por isso, Herzog
clarifica que esta experiência deve ser considerada uma análise de fãs de radionovelas.
Inicialmente foram sujeitas a 20 entrevistas “abertas” de modo a se fazer uma
análise geral. Foi construído um questionário com base nesta análise geral que foi utilizado
na segunda metade da experiência.
O questionário continha perguntas sobre os seus hábitos de ouvinte, os seus
programas preferidos, questões que ajudassem a perceber o que as mulheres achavam
apelativo nestes programas e, por fim, questões relacionadas com as entrevistadas em si
como, por exemplo, quais os seus hábitos de leitura, atividades sociais, filmes preferidos e
ambições de vida.
A primeira conclusão a que se chegou foi que a maioria das ouvintes reportou que
as suas histórias preferidas tem como base uma fórmula estereotipada: “getting into trouble
and out again”.
A média de programas ouvidos por cada mulher no dia a dia é de 6,6 programas,
sabendo que 31% das ouvintes afirmou que ajustava o seu dia de acordo com o horário dos
programas. Acrescenta-se ainda que 57% nunca desgostou de nada no enredo das
histórias e ¾ nunca se aborreceu.
Isto indica um consumo de história de rádio ou radionovelas bastante positivo. Contudo
levanta-se a questão: Como é que as ouvintes nunca se aborrecem com a mesma história e
o mesmo plot?
A Chance to Cry: Muitas delas justificam a oportunidade por duas razões: a primeira,
pois como adultas sentem que perderam o direito de chorar (associam o ato de chorar a
uma criança a pedir ajuda aos pais); a segunda, porque é uma situação em que não
precisam de justificar o porquê de estarem a chorar. Contudo, nem sempre é visto como
uma escapatória mas também como um estímulo de entusiasmo por situações pelas quais
as ouvintes não experienciam no seu dia a dia.
If I’m blue it makes me feel better: Um grande número de ouvintes admitiu que se
sente melhor ao saber que outras pessoas também passam por momentos difíceis. Assim,
em vez de estarem frustradas com os seus próprios obstáculos da vida, as histórias
concedem-lhes algo para onde cada uma pode direcionar a sua frustração e agressividade.
Muitas delas referem até gostar de ouvir histórias onde as personagens aparentam ser mais
“inteligentes” que elas e também passarem por maus momentos. As radionovelas
transmitem, assim, um sentimento de pertença às ouvintes.
Filling in the gaps: Ainda assim, muitas ouvintes utilizam os programas de forma a
preencher um vazio que está presente nas suas vidas. Uma ouvinte em específico expressa
que tem o marido doente e prefere ouvir histórias engraçadas sobre um casal que pode
contar ao marido. Isto mostra que a ouvinte utiliza a radionovela de forma a substituir a sua
situação atual.
Compensating for failure through identification with success: Muitas ouvintes utilizam
as histórias de forma a compensar situações falhadas nas suas próprias vidas. Escolhem
histórias onde a heroína tem sucesso nas áreas onde elas falharam.
I don’t feel empty any longer: As ouvintes afirmam que as radionovelas preenchem
os seus dias vazios com conteúdo que lhes traz alegria e aventuras.
Potencial Advice: A maioria das inquiridas revelam que dão mais importância a
conselhos potenciais do que à sua aplicação concreta. Os conselhos que podem, ou não,
vir a ser úteis deixam espaço para se desejar. Gostam de ouvir como as personagens
resolvem os seus problemas pois dão a sensação de que “se as personagens conseguem,
eu também consigo”.
Conclusão
As radionovelas tornaram-se uma parte integral da vida das suas ouvintes. Estas
revêem-se e às suas vidas nas histórias que ouvem, procurando semelhanças entre si e os
personagens.
Através deste estudo conseguiu também identificar os principais fatores que levam
as pessoas a consumir este tipo de conteúdo, sendo alguns destes a possibilidade de fugir
à monotonia da própria vida, o escape emocional proporcionado pelas histórias, a
aprendizagem de como agir nas situações retratadas, bem como outros referidos
anteriormente.
Herta Herzog reconhece o poder e influência que estas radionovelas possuíam, e
afirma que não devem ser escritas ignorando este facto, atribuindo assim grande
responsabilidade social aos responsáveis pela sua criação.
Apesar de as radionovelas já não serem um formato tão popular, podemos encontrar
facilmente algum paralelismo com as telenovelas que passam na televisão atualmente.
Assumimos então que a relação que o público tem com elas será semelhante e que o tipo
de espetadores será também sensivelmente o mesmo.
No entanto, acreditamos que a evolução terá sido maioritariamente do lado da
produção fictícia que, além de ter transitado para a televisão, plataformas como o youtube,
netflix, deverá ter um melhor entendimento do efeito psicológico que uma novela pode ter
nos seus espectadores.
Bibliografia
Katz , E., Blumler, J. G., & Gurevitch, M. (2015). Uses and Gratifications Research .
Public Opinion Quarterly , 509-523.
Observatorio de la Libertad de Prensa en América Latina . (s.f.). Herta
Herzog-Massing . Tomado de Infoamérica :
https://www.infoamerica.org/teoria/herzog1.htm
West , R. L., & Turner , L. H. (2010). "Uses and Gratifications Theory." Introducing
Communication Theory: Analysis and Application. Boston : McGraw-Hill.